suerdieck - Ubaldo Marques Porto Filho

Transcrição

suerdieck - Ubaldo Marques Porto Filho
BRASIL
BRASIL
BRASIL
BRASIL
BRASIL
UBALDO MARQUES PORTO FILHO
Suerdieck
EPOPEIA DO GIGANTE
1892 1999
HISTÓRIA COMPLETA DO FABRICANTE,
INTERNACIONALMENTE FAMOSO,
QUE FOI O MAIOR PRODUTOR MUNDIAL
DE CHARUTOS FEITOS À MÃO.
COM A SAGA DA
FAMÍLIA SUERDIECK
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UBALDO MARQUES PORTO FILHO
Salvador - Bahia
2011
Copyright © 2003 by
Ubaldo Marques Porto Filho
www.ubaldomarquesportofilho.com.br
[email protected]
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS,
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P883 Porto Filho, Ubaldo Marques.
Suerdieck, epopéia do gigante. Ubaldo Marques Porto
Filho. - Salvador: Ubaldo Marques Porto Filho, 2003.
400p. il.
ISBN 85-903378-1-2
1. Suerdieck - Genealogia. 2. Charutos - Bahia. I. Título.
CDU – 929.52 SUE
663.975(813.8)
Ficha Catalográfica elaborada por Maria Augusta Mascarenhas Cardozo,
Bibliotecária do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
O autor concluiu a redação deste livro em janeiro de 2003, antes da entrada em vigor da Reforma
Ortográfica que unificou, em 1º de janeiro de 2009, a grafia do idioma na Comunidade dos Países da
Língua Portuguesa. No Brasil, as mudanças passarão a ser de uso obrigatório a partir de 2016.
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
Pessoas Físicas
Pessoas Jurídicas
Afonso Imhof
Agrair Schmidt
Aída Ribeiro
Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck
Ângela Maria da Silva Caldas
Aníbal Pedreira Brandão
Carlos Roberto de Mello Kertész
Eduardo Barreto de Abreu
Fernando Alberto Fraga
Francisco Ribeiro de Carvalho
Fred S. Suerdieck
Geraldo Dannemann Neto
Indira Mesquita Marques Porto
José Góes de Araújo
José Miranda dos Reis Neto
Júlia Maria Dâmaso Suerdieck
Klaus Peter Andreas Häfele
Margret Käthe Helene Schwartz (Magy)
Maria Joana Cathalá Loureiro
Mário Oliveira de Rezende
Nicolau Meyer Suerdieck
Nodgi Enéas Pellizzetti
Oréade Mesquita Marques Porto
Paulo Georg Muelbert
Regina Célia Zobiak
Sérgio Lima Vieira
Walter Melgaço Knittel
Walter Stumm
Wellington Cunha Costa Pinto
Wilma Cosenza Suerdieck
Wolfgang Albert Arnold Meyer
Yvette Marques Porto Pavão
A Tarde
Câmara de Charuto da Bahia
Casa de Cultura Carolina Taboada
Centro de Turismo Alemão (São Paulo)
Correio da Bahia
Embaixada da Bélgica
Fundação Cultural de Joinville
Fundação Gregório de Mattos
Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia - Irdeb
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Junta Comercial do Estado da Bahia
Prefeitura de Melle (Alemanha)
Prefeitura de Rio do Sul (Santa
Catarina)
Prefeitura de Stadthagen (Alemanha)
Promotur – Companhia Municipal de Promoção Turística de Joinville e Região
AgradecimentoS
EspeciaIS
Cid Teixeira
Elzeli Duarte de Pinheiro
José Haroldo Castro Vieira
Luiz Carlos Flores Ramos
Márcio Santos Souza
Mário Amerino Portugal
Nelson Almeida Taboada
Themístocles Guerreiro
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INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
A história nos conta que a lavoura comercial do fumo na Bahia começou no
século XVII. Rapidamente tornou-se um dos esteios da economia do Recôncavo e
especialmente de Maragojipe (antigamente, escrevia-se com dois g - Maragogipe),
onde os armazéns de enfardamento do fumo se tornaram numerosos.
Dois séculos depois, em 1852, teve início em nossa cidade a produção de
charutos, com a Fábrica Mello, do português Manoel Vieira de Mello. Depois surgiram
as fábricas dos charutos Dannemann e Victória.
A Suerdieck, que já possuía um armazém de fumo no cais do Cajá, entrou em
1905 na manufatura dos charutos e transformou-se numa gigante do setor, dando
a Maragojipe a maior fábrica de charutos artesanais do mundo.
A Suerdieck marcou época em Maragojipe e teve presença marcante na vida
dos maragojipanos até 1970, quando a empresa enfrentou uma crise financeira
decorrente da queda anual nas vendas de charutos. A partir daí entrou em processo
de paulatina decadência. Em 1992 a grande fábrica foi fechada, encerrando um ciclo
de 140 anos ininterruptos dos charutos em Maragojipe.
Um antigo empregado da Suerdieck, que testemunhou a fase final do império
dos charutos, e que depois seria escritor, autor de vários livros, resolveu contar em
livro toda a trajetória da empresa que fez história em Maragojipe.
Embora tivesse sido aprovado pelo Fazcultura, programa estadual de incentivo
à cultura, em que o patrocinador da obra entra com 20% de recursos próprios e os
80% do valor total do projeto são de renúncia fiscal do Estado, no recolhimento do
ICMS, nenhuma empresa se dispôs a publicar a obra.
Por temer as campanhas antifumo, os empresários não quiseram associar a
imagem de suas empresas a uma antiga produtora de charutos, mesmo que essa
já não mais existisse. Resultado: o livro ficou engavetado.
Em quase três séculos e meio de presença fortíssima na economia maragojipana,
forjando riquezas, patrocinando o progresso e consolidando tradições, a cultura
fumageira e o ciclo dos charutos não podem agora ser banidos da memória de
Maragojipe, simplesmente porque o fumo foi transformado num dos vilões dos
tempos atuais.
Uma das preocupações dos representantes do povo na Casa Legislativa é
justamente com o resgate e a valorização dos bens históricos e culturais do nosso
município. E esse trabalho começou com a restauração do Paço Municipal, antiga
Casa da Câmara e Cadeia, por onde passaram dois ilustres personagens da história
nacional.
O primeiro, em circunstâncias dramáticas, foi o general Pedro Labatut, um
dos heróis da Independência do Brasil. No dia 8 de novembro de 1822, ele havia
conduzido a vitória dos brasileiros na Batalha de Pirajá, a mais importante da
campanha pela Independência na Bahia. Logo depois, vítima de um complô de
seus liderados, Labatut foi destituído do comando do Exército Libertador e mantido
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preso em Maragojipe até ser enviado ao Rio de Janeiro. O segundo, em circunstâncias
festivas, foi D. Pedro II. O imperador do Brasil foi recepcionado, juntamente com
a imperatriz Teresa Cristina, com um jantar no Paço da Câmara, na noite de 9 de
novembro de 1859.
O histórico Paço Municipal, que abriga a sede da Câmara Municipal de
Maragojipe, passou por obras de restauro na sua parte superior, logo no início da
nossa gestão na presidência do Poder Legislativo. Inauguramos as reformas no dia
20 de março deste ano e já iniciamos a restauração do pavimento térreo. É onde se
encontram as duas celas da antiga cadeia, numa das quais ficou o general Labatut.
O projeto dessa segunda etapa prevê a instalação do Museu da Memória
de Maragojipe, do qual fará parte um conjunto de peças da Suerdieck, composto
basicamente por caixas de charutos, material promocional, publicações, fotografias e
documentos da maior produtora de charutos que o Brasil teve e que muito divulgou
Maragojipe pelo país e no exterior, além de ter contribuído de forma relevante com
as manifestações socioculturais e religiosas em nosso município.
O acervo da Suerdieck foi entregue pelo maragojipano Geraldo Meyer Suerdieck,
que durante 27 anos foi o comandante supremo da indústria charuteira, aos cuidados
do escritor Ubaldo Marques Porto Filho, autor do livro “Suerdieck, Epopeia do
Gigante”, cujo conteúdo contém um retrato de uma fase opulenta de Maragojipe.
Durante dez anos, o biógrafo da Suerdieck esperou pelo surgimento de um
local adequado para poder fazer a doação dos objetos sob a sua guarda. E ele fará a
opção pela Câmara Municipal de Maragojipe, tão logo o projeto do museu no Paço
Municipal seja uma realidade.
E na complementação do resgate dos registros históricos, a Câmara Municipal
de Maragojipe está se empenhando com afinco na busca dos meios necessários para
que o importante livro, escrito por Ubaldo Marques Porto Filho, possa ser publicado
e venha enriquecer a historiografia de Maragojipe.
Maragojipe, julho de 2011.
Themístocles Antônio Santos Guerreiro
(Tek de Coqueiros)
Presidente da Câmara Municipal de Maragojipe
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APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Correio da Bahia/Claudionor Jr.
Em minhas andanças, pelos países produtores
e grandes consumidores de charutos, nunca vi um
livro que registrasse, de forma detalhada, a história
de uma empresa do nosso ramo. Portanto, no
gênero, Suerdieck, Epopéia do Gigante reverte-se
de um preciosismo e de um ineditismo universal.
O próprio título sintetiza o que realmente foi a
empresa radiografada nesta publicação. Conheci
todos os seus dirigentes, a partir de Gerhard Meyer
Suerdieck, o construtor de fábricas e criador das
bases para o surgimento de um império.
“Tal pai, tal filho”, reza um antigo ditado popular,
nem sempre verdadeiro. No entanto, no caso dos
Meyer Suerdieck, foi seguido à risca, ao pé da letra.
No somatório dos tempos, pai e filho comandaram a
Suerdieck por 52 anos, período onde se encaixaram
as maiores conquistas e êxitos empresariais.
Filho de uma operária da Suerdieck e nascido
praticamente dentro da fábrica gerenciada pelo pai,
Geraldo Meyer Suerdieck teve educação esmerada
e treinamento na Alemanha. No Brasil, sob a
supervisão paterna, obteve a complementação no
adestramento profissional. Enfim, recebeu toda preparação técnica que o habilitou
como executivo capaz de dirigir, com sucesso, uma empresa que se agigantava e
tinha forte penetração nos mercados nacional e internacional.
Geraldo herdou de Gerhard as qualidades de liderança e a capacidade
empreendedora, pré-requisitos indispensáveis à constituição de um grupo
empresarial poderoso, que teve destacada presença no tripé agro-industrialcomercial. Este trinômio solidificou-se no cultivo e beneficiamento de fumos
especiais, na fabricação de charutos famosos e na comercialização da matériaprima e do produto manufaturado. O livro revela ainda que o conceito e a força da
Suerdieck estavam assentados na fabricação artesanal. Aliás, esta sempre foi a tônica
reinante na produção de charutos na Bahia, no passado e no presente.
Dispondo de farto material descritivo e documental, a narrativa penetrou
fundo nas relações familiares, desvendando a trajetória das quatro gerações que
construíram a história da empresa. E deste mergulho emergiu a figura ímpar de
Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck, esposa de Gerhard e mãe de Geraldo, cuja
existência, por si só, daria munição suficiente à elaboração de um outro bom livro.
Além da excelência do conteúdo, que resgata a memória de uma das mais
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importantes empresas na história mundial dos charutos, o livro, que contém 611
citações de pessoas físicas, é também riquíssimo na programação visual. Encontrase valorizado por 375 imagens e ilustrações contidas em vinhetas, mapas, tabelas
e quadros. Com tantas virtudes, a obra credencia-se a obter premiações nacionais
e internacionais. E a primeira delas chega através da Câmara do Charuto da Bahia,
que lhe confere um Selo de Qualidade Editorial.
Criada pelos produtores, em dois de julho de 2002, a Câmara do Charuto surgiu
em decorrência da necessidade do estreitamento da união entre os fabricantes
baianos, para que, em conjunto, pudessem melhor se relacionar com os órgãos
privados e governamentais, propugnar por medidas que beneficiassem a produção
e articular estratégias que possibilitassem a promoção dos charutos e a ampliação
dos mercados consumidores, no país e no exterior.
A qualidade do charuto é um outro objetivo importante. O mercado ressentia-se
de um certificado de garantia para os bons charutos, nos moldes do sistema praticado
pela Abic, que orienta os consumidores através de um selo de pureza, conferido
apenas às boas marcas do café brasileiro. Por esta razão, os principais fabricante de
charutos – Menendez Amerino, Dannemann, LeCigar e Chaba – resolveram fundar
uma entidade para ser a responsável pela concessão e fiscalização na utilização do
Selo de Qualidade, fundamental no processo para separar o joio do trigo.
Passaporte para os charutos superiores, o Selo de Qualidade é a certeza do
acesso aos produtos do top de linha. O compromisso primordial da Câmara do
Charuto é fornecer o selo exclusivamente às marcas que se adequem aos parâmetros
da qualidade premium internacional. As avaliações, sempre permanentes, serão
efetuadas por uma equipe de provadores especializados, peritos em charutos. Um
deles é o autor deste livro, fumante há quase quarenta anos. Ubaldo é egresso da
escola Suerdieck, onde trabalhou, iniciou-se na degustação e aprendeu a arte de
conhecer os bons charutos.
A Câmara do Charuto da Bahia não é restrita aos seus quatro fundadores.
Qualquer outro fabricante – com produção formal e charutos que se enquadrem
no perfil da qualidade premium – poderá associar-se à entidade e obter o Selo de
Qualidade para seus bons charutos.
Salvador, fevereiro de 2003.
Mário Amerino Portugal
Presidente da
Câmara do Charuto da Bahia
10
PREFÁCIO
PREFÁCIO
A Tarde/Geraldo Ataíde
Antes de tudo, algumas palavras
de admiração e de muito respeito ao
cuidado, à percepção da importância
histórica do material em seu poder,
demonstrados pelo sr. Geraldo
Meyer Suerdieck na preservação dos
documentos que são a base deste
livro. Do mesmo modo falamos à
obstinação e ao senso histórico
demonstrados pelo sr. Ubaldo
Marques Porto Filho no trato com
a documentação, extraindo dela
o melhor para a reconstituição de
um dos mais férteis momentos
da história social e econômica do
Recôncavo, aquele em que a indústria
fumageira, com a sua presença, foi
peça fundamental.
Temos tido na história da Bahia
alguns exemplos de estruturas
empresariais que alcançaram
posições de expressiva liderança,
seja na Província ou na República, para não falar no fastígio dos engenhos de açúcar
durante a Colônia. A documentação de tudo isto, porém, fica longe de correr parelha
com testemunhos fragmentários que aparecem aqui e ali. A historiografia há de
conviver com largos hiatos, carentes de documentação direta, ou mesmo indireta,
em muitos casos. Ubaldo Marques Porto Filho elimina da sua pesquisa esta constatação
que, a tantas outras se explica. Logo no início, escreve:
“A Suerdieck representa uma exceção à regra. Maior produtora brasileira de
charutos de todos os tempos, que chegou a ser a maior fabricante mundial de
charutos totalmente artesanais, escapou do apagão histórico graças ao sr. Geraldo
Meyer Suerdieck. Ele teve o cuidado de proteger documentos valiosíssimos. A mim
coube o privilégio de manusear e utilizar este acervo.“
Para os dois, portanto, estas palavras:
Trata-se da história de uma grande empresa, é certo. Trata-se não obstante,
também, da análise de uma organização que nasceu e viveu sempre ligada às
ações individuais, não raro até mesmo de natureza sentimental, quase romântica.
A começar pela radicação, aos vinte e oito anos, na Bahia, daquele August Wilhelm
Suerdieck, alemão nascido em 1860. Esperança de imigrante, confiança na própria
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capacidade, visão empresarial, histórias ouvidas em Hannover sobre as excelências
do fumo da Bahia, foi a soma de tudo isto que levou aos inícios da saga da sua vida,
da vida da sua gente, da vida da sua empresa. E há muito da presença do nome da
Bahia no comércio europeu.
Os fumos produzidos nas terras altas do Recôncavo da Bahia de Todos os Santos
de há muito tempo já tinham nome feito entre consumidores europeus. Deste – por
exemplo – o Rapé Areia Preta, produzido, desde a década de vinte do século XIX,
pelo suíço Frederic Meuron, primeiro em Pirajá, fora dos limites urbanos da capital
e, mais tarde, no centro da cidade, no Solar do Unhão. Além deste, no próprio
Vale do Paraguaçu, já estava Geraldo Dannemann, com número significativo de
empregados patrícios. E, nada disto não foi outra coisa senão estímulo para aquele
jovem que chegava.
Ousadias empresariais, dificuldades geradas pelas instabilidades de câmbio
na Europa, greves operárias locais, morte prematura de dirigentes, sucessões
internas, filhos havidos fora das ortodoxias matrimoniais, tudo isto, apresentando
documentação pertinente e comentário oportuno por Ubaldo Marques Porto Filho,
coloca o leitor numa espécie de “suspense” no desenvolvimento do texto, até quando
– tal como nos filmes – tudo termina bem, tal como, para exemplificar, a história de
Cinderela vivida por Tibúrcia Guedes, Meyer Suerdieck por casamento. História para
ser a base de qualquer filme de “happy end”. Assim na história familiar – vertente
tão escassa na bibliografia baiana.
A história da empresa, esta é tão intensa quanto. Falar do seu sucesso não é
difícil. O número de marcas posto no mercado; o volume de vendas locais e de
exportação; as referências feitas em correspondências e relatórios empresariais,
tudo isto, coletado e organizado por Ubaldo Marques Porto Filho, fornece elementos
mais que bastantes. A história da empresa, porém, aparece em todo o texto, com
todo o seu vigor, não somente como geradora de divisas, fonte de arrecadação
tributária e empregadora de mão-de-obra, como pioneira na área de cultivo de
fumos especiais, capazes de tornar o setor auto-suficiente em relação ao comércio
exterior. A unidade de Maragogipe era a maior fábrica de charutos da América Latina.
Lá estava instalada a administração da “Assistência Médico-Hospitalar Suerdieck”
com um amplo elenco de serviços que – sem nenhuma prestação financeira dos
beneficiários – “fechou” o ano do cinqüentenário dos charutos com cerca de quinze
mil atendimentos a empregados e familiares.
Sorte teve tão rica história que os seus documentos probantes tenham estado
sob a guarda de Geraldo Meyer Suerdieck. Sorte tiveram tais documentos de terem
sido lidos e interpretados por Ubaldo Marques Porto Filho. Sorte teve a historiografia
baiana que os dois tenham se unido para que existisse este livro, que descreve a
saga da Suerdieck.
Cid Teixeira
Historiador e membro da
Academia de Letras da Bahia
12
MEMÓRIA & ESTILO
MEMÓRIA & ESTILO
José Augusto Viana
Durante muito tempo, importantes empresas
familiares dominaram o cenário da economia
baiana. No setor fumageiro várias tiveram
projeção nacional e internacional. As três
maiores, gigantes na fabricação de charutos,
foram a Costa Penna, Dannemann e Suerdieck.
To d a s a s gra n d e s o rg a n i z a çõ e s, d e
atuação em vários segmentos, que nasceram
e cresceram na Bahia, desapareceram por
fatores diversos. Vão das guerras mundiais às
mudanças no contexto econômico, passando
por desentendimentos entre sócios, sucessões
e má-gestão administrativa.
A memória da quase totalidade das poderosas empresas de outrora, que em suas
épocas ajudaram a construir o progresso da Bahia, apagou-se através do tempo.
Não houve quem se preocupasse em promover os meios para a salvaguarda de
suas ricas histórias.
Foi o que aconteceu com dezenas de fabricantes de charutos, inclusive com as
portentosas Costa Penna e Dannemann, fundadas sucessivamente em 1851 e 1873.
Ambas faliram no mesmo ano, respectivamente em agosto e abril de 1955.
A Suerdieck representa uma exceção à regra. Maior produtora brasileira de
charutos de todos os tempos, que chegou a ser a maior fabricante mundial de
charutos totalmente artesanais, escapou do apagão histórico graças ao senhor
Geraldo Meyer Suerdieck. Ele teve o cuidado de proteger documentos valiosíssimos.
A mim coube o privilégio de manusear, analisar e utilizar este acervo.
Mas foi o dedo de Deus o responsável pela preservação e aproveitamento deste
legado. Primeiro por ter dado vida longa a Geraldo, garantindo a conservação
dos registros manuscritos, datilográficos e impressos. Depois por me guiar até o
homem que durante 27 anos comandou o império charuteiro. Do nosso primeiro
encontro, quando o ex-dirigente tinha 78 anos, até a conclusão dos trabalhos, ele
já se aproximando dos 84, foram quase seis anos de exaustivas entrevistas com o
presidente da fase áurea da empresa, seus familiares, amigos e antigos empregados
da Suerdieck.
Do casamento dos dados documentais com o repasse da histórica oral e das
múltiplas pesquisas, no Brasil e na Europa, resultou este livro. Com ele acredito ter
resgatado a história dos 107 anos da mais destacada empresa que o país teve no
setor de charutos, bem como de seus principais dirigentes.
A Suerdieck foi desativada em dezembro de 1999, levada de roldão pela falência
da Agro Comercial Fumageira Sociedade Anônima. Sadia e lucrativa, a unidade
13
dos charutos foi drenada até a completa exaustão de seus recursos. No final, no
ranking dos credores da Agro, a Suerdieck aparecia na segunda posição, pois havia
“emprestado” valores vultosos, superiores inclusive ao capital (51%) que a Agro
possuía na empresa.
Em função da complexidade do idioma português, os grandes veículos da mídia
impressa criaram manuais de redação e estilo. Através destes verdadeiros guias –
contra deslizes ortográficos, expressões inadequadas e construções imperfeitas
– buscou-se a minimização dos erros e a padronização no tratamento do material
jornalístico. A disciplina na escolha dos termos corretos e as orientações à produção
de bons conteúdos, com frases apropriadas e agradáveis à leitura, passaram a vigorar
nas redações dos jornais e revistas. Os manuais relacionavam ainda esclarecimentos
não-encontrados nos dicionários e gramáticas, além de uma lista dos vocábulos
mais requisitados nas matérias do dia-a-dia.
Criou-se, assim, um padrão de qualidade em cada órgão. Inclusive, dois jornais de
ponta na imprensa nacional, O Estado de S. Paulo e O Globo, tiveram seus manuais
editados e colocados nas livrarias das principais cidades brasileiras. Viraram bestsellers e transformaram-se em fontes de consultas permanentes para universitários,
jornalistas, escritores, publicitários e outros segmentos que trabalham no manejo
da linguagem escrita.
Como técnico em comunicação social, de longa vivência na preparação de
informações dirigidas ao público, também procurei amoldar-me dentro do estilo
regido pela correção, elegância e simplicidade. Fui fortemente influenciado pela
técnica do jornalismo, que privilegia a objetividade, a clareza, a leveza e a narrativa
enxuta, sem rebuscamentos, empolações e erudições vocabulares, tão comuns na
estilística dos literatos que redigem para o consumo de uma elite intelectualizada.
Na elaboração deste livro, adotei procedimentos inspirados na escola do
jornalismo moderno, que, às vezes – em nome do bom senso e da escorreita
assimilação pelos leitores – rompe com certas barreiras do gramaticismo ou das
normas oficiais, mas sem cair na vala das incorreções. A título exemplificativo,
apresento alguns conceitos contidos na metodologia aplicada nesta obra. Escrevi
com maiúsculas todas as iniciais dos acidentes geográficos (Baía de Todos os
Santos, Rio Paraguaçu, Vale do Itajaí, etc.), dos logradouros públicos (Rua Geraldo
Suerdieck, Avenida Estados Unidos, etc.) e das denominações de prédios (Edifício
Suerdieck, Edifício Oceania, etc.). São grafadas com minúsculas as designações das
profissões (médico, engenheiro, etc.) e dos cargos públicos ou privados (presidente,
governador, diretor, gerente, etc.).
Nos diálogos, utilizei o ponto de exclamação como mecanismo de configuração
no término das respostas. Ainda fugindo da ortodoxia gramatical, empreguei a
exclamação no final das citações de terceiros, quando não-contempladas de forma
destacada, em quadros especiais na programação visual.
umpf
14
O EMBAIXADOR ITINERANTE
O EMBAIXADOR ITINERANTE
Dentre todos os grandes fabricantes,
o único que incorporou o nome Bahia, nos anéis de seus charutos,
foi a Suerdieck.
O Suerdieck Bahia,
símbolo sempre presente nos charutos,
que inicialmente conquistaram a Europa,
para depois correr o resto do mundo,
foi o primeiro veículo de divulgação da Boa Terra.
E isto numa época em que no exterior
pouco se ouvia falar no Brasil.
• Com três fábricas, mais de 4 mil empregados e duas centenas de marcas, para
todos os gostos, preferências e classes econômicas, a Suerdieck transformou-se na
maior empresa brasileira de charutos, de todos os tempos.
• No plano internacional, num universo formado por milhares de manufaturas,
espalhadas pelos cinco continentes, a Suerdieck figurou no pódio dos maiores
fabricantes.
• No segmento dos charutos totalmente feitos à mão, chegou a liderar o ranking
mundial. No exterior, o nome Suerdieck Bahia significava Charuto do Brasil.
15
Leão Rozemberg
Derrotas e sofrimentos
deposito num arquivo morto.
Vitórias e alegrias
compartilho com todos.
Geraldo Meyer Suerdieck
17
SUMÁRIO
SUMÁRIO
CAPÍTULOS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15. 16. 17.
18. 19. 20. 21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
FAMÍLIA SUERDIECK .....................................................................................
OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA ............................................................
INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS ......................................................
SUERDIECK & CIA. ........................................................................................
FALECIMENTO DO PIONEIRO .....................................................................
OS MEYER .......................................................................................................
TRINTA ANOS DE CHARUTOS ......................................................................
ASSISTÊNCIA SOCIAL ...................................................................................
A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK .................................................................
TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO .................................................
PROBLEMAS COM OS NAZISTAS ................................................................
HISTÓRIAS DE AMOR ...................................................................................
SUPRIMENTO DE CEDRO .............................................................................
REFLEXOS DA II GUERRA MUNDIAL .........................................................
SUERDIECK S.A. ..............................................................................................
MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO .....................................................
RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA ......................................
O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS ...............................................
JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS ........................................................
EDIFÍCIO SUERDIECK ..................................................................................
SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE .........................................................
MARYON, A INESQUECÍVEL .......................................................................
A GRANDE FÁBRICA ....................................................................................
DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK ...............................................
CRISES CUBANA E FAMILIAR ...................................................................
GISELA E NEUSA ...........................................................................................
PREOCUPAÇÕES ..........................................................................................
ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS .........................................................
A CRISE DE 1970..............................................................................................
VIA-CRÚCIS ....................................................................................................
CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO ............................................
HONRARIAS ....................................................................................................
CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK ..........................................
RECONSTRUÇÃO DO GRUPO .....................................................................
RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA ................................................
A CRISE FATAL ...............................................................................................
CRONOLOGIA ................................................................................................
19
21
25
27
33
37
41
47
53
57
59
73
79
85
91
97
101
111
119
125
135
145
153
155
161
171
179
185
191
199
205
213
221
231
237
239
243
251
APÊNDICE
1ª PARTE: GENEALOGIAS
1.FAMÍLIA MEYER .....................................................................................
2.FAMÍLIA SUERDIECK .............................................................................
3.FAMÍLIA MEYER SUERDIECK ..............................................................
4. DESCENDÊNCIA DE GMS ............................................................
5. TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK ..................................
257
258
259
260
263
2ª PARTE: FUMOS, CHARUTOS E PODER
1. CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO .................................
.
2. MARCAS SUERDIECK ...................................................................
3. DOMÍNIO DO MERCADO ..................................................................
4. GRUPO SUERDIECK .......................................................................
271
289
297
311
3ª PARTE: DESVENDANDO SEGREDOS
1. CONTROLE DE QUALIDADE ....................................................... 317
2. TESTE ANALÍTICO .......................................................................... 319
3. CURIOSIDADES SOBRE GMS ......................................................... 322
4ª PARTE: COMENTÁRIOS DE GMS
1. QUE MAL FAZ O CHARUTO? ..........................................................
2. OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES PRODUTOS ...........
3. A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA NA BAHIA ..........
4. A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO ...................................................
5. PRODUTOS IDÔNEOS .....................................................................
6. EPÍLOGO .................................................................................................
343
345
347
350
353
355
POSFÁCIO .................................................................................................................. 361
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 381
ICONOGRAFIA ......................................................................................................... 383
ÍNDICE ONOMÁSTICO ........................................................................................... 385
20
Capítulo
S
1
FAMÍLIA SUERDIECK
FAMÍLIA SUERDIECK
egundo Keith Alan Suerdieck1 , o nome da família possivelmente tenha
as raízes no holandês zuurdeeg, que na Alemanha teria transmudado
para sauerteig, cujo significado é massa azeda. Isto conduz qualquer pesquisador
a uma dedução lógica: o iniciador da família Suerdieck foi um homem que
trabalhava com massa azeda, ou seja, fabricava pães. Conforme o costume, muitos
Reprodução
sobrenomes foram adotados em função
da atividade laboriosa dos iniciadores
de novas famílias. E dentro desta ótica, e
nas mutações promovidas pelo tempo, o
Zuurdeeg passou pelo Sauerteig e acabou
no Suerdieck.
Entre os séculos XII e XVII, por causa
de guerras, perseguições religiosas e
até fome, muitas famílias emigraram
da Holanda. No noroeste da Alemanha
a fixação dos holandeses foi muito
grande. De acordo com Keith Suerdieck, é
quase certo que os Suerdieck, de origem
católica, também tenham trocado de
território. Estabeleceram-se em Melle,
uma cidadezinha fundada em 1169, no
coração do Grönegau, região próxima à
Holanda, no Estado de Niedersachsen
(Baixa-Saxônia). Talvez tenham chegado
nas primeiras levas dos povoadores. O que
se sabe, com segurança, é que Melle se
constitui no mais antigo lar dos Suerdieck.
Johann Friedrich Suerdieck é o ancestral
mais remoto documentalmente conhecido,
pois os registros anteriores da família foram
Auto-retrato de Bernhard Suerdieck. O pintor era filho
destruídos por saques, guerras e incêndios. de Johann Friedrich Christoph Suerdieck, professor de
dança nascido em Melle.
1 Keith A. Suerdieck, nascido a 20 de março de 1943, em Phoneton, Ohio, nos Estados Unidos, é autor do trabalho
SUERDIECK GENEALOGY, 1976.
21
Melle sofreu com duas guerras no século XVIII, quando foi ocupada por franceses
e suecos. Também foi vítima de dois incêndios, ocorridos em 1649 e 1720, sendo que
o último, de proporções terríveis, destruiu 120 casas e o prédio da prefeitura, além de
ocasionar dezenas de mortes, inúmeros feridos e queimar importantes documentos.
Em 1761 a cidade sofreu um novo abalo, com um saqueamento promovido por um
grupo de bandidos. Estas ocorrências e sinistros foram as causas determinantes do
sumiço dos registros de gerações inteiras de várias famílias.
Graças às anotações particulares, que
foram passando de geração à geração,
até chegarem ao jornalista Fred S.
Suerdieck, residente em Berlim, ficouse sabendo das datas do nascimento
e falecimento de Johann Suerdieck,
ocorridos respectivamente em 19.09.1753
e 08.01.1827, ambos em Melle, onde
também se casou com Anna Maria
Charlotte Meyer, na Igreja St. Matthäus,
em 7 de setembro de 1779. Tiveram três
filhos: Ferdinand Josef, Anton Rudolph e
Antonius Heinrich.
August Wilhelm Suerdieck, bisneto
de Johann, pela ramificação de Anton,
foi quem fundou a fábrica de charutos
que espalhou o nome da família pelos
quatro cantos do mundo. Outro bisneto
que contribuiu para difundir a designação
Suerdieck foi Bernhard Suerdieck 2 ,
pintor de vida curta, mas que deixou
um acervo de obras importantes. O livro
“Arbeitsalltag an der Nordseeküste, in
Bildern von Bernhard Suerdieck, Adolf
Mausoléu da família Suerdieck, no cemitério católico de
Fischer-Gurig und Max Liebermann”,
Leer, onde foi sepultado o pintor Bernhard Suerdieck.
editado em 1998, pela Isensee Verlag,
da cidade de Oldenburg, resgata a memória e o trabalho do artista falecido
prematuramente, aos 29 anos de idade.
Em função da boa localização, no corredor de tráfego entre Hannover, Osnabrück
e a Holanda, Melle viu-se transformada em ponto de comércio e de pequenas
indústrias. Porém, não ganhou roupagem de cidade industrial cinza. Seus habitantes
2 Bernhard Ferdinand Florenz Suerdieck nasceu a 20 de março de 1860, três meses após o primo August Wilhelm
Suerdieck. Estudou pintura na Academia de Düsseldorf e faleceu a 27 de janeiro de 1889, na cidade onde nasceu,
Leer, Alemanha.
OBS – Fonte pesquisada na elaboração do terceiro e dos dois últimos parágrafos: MELLE IN ACHT JAHRHUNDERTEN,
Verlag Ernst Knoth. 1969, Melle, Alemanha.
22
sempre deram bastante atenção à preservação ambiental e souberam cuidar
para que o antigo e o moderno convivessem harmoniosamente, sem agressões à
natureza. Por dispor da Meller Sole, água com propriedades curativas, que jorra de
uma profundidade de 122 metros, a cidade adquiriu status de estância balneária,
sendo um centro bastante procurado pelos habitantes da Baixa Saxônia e da Renânia
do Norte-Vestfália. Com comprovação científica da eficácia em várias moléstias,
as águas medicinais de Melle destinam-se a dois tipos de aplicações: em banhos,
para reumatismo e doenças infantis; e para ingestão, no tratamento do estômago,
intestino e da bílis.
Melle é plana e arrodeada por uma cadeia de montanhas, com parques, lagos e
reservas ecológicas. Estes atributos naturais lhe conferem a condição de estar numa
das áreas mais maravilhosas do Grönegau. Na vizinhança, em distâncias entre 20
a 30 quilômetros, encontram-se cidades de porte maior, tais como Osnabrück, no
oeste, Bünde, Herford e Bielefeld, pelo leste.
23
Reprodução
Lavadeira Holandesa, óleo sobre tela (67,5x51,0cm) que Bernhard Suerdieck pintou em 1887 e que se encontra no Museu
de Emden, Alemanha. Apaixonado pelo campo, o artista tinha como temas prediletos as paisagens e os interiores de
casas, quase sempre com a presença humana, pois também era um excelente retratista.
24
Capítulo
2
OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA
OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA
A
ugust Wilhelm Suerdieck, nascido em Melle, a 1º de janeiro de 1860,
foi batizado dois dias depois, na Igreja St. Matthäus. O menino veio ao
mundo com o tabaco injetado nas veias. O pai, Joseph Suerdieck, era comerciante
de fumos e o avô, Anton Suerdieck, tinha sido produtor de fumos.
Com estes antecedentes e sempre ouvindo que o fumo da Bahia era o melhor do
mundo, o jovem Suerdieck sonhava em conhecer o “eldorado” brasileiro do fumo para
charutos. Depois de uma temporada em Hannover, residindo na Bahnhof 17, August
finalmente, aos 28 anos, embarcou em Hamburgo para a viagem mais importante da
sua vida, levando 100 marcos. Durante a longa e monótona travessia do Atlântico,
Reprodução
saindo do hemisfério norte
para o sul, gastava o tempo
nas tradicionais rodas de batepapos, com especial interesse
nas pessoas que conheciam
ou que se dirigiam à Bahia.
Num grupo regado com vinhos
e charutos, conheceu um
agente da firma F. H. Ottens,
que operava na compra de
fumos no Recôncavo da Bahia.
Resultado, ao desembarcar em
Salvador já estava contratado
para fiscalizar o enfardamento
num dos centros da região
fumageira. Da capital baiana
August seguiu por via férrea, Plettenbergerstrasse: rua onde August Suerdieck nasceu, numa foto de 1930.
num percurso de 159km, até
uma pequena estação distante 6km de um povoado à beira duma estrada de tropeiros,
onde chegou em lombo de burro. Chamava-se Oiteiro Redondo, que não passava de
um rude arraial em formação.
Os deslocamentos pelo interior da zona fumageira eram penosos. Nos períodos
das chuvas intensas, entre março e agosto, o lamaçal e os atoleiros, nas estradas
carroçáveis, impediam a livre circulação das tropas de burros que faziam o transporte
na região. Se fazia sol, o calor escaldante maltratava o gringo desacostumado ao
clima tropical.
25
Mas, August Suerdieck soube superar as adversidades climáticas e o desconforto
de um núcleo florescente. Adaptou-se de tal forma que resolveu ficar. Em 1892, aos
32 anos, criou a empresa AUG.SUERDIECK, iniciando no ano seguinte as atividades
como compradora, enfardadora e exportadora de fumos. Um ano depois, em 1894,
August comprou dois imóveis, uma casa residencial e, da própria organização
onde havia trabalhado, o primeiro armazém. Em 1897 assistiu Oiteiro Redondo ser
desmembrado de São Félix e receber o nome de Vila de Cruz das Almas.
Aprígio José Lobo e João Casimiro de Mello foram os primeiros compradores
que a Aug.Suerdieck teve nas roças dos agricultores. A firma contou também com
o valioso apoio dos senhores Júlio Bans e Ramiro Eloy, aos quais August se associou
em diversas operações de compra e venda de fumos. Os negócios iniciais foram
realizados com Joh.Acheles & Söhne (Bremen), Schuback & Söhne (Hamburgo) e
Dannemann & Cia. (São Félix). Em pouco tempo os fardos de fumos com as marcas3
enfardadas por August ficaram conhecidos na Europa, especialmente na Alemanha.
Para auxiliá-lo no crescente desenvolvimento das exportações chamou o único
irmão, Heinrich Ferdinand Suerdieck, quinze anos mais moço, que chegou à Bahia
em 1899, aos 24 anos de idade.
Em 1900 August embarcou para uma viagem com finalidades comerciais na
Alemanha. Numa visita à cidade natal passou por Stadthagen, onde um amigo o
levou à casa da tradicional família Meyer, na Obernstrasse 16. Neste dia conheceu e se
apaixonou por Hermine, num sentimento recíproco. O casamento não demorou, pois
as obrigações profissionais aguardavam
pelo noivo em Cruz das Almas, onde o
casal fixou residência. O enlace representou
a união de duas famílias de correntes
religiosas distintas. Os Suerdieck eram
católicos fervorosos e os Meyer luteranos.
Nesta época, August já desfrutava de
vasto conceito nos meios comerciais da
Bahia. Prova disto foi a inserção do seu nome
num contrato entre Geraldo Dannemann,
sócio majoritário na Dannemann & Cia.,
Ludwig Krüder e Johann Adolf Jonas,
Hermine Suerdieck fotografada por Gonsalves,
minoritários na referida companhia, nos
na janela da casa em Cruz das Almas.
termos abaixo:
Cláusula 11 - As divergências sociais serão submetidas ao juízo de dois árbitros,
ficando desde já, de pleno acordo, escolhido e nomeado o terceiro desempatador,
Theodor von der Linde e, em sua falta, por qualquer motivo, para substituí-lo,
August Suerdieck, honrados negociantes e nossos comuns amigos.
3 As seis primeiras marcas de fumo somente seriam registradas na Junta Comercial do Estado da Bahia anos depois,
em 30 de novembro de 1898: SUERDIECK, AUG SUERDIECK, AWS SUERDIECK, H&A SUERDIECK, WESTPHALIA e PORTA
WESTPHALICA.
26
Capítulo
3
INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS
INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS
P
ara os serviços de compra e enfardamento, além de Cruz das Almas,
August Suerdieck, com a ajuda do irmão, abriu armazéns de fumo
em Maragogipe, Santo Antônio de Jesus, São Félix e São Gonçalo dos Campos.
Por iniciativa de Ferdinand Suerdieck, que quis preencher o tempo da inatividade
nos armazéns, de cinco meses, entre as exportações e as compras de uma nova
safra de fumo, a Aug.Suerdieck passou a se dedicar às duas pontas da atividade
fumageira: cultivo do tabaco e manufatura de charutos. Pela existência de grandes
fabricantes na Bahia, o projeto para os charutos constituía-se numa pretensão das
mais ousadas. Somente em Maragogipe existiam três fábricas conceituadas (Mello,
Dannemann e Victória), que poderiam, se quisessem, anular o empreendimento
dos irmãos Suerdieck.
A opção por Maragogipe foi em função de quatro determinantes básicas: tradição
da mão-de-obra, através de exímias charuteiras; localização privilegiada, no eixo do
Rio Paraguaçu e com porto acessível aos vapores; transporte fácil de mercadorias,
por meio de inúmeros saveiros que faziam
a interligação com Salvador, num percurso
de 32 milhas; e a infra-estrutura oferecida
pela cidade.
Cruz das Almas não proporcionava
nenhuma destas comodidades ou
facilidades. Vila nova, ainda sem foro
de cidade 4 , seu problema residia no
posicionamento geográfico. Ficava um
fundador da
Ferdinand, pai dos
pouco distante do Rio Paraguaçu, a via de August,
empresa.
charutos.
escoamento das riquezas do Recôncavo.
MARAGOGIPE
A origem do topônimo é controversa. O dicionarista Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira define Maragogipe como “certa variedade de
café”. Coincidência ou não, o café nativo de Maragogipe era famoso,
pela excelência da qualidade e pela marcante característica dos grãos,
miudinhos. Era chamado de Café Indígena.
4 Cruz das Almas somente seria elevada à condição de cidade em 1921, enquanto Maragogipe gozava deste status
desde 1850.
27
Para a maioria dos historiadores, Maragogipe é uma derivação do
tupi “maraku-ipe”, que significa “rio dos peixes”. A pesca representava uma
importante fonte para a alimentação do povo maragogipano.
Na versão pesquisada e divulgada pela Suerdieck5, Maragogipe é uma
corruptela de “marag-gyp”, expressão também indígena, traduzida como
“braços invencíveis”, numa alusão aos destemidos guerreiros da região.
Uma lenda dizia que os primitivos habitantes teriam aprisionado uma
embarcação européia e poupado as mulheres, geradoras da miscigenação
que explicaria a existância, na tribo de Maragogipe, de índios morenos
claros, diferentes dos demais encontrados no litoral baiano.
Por causa da quantidade de palmeiras imperiais plantadas para
comemorar a visita do imperador D. Pedro II, ocorrida em 9 de novembro
de 1859, Maragogipe ficou conhecida como “Cidade das Palmeiras”. Depois
virou “Cidade dos Charutos”.
Primeiro rótulo para caixa de charutos.
A fábrica montada por Ferdinand Suerdieck,
batizada com o nome fantasia A.SUERDIECK,
entrou em funcionamento em julho de 1905,
num armazém de fumo alugado pela Aug.
Suerdieck em 1899, no cais do Cajá. A produção
dos charutos começou de forma modesta, com
cinco operários: Manoel Timóteo Cerqueira
Santiago, Almiro Andrade, Benigno Rebouças
e duas charuteiras, sendo uma filha do velho
Timóteo6, grande conhecedor de fumos.
Trabalhando em condições primitivas, logo
no início aconteceu um pequeno acidente.
Quando levados para o estufamento, os
primeiros charutos pegaram fogo. A produção
era pequena e as marcas iniciais foram
Simples Nº1, Simples Nº2 e Simples Nº37,
comercializadas sem a garantia de um
registro na Junta Comercial do Estado da
Bahia8. Iniciava-se, assim, a passos tímidos, a
fabricação dos charutos que a concorrência
das marcas famosas preferiu ignorar, na certeza
de que a Suerdieck, a exemplo de outros tantos
5 Boletim Trimestral da Suerdieck, edição nº 18 - jan-mar/1953.
6 Timóteo Santiago, um dos primeiros empregados da Aug.Suerdieck no serviço de fumos, era um herói nacional.
Combateu na Guerra do Paraguai e recebia um soldo do Exército.
7 Mais tarde seriam denominadas de Suerdieck Nº 1, Suerdieck Nº 2 e Cata Flor.
8 As primeiras marcas registradas foram Aurora e Nobreza, em 10 de agosto de 1906, juntamente com o rótulo da
fábrica, A.Suerdieck.
28
fabricantes, seria fogo de palha, sem possibilidades de crescimento.
Assinatura de August Suerdieck na solicitação de registro do rótulo,
requerido à Junta Comercial da Bahia.
Simples Nº 1, o primeiro charuto, no formato e comprimento originais.
Dois anos após o início da aventura, a fabriqueta foi transferida para um prédio
próprio, um sobrado na Praça da Matriz. Embora já com quarenta operários, o
processo ainda continuava rudimentar e grande parte do trabalho distribuído pelas
casas particulares, para ser executado por eficientes destaladeiras e charuteiras. As
caixas dos charutos eram todas confeccionadas fora, por experientes artesões que
trabalhavam em regime de conta própria, tais como Álvaro Almeida, Francisco Barão,
J. Damiana, J. Pereira, A. Tourinho
e L. Bandeira. Prontas, seguiam
para as oficinas de Antônio Couto
e Nicodemos, para pregação dos
ferrolhos e bisagras.
Mesmo assim, sob a mais
simples condição de trabalho,
com a ausência de muitos
equipamentos exigidos numa
produção contínua, a fábrica
prosperava com a aceitação de
seus excelentes charutos. E num
ato de plena confiança no sucesso
comercial, foram criadas novas
marcas: Caboclos, Caprichosos,
Vencedores, Fidalgos, Amor
Perfeito, Únicos, Holandeses,
Baronezas, Florinha, Três Estrelas, Sobrado na Praça da Matriz, para onde, em 1907, a fábrica foi
Princesas, Banqueiros, Prima Dona, transferida. A foto é de 1909.
29
Plantação do fumo Bahia-Brasil, em Cruz das Almas, na propriedade de August Suerdieck.
No fundo a parte especial, abrigada do sol. Foto de 1908.
Gonsalves
Andarilhos, Mulata e Record. Várias delas envazadas em caixas de luxo, envernizadas,
numa inovação que deixou os fabricantes antigos pasmos.
Em 1908, participando da Exposição Nacional do Rio de Janeiro, a empresa Aug.
Suedieck foi agraciada com dois prêmios, uma Medalha de Ouro e um Grande Prêmio
Especial. Este último foi para a cultura aperfeiçoada do fumo, fruto da introdução, em
Cruz das Almas, de plantações pioneiras no Brasil, abrigadas do sol, sob coberturas
de gaze. Nestas condições, baseadas em estudos de combinação do sol com sombra,
conseguiu-se melhorar a qualidade do fumo capeiro escuro, nativo. As premiações
tiveram reflexos imediatos sobre os recém-lançados charutos Suerdieck, que
ganharam conceito, saindo da penumbra interposta pelos fabricantes famosos.
Suerdieck emergiu como nome de qualidade, abrindo as portas à consolidação de
seus charutos nos mercados exigentes de bons produtos.
No dia 2 de maio de 1909 desembarcou em Maragogipe um alemão de 22
anos, identificado pelo povo como “o gringo que chegou para o Fernando”.
Chamava-se Gerhard Meyer, novo gerente da fábrica comandada pelo Ferdinand
Suerdieck, que no ano seguinte passou para um prédio bem maior, na Rua Pedra
Branca9. Em adequadas instalações, a manufatura apresentava-se agora como um
estabelecimento bem aparelhado e tendo, já no final de 1910, 200 operários, a
maioria do sexo feminino. A Suerdieck havia vencido todos os obstáculos e crescia
vertiginosamente.
9 Em 1932, o poder público municipal, numa homenagem aos irmãos Suerdieck, alterou a nomenclatura de dois
logradouros: a Rua Pedra Branca passou a se chamar Rua Fernando Suerdieck e a Rua das Flores virou Rua Augusto
Suerdieck.
30
PRIMEIROS CHARUTOS
Os charutos do primeiro lote – produzidos com os melhores fumos
existentes nos armazéns da Aug.Suerdieck, selecionados por Ferdinand
Suerdieck – não foram comercializados. Destinaram-se à distribuição
como presentes, para fumantes especiais avaliarem a qualidade.
No início, na ferração das caixas de madeira, utilizou-se um fogareiro,
no qual se aqueciam os ferros para aplicação “a olho”. Só algum tempo
depois foi comprada uma máquina gravadora. Era de segunda mão,
pertencia a Antônio Caetano da Silva (Caetano da Enseada), dono da
Fábrica Victória.
A empresa suíça A. Dürr & Co. AG, sediada em Zurique, foi a primeira
distribuidora dos charutos Suerdieck no exterior.
Gonsalves
M. Philipsen
Vista interior da plantação de fumo abrigada do sol, onde foi
aprimorada a cultura do Mata Fina, variedade Bahia-Brasil
utilizada no capeamento de charutos especiais.
Para este prédio, na Rua Pedra Branca, que abrigava um cineteatro, vendido por Elpídio Barbosa, a fábrica da Suerdieck foi
transferida em 1910.
Ponte de acesso ao cais dos navios, no porto de Maragogipe.
Foto do início do século XX.
31
A fábrica em 1921, já ampliada.
32
Capítulo
N
4
SUERDIECK & CIA.
SUERDIECK & CIA.
o dia 1º de julho de 1914 a firma Aug. Suerdieck foi sucedida pela
Suerdieck & Companhia, tendo como sócios os irmãos August e
Ferdinand. Gerhard Meyer ficou como procurador. No ano seguinte as dificuldades
surgiram no rastro da Primeira Guerra Mundial, que, na Bahia, ocasionaria o
fechamento de várias pequenas fábricas de charutos. Na Suerdieck os fumos
importados de Sumatra e Java, via Holanda, ficaram escassos e depois faltaram,
paralisando a fabricação dos charutos com capas claras.
SALÃO EM COQUEIROS
Visando o aproveitamento das charuteiras residentes em Coqueiros,
a Suerdieck abriu um salão de fabricação neste povoado do município
de Maragogipe.
A unidade representava uma extensão da fábrica propriamente
dita, para onde eram enviados os charutos depois de prontos, para
as etapas finais: estufamento, prensagem, anelamento, celofonagem,
encaixamento, empapelamento e expedição.
Com a crise provocada pela guerra na Europa, o salão em Coqueiros
foi desativado e nunca mais reaberto.
Com o término da guerra, a produção de charutos nobres voltou a crescer
e a necessidade de espaço tornou-se imperiosa. Foi então idealizado um novo
prédio, edificado em 1920, pelo engenheiro Emílio
Odebrecht, pioneiro das construções de cimento
armado, em Recife e Salvador. A interligação da
fábrica nova com a antiga, separadas pela Rua das
Flores, fez-se através de uma passarela de concreto,
uma novidade em Maragogipe. Por causa dela,
o prefeito Elpídio da Paz Guerreiro sofreu uma
campanha popular muito forte. Na verdade, a
autorização para a obra elevada tinha sido dada
pelo antecessor, engº Júlio dos Santos Sá. O motivo
das reclamações foi uma crendice do povo da zona
rural, que participava da feira semanal. Os matutos
33
acreditavam piamente que passar por baixo de pontes dava azar. E para evitar a
“ponte da Suerdieck” eles fizeram, durante um bom tempo, um longo arrodeio para
chegar ao local da feira livre.
Durante uma viagem de férias, no rigor do inverno europeu, Ferdinand Suerdieck
contraiu pneumonia, vindo a falecer em Luzern, na Suíça, no dia 17 de março de 1923,
aos 47 anos e sem deixar descendentes. O sócio remanescente,
o pioneiro August Suerdieck – com 63 anos e residindo em
Salvador, donde supervisionava a exportação de fumos, que
sempre foi a sua principal atividade empresarial – foi obrigado
a definir o sucessor do irmão que vinha preparando para o
comando da organização, onde, além do setor de charutos, já
respondia pela lavoura fumageira da companhia.
Para substituir o irmão prematuramente falecido, August
escolheu o cunhado, Gerhard Meyer, gerente da fábrica de
charutos e procurador da empresa. Assim, inesperadamente,
Gerhard viu-se transformado num dos donos da Suerdieck &
Cia.. Delineava-se também o virtual sucessor do próprio August,
Uma das raras fotografias uma vez que a irmã1 0 de Gerhard não lhe dera nenhum filho. A
de Ferdinand Suerdieck.
cadeia sucessória deste ramo Suerdieck estava extinta. Portanto,
a um Meyer, no vigor dos seus 36 anos, pai de cinco filhos homens, caberia a missão
de continuar a obra iniciada pelos irmãos Suerdieck.
Em 1925 ocorreu a segunda greve11. Não foi por melhoria salarial, mas por causa
de três demissões. Para combater o desperdício de charutos, havia saído da direção
uma determinação para dispensa de toda charuteira que diariamente desse mais de
Os dois blocos da fábrica de Maragogipe.
10 August e Hermine casaram-se em 1900, ele com 40, ela com 23 anos.
11 A primeira greve na Suerdieck ocorreu em junho de 1919. Foi uma greve geral, em todas as fábricas de charutos de
Maragogipe, por melhores salários. Por acordo entre patrões e operários, foi concedido um aumento de 10% na folha
dos salários semanais.
34
20% de refugo. No cumprimento da norma, o mestre Clementino Dolores afastou
três operárias. Na manhã do dia seguinte, 27 de março, um grupo de estranhos aos
quadros da empresa penetrou nas dependências fabris portanto bananas de dinamite.
Ameaçando explodir a fábrica, os invasores obrigam os operários a abandonar o
serviço e entrarem em greve.
A produção de charutos foi paralisada,
houve desordens, depredações de diversos
setores da fábrica e do armazém situado
no Cajá. O movimento ganhou força e
chegou à Dannemann, cujos operários,
também coagidos, declararam-se em
greve. De repente, uma simples medida
administrativa virou um caso rumoroso,
envolvendo a cidade numa agitação sem
precedentes. Sem controle, as autoridades
enviaram um telegrama urgentíssimo ao
governador Góes Calmon, solicitando meios
para o restabelecimento da ordem pública
e preservação do patrimônio das fábricas
de charutos, ameaçadas por atos de franco
terrorismo.
Às quatro horas da tarde deste 27 de
março, na Praça Municipal, o comando
grevista promoveu discursos inflamados
para uma platéia em torno de 4 mil pessoas,
um recorde na história de Maragogipe. A
situação somente foi controlada com o
sobre a Rua Augusto Suerdieck, interligando
desembarque de um contingente da Força Passarela
os dois prédios da fábrica, que se transformou na
Pública Estadual, sob o comando do enérgico “ponte da discórdia”.
Pedro de Azevedo Gordilho, que assumiu as negociações e pôs um fim ao movimento
paredista. Para serenar os ânimos, a Suerdieck concordou em readmitir as operárias
que não estavam à altura do padrão de qualidade exigido pela empresa. Ao delegado
35
Pinheiro
Anísio Malaquias coube a responsabilidade da instauração de um inquérito policial,
para apurar as responsabilidades nas depredações.
Foram indiciados como cabeças da baderna um ex-empregado da Suerdieck,
Décio de Quadros, demitido há anos por desrespeito, o jornalista Werdeval Pitanga,
secretário da Câmara Municipal, e o jovem dentista Bartolomeu Britto Souza,
principal líder da greve e do quebra-quebra, que durante altercação verbal, com
Gerhard Meyer, ameaçou aos gritos mandar explodir a fábrica. Decorridos vinte
e cinco anos, o dentista voltou a entrar na fábrica, no dia 13 de maio de 1950.
Desta feita não foi com o propósito de
depredá-la ou ameaçar destruí-la com
bombas de dinamite. Chegou como
cicerone de uma comitiva política
vinda de Salvador, para mostrar a
fábrica como orgulho da economia
maragogipana, tendo perpetuado a
presença assinando no Livro de Visitas.
Bartolomeu Britto Souza era um dos
chefes políticos do município e exprefeito de Maragogipe, nomeado pela
ditadura do Estado Novo.
Paramentos de uma tampa: sigma, ferro de tampa, faixa e rótulos que continuam pelas cabeceiras da caixa de charutos.
36
Capítulo
5
FALECIMENTO DO PIONEIRO
FALECIMENTO DO PIONEIRO
A
ugust Suerdieck não era um homem de estatura alta. Embora
reservado e de pouca conversa, sabia como poucos dar ordens.
Cenhoso e de pulso forte, às vezes bastava um simples olhar para os empregados
entenderem o que estava certo ou errado. Autoritário e exigente, levantava-se e ia
embora de qualquer restaurante, fosse no Brasil ou na Europa, quando o serviço
lhe desagradava ou a comida demorava de ser servida.
Mas, este homem, mandão e durão, tinha um caráter dos mais grandiosos. Ao
estourar a I Guerra Mundial ele estava na Alemanha, onde teve de permanecer
durante todo o período do conflito. Nesta época, de forma discreta, ajudou inúmeras
pessoas, principalmente enfermos, pobres e famintos.
Em 1928, quando a Suerdieck estava ingressando no clube da elite dos
fabricantes baianos de charutos, August autorizou
o arrendamento dos imóveis e a incorporação
da produção da Fábrica Mello, pioneira (1852) na
manufatura empresarial de charutos em Maragogipe.
A fábrica pertencia a Vieira de Mello & Cia., que tinha
como sócios os senhores Albertino Vieira de Mello
Peixoto e José Fábio Peixoto. Ainda em 1928, August
entregou o comando total da Suerdieck & Cia. ao
cunhado Gerhard e se retirou para Wiesbaden, uma
estância hidromineral em meio dos bosques do
Taunus, perto de Frankfurt. Havia planejado gozar
nesta cidade balneária, onde possuía casa, uma
aposentadoria confortável, que acabou se revelando
curtíssima.
Após uma breve enfermidade, de ordem
emocional, August Suerdieck veio a falecer, no dia 23
de setembro de 1930, aos 70 anos. Sua viúva tornouse sócia da companhia, mas continuou residindo Avesso às fotografias, foram pouquíssimos os registros deixados por August
em Wiesbaden. Começava uma nova quadra na Suerdieck. Nesta foto, a última no Brasil,
história da empresa, agora sem nenhum Suerdieck tirada em Salvador, em julho de 1928,
ele aparece ao lado da esposa, junto
genuíno no comando da sociedade. No ano seguinte, ao coreto do Farol da Barra, há poucos
quis o destino, mais uma vez, alterar a composição metros da residência do casal, localizada
num bangalô da Rua Coqueiros do Farol,
societária. Uma enfermidade, também de ordem atual Almirante Marques de Leão.
37
emocional, gerada pelas saudades do marido, provocou a morte de Hermine
Suerdieck, em Wiesbaden, aos 54 anos de idade, no dia 30 de outubro de 1931. Para
compor o novo perfil da Suerdieck & Cia., o irmão de Hermine, sócio remanescente,
premiou um antigo empregado, homem da confiança de August Suerdieck. Gerhard
deu a Karl Friedrich Horn uma participação
minoritária na sociedade que ficou sob o
domínio majoritário do casal Meyer.
Mesmo tendo construído sua vitoriosa
carreira profissional no Brasil, August
Suerdieck não renunciou à cidadania
alemã. Também nunca se desligou da
terra natal. Toda vez que ia à Alemanha
visitava Melle e procurava se inteirar
dos acontecimentos e das necessidades
da cidade. Generoso, em diversas
oportunidades fez doações em dinheiro e
Placa da Rua Suerdieck, em Melle, com a seguinte prestou bons serviços à comunidade, tais
informação complementar: “August Suerdieck (1860
a 1930): cidadão de Melle, exponente comerciante, rei como a oferta de um relógio à Prefeitura e
do fumo da Bahia/Brasil. Ofereceu a Melle o primeiro o patrocínio, post-mortem, na construção
balneário público (1934)”.
do primeiro balneário público. Como prova
do reconhecimento, Melle prestou-lhe significativa homenagem, batizando em
1934 um dos logradouros com o seu sobrenome, surgindo a Suerdieckstrasse (Rua
Suerdieck).
No ano das comemorações pelo transcurso dos 800 anos de Melle (1169-1969),
foi editado o livro “Melle in Acht Jahrhunderten”, de autores diversos. No capítulo
“Bedeutende Meller Persönlichkeiten”, escrito pela historiadora Maria Heilmann,
estão perpetuados os nomes das personalidades mais ilustres da história da cidade.
O grupo é seleto, apenas sete membros, dentre eles o fundador da Suerdieck.
AUGUST SUERDIECK
(1860-1930)
Foi um mecenas silencioso da nossa cidade. Grande comerciante, era
chamado de “rei do fumo da Bahia”. Nascido em 1860, em Melle, numa casa
da Rua Plettenbergerstrasse, ainda jovem, como aprendiz do comércio, foi
trabalhar em Amsterdã. Depois, mudou-se para o Brasil, onde, começando
praticamente do nada, montou uma empresa de fumos. Os produtos
Suerdieck são conhecidos e apreciados mundialmente.
August foi casado com uma senhora alemã, mas o matrimônio não
rendeu filhos. Muitas vezes esteve em Melle e praticou várias bondades,
sem chamar a atenção. Durante a época da inflação, após a I Grande
Guerra Mundial, sempre manteve o coração aberto e uma mão estendida
38
aos necessitados e doentes. Porém, de maneira alguma, permitia que
estas boas ações fossem divulgadas publicamente. Seus amigos sabiam
e ficavam calados.
No testamento, ele doou 10% do seu patrimônio à cidade de Melle,
sob a forma de uma pensão mensal, que foi usada na construção do
primeiro local para banhos públicos. Este foi o seu grande legado a Melle.
Com 68 anos de idade, August retirou-se dos negócios e escolheu
Wiesbaden como morada da aposentadoria. Mas, a morte logo o levou
embora, em 1930, sendo sepultado, conforme seu desejo, no bonito
cemitério de Melle.
MARIA HEILMANN
MELLE IN ACHT JAHRHUNDERTEN
Verlag Ernst Knoth, 1969. Melle - Alemanha
Tradução: Klaus Häfele
Sepulcro de August e Hermine, em Melle. Na lápide
lê-se: August Suerdieck da Bahia.
Ingrid Suerdieck
O jornalista Fred Suerdieck, nascido (1931) em Jena, numa visita ao
mausoléu de August e Hermine
Suerdieck.
39
Val Araújo
40
Capítulo
N
6
OS MEYER
OS MEYER
a região de Schaumburg, no Estado de Niedersachsen, fica a cidade
de Stadthagen, fundada em 1222. Foi aí que a família Meyer, cuja
genealogia conhecida vem de 126012, desenvolveu-se e montou o seu quartelgeneral. Em 24 de setembro de 1850, a firma E. Eduard Meyer, fundada em 1747,
e que desde 1838 fabricava vinagre, obteve permissão para produzir bebidas
alcoólicas. No ano seguinte foi lançado o conhaque “Meyer’s Universal-Branntwein
Gen. 52er”. Em 1853 Georg Ernst Eduard Meyer criou o “Meyer’s Schweizer-AlpenKräuter-Bitter”, elaborado com quarenta variedades de ervas e raízes dos Alpes
suíços, das regiões de Berna e Engadin. Inicialmente solicitado pelos hospitais, o
Meyer’s Bitter tornou-se um sucesso, graças à fama de curar males intestinais. Era
tomado misturado com chá preto, na proporção de 2 ou 3 colheres para cada chícara
de chá. Além do conhaque e do bitter, a fábrica também produzia licores finos, mas
o Meyer’s Bitter constituiu-se no carro-chefe da linha de produção, sendo também
degustado puro, como aperitivo e digestivo de vasto conceito, sendo inclusive
consumido na corte do príncipe de Schaumburg-Lippe.
Georg Ernst Eduard Meyer faleceu oito anos após o invento do Meyer’s Bitter,
cabendo ao primogênito, Johann Christian Gerhard Meyer, aos 25 anos de idade, dar
continuidade à expansão das vendas do bitter por toda a Europa, numa atividade
em que foi auxiliado pelo irmão, Karl August Eduard Meyer. Durante os trinta e oito
anos no comando da empresa, Johann Christian Gerhard Meyer, dono de muito bom
conceito na cidade, da qual era conselheiro comercial, consolidou o prestígio e a
fama do Meyer’s Bitter. Premiado em várias exposições nacionais e internacionais,
o bitter transformou-se numa identificação para Stadthagen e num referencial para
a família, que passou a ser chamada de Bittermeyer.
Em 1898, com o falecimento do herdeiro da empresa e de conformidade com a
tradição germânica, coube ao filho mais velho, Wolfgang Meyer, neto do inventor
do bitter, assumir os negócios da família, aos 20 anos de idade. Ao irmão, órfão
aos 12 incompletos, caberia, após os estudos, decidir o rumo na vida profissional:
trabalhar na fábrica, subordinado ao irmão, ou seguir outro caminho.
Depois da conclusão do curso ginasial, na cidade de Bückeburg, vizinha a
Stadthagen e onde residiam parentes, o destino de Gerhard Meyer foi Bremen,
grande entreposto de tabacos que tinha um porto que rivalizava com o de
12 A história de Stadthagen registra que entre as primeiras 300 casas do povoado a da família Meyer figurava com o
número 77.
41
Hamburgo, em tráfego e importância logística. Gerhard havia conseguido um
estágio na Bodenstedt & Co., empresa que comercializava fumos, donde saiu em
fevereiro de 1908, para cumprir o serviço militar. Findo o período do dever patriótico,
o jovem de 1,80m embarcou imediatamente para o Brasil, atraído pelo convite do
cunhado para gerenciar uma fábrica de charutos na Bahia.
Em Maragogipe, Gerhard demonstrou três qualidades excepcionias: era líder
nato, empreendedor e de larga visão empresarial; tinha pendor para as artes
plásticas, gostava de pintar quadros a óleo; e era namorador, ficando maravilhado
com a população de sete mulheres para cada homem. Um ano e dois meses após
a chegada, aos 23 de idade, já era pai de um menino, Carlos, fruto do romance
com a primeira namorada brasileira, Aguida, que lhe daria uma filha, Raulina. Este
desempenho deixou o cunhado-patrão preocupado, pois, pelo seu gosto, Gerhard
deveria casar-se com uma européia, de preferência alemã. August Suerdieck chegou
a mandá-lo para uma temporada de trabalho na Alemanha, na esperança de vêlo retornar casado. Para tanto, em Stadthagen, a família, previamente instruída,
apresentou-lhe uma jovem e fez de tudo para que houvesse o enlace matrimonial.
Gerhard namorou, mas não casou. Voltou solteiríssimo e continuou a cortejar as
baianas. Resultado, mais um filho, Antônio, com outra maragogipana, Maria Amélia.
A carreira de conquistas somente foi encerrada quando o impetuoso alemão se
apaixonou por uma jovem operária da fábrica, Tibúrcia Pereira Guedes13. Tiveram
cinco filhos: Geraldo, Susana (falecida aos dois anos), Nicolau, Albrecht Wolfgang
e Fernando.
Em 1928, a bordo do Antonio
Delfino, transatlântico alemão,
Gerhard partiu de Salvador para
a primeira viagem à Europa com
a esposa e filhos. A família Meyer
permaneceu sete meses fora do
Brasil. O primogênito do casamento,
chamado Bubi 14, com nove anos,
ficou em Stadthagen, na casa dos
tios, Lisbeth e Wolfgang Meyer. para
ser alfabetizado em alemão, cursar
o primário e o ginásio. Nesta época,
já como virtual dono da Suerdieck,
Gerhard iniciava os preparativos para
Os Meyer reunidos em Stadthagen, 23 de maio de 1928. A partir
da esquerda: Ernst, Bubi, Gerhard, Gerhard Albert (em pé), Tibúrcia, Wolfgang Arthur, Friedrich Wolfgang, Lisbeth e Jobst.
tornar o filho sucessor de si próprio,
dentro dos princípios da tradição
germânica.
13 Tibúrcia trabalhava como charuteira. Filha mais velha de Leonídia e José Pereira Guedes, tinha um casal de irmãos.
14 Apelido colocado pelo pai. Em alemão Bubi significa “menino traquino”.
42
Em Stadthagen, Bubi experimentou
a bebida famosa, inventada pelo
bisavô. De coloração verde e sabor
amargo, a fórmula era um segredo
da família, guardada a sete chaves. O
menino ficou também sabendo das
lendárias proezas atribuídas ao bitter
durante a Grande Guerra, de 1914
a 1918: os soldados que bebiam o
Meyer’s Bitter viam-se possuídos de
uma força e coragem descomunais.
Afiançavam que o aperitivo era o
combustível que tinha posto soldados
franceses para correr em algumas
batalhas. Da fábrica mais famosa da
cidade, dirigida pelo tio, Bubi via sair
as encomendas recebidas da Europa,
América do Sul, África, Austrália e
Estados Unidos.
os tios e primos de bubi
FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT
WOLFGANG MEYER
* 23.05.1878, Stadthagen
LISBETH ANNA HEDWIG LEWIS
* 07.08.1882, Wolfswinkel
Gerhard Albert Wolfgang Meyer
* 11.10.1906, Stadthagen
Wolfgang Arthur Hans Meyer
* 02.08.1908, Stadthagen
Ernst Ferdinand Meyer
* 20.07.1910, Stadthagen
Jobst August Werner Meyer
* 28.12.1915, Stadthagen
Numa noite do começo do outono, chegou
a notícia do falecimento do dono da Suerdieck.
Ouvindo uma conversa entre os tios, Bubi ficou
sabendo que August havia morrido por causa
de um enorme desgosto provocado pela mãe,
Frau Eliese, falecida aos 90 anos. Ela deixou um
documento revelando o maior segredo da sua
vida: o filho Ferdinand, nascido quase cinco
Obernstrasse 16, com a bandeira alemã hasteada,
meses após o falecimento do marido, tinha
indicando que o registro foi num dia festivo de
1928. Bubi aparece entre o primo Jobst e a mãe,
sido fruto de uma relação extraconjugal15.
no peitoril da janela.
Homem de formação puritana, de sólidos
princípios religiosos e morais, August Suerdieck não agüentou o choque da origem
paterna do irmão, na verdade meio-irmão. Entrou numa depressão profunda, que o
levaria à morte no dia 23 de setembro de 1930, quando a mãe completava exatos
dois meses de falecida.
Bubi tinha boas lembranças do tio August, pois freqüentou sua residência
em Salvador, na Rua Coqueiros do Farol. Recordava-se do bangalô rosa com um
jardim na frente, donde assistia os meninos ensebar os trilhos para o bonde ficar
deslizando. Era a terceira ou quarta casa após a esquina, do mesmo lado onde seria
construído o Edifício Oceania. Ainda estava fresca na memória a temporada de
15 Quando se tornou adulto, Bubi teve do pai a explicação de que os irmãos Suerdieck eram bastante diferentes, quer
fisicamente como no temperamento. August, fechadão e esnobe, tratava os empregados de forma ácida, às vezes até
rude. Ferdinand, um pouco mais alto, esbelto e afável, era muito querido em Maragogipe.
43
um veraneio que ali passou. Foram três meses tomando
banhos de mar na praia do Farol da Barra, sempre levado
pela tia Minni. Por causa de uma coqueluche, seus pais
haviam-no despachado de Maragogipe, aconselhados que
foram a mandar o menino para um local onde pudesse ir
diariamente à praia, o receituário da cura. Dona Hermine,
que não teve nenhum filho, tratou o sobrinho como tal
e o transformou no pequeno príncipe da casa do barão
do fumo. Apegou-se de tal forma que chegou a pedir ao
irmão que deixasse Bubi definitivamente em Salvador, um
desejo endossado por August, que enxergava nele o futuro
continuador de seus negócios. Mas o destino os separou,
pois logo depois os três iriam residir na Alemanha. O casal
Bubi com a tia Hermine Suerdieck.
Suerdieck fixou-se em Wiesbaden e Bubi em Stadthagen.
Na cidade do Meyer’s Bitter, Bubi estudou durante um ano e meio numa Volksschule
(escola do povo), para depois, na Páscoa de 1930, ingressar no Ober Real Gymnasium,
onde permaneceu até janeiro de 1933, quando seus pais foram visitá-lo após cinco
anos sem vê-lo. Dona Tibúrcia tomou um choque muito grande e chorou ao constatar
que Bubi, já um rapazinho de 14 anos, não mais falava português. Como ela não sabia
alemão, a comunicação
entre mãe e filho ficou
bloqueada, inclusive
entre Bubi e os irmãos.
Qualquer entendimento
dependia da tradução
do pai. Enfim, criou-se
um clima constrangedor,
o menino tinha virado
um estranho no seio da
família. Dona Tibúrcia
ficou apavorada e exigiu
o retorno imediato do
filho ao Brasil.
Bubi, de gorro, na praia de Travemünde, Mar Báltico, no verão de 1931.
Para não interrromper os estudos em alemão, Gerhard contratou em Bünde,
cidade vizinha a Melle, o professor Wilhelm Brömmelmeier. Trouxe-o incorporado
na comitiva familiar, com a missão de proporcionar a Bubi a conclusão do curso
ginasial por meio de aulas particulares, que começaram em Maragogipe e foram
concluídas em Salvador, para onde a família havia transferido a residência. O curso
especial, que seria reconhecido pelo governo alemão, foi ministrado com dez
matérias: alemão, inglês, francês, latim, aritmética, matemática, geografia, história,
música e estenografia.
A língua portuguesa, na qual também passaria vexame em Maragogipe, pois na
44
chegada teve imensas dificulades de se comunicar com
os amigos de infância, Bubi teve de reaprender sozinho,
no dia-a-dia, sem nenhum professor. Aliás, nunca faria
qualquer tipo de curso no Brasil. Seu idioma oficial era
o alemão, seguido do inglês, para em terceiro plano
aparecer o vernáculo da sua verdadeira nacionalidade.
Em Maragogipe Bubi teve a iniciação sexual, de forma
praticamente acidental, dentro de casa, mas bem à moda
brasileira. Ele ocupava sozinho um quarto, enquanto
seus três irmãos dormiam num outro. Numa certa noite,
de tenebroso temporal, colocaram a filha de uma das
empregadas, a sapeca Baçu, para dormir num colchão
estendido ao pé da cama do “alemãozinho”. Este, vendo
que a moça fingia ter medo dos relâmpagos, deu uma de
esperto e, aproveitando-se do estrondo de um medonho
trovão, deixou-se cair bem ao lado dela. Abraçaramse, como se ambos estivessem amedrontados com as
intempéries da natureza. Das carícias na pele sedosa e
quente da cabocla faceira, ele passou para a seção
Bubi aos 12 anos, em Stadthagen,
no inverno de 1930.
dos beijos ardorosos, que acabaram na explosão do ato final. Educado sob o teto
luterano dos Meyer, Bubi acabou virando devoto de São Pedro, a quem agradeceu
pelas águas, relâmpagos e trovões, saudações para o ingresso no mundo do sexo.
GERHARD E OS FILHOS
Os três primeiros filhos homens de Gerhard nasceram de mães diferentes, todas
maragogipanas solteiras. Ei-los:
nascimento
mãe
1. Carlos João da Costa Cunha
09.07.1910
Aguida Alice da Costa Cunha
2. Antônio das Neves
17.05.1916
Maria Amélia das Neves
3. Geraldo Meyer 23.11.1918 Tibúrcia Pereira Guedes
Posteriormente, os registros dos três foram refeitos, para alterações nos
sobrenomes, que ficariam na forma definitiva abaixo:
1. Carlos Meyer
2. Antônio Neves Meyer
3. Geraldo Meyer Suerdieck
Ao abolir o sobrenome materno do mais velho, Gerhard deixou claro, conforme
a tradição alemã, que este seria o herdeiro privilegiado na sucessão em futuros
negócios da família. Ao manter o Neves no sobrenome de Antônio, ficou também
explícito que o segundo estava alijado desta linha sucessória.
O terceiro filho, o único contemplado, logo ao nascer, com a exclusividade do
sobrenome paterno, foi guindado à condição de primeiro herdeiro ao ser enviado
45
para os estudos em Stadthagen. Carlos havia perdido a condição de
herdeiro natural na infância/adolescência, época do afloramento dos
sinais que deixaram Gerhard preocupado quanto ao futuro do menino.
Não demonstrou gosto pelos estudos e nem aptidão para o trabalho na
fábrica. Por esta razão, o pai resolveu investir todas as fichas no terceiro
filho.
E m 1 9 3 6 , q u a n d o G e r h a rd
acrescentou civilmente o Suerdieck
ao sobrenome Meyer, não concedeu
esta adição aos dois primeiros filhos.
Eles estavam, definitivamente, fora de
qualquer plano de participação futura
na direção da empresa.
Fábrica do Meyer’s Bitter, na Obernstrasse 77.
Foto de 1874.
Residência da família Meyer, na Obernstrasse 16 (esquerda). A casa tinha um subsolo para estocagem de
carvão e mantimentos para o inverno. Os dormitórios
ficavam no último pavimento. Foto de 1900.
Marktplatz (Praça do Mercado) em dia de desfile da Schützenfest (Festa dos Atiradores), o mais antigo
evento de Stadthagen, realizado anualmente desde o século XIV, no mês de junho.
46
Capítulo
7
TRINTA ANOS DE CHARUTOS
TRINTA ANOS DE CHARUTOS
P
elo transcurso dos trinta anos (1905-1935) da fabricação dos charutos,
Gerhard preparou, para distribuição gratuita aos clientes atacadistas, um
luxuoso livro colorido, impresso em Detmold, Alemanha, com texto em português. A
publicação, além de registrar a evolução da companhia, constituía-se num belíssimo
catálogo ilustrativo, mostrando cada marca de charuto, num total de 57 títulos, todos
feitos à mão.
AS MARCAS
Amor Perfeito
Flor de Cintra
Mandarim
Regalia Cubana
Aurora
Florinha
Mulata
Regalia Fina
Banqueiros
Fortuna
Nippões
Sadda
Baronezas
Garantidos
Nobreza
Sortimento Extra
Beira Mar
Hamburgueses
Odalisca
Fino
Boas Festas
Havana Extra
Ouro de Cuba
Suerdieck 75
Caboclos
Havana Finos
Perfeitos
Suerdieck Brasil
Caixa de Presente
Havana Flor
Persianos
Suerdieck Nº 1
Caprichosos
Havana Médios
Petiscos
Suerdieck Nº 2
Cata Flor
Havana Pequena Flor Prima Dona
Cesários
Havana Políticos
Princesas
Únicos
Coreana
Holandeses
Record Fino
Valência
Esplanada
Índios
Record Grosso
Vencedores
Fazendeiros
Invencível
Record Lançado Viajantes
Três Estrelas
Fidalgos
Com três décadas, a Suerdieck já estava consolidada como fabricante de renome,
graças à qualidade de seus charutos, que conquistaram conceito e prestígio nos
mercados brasileiro e europeu. Para garantir o suprimento da boa matéria-prima, a
companhia possuía armazéns de fumo em Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas,
São Félix e São Gonçalo dos Campos. Para o capeamento de alguns tipos de charutos
nobres, importava fumos especiais da Indonésia (Sumatra e Java), de Cuba (Vuelta
Abajo e Havana) e do México (San Andrés).
No rastro do progresso, para atender o mercado crescente, a Suerdieck resolveu
abrir duas novas fábricas, para se fazer presente nas bases de um triângulo fumageiro.
A fábrica de Cruz das Almas, inaugurada em 3 de novembro de 1935, tinha também
47
por objetivo o aproveitamento de uma infra-estrutura
operacional, pois nesta cidade a empresa concentrava um
importante setor de compra e enfardação de excelentes
fumos para exportação.
SALÃO EM CABEÇAS
Cena comum na porta dos armazéns:
carregamentos de fumo chegando no
lombo de animais.
Gonsalves
Primeiro carro de entrega de charutos nas lojas do varejo.
SALÃO EM CABEÇAS
Durante algum tempo, como apêndice da
manufatura de Cruz das Almas, a Suerdieck manteve
um salão de fabricação de charutos em Cabeças, uma
povoação no município de Muritiba, futura cidade de
Governador Mangabeira.
Ponto de venda de charutos no restaurante de um
hotel, com a indicação em português e espanhol.
A fábrica de Cachoeira tinha um
significado estratégico, haja vista que no
miolo São Félix-Cachoeira (cidades gêmeas,
grande entroncamento ferroviário e um rio
navegável) estavam as grandes fábricas da
Dannemann e da Costa Penna.
Cachoeira constituía-se na cidade mais
pujante do Recôncavo. Localizada na margem
esquerda do Rio Paraguaçu, possuía um
porto movimentado,com linha regular
de navio para Salvador e uma centena de
saveiros levando e trazendo riquezas. A
lavoura fumageira havia substituído na
região a riqueza do ciclo da cana-deaçúcar, responsável pelo desenvolvimento
da vila que, no ápice da prosperidade
econômica, chegou a rivalizar em prestígio
48
com Salvador, a burocrática capital da Província. Datava do século XVIII o período da
construção da maioria dos prédios de relevo arquitetônico, quase todos de influência
barroca, que conferiam a Cachoeira uma ambiência e uma atmosfera do período
colonial.
A idéia inicial da empresa previa a instalação da fábrica em São Félix, onde a Suerdieck
possuía um armazém de fumo, na Avenida Salvador Pinto. Porém, o projeto foi alterado
em face da intervenção do prefeito de Cachoeira, Durval de Miranda Motta, que, para
beneficiar a cidade que administrava, concedeu os seguintes incentivos:
1. Isenção, por dez anos, das décimas urbanas do prédio da fábrica;
2. Isenção, também por dez anos, das taxas, emolumentos e licenças municipais;
3. Isenção, por cinco anos, dos impostos de indústria e profissão no município;
4. Abatimento, de 50%, na taxa do cais, sobre as tábuas importadas, para caixas de
charutos e caixões da fábrica.
Instalada na Rua José Joaquim Seabra, a fábrica foi solenemente inaugurada na tarde
de um sábado, 1º de agosto de 1936, na presença das autoridades locais e inúmeros
convidados de cidades da região fumageira e da capital baiana.
Rica e poderosa, Cachoeira tinha sido o berço do levante armado
contra o longo domínio político de Portugal. Antecipando-se ao Grito
do Ipiranga16, a Câmara local oficializou com pompas, em 25 de junho
de 1822, o rompimento com Lisboa ao proclamar o príncipe D. Pedro
como “Regente e Perpétuo Defensor e Protetor do Brasil”. No momento
que os cachoeiranos vibravam nas ruas, uma canhoneira portuguesa,
que se encontrava acantonada defronte ao porto, rompeu fogo contra o
centro da vila. A multidão reagiu e lutou até tomar a belonave inimiga,
dando início a um amplo processo para expulsão das tropas portuguesas
sediadas na Bahia. De Cachoeira também partiram as primeiras fileiras
do Exército Libertador, que no dia 2 de julho de 1823 conseguiu entrar
em Salvador, consolidando a Independência do Brasil. Pelo destacado
papel desempenhado nos episódios da libertação, o imperador D. Pedro
I outorgou a Cachoeira o título de “A Heróica”17.
16 A data oficial da Independência do Brasil é 7 de setembro de 1822, quando às margens do Riacho Ipiranga, em
São Paulo, D. Pedro deu o “Grito do Ipiranga”, simbolismo do rompimento com Portugal. Mas, antes disto, já se lutava
encarniçadamente na Bahia, a Província rebelde, onde realmente houve guerra e correu muito sangue. Salvador, baluarte
do poderio militar colonial, resistiu até 2 de julho de 1823, dia em que o Exército Libertador entrou na capital baiana e
os portugueses fugiram pelo mar, de volta a Lisboa. Portanto, na Bahia ocorreu o primeiro (em Cachoeira) e o último
(em Salvador) tiro das lutas pela Independência.
17 As informações históricas deste bloco, foram pesquisadas na publicação Cachoeira, Cidade Monumento Nacional,
editada em 1981, por SGS, sob a coordenação editorial de Ubaldo Marques Porto Filho e com a assessoria do historiador
Pedro Tomás Pedreira, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
49
INDÚSTRIA TOTALMENTE ARTESANAL
A fabricação de charutos
representava uma importante
fonte geradora de empregos,
de sustento para milhares de
pessoas.
Todo trabalho era manual
e pago por tarefas. O das
charuteiras, que ia das
marcas mais simples às mais
requintadas, remunerava-se
de acordo com a capacidade
de cada uma, por peça
confeccionada. Naturalmente
que as marcas mais difíceis
alcançavam preços maiores na
tabela dos feitios.
Gonsalves
Maragogipe: quebragem
e classificação do fumo.
Gonsalves
Banca de seleção de folhas para capas
dos charutos.
EVOLUÇÃO EM TRINTA ANOS
ANO
EMPREGADOS
CHARUTOS
1905
1906
1907
1910
1915
1917
1925
1935
5
13
40
200
700
200 *
1.100
2.000
200.000
1.200.000
4.200.000
1.000.000
18.000.000
40.000.000
* Reflexo da I Guerra Mundial
Salão da charutaria no prédio antigo.
50
Pinheiro
Gonsalves
Gonsalves
Gonsalves
Maragogipe: salão da
charutaria no prédio novo,
com o mestre Clementino
Sacramento entre as
charuteiras.
Maragogipe: colocação do celofone nos charutos.
51
Maragogipe: encaixamento para prensagem.
Maragogipe: empapelamento nas caixas já cheias de charutos.
52
Pinheiro
Capítulo
A
8
ASSISTÊNCIA SOCIAL
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Companhia Empório Industrial do Norte, industria têxtil idealizada
por Luiz Tarquínio, revolucionou na Bahia as relações entre empregador
e empregados. Localizada em Salvador, a Empório, que chegou a ser a mais
importante produtora de tecidos do Brasil, compunha-se de uma fábrica e de uma
vila operária com 258 residências para acomodar as famílias de seus empregados,
com escola, armazém de víveres, açougue, loja de tecidos, farmácia e serviço
médico. O pioneirismo de Luiz Tarquínio havia materializado uma organização onde
os operários tinham ainda salários dignos e participação nos lucros, numa época
distante das reivindicações da classe dos trabalhadores18.
Na Bahia, obra social comparável a da Empório somente encontrou paralelo na
Suerdieck, graças a Gerhard Meyer. Culto, amante da música, pianista que tocava de
ouvido e pintor, Gerhard
havia freqüentado
bons colégios e tinha
sólida formação familiar
e religiosa. Com estas
qualificações, somadas à
influência psicológica de
haver se casado com uma
ex-operária, aflorou nele
uma forte consciência
humanitária, que o fez
enxergar o mundo dos
trabalhadores por uma
ótica bem diferente
da vista pela grande
maioria dos empresários
da época. A política de
Doutor Abílio Alves Peixoto no consultório médico.
Gerhard trilhava pelo
caminho de proporcionar condições mais dignas de trabalho à medida que a
empresa crescia e se desenvolvia.
18 O texto deste parágrafo foi baseado em anotações pessoais deixadas por Júlio Adalberto Marques Porto, avô paterno
do autor deste livro, que foi tesoureiro da Companhia Empório Industrial do Norte.
53
Gonsalves
Ao completar trinta anos manufaturando charutos, a Suerdieck possuía 2 mil
operários. Oferecia-lhes completa assistência odonto-médica, extensiva aos familiares.
Em Maragogipe, dentro da fábrica, havia posto médico, gabinete dentário, laboratório
para pesquisas clínicas, farmácia, laboratório para manipulação de receitas e creche.
Tudo mantido pela Suerdieck, com equipe própria de médicos, dentistas, enfermeiras,
farmacêuticos,
laboratoristas, etc. Os
serviços, medicamentos,
partos e intervenções
cirúrgicas (quando
necessárias em Salvador)
eram assegurados de
forma inteiramente
gratuita.
Pinheiro
Doutor José Duarte Marques no gabinete dentário.
Enfermeiras Nelsonita
e Santa na sala de
curativos.
54
Pinheiro
Farmácia.
Doutor Nicanor Rocha do Nascimento no laboratório de análises clínicas.
55
Gonsalves
Berçário na creche das operárias, dentro do parque fabril, em 1934.
A MEDICINA INDÍGENA
“A ciência da sabedoria dos índios prevalece e se conserva.
Algumas vezes ultrapassa a arte dos médicos”.
Com esta introdução, a historiadora alemã Carla Meyer inicia a narrativa
de um episódio que deixou Gerhard Meyer perplexo e maravilhado com
o poder da medicina popular, baseada em ervas encontradas no reino
vegetal.
Certa feita, em Maragogipe, apareceu um tumor no seu joelho
esquerdo, que teimava em não sarar, para desespero dos médicos da
fábrica, que tiveram de aconselhar o patrão a procurar um especialista
em Salvador. Na véspera da viagem, a esposa, que tinha ascendência
indígena pelo lado materno, mandou chamar uma famosa e antiga
rezadeira, descendente de uma tribo da região, que passou a noite
inteira no quarto, fazendo uma pajelança. De hora em hora trocava as
compressas de folhas colocadas sobre o joelho, num ritual intercalado
por rezas numa linguagem de seus antepassados. Ao amanhecer, quando
acordou do sono que o vencera pela madrugada, Gerhard teve uma das
maiores surpresas da sua vida: o tumor tinha murchado e pôde voltar a
andar normalmente.
56
Capítulo
9
A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
C
om o falecimento de August Suerdieck, Gerhard Meyer tornou-se
comandante supremo da empresa. Porém, era muito importante que
à testa dos negócios continuasse um Suerdieck, por dois motivos fundamentais:
um de cunho comercial e outro como salvaguarda legal. No primeiro, o nome da
família tinha presença marcante nos mercados de fumos e charutos da Europa.
No segundo, a associação empresa-família extinguir-se-ia no falecimento da sócia
Hermine Suerdieck. A legislação brasileira, com base numa lei de 1899, não permitia
que empresas usassem denominações familiares sem que no quadro de sócios
houvesse um nome que conferisse com o da firma. Mas permitia que, por publicação
oficial, as pessoas adotassem nomes comerciais.
Precavido, antes que a irmã viesse a falecer,
Gerhard lançou mão do direito facultado em
lei, o de utilizar o nome Suerdieck para fins
empresariais. No Diário Oficial do Estado da
Bahia (16.12.1930) e no jornal Redempção
(21.12.1930), de Maragogipe, publicou a
declaração abaixo:
Declaração
Gerhard Meyer, sócio solidário da firma Suerdieck
& Cia., estabelecida com sede em Maragogipe, neste
Estado da Bahia, declara pela presente que, de hoje em
diante, por motivos comerciais, se assinará Gerhard Meyer
Suerdieck.
Maragogipe, 15 de dezembro de 1930.
Gerhard Meyer Suerdieck
Reconheço a firma supra,
Em testemunho de verdade.
Nemésio Diógenes, Tabelião
Tibúrcia com Wolfgang, Gerhard com Nicolau e
Geraldo em primeiro plano.
57
Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer recebeu a
naturalização brasileira em 6 de agosto de 1931, em ato
assinado por Osvaldo Aranha, ministro da Justiça e Negócios
Interiores da República. Depois, estribado no Artigo 71 do
Decreto Federal 18542, de 24.12.1928, requereu mudança
no nome civil. Quebrando secular praxe da família Meyer,
de utilizar vários prenomes, eliminou os três primeiros e,
ao sobrenome tradicional, adicionou Suerdieck.
O novo nome, Gerhard Meyer Suerdieck, que já
vinha usando comercialmente, saiu publicado em 27 de
setembro de 1936, no Diário da Justiça do Estado da Bahia.
Automaticamente, sua esposa e filhos também ganharam
Aula de música em 1934:
direito ao sobrenome famoso. Na verdade, o que Gerhard
Wolfgang, Fernando, Nicolau, Geraldo
e o prof. Willi Bröm-melmeier. Este
fez foi simplesmente herdar o sobrenome de casada da irmã,
conjunto che-gou a se apresentar no
Clube Alemão de Salvador.
que se tivesse tido filhos seriam todos com o sangue Meyer
Suerdieck. Mas seu irmão garantiu, pelos menos em termos
nominais, a continuidade da união destas duas famílias alemãs, dando origem a um
novo clã, nascido no Brasil. A família Meyer Suerdieck começou com seis pessoas:
Gerhard, Tibúrcia, Geraldo, Nicolau, Albrecht Wolfgang e Fernando.
Gerhard
no Rotary
No dia 19 de agosto de 1937,
Gerhard Meyer Suerdieck foi admitido
como 71º sócio no Rotary Clube da
Bahia. O ingresso do industrial numa
organização de origem americana
(Chicago, 23.02.1905) mostrou o rumo
das suas convicções. Ele deu um discreto
recado à ala da colônia alemã que já
atuava em favor do nazismo.
Em 6 de julho de 1944, Gerhard
tomou posse no Conselho Diretor do
Rotary, para um mandato de um ano
como tesoureiro da entidade. No dia
Vista parcial da residência de Gerhard no bairro da Graça: Avenida
Euclides da Cunha, esquina com Amélia Rodrigues. Foi construída
em 1935, em terreno que havia pertencido a Renato Furtado
de Simas, titular da firma R. F. Simas, sediada em São Félix e que
enfardava fumos para a Suerdieck. No projeto da casa, concebido
pelo próprio Gerhard, foi inserido um ateliê artístico no terraço (em
ângulo não capturado pela foto) e um elevador social, o primeiro
instalado num imóvel residencial em Salvador.
58
24 do mês seguinte, na reunião mensal
dos rotarianos, o empresário proferiu
uma palestra intitulada “Fabricação de
Charutos na Bahia”.
Capítulo
10
TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO
TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO
G
eraldo Meyer Suerdieck prestou serviço militar no Tiro de Guerra 284,
em Salvador, tendo recebido o certificado de reservista em novembro
de 1936. Neste mesmo mês acompanhou os pais, irmãos e Alma Suerdieck numa
excursão à Europa, levados pelo navio Monte Pascoal. O desembarque foi em
Nápoles, Itália, país onde permaneceram mais de trinta dias, tempo suficiente para
Geraldo ter duas namoradas, Raffaella Palombi, em Roma, e Margherita la Floresta,
em Taormina, na Sicília. Em janeiro a família chegou a Hamburgo, ponto final das
férias e onde Geraldo permaneceu para cumprir estágio administrativo no Conrad
Hinrich Donner – Donnerbank, que operava como banco comercial e como agente
no comércio exterior, exportando manufaturados e
importando matéria-prima, com operações no Brasil
em algodão, café e fumo.
O Donnerbank seria a sua faculdade, o treinamento
profissional para se transformar num executivo
internacional e no futuro assumir o comando da
S u e rd i e c k . A s s i n o u
contrato por dois anos
e meio, com vigência a
partir de 1º de fevereiro
de 1937, que estipulava a
remuneração mensal de
33 marcos no primeiro
ano, 60 no segundo e
80 nos seis meses finais.
Como complementação, e
garantirumapermanência
despreocupada, o pai
enviaria 500 marcos Geraldo em 1936, quando prestava o serviço
mensais, assegurando- militar, na porta da sua residência, na Avenida
Euclides da Cunha 16, Salvador.
Geraldo esquiando nos Alpes italianos.
lhe uma situação
financeira excelente. Geraldo fixou residência na Pension Hoofe, localizada na An der
Alster 18. O local de trabalho ficava na Neue Grönningerstrasse 5.
Os colegas de estágio (Casimir Prinz Wittgenstein, Gerfried Seebohm, Roland
59
Geraldo com Margherita la Floresta, em Taormina, Itália.
Burchard, Tilo von Donner, Hilgenstock, Westphal, Timcke,
Rompel, Dissen e Busse) afirmavam que, depois de Berlim,
Hamburgo era a cidade mais importante da Alemanha.
Rapidamente adaptou-se à dinâmica da metrópole, erguida
numa planície cortada pelo Rio Elba e seu tributário, o Alster.
O setor antigo, por causa dos canais, pontes, casario e ruas
estreitas, conferiam a Hamburgo o carinhoso título de “Veneza
do Norte”. Mas havia a parte nova, com extensas e largas
avenidas, parques, jardins e elegantes bairros residenciais e
comerciais. Enfim, tratava-se de uma cidade muito bonita e de
múltiplas facetas, com igrejas de altíssimas e magníficas torres,
além do grandioso monumento homenageando Bismarck, o
chanceler que conseguiu unificar a Alemanha no século XIX.
Importante entreposto comercial, financeiro e de serviços, Hamburgo também
tinha um notável parque fabril, onde se destacavam a construção naval e a indústria
alimentícia. Tudo era portentoso: a estação ferroviária, o porto pesqueiro e o porto
mercante, o maior da Alemanha e quarto mais freqüentado da Europa, num vaie-vem infernal de vapores cargueiros, de passageiros e de transporte misto. Vital
para a economia hamburguesa, o porto era uma verdadeira cidade, com uma vasta
gama de serviços especializados, distribuídos numa área de 100 km2. Dispunha de
gigantescos armazéns, grandes depósitos, centenas de guindastes, dezenas de
elevadores flutuantes e inúmeros rebocadores, barcaças e lanchas de apoio técnico.
Como dinheiro não se constituía em problema, a vida de Geraldo tornou-se
socialmente agitada. Fora do expediente laborioso, frequentava os restaurantes
grãfinos da Jungfernstieg, os cinemas e as casas de espetáculos. Um dia foi ao Hansa
Theater, atraído pela divulgação de um musical, que prometia ritmos latinos, e
teve uma grande e agradável surpresa. A orquestra era da Bahia, a Jazz Jonas, que
conhecia de festas no Bahiano de Tênis e no Clube Alemão de Salvador. Quase todo
fim de semana ia ao Reeperbahn, no bairro boêmio de St. Pauli, reduto de cervejarias,
dancings e cabarés. Da turma mais frequente nestas noitadas faziam parte o alemão
Bruno Andresen, o português Fernando Melo, o catarinense Otto Max Selinke
(Ottito) e o baiano Oscar Schmidt. Para poder comprar um automóvel tirou carteira
de motorista e, com o aval do Donnerbank, ingressou em dois clubes tradicionais:
o Harvestehuder Tennis und Hockey Club; e o Der Hamburger und Germania Ruder
Club, localizado na borda do Alster interior, para a prática de esportes náuticos,
especialmente o remo, uma das seduções esportivas que Hamburgo oferecia aos
jovens durante o verão.
Neste retorno à Alemanha, Geraldo encontrou-a controlada pelos nazistas.
Lembrava-se perfeitamente deles. Quando estudou em Stadthagen, da janela da
casa na Obernstrasse nº 16, assistiu várias escaramuças entre as legiões de nazistas
e comunistas. Aconteciam invariavelmente nos fins de semana, quando as duas
facções saíam às ruas com estandartes e bandeiras, para inevitáveis confrontos na
avenida principal, endereço dos tios, um dos desembocadouros para a Marktplatz,
60
a praça central, no núcleo histórico da cidade. Por causa destas batalhas ideológicas
era proibido de ficar nas ruas. Mas para Bubi e seus amigos, aqueles encontros de
violência, às vezes sangrentos, constituíam-se num divertimento, pois na idade
deles não lhes ocorria a gravidade do momento político do país.
Geraldo percebeu em Hamburgo que os vencedores se tornaram senhores
de toda situação, sem focos de resistência. Hitler era ídolo das massas, fato que
comprovou ao assistir dois comícios, em Hamburgo e Hannover. Ficou impressionado
com o poder de comunicação do Führer, que hipnotizava a multidão fanática. Mas
este fanatismo lhe amedrontou quando, numa visita à família Niemann, o senhor
Erwin19 – que tinha sido demitido da polícia quando os nazistas tomaram o governo
– fez um comentário, do alto da experiência de quem testemunhou os horrores da
Guerra de 1914-1918:
— Isto tudo vai dar em guerra e eu serei um dos primeiros a ser convocado, e
não estes jovens inexperientes!
Ato contínuo, o filho Erni, da Juventude Nazista, discutiu asperamente com o
pai, ameaçando inclusive delatá-lo por traição à pátria. Geraldo ficou chocado com
o comportamento insolente do adolescente. A doutrinação nazista havia rompido
o elo da sagrada formação familiar, a ponto de um pai não ser mais respeitado. Os
comandantes da Juventude Nazista estavam transformando os jovens em espiões
e delatores dos familiares que não rezavam pela cartilha
do partido que havia demolido a democracia alemã.
Procuravam destruir o poder patriarcal.
Como presente de um colega no trabalho, Geraldo
recebeu o grande best-seller alemão, Mein Kampf,
escrito por Adolf Hitler. Não chegou a ler, pois ouviu
de um senhor, quase em tom de cochicho: “O livro
é confuso, com a caneta na mão ele não empolga e
nem envolve como na oratória”. Mas ninguém ousava
criticar publicamente a obra-prima do Führer. Os
nazistas controlavam tudo e disto teve a certeza quando
programou, para a primeira folga no trabalho, uma
viagem à França, sendo informado do limite que poderia
levar, uma mixaria que não dava para as despesas que
teria. Estrangeiro podia entrar na Alemanha com grandes Geraldo com Else e Erwin Niemann.
valores, mas não saía com o que quisesse, mesmo vindo transferido do exterior.
O jeito foi apelar para o pai, pedindo-lhe que remetesse dinheiro para ser
sacado em Paris, no Crédit Lyonnais. O argumento para a viagem foi a Exposition
Internationale des Arts e des Techniques, onde a Suerdieck teria charutos expostos
no pavilhão brasileiro e obteria um diploma de Grand Prix. Mas o verdadeiro motivo
foi uma mulher, a primeira namorada em Hamburgo, Helga Tourée, uma descendente
de franceses, filha de uma viúva, corredora profissional de motocicleta. Combinaram
19 A esposa do Erwin, Else Niemann, possuia um parentesco com os Meyer.
61
encontrar-se em Paris. Fazendo a estréia no transporte aéreo, Geraldo desembarcou
enjoado, pois vomitou muito durante o vôo, que não foi nada agradável, por causa
das turbulências enfrentadas pela aeronave. Passou o restante do dia no hotel,
recompondo-se do mal-estar e revisando o esquema dos passeios. À noite sonhou
com as luxúrias do amor nos dias faustosos na Cidade Luz. Após o café da manhã
foi ao banco, abastecer-se do combustível para a “lua-de-mel”. Não conseguiu, a
ordem de pagamento simplesmente não chegara.
Praticamente sem dinheiro e sem a Helga, que também não apareceu, ficou
vagando a pé pela capital francesa, conhecendo os bulevares, praças, parques,
igrejas, palácios, monumentos e pontes. Contemplou o Rio Sena, a Torre Eiffel, o Arco
do Triunfo, os jardins dos Champs Élysées, a Catedral de Notre-Dame, as estações
do metrô, as vitrines das lojas, as fachadas dos bistrôs e cafés. Enfim, andou muito
e viu tudo que era permitido gratuitamente. Mas a penúria foi de tal forma que a
experiente dona do hotel percebeu que algo de anormal havia acontecido com o
jovem hóspede. Desconfiada, passou a vigiar seus passos e a olhá-lo com cara pouco
amiga, obrigando-o a abrir o jogo. A hoteleira compreendeu o drama, mas retiroulhe do confortável quarto de casal, alojando-o num horrível cubículo. Finalmente,
há dois dias do regresso, o dinheiro foi liberado. Comprou roupas elegantes, pagou
a conta do hotel e foi tirar a barriga da miséria, jantando sozinho no restaurante
mais famoso, o La Tour d’Argent, à margem do Sena, na Quai des Tournelles. Bebeu
da melhor champanha e degustou o prato mais caro do sofisticado cardápio.
Como num passe de mágica, o “vagabundo” das ruas de Paris se transformou num
“príncipe” requintado. Antes de tomar o avião de volta, foi às pressas cumprir os
dois compromissos que teria de prestar contas: visitas à Exposição Internacional e à
Esplanade des Invalides, onde ficava a Igreja do Dôme, que sob a abóbada dourada
abrigava o túmulo de Napoleão, instalado numa cripta circular de pórfiro vermelho.
A ida aos Invalides foi uma sugestão do pai, numa carta em que finalizou com uma
brincadeira: “cuidado com as francesinhas!”.
A única coisa que incomodava, ou melhor, que constrangia Bubi era uma briga
familiar, que o impedia de ir a Stadthagen visitar a tia Lisbeth, sua mãe de criação nos
anos em que residiu naquela cidade. Por conta da querela evitava até se aproximar
do primo Jobst, que também estava morando em Hamburgo. A causa foi uma carta
que recebeu, em maio de 1937, dois meses antes da viagem a Paris, que o deixou
perplexo. Dona Tibúrcia foi direta ao assunto, sem meias palavras:
Querido Bubi,
Seu pai anda muito preocupado e me pediu que, como mãe, fizesse
a seguinte recomendação: não é para você visitar a família de Lisbeth.
Eles estão danados conosco e nós com medo de que lhe façam algum
mal. Poderão até lhe envenenar.
Portanto, não confie em ninguém desta família e tampouco na outra,
dos descarados do escritório de Hamburgo.
São todos falsos, como Judas!
62
Tibúrcia e Lisbeth, em 1933.
A origem de tudo estava em Ernst Meyer, que
após a morte do pai, ocorrida em junho de 1933,
veio para a Bahia, gastar o quinhão que lhe coubera
no testamento deixado por um tio bondoso, August
Suerdieck, pago no Brasil, por Gerhard. Contrariando
os aconselhamentos, Ernst teimou em investir o
dinheiro da herança numa propriedade que adquiriu
em São Roque do Paraguaçu, onde apostou tudo
numa criação de porcos. De temperamento difícil,
o jovem isolou-se na fazenda e, sem querer dar o
braço a torcer, escondeu da família Meyer Suerdieck
o fracasso no empreendimento.
Em março de 1937 Gerhard chegou da Europa sem ter passado em Stadthagen,
pois havia perdido a estima pela viúva do irmão, já por conta dos desentendimentos
ocasionados pelo Ernst. No desembarque recebeu uma informação que o deixou
preocupado: o sobrinho enfrentava sérias dificuldades financeiras. Foi logo visitá-lo,
na intenção de levar ajuda, mas tomou um baita susto. A situação era gravíssima, o
Ernst estava vivendo literalmente numa pocilga, ao lado de uma cabocla também
em condições deploráveis, ambos doentes e subnutridos. Trouxe-os para Salvador
e internou-os num hospital, onde foi diagnosticado que estavam com impaludismo.
Para evitar que, num ato intempestivo, o Ernst voltasse à propriedade, que não
oferecia qualquer condição de subsistência digna, Gerhard colocou-o num navio
assim que houve a alta hospitalar. A esperá-lo em Hamburgo encontrou Lisbeth,
que ficou chocada com a magreza do filho e jogou a culpa no cunhado.
Ernst deixou que a mãe direcionasse toda a ira justamente para quem havia
salvo a vida do filho teimoso. Ele não teve também a hombridade de assumir a
responsabilidade pelo fracasso na aventura como suinocultor. E o orgulho impedira-o
de solicitar socorro ao tio assim que deu com os porcos n’água. Preferiu passar pela
humilhação das privações, inclusive de alimentação. Em função desta postura
claramente suicida, e depois por esconder os fatos verdadeiros, Ernst permitiu que
Lisbeth fizesse duas acusações contundentes contra Gerhard.
A primeira foi “por Gerhard não ter colocado o Ernst na empresa”. O dono alegou
que o rapaz não quis trabalhar na fábrica de charutos, já que ambicionava ser
fazendeiro, como o avô materno. Chegou inclusive, para ganhar tarimba, a estagiar
numa fazenda do próprio Gerhard, em Maragogipe, donde saiu para trabalhar por
conta própria. Escolheu uma opção não recomendada pelo tio, que já havia feito
uma pequena experiência com suínos. A segunda acusação foi “por enviar o Ernst
para morrer na Alemanha de uma doença tropical”. Um exagero, uma vez que o filho
embarcou com autorização médica e não corria mais nenhum risco de vida. Prova
disto foi que voltou à Bahia poucos meses depois, para tratar da venda da fazendola
em São Roque e procurar trabalho, batendo de porta em porta. Este último objetivo
não conseguiu alcançar, haja vista que não tinha nenhuma especialidade profissional. Sem emprego e sem ambiente com o tio, foi obrigado a voltar definitivamente
à Alemanha.
63
Embevecido com Hamburgo
Quando enviuvou de Ferdinand, Frau Alma Suerdieck foi morar
com a família Meyer, criando uma forte relação de afetividade com os
meninos, que a tratavam de Tante (tia). Dava-lhes carinhos com a mesma
intensidade que daria aos filhos que não conseguiu ter. Geraldo era o
sobrinho predileto, com quem desenvolveu uma confiança tão sólida que
ele fez dela sua confidente. Mesmo de longe, quando voltou à Alemanha,
continuou abrindo o coração para a tia. Correspondiam-se em alemão.
Eis uma das cartas, escrita em 3 de novembro de 1937:
Querida Tia Alma,
Recebi sua última carta e agradeço muitíssimo. Estou levando
uma vida que melhor não podia ser. Amigos e amigas tenho bastante,
até demais. Sou sócio de dois excelentes clubes, onde posso praticar
esportes no verão e no inverno.
Hamburgo é uma cidade extraordinária, que oferece uma enorme
quantidade de atrações. É muito rica em restaurantes, cinemas, teatros,
locais para dançar e outras distrações. Saio todas as noites, mas não
conte isto ao papai e nem à mamãe. Você entende a razão!
Se me divirto muito também trabalho muito. Acordo cedo e chego
cedo ao banco.
Apesar de usufruir de todas as maravilhas que um jovem pode
desejar, sinto saudades da Bahia e, principalmente, da família. Às vezes
fico no quarto contemplando o quadro a óleo da nossa casa, pintado
por papai. Você deve se lembrar dele.
Lembranças e beijos.
Bubi.
Em Hamburgo Geraldo freqüentava a residência de Max Stern, cujo filho, Herbert
Stern, tinha sido levado por Gerhard, em março de 1937,
Na escola de dança de salão,
Geraldo conheceu Roseliesel
Christiansen (Roli). Fizeram
par no aprendizado da rumba
e tiveram um namoro fugaz,
em 1937.
para trabalhar na Suerdieck. Uma certa feita, ao sair da
casa do Max, que oferecera uma festinha de despedida a
um grupo de judeus que conseguira visto de emigração
para os Estados Unidos, Geraldo foi abordado por um
camisa-parda, membro das SA, tropas de assalto dos
nazistas. Ao constatar, pela documentação, que se tratava
de um brasileiro o guarda informou que, mesmo sendo
estrangeiro, não era bem-vista sua presença num domicílio
judeu. Encerrou a advertência com uma ameaça, dizendo
64
Carteira do clube de remo, em Hamburgo.
que se voltasse ao local não poderia garantir pela sua segurança física.
O cerco dos nazistas apertava cada vez mais, em todos os sentidos, não apenas
contra os judeus. Nos atos públicos, mesmo nos cinemas, quando a imagem de Hitler
aparecia, todos se levantavam, com o braço direito erguido e a mão espalmada, para
fazer a saudação nazista. Quem não o fizesse, mesmo estrangeiro, também teria a
mesma insegurança de chegar bem em casa. No seio da população, principalmente
entre a juventude, era monumental a idolatria pela ideologia nazista. Os estrangeiros,
a princípio recebidos com gentilezas, por causa das divisas cambiais, passaram a ser
encarados como elementos de raça inferior, tratados com indisfarçável prepotência
e até com discriminações. O orgulho da superioridade germânica aflorava a olhos
vistos. Esta mudança comportamental aconteceu em março de 1938, quando Hitler
invadiu a Áustria e proclamou o Anschluss. O fato foi saudado entusiasticamente pelo
povo, que fez festa nas cervejarias. Geraldo viu pessoas, que antes faziam críticas ao
regime, aderirem calorosamente ao nazismo. No entanto, no trabalho e nas casas
das famílias que conhecia, percebia que entre os mais velhos, pessoas que tinham
sofrido na pele os efeitos da I Guerra Mundial, corria uma discreta preocupação com
os rumos da avalanche nacionalista e dominadora, desencadeada pela máquina
nazista.
Estava também claramente delineado que o Arbeitsdienst, o “plano de trabalho”
idealizado por Hitler, em que os desempregados sumiram milagrosamente, era
parte de um projeto destinado ao esforço de preparação da Alemanha para uma
guerra. Todos tinham de cumprir jornadas de trabalhos organizadas à semelhança
de um serviço militar, só que, ao invés de fuzis, as armas eram instrumentos do
labor produtivo. Os homens foram despachados para fábricas, para abrir estradas,
construir pontes e para ajudar os lavradores no plantio e colheita de grandes safras
65
agrícolas. Os jovens foram incorporados ao serviço militar, na ampliação das forças
armadas. As mulheres se dedicavam a produzir uniformes, cobertores e peças para
um vestuário próprio de locais com invernos rigorosos, tudo sob a rubrica “ajuda
aos necessitados”. Na verdade, era voz cada vez mais corrente, que se produziam
fardas e materiais para um grande exército e para as tropas SS e SA. Diziam ainda
que a construção das novas estradas e pontes tinham objetivos bélicos, estratégicos.
Fazia-se também de tudo para levantar recursos. Por exemplo, a título de “socorro
de inverno”, foi instituída uma contribuição voluntária, com a compra de uma flor
para colocação na lapela da roupa. Inicialmente mensal, passou a ser semanal e
praticamente de uso obrigatório. Toda segunda-feira, dia do rodízio das cores,
tornava-se virtualmente impossível alguém chegar no trabalho sem a nova flor.
Havia pressão e até ameaças dos guardas das SA a quem não colaborasse com o
fundo do socorro de inverno. Também comentava-se que a Volkswagen estava
priorizando a fabricação de armas e munições, em detrimento do povo, que havia
feito inscrições e pagava as prestações do futuro automóvel, cujo protótipo era
exibido publicamente com grande alarido. Mesmo sendo estrangeiro e estando em
permanência temporária, Geraldo viu-se na contigência de participar do plano do
carro. Recebia o salário já com o desconto da parcela mensal do veículo comprado
de modo compulsório.
No Conrad Hinrich Donner, Geraldo trabalhou num setor que intermediava
as vantagens concedidas pelo governo para derrubar os concorrentes nas
exportações. O engenhoso plano tinha a sigla ZAV, que significava Sistema de
Complementação da Exportação. Por exemplo, ao receber uma consulta de
qualquer parte, especialmente do terceiro mundo, para ofertar, digamos, bicicletas,
o procedimento do Donnerbank obedecia ao seguinte trâmite: O preço a ser
cotado, depois de coletado junto aos fabricantes, era encaminhado em formulário
especial para a Handelskammer (Câmara do Comércio), que fazia uso de uma rede
de espionagem comercial montada nos consulados alemães, os quais informavam
os valores das cotações feitas pelos concorrentes ingleses, franceses e americanos.
A Handelskammer devolvia o formulário da cotação com um grande carimbo onde
constava o percentual do bônus dado pelo governo ao exportador. Com isso, toda
oferta alemã se situava abaixo da concorrência internacional. Resultado, a Alemanha
crescia vertiginosamente no comércio exterior e a disponibilidade de divisas subia
progressivamente, jogando mais fagulhas num ambiente de guerra iminente.
Em janeiro de 1938 ocorreram as comemorações pelos 140 anos de fundação do
Conrad Hinrich Donner. Logo depois, o clima festivo foi substituído por preocupações.
Os dirigentes ficaram temerosos com os rumos da corrida armamentista, pois Hitler
desenvolvia uma política de francos preparativos para colocar a Alemanha numa
grande guerra, o que traria consequências graves para os negócios da empresa,
basicamente assentados no comércio internacional. Em setembro, quando a certeza
da guerra ganhou contornos fortíssimos, Geraldo recebeu uma carta postada
em Salvador no primeiro dia deste mês. Fugindo da sua habitual discreção e da
praxe de escrever para o filho em alemão, Gerhard reiteirou os termos de uma
66
correspondência anterior, que fez chegar até Geraldo através de um amigo que tinha
ido a Hamburgo. Eis os trechos principais da nova carta, em português, idioma que
escrevia e falava com fluência:
Só quero, outra vez, lembrar como deverá proceder no caso de uma
guerra. Repito que, como brasileiro, nunca pense em fazer parte duma
eventual guerra, nem mesmo ficar na Alemanha.
Portanto, se houver qualquer conflito, não demore de viajar para uma
terra neutra, quer seja a Holanda ou um país do norte, como Dinamarca,
Suécia ou Noruega. De lá achará um caminho para o Brasil.
Para não ficar sem meios, já tomei as providências, pois temos nossos
amigos na Holanda. Basta avisar-me.
Pouco depois do recebimento da carta, Geraldo foi chamado ao gabinete do
principal executivo do Donnerbank, Julius Peters2 0, para ser informado de que
havendo a eclosão de uma guerra seria retido no país. Por ser filho de alemão, seria
convocado e transformado num soldado da Wehrmacht, o exército regular. Por isso,
o banqueiro pediu-lhe que saísse temporariamente da Alemanha, até a situação
ficar definida claramente, paz ou guerra.
No dia seguinte ao aviso de que deveria
encaminhar uma solicitação de licença,
recebeu um telegrama do pai, redigido em
português:
Reflita sobre suas responsabilidades
com sua mãe e irmãos stop
Peça licença seus chefes e siga
imediatamente Amsterdam vg
independente opinião outros stop
Instruções Bary Amsterdam stop
Responda urgente por telegrama stop
A resposta foi imediata, num português
bem sucinto, mas de grande alívio para os
familiares em Salvador:
Parto amanhã dia quinze stop
Hoje impossível stop
Banqueiro Julius Peters.
Na estação ferroviária Bubi ficou impressionado com a movimentação. Já dentro do
trem ficou sabendo que o embarque de passageiros havia aumentado substancialmente
nos últimos dias, sendo a Holanda um dos destinos mais procurados. 20 Hans W. Julius Peters, que não era partidário dos excessos do nazismo, tinha 56 anos de idade e fumava charutos
Suerdieck. Responsável pela contratação de Geraldo, preocupava-se com a segurança do filho do amigo Gerhard.
67
Reprodução
Na capital holandesa Geraldo hospedou-se no Central Hotel, donde remeteu,
no dia 27, a seguinte carta:
Querido Pai,
Espero que no entretempo minhas cartas, daqui de Amsterdã, tenham
chegado ao seu poder. Estou escrevendo e enviando para cada saída do
correio aéreo.
Posição Política:
Dá a impressão, depois do discurso de ontem, de Hitler, que a situação
se acalmou mais. Ele desistiu da maior parte de suas exigências novas. É
de se esperar que a Alemanha, depois de negociações tão prolongadas,
não irá fazer a loucura de iniciar uma guerra, de qualquer forma. O fato
da Inglaterra e a França, de modo lento, porém decisivo, terem assumido
uma posição firme, eu vejo como muito bom. Até 1º de outubro deverá
ser encontrada uma solução pacífica.
Posição Retorno:
Também me informei sobre a possibilidade de um retorno imediato
ao Brasil. Neste primeiro momento não me parece fácil. Uma linha de
navegação holandesa suspendeu as viagens que fazia à costa leste
da América do Sul. Para uma viagem aos Estados Unidos eu deveria,
já agora, reservar passagem para o final de outubro. Todas as linhas
estão esgotadas. Estive também numa agência de viagens para obter
informações do Lloyd Brasileiro, porém, aqui, não se sabe nada sobre
esta companhia.
Se realmente a situação política se agravar, eu espero encontrar
um caminho, de qualquer forma. Ainda hoje irei escrever ao Oscar2 1,
que acredito ter retornado ontem de Londres, para que ele obtenha
informações sobre o Lloyd e diga as escalas e datas das partidas. Mas, em
caso de qualquer emergência, poderei ir a Lisboa ou Antuérpia.
Vida em Amsterdã:
Embora nesta situação desagradável, aqui parado, perdendo tempo e
sem saber o que possa acontecer, procuro levar a vida sem me entediar.
Durante o dia tenho visitado a cidade e, à noite, vez por outra, vou ao
cinema e ao teatro.
Tenho também telefonado constantemente para Hamburgo,
onde os amigos estão otimistas. Alguns acham que poderei retornar
tranquilamente, dentro de alguns dias.
Estou pagando no hotel 5,50 florins por dia, com pensão completa.
Disseram-me que é uma diária barata. Até o momento já comprei 125
fardos de fumo, dos quais 40 estão comigo2 2.
21 Amigo de Salvador que também se encontrava em treinamento profissional, na Hamburg Südamerikanische
Dampfschiffahrts Gesellschaft (Companhia Hamburguesa Sulamericana de Vapores), mais conhecida como HamburgSüd. Oscar era filho de Gustavo Schmidt, representante na Bahia desta companhia alemã de navegação.
22 Parágrafo em código. Informava o recebimento de dinheiro para as despesas pessoais, haja vista que tivera de deixar
tudo na Alemanha. A fonte dos recursos era um cliente de fumos da Suerdieck, a empresa Handel Maatschappij H. Albert
de Bary & Co. N.V., que tinha sido contatada por Gerhard.
68
Não fique preocupado, querido pai, não acontecerá nada. Lembranças
e beijos do seu filho.
BUBI COM DUAS PESSOAS QUERIDAS
Aurélio, ex-escravo, que faleceu em
agosto de 1937, aos 78 anos. Foi o anjo
protetor, uma espécie de segundo pai
de Bubi.
Alma Suerdieck, tia adotiva que tratava
Bubi como filho. Nascida na Alemanha,
era viúva do criador dos charutos
Suerdieck.
No dia 30 de setembro a Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália, assinaram o
Acordo de Munique, pelo qual se decidiu a divisão de parte da Tchecoslováquia:
os Sudetos passaram à Alemanha e os territórios eslavos à Hungria. A Europa
respirou aliviada, o fantasma da guerra estava afastado. Com isto, Geraldo retornou
a Hamburgo e reassumiu seu posto no Donnerbank.
Poucos dias depois, assistia ao início das violentas e sistemáticas depredações
dos estabelecimentos comerciais dos judeus: foi na noite de 9 de novembro de
1938, uma quarta-feira, que ficaria conhecida como Noite do Cristal (Kristallnacht).
Geraldo e Oscar retornavam para casa quando, nas imediações da Jungfernstieg, área
do refinado bairro comercial dos judeu, encontraram tropas bloqueando diversas
ruas. Impedidos de passar, ficaram de longe assistindo ao saque seguido de um
violento quebra-quebra das joalherias e lojas, promovidos pelos soldados, num
autêntico aparato de guerra. No dia seguinte, os jornais circularam dando destaque
ao massacre, informando que o “povo” havia destruído os estabelecimentos em
represália ao assassinato, em Paris, no dia sete, do diplomata alemão Ernst von Rath.
O crime, cometido pelo judeu Hershel Grinspum, foi apaixonadamente divulgado
pela imprensa nazista e serviu de bandeira para a deflagração da violência contra as
lojas e sinagogas. A operação da Noite do Cristal foi executada, em nível nacional,
pelas tropas de elite de regime hitlerista, os esquadrões das SS, de uniforme preto,
cujo símbolo, a caveira, infundia muito medo e terror.
69
Quando os judeus passaram a ser expulsos de suas casas, Geraldo foi procurado
por um senhor que havia conhecido na casa de Max Stern. Ele implorou para Herr
Suerdieck ir residir, por um aluguel simbólico, no seu imóvel, um recurso para evitar
a invasão pelos nazistas fanáticos. Geraldo e Oscar trocaram a Pension Doecke, na
Moorweidenstrasse 34, pelo apartamento luxuosamente mobiliado e decorado. O
locador entregou-o com tudo que havia dentro, inclusive os tapetes persas. Ficava
num dos endereços chiques da cidade, na Oderfelderstrasse 30 II, no mesmo prédio
onde residia o cônsul do Japão.
CORRESPONDÊNCIAS
O intercâmbio de cartas entre Geraldo e a família foi intenso e denso.
As comunicações com o pai eram no idioma alemão e em português com
a mãe. Uma das recomendações de Gerhard era de que nada fosse escrito
sobre política e críticas a governos ou autoridades. O patriarca impôs esta
orientação como medida cautelar, contra eventuais violações do sigilo
postal por agentes da espionagem plantados nos correios, de lá e cá.
Porém, por inexperiência ou destemor, Geraldo não seguia à risca a
determinação preventiva. Vez por outra inseria comentários que deixavam
os pais exasperados. Eis alguns trechos retirados do volumoso acervo das
cartas do tráfego familiar.
02.11.1937
Em janeiro luta aqui o Schmeling, contra o Ben Foort. Queria ver, mas as
entradas já estão desde hoje todas vendidas. Foram vendidas sem terem
saído oficialmente. É tudo uma roubalheira!
Bubi
14.10.1938
Recebi, neste instante, o cartão do papai e vejo que estão ainda inquietos
com os acontecimentos políticos. Aqui está tudo manso e em guerra não
se crê daqui a uns três anos.
Mas todos têm uma opinião. No próximo ano virão “as colônias”, e até do
Brasil vão pedir satisfações. Mais ainda, ocupam-se com idéias fantasiosas,
citando Santa Catarina como colônia alemã. Este é um dos boatos
correntes, que mexe com o orgulho do povo, que é imenso!
Para mim Hitler pode garantir a paz como queira, mas sua paz será o fim
do mundo.
Bubi
22.10.1938
Não escreva mais cartas como a penúltima, pois poderá nos colocar em
sérios problemas.
Ouviu, moço? Estou falando da carta à mama!
Gerhard
70
10.11.1938
Ontem, aqui em Hamburgo, destruíram todas as vitrinas das lojas judaicas.
Foi uma tristeza ver o que fizeram. Lembranças da Rússia!
Bubi
16.11.1938
Recebi sua carta do dia 10. Fiquei muito preocupada com o que escreveu,
pois tenho medo.
Por isso, meu filho, peço que não escreva mais nada. Você sabe o que
quero dizer.
Tibúrcia
O ÚLTIMO NATAL EM HAMBURGO
20.12.1938
Querida Mãe,
Aqui está com 15 graus abaixo de zero. Já tem cinco dias com esta temperatura, que trouxe também um frio terrível. Nestas noites gélidas não
tenho vontade de sair para ir ao cinema ou ao teatro. Fico em casa, lendo
e ouvindo música.
Fui convidado por Tante Lisbeth para passar o Natal em Stadthagen. Mas
não irei, ficarei em Hamburgo, com a minha Maryon.
Um bom Natal e muitas felicidades no Ano Novo. Beijos e abraços do seu
filho.
Bubi
JONAS SILVA
Jonas Silva tornou-se conhecido como fotógrafo,
dono da Foto Jonas, uma das mais destacadas de
Salvador na década de 1920. Pelo seu estúdio, na
Avenida Sete de Setembro, trecho de São Pedro,
passavam personalidades dos meios artístico, político,
econômico e social.
Dublê de fotógrafo e músico, Jonas Silva montou
uma orquestra que faria enorme sucesso nos anos de
1930, a Jazz Jonas, que se exibia em clubes, teatros e
dancings de Salvador.
Contratada para animar festas a bordo dos navios
das linhas nacionais e internacionais, a Jazz Jonas
também se apresentava nas cidades portuárias. Em
Hamburgo, Geraldo assistiu um de seus shows, no
Hansa Theater.
Geraldo e Oscar Schmidt, com roupas adequadas ao
inverno hamburguês.
71
Anúncio de 1938.
72
Capítulo
11
PROBLEMAS COM OS NAZISTAS
PROBLEMAS COM OS NAZISTAS
N
o final de janeiro de 1939, o casal Meyer Suerdieck desembarcou
em Hamburgo, para uma visita programada de última hora. Gerhard
cumpriria uma agenda de contatos importantes, para colher de fontes idôneas
informações confidenciais, sobre as perspectivas políticas e suas implicações no
comércio mundial de fumos e charutos. Encontrou no meio empresarial um clima
tenso, de preocupações com a escalada do nazismo, que elastecia as fronteiras
alemãs. Enfim, pairava no ar a irreversibilidade de uma guerra. Com o banqueiro
Julius Peters conferenciou sobre Geraldo, tendo ouvido o conselho para providenciar
a reserva da passagem de regresso, com embarque imediatamente após o
encerramento do estágio, em 31 de julho. Gerhard resolveu então cancelar os dois
outros treinamentos intensivos já programados para o filho: dois meses numa fábrica
alemã de charutos e dois meses numa firma de Londres, para aperfeiçoamento do
uso de termos técnicos nas operações internacionais, onde o completo domínio
da língua inglesa era indispensável.
Enquanto os empresários não escondiam as incertezas para o rumo de seus
negócios, nos demais setores as mostras eram de um otimismo desmedido, de
confiança cega em Hitler. Ficou sabendo dos grandes preparativos para a Alemanha
dominar amplamente a Europa. Aturdido com os relatos, incomodado com o
exacerbado fanatismo dos nazistas, que presenciava nas ruas, e acometido de um
mau presságio, Gerhard resolveu abruptamente deixar a Alemanha, indo para a
Itália, onde embarcou no primeiro navio que vinha para o Brasil.
Assim que partiu, chegou uma denúncia dando conta de que o senhor Meyer
havia traído a pátria, pois, além de renunciar à cidadania alemã, a esposa possuía
origem judaica2 3 e o filho mais velho estava usufruindo de um aprendizado reservado
aos arianos. Por um ou dois dias se livrou das garras da polícia secreta. Mas Geraldo
recebeu intimação para prestar esclarecimentos. A situação foi contornada graças
à intervenção do principal dirigente do Conrad Hinrich Donner, comendador Julius
Peters, membro do Conselho Municipal e pessoa de influência em Hamburgo.
Mesmo assim, o jovem brasileiro teve de ir dar explicações na delegacia da Gestapo.
No final da sabatina de duas horas, quando o inquisidor alternou amabilidades com
23 No registro de solteira lia-se Tibúrcia Pereira Guedes. Para os nazistas, pessoas com nomes de árvores, frutas, pedras
preciosas e estrelas, eram de origem judaica. Por conseguinte, o Pereira encaixava-se no perfil da cartilha do antisemitismo, pois se tratava de cristão-novo.
73
arrogância, foi dispensado depois de assinar a transcrição do depoimento.
O comendador Peters, que tinha amigos na Gestapo, conseguiu descobrir a
origem da denúncia. Tinha vindo do Brasil, enviada por Karl Horn, um dos três sócios
da Suerdieck. O plano de Horn fora audacioso. Através de um golpe, via Gestapo,
pretendia apoderar-se da empresa. Apostou na prisão, na Alemanha, dos sócios
majoritários, Gerhard e Tibúrcia. Na Bahia o senhor Meyer recebeu informações do
ocorrido e no regresso de Geraldo ficou sabendo dos detalhes da trama diabólica.
Não titubeou, foi à forra, intimando o traidor a retirar-se da sociedade. Estabelecidas
as condições para a compra das cotas, com pagamento parcelado, em cinco
promissórias, foi expedida, em 30 de junho de 1939, uma circular ao comércio e aos
empregados, com um recado velado aos simpatizantes do nazismo: “No intuito de
isolar a firma de qualquer tendência política, e livrá-la da participação de qualquer
elemento estrangeiro no seu quadro de sócios, estamos comunicando o afastamento
definitivo do senhor Karl Horn”. Deu-se, assim, a nacionalização da Suerdieck, que
passou a figurar no catálogo das organizações essencialmente brasileiras.
PREMONIÇÃO
Na Suerdieck todos sabiam que Karl Friedrich Horn era um dos
homens da confiança do fundador, que deixou um testamento generoso,
beneficiando instituições, alguns parentes e outras pessoas da sua estima.
Para o fiel escudeiro August Suerdieck não deixou nada.
Coube a Gerhard reparar a injustiça. Num gesto explícito de
reconhecimento aos serviços prestados à Suerdieck, colocou Karl Horn
na sociedade, dando-lhe 1,75% das cotas. Motivado, o seu braço direito
teve decisiva participação no grande progresso da empresa, num espaço
de seis anos. Pela dedicação e competência, Gerhard permitiu que Horn
tivesse sua participação no capital ampliada para 24%.
A ascensão vertiginosa do sócio não era bem-vista por dona Tibúrcia.
Sempre que a oportunidade se apresentava, dizia que ele lhe parecia falso.
Gerhard defendia-o, garantindo que Karl Horn era da sua mais absoluta
confiança. A única restrição que lhe fazia era no tratamento dado aos
negros. Enquanto abertamente os discriminava e menosprezava, Horn
procurava as negras para manter relações sexuais às escondidas. Chegou
ao cúmulo de conquistar a mulher de um empregado da Suerdieck, seu
subordinado no escritório. Para não ter um desentendimento com o sócio,
Gerhard fingia que não sabia da conduta sórdida.
No início de 1938 o casal Horn esteve em Hamburgo. Desta viagem
resultou um comentário de dona Tibúrcia, consignado em carta
endereçada ao filho, datada de 12 de março:
Por Frau Horn soube que estás bem de saúde.
Felizmente você não pediu favor nenhum a eles,
porque eu não gosto desta gente.
74
Baptista
Karl Horn (de terno escuro, com chapéu nas mãos), entre autoridades e empregados da Suerdieck, numa solenidade
realizada na fábrica de Maragogipe. Os dois últimos, depois do padre, são Willy Haendel e Heinrich Caspelherr.
Karl Horn foi posto para fora, mas permaneceram na Suerdieck vários empregados de nacionalidade alemã francamente pró-nazistas, que desencadearam
campanhas de agitação entre os operários das fábricas. Competentes, com larga
experiência e ocupando posições técnicas estratégicas, a empresa viu-se obrigada
a aturá-los enquanto preparava brasileiros para substituí-los.
Em Maragogipe, onde ficava a principal fábrica, existia o Clube Alemão, mantido pelos alemães que trabalhavam na Dannemann e na Suerdieck. Frequentador
assíduo enquanto residiu em Maragogipe, Gerhard era um benemérito do clube,
sempre dando apoio às reivindicações da diretoria. Por esta razão recebeu uma
singela homenagem, sendo guindado ao cargo honorífico de Presidente de Honra,
título que foi imediatamente cassado quando estourou o problema com Karl Horn.
A partir daí o dono da Suerdieck foi eleito pela colônia nazista como desafeto nº 1
do regime comandado por Hitler.
No mesmo dia em que foi decretado o Estado de Guerra contra os países do Eixo,
31 de agosto de 1942, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 4.638,
contendo dois artigos importantes:
Art.1º - Fica facultado aos empregadores o direito de rescindir os
contratos de trabalho com empregados estrangeiros, súditos
das nações com as quais o Brasil haja rompido relações
diplomáticas ou se encontre em estado de beligerância.
Art.2º - Para uso do direito facultado no artigo anterior, deverá o
75
empregador, mediante requerimento, obter autorização prévia
do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
A Suerdieck substituiu imediatamente os gerentes alemães das fábricas por
brasileiros. Em Maragogipe saiu Johann Heinrich Schinke2 4 e entrou Corbiniano
Rocha, em Cruz das Almas Herbert Stern2 5 cedeu lugar a Mário Almeida, e em
Cachoeira trocou Kurt Adolf Heinz Joachim Hasse por Waldo Herondino Azevedo.
Logo depois, enviou ao governo federal a relação dos empregados indesejáveis,
para rescisão de seus contratos.
Mas, enquanto aguardava o autorizo do
ministro, para poder processar as demissões
com salvaguarda oficial, o corpo da empresa
permaneceu minado pelos nazistas e o
ambiente na principal fábrica ficou tenso,
pois os operários não se conformavam com a
presença dos empregados da nacionalidade
inimiga. Chegaram a ocorrer alguns conflitos
com grupos de alemães, que se tornaram
arrogantes e convictos de que a Alemanha
ganharia a guerra e dominaria o mundo.
Finalmente, em despacho de 11 de junho
Geraldo, à direita, na pista de patinação do Planten
Bloom, Hamburgo, no inverno de 1938.
de 1943, o ministro do Trabalho, Indústria
e Comércio, Alexandre Marcondes Filho,
autorizou as rescisões contratuais. Por determinação do Dops – Delegacia de
Ordem Política e Social, os demitidos receberam orientação para fixar residência nos
municípios selecionados pelo governo: Maracás, Caetité, Seabra, Andaraí e Mucugê.
Os que não quiseram se transferir foram confinados na Vila da Polícia Militar, nos
Dendezeiros, em Salvador, onde permaneceram até o final da guerra.
FÚRIA POPULAR
Assim que foi decretado o Estado de Beligerância contra os países
do Eixo, o povo foi às ruas comemorar e houve, em algumas cidades,
revanchismo exarcebado, que extrapolou os limites da ordem constituída.
Em Salvador, uma turba enfurecida, comandada pelos estudantes, invadiu
a loja e o escritório da Dannemann, localizados na Avenida Estados Unidos.
A destruição foi total: caixas de charutos, livros, documentos, máquinas
24 Johann Schinke, um dos líderes da propaganda nazista, foi preso pela polícia política e levado a julgamento no
Tribunal de Segurança Nacional.
25 Herbert Stern, judeu alemão, deixou a gerência de Cruz das Almas por uma questão estratégica, mas permaneceu na
empresa, como fiscal das fábricas. Seu pai, Max Stern, representante da Suerdieck em Hamburgo, conseguiu fugir dos
nazistas. Chegando à Bahia, foi contratado por Eloy da Silva & Cia. Ltda., recém-criada pela Suerdieck.
76
datilográficas, móveis e utensílios jogados na rua. Findo o quebra-quebra,
um dos líderes bradou:
— Vamos agora na sede da Suerdieck, que também é alemã!
Quando a passeata da desordem chegou na esquina da Rua Portugal
com Pinto Martins encontrou na porta do prédio da Suerdieck um
comerciante de ascendência
árabe, conhecido pelo
apelido de Mamãe Galinha
Mija, que conteve os mais
exaltados, juntamente com
um conceituado corretor de
câmbio, Archibald Oliveira
Brown, filho de inglês, que,
vo l u n t a r i a m e n t e, e s t av a
arrecadando fundos para os
Aliados. Nisto chegou fardado
o jovem Wolfgang Suerdieck,
que disse com firmeza:
— A empresa não é alemã,
Geraldo em Hamburgo, 1938.
per tence aos meus pais,
brasileiros como eu, que estou servindo ao Exército e pronto para lutar contra a
Alemanha nazista!
Enquanto o aspirante do CPOR falava, subiu uma bandeira do
Brasil, içada pelos empregados da Suerdieck. A multidão aplaudiu e o
grupo depredador seguiu na direção da Ladeira da Montanha, acesso
para a Cidade Alta, onde foram apedrejados e saqueados diversos
estabelecimentos de italianos e alemães.
Na Baixa dos Sapateiros, a Foto Ideal, do alemão Frederico Hilmann, que
prestava serviços à Suerdieck, foi completamente rebentada. Houve até
uma tentativa de invasão do Convento de São Francisco, donde, segundo
os líderes estudantis, estaria
sendo operada uma estação
de rádio clandestina, dirigida
pelo guardião do Convento,
apelidado de Frade Nazista.
Tratava-se do frei Hildebrando,
nascido na Alemanha com
o nome de Franz Kruthaup.
Na ordem religiosa trocou o
prenome.
Vista de Hamburgo, pouco antes da II Guerra Mundial.
77
Reprodução
Atendendo convite de Gerhard para visitar a Bahia, Else Niemann chegou em agosto de 1939, poucos dias antes da
guerra estourar na Europa. Voltou às pressas, no primeiro navio que passou por Salvador com destino a Hamburgo. Mas
teve tempo de conhecer a vila dos pescadores de Itapuã, onde Else foi fotografada ao lado de Tibúrcia (de óculos).
78
Capítulo
E
12
HISTÓRIAS DE AMOR
HISTÓRIAS DE AMOR
m março de 1939 Hitler ordenou a invasão do que restava da
Tchecoslováquia e proclamou a Boêmia e a Moravia protetorados do
III Reich. Esta agressão inquietou novamente a Europa, o fantasma da guerra estava
de volta, agora mais forte do que nunca. O comendador Julius Peters, achando
iminente a eclosão de um grande conflito armado, chamou Geraldo para aconselhar:
— Para sua segurança, você deve voltar imediatamente ao Brasil!
O comendador estava agora preocupado com o fato de Geraldo ter sido fichado
pela Gestapo2 6 e de estar morando numa propriedade de judeu. Deu por encerrado
o contrato de trabalho que venceria três meses depois, em 31 de julho, e entregoulhe o documento da capacitação profissional, acompanhado de um segredo:
Este certificado, que todos os estagiários recebem no final do
treinamento, contém uma senha, que só os donos de empresas sabem
decifrar o real resultado. Como no futuro você será o dono da Suerdieck,
vou lhe revelar, em confiança, a chave da diferenciação. No documento
do estagiário que não teve bom rendimento dizemos: “Atestamos
que trabalhou conosco e teve a oportunidade de adquirir todos os
conhecimentos”. Quando o estagiário realmente obtém aprovação, como
no seu caso, informamos: “Atestamos que trabalhou conosco e adquiriu
todos os conhecimentos”.
No dia 28 de abril de 1939, uma sexta-feira, embarcou de regresso. Antes foi
homenageado pelos colegas, tendo recebido um presente com as assinaturas de
Felix Hülsen, Jochen Weber, Eduard Henne, Werner Thiele, Gustav Stahmer, Ernst
Lauer, Rudi Braum, Heinz Mecklenburg, Rinne, Rohde, Stamm, Baark, Jess, Dittmer
e Bruno Andresen, que passou a ser o novo decano do corpo de estagiários. Em
Hamburgo Geraldo deixou a namorada, com a garantia de que voltaria. Ela morava no
bairro de Altona e chamava-se Maryon Valentiner. Fazia parte do corpo de bailarinas
da Ópera de Hamburgo e tinha sido campeã juvenil de patinação artística. O namoro
havia começado na festa de 31 de dezembro de 1937, ele com 19 e ela com 16 anos.
Durante 16 meses viveram um intenso capítulo de amor, entremeado por passeios
pelas regiões de Hamburgo, do Báltico e do Reno. Estiveram também em Hannover,
26 Tinha sido fichado como suspeito de ser “mischling”, pessoa de ascendência mista, filho de ariano com judia.
79
Hamburgo, julho de 1938, na cervejaria Zillertal: o prof. Willi Brömmelmeier com a noiva Louise, a
garçonete Cilly, Maryon e Geraldo.
onde residia a senhora Adele Bröckelmann, única irmã viva de Gerhard, que nas
cartas cobrava do filho visitas à tia viúva. O idílio foi bruscamente interrompido pela
viagem. Porém, por correspondência, Geraldo e Maryon continuaram reafirmando
o pacto para o casamento, que seria concretizado tão logo a situação da Europa
ficasse resolvida e ele pudesse voltar em segurança. No entretanto, ao invés disto
a guerra explodiu em setembro de 1939.
Enquanto a guerra esquentava na Europa, Geraldo trabalhava duro para aprender
os segredos dos fumos e as técnicas dos charutos. Viajava pela região fumageira da
Bahia e estagiava nas fábricas. Nas vindas a Salvador freqüentava o Dancing Savoia,
famoso salão de dança, onde mostrou a experiência internacional2 7 e chamou a
atenção da estrela do cast das dançarinas, uma sulista morena, bonita e elegante.
Mas a conquista não foi fácil, pois havia um importante médico a cortejá-la, que
ao se ver preterido ameaçou agredir o vencedor. Para evitar maiores problemas,
Geraldo retirou a Lourdes do Savoia e levou-a para o interior. Em Cruz das Almas,
que elegeu como base das viagens, alugou uma casa na Rua da Vitória e passou
a viver com se fosse casado. Além da exuberância dos atributos físicos, a Lourdes
dominava os segredos do sexo com proficiência exemplar. Mas esta qualidade não
impediu que o tórrido romance fosse de curta duração. Geraldo trouxe-a de volta
a Salvador e deu a relação por encerrada.
27 Bom na rumba, Geraldo formou com Maryon um par que chegou a receber aplausos na pista do Tarantella, restaurantedançante que funcionava no Hotel Esplanade Hamburg.
80
Dias depois, num domingo de carnaval, quando se encontrava almoçando no
Pálace Hotel, com os pais e irmãos, apareceu um policial muito nervoso. Relatou
que uma mulher tinha se atirado da janela de um quarto no bairro da Federação,
e que, ao ser socorrida, gritava insistentemente pelo seu nome. A Lourdes havia
tentado o suicídio, encontrava-se ferida, mas sem gravidade. O episódio teve de
ser abafado, para evitar um escândalo. Afinal, o pivô era filho de um industrial
importante. O susto serviu-lhe de lição, de alerta para não continuar brincando
com os sentimentos alheios. Tomou então uma decisão, convicto de ser o único
passaporte para uma vida equilibrada e tranqüila, sem os percalços das aventuras
inconseqüentes. Imbuído deste propósito, procurou o pai e, pela primeira vez, falou
do compromisso de casamento assumido na Alemanha.
MARYON VALENTINER
Gerhard ficou sabendo da Maryon através de três fontes: cartas do
próprio filho, que fazia menções lacônicas e chegou a enviar algumas
fotografias ao lado da namorada; alemães residentes na Bahia que, a seu
pedido, procuravam Geraldo quando desembarcavam em Hamburgo; e
a mais importante de todas, o vice-cônsul brasileiro, que ao passar por
Salvador, em novembro de 1938, vindo da Europa, foi recepcionado,
juntamente com a esposa, pelo empresário com um jantar no palacete
da Graça. O casal fez as melhores referências, pois Maryon estivera
com Geraldo diversas vezes na residência dos Farias, levados por Oscar
Schmidt, que se tornara muito amigo do diplomata.
Embora ficasse contente com a escolha do filho, Gerhard fazia juízo
de um namoro fugaz. Acreditava que, com a volta de Geraldo, a distância
iria esfriar o romance e o tempo acabaria por extinguir a chama do amor.
Cada qual, movido pelos ímpetos da mocidade, procuraria, naturalmente,
novos caminhos e novos relacionamentos.
A princípio Gerhard reagiu de forma contrária ao casamento, pois não admitia de
maneira alguma que o filho fosse à Europa já conturbada pela guerra. Porém, depois,
acabou concordando com o plano de Geraldo, que despachou uma carta para Willy
Koch, seu conselheiro durante o tempo que morou em Hamburgo. Koch era dono
da Theodor Prahl, pequena firma prestadora de serviços, que providenciava tudo
para a Suerdieck na Alemanha, inclusive efetuando compras. Na carta pediu para
Koch solicitar ao pai da Maryon permissão para o embarque da noiva com destino a
Lisboa, Portugal, onde se encontrariam e viajariam para o casamento em Salvador.
A resposta foi um balde d’água fria. O senhor Koch informou que o pai da Maryon
fora contra o plano, por achá-lo desnecessário. Pedia que o noivo tivesse paciência,
pois a guerra terminaria rapidamente e o casamento poderia ser realizado na cidade
da noiva. Decepcionado, Geraldo deixou de escrever, pois a recusa fez brotar a
81
súbita desconfiança da Maryon ter arranjado outro namorado. Também teria de
fazer o mesmo, foi o seu raciocínio. E fez, começou a cortejar uma aluna do Colégio
Nossa Senhora das Mercês, que lhe despertou a atenção quando passava de carro a
caminho do escritório da Suerdieck. O namoro com Aída Ribeiro fê-lo esquecer-se da
Maryon, principalmente pela sua correspondência também ter sido interrompida.
Com a namorada baiana sentiu
logo o choque cultural. Na Alemanha
as moças gozavam de liberdade, com
responsabilidade. Podiam sair, passear
com os namorados pelas ruas, bosques,
cinemas, etc. Em Salvador não, o sistema
era completamente diferente. Nos
primeiros dias ficou na porta da casa,
em pé junto ao portão de ferro, com
a namorada pela parte de dentro. Na
marcação, sempre na janela, olhando
de viés, a presença de dona Almerinda,
irmã do pai de Aída. Depois, convidado
Salvador, 1941: Geraldo e Aída.
a entrar, Geraldo passou a ser recebido
na sala de visitas. Colocavam-no sentado
defronte à amada, mas a vigilância aumentou, ou melhor, encurtou a distância, pois a
tia se posicionava formalmente na cabeceira da mesa, como se estivesse presidindo a
reunião dos enamorados. Mas
não participava das conversas,
o que acabou transformando
a sua missão numa rotina
maçante. Resultado, vencida
pela enfadonhice, a fiscal
cochilava e até roncava,
proporcionando ao casal
furtivas oportunidades para
o entrelaçamento das mãos,
o máximo do contato físico.
Acostumado às moças liberais,
o experiente namorado vivia
uma situação inusitada,
que ao mesmo tempo lhe
constrangia. Pensava que a
Geraldo e Aída, recém-casados, na Estância Hidromineral de Itaparica.
Ao fundo o mar e no detalhe da charrete o símbolo da Suerdieck.
família da moçoila o enxergava
como um “lobo-mau”, que
precisava ser vigiado, para impedir qualquer aproximação perigosa ou um bote
sobre a recatada donzela.
82
No dia 31 de outubro de 1942, Geraldo e Aída casaram-se sob as bênçãos
católicas, na Igreja da Graça, ele aos 24 e ela com 18 anos. Como se vivia nas
agitações provocadas pela guerra, a lua-de-mel foi em Maragogipe, onde, com a
saída dos alemães dos cargos de chefia, Geraldo trabalhava no acompanhamento do
desempenho da fábrica sob a administração de brasileiros. Enquanto isto, embora
distinguida pelas atenções das esposas de diversos empregados da Suerdieck,
Aída curtia a monotonia de quem não tinha o que fazer. Nos poucos momentos
de folga, o marido levava-a para passear em Itaparica, onde os pais dele possuíam
uma casa de veraneio.
O FETICHE DA BAHIA
No início dos anos trinta, Gerhard Meyer Suerdieck conseguiu com Rudolf
Specht, gerente da Brahma em Salvador, um estágio para o sobrinho Gerhard
Albert Wolfgang Meyer, futuro herdeiro da fábrica do Meyer’s Bitter. No retorno a
Stadthagen, Gerd, como era chamado, foi mais tarde entrevistado pela historiadora
da família, Carla Meyer, que registrou o depoimento nos termos abaixo:
“Em seu escritório, Gerhard Meyer tem um quadro estreito e comprido,
que mostra uma bela e pitoresca cidade portuária, localizada numa península
que dá para uma baía com pequenas ilhas. Salvador possui enormes casarões
sombreados por árvores tropicais. A linha do horizonte continental, de costa
levemente montanhosa, fecha contra um céu luminoso.
Esta é a Bahia, no país da saudade, a segunda pátria dos Meyer de Stadthagen.
E quando se fala dela, no Oceano Atlântico, ao sul da linha do Equador, os olhos
de Gerhard faíscam de alegria e ele termina confessando:
— Se não tivesse a responsabilidade da herança comercial, nem esposa e
filhos, hoje mesmo iria para lá!”
Reprodução
O quadro que Gerd tinha no seu escritório, em Stadthagen, era uma fotografia (acima) de 1884, mostrando a área
comercial e portuária de Salvador, num registro de Marc Ferrez.
83
Cachoeira, 1940: Geraldo fotografado por Lourdes, na Avenida Ubaldino de Assis, litorânea ao Rio Paraguaçu.
84
Capítulo
O
13
SUPRIMENTO DE CEDRO
SUPRIMENTO DE CEDRO
O cedro é a melhor madeira para acondicionar e conservar os charutos.
cedro brasileiro (cedrella fissilis) era encontrado em abundância na
Mata Atlântica, misturado entre dezenas de outras árvores nobres.
Existem diversos tipos, com aroma, cor, peso e consistência diferenciados. O de melhor
qualidade para as caixinhas dos charutos tinha a madeira macia, boa resistência e com
coloração avermelhada, podendo ter tonalidades rosada e amarronzada. A principal
área desta espécie ficava em Santa Catarina, num trecho entre o litoral e o início do
planalto serrano, em altitudes de até 600 metros do nível do mar. No Vale do Itajaí
localizavam-se os dois únicos beneficiadores do excelente cedro catarinense: Pereira,
com instalações em Blumenau, depois transferidas para Rio do Sul, e H. Aichinger,
em Ibirama.
No finalzinho da II Guerra, um dos fornecedores do cedro deu à Suerdieck a
preferência para compra da serraria. Designado pelo pai, Geraldo, que acabava de
ser dispensado pelo Exército, viajou para Rio do Sul, para tratar da negociação. Pelo
horário da chegada na cidade, foi direto ao endereço residencial do proprietário,
onde causou reboliço ao se anunciar em português. Da porta pode sentir a súbita
preocupação das pessoas no interior da casa, que se expressavam em alemão.
Somente foi atendido pelo Pedro de Alcântara Pereira após se identificar novamente,
agora no idioma da família. O chefe apareceu estampando no rosto sinais de alívio
e pedindo desculpas pela demora. Disse que havia tomado um susto enorme,
pois pensou que o visitante fosse um agente da polícia política. Confidenciou que,
após os torpedeamentos dos navios brasileiros no litoral de Sergipe e da Bahia,
vivia sobressaltado com as notícias que varriam a região, dando conta da prisão
de pessoas que não falavam a língua do país. Achando estranho, Geraldo indagou:
— Por que o senhor não fala em português?
A resposta foi surpreendente, o homem confessou que, embora fosse brasileiro
nato, e que nunca tinha ido ao exterior, tinha imensas dificuldades em se comunicar
no idioma pátrio, unicamente pela falta de convívio com brasileiros. Explicou que
fora criado por uma família alemã, dentro de uma colônia alemã. Seu mundo girava
entre alemães, comprando madeira de colonos alemães e revendendo-a beneficiada
à clientes também alemães ou de origem alemã, dentre os quais figuravam dois na
Bahia, Dannemann e Suerdieck, com os quais trocava correspondência em alemão.
Geraldo aproveitou a estada em Rio do Sul para fazer um rápido estágio, visando
se enfronhar nos segredos da indústria madeireira e, principalmente, conhecer o
85
Acervo: Paulo Muelbet
processo integral, desde a derrubada das árvores, acompanhando o difícil transporte
dos toros brutos até o rio, donde seguiam à serraria, levados pela correnteza. Após
o beneficiamento, barcaças conduziam as tábuas à cidade portuária de Itajaí, para
embarque nos navios com destino a Salvador.
Na convivência no Vale do Itajaí, conhecendo madeireiros e visitando fazendas,
ele mesmo poucas oportunidades teve para falar em português. Na região, ocupada e
colonizada por alemães, até os brasileiros só falavam o alemão. Em alguns momentos
Geraldo ficou com a impressão de estar novamente na Alemanha, nalguma parte
remota do Vale do Reno. Passou então a entender a razão do senhor Pereira não
dominar o vernáculo do seu país.
Dos entendimentos com Pedro de Alcântara Pereira nasceu, em abril de 1945,
a Indústria e Comércio de Madeiras Esperança Ltda., tendo como sócio minoritário
o próprio Pereira, que ficou responsável pela empresa até a chegada do gerente
que seria enviado da Bahia. Para ficar em sintonia com a língua corrente na região,
o escolhido foi um alemão que dominava o português, Josef Mülbert, natural de
Endingen, que havia chegado ao Brasil em 1933, contratado pela Suerdieck, para
trabalhar na fábrica de Maragogipe. Mülbert, cujo currículo registrava uma rápida
passagem pela gerência da fábrica de Cruz das Almas, tinha sido seriamente
envolvido numa denúncia de subversão quando o país entrou na II Guerra. Arrolado
num inquérito aberto pelo Dops, polícia política da ditadura, foi levado às barras
do Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro. Em 22 de março de 1944
saiu a sentença, absolvendo-o por falta de comprovação na acusação de ter sido
propagandista do nazismo.
Com os recursos da Suerdieck, a
Esperança foi aparelhada com novos
equipamentos e preparada para
confeccionar todas as peças para as
caixinhas dos charutos. A fabricação
começava no desdobramento dos
toros, em torretes (70/80cm), que
eram mergulhados num tanque
d’água e aquecidos durante
uma noite. Este processo, de
amolecimento, aliado à própria
maciez do cedro, dava as condições
ideais para o desfolhamento da
Pedro de Alcântara Pereira, à esquerda, e Josef Mülbert, em 1948.
madeira na espessura desejada. A
máquina desfolhadeira prendia os torretes ao centro e estes giravam contra uma
faca afiadíssima, donde saíam as lâminas para serem postas à secar.
Uma vez secas e selecionadas, as tiras eram lixadas nas duas faces e cortadas
nas dimensões exatas para os vários tipos de caixinhas, formadas por 2 cabeceiras,
2 lados, 1 tampo e 1 fundo. Os lados, cabeceiras e tampo tinham 4mm de
86
Acervo: Paulo Muelbet
Acervo: Paulo Muelbet
espessura, o fundo 2mm. Para os estojos de
luxo as tábuas eram mais grossas, 8 e 6mm.
Completava a linha de produção as lâminas
bem finas, com apenas 0,25mm, para duas
aplicações. Como envoltório de charutos
especiais e como ornamentação (ventarola),
para algumas caixas de charutos da classe
nobre. A Esperança também trabalhou no
beneficiamento do pinho, utilizado nas
embalagens das fábricas de goiabada e, em
pequena escala, para caixinhas de charutos.
As peças desmontadas, geralmente
em grupos para 500 caixinhas, após
acondicionadas em caixotes grandes, Vista frontal da Esperança, em 1948.
seguiam para as fábricas na Bahia, onde
recebiam a pirogravura, a montagem, a rotulagem, a etiquetagem e os
charutos. A Esperança enviava mensalmente uma média de 200 mil caixinhas.
Até 1962 saíam de Santa Catarina exclusivamente pela via marítima. Nos anos
subseqüentes a malha rodoviária passou também a ser utilizada.
Com a desativação da serraria de H. Aichinger, a Esperança ficou sendo
a única indústria no país
especializada na fabricação
de caixinhas de cedro. Por
esta razão, teve de obter da
contro-ladora permissão para
poder abastecer as fábricas dos
charutos Pimentel (MuritibaBA) e Walkyria (Estância-SE).
Também fornecia as caixinhas
que a Suerdieck exportava
para alguns fabricantes na
Europa, aos quais o Grupo já
fornecia a matéria prima, o
fumo Bahia-Brasil.
Vista frontal, em 1961.
Na fase áurea da produtividade, a Esperança foi gerenciada por pai e filho. Josef
Mülbert trabalhou de 1946 até o dia do repentino falecimento, 25 de agosto de
1955, aos 49 anos, vitimado por um infarto. Foi sucedido pelo filho, Paulo Georg,
que ficou até 1964. A Esperança chegou a ser uma das empresas mais importantes
de Rio do Sul, onde desfrutava do conceito de ser muito organizada e correta com
os operários e fornecedores da madeira.
87
Gonsalves
Gonsalves
88
A Esperança vista do alto, estrategicamente localizada na margem direita do Rio Itajaí-Açu, por onde chegavam as
balsas com os toros de cedro e saíam os caixotes das tábuas para as caixinhas dos charutos. Foto de 1958, do acervo
de Paulo Muelbert.
89
DEPOIMENTO DE GERALDO NO DOPS
Em decorrência do Processo nº 3.773, em que figuravam cinco alemães,
incursos na Lei de Segurança Nacional, acusados de atividades nazistas,
o responsável pela fábrica de Maragogipe, Geraldo Meyer Suerdieck,
recebeu convocação para depor na Delegacia de Ordem Política e Social.
O empresário foi entrevistado no dia 3 de maio de 1943, pelo comissário
Laurindo Régis de Oliveira Filho, na delegacia de Salvador. Eis a súmula
das respostas às perguntas sobre os indiciados:
Ernst Ehl
- Nada posso dizer a respeito deste senhor, pois era empregado da
Dannemann.
Johann Schinke
- Na condição de gerente da fábrica de Maragogipe ele acarretou
contra si a má-vontade dos operários, tendo em vista suas idéias
francamente nazistas e por ter instituído um regime de perseguição
e proteção.
- Os operários que se manifestavam contrários ao nazismo eram
castigados, ao passo que aos outros tudo era facilitado.
- Aos protegidos, Schinke permitia que saíssem nas horas do trabalho,
para ouvir as transmissões radiofônicas da Alemanha e repassar-lhe
notas informativas.
Gerhard Behrens
- Era caixeiro viajante antes do Brasil entrar na guerra.
- Ao receber informações de que ele andava distribuindo propaganda
nazista, a firma investigou sua conduta, não conseguindo nada que
positivasse as denúncias.
- Alegando que ia residir numa fazenda no município de Rui Barbosa,
Behrens pediu para sair da Suerdieck, tendo recebido o que por lei
era cabível.
Josef Mülbert
- Nunca tive notícias de que fosse a favor do nazismo.
- Julgo que o retraimento decorria do fato de Mülbert ser católico e
saber que na Alemanha os católicos estavam sendo perseguidos
pelos nazistas.
Gerhard Baumert
- Foi admitido na fábrica em fase experimental e depois contratado.
- Com mais ou menos um ano em Maragogipe, Baumert constituiu
família.
- Quanto às idéias políticas do mesmo, somente tomei conhecimento
após a sua saída da fábrica.
90
Capítulo
14
REFLEXOS DA II GUERRA MUNDIAL
REFLEXO DA II GUERRA MUNDIAL
U
m dos traços marcantes de Gerhard Meyer Suerdieck era o
extraordinário poder de previsão. Os acontecimentos ainda pairavam
no ar quando os pressentia e, instintivamente, tomava as medidas cautelares.
Homem de visão futurista, ficou preocupado com a ascensão do nazismo na
Alemanha. Antevendo um conflito de longa duração na Europa, tratou de preparar
a Suerdieck, adequando-a às futuras dificuldades internacionais. Investiu na
ampliação do mercado brasileiro, para onde foram direcionados os esforços e
prioridades do setor charuteiro.
Quando a guerra eclodiu a Suerdieck já liderava o ranking nacional dos charutos,
tomando a posição da Costa Penna. No terceiro lugar figurava a Dannemann, cuja
força estava concentrada no mercado externo, que lhe assegurava o primeiro lugar
no ranking global (vendas
internas + exportações),
formado pelos três gigantes
da produção brasileira, com
a Suerdieck em segundo e
Costa Penna na terceira
posição.
A estratégia em se
fortalecer internamente
livrou a Suerdieck de
imensos apertos com a
perda do mercado europeu,
que resultou numa drástica
redução nas exportações de
charutos e do fumo BahiaBrasil. Com determinação
Gonsalves
e competência, Gerhard Fábrica de Cruz das Almas: salão das charuteiras.
enfrentou todos os problemas impostos pela guerra, sem abalar os alicerces da
empresa. Soube também administrar os conflitos gerados pelos empregados
favoráveis ao nazismo.
Com a invasão e ocupação da Holanda por tropas da Alemanha, foi interrompido
o abastecimento do fumo Sumatra28, utilizado no capeamento de charutos de
28 O comércio do fumo Sumatra, cultivado na Indonésia, colônia da Holanda, era dominado por companhias holandesas, que
controlavam a venda internacional numa bolsa de leilões, em Amsterdã. Já o fumo Havana, também usado no capeamento de
charutos nobres, adquiria-se diretamente de companhias americanas, controladoras da distribuição dos fumos cubanos.
91
linhagem nobre. Isto provocou a suspensão na fabricação de algumas marcas
importantes. Temendo também perder a importação do fumo cubano, caso o
conflito chegasse às costas do Caribe, Gerhard decidiu fazer uma grande provisão
deste fumo. Para poder estocá-lo, a Suerdieck adquiriu o Frigorífico Califórnia,
localizado em Salvador, na Praça Marechal Deodoro.
Um dia após o Brasil ter decretado o Estado de Guerra contra as potências do
Eixo, Geraldo Meyer Suerdieck, que desde fevereiro de 1940 era diretor-gerente da
Gonsalves
Companhia Maragogipana
de Eletricidade, passou
a integrar a Suerdieck
na qualidade de sócio e
inicia, em Maragogipe, a
substituição, nos postos
chaves, dos empregados
alemães por brasileiros.
Em março de 1943, na
primeira viagem à capital
federal, num hidroavião
que tomou no Porto dos
Tainheiros, Geraldo foi ao
Rio de Janeiro, principal
praça consumidora de
charutos no país, com
a missão de conduzir a
Fábrica de Cruz das Almas: salão de anelamento, celofanagem e encaixamento.
criação da Distribuidora de
Charutos Suerdieck Ltda.. A
empresa foi formada pelos seguintes sócios: Geraldo Meyer Suerdieck, Kurt Augusto
Guilherme Stumm e o empresário judeu Augusto Goldschmidt.
Nas duas metrópoles do seu país, Rio de Janeiro e São Paulo,
Geraldo somente pôs os pés após conhecer importantes cidades
européias: Nápoles, Roma, Hamburgo, Paris e Amsterdã.
No recrutamento para formação da Força Expedicionária Brasileira, criada em
novembro de 1943, o reservista Geraldo foi convocado pelo Exército e incorporado
ao 19º Batalhão de Caçadores. Poderia ter sido desconvocado, como fizeram os
rapazes da alta elite baiana, filhos das famílias abastadas, que usaram os mais
diversos artifícios: diagnóstico médico, atestando doença temporária ou necessidade
cirúrgica; contrato para função pública; tráfico de influência; ou suborno puro e
simples. Geraldo chegou a ser chamado de otário, por não ter usado o prestígio da
empresa para ser dispensado da convocação.
Fuga ele só admitia a da Alemanha, pois não fazia nenhum sentido e nenhum
92
patriotismo em servir militarmente a um país onde não havia nascido. Ademais,
tinha mais dois motivos fortes:
a. Pelo histórico de cristão-novo, através do lado materno, seria
convocado para um pelotão da frente de batalha, cujos integrantes
não retornariam vivos;
b. Não era nazista e sabia que a guerra seria exclusivamente dos maiorais
nazistas, e não do povo alemão. Hitler havia se transformado em
ídolo das massas urbanas porque tinha acabado com o desemprego
e a miséria. Com o poder do seu carisma pessoal, a eficiência da
propaganda nazista e a repressão da polícia política, o Führer eliminou
todos os canais de protestos e calou as possíveis vozes contrárias a
uma guerra.
Como brasileiro não iria fugir do dever de servir ao seu país. Mas era também
verdade que se fosse para a guerra iria lutar com uma preocupação, voltada para os
primos e amigos alemães. Poderia matar um deles, ou ser morto por eles. Por isso,
exclusivamente por isso, preferia não ter sido convocado. Porém, já que tinha sido,
não usaria dos poderes econômicos e sociais para desvencilhar-se do chamamento
patriótico. A simples presença de Geraldo na Companhia de Metralhadora do 19º
BC serviu para elevar o moral dos colegas, todos eles rapazes oriundos das camadas
humildes, que formavam o batalhão dos desprotegidos. Muitos, incrédulos, não
entendiam a razão de um soldado rico estar ali, recebendo o mesmo tratamento
reservado aos pobres. Custaram a acreditar que o herdeiro da mais importante
empresa da Bahia estivesse realmente disposto a ir para a guerra.
A única regalia usufruída pelo soldado Suerdieck era a permissão, por ser casado,
para sair às 16 horas. Passava no escritório e depois ia para casa, na Rua Barão de
Capanema 16, esquina com Catharina Paraguassú, defronte à entrada lateral do
Estádio da Graça, templo do futebol baiano. Às seis da manhã já estava novamente
no quartel, localizado no Cabula, numa área conhecida como Cascão, nome dado
por causa do Dique do Cascão, uma represa dentro da reserva militar. Durante o
adestramento, por dominar o alemão, inglês e francês, teve a certeza que seria
enviado ao Rio de Janeiro, donde o primeiro contingente da FEB embarcaria para
a Itália. Não foi, porque chegou uma ordem determinando a ida somente dos
solteiros. Foi transferido para a segunda leva das tropas, quando novas instruções
estabeleceram que os casados com filhos ficariam para a remessa seguinte dos
baianos. Em março de 1945, já com a guerra no ocaso, foi liberado pelo Exército,
pondo um ponto final na possibilidade de lutar contra os alemães na frente italiana.
Lá na Alemanha quem não conseguiu escapar foi o Erwin Niemann, genitor
daquele rapaz da Juventude Nazista, que ameaçou denunciar o próprio pai, caso
continuasse a criticar o regime hitlerista. Pois bem, tão logo terminou a guerra,
Geraldo recebeu uma comovente carta do Erwin, informando que se encontrava
subnutrido, num campo para prisioneiros, no norte da França. Geraldo acionou
imediatamente a Cruz Vermelha brasileira, pela qual enviou café, açúcar, chocolate
93
e vários outros gêneros alimentícios. Meses depois chegou uma comunicação da
Cruz Vermelha internacional, informando que a doação não pode ser entregue, o
Erwin havia falecido.
Durante a guerra os Estados Unidos compensaram um pouco a perda do mercado
europeu com a compra de grandes partidas de charutos Suerdieck, que o Exército
americano enviava diretamente da Bahia para o teatro das operações bélicas. O
charuto constituía-se num importante lenitivo para as tropas que lutavam contra
nazistas e japoneses. A Suerdieck saiu da guerra fortalecida, como a maior empresa
brasileira de charutos. Iria agora preparar-se para se transformar num gigante em
nível internacional. Em função deste novo horizonte, foi adquirido em Salvador o
Trapiche Pilar, para servir como depósito de transbordo dos charutos destinados à
exportação pelo porto da capital baiana.
Com relação ao comércio exterior havia acontecido um fato interessante com
importadores da Holanda. Assim que estourou a II Guerra Mundial, eles passaram
a comprar grandes quantidades de fumo, pagando adiantado. As encomendas não
foram embarcadas por causa da generalização do conflito na Europa, inclusive com
Gonsalves
Uma banca de charuteiras, em Maragogipe.
a invasão da Holanda por tropas alemãs, em maio de 1940. Poucos meses após o
término da guerra chegou a Salvador uma missão oficial, atrás do fumo adquirido
pelos holandeses. Com a Suerdieck não houve problema algum, que colocou
imediatamente à disposição do novo governo holandês os quatro mil fardos do fumo
Bahia-Brasil que não puderam ser despachados. Foi o capital para o soerguimento
das atividades de algumas empresas que, numa antevisão do futuro, despacharam
recursos para o Brasil, onde ficou guardado sob a forma de valiosa mercadoria.
94
Em julho de 1946 fez-se uma alteração no contrato social para permitir a entrada
dos irmãos Nicolau, Albrecht Wolfgang e Fernando Meyer Suerdieck. Gerhard
também colocou como sócios, dando-lhes uma pequena participação nas cotas,
por relevantes serviços prestados à empresa, os seguintes empregados: Alfred Willy
Paul Haendel, Antônio Eloy da Silva, Epaminondas da Silva Bandeira, Elisabeth Cabús
de Amorim, Corbiniano Rocha e Raul Ayres de Lacerda.
Deus guiou-me de volta ao Brasil,
para que não fosse transformado
num soldado alemão.
Deus também evitou que,
como soldado brasileiro,
fosse lutar contra os alemães.
Geraldo Meyer Suerdieck
O Alemão da Suerdieck
Num hospital de guerra, em Pistóia, a enfermeira Jandira Bessa de Meireles
Mendonça, que se alistara voluntariamente na Força Expedicionária Brasileira,
teve aos seus cuidados um ferido capturado no front italiano. Nos três primeiros
dias o alemão, amuado, não disse uma palavra sequer. Quando resolveu abrir a
boca a segundo-tenente tomou um baita susto, pois o paciente perguntou o
óbvio, num português claríssimo:
— Você é brasileira, não é?
— Sou baiana de Cachoeira!
A resposta provocou no semblante do sisudo alemão uma faísca de alívio.
Com um leve sorriso ele puxou conversa:
— Conheço sua cidade, estive lá diversas vezes, a serviço da Suerdieck.
— O senhor era funcionário da Suerdieck?
— Sim, eu trabalhava na fábrica de Maragogipe. Nas férias fui visitar minha
família na Alemanha e não pude mais voltar ao Brasil, pois a guerra estourou. Fui
convocado pelo Exército e agora estou aqui, ferido e preso. O que irá acontecer
comigo?
— O senhor está sendo bem tratado e continuará sendo, de acordo com a
Convenção de Genebra. Quando a guerra acabar voltará para a Alemanha, são
e salvo!
Num dos bolsos da farda do “soldado da Suerdieck” havia duas fotografias.
Ele perguntou à Jandira pelo paradeiro e as solicitou de volta, dizendo que eram
lembranças de suas filhas. Ao recebê-las ficou emocionado e chorou.
95
Gerhard primava pela elegância, tendo na Bahia desenvolvido o gosto pelos trajes brancos. Os ternos eram talhados em puro
linho irlandês, usava camisas de algodão 100% brasileiro, gravatas italianas e sapatos confeccionados com couro baiano.
96
Capítulo
N
15
SUERDIECK S.A.
SUERDIECK S.A.
o final de 1946, o patriarca da família decidiu
Sem os operários,
todo o nosso saber comercial
transformar a Suerdieck & Cia. numa sociedade
de nada valeria,
anônima. Para continuar crescendo, a companhia necessitava
assim como,
sem o nosso tirocínio,
abrir-se ao ingresso de novos capitais, tinha que possuir um
todos os esforços dos operários
seriam inúteis.
amplo leque de acionistas fora do círculo familiar e da meia
dúzia de empregados contemplados recentemente como
Gerhard Meyer Suerdieck
sócios da empresa.
E no contexto da nova filosofia empresarial, nasceu, a 2
de janeiro de 1947, a Suerdieck S. A. Charutos e Cigarrilhas, com sede em Salvador,
onde já estava localizada a matriz, desde 1938. A primeira diretoria da sociedade
foi composta por:
Gerhard Meyer Suerdieck – Presidente
Geraldo Meyer Suerdieck – Vice-Presidente
Alfred Willy Paul Haendel – Diretor Administrativo
Pinheiro
Antônio Eloy da Silva – Diretor Técnico
No térreo deste prédio em Salvador, na esquina das ruas Pinto Martins e Portugal, a Suerdieck abriu uma
refinada loja de charutos. Foto de 1936.
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O prédio da Pinto Martins já inteiramente ocupado
pela Suerdieck, que instalou nos andares superiores a
sede social. Foto de 1938.
Willy Haendel, alemão de nascimento e
brasileiro por naturalização, havia ingressado
na Suerdieck em 1913, como guarda-livros.
Antônio Eloy da Silva, que falava fluentemente
o alemão, também era empregado antigo.
Oriundo de uma família com tradição no setor
fumageiro do Recôncavo, gozava do conceito
de ser o “papa” do fumo Bahia-Brasil.
Foi por esta ocasião, da transformação
da razão social, que Geraldo foi informado
da chegada, em seu nome, de um grande
caixote de madeira vindo da Alemanha.
Autorizou que fosse transportado do porto
para o Trapiche Pilar, onde deveria ser aberto.
A mercadoria era um enxoval completo,
acompanhado de um cartão lacônico.
Geraldo ficou transtornado com a mensagem
e não teve coragem de ir ver os objetos que
a antiga noiva, mesmo com a guerra, havia
comprado e juntado para o casamento.
Passado o choque inicial, escreveu uma carta à Maryon, explicando o ocorrido, o
matrimônio com Aída e prontificando-se a indenizá-la pelas despesas. Maryon não
respondeu. Quanto ao enxoval o ex-noivo determinou que o gerente do Trapiche,
Péricles Drummond, efetuasse uma distribuição entre os empregados que estivessem
com casamentos marcados.
Meu sonho de adolescente
era trabalhar na Suerdieck,
uma das empresas mais famosas da Bahia.
Após passar por dois estabelecimentos bancários
e uma companhia de capitalização,
o sonho tornou-se realidade em 1946.
Além de pagar os melhores salários,
a Suerdieck proporcionava aos empregados
quatro bonificações anuais,
na Páscoa, no São João, no Natal
e no resultado do Balanço Anual.
Quem entrava não saía,
fiquei até a aposentadoria,
depois de 29 anos na Suerdieck.
José Ruas Boureau
98
O DEDO DE GERHARD
Em 1934 a Suerdieck produziu o livreto Lembrança da Bahia, com
texto trilingue (português, inglês e alemão), para distribuição no território
nacional e no exterior: Buenos Aires, Montevidéu, Dakar, Lisboa, Amsterdã,
Antuérpia, Bruxelas, Hamburgo, Zurique, Copenhagen, Varsóvia e Xangai.
Tratava-se de um verdadeiro guia turístico-cultural de Salvador, com
gravuras desenhadas a bico de pena pelo artista plástico Gregorius,
mostrando vistas do Elevador Lacerda, Plano Inclinado Gonçalves,
Ladeira da Montanha, Campo Grande, Baixa dos Sapateiros, Terreiro de
Jesus, Forte de Mont Serrat, Colina do Bonfim, Igreja da Penha, Ladeira
do Prata, Farol da Barra e uma Baiana Típica, com balangandãs e cesto na
cabeça. Esta ilustração, segundo diziam, teria sido a fonte inspiradora do
vestuário de baiana estilizada que se transformou na marca registrada de
Carmen Miranda. A primeira vez que a cantora e atriz apareceu vestida
de baiana, com balangandãs e turbante, foi em 1938, no filme Banana
da Terra, interpretando uma música de Dorival Caymmi, O Que é Que a
Baiana Tem? Com esta indumentária Carmen se consagraria também nos
Estados Unidos, na Broadway e em Hollywood.
Gonsalves
Fábrica de Cruz dasAlmas, inaugurada em novembro de 1935.
Johann Schinke foi o primeiro gerente.
Depósito de fumo em
São Gonçalo dos Campos.
99
CACHOEIRA
A fábrica de Cachoeira funcionou em três locais: Rua José Joaquim Seabra (antiga
Rua da Feira), Rua dos Artistas e novamente na José Joaquim Seabra, desta vez na
esquina com Quintino Bocaiúva (antiga Rua do Curiachito).
Inaugurada em 1º de agosto de 1936,
a fábrica ocupou na Rua José Joaquim Seabra os imóveis de números
78, 80 e 82. Depois incorporou o 84
e o 86.
A fábrica vista por outro
ângulo, em foto de 1936,
antes da reforma na fachada dos imóveis.
Acervo: Família Azevedo
A fábrica após a reforma que uniformizou
o visual da fachada.
A nova fábrica, construída na
Rua dos Artistas.
Chagas
100
Capítulo
16
MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO
MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO
L
ogo ao assumir a gerência da fábrica, Gerhard foi informado pelos alemães
sobre uma prática das mulheres, que eles respeitavam, decorrente do
que denominavam “magia do candomblé”. Vez por outra, uma operária entrava
em estado de transe, o popular “deu o santo”, e quando isto ocorria outras duas
ou três também incorporavam o “santo”, paralisando momentaneamente o setor,
até a retirada das manifestadas, que naquele dia não mais trabalhavam, pois
eram imediatamente retiradas da fábrica. Assim que se julgou senhor da situação,
Gerhard resolveu mexer no tabu, soltando uma circular contendo uma norma de
procedimento para o caso das mulheres portadoras da sensibilidade mediúnica.
Determinou que quem entrasse em transe ficaria, automaticamente, dispensada do
trabalho no dia seguinte. Mas o repouso obrigatório não seria remunerado e na folha
do pagamento semanal o salário encolheria. Compreensivo, para não prejudicar seu
pessoal, o “santo” transferiu o horário das manifestações. Nunca mais uma operária
“recebeu o santo” durante o expediente laborioso.
O “Senhor Maier”, como era chamado, mantinha-se sempre na postura apolítica,
absolutamente neutro nas quarelas e disputas pelos cargos no município. Uma vez,
as duas principais correntes políticas disputavam uma indicação para Maragogipe
e corriam listas de adesão para serem levadas ao julgamento do interventor federal
da Bahia. Se uma delas tivesse a assinatura do dono da Suerdieck, talvez fosse a
vencedora. Mas como engajá-lo numa corrida política? O chefe de uma das facções
arquitetou um plano engenhoso para conquistar o aval do industrial renomado,
possuidor de vasto prestígio. Um emissário, fora do grupo político, seria a isca para
conduzir o empresário até um alçapão emocional. Cuidadosamente escolhido,
pelos laços da amizade, o major Firmino Peixoto foi o portador de um convite
para o compadre ir ao terreiro do Pai Zezinho, onde receberia uma mensagem da
Alemanha. Embora incrédulo, mas em atenção ao major, Gerhard compareceu no
dia e horário marcados. Após solene e demorado ritual introdutório, um corpulento
médium negro incorporou o espírito de um alemão, que fez o pedido ardiloso:
— Gerhard, meu filho, você precisa ajudar o Bartolomeu, ele é seu amigo de
confiança. Assine na lista que está correndo pela cidade!
Dirigindo-se ao Pai Zezinho, mediador e controlador da sessão, Gerhard devolveu
de chofre:
— Tudo bem, porém, peça ao meu pai para repetir a mensagem, mas quero
ouví-la em alemão!
101
O Pai Zezinho engasgou, mas encaminhou a solicitação, transferindo o pânico
para o médium, que teve tempo para fugir da armadilha, armando um qüiproquó
danado, desculpa para sair do estado de “transe” e encerrar a sessão. A trama,
reconheceria Gerhard, havia sido bem urdida, mas fracassou porque os mentores
se esqueceram de um detalhe de fundamental importância. O “médium” deveria
dominar o idioma alemão, falando com sotaque da região de Stadthagen. Aí, sim,
teria acreditado na autenticidade da mensagem e assinado na lista em benefício
do Bartolomeu.
Gerhard gostava de festas e, às
vezes, extravazava o lado brincalhão.
No verão de 1935 alugou uma
casa em Cipó, florescente estância
hidrotermal às margens do Rio
Itapicuru, para o veraneio da família.
Ele ficava indo quinzenalmente,
numa penosa viagem de automóvel,
por péssimas estradas de barro.
Numa das idas, comprou no caminho
uma boa quantidade de fogos
de artifício, foguetes de estouro,
que foram soltos fartamente ao se
Gerhard aos 21 anos, durante uma folga no serviço militar, com
aproximar da estância, pensando
violão e charuto na mão direita. Era também um bom pianista.
que estaria avisando a esposa da sua
chegada. Quando adentrou nas ruas as encontrou desertas e todas as casas fechadas.
Os moradores havia fugido às pressas, pensando que tratava de um combate
entre uma volante (polícia) e os temidos cangaceiros de Lampião, que viviam
aterrorizando cidades do sertão baiano.
Dona Tibúrcia não fugiu, ficou em casa,
trancada, escondida com os filhos Nicolau,
Wolfgang e Fernando. Involuntariamente,
Gerhard patrocinou um trote sensacional,
pondo quase toda a população de uma
pequena cidade em fuga coletiva para o
mato e lugarejos próximos.
Quando jovem, bem antes de vir para
o Brasil, o ideal de Gerhard era ser pintor
profissional. Uma tendência natural,
herança de família, com pendor para a
Outra foto de Gerhard, em abril de 1908.
É o primeiro à esquerda, segurando uma bota.
música, poesia e artes plásticas. Seu tio
Kurt August Eduard Meyer29, era poeta
29 Amigo do renomado escritor Wilhelm Busch. É citado por Ernst Hitzemann no livro “Wilhelm Busch und Stadthagen”,
que na página 25 mostra August Meyer (1836-1895) numa pose de corpo inteiro e reveladora de dois hábitos: o charuto
na mão esquerda e uma taça de vinho na direita.
102
e desenhista. O pai também tinha veia
poética, tendo no ano do nascimento do
filho caçula, 1886, publicando um livro,
Pyrmonter Tage in Wahrheit und Sage, com
98 poemas. Mas o destino guiou-o noutra
direção, colocou-o numa estrada margeada
pela lavoura fumageira. Contudo, o dom
artístico nunca foi abandonado, cultivou-o
como hobby predileto. Nos dois últimos
anos dedicou tempo integral à paixão pela
que em Stadthagen era chamado de Gert,
pintura. Autodidata, preferia o paisagismo, Gerhard,
com duas irmãs (extremidades) e a cunhada Lisbeth.
o casario colonial e as igrejas barrocas. No
final, já abalado por uma insidiosa doença, quando não mais saía de casa, nem para
ir às reuniões do Rotary, ou da Maçonaria, passou a pintar o nu feminino, inspirado
em jovens e belas modelos, contratadas
para as poses artísticas.
Na verdade, as moças serviam de
colírio para os olhos e de lenitivo para a
moléstia que minava suas resistências.
Meyer era a assinatura que Gerhard colocava em suas obras.
Nestas fotos, de Ludovico Perfler, três quadros são da fase dos nus e um da modelo preferida pelo pintor.
103
Contudo, trancado no ateliê que possuía em casa, não se tem certeza que tudo
tenha realmente permanecido sempre no plano estritamente profissional. Pelo
passado, de jovem arisco e sedutor, suspeita-se da sua resistência aos encantos e
recantos de alguma jovem mais desinibida e provocativa, capaz de oferecer algo
mais que uma simples pose em nu artístico. Este mistério permanecerá indevassável.
Seu motorista particular, Ananias dos Santos, que fazia o traz-e-leva das modelos,
carregou para o túmulo os possíveis segredos de alcova.
A doença de Gerhard, um câncer na laringe, começou a manifestar-se logo após
a II Guerra Mundial. Gerhard recebeu o diagnóstico com a mesma coragem que
havia encarado a vida. Resignado, recusou fazer tratamento nos Estados Unidos
ou na Suíça. Sabia que o mal era incurável e resolveu não sair da Bahia, nem para ir
ao Rio de Janeiro ou São Paulo. A aproximação da morte não abateu o seu ânimo,
nem o espírito. Encarava-a com altivez e tranqüilidade, convicto de que a missão na
terra estava terminada, concluída quando transformou a Suerdieck numa sociedade
anônima. Restava-lhe tão somente entregar o comando ao sucessor natural, o filho
Geraldo. Embora legalmente continuasse na presidência, na prática passou o bastão
das decisões ao vice-presidente. De longe, do exílio fixado na pintura, acompanhava
os passos do herdeiro e via que através dele continuariam seus ideais e normas de
conduta.
Os ascendentes de Gerhard,
pela linhagem dos Meyer,
não foram longevos.
Gerhard viveu mais que o
pai (27 dias),
o avô e o bisavô.
Entre os nove irmãos,
foi superado em tempo de
vida apenas por Adele.
Última foto de Gerhard, retocando um nu
artístico. Mesmo doente, não abandonou o
charuto.
Homem de vida organizada, Gerhard deixou
testamento detalhando a partilha dos bens.
Amparou os filhos tidos antes do casamento
e ao Asilo dos Pobres de Maragogipe destinou
uma vultosa quantia em dinheiro. Gerhard não chegou a perder completamente
a voz, mas, na fase terminal, a doença infrigiu-lhe sofrimentos que tiveram de ser
aplacados com doses de morfina. Morreu consciente, de forma serena, no dia 31
de julho de 1950, aos 63 anos, apegado a um poema do pai, também falecido na
mesma idade. Escrito em 1878, falava do nascimento, da morte e da satisfação de
poder orgulhar-se com o que criou aqui na terra.
O monsenhor Manoel de Aquino Barbosa, pároco de Nossa Senhora da
Conceição da Praia, foi quem administrou a extrema-unção. Gerhard foi sepultado
no mausoléu que mandou erigir para a família, em Salvador, no Cemitério do
Campo Santo, localizado bem defronte ao Cemitério Alemão, ao qual renunciou
104
em vida ao direito de uso.
desamparado viu a luz do mundo,
Inaugurado pelo seu construtor, todo em
deitado nos braços da tua mãe,
mármore escuro e com o brasão da família
sem saber trouxestes
Meyer, o sepulcro fica na ala dos endereços
felicidade para todos,
nobres da quadra A, no condomínio das famílias
recebendo alegres cumprimentos,
importantes. Um mês e poucos dias de instalado
todos sorrindo com amor te cercavam, na nova morada, Gerhard assistiu a emocionante
então só você chorou!
chegada de um vizinho famoso, o engenheiro
Agora te desejo,
Lauro Farani Pereira de Freitas, morto num
para quando um dia chegar a hora,
acidente aéreo na reta final da campanha
que todos que estiverem
política como candidato ao governo do Estado
ao redor do teu leito,
da Bahia. Tempos depois, dois outros baianos
com amor chorem por você,
ilustres foram compartilhar da sua vizinhança
e que somente você sorria,
contígua. Chegaram o jornalista fundador de A
satisfeito com tudo
Tarde, Ernesto Simões Filho, e o senador Otávio
que aqui realizou!
Mangabeira, ex-governador da Bahia.
O homem que nasceu alemão luterano, com
Johann Cristhian
o nome de Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer, e
Gerhard Meyer, 1878
faleceu brasileiro católico, como Gerhard Meyer
Tradução: Klaus Häfele
Suerdieck, construiu um patrimônio empresarial
de vulto: ampliou a fábrica de Maragogipe, abriu
duas novas fábricas, em Cruz das Almas e Cachoeira, e transformou a Suerdieck
na maior produtora brasileira de charutos, superando as tradicionais Costa Penna
e Dannemann. Deixou também mais de uma centena de quadros, óleo sobre
tela, inclusive os famosos nus artísticos, que nunca foram expostos em público,
nem colocados à venda. De acordo com exames de peritos, as obras de Gerhard
continham técnica apurada, digna dos bons artistas plásticos profissionais.
A cidade de Maragogipe devia ao empresário a implantação do serviço de
energia elétrica. Gerhard foi o idealizador e primeiro presidente da Companhia
Maragogipana de Eletricidade, uma sociedade constituída a 3 de setembro de 1930,
para explorar, através de concessão municipal, a distribuição pública e particular.
No início a energia era produzida por força motriz, sendo mais tarde substituída
pela gerada na Hidrelétrica de Bananeiras, no Rio Paraguaçu.
Gerhard Meyer Suerdieck foi um homem comunicativo e benquisto pela classe
operária. Maria Dolores Costa Melo, que foi sua secretária, assim o definiu:
Quando você meu amigo,
Era severo quando a ocasião requeria, sem ser injusto.
Era decidido em suas atitudes, sem ser imprevidente.
Era prático, sem ser frio.
A postura definida pela frase “era severo quando a ocasião requeria”, foi
105
demonstrada numa longa carta redigida em 17 de abril de 1945, endereçada a
Nicolau. Gerhard recriminou-o de forma severíssima, por ter o filho arranjado uma
amante logo após o casamento, gerando sérios conflitos com a esposa. Para chamálo às obrigações de marido, pai e procurador da Suerdieck & Cia., Gerhard deu-lhe
uma lição de moral. Mas primeiramente expôs a própria experiência de vida. Eis o
trecho em que, na única vez que escreveu sobre si, procurou demonstrar ao filho o
que era ser homem de verdade:
Na minha juventude fui bastante vadio e não deixei de aproveitar a
vida, mas nunca cheguei ao ponto de ter remorsos ou ter feito mal a outro
ser humano, por leviandade.
Antes de conhecer sua mãe tive filhos com duas outras mulheres. Tanto
a mãe do Carlos como a do Antônio chegaram às minhas mãos como
mulheres de vida livre, às quais nada devia. Se me ajuntei às mesmas foi
por mera atração sexual.
Destes relacionamentos nasceram filhos, mas nunca me afastei dos
deveres como pai. Procurei educá-los bem e se, infelizmente, deram-me
desgosto não foi por falta de cuidados da minha parte.
Embora as ligações, que por certo tempo mantive com estas mulheres,
nada tivessem de amor, sempre as tratei de forma limpa e correta.
Nada acho de mais indigno num homem o fato dele tratar uma mulher
com brutalidade, uma mulher que em outra ocasião se
entregou à vontade do homem!
Raulina ao casar-se com Abelardo
Magalhães Sacramento. Gerhard
recebeu esta foto com a seguinte
dedicatória: “Ao meu querido pai,
com a estima da filha e amiga,
14.02.1938”.
Gerhard mantinha financeiramente os dois filhos tidos
com Aguida e o outro com Maria Amélia. Porém, julgando
que as mães não estavam sendo zelosas na educação das
crianças, terminou levando-as para dentro da sua casa. Os
três tornaram-se filhos de criação de Tibúrcia, que também
aceitou Hilda Cunha, a menina que Aguida teve após a
separação de Gerhard, com outro homem, que veio a falecer
logo depois. O ex-companheiro amparou a órfã, tornandose seu tutor e tratando-a como filha.
Com os empregados Gerhard agia com extrema justiça,
“dando a César o que era de César”. Um dos últimos exemplos
teve como protagonista o jovem José Ruas Boureau, que
ingressou na Suerdieck em 1946, levado por Epaminondas
Bandeira. No primeiro dia do trabalho foi apresentado
ao senhor Meyer, que lhe fez algumas perguntas, sendo
uma sobre o salário. No final do mês o valor creditado na
folha foi superior ao pactuado. O aumento deveu-se ao
dono da empresa, que procurou se informar do salário da
106
antecessora no cargo, dona Julieta, e ordenou que ao novo empregado fosse pago
o mesmo vencimento mensal.
Mais um companheiro bom nos deixou para sempre.
Mais um retrato vamos conservar na parede de nossa
Secretaria, em sua saudosa memória.
Fui eu mesmo quem deu a Gerhard Meyer Suerdieck
as boas-vindas ao Rotary, há treze anos,
e o fiz sabendo bem o valor da aquisição.
WILLY OVERBECK
Exportador de Fumos
Boletim do Rotary Clube da Bahia
Nº 6 – Agosto de 1950
Gerhard e o acessório, que fumava
desde a adolescência, quando nem
por sonho imaginava que seria
dono de uma fábrica de charutos.
AS ÚLTIMAS VIAGENS DE GERHARD À ALEMANHA
1. 1928: maio/novembro
Pela primeira vez Gerhard leva a família à Europa, onde
permanece por sete meses. Em Stadthagen deixa o filho Geraldo
na casa do irmão, para ser educado dentro das tradições alemãs.
Nesta época, a Alemanha estava sob o regime de uma república
federativa parlamentarista, a República de Weimar. O chefe de
Estado era o presidente Hindenburg e o de Governo o chanceler
Hermann Müller.
2. 1933: janeiro
Gerhard encontra-se na Alemanha quando Adolf Hitler, líder
dos nazistas, tornou-se chanceler, nomeado em 30 de janeiro
107
pelo presidente Paul von Hindenburg, em substituição ao general
Schleicher. Gerhard havia levado a família para visitar Geraldo, que
se encontrava estudando em Stadthagen, desde 1928. Por exigência
da mãe, chocada com o fato do filho não falar mais em português,
o menino foi trazido de volta ao Brasil.
3. 1937: janeiro
Novamente Gerhard leva a família na viagem em que Geraldo
ficaria em Hamburgo, para cumprir um estágio profissional de dois
anos e meio, no Donnerbank. A Alemanha já estava completamente
dominada por Hitler, que a transformou numa potência totalitária
e militarista.
4. 1939: janeiro
Apesar da inquietação política na Europa, por causa do
expansionismo territorial da Alemanha, Gerhard e Tibúrcia resolvem
visitar Geraldo. O sócio Karl Horn fica com uma procuração para
resolver todas as questões da Suerdieck durante a ausência do casal.
Em Hamburgo Gerhard não gosta do clima carregado pelo
fanatismo nazista e, movido por um pressentimento, resolve deixar
a cidade antes do tempo previsto. Dirige-se à Itália, donde retorna
ao Brasil e toma conhecimento da cilada preparada por Horn: teria
sido preso juntamente com a esposa, caso tivesse cumprido o
cronograma de permanência em Hamburgo.
Ao se aproximar dos 50 anos, os traços
fisionômicos de Gerhard começaram a
evidenciar um envelhecimento rápido. Nesta
foto, ao lado da esposa, os sinais da velhice
precoce já são bem visíveis. Ele estava com
55 anos.
Gerhard no escritório da Suerdieck.
108
Gerhard e o Duce
Ao folhear um álbum familiar, Geraldo deparou-se com uma foto
(abaixo) de Benito Mussolini. Achando estranho, perguntou ao pai, que
se encontrava defronte:
— Papai, qual a razão do Mussolini estar aqui, neste
seu álbum?
— Esta foto eu comprei em Florença. Conheci bem
a Itália e pude testemunhar as reformas que ele estava
promovendo. Até os turistas, que eram expoliados,
passaram a ter um tratamento melhor. Por isso, passei
a ser um admirador do Duce!
— Então o senhor foi simpatizante do fascismo?
— Do fascismo não, mas da figura pessoal do Duce
sim. Eu o julgava um bom governante, talvez o melhor
da Europa. Mas ele perdeu toda a minha estima quando
se lançou nos braços de Hitler e participou da aliança
belicista denominada Eixo. Foi o seu pecado capital, a
desgraça que destruiu tudo que havia construído de
bom na Itália!
Benito Mussolini, o Duce.
PRESENTE DE CASAMENTO
Do próprio punho de Gerhard, lavrado no dia do casamento do filho: “Gerhard Meyer Suerdieck-Conta Especial a
Geraldo Meyer Suerdieck, transferência valor da sua casa, 150 milhões de cruzeiros”. Na cópia (acima) que enviou ao
filho acrescentou: “com os votos que este novo lar se torne um berço de felicidades para os nossos queridos filhos, Aída
e Geraldo. Seus pais”. A casa era o imóvel de número 16 da Rua Barão de Capanema, no bairro da Graça.
109
CIPÓ
A família Meyer Suerdieck comprou uma casa na Estância Hidrotermal de Cipó,
localizada na região do semi-árido. Com a construção de dois hotéis-cassinos, a
aprazível localidade iniciou uma caminhada para se transformar numa espécie de
Las Vegas do sertão baiano.
Porém, bruscamente, o
progresso foi interrompido
em 30 de abril de 1946, dia em
que o presidente Eurico Dutra
sancionou o Decreto-Lei 9215,
extinguindo o jogo e fechando
os cassinos em todo território
nacional. As luzes da riqueza,
da beleza e dos sonhos foram
apagadas, transformando Cipó
numa cidade opaca e fantasma.
Vista parcial.
Praça Tenente Juracy Magalhães
e a Prefeitura.
Radium Hotel.
110
Capítulo
17
RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA
RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA
E
m maio de 1951, no navio italiano Marco Polo, Geraldo seguiu para
uma viagem de quatro meses, a primeira à Europa desde 1939. Duas
razões levaram-no ao teatro da II Guerra Mundial. Os negócios, para contatos com
os antigos clientes sobreviventes do conflito, com a missão de incrementar as
exportações de charutos, principalmente na Alemanha, onde sabia que teria imensas
dificuldades, pois o problema ainda residia na falta do bom poder aquisitivo do
povo. O outro motivo era simplesmente o turismo, o lazer. Desejava mostrar à esposa
alguns países do Velho
Mundo e retirar a mãe da
tristeza ocasionada pelo
falecimento do marido.
Entraram na Europa por
Gênova, no norte da
Itália, donde foram à
Suíça, França, Inglaterra,
Holanda e Alemanha.
Em Hamburgo, apesar
do ritmo acelerado da
reconstrução, Geraldo
encontrou os sinais
visíveis da guerra. Ao
passar p e l o s l o c a i s
que freqüentava ficou
O transatlântico Marco Polo, da Società di Navigacione, Gênova.
chocado, muitos
estavam literalmente em ruínas. Além de destruir grande parte da cidade, os
bombardeios haviam provocado 41 mil mortes e 38 mil feridos. Depois de visitar
Else Niemann, que perdeu o marido e o filho Erni na guerra, foi ao Donnerbank,
onde teve a alegria de encontrar trabalhando um colega de estágio e amigo fora
do banco. Era o Bruno Andresen, que lhe informou ser o único sobrevivente dos
amigos que foram mandados para as frentes da guerra. Já casado com Käthchen,
namorada dos tempos que Geraldo formava par com Maryon, o Bruno contou os
horrores dos campos de batalha no Cáucaso e o drama dos quatro anos (9.5.45
a 14.5.49) que passou prisioneiro dos soviéticos. Informou ainda que ao deixar a
111
Reprodução
Alemanha estava com 90kg e ao ser liberado pesava apenas 45.
Mas o reencontro que mais lhe tocou foi com o homem que olhava com ceticismo
os exageros da avalanche nazista, comendador Julius Peters, seu protetor na Alemanha.
Para simbolizar a eterna gratidão, presenteou-lhe com uma caixa especial de charutos
da Suerdieck. Ao ir à Zillertal, local de momentos inesquecíveis, ficou radiante, pois
avistou a cervejaria funcionando normalmente. Quando adentrou teve uma surpresa
emocionante, quase inacreditável. Quem apareceu para atender foi a Cilly, a garçonete
que tantas vezes o servira, inclusive na última noite em Hamburgo, com Maryon. E num
incontido rompante nostálgico resolveu visitar o porto, que havia sofrido devastadores
ataques da aviação Aliada, com destruição das edificações, equipamentos, cais, diques
e estaleiros. Pode ver o intenso trabalho de reconstrução das instalações portuárias e
ficou sabendo que a indústria naval se encontrava em fase de ressurreição e a frota
mercante hamburguesa em recomposição.
O porto tinha sido o cenário para o último beijo, lembrança imorredoura da
Maryon. Retornou-lhe à boca o sabor da saudade. Recordou que no exato momento
da despedida bafejava uma brisa intensa, vinda do mar, que se impregnou no batom
vermelho, tornando o beijo saborosamente meio salitroso. Foi também um beijo cheio
de calor soprado por dois corações apaixonados. À umidade dos lábios contrapôs-se
o fogo do vulcão do amor, que expeliu pelos olhos uma torrente de lágrimas. Veio-lhe
ainda as últimas imagens da Maryon, vistas do convés do Cap Norte, transatlântico da
Hamburg-Süd, que ao sair lentamente rumo ao estuário do Elba foi alcançado por uma
lancha cheia de pessoas fazendo algazarra. Divisou logo a amada no meio de amigos
comuns, comandando o couro do bota-fora festivo, entoando uma canção muito
popular, Ein Blonder Matrose (Um Loiro Marinheiro), cuja letra, num dos versos, dizia:
Pertencemo-nos um ao outro,
Como o vento e o mar.
Não posso pensar de me separar de você.
Embargado pela emoção, ainda ecoavam nos ouvidos as últimas palavras ditas
pela mocinha, no cais do embarque: Auf Wiedersehen!, que em português significa
“até que nos encontremos novamente!”. A viagem até Salvador, de dezessete dias,
pareceu-lhe uma eternidade. Triste, esquiava-se das confraternizações a bordo. Até
na festa da passagem do navio pela linha do Equador, tradicionalmente festejada,
estava amuado, remoendo a dor da separação. Dispensou inclusive os flertes de uma
moça paulista, filha de um barão do café, que lhe fora apresentada pelo comandante.
O capitão Neiling era amigo do seu pai e já tinha estado algumas vezes em sua casa,
para jantares oferecidos pelo barão dos charutos.
Após estas inolvidáveis recordações, o coração bateu forte, sentiu-se angustiado.
Resolveu então convidar Willy Koch para o encontro que teria com os conhecidos de
112
Reprodução
O Cap Norte, da Hamburg-Süd, com a bandeira nazista tremulando na proa e na popa.
Hamburgo na Zillertal. Sorvidas algumas cervejas abordou direto, fazendo-se de
curioso:
— Me diga, como foi possível a Maryon e o pai negarem o meu pedido de
casamento?
Meio desajeitado, embaraçado nas palavras, o senhor Koch deixou escapar que
carregava uma profunda mágoa. Acabou confessando não ter encaminhado a
proposta da viagem para Lisboa aos interessados. A resposta que enviara tinha sido
uma decisão sua, pessoal. Geraldo sentiu um calafrio percorrer a espinha dorsal.
Perdeu a firmeza da mão direita, donde escapou a caneca de cerveja, que se espatifou
no chão. Ato contínuo, cabisbaixo, despediu-se dos amigos e foi embora sem dirigir
uma única palavra ao homem que mudou o curso do destino, que demoliu o sonho
do casamento com a Maryon, que transformou o Auf Wiedersehen numa despedida
definitiva, para sempre, nunca mais...
Com a terrível descoberta, Geraldo perdeu a motivação de continuar em Hamburgo.
Retirou-se para Stadthagen onde vislumbrou a cidadezinha intacta. Não sofrera
nenhum ataque aéreo, nem estivera na rota dos exércitos dos Aliados. No entanto, dos
quarenta colegas, no Ober Real Gymnasium, poucos sobreviveram à guerra, dentre
eles o amigo Werner Bradtmöller. Dois primos também haviam morrido: Jobst lutando
em Stalingrado e Ernst, o pivô da crise familiar de 1937, num bombardeio a Berlim,
onde trabalhava como funcionário do governo. A presença de Geraldo, levando dona
Tibúrcia, simbolizou o reatamento das boas relações entre os Meyer de Stadthagen e os
Meyer da Bahia. Sem tocar na cicatriz da antiga ferida, as duas matriarcas fizeram, com
Meyer’s Bitter, um brinde pelo reencontro. Lisbeth retribuiu a visita no ano seguinte,
viajando para Salvador em abril de 1952, aos 69 anos.
Na quietude de Stadthagen foram comemorados os oito aninhos de Solange, a
barriga de Aída já aparecia proeminente, grávida de cinco meses do segundo filho, e
Geraldo procurou afugentar Maryon dos pensamentos, através de uma viagem aos
113
tempos da meninice, refazendo trajetos de gratas recordações, pelas ruas, jardins e
parques. Esteve também em todos os locais históricos, verdadeiros monumentos da
cidade de sete séculos, tais como a Johanniskapelle (capela de 1312), a St. Martinikirche
(igreja de 1318), o Schloss (castelo), o Amtspforte (belíssimo palacete), a Stadtturm
am Viehmarkt (torre da cidade), a Landsbergscher Hof Stadtbücherei (uma antiga
pousada) e o Lustschlösschen im Stadtgarten, um pequeno castelo à beira de um
lago. Deste local, apesar de muito lindo, veio-lhe uma lembrança desagradável, pois
tinha visto a retirada do corpo, em estado de gigantismo, de um homem que havia
morrido afogado.
Durante o dia realmente esquecia-se da Maryon. Porém, à noite, quando punha
a cabeça no travesseiro, ela não o deixava dormir em paz. Passou a sentir o coração
dividido, uma parte entregue ao amor do passado e a outra ao do presente. Sim,
havia se casado por amor e continuava gostando imensamente da esposa. Por Aída
fazia tudo. A primeira prova da paixão foi quando ficou noivo. Pelo cerimonial, os
pedidos de casamento obedeciam a um ritual formalíssimo. Cabia ao pai do rapaz
solicitar ao pai da moça o consentimento para o filho casar-se com a jovem. Mas foi o
próprio Geraldo quem pediu Aída em casamento. O sogro, visivelmente embaraçado,
perguntou: “Seus pais estão de acordo?” A reposta foi sem arrodeios:
— Quem vai se casar sou eu!
A quebra no protocolo deveu-se ao receio de Geraldo pedir o comparecimento
do pai e ele negar ir à residência do senhor Antônio Ribeiro. Gerhard havia esfriado o
relacionamento com o futuro sogro do filho quando este elogiou Hitler. Ingenuamente,
talvez na suposição que fosse do agrado do industrial, Ribeirinho, como era mais
conhecido, enfatizou num encontro que a recuperação e o progresso da Alemanha se
deviam ao Führer e à eficiência do seu regime. Já em conflito aberto com os nazistas
da colônia alemã, Gerhard encarou a observação como uma ofensa à sua posição
antinazista.
Em 1943 nasceu Solange, primogênita irrequieta, que chorava muito e dava imenso
trabalho. A mãe, extremosa, e por não confiar em empregadas, cuidava de tudo.
Extenuou-se, emagreceu e apareceu com uma tosse seca, discreta, que se manifestava
à noite, de forma intermitente. O marido, recém-chegado de Santa Catarina, ficou
preocupado, mas ela o tranqüilizava, dizendo não ser nada sério, que se encontrava
bem, apenas um pouco cansada, por causa das noites maldormidas, cuidando da filha.
Nisto, Geraldo resolveu aderir a um plano que oferecia seguro-de-vida conjugado com
previdência. Para assinar o contrato a companhia solicitou uma chapa do tórax, para
certificar-se das plenas condições de saúde do promitente segurado, que na ocasião
demonstrava estar com uma gripe forte, acompanhada de catarro nos brônquios. Ao
chegar em casa contou a exigência da empresa, com o acréscimo da extensividade
à esposa, principal beneficiária.
O casal foi fazer os exames no consultório particular do professor José Silveira,
radiologista da Faculdade de Medicina da Bahia. A radiografia de Aída foi uma bomba,
pois revelou que se encontrava, aos 21 anos, num processo inicial de destruição
114
pulmonar. A infecção era de uma espécie gravíssima, causada por uma bactéria de ação
galopante. O médico colocou várias opções de locais para o tratamento que deveria
ser iniciado urgentemente: em Brotas, bairro do melhor clima de Salvador; em Muritiba
ou São Gonçalo dos Campos, cidades procuradas pelos doentes baianos; no interior
de São Paulo, em Campos do Jordão ou São José dos Campos; e em Belo Horizonte,
onde trabalhava o mais renomado tisiologista brasileiro, dr. Alberto Cavalcanti de
Albuquerque, médico diplomado pela Universidade de Zürich e com um currículo
invejável: especializações em hospitais suíços e alemães, defensor de teses, autor de
diversos trabalhos, ex-diretor de sanatórios, atual diretor do Sanatório Minas Gerais
e dono de um consultório muito requisitado.
Geraldo ficou ainda sabendo que o tratamento dependia muito do fator natureza30.
Foi também informado que as condições climáticas da Bahia não eram totalmente
ideais para o caso de Aída. Portanto, não havia garantia de cura, muito embora suas
condições financeiras permitissem uma assistência completa, com todos os cuidados
possíveis. Em suma, na Bahia, caso o avanço da doença não fosse contido, ela estaria
irremediavelmente condenada à morte. O marido desesperou-se com o quadro
sombrio e decidiu que, para salvá-la, não mediria esforços.
O destino colocou nosso casamento à prova.
Mas a força do amor fez-me concentrar todas
as energias na recuperação da saúde de Aída.
gms
Geraldo escolheu Belo Horizonte e no dia imediato ao choque da descoberta já se
encontrava dentro de um avião, levando Aída para o Rio de Janeiro, onde embarcaram
com destino à capital de Minas Gerais. Foram de trem, no confortável “rápido mineiro”,
levando uma carta de apresentação do médico baiano, a radiografia e o diagnóstico: “É
portadora de uma semeadura hematogênica recente”. Geraldo gostou do dr. Alberto
Cavalcanti, que lhe inspirou muita confiança ao falar de si com absoluta franqueza:
— Adoeci em 1914, quando era terceiranista de medicina, no Rio de Janeiro. A
conselho médico fui tratar a tuberculose na Suíça, no International Sanatorium Dr.
Phillipi, em Davos, onde resolvi e prometi que, vencendo a terrível doença, tornarme-ia especialista nesta área!
O dr. Cavalcanti, como era chamado, ofereceu um exemplar de um livro famoso,
de sua autoria, Como Evitar a Tuberculose, que deveria ser lido pelo casal. Em seguida
fez uma rápida explanação:
— Hoje, ninguém precisa buscar a cura na Suíça. Numa altitude de 850 metros, com
clima seco e temperado, onde o sol é mais rico em raios ultravioleta, Belo Horizonte
30 A medicina ainda não dispunha de recursos para, sozinha, debelar a tuberculose. O tratamento do pulmão lesionado
pela bactéria denominada Bacilo de Koch associava medicamentos com uma alimentação rica, com muito repouso
e, sobretudo e fundamentalmente, dependia das condições climáticas, do ar puro e do sol encontrados em locais
privilegiados, especiais e milagrosos.
115
apresenta condições extraordinárias para o tratamento da tuberculose. O clima aqui
é inclusive melhor do que o de Davos, onde me curei. Tudo isto, aliado à precocidade
do diagnóstico, proporcionando o início de um combate também precoce, assegurará
a cura de dona Aída, desde que ela também faça integralmente a sua parte. Ou seja,
cumprir o regime sanatorial com muita disciplina, onde a vida deverá ser calma,
metódica e de obediência cega ao receituário que vou prescrever. Se cumprir tudo à
risca voltará sã e salva à Bahia, no prazo de um ano!
Geraldo passou a cumprir uma outra rotina, de viagens. Passava quinze dias
trabalhando na Bahia e quinze em Belo Horizonte. Ficava no Sanatório Minas Gerais,
ao lado da esposa e recebendo a mesma alimentação. Esta postura deixou Gerhard
muito preocupado, pois achava que o filho se expunha demasiadamente ao perigo,
correndo o risco de contrair a chamada “peste branca”. As pessoas haviam desenvolvido
uma idéia errônea sobre os sanatórios.
ROTINA DIÁRIA NO SANAMINAS
Pensavam que estas casas de saúde eram
HORÁRIO
ATIVIDADE
focos transmissores da doença, por causa
07:30 às 08:00 Café.
08:00 às 09:30 Passeio a pé, em caminhada sem
da concentração de tuberculosos, fontes
grande esforço físico, para respirar
diretas dos contágios. Em razão desta
o ar da montanha.
09:30 às 11:30 Descanso, em silêncio total, na
cultura, salvo os familiares mais íntimos,
cadeira de cura, onde o repouso
como pais, irmãos, maridos e esposas,
era mais perfeito do que na cama
poucas pessoas tinham coragem de ir aos
ou nas cadeiras de lona.
11:30 às 12:45 Almoço.
sanatórios. Na verdade, estes verdadeiros
12:45 às 15:00 Repouso, na cadeira de cura, em
quartéis para cura se constituíam em
silêncio total.
15:00 às 16:00 Recebimento de visitas, mas o
lugares seguros, mantidos sob o mais
interno tinha de ser comedido,
rígido controle profilático e de desinfecção.
falar pouco.
16:00 às 18:00 Repouso, na cadeira de cura, em
Os internos recebiam instruções e
silêncio total.
obedeciam regras de comportamento,
18:00 às 19:00 Jantar.
19:00 às 20:30 Ouvir o programa radiofônico Hora
para não se transformarem em agentes
do Brasil ou conversar amenidades
transmissores dos germes infecciosos.
com os demais internos, com a
ressalva de falar baixo e pouco.
Geraldo também assimilou, pela leitura
do livro de dr. Alberto Cavalcanti, todas
20:30
Recolhimento ao quarto de dormir.
as precauções. Dormia no quarto de Aída,
mas em cama separada, sem poder beijá-la e na mais completa abstinência sexual.
Quando se ausentava de Belo Horizonte a senhora Geraldo Fernandes prestava
apoio, visitando Aída regularmente. Seu marido era proprietário de uma charutaria
e representava localmente a Suerdieck. As viagens do vai-e-vem duraram dez meses,
tempo da luta contra a moléstia.
Vencida a guerra, Geraldo tomou várias decisões para cercar a amada de todos
os cuidados preventivos e para proporcionar-lhe uma vida bem salutar. Construiu
em Salvador uma nova residência, na parte alta da Rua Manoel Barreto, ainda pouco
habitada. A casa, uma magnífica mansão, foi minuciosamente projetada, com estudos
sobre penetração dos raios solares e ventilação direta nos principais cômodos,
especialmente na ampla suíte do casal, no pavimento superior, bem insolada e arejada.
116
A concepção arquitetônica incorporou algumas valiosas recomendações do dr. José
Silveira.
Numa clara alusão de que o estigma da doença assombrava, na primeira visita após
a saída de Aída do Sanaminas, o casal foi alojado num apartamento externo, fora do
corpo principal da casa que a família possuía na Estância Hidromineral de Itaparica.
Geraldo não gostou da sutil discriminação e decidiu que não freqüentaria mais a
casa de veraneio dos pais, com os quais já houvera ocorrido outro aborrecimento.
Eles relutaram em devolver Solange, criada pelos avós enquanto a mãe se tratava na
capital mineira. E para não privar a esposa de um local de lazer, o dedicado marido
comprou no loteamento Vila Rio Branco, no bairro de Brotas, uma área de 20 mil metros
quadrados . A maior parte era de relevo acidentado, com uma encosta que terminava
num riacho de águas puríssimas, onde Geraldo construiu uma pequena represa.
CHÁCARA SUERDIECK
Para construir uma casa de veraneio bem arejada e com bastante
iluminação natural, contratei em 1948 a Norberto Odebrecht Construções
Ltda., que designou como responsável técnico o engenheiro Francisco
Miguel do Prado Valladares. Depois dos serviços de terraplanagem,
na parte alta do terreno, o imóvel foi edificado e também construída
uma piscina, a primeira numa residência de Salvador. Tive de importar
dos Estados Unidos todos os equipamentos, inclusive um sistema para
captação e tratamento da água da represa.
Grande parte da vegetação nativa foi preservada, principalmente as
árvores frondosas, onde encontrei três jaqueiras e um jacarandá. Além
das benfeitorias, promovi e arborização com frutíferas: mangueiras,
sapotizeiros, abacateiros, cajueiros, caramboleiras, fruta-pãozeiros e
pitangueiras. Na entrada, plantei eucalíptos e preparei canteiros para
plantas. Instalei um orquidário, um pombal e viveiros para pássaros.
Criei galinhas-de-capoeira, galinhas d’angola, gansos, araras e macacos.
Enfim, transformei uma área praticamente inóspita num sítio aprazível,
cheio de vida e verde.
gms
Ainda com o pensamento direcionado ao completo bem-estar da esposa,
Geraldo comprou na entrada de São Gonçalo dos Campos, por causa das decantadas
condições climáticas da região, a Fazenda Boa Vista. Com esta propriedade, em plena
zona fumageira, ele pode também juntar o útil ao agradável, ou seja, combinar
trabalho com lazer. Enquanto percorria plantações de fumo, armazéns e inspecionava
as fábricas de charutos, a família usufruía das delícias da vida campestre, num local
bonito e bem estruturado. Durante as estadas do casal Suerdieck a casa ficava cheia
de visitas, contingentes formados por parentes, amigos e empresários do setor
117
fumageiro. A Boa Vista, que encantava os hóspedes, teve depois a área acrescida
com as aquisições das fazendas Cedro e Mato Grosso.
Com Aída foi observado um fenômeno incomum entre mulheres que tinham
sido tísicas. Ela sofreu uma notável evolução física, com o corpo adquirido uma
maturidade e formas bem delineadas e harmoniosas. O rosto ganhou uma beleza
rara, que despertava os olhares masculinos em todos os lugares onde aparecia.
TROMBETA CHEIROSA
Por incentivo e com assistência de um laboratório alemão, que fazia
experimentos em regiões de vários países; Geraldo iniciou na Fazenda Mato
Grosso um projeto para cultivo científico de uma planta medicinal que no
Brasil recebeu a designação comercial de Trombeta Cheirosa.
No início os resultados foram animadores. As mudas cresceram, os
arbustos atingiram o tamanho ideal e as folhas, depois de secas e enfardadas,
exportadas para a Alemanha,
onde o laboratório farmacêutico
as utilizava na fabricação de um
medicamento oftalmológico.
Porém, na época da renovação
do plantio, surgiram os problemas
e o mesmo fenômeno observado
em outros campos experimentais.
Mesmo com o acompanhamento
de experientes agrônomos,
em São Gonçalo dos Campos
a Trombeta Cheirosa não deu
produção economicamente
viável, esfriando o interesse do
empresário e do laboratório em
manter a parceria na lavoura das
árvores cheias de mistérios e
dificuldades.
Um técnico vistoriando um pé de Trombeta Cheirosa na
Fazenda Mato Grosso.
118
Capítulo
18
O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS
O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS
P
MARAGOGIPE, 1952
or ocasião dos festejos de agosto, em
Com uma população urbana de 9.700
louvor a São Bartolomeu, padroeiro de habitantes, 6 mil (62%) tinham a subsistência
Maragogipe, o arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, garantida pela fábrica da Suerdieck, que
contribuía com 70% dos impostos municipais,
dom Augusto Álvaro da Silva, já tinha estado algumas estaduais e federais.
vezes na cidade, mas não na fábrica. Para o evento
de 1953, dom Augusto solicitou ao pároco local, reverendo Florisvaldo Souza,
que programasse uma visita à fábrica de charutos, queria conhecê-la e vê-la em
funcionamento. No regresso, impressionado com o que viu, o Cardeal da Silva, como
era chamado, colocou suas impressões num artigo que tornou público. A Suerdieck
o reproduziu no Boletim Trimestral, nº 20 (out-dez/1953). Ei-lo na íntegra:
A fábrica da Suerdieck
Nos tempos como os que vivemos, tão saturados de ódio a Jesus e
à sua Igreja e, conseqüentemente, a toda autoridade legítima, a toda
instituição em que a hierarquia de valores é, também, indispensável, é
realmente confortador encontrar-se uma organização industrial como
a Suerdieck, onde patrões e operários se estimam e se prestam auxílios
recíprocos, fundamento de toda ordem e de todo progresso!
É o que pude observar, e já de algum tempo o sabia, de algumas
visitas, não pouco
freqüentes, àquela
freguesia, cujo vigário
e cujo povo fazem coro
comigo neste preito
de admiração e louvor
à notável organização
que é a fábrica de
charutos Suerdieck,
sustentáculo
econômico e social de
Maragogipe.
Lembrando ainda
da carinhosa acolhida
Maragogipe: escritório.
119
Pinheiro
Pinheiro
Maragogipe: charuteiros trabalhando com fôrmas de paus. Os homens formavam
um contingente minoritário neste tipo de serviço.
que me dispensaram patrões e operários da fábrica Suerdieck, quando
da minha recente viagem a Maragogipe, é-me gratíssimo trazer a público
este meu sentimento de reconhecimento e estima.
As minhas homenagens, pois, aos chefes e operários da honesta e
magnífica organização que é a Suerdieck. Que as Bênçãos Divinas pairem
sobre essa gente, para que continue realizando o seu notável trabalho
pelo progresso da Bahia e do Brasil, e o bem-estar do seu povo!
Cidade do Salvador, setembro de 1953.
Augusto Álvaro da Silva
Cardeal e Primaz do Brasil
A visita voluntária do cardeal à fábrica e o posterior comunicado caíram como
uma bênção sobre a família Suerdieck, que se encontrava um pouco ressentida,
principalmente a matriarca, que havia dado encaminhamento religioso aos filhos.
Três estudaram em colégio católico, no Antônio Vieira, em Salvador, e todos casaram
na Igreja Católica, inclusive Geraldo, que tinha tido na Alemanha uma educação
luterana.
A rusga havia ocorrido com frei Hildebrando Kruthaup, idealizador da Casa de
Retiro São Francisco, no bairro de Brotas, inaugurada em 1949. O franciscano alemão, que era bom fumante de charutos, proclamava-se amigo de Gerhard e, por
conta deste laço, conseguira generosas contribuições financeiras para a construção
120
Pinheiro
da Casa de Retiro. Todavia, quando foi chamado para ministrar a extrema-unção no
chefe do clã Meyer Suerdieck, frei Hildebrando, para espanto dos familiares, não
atendeu ao pedido, alegando que o moribundo não se convertera ao catolicismo.
Desconsiderou o mausoléu que Gerhard construira em cemitério católico, tão logo
ficou sabendo da gravidade da sua doença. Também não levou em consideração
que o filho mais velho foi outro que contribuiu com as obras do Retiro. E tem mais,
a Casa Paroquial de Maragogipe funcionava num imóvel que a Suerdieck colocou
à disposição da Igreja.
No círculo íntimo da família, a reação radical do religioso foi interpretada como
vingança política, pela declarada postura antinazista do industrial, uma posição não
assumida pelo frei. Aliás, o franciscano esteve sob suspeição de fazer espionagem,
transmitindo informações via rádio, do interior do Convento de São Francisco, que
o povo denominou de “convento dos alemães”. Após a guerra, quando estreitaram
os laços de amizade, Gerhard deixou de dar crédito às acusações e defendia o sacerdote católico, toda vez que tocavam no tumor do seu passado, que lhe valeu o
apelido de “Frade Nazista”.
Em face da negativa, a família recorreu ao monsenhor Manoel de Aquino Barbosa,
pároco da Conceição da Praia, que residia próximo à casa de Gerhard. O Padre
Barbosa, como ficou conhecido, prontamente ministrou o sacramento católico no ex-
Maragogipe: transporte das caixas de charutos para a estufa.
protestante. Mas no corpo dos Suerdieck ficou a ferida aberta pelo frei Hildebrando
Kruthaup, que somente cicatrizaria com o artigo do Cardeal da Silva.
Um outro visitante ilustre que a Suerdieck recebeu foi Stefan Zweig. Fumante
de charutos, o escritor esteve na fábrica de Cachoeira, em janeiro de 1941. Ficou
121
tão surpreso com o trabalho que no livro Brasil, País do Futuro31, teceu o seguinte
comentário:
Eu receara encontrar só possantes máquinas de aço, que recebessem
numa das suas extremidades as folhas de fumo dispostas em camadas
e fornecessem pela outra extremidade os charutos prontos, encapados,
com cinta e talvez mesmo já arrumados nas caixas.
Fábricas como essas sempre me dão a impressão de estar vendo
grandes autômatos e não um verdadeiro processo de transformação.
Gonsalves
O que Stefan Zweig viu em Cachoeira e São Félix, na Suerdieck, Dannemann e
Costa Penna, e que também teria visto em Maragogipe, Muritiba e Cruz das Almas,
caso tivesse visitado estas cidades,
foi justamente o processo de se
produzir charutos de primeiríssima
qualidade. No livro Brasil País do
Futuro, deixou mais este registro:
No Brasil, o fabrico de
charutos não é mecanizado.
Todo charuto nesse país
é feito à mão, ou melhor, na
feitura de cada um trabalham
de 40 a 80 mãos hábeis.
Maragogipe: prensas automáticas.
As fábricas de charutos de Cachoeira e São Félix deixaram Zweig muito
impressionado. Elas contrastavam com as que conhecera na Europa e nos Estados
Unidos, que já se utilizavam largamente do processo mecanizado. Como velho
devoto do produto, o escritor fez questão de agradecer à Bahia pelo prazer que lhe
proporcionara em fumar muitos charutos deliciosos. DeuEm máquinas não é possível se
se ainda ao requinte de narrar alguns detalhes da produção
obter torcidas dos tipos
baiana: “Centenas de moças morenas acham-se sentadas
inteira ou espalmada,
nas salas das fábricas, uma ao lado da outra, e cada grupo
nem capear os charutos
delas exerce uma atividade diferente. Percorrendo essas
com fumos finos.
salas, podemos assistir a evolução inteira dum charuto”.
Geraldo Meyer Suerdieck
31 O prefaciador da edição brasileira, Afrânio Peixoto, assim definiu o autor, austríaco de origem judaica: “É o escritor
mais impresso, mais adquirido e mais lido no mundo”. Editado em 1941, simultaneamente em inglês, alemão, francês,
espanhol e português, Brasil, País do Futuro, foi a última obra de Stefan Zweig publicada em vida. Amargurado com a
expansão do nazismo, o consagrado literato, nascido em Viena, suicidou-se aos 60 anos, em 23 de fevereiro de 1942,
juntamente com a esposa, Charlotte Elisabeth Altmann, na cidade brasileira de Petrópolis, onde o casal havia fixado
residência, desde outubro de 1941.
122
Maragogipe: elevadores
para transpor te das
caixas de charutos.
Maragogipe: encaixotamento das caixinhas de
charutos para expedição (saída da fábrica).
Pinheiro
123
Gonsalves
Gonsalves
Maragogipe: rotulagem externa das caixas de charutos.
Gonsalves
Maragogipe: seção de selagem (selo do imposto).
ANTÔNIO ABELARDO DE OLIVEIRA
MÉRITO NO TRABALHO
Filho de operários da Suerdieck, o pai era charuteiro e a mãe aneladeira,
o maragogipano Antônio de Oliveira começou a trabalhar na fábrica aos
12 anos, sem a mão esquerda, amputada por causa da explosão de um
buscapé numa festa junina.
Superando o trauma e as dificuldades, o menino cresceu na
organização. Passou por todas as seções, chegando a mestre de charuteiras
aos 24 anos. Dois anos depois assumiu a chefia da Seção de Embarque
(Expedição), cargo até então ocupado por alemães da
máxima confiança da empresa.
Em 1951, quando completou 30 anos de serviço,
recebeu uma significativa homenagem. Como
reconhecimento à conduta exemplar, eficiência e
superação dos obstáculos, foi agraciado pela Suerdieck
com uma viagem à Europa. A bordo do transatlântico Anna
C, Pinta, como era mais conhecido, zarpou para a turnê
dos seus sonhos, que começou em Portugal e terminou
na Itália, com passagem pela Espanha, França e Suíça.
124
Capítulo
19
JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS
JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS
N
o ano do cinqüentenário, a Suerdieck
passou a se constituir na única
grande empresa de charutos do Brasil. Suas
duas concorrentes de porte fecharam as portas
justamente em 1955, a Dannemann em abril e a
Costa Penna em agosto. Restou apenas a Pimentel,
fabricante de pequeno volume, com fábrica
instalada em Muritiba.
Para comemorar meio século na produção de
charutos, nada melhor do que estar no olimpo, no
topo do mundo charuteiro. Avaliava-se o gigantismo
pelos números, incontestáveis. Produção anual
de quase 180 milhões de charutos e mais de 4 mil
empregados, dos quais 70% era do contingente
feminino, a grande maioria representada por
exímias charuteiras, responsáveis pela confecção
artesanal dos charutos das classes superiores, para
consumidores exigentes, de paladar apurado. Para
manufaturar seus charutos, a Suerdieck dispunha de três cidades, Maragogipe,
Cruz das Almas e Cachoeira. No ano do jubileu de ouro, o Grupo Suerdieck estava
formado por nove empresas, sendo duas especializadas em fumos:
1. Exportadora de Fumos Suerdieck, empresa criada em 1950, para cuidar do
comércio internacional do fumo Bahia-Brasil.
O grupo holandês N. V. Koch & Co’s Tabakshandel, sediado em Roterdã,
associou-se à Suerdieck na constituição da Exportadora de Fumos
Suerdieck e na construção do Edifício Suerdieck.
2. Sociedade Agro Comercial Fumageira, empresa constituída também em
1950, para se dedicar exclusivamente ao cultivo científico do fumo Sumatra. A
orientação técnica ficou sob a responsabilidade de Fernando Meyer Suerdieck,
que havia recebido treinamento nos Estados Unidos. Durante dois anos
(1947/49) ele estagiou em Hartford, Connecticut, nas plantações de H. Duys
125
& Co. Inc., empresa holandesa que produzia na América o fumo originário
da Indonésia. Em vista do sucesso, Fernando foi buscar os ensinamentos
necessários à introdução da sua cultura em Cruz das Almas. Em extensas
plantações cobertas com gaze, o fumo capeiro foi cultivado com a mesma
qualidade do nativo indonésio. A Agro chegou inclusive a contratar um
especialista, Johannes Andreas Scheltes, que se fixou em Cruz das Almas.
A Agro Comercial Fumageira foi concebida com o propósito de tornar
a Suerdieck auto-suficiente na matéria-prima usada no capeamento dos
charutos claros, pondo um ponto final nas importações de fumos nobres,
da Indonésia e de Cuba.
Luiz Eloy Passos, produtor e enfardador de fumos, entrou como sócio
da Agro. Seu capital foi formado por terras privilegiadas, desmembradas
da Fazenda Santa Júlia, onde foram iniciadas as plantações, pioneiras no
país, do fumo oriundo da Indonésia, batizado como Sumatra-Bahia.
A Suerdieck também não dependia de terceiros para o fornecimento das
caixinhas para os charutos. Através da Indústria e Comércio de Madeiras Esperança
tinha assegurado o cedro necessário ao elevado e crescente consumo de charutos,
com milhares de caixinhas saindo mensalmente das três fábricas. Para produzir
impressos simples, de uso administrativo e no empacotamento de charutos,
a Suerdieck possuía, dentro da fábrica de Maragogipe, uma pequena gráfica,
popularmente denominada “Impressora Rocha”. Já os impressos sofisticados ou em
policromia, para charutos envasados em caixas de luxo, eram encomendados às
indústrias do sul do país. A Impressora Paranaense, de Curitiba, constituía-se numa
das fornecedoras mais solicitadas.
A presença do Grupo Suerdieck na economia baiana era forte e marcante, pelos
seguintes traços: grande fonte de ingresso de divisas, pelas exportações de fumo
e charutos; grande pagador de impostos e maior empregador de mão-de-obra.
Além disto, a implantação da energia elétrica em Maragogipe deveu-se a uma
subsidiária da Suerdieck, a Companhia Maragogipana de Eletricidade que, através
de concessão assinada pelo prefeito Alexandre Alves Peixoto, ganhou o direito de
explorar o serviço elétrico público e particular.
Das três fábricas Suerdieck, a maior ficava em Maragogipe. Somente esta unidade
era considerada como a maior fábrica de charutos da América Latina. O comércio da
cidade dependia da folha semanal da empresa, processada em espécie e geradora
de um fato interessante. No decorrer da semana um preposto do setor financeiro
percorria os estabelecimentos comerciais, para trocar dinheiro graúdo pelo dinheiro
miúdo desovado pelos operários, para que, na sexta-feira, houvesse disponibilidade
de dinheiro trocado para novos pagamentos, aos milhares de empregados.
Na área assistencial o comportamento da empresa continuava considerado
exemplar. A Assistência Médica Hospitalar Suerdieck – AMHS, criada por Gerhard
126
Meyer Suerdieck, foi aprimorada e ampliada pelo seu sucessor, que adquiriu um
moderno equipamento móvel de raios X, para atendimento às três fábricas. Em
Maragogipe construiu o Centro Tisiológico José Silveira. A escolha do nome foi uma
homenagem ao incentivador da ampliação voluntária da assistência médico-social
prestada pela Suerdieck. O dr. José Silveira tinha sido fundador (1937) do Instituto
Brasileiro para Investigação do Tórax – Ibit, com sede em Salvador e pioneiro no
país no estudo e combate científico à tuberculose. Geraldo faria parte do quadro
de Sócios Grandes Beneméritos e integraria o Conselho Administrativo do Ibit.
Na equipe da AMHS trabalhavam 1 médico-chefe, 6 clínicos, 4 dentistas,
2 farmacêuticos, 2 laboratoristas e 10 enfermeiras, além do pessoal de apoio
administrativo. No ano de 1955, nas três fábricas, sem nenhuma despesa para a
classe trabalhadora, o balancete foi o seguinte: 9.001 consultas médicas, 8.809
receitas aviadas, 53.195 injeções aplicadas, 6.911 curativos, 25 pequenas cirurgias, 17
grandes cirurgias em Salvador, 70 atendimentos oftalmológicos, 310 atendimentos
otorrinolaringológicos, 785 atendimentos ginecológicos e obstétricos, 518
gestantes assistidas, 143 exames laboratoriais, 2.820 abreugrafias, 409 exames do
aparelho respiratório, 74 tratamentos de moléstias do pulmão, 107 radiografias, 265
vacinações, 92 inspeções de saúde e 731 atendimentos odontológicos.
Em Cachoeira e Cruz das Almas,
a Suerdieck mantinha uma Casa de
Hospedagem, para diretores em trânsito e
convidados especiais. Já em Maragogipe
dispunha da Vila Suerdieck, um amplo
alojamento para empregados graduados
solteiros e também para hospedar
diretores e visitantes. Com a finalidade
de proporcionar lazer aos operários e
suas famílias, a Suerdieck equipou e doou
um imóvel para o funcionamento da
Associação Atlética Maragogipana que
acabou se transformando no clube social
da cidade.
Por ocasião do quarto centenário
da fundação de Salvador, a Suerdieck
incorporou-se às comemorações através
da marca Lembrança da Bahia, lançando
uma série especial denominada IV
Centenário, com 50 charutos em cada
caixa. A originalidade ficou por conta dos
estojos, todos laqueados externamente
na cor marfim e com aplicações, no lado
interno das tampas, de quadros a óleo,
127
com motivos da capital baiana, pintados um a um, por artistas plásticos contratados
exclusivamente para a efeméride. Algumas tampas foram pintadas pelo próprio
Gerhard Meyer Suerdieck. Por serem de custo elevado e de produção limitada, a
série IV Centenário foi vendida apenas no ano do evento, 1949, e somente na loja
da empresa, na Rua Pinto Martins 6, em Salvador.
Em 1955, para comemorar os cinqüenta anos de seus charutos, a Suerdieck voltou
a lançar uma nova marca, especialíssima, denominada Jubileu de Ouro, em caixa
de dez peças, sendo cinco charutos com capa escura, fumo Bahia-Brasil, e cinco
com capa clara, fumo Sumatra-Bahia. Ainda no ano do cinqüentenário, surgiu no
Rio Grande do Sul a Distribuidora de Charutos Suerdieck S. A., sediada em Porto
Alegre, para atender a grande demanda do mercado gaúcho.
A empresa contratou também os serviços do cineasta Alexandre Robatto Filho,
para produzir o documentário Organizações Suerdieck, com locações em Cruz
das Almas, São Gonçalo dos Campos, Maragogipe, Salvador e Rio de Janeiro. Em
16 minutos e 25 segundos, o filme mostrou, dentre outras cenas, a plantação e
colheita do fumo capeiro cultivado nos campos da Agro Comercial Fumageira, o
beneficiamento do fumo, a fabricação de charutos e a frota dos veículos para as
entregas nos pontos de vendas na capital federal, principal mercado consumidor
de charutos no país.
Objetivando ainda registrar o meio século dos charutos, a empresa fez uma
incursão na área literária, instituindo o prêmio “Gerhard Meyer Suerdieck”. De âmbito
nacional, o concurso pagaria quatro mil dólares32 ao melhor livro inédito de contos.
A comissão julgadora, composta pelos escritores Antônio Loureiro, Vasconcelos Maia
e Adalmir da Cunha Miranda, figuras
de destaque nos meios intelectuais da
Bahia, declarou vencedor o trabalho
“Um Acidente na Estrada e Outras
Histórias”, do baiano Nelson Correia
de Araújo. Ao original “Conto II”, do
pernambucano Edilberto Coutinho,
foi atribuída uma mensão honrosa.
Os dois livros foram publicados pela
Livraria Progresso Editora, de Salvador,
sob os auspícios da Suerdieck.
Encerrando a programação do
jubileu de ouro, foi inaugurada em Cruz
das Almas, no dia quatro de dezembro,
Maragogipe, 1955: Corbiniano Rocha (de terno escuro),
a Vila Operária Major Alberto Passos,
primeiro gerente brasileiro, ao lado do diretor Willy Haendel
composta por um conjunto de casas
(ex-gerente). Atrás (de bigode) aparece Raimundo Eloy de
Almeida, futuro gerente da fábrica.
para trabalhadores de campo da Agro
32 Valor corrigido em 2000.
128
Fumageira. Nome
por demais conhecido
na zona fumageira, o major Alberto
Veloso da Rocha Passos tinha sido um
incentivador do projeto da Suerdieck em
investir na cultura do fumo Sumatra. A
homenagem foi póstuma.
Descendente de ilustres portugueses,
a família Passos, uma das pioneiras no
povoamento de Cruz das Almas e no cultivo
de fumo na região, para onde fora atraída
pela uberdade do solo de um planalto
com altitude média de 220 metros 33,
encontra-se intimamente ligada à história
da Suerdieck. O seu fundador, August
Suerdieck, havia recebido um grande
apoio dos Passos, exímios conhecedores
de fumo. E este entrelaçamento, afetivo
e comercial, teve continuidade com os
Meyer Suerdieck, através dos filhos do
major Alberto Passos, Luiz Eloy Passos e
Ramiro Eloy, e também com os sobrinhos
do major, Júlio Eloy Passos e Antônio Eloy da Silva, sendo que este último, levado
por August Suerdieck, fez carreira profissional na Suerdieck, chegando ao posto de
diretor. O médico Lauro de Almeida Passos, também sobrinho do major, durante o
exercício do mandato de deputado federal (1933/37), e mesmo depois, exercitou
o hábito de oferecer charutos Suerdieck ao presidente do país. Mas havia um
detalhe especial, os charutos para Getúlio Vargas eram confeccionados com fumos
cultivados nas fazendas do político baiano. Personalizados com a marca particular
“Getúlios”, os charutos eram acondicionados em luxuosas caixas de jacarandá,
forradas internamente com lâminas de cedro.
Na configuração geométrica dos charutos, durante meio século predominou e
reinou o formato bojo, tipicamente europeu. Com vários tipos de pés e bicos, os
bojos, que se assemelham a um torpedo, são charutos de elaboração trabalhosa,
que exigem charuteiras perfeitas, extremamente hábeis e cuidadosas, responsáveis
por verdadeiras obras de arte com as folhas de fumo.
Poucas eram as marcas que, fugindo da escola européia se apresentavam como
produtos do padrão cubano, onde predominava o formato linheiro, tecnicamente
chamado de reto ou paralelo (cilíndrico uniforme), de bico paralelo batido (redondo).
Neste contexto, de parentesco com a linhagem cubana, havia a marca Su-Co e os
charutos das famílias Baroneza Erna, Mandarim e Cesários.
33 Cruz das Almas, Bahia. Coleção de Manografias, Série B - Nº 102. IBGE, 1967. Rio de Janeiro - Brasil
129
Somente em 1960 foi que
a Suerdieck decidiria produzir
charutos dentro dos padrões
calcados na genuína escola
cubana, que dominava a
preferência do mercado nos
Estados Unidos. Assim, foram
lançados o Corona Imperial,
Panatela Grande, Panatela
Média, Panatela Pequena e
Mata Fina Especial, todos na
formatação linheira. Formaram
um novo top de linha dentro do tradicional elenco das marcas de escol. O sucesso
foi imediato.
Numa homenagem aos ascendentes do ramo paterno, Geraldo Meyer Suerdieck
mandou colocar nas caixas dos charutos da linha Panatela o secular brasão da família
Meyer, que foi gravado no espaço que deveria caber ao símbolo da Suerdieck. Outra
inovação ocorreu nos charutos Corona Imperial, que ao invés do tradicional anel
Suerdieck-Bahia receberam um anel especial, onde pontificava uma coroa imperial.
A marca Mata Fina Especial foi um tributo ao melhor fumo para charutos existente
no Brasil, o Mata Fina.
Val Araújo
130
EMPREGADOS DA SUERDIECK S. A.
30.06.1954
LOCAL
MARAGOGIPE
Fábrica 1
CRUZ DAS ALMAS
Fábrica 2
CACHOEIRA
Fábrica 3
SÃO GONÇALO DOS CAMPOS
Armazém de fumo
SÃO FÉLIX
Armazém e depósito de transbordo
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
Armazém de fumo
CONCEIÇÃO DO ALMEIDA
Armazém de fumo
CASTRO ALVES
Armazém de fumo
CONCEIÇÃO DO JACUÍPE
Armazém de fumo
SALVADOR
Sede, trapiche e frigorífico
TOTAL GERAL
MULHERES
HOMENS
TOTAL
1.625
427
2.052
769
274
1.043
264
58
322
101
94
195
40
124
164
28
79
107
35
50
85
25
44
69
22
18
40
9
42
51
2.918
1.210
4.128
Val Araújo
Obs.: Quadro fixo, fora a mão-de-obra temporária, cerca de três mil, no trabalho com fumo.
131
Fotos: Val Araújo
132
Mudas do fumo Sumatra-Bahia no viveiro
da Agro Comercial Fumageira, em Cruz das
Almas.
Mudas já plantadas, abrigadas do sol sob uma
cobertura de gaze, uma exigência técnica na
lavoura do Sumatra-Bahia.
133
O fumoSumatra-Bahia na fase de crescimento.
A colheita das primeiras
folhas do 1º corte.
Secadores do fumo Sumatra-Bahia.
134
Capítulo
E
20
EDIFÍCIO SUERDIECK
EDIFÍCIO SUERDIECK
m julho de 1951, no Boletim Trimestral nº 12, a Suerdieck tornou público
um esclarecimento endereçado aos agentes que formavam a rede da
distribuição nacional. A nota, abaixo, explicava uma ocorrência inédita na trajetória
da empresa, a produção não conseguia dar vencimento aos pedidos.
FALTA DE CHARUTOS
Sempre constitui motivo de preocupação, as reclamações que, de
quando em vez, recebemos dos nossos clientes, sobre a execução tardia
dos seus pedidos. E mais nos preocupamos porque nem sempre somos
julgados com justiça. Não raro, o cliente alega estarmos favorecendo à
determinada praça, em prejuízo do fornecimento para outras, fato esse
que nunca acontece. Além disso, nem sempre somos compreendidos
quando nos vemos forçados a deixar de fornecer algumas marcas, ou a
reduzir os totais encomendados.
Podemos afiançar que jamais as fábricas Suerdieck produziram tanto,
embora, também, nunca antes se tenha verificado tão sensível falta do
nosso produto em todas as praças. Ora, se nunca produzimos tanto, e
nunca a falta de charutos foi tão acentuada, depreendemos daí que o
número de fumantes aumentou consideravelmente. Se pedirmos aos
nossos agentes que façam uma verificação, estamos certos que irão
descobrir que também nunca antes receberam tanta mercadoria, embora
não as tenham em estoque.
Apesar das reclamações dos nossos clientes nos deixarem
preocupados, porquanto gostaríamos de atendê-los, de acordo com os
seus desejos, sentímo-nos, por outro lado, tranquilos, pois temos dado
o máximo do nosso esforço e boa-vontade para atender todos, sem
quaisquer distinção, e da melhor maneira que nos tem sido possível.
As nossas instalações fabris, tanto em Maragogipe como em Cruz
das Almas e Cachoeira, estão sendo constantemente aumentadas. Em
Maragogipe foram inaugurados, nesses últimos meses, três novos grandes
pavilhões, para atender às necessidades do aumento da produção. A
fábrica de Cachoeira sofreu radical mudança, pois foi transferida para
135
um novo e vasto prédio. A fábrica de Cruz das Almas também sofreu
consideráveis ampliações.
Na tentativa de dar conta dos
pedidos, as fábricas chegaram a
trabalhar em regime de horas-extras,
tendo, no conjunto das três unidades,
sido atingido o pico de 500 mil
charutos diários, totalmente feitos
à mão, um recorde fantástico. Como
conseqüência dos ventos soprados
numa espantosa velocidade, a
Suerdieck decidiu investir em dois
empreendimentos: implantação
da produção mecanizada, para
agilização na linha dos charutos
populares, que não poderiam faltar
nas prateleiras do comércio varejista,
e construção de um prédio para
abrigar, em novas e adequadas
condições, a sede social da empresa.
Em 1953, numa negociação com
a Companhia de Seguros Aliança
da Bahia, foi adquirido, na mais
valorizada área comercial da Cidade
Baixa, bem no centro financeiro de
Salvador, o último terreno disponível
nas quatro esquinas famosas da
Avenida Estados Unidos com Praça
O Edifício Suerdieck, em foto tirada num
domingo, logo após a inauguração.
da Inglaterra, onde já estavam
importantes organizações: sede-regional dos Correios e Telégrafos, a sede e
agência-matriz do Banco Econômico da Bahia e a agência baiana do Banco Holandês,
implantada em Salvador por causa do comércio internacional de fumos e charutos.
Concebido e construído pela Norberto Odebrecht Construtora, o Edifício Gerhard
Meyer Suerdieck, ou simplesmente Edifício Suerdieck, foi festivamente inaugurado
no dia 30 de abril de 1956.
Meus senhores e minhas senhoras,
Coube ao pároco de Maragogipe a ventura inestimável de residir, por
13 anos consecutivos, até agora, precisamente no prédio que eu peço
licença para proclamar histórico – o velho “sobradinho” situado na antiga
136
Rua do Fogo, depois Rua Macedo Costa e agora Largo da Matriz. Foi ali
que os irmãos August e Ferdinand Suerdieck, depois de uma experiência
satisfatória no Armazém do Cajá, deram início a uma importante etapa
no processo da produção de charutos.
A história da Suerdieck é tão brilhante e tão faustosa que seria
impossível, no diminuto espaço de tempo que me permito aqui,
apresentá-la nas mais radiosas tonalidades.
Quero apenas ressaltar que, residindo no histórico prédio que serviu
de berço à indústria arquipotente, eu me acostumei a verificar, desde
1942, a intensidade do trabalho produtivo, o dinamismo impressionante
e a avalanche de realizações ciclópicas, em ambiente de harmonia social
sempre alentadora.
A inauguração deste majestoso Edifício Gerhard Meyer Suerdieck é um
prêmio providencial à tenacidade titânica que veio dos irmãos Suerdieck
e prolongada através da personalidade incomparável e inconfundível
de Gerhard Meyer Suerdieck e da sua estirpe digna e respeitável, com
rebentos da própria e querida terra das palmeiras heráldicas.
Cônego Florisvaldo José de Souza
Pároco de Maragogipe
O cônego Florisvaldo José de Souza, abençoando as instalações do Edifício Suerdieck, em 30 de abril de 1956.
À direita os irmãos Geraldo e Fernando Suerdieck e na esquerda o casal José e Verbena (de lado) Boureau.
137
José Ruas Boureau, ladeado pelos irmãos Suerdieck (Fernando, Wolfgang e Nicolau), quando discursava em nome dos
empregados, na cerimônia da inauguração do Edifício Suerdieck, em 30 de abril de 1956.
O Edifício Suerdieck transformou-se numa das obras mais importantes do
primeiro decênio das construções da Odebrecht, empresa fundada em 1945. O
prédio enriqueceu o portifólio da construtora, transformando-se num vistoso cartão
de apresentação nas negociações de futuros empreendimentos. Com área construída
de 4.651 metros quadrados, o edifício compunha-se de subsolo, térreo, sobreloja
e nove pavimentos. A Suerdieck S.A. ocupou até o segundo andar, enquanto a
Exportadora de Fumos Suerdieck se alojou no terceiro. Os demais pavimentos,
divididos em salas, foram projetados para abrigar escritórios comerciais e colocados
à venda, para amortização do investimento. Possuía portaria, elevadores e escadas
independentes da ala pertencente ao Grupo Suerdieck.
No subsolo ficava uma câmara frigorífica para estocagem dos charutos que
abasteciam os pontos das vendas no varejo de Salvador. No térreo foi instalada uma
charutaria, verdadeiro show-room das marcas produzidas pela Suerdieck, decorado
com um painel do artista plástico Carybé. Mas a grande atração do prédio ficou
por conta de um charuto aceso, na posição vertical, com o bico para cima, bem na
confluência dos logradouros, como criativo divisor das duas fachadas do edifício,
uma face voltada para a Avenida Estados Unidos e outra para a Praça da Inglaterra.
O gigantesco charuto de concreto, com cinza em vidro e a marca Suerdieck em
luminoso néon, transformou-se no símbolo monumental do poder da indústria
famosa. Virou atração turística, sendo muito fotografado. Uma empresa especializada
na produção e venda de cartões postais emitiu uma série onde, em primeiro plano,
aparecia o Edifício Suerdieck com o inusitado e chamativo charuto.
138
Relembrando a trajetória do industrial que deu nome ao edifício, um neto do
fundador da Dannemann, que até 1942 foi grande concorrente da Suerdieck,
proferiu na sede do Rotary Clube da Bahia, em 27 de dezembro de 1956, uma
palestra denominada “Gerhard Meyer Suerdieck, sua Vida e sua Obra”, reproduzida
no Boletim Trimestral da Suerdieck, edição de jan-mar/1957. Eis o trecho final:
Quando se escrever a história dos filhos adotivos e natos do Vale do
Paraguaçu navegável, que num esforço titânico se empenharam pela
industrialização da lavoura do fumo, situar-se-á Gerhard Meyer Suerdieck
como exemplo de eficiência, humanidade e antijacobinismo.
Sim, como disse um seu auxiliar, em homenagem póstuma, “Gerhard
Meyer Suerdieck continua vivo, porque vivo permanece sua obra e seu
exemplo”.
Geraldo Dannemann Neto
O Edifício Suerdieck simbolizou também o coroamento de uma fase áurea. O
Relatório da Diretoria, que acompanhou o balanço do exercício de 1956, registrou:
“O ano foi encerrado com alto índice de vendas”. Este indicativo representava 180
milhões de charutos, sendo 150 milhões feitos totalmente à mão, estabelecendo dois
recordes históricos. É fácil explicá-los, decorreram das paralizações da Danemann e
Costa Penna, ambas em 1955. A Suerdieck – que já vinha conquistando a clientela
dos dois antigos gigantes, desde o início das crises internas que foram reduzindo suas
produções – assumiu de vez os consumidores
deixados na orfandade.
A Suerdieck ainda figurava entre as empresas
brasileiras que mais investiam em propaganda.
Na mídia radiofônica, a mais poderosa no Brasil,
manteve durante vários anos, no início da década
de 50, o patrocínio de um programa musical
importante, na emissora de maior audiência no
país. Numa das fases, nas chamadas durante o
dia, o locutor anunciava o seguinte spot:
— Sintonize, todo sábado, às vinte e duas
horas e cinco minutos, a Rádio Nacional do
Rio de Janeiro e ouça a Orquestra Melódica de
Lírio Panicalli, numa gentileza dos charutos
Suerdieck.
— Suerdieck significa o bom gosto do
fumante que sabe escolher o melhor charuto
do Brasil.
— Orquestra Melódica significa o bom
gosto do ouvinte que aprecia a boa música.
139
Anúncio institucional padrão, verdadeira marca registrada
da empresa, para revistas e jornais de todos os tipos. A
foto é uma reprodução de um clichê, como se dizia na
época, publicado em 1965, no jornal Vip, que circulava no
Rio Vermelho, tradicional bairro de Salvador. Porta-voz do
Grêmio Juventude do Rio Vermelho, era dirigido pelo autor
deste livro.
Além da mídia radiofônica, a Suerdieck investia nas mais importantes revistas e
jornais do país. Era ainda uma ativa anunciante nos espaços públicos das principais
cidades brasileiras, exibindo outdoors em pontos estratégicos. Para se ter uma idéia
da valorização que a empresa dispensava à propaganda, basta dizer que a Suerdieck
manteve, durante 25 anos, um anúncio institucional bem visível em vinte abrigos
de bondes da capital baiana. Na maioria teve a exclusividade do espaço no topo,
sendo que os localizados nas áreas mais nobres as placas receberam iluminação
néon. Letreiros luminosos também foram colocados no alto de alguns edifícios
importantes, bem como placas nas encostas, nos elevadores públicos, bondes,
etc. Igualmente fantástico foi o merchandising nacional nos terminais marítimos,
ferroviários, aéreos, rodoviários, nos hotéis, restaurantes, confeitarias, cafés,
mercearias, padarias, bares, armazéns, cinemas, teatros, hipódromos, estádios de
futebol e ginásios esportivos.
Em 1949, para comemorar o quarto centenário da fundação de Salvador, a
Suerdieck lançou um calendário de parede, produzido no Rio de Janeiro, na Gráfica
Bloch, ilustrado com seis belíssimas aquarelas coloridas, pintadas por Manoel
Paraguassú: Escadaria da Rua do Poço, Baixa dos Sapateiros, Arcos da Conceição da
Praia, Ladeira do Pelourinho, Jaqueira e Rampa do Mercado Modelo. Ficaram também
famosos os calendários anuais de bolso, impressos em policromia, disputadíssimos
pela clientela.
Nas campanhas, sempre permanentes, priorizava-se o enfoque na marca
do fabricante, e não nas dos produtos. E para fixar o nome Suerdieck de forma
contundente, trabalhava-se sistematicamente em cima de vários slogans:
SUERDIECK
o melhor charuto
SUERDIECK
significa qualidade
SUERDIECK
famoso no mundo inteiro
SUERDIECK
famoso charuto da Bahia
SUERDIECK
um prazer especial
SUERDIECK
fábrica de charutos especiais
SUERDIECK
um prazer exclusivamente seu
SUERDIECK
charuto de fina qualidade
Sinta-se como um Rei, fumando
SUERDIECK
SUERDIECK
o supremo requinte
A etiqueta exige,
o bom gosto recomenda,
charutos SUERDIECK
SUERDIECK
sublinha a sua personalidade
140
Na elegante e bem equipada charutaria do Edifício Suerdieck,
operacionalizada pela própria Suerdieck, o atendimento era especializado.
Através de uma equipe técnica, de profissionais experts em charutos,
os clientes obtinham todos os esclarecimentos sobre qualquer produto
da linha Suerdieck.
ABRIGOS PARA PASSAGEIROS DOS BONDES
NA CIDADE DO SALVADOR
Acervo da Fundação Gregório de Mattos
(Fotos originais: Voltaire Fraga. Reproduções: Val Araújo)
Abrigo da Praça Municipal (1939),
defronte ao Elevador Lacerda
(Cidade Alta).
Abrigo do Largo da Graça (1940), frontal à igreja
onde foi sepultada Catharina Paraguassú, a
índia desposada pelo legendário Caramuru.
Abrigo do Largo da Ribeira (1941),
próximo ao Hidroporto dos Tainheiros.
141
Abrigo da Baixa do Bonfim
(1941), no sopé da Basílica
do Senhor do Bonfim.
Abrigo do Campo Grande (1942), fronteiro ao local onde seria construído o Teatro Castro Alves.
Abrigo do Largo da Calçada
(1942), tendo ao fundo o
relógio da Estação Ferroviária
da Leste Brasileiro.
142
Abrigo do Largo da Mariquita (1943), no bairro do Rio Vermelho, bem próximo da ilhota Pedra da Concha, onde os índios
tupinambás encontraram, em 1509, o náufrago Diogo Álvares Corrêa, o Caramuru, Descobridor do Rio Vermelho, CoFundador de Salvador e Patriarca da Bahia.
Abrigo da Avenida Jequitaia (1943), frontal à Feira de Água de Meninos.
143
Abrigo do Largo da Boa Viagem (1944), perto da fábrica de cigarros da Souza Cruz.
Abrigo da Praça Cairu (1944), próximo ao Elevador Lacerda (Cidade Baixa).
144
Capítulo
21
SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE
SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE
O
hábito de se oferecer charutos provinha de uma antiga tradição
européia. Na Alemanha, por exemplo, o homem cultivava a praxe
de dar um charuto a cada pessoa que fosse à sua residência parabenizar pelo
nascimento de um filho. No Brasil, os charutos Suerdieck foram eleitos como presente
preferido. Oferecê-los significava estar dando um brinde requintado e renomado,
símbolo de prestígio e sucesso.
O Charuto é o presente mais
apreciado no mundo masculino
Este era o bordão utilizado nas campanhas de sustentação e fomento aos
presentes, sempre complementado por um dos slogans abaixo:
SUERDIECK
SUERDIECK
o melhor produto, o presente ideal
o melhor presente
Em novembro de 1948 foram recebidas duas encomendas especiais, do
presidente do Instituto Bahiano do Fumo e do delegado-regional do Trabalho.
Ambos presentearam o presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, com o
produto símbolo da Bahia. Do primeiro, o presidente recebeu um luxuoso estojo em
jacarandá, com uma fotografia da plantação de fumo na tampa. O delegado ofertou
uma Caixa de Presente Grande, envernizada em escuro. Dutra saiu de Salvador
abastecido com uma seleção dos melhores charutos Suerdieck.
Em 1956, aproveitando uma viagem a Londres de um associado, o inglês Vivian
Bensusan, o Rotary Clube da Bahia enviou uma caixa de charutos Suerdieck ao
ex-primeiro-ministro Winston Churchill. O mais famoso fumante de charutos do
mundo agradeceu por escrito:
Prezado Senhor Bensusan,
Tive a satisfação de receber a belíssima caixa de charutos que o amigo
me trouxe da parte do Rotary Clube da Bahia, Brasil.
145
Apreciei muito a mão-de-obra da caixa, e já saboreei alguns dos excelentes charutos contidos na mesma.
Winston Churchill
Três anos depois Churchill voltaria a ser brindado com charutos Suerdieck,
oferecidos por universitários em excursão pela Inglaterra. O porta-voz do grupo foi
Ricardo Howlling, estudante de direito da Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Dwight Eisenhower também recebeu charutos Suerdieck, levados por Norma
Lacerda Blum, uma dos trinta e três jovens, entre moças e rapazes, de 33 países,
que foram participar de um fórum nos Estados Unidos. Em Washington visitaram a
Casa Branca e estiveram com o presidente americano.
Para os indecisos na hora da compra dos presentes, havia um catálogo com as
marcas que, segundo o marketing da Suerdieck, ressaltavam a personalidade do
fumante pelo formato do seu rosto:
Herbert Moses, presidente da ABI – Associação Brasileira de Imprensa, tinha por
hábito brindar os visitantes ilustres com uma caixa de charutos Suerdieck. A oferenda
simbolizava as boas-vindas e representava a simpatia do órgão representativo da
classe jornalística.
Nota: As referências a Winston Churchill, Ricardo Howlling, Dwight Eisenhower, Norma Blum e Herbert Moses, foram
pinçadas do Boletim Trimestral da Suerdieck, números 29 (abr-jun/1956), 33 (abr-jun/1957) e 43 (out-dez/1959).
146
CHAMPANHA E CHARUTOS
Ao sair da penitenciária de Maidstone, onde cumprira pena de
18 meses, Raymond Blackburn, brilhante advogado e ex-membro do
parlamento inglês, encontrou à porta do presídio a sua amada, Marianne
Ferguson, que o aguardava com uma garrafa de champanha e uma caixa
de charutos Suerdieck, da marca Ouro de Cuba.
Revista “O Cruzeiro”. Rio de Janeiro, 24.11.1956
Quando chegou em Paris o general Aurélio de Lyra Tavares34 ordenou a suspensão
das compras dos cubanos que eram oferecidos nas recepções. Determinou que
fossem substituídos por charutos brasileiros, considerados pelo novo embaixador tão
bons quanto os produzidos na ilha caribenha. Certa feita, convidado para um jantar
na embaixada, o deputado federal baiano Fernando Wilson Magalhães levou uma
caixa de Panatela Ouro. Quando abriu o presente Lyra Tavares deu um largo sorriso
de satisfação e, imediatamente, acendeu um dos longilíneos finos da Suerdieck.
Na época do Natal, a festa universal da cristandade, com a secular tradição da troca
Anverso dum folder de 1952.
34 Aficionado da Suerdieck, Aurélio de Lyra Tavares tinha sido ministro do Exército no período Costa e Silva e foi um dos
três integrantes da Junta Militar que governou o país por dois meses, de setembro a outubro de 1969.
147
de presentes, a Suerdieck atingia o pico das vendas mensais. Para atender a maciça
procura, começava em julho a Operação Natal, com a programação nacional das
entregas especiais, com enfoque em dois segmentos mercadológicos:
a.Encomendas empresariais, com estojos personalizados, para as empresas
oferecerem charutos finos aos clientes e amigos importantes.
b.Vendas no varejo, nas charutarias. Os estojos eram embrulhados em papel
especial, fornecido pela Suerdieck, com motivos natalinos, além de fitas e cartões
para as mensagens dos ofertantes de um presente especial e charmoso.
Nunca, em tempo algum, qualquer outro fabricante de charutos dispensou
tratamento de alto nível às ofertas para o Natal. Por isso virou moda duradoura o
presenteio de caixas bem trabalhadas e de fino acabamento, em cedro, jacarandá, pauferro, pinho e imbuia, que por si só significavam um belo presente. Até quem não era
fumante habitual recebia charutos, e ficava satisfeito e feliz, pois sabia do significado
enfeixado por uma caixa da Suerdieck. Havia inclusive uma marca bem sugestiva,
própria para os festejos do fim de ano. Chamava-se Boas Festas, apresentada num
estojo de luxo envernizado, disponível em quatro versões, com 50 charutos escuros,
50 charutos claros, 25 charutos escuros ou 25 charutos claros. Era o carro-chefe das
vendas natalinas.
Para atender com eficiência e presteza o grande número de solicitações, de todas
OFERTANDO BONS CHARUTOS, VOCÊ CRIA AMIGOS!
OFERTANDO CHARUTOS SUERDIECK,
VOCÊ ESCOLHEU BONS CHARUTOS!
CAIXA DE PRESENTE
(Semi-aberta, foto de 1920)
Verdadeira obra de
arte da marcenaria, a Caixa
de Presente possuía 19
compar timentos para
obrigar uma seleção de
charutos, de diversas
marcas nobres.
Confeccionada em
madeira de lei, cedro ou
pau-ferro, era produzida
em duas versões. A caixa
pequena comportava 95
charutos e a grande 180.
Nenhum outro
fabricante conseguiu
idealizar uma caixa que
tivesse a criatividade,
originalidade e o requinte
da Caixa de Presente
inventada pela Suerdieck
e patenteada em 1917.
148
as partes do Brasil, e até do exterior, existia em Maragogipe um setor especializado no
preparo das caixas especiais, luxuosas e personalizadas, destinadas aos segmentos
dos brindes e homenagens. No conteúdo somente charutos feitos pelas melhores
charuteiras da fábrica. Dentro do elenco das marcas, havia duas classes como
excelentes opções para presentes, em qualquer época do ano.
ESTOJOS COM CHARUTOS SORTIDOS
1.Caixa de Presente Grande. O máximo em presente. Fechada parecia uma
maleta, mas ao ser aberta, de forma articulada e sanfonada, transformava-se
em prateleiras expositoras para 180 charutos distribuídos por oito marcas:
36 Regalia Fina, 36 Florinha, 32 Holandeses, 30 Suerdieck Brasil, 20 Havana
Pequena Flor, 12 Beira Mar, 7 Três Estrelas e 7 Prima Dona. Muitas pessoas
compravam-na com objetivos meramente decorativos, para ambientes em
escritórios e residências. Neste casos os charutos não eram degustados,
permaneciam na caixa-mostruária, que aberta produzia um grande efeito
visual.
2.Caixa de Presente Pequena. Estojo idêntico ao primeiro, cuja diferença estava
no quantitativo. Sua capacidade era para 95 charutos: 18 Regalia Fina, 16
Holandeses, 15 Suerdieck Brasil, 12 Coreana, 10 Florinha, 10 Beira Mar, 7
Prima Dona e 7 Três
Estrelas.
3.Sortimento Extra Fino.
40 charutos, dez para
cada marca: Ouro
de Cuba, Suerdieck
Brasil, Prima Dona e
Holandeses.
4.Sortimento Ypiranga.
50 charutos claros:
20 Cesários Pai, 10
Cesários Filho, 10
Sorrisos e 10 Petiscos.
5.Sor timento 26. 50
charutos: 18 Florinha,
16 Viajantes e 16
Holandeses.
6.Exposição. Estojo com tampa de vidro, com 32 charutos: 8 Havana Supremo,
8 Suerdieck Brasil, 8 Susa Filtro M e 8 Susa Filtro S.
7.Margareth. 70 charutos: 36 Havana Pequena Flor, 24 Glamour e 10 Pampulha.
8.Suerdieck Fantasia: Estojo de luxo contendo 60 charutos de marcas nobres.
As caixas continham gravações, em lâminas de cedro, de alguns recantos
149
Voltaire Fraga
famosos da capital baiana: Elevador Lacerda, Terreiro de Jesus, Baixa dos
Sapateiros, Colina do Bonfim, Forte de Mont Serrat, Farol da Barra e também
de uma baiana típica. O artista Gregorius foi o autor das xilogravuras que
serviram de matrizes para as ilustrações. Suerdieck Fantasia correu o Brasil e a
Europa e, certamente, constituíu-se num importante produto de divulgação
turística da Bahia.
MARCAS INDIVIDUAIS
1.Havana Supremo Luxo. Requinte dos requintes, em caixa de cedro, pauferro ou jacarandá, contendo dez charutos de nobríssima linhagem. Cada
unidade ficava dentro de um estojo confeccionado na mesma madeira da
caixa externa.
2.Havana Supremo. Estojo negro com 25 charutos claros, enrolados um a um
em lâminas de cedro, donde recendia uma fragrância inebriante.
3.Havana Especial Luxo. 25 charutos claros em estojo fosco.
4.Supremo Requinte. Em estojos para 25 ou 50 charutos de uma linhagem
clássica. Havia a opção da tampa ser embelezada com trabalhos de entalhes
feitos no Paraná.
5.Corona Imperial. Charutos claros embalados em tubos de polistirene,
acondicionados em estojos para dez ou cinco unidades.
6.G.G.G. Charutos escuros em tubos de polistirene, disponíveis em estojos com
dez ou cinco unidades.
7. Panatela Ouro. Estojo com 25
charutos envolvidos em papel arroz,
num toque de elegância aristocrática.
8. Panatela Média. Charutos escuros em
estojos para 20 ou 40 unidades.
9. Mata Fina Especial. Charutos escuros
em estojos com cinco ou dez unidades.
10. Suerdieck Brasil. Em estojos
envernizados, com quatro versões: 50
charutos escuros, 50 charutos claros, 25
charutos escuros e 25 charutos claros.
Era um dos ícones das exportações.
11. Regalia Fina. Charutos compridos
e claros, apresentados em estojos com
25 ou 50 unidades.
12. Simpatia. Charutos claros em
estojos envernizados com 25 unidades.
13. Amizade. Charutos claros em estojos envernizados com 25 unidades.
14. Diadema Extra. Charuto longo, com 22 centímetros, por 2,8 de diâmetro e
150
pesando 18 gramas. Foi criado especialmente para os festejos juninos, sendo
muito utilizado para acender fogos entre uma baforada e outra. Levava horas
para ser consumido. Era vendido num estojo de cedro com uma unidade.
15. Lembrança da Bahia. 20 charutos numa caixa de cedro com uma paisagem
da Colina do Bonfim, gravada a fogo na tampa. Marca vendida exclusivamente
em Salvador, com forte apelo turístico, sendo muito comprada pelos
visitantes, que a levavam como souvenir ou para presentear terceiros.
ARTE & CHARUTOS
Numa entrevista,
a uma revista parisiense,
o pintor Maurice de Vlaminck
deixou-se fotografar
fumando charuto.
Sobre uma pequena mesa do ateliê,
via-se uma caixa aberta da Suerdieck.
Era uma Caixa de Presente Grande,
certamente um brinde ofertado
por algum amigo ou admirador
do famoso artista francês.
Boletim Trimestral da Suerdieck
Nº 33, abr-jun/1957
Capa de um folheto produzido em 1956.
151
CAIXA DE CHARUTOS
Tampa, fundo, cabeceiras (laterais mais curtas) e lados, são designações
das seis peças necessárias à montagem de uma caixa de madeira. A seguir,
serão descritos os componentes aplicados para a saída da fábrica cheia
de charutos.
1. Rótulos
Impressos contendo a identificação do fabricante e/ou da marca
do produto, em duas versões:
1.1 – Rótulo Externo: impresso principal, colocado na parte
de fora da tampa.
1.2 – Rótulo Interno: impresso colocado na parte interna da
tampa.
2. Etiquetas
Demais impressos colocados nas caixas, externa e interna-
mente. Ei-los, com suas designações específicas:
2.1 – Tira Debrum: fita ou friso para as bordas da tampa, das
cabeceiras e dos lados. Havia dois tipos: debrum com o nome
Suerdieck e debrum com o sigma, em ambos repetidas vezes.
2.2 – Sigma: logotipo.
2.3 – Ferro de Tampa: logomarca (em alto relevo).
2.4 – Lacre: selo de segurança, imitando a substância resinosa
usada no fechamento de garrafas e cartas.
2.5 – Selos: legais ou do fabricante.
2.6 – Faixas: reclames e avisos eventuais.
3. Pirogravuras
Gravações a fogo, denominadas de ferrações, feitas antes da
montagem da caixa, na tampa (parte externa e interna), nas
cabeceiras, lados e no fundo externo. Em algumas caixas,
principalmente de luxo e para presentes, a técnica da pirografia,
executada mecanicamente, substituía rótulos e várias etiquetas
impressas.
4. Ventarola
Peça decorativa interna, para causar impacto visual, denotando
sofisticação e dando um toque de classe. O adorno era apresentado
sob a forma de uma folha solta, colocada sobre a última camada
de charutos. Podia ser uma lâmina de cedro, ostentando uma
pirogravura, ou um papel apergaminhado.
5. Celofonagem
Com exceção das caixas dos charutos populares, as demais tinham
uma proteção final, sendo totalmente revestidas com celofane.
Obs.: Por definição lexicográfica, rótulo e etiqueta têm o mesmo significado. Porém, na Suerdieck, por conceituação
interna, havia diferenciação.
152
Capítulo
22
MARYON, A INESQUECÍVEL
MARYON, A INESQUECÍVEL
D
oido para manter contato com a namorada que não conseguia
esquecer, Geraldo obteve com a amiga Else Niemann o endereço de
Maryon nos Estados Unidos: 250 Yandes Street – Franklin, Indiana. Embora estivesse
casada, remeteu-lhe uma carta, datada de 22 de março de 1957.
Querida Maryon,
Depois que os nossos caminhos se separaram,
por força do destino, mesmo de longe, estive sempre
informado sobre sua vida.
Em 1951, na primeira viagem depois da Guerra,
estive em Hamburgo com a esposa e filha. Infelizmente
encontrei os lugares tão cheios de recordações
completamente mudados, muitos deles destruídos.
Foi chocante.
Na última noite, estávamos reunidos na Zillertal,
Geraldo e Maryon, em 1938.
com Else, Paul, Bruno Andresen e outros colegas do CHD, quando o
senhor Koch me fez uma confissão terrível. A partir daí, sempre senti a
necessidade de, algum dia, fazer-lhe estas linhas.
Você sabe que, nos anos de 39/40, tínhamos planos de casamento.
Após ter-me solidificado no trabalho, escrevi ao senhor Willy Koch. Como
meu fraterno amigo, pedi para ele colocar você num avião para Lisboa,
onde eu estaria à sua espera. Respondeu-me então que tinha conversado
com seu pai, tendo ele achado o plano perigoso e aconselhado que
deveríamos aguardar o final da Guerra. Para mim foi uma decepção tão
grande que resolvi esquecer o assunto.
Mas quando o senhor Koch me contou que não falara com seu pai,
fiquei arrasado. Ele fez um mau uso da confiança que lhe depositei,
ofendeu os meus sentimentos.
Minha vida, nesse entretempo, é uma dura e ininterrupta atividade
profissional, com todos os problemas de uma indústria que ocupa
milhares de pessoas. Infelizmente, sou um escravo do trabalho. Embora
o público me considere um “homem importante”, por ser presidente de
várias empresas, se eu pudesse jogaria fora toda esta salada...
153
Os meninos vão à escola e o meu mais novo, com 3 anos, está no
jardim de infância. A mais velha tem 13 anos e pela foto anexa você vê
toda família. Se quiser, também descreva a sua caminhada na vida. Escreva
sem qualquer constrangimento.
Lembranças do Geraldo.
Maryon não respondeu. Deve ter ficado constrangida, ou, pelo menos, continuava
sem perdoá-lo, pelo não cumprimento da promessa do casamento. Talvez não tenha
acreditado na história envolvendo o Willy Koch.
Lisbeth e o filho Jobst Meyer, com Maryon e
Geraldo, em Hamburgo.
Em pé: Erwin e Else Niemann; Oscar Schmidt e Paul Panzer.
Sentados: Geraldo, Elza Sauer e Maryon Valentiner.
CONSTRUÇÃO & VEÍCULOS
Por iniciativa de um executivo da Suerdieck, José Ruas Boureau, foi
sugerida a criação da Construtora Suerdieck. O suporte econômico e o peso
do nome garantiriam o nascimento de uma empresa fadada ao sucesso
rápido no mercado baiano, ainda incipiente e carente de construtoras fortes.
Mas Geraldo descartou a idéia com um argumento técnico:
— Não temos na família, nem no grupo, nenhum engenheiro civil para
confiar a responsabilidade de um empreendimento neste gênero!
Numa outra ocasião, Geraldo recebeu a visita de um executivo
alemão que veio a Salvador com a missão de oferecer a franquia de uma
distribuidora de veículos. A origem e o conceito do nome comercial
tinham sido requisitos numa triagem feita pela montadora, que já tinha
até escolhido a razão social para a sua representada: Suerdieck Motor Ltda.
Todavia, a proposta, embora tentadora, não pode ser encampada, uma
vez que todos os investimentos estavam programados e priorizados para
ampliações no parque fabril de charutos e na expansão da cultura do fumo
Sumatra. A pedido do emissário, o presidente da Suerdieck recomendou
o empresário Mário da Silva Cravo, abrindo o caminho para a Cravo Motor
ser a primeira concessionária da Volkswagen na Bahia.
154
Capítulo
E
23
A GRANDE FÁBRICA
A GRANDE FÁBRICA
m abril de 1950,
q u a n d o fo i a b e r to
um novo exemplar do Livro de
Visitas à Fábrica de Maragogipe, o
ex-governador Juracy Magalhães,
candidato à sucessão de Otávio
Mangabeira, teve a primazia de
inserir a primeira mensagem:
Pinheiro
O “enigma baiano”, a que
tanto se refere o preclaro
governador Otávio Mangabeira,
reside essencialmente na
pobreza do povo.
A batalha do enriquecimento
da Bahia é, assim, imperiosa,
como chave da solução daquele
Pavilhão do acabamento e expedição do grande complexo fabril de
Maragogipe. Inaugurado em 5 de novembro de 1933, foi construído por
Gerhard Meyer Suerdieck no local da antiga fábrica, onde no início do
século XX ficava o cine-teatro da cidade.
enigma. A indústria é multiplicadora de riqueza. Estimulá-la e desenvolvê-la,
aproveitando a iniciativa particular, é indiscutível tarefa do governo, a quem
cabe velar pela paz social, através de um justo equilíbrio entre os interesses
do trabalho e do capital, irmanados na construção da grandeza coletiva.
Deixo aqui a minha excelente impressão dessa visita à fábrica Suerdieck,
onde me deparei com um inesquecível ambiente de simpatia, quer de parte
dos operários, quer de seus dirigentes, todos merecedores do meu sincero
agradecimento.
27.04.1950
Juracy Magalhães
Dezesseis dias após, passou pela fábrica a caravana de Lauro Farani Pedreira
de Freitas, postulante ao governo do Estado pela coligação PSD/PTB. Na hora do
registro da visita, o líder do PTB na Assembléia Legislativa, deputado Joel Presídio,
leu o depoimento do adversário e, prontamente, de forma elegante e sutil, deu
uma estocada no candidato da UDN, apondo logo abaixo da assinatura do Juracy o
texto resposta:
155
Levamos ótima impressão da longa visita que acabamos de fazer às
dependências da fábrica. Aqui se aprende a servir à economia nacional.
Onde quer que o capital e o trabalho se ajustem, nas lides cotidianas,
pela produção de riqueza, não pode existir enigma... Quando muito, uma
equação de forma social e sentido humano, reclamando que o Estado lhe
encontre o denominador comum.
13.05.1950
Joel Presídio.
A fábrica de Maragogipe, a maior do mundo na produção de charutos artesanais,
era tocada por milhares de operários. A grandiosidade gerava forte impacto nos
visitantes, que extravasavam suas impressões no Livro de Visitas. Entre dezenas de
assentamentos, deixados em vários idiomas, foram selecionados onze depoimentos
registrados na língua portuguesa, a seguir reproduzidos na íntegra.
O trabalho, sentinela da virtude, causa maior do progresso, é digno
de imitação nesta fábrica. Queira Jesus Cristo, o divino operário, abençoar
a todos os que mourejam nesta casa.
Reine sempre a justiça social e a caridade cristã e, assim, haverá de
existir a paz duradoura e a alegria de viver no mundo do trabalho.
20.11. 1951.
D. Antônio Mendonça Monteiro
Bispo Auxiliar da Bahia.
As bodas de prata do sacerdócio do meu amigo de infância, o revmo.
con. Florisvaldo Souza, precisamente nesta data, proporcionaram-me a
grande ventura de visitar a magnífica empresa que é a fábrica de charutos
Suerdieck.
31.07.1952
Dom Francisco Leite
Capelão Militar da VI R.M.
Não sou fumante. Nem sei mesmo se devo condenar o fumo. Mas se
o fizesse estaria hoje arrependido, porque a visita à fabrica Suerdieck é a
maior demonstração de que na fabricação dos charutos se encontram os
mais belos exemplos de ordem, de progresso e de trabalho, que enchem
de orgulho a nós que tivemos o privilégio de nascer na Bahia.
30.05.1953
Assinatura ilegível.
156
Suerdieck é um orgulho da indústria nacional e não merece só um
elogio, mas uma consagração.
05.06.1953
Cônego Edgar Brito.
Visitando a fábrica Suerdieck tirei a seguinte conclusão, que sintetizo
nesta quadra:
Muita ordem e disciplina,
trabalho insano e viril.
Da Bahia ela é a gloriosa
e o orgulho do Brasil.
25.03.1954
Assinatura ilegível.
Visitando a Suerdieck, em Maragogipe, fiquei maravilhado com a
grande obra aqui existente, não só no setor técnico-industrial, como
sobretudo no social, tendo em vista a perfeita assistência médica aos
operários e suas respectivas famílias.
31.03.1954
Assinatura ilegível.
Tudo que posso dizer a respeito da agradável visita que acabo de fazer,
resume-se nessas palavras: A fábrica Suerdieck engrandece a Pátria!
27.11.1954
Júlio Virgínio de Santana
Juiz de Direito de Mata de São João
Quando estivemos visitando a fábrica Suerdieck, na tarde de hoje,
voltamos a acreditar na necessidade de maior apoio dos governantes
aos homens que oferecem ao operariado condições de trabalho dignas
e justas.
Notamos que os trabalhadores da Suerdieck contam com o amparo
e a proteção dos patrões, o que não deixa de ser um bom sinal, pois,
como sabemos, a classe trabalhadora é, atualmente, a maior vítima da
desorganização reinante no país.
Os componentes da caravana da Rádio Sociedade da Bahia
parabenizam os que militam na fábrica Suerdieck pelo belo exemplo que
vêm dando às demais organizações empresariais.
29.09.1956
Newton Espínola Cardoso
Gastão do Rego Monteiro.
157
A Suerdieck faz o que o governo deveria fazer e faria mais se o governo
fizesse a parte que lhe cabe.
A Suerdieck não é somente uma das maiores organizações da Bahia,
mas é, também, praticamente, o governo de Maragogipe.
12.12.1958
Assinatura ilegível.
Sinto-me orgulhoso por visitar a fábrica de charutos Suerdieck. Levo
a minha melhor impressão de tudo que nela observei, principalmente
a organização, a mais perfeita, em trabalho, eficiência e assistência aos
seus operários.
27.01.1959
Geraldo Nelson Bandeira Morais.
Leão Rozemberg
É difícil descrever o que
de surpresa se apresentou ao
percorrer as diversas dependências
desta fábrica. Foi a primeira vez que
entrei numa fábrica da espécie. Era
bem outra a minha impressão, e
como se modificou!
Só me ocorre uma expressão
para descrever. É notável!!!
16.08.1960
Antônio Fernando Silvany.
À esquerda, com o dedo no rosto, numa visita à fábrica, a
pianista carioca Maria Augusta de Oliva Morgenroth, que
em 1957 interrompeu uma fulgurante carreira de concertos
internacionais para residir em Salvador, logo após o
casamento com o exportador de fumos Erwin Morgenroth.
Também era pintora e promotora de arte, tendo sido um dos
baluartes pela reconstrução do Teatro Castro Alves, destruído
num incêndio ocorrido em 1958, às vésperas da inauguração.
158
No dia 9 de abril de 1968, em
visita de inspeção rotineira, estiveram
em Maragogipe os senhores Cícero
Bahia Dantas, Júlio Amorim Botelho
e Carlos Marinho, respectivamente
delegado regional, chefe da fiscalização
e inspetor do trabalho. Sabatinaram
vários operários sobre as condições
de trabalho, pagamentos de salários e
outros assuntos pertinentes à legislação
trabalhista. O alto comando da
Delegacia Regional do Trabalho deixou
a fábrica elogiando as instalações e os
procedimentos da empresa. Um jornalista, de A Tarde, que acompanhava a comitiva
da DRT, apôs o seguinte registro:
A “Tarde Operaria”, em visita a este estabelecimento industrial
que orgulha a iniciativa privada da nossa terra, manifesta o seu
reconhecimento, formulando votos pelo seu crescente desenvolvimento.
09.04.1968
Assinatura ilegível.
Redator.
MODELO DO PARQUE
FABRIL DE MARAGOGIPE
Maragogipe, quartel-general
1. No armazém da Aug. Suerdieck, no cais do Cajá, inicia-se em julho
de 1905 a produção de charutos.
2. Em 1907 o modesto fabrico deixa o armazém de fumo no Cajá e
vai para um sobrado na Praça da Matriz.
3. Nova mudança, em 1910. A fábrica é transferida para um imóvel
grande, na Rua Pedra Branca.
4. Um conjunto de casas, na Rua das Flores, é adquirido para a
159
construção de uma grande fábrica,
inaugurada a 10 de janeiro de 1921
e interligada à fabrica antiga por um
passadiço sobre a rua entre os dois
imóveis.
5. O prédio da Rua Pedra Branca é
demolido e no lugar erguido um pavilhão
em concreto armado, inaugurado
A Suerdieck já se fazia presente em Brasília antes
mesmo da sua inauguração.
em 5 de novembro de 1933, com a
manutenção do passadiço aéreo.
Os dois blocos, que muitos,
equivocadamente, consideravam como duas fábricas, formavam o núcleo
de um grandioso complexo. No pavilhão da Rua Fernando Suerdieck (antiga
Pedra Branca), que passou a ser chamado de “fábrica nova”, estavam alojados
os setores do acabamento e a expedição. No outro pavilhão, conhecido
como “fábrica velha”, ficava a fabricação propriamente dita, com os salões
das charuteiras, além do escritório contendo o endereço oficial da fábrica,
Rua Augusto Suerdieck 8.
O crescimento vertiginoso foi exigindo, cada vez mais, ampliações no
espaço físico. Dezenas de imóveis foram comprados no decorrer dos anos. A
fábrica se espalhou em pleno centro da cidade. A Suerdieck adquiriu inclusive
as instalações de duas outras fábricas, Mello e Dannemann. Os novos setores
e os que não mais cabiam no corpo principal, passaram a ser alojados noutros
imóveis. Um exemplo,
a produção dos
cigarrilhos Garantidos,
da classe popular,
foi levada para um
prédio exclusivo.
Nos casos emergenciais, para não deixar os distribuidores sem charutos,
a Suerdieck utilizava o transporte aéreo.
160
Capítulo
24
DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK
DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK
E
m 1938, quando o panorama político na Europa ficou tenso e se
apostava numa guerra, João Adolpho Jonas Júnior e Ernst Tobler,
diretores da Companhia de Charutos Dannemann, foram chamados à Alemanha.
Assinaram contratos cedendo o nome comercial e as marcas Dannemann à
duas empresas alemãs: Companhia de Charutos Dannemann & Co. Hamburg e
Deutsch Companhia de Charutos Dannemann & Co. Bremen. Pelos contratos, os
controladores das ações da indústria brasileira, prevendo a possibilidade do Brasil
ficar contra o III Reich, no caso de um conflito mundial, procuraram assegurar na
Alemanha o domínio do nome e das marcas dos charutos Dannemann, através de
um jogo comercial entre a Dannemann brasileira e as homônimas alemãs, empresas
puramente de fachada. Um dos arquitetos das articulações foi Georg Max Dietrich
Koch, que mais tarde seria o grande beneficiário do enredo, juntamente com
Constantin von Oesterreich.
Pelo clima passional que envolveu o povo contra as empresas pertencentes aos
súditos alemães, por causa dos torpedeamentos dos navios mercantes brasileiros
na costa do país, a Dannemann, logo após a divulgação da decretação do Estado
de Beligerância, teve suas instalações depredadas, tanto em Salvador, onde ficava
o escritório central, como
nas fábricas de São Félix,
Muritiba e Maragogipe.
O governo do Estado, por
meio do Instituto Bahiano
do Fumo, interviu nas
fábricas, nos escritórios
e afastou os empregados
alemães que ocupavam
cargos importantes. O IBF
superintendeu a empresa
até março de 1943,
quando foi nomeado
um interventor federal,
Paulino Jaguaribe de
Oliveira. A intervenção
foi suspensa em julho de
161
1945, quando a companhia teve o seu comando recomposto com a participação
de acionistas brasileiros, os quais, três meses depois, alteraram a denominação para
Companhia Brasileira de Charutos Dannemann. Promoveram também um aumento
de capital, subscrito pelo banqueiro Júlio Cezar Leite, que assumiu a presidência,
tendo como diretores João Adolpho Jonas Júnior e Nelson Pitta Martins.
A Dannemann saiu da guerra gravemente debilitada, pois o conflito a fez perder
importantes clientes no mercado europeu, desestabilizando o setor comercial.
Havia também acusações de má gestão empresarial pelos interventores. No
somatório dos problemas adveio o asfixiamento financeiro, que culminou numa
crise sem precendentes no histórico dos 75 anos da empresa. Em junho de 1948
foram paralisadas as atividades nas fábricas de Maragogipe e Muritiba. A de São
Félix produziu até dezembro. Os bens móveis e imóveis de Maragogipe foram
repassados aos empregados, por contrato celebrado em outubro de 1949, a título de
ressarcimento de salários e
indenizações trabalhistas.
No desdobramento, a
Suerdieck, que já havia
contratado centenas
de exímias charuteiras
desempregadas, acabou
comprando o imóvel da
fábrica, que voltou a ser
fábrica, mas de caixinhas
dos charutos Suerdieck.
A Dannemann deixou
de fabricar charutos, mas
continuou em atividade,
Fábrica dos charutos Dannemann em Maragogipe, que a Suerdieck transformou numa grande fábrica de caixas para seus charutos.
operando na exportação
de fumos. Em vista das
dificuldades financeiras, a Companhia Brasileira de Charutos Dannemann resolveu
constituir uma nova sociedade comercial, livre de problemas, com a participação
de capital holandês, da Exoten Taback Compagnie, de Amsterdã. Nascia assim, em
janeiro de 1953, a Dannemann Exportadora de Fumos Ltda.
Antes disto, por força de acordos costurados com credores e antigos empregados,
além de novos empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil, a produção de
charutos foi reativada em 1951, nas fábricas de São Félix e Muritiba. Porém, em
abril de 1955 a CBCD voltou a paralisar a produção e fechou todas as instalações,
inclusive o escritório-sede de Salvador. A empresa foi abandonada pelos acionistas,
ficando acéfala. Este era o quadro quando, para ressarcir-se dos prejuízos, o Banco
do Brasil aforou, em 4 de abril de 1960, na comarca de São Félix, uma ação executiva
hipotecária, formadora do processo nº 3.247/60.
O Diário da Justiça do Estado, edição de 6 de agosto de 1961, publicou o edital
162
dos bens penhorados em segurança de dívidas confessadas, decorrentes de
financiamentos e refinanciamentos concedidos pelo banco e não-pagos pela CBCD.
Por esta razão, todo o seu patrimômio foi colocado em hasta pública, dividido em
três blocos:
a.Venda individualizada do acervo imobiliário, localizado em São Félix e Muritiba,
formado por 15 imóveis, entre fábricas, armazéns, depósitos, oficinas, prédios
comerciais e residenciais;
b.Venda individual do acervo técnico, também localizado em São Félix e Muritiba,
constituído por máquinas, equipamentos, aparelhos e acessórios;
c.Venda única, indivisível, do fundo de indústria e comércio, que tinha sido dado
como garantia hipotecária e pignoratícia de empréstimo em 7 de novembro de
1950. Estava representado
por 110 marcas, sendo 70
de charutos, 28 de fumos
e 12 de etiquetas, frisos,
selos de garantia, anéis,
rótulos e o nome comercial
“Dannemann”.
O grande leilão foi anunciado
para 8 de setembro de
1961. Todavia, na seqüência
da turbulência política que
tomou conta do país, por causa
da repentina renúncia do
presidente Jânio Quadros, o juiz
de direito de São Félix, dr. João
de Azevedo Ca-valcanti, achou
por bem transferir o leilão para
13 de outubro. Neste dia, às 9
horas, na sala das audiências do
juizado da comar-ca, o leiloeiro oficial, Orlando Pereira, deu início aos trabalhos.
No primeiro bloco do pregão a Exportadora de Fumos Suerdieck S.A. arrematou
dois imóveis35 e no segundo a Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos adquiriu vários
equipamentos e máquinas. No terceiro bloco, surpreendentemente, a Suerdieck
não apresentou nenhum lance, deixando o campo inteiramente aberto à oferta
de Francisco Aragão, último presidente da CBCD, que arrematou o lote por Cr$
7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil cruzeiros). Para os presentes, o
empresário representava os interesses dos antigos proprietários da companhia, que
assim estariam procurando continuar com o controle das marcas, uma suspeita que
se robusteceu quando o senhor Aragão declarou que a compra estava sendo feita em
nome da Dancoin – Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda., empresa em
fase de organização. Mas a realidade era outra, a Dancoin estava sendo constituída
com capital da Suerdieck, que passou a ser dona de todas as marcas Dannemann.
35 Um dos imóveis foi o prédio da antiga fábrica de Muritiba, que a Exportadora Suerdieck transformou em armazém
de fumos.
163
AS 70 MARCAS DE CHARUTOS
ARREMATADAS PELA DANCOIN
Aristocratas
Geishas
Bandeirantes
Guarany
Banquete
Havanezes
Bela Bahiana
Indígena
Bela Cubana
Juanita
Bela Havana
Juventude
Beneméritos
Legítimos
Biriba
Lua
Boccacio
Luzinda
Bouquets
Matador
Bremenses
Ministros
Carioca
Mocca
CBCD
Mocinhas
Charutinhos Bahianos Especiais
Ouro do Brasil
Charutos Dannemann
Ouro Negro
Cigarrilhos Bahianos
Pegasus
Conquistas
Pequeno Dannemann
Coronel
Perlitos
Coronitas
Pétalas
Cosmos
Pierrot
Cruzeiro
Piloto
Cruzienses
Progresso
D. Pedro II
Puritanos
Dannemann
Rafaela
Dannemann Azul
Regalia Londres
Dannemann Flor
Reynitas
Dannemann São Félix
Rezia
Diplomata
Roosevelt
Dois
Santa Damiana
Dois Globos
Sem Par
Filhotes
Senadores
Flechas
Sentinella
Flor do Rio
Sol
Gaúchos
Supremos
Gavea
Tuchauas
Em 1956 o grupo suíço Burger Söhne tinha relançado na Europa os charutos
Dannemann e em 1958 o grupo alemão August Blase também colocou no mercado
europeu os produtos Dannemann, passos depois seguidos pelo dinamarquês
164
Petersen & Sorensen. O reaparecimento dos charutos na Europa deveu-se a Georg
M. D. Koch, que criou, montou e administrava um verdadeiro sistema de franquias,
ancorado nos contratos de 1938 e noutros firmados em abril e dezembro de
1954, quando a CBCD se encontrava à beira do colapso total, ocorrido em abril de
1955. Nenhum deles foi registrado em cartório brasileiro. Koch controlava cada
franqueado com uma empresa Dannemann, sempre usando a razão social num
português misturado com alemão: Companhia de Charutos Dannemann Basel AG;
Companhia de Charutos Dannemann & Co. Hamburg; e Companhia de Charutos
Dannemann AG; que se relacionavam, respectivamente, com os grupos suíço,
alemão e dinamarquês. Havia ainda a Company Comercial Dannemann & Co.,
sediada em Schaan, no Liechtenstein, paraíso fiscal, para onde 40% dos royalties
eram remetidos pelos franqueados.
Além dos royalties, Georg Koch complementava os contratos com uma
triangulação que passava pelo Brasil, envolvendo a Dannemann Exportadora de
Fumos Ltda., em mãos de quem os fabricantes de charutos tinham de adquirir o
fumo Dannemann. Era a fórmula de ganhar mais dinheiro e “legalizar” os charutos
Dannemann produzidos na Europa e vendidos como puros brasileiros, mas que, de
“made in Brazil”, possuíam apenas a matéria-prima. Observe-se agora o imbróglio
em que ficou o nome Dannemann. Na Europa, por conta de Georg Koch, existiam
várias empresas com o nome Dannemann, mas nenhuma produzindo diretamente
os charutos. No Brasil, onde já existiam duas (a falida Companhia Brasileira de
Charutos Dannemann e a Dannemann Exportadora de Fumos36) surgiu uma terceira,
a Dancoin - Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda.
No dia 14 de maio de 1962 foi formalizada pelo Banco do Brasil a transmissão
oficial do direito de uso das 110 marcas leiloadas. A escritura de compra e venda foi
lavrada no Tabelião Franklin Lins de Albuquerque Júnior, em Salvador, e as marcas
registradas em nome da Dancoin no Departamento Nacional de Propriedade
Industrial. Ainda em 1962, depois de uma ausência de sete anos, a Dancoin promoveu
a reintrodução dos afamados charutos nas prateleiras das charutarias e tabacarias
de todo o território brasileiro. Mas quem comprava Dannemann37 estava na verdade
levando Suerdieck. Por exemplo, Dannemann Azul era Prima Dona. Explica-se: com
o fechamento das fábricas Dannemann haviam desaparecido os livros do registro
da composição da matéria-prima, detalhando a formulação de cada marca. Por
isso, ficou impossível reproduzir os originais Dannemann, que foram substituídos
por formulações da Suerdieck, em cujas fábricas, inicialmente na de Cachoeira, os
charutos da Dancoin recebiam as etiquetas e as embalagens Dannemann.
Enquanto isto, a Dannemann primitiva, mãe de todas as outras, continuava
padecendo do abandono. Sem patrimônio, virtualmente extinta e sem nenhuma
perspectiva de recuperação, o seu último presidente, Francisco Aragão, solicitou,
36 Como consequência da aquisição do nome Dannemann pelo Grupo Suerdieck, a Dannemann Exportadora de Fumos,
controlada pela holandesa Exoten, teve a sua razão social alterada para Exotaco Exportadora de Fumos S.A.
37 Além das 70 marcas adquiridas no leilão, a Dancoin promoveu o registro de mais 45, perfazendo um total de 115
títulos de charutos.
165
AS 45 NOVAS MARCAS DOS
CHARUTOS DANNEMANN
Aymorés Dannemann Nº 10 Bahianos
Dannemann Nº 11
Bahianos Especiais
Dannemann Nº 12
Brasil Dannemann Bahianos
Dannemann Nº 13
Breves Excepcionais
Fancy Tales Nº 1
Breves Populares
Fancy Tales Nº 2
Cabeça Maior
Fancy Tales Nº 3
Cabeça Menor
Fiesta
Caçadores Excepcionais
Havana Média
Cetros Doble da Bahia Nº 1
Havana Mignon
Cetros Doble da Bahia Nº 2
Legítimos Maior
Cetros Doble da Bahia Nº 3
Legítimos Menor
Creme da Bahia
Máximo Nº 1
Dannemann Corona
Máximo Nº 2
Dannemann Nº 1
Máximo Nº 3
Dannemann Nº 2
Palmas da Bahia N° 1
Dannemann Nº 3
Palmas da Bahia N° 2
Dannemann Nº 4
Palmas da Bahia N° 3
Dannemann Nº 5
Perla da Bahia
Dannemann Nº 6
Típicos do Brasil
Dannemann Nº 7
Toureiro
Dannemann Nº 8
Valença
Dannemann Nº 9
Entre todos da linha Dannemann (títulos antigos e novos), os maiores charutos eram os das marcas
Caçadores Excepcionais (200x20mm), Cetros Doble da Bahia Nº 1 (200x18) e Máximo Nº1 (200x16).
em 18 de abril de 1963, a baixa do registro na junta Comercial do Estado da Bahia.
Quase três meses depois, a 12 de julho, inopinadamente, Mário Cravo S.A. Comercial
e Agrícola, dizendo-se possuidor de 51% das ações da CBCD, recorreu para tornar
sem efeito o ato do cancelamento.
Como detentora das marcas Dannemann, a Dancoin entrou na questão, advogando
a manutenção do cancelamento. O caso Dannemann transformou-se numa grande
polêmica jurídica, envolvendo as partes e o governo do Estado da Bahia, a quem cabia
a decisão de acatar ou não o recurso administrativo. Por fim, acolhendo parecer do
secretário do Interior e Justiça, Jorge Calmon, o governador Antônio Lomanto Júnior
autorizou a revalidação do registro na Junta Comercial, confirmada depois por decisão
do Tribunal de Justiça da Bahia, em 27 de julho de 1965.
A Companhia Brasileira de Charutos Dannemann voltou a existir legalmente.Mas
era uma empresa sem sede, sem fábrica, sem marcas de charutos, sem empregados
e sem capital, dona de absolutamente nada. A repentina entrada de Mário Cravo
na questão surgiu por solicitação do grupo que fazia uso na Europa do nome
166
Dannemann. Por isso, o exportador baiano de fumos lutou com unhas e dentes pela
sobrevivência da empresa no papel, para posteriormente vendê-la a Georg Koch,
que em 1964 colocou na presidência o advogado Mário da Fonseca Fernandes de
Barros, conceituado professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da
Bahia. O suíço Karl Martim Bauder ficou sendo o outro diretor da CBCD. Oficialmente
Koch era apenas procurador-geral da CBCD no exterior, mas era quem dava todas
as cartas, lá e cá. Na Bahia a empresa dispunha somente de um pequeno escritório
burocrático, localizado em Salvador, na Avenida Estados Unidos nº 25, sala 502 do
Edifício União.
Quando em 1963 chegaram à Alemanha os primeiros charutos da Dancoin,
importados pela firma Gebr. Heinemann, de Hamburgo, a Companhia de
Charutos Danemmann & Co. Hamburg, controlada por Georg Koch e Constantin
von Oesterreich, interpôs um embargo judicial. Heinemann ficou proibida de ter
charutos com a denominação Dannemann. A CCD/Hamburg alegou que os direitos
da Dancoin sobre as marcas Dannemann se limitavam à exploração no Brasil. Argüiu
que na Europa os direitos lhe pertenciam, por força de três contratos celebrados
com a Dannemann/São Félix:
1.Contrato de cessão de uso e exploração, em caráter fiduciário e precariamente,
firmado em Hamburgo, em 19.08.1938;
2.Alienação definitiva, decorrente dos contratos complementares números
1 e 2, também assinados em Hamburgo, respectivamente em 20.04.1954 e
16.12.1954.
Através do advogado da Suerdieck na Alemanha, Robert Dyckerhoff, a Dancoin
ingressou com uma ação em Hamburgo, pedindo a anulação dos registros feitos
na Alemanha, por considerá-los caducos, com base nas convenções internacionais,
que asseguravam prioridade ao titular dos registros no país de origem, conforme
Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, realizada em 20 de
março de 1883, da qual o Brasil foi signatário e cuja execução competia ao Bureau
International de l´Union pour la Protection de la Propriété Industrielle, com sede
em Berna, Suíça.
A Dancoin perdeu a questão na primeira e segunda instâncias. Na Alemanha
o leilão do Banco do Brasil não tinha nenhum valor, prevaleciam os contratos de
1938 e 1954. Impedida de colocar a linha Dannemann no território alemão, o Grupo
Suerdieck tomou duas providências imediatas:
a.Para salvaguardar seus interesses no mercado internacional, todas as marcas
Dannemann foram registradas pela Dancoin nos Estados Unidos, Inglaterra e
Argentina;
b.Ajuizou em Salvador uma ação contra a CBCD, para:
1. Retirar o nome Dannemann da sua razão social;
2. Configurar como criminoso o Contrato Complementar Nº 2, de 16.12.1954,
assinado em Hamburgo, eivado de irregularidades, comprovando práticas
de falsidade ideológica: o contrato foi celebrado após as marcas Dannemann
167
estarem hipotecadas ao Banco do Brasil, tendo a alienação sido uma fraude;
o contato não foi traduzido para registro em cartório brasileiro, com o
premeditado propósito de esconder o procedimento fraudulento; não
houve convocação de uma assembléia geral para autorizar a celebração
do contrato, conforme determinavam os estatutos da CBCD; o contrato foi
assinado apenas por um diretor, num novo desrespeito aos estatutos da
empresa, que exigiam a participação de dois diretores.
A ação no tribunal baiano tinha por objetivo criar um grande embaraço moral e
legal para Koch, com reflexos juntos aos seus franqueados. Perante os consumidores
Numa operação de câmbio para exportação de charutos, Geraldo Meyer Suerdieck assinou duas vezes, como
gerente da Dancoin e como presidente da Gerdieck, controladora da empresa dona das marcas Dannemann.
Pelo Banco Econômico da Bahia a assinatura foi do gerente Renan Baleeiro.
168
europeus a Suerdieck poderia inclusive provar um engodo: os charutos Dannemann
vendidos na Europa não eram fabricados no Brasil.
Georg Koch tinha muito prestígio. Comentava-se que seria amigo do presidente
da Volkswagen. Falava-se também que estaria articulando a construção na Bahia
de uma grande fábrica de charutos com os incentivos fiscais para o Nordeste, via
Sudene, canalizados pela Volkswagen do Brasil. O projeto não decolou, mas Koch
conseguiu no Banco do Brasil um atestado da instituição declarando que nada tinha
a se opor aos registros existentes no exterior. Enfim, o milionário suíço mostrou que
possuía força no Brasil, demonstrando poder na manipulação dos canais do tráfico
de influência, fazendo com que o banco passasse por cima do seu próprio leilão
oficial. O que ninguém entendia, e nem sabia explicar, foi Georg Koch e Constantin
von Oesterreich, signatários dos contratos de 1938 e 1954, terem deixado correr
à revelia o leilão de 1961, não constituindo representante para tentar arrematar o
lote do fundo de indústria e comércio da CBCD.
O documento que Koch arrancou do banco estatal brasileiro complicou a situação
da Dancoin no tribunal alemão de apelação. A causa estava definitivamente perdida,
mas a novela jurídica continuava, agora com a Dancoin interpelando o Banco do
Brasil e ameaçando acioná-lo na justiça, por perdas e danos internacionais. Koch
também prometia retaliar, questionando na justiça
americana a legalidade do registro das marcas
Dannemann nos EUA, para onde a Dancoin já fazia
grandes remessas de charutos.
Por iniciativa de Koch, temeroso dos prejuízos
à imagem do nome Dannemann na Europa,
principalmente se a Suerdieck resolvesse dar
ampla divulgação às querelas jurídicas, seus
advogados propuseram que as divergências e Cartão de visita e assinatura.
problemas fossem solucionados fora dos tribunais,
numa mesa de negociações amigáveis, com
concessões mútuas. Geraldo Suerdieck e Georg
Koch chegaram a se encontrar na Alemanha, num
hotel-cassino no balneário de Baden-Baden, na
Floresta Negra. Enfim, cavalheirescamente e como
bons empresários, decidiram que o mercado mundial deveria ser dividido, ficando
Koch com a Europa e a Dancoin com o restante do mundo.
Alinhavado em 1967, o acordo foi fechado com participação de quatro empresas
Dannemann: CCD/Hamburg (Alemanha), CCD/Basel (Suíça) e CBCD (Brasil), pelo
Grupo Koch, e Dancoin pelo Grupo Suerdieck. Eis os pontos básicos homologados
pelos advogados alemães, suíços e brasileiros:
1.A Dancoin desistiu de recorrer da sentença do Tribunal Superior Hanseático de Hamburgo,
proferida em 16 de fevereiro de 1967.
2. A Dancoin retirou a ação cominatória que movia contra a CBCD na Justiça Federal da Bahia.
3. A Dancoin excluiu o nome Companhia Brasileira de Charutos Dannemann da apresentação
169
das marcas, gravado nas etiquetas leiloadas
pelo Banco do Brasil.
4. A Dancoin suprimiu o nome Dannemann
da sua razão social, passando a denominarse Dancoin Comércio e Indústria de Fumos
Ltda.
5. A Dancoin reconheceu o direito da
CBCD voltar a produzir charutos, desde
que destinados exclusivamente à Europa,
mercado cativo do Grupo Koch.
6. O direito de uso das marcas Dannemann
pela Dacoin era irrevogável nas três
Américas e nos países não-europeus. Caso
não se fizesse presente nalgum deles, o
Grupo Koch poderia entrar, sob licença e pagando royalties à Dancoin.
SEM PRODUÇÃO DURANTE 22 ANOS (1955-1977)
Embora estivesse liberada a produzir charutos (para vender
exclusivamente na Europa), a CBCD foi mantida por Georg Koch apenas
como empresa de fachada (sem fábrica).
Somente em 1977, com a razão social já sob controle do grupo
suíço Burger Söhne, a CBCD voltaria a ser produtiva, com uma modesta
fabricação em Muritiba, marco do nascimento de uma nova Dannemann.
Transferida para Cruz das Almas, a fábrica foi depois levada para
São Félix. Mas não ocupou as amplas instalações da unidade pioneira,
edificada por Geraldo Dannemann em 1873 e ampliada em 1915, na Rua
dos Artistas, atual João Severino da Luz Neto, na parte alta da cidade, no
portal da antiga passagem para Muritiba.
A nova fábrica teve como endereço um casarão com entrada principal
pela Avenida Salvador Pinto, bem defronte ao Rio Paraguaçu. Antigo
depósito do Armazém Providencial, famoso estabelecimento de secos
e molhados, o imóvel adquirido pelo Grupo Burger recebeu a bênção
inaugural em outubro de 1989, após uma completa restauração e ganhar
uma nova fachada, imitando o padrão arquitetônico dos três armazéns
de fumo que a antiga Dannemann possuía nesta mesma avenida. Além
da fábrica de charutos, o belíssimo prédio abriga o Centro Cultural
Dannemann, promotor de relevantes eventos artísticos.
170
Capítulo
25
CRISES CUBANA E FAMILIAR
CRISES CUBANA E FAMILIAR
N
a escola européia predominavam os
Retrospectiva 62
charutos do tipo mediano, no formato
Na Carta de Informações de 1962,
torpedo. Recebiam uma cuidadosa prensagem para
editada pela Orgap – Organização e
compactação da torcida e manter a boa apresentação
Orientação Publicitária, que sob a forma de
visual. Porém, os charutos preferidos pelos europeus
um tablóide circulou encartada no jornal
A Tarde, edição de 24 de janeiro de 1963,
não conseguiram obter sucesso nos Estados Unidos,
saiu o seguinte registro sobre a Suerdieck,
cujo mercado foi amplamente dominado pelos charutos
assinado por Antonio Carlos Tavares:
É expressiva sua contribuição ao
cubanos, donos de uma padronagem diferenciada.
incremento das receitas cambiais
Os cubanos eram longos, no formato linheiro, com
do país, seja exportando charutos ou
torcida mais densa e dispensavam a prensagem para se
fumo em folhas.
Em algumas cidades do Recôncavo,
conservarem com visual perfeito. Como os americanos
a Suerdieck desempenha o papel
desenvolveram o hábito de morder a ponta, alguns
de promotora do desenvolvimento
regional, estimulando a cultura do
fabricantes colocavam um reforço no bico, para agüentar
fumo e dando emprego a milhares de
às mordidas. No capeamento usavam folhas mais
operários nas suas fábricas.
resistentes, do 2° ou 3° corte da planta, enquanto os
europeus eram capeados com folhas mais finas, pouco
resistentes às mordiscadas do estilo americano de fumar.
Os charutos de ponta da produção cubana, excelentes e caros, praticamente
se transformaram num monopólio indestrutível dentro do mercado americano.
Quando Fidel Castro desmontou o império econômico dos americanos em Cuba
e os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas, houve uma revoada dos
industriais e técnicos em charutos, que foram buscar alternativas fora da ilha. Por
trás de quase todos estavam os americanos do setor fumageiro. Em 1962, com a
expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos – OEA, e o conseqüente
bloqueio econômico, os charutos cubanos foram impedidos de entrar na América.
Geraldo Suerdieck vislumbrou então a oportunidade de suprir uma fatia do
mercado aberto pela falta dos cubanos. Chegou a fazer várias viagens aos Estados
Unidos, para articular negociações com os empresários do ramo importador e
distribuidor. A preferência dos consumidores pelos produtos da escola cubana não
seria uma barreira intransponível. Embora originária da escola européia, a Suerdieck
havia se universalizado, era dona de uma completa linha de produção, com todos
os tipos, bitolas e formatos, inclusive o linheiro, típico dos cubanos. Entre seus
charutos da classe nobre figuravam os padrões Corona e Panatela, muito apreciados
na América. Adicionalmente, com apelo mercadológico, a Suerdieck possuía treze
marcas com forte identificação cubana: Ouro de Cuba, Regalia Cubana e as onze
da série Havana.
171
01 - Havana Especial
A dificuldade estaria nas diferenças entre os fumos do
03 - Havana Flor
Brasil e de Cuba, ambos de qualidade superior, mas cada
04 - Havana Pequena Flor
qual com características particulares, bem definidas. As capas
05 - Havana Extra
dos cubanos eram claras, numa tonalidade variável entre o
06 - Havana Finos
castanho-claro e o amarelado, enquanto que os brasileiros de
07 - Havana Médios
capa clara puxavam para o acinzentado. No paladar também
08 - Havana Políticos
existia um diferencial. Os cubanos eram mais adocicados, já
09 - Havana Puros
os brasileiros apresentavam-se mais fortes no aroma. Mas por
10 - Havana Supremo
serem mais leves e digestivos, talvez a Suerdieck encontrasse
11 - Havana Supremo Luxo
nesses dois fatores uma boa vantagem para cair no gosto dos
americanos adeptos dos cubanos.
Todavia, as imposições dos controladores das grandes redes de distribuição no
varejo foram tão leoninas – exigindo inclusive o pagamento mensal de 40 dólares por
cada caixa exposta nas vitrines das tabacarias38 – que acabaram levando a Suerdieck
a desistir de entrar no segmento tradicionalmente dominado pelos cubanos. Havia
até uma má-vontade histórica: a taxação alfandegária para charutos do Brasil era
de US$ 1.92 por libra-peso e 10, 5% “ad valorem”, ao passo que o produto cubano
era de US$ 1.27 e 8,5 %, respectivamente.
Ernesto
Para colocar a sua
linha top no mercado
da clientela sofisticada, a
Suerdieck teria ainda de
efetuar investimentos
vultosos em propaganda
e promoções. Como
não havia nenhuma
g a ra nt i a d e q u e o
bloqueio econômico
s e r i a e fe t i va m e nte
duradouro, Geraldo
preferiu não arriscar,
receoso de que, numa
eventual suspensão das
sanções comerciais, os
americanos retornasGeraldo no gabinete de trabalho do Edifício Suerdieck. Nesta fase, já na faixa dos
sem imediatamente aos
40 anos de idade, as mulheres diziam que seus traços fisionômicos lembravam
William Holden, galã de Hollywood.
cubanos (a produção
foi estatizada por Fidel
02 - Havana Especial Luxo
38 A Suerdieck nunca havia comprado vitrine, nem no Brasil nem na Europa. Geraldo teve a desconfiança de que as
exigências faziam parte de um jogo comercial para impedir a difusão dos bons charutos brasileiros, salvaguardando o
espaço deixados pelos charutos de Cuba para os “novos-cubanos” da produção que estava sendo organizada nos países
do Caribe e até no território americano, na Flórida.
172
Castro), donos legítimos e incontestáveis da preferência dos consumidores.
À vista da complexidade do momento e das incertezas futuras, com dois tipos de
charutos cubanos (os produzidos na ilha e os que já estavam sendo fabricados fora de
Cuba, com os mesmos nomes de marcas), a Suerdieck não quis entrar na disputa por
uma parte do mercado nobre, uma faixa toda especial nos Estados Unidos. Optou e
priorizou seus esforços para o segmento dos charutos intermediários, onde já vinha
alferindo resultados considerados satisfatórios. Os charutos baianos, produzidos
com fumo 100% puro, o que não acontecia com a maioria das marcas de fabricantes
concorrentes neste espaço, estavam vendendo bem. Com preços vantajosos, graças
à política de incentivos adotada pelo governo brasileiro, que isentou as exportações
do pagamento do IPI, a Suerdieck conseguiu dobrar nos Estados Unidos as vendas dos
intermediários. Através de dois novos agentes, Pan American Cigar (linha Suerdieck) e
ALL-Tropic Cigar (linha Dannemann), as vendas anuais passaram de 3 para 6 milhões
de charutos.
Numa das viagens, ao tomar um táxi em Nova Iorque, Geraldo viu uma caixa de
Odalisca, uma das marcas intermediárias da Suerdieck. Puxou conversa, perguntando
ao motorista:
— O senhor é fumante de charutos?
— Sim!
— E são bons os charutos desta caixa?
— Bons e baratos. Agora só compro esta marca!
DIFERENÇAS BÁSICAS
CHARUTOS CUBANOS
CHARUTOS BAIANOS
- Ao gosto dos americanos
- Formatos longos
- Capa clara
- Torcida mais densa
- Fumo mais forte
- Digestão mais pesada
- Gosto puxado ao adocicado
- Aroma suave
- Ao gosto dos europeus
- Predominância dos médios
- Capa escura
- Torcida menos compacta
- Fumo mais suave
- Digestão mais leve
- Sabor mais picante
- Aroma mais forte
Fumante americano
Fumante europeu
Introduz na boca de 2 a3 centímetros e morde a ponta. Os
charutos são duros, com torcida
compactada.
Não morde o charuto, que é mais
macio em relação aos do padrão
cubano, pois contém menos
fumo.
O ano de 1962 foi assinalado também pala candidatura de Nicolau Suerdieck
a deputado estadual, pelo Partido Democrata Cristão – PDC, empunhando como
reduto eleitoral a bandeira de Maragogipe. Aí, surgiu um desentendimento com o
irmão mais velho, que não permitiu o uso da máquina do império Suerdieck. Por
herança do pai, que dizia que “política e trabalho não se combinam”, Geraldo seguia
173
a linha rígida de manter as empresas à margem de qualquer envolvimento político.
Havia inclusive uma circular padrão, sempre emitida nos anos eleitorais.
CIRCULAR
REF.: ELEIÇÕES
Prezados (as) Senhores (as),
Por tradição, a nossa Sociedade não tem cor ideológica, nem partidos
ou candidatos. Porém, confia que o vasto contingente de pessoas - que
depende do progresso da indústria charuteira - saiba realmente escolher
os homens certos, com capacidade de levar a Pátria a um caminho de
prosperidade e segurança social.
Assim, pedimos tão somente que todos examinem, com bastante
cuidado e responsabilidade, os nomes dos candidatos que irão merecer
a confiança dos votos da classe trabalhadora.
Informamos ainda que responsabilizaremos pessoalmente os
dirigentes, chefes e auxiliares que, por ventura, promoverem campanhas
ou atos políticos nos recintos das fábricas, ou noutros estabelecimentos
ligados aos nossos interesses empresariais. Dentro dos locais de trabalho
exigimos total neutralidade.
Atenciosamente,
Geraldo Mayer Suerdieck
Presidente
Detentora de um poder quase feudal em Maragogipe, caso fosse participar da
sua vida política a Suerdieck elegeria todos os prefeitos, um após o outro, pois sua
influência estaria acima de qualquer partido político. Juntando a força do operariado
das empresas, elegeria também um deputado estadual e quiçá um federal. Mas,
o Grupo Suerdieck nunca fez isto, sempre se manteve neutro e eqüidistante dos
processos eleitorais, deixando seus empregados totalmente livres, de qualquer tipo
de pressão, para votarem nos candidatos que desejassem. E no cumprimento deste
preceito habitual, na porta das três fábricas havia uma placa famosa:
É proibido falar ou tratar de
política dentro do recinto fabril.
174
Nicolau não conseguiu se eleger e jogou a culpa no irmão, abalando as relações
entre ambos, que já andavam um pouco azedadas39. A origem tinha sido a preferência
de Geraldo pelo caçula, Fernando, que respondia pela presidência durante suas
viagens. Nicolau, o segundo na hierarquia etária, não escondia o ciúme da rejeição.
O presidente justificava a escolha como opção técnica, pois Fernando demonstrava
melhor capacitação profissional.
Era voz corrente que se a família quisesse ter um deputado
estadual, a escolha deveria recair em Fernando Suerdieck, o
único dos irmãos com três qualidades fundamentais no meio
político: jogo de cintura, simpatia e carisma popular, sendo
inclusive muito querido na região fumageira. Ademais, como
era bem articulado na Associação Comercial da Bahia e na
Federação das Indústrias do Estado da Bahia, poderia obter
importantes apoios das classes patronais. A eleição de Fernando
seria fácil, favas contadas.
À vista do público e das famílias Suerdieck e
Ribeiro, Geraldo e Aída formavam um par perfeito,
invejado até por outros casais, quer pela jovialidade
como pela posição social. Ambos mantinham suas
divergências sob segredo e, por isso, às vésperas das
“bodas de porcelana”, quando circulou a informação da
dissolução do casamento, a notícia ecoou como uma
bomba, deixando os familiares e amigos incrédulos.
Mas, o que chocou mais ainda foi a confirmação do
novo casamento de Geraldo, um mês depois. Em
que pese o seu prestígio e poder econômico, uma
significativa parcela da elite soteropolitana, fechada
Aída, Geraldo, Julinha e Fernando Suerdieck.
e conservadora, virou-lhe as costas. Geraldo havia
enviado cartões aos amigos da sociedade, participando o casamento no exterior. O
único que respondeu foi Mário da Fonseca Fernandes de Barros.
Sofrendo sutis discriminações, e sentindo-se sem ambiente, Geraldo pediu para
sair do Rotary Clube da Bahia, onde havia ingressado com toda pompa, em 6 de
novembro de 1952. Na verdade houve repulsa da sociedade ao segundo casamento.
Muitos casais ficaram solidários com Aída, cuja família gozava de tradição social, uma
vez que seu pai, Antônio da Costa Ribeiro, tinha sido um dos fundadores do Clube
Baiano de Tênis, o mais aristocrático de Salvador, pólo da fina flor social.
39 Azedaram de vez mais tarde,com um novo ingrediente político no cardápio. Nicolau monitorou uma campanha contra
o gerente da fábrica de Maragogipe, acusando-o de estar disseminado, na surdina, política partidária entre o operariado.
Para o lugar de Raimundo Eloy de Almeida, o gerente afastado, o próprio Nicolau se candidatou. Tempos depois, Geraldo
teve informações e a certeza de que o novo gerente também estava contrariando as normas antipolíticas. Para provar que
“o pau que deu em Chico também batia em Francisco”, o presidente agiu com rigor exemplar, afastando o irmão da fábrica.
175
Voltaire Fraga
Ralf Kircher
A partir da esquerda: Antônio e Alice (pais de Aída), Aída e a filha Solange, Tibúrcia
e o filho Geraldo. Agosto de 1958.
Desenvolta,
comunicativa e muito
bem-relacionada,
Aída havia dado, antes
mesmo da separação,
uma pista de que o
casamento agonizava,
mas ninguém percebeu
o alcance da decisão.
Abruptamente,
abandonou o nome
de casada, Aída Maria
Ribeiro Suerdieck,
passando a assinar
Aída Maria Ribeiro, ou
simplesmente Aída
Ribeiro40.
Geraldo e Aída no Rio de Janeiro, em 1952, num evento em homenagem ao casal
Kurt e Hildegard Stumm, à direita.
Fomos muito felizes durante longos anos.
A falta de francos entendimentos,
necessários a qualquer casamento,
levaram-nos à separação afetiva e legal.
Geraldo Meyer Suerdieck
Em 1962, com o casamento já em vias do desquite, Geraldo investigou a situação
conjugal de Maryon. O resultado encheu-lhe de entusiasmo e esperanças. A namorada
dos tempos da Alemanha havia se divorciado do americano e se encontrava residindo
40 Geraldo e Aída separaram-se oficialmente em novembro de 1962. Três meses antes, no dia 8 de agosto, juntamente
com Maria Augusta de Oliva Morgenroth e Mariá Menezes Silva, Aída Ribeiro fundou, com 280 alunas, a Escola de Ballet
do Teatro Castro Alves – Ebateca. Foi a primeira escola de balé clássico da Bahia e do Nordeste com formação acadêmica,
sendo também a primeira da América do Sul a aplicar o método da Royal Academy of Dancing, de Londres.
176
na Cidade do México, onde
abrira uma escola de balé. Não
perdeu tempo, pediu que Else
Niemann fizesse uma sondagem
e agendasse um encontro
entre ambos. Maryon sinalizou
positivamente, mas preferia
revê -lo na Alemanha, em
dezembro, quando iria visitar o
túmulo do pai. Finalmente, após
vinte e três anos, quando teve
de fugir da Alemanha, por causa
do perigo da guerra iminente,
Geraldo reencontrar-se-ia com
o grande amor da juventude, e
justo em Hamburgo, onde tudo
havia começado. A espera seria
de quatro meses, quatro longos
meses, para o tão sonhado
momento, que certamente seria
celebrado na cervejaria Zillertal
e, com sorte, com chope servido
pela garçonete Cilly, testemunha
do namoro iniciado no primeiro
dia de 1938.
Porém, neste ínterim, quis
o destino, sempre o destino,
reservar nova surpresa. Desta
vez não foi a ameaça da eclosão
de uma guerra, mas a explosão
recorte de jornal dos EUA, enviado por Maryon à Else Niemann, e
do coração. Geraldo foi tomado Este
que acabou nas mãos de Geraldo, deixou-o com uma imensa vontade
de uma súbita e arrebatadora de reencontrar a ex-noiva.
paixão por uma outra alemã,
dezoito anos mais jovem do que ele. Resultado, quando chegou dezembro, ao invés
de comprar passagem para a Alemanha, onde Mayron novamente o aguardava,
a viagem foi para Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, onde se casou com Gisela Huch.
Autógrafo de Maryon na primeira página de um romance escrito por Lo
Marx-Lindner e publicado em 1935, pela Verlag Dr. Selle-Eysley AG, de
Berlim. A obra é uma premonição do que aconteceria com ela. O título,
traduzido por Geraldo, é Coração Cor de Lacre.
177
O VERANEIO NA CHÁCARA SUERDIECK
Ambiente de fazenda.
Vista da casa.
O leão ornamental, atrás de
Solange Suerdieck, segurando o
símbolo do império charuteiro.
A piscina.
178
Capítulo
D
26
GISELA E NEUSA
GISELA E NEUSA
e família católica, nascida em Hannover, Gisela Hedwig Franziska
Huch era uma moça carismática, bonita e muito inteligente, que
gostava de jogar tênis e tocar piano. Falava com fluência o inglês e o holandês,
este último aprendido em Roterdã, onde foi trabalhar. No grupo N.V. Koch & Co’s
Tabakshandel, sócio na Exportadora de Fumos Suerdieck e na construção do Edifício
Suerdieck, Gisela destacou-se de tal forma que foi enviada para assumir em Salvador
o cargo de secretária na diretoria da Exportadora. Chegou em outubro de 1958,
mês em que completou 22 anos. Apesar de jovem, demonstrava amadurecimento
precoce, forjado na infância sofrida, nas dificuldades da II Guerra e no pós-guerra
numa Alemanha arrasada.
No retorno da lua-de-mel, Geraldo ofereceu uma requintada recepção na Chácara
Suerdieck, em Brotas, onde passou a residir. A festa, para apresentação da nova
esposa, foi um sucesso em termos de público. Gisela, a figura central, brilhou como
se fosse uma grande estrela do cinema. Impressionou a todos pelo porte físico, pela
simpatia, pelo desembaraço e pela elegância. A festa serviu também para jogar
Geraldo definitivamente numa outra fase de sua vida social, de rompimento com os
laços do passado, pois nenhum dos casais da alta sociedade soteropolitana atendeu
aos convites. Compareceram,
em grande número, apenas as
pessoas que mantinham vínculos
comerciais e financeiros com o
Grupo Suerdieck.
Com Gisela, Geraldo passou
a viajar com muita freqüência
pela Europa, mesclando
negócios com turismo. Para os
deslocamentos, o casal comprou
um luxuoso automóvel Mercedes
Benz. Das inúmeras viagens
profissionais, a mais marcante foi
a da Alemanha Oriental, onde os
Geraldo e Gisela no escritório da Suerdieck, em 1964.
dois foram fechar a compra de
um equipamento industrial, com pagamento em fardos de fumo. Ao atravessarem
o Muro de Berlim, os policiais da zona comunista retiveram os documentos e o
179
dinheiro do casal, que teve como
guia a intermediária nos contatos.
Os Suerdieck participaram de
uma reunião com um comitê
governamental, composto de um
comissário político, um integrante
do ministério da alimentação e
um representante da indústria
d e f u m o s. A s u r p re s a q u e
tiveram aconteceu no intervalo
das negociações, quando os
membros do comitê se retiraram,
deixando Geraldo e Gisela a sós. Aí,
surpreendentemente, a cicerone,
uma berlinense oriental, passou
discretamente um bilhete, pedido
para não decidirem nada em
voz alta, que se entendessem
por escrito. Havia microfones, a
conversa toda seria ouvida pelo
comitê reunido na sala ao lado.
Da mesma forma que a paixão
explodiu, de maneira rápida e
Geraldo e Gisela, na primeira foto com os filhos, Gisela Elisabeth
(Gisinha) e Geraldo Andreas (Dino), nascidos em Hamburgo, a 4
inesperada, o casamento também
de julho de 1966.
acabou. Passada a fase da euforia
romântica, Geraldo deixou de alimentar o principal desejo de Gisela, que além de
esposa era o braço direito do presidente nas questões internacionais. Ela não abria
mão de continuar na vida dividida entre o Brasil e a Alemanha, onde comprara
uma casa na Brentanostrasse 11, no elegante bairro de Hochkamp, em Hamburgo.
Julgando que a esposa sonhava muito alto, sem levar em conta que a presença do
marido no Brasil era indispensável, em caráter permanente, Geraldo decidiu por
um ditado alemão: “É preferível um fim com choque, que um choque (sofrimento)
sem-fim”. Aos amigos Kurt Stumm e Erico Esch, da Casa Condor Importadora, do
Rio de Janeiro, Geraldo deu a seguinte explicação, por carta:
Em comum acordo, sem nenhum problema, resolvemos separar-nos
como casal, já que tínhamos constantes aborrecimentos, principalmente
eu, que amargurava as irritações pelo modo muito autoritário e
independente da Gisela. Tentamos, inúmeras vezes, já pela existência dos
gêmeos, que as coisas pudessem se acomodar. Continuamos bons amigos
e ela se dedica, cada vez mais, aos negócios em comum na Europa. Foi
melhor assim, para todos.
180
O casamento durou quatro anos e nove meses. Em Salvador o casal residiu
em Brotas, na casa de veraneio dos tempos de Aída. Como a segunda esposa
gostava do mar, Geraldo comprou uma lancha Carbrasmar de dois motores,
registrada com o nome Peixe
Espada, que foi utilizada em
diversos passeios pela Baía
de Todos os Santos. O marido
mandou também construir
um nova casa de veraneio,
à beira-mar, em Morro de
São Paulo, na ilha de Tinharé.
Mas Gisela não chegou
a usufruir do paradisíaco
recanto, esteve lá uma única
vez, na fase das obras. A
separação foi amigável,
tendo Gisela adquirido o
direito de continuar usando o À esquerda a casa que Geraldo construiu em Morro de São Paulo.
sobrenome Suerdieck e a permanecer na Europa como procuradora das organizações
Suerdieck e como administradora das empresas na Alemanha e Suíça.
AS EMPRESAS NA EUROPA
Numa sociedade com Burger Söhne GmbH & Co. KG, para
comercialização na Europa de charutos mecanizados produzidos nas
fábricas de Burger, utilizando fumos fornecidos pela Suerdieck S.A. e
ostentando marcas da Suerdieck, foram criadas na Alemanha, em agosto
de 1962, duas empresas:
1.Suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH, com sede em Freiburg,
Breisgau.
2.Suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH & Co.KG, com sede em
Emmendingen, Baden.
Em sociedade com A.Dürr & Co. AG, antigo representante da Suerdieck
na Suíça, foi criada em janeiro de 1963 a Surta AG, com sede em Zurique,
Suíça. A empresa assumiu o controle da distribuição na Europa de todos
os charutos produzidos no Brasil pela Suerdieck.
Para usufruir dos benefícios proporcionados pelo porto livre de
Hamburgo, foi criada em agosto de 1969 a Suerdieck GmbH, com sede em
Hamburgo e sem a participação de qualquer sócio europeu. O surgimento
desta empresa implicou na paulatina desativação da Surta, pois o depósito
de Zurique foi transferido para o porto hamburguês.
181
GISELA
Geraldo Suerdieck
Geraldo Suerdieck
Num recanto da Riviera francesa.
A GISELA QUE CONHECI
Sobressaía-se pela imponência,
do porte físico e da beleza facial.
Loira e esguia,
olhar magnético e fascinador.
Na Chácara Suerdieck.
Mas se impôs no trabalho pela
inteligência e competência.
Tinha presença firme e marcante,
com grande poder de liderança.
Sem esconder o perfil de mandona,
sabia ser cativante e simpática.
Gilberto Fontes de Lacerda
Colega na Exportadora Suerdieck
Com Gisinha.
182
Com os filhos.
Desfeito o casamento, Geraldo teve um romance relâmpago com uma jovem
executiva de uma importante empresa de Salvador. Com ela passou um grande
aperto. Numa tarde ensolarada, do calorento verão de 1968, foram passear na orla
marítima, donde, depois de beberem água de coco na beira da praia, seguiram para
um local deserto, junto ao campo do Esporte Clube Bahia. Após uma ardente sessão
de abraços e beijos, partiram para as vias de fato, no banco traseiro do automóvel.
Um larápio, que espreitava à distância, aproveitou-se do instante do clímax carnal
para surrupiar todos os pertences, deixando os dois literalmente pelados. Durante
uns quinze minutos, Geraldo permaneceu parvo, paralisado, sem saber o que fazer
para sair daquela situação constrangedora. Momento como aquele somente tinha
experimentado há vinte e nove anos, na Alemanha, durante uma excursão pelo
Rio Reno, com Maryon. Encontravam-se dentro d’água quanto, repentinamente,
apareceu um sisudo guarda segurando as roupas deles e informando que era
proibido tomar banho nu e fazer o que estavam fazendo. A diferença era que, naquela
ocasião, os protagonistas eram dois jovens desconhecidos, mas agora a situação era
bem diferente, envolvia pessoas importantes no meio empresarial, principalmente
ele, industrial famoso, com quase cinqüenta anos de idade. Não havia solução, teriam
que circular pelas ruas nus dentro do carro. Por isso, decidiram esperar pela noite alta,
para minimizar o vexame. Porém, ao entardecer, ocorreu a Geraldo a idéia de fazer
o reconhecimento da área em redor. Após uma caminhada de uns cem metros, em
que se fundiram temor e vergonha, ele avistou um trouxa junto duma moita. Vibrou
de alívio ao constatar serem as roupas do casal, abandonadas pelo ladrão, que, para
183
a felicidade de ambos, levou apenas os documentos e dinheiro, além dos brincos,
óculos e um colar da moça. No outro dia Geraldo presenteou-a com novos adornos.
Os dois casamentos desfeitos, num período de cinco anos incompletos,
custaram a Geraldo 75% do patrimônio pessoal4 1. Novamente livre e desimpedido,
reconhecendo erros e acertos nas relações anteriores, resolveu, aos 49 anos, casarse pela terceira vez, na tentativa de encontrar na nova companheira um amor
correspondido e sincero. A eleita foi uma colaboradora das mais próximas, Neusa
Pinto Cerqueira, que trabalhava no departamento de controle econômico, ligado
diretamente à presidência. Gerenciado por Joseph Hoecherl, este setor, o “coração
da empresa”, conforme classificação do presidente, tinha entre suas atribuições a
determinação do pricing dos produtos, ou seja, o custo de cada marca de charuto,
através de uma planilha dos encargos financeiros, fixos e variáveis, incidentes na
formulação dos fumos, na fabricação, no acabamento, no despacho, na mão-de-obra
e com os impostos. Depois de conhecido o pricing, aplicava-se a chave determinadora
do lucro e dos preços para distribuidores e consumidores. A Suerdieck controlava
o preço nacional por meio de tabelas enviadas para todos os pontos de vendas.
Com isso, defendia o consumidor contra possíveis varejistas inescrupulosos. Havia
inclusive um sistema de fiscalização nas principais praças do território brasileiro.
Neusa provinha de uma tradicional família de Conceição do Almeida, município
da zona fumageira baiana. Através da irmã, Ruth, casada com Wolfgang Suerdieck,
ingressou na empresa em abril de 1959, aos 22 anos de idade, para trabalhar como
auxiliar de escritório, no departamento de pessoal, acionistas e seguros. Com 1,58 de
altura, magra e aloirada, comunicativa e irrequieta, nutria uma verdadeira adoração
por Geraldo. Vivia afirmando às colegas que o seu maior sonho, a realização da sua
vida, era se casar com o presidente. Mas não imaginava que este desejo pudesse
realmente ser materializado. Afinal, o ídolo estava casado com Aída e quando houve
a separação entrou imediatamente num novo casamento.
Com a experiência de dois matrimônios, Geraldo adotou com Neusa o “jogo
do amor”. Toda noite, já em trajes menores, o casal participava de uma partida de
tranca, um jogo de cartas onde se convencionou que o perdedor tomaria a iniciativa
de afagar carinhosamente o vencedor. O que parecia uma brincadeira tinha no
fundo um caráter conciliador e romântico, desanuviando os aborrecimentos que
por ventura existissem. O jogo deu certo, contribuindo para uma convivência mais
harmoniosa. Evitava que as tensões do dia-a-dia fizessem morada no quarto do
casal. Enfim, todo e qualquer desentendimento, tão comum na vida conjugal, era
sepultado pela tranca.
41 Na partilha dos bens com a primeira esposa, a casa da Graça, num dos endereços mais nobres da cidade, na Rua
Manoel Barreto 18, esquina com Antônio Rocha, ficou com Aída, que a vendeu ao banqueiro Asdrúbal Pedreira Brandão.
Projetada na concepção das missões mexicanas, desfrutava do conceito de ser uma das mansões residenciais mais
requintadas de Salvador. Tudo de primeiríssima qualidade, utilizando materiais das melhores procedências, com mármores
e vitrais importados, alizares, caixilharias, janelas e portas em jacarandá maciço. Os gradis de segurança e ornamentais
foram confeccionados no Rio de Janeiro, com ferro rebatido e trabalhado no estilo medieval. O mobiliário era também
sofisticado: móveis em jacarandá nobre, louças, pratarias e cristais de renomados fabricantes. Enfim, bom gosto e luxo
à altura da posição econômica e social do casal Suerdieck.
184
Capítulo
Q
27
PREOCUPAÇÕES
PREOCUPAÇÕES
uando começou a trabalhar com o pai, Geraldo propôs a compra
de uma chácara que se encontrava à venda no valorizado bairro da
Graça, para transformá-la num loteamento. Seria o ingresso da Suerdieck no ramo
imobiliário, uma atividade ainda bastante tímida em Salvador. O patriarca não
concordou, dizendo que os negócios da família deveriam sempre ficar restritos ao
âmbito do fumo e do charuto. Tempos depois, nova investida, desta feita propondo
o ingresso na indústria de cigarros. Aproveitando a rede nacional de distribuição
de charutos, a Suerdieck poderia levar substancial vantagem sobre a concorrência,
na época bem diversificada e regionalizada, ainda sem o domínio predador da
Souza Cruz. Novamente Gerhard descartou o empreendimento, com o seguinte
argumento:
— Cigarro não é indústria do capital trabalho!
Geraldo sabia o significado desta colocação. Referia-se ao que estava acontecendo
nos países desenvolvidos, onde a indústria cigarreira caía no controle dos monopólios
formados pelo capitalismo internacional, ao qual o capital comercial dos pequenos
grupos nacionais não podia resistir. Gerhard previa que este fenômeno não tardaria
a aportar com força no Brasil, decretando o fechamento de dezenas de fábricas de
cigarros. Por isso, desaprovava investimentos neste segmento do fumo. Depois, nos
últimos meses de vida, numa visão futurista, confidenciou ao sucessor:
— Crescemos muito, acho que está na hora de sairmos deste negócio de charutos!
No entanto, jovem e dotado de uma força de trabalho incomum, Geraldo não
temia o gigantismo. Inclusive, iria priorizar a formação de um conglomerado
empresarial para dar suporte e consolidar o império dos charutos. Faria investidas
até no setor financeiro, tornando a Suerdieck acionista de peso no Banco Comercial
da Bahia, onde era representada no quadro diretivo por Fernando Suerdieck. Como
também possuía significativa participação no Banco Mercantil Sergipense, Fernando
foi o inspirador da fusão entre os dois estabelecimentos, dando origem ao Banco
Comercial do Nordeste, com sede em Salvador e 42 agências distribuídas por nove
estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Fernando ficou como vice-presidente da Diretoria
e Geraldo como membro do Conselho Diretor.
Mas, antes da investida na área financeira, Geraldo passou por um instante de
profunda preocupação. No segundo domingo de agosto de 1955 encontrava-se
na Fonte Nova quando recebeu a notícia do fechamento da Costa Penna, a mais
185
antiga fábrica de charutos em funcionamento, com 104 anos de produção. Com a
péssima informação, que o levou a perder o interesse pelo jogo entre Vitória e Bahia,
foi para casa pensando na crise que se abatera sobre duas importantes indústrias,
pois três meses antes a Dannemann também havia encerrado definitivamente suas
atividades. Dos três grandes produtores de charutos restava apenas a Suerdieck.
Embora estivesse num momento de pujança, em excelente situação econômicofinanceira, o presidente receava os reflexos das desconfianças que naturalmente
brotariam entre fornecedores, clientes e, principalmente, no setor bancário. Ele sabia
dos boatos que emergeriam e das indagações especulativas, tais como:
— E a Suerdieck, como vai de saúde?
— A Suerdieck vai agüentar até quando?
As falências da Dannemann e Costa Penna, respectivamente em abril
e agosto de 1955, lançaram um facho de luz duvidosa sobre o futuro da
Suerdieck.
Geraldo Meyer Suerdieck.
Estudos da Suerdieck indicavam que a configuração dos consumidores brasileiros
de charutos estava assentada no seguinte perfil:
a. Fumantes da Classe A (alta).................................... 10%
b. Fumantes da Classe B (média)............................... 60%
c. Fumantes da Classe C (proletária)........................ 30%
Para atender esta estratificação, a Suerdieck produzia seis linhas de charutos,
duas para cada classe social, a saber:
a. Nobre e Alta para........................................................... Classe A
b. Intermediária Alta e Intermediária para ............... Classe B
c. Popular I e Popular II para........................................... Classe C
Cenas como esta, em que pessoas aparecem fumando
charutos, foram ficando raras. A foto, de 1952, foi feita num
sítio em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Até
dez anos depois, era comum em festas de aniversários ou
confraternizações, em ambientes fechados ou abertos, os
anfitriões deixarem caixas abertas para os convivas se servirem
e fumar charutos. Fazia parte da etiqueta do bem-receber.
Esta segmentação pelo poder aquisitivo
permaneceu praticamente imutável durante
décadas. As mudanças observadas nos
hábitos dos consumidores foram mínimas,
sem impactos nos percentuais de cada classe.
As pequenas alterações representavam casos
de ascensão social, daqueles que conseguiam
melhorias no padrão de vida, de fumantes
que pulavam da Classe C para B e desta para
A, mas sem muita representatividade nos
índices do perfil econômico.
A partir da inauguração do Edifício
Suerdieck, símbolo visual do império
186
MARCHA DA INFLAÇÃO
ANO
%
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
24,9
6,6
36,3
39,5
30,6
48,0
50,9
82,0
91,8
34,6
38,8
Fonte: Banco Central do Brasil/FGV
Um pescador de Salvador no hábito diário de fumar charutos
populares, facilmente encontrados em qualquer armazém ou
botequim de esquina de rua. A foto é de 1953.
charuteiro, a economia brasileira começaria a sofrer profundas transformações,
que iriam influir no futuro da empresa. No período entre 1956 e 1966 seria selada
a sorte da Suerdieck como indústria do capital trabalho.
A marcha da inflação foi determinante no paulatino empobrecimento das
classes B e C, que sustentavam 90% do consumo nacional de charutos. Aliado a este
fator, responsável pela queda nas vendas, ocorriam, paralelamente, os seguintes
fenômenos:
1.Os charutos ficavam cada vez mais caros, comprimindo a faixa consumidora;
2.O perfil do fumante de charutos no país era de homens de uma faixa etária
acima dos 40 anos, já havendo até uma sentença: “Para cada fumante da terceira
idade que falecia não havia substituto”. Portanto, sem renovação, a clientela de
charutos minguava;
3.Os jovens aderiam ao cigarro, um produto barato, mais barato do que os charutos
populares;
4.As críticas cada vez mais intensas contra os charutos, nos recintos públicos
e privados, começaram a inibir os fumantes tradicionais. Até em casa os
charutófilos começaram a ser perseguidos. Esposas e filhas combatiam o charuto,
reclamando do cheiro ativo e da cinza que caía nos tapetes, poltronas, etc.
Em 1964 o quadro das exportações encontrava-se numa fase ascendente, com
grandes embarques de charutos para Argentina, Estados Unidos, Canadá, África do
Sul e Europa. Situação inversa vivia o mercado interno, onde as vendas das marcas
básicas caíam em todos os estados, com exceção apenas do Maranhão. O retrospecto,
a partir de 1960, mostrava um vertiginoso declínio no consumo, atingindo um patamar
assustador. Pela primeira vez na história da empresa, em tempos de paz mundial, a
Suerdieck via nuvens negras aproximarem para colocar em xeque o seu futuro. Para
enfrentar a ameaça, pois o mercado nacional era o sustentáculo principal, o presidente
promoveu, no segundo semestre de 1964, uma reunião com dez executivos. Debaixo
do maior sigilo, o problema foi discutido e a todos solicitou a apresentação de um
parecer individual acompanhado com sugestões que iriam subsidiar a elaboração de
187
um plano emergencial
visando a recuperação
das vendas nacionais, já
a partir de 1965. Tudo foi
analisado nos mínimos
detalhes: custos de
produção, estatísticas
regionais, logística de
comercialização, custos
dos charutos para os
consumidores, perfil
dos fumantes, principais
marcas, promoções,
publicidade, etc.
Geraldo Meyer Suerdieck discursando no Rio de Janeiro, na abertura do coquetel
Com relação ao item
oferecido pela Suerdieck à imprensa, para apresentação dos charutos das seleções
publicidade, chegou-se
Ouro, Prata e Rubi, numa campanha de marketing desenvolvida pela McCann
Erickson, em 1961.
à conclusão que o alto
investimento feito em
1961/62, numa campanha nacional preparada pela McCann Erickson, não havia dado
o retorno esperado. Tinha sido inócuo o marketing da promoção dos charutos em três
categorias: Seleção Ouro, Seleção Prata e Seleção Rubi. Mas a agência, num informe
confidencial, assinado por Ildefonso de Paula Carvalho, levou ao conhecimento de
Geraldo um diagnóstico de pesquisa: “O que se observa é que não há crença no futuro
do charuto, no Brasil”.
O grupo de executivos da Suerdieck analisou tudo, especulou até sobre a qualidade
dos charutos, tendo sido questionada a introdução do fumo Arapiraca, cultivado
em Alagoas, que alterou o gosto original de algumas marcas consagradas, fator que
estaria disseminando uma imagem de quebra na qualidade dos produtos. Enfim,
tudo foi passado a limpo, para, no final, o presidente deliberar sobre os caminhos a
serem seguidos:
1.Importação de máquinas para elevação da produtividade dos charutos que
pudessem ser vendidos a preços populares;
2.Redução do número de marcas de charutos, mas conservando-se as
preferências regionais;
3.Incentivo à aposentadoria dos que já tivessem tempo de serviço para tal
benefício;
4.Redução, ao máximo possível, do número de operários do sexo feminino, cujo
custo era superior ao da mão-de-obra masculina;
5.Desativação paulatina da fábrica de Cachoeira, para, num prazo de dois anos,
operar exclusivamente como depósito de beneficiamento de fumos destinados
às unidades fabris de Maragogipe e Cruz das Almas.
Mas o fato mais relevante foi a decisão de entrar forte no mercado das cigarrilhas,
188
na suposição de que este segmento seria o passaporte para os jovens serem atraídos
para os charutos. Para viabilizar as cigarrilhas, cujo processo produtivo assemelhavase ao dos cigarros, a Suerdieck já havia inclusive adquirido, em 1961, e levado para
Cruz das Almas, o maquinário de uma pequena fábrica localizada em Minas Gerais,
na cidade de Astolfo Dutra, pertencente à Indústria de Fumos e Cigarros Plínio
Linhares Ltda.
DIRIGENTES ENVOLVIDOS NO TRABALHO
Geraldo Meyer Suerdieck..................................fumante de charuto
Fernando Meyer Suerdieck...............................
,, ,, ,,
Antonio Eloy da Silva..........................................
,, ,, ,,
Herbert Stern.........................................................
,, ,, ,,
Lourival Vivas.........................................................
,, ,, ,,
Luiz Schroeder*..................................................... fumante de cigarros
Joseph Hoecherl...................................................
,, ,, ,,
Epaminondas Bandeira......................................
,, ,, ,,
José Ruas Boureau...............................................
,, ,, ,,
Wolfgang Meyer Suerdieck..............................
,, ,, ,,
Nicolau Meyer Suerdieck................................... não-fumante
*Chefe das vendas no Brasil
Em 1965 Nicolau teve uma conversa com o presidente onde teria externado o
seu ponto de vista:
— Charuto não é mais um bom negócio, vamos vender a empresa e aplicar o
dinheiro numa outra atividade empresarial!
Geraldo desmentiu que tenha havido esta manifestação. Porém, na Suerdieck não
era nenhum segredo que Nicolau vivia apregoando que o cigarro estava roubando
os fumantes do charuto.Esta postura deixava o presidente profundamente irrritado,
provocando um distanciamento cada vez maior entre os dois irmãos. Mas, no íntimo,
Geraldo sabia que Nicolau não estava dizendo uma inverdade. O cigarro e os efeitos
da corrente inflacionária na economia brasileira debilitavam a saúde financeira da
empresa, direcionando o presidente na busca de um parceiro internacional para
poder enfrentar a crise que se aproximava ameaçadoramente. E foi encontrá-lo
justamente num grupo cuja força residia na indústria dos cigarros.
A grande maioria fuma charuto
Quase na totalidade,
por diletantismo e não por vício.
a nova geração não fuma charutos,
Por esta razão o consumo está sendo
se dedica ao vício do cigarro.
reduzido à medida que o preço do
Joseph Hoecherl
charuto vai crescendo.
José Ruas Boureau
189
Geraldo conversando com jornalistas.
Os irmãos Geraldo e Fernando ladeados por dois correspondentes da agência de notícias Reuters.
190
Capítulo
28
ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS
ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS
F
oi Gisela Huch Suerdieck a articuladora da associação com
Carreras Limited, multinacional sediada em Basildon, GrãBretanha, cujo principal dirigente chamava-se Robert Wickenden. Em setembro
de 1965 ela levou o marido para o início das conversações. O casal foi recebido
na Inglaterra com pompas e cumpriu uma agenda preparada pelos britânicos:
ITINERARY FOR MR. AND MRS. GERALDO SUERDIECK
21st September
06.16 p.m. Arrive London Airport.
06.30 p.m. Met by car and driven to London Hilton.
22nd September
09.30 a.m. Met by Mr. J. Wood at London Hilton and taken to Baker Street.
10.15 a.m. Meet Mr. Wickenden in his Office at Baker Street.
10.30 a.m. Meet Mr. Plumley, Mr. Bulpitt and Mr. Blair.
01.00 p.m. approx. Lunch with Directors.
02.00 p.m. approx. Meeting with Mr. Wickenden in his Baker Street Office.
06.00 p.m. and afterwards. Refreshments and dinner with Mr. Wickenden and Mr. Wood.
23rd September
08.30 a.m. To be met by car at London Hilton and luggage transferred to the Savoy Hotel.
09.00 a.m. Driver to supply transport to Basildon.
10.30 a.m. approx. Discussions with Mr. Wickenden, Mr. Clarke and Mr. Wood in Mr. Wickenden´s Basildon Office.
01.00 p.m. Lunch in Director´s Dining Room, Basildon, with C.R.M.D. Directors and Mr. Clarke and Mr. Wood.
02.00 p.m. approx. Further discussions with Mr. Wickenden, Mr. Clarke and Mr. Wood to be followed by a factory tour.
Evening: Dinner with Mr. and Mrs. Wickenden and Mr. and Mrs. Wood at the Heybridge Country Club.
11.00 p.m. approx. Mr. Wickenden´s driver to supply transport to Savoy Hotel for Mr. and Mrs. Suerdieck.
191
Pelo acordo, formalizado em 3 de maio de 1966, Carreras assumiu 50% das
ações da Suerdieck, com direito de colocar dois executivos ingleses na diretoria. Os
escolhidos foram James Wood e Jakob Mulder, que passaram a residir em Salvador.
Geraldo Meyer Suerdieck continuou na presidência.
192
Carreras tinha sido atraído para o Brasil com um olho no mercado dos cigarros,
seduzido pelo fato de uma das empresas do grupo, Eloy da Silva & Cia., ser a
responsável pela distribuição na Bahia dos cigarros produzidos pela Tabacaria
Londres S.A., com sede e fábrica no Rio de Janeiro. Sabendo disto, Geraldo repassou
aos ingleses um relatório ultra-confidencial. Continha o ranking dos dez maiores
fabricantes brasileiros, com o seguinte perfil das vendas mensais:
193
FABRICANTE
cigarros/mês
%
1. Souza Cruz
2.500 bilhões
68.6
2. Flórida
350 milhões
9.6
3. Sudan
220 milhões
6.0
4. Sabrati
110 milhões
3.0
5. Lopes Sá
110 milhões
3.0
6. Araken
90 milhões
2.5
7. Henning
80 milhões
2.2
8. Caruso
75 milhões
2.1
9. Londres
65 milhões
1.8
10. Santa Cruz
45 milhões
1.2
Elaborado em 1958, o estudo havia sido encomendado para determinar
a viabilidade da presença de um novo fabricante no mercado nacional. Mas dois
fatores demoliram o sonho de Geraldo estender o prestígio do nome Suerdieck aos
cigarros:
1.Para ser rentável, a venda mínima mensal teria de alcançar 125 milhões de
unidades. Isto significava que a Suerdieck deveria posicionar-se no 4º lugar
do ranking, uma missão impossível a curto ou médio prazos;
2.A Souza Cruz, controlada por um grupo anglo-americano, estava sufocando
os concorrentes nacionais e caminhava para um domínio monopolístico do
mercado brasileiro.
Enfim, a Suerdieck descobriu que não possuía cacife para enfrentar sozinha
a concorrência predatória da Souza Cruz. Mas, agora, com Carreras, trazendo a
tecnologia cigarreira e o poder do fogo financeiro, a Suerdieck poderia ser parceira
nesta empreitada. Os ingleses chegaram até a projetar a transformação do parque
charuteiro em Cruz das Almas numa fábrica de cigarros.
Porém, no dia 3 de julho de 1968 o casamento foi desfeito. Um curto comunicado
à imprensa, assinado por Geraldo Meyer Suerdieck e James Wood, deu a explicação
oficial:
As recentes e severas medidas adotadas pelo Bank of England e as
restrições quanto ao investimento de capitais por parte da Inglaterra,
limitou o programa de expansão acertado com a Suerdieck S.A.
Por esta razão, ficou resolvido entre as duas empresas encerrar o
empreendimento, atendendo assim, e melhor, aos interesses de ambas
companhias.
O Grupo Suerdieck readquiriu as ações mantidas pelo Grupo Carreras
e pretende continuar sua política de expansão, com capitais nacionais.
Na verdade não foram as medidas restritivas do governo britânico que
determinaram a saída de Carreras da Suerdieck. Os motivos reais teriam emergido
de duas fontes:
194
a.O diagnóstico dos ingleses teria revelado que, entre 1958 e 1966, o avanço
da Souza Cruz tinha sido avassalador, transformando o Brasil num monopólio
inquebrantável. Por conta disto Carreras decidiu não arriscar investimentos
vultosos sem a garantia de um retorno vantajoso;
b.Na Inglaterra teria havido pressões ou negociações do controlador da Souza
Cruz para impedir a entrada de Carreras no mercado brasileiro de cigarros,
para onde fatalmente traria a famosa e poderosa marca Rothmans.
Um desses fatos, ou ambos, foi a causa concreta do desinteresse de Carreras,
esfriando o entusiasmo pela Suerdieck. Os ingleses descobriram também que o
mercado brasileiro de charutos encontrava-se em decadência. Exclusivamente
charutos, preferiram continuar apenas com a fábrica que possuíam em Wageningen,
na Holanda, a Schimmelpenninck. Retiraram-se sem ter deixado nenhum dos
benefícios prometidos. Foram embora deixando parabéns à família Suerdieck pela
organização na produção de charutos. Obviamente que levaram um proveitoso
aprendizado da tecnologia Suerdieck, desenvolvida ao longo de décadas, para
aplicação na fábrica holandesa. Como consolo assumiram o compromisso de não
entrar no ramo de charutos no Brasil pelo prazo de cinco anos.
Se a associação com Carreras tinha sido um recurso para capitalizar a empresa
no limiar do processo da corrosão do capital de giro, a dissociação representou um
golpe duríssimo. Com o malogro da experiência inglesa os problemas aumentaram.
Agora, além de enfrentar sozinha as dificuldades financeiras, a Suerdieck viu-se na
obrigação de indenizar Carreras, restituindo-lhe investimentos efetuados durante os
dois anos da parceria anglo-baiana. Com isto, e sem o ingresso de um novo capital
revitalizador, o futuro da empresa configurava-se numa projeção dramática.
O ano de 1968 também foi marcado por um episódio político dos mais
Algumas marcas de cigarros da Tabacaria Londres, que na Bahia tinha como distribuidora de seus
produtos uma empresa do Grupo Suerdieck.
195
importantes. O governador Luiz Viana Filho encontrava-se sob forte pressão do
comandante da 6ª Região Militar, general Abdon Sena, que não se conformava com
a presença de um ex-ministro de João Goulart na Secretaria das Minas e Energia.
O general dispunha inclusive de uma foto em que o Antônio de Oliveira Brito
aparecia ao lado de Jango no célebre comício em frente à Central do Brasil, no Rio
de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, em plena efervescência dos acontecimentos
que culminariam, dezoito dias depois, no golpe que instaurou o regime militar. O
governador ficou na corda-bamba e um de seus auxiliares mais próximos tratou
de pavimentar a estrada para um eventual exílio do chefe do Executivo Estadual.
Através de Fernando Suerdieck, íntimo dos vianistas, Geraldo foi sondado sobre
a possibilidade da empresa colaborar financeiramente durante o período que o
governador estivesse residindo no exterior.
Já em silenciosa campanha de contenção das despesas, mas sem querer dar a
mão à palmatória, abrindo o jogo sobre a enfermidade que dilapidava os recursos
da empresa, Geraldo respondeu que a Suerdieck não poderia fazer nenhuma
contribuição, mas ele daria uma ajuda pessoal, dentro do limite de três mil dólares
mensais, disponíveis na Alemanha, onde se encontrava sediada a Suerdieck GmbH,
empresa administrada por Gisela Huch Suerdieck, que possuía um depósito no porto
livre de Hamburgo, para transbordo das mercadorias destinadas à Europa. Não
houve necessidade dos repasses, pois o governador continuou no cargo, ganhou a
queda-de-braço mantida com o comandante da 6ª Região Militar42. Mas no staff da
equipe que preparava a logística do exílio ficou a imagem de um Geraldo Suerdieck
sovina, que não abriria os cofres da empresa para necessidades mais vultosas.
LAÇOS FAMILIARES & ESTABILIDADE NO EMPREGO
A grande crise que se aproximava poderia ter sido evitada, ou pelo
menos minimizada. Isto caso o presidente houvesse tomado medidas
severas para reduzir custos, adequando a empresa aos novos tempos da
realidade de um mercado consumidor de charutos em franca retração
no Brasil.
Em 1964, nos primeiros sinais das dificuldades, Geraldo deveria ter
promovido a implantação de uma radical política para reestruturação
administrativa e operacional, com o redimensionamento da força
do trabalho e o enxugamento da estrutura organizacional. Com a
drenagem das gorduras, o expurgo da crise seria exeqüível. Mas o
remédio era por demais amargo, impopular e de ministração muito difícil.
Obrigatoriamente, a medicação passaria pelo seguinte receituário básico:
1. Redução drástica no quadro de operários, inclusive com o
42 O pivô da crise entre o general e o governador somente seria apeado do cargo em 11 de setembro de 1969. Nesta
data, a Junta Militar que governava o país assinou um decreto suspendendo os direitos políticos e cassando o mandato
parlamentar de diversos brasileiros, entre os quais se encontrava o deputado federal licenciado Antônio de Oliveira Brito,
que foi sucedido na Secretaria Estadual das Minas e Energia pelo bacharel Wilson Rocha.
196
fechamento imediato e sumário das fábricas de Cachoeira e Cruz
das Almas.
2.Enxugamento, também drástico, no corpo administrativo, com a
extinção de cargos e o afastamento de vários executivos veteranos.
Com o tempo, eles foram se tornando caros na estrutura dos custos
e bem menos produtivos.
3.Redução no número de diretores e subdiretores, inclusive com a
retirada dos três irmãos do presidente, os quais ficariam apenas
como acionistas.
4.Rejuvenescimento gerencial, priorizando nas chefias os empregados
jovens, com maior disposição para o trabalho, maior produtividade
e bem mais baratos à organização.
Geraldo dispunha de poderes legais para impor uma virada
revolucionária na vida da empresa. Afinal, com 59% das ações, era o dono
incontestável da Suerdieck. Porém, pelo perfil do seu caráter, formador de
uma liderança muito respeitada e querida por todos, ficou numa situação
delicada. No comando de uma sociedade assentada em base familiar,
onde os laços se cruzavam e se multiplicavam, sentiu-se impedido para,
repentinamente, mudar as regras e puxar a toalha da grande mesa, onde
era servida a alimentação para dezenas, centenas de famílias.
Não querendo se transformar no algoz dos liderados, que confiavam
cegamente nele, Geraldo preferiu não tomar as medidas dolorosas que
a razão impunha, mas que o coração não aceitava, pois provocaria um
verdadeiro cataclisma:
a)Se pelo simples fato de ter afastado o irmão Nicolau da gerência
da fábrica de Maragogipe, fazendo-o retornar ao posto de
diretor em Salvador, já tinha sido motivo para o azedamento no
relacionamento entre ambos, Geraldo ficou a imaginar o que
aconteceria se resolvesse destituir todos os irmãos da Diretoria.
b)Ao afastá-los, até a matriarca, dona Tibúrcia, ficaria contra o
presidente. Ela, que ocupava a vice-presidência da Suerdieck,
aprovaria no máximo a venda da empresa, um desejo inclusive
manifestado pelo marido um pouco antes do seu falecimento.
c)Além do confronto direto com os irmãos, responsáveis por um
elevado percentual na planilha dos custos (salários, gratificações,
retiradas extras, adiantamentos por conta de lucros, despesas
pessoais, viagens, etc.), Geraldo teria contra si a fúria de todos os
parentes, contraparentes e amigos que tinham na Suerdieck o único
meio de subsistência. Também provocaria um curto-circuito numa
rede formada por pessoas leais à empresa.
A própria vida pessoal do presidente encontrava-se num momento de
incertezas. Após desfazer um sólido casamento, havia ingressado noutro,
197
não-assimilado pela conservadora sociedade baiana, causando-lhe
boicotes. Passada a euforia inicial dos tempos da lua-de-mel, o segundo
matrimônio ingressou nos desentendimentos e já estava no caminho
da inevitável dissolução. Em vista da desestabilização conjugal, Geraldo
quis se preservar perante o que restava de positivo no círculo familiar, a
fraterna amizade com os irmãos Wolfgang e Fernando, além do amor pela
mãe. Enfim, o presidente não queria ficar isolado pela família e amigos
de longas datas.
Havia também considerado um outro fator fundamental, a barreira
interposta pela legislação trabalhista, que garantia a estabilidade no
emprego a quem completasse dez anos na casa. A Suerdieck vinha de uma
tradição em não demitir, a não ser por justa causa, em casos gravíssimos.
Esta política permitiu que centenas de empregados galgassem o patamar
da sólida segurança no emprego. Agora, para poder demitir a legião dos
estáveis, a empresa teria, na conformidade da lei, de pagar indenizações
milionárias. Para bancar este custo a Suerdieck seria obrigada a recorrer
aos empréstimos, endividando-se seriamente para que pudesse reduzir
o quadro de pessoal. Além disto, não estava descartada a hipótese de
uma onda de processos trabalhistas. Uma decisão por demissões em
massa poderia ainda desencadear agitações na fábrica de Maragogipe,
com conseqüências imprevisíveis, pois estaria quebrado um dos pilares
de sustentação da Suerdieck, a confiança do operariado no patronato.
Para poder continuar convivendo em paz com parentes, amigos e os
operários de um modo geral, Geraldo preferiu não se aventurar em mexer
no status quo. Manteve a estrutura pesada e onerosa. Mas foi buscar no
exterior uma parceria que pudesse ser a tábua da salvação. Encontrou em
Carreras Limited a força que necessitava para ter o fôlego que permitisse
um reordenamento de objetivos. Após longas negociações, a parceria foi
fechada em 1966. Mas o tiro saiu pela culatra, os ingleses retiraram-se da
sociedade dois anos depois, deixando a Suerdieck numa situação crítica,
num beco sem saída.
Não restou a Geraldo nenhuma alternativa que não fosse a execução
de medidas paliativas, de eficácia apenas no curtíssimo prazo. Passou a
travar batalhas sem tréguas, solucionando um problema emergencial
aqui, outro acolá. Lutava também para não deixar vazar a real situação da
empresa. Estava na faixa vermelha, a caminho do colapso financeiro. Uma
faca de lâmina bem amolada avançava pelo interior do corpo do gigante
dos charutos, seccionando as veias do sistema da irrigação sangüínea.
198
Capítulo
A
29
A CRISE DE 1970
A CRISE DE 1970
— Compra de fumos à vista e venda de charutos a
o lado estão os cinco
prazo;
i n gredientes da
— Aumento dos custos sociais, principalmente após
receita que exauriu a capacidade
o advento do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo
da empresa em manter o
de Serviço;
capital de giro. Na medida que
— Efeitos da inflação nos custos operacionais;
o sufoco crescia, os custos dos
— Despesas financeiras por conta de empréstimos
encargos eram transferidos para
bancários, descontos de duplicatas sobre vendas
o preço do produto final. Era uma
futuras, descontos de promissórias rurais e
política de faca com dois gumes:
empréstimos particulares;
a arrecadação mantinha-se em
— Pagamento de empréstimos tomados por conta
níveis aparentemente estáveis,
de capitais que seriam injetados por Carreras
mas as vendas unitárias caíam
Limited.
progressivamente. O mercado
retraía-se, pois o charuto se
transformava num artigo de luxo, ficando cada vez mais fora do alcance da classe
média, que também sofria com a inflação e perdia o seu poder aquisitivo.
Neste ciclo vicioso e sem saída, a Suerdieck, pela primeira vez na história de
63 anos dos seus charutos, teve prejuízo operacional no exercício de 1968, que se
repetiu no ano seguinte, colocando o gigante no xeque-mate. No início de 1970 a
empresa teve de pedir, também pela primeira vez, socorro financeiro ao governo
do Estado, no valor de 6 milhões de cruzeiros, para pagamento a longo prazo.
O governador Luiz Viana Filho determinou que fosse preparado, em caráter de
urgência, um estudo que foi denominado “Diagnóstico Industrial da Suerdieck”.
Assinado por Aderbal Pinto, Arlindo Senna, Elmar Araújo, José Barbosa e Sérgio
Almeida, o relatório foi entregue ao secretário da Indústria e Comércio, Manoel
Barros Sobrinho43. O trabalho continha os seguintes itens como destaques:
Introdução
A crise econômica por que passa Maragogipe, em decorrência da
situação financeira bastante delicada que atravessa a Suerdieck, está
sendo de conseqüências funestas à economia do município, com reflexos
43 Recém-empossado no cargo, Manoel Barros Sobrinho foi alçado do próprio quadro da SIC, onde respondia pela
promoção industrial da Bahia. Como secretário substituiu Ângelo Calmon de Sá, transferido para a pasta da Fazenda
estadual.
199
acentuadamente negativos para a economia do Estado, dado o nível
de dependência de toda uma área da zona fumageira.
Para que se tenha uma idéia mais aproximada da importância da
Suerdieck na região, basta que se diga que cerca de 30% da arrecadação
de impostos municipais são pagos diretamente pela empresa. Com
a crise que se abateu sobre a indústria e com o decorrente não
recolhimento dos impostos, desde março, pela Suerdieck, o fato
não poderia deixar de trazer conseqüências negativas para o poder
municipal, que, de uma hora para outra, se viu privado de parte maciça
de seus recursos, com prejuízos de toda ordem.
Assim é que o funcionalismo municipal não recebe vencimentos
há três meses e enfrenta por isso uma situação vexatória. As casas
comerciais passaram a pôr dificuldades nos fornecimentos à Prefeitura,
devido à falta de pagamentos, com evidentes prejuízos para todos
os segmentos. Também as arrecadações estadual e federal se viram
afetadas.
De todas, entretanto, a situação mais dramática é a enfrentada pelo
operariado da empresa, que sem receber os seus salários e sem dispor
de outras fontes de receitas, tem vivido momentos os mais difíceis. A
Suerdieck emprega na região 1.200 pessoas, sendo que na época da
safra absorve entre 2.000 e 3 mil pessoas como mão-de-obra sazonal,
em serviços de destalagem, escolha, classificação e enfardamento de
fumos. Em suma, a maior parte da população local depende direta ou
indiretamente da empresa.
Como se vê, dado ao elevado grau de influência que exerce, uma
crise mais demorada terá que, inevitavelmente, se desdobrar numa crise
social bastante séria e de conseqüências desastrosas para a região, haja
vista a queda vertical que já sofreu o movimento comercial e bancário.
Por outro lado, mantém a empresa um serviço de assistência social
a todos os seus funcionários e respectivos familiares, com um corpo de
cinco médicos, cinco enfermeiras, serviços de enfermaria, ambulatório
completo, com aparelhos de abreugrafia e raios X, consultório dentário
e farmácia para fornecimento gratuito de medicamentos. Todos esses
benefícios sociais serão ainda mais reduzidos se não forem encontradas
maneiras de superar as dificuldades da Suerdieck, com perdas
significativas para toda uma comunidade que espera uma solução para
os seus problemas.
200
Compras e Vendas
Sendo uma empresa bastante antiga, calcada nos moldes tradicionais
de família, constituiu-se numa surpresa a verificação do grau de
complexidade e objetividade existentes nos controles de compra e venda.
A Suerdieck possui controles de compras de fumo baseados na previsão
de produção e conforme as necessidades de cada tipo ou qualidade de
fumo para os diversos produtos.
No setor de vendas, a empresa possui dados estatísticos de vendas
mensais, trimestrais, semestrais e anuais, por: distribuidor, marca por
marca, estado por estado, etc. Os controles mensais contêm número
das faturas, quantidades, valores e marcas dos charutos e cigarrilhos.
Estas estatísticas existem há anos e possibilitam a verificação imediata
da posição da empresa em relação às quantidades e valores de compras
e vendas.
Política de Compras
Fumo adquirido diretamente ao lavrador ................................... 94%
Fumo adquirido de terceiros .............................................................. 6%
80% do fumo é pago à vista.
Política de Vendas
Vendas a prazo médio de 90 dias .................................................. 92%
Vendas à vista ....................................................................................... 8%
Mercado
As vendas de charutos e cigarrilhos no mercado interno apresentaram
um declínio de 1967 para 1968 da ordem de 8%, e de 1968 para 1969
de 14%. Contudo, já no primeiro semestre de 1970 a empresa vendeu
metade da quantidade vendida em 1969. A previsão para 1970, não
obstante a intensidade da crise, é de igualar e talvez suplantar as vendas
do ano passado.
No mercado internacional é incontestável a posição de destaque que
possui o nome Suerdieck. Em cada parte do mundo, qualquer revendedor
de charutos possui, pelo menos, uma das inúmeras marcas da Suerdieck.
No ano de 1969 as vendas para o exterior, em quantidade, foram da ordem
de 25% do movimento total das vendas.
Pelo que foi constatado, com relação ao mercado atual e potencial,
pode-se concluir que, superada a fase crítica e tomadas as medidas
necessárias com relação à intensificação de propaganda e promoção, as
vendas tenderão a um rápido crescimento.
201
Aspectos Financeiros
Após análisar a empresa, solicitamos considerações, por escrito, do seu
presidente, a respeito dos problemas que levaram a Suerdieck à situação
atual. Esta medida visava sobretudo verificar a capacidade analítica
do problema pelo topo da empresa. Por julgarmos a análise realizada
pelo senhor Geraldo Suerdieck lúcida e oportuna, a transcrevemos em
seguida, embora outros aspectos relativos à situação não tenham sido
considerados.
Deste modo, achou-se mais apropriado colocar as argumentações
gerais dadas pela empresa dentro do aspecto particular financeiro, devido
a sua análise se voltar mais para este problema.
Razões Apresentadas pelo Empresário
A empresa, cuja estrutura econômica surgiu praticamente do
trabalho e não do capitalismo – com isso queremos dizer que não houve
agrupamento de capitalistas que se propusessem a explorar o ramo de
charutos, e sim, ao modo europeu, alguns homens que, começando do
nada, à custa dos próprios esforços, foram edificando, pedra por pedra,
o atual parque de trabalho – vinha, na medida do avanço da inflação,
enfrentando dificuldades.
Embora em sua longa existência jamais houvesse registrado prejuízos
em suas atividades, os resultados não foram de ordem a cobrir o desgaste
da moeda (inflação), ou mesmo a permitir-lhe uma mecanização
avançada, o que, aliás, só seria possível lenta e parcialmente, em face da
alta responsabilidade social com o operariado. Igualmente possível não
lhe foi a execução de qualquer plano publicitário, sofrendo, em contrário,
o esmagamento permanente da propaganda de cigarros.
Diante dos problemas de custo, que se agravaram de modo galopante
com a inflação, à empresa só restavam dois caminhos a seguir:
1º - Continuar a expandir a produção e consumo, cujo maior volume
superaria as despesas, desde que era rentável;
2º - Elevar os preços dos manufaturados acima do hábito, para obter
maior receita (uma medida inflacionária).
Sentindo que se optasse pelo primeiro item lhe faltariam condições
financeiras (suprimento de matérias-primas e assistência de meios
bancários), a empresa tomou a segunda alternativa, mesmo consciente
do risco da limitação do consumo.
As medidas de combate à inflação instalada no país, a realidade
202
cambial, as novas leis sociais e a reforma tributária, descapitalizaram
a empresa. As contingências nacionais, sobejamente conhecidas,
apontavam às empresas de pequeno e médio porte duas alternativas:
— Serem vendidas a grupos poderosos;
— Ou a eles se associarem.
Como, no setor de fumo, toda atividade está cada vez mais
concentrada em mãos de grupos estrangeiros, a Suerdieck aceitou em
1966 uma associação, à base de 50%, com o grupo inglês Carreras Ltd..
Mas, a intenção deste grupo, usando a tradição e os conhecimentos da
Suerdieck, era na verdade estudar o mercado nacional de cigarros, seu
principal interesse mundial. Os levantamentos concluíram que, face ao
domínio da Souza Cruz, praticamente monopolista no Brasil (todas as
demais fábricas estavam economicamente liquidadas, quando não em
caos absoluto, como nos casos da Londres, Caruso, Flórida, etc.), não
havia condições do grupo aqui se instalar. Coincidentemente o governo
inglês (Harold Wilson) entrou em crise econômica, fato que se valeu
Carreras para justificar, mediante alegação de proibição legal de seu país,
a impossibilidade de realizar investimentos ou prestar qualquer apoio
econômico.
Financiamentos contratados na gestão dos ingleses tiveram de ser
pagos a curto prazo ao Banco Holandês Unido, Bank of London e ao
Bozzano Simonsen, quando, em verdade, haviam tido caráter transitório,
até o investimento real da Inglaterra, que, por fim, não ocorreu. Tal
desfecho levou-nos a desfazer imediatamente a associação, em julho de
1968, para evitar a destruição completa de nossa indústria. No entanto,
o desenlace ocasionou:
a. Maior retaliação do capital de giro, pois empréstimos outros tiveram
que ser tomados para fazer face às emergências;
b.Desvio das atenções da Diretoria, dos problemas normais da
empresa.
Assim, pela primeira vez em sua vida, a Suerdieck apresentou prejuízos
elevados em seus balanços, agravando-se a sua situação financeira.
Relatório da Diretoria, apresentado em 31.12.69, revelou a falta
absoluta de capital de giro, que retirou toda e qualquer possibilidade de
equilíbrio e rentabilidade.
Conclusões
Tendo em vista a possibilidade de recuperação e rentabilidade da
empresa, a importância sócio-econômica para a região e ser uma indústria
203
com grandes possibilidades de ampliar as exportações, significando
isto uma entrada maior de divisas para o país, algumas medidas devem ser
tomadas, mesmo em caráter especial. Por isso, recomendamos:
1. MEDIDA A CURTÍSSIMO PRAZO
Empréstimo vinculado a:
1.1
1.2
Pagamento dos salários atrasados do pessoal e financiamento da folha do mês seguinte.
Compras emergenciais de matéria-prima e de material
de embalagem.
2. MEDIDAS A CURTO PRAZO
2.1
Empréstimo vinculado a:
2.1.1
Pagamento de contas atrasadas.
2.1.2
Pagamento de empréstimos a curto prazo feitos pelos bancos comerciais.
2.1.3
Suplementação para capital de giro, visando diminuir o volume de descontos de duplica
tas, reduzindo-se com isso as despesas finan
ceiras.
2.2
Parcelamento das dívidas tributárias, com o
estabelecimento de um prazo de carência adequado.
Reformulação da dívida existente com o Banco do 2.3
Estado da Bahia, ou seja, a renovação das Resoluções
71 e 63.
3. MEDIDAS A MÉDIO PRAZO
3.1
Venda das áreas que a empresa possui no Edifício Suerdieck, para saldar uma fração da dívida com os empréstimos governamentais.
3.2 Estudar uma maneira do pagamento dos juros, semestrais ou anuais, ser em ações emitidas pela empresa.
4. MEDIDA A LONGO PRAZO
Abertura do capital da empresa ao público.
MEIO EXPEDIENTE
Em janeiro de 1970 a Suerdieck deixou de recolher os impostos e
tributos sociais: ICM, IPI, FGTS e INPS. Em março os operários entraram em
férias coletivas, interrompendo a produção. Ficaram em funcionamento
apenas os setores para expedição dos charutos em estoque.
No final das férias compulsórias, a fábrica de Maragogipe foi reaberta,
mas passou a funcionar em regime de meio expediente, para que, no
outro, os empregados pudessem ir pescar, retirar da generosa bacia do
Paraguaçu os peixes e mariscos para o sustento de suas famílias.
204
Capítulo
M
30
VIA-CRÚCIS
VIA-CRÚCIS
esmo com o parecer favorável dos técnicos da Coordenação de
Fomento à Indústria, órgão da Secretaria da Indústria e Comércio
do Estado da Bahia, os escalões superiores desprezaram olimpicamente o diagnóstico
oficial. Adotaram a postura de deixar a Suerdieck entregue à própria sorte.
Foi aí que Geraldo se lembrou do Livro de Visitas à Fábrica de Maragogipe,
onde Juracy Magalhães havia registrado, em 27 de abril de 1950, uma mensagem
enaltecendo o papel da indústria. Mandou buscá-lo, para reler o trecho que julgou
mais importante:
A indústria é multiplicadora de riquezas.
Estimulá-la e desenvolvê-la,
aproveitando a iniciativa particular,
é indiscutível tarefa do governo,
a quem cabe velar pela paz social.
Juracy Magalhães
Mas os governantes da atualidade pensavam de forma diametralmente oposta.
Pelo posicionamento adotado, não cabia ao governo do Estado a tarefa de velar pela
paz social. Então, como última instância, Geraldo recorreu ao governo da União. Pelas
mãos do deputado federal Fernando Wilson Magalhães, filho de um antigo agente
comprador de fumos para a Suerdieck, foi bater nas portas dos órgãos federais: Banco
do Brasil, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Banco de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, Ministério da Agricultura, etc. No Ministério da Indústria e Comércio,
ocasião em que se fez acompanhar do presidente do Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria do Fumo de Maragogipe, Antônio Barbosa, encontrou o governador Luiz
Viana Filho, que, surpreso em vê-lo, saudou-o meio sem graça:
— Oi Geraldo! Você por aqui?
— Sim, estou levando ao ministro os problemas da nossa indústria!
Na conversa com Pratini de Moraes, o jovem ministro perguntou em tom
investigatório:
— O governador tem conhecimento dos problemas?
— Claro, foi o primeiro a saber da gravidade da situação!
— Estranho, ele acabou de sair daqui e não tocou na questão da Suerdieck!
Na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, órgão forte do
205
Ministério do Interior, que aprovava recursos para projetos agrícolas e industriais,
o superintendente, general Tácito de Oliveira, transmitiu a Geraldo um veredito
discriminatório:
— O governo não financia nada para os setores de fumo e bebida!
Mas financiava empreendimentos faraônicos, idealizados exclusivamente para
tomar o dinheiro fácil dos incentivos fiscais. Praticava-se no Brasil um monumental
esbulho, orquestrava-se a falsa imagem do “milagre econômico”, de que se estaria
viajando do terceiro mundo para o seleto clube dos países desenvolvidos. Enfim,
gastava-se dinheiro à tripa-forra, em projetos mirabolantes, muitos deles natimortos
ou simplesmente fantasmas.
Enquanto isso, padecia do apoio uma indústria renomada internacionalmente,
de capital integralmente nacional, grande empregadora de mão-de-obra, que pela
primeira vez recorria ao oxigênio governamental. A única concessão, após muita
insistência, foi a Sudene abrir uma linha de financiamento meio maroto, apenas para
aplicação em parte das plantações de fumo. Com isso, colocou uma pá-de-cal na
industrialização, justamente o vértice da pirâmide fumageira, onde residia, naquele
instante, o tumor da crise.
A Tarde
No dia 22 de maio o presidente
Emílio Garrastazu Médici esteve em
Salvador para uma visita de 30 horas.
Na conversa que manteve com o
cardeal-arcebispo da Bahia, ouviu
de dom Eugênio Sales44 um relato
da necessidade de ajuda para salvar
a Suerdieck. Depois, publicamente,
Médici falou nos “famosos charutos
da Bahia” e que “a fábrica Suerdieck
não pode parar”. E para mantêla em atividade foi montada no
Ministério da Fazenda a “Operação
Suerdieck”, com a criação de um
grupo para analisar a crise e propor
as medidas saneadoras. Porém,
os estudos andavam de forma
lenta, enquanto na empresa os
problemas se agravavam cada
vez mais. A fábrica de Maragogipe
funcionava precariamente, em
vias de uma paralisação total e
Dom Eugênio Sales, à direita, com o ex-prefeito (1959/63) de
definitiva.
Salvador, Heitor Dias Pereira.
44 Dom Eugênio era apreciador dos charutos Suerdieck. Fumava a marca Florinha, de forma discreta e reservada.
206
SUERDIECK
Notícias chegadas ontem, de Maragogipe, dizem que os prejuízos
causados pela crise da Suerdieck estão chegando a um ponto insuportável,
não só pelos operários como pela comunidade em geral, inclusive pela
Prefeitura.
Embora seja público que o presidente Médici, quando aqui esteve,
prometeu a dom Eugênio Sales interessar-se por uma solução, até o
momento a direção da Suerdieck não recebeu qualquer definição das
autoridades federais.
Sabe-se que o ministro Delfim Neto vem adiando uma providência
concreta. Considerando o caráter agudo da crise que atinge a Suerdieck,
nunca uma empresa nesta situação esperou tanto tempo por um sim
ou não.
Tribuna da Bahia
Coluna Raio Laser
18.08.1970
Numa audiência com o ministro da Fazenda, Antônio Delfim Neto, Geraldo
recebeu o seguinte aconselhamento:
— O senhor deve procurar uma associação com algum grupo estrangeiro ou
então passar a empresa adiante!
O presidente da Suerdieck concordou com o ministro, mais argüiu que isso
demandava tempo, e que, até lá, sem socorro financeiro, a indústria não teria como
se agüentar, iria paralisar totalmente a produção. Os salários já estavam atrasados
há várias semanas e milhares de famílias viviam momentos de desespero. O apelo
foi em vão, o dono do cofre da União manteve-se friamente irredutível. Geraldo
retornou a Salvador convicto que Delfim Neto desejava realmente ver a Suerdieck
no colapso total, fechada. Mas não sabia as razões que levavam o ministro a esta
postura radical e cruel. Ficou com a impressão de que por trás de tudo havia interesse
político escuso contra a Bahia ou contra a Suerdieck.
Quando tudo parecia perdido, eis que o vereador da Câmara Municipal de
Maragogipe, Bartolomeu Borges Paranhos – mestre-charuteiro que chefiava a
produção da fábrica – comunicou a Geraldo que solicitaria, em nome do povo
maragogipano, nova intervenção de dom Eugênio Sales, que dentro de poucos
dias teria um encontro com o presidente República. Em Brasília o cardeal espôs a
dramática situação da empresa e as sérias implicações de ordem social em duas
cidades, Cruz das Almas e, principalmente, Maragogipe, cuja economia dependia
80% da Suerdieck. Médici ficou surpreso, pois supunha que o problema já tivesse
sido equacionado pelo Ministério da Fazenda. Quando dom Eugênio entregou a nota
que saiu na coluna Raio Lazer, no jornal Tribuna da Bahia, o presidente desabafou,
visivelmente contrariado:
— Num país onde se joga tanto dinheiro fora, essa questão não ficará engavetada!
207
E cumpriu com a promessa. Dias depois, chegou de Brasília um telefonema
solicitando a presença de Geraldo no Banco Central do Brasil. Na ante-sala do
gabinete do presidente, Ernani Galvêas, o industrial baiano foi abordado por um
assessor que, sem arrodeios, foi logo dizendo, em primeira mão:
— O seu pedido vai ser atendido, mas o senhor terá de assumir o compromisso
de pagar uma comissão pelo serviço!
Fazendo-se desentendido, Geraldo retrucou dizendo que trataria deste assunto
depois, e adentrou logo na sala do presidente. Galvêas comunicou que, por ordem
do presidente da República, o caso Suerdieck seria imediatamente solucionado
e pediu a confirmação do valor desejado, que sairia do Banco Central. Informou
também que a formalização dos aspectos técnicos e legais do empréstimo ocorreria
numa reunião comandada pelo ministro da Fazenda, que já tinha sido notificado da
decisão presidencial. O encontro foi agendado para o dia 13 de outubro de 1970, no
Rio de Janeiro, com a participação de representantes da empresa e dos governos
federal e estadual. Depois de tudo acertado, o gerente de Operações Bancárias,
Ernesto Albrecht, segredou na saída:
— O senhor poderia ter solicitado um valor maior. Com certeza seria atendido,
pois a ordem do Palácio do Planalto era esta!
Na reunião do Rio de Janeiro ficou pactuado que os Cr$ 6 milhões seriam
repassados ao Banco do Estado da Bahia, onde ficariam à disposição da Suerdieck.
No Baneb Geraldo foi informado por um assessor do diretor-superintendente, da
cobrança de uma comissão de praxe. Como fizera com o “corretor” do Banco Central,
também esbravejou com o do banco baiano:
— Não vim aqui pedir nada, vim para receber um empréstimo federal, com prazos
e juros pré-estabelecidos. Não pagarei nenhuma comissão!
Com prazo de pagamento em cinco anos, com dois de carência e tendo como
garantia todo o patrimônio da Suerdieck, o dinheiro saiu casado com a exigência do
diretor-financeiro ser indicado pelo Banco do Brasil, que escolheu um funcionário
de Salvador, Albérico Spínola Barbosa45.
Aproveitando-se da passagem do empréstimo pelo caixa do banco estadual,
Luiz Viana Filho foi a Maragogipe, às vésperas das eleições de 15 de novembro.
Da sacada do Paço Municipal fez um pronunciamento, assumindo perante o povo
a paternidade do dinheiro que chegou para salvar a Suerdieck e o emprego de
milhares de pessoas. Em seguida, capitaneando uma ruidosa passeata, dirigiuse à fábrica, onde Geraldo obsequiou-lhe com uma caixa de charutos, presente
que sempre oferecia aos visitantes ilustres. Porém, não fez nenhum discurso, pois
nada tinha a agradecer, mas respeitou a festa política do governador. Ao vereador
Paranhos, ao cardeal Sales e ao presidente Médici, verdadeiros merecedores de
todos os tributos, o presidente da Suerdieck já havia endereçado as manifestações
da gratidão.
45 Albérico Spínola Barbosa foi eleito diretor em assembléia geral extraordinária realizada em 14 de dezembro de 1970.
Ficou até 11 de janeiro de 1973, quando foi substituído por José de Melo Figueiredo, também indicado pelo Banco do
Brasil.
208
A crise nos salários
Foram oito meses,
de fevereiro a outubro,
de agonia e incertezas.
Os operários chegaram a ficar
14 semanas sem receber salários,
mas não abandonaram o trabalho,
garantindo a sobrevivência da
grande fábrica de charutos.
O comércio de Maragogipe,
embora penalizado pela crise,
alimentou os trabalhadores,
vendendo na caderneta do fiado.
O maragogipano Bartolomeu Borges Paranhos foi eleito Operário Padrão da Bahia em 1987, às vésperas de completar 70 anos,
sendo 57 dedicados à Suerdieck. Além de mestre em charutos, gostava da vida pública. Vereador em quatro legislaturas, foi
prefeito de Maragogipe durante 45 dias, em 1974, quando ocupava a presidência da Câmara Municipal. Como bom político, foi
quem articulou com o arcebispo da Bahia, dom Eugênio Sales, a estratégia que salvou a Suerdieck da falência.
209
Em Brasília e no Rio de Janeiro, Geraldo cumpriu uma verdadeira maratona pelos gabinetes dos órgãos governamentais.
Apolítico e sem nenhuma articulação com os esquemas que dominavam a liberação dos recursos financeiros da União,
não teria obtido o empréstimo se o presidente Médici não tivesse ficado irritado quando dom Eugênio Sales lhe mostrou
que uma ordem sua estava sendo cozinhada em banho-maria.
210
Fotos: Val Araújo
211
Reprodução
Reprodução
Persona non grata à Suerdieck, o presidente
do Banco do Brasil, Nestor Jost, tinha sido
deputado federal em três legislaturas, pelo
seu estado, o Rio Grande do Sul. Empresário
e agricultor, possuía ligações com o setor
de fumos para cigarros, sendo mais tarde
presidente da Abifumo – Associação Brasileira
da Indústria do Fumo.
Trinta e um anos após ter lavado as mãos na crise da Suerdieck, o ministro gaúcho Pratini de Moraes foi flagrado
por Fernando Bizerra, da Agência BGPress, saboreando um charuto cubano.
212
Capítulo
31
CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO
CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO
A
crise na Suerdieck agigantouse de tal forma que os recursos
liberados pelo Banco Central serviram
apenas como paliativo emergencial. Foram
consumidos na liquidação dos débitos
com empregados, fornecedores, encargos
financeiros e sociais. O próprio diretor
financeiro, indicado pelo governo federal,
Albérico Barbosa, tentou, sem êxito, a
ampliação dos CR$ 6 milhões para 10 milhões.
A logomarca no período da Melitta: dentre as
Por isso, embora a produção fosse mantida modificações, foi inserido o B, de Blase, a fábrica de
em patamares normais, não se conseguia charutos que a multinacional possuía na Alemanha.
equacionar os problemas decorrentes da
descapitalização e da falta de um capital de giro para atender dois pré-requisitos
básicos na indústria charuteira: as compras de fumo são feitas junto a pequenos
produtores que exigem, por questões óbvias de sobrevivência, pagamento à vista
e às vezes até adiantado, por conta de futura entrega; depois, o fumo tem de ficar
estocado durante um longo período, para perder a acidez ou o amargor natural.
Não restava outra alternativa, a Suerdieck teria de encontrar um parceiro forte,
em condições de injetar capital na empresa. A procuradora na Europa, Gisela Huch
Suerdieck, entrou novamente em ação e intermediou negociações com o Grupo
Melitta, que possuía um braço na indústria de charutos, através de August Blase
Zigarrenfabrik GmbH, de Lübbecke, Alemanha Ocidental. Esta organização, dona de
uma grande fábrica de charutos, antiga cliente da Exportadora de Fumos Suerdieck,
tinha uma rede européia formada por 102 lojas revendedoras de charutos.
Em junho de 1974 chegaram os técnicos para proceder um diagnóstico na
Suerdieck, onde, dois meses depois, assistiram a entrega, ao Banco do Estado da
Bahia – Baneb, em dação de pagamento, por compromissos vencidos, dos seguintes
pavimentos da sede, no Edifício Suerdieck: subsolo, térreo, sobreloja, primeiro e
segundo andares. As negociações com os representantes do Grupo Melitta, sediado
em Minden, Alemanha Ocidental, ficaram tensas à certa altura dos entendimentos.
Saindo do habitual cavalheirismo, Geraldo chegou a abandonar a mesa dos trabalhos,
bradando: “Não negocio com gângsteres”. Paradoxalmente, foi acalmado por Neusa
Suerdieck que, ao contrário dele, era quem tinha gênio explosivo. A fúria deveu-se
213
também à presença, contratado pelo grupo alemão, de um profissional pertencente
ao renomado escritório advocatício que prestava serviços à Suerdieck, há mais de
dez anos, detentor inclusive de informações confidenciais da empresa. O presidente
enxergou na postura do advogado uma dupla traição, contra a Suerdieck e o
escritório que o projetava na carreira jurídica.
Na verdade, Geraldo encontrava-se refém de August Blase, que já tinha provido
o caixa da empresa com adiantamentos por conta de futuras vendas de charutos.
Sofria também pressões do Banco do Brasil, cujo presidente, Ângelo Calmon de Sá,
que tinha passado por duas importantes secretarias na gestão de Luiz Viana Filho,
conhecia bem a situação da Suerdieck, tendo inclusive representado o governo da
Bahia na reunião do Rio de Janeiro, que formalizou a liberação dos 6 milhões de
cruzeiros. Calmon de Sá havia também colocado na diretoria financeira da Suerdieck
um cunhado, Raimundo Heráclito de Carvalho, que se posicionou francamente
favorável à entrega do controle acionário nas condições ditadas pelos alemães.
Após o banco federal fritar e recusar um novo pedido de empréstimo para capital
de giro, Geraldo capitulou, dizendo:
— Me suicidaram!
Acuado pelas dificuldades e sem querer ser o pivô do mergulho da empresa
numa outra crise, que novamente penalizasse o operariado, Geraldo teve de acatar
a Cláusula Sétima do contrato proposto por August Blase Zigarrenfabrik GmbH
(cessionário), de transferência do controle acionário, na forma do quadro abaixo:
Com a cessão gratuita das ações ao cessionário, este assume o ativo
e passivo da Suerdieck, responsabilizando-se por todos os avais emitidos
pelos atuais diretores da Suerdieck, até a data da assinatura do presente
instrumento.
Como se vê, a saída da família Suerdieck foi dolorosa do ponto de vista econômico
e financeiro. Não houve nenhuma contrapartida, patrimonial ou pecuniária. No
dia 22 de fevereiro de 1975, os jornais de Salvador veicularam, como matéria paga,
um comunicado levando ao conhecimento público a transferência do controle da
Suerdieck para a empresa August Blase Zigarrenfabrik GmbH, pertencente ao grupo
Melitta-Werke Bentz & Sohn. Foi o último documento que Geraldo Meyer Suerdieck
assinou como presidente da Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos.
DESTINO DAS EMPRESAS
Controladas pela Melitta
1. Suerdieck S.A.
2. Esperança
3. Dancoin
4. Eloy da Silva
5. Suerdieck Emmendingen
6. Suerdieck Freiburg
7. Suerdieck Hamburgo
Vendidas Anteriormente
1. Inducondor
2. Exportadora Suerdieck
Conservadas na Família
1. Agro Fumageira
2. Gerdieck
214
Desativadas
1. Distribuidora RS
2. Distribuidora RJ
3. Maragogipana
4. Surta
5. Pisa
A tomada dos pavimentos
A BAHIA QUE DEU REIS,
no Edifício Suerdieck,
DO AÇÚCAR, DO CACAU E DO FUMO,
pelo Banco do Estado da Bahia,
PERDEU SUA ÚLTIMA CABEÇA COROADA
representou o último golpe
QUANDO GERALDO DEIXOU O
na existência de uma era,
TRONO DA SUERDIECK,
a do reinado dos charutos.
APÓS REINAR ¼ DE SÉCULO.
Por iniciativa de August Blase, havia sido inserido no contrato da entrega
do controle acionário, o seguinte item: “O cessionário reconhece a eficiência da
organização Suerdieck, constatada por seus prepostos junto à referida organização,
há mais de seis meses, bem como a vantajosa produtividade”. Com esta estratégia,
o grupo alemão lançou os fundamentos para segurar o cérebro técnico, Geraldo
Meyer Suerdieck, único da família convidado para continuar na empresa, agora
como empregado, ocupando o cargo de diretor industrial, tendo na presidência
o alemão Peter Hermann Wimmer, executivo que ingressara na Melitta em 1964.
O ex-presidente pensava que iria testemunhar uma nova era de prosperidade,
decorrente da envergadura do Grupo Melitta, com cacife suficiente para investir
pesado na Suerdieck. Mas o que assistiu foi
a paulatina desestruturação da empresa,
não por questões de ordem financeira, e
sim de ordem organizacional. Em que pese
os novos proprietários terem enviado à
Bahia alguns técnicos com reconhecida
capacidade, como Franz Himberger, Egon
Zobiak e Töns Wellensieck, foram infelizes
na escolha de outros, a exemplo de
Rudolf Anton Fraunhofer, despreparado
para superintender uma empresa com
a complexidade da Suerdieck. Era um
executivo competente.
Ocorreram vários procedimentos
polêmicos: desativada a produção do
fumo homogeneizado46, e suprimida uma
linha de charutos que abastecia a Argentina, cujos fumantes davam preferência
aos chamados “feucht-mattiert”. Foi também eliminada a segmentação regional do
mercado brasileiro, ou seja, para cada região havia marcas preferenciais, de acordo
com o gosto de cada área. Enfim, adotou-se uma política de impor a padronização
46 Fumo homogeneizado é o fumo artificial, oriundo do aproveitamento dos fumos inferiores ou dos refugos de
armazéns. Reprocessados industrialmente, transformam-se em nova matéria-prima, apresentada sob a forma de bobina
ou rolo, com larga aplicação na produção mecanizada de charutos. A Suerdieck possuia uma formulação de sua própria
criação e lavra, onde não entrava nenhum aditivo químico, pois trabalhava com fumo 100%, reutilizando as sobras da
produção artesanal, as folhas dilaceradas ou com imperfeições na coloração. O seu fumo homogeneizado era aplicado,
mecanicamente, nos capotes de algumas marcas de charutos da linha popular.
215
Reprodução
do tipo e da qualidade sem levar em consideração uma máxima em vendas: “O
consumidor é o rei, é quem escolhe”. A multinacional misturou filosofia de venda
de filtros de café com charutos, implantando um sistema comercial de alto risco.
Com a presença de August Blase incrementou-se o “draw-back”, que a Suerdieck
fizera na época da crise, para esta mesma empresa. A operação “draw-back” consistia
em receber o “bunch” (torcida+capote) produzido mecanicamente no exterior, para
aqui ser colocada a capa, de maneira artesanal. O produto acabado retornava ao
país de origem em contêineres. Mesmo com os encargos de docas, seguros e fretes,
mas com a mão-de-obra barata e especializada da Bahia, compensava a utilização
desta estratégia operacional47. Lá fora, os charutos eram embalados em caixas com
a inscrição “Hand Made in Brazil” e procedida a comercialização, provavelmente com
boa margem de lucratividade.
Priorizou-se também a linha de encomendas, ou seja, a fabricação de marcas de
terceiros. Um dos maiores clientes era o Zino Davidoff, que mensalmente comprava
50 mil charutos nobres, que na Europa recebiam anéis Davidoff e acondicionamento
em caixas sofisticadas. Por conta disto, muitos brasileiros compravam no exterior,
a peso de ouro, charutos Davidoff sem saber que eram brasileiros, ou melhor,
baianíssimos, puros Suerdieck.
Fidel Castro oferecendo charutos Suerdieck a Carlitos (Charlie Chaplin), numa charge
de Agostinho Gisé, veiculada em 1980, na revista Status.
47 Como se tratava de dar ocupação à mão-de-obra nacional, o governo isentava de impostos as operações pelo sistema
“draw-back”: importação do charuto semi-acabado e exportação do charuto acabado.
216
August Blase é incorporado pela Dannemann Zigarrenfabrik GmbH, sediada em
Lübbecke. Em abril de 1981 a Dannemann alemã, controlada pela Melitta, assume
o lugar de Blase na Suerdieck, transformando-se na nova sócia majoritária. No ano
seguinte, em assembléia geral extraordinária, realizada a 12 de março de 1982, é
apresentada uma carta datada do dia 24 do mês anterior, onde Peter Wimmer48
renunciava à presidência da Suerdieck. Para substituí-lo, a Melitta colocou um
tcheco naturalizado brasileiro, Eugenio Saller. Logo após a troca no comando saiu
um informe publicitário, que circulou encartado nas principais revistas nacionais.
Intitulado “A Reconstrução de um Império”, foi aposto, em destaque, o lead abaixo:
O Grupo Melitta investe milhões de dólares para modernizar a
Suerdieck e aprimorar a qualidade de seus produtos.
A frase “aprimorar a qualidade de seus produtos” foi de cunho falso. Na verdade,
o nível qualitativo dos charutos estava despencando por conta de compras malfeitas
de fumo, efetuadas por prepostos com parcos conhecimentos técnicos da lavoura
fumageira. O novo presidente, da “Nova Suerdieck”, como Saller gostava de frisar
e perpetuou na publicação oficial, vivia a síndrome do medo, de pavor ao passado
opulento e respeitável da Suerdieck. Fazia de tudo para destruir esta imagem. Sua
tônica era alfinetar a verdade histórica, com afirmações recheadas de maldades e
extemporâneas. Afinal, há sete anos a Melitta era dona da Suerdieck. Mas Saller
buscava no passado o bode expiatório para os problemas do presente, dizendo
demagogicamente:
INFORME PUBLICITÁRIO
Compramos um nome de prestígio,
embrulhado num pacote de problemas.
Saller sempre iniciava suas citações com uma frase verdadeira
para concluir com outra fora da realidade, como esta jóia do
delírio, também registrada no informe publicitário:
— Nosso objetivo é ampliar o mercado interno, que pode
absorver 100 milhões de unidades por ano!
Pela previsão do presidente, a meta de 100 milhões de
charutos seria factível até 1985, “quando todos os objetivos
terão sido alcançados”, profetizou. Na Suerdieck sabia-se da
inviabilidade desta fantasia faraônica. A pergunta de todos era:
“Como ampliar as vendas se tinham implodido o setor comercial
da distribuição nacional, que a Suerdieck levou décadas para
edificar?
Eugenio Saller e uma de
suas frases utópicas.
48 Peter Wimmer envolveu-se na Alemanha num escândalo que teve ampla repercursão na imprensa. Acusado de
sonegação fiscal e apropriação indevida de 213 mil marcos, arrebanhados entre junho de 1997 e dezembro de 1981,
período que presidia a Suerdieck, foi levado a julgamento em Bielefeld. Em outubro de 1984 saiu a sentença do tribunal
alemão, uma condenação a 30 meses de prisão, para Wimmer cumprir em regime fechado.
217
Reprodução
Eugenio Saller sonhava à distância, pois dirigia a Suerdieck por controle remoto,
da retaguarda, do seu escritório em São Paulo, onde residia49. Aqui na Bahia
quem mandava, desmandava, pintava e bordava, era o diretor superintendente,
Rodolf Fraunhofer, o braço esquerdo da Suerdieck. Como Saller, o braço direito,
nada entendia de fumos e de comercialização de charutos. Prova é que tentou
alterar um sistema consagrado universalmente, ao cogitar a venda de charutos
pelo peso, numa vulgarização que retiraria do produto toda a sua nobreza.
Quando a inusitada proposta foi inserida na pauta de uma reunião, os gerentes
brasileiros, remanescentes do período áureo, já assombrados com alguns métodos
“revolucionários” implantados pelo que chamavam de “capataz da Melitta”, passaram
a ter fundadas suspeitas do equilíbrio psicótico do dirigente. Pelos corredores
sussuravam: “Este alemão é doido!”.
Mas o hilariante mesmo foi o diretor ter despachado para Santa Catarina um
agente para fechar a compra de três mil fardos de fumo Amarelinho, a preço bem
inferior aos fumos da Bahia e de Arapiraca. Por se tratar de uma espécie para
cigarros, o fumo do sul do Brasil não pode ser usado em charutos, sendo os fardos
abandonados num depósito da fábrica de Maragogipe. Debochadamente, os mestres
charuteiros se referiam ao “estoque estratégico” como “o fumo do Fraunhofer”.
Pois bem, entregue ao comando de pessoas estranhas ao mundo dos charutos
e ao próprio mundo baiano, e também por desconhecerem completamente os
bastidores do mercado brasileiro de charutos, a Suerdieck empacou, não chegou
no patamar projetado e esperado por Saller. Como as multinacionais poderosas
exigem resultados compatíveis com o nível dos investimentos, a Melitta optou em
desfazer-se da Suerdieck50. A aventura tinha durado onze anos, tempo suficiente
para avaliar e reconhecer a ineficácia de seus executivos no ramo de charutos. Eles só
foram eficientes na pose e na arrogância imperial, típica dos que se julgam superiores
a tudo e a todos.
O problema da Melitta
não foi de ordem financeira,
mas de gestão empresarial.
Para vencer no mundo charuteiro,
não basta ter dinheiro,
tem que haver experiência e
competência neste difícil ramo.
Sem time no topo da organização, para torná-la realmente vitoriosa na atividade
charuteira, a Melitta decidiu devolver a empresa à família Suerdieck após um vultoso
prejuízo operacional no exercício de 1985. A devolução foi de modo silencioso,
sem nenhum comunicado nos jornais de Salvador ou de outras cidades, como São
49 Saller repartia seu tempo com outra presidência, na Companhia Industrial de Celulose e Papel Guaíba, também do
Grupo Melitta.
50 Antes, a Melitta já havia demitido Rudolf Fraunhofer, julgado responsável por “condução desastrosa na Suerdieck”.
218
Paulo e Rio de Janeiro, onde a multinacional havia badalado que iria transformar a
Suerdieck nisto e naquilo. Já dizia um antigo provérbio popular: “Falar é fácil, o difícil
é fazer”. Sem especialistas na matéria-prima, na fabricação e na comercialização, o
difícil torna-se até impossível.
OS PECADOS CAPITAIS
1º PRESIDENTE: WIMMER
Passava a maior parte do tempo na Alemanha, orquestrando falcatruas
contra o fisco e a própria empresa.
2º PRESIDENTE: SALLER
Nem vinha à Bahia, mas era notória a sua ignorância nos setores da
matéria-prima e do marketing charuteiro.
DIRETOR SUPERINTENDENTE: FRAUNHOFER
Um incompetente crônico, sem nenhuma qualificação técnica para
superintender uma empresa do porte da Suerdieck.
BANDITISMO
Também contribuiu para os prejuízos operacionais a ação de alguns
executivos desonestos, verdadeiros gângsteres, que traíam a confiança
da Melitta. Aplicaram os mais variados golpes: compras desnecessárias
ou para uso pessoal, aquisições fantasmas e pagamentos superfaturados.
Roubaram até um antigo sino da fábrica de Maragogipe, que foi parar
numa fazenda em São Paulo.
Porém, reconhece-se e credita-se à Melitta dois méritos inquestionáveis. Manteve
intocável o emprego dos operários de Cruz das Almas e Maragogipe,uma exigência
de Geraldo Suerdieck ao transferir o controle acionário. A Melitta saiu da Suerdieck
deixando-a financeiramente saneada, sem dívidas, embora comercialmente
arruinada.
CONSEQÜÊNCIA DO CASO WIMMER NO BRASIL
Numa auditoria, fiscais do governo alemão apreenderam documentos
que comprometiam Peter Wimmer. Dentre eles relatórios da produção
pelo sistema “draw-back”, assinados pelo diretor industrial, Geraldo Meyer
Suerdieck. Os dados não batiam com os que foram contabilizados por
determinação de Wimmer. As diferenças, de milhões de charutos, teriam
sido a ponta do novelo para a descoberta de outros procedimentos
irregulares, que culminariam no indiciamento, julgamento e prisão do
219
executivo.
No entremeio das investigações, Geraldo recebeu uma solicitação,
através de Franz Himberger, para refazer os relatórios e assinar uma carta
vinda já pronta da Alemanha, na qual o diretor brasileiro assumia os erros
e atestava a inocência do presidente. Era uma desesperada tentativa para
livrar a cabeça do Wimmer dos rigores das leis alemãs. Geraldo não acatou
as ordens, por dois motivos:
1. Como presidente da Suerdieck sua conduta sempre fora de manter
a empresa dentro dos trilhos da legalidade, sem qualquer artifício
para burlar leis ou sonegar impostos;
2. Homem de passado limpo, não iria, aos 64 anos, fabricar
documentos para falso testemunho, expondo-se também a ser
enquadrado como corrupto perante a legislação na Alemanha,
onde a comprovação dos casos de falsidade ideológica terminavam,
invariavelmente, na cadeia.
Porém, a honestidade teve o seu preço estipulado em 9 de maio de
1983, quando a assembléia geral ordinária reduziu de quatro para três
o número de cargos na Diretoria. O extinto foi justamente o de Geraldo,
que neste mesmo dia deixou a Suerdieck, para se dedicar exclusivamente
ao comércio de fumos na sua exportadora, a Gerdieck.
A condenação de Peter Wimmer teve destaque na imprensa alemã. A matéria acima foi publicada no jornal Neue
Westfälische, edição de 5 de outubro de 1984: 30 meses de prisão para o “Rei do Cigarrilho”.
220
Capítulo
N
32
HONRARIAS
HONRARIAS
o dia 1º de maio de 1958, no Rio de Janeiro, em solenidade
realizada na sede do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
o ministro José Parsifal Barroso entregou ao presidente da Suerdieck a Medalha de
Ouro e o Diploma de Honra ao Mérito no Trabalho e na Produção. Geraldo Meyer
Suerdieck constituiu-se assim no primeiro industrial do Norte/Nordeste a ser
distinguido com as duas elevadas
honrarias oficiais, anualmente
concedidas, no Dia do Trabalho,
há apenas quatro empresários. As
homenagens a Geraldo, de ampla
repercussão, foram decorrentes
dos relevantes serviços prestados
à causa social, como empregador
na indústria. Esta foi a conclusão
da comissão criada pelo governo
federal, encarregada de analisar e
aprovar nomes de destaques na
vida sócio-econômica do Brasil.
Em 4 de abril de 1959, o
prestigioso jornal Estado da Bahia,
órgão dos Diários Associados, a
maior rede jornalística do país,
publicou a relação dos “Dez
Baianos mais Empreendedores”.
Geraldo Meyer Suerdieck apareceu Parsifal Barroso, ministro da República, entregando a Geraldo
no topo da lista, com divulgação Suerdieck o Diploma de Honra ao Mérito no Trabalho e na Produção.
do seguinte currículo:
O senhor Geraldo Meyer Suerdieck viveu de 1928 a 1933, e de 1937 a
1939, na Alemanha. Conhece quase todos os países da Europa.
Liderando as mais importantes organizações de fumo, tem levado o
nome da Bahia a todos os estados do Brasil e mesmo pelo mundo afora.
A lavoura, a indústria e o comércio de fumos encontram nas diversas
empresas ligadas a Geraldo Suerdieck uma posição de destaque em
nossos meios econômicos.
221
Agraciado no ano passado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, com Medalha de Ouro e Diploma de Honra ao Mérito, Geraldo
já exerceu os cargos de presidente do Sindicato da Indústria de Fumo
do Estado da Bahia e de diretor da Associação Comercial da Bahia. Foi
conselheiro da Federação das Indústrias do Estado da Bahia. Atualmente
preside a Câmara de Fumos da Bolsa de Mercadorias da Bahia.
No Grupo Suerdieck comanda um conjunto formado por nove
empresas. Homem de grandes ocupações, seu hobby é o trabalho,
que não esquece mesmo nos feriados e dias de descanso. Dificilmente
participa de reuniões sociais, mesmo sendo figura de muito destaque na
sociedade baiana.
Na verdade, o hobby de Geraldo era assistir competições de remo e futebol. Em
Salvador torcia pelo Esporte Clube Vitória, tendo em dezembro de 1952 doado o
barco Suerdieck para enriquecer a flotilha do rubro-negro. Sempre que podia ia ver
o Vitória nas regatas no porto dos Tainheiros e nos jogos da Fonte Nova. Freqüentava
também os mais importantes estádios brasileiros e europeus. Estava no Maracanã
na decisão do mundial de 1950, ganho pelo Uruguai diante dos olhos de 220 mil
espectadores. Eis o que os de Geraldo viram:
Ao assinalar o gol da vitória, o uruguaio Gighia impôs ao monumental
e superlotado estádio um silêncio mortal. E quando o juiz apitou o final
do jogo, o Maracanã dava a impressão de ter-se transformado no palco de
um gigantesco velório. Os brasileiros foram saindo aos poucos do maior
templo de futebol do mundo. Pareciam desorientados pela tragédia
esportiva e caminhavam lentamente, em marcha de cortejo fúnebre,
entregues aos soluços e lágrimas.
Tamanha dor coletiva somente voltaria a ver em 1954, no dia do
suicídio de Getúlio Vargas. Ao sair do Hotel Glória, onde estava hospedado,
deparei-me com um clima de grande comoção popular pelas ruas do Rio
de Janeiro. O traslado do corpo do presidente até o aeroporto foi outra
cena dantesca, que também muito me emocionou. A multidão parecia
transtornada, como se todos tivessem diante da perda irreparável do pai
ou de um irmão.
Durante a juventude,Geraldo destacou-se como ponta-direita habilidoso,
tendo na Alemanha atuado no time do Donnerbank. Em Salvador criou e jogou
no Suerdieck Futebol Clube, que chegou a fazer várias partidas preliminares de
jogos profissionais no Estádio Arthur Morais, o popular Campo da Graça, que foi
o principal templo do futebol baiano até 1952. A partir do ano seguinte os jogos
de maior envergadura foram transferidos para um novo estádio, o da Fonte Nova.
A última vez que Geraldo jogou foi numa partida entre a Suerdieck e a seleção da
222
Penitenciária de Salvador, quando, ao chutar para assinalar o segundo gol, sofreu
uma entrada desleal do marcador, que cravou os bilros da chuteira na sua canela.
Com o sangue escorrendo, teve de deixar o campo, com a sorte do detento não
ter lhe quebrado a tíbia. Nunca mais jogou futebol. Também já estava beirando os
trinta anos e não via mais sentido jogar no meio dos jovens valores que renovavam
o plantel da Suerdieck.
Time de futebol da Suerdieck, em 19 de setembro de 1945, logo após um jogo treino. Da esquerda para
a direita: Geraldo Suerdieck, Jessy Amorim, Gilberto Lacerda, Almeidinha, Euriberto Ferreira, Fernando
Suerdieck e Dudu. Agachados: Epaminondas Bandeira, João, Nicolau Suerdieck, Aroldo Ribeiro e Péricles
Drumond. O garoto é Maneca, filho de Epaminondas Bandeira.
Abandonado o futebol, passou a se dedicar com intensidade a um outro
hobby que o fascinava, o cultivo das orquídeas.
Na mansão da Graça possuía um fantástico
orquidário, com mais de 300 espécies raras, de
todas as regiões brasileiras e de dezenas de países.
Montou também um viveiro na Fazenda Boa Vista,
localizada na entrada da cidade de São Gonçalo
dos Campos, destino dos passeios a cavalo. De
área pequena, impressionava pela organização,
verdadeiro modelo para propriedades do seu
porte. Havia pomar, haras, apiário, animais
silvestres e criação de gado leiteiro, galinhas,
saqués, perus, gansos, pavões e porcos, além das
orquídeas colocadas nos troncos do arvoredo
nativo. A casa-sede tinha mobiliário em madeira
de lei, todo confeccionado por hábeis marceneiros Sede da Fazenda Boa Vista.
223
da carpintaria da fábrica Suerdieck em Maragogipe. Além
do lazer familiar, a propriedade servia como ponto de apoio
para os que chegavam à região fumageira levados por
Geraldo. Uma boa parte dos hóspedes era de importadores
de fumos ou charutos e até por donos de fábricas de
charutos no exterior.
Sabedores da paixão pela orquidologia, muitos
agentes distribuidores dos charutos Suerdieck ofereciam
a Geraldo mudas preciosas. Mas na maioria das vezes
ele as adquiria durante suas viagens, algumas delas em
países tão longínquos como a Indonésia. Nas décadas de
50 e 60, Geraldo chegou a ser, seguramente, o empresário
baiano que mais viajava ao exterior, sempre para tratar
das exportações de fumo em folha ou de charutos. Culto
e poliglota, nunca precisou de intérpretes. Tratava tudo
diretamente, em alemão, inglês, francês ou espanhol.
Geraldo e Aída na Fazenda Boa Vista,
em São Gonçalo dos Campos, julho
de 1958.
Na comunidade internacional de setor fumageiro, Geraldo gozava do
conceito de ser um dos maiores especialistas do mundo em fumos e
charutos.
Um fato que lhe encheu de orgulho ocorreu em Hamburgo, durante uma visita
programada à firma Gebr. Keitel, cujo titular era um nobre, Von Leisewitz. Conduzido a
uma grande mesa com duas pilhas de fumo, cada uma coberta por uma toalha branca,
um dos executivos perguntou, num teste para desmoralizar ou consagrar:
— Senhor Suerdieck, recebemos as amostras dos FL’s, uma ao preço de 1 dólar e
outra por 80 cents. Para nós são da mesma qualidade. Deixamos aqui para o senhor
indicar o tipo mais caro!
Não foi difícil para Geraldo, após uma rápida avaliação, apontar com absoluta
segurança para o monte mais caro. Havia sido preparada uma cotação para mil fardos
de FL Bahia-Brasil a 1 dólar o quilo. A firma alemã contrapôs a compra por 80 cents.
Geraldo respondeu com uma nova amostra, esta sim, no valor proposto pelo cliente. Só
que esta última continha uma mistura com 25% de FL Arapiraca-Alagoas, cujo formato
da folha, espessura, coloração e cheiro eram um pouco diferentes do FL Bahia-Brasil,
imperceptíveis por leigos ou semi-leigos. Didaticamente, Geraldo mostrou aos alemães os
diferenciais técnicos. Ficaram tão surpresos com a honestidade comercial que nunca mais
questionaram qualquer item em relação aos fumos cotados pela empresa de Geraldo.
Certa feita, na Suíça, ao visitar uma fábrica de charutos na cidade de Burg/Aargau,
em atividade desde 1864 e dona da famosa marca “Rossli”, Rudolph Burger, queixouse que na última compra havia recebido gato por lebre. Assustado com a denúncia,
224
Geraldo pediu para ver uma amostra do produto. Ao examiná-la, desabafou,
taxativamente:
— Deve haver algum engano, este fumo não é nosso, quero inspecionar os fardos!
O industrial acompanhou-o ao depósito, onde o encarregado apontou para
as pilhas recém-chegadas do Brasil. Geraldo aproximou-se, mandou virar um dos
fardos e passando a mão no invólucro de aniagem mostrou com um leve sorriso:
— Não falei que houve engano? Este fumo pertence a outro exportador, veja
as iniciais dele aqui, CL. É de Carl Leoni!
O capitão do Grupo Burger Söhne ficou muito impressionado com o
conhecimento demonstrado por Geraldo. A partir daí nasceu uma sólida amizade
entre ambos. Noutra visita, Rudolph Burger confidenciou possuir um neto que
era admirador fanático do Pelé, terminado por pedir uma foto autografada pelo
craque. Geraldo ficou numa situação difícil, pois não conhecia Pelé pessoalmente.
Voltou ao Brasil pensando numa maneira de conseguir atender ao desejo do
amigo. Poucos meses depois, num sábado pela manhã, na marina onde ficava a sua
lancha, deparou-se com Pelé, que também se preparava para sair, na companhia
de cicerones baianos, para um passeio pela Baía de Todos os Santos. Foram
apresentados, bateram papo, mas Geraldo só se lembrou da foto depois, tarde
demais. Na segunda-feira, no Aeroporto Dois de Julho, quando aguardava o vôo
que o levaria ao Rio de Janeiro, onde faria conexão para nova viagem à Europa,
outra coincidência, lá estava o astro do futebol. Enquanto conversavam, Geraldo
contou o pedido do industrial suíço. Pelé colaborou na hora e poucos segundos
depois, uma máquina Polaroyd registrou o encontro dos dois. No verso o rei fez a
dedicatória para o menino, que recebeu o presente das mãos do próprio Geraldo.
A Pelé ofereceu uma caixa de charutos Suerdieck, retirada da loja do aeroporto,
com a seguinte observação:
— Sei que você não fuma, mas leve para o seu pai. Ofereça ao Dondinho esta
lembrança da Bahia!
Uma ocasião, quando ao volante do seu automóvel se dirigia da Alemanha
à Suíça, teve o veículo revistado na fronteira. Os guardas helvécios viram no
porta-malas dez caixas da Suerdieck. Para liberá-las exigiam o pagamento de
impostos, elevadíssimos. Geraldo argumentou que os charutos se destinavam
ao seu consumo pessoal e que, com aquela taxação, preferia deixá-los ali, pois
seria muito mais barato requisitar novas caixas no distribuidor, A. Dürr & Co. AG,
em Zurique. Os aduaneiros não gostaram da observação e um deles ameaçou:
— Ou paga ou o autuamos por contrabando!
Depois de muita conversa, convencidos de que as caixas não seriam vendidas
na Suíça, pois de fato estavam diante do proprietário da fábrica famosa, fizeram-no
assinar um termo de doação dos charutos, em favor de uma instituição filantrópica.
Geraldo continuou a viagem convencido de que as caixas seriam na verdade
repartidas entre os próprios guardas do posto fronteiriço. Tinha percebido que
os olhos de alguns brilhavam de desejo pelos produtos sobejamente conhecidos.
225
Na convivência das viagens internacionais, pelo fato de possuir sobrenome
genuinamente germânico e por falar fluentemente alemão e inglês britânico,
muitos confundiam-no como empresário alemão radicado Brasil. Embora pudesse
usufruir da cidadania alemã e usar passaporte alemão, Geraldo jamais pleiteou tais
direitos. Preferia ser exclusivamente brasileiro e ficava aborrecido quando ouvia
perguntas cretinas ou comentários desfavoráveis ao seu país. Sentia-se ofendido
com a ignorância ou imagem distorcida que os europeus e americanos tinham do
Brasil. A grande maioria acreditava que o Brasil era inóspito, um território selvagem,
habitado por índios ferozes, por animais perigosos e cheio de doenças tropicais.
Muita vezes Geraldo recepcionou visitantes que chegavam cautelosos, pisando
em ovos. Uma certa feita o casal Suerdieck recebeu uma alemã para jantar em
Brotas, na Chácara Suerdieck, dotada de vasta vegetação nativa. Após o repasto,
todos se dirigiram a uma varanda na lateral da casa, para respairecer e apreciar o
bosque iluminado pelo clarão da lua cheia. De repente, Geraldo verificou que a
visitante olhava para a parede com ar de assombro. Quis saber a razão da súbita
preocupação, tendo recebido uma resposta que lhe deixou espantado, pois a
distinta senhora apontou e disparou:
— É aquele filhote de crocodilo. Será que a mãe está por perto? Ela vai entrar
aqui?
Frau Elisabeth tinha visto uma lagartixa branca, o inofensivo e pequenino réptil
de hábitos noturnos, que vive exclusivamente nas paredes das construções. O que
ela não sabia e se descobrisse ficaria horrorizada, talvez até fosse acometida de
um mal-estar, era da existência de um jacaré-de-papo-amarelo, uma espécie da
família dos crocodilos. Fora colocado na propriedade para meter medo e afastar a
entrada dos ladrões de frutas. Mas o tiro saiu pela culatra, pois mataram e levaram
a carne do animal, de sabor muito apreciado, principalmente quando cozinhada
na forma de moqueca, um prato típico da Bahia, preparado com azeite-de-dendê.
Noutra ocasião, Geraldo hospedou um inglês na Vila Suerdieck, em Maragogipe.
Na manhã seguinte, fez a pergunta de praxe:
— Como foi a noite, dormiu bem?
— Para dizer a verdade, senhor Suerdieck, não consegui dormir um minuto!
— O que foi que houve?
— Um mosquito ficou a noite inteira me mordendo. O danado não perdia uma
viagem, piscava uma luz para me localizar!
A luz era de um vaga-lume, um pirilampo vagueando pelo quarto com o seu
intermitente pisca-pisca fosforescente, mas as ferroadas foram das muriçocas
que infestavam Maragogipe naquela época do ano. O visitante tinha sido,
inadivertidamente, alojado num quarto desprovido de mosquiteiro, o cortinado
protetor contra as investidas do terrível inseto, invisível à noite, que só ataca no escuro.
Quando já não era dono da Suerdieck, o município de Salvador, por iniciativa
do vereador Jaime Vieira Lima, homenageou o empresário que durante 27 anos
comandou a empresa que muito contribuiu para divulgar a Bahia no exterior. No dia
12 de novembro de 1975, o prefeito Jorge Hage Sobrinho sancionou a Lei nº 2.777,
que oficializou denominações de logradouros no bairro da Boca do Rio. Um deles,
226
de código 2322, que começa na Rua Cristóvão Ferreira e termina na Abelardo Andrade
de Carvalho, recebeu a designação de Rua Geraldo Suerdieck, donde deriva a Travessa
Geraldo Suerdieck, que tem o código 15736.
João Ramos
VILA SUERDIECK
A antiga residência de Gerhard vista através de dois ângulos, em épocas distintas. No final de 1937 foi transformada
em hospedaria, para uso de visitantes especiais, empregados graduados em permanência temporária e diretores
em trânsito por Maragogipe.
227
HOMENAGENS PÚBLICAS OFICIAIS
Designação
Cidade
Homenageado
SUERDIECKSTRASSE
(Rua Suerdieck)
MELLE
(Alemanha)
AUGUST WILHELM
SUERDIECK
RUA
AUGUSTO SUERDIECK
MARAGOGIPE
AUGUST WILHELM
SUERDIECK
RUA
FERNANDO SUERDIECK
MARAGOGIPE
HEINRICH FERDINAND
SUERDIECK
COLÉGIO ESTADUAL
GERHARD MEYER
SUERDIECK
MARAGOGIPE
GERHARD MEYER
SUERDIECK
RUA
GERHARD MEYER
SUERDIECK
MARAGOGIPE
GERHARD MEYER
SUERDIECK
PRAÇA
GERALDO MEYER
SUERDIECK
CRUZ
DAS ALMAS
GERALDO MEYER
SUERDIECK
RUA
GERALDO SUERDIECK
SALVADOR
GERALDO MEYER
SUERDIECK
TRAVESSA
GERALDO SUERDIECK
SALVADOR
GERALDO MEYER
SUERDIECK
Obs: Em Salvador, na Casa de Retiro São Francisco, por contribuições à realização de obras,
existem duas placas de agradecimentos, a Gerhard Meyer Suerdieck e Geraldo Meyer Suerdieck.
Geraldo era constantemente
citado nos periódicos especializados
em fumos e charutos. Um deles,
a revista World Tobacco, editada
em Londres, enviou-lhe um ofício,
redigido em alemão (ao lado),
solicitando dados biográficos e
autorização para publicação do seu
perfil numa seção reservada aos
executivos importantes, conhecidos
no comércio mundial. O registro
saiu em inglês, o idioma oficial do
conceituado magazine de circulação
internacional.
228
Leão Rozemberg
GERALDO M. SUERDIECK
WORLD TOBACCO
229
EXPOENTES DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
Em 1960, a Confederação Nacional da Indústria prestou um tributo à memória de onze empresários que haviam se
destacado no setor industrial do país. Individualmente, a láurea foi consignada numa placa circular (7cm de diâmetro)
cunhada em bronze e contendo em alto-relevo a efígie do homenageado. A distribuição foi conjunta, com as onze
medalhas dentro de grandes estojos aveludados. Eis o seleto grupo, por ordem alfabética: Alvimar Carneiro de Rezende
(1897-1943), Armando Arruda Pereira (1889-1955), Carlos Renaux (1862-1945), Delmiro Gouveia (1863-1917), Euvaldo
Lodi (1896-1956), Francisco Matarazzo (1854-1937), Gerhard Meyer Suerdieck (1886-1950), Jorge Street (1863-1939),
Luiz Tarquínio (1844-1903), Morvan Dias de Figueiredo (1890-1950) e Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948).
Miss Bahia 1965, Marilda Mascarenhas, em visita à sede da Suerdieck. A pose é junto ao quadro da matriarca da família,
Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck, pintado por M. Gaspar, em 1946.
230
Capítulo
33
CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK
CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK
A
o casar-se com Geraldo Meyer Suerdieck, Gisela Huch deixou de ser
uma simples secretária na Exportadora de Fumos Suerdieck para
se transformar numa executiva de primeiro escalão. Quando o namoro começou,
reconhecendo potencial na moça, Geraldo mandou-a para um estágio em
Maragogipe, onde absorveu os conhecimentos técnicos na escolha de bons fumos
e aprendeu tudo sobre a fabricação de charutos, os quais, na convivência com o
marido, passaria a fumar.
Geraldo também traquejou a esposa nas viagens internacionais de negócios,
abrindo portas e introduzindo-a no círculo empresarial da Europa, inclusive
no Donnerbank, onde ela penetrou através da Hans Joachim Peters, filho do
comendador Julius Peters. Hans, que substituiu o pai no topo da organização, era
amigo de Geraldo, pois haviam sido colegas no estágio profissionalizante.
O aprendizado de Gisela foi rapidíssimo e, em pouco tempo, resolvia negociações
que não dependiam mais da presença do marido. Virou expert em questões do
mercado externo, tanto que, mesmo após o casamento desfeito, continuou a
trabalhar para o Grupo Suerdieck, como procuradora, baseada em Hamburgo.
NA AGRO A ASCENSÃO
Em 1978 Gisela Huch Suerdieck retornou ao Brasil para assumir uma diretoria
na Agro Comercial Fumageira S.A., que não havia sido repassada ao Grupo Melitta.
A posição foi-lhe proporcionada pelo ex-marido, que através da Gerdieck detinha
uma participação acionária na empresa. Pensando no futuro dos filhos gêmeos e
também desejando vê-los residindo na Bahia, Geraldo criou os meios que fizeram
a mãe das crianças co-proprietária e dirigente da Agro, conforme quadro abaixo.
Presidente................................................ Fernando Meyer Suerdieck
Vice-Presidente........................... Mário Amerino da Silva Portugal
Diretora Superintendente............................... Gisela Huch Suerdieck
Diretor Técnico......................................... Agenor de Jesus Souza
Graças aos indiscutíveis méritos pessoais, não foi difícil para Gisela tornar-se
vitoriosa na Agro. Especialista no mercado internacional de fumos, assumiu as
rédeas das exportações. Em julho de 1983, numa operação com a participação do
231
Donnerbank, Gisela tornou-se acionista majoritária e elevou-se à presidência da
empresa, consolidando a imagem de empresária bem-sucedida, de vertiginosa
ascensão e notável articuladora internacional.
COMPRA DA SUERDIECK
Três anos após ter assumido o controle total da Agro, Gisela Huch Suerdieck
surpreendeu o meio empresarial baiano com a compra da Suerdieck, em 16 de julho
de 1986. Fora vendida pela Melitta num processo de pagamento parcelado até 1993.
Portanto, 11 anos e 4 meses depois, o controle acionário de um dos mais famosos
fabricantes de charutos do mundo voltou à família Suedieck, agora representada
pela quarta geração. Com os novos donos surgiu também uma nova razão social,
Suerdieck Charutos e Cigarrilhas51 Ltda., limitada à Gisela e seus dois filhos, Geraldo
Andreas e Gisela Elisabeth.
GERAÇÕES NO COMANDO
1. Suerdieck
2. Meyer Suerdieck
3. Meyer Suerdieck
4. Huch Suerdieck
CENTENÁRIO DA EMPRESA
1892
1992
O ano de 1992 tinha um significado muito especial. Há um século August
Suerdieck iniciava em Cruz das Almas suas atividades como enfardador e exportador
de fumos. Em comemoração ao centenário da empresa, a Suerdieck preparou uma
exposição itinerante para percorrer dez capitais. A largada foi dada em Salvador,
no dia 26 de abril, no Shopping Barra, seguindo depois para Vitória, Rio de Janeiro,
São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Fortaleza. A
mostra foi montada com 30 painéis fotográficos, catálogos de produtos e caixas de
charutos. Mas, a grande atração, que atraiu às atenções do público, foi o trabalho
de duas charuteiras, que fizeram demonstrações ao vivo, evidenciando a tradição
da Suerdieck, reconhecida mundialmente como fabricante de ótimos charutos
totalmente feitos à mão.
51 Na época da empresa como sociedade anônima, o nome era Cigarrilhos, com sede em Salvador. Com a nova razão
social a sede foi transferida para Maragogipe.
232
FECHAMENTO DE UMA FÁBRICA
Fábrica de Maragogipe, uma das maiores do mundo.
Em 1992 a empresa teve também de tomar uma medida impopular, que mexeria na
economia de um município. Não se justificava mais a Suerdieck continuar mantendo
duas fábricas numa mesma região, em duas cidades distantes entre si apenas 44
quilômetros. A de Maragogipe, onde começou a história dos charutos, era a maior e
mais equipada. A de Cruz das Almas se encaixava no perfil de uma unidade enxuta,
com menor custo operativo. Qual das duas a fechar?
No passado, Maragogipe teve um porto importante, bem movimentado. Agora era
uma cidade parada no tempo. Desde que a linha de navegação perdera a importância
no Recôncavo, ela entrou num paulatino e irreversível processo de decadência. Num
país em que o progresso ficou atrelado à malha rodoviária, Maragogipe, distante de
um eixo rodoviário importante, foi perdendo espaço no contexto econômico.
Com a BR-101 passando na porta da cidade, Cruz das Almas ficou em evidência
e numa posição privilegiada. A rodovia foi a alavanca para o seu progresso e
desenvolvimento rápidos. Por conta disto, o comércio varejista e atacadista prosperou,
surgiram concessionárias de veículos, melhoraram os meios de hospedagem, abriramse restaurantes e surgiram várias agências bancárias. Isto sem falar já na existência
da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia e no Centro Nacional de
233
Pesquisa da Mandioca e Fruticultura, implantado pela Embrapa, que se transformou
num pólo em tecnologia agrícola e deu a Cruz das Almas o título de principal
núcleo produtor de frutos cítricos da Bahia. Ademais, lá estava também a sede da
Agro Comercial Fumageira, pioneira no Brasil no plantio do fumo Sumatra. A Agro
encontrava-se numa situação excelente, abastecendo a Suerdieck de matéria prima
de primeiríssima qualidade e exportando muito fumo. Com 15 campos de cultivo em
quatro municípios (Cruz da Almas, Sapeaçu, Muritiba e Conceição do Almeida), era a
maior empresa brasileira na exportação de fumos capeiros.
CIDADE
REGIÃO
DISTÂNCIA
POPULAÇÃO BANCOS
DE SALVADOR URBANA - 1991
1991
ECONOMIA
CRUZ DAS
ALMAS
RECÔNCAVO
SUL
146km
30.910
05
ASCENDENTE
MARAGOGIPE
RECÔNCAVO
SUL
133km
20.475
01
ESTAGNADA
Devido às circunstâncias do quadro acima, a opção foi pelo encerramento das
atividades da famosa fábrica de Maragogipe. Todos os negócios, de fumo e charutos,
ficaram concentrados na cidade de Cruz das Almas, a capital do fumo baiano, onde
exatamente há um século August Suerdieck começou sua caminhada empresarial e
onde também se abasteceu de recursos para, mais tarde, iniciar a vitoriosa produção
dos charutos Suerdieck.
Com a desativação da
unidade de Maragogipe,
desapareceu a maior fábrica da
história dos charutos brasileiros,
que durante muitos anos foi a base
de sustentação de um verdadeiro
império industrial.
Quem não gostou do súbito fechamento da fábrica pioneira, além, evidentemente,
de seus operários e autoridades municipais, foi o antigo capitão do conglomerado
Suerdieck, Geraldo Meyer Suerdieck, que sempre se orgulhou de ter nascido em
Maragogipe. Ligado por laços afetivos à cidade e à fábrica que seu pai transformou
na mais completa da América do Sul, Geraldo lamentou que na nova gestão da
família Suerdieck, agora sob o comando da ex-esposa, a medida tivesse de ser
implementada. Relembrou que somente havia cedido às propostas para entregar a
Suerdieck à Melitta por causa justamente da fábrica de Maragogipe, para preservar
a sua continuidade e garantir os empregos que sustentavam milhares de famílias
maragogipanas.
234
Fechada a fábrica de Maragogipe, a sede da Suerdieck Charutos e Cigarrilhas
Ltda. foi automaticamente transferida para o endereço da única unidade fabril
remanescente da Suerdieck, à Rua 15 de Novembro n° 25, bem no centro de Cruz
das Almas, pois a cidade cresceu ao redor da fábrica.
FIM DE UM CICLO
A fábrica da Suerdieck em Maragogipe, que chegou a ser a maior do
mundo na produção de charutos artesanais, funcionou até o dia 5 de
novembro de 1992.
Esta data marca o fim da era dos charutos em Maragogipe, que durou
140 anos.
Tudo começou em 1852, com o português Manoel Vieira de Mello,
pioneiro na manufatura empresarial de charutos em Maragogipe, que
teve duas outras fábricas famosas, Victória e Dannemann.
AÇÕES RELEVANTES
Em 1993 foi instalada na Praça da Matriz, num dos prédios da antiga fábrica
dos charutos Mello, a Casa da Cultura de Maragogipe, tendo como mantenedora a
recém-criada Fundação Suerdieck. O empreendimento visava proporcionar à cidade,
sem opções para o desenvolvimento das atividades artísticas e culturais, um espaço
adequado e bem equipado, próprio ao fomento dos bens regionais, valorizando e
incentivando as áreas da música, artes plásticas, artesanato, etc. A iniciativa minorou
um pouco o impacto gerado pelo fechamento da grande fábrica.
Em Cruz das Almas a investida foi no setor educacional, com a criação da Escola
Profissionalizante Gisela Suerdieck. A idealizadora seguia o exemplo da Mercedes
Benz e da Bayer, que mantinham excelentes escolas profissionalizantes na Alemanha.
A escola da Gisela começou com 30 vagas, para formar eletricistas e mecânicos,
em cursos com duração de três anos, onde os alunos estudavam gratuitamente e
recebiam alimentação.
Primeira mulher a fazer sucesso num ramo tipicamente masculino, Gisela
Suerdieck foi convidada para presidir a Câmara do Comércio e Indústria BrasilAlemanha, Seção Bahia. Aceitou dizendo que sua missão seria “restabelecer os laços
da Bahia com a Alemanha, que tinham sido fortes antes da II Guerra Mundial”. Nas
suas viagens à Europa, Gisela passou a incluir na agenda dos trabalhos na Alemanha
assuntos da entidade que tratava do intercâmbio comercial e industrial entre os
dois países. Por conta desta atuação foi homenageada pelo governo alemão, tendo
recebido, em 1994, do embaixador no Brasil, Herbert Limmer, a condecoração da
Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha.
235
Gisela devia a Geraldo a ascensão internacional.
Foi ele quem lhe abriu as portas para o mundo dos fumos, dos charutos
e das finanças.
Entregou-lhe a agenda dos contatos na Europa.
De posse deste legado importantíssimo, e carregando o sobrenome
Suerdieck, ela soube traçar o seu caminho empresarial.
Margret K.H. Schwartz
(Magy)
Gisela Huch Suerdieck em 1994, aos 58 anos, no climax da trajetória empresarial.
Assinaturas da empresária.
236
Capítulo
C
34
RECONSTRUÇÃO DO GRUPO
RECONSTRUÇÃO DO GRUPO
om os bons ventos soprando na exportação dos fumos, Gisela
resolveu investir num leque empresarial, formando um novo
Grupo Suerdieck.
1. CHARUTOS PIMENTEL
Em abril de 1987 foi adquirida a Pimentel Indústria de Charutos Ltda., com sede
e fábrica em Muritiba. Fundada em 14
de setembro de 1937, a Pimentel tinha
boa penetração nos mercados de São
Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul
e em três países da Europa, Holanda,
Alemanha e Suíça.
2. GERDIECK
Mesmo entregando a Suerdieck
ao Grupo Melitta e sendo contratado
como diretor, Geraldo não abandonou
a enfardação e exportação de fumos.
Exercia estas atividades através da
Gerdieck, como supervisor, já que o
comando efetivo da empresa ficou com
a esposa, Neusa.
Ao deixar de ser diretor da Suerdieck
o empresário voltou-se integralmente à
Gerdieck. Quatro anos depois Geraldo
resolveu sair do ramo fumageiro e
se aposentar. A Gerdieck Comércio e
Exportação de Fumos Ltda. foi vendida à
ex-esposa, em 18 de setembro de 1987.
3. CHARUTOS IDEAL
Fundada em Muritiba, a 31 de julho
de 1986, a Manufatura de Charutos Ideal
Ltda. foi comprada pela Suerdieck dois
anos depois, em agosto de 1988.
Anúncio publicado na Alemanha e Suiça, em diversos jornais
e revistas especializadas, quando a Pimentel já estava sob
controle da Suerdieck.
237
4. EXPORTADORA SUERDIECK
Quando a Suerdieck foi repassada à Melitta, a firma holandesa Koch Scheltema
N.V., sucessora de N.V. Koch & Co´s Tabakshandel, que era majoritária na Exportadora
de Fumos Suerdieck S.A., procedeu uma alteração na razão social da empresa baiana.
Tabarama Tabacos do Brasil Ltda. passou a ser a nova designação.
Gisela foi buscar de volta a razão social antiga, haja vista a boa reputação do
nome Suerdieck no exterior. Ademais, havia um componente de ordem afetiva. A
Exportadora tinha sido a razão da sua vinda para o Brasil, como secretária. Agora
era a dona da empresa.
5. CONCESSIONÁRIAS DE VEÍCULOS
Com a abertura às importações, surgiu em 1993 a oportunidade da entrada no
ramo de veículos, sendo negociada a representação da marca francesa Peugeot para
Salvador e Feira de Santana. Em janeiro de 1994 foi inaugurada a concessionária
Nancy Automóveis e depois a Passy Veículos, respectivamente na capital e na maior
cidade do interior baiano.
6. OUTROS INVESTIMENTOS
No período de dez anos (83/93), foram adquiridas várias fazendas, com três
finalidades:
a.Ampliação da área cultivada do fumo Sumatra, que passou de 50 para 450
hectares;
b.Experimentos com outras espécies de fumo;
c.Experimentos com plantas medicinais.
A Agro investiu também em convênios técnicos com universidades do Brasil e da
Alemanha, para pesquisas de novos métodos de secagem do fumo e de combate
às pragas e doenças na lavoura fumageira.
Top de Marketing 93
Com o objetivo de estimular a produção publicitária e as vendas de
produtos e serviços, a Associação dos Dirigentes de Marketing e Vendas
da Bahia – ADVB, instituiu em 1986 o Top de Marketing, uma premiação
anual. Embora a entidade promotora do evento fosse regional, o certame
tinha alcance nacional e os prêmios muito cobiçados.
Na VIII edição do Top de Marketing a Suerdieck Charutos e Cigarrilhas
foi a vencedora na categoria Indústria. O presidente da ADVB, Raymundo
Dantas, ao entregar a estatueta à Gisela Huch Suerdieck, disse que o troféu
tinha sido “o coroamento da capacidade da empresa de transformar
problemas em ótimas oportunidades de bons negócios, usando o
marketing como ferramenta de trabalho”. A solenidade, realizada na noite
de 3 de março de 1994, teve como palco o Hotel Meridien de Salvador.
238
Capítulo
35
RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA
RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA
E
m 1991 iniciou-se um amplo processo de reformulação na estrutura
das marcas, com o objetivo de otimizar a produção, concentrando
recursos nos títulos e formatos de maior aceitação pelo mercado. De quase três
centenas, entre marcas do período pré-Melitta e as que foram criadas durante a
administração dos alemães, chegou-se em 1997 com as seguintes:
1. CHARUTOS LONG FILLER
Panatela Ouro
Panatela Fina Ouro
Mata Fina Especial
Corona Imperial Luxo
* Pimentel Gigante
* Pimentel Príncipe Negro
* Pimentel Paquetá
* Iracema Mata Fina
* Iracema Macumba
* Caballeros
* Valência
2. CHARUTOS SHORT FILLER
Ouro de Cuba Supremo
Florinha
Havana Médios
Havana Pequena Flor
Holandeses Supremo
* Pimentel Rosinha
* Pimentel Pimentillos
* Pimentel Guarujá
* Pimentel Muritiba
* Iracema Santo Amaro
* Iracema Santana
* Iracema Autênticos
* Mandarim Pai
* Copacabana Sumatra
Show-room da Suerdieck na Tabacaria Reis, São Paulo.
* Exportação.
239
3. SHORT FILLER
(produção mecanizada)
Índios
Mulata
Puro Bahiano
Pimentel
4. CIGARRILHAS
Pimentel Cigarrilhas
Brasilva Petit
Palomitas (Classic, Cherry e Clove)
Mas a grande novidade, do ponto
de vista mercadológico, ocorreu
em novembro de 1994, quando
foi lançada uma linha de charutos
especiais. Atendendo aos apelos dos
distribuidores nacionais, e após ter
realizado uma pesquisa de mercado,
foi desenvolvida a série Don Pepe,
voltada também aos consumidores
europeus e americanos.
DON PEPE EXPORT LINE
elenco
SHORT FILLER
LONG FILLER
double corona
churchill
MM
190x20
capa
SUMATRA-BAHIA
178x18.5
´´
robusto
127x20
´´
petit lonsdale
150x16
´´
slim panatela
130x12
´´
half corona
110x14
´´
small cigars
100x10
´´
Os charutos long filler da linha Don Pepe foram concebidos visando também o
segmento dos “Premium Cigars”, uma categoria extremamente seletiva, criada pelos
americanos, para agrupar as marcas nobríssimas, ou seja, a fina-flor da produção
mundial de charutos.
240
PRESENTE &
PASSADO
MARCAS
Em contraposição ao
passado, de centenas
de marcas, para todos
os gostos, preferências
e poder aquisitivo,com
multiplicidade de tipos
(comprimento e bitola
dos charutos), a linha de
produção ficou resumida
a poucas marcas, seletivas,
compatíveis com a
capacidade de uma fábrica
enxuta no espaço físico e
no quantitativo da mãode-obra. Mesmo assim,
a Suerdieck continuou
sendo o maior fabricante
de charutos do Brasil.
FORMATAÇÃO
O formato bojo ou
torpedo, que durante
décadas caracterizou os
charutos Suerdieck, foi
definitivamente substituído
pelo formato paralelo de
bico batido (linheiro). A
empresa acompanhou a
tendência mundial, que
privilegia o padrão da
formatação cubana.
CAPEAÇÃO
A produção dos
charutos com capa clara
foi priorizada em função
do gosto dos fumantes
brasileiros, americanos e
241
até europeus, que se renderam à influência cubana.
Mas, os charutos de capa escura, Bahia-Brasil, continuaram tendo boa aceitação
na Europa, especialmente na Alemanha e Suíça. Por conta disto, a Suerdieck manteve
duas linhas de exportação, Pimentel e Iracema, capeadas com fumo escuro. No
Brasil, a marca Mata Fina Especial passou a ser a única comercializada com o capeiro
Bahia-Brasil.
ANÉIS
No segmento Don Pepe, onde a Suerdieck concentrou todo o esforço de
marketing, quebrou-se a longa tradição dos anéis com a logomarca Suerdieck-Bahia,
nas cores vermelho e branco sob o fundo ouro, num design aristocrático. O novo
anel apresenta cores discretas com o nome Don Pepe em destaque, secundado
pela inscrição Made in Brasil. A assinatura Suerdieck aparece na parte posterior,tão
reduzida que ficou quase imperceptível.
Nas marcas tradicionais foi conservado o Suerdieck-Bahia, usado desde 1905.
Val Araújo
CAIXAS
A Suerdieck não possuía mais a Indústria de Madeiras Esperança, ou qualquer
outro fornecedor de cedro, para a confecção das caixinhas embaladoras. Esta
madeira nobre ficou escassa, tornando-se quase impossível um abastecimento
regular na quantidade exigida pela indústria e no preço que pudesse ser absorvido
pela estrutura de custo de cada produto.
A solução foi encontrada na madeira aglomerada, produzida industrialmente, cuja
matéria-prima é extraída das florestas artificiais, com padrão de crescimento rápido
e econômico. Também passou-se a utilizar, de forma bastante significativa, como já
ocorria na Europa, o recurso das carteiras em papel duplex, para acondicionamento
de poucos charutos, 3, 4 ou 5 unidades.
242
Capítulo
36
A CRISE FATAL
A CRISE FATAL
Para continuar a progredir,
deve-se aceitar o risco de falhar.
Andrew Carnegie
E
É muito melhor arriscar coisas grandiosas,
alcançar triunfos e glórias,
mesmo expondo-se à derrota,
do que formar fila com os pobres de espírito,
que nem gozam muito nem sofrem muito,
porque vivem nessa penumbra cinzenta,
que não conhece vitória nem derrota.
Theodore Roosevelt
nxergando o mundo de forma semelhante às citações acima, Gisela
Huch Suerdieck continuou na sua luta até que, no final de 1995, teve
início uma nova crise financeira no Grupo Suerdieck52. O motivo principal foi a
quebra da safra de 1995, provocada por um ataque severo do fungo cercóspora nas
plantações do fumo Sumatra. Após anos de investimentos, com déficit histórico de
capital de giro e sem financiamentos a curto prazo, a Agro Comercial Fumageira,
dona da Suerdieck, viu-se num processo de grandes dificuldades, colocando em
risco a sobrevivência de todo o grupo empresarial.
A Agro Comercial Fumageira pulou do 232º lugar para o 130º no
ranking das 300 maiores empresas da Bahia. Esta posição, o auge do
desempenho, foi mantida durante dois anos consecutivos, em 1994 e
1995. No desempenho setorial (fumo) liderou por cinco anos seguidos.
Em 1996, com o advento da crise, a Agro não conseguiu sequer figurar
entre as 300 maiores empresas baianas.
CLASSIFICAÇÃO ENTRE AS MAIORES
DESEMPENHO 1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
GLOBAL
232
160
140
132
130
130
fora do ranking
SETORIAL-FUMO
2º
1º
1º
1º
1º
1º
fora do ranking
Fonte: IMIC – Fundação Instituto Miguel Calmon de Estudos Sociais e Econômicos.
52 Os filhos de Gisela exerciam funções executivas de grande importância: Geraldo Andreas era diretor administrativofinanceiro e Gisela Elisabeth a diretora comercial.
243
Em novembro de 1997, quando a Suerdieck já estava mortalmente contaminada
pela crise na Agro, ocorreu uma mudança no topo da organização. Gisela passou
o comando à filha, reconhecidamente uma executiva competente, que tinha
dinamizado o setor comercial da Suerdieck. Mas Gisela Elisabeth pegou a empresa
num beco sem saída, completamente exaurida nos recursos financeiros, drenados
pela líder do Grupo. Sua missão ficou praticamente restrita à obrigação de prolongar
a agonia de um paciente em fase terminal. Internamente, já se sabia que somente
um milagre poderia salvar a Suerdieck do devastador efeito cascata que se originou
na controladora do seu capital.
Durante alguns dias, no jornal A Tarde, foi publicado um convite para o jantar
“Amigos dos Charutos”, programado para 10 de setembro de 1999, no Meridien
Bahia, luxuoso hotel localizado em Salvador. Continha a seguinte informação: “Menu
acompanhado de vinhos portugueses e charutos Dannemann, Chaba, LeCigar e
Menendez Amerino”. Embora convidada, a Suerdieck não participou do evento,
pois se encontrava nos estertores dos moribundos.
A produção de charutos foi interrompida em 30 de outubro de 1999, uma sextafeira. No dia seguinte os operários entraram em férias coletivas. Na reapresentação
tiveram a confirmação da notícia que mais temiam, o anúncio do encerramento das
atividades e o fechamento da fábrica em caráter definitivo. O setor administrativo,
que continuou funcionando durante o “descanso” compulsório do operariado, já
havia concluído os procedimentos para as rescisões dos contratos de trabalho,
garantindo que todo o quadro de pessoal – já reduzidíssimo, com apenas 100
empregados – pudesse obter, com maior rapidez, o seguro-desemprego do governo.
Última das empresas a ser desativada, a Suerdieck não foi fechada por
contingência judicial, decorrente de uma ação falimentar requerida pelos credores
do Grupo ou pelos portadores dos cheques sem-fundos emitidos pela produtora
dos charutos famosos. A paralisação da fábrica ocorreu por completa exaustão nas
fontes da alimentação financeira. Sem crédito na rede bancária e sem meios para o
custeio dos insumos, o colapso total foi inevitável.
A Suerdieck morreu no dia das demissões dos empregados, em 1º de dezembro
de 1999, na cidade onde nasceu, Cruz das Almas, com idade de 107 anos, sendo
94 dedicados à fabricação de charutos. Da mesma maneira como veio ao mundo,
o desenlace ocorreu na forma mais discreta possível, silenciosa e sem alarido na
imprensa.
Durante 55 anos (1942-1997) a Suerdieck constituiu-se na maior fabricante e
exportadora de charutos brasileiros. Paradoxalmente, a crise surgiu num momento
em que o mercado era francamente favorável aos produtores de bons charutos. O
consumo mundial encontrava-se em crescimento e o mercado interno também
dando mostras de recuperação. Enfim, o hábito de fumar charutos renascia com força
na década da virada do milênio, após a intensificação das campanhas internacionais
contra os cigarros.
244
Na crise de 1970,
somente eliminada em 1975,
a origem das dificuldades
estava na empresa líder do Grupo,
Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos.
Na crise iniciada em 1995,
o epicentro das dificuldades foi na
Agro Comercial Fumageira S.A.,
empresa líder do novo Grupo.
Na seqüência das complicações na Agro,
a Suerdieck Charutos e Cigarrilhas Ltda.
foi sangrada em seus recursos e
Fachada da sede da Agro, em Cruz das Almas.
levada à extinção.
Gisela, a construtora e presidente do novo Grupo Suerdieck, entre os filhos Geraldo Andreas (diretor administrativofinanceiro) e Gisela Elisabeth (diretora comercial), em março de 1994. Com a crise financeira, iniciada no ano seguinte,
a capitã não resistiu ao choque de assistir o desmoronamento da Agro Comercial, ficando bastante deprimida. Em
1997 retornou à Alemanha, para levar uma vida longe dos negócios, numa aposentadoria precoce. Coube à filha a
missão de comandar a fábrica de charutos, até o seu último suspiro.
245
Adendo
AS EXPLICAÇÕES DO
DIRETOR ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO
Geraldo Andreas na inauguração da Nancy, concessionária Peugeot, em janeiro de 1994.
Faço abaixo um breve resumo sobre os últimos anos das empresas do Grupo e
sobre os motivos da crise financeira que causou o encerramento das atividades da
Suerdieck.
Estrutura de Capital do Grupo
No ano de 1983 a minha mãe assumiu o controle da Agro Comercial Fumageira,
comprando as ações do senhor Mário Portugal, com a ajuda financeira de bancos
estrangeiros. Naquela época a Agro já apresentava um déficit de capital de giro.
Os clientes passaram a adiantar receitas para poder financiar o custeio da safra. A
Agro aumentou a sua área de plantio de 50ha para 450ha. Além dos investimentos
na expansão da sua produção, foi comprada, entre outras empresas do setor, a
Pimentel e a Suerdieck.
A recuperação da imagem do nome Suerdieck e da qualidade dos seus charutos
exigiram durante anos um aporte constante de capital, feito pela Agro. Em função
destes investimentos, a Agro passou a ser a empresa controladora da Suerdieck.
246
A maioria dos investimentos foi feita com recursos de curto prazo, o que criou
uma forte dependência de capital de terceiros (bancos e clientes).
Não posso deixar de citar também que nos anos 80, alguns executivos do Grupo,
abusando da confiança dada por minha mãe, lesaram seriamente as empresas,
tanto a Agro, como a Suerdieck. Um destes roubos foi levantado pelos auditores
da KPMG, que, a partir deste momento, assumiram a auditoria contábil e financeira
do Grupo.
Quebra da safra de 1995
A incidência desastrosa de um fungo na lavoura do fumo, que atingiu não só a
Agro, como todos os demais plantadores de fumo na região.
Plano Real
O Plano Real teve um impacto muito forte sobre a rentabilidade da Agro. A
desvalorização das receitas e o aumento dos custos, principalmente da mão-deobra (60% do total dos custos), com o aumento do salário mínimo de US$ 70,00 para
US$ 100,00, geraram um aumento do endividamento de curto prazo. Nesta fase, a
crise do setor financeiro, com a intervenção do Banco Central no Banco Econômico,
tornou extremamente difícil para os bancos brasileiros, em função da insegurança
do mercado internacional, a captação de dólares no exterior. Com isso, as linhas
de câmbio, principal linha de financiamento da Agro, tornaram-se escassas, caras
e com um prazo incompatível com o ciclo da safra de fumo, ou seja, a empresa,
neste momento difícil, ainda perdeu a maioria das suas fontes de capital de giro.
É importante lembrar a postura do Baneb, que prejudicou seriamente a Agro
nesta fase. Como o Baneb não conseguia captar recursos no mercado internacional,
a nossa linha de câmbio de US$ 1.000.000,00 ficou indisponível para a empresa.
Conseguímos, através do bom relacionamento comercial, junto ao Deutsch
Südamerikanische Bank (DSK), um banco alemão, um repasse para o Baneb no
valor de US$ 1.000.000,00, exclusivo para ser utilizado pela Agro. O DSK não podia
aumentar o seu risco com a Agro, mas estava disposto a assumir o risco Baneb para
ajudar a empresa. Para o Baneb a operação seria interessante, pois poderia beneficiálo em futuras captações no exterior. Quando o Baneb solicitou oficialmente junto
ao DSK a linha, o Baneb tentou repassar parte do valor para outra empresa, o que
acabou causando um desgaste junto ao DSK e o cancelamento da operação.
Financiamento Clientes
A outra fonte de capital de giro era o financiamento dos clientes. Desde 1983
os clientes ajudavam a custear a safra de fumo através do adiantamento de parte
das receitas. Porém, a quebra da safra e a instabilidade do setor exportador, com
247
a desvalorização do dólar, levaram os clientes a interromper inesperadamente o
financiamento. Eles estavam dispostos a fornecer contratos de compra de fumo, mas
em função do “risco Brasil”, ficaram inseguros em relação ao futuro dos exportadores
como um todo. Tentamos negociar os contratos de compra, mas como o fumo
capeiro claro não é uma commodity, não foi possível levantar um financiamento
baseado nos mesmos.
As duas fontes de financiamento da Agro, os clientes e os bancos, secaram ao
mesmo tempo.
Concessionária Peugeot
Prevendo uma paridade futura entre o real e o dólar, não uma desvalorização tão
acentuada como de fato ocorreu, o Grupo investiu na marca Peugeot, procurando
um equilíbrio cambial dentro do Grupo. Se por um lado as exportações iriam ser
prejudicadas, por outro as importações seriam beneficiadas, uma vez que o governo,
com a redução do imposto de importação sobre veículos, deu um sinal verde para
o setor de automóveis importados. É importante frisar que o local do show-room e
o da oficina eram alugados, o que reduziu bastante o montante do investimento.
Infelizmente, com a mudança radical das regras de mercado pelo governo, o setor
de importados entrou também em crise. Das 25 primeiras concessionárias Peugeot
no Brasil, a nossa foi a de nº 24. Somente uma sobreviveu. O investimento não teve
o retorno desejado, mas não contribuiu de forma expressiva na crise posterior do
Grupo.
Negociações com os Bancos Credores / Investidores
Mediante o impasse financeiro, a família decidiu agir da seguinte forma:
· Contratar um escritório de advocacia de renome nacional (Demarest &
Almeida), para consultar e ajudar a família na negociação com os bancos
credores e na reestruturação financeira do Grupo (financiamentos de
longo prazo, sócios investidores ou venda das empresas).
· Através do escritório Demarest & Almeida, contratamos o Banco Cindam,
que, após diversos estudos, achou viável a elaboração do projeto de
reestruturação financeira do Grupo.
Optamos por contratar a assessoria de profissionais experientes, conscientes da
nossa falta de maturidade profissional para enfrentar uma crise tão séria.
Internamente, optamos, em conjunto, por dividir as tarefas da seguinte forma:
· Minha irmã, que já vinha coordenando o processo de produção das
empresas, iria cuidar também da parte financeira do dia-a-dia, incluindo
a negociação do passivo dos fornecedores com os recursos disponíveis
através das vendas da Suerdieck, única fonte de entrada de dinheiro.
· Eu iria acompanhar as negociações externas junto com o escritório
248
Demarest & Almeida e a elaboração do projeto de reestruturação
financeira pelo Banco Cindam.
É importante deixar claro que, todos os passos das negociações com os bancos,
bem como as negociações junto aos investidores, foram decididos sempre em família
(quando falo família, me refiro a minha mãe, minha irmã e eu).
O BNB foi o primeiro banco que nós procuramos para expor as sérias dificuldades
e solicitar um empréstimo adicional de R$ 2.000.000,00 para concluir o cultivo do
fumo, que já estava plantado, pois o BNB:
· era durante quinze anos um parceiro da empresa,
· era o maior credor e detentor da maioria das garantias da empresa,
· era um banco, voltado para o desenvolvimento regional, preocupado com
os aspectos sociais.
O BNB exigiu, além da garantia dos demais bancos credores, e que estes recursos
seriam exclusivamente destinados ao custeio da safra, uma avaliação da viabilidade
do Grupo por um consultor de confiança do próprio banco. Foi realizada, a pedido
do BNB, uma reunião com a presença dos demais bancos credores, o Banco Cindam,
os advogados do escritório Demarest & Almeida, o consultor indicado pelo BNB (que
aprovou a viabilidade financeira das empresas) e a diretoria do Grupo Suerdieck.
Após a reunião todos os demais bancos deram como certo o empréstimo que seria
concedido pelo BNB.
Infelizmente o BNB contrariou todas as expectativas e, após diversos contatos com
a empresa, incluindo um estudo sobre a viabilidade de transformar a Agro em uma
cooperativa, o empréstimo não foi liberado. Essa postura do BNB, além de causar a
perda da safra que estava em andamento e, com isso, o aumento do endividamento
da Agro, criou um mal-estar muito grande junto aos demais bancos, que também
se recusaram a conceder um capital de giro extra para a empresa. Teria sido muito
melhor se o BNB não tivesse assumido a liderança perante os demais bancos credores.
Os diretores dos bancos em São Paulo diziam “por que nós vamos disponibilizar
recursos para a Agro, se justamente o BNB não está preocupado com isso?” Alguns
funcionários do BNB acharam um absurdo como o banco nos prejudicou.
O projeto, elaborado e apresentado pelo Banco Cindam aos bancos credores,
baseava-se na expansão e no crescimento da Suerdieck dentro do Grupo, ou seja,
a Suerdieck tinha que aumentar o seu faturamento anual, que girava em torno
de US$ 1.500.000,00, e, conseqüentemente, a sua geração de caixa, para ajudar
o pagamento do passivo. A venda isolada da Suerdieck não iria equacionar os
problemas do Grupo.”A Agro investiu muitos recursos na Suerdieck, estava na hora
da Suerdieck ajudar a Agro.” Isso foi fundamental para que a Suerdieck não fosse
vendida isoladamente da Agro. Mesmo que isso fosse feito, qual o investidor iria
assumir o risco de comprar uma empresa, cuja operação poderia ser questionada
judicialmente pelos bancos credores?
Infelizmente, em função da forte e inesperada desvalorização do dólar, aliada
à repentina falta das linhas de financiamentos e a interrupção dos financiamentos
dos clientes, que ocorria há mais de dez anos, não foi possível, em tempo hábil,
desvincular a Suerdieck da Agro.
249
É importante mencionar,
· que todos estes fatos ocorreram em um período de seis meses,
· e para o registro na Junta Comercial da alteração de capital das duas
empresas, era necessária a atualização dos impostos de ambas as
empresas.
Foram realizadas diversas negociações com investidores de dentro e,
principalmente, de fora do país. A família desde o início das negociações deixou
claro que o interesse era de achar uma solução para a continuidade das empresas,
e não uma solução para os donos.
Em nenhum momento ignoramos uma lição dada pela própria família, em 1975,
quando meu pai, os tios e a minha avó abriram mão de todas as ações na Suerdieck,
em troca da preservação da empresa, dos empregos e da tradição internacional
dos charutos.
Não quero detalhar todos os contatos com investidores, mas dois meses antes
da reeleição do presidente do País, quase obtivemos uma carta de intenção para
apresentar aos bancos credores. Porém, quando o governo, em função da crise
asiática, resolveu aumentar os juros internos para 49% ao ano, o investidor desistiu
e resolveu esperar como a economia brasileira iria se desenvolver.
No final, o Banco Fator se interessou pelo projeto e assumiu a tentativa de venda
das empresas e exigiu conduzir as negociações diretamente com os bancos credores.
Infelizmente, as previsões do Banco Fator de achar uma solução também não se
realizaram e o tempo de vida das empresas estava chegando ao final.
Eu não quero com esse relato colocar a culpa só em fatores externos. É evidente
que nós fracassamos na busca de uma solução. A culpa é de muitos, incluindo as
assessorias contratadas, que talvez buscaram um caminho errado, e claro, a família.
É óbvio que a culpa no final recai sobre os donos e não pretendo, e nunca pretendi,
transferir responsabilidades ou apontar “bodes expiatórios”. É evidente também
que se minha irmã e eu tivéssemos tido uma melhor preparação profissional e uma
maior experiência, pudéssemos, talvez, ter enxergado mais cedo a frágil estrutura
financeira da empresa e previsto com mais antecedência a crise. Em momento
algum, porém, nós nos deixamos tomar pelo orgulho ou pela autoconfiança, tanto
que buscamos a ajuda de profissionais competentes, conscientes das nossas próprias
limitações.
Geraldo Andreas Meyer Suerdieck
Ao abrir espaço às explicações do diretor administrativo-financeiro do Grupo Suerdieck, permiti sua
defesa contra as acusações de diversas fontes, nos setores bancário e empresarial, que o tinham na conta
de principal responsável pelo fim das empresas.
Ao diretor imputavam diversas decisões infelizes, que teriam contribuído para fragilizar a capacidade
financeira do grupo na hora de enfrentar as conseqüências do ataque do fungo cercóspora nas plantações
de fumo da Agro. Foi também apontado como obstáculo para que a Suerdieck fosse desvinculada da Agro,
quando ainda havia condições jurídicas e contábeis.
umpf
250
Capítulo
37
CRONOLOGIA
CRONOLOGIA
EVOLUÇÃO EMPRESARIAL
PERÍODO
RAZÃO SOCIAL
ATIVIDADE
1892 - 1905
AUG. SUERDIECK
EXPORTAÇÃO DE FUMOS
1905 - 1914
AUG. SUERDIECK
EXPORTAÇÃO DE FUMOS
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
SUERDIECK & CIA.
1914 - 1946
EXPORTAÇÃO DE FUMOS
SUERDIECK S.A.
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
CHARUTOS E CIGARRILHOS
EXPORTAÇÃO DE FUMOS (*)
SUERDIECK CHARUTOS
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
1947 - 1986
1986 - 1999
E CIGARRILHAS LTDA.
(*) Passou para a Exportadora de Fumos Suerdieck S.A., criada em 30 de março de 1950.
localização da sede SOCIAL
MARAGOGIPE
1905 / 1938
SALVADOR
1938 / 1986
MARAGOGIPE
1986 / 1992
CRUZ DAS ALMAS
1992 / 1999
FUNCIONAMENTO DAS FÁBRICAS
LOCALIZAÇÃO
TEMPO
SITUAÇÃO EM 2000
Maragogipe
87 anos
Prédio abandonado
(grande porte)
(1905-1992)
Cruz das Almas
64 anos
(porte médio)
(1935-1999)
Cachoeira
30 anos
(pequeno porte)
(1936-1966)
Prédio fechado
Depósito de fumo da Danco*
* Danco – Comércio e Indústria de Fumos Ltda., antiga Dancoin, vendida pela Melitta ao grupo
suíço Burger Söhne.
251
PRINCIPAIS DIRIGENTES DA INDÚSTRIA DE CHARUTOS
Fundador: August Suerdieck*
NOME
PERÍODO
TEMPO
ferdinand suerdieck
1905 - 1923
18 ANOS
Gerhard meyer suerdieck
1923 - 1948
25 ANOS
geraldo meyer suerdieck
1948 - 1975
27 ANOS
administração melitta
1975 - 1986
11 ANOS
GISELA H. F. HUCH SUERDIECK
1986 - 1997
11 ANOS
GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK
1997 - 1999
2 ANOS
peter Wimmer 75/82 e Eugenio Saller 82/86
(*) August Suerdieck patrocinou o surgimento da fábrica de charutos, mas, pessoalmente, dedicava-se exclusivamente
ao setor da exportação de fumos. Com a sua aposentadoria, em 1928, esta área passou a ser acumulada por Gerhard
Meyer Suerdieck.
OS SUERDIECK DIRIGENTES DA INDÚSTRIA DE CHARUTOS
252
ESPECIALISTA NO FUMO BAHIA-BRASIL
Acervo: Therezinha Goes de Araújo
Eric Hess
Antônio Eloy da Silva nasceu em São Félix, a 12 de maio de 1903. Aos oito anos foi levado para ser educado na
Alemanha. Ficou morando na casa que August Suerdieck possuía em Wiesbaden. No retorno, em 1919, teve de reaprender
a falar o português, tendo como escola básica a Suerdieck, onde seu padrinho o colocara para trabalhar, no setor de
fumos. Revelando uma excepcional vocação, rapidamente aprendeu tudo e tornou-se um grande conhecedor do ciclo
fumageiro, desde a lavoura até a aplicação da matéria-prima na fabricação dos charutos.
Além da ligação íntima com o fundador da Suerdieck, verdadeiro pai de criação, Antônio Eloy conviveu
profissionalmente com o criador dos charutos, Ferdinand, e com seus sucessores no comando da empresa, Gerhard
e Geraldo. Também conheceu Gisela, pois trabalharam juntos, na época em que a futura dona da Suerdieck estava
casada com o presidente. Em suma, foi o único a ter relacionamentos estreitos com os líderes das gerações familiares
que dirigiram a Suerdieck.
Chegou no topo da companhia em janeiro de 1947, quando a Suerdieck foi transformada numa sociedade anônima
e ele guindado ao posto de diretor técnico. O nome da Eloy da Silva & Cia. Ltda., criada pela Suerdieck, foi em sua
homenagem, bem como os charutos DaSilva e BraSilva, juntamente com várias marcas integrantes do elenco destas
duas linhas.
Durante mais de meio século dedicou-se à Suerdieck, sempre trabalhando com o tabaco nativo. Antônio Eloy da
Silva foi um dos maiores especialistas que a empresa teve na sua história. Geraldo Meyer Suerdieck, uma referência
internacional quando se falava no fumo baiano, foi seu discípulo. O catedrático no fumo Bahia-Brasil faleceu em Salvador,
no dia 25 de abril de 1986, às vésperas de completar 83 anos.
253
LEGADOS CULTURAIS
1.A Suerdieck foi a principal patrocinadora, durante décadas, da Festa
de São Bartolomeu, em Maragogipe, uma das mais tradicionais
e importantes manifestações do patrimônio religioso e culturalpopular do Recôncavo.
2.A Suerdieck fomentou a criação e apoiou o grupo folclórico
Samba-de-Roda da Suerdieck, formado por charuteiras da
fábrica de Cachoeira. O grupo, que continuou existindo mesmo
após o fechamento da fábrica, transformou-se numa relevante
manifestação cultural da Cidade Monumento Nacional.
3.A Suerdieck colaborou, durante muitos anos, com seis filarmônicas
de três cidades: Sociedade Cultural Orféica Lira Ceciliana e
Sociedade Lítero Musical Minerva Cachoeirana, ambas de
Cachoeira; Sociedade Filarmônica Euterpe Cruzalmense e
Sociedade Filarmônica Lyra Guarani, de Cruz das Almas; Sociedade
Recreativa e Cultural Terpsícore Popular e Sociedade Recreativa 2
de Julho, de Maragogipe.
4.Como uma das mais importantes empresas com sede em Salvador,
a Suerdieck apoiou, em diversas oportunidades, a realização de
exposições e eventos artísticos na capital baiana.
PRÊMIO TIBÚRCIA SUERDIECK
Para incentivar o interesse pela cultura científica em geral, e
particularmente pelos estudos da administração escolar, foi instituído pela
firma baiana Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos um prêmio no valor de
Cr$ 100.000,00, a ser distribuído segundo o regulamento do concurso.
A Notícia, 18.01.1961
Rio Preto – São Paulo
O Prêmio Tibúrcia Suerdieck, conferido bianualmente a um autor
brasileiro, dono do melhor trabalho original sobre o tema Administração
Escolar, foi uma promoção idealizada pela Anpae – Associação Nacional
dos Professores de Administração Escolar.
A DÉCADA DE 1950 REPRESENTOU
O AUGE DA OPULÊNCIA DA SUERDIECK.
254
APÊNDICE
APÊNDICE
255
256
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA MEYER
FAMÍLIA MEYER
GEORG ERNST EDUARD MEYER
03.02.1805, Stadthagen
10.12.1861, Stadthagen
AUGUSTE CHARLOTTE WOBBEKING
31.12.1804, Oldendorf
27.05.1887, Stadthagen
JOHANN CHRISTIAN GERHARD MEYER
11.02.1835, Stadthagen
24.09.1898, Stadthagen
HENRIETTE ADALIE KNEMEYER
03.07.1841, Bielefeld
11.08.1906, Stadthagen
• Como não conseguia ter um filho, o casal Meyer
adotou uma menina, Marie, que não aparece no
diagrama. Porém, logo depois nasceria o primeiro
dos dez filhos.
• Desta família de Stadthagen, Gerhard foi o terceiro
a vir para o Brasil. Hermine foi a primeira e uma
outra irmã, Susanne, chegou em 1908, casada
com Eugen Meyer, natural de Winnenden. Um
dos homens da confiança de August, Eugen era
procurador em Salvador da Aug. Suerdieck.
CHARLOTTE LOUISE MEYER
ANTOINETTE CAROLINE MEYER
HERMINE
05.10.1865, Stadthagen
19.12.1902, Bückeburg
30.04.1867, Stadthagen
04.10.1917, Hannover
LOUISE JULIANE GERHARDA MEYER
11.04.1869, Stadthagen
08.11.1906, Bückeburg
FANNY SOPHIE ADELE GERHARDINE MEYER
01.08.1871, Stadthagen
MARIA DE LA LUZ JOHANNA GERHARDINE MEYER
16.03.1873, Stadthagen
25.05.1933, Braunschweig
JOSEPHINE WILHELMINE MARGARETHA GERHARDINE MEYER
02.04.1875, Stadthagen
30.12.1916, Stadthagen
GERHARD
HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER
08.02.1877, Stadthagen
30.10.1931, Wiesbaden
FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT WOLFGANG MEYER
23.05.1878, Stadthagen
21.06.1933, Stadthagen
WILHELMINE AUGUSTE GERHARDINE SUSANNE MEYER
22.11.1880, Stadthagen
20.12.1921, Sachsa
KARL LUDWIG RUDOLF GERHARD MEYER
04.12.1886, Stadthagen
31.07.1950, Salvador
257
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA SUERDIECK
FAMÍLIA SUERDIECK
JOHANN FRIEDRICH SUERDIECK
19.09.1753, Melle 08.01.1827, Melle
ANNA MARIA CHARLOTTE MEYER
1757, Glandorf
26.06.1831, Melle
ANTON RUDOLPH SUERDIECK
01.07.1791, Melle
MARIA ANNA ELISABETH SPECKMANN
14.02.1793, Borgloh
10.01.1875, Melle
JOSEPH SUERDIECK
03.08.1824, Melle
05.04.1875, Melle
ELIESE MARIA NIEMEYER
18.04.1840
23.07.1930, Melle
AUGUST WILHELM SUERDIECK
01.01.1860, Melle
23.09.1930, Wiesbaden
HEINRICH FERDINAND SUERDIECK
29.08.1875, Melle
17.03.1923, Luzern
HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER
08.02.1877, Stadthagen
30.10.1931, Wiesbaden
ALMA STUPPE
SEM DESCENDÊNCIA
03.09.1875, Hamburgo
06.08.1956, Joinville
SEM DESCENDÊNCIA
Nos últimos seis anos, a viúva de Ferdinand Suerdieck residiu em Joinville, no
convívio da colônia alemã desta cidade de Santa Catarina, onde veio a falecer, de
edema cerebral, aos 80 anos. Sua morte ocorreu três meses após a inauguração
do Edifício Suerdieck, símbolo do império dos charutos criados pelo seu marido.
Alma Suerdieck deixou Salvador a convite da amiga Edith Schmalz, que havia
sido dona de um hotel na capital baiana. Desde o falecimento de Ferdinand,
recebia uma pensão da Suerdieck, que também custeou as despesas do funeral.
Foi sepultada no Cemitério Municipal de Joinville.
258
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
GERHARD MEYER SUERDIECK
04.12.1886, Stadthagen
31.07.1950, Salvador
AGUIDA ALICE DA COSTA CUNHA
TIBÚRCIA PEREIRA GUEDES
15.11.1900, Maragogipe
26.11.1997, Salvador
CARLOS MEYER
09.07.1910, Maragogipe
desconhecido
Casamento: 19.11.1923
Maragogipe
MARIA AMÉLIA DAS NEVES
ANTÔNIO NEVES MEYER
17.05.1916, Maragogipe
1960, Belo Horizonte
RAULINA DA COSTA CUNHA
13.05.1912, Maragogipe
27.05.1998, Salvador
GERALDO MEYER SUERDIECK
23.11.1918, Maragogipe
NICOLAU MEYER SUERDIECK
23.02.1922, Maragogipe
31.05.1999, Salvador
1 2
3 4
GLACY PENOVARRO SERRANO
06.02.1920, Porto Alegre
01.03.1999, Rio de Janeiro
SUSANA MEYER
25.03.1920, Maragogipe
20.12.1922, Maragogipe
ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK
20.03.1923, Maragogipe
02.01.2001, Lauro de Freitas
RUTH PINTO CERQUEIRA
11.03.1928, Conceição do Almeida
SUSANA MEYER SUERDIECK
14.10.1944, Salvador
12.02.1993, Salvador
GERALDO MEYER SUERDIECK NETO
30.06.1951, Salvador
ANA MARIA SERRANO SUERDIECK
03.09.1948, Salvador
MARCELO CERQUEIRA MEYER SUERDIECK
10.08.1953, Salvador
13.05.1954, Salvador
NICOLAU MEYER SUERDIECK JR.
26.02.1952, Salvador
RUTH CERQUEIRA MEYER SUERDIECK
30.07.1956, Salvador
16.07.2003, Miami
ALBRECHT W. MEYER SUERDIECK JÚNIOR
09.10.1959, Salvador
5
FERNANDO MEYER SUERDIECK
09.08.1924, Maragogipe
17.09.1989, Salvador
JÚLIA MARIA DE CARVALHO DÂMASO
22.03.1927, Salvador
VIRGÍNIA DÂMASO SUERDIECK
21.08.1950, Salvador
FERNANDO MEYER SUERDIECK JR.
30.11.1964, Salvador
259
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
DESCENDÊNCIA DE GMS
DESCENDÊNCIA DE GMS
GERALDO MEYER SUERDIECK
23.11.1918, Maragogipe
AÍDA MARIA DA CUNHA RIBEIRO
22.01.1924, Salvador
Casamento: 31.10.1942
Salvador
Desquite: 24.11.1962
Salvador
SOLANGE RIBEIRO MEYER SUERDIECK
02.08.1943, Salvador
LUIZ EDUARDO MEYER SUERDIECK
16.12.1951, Salvador
16.02.1984, Salvador
CARLOS GERALDO MEYER SUERDIECK
06.08.1953, Salvador
GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH
17.10.1936, Hannover
Casamento: 12.12.1962
Santa Cruz, Bolívia
Desquite: 03.09.1967
Santa Cruz, Bolívia
GERALDO ANDREAS MEYER SUERDIECK
04.07.1966, Hamburgo
GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK
04.07.1966, Hamburgo
NEUSA PINTO CERQUEIRA
15.09.1936, Salvador
28.01.1990, Salvador
Casamento: 22.07.1968
Santa Cruz, Bolívia
Casamento: 13.06.1979
Salvador
LARA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK
04.08.1970, Salvador
KARINA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK
12.09.1973, Salvador
260
Kurt Julius
Aída Ribeiro aos 17 anos, na foto oficial para formatura no Colégio das Mercês.
Gisela Huch em 1956, aos 20 anos de idade.
Neusa Cerqueira em 1956, aos 20 anos de idade.
261
Aída e Geraldo no salão de festas do Hotel da Bahia, em Salvador. Comemoração do Ano Novo,
1º de janeiro de 1956.
Gisela e Geraldo, tendo no centro o casal Oscar e Agrair Schmidt, no Iate Clube da
Bahia. Carnaval de 1963.
Neusa e Geraldo, em setembro
de 1968, durante a viagem
de lua-de-mel: na cervejaria
Muncherner Hofbrauhaus, em
Hamburgo, na companhia da
senhora Else Niemann.
262
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK
TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK
A
A vida da matriarca da família
Meyer Suerdieck foi um conto de fadas.
Teve existência longa, 97 anos.
exemplo de milhares de crianças maragogipanas, Tibúrcia nasceu na dureza da pobreza e,
o que era pior, na zona rural, em Capanema, distante das escolas, inviabilizando
qualquer possibilidade de alfabetização. Aos quinze anos perdeu o pai, humilde
agricultor, obrigando a mãe a enviá-la à cidade, em busca de trabalho que lhe desse
o sustento. Os parentes arranjaram uma colocação na Suerdieck, onde foi iniciada
na arte de fazer charutos. No ambiente fabril brotou na adolescente a ambição de
ser uma charuteira importante, para poder ingressar no seleto grupo das operárias
de elite, que produziam os charutos da confecção mais difícil. Como a Dannemann
era a grande fábrica de Maragogipe, a jovem também projetou o sonho para o salão
de fabricação desta
famosa empresa.
Após o período
da aprendizagem,
Tibúrcia foi destacada
para o setor dos
charutos mais simples
de serem elaborados,
onde o gerente passou
a observá-la e a rondar
a sua banca. Catorze
anos mais velho, com
fama de mulherengo
e pai solteiro de três
filhos, havidos com
duas maragogipanas,
Gerhard Meyer na fábrica, em 21 de janeiro de 1917. Logo à sua frente, sentada na
o alemão encantou- ponta, aparece Tibúrcia Pereira Guedes, que há dois meses completara 16 anos. Um
se com o exotismo de ano e dez meses depois desta foto ela teria o primeiro filho.
uma beleza que lhe
fascinou, formada pela miscigenação de sangues português, espanhol e aborígine.
Desprezando as advertências de que seria mais uma no rol do conquistador, a moça
da roça deixou-se arrebatar pelos galanteios. Tinha 16 anos, engravidou aos 17 e
tornou-se mãe aos 18 anos.
Embora inexperiente, a operária era decidida e corajosa. Em vez de ter sido vítima
263
Gonsalves
de uma armadilha da sedução,
Tibúrcia foi, na verdade, a sedutora,
a mulher que conseguiu virar a
cabeça de um homem experiente
e duro na queda. O casamento
somente seria formalizado após
o nascimento do quarto filho,
quando Gerhard teve, finalmente,
todas as provas e a certeza de que
era a parceira ideal, a deusa dos
seus sonhos dourados.
Além dos filhos, Gerhard
deu-lhe instrução, retirando-a
do analfabetismo. Ensinou-lhe
Primeira foto de Tibúrcia com Gerhard.
boas maneiras, a vestir-se bem e
como portar-se de acordo com as
etiquetas sociais. Contratou ainda um professor para ensinar-lhe a se expressar corretamente.
Não chegou ao requinte de falar fluentemente o idioma do marido, mas de tanto ouvir os
alemães conversando com Gerhard passou a compreender o que diziam e aprendeu o básico
para se fazer entender. Enfim, Gerhard lapidou um diamante bruto, transformando uma mocinha
rude numa dama da sociedade, desembaraçada, de bom-gosto e com traquejo internacional,
que circulou com desenvoltura por sofisticados hotéis e restaurantes da Europa. Em Salvador
acompanhava o marido em todas as recepções, inclusive nas oferecidas pelos governadores
no Palácio da Aclamação, pólo de encontro da elite social, econômica e política da Bahia.
Tibúrcia cultivava a paixão pelas cavalgadas. Na Fazenda Quatro Irmãos (nome em
homenagem aos filhos) possuía um
plantel de excelentes cavalos, nos quais
eram feitas excursões pelos arredores
de Maragogipe. Gostava também das
festas juninas, sendo uma apreciadora
da “guerra das espadas” em Cruz das
Almas, onde também dispunha de
cavalos para passeios com grupos de
pessoas amigas.
Gerhard tratava-a como rainha,
proporcionando-lhe tudo do bom
e do melhor. A relação entre os dois
foi de uma grande história de amor,
de 33 anos ininterruptos, até a morte
de Gerhard, primeiro e único rei de
Com ascendência ibérica e aborígene, a jovem Tibúrcia era alegre
Tibúrcia. Viúva aos 50 anos incompletos,
e extrovertida. Neste registro, fotografada pelo marido, na varanda
da casa em Maragogipe, protagoniza uma guerreira índia, com arco
bem conservada, elegante e rica,
e flexas verdadeiros.
264
repeliu várias investidas
de candidatos a namoro
e casamento. Seu coração
teve um só habitante,
inesquecível e insubstituível.
Não quis saber de outro
homem, preferindo levar
o restante da vida sem um
companheiro. Uma parte
do tempo foi gasta em
excursões turísticas pela
Europa, integrando grupos
da terceira idade. Gostava
de visitar museus, igrejas,
castelos, monumentos e
Tibúrcia com Gerhard e os filhos: Nicolau, Wolfgang e Fernando, em Maragogipe.
Tibúrcia era uma exímia amazona.
ruínas históricas, uma herança cultural
deixada por Gerhard, com quem também
aprendeu a amar as artes.
Carismática, construiu no eixo familiar
uma liderança firme e incontestável,
impondo uma influência que se manifestava
de forma discreta, porém eficiente. Os
filhos cortejavam-na e mantinham-se
unidos em torno da figura materna, que
se revelou uma eficaz conciliadora dos
conflitos profissionais. Tibúrcia fazia parte
da empresa desde 1931.
265
Fachada da residência em Maragogipe, na Rua Farmacêutico Bernardino Borges, onde nasceram os filhos,
que depois foi transformada na Vila Suerdieck.
De presença forte e marcante, chegava a inibir as noras,
que foram sete: três de Geraldo, duas de Nicolau, uma de
Wolfgang e uma de Fernando. Com as esposas dos filhos
não se permitia a relacionamentos muito profundos,
evitando com esta postura se envolver nas intimidades
e nos assuntos dos casais. Preservava-se, mantendo
uma diplomática distância. A exceção foi Gisela, que era
bastante hábil. Sabia, como poucos, envolver, cativar e
cultivar novas amizades.
A líder do clã não
fazia arrodeios. Seus
comentários, diretos
Tibúrcia em Nápoles, Itália.
1928.
e objetivos, às vezes
ásperos, podiam criar
alguns constrangimentos, mas eram respeitados,
pela franqueza e sinceridade. Somente três vezes
não deram ouvidos às suas observações, tendo
o tempo demonstrado que estavam certíssimas.
A primeira foi sobre Karl Horn, ao dizer para o
marido:
— Não gosto deste sócio, ele tem cara de falso!
Muitos anos depois, quando percebeu
que Gisela ficava muito tempo na Alemanha,
deixando o marido sozinho no Brasil, tentou
abrir-lhe os olhos, para salvar o casamento:
À direita, entre dois filhos, Tibúrcia em traje de
— Pelo que conheço do meu filho, acho que banho, o maiô da época.
você deveria ficar sempre ao
seu lado!
Quando Geraldo
comunicou-lhe que estava
buscando na Inglaterra
um parceiro para poder
neutralizar uma crise que
poderia atingir a Suerdieck,
o parecer da vice-presidente
não foi de amém:
— Filho, venda a
e m p re s a , e n q u a n to é
tempo e tem valor!
Gerhard e Tibúrcia ladeando o casal Willy Koch, em Hamburgo, no Ratsweinkeller,
restaurante especializado em vinhos. Setembro de 1928.
266
Tibúrcia com o marido e os quatro filhos, em Salvador.
Tibúrcia em 1952, com os filhos jovens, ricos e poderosos. A partir da esquerda: Geraldo, Wolfgang, Nicolau e Fernando.
267
Tibúrcia não dirigia automóvel, mas pilotava lancha.
Tibúrcia na Suíça, em St. Moritz, 1951.
Tibúrcia ladeada pelo casal José e Guiomar Dâmaso,
em Sevilha, Espanha. Junho de 1955.
268
Tibúrcia num traje árabe. Marrocos, 1955.
Tibúrcia entre o filho Fernando e Guiomar Dâmaso, na Adega do Machado, em Lisboa. Portugal, 1955.
269
Tibúrcia entre Hilda Cerqueira e Guiomar de Carvalho Dâmaso, a bordo do transatlântico inglês Alcantara, em 1955.
Tibúrcia ao completar 85 anos, com os filhos sessentões.
270
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
TODA A 2ª PARTE DO APÊNDICE
REPORTA-SE À FASE DA
SUERDIECK COMANDADA POR
GERALDO MEYER SUERDIECK
CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO
CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO
U
m prosaico charuto, que proporciona prazer nas horas de calmaria,
e funciona como relaxante nos momentos de nervosismo ou
preocupações, é um artigo dos mais trabalhosos. A quase totalidade dos fumantes
não imagina que, por trás do produto, aparentemente simples, encontra-se uma rede
inextricável. Desconhece a complexidade que envolve a tarefa da fabricação de um
bom charuto.
Quanto trabalho se oculta sob a
fina capa dum charuto.
Stefan Zweig
O ciclo começa no campo, envolvendo cuidados especiais em dez etapas:
preparo do solo, semeadura, plantio, adubagem, tratos culturais, colheita,
secagem, seleção, manocagem e fermentação preliminar. Em seguida processase o beneficiamento do fumo nos armazéns de compra, com a classificação,
enfardamento e meia-cura (segunda fermentação). Finalmente o fumo chega
à fábrica, onde circula por diversas seções especializadas, que vão desde o
descanso (fermentação final) até a saída do produto, o charuto, pronto para ser
comercializado e consumido pelos aficionados.
1
AGRICULTOR
2
ENFARDADOR
3
PRODUTOR
4
DISTRIBUIDOR
FUMO
CHARUTO
5
LOJISTA
6
CONSUMIDOR
271
Cultura do Fumo
Na Bahia reinava o fumo para charutos. Plantava-se em larga escala, com
predominância dos pequenos lavradores. Costumava-se dizer que o fumo era a
lavoura dos pobres. Havia milhares de fumicultores.
O fumo constituía-se numa autêntica lavoura de fundo-de-quintal, de forte
tradição familiar, transmitida de geração à geração. Em qualquer casa rural, em
qualquer ponta de terra encontrava-se uma plantação. O fumo era sinônimo de
dinheiro certo, de dinheiro vivo, sendo o sustentáculo da economia de subsistência,
garantindo a sobrevivência dos minifúndios.
Cultivava-se o fumo em cinco zonas, denominadas de acordo com as espécies:
Mata Fina, Mata Sul, Mata Norte, Sertão e Feira.
REGIÃO DO FUMO BAHIA-BRASIL
ZONAS
CARACTERÍSTICAS DO FUMO
INDISPENSÁVEL AOS CHARUTOS
* SÃO GONÇALO DOS CAMPOS
* CONCEIÇÃO DA FEIRA
* CACHOEIRA
* SÃO FÉLIX
* MURITIBA
GOVERNADOR MANGABEIRA
* CRUZ DAS ALMAS
* SAPEAÇU
* CONCEIÇÃO DO ALMEIDA
* SÃO FELIPE
DE PRIMEIRÍSSIMA QUALIDADE.
* MARAGOGIPE
PALADAR SECO, MAIS LEVE
* CASTRO ALVES
PALADAR FORTE,
AROMA REDONDO,
TEXTURA DENSA,
ÓTIMA ELASTICIDADE,
MATA
FINA
COMBUSTÃO MUITO BOA,
EXCELENTE PARA CAPAS,
RECÔNCAVO
CAPOTES E TORCIDAS,
MATA
SUL
E MENOS AROMÁTICO, POUCO
SANTA TEREZINHA
RENDIMENTO PARA CAPAS E
ELÍSIO MEDRADO
CAPOTES, MAS PERFEITO PARA
AMARGOSA
* SANTO ANTÔNIO DE JESUS
FORMULAÇÃO DAS TORCIDAS.
SANTO AMARO
TEODORO SAMPAIO
CORAÇÃO DE MARIA
* CONCEIÇÃO DO JACUÍPE
SANTO ESTEVÃO
PALADAR LEVE,
MATA
NORTE
AROMA LIMPO,
BOA COMBUSTIBILIDADE,
SERTÃO
QUALIDADE INFERIOR
QUALIDADE INFERIOR
Não usados pela
Suerdieck
BOM PARA TORCIDAS.
FEIRA
PRINCIPAIS MUNICÍPIOS
PRODUTORES
(*) Localização dos treze armazéns de compras do Grupo Suerdieck.
272
ALAGOINHAS
SANTA INÊS
BREJÕES
ITABERABA
RUI BARBOSA
Verbo de Ligação Ilustrações
Para garantir a qualidade e até mesmo o aprimoramento da cultura, o Grupo
Suerdieck desenvolvia um intenso, permanente e incansável trabalho educativo,
orientando o agricultor nas técnicas e no manejo correto do fumo. Muitas vezes
financiava as plantações, fixando a parceria com os plantadores. O ciclo do fumo
Bahia-Brasil obedecia ao seguinte ritual:
1.Semeadura, no princípio de abril, dos minúsculos grãos que, entre 40 e 60 dias,
se transformarão em mudas.
2.Preparo do solo, com aração do terreno, adubagem base, gradagem da terra
e marcação para o plantio.
3.Plantio das mudas no campo, entre o final de maio e início de junho, em pleno
período da estação chuvosa.
4.Adubagem, preferencialmente utilizando insumo orgânico ou animal.
5.Tratos culturais, que consiste no combate às eventuais pragas ou na eliminação
das folhas doentes. Ao atingirem uma determinada altura as plantas passam
pelo processo da desolha, em que se corta o olho das árvores, para permitir a
concentração da força no crescimento das folhas.
Municípios produtores de bons fumos para charutos.
Armazéns de compras do Grupo Suerdieck.
273
6.Colheita, após 45/50 dias do plantio. No fumo capeiro retira-se folha por folha,
deixando o pé para produzir outras folhas. No fumo para capote e torcida
corta-se o pé inteiro, na base, perto da raiz, donde, a depender das condições
climáticas, nascem sucessivos rebentos, chamados socas.
7.Arrumação das folhas, para secagem em ambiente sombreado, penduradas
por 30 dias, período em que perdem a coloração verde e ganham a tonalidade
marron.
8.Seleção da safra, dividindo-a em três blocos:
a. Fumo Alto, com folhas de 22cm de comprimento em diante;
b. Fumo Baixo, com folhas inferiores a 22cm;
c. Refugo, formado pelas folhas defeituosas, chamadas pocas.
9.As folhas são amarradas em grupos, chamados manocas, cada um contendo
aproximadamente 30 folhas.
10. As manocas são colocadas dentro de uma casa, em pilhas (samas), para a
primeira fermentação, por 30 dias.
11. Concluída a fermentação preliminar, o lavrador levava as manocas para os
armazéns de compra do fumo.
Armazém de fumo em Cruz das Almas: trabalhos de classificação para prensagem e enfardamento.
274
COMERCIALIZAÇÃO DA SAFRA
Nos armazéns, o comprador, também chamado de enfardador, abria as manocas
para fazer a classificação comercial. Em seguida, o fumo seguia para a segunda
fermentação, obtida pelo processo do empilhamento dos fardos, em pilhas de 15
toneladas. A depender da qualidade da safra, o fumo permanecia estocado, em
ambiente fechado, de três a quatro meses, sob temperatura vigiada, não podendo
passar dos 50 graus centígrados, sob pena de entrar em combustão e incendiarse. Os fardos tinham de ser imediatamente desempilhados e virados quando a
temperatura se aproximava da graduação máxima.
Depois desta fermentação natural, também chamada de meia-cura, o fumo
estava pronto para ser vendido aos produtores de charutos. Nas fábricas o fumo
passava pelo procedimento da fermentação final, denominado de descanso ou cura
definitiva, por um longo período, normalmente de 14 a 17 meses.
FUMO BAHIA-BRASIL
FOLHAS
SOLTAS
FOLHAS
DESTALADAS
FOLHAS MANOCADAS
CLASSIFICAÇÃO
COMPRIMENTO
DA FOLHA
APLICAÇÃO NOS CHARUTOS
CLASSE SUPERIOR (ALTA)
PFS – Patente Fino Superior
PF – Patente Fino
PP – Patente Patente
P – Patente
1A – Primeira
2A – Segunda
22 – Segunda de Segunda
+ de 40cm
+ de 37cm
+ de 34cm
+ de 31cm
+ de 28cm
+ de 25cm
+ de 22cm
capas e capotes grandes
capas e capotes médios
capas e capotes pequenos
capas e capotes pequenos
torcidas grandes
torcidas médias
torcidas menores
CLASSE INFERIOR (BAIXA)
3A – Terceira
33 – Terceira de Terceira
0 – Zero
+ de 19cm
+ de 16cm
– de 15cm
torcidas miúdas
torcidas miúdas
torcidas miúdas
FA – Folhas Arrumadas
FF – Folhas Finas
FL – Folhas Limpas 1
FLM – Folhas Limpas Miúdas
FR – Folhas de Refugos 2
folhas paralelas com + de 22cm
folhas finas das classes superiores
folhas limpas em tamanhos diversos
folhas limpas de segunda qualidade
folhas defeituosas
XXA – Folhas Pararelas e Alisadas com + de 22cm
XXB – Folhas Paralelas e Alisadas com – de 22cm
XA – Folhas Soltas com + de 22cm
XB – Folhas Soltas com – de 22cm
1. Dividiam-se em FL-1, FL-2, FL-3 e FL-4.
2. Canalizados à produção de charutos de combate, destinados aos fumantes dos segmentos
bem populares.
275
DA PLANTA AO PRODUTO
charutos nobres
TEMPO/DIAS
CRONOLOGIA
1. Colheita após plantio das mudas
2. Secagem das folhas
3. Fermentação do fumo
3.1 – Produtor
3.2 – Armazém
3.3 – Fábrica
4. Manufatura do charuto
(da abertura dos fardos ao acabamento)
5. Descanso do charuto (maturação)
CHARUTO LIBERADO PARA VENDA
MÍNIMO
MÁXIMO
45/50
30
45/50
30
30
90
420
30
180
510
15
21
15
60
22 MESES
29 MESES
Obs: Os tempos da fermentação variavam de acordo com o tipo do fumo e da qualidade da safra. Podiam inclusive
ultrapassar os prazos acima, de permanência no armazém ou no depósito da fábrica.
COMERCIALIZAÇÃO DO CHARUTO
Para garantir o abastecimento dos milhares de pontos de vendas de charutos
ao consumidor final, a Suerdieck possuía uma vasta rede de agentes, no Brasil e no
exterior. Em todos os estados e territórios brasileiros havia distribuidores exclusivos,
bem como nos principais países da Europa, Ásia, África e Américas.
SUERDIECK
(fábricas)
ATACADO
(agentes - atacadistas)
representantes
VAREJO
(lojas)
CONSUMIDOR
(fumantes)
276
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
O corpo de um charuto é formado por três partes: torcida, que vem ser o enchimento,
também chamado de bucha ou embuchamento; capote, a subcapa ou cinta de
revestimento do miolo; e capa, que é o arremate final, a folha externa do charuto.
A chave para se obter bons charutos consiste, primeiramente, em se saber combinar
fumos na formulação das torcidas e na perícia da escolha das folhas para os capotes
e capas. A Suerdieck utilizava fumos de três fontes:
1.Bahia-Brasil, dos tipos Mata Fina, Mata Sul e Mata Norte, para aplicação em
torcidas, capotes e capas;
2.Arapiraca-Brasil1, usado em torcidas, capotes e capas;
3.Sumatra-Brasil, aplicado exclusivamente em capas. Era chamado de
Agro, por causa da procedência, dos cultivos especiais da Agro Comercial
Fumageira.
O segredo dos bons charutos da Suerdieck residia ainda na qualidade das safras e
no descanso dos fumos. Numa safra excelente, entre o início da primeira fermentação
e o término da última, o fumo adquiria condições ideais em 18 meses. Em safras ainda
consideradas boas, o fumo levava até 24 meses para eliminar as toxinas, o amargor, a
acidez e permitir a queima perfeita. Nas safras não-boas o fumo tinha de descansar por
três anos, sendo que nas safras ruins não conseguia alcançar a plenitude qualitativa.
Estas safras eram destinadas aos charutos populares, onde não se exigia paladar do
top de linha.
Um bom charuto também era determinado por um outro fator muito importante, o
processo da produção. Os charutos de qualidade superior têm de ser feitos totalmente
à mão. Apesar da fabricação demandar mais tempo e custos, somente pelas mãos de
hábeis charuteiras podia-se obter uma irretocável arrumação das folhas nas torcidas
inteiras, no preparo dos capotes, nas capas e no esmero dos bicos.
Uma fábrica de charutos artesanais depende de um vasto contingente de mão-deobra especializadíssima, formada na tradição, em que os ensinamentos são repassados
de forma gradual, no dia-a-dia, no seio de famílias inteiras, de pai para filho, de mãe
para filha, de geração à geração. Não há compêndios, nem fórmulas para treinamentos.
O know-how é adquirido na prática de uma tradição secular, de uma cultura que forja
artesões exímios, dotados de excepcionais habilidades manuais e de privilegiadas
condições visuais e de tato.
Da abertura dos fardos de fumo à saída de uma caixa de charutos para
comercialização, o tempo mínimo era de 36 dias. A fábrica de Maragogipe, que chegou
a ser uma das mais completas do mundo, possuía o seguinte fluxograma na linha de
produção artesanal:
1 - O fumo Arapiraca, produzido no estado de Alagoas, era visto como de qualidade inferior, por causa dos fumos
ruins, largamente utilizados em charutos de péssima qualidade. No entanto, a lavoura foi aprimorada e Alagoas passou
também a ter fumos excelentes. A Suerdieck fazia uso destes, tendo montado em Arapiraca um grande armazém para
compra e estocagem.
277
1
DEPÓSITO
(Fermentação)
2
3
4
5
6
7
8
- Fumo descansa e é imunizado contra o
lasioderma, pelo sistema de fumigação.
(Vaporização)
- Vaporização de água fria para umidecer e
soltar as folhas.
- O fumo capeiro claro passa por um processo
de umidificação especial.
QUEBRAGEM
- Abertura dos fardos.
UMIDIFICAÇÃO
BANCAS DE FUMO
MISTURA
CONCENTRAÇÃO
CHARUTARIA
CONTROLE DA
QUALIDADE
9
CONGELAMENTO
10
ESTUFAMENTO
11
PRENSAGEM
- Classificação, seleção e destalação das
folhas, separando-as para torcidas, capotes
e capas.
- Combinação dos tipos de fumos que entrarão
na composição da torcida, formulando o
paladar básico de cada marca.
- Já separados pelas marcas em que serão
aplicados, os fumos ficam guardados.
- Fabricação propriamente dita, com
arrumação da torcida, colocação do capote,
passagem pela fôrma de paus, ou pelo
cafornote, colocação da capa, preparação
do bico e corte do pé do charuto.
- Os charutos passam por uma seleção visual
e manual.
- Mestres, ajudantes dos mestres e provadores,
fumam por amostragem, para testarem o
padrão da qualidade de cada marca.
- Processo de resfriamento, numa câmara
frigorífica, a 20 graus negativos, para
evitar a germinação de possíveis ovos do
lasioderma, o bicho-do-fumo.
- Passagem pela estufa para retirada da
umidade adquirida na câmara frigorífica.
- Para não enrugarem e manter a fumaça
em boas condições de circulação, alguns
tipos de charutos passam pelo processo da
prensagem.
278
12
13
14
ANELAMENTO
CELOFANAGEM
CAIXARIA
(Encaixamento)
15
ACABAMENTO FINAL
(Empapelamento)
16
DESCANSO
(Maturação)
17
EXPEDIÇÃO
- Colocação do anel que identifica o
fabricante ou, em alguns casos, a marca
do charuto, às vezes conjugado com o selo
de garantia.
- Colocação do selo de consumo em cada
charuto, uma exigência do governo que
vigorou durante algum tempo.
- Para proteção e conservação, cada charuto
é colocado num invólucro de celofane,
ou de papel apergaminhado, papel arroz,
lâmina de cedro e tubo de polistirene.
- Os charutos são colocados nas caixinhas
de cedro, que antes de serem fechadas são
alvo de um controle final de qualidade, para
verificação da embalagem e da arrumação.
- Empapelamento das caixinhas: rótulos,
etiquetas e celofanagem externa.
- As caixinhas são levadas para um salão
revestido por grossas tábuas de cedro
(piso, teto e paredes), onde permanecem
no mínimo três semanas. Neste recinto,
também chamado de câmara de
envelhecimento, os charutos adquirem a
maturidade plena no sabor e aroma.
- Encaixotamento e despacho das caixas de
charutos para os agentes distribuidores,
primeira etapa no processo das vendas.
GLOSSÁRIO
Produção
Acabamento
Destaladeira
Operária que retira o talo (veia central) das folhas
de fumo.
Charuteira
Operária que prepara a torcida, coloca o capote,
a capa, faz o bico e corta o pé do charuto.
Capoteira
Charuteira que prepara apenas o bunch.
Capeadeira
Charuteira que termina o charuto, colocando a
capa, fazendo o bico e cortando o pé.
Aneladeira
Operária que coloca os anéis nos charutos.
Celofonista
Operária que coloca o invólucro nos charutos,
geralmente folha de celofane.
Encaixadeira
Operária que arruma os charutos nas caixas.
Empapeladeira
Operária que faz rotulagem, etiquetagem ou
celofonagem externa das caixas.
279
ORGANOGRAMA DA FÁBRICA DE MARAGOGIPE
GERÊNCIA
Consultório Médico
Gabinete Dentário
Centro Tisiológico
Enfermaria
Laboratório
Farmácia
Creche
ESCRITÓRIO
Impressora
Rocha
Impressos
Carpintaria
Serraria
Ferração de Táboas
Pregação das Caixas
FABRICAÇÃO
ACABAMENTO
Fermentação
Vaporização
Quebragem
Bancas
Confecção
Congelamento
Estufamento
Prensagem
Leão Rozemberg
Pessoal
Tesouraria
Contabilidade
Faturamento
Expedição
Assistência
Social
Agrair Schmidt, Aída Suerdieck e o casal Antunes Neri, na fábrica de Maragogipe.
280
Anelamento
Celofanagem
Encaixamento
Empapelamento
Maturação
CONTAGEM DOS CHARUTOS
Uma pergunta que os visitantes costumavam fazer quando viam aquele
mundaréu de charutos feitos por centenas de operárias:
— Como vocês contam os charutos?
Numa produção artesanal a contagem também se processava de forma artesanal.
Obviamente que seria impossível a contagem por unidade numa fábrica que paria
diariamente milhares de charutos. Usava-se um sistema simples, prático e rápido,
chamado Método da Pirâmide.
Durante o dia, à medida que os charutos iam sendo artefinalizados, a produção
era automaticamente empilhada, em caixas especiais, sem mistura de marcas. No
final do expediente bastava contar as pirâmides e proceder os lançamentos no
mapa de controle, que registrava o quantitativo de cada charuteira, por marca
confeccionada.
O mapa da produção diária municiava a formulação de uma estatística semanal,
instrumento hábil para cálculo do pagamento da produtividade semanal das
charuteiras, cujos valores variavam, a depender do grupo de marcas.
EXEMPLO DE PIRÂMIDE COM 185 CHARUTOS
SEQUÊNCIA DA CONTAGEM
A=130
B=55
A – Multiplica-se a altura da pilha pelo vértice, menos o último charuto.......................... 10 x 13 = 130
B – Adiciona-se o quantitativo do bloco piramidal, conforme tabela abaixo ..................... 10 / 10 = 55
Total da Pirâmide................................ 185
20/20 = 210
19/19 = 190
18/18 = 171
17/17 = 153
16/16 = 136
15/15 = 120
14/14 = 105
13/13 = 91
12/12 = 78
281
11/11 = 66
10/10 = 55
9/9 = 45
8/8 = 36
7/7 = 28
6/6 = 21
5/5 = 15
4/4 = 10
3/3 = 6
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
a.Charutaria: Todo trabalho tinha a supervisão de atentos mestres e ajudantes,
que visualmente controlavam o labor das operárias.
b.Fôrma de Paus: Feita com madeira especial, nos formatos dos charutos, onde
se colocava o bunch (torcida + capote), para dar a conformação ideal antes
do capeamento.
c.Cafornote: Outro sistema, também chamado de Cafanhote ou Cafanote, para
dar o formato ideal ao charuto, onde o bunch recebia um invólucro temporário.
Após doze horas, retirava-se o papel arengueiro e capeava-se o charuto.
d.Capa: Para o fumo capeiro não desenrolar, a charuteira utilizava uma cola
artesanal, feita de farinha de trigo, goma de mandioca, água e pó-de-fumo,
sendo este último ingrediente o responsável pela tonalidade igual a do fumo.
e.Torcida: De acordo com a classe do charuto desejado, a torcida podia ser:
1.Graúda (long filler), também chamada de torcida inteira, pois se trabalha
com folhas inteiras, arrumadas uma sobre as outras. Na verdade eram
meias-folhas, pois ao se retirar o talo central cada folha de fumo se
dividia em duas bandas. A torcida inteira destinava-se à produção dos
charutos das classes nobre e intermediárias. Havia ainda uma torcida
inteira especial, chamada de torcida espalmada, de marcas requintadas,
tais como Corona Imperial, Mata Fina Especial e a linha Panatela.
2.Miúda (short filler), produzida com folhas cortadas manualmente ou
picotadas mecanicamente. Esta torcida era usada nos charutos de
fabricação mecanizada e nos charutos da linha popular.
3.De Bagaço ou Combate, produzida com restos de outros charutos ou
com raspas de armazém (refugo, classificado como fumo B).
f. O Lasioderma Serricorm, nome científico do “bicho-do-fumo”, é um inseto de
1,5 milímetro de comprimento. Seu habitat não é na lavoura, e sim no fumo
seco e no charuto. Nos armazéns o minúsculo besouro ataca os fardos, furando
as folhas e fazendo a desova. Nas fábricas avança no produto, inutilizando-o
com orifícios, verdadeiros túneis que transfixiam o produto. Quando nasce
num charuto já dentro da caixa de cedro, o “bicho-do-charuto”, como também
é chamado, perfura a madeira, para evadir-se e atacar as caixinhas vizinhas.
282
Em decorrência dos hábitos, das tradições regionais e da segmentação
econômica, a Suerdieck desenvolveu estratégias mercadológicas para atender as
diversas categorias de consumidores. Por isso, havia diferenciações na capeação,
na formatação, na tipificação, na classificação, nos invólucros e na apresentação
das caixas de charutos.
CAPEAÇÃO
A Suerdieck oferecia duas opções: charutos de Capa Clara (acinzentada), capeados
com fumo Sumatra-Bahia (Agro), e charutos de Capa Escura (quase negra), capeados
com fumo Bahia-Brasil (Matas) ou Arapiraca-Brasil.
FORMATAÇÃO
Basicamente, os charutos eram configurados em três formatos: Torpedo ou Bojo,
de tradição européia, que predominava na linha de produção; Susa, desenvolvido
pela Suerdieck S.A., donde foi extraída a denominação; e Linheiro, formato
consagrado pelos cubanos.
TIPIFICAÇÃO
Para atender gostos e preferências múltiplas, fabricavam-se charutos em
diâmetros e comprimentos variados. A tabela abaixo indica o enquadramento em
termos de dimensão longitudinal.
CHARUTOS
COMPRIMENTO/CM
LONGOS
A PARTIR DE 17
MÉDIOS
ENTRE 14 E 17
PEQUENOS
MENORES DE 14
CLASSIFICAÇÃO
Também para satisfazer diversas segmentações de consumo, a Suerdieck dividia
sua produção em cinco linhas:
283
a.Classe Nobre: Enfeixava as marcas dos charutos clássicos, excelentes ou notáveis,
destinados aos clientes ricos, sofisticados e exigentes, formadores de uma elite
de aficionados especiais. As marcas Suerdieck desta linhagem figuravam entre
as melhores do mundo, gozando de muito prestígio no exterior.
b.Classe Alta: Marcas de qualidade muito boa. Também destinavam-sem aos
segmentos da classe rica.
c.Classe Intermediária Alta: Marcas de qualidade boa, tendo como público alvo a
classe média alta.
d.Classe Intermediária: Faixa das marcas destinadas aos consumidores da classe
média em geral.
e.Classe Popular: Aglutinava os charutos das marcas voltadas ao consumo das
classes econômicas menos aquinhoadas. Produzidos em larga escala, geralmente
usando processos mecanizados, os charutos podiam ser vendidos a preços
acessíveis ao bolso dos segmentos populares.
ANEL
Uma criação atribuída ao holandês Gustav Bock, o anel é a cédula de identificação
da marca ou do fabricante. Aplicado no meio do charuto, a Suerdieck modificou
este posicionamento em 1960, deslocando-o para baixo e fixando-o na última terça
parte, próximo ao bico, como indicativo para o fumante abandonar a degustação
quando a queima atingisse a borda do papel.
No processo da colagem das pontas, feito manualmente, as aneladeiras tinham o
cuidado de não deixar que resíduos da cola prendessem o anel na folha do capeiro.
A fixação ocorria exclusivamente por pressão, com o anel bem ajustado à bitola do
charuto.
O famoso “Suerdieck Bahia”, criado em 1905 e nunca modificado no seu design,
era o anel padrão, utilizado em quase todas as marcas de charutos. Mas não
identificava a marca do produto, mas a imagem da empresa. Por extensão, foi
transformado no exterior em sinônimo de “Charuto do Brasil”.
INVÓLUCRO
Os charutos de algumas marcas especiais eram acondicionados em estojos
individuais, caixinhas de cedro ou tubos de polistirene. Mas o básico, por ordem na
hierarquia da classe comercial, os charutos recebiam como envoltórios as seguintes
opções: lâminas de cedro, papel apergaminhado, papel arroz ou celofane. Em
algumas marcas da linha popular os produtos não recebiam invólucros, apenas os
anéis.
284
APRESENTAÇÃO
Cada fábrica possuía uma carpintaria para montar as caixinhas com cedro enviado
de Santa Catarina. Fabricavam-se caixas de vários tamanhos, para acondicionamento
de 10, 25, 50, 100 e 200 charutos, nos seguintes tipos: caixas comuns, simples,
fechadas com preguinhos; caixas de luxo, com acabamento requintado e tampas
fechadas com ferrolhos; e caixas superluxo, com acabamento sofisticado. Para
encomendas especiais e personalizadas, além do cedro, as caixas podiam ser
confeccionadas em jacarandá, pau-ferro, pinho ou imbuia.
Havia até uma embalagem exótica. Algumas marcas, além da tradicional
caixinha de madeira, eram oferecidas em invólucros confeccionados com lâminas
secas do tronco das bananeiras. A aceitação foi de tal ordem que August Blase
Zigarrenfabrik solicitou orçamento para importar as lâminas beneficiadas em
Maragogipe. A Suerdieck
também proporcionava a
opção pelas embalagens
próprias para bolso. Com
isso, o cliente que gostava de
fumar fora de casa ou do local
de trabalho, não precisava
carregar seus charutos soltos
no bolso da camisa ou paletó.
Os conduzia devidamente
acondicionados em carteiras
de papelão, para poucas
unidades.
Val Araújo
Val Araújo
285
Val Araújo
EXEMPLIFICAÇÃO DA FORMATAÇÃO
LINHEIRO
FORMATO
MARCA
CAPA
TIPO
CLASSE
BICO REDONDO
PANATELA OURO
CL/ES
LONGO
NOBRE
BICO PIRÂMIDE
OURO DE CUBA
CLARA
MÉDIO
INTER. ALTA
BICO CORTADO
ROLIÇO
ESCURA
MÉDIO
POPULAR
TORPEDO
OU
BOJO
HAVANA PEQUENA FLOR
CLARA
PEQUENO
NOBRE
SUERDIECK Nº 1
ESCURA
MÉDIO
INTERM.
ÍNDIOS
CLARA
MÉDIO
POPULAR
CABOCLOS
ESCURA
MÉDIO
POPULAR
SUSA
286
LINHEIRO
bico redondo
LINHEIRO
bico pirâmide
LINHEIRO
bico cortado
TORPEDO
SUSA
AS PREFERÊNCIAS DOS EUROPEUS E BRASILEIROS
• Oitenta por cento das exportações para a Europa eram de charutos
capeados com fumo escuro, nativo da Bahia.
• No mercado interno os charutos com a marca registrada do país
representavam apenas 20% do consumo. Oitenta por cento dos fumantes
brasileiros optavam pelos charutos com capa clara, de origem externa.
A estatística do quadro acima serviu de base para um julgamento em tribunal
alemão, por causa de uma queixa patrocinada por um pool de fábricas contra um
pequeno produtor que, de repente, começou a se destacar no mercado por causa
de um apelo publicitário forte: “O charuto que o brasileiro fuma”.
O charuto em questão era capeado com fumo escuro. As vendas dispararam e
os concorrentes alegaram que se tratava de propaganda enganosa, pois no Brasil
o hábito seria pelos charutos claros. Um grupo de técnicos da justiça alemã veio
a Salvador e junto à Suerdieck diagnosticou que o slogan em charuto escuro não
traduzia a preferência dos fumantes brasileiros. Foi proibido de ser utilizado na
Alemanha.
• O brasileiro da classe média para cima não dava o devido valor ao produto
nacional. De modo generalizado, tudo que era importado era melhor. Esta
cultura também atingia os charutos, que para fugirem deste fenômeno
discriminatório tinham de ser capeados com fumos do exterior.
• O marketing das vendas no Brasil explorava a sedução pelo que vinha de
fora. Assim, durante um longo período, para diferenciar do charuto 100%
baiano, muitíssimo valorizado no exterior, a Suerdieck difundiu que nos
charutos de capa clara o acabamento era com fumos de Sumatra, Java,
Vuelta Abajo e Havana.
• No elenco das marcas nobres havia uma estratégica linha de apelo
estrangeiro, Suerdieck-Havana.
287
Em 1951, quando completou 75 anos de fundada, A. Dürr publicou
um livro comemorativo às bodas de brilhante. Na página 23 da
retrospectiva (vide infografia abaixo) foi consignado que o elo com
a Suerdieck não se restringia a uma simples relação comercial. A
distribuidora dos charutos Suerdieck na Suíça registrou que a parceria
com o fabricante brasileiro já fazia parte da sua história, que estava
incrustada no coração da empresa suíça.
Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 11 (abr-jun/1951).
288
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
MARCAS SUERDIECK
MARCAS SUERDIECK
A
s marcas que foram produzidas na fábrica de Maragogipe, em 1964,
e comercializadas com a grife Suerdieck, estão apresentadas a seguir,
por agrupamento qualitativo e dispondo do receituário básico dos fumos. Contudo,
não estão revelados os segredos de cada marca, decorrentes da procedência e dos
tipos das folhas formadoras das misturas individuais das torcidas.
TORCIDA INTEIRA
100% Mata Fina
Classe Superior
GRUPO EXTRA
Classe Comercial: NOBRE
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
218
Panatela Ouro
Mata Fina
Mata Fina
–
23
Panatela Júnior
“
“
–
216
Mata Fina Especial
“
“
–
214
GGG
“
“
–
210
Corona Imperial
“
Agro
–
57
Havana Finos
“
“
–
59
Havana Flor
“
“
–
60
Havana Médios
“
“
–
61
Havana Pequena Flor
“
“
–
68
Havana Especial
“
“
–
109
Havana Políticos
“
“
–
148
Havana Supremo
“
“
–
142
Lembrança da Bahia
“
“
–
289
TORCIDA INTEIRA
80% Mata Fina, 20% Arapiraca
Classe Superior
1º GRUPO
Classe Comercial: ALTA
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Agro
–
80
Regalia Cubana
42
Regalia Fina
“
“
–
15
Fiesta Brasil
“
“
–
17
Brazilian Nips
“
“
–
174
Diadema Extra
“
“
–
217
Premier
“
“
–
220
Albuquerque
“
“
–
8
Princesas
“
“
–
9
Três Estrelas
“
“
–
12
Banqueiros
“
“
–
16
Mulata
“
“
–
20
Únicos
“
“
–
22
Aurora
“
“
–
55
Olympicos
“
“
–
62
Profetas
“
“
–
73
Valência
“
“
–
135
Ika Nº 1
“
“
–
140
Ika Nº 2
“
“
–
10
Sadda
“
“
–
152
Condor
“
“
–
157
Facica
“
“
–
106
Pincel
“
“
–
110
Coreana
“
“
–
212
Ouro Vermelho
“
“
–
41
Beira Mar
“
Arapiraca
–
70
Fazendeiros
“
“
–
182
Agulhas Negras
“
“
–
186
Jubileu de Ouro
“
“
–
208
Brissago
“
“
–
215
Caetés
“
“
–
115
Nippões
“
Agro
cigarrilho
151
Brasileiros
“
“
–
192
Susa Filtro
“
“
–
191
Glamour
Mata Fina
Mata Fina
–
290
TORCIDA INTEIRA
100% Mata Fina
Classe Superior
2º GRUPO
Classe Comercial: intermEdiária alta
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Agro
–
47
Ouro de Cuba
52
Suerdieck Brasil
“
“
–
67
Coronas
“
“
–
13
Prima Dona
“
“
–
19
Boas Festas
“
“
–
189
Grande Gala
“
“
–
221
Executive
“
“
–
Holandeses
“
“
–
147
Baroneza Erna Grande
“
“
–
179
Pampulha
“
“
–
183
Primo
“
“
–
11
Viajantes
“
Arapiraca
–
18
Record Grosso
“
“
–
Baroneza Erna Média
“
Agro
–
4
Florinha
“
“
–
7
Perfeitos
“
“
–
Petisqueira
“
“
cigarrilho
26
154
71
Uma das mais antigas marcas, e das mais vendidas,
Holandeses, num anúncio de 1955, com a grafia original.
Logo depois, perderia um “ele” e o “zê” seria trocado pelo
“esse”.
291
TORCIDA MIÚDA
80% Mata Fina, 20% Arapiraca
Classe inferior
3º GRUPO
Classe Comercial: intermEdiária
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
3
Cata Flor
Arapiraca
Agro
–
46
Odalisca
“
“
–
98
Castelhanos
“
“
–
102
Su-Co
“
“
–
161
Cesários Filho
“
“
–
176
Sorrisos
“
“
–
180
Pampulhinha
“
“
–
181
Black and White
“
“
–
Mandarim Pai
“
Arapiraca
–
150
Bororós
“
“
–
171
Autênticos Pai
“
“
–
187
Autênticos Filho
“
“
–
197
Suerdieck Grande
“
“
–
198
Suerdieck Médio
“
“
–
199
Suerdieck Pequeno
“
“
–
203
Moreno Nº 1
“
“
–
204
Moreno Nº 2
“
“
–
205
Moreno Nº 3
“
“
–
230
Legítimos Nº 2
“
“
–
2
Suerdieck Nº 2
Mata Sul
Agro
–
1
Suerdieck Nº 1
K
Arapiraca
–
Mulata
K
“
–
Esplanada
K
“
–
Petiscos
K
Agro
–
Monte Castelo
K
“
–
Arapiraca
“
P/U
76
16
195
29
173
78
Cesários Pai
155
Baroneza Erna Pequena
“
“
“
202
Campeão do Mundo
“
“
“
207
Cerários Mirim
“
“
“
162
Flor da Noite
“
“
cigarrilho
160
Mandarim Filho
“
Arapiraca
P/U
177
Petisqueira
“
292
“
cigarrilho
TORCIDA MIÚDA
30% Matas, 20% Arapiraca
50% Losta
4º GRUPO
Classe Comercial: popular i
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
5
Catarina
K
Arapiraca
–
27
Caboclos
K
“
–
149
Suerdieck 200
K
“
–
153
Mercedes
K
“
–
164
Tocos
K
“
–
184
Roliço
K
“
–
185
Suíço
K
“
–
188
Anão
K
“
–
190
Nordestinos
K
“
–
194
Vencedores
K
“
–
201
Brotinho
K
“
–
206
Índios Mirim
K
“
–
213
Escurinho
K
“
–
Índios
K
Agro
P/U
132
Ouro Vermelho Popular
K
“
“
156
Nair
K
“
“
14
Granfinos
K
“
“
75
Suerdieck 75
K
“
cigarrilho
28
TORCIDA MIÚDA
Matas e Arapiraca não
utilizados nos grupos acima
5º GRUPO
Classe Comercial: popular iI
MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Arapiraca
–
209
Toscanos
227
Capa Preta
“
“
cigarrilho
228
Flor da Noite
“
“
“
219
Novos Castelhanos
“
Agro
P/U
103
Colibri
“
“
cigarrilho
108
Garantidos
“
“
“
167
Argolla
“
“
“
178
Adlon
“
“
“
293
Observações:
1.O número antecedendo ao nome da marca identifica o registro da marca no
Livro de Referência Industrial;
2.As marcas com capas Mata Fina e Arapiraca são dos charutos escuros;
3.As marcas capeadas com fumo Agro (Sumatra-Bahia) são dos charutos claros;
4.A palavra Losta, um código derivado de “talos”, enfeixava uma grande
descoberta e segredo industrial da Suerdieck: os talos das folhas de fumo,
antes descartados, eram transformados, por um processo mecânico de
esmagamento e prensagem, em tiras de fumo, excelentes na queima dos
charutos;
5.Capote K: papel de cigarro na tonalidade do fumo, importado ou comprado na
Souza Cruz. A partir de 1965 foi sendo substituído por um fumo homogeneizado
com formulação (Susa Fumo) desenvolvida no laboratório da Suerdieck;
6.P/U: símbolo de “pó de fumo úmido”, outro segredo da Suerdieck. Tratava-se
de um recurso para melhorar a apresentação de alguns tipos de charutos.
O procedimento residia num banho mecânico, nos charutos já prontos,
uniformizando a coloração, contribuindo para uma queima mais plena e dando
um gosto agradável aos produtos.
MARCAS COM PARTICULARIDADES ESPECIAIS
Suerdieck Gigante. Charuto para exposição, que alguns exibicionistas gostavam
de fumar em eventos públicos, principalmente nas festas juninas. Era considerado
o maior charuto do mundo na escala de produção comercial.
Black and White. Charuto com capeamento misto, metade capa clara (SumatraBahia) e metade capa escura (Bahia-Brasil).
Pincel. O pé do charuto, área destinada ao lume, apresentava-se como o próprio
nome da marca sugere, sob a forma de um pincel, por onde se acendia o charuto.
Autênticos. Charutos de inspiração indígena, com bico denominado “virote”,
vulgarmente chamado “rabo de porco”. Para fumá-los, bastava torcer cuidadosamente
o virote, afastando-o. Eram produzidos em três versões: Autênticos (médios),
Autênticos Pai (grandes) e Autênticos Filho (pequenos).
Nippões. Charutos pequenos que terminavam com uma boquilha feita de pena
de ganso, importada do Japão, cuja beira era levemente dobrada, no evidente
propósito de oferecer maior apoio ao fumante. Depois, as penas de ganso foram
substituídas por um material plástico endurecido.
Brissago. Charuto de origem austríaca, fino e comprido, com uma palha
introduzida no bico, que era retirada no ato de fumar.
Toscanos. Charutos do tipo italiano, picantes, porém não muito fortes.
Suíço, Roliço e Tocos. Três marcas de charutos suaves, fabricados de acordo com
294
um processo suíço muito popular, chamado Stumpen. O nome da última variedade
foi inspirado no fato de ser originalmente um charuto linheiro longo que, cortado
no meio, deu origem a dois tocos, ou melhor, a dois charutos Tocos.
GGG. Pronunciava-se “gêgêgê”, que os consumidores difundiram como sendo
uma homenagem ao presidente Getúlio Vargas, que tinha o apelido de “Gegê”. Esta
versão nunca foi desmentida pela empresa, mas na verdade a marca tinha sido
cunhada da expressão “Grande, Grosso e Gostoso”.
C.T.C. Marca exclusiva para a Curaçao Trading Company, agente nas Antilhas
Holandesas, com sede em Willemstad, na ilha de Curaçao.
Su-Co. Marca inspirada na antiga razão social da casa, Suerdieck & Companhia.
Susa Filtro. Cigarrilho com filtro para suavizar a chegada da fumaça à boca,
tornando-a bem leve. Recomendado aos iniciantes no ofício da degustação. O nome
Susa foi retirado de Suerdieck S.A.
Glamour. Cigarrilho com filtro ou sem filtro. Como o Susa Filtro, foi um lançamento
voltado ao público jovem.
LINHAS ESPECIAIS
No sentido de ensejar a nomeação de novos agentes, em diversas regiões,
foram desenvolvidas linhas especiais, cada uma com várias marcas, como se fossem
concorrentes da Suerdieck. Assim, nasceram os charutos com os anéis Giorgetti
(inicialmente uma exclusividade para Giorgetti & Cia., dona de tabacarias em São
Paulo), Colombo, Brandura e Iracema.
295
Os novos agentes, distribuidores grossistas, responsáveis pelos pontos das
vendas no varejo, não recebiam os charutos oficiais da grife Suerdieck. Mas, além
dos produtos das linhas especiais eram abastecidos com charutos da Dancoin
(Dannemann) e de Eloy da Silva (linhas BraSilva e DaSilva).
CIGARRILHOS & CIGARRILHAS
Os cigarrilhos eram charutos pequenos, charutinhos geralmente feitos com
torcida miúda, de um tipo conhecido pela designação “bagaço fino”. As marcas:
Adlon, Argolla, Beira Mar Finos, Brasileiros, Capa Preta, Colibri, Estelita, Flor da
Noite, Flor Extra Fina, Fidalgos, Garantidos, Glamour, Mimosa, Nippões, Petisqueira,
Petisqueiros, Petit Suerdieck, Salutar, Suerdieck Dez, Suerdieck 75 e Susa Filtro.
As cigarrilhas, produzidas com fumo picadinho e usando no capote papel alcaçuz,
tinham sido uma criação de Luiz de Oliveira Barretto Filho, controlador da Sociedade
Anônima Leite & Alves, com fábrica em Cachoeira, donde saíam as marcas Stanley,
Stucas, L&A e Talvis, esta última a mais afamada, sucesso nos mercados nacional
e internacional. A Suerdieck entrou neste segmento com as marcas Arpoador, D.
Pedro, Cichar e Diplomata, esta última retirada do elenco Dannemann. Da linha
Suerdieck foram transferidas para cigarrilhas as marcas dos cigarrilhos Flor Extra
Fina e Fidalgos. Com a rubrica Dannemann também foi lançada a cigarrilha Gavea.
Em 1955 o representante na Suíça, A. Dürr & Co. AG. Zürich, escreveu
à Suerdieck solicitando informação e autorização para importar as
cigarrilhas Talvis. Eis a resposta:
— Até o momento em que a Suerdieck estiver impedida de fabricar
cigarrilhas, concordamos com a importação da Talvis. O endereço
para contatos com o fabricante é:
S.A. LEITE & ALVES
Rua Conselheiro Lafaiete nº 12
Salvador – Bahia – Brasil
O impedimento da Suerdieck em fabricar cigarrilhas decorria da
patente pertencer à Leite & Alves. Quando caiu no domínio público, a
Suerdieck passou a produzí-las.
FUMO PARA CACHIMBO
A Suerdieck também possuía uma linha de produção de fumos para cachimbo,
com as marcas Holandeses, Onça e Clan, esta última uma franquia holandesa.
296
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
DOMÍNIO DO MERCADO
DOMÍNIO DO MERCADO
E
MECANIZAÇÃO
m 1953 entraram em operação as 25 máquinas elétricas adquiridas
na Suécia. Elas possibilitavam agilização no processo fabril, com
incremento na produção e redução nos custos, vez que substituíam tarefas
executadas por centenas de operárias. Para familiarizar-se com os equipamentos,
o diretor Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck passou seis meses em Estocolmo,
treinando nas instalações da Arenco Aktiebolag, fabricante do maquinário.
Montado em Maragogipe, o parque industrial compunha-se de três conjuntos
destinados à fabricação de charutos da linha popular:
a.Máquinas DOW: usadas na destalação das folhas, retirando o talo central (veia
grossa);
b.Máquinas MEJ: chamadas “semi-completas”, pois os charutos dependiam que
a etapa final, a capeação, fosse executada manualmente;
c.Máquinas MIR: denominadas “completas”, confeccionavam totalmente o
charuto.
Máquina para capeação de charutos da linha popular, com fumo natural.
297
CHARUTOS DE BALAIO
Os “charutos de balaio”, também denominados de “regalia de balaio”, ou “charutos
de regalia”, eram produtos de origem doméstica ou oriundos de fabriquetas
clandestinas, que utilizavam o trabalho caseiro das charuteiras que ficaram
desempregadas com o fechamento das fábricas Dannemann e Costa Penna, ou
que simplesmente deixavam a Suerdieck. A produção destes charutos cresceu
tanto que chegou a responder por aproximadamente 5% do mercado nacional.
Os intermediários vinham à Bahia e os levavam ilegalmente para o sul e centro-sul
do país.
Para enfrentar a concorrência dos charutos de balaio, a Suerdieck adotou duas
estratégias operacionais:
a.Interferindo nas fontes fornecedoras de fumos para capas (vide quadro abaixo);
b.Cortando a ação dos contrabandistas, assumindo nas fontes a compra
dos caseiros. Classificados como “charutos de combate”, pois não tinham
uniformidade qualitativa, eram vendidos sob rotulação de uma empresa
controlada pela Suerdieck, Eloy da Silva & Cia. Ltda2, que criou marcas populares
para dar vazão legal aos produtos do mercado informal.
confidencial
CAPAS PARA CHARUTOS POPULARES
O plano de combate aos charutos de balaio, que competem no preço
com os nossos populares, pois não pagam impostos, consiste em dificultar
a ação dos fabricos.
Orientação: os gerentes, com a supervisão de Herbert Stern, deverão
ficar atentos para toda oferta de Capas. Como Capas deve
ser considerado qualquer Fumo Bahia (exceto Sertão), de
melhor gosto que o Fumo Sul.
Iremos concorrer em todas as ofertas, não só visando o reforço dos
nossos estoques, mas, sobretudo, para enfraquecer o abastecimento dos
fabricos.
Em 27.08.1957
Geraldo Meyer Suerdieck
Presidente
2 - A empresa, que já existia, atuava nos ramos de exportação de fumos, comercialização de charutos e representações, dentre as quais os produtos da vinícola Dreher e os cigarros da Tabacaria Londres.
298
INDUCONDOR
Em dezembro de 1953, no Rio de Janeiro, o presidente da Suerdieck reuniu-se
com Kurt Augusto Guilherme Stumm e Erico Paulo Esch, controladores da Casa
Condor Importadora S.A., da qual Geraldo também era acionista. Pauta do encontro:
a.O mercado do sul estava a exigir um novo mecanismo para o abastecimento
das marcas populares mais baratas e para combater a concorrência dos
chamados “charutos de colonos”, fabricados em Santa Catarina e Rio Grande
do Sul.
b.A Casa Condor encontrava-se na contingência de procurar outro campo de
atividade, uma vez que as condições para as importações estavam se tornando
cada vez mais difíceis no Brasil.
Visando interesses mútuos, os empresários decidiram pela criação da Indústria de
Fumos Inducondor S.A., com 50% do capital subscrito pelo Grupo Suerdieck e 50%
pelo Grupo Condor. A empresa, registrada em 12 de março de 1954, foi idealizada
para atuar nos seguintes segmentos:
1.Fabricação exclusiva de charutos
b a r a t o s, d o t i p o S t u m p e n ,
preservando o nome Suerdieck,
pois era inconveniente abandonar a
tradição em produtos de qualidade
superior.
2.Produção de fumo desfiado para
cachimbo.
3.Exploração da linha de cigarrilhas,
tipo Talvis, tão logo a patente
caísse no domínio público. Faltava
pouco tempo para que isto viesse
a ocorrer.
O local escolhido para a construção da
fábrica foi Correas, distrito de Petrópolis,
no eixo Rio-São Paulo,onde ficava o
grosso dos consumidores. Do ponto de
vista logístico, Correas proporcionava
duas importantes vantagens:
a. Facilidade rodoviária para o
recebimento da matéria-prima,
comprada no Rio Grande do Sul,
Santa Cata-rina, Minas Gerais e até
na Bahia.
b. Rápido escoamento dos produtos
da Suerdieck e da Inducondor na Exposição
até as fontes consumidoras, com Stand
Internacional da Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 1961.
substancial redução no frete,
quando comparado com o custo de um transporte desde uma fábrica na Bahia.
299
Fred Kraus
Após a instalação de um grupo de máquinas importadas, essenciais numa
produção totalmente mecanizada, a Inducondor entrou em operação comercial no
ano de 1955, com os charutos Batuta. Uma equipe enviada da Bahia pela Suerdieck
deu todo o aporte técnico. Posteriormente, foi lançada a cigarrilha Vedette.
Inducondor na Souza Cruz
Em 1967 a Inducondor foi vendida à
Companhia de Cigarros Souza Cruz, que manteve,
na fábrica de Petrópolis, a produção do fumo para
cachimbo, dos charutos Batuta, das cigarrilhas
Vedette e lançou uma nova marca de cigarrilhas,
a St. James.
Em que pese o sucesso no setor dos cigarros,
onde montou um império alimentado por sete
fábricas (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto
Alegre, Recife, Belo Horizonte e Belém), a Souza
Cruz não obteve o mesmo êxito na experiência
com cigarrilhas e charutos.
Usando fumos do sul do país, impróprios para
boas cigarrilhas e charutos, os produtos foram
perdendo a aceitação, até que o braço brasileiro
da British American Tobacco acabou optando pela
desativação da Inducondor.
MITO E VERDADE DA EXPORTAÇÃO
Na Bahia acreditava-se que o principal mercado dos charutos era o externo.
Engano, o internacional respondia, em média, com 30% das vendas. Este percentual
poderia ser maior, o dobro, haja vista o bom conceito dos produtos Suerdieck,
principalmente na Europa. Porém, a empresa encontrava-se eticamente impedida
de promover uma grande e agressiva presença no mercado europeu, para não entrar
em choque com os principais fabricantes de charutos neste continente, todos eles
importantes clientes do fumo Bahia-Brasil, vendido pelo Grupo Suerdieck.
GRANDES FABRICANTES DE CHARUTOS NA EUROPA
Empresa
Neuhaus
August Blase
Arnold André
Burger Söhne
Villiger
Willem II
Schimmelpenninck
Hirschprung
E. Nobel
Vander Elst
Localização
Cidade
Schwetzingen
Lübbecke
Bünde
Burg/Aargau
Pfeffikon Luzern
Valkenswaard
Wageningen
Copenhague
Nykobing
Antuérpia
300
País
Alemanha
Alemanha
Alemanha
Suíça
Suíça
Holanda
Holanda
Dinamarca
Dinamarca
Bélgica
Todavia, 30% de quem vendia entre 150 e 180 milhões de charutos anuais
representava o que poucas indústrias no mundo produziam o ano inteiro. Remeter
anualmente para o exterior entre 45 e 54 milhões de charutos era algo de espetacular.
Na verdade, em qualquer parte do exterior encontrava-se pelo menos uma das
centenas de marcas Suerdieck.
Embutidos nos 30% contabilizavam-se os seis
milhões de charutos consumidos anualmente nos
Estados Unidos. Analisando isoladamente, este
quantitativo pode ser configurado como excelente.
Porém, a Suerdieck julgava-o tímido quando relacionado
ao potencial do mercado. Os hábitos impostos pelos
charutos cubanos e as barreiras interpostas pelos
grandes atacadistas, foram fatores impeditivos à
conquista de uma fatia maior do bolo americano.
Quantitativo que a Suerdieck elegia como muito bom
lhe proporcionava a Argentina, que importava cinco
milhões anuais, através de quatro agentes: Pascual
Hnos (Suerdieck), Florentino Martinez (Dancoin),
Arimex (Brasilva) e Heguer S.A. (linha Giorgetti). Esta
última empresa, com sede em Buenos Aires, era
controlada pelo brasileiro Hélio Guertzenstein3.
O prestígio dos charutos Suerdieck era tão grande Hélio Guertzenstein dividia o tempo
o Brasil, Argentina e Uruguai.
que em alguns países havia disputa pela representação. entre
Fumava charutos Suerdieck, que
Um deles era Portugal, donde foi recebida uma carta criou marcas em sua homenagem:
Don Hélio, Heguer e Palame. A última
da conceituada Casa Havaneza, fundada em 1864. Eis carregava o nome do iate que o
empresário possuía na Bahia, onde
o ofício 7065-PL/AM, na íntegra:
era agropecuarista e industrial.
Lisboa, 28 de novembro de 1966.
Excelentíssimos Senhores,
Tomamos a liberdade de nos dirigir a V.Exas. no sentido de lhes propor
a candidatura da nossa sociedade como vosso agente exclusivo para o
mercado português.
Sabemos perfeitamente, até porque mantemos relações comerciais
com vosso atual agente, a firma R.S. Contreras, que há muitos anos
representa em Portugal a vossa marca.
Na eventualidade única de V.Exas. não estarem totalmente satisfeitos
3 - Gaúcho de Erexim, nascido em 1913, Hélio Guertzenstein foi fundador do Aeroclube de Salvador e dono do primeiro
avião particular na Bahia, um monomotor que importou dos Estados Unidos em 1941. Usava-o para percorrer as
fazendas de criação de bovinos e eqüinos. Do Rio de Janeiro, local do domicílio principal, controlava diversos negócios
no exterior. Além de charutos, agenciava empresas de navegação marítima, dentre elas a Companhia de Navegação
Bahiana. Guertzenstein foi o responsável pela chegada de uma linha da Bahiana, de cargas e passageiros, aos portos
de Montevidéu e Buenos Aires.
301
com os arranjos que têm para o mercado português, estaríamos na
disposição de iniciar diligências com o fim da representação exclusiva ser
transferida para a nossa organização.
Pela lista anexa, terão V.Exas. a oportunidade de verificar algumas
das principais empresas mundiais com as quais trabalhamos no nosso
departamento de tabacos.
No que se refere à referências bancárias, podemos esclarecer que
o presidente da nossa empresa é também Presidente do Conselho de
Administração do Banco Burnay, Rua dos Fanqueiros 10, em Lisboa.
Assim, e rogando a V.Exas. que este assunto seja tratado em bases
rigorosamente confidenciais, ficamos na expectativa da recepção das vossas
notícias e subscrevemo-nos com a mais elevada estima e consideração.
P. Leon
Gerente
MERCADO BRASILEIRO
O Grupo Suerdieck chegou a reter 85%4 do mercado nacional de charutos.
Abastecia o país com produtos de quatro
empresas: Suerdieck, Dancoin, Eloy da
Silva e Inducondor. O domínio foi de tal
envergadura que a Suerdieck recebeu
intimação do Conselho Administrativo
de Defesa Econômica – Cade, órgão do
Ministério da Justiça encarregado da
defesa da livre concorrência. O Cade havia
acolhido uma denúncia de formação de
truste, formulada por Walter Max Julio
Straus, que tinha herdado do pai a empresa
que representava os charutos Suerdieck em
todo o território do estado de São Paulo.
Insatisfeito com a acomodação do agente
– que deixou de investir na ampliação
do seu raio de ação, principalmente na
exploração de novas regiões no vasto e
rico mercado paulista, Geraldo introduziu
Walter Straus acendendo o charuto de Geraldo.
outros atacadistas, sem retirar do Walter
Straus os charutos das marcas Suerdieck.
4 - Os 15% restantes encontravam-se distribuídos entre a Pimentel, pequenos fabricantes de Alagoas, Sergipe, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul e fabricos domésticos.
302
A estratégia consistiu em entregar aos novos agentes a distribuição dos charutos
com anéis Dannemann, BraSilva, DaSilva, Giorgetti, Colombo, Iracema e Inducondor.
Sentindo-se desprestigiado e incomodado com a concorrência patrocinada pela
própria Suerdieck, o Walter partiu para a vendeta.
Estribado numa análise enviada pela delegacia do Norte-Nordeste, comandada
por Ary Marques Porto, que era professor universitário de direito, o Cade concluiu
que o elevado grau de concentração do mercado charuteiro nas mãos da Suerdieck
se devia a um processo natural. O fechamento das antigas fábricas tinha sido um
fenômeno decorrente de crises econômicas, com exceção da Dannemann, que
sucumbira devido a um problema político. A Suerdieck havia sobrevivido às crises
e como possuía uma sólida estrutura nacional de distribuição e vendas, absorveu
os espaços deixados pelos concorrentes.
No caso das empresas coligadas, o Cade não diagnosticou qualquer procedimento
danoso à livre concorrência. A marca Dannemann tinha sido adquirida em leilão
público oficial e a Eloy da Silva, que encaixotava os charutos de balaio, prestava um
serviço ao fisco, haja vista que, ao comprar os produtos caseiros, estava minimizando
a ação dos contrabandistas, estes sim, nocivos à economia, principalmente ao
erário baiano. Na Inducondor, que produzia apenas uma marca de charutos e uma
de cigarrilhas, o Cade também não enxergou nenhum abuso de poder econômico.
PESO DOS MERCADOS
1. Brasil
2. Europa
3. Estados Unidos
4. Argentina
5. Canadá
6.África do Sul
7. Outros países
IMPÉRIO DE MARCAS
Dos 464 títulos comerciais,
de charutos, cigarrilhos e cigarrilhas,
o Grupo Suerdieck chegou a ter,
em produção simultânea,
cerca de 300 marcas.
TODAS AS MARCAS
No período de 70 anos (1905-1975), com os anéis da linha Suerdieck, foram
comercializadas 268 marcas, entre charutos, cigarrilhos e cigarrilhas. A lista, onde
a predominância é dos charutos (88%), é na sequência alfabética, tendo sido
desprezada a ordem cronológica encontrada no Livro de Referência Industrial.
Andarilhos
Argolla
Arpoador
Aurora
Autênticos
Autênticos Filho
Autênticos Pai
A Bela Bahia
Adlon
Agulhas Negras
Albuquerque
Amizade
Amor Perfeito
Anão
303
Bacará
Banqueiros
Baroneza Erna
Baroneza Erna Grande
Baroneza Erna Média
Baroneza Erna Pequena
Baronezas
Beira Mar
Beira Mar Finos
Bela Flor
Black and White
Boas Festas
Bororós
Brasa
Brasileiros
Brasília
Brazil Especial
Brazil Finos
Brazil Médios
Brazil Políticos
Brazil Regalia
Brazilian Nips
Brissago
Broadway
Brotinho
Broto
C.T.C.
Caballeros
Caboclos
Caetés
Caixa de Presente Grande
Caixa de Presente Pequena
Calu
Campeão do Mundo
Capa Preta
Caprichosos
Castelhanos
Castelo
Castilhanos
Cata Flor
Catarina
Catita
Centenário
Cesários
Cesários Filho
Cesários Mirim
Cesários Pai
Chilenos
Cichar
Colibri
Condor
Copa Coreana
Corona Imperial
Coronas
Cortizile
Coxville
Cruz Condor
Cruzeirinho
Curitibanos
D. Pedro
Diadema Extra
Don Rodolfo
Ducal Havana Extra
Ducal Havana Nº 1
Encantado Maior
Encantado Menor
Escurinho
Esplanada
Estelita
Estrelita
Executive
Exposição
Facica
Fazendeiros
Fidalgos
Fiesta Brazil
Flor da Noite
Flor de Brasília
Flor de Cintra Flor do Caribe
Flor Extra Fina
Florência
Flores
304
Florinha
Florista
Fortuna
Garantidos
GGG
Glamour
Globo
Governadores
Grand Duc
Grande Gala
Granfinos
Guarujá
Hamburgueses
Havana Especial
Havana Extra
Havana Finos
Havana Flor
Havana Médios
Havana Pequena Flor
Havana Políticos
Havana Puros
Havana Supremo
Holandeses
Ika Nº 1
Ika Nº 2
Imperiales
Índios
Índios Mirim
Invencível
Jubileu de Ouro
Kibacana
Labiata
Lazael
Legítimos Nº 1
Legítimos Nº 2
Lembrança da Bahia
Louro Nº 1
Louro Nº 2
Louro Nº 3
Mandarillos
Mandarim
Mandarim 800
Mandarim Filho
Mandarim Pai
Margareth
Mata Fina Especial
Mello Filho
Mello Fino
Mello Mirim
Mello Nº 1
Mello Nº 2
Mello Nº 3
Mello Simples
Mercedes
Mimosa
Monte Castelo
Moreno Nº 1
Moreno Nº 2
Moreno Nº 3
Mulata
Municipal
Nacionales
Nair
Natal
Navegantes
Nippões
Nirvana
Nobreza
Nordestino
Novos Castelhanos
Número 3
Número 4
Número 5
Número 10
Número 11
Número 12
Número 13
Odalisca
Olympicos
Ouro de Cuba
Ouro de Cuba Livro
Ouro do Caribe
Ouro Velho
Ouro Verde
305
Ouro Vermelho
Ouro Vermelho Popular
Palmeiras
Pampulha
Pampulhinha
Panatela Fina
Panatela Grande
Panatela Júnior
Panatela Média
Panatela Ouro
Panatela Pequena
Percal Havana
Perfeitos
Persianos
Petiscos
Petisqueira
Petisqueiros
Petit Corona
Petit Suerdieck
Pincel
Políticos
Premier
Prima Dona
Primo
Princesas
Profetas
Puro Bahiano
Puro Bahiano Grande
Record
Record Fino
Record Grosso
Record Lançado
Regalia Bahiana
Regalia Cubana
Regalia Fina
Regional Nº 1
Regional Nº 2
Regional Nº 3
Regional Nº 4
Regional Nº 5
Rex
Rocco
Roliço
Rubia
Sadda
Salutar
São Nicolau
Sem Igual
Serenatas
Simpatia
Simples Nº 1
Simples Nº 2
Sorrisos
Sortimento 26
Sortimento Extra Fino
Sortimento Ypiranga
Su-Co
Suerdieck 75
Suerdieck 200
Suerdieck Brasil
Suerdieck Dez
Suerdieck Fantasia
Suerdieck Flor Fina
Suerdieck Gigante
Suerdieck Grande
Suerdieck Médio
Suerdieck Nº 1
Suerdieck Nº 2
Suerdieck Pequeno
Suerdieck Presidente
Suerdieck Stumpen
Suíço
Sul Bahianos
Supremo Requinte
Susa Filtro
Tocos
Toscanos
Três Estrelas
Tropeiro
Tuffizinho
Turismo
Únicos
Valência
Vencedores
Viajantes
White
306
Observações
A marca Getúlios
Uma mesma marca podia apresentar
os charutos em duas versões de capeamento.
Dono de fazendas de fumo na região
Exemplo: Ouro de Cuba S e Ouro de Cuba M.
de Cruz das Almas, Lauro Passos cultivava a
S indicava capa clara e M capa escura.
amizade com Getúlio Vargas enviando charutos
Uma marca também podia ser apresentada
sob diferentes formas de envazamento, em caixas
simples, luxo ou superluxo.
especiais.
Conhecidos pela marca Getúlios, que não
pertencia ao elenco comercial, os charutos eram
fabricados pela Suerdieck exclusivamente para
o consumo do grande líder da política nacional.
MARCAS DA LINHA GIORGETTI
Amapola
Garden
Inajá
Austral
George Nº 1
Lili
Bandeirante
George Nº 2
Nº 30
Black
George Nº 3
Palame
Caiçara Nº 1
Giorgetti de Luxo
Príncipe de Gales
Caiçara Nº 2
Giorgetti Especial
Sant’Anna
Copacabana
Giorgetti Nº 1
Teimoso
Cuba Libre
Giorgetti Nº 2
Test
Dolores
Giorgetti Nº 3
Tumiaru
Don Hélio
Giorgetti Nº 4
Ubatuba
Don Nicolau
Giorgetti Nº 5
Encantados
Heguer
MARCAS DA
LINHA IRACEMA
MARCAS DA LINHA COLOMBO
Alvorada
Amada
Colombo Corona
Andira
Colombo Maior
Estrelas
Colombo Menor
Iracema
Colombo Máximo Nº 1
Jurema
Colombo Máximo Nº 2
Segredo
Colombo Simples
Colombo Panatela
307
MARCAS DA LINHA BRASILVA
Brasilica
MARCAS DA LINHA
Brasillos
DASILVA
BraSilva
BraSilva Diadema
DaSilva
BraSilva Encantado Maior
Dolores
BraSilva Encantado Menor
Eloy Extra Suave
BraSilva Extra Suave
Eloy Nº 1
BraSilva Hamburgueses
Eloy Nº 2
BraSilva President
Eloy Nº 3
BraSilva Rex
Eloysinho
BraSilva Sem Igual
Plínio
Holland Panatela
Populares
Importado Maior
Silva Nº 1
Importado Menor
Silva Nº 2
Natalinos
Silva Nº 3
Silvinho
801 M
33 Escuro
LINHA BRANDURA
Brandura Bahia
Brandura Sumatra
DANNEMANN
INDUCONDOR
Vide as 115 marcas
Batuta
no Capítulo 24
Vedette
TODAS AS MARCAS
Suerdieck................................................................................. 268
Dannemann............................................................................ 115
Giorgetti .................................................................................... 34
BraSilva ...................................................................................... 15
DaSilva ....................................................................................... 15
Colombo ..................................................................................... 7
Iracema ........................................................................................7
Inducondor ............................................................................... 2
Brandura ..................................................................................... 2
464
308
LABORATÓRIO PARA DIVERSIFICAÇÃO
Apesar de dispor, sem problema algum, do abastecimento dos
melhores fumos do Recôncavo (Bahia-Brasil e Sumatra-Bahia) e de Alagoas
(Arapiraca), a Suerdieck dava-se ao luxo de comprar matéria-prima de
outras fontes. Era a busca incessante por novos tipos e marcas de charutos,
com paladares diferenciados e de boa qualidade, para atender segmentos
dos mercados interno e externo.
Além dos fumos tradicionais de Cuba (Vuelta Abajo e Havana), da
Indonésia (Sumatra e Java) e do México (San Andrés), a Suerdieck chegou
a importar fumos cultivados nos Estados Unidos (Connecticut e Flórida)
e na Alemanha (Pfälzer). Também fez experimentos com fumos de outras
regiões brasileiras: Santa Catarina (Vale do Itajaí) e Minas Gerais (Ubá).
Existia na fábrica de Maragogipe um verdadeiro laboratório para
pesquisa e desenvolvimento de novas misturas de fumos. A diversificação
e o alto padrão dos produtos fizeram da Suerdieck uma empresa ímpar
e muito conceituada no mundo dos charutos.
ANEL PADRÃO
ANÉIS ESPECIAIS
Marca
Marca
Havana Supremo
Corona Inperial
Marca
Getúlios
309
310
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
GRUPO SUERDIECK
GRUPO SUERDIECK
PISA
holding
Fábrica 1 - 1905
Maragogipe
Fábrica 2 - 1935
Cruz das Almas
Fábrica 3 - 1936
Cachoeira
SUERDIECK
Susa
Salvador/BA
Salvador/BA
4
9
EXPORTADORA
Suerdex
Salvador/BA
1950
AGRO FUMAGEIRA
10
6
11
7
12
1943
1945
1950
INDUCONDOR
Petrópolis/RJ
13
1954
DISTRIBUIDORA
PORTOALEGRENSE
Porto Alegre/RS
1955
DANCOIN
Salvador/BA
1961
14
suerdieck
Charutos e Cigarrilhos GmbH
Freiburg. Alemanha
1962
15
suerdieck
Charutos e Cigarrilhos GmbH & Co.KG
Emmendingen, Alemanha
1962
16
SURTA AG
Zurique, Suíça
1961
Cruz das Almas/BA
1939
ESPERANÇA
Rio do Sul/SC
8
5
DISTRIBUIDORA RIO
Rio de Janeiro/RJ
3
1930
ELOY DA SILVA
GERDIECK
1
1961
1892
MARAGOGIPANA
Maragogipe/BA
2
SUERDIECK GMBH
1963
1. Companhia de Participações Geraldo Suerdieck – GERDIECK
2. Participações Industriais S.A. – PISA
3. Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos – SUSA
4. Companhia Maragogipana de Eletricidade S.A.
5. Eloy da Silva & Cia Ltda.
6. Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda.
7. Indústria e Comércio de Madeiras Esperança Ltda.
8. Exportadora de Fumos Suerdieck S.A. – SUERDEX
9. Agro Comercial Fumageira S.A.
10. Indústria de Fumos Inducondor S.A.
11. Distribuidora Portoalegrense de Charutos S.A.
12. Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda. – DANCOIN
Obs: A Suerdieck foi grande acionista do Banco Comercial do Nordeste, com
direito a indicar um membro na Diretoria e outro no Conselho Diretor.
311
Hamburgo, Alemanha 1969
COMPOSIÇÃO ACIONÁRIA DA PISA
Gerdieck ............................................594.748
Geraldo Meyer Suerdieck ........... 233.249
Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck...............
Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck.........
Nicolau Meyer Suerdieck..............................
Fernando Meyer Suerdieck..........................
Antônio Eloy da Silva.....................................
Total das ações ................................................
827.997
160.377
148.141
116.922
98.198
48.365
1.400.000
59,14%
11,46
10,58
8,35
7,01
3,46
100,00%
Obs.: Nicolau Suerdieck retirou-se da PISA em outubro de 1972.
Suas ações foram adquiridas pela Gerdieck (58.461) e por Ruth
Cerqueira Suerdieck (58.461)
O Edifício Suerdieck, construído por Geraldo, num cartão
postal produzido por uma empresa do Ceará e colocado
à venda, em lojas de souvenirs e bancas de revistas.
A Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda., com sede no Rio de Janeiro, na Rua Almirante Baltazar 333, em São Cristóvão,
chegou a ter uma frota de 40 camionetes do tipo furgão, para entregas no comércio varejista.
Em situações emergenciais, ou quando
os destinos não
estavam servidos por
linhas de navegação,
pelas ferrovias ou
ainda nos casos da
via rodoviária ser
problemática, o
transporte aéreo era acionado nas entregas dos charutos. A Panair do Brasil S.A., maior empresa em operação no país,
era a transportadora oficial dos charutos Suerdieck.
312
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
SUERDIECK S.A.
SUERDIECK S.A
CHARUTOS
E CIGARRILHOS
CHARUTOS E
CIGARRILHOS
NÚCLEO DAS DECISÕES ENTRE 1960 – 1970
GERALDO MEYER SUERDIECK
Presidente
AUGUSTO MARTINS JÚNIOR
Expedição
FERNANDO MEYER SUERDIECK
Matéria-Prima: Fumo Sumatra-Bahia
JOÃO DA SILVA LEAL
Faturamento
ANTÔNIO ELOY DA SILVA
Matéria-Prima: Fumo Bahia-Brasil
ELISABETH CABÚS DE AMORIM
Contabilidade
ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK
Máquinas e Produção Mecanizada
VIVALDO FONSECA BARRETO
Pessoal, Acionistas e Seguros
NICOLAU MEYER SUERDIECK
Exportação
HERBERT STERN
Fiscal das Fábricas
LUIZ AUGUSTO SCHROEDER
Vendas e Propaganda
MILTON NUNES TAVARES
Jurídico
EPAMINONDAS DA SILVA BANDEIRA
Finanças
HILDEGARDO FIGUEIREDO CÂMARA
Serviço Médico
JOSEPH KARL FRANZ HOECHERL
Controle Econômico
GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH SUERDIECK
Procuradora na Europa
JOSÉ RUAS BOUREAU
Compras
GERENTES DAS FÁBRICAS
Maragogipe (1905-1975)
INSPETORES VIAJANTES
(Vendas no Brasil)
• Diógenes Menezes Ferreira
• Jorgelito Mauadié
1. Fardinand Suerdieck
2. Carl Gerles
3. Gerhard Meyer
4. Willy Haendel
5. Heinrich Caspelherr
6. Johann Schinke
7. Corbiniano Rocha
8. Lourival Vulpian Vivas
9. Raimundo Eloy de Almeida
10. Nicolau Meyer Suerdieck
11. Milton da Silva Andrade
Cruz das Almas (1935-1975)
1. Johann Schinke
2. Josef Mülbert
3. Herbert Stern
4. Mário Fernandes de Almeida
5. Leonel Ribas
6. Boaventura Santos
Cachoeira (1936-1966)
1. Conrad Grave
2. Gerhard Behrens
3. Kurt Hasse
4. Waldo Herondino Azevedo
OBS: Dos dezessete, nove falavam alemão: os irmãos Suerdieck, Antônio Eloy da Silva, Luiz Schroeder, Joseph Hoecherl,
Herbert Stern e Gisela Huch Suerdieck.
313
Cruz das Almas, julho de 1952: Antônio Nonato Marques, secretário da
Agricultura do Estado da Bahia, Geraldo Meyer Suerdieck e Jorge Guerra
lendo o discurso.
Carlos Dreher Neto e Geraldo, presidentes
da Dreher S.A. e Suerdieck S.A., num
encontro regado a vinhos e charutos.
314
Salvador, março de 1961: Geraldo apresentando o vinicultor gaúcho Carlos Dreher Neto ao governador da Bahia,
Juracy Magalhães (de óculos), observados por João Galant Júnior e Hermann Overbeck.
Hotel da Bahia, 1961: Geraldo entre Aroldo Ribeiro (diretor de Eloy da Silva & Cia.) e
o jornalista João Falcão (proprietário do Jornal da Bahia), atentos a uma explicação
do empresário gaúcho João Galant Júnior, vice-presidente da Dreher S.A. Vinhos e
Champanhas.
Geraldo com Hermann Josef
Abs, diretor do Deutsche Bank,
observado pelo deputado
federal Antônio Carlos
Magalhães (de branco), pelo
vice-governador da Bahia,
Orlando Moscozo (atrás) e pelo
ministro da Fazenda, Clemente
Mariani (de óculos). Salvador,
1961.
315
Emissoras de rádio transmitindo um discurso de Geraldo.
316
Geraldo com Er win Morgenroth,
dono de um leque de negócios, onde
se sobressaíam a exportadora de
fumos Morgenroth, Leoni & Cia., a
rede das Lojas Érmor, especializada
em eletrodomésticos, e o Banco do
Comércio e Indústria da Bahia. Os dois
eram compadres, tendo Erwin batizado
o filho caçula de Geraldo e Aída.
APÊNDICE: 3ª PARTE
A
DESVENDANDO SEGREDOS
CONTROLE DE QUALIDADE
CONTROLE DE QUALIDADE
lém do controle qualitativo da matéria-prima, a Suerdieck sempre fez,
pelo sistema aleatório da amostragem, uma avaliação diária das marcas
produzidas. A base para o julgamento provinha da pontuação no formulário abaixo:
TESTE DE CHARUTOS
Marca: _____________________
Provador: ______________________
Data: ______/______/______
Caráter
Bom Caráter
Meio Caráter
Pouco Caráter
Muito Pouco Caráter
Sem Caráter
Força
Forte
Meio Forte
Meio Leve
Leve
Muito Leve
2. AROMA
3. COMBUSTÃO
10 - 5 - 0
1. PALADAR
Pontuação
10 - 5 - 0
Pontuação
Acidez
Leve
Meio Leve
Meio Picante
Picante
Muito Picante
10
7
5
3
0
Limpeza
Limpo
Quase Limpo
Meio Limpo
Meio Sujo
Sujo
10
7
5
3
0
4. CINZA
Limpo/Redondo
Ainda Limpo
Um Pouco Sujo
Sujo
Picante/Agudo
10
7
5
3
0
Muito Boa/Franca
Boa
Razoável
Irregular/Dentada
Baixa/Ruim
10
7
5
3
0
Cor
Alva
Clara
Meio Clara
Escura
10
7
5
3
Consistência
Boa
Regular
Pouca
10
7
3
É de Fernando Fraga, diretor técnico da Suerdieck por onze anos, a definição de
cada item constante do formulário para o teste de charutos:
1. PALADAR
1.1 – Caráter: é o sabor característico de cada fumo ou do blend (mistura
317
dos fumos). Se um charuto tem sabor bem
marcante ele é considerado “bom caráter”
e, inversamente, se tem sabor de palha, é
considerado “sem caráter”.
1.2 – Força: está, em parte, ligada ao “caráter”
do fumo. Por exemplo, um Mata Fina de “bom
caráter” nunca terá força abaixo de “meio
forte”, ao passo que um fumo Sumatra nunca
terá força acima de “meio leve”.
1.3 – Acidez: todo fumo tem um determinado
grau de acidez. Para que o charuto tenha
sabor agradável, além do “caráter” e da “força”,
será preciso que a acidez seja “leve” ou “meio
leve”.
1.4 – Limpeza: o charuto considerado “limpo”
é aquele que não tem nenhum sabor amargo.
Fernando Fraga, pai dos charutos da linha Don Pepe.
O “quase limpo” possui um amargor quase
imperceptível. O “sujo” é o que tem um
amargo bastante acentuado. Para que um charuto possa ser considerado
fumável ele precisa, pelo menos, ser classificado como “meio limpo”.
2.AROMA
O charuto com aroma considerado “limpo ou redondo”, mesmo sendo de
paladar forte, é agradável, ao passo que o considerado “sujo”, por mais
que o paladar seja leve, o aroma é desagradável.
3. COMBUSTÃO
A combustão de um charuto é considerada “muito boa ou franca” quando
a sua queima é constante enquanto está sendo puxado (aspirado), a
intervalos mais ou menos regulares, não muito longos. É normal um charuto
se apagar quando for deixado, por alguns minutos, sem ser puxado.
4. CINZA
A cinza de um bom charuto deve ser “clara” ou pelo menos “meio clara”.
Também poderá ser “alva”, desde que a alvura não seja superuniforme e
lisa, o que denota a utilização de algum produto indutor de combustão
e clareador na capa do charuto. A consistência deve ser “boa” ou pelo
menos “regular”. A cinza não deve cair toda vez que se puxar o charuto.
318
APÊNDICE: 3ª PARTE
G
DESVENDANDO SEGREDOS
TESTE ANALÍTICO
TESTE ANALÍTICO
eraldo Meyer Suerdieck, um dos maiores especialistas do mundo em
charutos, dá a receita de como procede num teste para julgamento
da qualidade dos charutos. Ele trabalha com duas unidades de cada marca que irá
avaliar, uma para cada etapa abaixo.
DIAGNÓSTICO MANUAL, VISUAL E OLFATIVO
Munido de um estilete, executa cuidadosa autópsia no corpo do charuto, para
dissecação e exame dos componentes da anatomia do produto.
1.1 – Torcida: verifica o tipo da bucha utilizada, a arrumação e o cheiro da
combinação dos fumos.
1.2 – Capote: examina a uniformidade e a qualidade da subcapa.
1.3 – Capa: através da visão e do tato verifica a coloração e a textura do fumo
empregado no acabamento.
DIAGNÓSTICO GUSTATIVO, OLFATIVO E VISUAL
Neste procedimento, Geraldo simplesmente degusta o charuto, para avaliação
de quatro propriedades.
2.1 – Paladar: avalia o caráter,a força, a acidez e a limpeza resultantes da mistura
dos fumos utilizados no preparo do “bunch” (torcida e capote) e da capa.
2.2 – Aroma: da mesma forma que se avalia um vinho, um bom charuto também
se determina pelo buquê que exala da combustão dos fumos.
2.3 – Combustão: analisa a uniformidade da queima, o tráfego da fumaça, a
densidade com que chega à boca, o grau da fermentação dos fumos e o teor do
cerol. Verifica também se o fumo recebeu tratamento com nitrato de potássio,
recurso que assegura a queima contínua.
2.4 – Cinza: examina o grau da compactação, a coloração e se houve tratamento
com sal ou cálcio, para torná-la mais alva.
FATORES ELIMINATÓRIOS
Num julgamento de um Premium Cigar, Geraldo elimina, já na primeira fase
(nem entra na degustação), todo charuto que contiver um dos quatro itens abaixo.
a.Capa Foscalizada. Normalmente, por indisponibilidade de bons fumos
319
capeiros, alguns fabricantes utilizam do artifício da foscalização para esconder
a verdadeira identidade da capa. O processo consiste num banho de talcode-fumo, que transforma visualmente as capas lustrosas (qualidade inferior)
em capas foscas (qualidade superior), através de dois métodos, aplicados nos
charutos já prontos: “mattiert”, que utiliza talco seco, e “feucht-mattiert”, com
talco úmido, quase uma tintura.
b.Fumo Homogeneizado. Este tipo de fumo, artificial, também denominado
fumo-papel ou fumo-de-bobina, é muito utilizado por fabricantes europeus
e americanos, em capotes e até capas.
c.Torcida Miúda. Para ser enquadrado na categoria Premium Cigar, o produto
terá que, necessariamente, ser um long filler.
d.Produção Mecanizada. Os dois últimos itens têm estreita ligação com a
fabricação à máquina. Quando o bunch é composto por torcida miúda + capote
homogeneizado, a passagem pela máquina é inevitável.
UM PARECER
Não gostei das amostras que me enviaram. As do teste anterior
estavam melhores. Como charutos para “não-fumantes” são até bem
feitos. As considerações:
1.Os de capa na tonalidade esverdeada têm gosto horrível;
2.Os de torcida miúda, embora bem limpa, são muito macios e
oleosos. Ardem com influência negativa no gosto. Também achei
a gradeação muito “miúda”, o que dificulta a combustão;
3.Nos de torcida graúda, long filler de marcas caras, verifiquei que
utilizaram fumo muito largo e grosso. Na arrumação as folhas foram
enroladas dobradas, provocando prejuízos na combustão e no
paladar. Recomendo que se corte as folhas em tiras, no tamanho
ideal, para permitir melhor combustão e uma melhoria no paladar;
4.De um modo geral, os charutos estavam demasiadamente cheios,
o que permite boa apresentação, mas tranca a combustão,
principalmente nos tipos de bico lançado. É um sacrifício fumálos, pois exigem que se faça força nas puxadas, que devem ser
contínuas, para que continuem queimando.
gms/12.07.95
320
OUTRO PARECER
1.Torcida arrumada: na visita à fábrica, encontrei desperdício e
relaxamento no processo inicial da confecção por este método, que
é para ser a arte mais perfeita e nobre de se produzir um charuto
superior. Está se arrumando folhas de larguras variadas para se obter
o “livro de folhas arrumadas”. Mas o capoteiro dobra tudo antes
de levar à máquina pedal, formando a rigor um “livro fechado”,
quebrando assim a facilidade na combustão, a consistência da cinza
e permitindo, muitas vezes, que a combustão seja “dentada” no local
onde as partes do livro foram fechadas;
2.As capas no tom esverdeado, que sempre reclamei no capeiro Agro,
produzem um efeito negativo nos charutos de bitola mais fina;
3.Com referência à adubação, sempre creditei uma boa parte da
qualidade negativa dos fumos à adubação química;
4.Se aplicadas na dosagem certa, as essências de café e chocolate
reduzirão o gosto desagradável, amargo e enjoativo dos fumos
de uma safra ruim. Somente assim poderão ser utilizados, nas
cigarrilhas aromatizadas.
gms/01.09.95
O cerol é a gordura do fumo,
funciona como combustível da fermentação
Numa fermentação incompleta,
e dá elasticidade à folha.
O charuto pode apresentar
O cerol não pode ser em nível elevado,
amargor, acidez alta (ardência),
o seu teor é fundamental à qualidade
cinza preta, embeiçar
de cada safra de fumo.
ou ficar suado.
ALGUNS REFLEXOS NEGATIVOS NO PALADAR DOS CHARUTOS
— Plantação
Falta de combinação certa entre sol e água na lavoura..................GOSTO QUEIMADO
— Colheita
Folhas colhidas antes do tempo............................................................. GOSTO VERDE
— Estocagem
Varredura de armazém, com refugo no meio................................... GOSTO DE TERRA
321
APÊNDICE: 3ª PARTE
DESVENDANDO SEGREDOS
CURIOSIDADES SOBRE GMS
FUMANTE RECORDISTA
eraldo Meyer Suerdieck é uma das raras personalidades do mundo
que enfeixa conhecimentos
profundos no tripé do segmento agro-industrialconsumidor, ou seja:
a.Domina como poucos as técnicas da
cultura e do manejo do fumo.
b.Sabe tudo sobre a fabricação de charutos.
c.É fumante exigente e requintado.
Por prazer e por obrigação, Geraldo fuma
ininterruptamente desde os 16 anos de idade.
Em 62 anos no ofício, não se recorda de ter ficado
um dia sequer sem levar um charuto à boca.
Por dever profissional, fumava periodicamente
uma unidade de todas as marcas da linha
Suerdieck, para avaliar a qualidade dos produtos
que estavam sendo colocados no mercado.
O lançamento de novas marcas tinham que,
necessariamente, passar pelo seu crivo aprovatório.
Habitualmente, no dia-a-dia da degustação reservada, a preferência de GMS recaía
nos charutos médios de bitola grossa. Porém, em festas, solenidades e aparições
públicas, fumava charutos longos.
ANOS
QUANTIDADE
DIÁRIA
INICIANTE
16 aos 21
5
3
5.400
ATIVIDADE
PLENA
22 aos 64
43
12
185.760
CONSUMO
MODERADO
65 aos 78
14
3
15.120
FAIXA
ETÁRIA
TOTAL EM 62 ANOS COMO
FUMANTE ININTERRUPTO
TOTAL DO
PERÍODO
206.280
CHARUTOS
322
Leão Rozemberg
G
CURIOSIDADES SOBRE GMS
Nem Sir Winston Churchill fumou tanto. Numa estatística de 1955, quando
estava com 80 anos, o estadista britânico foi proclamado campeão dos fumantes,
com 153.415 charutos5. Como viveria mais dez anos, e mantida a média declarada
de 7 charutos diários, conclui-se que Churchill fumou mais 25.550 unidades,
contabilizando um total de 178.965 charutos. Portanto, o novo recorde mundial,
digno de figurar no Guinness Book, pertence a Geraldo Meyer Suerdieck, com
206.208 charutos, com a ressalva de que o brasileiro continuava em atividade.
Registra-se ainda que Geraldo sempre desfrutou de saúde de ferro, sem percalços de
qualquer tipo de doença. Estômago, brônquios, pulmões e coração continuavam, aos
78 anos de idade, em condições de fazer inveja em muita gente da sua faixa etária.
Um outro fumante insaciável foi o doutor Apolinário Candeias Lopes, de
Cachoeira. Não largava o charuto, nem quando estava atendendo em seu consultório
odontológico. Dele não se tem estatística, mas pelo volume do consumo, ao longo
de décadas, deve ter chegado perto da marca alcançada por Churchill. Fumou
até a morte, em 1971, aos 80 anos de idade. Ele, Churchill e GMS são exemplos de
que o fumo bom e bem curado, consumido in natura, na forma de charuto, não
transporta os males que os antitabagistas generalizam, misturando cigarros com
charutos. O ator americano George Burns, que completou 100 anos em 1996, chegou
a um século de vida fumando charutos. Mas o campeão da longevidade continua
sendo o colombiano Javier Pereira, que chegou à idade de 167 anos degustando
um charuto por dia.
A imprensa, vez por outra, noticia a façanha de alguns fumantes, afirmando
o consumo entre 20 e 30 charutos diários. Para isto ser possível o aficionado,
obrigatoriamente, tem de fumar apenas charutos pequenos, ou então abandona
os maiores após umas poucas baforadas, sem degustá-los integralmente. Um
charuto, nos padrões Churchill, Lonsdale, Panatela, Corona ou Robusto, não se
consegue fumá-lo em menos de uma hora. Portanto, qualquer estatística envolvendo
quantidades diárias acima de 12 unidades deverá ser encarada com muita reserva.
O recorde de Geraldo, ou mesmo o quantitativo alcançado por Churchill,
dificilmente será ultrapassado. Fumar de 7 a 12 charutos, de um dos cinco padrões
acima, onde se situavam Churchill e GMS, representa números extraordinários. Nos
tempos da atividade plena, Geraldo trabalhava entre 12 e 15 horas diárias, sempre na
inseparável companhia dos charutos. As horas restantes eram gastas com dormida,
no barbear, no banho, no vestir-se e nas refeições. Fora disto, somente deixava o
charuto de lado quando se entregava aos exercícios do amor, praticados diariamente,
exceto quando viajava desacompanhado.
ELIXIR SEXUAL
Geraldo não gosta do rótulo de que tinha sido um mulherengo incorrigível. Mas
quem o conheceu de perto afirma que foi um bem sucedido sedutor, refinado e
5 - Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 27 (out-dez/1955).
323
O charuto é um elixir da sexualidade.
As colunas de fumaça dissipam tensões,
espantam o estresse,
afugentam os aborrecimentos e
dão disposição para o amor,
uma disposição contínua,
sempre renovada a cada dia.
gms
discretíssimo. Na verdade, segundo os mais
íntimos, Geraldo era o conquistado e não
o conquistador impetuoso. No período da
juventude, extensiva à fase madura, até mais
ou menos os cinqüenta e cinco anos, foi muito
assediado.
Dono de sobrenome famoso, industrial importante, educação esmerada,
internacionalizado e dominando vários idiomas, este homem de 1,72 de altura,
temperamento calmo, dono de voz mansa e pousada, de barítono matreiro,
enganosamente tímido, complementava o charme no toque mágico dos charutos
sofisticados e na classe dos trajes impecáveis. Gostava de comprar roupas finas na
Europa. Usava gravatas suíças, francesas e italianas, confeccionadas em seda pura.
Os ternos eram encomendados a Staben, em Hamburgo, ou talhados em Salvador
pelo alfaiate Gustavo Reis. Enfim, municiado por todo este aparato, Geraldo fascinava
brasileiras, alemãs, suíças, holandesas, francesas, inglesas, americanas, etc. Sucumbiu
aos encantos de várias e resistiu aos ataques de muitas, inclusive de uma baronesa
italiana em visita à Bahia.
Ele admite que não foi “nenhum santo”, mas faz a ressalva de que as relações na
rua decorreram dos casamentos já estarem na rota da dissolução inevitável, faltando
tão somente os processos formais das separações. Nestas situações confessa:
— Tinha de arranjar logo uma nova costela, nem que fosse temporária, pois
nunca fui do tipo vocacionado para jornadas longas sem o aconchego de uma
companheira!
Geraldo vangloria-se da sorte de não ter nenhum filho fora de casa. Os que teve,
em número de sete, foram frutos dos casamentos. Sem jactâncias de nomear-se um
supra-homem, garante no entanto que sua
Sexo é um jogo gostoso,
vida sexual foi muito ativa. Credita e agradece
mas muito diferente do amor,
esta disposição indomável aos charutos.
que é um sentimento mais profundo.
Acredita piamente nos efeitos benfazejos
gms
e até afrodisíacos da fumaça de um bom
charuto.
SURPRESAS
No retorno à Alemanha, para cumprir estágio profissionalizante em Hamburgo,
Geraldo acompanhou um grupo de colegas do Donnerbank a uma cervejaria em
St. Pauli. Depois, todos resolveram concluir a noitada na Kalkhof, famoso reduto
da prostituição. O renome do local provinha de um fato envolvendo um figurão da
realeza, que, bem no estilo do imperador brasileiro Pedro I, gostava de sair incógnito
e sozinho, para divertir-se nos bordéis. O homem de sangue azul encantou-se por
uma prostituta e em pleno ato sexual teve uma apoplexia, falecendo sobre a dama
de truz. Como nenhuma documentação foi encontrada, a direção do prostíbulo
324
tratou logo de se livrar do incômodo defunto, desovando-o na rua. Ao amanhecer,
o cadáver foi recolhido pela polícia e entregue no necrotério, onde a identidade
do cidadão foi desvendada. Tratava-se do rei da Dinamarca. A causa mortis tinha
sido a ruptura de um vaso sanguíneo, que estava comprometido pela idade do
monarca, ocasionando o que se chamava de “morte no amor”, decorrente do esforço
empreendido durante o coito.
A Kalkhof ganhou notoriedade e os homens que passavam por Hamburgo
eram atraídos para o cenário onde o rei dinamarquês havia encontrado a morte,
um tipo de morte sonhado pelos idosos. Seria a glória suprema, morrer nos braços
de uma bonita rapariga, dando provas da virilidade. Somente abominavam a visão
do corpo na rua, jogado como lixo, num descarte ultrajante, humilhante para um
glorioso final de vida. O corpo tinha de ser recolhido na cama da alcova, como prova
inquestionável de que a morte fora honrosa, no cumprimento do dever de macho
que se preza.
Para atender às legiões de visitantes, os bordéis da Kalkhof caprichavam no luxo e
na qualidade da matéria-prima. As prostitutas passavam por uma seleção, escolhidas
entre jovens belíssimas e portadoras de invejáveis atributos físicos. Geraldo ficou
de queixo caído quando as viu. Algumas casas exibiam-nas cobertas apenas pela
peças íntimas,numa espécie de “vitrine erótica”. Enquanto percorria o mostruário
chegou a dizer para si mesmo:
— Não tem rei que agüente o tranco de uma destas mulheres. E se o indivíduo
for cardíaco sofre um curto-circuito na hora agá!
A tentação explícita fê-lo mergulhar na difícil tarefa de optar por uma das
beldades. Coisa de louco, nunca tinha visto nada igual, estava no paraíso do rei.
Instalado na cama, pronto para a noitada da luxúria amorosa, não percebeu que
durante as ações preliminares estava sendo sutilmente interrogado. Ao deixar
escapar a nacionalidade brasileira, a habilidosa profissional passou a mão pela
mesinha de cabeceira e, num gesto rápido e preciso, enfiou um condom no membro
do cliente ensandecido pelo desejo.
Foi a primeira vez que praticou uma relação usando o preservativo de borracha
inventado pelo dr. Condom, um legendário médico inglês. Não gostou, achou o
resultado insosso. O condom podia ser excelente para evitar gravidez e doenças
venérias, mas era péssimo para o desfrute das sensibilidades e para um bom
orgasmo. A intromissão do elemento artificial, um envoltório elástico, de membrana
fina, porém espessa para o tato peniano, esfriava sensivelmente o ato da penetração
e o prazer carnal. O preservativo, que no Brasil se chamava camisinha-de-vênus,
retirava o molho do calor provocado pelo contato direto, reduzindo drasticamente
a capacidade do pênis em sentir as vibrações das interações ocorridas na cópula.
Geraldo ficou com a certeza de que somente por meio do sistema natural, da carne
roçando na carne, podia-se usufruir das deliciosas sensações do jogo na cavidade
vaginal e do gozo na sua máxima plenitude.
Ao perguntar a razão da súbita instalação do condom, a meretriz confessou que
325
sul-americanos não eram bem vistos, pois gozavam da fama de serem portadores
das doenças transmissíveis sexualmente. Ficou também sabendo que este conceito,
divulgado pelo órgão da vigilância sanitária, havia sido gerado pelas tripulações dos
navios mercantes que freqüentavam o movimentado porto de Hamburgo.
Na época, as doenças sexuais grassavam no Brasil. A cura era muito difícil,
haja vista não haver os antibióticos que mais tarde debelaram as epidemias
que infelicitaram gerações de jovens sem recursos ou sem acesso aos poucos
especialistas. Na volta à Bahia, Geraldo foi apanhado por uma blenorragia, a primeira
e única moléstia de origem sexual que teve na vida. Contraiu-a de uma bela e bem
torneada mulher que conquistou no salão de dança do Tabaris, templo dos boêmios
da capital baiana. Ela até foi honesta, comunicando-lhe que estava com um pequeno
corrimento, que poderia ser uma infecção, fruto do relacionamento com o último
companheiro. Mas, na fúria indomada da juventude, e do desejo incontrolável,
desprezou o alerta e a camisa-de-vênus. Pagou caro, teve de enfrentar um penoso
procedimento no consultório do dr. Jorge Valente, uma das sumidades médicas
de Salvador. O combate consistiu primeiramente na introdução de um tubinho
parecido com um endoscópio, por dentro do qual foram queimados os focos dos
gonococos aninhados na mucosa da uretra. Depois vieram as sessões das lavagens
desinfetantes, com permanganato de potássio. Findo o tratamento foi liberado para
voltar à atividade sexual, sem risco da transmissão venérea. Estava completamente
curado da infecção blenorrágica.
O grupo de Geraldo, integrado dentre outros por Oscar Schmidt, Walter Brito,
Hélio Rocha, Hermógenes Príncipe de Oliveira, Jorge Alberto Costa (Boga) e
Freitas (Guanabara),era habituê do Tabaris, onde também funcionava um cassino.
Conhecedor dos macetes do jogo e com fama de sortudo, ao Boga cabia a missão
de movimentar o capital formado pelas cotas arrecadadas de cada um. Quando a
roleta engolia as aplicações, a rapaziada voltava para casa mais cedo. Porém, quando
o investimento gerava lucro, a noitada do final de semana alongava-se, terminando
invariavelmente na Cabana do Manoel, no Farol da Barra, trampolim para a praia, a
praia que lhe havia proporcionado o primeiro banho de mar e que o havia ensinado
a nadar. Agora, generosamente, oferecia-lhe o aconchego para o jogo do amor e as
benesses do sexo, com as parceiras de dança no Tabaris.
Uma certa feita, já na presidência da Suerdieck, Geraldo recebeu, no escritório
em Maragogipe, a visita de uma senhora que se fazia acompanhar de duas
ninfetas, bonitinhas. Estarreceu-se com a pretensão da mãe, que foi oferecer as
filhas, garantindo serem virgens. Como se tratava de gente humilde, após uma
descompostura na mercadora, empregou as mocinhas na fábrica, para que
pudessem ganhar dinheiro com o trabalho, e não pelos caminhos que fatalmente as
jogariam na prostituição. Este episódio, decorrente de um desespero por dificuldades
financeiras, que levou uma mãe ao extremo de querer vender a virgindade das filhas,
remeteu-o a uma antiga lembrança, envolvendo virgens. Ouvira de maragogipanos
idosos, que na época do Império, em algumas fazendas do Recôncavo, o senhor das
terras tinha a primazia da primeira relação sexual com as moçoilas mais bonitas. O
senhorio fazia valer o seu direito feudal, absoluto sobre todos.
326
POSTURA
Geraldo raramente aparecia nos noticiários das colunas sociais e geralmente
só comparecia em recepções se houvesse alguma motivação empresarial. O que
gostava, e sentia-se bem à vontade, era receber parentes e amigos em casa, para
jantares ou almoços, onde também promovia festas de aniversários e comemorava
datas importantes. De temperamento reservado e avesso à publicidade pessoal,
não investia um centavo em autopromoção6. Promoção somente dos charutos, e
nisto era generoso, investia muito na propaganda. Uma outra característica era a
de não provocar entrevistas. Quando procurado pela imprensa, falava apenas de
fumos e charutos, prendendo-se sempre aos aspectos técnicos, nunca entrando
em considerações de ordem política.
Embora efetivamente tenha sido o “imperador do fumo” e o “rei do charuto”, não
há um pronunciamento sequer em que se vangloriasse disto ou daquilo, em que
apregoasse poder econômico, em que ditasse normas ou se julgasse o dono da
verdade. Não há também qualquer registro de arrogância, pois sua postura sempre
se pautou pelo equilíbrio nas colocações. Era um homem sem bravatas e que evitava
exteriorizar publicamente os sinais de riqueza. Uma única vez permitiu-se a uma
ostensividade. Foi quando mandou vir dos Estados Unidos um luxuoso automóvel,
um Lincoln Continental.
No grupo das empresas que comandava era querido, pois todos reconheciam sua
seriedade no trato de todas as questões, uma qualidade herdada do pai. Somente
não havia unanimidade no estilo da condução dos negócios. Alguns executivos
acusavam-no de ser centralizador demais.
VIAGENS
Um exemplo de simplicidade
era o de viajar na classe
econômica. Certa feita, um
empresário suíço embarcou na
mesma aeronave e quis saber
da aeromoça a razão do “rei do
charuto” não estar acomodado
na first class. A única exceção
ficou por conta de uma viagem
no Concorde, logo após a Air
France tê-lo colocado na linha
Geraldo Suerdieck no Aeroporto do Galeão, entre Erico Esch e Kurt Stumm.
Na seqüência Renato Sampaio e Carlos Azevedo. Rio de Janeiro, 1962.
6 - O pólo oposto, amante dos encontros sociais, era o irmão caçula. Fernando representava automaticamente a família
Suerdieck nos eventos badalados pela imprensa.
327
Em Zurique Geraldo sempre ficava no Grand Hotel Dolder, um dos mais elegantes e bonitos do mundo.
Paris-Nova Iorque. O supersônico cobria este percurso em 3 horas e 30 minutos, contra
as 7 horas nos jatos convencionais. Além da grande redução no tempo, o Concorde
voava numa altitude acima das nuvens e das fortes correntes de ar, evitando assim
as turbulências. Mas o preço da passagem custava o dobro da tarifa praticada nos
aviões comuns.
Por uma questão de imposição comercial, Geraldo via-se compelido a não economizar
com hotéis, forçado por uma pergunta inevitável dos interlocutores durante as rodadas
de negociações: “Aonde o senhor está hospedado?”. Exclusivamente por isto, e não por
vaidade, sempre informava nomes de hotéis da categoria superior. Considerando o
custo da hotelaria como investimento, fazia reservas no Vier Jahreszeiten ou Atlantic
(Hamburgo), Grosvenor Hause ou Dorchester (Londres), Hotel de Paris ou Napoleon
(Paris), Dolder (Zurique), Hassler (Roma), Trois Rois (Basel), Royal Savoia (Lausanne),
Waldorf Astoria (Nova Iorque), etc.
Com relação aos restaurantes, não se sentia atraído pelos cardápios sofisticadíssimos.
Amante do trivial para uma alimentação sadia, hábito adquirido em casa e nas
andanças por Maragogipe, Cruz das Almas, Cachoeira e demais cidades da região
fumageira baiana, dava preferência aos estabelecimentos simples, de boas iguarias
caseiras. Porém, quando convidava pessoas para almoçar ou jantar, tinha o cuidado
de levá-las aos melhores endereços da gastronomia internacional. Como nos hotéis,
um restaurante de renome fazia parte das regras do jogo empresarial.
328
CUBA
Apesar de ter viajado pelos mais importantes países produtores ou
consumidores de fumos ou charutos, curiosamente Geraldo jamais pôs os pés em
Cuba. Mas conhecia bem os produtos da meca dos charutos. De vez em quando
recebia caixas das marcas mais conceituadas. Serviam-lhe para ficar atualizado
com o nível do padrão da qualidade cubana e poder discutir, municiado de aporte
técnico, com os importadores. Nas inevitáveis comparações entre os charutos
brasileiros e cubanos, Geraldo sabia explorar os pontos positivos da Suerdieck
em relação aos concorrentes.
AVENTURAS
Quando foi à Santa Catarina, com a missão de
comprar uma serraria, Geraldo viajou de Curitiba a
Rio do Sul num carro alugado movido a gasogênio7,
substituto da gosolina, ainda racionada por causa
da II Guerra. Embora desconfortável, por causa
da fumaça expelida pelo veículo conduzido por
motorista da região, e penosa pela precariedade das
estradas, Geraldo gostou tanto da aventura que a
estendeu, internando-se nas matas, acompanhando
os madeireiros nas derrubadas das árvores, muitas
vezes em locais de difícil acesso, bem como o
transporte dos troncos de cedro até o leito do rio,
por onde chegavam ao parque do beneficiamento,
em Rio do Sul, na margem direita do Rio Itajaí-Açu.
A legendária Rio-Bahia, como era conhecida a BR-116, no trecho entre Feira de
Santana e a capital federal, foi a primeira rodovia projetada para ligar o Rio de Janeiro
ao nordeste brasileiro. As obras no território baiano, iniciadas em 1940, demoraram
anos até que ficasse concluída a interligação com Minas Gerais e o Estado do Rio. No
crepúsculo de 1952 foi inaugurada a primeira linha de ônibus entre Salvador e Rio de
Janeiro8. Todavia, as classes média e alta continuaram preferindo as rotas marítima e
aérea. Os menos aquinhoados, impedidos de arcar com os custos de uma viagem por
navio ou avião, e que por isso se utilizavam de ferrovia9, com a Rio-Bahia ganhavam
7 - Nos automóveis, o equipamento que transformava o carvão no gás substituto da gasolina, ficava no porta-malas.
8 - O ônibus, da Empresa Salvador-Rio, saiu da capital baiana ao alvorecer do dia 6 de dezembro, com previsão de três
pernoites, em Vitória da Conquista, Governador Valadares e Caratinga (A Tarde, 10.12.1952, pág.2).
9 - Pejorativamente denominado “trem dos baianos”, os passageiros eram massacrados pela lentidão das máquinas
marias- fumaças e por dezenas de paradas em estações intermediárias. Às vezes acontecia o martírio maior, das paradas
imprevistas, pelo percurso de 2.231 km, levando muitas pessoas a passar sede e fome.
329
a opção rodoviária, mas com o ônus do rigor de uma odisséia por estrada precária,
sem pavimentação asfáltica10, atravessando regiões desabitadas e sem nenhuma
infra-estrutura de apoio logístico. Em seus primeiros anos de tráfego, a Rio-Bahia
simbolizava um autêntico rali para se vencer seus 1704 km, em grande parte cortando
áreas distantes de quaisquer recursos da civilização. Por esta razão, somente motoristas
profissionais, de ônibus e caminhões, além de uns poucos e audaciosos amadores do
volante, tinham coragem de fazer todo o itinerário entre Salvador e o Rio de Janeiro
e vice-versa.
Instigado pelo sentimento
de saudade das aventuras
vividas no Vale do Itajaí,
movido também pelo que
ouvia falar da Rio-Bahia e
num rasgo de pioneirismo
turístico, Geraldo resolveu
em 1953 enfrentar o
desafio da longa estrada. E
foi levando o amigo Oscar
Schmidt, companheiro desde
Aída e o automóvel da viagem, numa oficina à beira da estrada.
os tempos do trabalho de
aprendizado em Hamburgo.
Fizeram-se acompanhar das esposas, num Packard preto, novinho em folha, recém
saído de uma concessionária em Salvador. A viagem durou cinco dias de sofrimentos,
principalmente para as
mulheres, desacostumadas às
situações de total desconforto,
de noites maldormidas, de
corpos empoeirados e de
banhos em águas de cacimbas.
No percurso que parecia
sem-fim, com pouquíssima
movimentação de veículos,
sob o sol inclemente e muita
poeira, os viajantes somente
encontravam pousos de
dormida e de comida (pelas
A Rio-Bahia fotografada por GMS, numa parada em Medina, Minas Gerais,
vendo-se Aída e Agrair juntas ao Packard.
improvisações não se podia
chamá-los de pousadas ou restaurantes) juntos aos minguados e rudimentares
postos de gasolina, em redor dos quais já se formavam rústicos povoados, futuras
10 - O asfaltamento entre o Rio de Janeiro e Salvador somente seria concluído e inaugurado em 1963. A partir daí, a
BR-116 transformou-se numa passarela para os automóveis e ônibus confortáveis. Aliás, todo o Brasil ingressou na era
das rodovias pavimentadas, iniciando-se o processo da decadência e da desativação do transporte de passageiros pelas
linhas marítimas e ferroviárias.
330
cidades. Cidades verdadeiras passaram por poucas, bem distantes uma da outra.
Aída e Agrair recusaram-se a acompanhar os maridos na epopéia da volta. No Rio
de Janeiro embarcaram num avião que as trouxe de regresso a Salvador, enquanto
Geraldo e Oscar enfrentavam a maratona do retorno pela Rio-Bahia. Revezavam-se
ao volante do carro, que teve vários problemas mecânicos. Num deles, uma pedra
avariou o sistema das marchas hidramáticas. Geraldo suspendeu o Packard e foi
espiar o acontecido, sendo surpreendido com a repentina queda do macaco, assim
que saiu debaixo do pesado veículo. Não mais do que dois segundos o separaram
do esmagamento. Ficou trêmulo com o susto no leito de uma inóspita BR-116. Sob
um sol abrasador de quase 40 graus viu a passagem da morte pelo rastro da poeira
levantada pelo impacto. Imediatamente lembrou-se de outro grande susto, ocorrido
na Alemanha, quando viajava com a Maryon. Numa curva perdeu o controle do
automóvel que dirigia e foi parar à beira de um abismo apavorante. Por uma questão
de dois metros o casal escapou de um acidente fatal da Floresta Negra.
Na tenra infância Geraldo já havia driblado a morte duas vezes. Quando nasceu,
a gripe espanhola, também chamada de influenza, que matou 21 milhões de
pessoas no mundo, chegou à Bahia e fez milhares de vítimas fatais. O pai ficou muito
preocupado, mas o recém-nascido escapou da epidemia. Porém, três anos depois
contraiu o vírus da peste bubônica, num surto que aterrorizava o interior baiano,
fulminando inúmeras pessoas. Geraldo chegou a ser desenganado pelos médicos
de Maragogipe, mas foi salvo por uma receita da medicina popular, que prescrevia
banhos numa bacia contendo álcool puro, para pipocar as tumefações ganglionares,
erupções chamadas de bulbos. Após cada banho, a criança era enrolada em folhas
verdes de bananeira. O tratamento era tão doloroso que não permitiram a presença
da mãe na hora dos banhos, para não ver o sofrimento do rebento, que se debatia
em dores e chorava convulsivamente. Passada a fase crítica da “febre-de-caroço”
ou da “peste”, nomes que o povo deu à moléstia, a enfermeira leiga que comandou
o processo da cura disse para dona Tibúrcia: “Este menino nasceu forte, vai viver
muito tempo!”.
CONCORRENTES
Geraldo não combatia a concorrência pelo preço, mesmo porque os concorrentes
sempre aguardavam as saídas periódicas das novas listas dos preços Suerdieck,
para colocar seus produtos com valores um pouco inferiores. Geraldo sabia disto,
porém nunca reduziu seu percentual de lucro para, pela ganância, ir sufocando os
concorrentes. Aliás, até os ajudava nos momentos difíceis. Quando a Dannemann
se debatia nas dificuldades do pós-guerra, a Suerdieck forneceu-lhe tábuas de
cedro para fabricação das caixinhas de seus charutos. Com a Costa Penna, sem
capital de giro para efetuar os pagamentos adiantados exigidos nas importações
de fumos Sumatra, a Suerdieck colocou seus estoques à disposição, para retiradas
nas quantidades desejadas, pagando o mesmo valor desembolsado pela Suerdieck
no exterior. Geraldo competia na qualidade. Por exemplo, certa feita chegou de
331
São Paulo um comunicado informando que o Pimentel 2 estava desestabilizando
as vendas Suerdieck no segmento dos charutos populares. Geraldo analisou a
composição dos fumos utilizados pelo concorrente e preparou o lançamento de uma
nova marca, com uma mistura de fumos mais rica, especialmente para dar combate
ao Pimentel 2. Com a ajuda de um nome forte e marcante – Puro Bahiano, ganhou
a parada na qualidade. Nisto a Suerdieck era imbatível, vencia pela competência.
Royal Foto
GENEROSIDADES
Nem perdulário, nem sovina. Quando necessário, em ocasiões que o momento
exigia, Geraldo mostrava-se generoso com empregados, amigos e pessoas da sua
estima. Mas fazia tudo de forma reservada, poucos tomavam conhecimento. Num
ano de ótimo resultado no balanço comercial, presenteou um dos homens da sua
maior confiança, integrante do staff gerencial, com um veículo zero quilômetro.
Quando terminou o romance com Bernardete Melgaço (Detinha), comerciária que
gerenciava um setor na Casa Gordilho, Geraldo comprou uma casa para ela morar por
tempo indeterminado, até a morte, com garantia
passada em cartório. Ficava na Rua Guanabara
nº 147, Amaralina. O imóvel era simples, mas
representava a certeza de uma moradia digna
à fiel, dedicada e discretíssima ex-amante, que
nunca exigiu absolutamente nada. A resposta
ao gesto de Geraldo foi dada mais tarde, de
uma forma um tanto quanto surpreendente.
Detinha foi pedir ao ex-amante consentimento
para colocar dentro da casa o homem que lhe
pedira em casamento, Aurelino Alves da Silva,
de quem ficaria viúva. Aurelino, mais conhecido
por Lelé, morreu de enfarte, no banheiro desta
casa. A filha adotiva do casal, Ângela Caldas,
contaria que no dia do falecimento da mãe, em
21 de julho de 1987, encontrou na penteadeira
do quarto uma pequena foto de Geraldo,
emoldurada. Era o sinal de que ela continuou,
platonicamente, amando-o até os seus últimos
Filha de portugueses, Maria Bernardete da Costa Melgaço (Detinha) nasceu em Salvador, a 14 de abril de
dias, aos 72 anos. A casa foi posteriormente
1915. O charme e os traços da beleza lusitana foram
comprada pela Ângela.
os ingredientes que atraíram e seduziram Geraldo,
que era três anos mais moço.
Nos tempos das relações amorosas, o ninho
de alcova funcionou num apartamento nas Sete
Portas, alugado pelo presidente da Suerdieck. Um dia, dona Tibúrcia conversou
durante alguns minutos com uma cliente que também aguardava chamada na sala
de espera de um consultório dentário. Uma mera intuição levou-a a acreditar que se
tratava de um amor secreto do filho. Para surpresa de Geraldo, que esperava uma
332
dura reprimenda, ouviu da mãe um comentário lisonjeiro:
— Casualmente, conheci a Detinha. Gostei dela, é muito simpática!
Mas o gesto mais nobre ocorreu quando a Costa Penna & Cia. fechou e seu
principal dirigente ficou numa situação difícil. Geraldo estendeu-lhe a mão, passando
a pagar, sem nenhuma contrapartida, um salário correspondente ao de um diretor
da Suerdieck. A contribuição mensal somente foi suspensa quando Alaim Melo, um
empresário que havia sido viajante-vendedor da Costa Penna, tornou-se deputado
federal. Geraldo chamou o parlamentar, detentor de vasto prestígio político, e disse-lhe:
— Doravante, caberá a você ajudar o ex-patrão, que também é sogro do seu irmão!
O irmão do deputado. Raul Melo, havia se casado com Dulce, uma das filhas do
industrial. Nascido em São Félix, a 16 de março de 1889, Luiz da Costa Penna, neto
do fundador da empresa, veio a falecer no Rio de Janeiro, aos 71 anos de idade, no
dia 6 de junho de 1960. Era tio de uma mocinha que se transformaria numa cantora
famosa, Gal Costa.
Quando foi premiado com uma casa em Brotas, num sorteio promovido pelo
jornal A Tarde, Geraldo repassou-a imediata e diretamente para Raulina, a Maninha,
irmã por parte de pai, que havia se casado com um rapaz pobre, Abelardo Magalhães
Sacramento, empregado da Suerdieck, filho de um antigo mestre-charuteiro,
Clementino Sacramento.
LEALDADE
Da mesma forma que exigia lealdade dos subordinados, GMS oferecia-lhes
reciprocidade. Por motivo das múltiplas atividades, como professor e jurista famoso,
muito requisitado, o dr. Orlando Gomes indicou para o seu lugar, na chefia do jurídico
da Suerdieck, um jovem advogado cria do seu escritório, dr. Milton Tavares. Anos
depois, após um desentendimento entre ambos, o ex-chefe procurou Geraldo,
travando-se o seguinte diálogo:
— Presidente, quero reassumir meu cargo na Suerdieck!
— Mas Orlando! Foi você mesmo quem colocou o Milton aqui. Ele é competente,
tornou-se meu amigo e é também o advogado das minhas questões pessoais.
Infelizmente, não poderei atendê-lo neste pleito!
O doutor Orlando Gomes, verdadeira instituição na Bahia, chegando mesmo
a ser venerado nos meios jurídicos,pensou que, por força do prestígio e renome,
Geraldo iria destituir o seu antigo pupilo. Errou na avaliação.
Quando foi introduzido um tipo de charuto popular, de fabricação simples, no
formato linheiro longo, que depois de pronto era cortado no meio, dando origem
a duas unidades, houve uma reação dos operários de Cachoeira. Insuflados por
elementos políticos, a classe ingressou na Justiça do Trabalho com uma ação coletiva,
pleiteando aumento no pagamento da produtividade. Com base no laudo de um
perito em direito trabalhista, a Justiça deu ganho de causa à Suerdieck, que nesta
ocasião já estudava alternativas para desativação de uma fábrica, com o objetivo
333
de reduzir custos em função da queda nas vendas de charutos. A deslealdade dos
operários fez Geraldo decidir pelo fechamento da fábrica de Cachoeira, preservando
a de Cruz das Almas, que embora fosse uma cidade mais distante de Salvador e
na época menos desenvolvida do que Cachoeira, possuía operários mais leais à
organização.
Num momento de crise no fornecimento de pregos utilizados no fechamento dos
caixotes grandes – que acondicionavam as caixinhas de charutos para as viagens
de Maragogipe às cidades brasileiras e do exterior – a Suerdieck foi obrigada,
temporariamente, a comprar pregos de um tipo mais alongado, despertando o
oportunismo de um dos líderes da classe operária. Ele ingressou com uma queixa
reclamando aumento salarial, alegando que seu trabalho tinha aumentado, pois
passou a dar uma martelada a mais em cada cabeça de prego. A Justiça do Trabalho
deu ganho de causa ao empregado quando a empresa já havia restabelecido o
uso dos pregos no formato antigo. A decisão abriu um precedente perigoso, pois
centenas de operários – cada qual na sua seção e por motivos diversos – poderiam
requerer idêntico benefício, provocando, na esteira da jurisprudência, uma enxurrada
de ações trabalhistas, implodindo a estrutura de custos das fábricas. Para evitar
uma catástrofe, Geraldo mandou demitir sumariamente o homem da martelada.
A punição exemplar inibiu qualquer outra tentativa de extorsão.
POLÍTICA
GMS jamais permitiu que o Grupo Suerdieck fosse utilizado para apoiar
postulantes a cargos eletivos. Sempre que as eleições se aproximavam, expedia
circulares exigindo o cumprimento da norma de neutralidade das empresas e que
os gerentes das fábricas de charutos também se mantivessem eqüidistantes de
todo o processo eleitoral. Fazia questão de reiteirar que os operários deveriam
ficar livres de quaisquer tipos de pressão, tendo liberdade para votarem nos
candidatos que quisessem. Recomendava apenas que exercitassem o direito
sagrado do voto de forma consciente e responsável, que cada um escolhesse os
nomes que fossem melhor para o Município, o Estado e o País. Os empregados
também se encontravam liberados para serem candidatos, desde que fizessem
suas campanhas fora das instalações fabris.
Durante a fase preparatória para as últimas eleições municipais antes da
Revolução de 1964, o Partido Social Progressista propôs o nome de GMS para
concorrer à Prefeitura de Maragogipe.
A RESPOSTA
Senhor Presidente do Diretório do PSP,
Por intermédio de diversos amigos, tive conhecimento da indicação
do meu nome para a Prefeitura da nossa querida Maragogipe.
334
Em conseqüência disto, recebi inúmeras mensagens desta cidade,
de pessoas que hipotecavam inteira solidariedade e pediam a minha
aceitação de postulante ao cargo.
Sinto-me, sem dúvida alguma, honrado pela confiança que acaba de
me ser demonstrada, razão pela qual peço a este Diretório a gentileza de
tornar público o meu sincero agradecimento a todos os amigos que se
manifestaram solidários com a minha indicação à Prefeitura desta cidade.
Cumpre-me, outrossim, pedir ainda a este Diretório levar ao
conhecimento do povo que, na hipótese de vir a aceitar a indicação para
tão honroso cargo, somente o farei depois de saber a opinião de todos
os partidos locais.
Finalizando, envio o meu cordial abraço a todos os componentes
deste Diretório Municipal.
Geraldo Meyer Suerdieck
A única hipótese admitida por Geraldo em ser prefeito seria como candidato uno,
apoiado por todos os partidos. Seria um prefeito do consenso, aclamado por todos
os maragogipanos. Porém, não houve unanimidade entre os caciques da política
maragogipana e ele sequer chegou a preencher uma ficha de filiação partidária,
pré-requisito a qualquer candidatura.
GUERRA SECRETA
Um dia, no começo da vida de executivo, encontava-se com o gerente da fábrica
de Cachoeira quando a secretária comunicou a presença dum jornalista de um
influente jornal de Salvador, que apareceu sem agendar o encontro. Geraldo mandou
dizer que o atenderia ao término da reunião, cuja pauta era extensa. A espera foi
massacrante, três longas horas. Também em início de carreira, o jornalista desejava,
além da entrevista, um patrocínio comercial, que foi negado.
Anos depois, o jornalista tornou-se editor-chefe do poderoso jornal e, sem
perdoar o chá-de-espera acompanhado do faturamento não-obtido, encetou
um sistemático boicote contra o líder do império charuteiro. Apesar de participar
de eventos empresariais, onde era fotografado ao lado de autoridades e pessoas
famosas, as fotos com Geraldo não eram publicadas. O interessante no episódio
residia no fato de não haver na redação nenhuma restrição a GMS. Todavia, como
fazia a triagem final, habilmente, e sem chamar a atenção, o editor descartava os
registros em que o industrial figurava. Durante mais de vinte anos assim procedeu.
O arquivo do veículo diário acumulou dezenas de fotografias com Geraldo, todas
335
virgens. Em contrapartida, para não transparecer que movia uma campanha contra a
empresa, publicava com muita freqüência as fotos do irmão do presidente, Fernando
Suerdieck. Por causa desta praxe, as pessoas que se orientavam pelo jornal A Tarde
pensavam que o Fernando era o principal diretor da Suerdieck.
Geraldo sabia da discriminação e a fonte da sua origem, mas a ignorava
solenemente. Porém, dava o troco na hora de fatiar o bolo da publicidade. Deixava
o jornal sem as generosas matérias pagas que outros importantes veículos da
mídia nacional recebiam. Na Suerdieck ninguém percebia a existência dessa guerra,
surda e interminável. O relacionamento entre os dois generais (Geraldo Suerdieck e
Jorge Calmon), que se encontravam em solenidades, era cordial, como convinha a
cavalheiros honrados, mas cada qual guardando, uma amistosa distância do outro.
SEM PERDÃO
Como conseqüência da Segunda Guerra, Johann Heinrich Schinke perdeu a
gerência (1938-42) da fábrica de Maragogipe, foi demitido do emprego, preso pela
polícia e incurso na Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de ser um dos líderes
da propaganda nazista.
Como responsável legal pela fábrica, Geraldo Meyer Suerdieck foi convocado pelo
Dops para prestar esclarecimentos sobre as atividades de cinco alemães, entre os
quais Johann Schinke. O único incriminado pelo jovem executivo foi justamente o
ex-gerente de Maragogipe, onde, além de fazer política a favor do nazismo, sabotava
ordens do dono da empresa, Gerhard Meyer Suerdieck.
Após a guerra, Schinke trabalhou na Dannemann até abril de 1955, quando a
empresa faliu. Depois, doente, enviou uma correspondência, escrita em alemão,
pedindo socorro à Suerdieck, contra a qual havia movido um processo trabalhista
depois que foi absolvido em julgamento pelo Tribunal de Segurança Nacional.
Geraldo respondeu ao ex-empregado, que tinha traído a confiança do seu pai, em
papel timbrado da Suerdieck. O ofício foi remetido para o endereço residencial de
Schinke, na Rua Juarez Távora nº 2, em São Félix. Tinha o seguinte conteúdo, vertido
do original em alemão:
Salvador, 25 de março de 1958.
Prezado Senhor Schinke,
Suas linhas, de 16 deste mês, chegaram às minhas mãos, pelas quais
tomei conhecimento da pouca satisfatória situação de sua saúde.
Lamento muito que o destino não o tenha protegido contra este
sofrimento horrível, ao qual todos nós estamos expostos. Este é meu
ponto de vista pessoal.
Olhando para o lado comercial, não posso concordar quando o senhor
disse em sua carta: “Em reconhecimento ao trabalho, que prestei à empresa,
espero do senhor um apoio que não será pequeno”.
336
Contra a firma o senhor promoveu um processo que me deixou noites
sem dormir.
Ao invés do processo, deveria ter se utilizado de um outro caminho,
quando então os interesses gerais seriam protegidos.
Eu espero que, pelo progresso da medicina atual, o senhor encontre
os meios para a sua melhora.
Geraldo Meyer Suerdieck
Presidente
AJUDA A EX-MINISTRO NO EXÍLIO
O jornalista Odorico Tavares, superintendente na Bahia dos Diários e Emissoras
Associados, poderosa rede nacional que em Salvador controlava a Rádio Sociedade
da Bahia, a TV Itapoan e dois jornais diários, Estado da Bahia e Diário de Notícias,
esteve na Suerdieck para entregar e apadrinhar uma solicitação despachada de
Lima, suplicando por charutos, para serem vendidos no Peru. A carta causou um
certo reboliço, e até embaraços, por ter sido subscrita pelo Abelardo Jurema, que
tinha sido ministro da Justiça no governo de João Goulart. Os executivos ficaram
contra o despacho da mercadoria para um cassado e banido pela revolução que
instaurou o regime militar. Deixaram o assunto para decisão do presidente, que
se encontrava no exterior.
Para atender Odorico Tavares, sem se comprometer com os novos governantes do
país, a Suerdieck poderia fazer os charutos chegarem ao Peru através de redespacho
pelo agente na Argentina, Pascual Hnos. Mas Geraldo, que não devia favores ao
ex-ministro, e nem o conhecia pessoalmente, autorizou o estabelecimento de
vínculos comerciais diretos com a empresa do Abelardo. E não foram relações de
simples vendas. Na vaga deixada por Henrique Kaufmann Roos, a Suerdieck enviou
ao Abelardo uma credencial de agente, nomeando-o distribuidor exclusivo para
todo território peruano. Foi uma decisão que poderia ter custado caro, haja vista
as instruções do governo militar proibindo qualquer tipo de aproximação com
exilados.
Para felicidade de todos, não houve nenhuma interferência das autoridades e o
Abelardo pode desenvolver o trabalho de reintrodução dos produtos Suerdieck em
algumas das mais importantes cidades do país andino, tais como Trujillo, Chimbote,
Callao, Arequipa e Tacna. Em Lima, Abelardo chegou a ser chamado de “rei do
charuto”, “graças aos puros brasileiros”, conforme ele mesmo confessaria mais tarde.
Anos depois, de volta ao Brasil, o ex-ministro escreveu um livro de memórias,
Exílio, onde relatou as peripécias durante os quatro anos vividos em Lima. Nele
contou as atividades de comerciante e criticou a empresa que lhe deu a mão. Além
de grafar de forma errada o nome Suerdieck, cometeu o perjúrio de comparar
as embalagens de charutos populares do Brasil com as embalagens de luxo dos
charutos americanos. Eis um trecho da página 66 de seu livro, editado pela Acauã:
— Enquanto os charutos americanos eram ruins em comparação aos nossos,
337
a embalagem era sofisticada. A embalagem dos charutos brasileiros era ainda do
tempo dos meus avós, em caixas rústicas, mal apresentadas. Um charuto americano
é envolvido em folha de alface, lisinho, bem apresentado. Não tinha sabor de fumo,
mas era procurado pela sua apresentação. Celofane, laços de fita, uma riqueza de
embalagem!
O trecho “do tempo dos meus avós, em caixas rústicas, mal apresentadas”, foi
cruel e leviano. A Suerdieck nunca teve caixas que se enquadrassem neste tipo de
descrição. As mais simples, dos charutos populares, eram em cedro maciço e com
acabamento muito bom, com alto padrão de qualidade final.
O Abelardo Jurema esqueceu-se também das marcas nobres, todas elas
em caixas de luxo ou superluxo, que não deviam absolutamente nada às mais
sofisticadas do mundo. Algumas, verdadeiras obras de arte, não tinham sequer
similares no mercado internacional. Portanto ao desqualificar as embalagens da
Suerdieck, de maneira inverossímel, o antigo ministro cometeu uma ingratidão
imperdoável. Cuspiu no prato que comeu em hora de extrema necessidade, durante
uma fase difícil na sua vida, quando se encontrava no desterro.
ARREPENDIMENTO
Um dia, ao entrar na charutaria do Edifício Suerdieck, Geraldo deparou-se com
uma senhora que conversava com um dos balconistas. Sentiu um calafrio, mas fingiu
que não sabia quem era. Afinal, havia trinta anos que a tinha visto pela última vez.
Ela fitou-o, de baixo a cima, sorriu discretamente e perguntou:
— O senhor é o Bubi?
Respondeu que sim, de forma seca, para logo em seguida pedir licença e
retirar-se rapidamente, desistindo do objetivo que o levara à loja. Tempos mais
tarde, relembrando o encontro do qual se esquivou, fazendo-de-conta que não a
reconhecera, Geraldo arrependeu-se do tratamento dispensando à mulher que lhe
proporcionara a oportunidade da primeira experiência sexual, inesquecível. Como
pude ter sido tão frio com a Baçu, só porque era de uma classe social inferior? Esta
pergunta fez a si próprio repetidas vezes.
Se pudesse fazer o tempo recuar, a reação seria outra, o tratamento carinhoso.
Iria convidá-la para ir ao seu gabinete, onde procuraria saber como estava e se
precisava de alguma ajuda. Enfim, poderia até, caso fosse necessário, oferecer-lhe
um emprego numa das várias empresas do grupo. Geraldo nunca mais viu a Baçu!
UMA AMEAÇA
Em julho de 1969 chegou no escritório central da Suerdieck um pequeno
pacote, endereçado ao presidente. Dentro havia um projétil para revólver calibre
38, acompanhado de uma carta datilografada, onde o missivista exigia dinheiro e
338
ameaçava matar Geraldo, com uma bala idêntica a da amostra, se a exigência não
fosse atendida no prazo e nas condições estipuladas.
Através do advogado Milton Tavares, a Secretaria da Segurança Pública do
Estado foi imediatamente acionada. Ficou-se sabendo que outros importantes
industriais baianos também tinham recebido a mesma correspondência.
Aconselhado pelas autoridades policiais, Geraldo e a esposa saíram da Bahia,
foram para São Paulo, onde ficaram aguardando o resultado das investigações,
para identificação e prisão do autor da tentativa de extorsão.
Foi o drama pessoal vivido pelo presidente às vésperas de um outro drama,
este de caráter coletivo, que ameaçava a base do sustento de milhares de famílias.
ADMIRAÇÃO
Geraldo tinha uma grande admiração por Luiz de Oliveira Barretto Filho,
que havia derrubado as barreiras dos preconceitos raciais, impondo-se no meio
empresarial baiano e conquistando o respeito da comunidade internacional do
comércio fumageiro. O presidente da Suerdieck reconhecia em Luiz um brilhante
exemplo de que a dedicação ao trabalho e a tenacidade em alcançar objetivos
se sobrepunham aos obstáculos interpostos por uma sociedade discriminadora,
que procurava barrar a ascensão sócio-econômica das pessoas que não fossem
genuinamente de raça branca.
Nascido em 11 de setembro de 1892, Luiz Barreto diplomou-se pela Academia
de Ciências Econômicas da Bahia em 1916. Proprietário agrícola e exportador de
fumos, tornou-se industrial quando adquiriu o controle da Leite & Alves, antiga
fábrica de cigarros que Luiz transformou numa afamada produtora de cigarrilhas,
onde se sobressaía a marca Talvis, grande sucesso de vendas.
Quando presidiu a Bolsa de Marcadorias de Valores da Bahia, Luiz Barreto
idealizou o I Congresso Nacional do Fumo, realizado na capital baiana, de 12 a 20
de julho de 1952. Como especialista nesta área, publicou três trabalhos técnicos:
Periodicidade da Crise Fumageira no Estado da Bahia; Intributação do Consumo
Nacional do Fumo de Corda; e Problema Agrário na Bahia. Também foi político,
exercendo um mandato de deputado federal, de 27 de dezembro de 1946 até 31
de janeiro de 1951. Faleceu aos 62 anos, em 1º de dezembro de 1954.
Um dia, ao saber que Luiz se encontrava enfermo, Geraldo foi visitá-lo em sua
residência. Prostado na cama, o inventor das cigarrilhas aconselhou:
Não esqueça que a coisa mais
valiosa da vida é a juventude.
Procure aproveitá-la,
o máximo possível.
A velhice não vale nada!
339
Quando completou 81 anos, GMS lembrou-se da frase do amigo e desabafou
numa pequena crônica:
Há 45 anos o tempo de um dia era
muito curto para tanta coisa fazer.
Agora o tempo de um dia é
muito longo para nada fazer.
A solidão imposta pela ausência do
trabalho é um problema seríssimo.
A velhice realmente nada vale,
o Luiz tinha toda razão.
Longevidade
Pela linhagem Meyer, Geraldo ultrapassou quatro gerações de
ascendentes, que não atingiram sequer a idade dos sessenta e cinco: o
trisavô viveu 56, o bisavô 55, o avô e o pai 63 anos.
Mais velho dos irmãos, Geraldo sobreviveu a todos: Nicolau, o segundo,
chegou até 77; Wolfgang, o terceiro, aos 76; e Fernando, o caçula, faleceu
com 65 anos.
APELIDOS, UMA TRADIÇÃO NA TERRA DE GMS
São Bartolomeu, padroeiro de Maragogipe, era muito venerado pelas
famílias. Em todas, ou quase todas, havia um Bartolomeu. Para diferenciar
e caracterizar cada um, dentro do mar dos bartolomeus, o jeito foi apelar
para os apelidos, que se multiplicaram e se derramaram até sobre os que
não tinham sido registrados com o nome em homenagem ao santo, um
dos doze apóstolos.
Por conta da inflação dos apelidos, a maioria esmagadora da população
masculina tinha dois nomes, o oficial, geralmente desconhecido, e o
popular, de domínio público. Na maior parte das ocorrências, a criança
recebia o apelido dentro de casa, para evitar que ganhasse na rua um
codinome exdrúxulo, pejorativo ou indesejável.
A tradição dos apelidos não poupava nem os forasteiros, fossem eles
jovens ou adultos. Quem chegasse a Maragogipe podia ter a certeza que
não tardaria a ganhar um apelido, independente da condição social ou
econômica. Nem as autoridade escapavam. Tinham apenas a garantia
340
pelo respeito ao título, como foi o caso de um juiz, cognominado Doutor
Mão de Gengibre.
Teve um alemão, de nome complicadíssimo, que o povo batizou com
uma designação bem simples. Ele virou Chico Fogão. Houve também
um caso que ficou célebre, pela rapidez no surgimento do apelido. Foi
aplicado antes mesmo do cidadão colocar os pés no solo maragogipano.
Não lhe foi dado sequer tempo para abrir a boca e pronunciar uma única
palavra. Um sagaz carregador de malas, de olhos de lince, vendo no
convés um circunspecto passageiro, que demorava de desembarcar, não
se conteve e gritou a plenos pulmões:
— Mãozinha, o senhor vai ou não vai descer?
Revoltado com o destempero do tratamento, o sisudo cavalheiro,
portador de uma pequena deficiência na mão esquerda, voltou mudo
para o interior do navio, como se tivesse desistido da cidade. Mais tarde,
quando foi avistado, o carregador do cais comentou numa roda na porta
do Bar do Ariston:
— Olha lá, o Mãozinha, finalmente ele saiu do vapor!
As mulheres também recebiam apelidos. A Epifânia, conhecida como
Neném, ficou famosa por causa de um charuto Suerdieck. Um dia, a bonita
morena levantou-se da banca das charuteiras e foi ao sanitário, onde
debelou o fogo do desejo, usando um Baroneza Erna Grande. Na volta,
feliz da vida, contou à colega do lado que pela primeira vez se masturbara
com um charuto. E revelou o grau da satisfação:
— Foi uma delícia, o fumo provocou uma ardência enlouquecedora!
No dia seguinte a notícia correu pela cidade inteira. O solitário apelido
da jovem e fogosa operária ganhou a companhia de um sobrenome
consagrador. Ela passou a ser chamada de Neném Charutinha.
Área central de Maragogipe e a Igreja Matriz, onde Geraldo Meyer Suerdieck foi batizado.
341
BARONEZA
ERNA GRANDE
PARA INESQUECÍVEIS MOMENTOS.
SUERDIECK
UM PRAZER ESPECIAL
342
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
QUE MAL FAZ O CHARUTO?
QUE MAL FAZ O CHARUTO?
D
Geraldo Meyer Suerdieck*
esde longos tempos, o charuto tem sido
um companheiro do homem. Dos amigos,
o charuto é o mais constante e leal. Nas horas de alegria,
o charuto está sempre ao seu lado, agindo como um
estimulante dos bons prazeres. Nos transes da vida, quando
as tristezas e preocupações enevoam os dias, é ao charuto
que o homem recorre, encontrando sempre paz e conforto.
Tenho a impressão que as mágoas ou aborrecimentos se
apagam com a sua chama, transformando-se em cinzas
que o vento espalha.
Há quem condene o charuto, atribuindo a ele a causa de
alguns males. Todavia, os entendidos na matéria, baseados
em resultados de pesquisas, têm posto o charuto a salvo de qualquer suspeita. Estas
notícias são auspiciosas e tranqüilizadoras. Aliás, não é demais que se diga que o
bem-estar da clientela da Suerdieck sempre foi, para mim, uma questão de vital
importância. A fabricação dos nossos produtos obedece aos mais rigorosos princípios
técnicos, com fumos escolhidos e de primeira qualidade, e também com a ausência
completa de elementos estranhos ou químicos.
O charuto é, sem dúvida, a primeira forma sob a qual o fumo foi utilizado. E se
lançarmos um olhar retrospectivo para os dias idos, veremos os nossos antepassados
fumando constantemente o seu charuto, e vivendo mais de 80 anos. É também
oportuno observar que no passado os processos utilizados na cultura do fumo eram
muito rudimentares, sendo ele apresentado aos fumantes em seu estado quase
primitivo, ainda sem as técnicas de cura natural para eliminar as toxinas. Nem por
isso, o charuto agia como elemento destruidor do organismo.
Ainda hoje, neste atribulado século, cheio de emoções traumatizantes, com o
aumento das preocupações, quando a vida do homem se tornou mais conturbada,
vemos milhares de pessoas pelo mundo, já em avançada idade, desfrutando dos
prazeres que lhes proporciona um bom charuto. Aí está Winston Churchill, eminente
homem público, com bem vividos 80 novembros (30.11.1874), ainda liderando a GrãBretanha e enfrentando, com a sua calma peculiar, os problemas de uma grande nação.
Ele é visto fumando, constantemente, o seu bom charuto, companheiro inseparável
(*) - Este artigo foi condensado de três outros, que escrevi para o Boletim Trimestral da Suerdieck, números 25 (janmar/1955), 33 (abr-jun/1957) e 38 (jul-set/1958) .
343
de todas as horas e nos momentos difíceis da sua carreira política.
De Londres, onde se encontra, chegam-nos notícias de Villa-Lobos, compositor
e maestro de fama internacional. O brasileiro está encantando os ingleses, pela sua
personalidade e êxito dos concertos. Em declarações aos jornais britânicos ele tem
revelado a fórmula do sucesso musical: “Não dispenso um charuto para compor”. Um
outro exemplo frisante vem da França, remetido por Maurice de Vlaminck, mestre
das artes plásticas. Com 80 anos, o consagrado artista ainda se dedica com afinco
à duas paixões: a pintura e o charuto. Fuma diariamente entre dois intervalos de
trabalho.
São fatos como estes que nos levam a afirmar ser o charuto combustível predileto
para os que necessitam de concentração, para os que buscam em meditações
superiores o clima e o estímulo perfeitos ao desenvolvimento do labor intelectual.
Em suma, um bom charuto tem sido a companhia ideal eleita por vários gênios da
política, da música e das artes em geral.
Também no sexo feminino o uso do charuto vem se difundindo consideravelmente.
Para as filhas de Eva, o charuto é o “complemento de sua vida elegante”. Aliás, também
entre elas já se conta com bem antigas fumantes, como, por exemplo, a senhora
Alma Clason, de Estocolmo, na Suécia, que fuma desde os 17 anos, tendo agora nada
menos do que 100 anos. Ada Reeve, inglesa, também passa sua vida fumando um
bom charuto e já tem a idade de 81 anos. Um fato interessante e singular foi um
concurso recentemente realizado na Alta Baviera, em Burghausen, para a escolha
do mais vagaroso fumante de charutos. A vitória coube a Anna Niederbuchner, de
50 anos, que derrotou 32 concorrentes, sendo 29 deles homens.
Na Dinamarca o número dos
fumantes é por demais significativo.
A própr ia ministra B odil Koch
compareceu a um encontro com John
Foster Dulles, secretário de Estado dos
Estados Unidos, fumando um charuto
longo. Por último, um dado oficial
incontestável. As últimas estatísticas
da Organização Mundial de Saúde,
apontam que nos países escandinavos
registram-se os menores índices de
mortalidade provocada pelo câncer.
Na Noruega, por exemplo, a média é
de apenas 8,14 casos em cada 100 mil
habitantes. Por curiosa coincidência,
é lá onde mais se cultiva o hábito de
fumar charutos, inclusive entre as
Silvana Pampanini, estrela do cinema italiano, numa foto
mulheres.
publicada no Boletim Trimestral da Suerdieck, edição 28,
jan-mar/1956.
344
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES
OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES
PRODUTOS
PRODUTOS
E
Geraldo Meyer Suerdieck*
xiste uma lição escolar inglesa intitulada “The plum pudding which has
given a thousand men work” (O pudim de ameixa que deu trabalho a mil
homens). Poderíamos transferir o título desta velha lição para os nossos produtos,
mundialmente conhecidos.
Quantas vezes o fumante acha-se, após o jantar, confortavelmente instalado
numa poltrona lendo o vespertino de sua preferência e deliciando-se com um
charuto envolto no aroma da fumaça. Será que alguma vez, ao pegar num desses
deliciosos charutos, ele imaginou quanto cuidado, quanto esmero, quanta
preocupação e quanto labor foram necessários para que aquele charuto pudesse
dissipar um pouco suas preocupações cotidianas? Será que ele conhece quanta
atenção e zelo foram empregados na escolha do fumo com que foi confeccionado
o charuto que tanto aprecia?
(*) - Publicado no Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 37 (abr-jun/1958), acrescido de um trecho de algumas anotações
pessoais inéditas.
345
O excelente fumo da Bahia, que briga com Cuba pelo título de “o mais aromático
do mundo”, é a fonte da matéria-prima para os charutos da Suerdieck. O Recôncavo,
principal região do cultivo, produz o tipo genericamente denominado Bahia-Brasil,
que se subdivide, pois há diferenciais qualitativos, a depender da localização e
da característica da lavoura. Como exemplo cito a zona do fumo Mata Fina, de
propriedades ímpares, celeiro para o abastecimento da Suerdieck. Na margem
direita do Paraguaçu e pelos tabuleiros de Cruz das Almas, encontram-se os fumos
altamente aromáticos. Na outra margem, nos campos de Belém de Cachoeira e São
Gonçalo dos Campos, estão os fumos uniformes na coloração e na classe, que os
alemães chamam de “würtzig” (picante).
Nestes roteiros, já nas primeiras colheitas, a Suerdieck está presente, testando
a qualidade dos fumos, que se encontram sujeitos às variações do fator climático.
As condições climatéricas sempre ditaram as características de cada safra. Se faltar
chuva as folhas tornar-se-ão curtas, fortes e cerolentes. Permitirão armazenagem
longa e necessitarão de um processo forte na fermentação, para poderem ser
utilizadas na produção de charutos. As safras lavadas, com excesso de chuva, são
perigosas, pois haverá grande risco dos charutos ficarem mofados (infumáveis). Por
isso, a seleção dos fumos deverá ser rigorosa, para retirada da parte com indícios de
mofo ou futuro mofo. Após selecionados, os fumos destas safras são programados
com prioridade na produção, uma vez que não resistirão a uma armazenagem longa.
Um outro fator muito importante é o local do cultivo. Se o fumo for plantado
em terrenos baixos (brejos), geralmente será pesado, não sendo por esta razão
utilizado na fabricação de charutos bons, que requerem fumos cultivados em
tabuleiros, bem crescidos e que não estejam com adubação inadequada. Enfim, os
testes permanentes, para diagnósticos da procedência e da qualidade, que orientam
nossos técnicos sobre o volume das compras, prolongam-se pelos meses de escolha
e classificação da mercadoria. É este o procedimento que garante o conceito da Alta
Qualidade que gozam os charutos Suerdieck.
Fumo e charuto foram fatores de
riqueza e desenvolvimento para a Bahia.
Grandes absorvedores de mão-de-obra,
ofereciam serviços manuais à famílias inteiras.
346
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA
A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA
NA BAHIA
BAHIA
NA
H
Geraldo Meyer Suerdieck
oje, quarenta anos depois que escrevi o artigo anterior, pergunto: Foi a
lavoura fumageira que entrou em decadência, levando a comercialização
ao mesmo caminho, ou foi vice-versa?
Planta nativa do continente americano, o
fumo tornou-se conhecido na Europa graças
aos navegadores espanhóis, portugueses,
franceses e ingleses. Os primeiros usuários
europeus do fumo foram, evidentemente, os
marinheiros e soldados, que a exemplo dos
índios o consumiam de duas maneiras, fumando
ou mascando.
Em Portugal, a planta dos indígenas brasileiros
passou a ser cultivada no viveiro da infanta D.
Maria, onde, em 1560, o embaixador da França,
Jean Nicotª, veio conhecê-la. Informado de
que as pitadas do fumo em pó (rapé) curavam
enxaquecas, Nicot enviou o produto à rainha
Catherine de Médicis, que padecia do mal.
A monarca francesa começou a pitar e, por
imitação, os nobres passaram a fazer o mesmo,
gerando um hábito que rapidamente se espalhou pelas cortes e por todos os segmentos
da sociedade européia. Surgiram dezenas de fábricas de rapé na Europa, interagindo
com dois fatores, a expansão da cultura do fumo no Novo Mundo e o desenvolvimento
de um intenso comércio internacional.
Porém, nem tudo foram flores. O fumo teve oponentes fortes, dentre eles o rei
da Inglaterra, Jaime I, e o papa Urbano VIII. Mas, nenhuma das proibições, mesmo
poderosas, conseguiram estancar a produção e o consumo do fumo, que cresceram de
forma vertiginosa. Como exemplo basta citar a evolução das exportações brasileiras,
levantadas por Jean Baptiste Nardi, autor do livro O Fumo Brasileiro no Período Colonialb.
O pesquisador registra que o comércio da Bahia com Portugal teve início em 1571, com
cinco arrobas, para alcançar o apogeu da era colonial em 1816, com 854.787 arrobas
de fumo baiano.
a - Numa homenagem a Jean Nicot, os botânicos deram ao fumo o nome científico de Nicotiana Tabacum.
b - Editora Brasiliense, 1996, São Paulo.
347
Mas foi durante a República – até o inicio da II Guerra Mundial, excetuando-se o
período da Primeira Grande Guerra – que o fumo baiano viveu o apogeu máximo da
sua produção, tendo chegado ao pico dos 500 mil fardos, o equivalente a 2,5 milhões
de arrobas. Ainda fui testemunha da época de ouro
da lavoura fumageira. Os exportadores dispunham
de uma rede de enfardadores qualificados. Em cada
zona produtora, os enfardadores, especialistas que
faziam a seleção e compra dos fumos enviados pelos
agricultores, eram rigorosos no controle da qualidade.
Da confiança mútua, entre os fabricantes de charutos e
exportadores, firmou-se a tradição das marcas famosas,
tais como Costa Ferreira, Dannemann, Suerdieck,
Martfeld, Overbeck, Morgenroth, Amerino Portugal,
etc. Fumos destes exportadores eram comercializados
até mesmo antes de uma nova safra, tamanha a
confiabilidade na qualidade dos seus produtos.
A fumicultura na Bahia era dominada por
minifúndios, que no contexto global formavam uma
grande e extraordinária lavoura, concentrada em cinco
zonas do Recôncavo, cada qual com uma espécie
de fumo bem definida. Obviamente que dentro de
cada zona ocorriam variações nas safras, em função
das condições climáticas da cada ano, haja vista ser
fundamental o equilíbrio entre chuva e sol. Por isso,
numa mesma área de plantio era normal a diferença
entre a safra de um ano para a do ano seguinte.
Porém, cada zona fumageira mantinha intocável a
identificação da sua espécie. Por exemplo, no reduto do fumo Mata Fina somente
se plantava, colhia e vendia o Mata Fina.
Mas o progresso, inevitável, acabou desestabilizando e destruindo toda uma
esquematização secular. Vejamos as razões principais:
1.Estradas: a implantação e o conseqüente aprimoramento da malha rodoviária,
possibilitaram que negociantes inescrupulosos transportassem safras de
regiões de fumos inferiores para mistura com os fumos nobres. Com isso, em
lugar das safras selecionadas, cresceram as partidas do fumo baldeado para o
exterior.
2.Sementes: a mistura de sementes de fumo de outros estados, ou mesmo o
baldeamento interregional, acabou desvirtuando os tipos e qualidades dos
fumos superiores.
3.Adubos: antigamente utilizava-se adubo orgânico (talo de fumo seco e torta
de mamona) ou animal (esterco de gado), com resultados positivos. No
348
entanto, com o advento e aplicação em larga escala dos adubos químicos, a
lavoura passou a sofrer conseqüências negativas a longo prazo. O mal uso dos
agrotóxicos, sem os devidos cuidados técnicos ou desacompanhado de exames
do solo, gerou efeitos colaterais, refletindo na qualidade das safras de fumo.
Tudo isto minou o prestígio do fumo Bahia-Brasil e abalou a confiança dos
compradores internacionais. A situação se agravou de tal forma que muitas indústrias
européias passaram a substituir, na formulação de seus charutos, o percentual do
nosso fumo por fumos de outras origens. Paralelamente à quebra da qualidade do
fumo baiano, os órgãos governamentais de fomento à lavoura fumageira foram
sendo esvaziados e deixaram de cumprir com suas finalidades.
No Brasil passou-se a praticar uma política inversa da adotada por Cuba. O governo
deste país caribenho nunca deixou de lado a lavoura e a indústria. Mesmo com a
crise decorrente do bloqueio econômico dos EUA, Cuba zelou obstinadamente
pelo seu fumo e charutos, mantendo a fama e o prestígio inabaláveis. Já o governo
brasileiro simplesmente deixou de assistir aos milhares de pequenos lavradores
baianos. Resultado, as safras de outrora, que chegaram ao meio milhão de fardos
anuais, estão hoje resumidas entre 50 e 80 mil fardos anuais. Em contraposição às
dezenas de exportadores de antigamente, somente meia dúzia ainda opera na Bahia.
Enfim, a lavoura tabaqueira baiana, especializada em bons fumos, para bons
charutos, abastecedora de centenas de indústrias no exterior, peso pesado na
balança das exportações nacionais, foi desarticulada, tanto quantitativa como
qualitativamente. Hoje, tem-se inclusive dificuldades na obtenção de fumos finos
para abastecer as necessidades das nossas próprias fábricas de charutos nobres. E
justo num momento em que o mercado internacional atinge um notável boom, numa
explosão de consumo dos handmade cigars e premium cigars, sem precedentes nos
últimos trinta anos. Mas, no panorama atual, fica impossível a Bahia voltar à produção
de outrora, onde somente a Suerdieck chegou a responder por 180 milhões de
charutos anuais. Hoje, reunindo todos fabricantes, a produção anual não ultrapassa
10 milhões de charutos.
Salvador, 23 de novembro de 1998.
PASSADO & PRESENTE
HOJE
ONTEM
Pela abundância da matéria-
Pela escassez de matéria-prima
prima de qualidade superior, era
na mesma qualidade do passado,
fácil fabricar bons charutos. Nos
os fabricantes estão tendo muitas
tempos áureos da Costa Penna,
dificuldades em produzir bons
Dannemann e Suerdieck, havia
charutos, cuja oferta sofreu uma
fartura de charutos excelentes.
grande regressão.
349
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO
A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO
N
Geraldo Meyer Suerdieck
o artigo anterior abordei sinteticamente a questão da lavoura
fumageira, no passado e no presente. O quadro abaixo resume os
preceitos básicos e indispensáveis à fabricação de charutos de qualidade superior.
Para se obter um bom charuto
necessita-se de fumos selecionados,
cultivados em terrenos adequados,
adubados corretamente e
abençoados pela natureza,
com sol e chuva equilibrados
durante todo o período da safra,
entre o plantio e a colheita.
Gonsalves
Mas, para se produzir charutos de
linhagem nobre não basta que a matériaprima seja de primeira. É também
indispensável um componente muito
importante, representado pela mãode-obra especializada, extremamente
qualificada.
Mesmo com bons fumos,
mas sem charuteiras primorosas,
não se consegue um bom charuto.
Uma lenda dizia que os charutos da
Bahia eram bons em função de serem
enrolados nas coxas das mulheres. E
quanto mais carnuda, bonita e jovem,
melhor ficavam os charutos. Pura
fantasia. No entanto, na Suerdieck, a quase totalidade dos charutos passava por
hábeis mãos femininas. A experiência dos anos ensinou-nos que no Recôncavo
baiano as mulheres eram mais cuidadosas, seletivas e perfeccionistas. Ao contrário
dos homens, elas também trabalhavam com mais amor e maior dedicação. Daí a
preferência pelas charuteiras, e não pelos charuteiros.
350
Ainda criança, a futura charuteira recebia o aprendizado inicial no dia-a-dia da
família, ouvindo explicações, vendo e ajudando a mãe no trabalho doméstico. Em
toda casa de charuteira sempre havia uma produçãozinha do chamado charuto
de balaio, para o marido fumar e para vender nas feiras livres, nos armazéns e nas
bodegas dos vilarejos próximos. O aprendizado final, quando a jovem realmente
se habilitava à charuteira profissional, obtinha-se na fábrica, muitas vezes sentada
numa banca ao lado da mãe, de parentes ou de charuteiras já experientes.
Uma charuteira de alto nível, perfeita, levava de dois a três anos passando por
diversas etapas, começando pelos charutos mais simples e galgando posições até
alcançar o topo, o aperfeiçoamento completo. Neste estágio, entrava para o seleto
grupo de produção dos charutos nobres, das marcas sofisticadas, de qualidade
premium. Normalmente, entre mil charuteiras, somente um pequeno número,
variável entre 5 e 10%, alcançava a ponta da pirâmide, onde ficava a elite das
operárias. Uma charuteira deste naipe era capaz de fazer – num trabalho impecável
e sem desperdício, e também sem a fôrma de paus – qualquer tipo de charuto
à mão livre, qualquer que fosse o bico, reconhecidamente uma das partes mais
importantes de um charuto. O bico representa o arremate final, havendo uma dezena
de variedades, algumas de execução refinada. A Suerdieck possuía charutos com
bicos lançados, cônicos, redondos e até exóticos, como o virote, também chamado
rabicho de porco.
Os charutos no formato torpedo ou bojo, de origem européia, que durante
décadas dominaram as marcas Costa Penna, Dannemann e Suerdieck, eram de
preparação rebuscada e trabalhosa. Por isso, requeriam charuteiras habilidosíssimas.
Uma boa charuteira tinha ainda a capacidade de, em oito horas de expediente, fazer
80 charutos dos mais notáveis, com torcida espalmada, como os da marca Corona
Imperial. Uma charuteira de elite conhecia o ponto perfeito para a combustão
dos charutos, que não podem ser duros ou vazios demais. Enfim, donas de
técnica apurada, as charuteiras do primeiro escalão dominavam os segredos que
influenciavam na queima e no gosto. Pela vivência, sabiam avaliar e até reclamar
quando ocorria alguma anomalia que pudesse depreciar o produto.
Com a desarticulação da lavoura fumageira e o desaquecimento do setor
charuteiro, ocorreu uma fissura no elo familiar, transmitido de geração à geração,
que se constituía na verdadeira escola primária das charuteiras. Centenas de jovens
deixaram de seguir a profissão da mãe, da avó e da bisavó. Muitas emigraram em
busca de um novo trabalho nas cidades mais desenvolvidas. As fábricas de charutos,
outrora poderosas, deixaram de ser grandes empregadoras de mão-de-obra. O ciclo
da importância do fumo e do charuto nas economias regionais perdeu prestígio e
peso econômico. No contexto social, a centenária profissão da charuteira deixou
de ser fascinante. Desvalorizou-se na esteira do declínio da cultura fumageira e no
desaquecimento da produção de charutos.
Hoje, os fabricantes têm dificuldades de formar quadros de hábeis charuteiras.
Elas não mais existem na profusão de antigamente. Ainda bem que, seguindo a
351
predominância mundial, os charutos baianos passaram a ser produzidos no formato
paralelo de bico batido, de inspiração cubana. Neste formato, também denominado
linheiro, o charuto é mais fácil e simples de ser confeccionado, pois não tem o
rebuscamento dos torpedos ou bojos do passado.
O MESTRE DOS MESTRES
Bartolomeu Borges Paranhos, ou simplesmente Paranhos, foi trabalhar na Suerdieck ainda criança,
levado pela mãe, que era charuteira e lhe ensinou a arte de fazer charutos. Chegou a mestre, dos bons,
justificando o apelido de “Papa”, papa dos charutos. Chefiou a fabricação em Maragogipe, sendo por
décadas o responsável pela qualidade de todas as marcas. A foto é de 1999, aos 82 anos e 72 como
fumante de charutos. Precoce, começou dentro de casa, com a bênção materna.
352
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
PRODUTOS IDÔNEOS
PRODUTOS IDÔNEOS
A
Suerdieck não foi simplesmente mais
um fabricante de charutos, igual a
muitos que proliferaram pelo mundo.
A Suerdieck era uma empresa complexa e completa,
que possuía até laboratório para o desenvolvimento
de novos produtos, sempre no respaldo de pesquisas
e em testes de combinação e mistura de fumos finos.
O slogan
“Suerdieck Significa Qualidade”
não se constituía num mero instrumento
a serviço do apelo publicitário inconseqüente.
Traduzia uma filosofia de trabalho,
de uma empresa zelosa da responsabilidade em
confeccionar primorosos charutos à mão.
Até os da linha popular,
produzidos mecanicamente,
possuíam elevado padrão de qualidade.
Enfim,
todos os charutos,
cada qual na sua classe,
enquadravam-se no bom conceito
da qualidade Suerdieck.
Produzia-se muito,
é verdade,
mas sem perda na confiabilidade.
Somente se usava matéria-prima selecionada,
das melhores regiões produtoras e dos
melhores fornecedores de fumos.
353
Para garantir o fluxo produtivo das fábricas,
a empresa empregava milhares de operários,
dentre os quais uma vasta legião
de exímias charuteiras,
comandadas por excelentes mestres-charuteiros.
O anel Suerdieck-Bahia
era o selo da garantia de um
produto puro e honesto.
Disto nunca me afastei,
enquanto fui o presidente
esta verdade jamais deixou de existir.
Sem falsa modéstia,
fui seguramente o maior fumante
dos charutos Suerdieck.
Por zelo profissional,
eu mesmo provava e avaliava os produtos.
Fumava periodicamente unidades
de todas as marcas,
retiradas aleatoriamente de caixas
expostas à venda na loja do prédio sede.
Este era o atestado que intimamente
eu oferecia ao público consumidor,
sendo também um cliente Suerdieck,
com a única diferença de não precisar
retirar dinheiro do bolso
para obter os charutos.
Salvador, no Natal de 2000.
gms
UM CHARUTO NÃO DEVE SER
ACESO MUITO RAPIDAMENTE,
NEM MUITO LENTAMENTE,
MAS SUAVEMENTE,
EM PEQUENAS PUXADAS.
354
APÊNDICE: 4ª PARTE
E
COMENTÁRIOS DE GMS
EPÍLOGO
EPÍLOGO
Irdeb/Maurício Requião
m meio século
de trabalho,
dediquei à Suerdieck 44 anos,
dos quais 27 como dirigente
máximo (1948/1975). Enfrentei
períodos de tempestades.
Logo na chegada, como
auxiliar do meu pai, depareime com uma situação grave,
gerada pela saída forçada de
um dos sócios. Tratava-se de
um dos líderes do nazismo
na Bahia, o qual, através de
uma tentativa golpista, via
Alemanha, tentou apoderarse da empresa. Prontamente
afastado, mesmo de fora, promovia agitações, insuflando os empregados de
nacionalidade alemã contra a liderança de Gerhard Meyer Suerdieck.
Com o recrudescimento da II Guerra Mundial, novos problemas, agora no cenário
do comércio internacional. Findo o conflito, adveio a bonança e a prosperidade. Em
1970 uma turbulência sem precedentes quase liquida a empresa. No desdobramento
fui obrigado a entregar o controle acionário à multinacional Melitta. Convidado
pelos novos proprietários, permaneci na empresa como diretor da área industrial
até 1983, quando me afastei completamente da vida da Suerdieck.
SINOPSE DA MINHA VIDA PROFISSIONAL
01 de fevereiro de 1937........Estágio no Donnerbank (Alemanha).
01 de julho de 1939.............. Secretário da Suerdieck & Cia.
01 de setembro de 1942..... Sócio da Suerdieck & Cia.
02 de janeiro de 1947.......... Vice-Presidente da Suerdieck S.A.
Em 1948 passei a responder pela presidência.
02 de janeiro de 1951...........Presidente efetivo da Suerdieck S.A.
22 de fevereiro de 1975.......Diretor Industrial da Suerdieck S.A.
09 de maio de 1983..............Saída da Suerdieck, passando a dedicar-me
exclusivamente à Gerdieck
18 de setembro de 1987......Venda da Gerdieck e aposentadoria.
355
Acostumei-me a ler e a ouvir falarem que por trás do sucesso profissional de
um homem existe uma grande mulher. Tive três, que simbolizaram e viveram fases
distintas nos meus 27 anos de principal executivo da Suerdieck. Aída Ribeiro é
do período da pujança econômica, da fase dos maiores êxitos empresariais e de
um grande e verdadeiro amor, de quase duas décadas. Gisela Huch representa a
etapa da transição, o limiar do declínio da empresa, que levou a Suerdieck a uma
associação com Carreras Limited, desfeita dois anos depois, com conseqüências
que culminariam na crise de 1970. Da mesma forma do ocorrido com o grupo
inglês, o casamento com Gisela, fruto de uma brusca e arrebatadora paixão, teve
duração efêmera. Com a terceira esposa, Neusa Cerqueira, vivi o desafio das lutas
pela sobrevivência da empresa, em batalhas titânicas para preservar o emprego de
milhares de operários. À Neusa devo o incentivo e as forças para enfrentar todas
as adversidades na fase mais difícil da Suerdieck. Em compensação, fui muito feliz,
numa relação de amor perfeito, por vinte e um anos. Foi o mais longo dos três
casamentos, sendo interrompido pelo falecimento dela.
Gisela
Aída
Neusa
356
Karina Suerdieck
Viver com a consciência tranqüila
é um trunfo íntimo,
que muitos não conhecem.
Geraldo Meyer Suerdieck
357
gms antes de completar um ano.
Foto Real
Voltaire Fraga
358
Leão Rozemberg
Ernesto
Irdeb/Maurício Requião
Fredo
Vavá
Ubaldo Neto
gms ao completar 84 anos.
359
O Senhor Geraldo
Jamais admitiu que
fosse chamado de Doutor,
um título que os não-portadores
de curso superior fazem questão
de incorporar quando assumem
qualquer posição de destaque,
nem que seja uma simples chefia
no serviço público municipal.
Embora não possuísse
diploma universitário,
o Senhor Geraldo,
como se consolidou o tratamento,
era na verdade um Doutor,
em fumos e charutos.
Administrador nato,
especialista na engenharia
dos cálculos e das finanças,
edificou um conglomerado empresarial
e tornou-se um executivo bastante
conhecido no mundo dos negócios,
dando ao nome Suerdieck
uma força extraordinária.
Homem de hábitos simples,
desprovido de qualquer embófia,
o “rei do charuto brasileiro”
era de poucas palavras,
mas muito cordial,
um cavalheiro completo.
Com absoluta naturalidade
impunha uma distância que
o protegia e o fazia ser
respeitado por todos,
fosse no âmbito familiar,
no círculo dos amigos,
entre os subordinados ou
nos meios profissionais,
no Brasil e no exterior.
Esta é a síntese do perfil
do empresário poderoso,
que foi um dirigente de
conduta sempre séria,
de caráter inatacável,
muito admirado e querido.
umpf
360
POSFÁCIO
POSFÁCIO
Uma boa parte da infância passei na cidade mineira de Ubá, grande centro do
fumo denominado Sul de Minas, largamente utilizado no preparo de um cigarro
artesanal. Meu avô materno, Antônio da Costa Almeida, português da região do Porto,
mantinha em casa, como atividade de aposentado, um ateliê de beneficiamento
das folhas de milho, usadas no capeamento do cigarro rural. Inúmeras vezes fiquei
observando-o no trabalho da seleção das folhas, no corte, na prensagem e no
preparo final da mortalha, a palha de milho já pronta, no formato certo para ser
comercializada e enrolar o fumo de corda, picado ou desfiado. Nos armazéns de
secos e molhados, nas mercearias e nos bares, o fumante adquiria a matéria-prima
(o maço da palha e o fumo) e preparava o seu próprio cigarro.
Embora vivesse num ambiente de região fumageira, não me recordo de ter visto
alguém fumando charuto. Em Ubá reinava o culto ao cigarrinho de palha. Charuto
somente iria conhecer em 1957, quando fui morar numa outra região fumageira,
no Recôncavo baiano. Despachado na frente da família, por causa das aulas no
Ginásio Estadual de Cachoeira, fiquei três meses hospedado com o casal Hilda e
Apolinário Candeias Lopes. Ele, dentista e voraz consumidor de charutos, possuía
caixas e mais caixas estocadas. Fumava com elegância aristocrática. Extrovertido, o
doutor Apolinário dizia que a marca da sua predileção era Suerdieck Nº 2, produzida
em Maragogipe. Ao inverso de Minas Gerais, na Bahia via diariamente dezenas de
fumantes de charutos zanzando pelas ruas. Aliás, posso afiançar que grande parte
da população masculina de Cachoeira fumava
charutos, do rico ao mais humilde.
Concluído o curso ginasial, nova mudança,
para Salvador. No bairro do Rio Vermelho
conheci Nelson Gonçalves de Oliveira, fumante
de todas as horas, bem ao estilo americano,
mordendo o charuto. Figura comunicativa,
chamava a atenção por uma particularidade
muito especial, a incrível habilidade de
falar fumando. Habitualmente, à tardinha, o
homenzarrão do charutão, sempre na boca, Nelson de Oliveira, como sempre, com as mãos
dirigia-se, a pé, à Padaria Império, no Largo de ocupadas e o indissociável charuto na boca.
Santana. No percurso de volta à residência, no belíssimo palacete Gonzaga, na Rua
João Gomes, o senhor Nelson de Oliveira comprimentava os passantes e parava
para conversar na maior naturalidade, sem retirar o charuto da boca, mesmo porque
não podia, as mãos estavam ocupadas com os pacotes de pães e outras compras.
Ainda no Rio Vermelho, na casa de um importante executivo da Suerdieck, situada
bem defronte a do escritor Jorge Amado, na Rua Alagoinhas, onde meu pai tinha
o imóvel onde morávamos, recebi um convite irrecusável:
— Ubaldo, quanto você ganha na companhia telefônica?
361
— 42 mil cruzeiros por mês!
— Quer ir trabalhar comigo? Pago 120 mil mensais!
Assim, pelas mãos de José Ruas Boureau, no dia 1º de agosto de 1965, aos vinte
anos de idade, ingressei na famosa indústria de charutos. Mas houve um pequeno
incidente, provocado por um dos donos, Nicolau Suerdieck. Quando soube do valor
da remuneração, que julgou alto para um simples escriturário, tentou reduzí-lo.
No entanto, o contrato havia sido referendado pelo presidente, a quem Boureau
solicitou o sinal verde para a admissão nas bases salariais contestadas pelo Nicolau.
Trabalhar na Suerdieck dava status e proporcionava pequenos privilégios no
comércio e na rede bancária, que deixavam seus trabalhadores orgulhosos. Foi o
segundo emprego que tive e logo demonstrei o mérito profissional ao desarticular
uma fraude que vinha sangrando a empresa há cinco anos, período em que foram
desviadas 26.063 caixas, num montante de 1.743.525 charutos, ocasionando um
prejuízo vultoso. A descoberta provocou um enorme reboliço, que resultou numa
ação policial e prisão de um dos envolvidos. Por ironia do destino, o advogado que
o livrou da cadeia, contratado pela colônia espanhola, foi Ary Marques Porto, meu
primo. No final, o acusado foi demitido por justa causa e processado pela Suerdieck.
O meu conceito na empresa ficou nas alturas e no Natal recebi um ofício do
presidente, convidando-me a comparecer à tesouraria, para receber uma gratificação
especial. Dentro de um envelope encontrei 500 mil cruzeiros em dinheiro vivo. Em
maio, mês da correção anual dos salários, o meu aumento foi diferenciado, acima
do índice oficial do governo. Ganhei também um aumento de serviço, passaramme a responsabilidade pela elaboração de uma estatística final, de produção e
vendas. Embora continuasse registrado como escriturário, na prática fui promovido
a controller estatístico. Enfim, transformado num empregado da confiança do alto
escalão, tudo por causa da desarticulação do roubo que se processava pelo depósito
instalado na câmara frigorífica do subsolo do Edifício Suerdieck. Neste novo trabalho,
diário e inesgotável, de tanto manipular números e nomes, sabia de cor e salteado
todas as marcas de charutos em produção, quase trezentas.
Em 1967, por ter sido aprovado em vestibular da Universidade Federal da Bahia,
não poderia mais trabalhar nos dois turnos, haja vista que as aulas seriam pela
manhã. Através do meu chefe, José Boureau, encaminhei uma proposta à Suerdieck:
assinaria um novo contrato, para trabalhar apenas um turno, ganhando metade
do salário. Para minha surpresa, o presidente não aceitou a rescisão acompanhada
de uma nova admissão. Determinou que continuasse recebendo o mesmo salário,
mas trabalhando apenas pela tarde. Fiquei sendo o único empregado com jornada
laboriosa diária de apenas quatro horas.
A lua-de-mel com a Suerdieck acabou com a contratação de Trifon Margiaro1,
um romeno que fazia questão de dizer que falava fluentemente oito idiomas e que
havia lutado na II Guerra Mundial, a serviço da Alemanha,como piloto da Luftwaffe.
1 - De julho a agosto de 1968, a Installation Efficiency Engeneering, empresa de consultoria, realizou um estudo no setor
de vendas. Concluída a avaliação, um de seus técnicos, Trifon Margiaro, ficou um Salvador, contratado pela Suerdieck.
362
Autoritário, condenou a metodologia que eu aplicava numa formulação estatística,
dizendo estar proporcionando resultados distorcidos. O assistente da Presidência
ordenou a adoção de uma nova receita, que rabiscou num pedaço de papel, sem
assinar. Levei o “método margiaro” para apreciação do conceituado professor
Raymundo Costa e Souza, titular da cadeira de estatística da Escola de Administração
da Ufba. Sua resposta foi curta e grossa:
— Isto é maluquice, quem lhe ensinou esta bobagem?
Com a confiança redobrada no aval do prof. Raymundo, depois que lhe expus
toda a situação, continuei fazendo o trabalho pelo método convencional. Resultado,
o Trifon não gostou, exigiu que eu trabalhasse conforme sua determinação. Tentei
mostrar-lhe o procedimento correto. Como não deixou que concluísse as explicações
técnicas, perguntei de chofre:
— Senhor Trifon, o meu método é aprovado pela Escola de Administração da
Universidade Federal da Bahia! E o seu, vem de onde?
O homem não gostou, ficou furioso e tivemos uma altercação verbal. Para mim
não havia dúvida alguma, tratava-se de um aventureiro, que, escudado na condição
de poliglota, vendia a imagem de gênio empresarial. Neste mesmo dia da discussão,
à noite, no relax do travesseiro, fiz uma reflexão profunda, analisando a Suerdieck
por dois ângulos. Primeiro, havia adquirido um inimigo poderoso, que iria minar
o meu prestígio. Segundo, a situação da própria empresa, com nuvens negras no
horizonte. Sabia disto por causa de uma tarefa para a Escola de Administração. Sob
o título “A Indústria de Charutos Nápoles”, fiz um trabalho inteiramente calcado na
realidade da Suerdieck. O estudo, dentre uma série de dados, continha uma planilha
estatística que mostrava a vertiginosa queda nas vendas de charutos: 91.706.799
unidades em 1965; 69.096.350 em 1966; e 56.156.005 em 1967. Para uma empresa
que chegou a faturar 180 milhões de charutos anuais, o volume de 1967 representava
índice de 1945, com a diferença de que, naquela ocasião, as vendas encontravam-se
em escala ascendente.
O “case”, acompanhado dos últimos balanços da empresa, foi exaustivamente
debatido em sala de aula e despertou o mais vivo interesse do professor João
Vargas Leal, especialista em marketing e finanças. Diplomado em administração
de empresas, tinha chegado recentemente dos Estados Unidos, onde havia feito
mestrado e especialização, respectivamente na Michigan State University e Harvard
University. Vargas Leal ficou impressionado com o quadro e endossou as conclusões:
“A Nápoles estava enferma e necessitava urgentemente de dois remédios: aporte
de novos capitais e nova política mercadológica, para estancar a queda nas vendas”.
Obviamente que o receituário do laboratório universitário não foi levado ao
conhecimento da Suerdieck. Não tive coragem de chegar e dizer para o presidente:
— Senhor Geraldo, fiz este trabalho 2, que foi analisado por um grupo
supervisionado por um professor com cursos em duas universidades americanas.
2 - GMS somente ficou sabendo do “case” que retratava a Suerdieck quando leu os originais deste Posfácio. Fez o seguinte
comentário: “Você não deveria ter escondido o trabalho de mim!”.
363
Em anexo estão as conclusões!
Raciocinei que seria muita pretensão querer ensinar “padre nosso a vigário”. O tiro
poderia inclusive sair pela culatra, com demissão pela ousadia de levar informações
da empresa à escola. Ademais, o presidente já deveria estar tomando as providências
cabíveis no combate de uma possível crise. Em vista disto, as recomendações do
fórum universitário ficaram restritas ao âmbito da sala de aula.
Logo depois, fui chamado ao gabinete do presidente, que desejava alguns
esclarecimentos sobre as vendas na loja de Salvador. Sentado bem na frente dele,
a nos separar apenas a carteira com menos de um metro de largura, encaixei uma
observação sobre as quedas anuais no volume quantitativo das vendas globais.
Interrompendo a leitura da tabela que acabara de lhe entregar, olhou-me de soslaio,
por cima dos óculos. Seus olhos castanho-claros, meio esverdeados, faiscaram num
evidente sinal de que não gostou da colocação. Levantando o rosto, encarou-me
fixamente durante alguns segundos, talvez surpreso por descobrir que eu estava por
dentro da situação da empresa. Confesso que me arrependi de ter feito o comentário,
mas ele respondeu, dentro da sua habitual elegância, em tom de encerramento do
assunto:
— Neste momento, o que interessa é o volume financeiro!
Por este prisma, as receitas anuais, após as correções pelos índices da inflação,
mostravam vendas estáveis. Na verdade, a Suerdieck estava praticando um jogo
incrível, abusando na majoração das tabelas de preços dos charutos, que subiam
muito além da inflação.
Dentre os vários controles sob a minha responsabilidade, este demonstrativo de foco restrito foi preparado
por solicitação de Geraldo, que fez anotações numéricas e rubricou o boleto. Ficou guardado em seu
arquivo particular durante 32 anos .
364
Mas, voltando à reflexão do travesseiro, diagnostiquei que a providência
adotada pelo senhor Geraldo na área das vendas fora um equívoco, não na ação
em si, mas na escolha do profissional. O Trifon não tinha competência. Conclui
também que o meu ciclo na Suerdieck estava terminado. O futuro dependia
da formatura em administração de empresas. Por isso, ao amanhecer de 28 de
fevereiro de 1969, uma sexta-feira, a decisão estava tomada e entreguei o pedido
de demissão neste mesmo dia. Ao invés de ficar polemizando com o romeno,
postura que não me renderia nenhum dividendo, iria investir tempo integral nos
estudos, que estavam ficando cada vez mais puxados, requerendo maior dedicação
às tarefas curriculares, principalmente nas pesquisas de campo. Solteiro, morando
na casa de meus pais, com comida e roupa lavada de graça, e com as economias
aplicadas no Banco Nacional do Norte, verifiquei que, apertando um pouco o cinto,
poderia dar-me ao luxo de ir até o final do curso universitário sem necessitar do
respaldo de um emprego.
O repentino pedido de demissão, após 3 anos e 7 meses na organização, causou
surpresa geral. O presidente mandou um aviso por Boureau, queria falar comigo.
Estive no seu gabinete, no 2º andar, e se quisesse a carta seria desconsiderada.
Mas preferi manter a decisão de sair, contando a verdade pelo ângulo dos estudos,
omitindo a aresta profissional. Não quis caracterizar uma insurgência contra
um empregado de instância superior, contra o poliglota, homem calejado pela
vida, de uma geração forjada nos rigores da guerra e com auréola de executivo
internacional, que residia numa casa do presidente da Suerdieck, na Rua 8 de
Dezembro, bairro da Graça.
O 1º ANDAR DO EDIFÍCIO SUERDIECK
Onde trabalhei, um salão aberto, sem divisórias, misturavam-se
chefes e subordinados: José Ruas Boureau, Lêda Costa Santos, Avany
de Assumpção, Nely Maria Hirsch, Ignes Schubach de Oliveira, Angelina
Chagas Serra de Oliveira, Szilárd Riskó, Augusto Martins Júnior e Luiz Carlos
Fraga Maia. Numa sala vizinha ficava a contabilidade: Elisabeth Cabús
de Amorim, Milton Everaldino Cerqueira, Agnaldo Podestá Lima, Agnelo
Silva Nascimento e Hirohilton Vulpian Vivas. Numa área junto ao hall de
entrada posicionava-se o caixa nº 2 da tesouraria: Stélio Rocha Bandeira
e Daniel Maurício das Neves. Noutro compartimento o setor de pessoal:
Vivaldo Fonseca Barreto, Lycia Magdalena Borges Pereira, Maria Olívia
Paraíso Vivas e Alderico Marques de Souza. Uma saleta era ocupada pelo
advogado Fernando Roth Schmidt e, por último, encontrava-se o arquivo,
cujo espaço também abrigava o serviço de rádio com as fábricas.
365
366
O Trifon precipitou a minha saída, pois não queria mais ver aquele elemento
asqueroso, maquiavélico. Mas fui embora levando no coração o reconhecimento pelo
que a Suerdieck me proporcionou. Foi uma escola excelente, trabalhei muito e muito
aprendi. Também importante foi o convívio com os técnicos da legião estrangeira,
das nacionalidades alemã, inglesa, holandesa, húngara, tcheca e espanhola. Conheci
ainda duas legendas na história da empresa, Antônio Eloy da Silva e Bartolomeu
Borges Paranhos, sumidades em fumos e charutos, respectivamente.
Quando a Suerdieck entrou na fase aguda da crise, com os problemas da falta de
dinheiro sendo noticiados pelos jornais de Salvador, encontrava-me trabalhando
na Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia, como estagiário do diretor
financeiro, João Vargas Leal. Estávamos em 1970 e de lá relembrava com o professor
o realismo do “case Nápoles” e sofria com a agonia da empresa. Preocupava-me
ainda com os amigos que passavam momentos aflitivos e um futuro cheio de
incertezas. Acompanhei à distância a luta titânica do senhor Geraldo para impedir
a paralização da indústria e evitar o desemprego em massa, que levaria milhares
de famílias ao desespero e uma cidade inteira ao colapso, pois Maragogipe era
totalmente dependente da Suerdieck. Anos depois, também fiquei sabendo da
atitude da família Suerdieck, que saiu da empresa sem levar absolutamente nada,
num procedimento bem diferente da cultura de inúmeros grandes empresários
brasileiros. Ao sinal de qualquer crise, colocam bens em nome de terceiros, desviam
recursos e abrem contas bancárias no exterior.
Trinta e três anos após o episódio da fraude com os charutos em trânsito pela loja
e depósito do edifício sede, descobri dois fatos relacionados ao assunto. No primeiro
Geraldo Meyer Suerdieck determinou a retirada da ação que a empresa movia contra
o ex-empregado, em razão da intervenção da colônia espanhola. Como os pontos
das vendas no varejo de Salvador estavam dominados por comerciantes galegos,
o presidente ficou com receio dos charutos Suerdieck serem substituídos pelos
produtos do concorrente Pimentel. A outra revelação estava relacionada ao meu
desentendimento com o romeno, que teria agido de forma premeditada. Depois
da minha saída, José Ruas Boureau teve informações de que Trifon pertencia aos
quadros da maçonaria e que em Salvador freqüentava a mesma loja do espanhol,
o qual, no convívio das reuniões, teria feito carga contra mim. Esta versão é a única
explicação lógica para a exigência do Trifon querer que eu fizesse um trabalho
usando metodologia errada. Seria a armadilha para comprovar uma incompetência
profissional e, quem sabe, até colocar em dúvida a auditoria feita há três anos, que
redundou na descoberta do roubo.
O verdadeiro passado de Trifon ninguém conhecia. O que se sabia era o que
ele informava. Um dia o romeno foi destacado para acompanhar três jornalistas
judeus numa visita à fábrica de Maragogipe. Na manhã seguinte Trifon apareceu
contando uma história estranha, dizendo que ao chegar no hotel os encontrou sendo
conduzidos à Polícia Federal. Destacado por GMS, Boureau foi verificar o ocorrido
367
e lá soube que os jornalistas tinham sido levados para averiguações por conta de
uma denúncia anônima. Na empresa brotou a suspeita de que o denunciante seria
o próprio Trifon, por duas razões: por odiar judeus, não queria viajar na companhia
deles ou, por medo de algum comprometimento no passado, temia que os jornalistas
fossem agentes de Israel.
Esta última hipótese levou o executivo Herbert Stern, judeu nascido em
Hamburgo, a encaminhar um pedido, aos órgãos judaicos de investigação sobre
criminosos de guerra, de verificação no passado de Trifon. Nada foi descoberto, mas
o romeno ficou desgastado na empresa e ante as evidências cada vez mais sólidas
de que não se tratava de um executivo de carreira, mas de um aventureiro poliglota,
GMS acabou por rescindir o seu contrato em 1971.
Durante a fase das pesquisas para este livro, fui atrás da ficha do Trifon Margiaro
nos arquivos da Suerdieck, para extrair dados cadastrais, tais como local e data do
nascimento e dia da admissão na Suerdieck. O registro funcional havia desaparecido,
de forma tão misteriosa como tinha sido todo o seu passado.
Nicolau Suerdieck
Dois ou três dias depois de admitido, o senhor Boureau contou-me o
episódio do veto do Nicolau ao valor do salário e preparou o meu espírito:
— Não repare se ele não falar com você ou o fizer de forma maleducada. Fique tranqüilo, quem manda na empresa é o senhor Geraldo
e no seu serviço o chefe sou eu. Portanto, não dê bola pra ele!
Em todo o tempo que trabalhei na Suerdieck o Nicolau nunca me
dirigiu a palavra, nem para dar um bom-dia ou boa-tarde. Como firmei
rapidamente prestígio na empresa, e seguindo o conselho de Boureau,
pouco me importava se ele ignorava a minha existência. Fazia o mesmo
jogo, fingia solenemente que não via aquele homem magro de quase
dois metros de altura. Na verdade o julgava um posudo empertigado e
de pessoas deste naipe sempre procurei, desde cedo, manter uma boa
distância. Mas me dava muito bem com sua filha, Susana, moça simples
e educadíssima.
Por não gostar dele, risquei-o da lista das pessoas que iria entrevistar
para o livro. Todavia, com o andar dos trabalhos, para não cometer uma
injustiça, senti-me na obrigação profissional de ouvi-lo. A entrevista foi
marcada pelo irmão, Geraldo. Confesso que cheguei ao seu apartamento
com receio de como seria o clima do encontro, o primeiro após tê-lo
conhecido de vista há exatos 33 anos.
Mas o destino havia me reservado uma boa e agradável surpresa. A
tensão foi imediatamente dissipada, pois encontrei um outro Nicolau,
um Nicolau amável, cheio de gentilezas, enfim, um gentleman perfeito.
Conversamos durante horas. Estive lá duas vezes.
368
Íntegro, de vida sem escândalos e que nunca envolveu as empresas do grupo
em esquemas de corrupção, nem de sonegação fiscal ou trabalhista, Geraldo é um
homem de passado limpo. Dois grandes exemplos tipificam a inteireza do caráter.
Um aconteceu na crise de 1970, quando desfez-se de uma fortuna pessoal, em ações,
para colocar na empresa o oxigênio da sobrevivência e garantir a manutenção do
emprego de milhares de pessoas, até a liberação do empréstimo que saiu pelo Banco
Central do Brasil. O outro ocorreu no início de 1975, quando a Suerdieck se encontrava
novamente sufocada pela falta do capital de giro. Preferiu sacrificar o patrimônio da
família a correr o risco de ver a empresa enveredar pelo caminho da falência. Não quis
entrar para a história como vilão de uma desgraça social.
Para poder repassar a Suerdieck ao Grupo Melitta, e garantir a sobrevivência da
empresa, retirou-se da sociedade, acompanhado pelos irmãos e mãe, sem levar um
centavo e sem desviar um tostão para o exterior. Se quisesse teria feito sem problema
algum, pois dispunha de toda uma facilidade logística: empresas na Europa e contas
em bancos da Alemanha, Suíça, Holanda e Estados Unidos, usadas na cobertura das
despesas com viagens a serviço. Poderia até abrir uma empresa num paraíso fiscal,
como Liechtenstein.
Por esta lisura foi que, basicamente, resolvi preparar este livro. Por outro lado,
fascinava-me o desafio de escrever a história do gigante charuteiro. Detinha o suporte
de ter sido testemunha de uma época ainda importante, que representava a fase final
de um colossal império. Havia estado nas fábricas e conhecia muito bem a empresa e
a região fumageira, condições que me permitiram acesso a subsídios dos mais valiosos.
A José Ruas Boureau pedi que me reaproximasse do senhor Geraldo, que não via
há anos. O primeiro encontro ocorreu no dia 5 de janeiro de 1997. A recepção do expresidente do conglomerado Suerdieck foi ótima:
— Você chegou na hora certa. Estava mesmo procurando um escritor, mas já
havia recusado dois, pois não me senti à vontade para confiar segredos empresariais
e pessoais aos mesmos!
Geraldo estava com 78 anos e na frente de um ex-colaborador perdeu a formalidade,
abriu a guarda e passou a limpo sua vida profissional e privada. Entre uma baforada
e outra em inúmeros charutos, exercitou com prodigalidade a fantástica memória.
Confessou inclusive que, apesar de ter se casado três vezes, nunca deixou de suspirar
pela Maryon, a noiva alemã que viu pela última vez em abril de 1939.
Meu amor pela Maryon foi uma
sinfonia inacabada.
gms
Transformado em confidente, Geraldo Meyer Suerdieck franqueou-me o seu
bem organizado arquivo, depositário de muitos segredos. Numa das pastas, a do
desquite da primeira esposa, constatei que, seguramente, em 1962, era um dos
homens mais ricos da Bahia. A relação dos bens ocupava dezenas de páginas. Para
369
administrar a participação em negócios, no Brasil e no exterior, havia a Companhia
de Participações Geraldo Suerdieck – Gerdieck.
Além do poder econômico, o bom conceito do nome fazia que Geraldo fosse
bastante assediado por promotores de novos negócios na Bahia. Todos queriam
tê-lo no quadro de acionistas. Era um chamariz, a senha para captação de outros
investidores. Eis alguns dos empreendimentos que comprou ações e permitiu
a divulgação: Telefones da Bahia S.A, TV Itapoan, Jornal da Bahia, S.A. Gráficas
Reunidas, S.A. Marabá Imobiliária, Empresa de Hotéis Itaparica S.A. e Metalúrgica
Semfim S.A.. Apoiou também a Orbitur S.A. (Rio de Janeiro) e a Fosforita Olinda
S.A. (Recife). Como investidor meticuloso, que selecionava empresas para abrigar
suas reservas, ou para obter ganhos no jogo do mercado financeiro, chegou a
possuir grandes lotes de ações do Banco do Brasil, Petrobrás, Eletrobrás, Companhia
Siderúrgica Nacional, Banco da Bahia, Banco de Administração e Banco Comercial
do Nordeste3. Membro da Associação Comercial da Bahia (foi vice-presidente no biênio 19591961) e da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Geraldo participava de dezenas
de entidades sem fins lucrativos, sendo sócio-benemérito da Irmandade de São
Bartolomeu (Maragogipe), da Casa de Retiro São Francisco (Salvador) e do Instituto
Brasileiro para Investigação do Tórax, sediado na capital baiana. Pertenceu ao Rotary
Clube da Bahia4, Clube de Bridge, Clube Bahiano de Tênis, Iate Clube da Bahia,
Associação Atlética da Bahia, Clube Carnavalesco Cruz Vermelha, Esporte Clube
Vitória, Jockey Clube do Salvador, Clube de Caçadores da Bahia, Clube Social de
São Gonçalo dos Campos, Clube de Campo Laranjeira (Cruz das Almas), Iate Clube
de Itaparica e Clube da Sororoca (Morro de São Paulo).
Trinta e cinco anos depois da separação de Aída, Geraldo já não participava do
seleto grupo dos homens mais ricos da Bahia. Mas vivia com conforto e dignidade,
na antiga casa de veraneio, no bairro de Brotas, construída em 1948 e que serviu
de cenário para a convivência com as três esposas.
Geraldo associa uma música a cada mulher que marcou de forma indelével
sua vida. Guarda no coração quatro músicas especiais, testemunhas do registro
perpétuo de momentos muito felizes. Da Maryon,a eterna namorada, nunca se
esquece de “Hindu-Lied”, que ela vivia cantarolando quando passeavam pelos jardins
floridos do Planten un Blomen. Com Aída, dona de olhos cintilantes, na raríssima
tonalidade amarelo-esverdeado, o marco foi “Solamente Una Vez”, bolero na voz
de Pedro Vargas. Quando o famoso cantor mexicano esteve no Brasil, o casal foi
ao Rio de Janeiro exclusivamente vê-lo cantar na boate Night and Day, no Hotel
3 - O Banco Comercial do Nordeste resultou da união do Banco Comercial da Bahia com o Banco Mercantil Sergipense.
Antes da fusão, dois renomados advogados baianos, Orlando Gomes e Milton Tavares, adquiriram o controle do Mercantil
Sergipense, cujo dono, o deputado Oscar Cardoso, fez uma exigência para a venda de suas ações: a operação somente
seria concretizada se os compradores apresentassem como avalista a pessoa física Geraldo Meyer Suerdieck.
4 - Como viajava muito, Geraldo compensava as faltas no clube de origem assistindo reuniões rotarianas nas cidades
por onde passava, no Brasil e no exterior.
370
Serrador. Com Gisela, de brilhantes olhos azuis, não se esquece de “Ein Schiff Wird
Kommen”, música tema do filme Nunca aos Domingos, estrelado pela atriz grega
Melina Mercouri. Com Neusa, de olhos verdes, a música imorredoura foi “Tema de
Lara”, do filme Doutor Jivago, com Julie Christie e Omar Sharif.
Na Suerdieck conheci as duas últimas. Gisela, alta e esguia, marcava presença
pelo porte de executiva, sempre segurando uma vistosa pasta de couro. Com face
de pele rosada, linhas suaves e simétricas, foi uma das mulheres do rosto mais lindo
que vi. Já Neusinha, como a chamavam, por causa do biótipo mignon, sobressaiase pela simplicidade e temperamento comunicativo. Todavia, quando contrariada,
mostrava ser dotada de um gênio explosivo.
Também conheci Detinha. Elegante e bonita, estava com 52 anos quando a vi
pela primeira vez, no Rio Vermelho, na casa da professora Walkyria Melgaço Knittel,
renomada organista de músicas sacras e dona da Escola de Música Heitor Villa-Lobos.
A apresentação ocorreu da seguinte forma:
— Este jovem, amigo dos meus filhos, chama-se Ubaldo Marques Porto e trabalha
na Suerdieck!
Sentada no sofá, Detinha fitou-me durante alguns segundos antes de tomar a
iniciativa do diálogo:
— O que você é do Gil Marques Porto?
— Primo em segundo grau!
— Sou amiga da família e freqüento a casa da mãe do Gil, dona Helena. Eu
também conheço o Geraldo Suerdieck, um homem muito correto. Mas me diga
uma coisa, você trabalha diretamente com ele?
— Não. Porém, quando quer tirar dúvidas, sobre um controle que faço nas vendas
dos charutos, ele manda me chamar ao seu gabinete!
Quando a visitante foi embora a professora Walkyria, sempre alegre e bastante
extrovertida, informou que a Detinha era sua irmã, nascida oito anos depois e que
fora criada pelo casal Áurea e João Bento Marques Porto5 , que residia na Rua do
Castanheda, nas proximidades do quartel da 6ª Região Militar, na Mouraria. E fez
uma confidência sobre o passado amoroso da irmã caçula:
— Durante alguns anos a Detinha namorou com o presidente da Suerdieck!
Detinha havia sido uma amante muito especial. Os detalhes do relacionamento
fiquei sabendo trinta e um anos depois de a ter conhecido, revelados pelo próprio
Geraldo, que também explicou a razão para o final do idílio:
— A Detinha era uma mulher e tanto. Somente terminei porque me apaixonei
perdidamente pela Gisela!
A primeira esposa somente conheci em 1998, quando a entrevistei para este
livro. Dona Aída ainda conservava, aos 74 anos, os traços fisionômicos que fizeram
a fama de ter sido uma das mulheres mais lindas de Salvador nos anos 50. Sua
beleza chamava atenção e nas viagens ao exterior fazia sucesso, deixando o marido
5 - João Bento Marques Porto era tio do meu avô paterno, Júlio Adalberto Marques Porto.
371
enciumado e aborrecido em várias ocasiões. Em Hamburgo, numa cervejaria, ela
foi praticamente arrastada para dançar com meia-dúzia de alemães. Um deles, Paul
Panzer, conhecido de Geraldo, não se conteve e, subitamente, tacou um beijo, criando
uma situação constrangedora e
Geraldo Suerdieck
provocando a saída do casal
Meyer Suerdieck. Em Roma ele
teve de tolerar ou fingir que não
ouvia os galanteios dos italianos,
em todos os lugares. Num centro
comercial de Nova Iorque Aída
viu-se repentinamente cercada
por uma multidão quando um
americano disse que era uma
atriz de Hollywood. Na praia
francesa de Juan les Pins, na
Côte d´Azur, onde Geraldo pela
primeira vez viu o revolucionário
biquíni, Aída também causou
f u r o r, m e s m o u s a n d o o
tradicional maiô de peça inteira. Aída aos 30 anos, com o filho Luiz Eduardo.
Para livrá-la do assédio, pois
novamente foi confundida com uma estrela do cinema, o marido decidiu carregá-la
de volta ao Hotel Provençal.
Quero registrar que jamais suportei e nunca fumei cigarros. Na Suerdieck,
convivendo na atmosfera em que tudo gravitava em torno de charutos, passei a
apreciá-los. Inicialmente aprendi, com Edwaldo
Ayres de Lacerda e Carlos Urbano Rocha Bandeira,
as técnicas do conhecimento e a entender a
classificação pela qualidade. No salão em que
trabalhei, fui colocado próximo ao senhor Augusto
Martins Júnior, executivo antigo, com mais de
trinta anos na casa. Fumante sem intervalos, que
acendia charutos sucessivos, sua carteira era uma
bagunça de papéis misturados com as cinzas que
despencavam quando falava com o charuto preso
no canto da boca. A fumaça sedutora e a fragrância
penetrante do aroma de seus bons charutos, que
recendia por todo ambiente, induziram-me ao
desejo de também fumar charutos. Virei consumidor
de uma unidade diária.
Optava pelos Havana Supremo, Regalia Cubana,
Augusto Martins Júnior, meu iniciador na
nobre arte de fumar charutos.
372
GGG, Panatela Ouro, Corona Imperial e Mata Fina Especial, marcas preferidas pelo
presidente, que fiquei sabendo através do senhor Martins. Ele dizia que GMS fumava
mais do que ele, numa quantidade que chegava a ser exagerada, “média de uma
caixa por dia”. Mas fazia uma ressalva, que o presidente não a fumava inteirinha,
uma vez que, por estar sempre recebendo visitantes, participando de reuniões ou
tratando de negócios, tinha por hábito oferecer um charuto a cada pessoa que
julgava merecedora do brinde, sempre acompanhado de uma recomendação
padrão: “Fume depois do almoço ou do jantar!”. Fumante que raramente podia ser
flagrado sem um charuto, GMS declarava francamente: “Além de gostar, tenho de
dar o bom exemplo!”.
Depois, quando firmei o gosto pessoal, fixei-me na marca Lambrança da
Bahia, uma das mais vendidas na Loja Bahia, no Edifício Suerdieck. Por questões
de estratégia no preço para o consumidor, geralmente turistas que compravam
com souvenir, os charutos não eram acondicionados em estojos de luxo, mas em
simples caixas de cedro, para vinte unidades. Além do forte apelo do nome, havia
o atrativo da gravação, pelo sistema de ferração a fogo, na parte externa da tampa,
de uma paisagem da Colina do Bonfim, um dos cartões-postais de Salvador. De
autoria do artista plástico Gregorius, a matriz da xilogravura datava de 1933. O
conteúdo da caixa era de primeiríssima qualidade: charutos bem digestivos, de
aroma redondo e paladar com bom caráter, suave, leve e limpo. Capeados com fumo
Sumatra-Bahia, 12cm de comprimento e no formato torpedo, fascinavam quem os
experimentava. Muitos não-fumantes, que os adquiria apenas como recordação
da Boa Terra, acabaram tomando gosto e viraram aficionados inexcedíveis. Como
eram vendidos somente nas lojas baianas, os charutos Lembrança da Bahia podiam
ser encontrados nacionalmente sob a marca Havana Pequena Flor, integrante do
time da elite, que abastecia os encaminhados pela inocente embalagem turística,
verdadeira armadilha da sedução.
Hoje, fumo charutos nos momentos em que busco tranqüilidade e paz interior.
Prefiro saboreá-los quando estou sozinho, sem nenhuma interferência externa que
pertube o prazer de um verdadeiro ritual sacerdótico. Nestas condições, as baforadas
servem de lenitivo para reflexões, inspirações, recuperação das energias mentais
ou do ânimo abatido. Enfim, um charuto de qualidade premium funciona como
derivativo para os que se acham sobrecarregados de trabalho ou preocupações.
Ao evolar da fumaça e do aroma inebriante obtém-se o relax total.
Para expurgar as tensões
uso uma fórmula infalível:
Solto a fumaça de um bom charuto
ao sabor de músicas reconfortantes,
como Ave Maria (Gounod/Bach),
na voz de Sílvio Sólis.
373
José Augusto Viana
Durante a elaboração deste livro fumei algumas centenas de charutos. Por meio
deles busquei a atmosfera para retroagir no tempo, concatenar as idéias, montar
os cenários, ordenar os capítulos e dar o formato final aos textos. E no rastro das
informações entrevistei dezenas de pessoas. Com o construtor do Grupo Suerdieck
convivi durante seis anos. No final, quando dei por encerrado o trabalho, que em
paralelo me proporcionou a absorção de novos conhecimentos técnicos, o doutor
em fumos e charutos, o último dos grandes mestres da fase áurea da escola baiana,
fez um comentário que me deixou
assaz recompensado:
— Agora você está formado,
tornou-se expert, entrou para
o seleto grupo das pessoas que
realmente conhecem charutos!
N a v e r d a d e, t i v e o r a r o
privilégio de ser aluno único de um
professor ímpar. Geraldo Meyer
Suerdieck nunca havia repassado,
com riqueza de detalhes, tantos
ensinamentos e até alguns
segredos da indústria charuteira.
Um dos inúmeros encontros que tive com Geraldo.
Como não poderia deixar de
ser, Geraldo e o pai formaram o eixo central da obra. Juntos comandaram a empresa
por 52 anos ininterruptos. À Maryon, apesar de nunca ter posto os pés na Suerdieck,
também coube uma participação de destaque. Afinal, foi a partner de Geraldo
numa história de amor digna de um bom filme. Separados pelos acontecimentos
preliminares à Segunda Guerra, nunca voltariam a se encontrar, mas ela continuou
povoando seus pensamentos de forma indissolúvel. Gisela foi outra personagem
de relevo. Uma moça simples que se transformou numa empresária de sucesso.
A façanha maior cristalizou-se quando trouxe a Suerdieck de volta ao controle da
família. Saneou a empresa, expurgando-a dos males deixados pela administração
da Melitta, reorganizou a produção, melhorou a qualidade dos charutos, recuperou
a estrutura comercial e fez a organização voltar a ser lucrativa.
Derrotas e sofrimentos
deposito num arquivo morto.
Vitórias e alegrias
compartilho com todos.
Com esta citação, que inseri na abertura do livro, Geraldo ditou as normas
do comportamento que teria durante as entrevistas. E manteve a postura, não
abrindo o baú onde havia enterrado as ocorrências que não lhe eram gratas. Isto
levou-me a buscar outros caminhos e outras fontes, onde pudesse obter o que
374
não conseguia arrancar no concernente ao binômio derrotas-sofrimentos. Acabei
por fazer uma devassa, uma necropsia completa no seu passado profissional e
particular.
Para minha surpresa não consegui descobrir nada que pudesse ser qualificado
como derrota. Identifiquei percalços, vários. Foram na verdade tropeços normais
numa atividade empresarial de vulto, principalmente na de um homem com
múltiplas responsabilidades e obrigado a tomar constantes e grandes decisões,
sempre exposto aos riscos. Também existiram erros e talvez o maior de todos
tenha sido a decisão de aceitar o convite para continuar na Suerdieck, como diretor
contratado pela administração Melitta. Os amigos estranharam, pois julgavam que
Geraldo iria se dedicar exclusivamente às suas empresas remanescentes, havendo
inclusive a opção de comandar a Agro Comercial Fumageira.
Quanto aos sofrimentos, passou a experimentá-los, na acepção aguda, a partir
dos 51 anos de idade. Foram quatro, dois profissionais e dois familiares. Ei-los, por
ordem cronológica:
1.A crise de 1970 obrigou milhares de operários, entre mulheres e homens,
a mariscar e pescar para o sustento de suas famílias. Os relatos dramáticos,
que chagavam de Maragogipe, deixavam Geraldo arrasado. Somente não
mergulhou num profundo processo de crise nervosa porque era um homem
muito forte e preparado para enfrentar as adversidades.
2.A dilapidação da Suerdieck pelos prepostos da Melitta. Impotente, pois não
podia fazer nada, não era mais dono, sofria com os absurdos e roubalheiras.
Doía-lhe no coração ver a institucionalização dos procedimentos que abominava.
3.A morte de Luiz Eduardo, aos 32 anos, por um câncer de tipo raro e de ação
fulminante. Engenheiro, professor universitário e empresário emergente, era
o filho que Geraldo mais adorava.
4.O falecimento da terceira esposa, aos 53 anos, também vítima de insidiosa
moléstia, uma hepatite do tipo C.
Um novo sofrimento, que não deu tempo dele trancar no baú, pois fui o portavoz, foi proporcionado pelo fechamento da Suerdieck. Representou um golpe
duro para um homem já com 81 anos. O sofrimento ocorreu em dose tripla: pelo
pai, que comandou a empresa por 25 anos; por si próprio,com um passado de
27 anos na direção; e pelos filhos gêmeos, jovens que ficaram com os currículos
manchados pela derrocada empresarial. Na verdade, a dor de Geraldo vinha
sendo acumulada desde novembro de 1997, quando Gisela foi à Alemanha e
ele ficou sabendo que a empresária não retornaria ao Brasil. O ex-marido, que
conhecia bem o seu perfil profissional, conjeturou que para Gisela abandonar o
comando das organizações, ou perder as forças para enfrentar a crise em toda
a sua extensão, algo de gravíssimo estava em marcha. Mas não tinha acesso
aos detalhes, pois os filhos não abriam completamente o jogo, apenas faziam
comentários superficiais. Porém, através de outras fontes, Geraldo recebia as
informações dos desmoronamentos que iam soterrando as empresas do grupo.
O fechamento da fábrica de Cruz das Almas obedeceu a uma seqüência. Num
sábado de novembro, quando os operários estavam de férias coletivas, encontrei
375
na casa de Geraldo a filha que dirigia a empresa, que reservadamente me disse que
a situação era insustentável, já tendo o setor de pessoal preparado as demissões
de todos os empregados para o dia 1º de dezembro de 1999, data da morte da
Suerdieck.
Pediu-me que, além do sigilo da informação, nada comunicasse ao pai. A família
iria adiar, o máximo possível, a infausta notícia, pois temia-se as conseqüências.
Como a imprensa não divulgou absolutamente nada, a cerca levantada em torno
do patriarca funcionou. Porém, sendo a pessoa mais íntima nos últimos três anos,
entendi que lhe devia transmitir a realidade, com as devidas precauções. Usei a
técnica das doses homeopáticas. Nas visitas semanais fui ministrando pequenos
comentários, preparando o espírito do velho capitão, até que, na edição de 31
de dezembro do Correio da Bahia saiu a primeira notícia, na página Propaganda
e Mercado, assinada por Nelson Varón Cadena. No final de um breve relato sobre
marcas e propaganda, o colunista registrou discretamente: “Como a Dannemann,
a Suerdieck, recentemente desativada, é uma referência internacional para o
nosso estado”.
Utilizei a lacônica informação como passaporte para o fim da Suerdieck chegar
ao conhecimento de Geraldo. No segundo sábado de janeiro de 2000 mostrei-lhe
a página do jornal. Visivelmente abatido, mas dando provas de estar acostumado
às notícias ruins, proferiu um comovente comentário:
— É muito triste acreditar nisto. É doloroso aceitar o desmoronamento de um
legado que levou décadas para ser construído. Dói verificar que deixaram esvair
totalmente o sangue e o suor injetados por Ferdinand Suerdieck, pelo meu pai e
por mim. É penoso ficar sabendo que o trabalho de inúmeras pessoas, de gerações
que deram suas vidas à empresa, tenha sido levado à destruição total!
Especulou-se muito que o desaparecimento da Suerdieck poderia ter sido
evitado. Diversos empresários do setor fumageiro foram da opinião de que, em
1995, quando ocorreu a quebra na safra do fumo, os dirigentes sabiam de suas
graves conseqüências, pois a tempestade chegaria num momento de fragilidade
financeira. Por conta dos vultosos investimentos e empréstimos feitos nos últimos
anos, a Agro estava descapitalizada e vulnerável.
As alegações eram de que, dispondo de informações
Nesta idade avançada,
privilegiadas, e no intuito de proteger a Suerdieck, deveriam tênada mais me entristece
la desvencilhado da controladora, a Agro Comercial Fumageira
do que a avalanche dos
S.A., onde nasceria o olho do vendaval que destruiria todo o
noticiários denunciando
grupo empresarial. A opção legal seria a venda da Suerdieck,
corrupções no governo,
com a entrada do capital no caixa da Agro. Esta alternativa
desvios de dinheiro,
falcatruas e outros
garantiria a continuidade da empresa e preservaria a tradição
escândalos financeiros.
internacional dos seus charutos.
Hoje,
E por que esta fórmula preventiva não foi aviada?
23 de novembro de 2000,
A resposta foi dada pelo diretor administrativo-financeiro,
quando completo 82 anos,
Geraldo Andreas Meyer Suerdieck, no adendo inserido no
rezei muito e pedi a Deus
que proteja o Brasil e as
Capítulo 36. Na apresentação das causas que determinaram o
gerações futuras.
encerramento das atividades da empresa, o jovem executivo
gms
abordou também a questão da Suerdieck não ter sido
376
desatrelada da Agro.
No dia 3 de março de 2001, um sábado, fui pela última vez à casa de Brotas,
onde estivera mais de 200 vezes, desde que começara a escrever o livro, em 1997.
As entrevistas com GMS eram sempre nas manhãs dos sábados. Quando não
podia ir compensava o impedimento no domingo. Extraordinariamente, para
tirar dúvidas, ou quando o assunto requeria urgência, comparecia em dias úteis.
Nesta derradeira visita encontrei os carregadores iniciando a mudança. A
Chácara Suerdieck tinha sido vendida para o consórcio Embracil/Almeida Matos
construir três prédios, cada um com 18 pavimentos e quatro apartamentos por
andar, num total de 216 unidades residenciais.
No sábado seguinte, 10 de março, estive com GMS em seu novo endereço, na
Graça. Da varanda do apartamento, no oitavo andar, ele fez uma viagem ao passado,
levando-me como passageiro e sendo o guia. Esticando o braço direito, apontou:
— Este prédio aqui, bem defronte, foi construído no local da casa de meus pais,
onde morei quando era solteiro. Ao casar-me, comprei aquele bangalô amarelo
lá embaixo, na esquina. Externamente ainda conserva as características originais,
mas não é mais residencial. Hoje é uma casa de chá, Fios de Mel. Com Aída morei
ali durante seis anos. Vendi quando mudamos para a casa que construi na Manoel
NAS ESQUINAS DA GRAÇA
A primeira residência de Gerhard em Salvador foi numa casa
na Graça, na Avenida Humberto Savóia 8, próxima da Igreja de Nossa
Senhora da Graça. Neste endereço permaneceu de 1933 até o final de
1935.
Desta casa, onde hoje se posiciona o Edifício Eng. Oscar Pontes,
na atual Avenida Princesa Leopoldina, Gerhard mudou-se para o palacete
que construiu na Avenida Euclides da Cunha 16, esquina com Amélia
Rodrigues.
Ao casar-se, Geraldo trocou a esquina paterna por outra esquina,
situada logo atrás, na Rua Barão de Capanema 16, confluência com
Catharina Paraguaçu. Em 1948 o casal se transferiu para uma nova esquina,
também bem próxima da casa dos pais de Geraldo, pelo lado da frente:
Rua Manoel Barreto 18, na desembocadura da Antônio Rocha, onde GMS
construiu uma esplêndida mansão, que seria posteriormente demolida
para o surgimento do Edifício Itaeté.
Por causa do fim do casamento com Aída, Geraldo trocou em 1962 o
bairro da Graça por Brotas, passando a residir na antiga casa de veraneio,
localizada na Rua Padre Daniel Lisboa 155. Trinta e oito anos depois,
em março de 2001, voltou à Graça, instalando-se novamente numa
esquina, a quarta na sua interação com o bairro: Rua Amélia Rodrigues
65, confluência com Euclides da Cunha. E pela primeira vez, no Brasil, foi
residir num apartamento, o de número 801 do Edifício Carlo Crivelli, bem
defronte ao Edifício Serra da Graça, erguido no terreno onde ficava a casa
paterna, na primeira esquina da história iniciada em 1936.
377
Reprodução
Matéria preparada na assessoria de imprensa da Suerdieck e
publicada pelo Correio da Bahia, em 30 de maio de 1997. Com
informações maquiadas e quantitativos fantasiosos, a empresa
tentava vender uma pujança que já não possuía. Condenada
pela crise na Agro, a Suerdieck estava na realidade ingressando
no corredor da morte. A foto de Gisela foi a última que saiu num
jornal de Salvador.
Peugeot deixa
Clientes na mão
A única concessionária Peugeot
de Salvador (BA), a Nancy, fechou
suas portas em julho passado,
deixando sem assistência técnica
cerca de 500 consumidores.
O grupo Suerdieck, responsável
pela revenda, alega problemas
financeiros.
Quatro Rodas: pág.13, outubro 1997.
378
Barreto, especialmente para ela!
Na Bahia chegou-se a comentar que o retorno de Gisela à Alemanha, dois anos
antes do fechamento da fábrica de charutos, foi para ir gozar a riqueza que teria
transferido para lá. Esta versão era totalmente inverídica. Ela voltou porque os filhos,
preocupados com o seu estado de saúde, deliberaram afastá-la do epicentro da
tempestade. Gisela estava emocionalmente muito abalada com os problemas na
Agro. Em Hamburgo sua sobrevivência seria assegurada por uma aposentadoria,
onde também tinha à disposição a boa assistência médica do governo alemão.
Com o fim da Suerdieck, e depois de um período trabalhando com o sogro,
Geraldo Andreas ingressou na Laport, empresa de consultoria e corretagem de
seguros. Sua base de atividades ficou sendo em Barreiras, no oeste baiano. A irmã foi
residir em Hamburgo, para poder cuidar da mãe, já acometida pelo mal de Alzheimer,
doença degenerativa do cérebro, progressiva e incurável. Lá conseguiu emprego
na Taby, uma prestadora de serviços portuários, onde Gisinha vem se destacando
como especialista na logística de transportes dos tankcontaineres.
Para finalizar, o último segredo do homem que mais tempo esteve no comando
da Suerdieck, contado por ele mesmo, de maneira extremamente sincera e bem
humorada:
Já que você escarafunchou toda a minha vida e fez
questão de colocar no livro a primeira experiência sexual
que tive, nos idos de 1933, lá em Maragogipe, com a cariboca
Baçu, vou também lhe revelar como se deu a última vez. Digo
a última porque, viúvo e com 83 anos, acho improvável que
volte a me relacionar com alguma mulher. Já estou resignado
com a solidão na cama.
Por coincidência, o epílogo foi como no ato inaugural,
com uma auxiliar de serviços domésticos, dentro do seu
local de trabalho. Ocorreu no final de um veraneio em Morro
de São Paulo, numa circunstância muito emocionante, de
retorno à adolescência, sendo que desta vez o adolescente
beirava os oitenta anos, que pacientemente teve de esperar
que um casal de visitantes fosse dormir, para que a Monica
pudesse ir aos meus aposentos.
Era uma estagiária na casa, mas não foi a Monica do Bill
Clinton, como também não necessitei de charutos no quarto!
Salvador, 5 de janeiro de 2003.
Ubaldo Marques Porto Filho.
379
Suerdieck, inesquecível
Na minha vida profissional passei, sempre na Bahia, por cinco níveis
da administração: iniciativa privada, economia mista estadual, economia
mista federal, serviço público estadual e serviço público municipal.
Trabalhei em nove órgãos diferentes, sendo que em três mais de uma
vez. A partir do terceiro, da cronologia abaixo, passei a exercer funções
como bel. em administração.
Dos catorze períodos enumerados, que compõem o patrimônio
profissional, como empregado, excluída a fase em que fui dono de uma
pequena editora, a passagem pela Suerdieck foi, inquestionavelmente,
a mais marcante. Lá vivi, em três anos e sete meses, uma temporada
ímpar, que não encontraria em nenhuma outra casa de trabalho. A Suerdieck
enfeixava uma rica atuação regional, nacional e internacional.
Cronologia:
01. Telefones da Bahia S.A. – Tebasa.
02. Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos.
03. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba.
04. Banco Econômico S.A.
05. Telefones da Bahia S.A. – Tebasa, depois Telecomunicações da Bahia
S.A. – Telebahia.
06. Empresa de Turismo da Bahia S.A. – Bahiatursa.
07. Departamento de Administração Geral do Estado da Bahia.
08. Indústria Gráfica Jornal Feira Hoje Ltda.
09. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba
10. Empresa de Turismo da Bahia S.A. – Bahiatursa.
11. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba.
12. Secretaria de Governo do Estado da Bahia.
13. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba.
14. Prefeitura Municipal de Salvador.
umpf
380
bibliografia
BIBLIOGRAFIA
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Horizonte: (s.n.), 1935.
ANDRESEN, Bruno W.F. Mit stehpult und tintenfass. Hamburgo (AL): Hans
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Buchhandlung Heinz Harten, 1958.
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ZWEIG, Stefan. Brasil, país do futuro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1941.
381
PERIÓDICOS
A TARDE. Salvador, 10 dez. 1952 e 24 jan. 1963.
BOLETIM DO ROTARY CLUBE DA BAHIA. Salvador, v. 6, ago. 1950.
BOLETIM SUERDIECK TRIMESTRAL. Salvador, diversos números - 1949 a 1959.
CORREIO DA BAHIA. Salvador, 30 mai. 1997.
DIÁRIO DA JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. Salvador, 27 set. 1936 e 6 ago. 1961.
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Rio de Janeiro, 1º set. 1942.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DA BAHIA. Salvador, 16 dez. 1930.
ESTADO DA BAHIA. Salvador, 4 abr. 1959.
NEUE WESTFÄLISCHE. Alemanha, 5 out. 1984.
O CRUZEIRO. Rio de Janeiro, 24 nov. 1956.
QUATRO RODAS. São Paulo, 13 out. 1997.
REDEMPÇÃO. Maragogipe, 21 dez. 1930.
TRIBUNA DA BAHIA. Salvador, 18 ago. 1970.
WORLD TOBACCO. Londres, 1967.
DOCUMENTOS NÃO-PUBLICADOS
Cópias de certidões, contratos e relatórios obtidos na Alemanha e Suíça, diversos
anos.
Livro de referência industrial da Suerdieck. Maragogipe, 1905-1975.
Livro de visitas à fábrica de Maragogipe. Suerdieck, 1950-1982.
Processo Nº 3.247/60. Tribunal de Justiça da Bahia. Comarca de São Félix, 1960.
Registros de contratos, alterações e distratos. Junta Comercial do Estado da Bahia.
Salvador, diversos anos.
Geraldo Meyer Suerdieck foi o idealizador e coordenador do Boletim Trimestral, um jornal de quatro páginas,
no formato tablóide. Foram 43 edições, que circularam nacionalmente, durante onze anos, de janeiro de
1949 até dezembro de 1959.
382
ICONOGRAFIA
ICONOGRAFIA
Baptista (Cachoeira): 75.
Chagas (Cachoeira): 100.
Claudionar Jr. (Salvador): 09.
Eric Hess (Rio de Janeiro): 253.
Ernesto (Salvador): 172,359.
Fernando Bizerra: 212.
Foto Real (Salvador): 358.
Fred Kraus (Rio de Janeiro): 299.
Fredo (Rio de Janeiro): 359.
Geraldo Ataíde: 11.
Geraldo Meyer Suerdieck (Salvador): 182, 330, 372.
Gerhard Meyer Suerdieck (Salvador): 264.
Gonsalves (Salvador): 26,30,31,48,50,51,54,56,88,91,92,94,99,122,123,124,263,350.
Ingrid Suerdieck (Bergfelde/Alemanha): 39.
João Ramos (Maragogipe): 227.
José Augusto Rodrigues Viana (Salvador): 13, 374, contracapa.
Karina Cerqueira Meyer Suerdieck (Salvador): 357.
Kurt Julius (Hannover): 261.
Leão Rozemberg (Salvador):15,158,229,280,322,359.
Lourdes (Salvador): 84.
Ludovico Perfler (Salvador): 103.
M. Philipsen: 31.
Marc Ferrez: 83.
Maurício Requião (Salvador): 355,359.
Pinheiro (Salvador): 35,51,52,54,55,97,119,120,121,123,155.
Ralf Kircher (Rio de Janeiro):176.
Royal Foto (Salvador): 332.
Stefan Hörttrich: 220.
Ubaldo Marques Porto Neto (Salvador): 359.
Val Araújo (Salvador): 40,130,131,132,141,142,143,144,211,242,285,286, contracapa .
Vavá (Salvador): 359.
Voltaire Fraga (Salvador): 141,142,143,144,149,176,358.
Não foi possível identificar o autor das fotos
que se encontram sem o respectivo crédito.
383
Com estúdio em Salvador, na Rua Chile 4, Gonsalves foi o fotógrafo com maior número de registros. Com a foto acima,
feita antes do início da II Guerra Mundial, completou 23 inserções neste livro. A marca Suerdieck Brazil destinava-se à
exportação, sendo que a submarca Flor Fina, de domínio público, indicava a utilização de fumos especiais, finíssimos.
384
ÍNDICE ONOMÁSTICO
ÍNDICE ONOMÁSTICO
A
A. TOURINHO: 29
ABDON SENA: 196
ABELARDO JUREMA: 337, 338, 381
ABELARDO MAGALHÃES SACRAMENTO: 333
ABÍLIO ALVES PEIXOTO: 53
ADA REEVE: 344
ADALBERTO MARQUES PORTO: 381
ADALMIR DA CUNHA MIRANDA: 128
ADERBAL PINTO: 199
ADOLF FISCHER-GURIG: 381
ADOLF HITLER (FÜHRER): 61, 65, 66, 68, 73, 75, 79, 92, 107, 108, 109, 114
AFONSO IMHOF: 05
AFRÂNIO PEIXOTO: 122
AGENOR BANDEIRA DE MELLO: 381
AGENOR DE JESUS SOUZA: 231
AGUINALDO NEVES BARBOSA: 2a capa interna.
AGNALDO PODESTÁ LIMA: 365
AGNELO SILVA NASCIMENTO: 365
AGOSTINHO GISÉ: 216
AGRAIR SCHMIDT: 05, 262, 280, 330, 331
AGUIDA ALICE DA COSTA CUNHA: 42, 45, 106, 259
AÍDA MARIA DA CUNHA RIBEIRO / AÍDA RIBEIRO SUERDIECK / AÍDA RIBEIRO: 05, 82, 83, 109, 111, 113,
114, 115, 116, 117, 118, 175, 176, 181, 184, 224, 260, 261, 262, 280, 316, 330, 331, 356, 370, 371,
372, 377
ALAIM MELO: 333
ALBÉRICO SPÍNOLA BARBOSA: 208, 213
ALBERTINO VIEIRA DE MELLO PEIXOTO: 37
ALBERTO CAVALCANTI DE ALBURQUERQUE: 115, 116, 381
ALBERTO DINIZ GONÇALVES: 168
ALBERTO VELOSO DA ROCHA PASSOS: 129
ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK (WOLF/VOSCANTE): 05, 42, 58, 77, 94, 102, 138, 184, 189,
197, 250, 259, 265, 266, 267, 297, 311, 313, 340
ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259
ALDERICO MARQUES DE SOUZA: 365
ALEXANDRE ALVES PEIXOTO: 126
ALEXANDRE MARCONDES FILHO: 76
ALEXANDRE ROBATTO FILHO: 128
ALFRED WILLY PAUL HAENDEL: 75, 95, 97, 98, 128, 313
ALICE RIBEIRO: 176
ALMA CLASON: 344
ALMA STUPPE /ALMA SUERDIECK: 59, 64, 69, 258
ALMEIDINHA: 223
ALMERINDA RIBEIRO: 82
ALMIRO ANDRADE: 28
ÁLVARO ALMEIDA: 29
ÁLVARO DE CASTRO CORREIA: 283
ALVIMAR CARNEIRO DE REZENDE: 230
ANA MARIA SERRANO SUERDIECK: 259
ANANIAS DOS SANTOS: 104
ANDREW CARNEGIE: 243
ÂNGELA MARIA DA SILVA CALDAS: 05, 332
385
ANGELINA CHAGAS SERRA DE OLIVEIRA: 365
ÂNGELO CALMON DE SÁ: 199, 214
ANÍBAL PEDREIRA BRANDÃO: 05
ANÍSIO MALAQUIAS: 36
ANNA MARIA CHARLOTTE MEYER: 22, 258
ANNA NIEDERBUCHNER: 344
ANTOINETTE CAROLINE MEYER: 257
ANTON RUDOLPH SUERDIECK: 22, 258
ANTÔNIO ABELARDO DE OLIVEIRA (PINTA): 124
ANTÔNIO BARBOSA: 205
ANTÔNIO CAETANO DA SILVA (CAETANO DA ENSEADA): 31
ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES: 315
ANTÔNIO CARLOS TAVARES: 171
ANTÔNIO COUTO: 29
ANTÔNIO DA COSTA ALMEIDA: 361
ANTÔNIO DA COSTA RIBEIRO (RIBEIRINHO): 114, 175, 176
ANTÔNIO DAS NEVES / ANTÔNIO NEVES MEYER: 42, 45, 106, 259
ANTÔNIO DELFIM NETO: 207
ANTÔNIO ELOY DA SILVA: 95, 97, 98, 129, 189, 253, 311, 313, 367
ANTÔNIO FERNANDO SILVANY: 158
ANTÔNIO FERREIRA DE OLIVEIRA BRITO: 196
ANTÔNIO JORGE CERQUEIRA MARQUES(Queno): 399, 2a capa interna.
ANTÔNIO LOMANTO JÚNIOR: 166
ANTÔNIO LOUREIRO: 128
ANTÔNIO MENDONÇA MONTEIRO: 156
ANTÔNIO NONATO MARQUES: 314
ANTONIUS HEINRICH SUERDIECK: 22
ANTUNES NERI: 280
APOLINÁRIO CANDEIAS LOPES: 323, 361
APRÍGIO JOSÉ LOBO: 26
ARCHIBALD OLIVEIRA BROWN: 77
ARCHIMEDES PEREIRA GUIMARÃES: 381
ARLINDO SENA: 199
ARMANDO ARRUDA PEREIRA: 230
AROLDO DA CUNHA RIBEIRO: 223, 315
ARTHUR DA COSTA E SILVA: 147
ARY MARQUES PORTO: 303, 362, 368
ASDRÚBAL PEDREIRA BRANDÃO: 184
AUGUST WILHELM SUERDIECK: 11, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 33, 34, 37, 38, 39, 42, 43, 57, 58, 63, 74, 129,
137, 228, 234, 252, 253, 257, 258
AUGUSTE CHARLOTTE WOBBEKING: 257
AUGUSTO ÁLVARO DA SILVA / CARDEAL DA SILVA: 119
AUGUSTO GOLDSCHMIDT: 92
AUGUSTO MARTINS JÚNIOR: 313, 365, 372, 373
ÁUREA MARQUES PORTO: 371
AURELINO ALVES DA SILVA (LELÉ): 332
AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA: 27
AURÉLIO DE LYRA TAVARES: 147
AURÉLIO: 69
AVANY DE ASSUMPÇÃO: 365
B
BAARK: 79
BAÇU: 45, 338, 379
BARTOLOMEU BORGES PARANHOS: 207, 208, 209, 352, 367
386
BARTOLOMEU BRITTO SOUZA: 36
BARTOLOMEU: 101, 102
BEN FOORT: 70
BENIGNO REBOUÇAS: 28
BENITO MUSSOLINI (DUCE): 109
BERNHARD FERDINAND FLORENZ SUERDIECK: 21, 22, 24, 381
BILL CLINTON: 379
BLAIR: 191
BOAVENTURA SANTOS: 313
BODIL KOCH: 344
BRUNO W. F. ANDRESEN: 60, 79, 111, 153, 381
BULPITT: 191
BUSSE: 60
C
CARL GELES: 313
CARLA MEYER: 56, 83, 381
CARLOS AZEVEDO: 327
CARLOS DREHER NETO: 314, 315
CARLOS GERALDO MEYER SUERDIECK: 260, 316
CARLOS JOÃO DA COSTA CUNHA / CARLOS MEYER: 42, 45, 46, 106, 259
CARLOS MARINHO: 158
CARLOS RENAUX: 230
CARLOS ROBERTO DE MELLO KERTÉSZ: 05
CARLOS URBANO ROCHA BANDEIRA: 372
CARMEN MIRANDA: 99
CARYBÉ: 138
CASIMIR PRINZ WITTGENSTEIN: 59
CATHARINA PARAGUASSÚ: 141
CATHERINE DE MÉDICIS: 347
CHARLES CHAPLIN: 216
CHARLES GOUNOD: 373
CHARLOTTE ELISABETH ALTMANN: 122
CHARLOTTE LOUISE MEYER: 257
CHRISTIAN JOHANNES EUGEN MEYER: 257
CÍCERO BAHIA DANTAS: 158
CID JOSÉ TEIXEIRA CAVALCANTE: 05, 12
CILLY: 80, 112, 177
CLARKE: 191
CLEMENTE MARIANI: 315
CLEMENTINO DOLORES: 35
CLEMENTINO SACRAMENTO: 50, 333
CONDOM: 325
CONRAD GRAVE: 313
CONSTANTIN VON OESTERREICH: 161, 167, 169
CORBINIANO ROCHA (BILOCA): 76, 95, 128, 313
D
D. MARIA: 347
D. PEDRO I: 49, 324
D. PEDRO II (Imperador do Brasil): 8, 28, 1a capa interna
DANIEL MAURÍCIO DAS NEVES: 365
DÉCIO DE QUADROS: 36
DELMIRO GOUVEIA: 230
DÉRCIO LIMA DE SOUZA: 399, 2a capa interna.
DIÓGENES MENEZES FERREIRA: 313
387
DIOGO ÁLVARES CORRÊA (CARAMURU): 141, 143
DISSEN: 60
DITTMER: 79
DOMINIQUE BONA: 381
DONDINHO: 225
DORIVAL CAYMMI: 99
DUDU DA SUERDIECK: 223
DULCE MELO: 333
DURVAL DE MIRANDA MOTTA: 49
DWIGHT EISENHOWER: 146
E
EDGAR BRITO: 157
EDILBERTO COUTINHO: 128
EDITH SCHMALZ: 258
EDUARD HENNE: 79
EDUARDO BARRETO DE ABREU: 05
EDWALDO AYRES DE LACERDA: 372
EGON WILLY ZOBIAK: 215
ELIESE MARIA NIEMEYER / ELIESE SUERDIECK: 43, 258
ELISABETH CABÚS DE AMORIM: 95, 313, 365
ELISABETH HUCH: 226
ELMAR ARAÚJO: 199
ELPÍDIO BARBOSA: 31
ELPÍDIO DA PAZ GUERREIRO: 33
ELSE NIEMANN: 61, 78, 111, 153, 177, 262
ELZA SAUER: 154
ELZELI DUARTE DE PINHEIRO: 04, 05
EMANOEL RAIMUNDO SARMENTO BANDEIRA (MANECA): 223
EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI: 206, 207, 208, 210
EMÍLIO ODEBRECHT: 33
EPAMINONDAS DA SILVA BANDEIRA: 95, 106, 189, 223, 313
EPIFÂNIA (NENÉM CHARUTINHA): 341
ERICO PAULO ESCH: 180, 299, 327
ERNANI GALVÊAS: 208
ERNESTO ALBRECHT: 208
ERNESTO SIMÕES FILHO: 105
ERNI: 61, 111
ERNST EHL: 90
ERNST FERDINAND MEYER: 42, 43, 63, 113
ERNST HITZEMANN: 102, 381
ERNST LAUER: 79
ERNST TOBLER: 161
ERNST VON RATH: 69
ERWIN MORGENROTH (Erwin Israel Frederico Otto Morgenroth): 158, 316
ERWIN NIEMANN: 61, 92, 154
EUGÊNIO SALES: 206, 207, 208, 209, 210
EUGENIO SALLER: 217, 218, 219, 252
EURIBERTO FERREIRA: 223
EURICO GASPAR DUTRA: 110, 145
EUVALDO LODI: 230
F
FANNY SOPHIE ADELE GERHARDINE MEYER / ADELE BRÖCKELMANN: 80, 104, 257
FARIAS: 81
FELIX HÜLSEN: 79
388
FERDINAND JOSEF SUERDIECK: 22
FERNANDO ALBERTO FRAGA: 05, 317, 318
FERNANDO MELO: 60
FERNANDO MEYER SUERDIECK: 42, 58, 94, 102, 125, 126, 137, 138, 175, 185, 189, 190, 196, 197,
223, 231, 250, 259, 265, 266, 267, 269, 311, 313, 327, 336, 340
FERNANDO MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259
FERNANDO ROTH SCHMIDT: 365
FERNANDO WILSON ARAÚJO MAGALHÃES: 147, 205
FIDEL CASTRO: 171, 172, 216
FIRMINO CORREIA DE ARAÚJO PEIXOTO: 101
FLORISVALDO JOSÉ DE SOUZA / PADRE FLORISVALDO: 119, 137, 156
FRANCISCO ARAGÃO: 163, 165
FRANCISCO BARÃO: 29
FRANCISCO GOMES DA SILVA FILHO: 399, 2a capa interna.
FRANCISCO LEITE: 156
FRANCISCO MATARAZZO: 230
FRANCISCO MIGUEL DO PRADO VALLADARES: 117
FRANCISCO RIBEIRO DE CARVALHO: 05
FRANZ HIMBERGER: 215, 220
FRANZ KRUTHAUP / FREI HILDEBRANDO KRUTHAUP: 77, 120, 121
FRAU HORN: 74
FRED S. SUERDIECK: 05, 22, 39
FREDERIC MEURON: 11
FREDERICO HILMANN: 77
FREITAS (GUANABARA): 326
FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT WOLFGANG MEYER: 41, 42, 43, 107, 257
G
GAL COSTA: 333
GASTÃO DO REGO MONTEIRO: 157
GEORG ERNST EDUARD MEYER: 41, 257
GEORG MAX DIETRICH KOCH: 161, 165, 167, 168, 169, 170
GEORGE BURNS: 323
GERALDO ANDREAS MEYER SUERDIECK (DINO): 180, 183, 232, 243, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 260,
375, 376, 378, 379
GERALDO DA COSTA LEAL: 381
GERALDO DANNEMANN NETO: 05, 139
GERALDO DANNEMANN: 11, 26, 170
GERALDO FERNANDES: 116
GERALDO MEYER SUERDIECK (BUBI/GMS): 8, 11, 12, 13, 15, 42, 43, 44, 45, 47, 57, 58, 59, 60, 61,
62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 90, 92, 93, 95, 97, 98, 104, 107,
108, 109, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118,120, 122, 127, 130, 137, 153, 154, 168, 169, 171,
172, 173, 174, 175, 176, 177, 179, 180, 181, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193,
194, 196, 197, 202, 205, 206, 207, 208, 210, 211, 213, 214, 215, 219, 221, 222, 223, 224, 225, 226,
228, 229, 231, 234, 236, 237, 250, 252, 253, 259, 260, 262, 266, 267, 271, 298, 299, 302, 311, 312,
313, 314, 315, 316, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329, 330, 331, 332, 333, 334,
335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 343, 345, 347, 350, 353, 355, 356, 357, 363, 364, 365, 367, 368,
369, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 382, 399, contracapa, orelhas.
GERALDO MEYER SUERDIECK NETO: 259
GERALDO NELSON BANDEIRA MORAIS: 158
GERFRIED SEEBOHM: 59
GERHARD ALBERT WOLFGANG MEYER (GERD): 42, 43, 83
GERHARD BAUMERT: 90
GERHARD BEHRENS: 90, 313
GERHARD MEYER: 381
GERHARD MEYER / GERHARD MEYER SUERDIECK: 30, 34, 36, 37, 38, 41, 42, 44, 45, 46, 56, 62, 63, 64,
389
67, 68, 70, 71, 73, 74, 76, 77, 78, 80, 81, 83, 91, 92, 94, 96, 97, 99, 101, 102, 103, 104, 105, 106,
107, 108, 109, 111, 112, 114, 116, 120, 121, 127, 128, 137, 139, 155, 185, 227, 228, 230, 252, 257,
259, 263, 264, 265, 266, 288, 313, 336, 355, 374, 376, 377
GETÚLIO VARGAS: 75, 129, 222, 295, 307
GIBSON JUNIOR / GIBSON ALVES VILLA NOVA JUNIOR: 05
GIGHIA: 222
GIL MARQUES PORTO: 371
GILMAR DO COUTO SOUZA: 2a capa interna
GILBERTO FONTES DE LACERDA: 182, 223
GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH / GISELA HUCH SUERDIECK: 177, 179, 180, 181, 182, 183, 191, 196,
213, 231, 232, 234, 235, 236, 237, 238, 243, 244, 245, 246, 247, 249, 252, 253, 260, 261, 262, 266,
313, 356, 371, 374, 375, 378, 379
GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK (GISINHA): 05, 180, 182, 183, 232, 243, 244, 245, 248, 249, 250,
252, 260, 375, 376, 378, 379
GLACY PENOVARRO SERRANO: 259
GÓES CALMON: 35
GREGORIUS: 99, 150, 373
GUIOMAR DE CARVALHO DÂMASO: 268, 269, 270
GUSTAV BOCK: 284
GUSTAV STAHMER: 79
GUSTAVO REIS: 323
GUSTAVO SCHMIDT: 68
H
H. AICHINGER: 85, 86
HANS JOACHIM PETERS: 231
HANS W. JULIUS PETERS: 67, 73, 74, 79, 112, 231
HAROLD WILSON: 203
HEINRICH CASPELHERR: 75, 313
HEINRICH FERDINAND SUERDIECK: 26, 27, 28, 30, 33, 34, 43, 64, 137, 228, 252, 253, 258, 313, 376
HEINZ MECKLENBURG: 79
HEITOR DIAS PEREIRA: 206
HEITOR VILLA-LOBOS: 344
HELENA SÁ MARQUES PORTO: 371
HELGA TOURÉE: 61, 62
HÉLIO GUERTZENSTEIN: 301
HÉLIO ROCHA: 326
HENRIETTE ADALIE KNEMEYER: 257
HENRIQUE KAUFMANN ROOS: 337
HERBERT LIMMER: 235
HERBERT MOSES: 146
HERBERT STERN (ESTRELA): 64, 76, 189, 298, 313, 368
HERMANN JOSEF ABS: 315
HERMANN MÜLLER: 107
HERMANN OVERBECK: 315
HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER / HERMINE SUERDIECK (MINNI): 26, 34, 37, 38, 39, 44, 57,
257, 258
HERMÓGENES PRÍNCIPE DE OLIVEIRA: 326
HERSHEL GRINSPUM: 69
HILDA CUNHA: 106
HILDA LOPES: 361
HILDA PINTO CERQUEIRA: 270
HILDEGARD STUMM: 176
HILDEGARDO FIGUEIREDO CÂMARA: 313
HILGENSTOCK: 60
HIROHILTON VULPIAN VIVAS: 365
390
I
IGNES SCHUBACH DE OLIVEIRA: 365
ILDEFONSO DE PAULA CARVALHO: 188
INDIRA MESQUITA MARQUES PORTO: 05
J
J. DAMIANA: 29
J. PEREIRA: 29
JAIME I: 347
JAIME VIEIRA LIMA: 226
JAKOB MULDER: 192
JAMES WOOD: 191, 192, 194
JANDIRA BESSA DE MEIRELES MENDONÇA: 95
JAVIER PEREIRA: 323
JEAN BAPTISTE NARDI: 347
JEAN NICOT: 347
JESS: 79
JESSY AMORIM: 223
JOÃO ADOLPHO JONAS JÚNIOR: 161, 162
JOÃO BENTO MARQUES PORTO: 371
JOÃO CASSIMIRO DE MELLO: 26
JOÃO DA SILVA LEAL: 313
JOÃO DA SUERDIECK: 223
JOÃO DE AZEVEDO CAVALCANTI: 163
JOÃO FALCÃO: 315
JOÃO GALANT JÚNIOR: 315
JOÃO GOULART (JANGO): 196, 337
JOÃO VARGAS LEAL: 363, 367
JOBST AUGUST WERNER MEYER: 42, 43, 62,113, 154
JOCHEN WEBER: 79
JOEL PRESÍDIO: 155, 156
JOHAN FOSTER DULLES: 344
JOHANN ADOLF JONAS: 26
JOHANN CHRISTIAN GERHARD MEYER: 41, 103, 104, 105, 257, 381
JOHANN FRIEDRICH CRISTOPH SUERDIECK: 21
JOHANN FRIEDRICH SUERDIECK: 21, 22, 258
JOHANN HEINRICH SCHINKE: 76, 90, 99, 313, 336
JOHANN SEBASTIAN BACH: 373
JONAS SILVA: 71
JORGE ALBERTO COSTA (BOGA): 326
JORGE AMADO: 361
JORGE CALMON MONIZ DE BITTENCOURT: 166, 336
JORGE GUERRA: 314
JORGE HAGE SOBRINHO: 226
JORGE STREET: 230
JORGE VALENTE: 326
JORGELITO MAUADIÉ: 313
JOSÉ BARBOSA: 199
JOSÉ CARLOS BAIÃO FERREIRA: 4
JOSÉ DE MELO FIGUEIREDO: 208
JOSÉ DUARTE MARQUES: 54
JOSÉ FÁBIO PEIXOTO: 37
JOSÉ GOES DE ARAÚJO: 05
JOSÉ GOMES DÂMASO: 268
JOSÉ HAROLDO CASTRO VIEIRA: 05
391
JOSÉ MARIA DE FRANÇA (Zé de Roque): 2a capa interna
JOSÉ MIRANDA DOS REIS NETO: 05
JOSÉ PARSIFAL BARROSO: 221
JOSÉ PEREIRA GUEDES: 42
JOSÉ RUAS BOUREAU: 98, 106, 137, 138, 154, 189, 313, 362, 365, 367, 368, 369, 399, contracapa.
JOSÉ SILVEIRA: 114, 115, 117, 127
JOSEF MÜLBERT: 86, 87, 90, 313
JOSEPH KARL FRANZ HOECHERL (PEPPY): 184, 189. 313
JOSEPH SUERDIECK: 25, 258
JOSEPHINE WILHELMINE MARGARETHA GERHARDINE MEYER: 257
JÚLIA MARIA DE CARVALHO DÂMASO / JÚLIA MARIA DÂMASO SUERDIECK / JULINHA SUERDIECK:
05, 175, 259
JULIE CHRISTIE: 371
JULIETA: 107
JÚLIO ADALBERTO MARQUES PORTO: 53, 371
JÚLIO AMORIM BOTELHO: 158
JÚLIO BANS: 26
JÚLIO CEZAR LEITE: 162
JÚLIO DOS SANTOS SÁ: 33
JÚLIO ELOY PASSOS: 129
JÚLIO VIRGÍNIO DE SANTANA: 157
JURACY MAGALHÃES: 155, 205, 315
K
KARINA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 260
KARL AUGUST EDUARD MEYER: 41
KARL FRIEDRICH HORN: 38, 74, 75, 108, 266
KARL LUDWIG RUDOLF GERHARD MEYER (VIDE GERHARD MEYER)
KARL MARTIM BAUDER: 167
KÄTHCHEN ANDRESEN: 111
KEITH ALAN SUERDIECK: 21, 381
KLAUS PETER ANDREAS HÄFELE: 05, 39, 105
KURT ADOLF HEINZ JOACHIM HASSE: 76, 313
KURT AUGUST EDUARD MEYER: 102
KURT AUGUSTO GUILHERME STUMM: 92, 176, 180, 299, 327
L
L. BANDEIRA: 29
LARA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK / LARA SUERDIECK: 260
LAURINDO RÉGIS DE OLIVEIRA FILHO: 88
LAURO DE ALMEIDA PASSOS: 129, 307
LAURO FARANI PEDREIRA DE FREITAS: 105, 155
LÊDA COSTA SANTOS: 365
LEONEL RIBAS: 313
LEONÍDIA PEREIRA GUEDES: 42
LISBETH ANNA HEDWIG LEWIS / LISBETH MEYER: 42, 43, 62, 63, 71, 103, 113, 154
LO MARX-LINDNER: 177
LOUISE JULIANE GERHADA MEYER: 257
LOUISE: 80
LOURDES: 80, 81
LOURIVAL VULPIAN VIVAS: 189, 313
LUDWIG KRÜDER: 26
LUIZ AUGUSTO SCHROEDER: 189, 313
LUIZ CARLOS FLORES RAMOS: 5, 399
LUIZ CARLOS FRAGA MAIA: 365
LUIZ DA COSTA PENNA: 333
392
LUIZ DE OLIVEIRA BARRETTO FILHO: 296, 339, 340
LUIZ EDUARDO MEYER SUERDIECK: 260, 372, 375
LUIZ ELOY PASSOS: 126, 129
LUIZ TARQUÍNIO: 53, 230
LUIZ VIANA FILHO: 196, 199, 205, 208, 214
LYCIA MAGDALENA BORGES PEREIRA: 365
M
M. GASPAR: 230
MAMÃE GALINHA MIJA: 77
MANOEL DE AQUINO BARBOSA / PADRE BARBOSA: 104, 121
MANOEL JOAQUIM FERNANDES DE BARROS SOBRINHO / MANOEL BARROS SOBRINHO: 199
MANOEL PARAGUASSÚ: 140
MANOEL TIMÓTEO CERQUEIRA SANTIAGO: 28
MANOEL VIEIRA DE MELLO: 7, 235
MARCELO CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 259
MÁRCIO SANTOS SOUZA: 05, 397, 398
MARGHERITA LA FLORESTA: 59, 60
MARGRET KÄTHE HELENE SCHWARTZ (MAGY): 05, 236
MARIA AMÉLIA DAS NEVES: 42, 45, 106, 259
MARIA ANNA ELISABETH SPECKMANN: 258
MARIA APARECIDA ALMEIDA MARQUES PORTO: 366
MARIA AUGUSTA DE OLIVA MORGENROTH: 158, 176
MARIA AUGUSTA MASCARENHAS CARDOZO: 04
MARIA BERNARDETE DA COSTA MELGAÇO (DETINHA): 332, 333, 371
MARIA DE LA LUZ JOHANNA GERHARDINE MEYER: 257
MARIA DOLORES COSTA MELO: 105
MARIA HEILMANN: 38, 39
MARIA JOANA CATHALÁ LOUREIRO: 05
MARIA OLÍVIA PARAÍSO VIVAS: 365
MARIÁ MENEZES SILVA: 176
MARIANNE FERGUSON: 147
MARIE MEYER: 257
MARILDA MASCARENHAS: 230
MÁRIO AMERINO DA SILVA PORTUGAL: 05, 09, 10, 231, 246
MÁRIO DA FONSECA FERNANDES DE BARROS: 167, 175
MÁRIO DA SILVA CRAVO: 154, 166
MARIO FERNANDES DE ALMEIDA: 76, 313
MÁRIO OLIVEIRA DE REZENDE: 05
MARYON VALENTINER: 71, 79, 80, 81, 82, 98, 111, 112, 113, 114, 153, 154, 176, 177, 183, 331, 369,
370, 374
MAURICE DE VLAMINCK: 151, 344
MAX LIEBERMANN: 381
MAX STERN: 64, 70, 76
MELINA MERCOURI: 371
MICHAEL F. BARFORD: 228
MIGUEL DO PRADO VALLADARES: 117
MIGUEL MACEDO DOS SANTOS: 04
MILTON DA SILVA ANDRADE: 313
MILTON EVERALDINO CERQUEIRA: 365
MILTON NUNES TAVARES: 313, 333, 339, 370
MONICA: 379
MORVAN DIAS DE FIGUEIREDO: 230
N
NEILING: 112
393
NELSON ALMEIDA TABOADA: 5
NELSON CORREIA DE ARAÚJO: 128
NELSON GONÇALVES DE OLIVEIRA: 361
NELSON PITTA MARTINS: 162
NELSON VARÓN CADENA: 376
NELSONITA: 54
NELY MARIA HIRSCH: 365
NEMÉSIO DIÓGENES: 57
NESTOR JOST: 211, 212
NEUSA PINTO CERQUEIRA / NEUSA CERQUEIRA SUERDIECK (NEUSINHA): 184, 213, 260, 261, 262, 356,
371, 375
NEWTON SPÍNOLA CARDOSO: 157
NICANOR ROCHA DO NASCIMENTO: 55
NICODEMOS: 29
NICOLAU MEYER SUERDIECK: 05, 42, 57, 58, 94, 102, 106, 138, 173, 175, 189, 197, 223, 250, 259, 265,
266, 267, 311, 313, 340, 362, 368
NICOLAU MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259
NODGI ENÉAS PELLIZZETTI: 05
NORMA LACERDA BLUM: 146
O
ODORICO TAVARES : 337
OMAR SHARIF: 371
ORÉADE MESQUITA MARQUES PORTO: 05
ORLANDO BAPTISTA PEREIRA: 163
ORLANDO GOMES DOS SANTOS : 333, 370
ORLANDO MOSCOZO BARRETO DE ARAÚJO: 315
OSCAR CARDOSO: 370
OSCAR SCHMIDT: 60, 68, 69, 70, 71, 81, 154, 262, 326, 330, 331
OSVALDO ARANHA: 58
OTÁVIO MANGABEIRA: 105, 155
OTTO BERNSTORF: 381
OTTO MAX SELINKE (OTTITO): 60
P
P. LEON: 302
PAI ZEZINHO: 101, 102
PASCUAL HNOS: 337
PAUL PANZER: 153, 372
PAUL VON HINDENBURG: 107, 108
PAULINO JAGUARIBE DE OLIVEIRA: 161
PAULO GEORG MUELBERT: 05, 86, 87, 89
PEDRO DE ALCÂNTARA PEREIRA: 85, 86
PEDRO DE AZEVEDO GORDILHO: 35
PEDRO LABATUT (Pierre Labatut): 7, 8, 1a capa interna
PEDRO TOMÁS PEDREIRA: 49
PEDRO VARGAS: 370
PELÉ: 225
PÉRICLES DRUMMOND: 98, 223
PETER HERMANN WIMMER: 215, 217, 219, 220, 252
PLUMLEY: 191
PRATINI DE MORAES: 205, 212
R
RAFFAELLA PALOMBI: 59
RAIMUNDO ELOY DE ALMEIDA: 128, 175, 313
RAIMUNDO HERÁCLITO DE CARVALHO: 214
RAMIRO ELOY: 26, 129
394
RAUL AYRES DE LACERDA: 95
RAUL DO CARMO CARVALHO: 381
RAUL MELO: 333
RAULINA DA COSTA CUNHA (MANINHA): 42, 259, 333
RAYMOND BLACKBURN: 147
RAYMUNDO COSTA E SOUZA: 363
RAYMUNDO DANTAS: 238
REGINA CÉLIA ZOBIAK: 05
REI DA DINAMARCA: 325
RENAN RODRIGUES BALEEIRO: 168
RENATO FURTADO DE SIMAS: 58
RENATO ARAÚJO SAMPAIO: 327
RICARDO HOWLLING: 146
RINNE: 79
RIP: 192
ROBERT C. WICKENDEN: 191, 193
ROBERT DYCKERHOFF: 167
ROBERTO COCHRANE SIMONSEN: 230
ROHDE: 79
ROLAND BURCHARD: 59
ROMPEL: 60
ROSALVO SICOPIRA DA SILVA (Zavo de Coimbra): 399, 2a capa interna.
ROSELIESEL CHRISTIANSEN (ROLI): 64
RUBEM DOS SANTOS LAMEIRA FILHO (Rubinho Lameira): 2a capa interna.
RUDI BRAUM: 79
RUDOLF ANTON FRAUNHOFER: 215, 218, 219
RUDOLF SPECHT: 83
RUDOLPH BERGER: 224, 225
RUTH CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 259
RUTH PINTO CERQUEIRA / RUTH CERQUEIRA SUERDIECK: 184, 259, 311
S
SANDRA LÚCIA DO SACRAMENTO (Sandrinha do INSS): 2a capa interna.
SANTA: 54
SCHLEICHER: 108
SCHMELING: 70
SÉRGIO ALMEIDA: 199
SÉRGIO LIMA VIEIRA: 05
SILVANA PAMPANINI: 344
SÍLVIO SÓLIS: 373
SOLANGE RIBEIRO MEYER SUERDIECK: 113, 114, 117, 176, 178, 260
SORAYA SILVA NUNES: 2a capa interna.
STAMM: 79
STEFAN ZWEIG: 121, 122, 271, 381
STÉLIO ROCHA BANDEIRA: 365
SUSANA MEYER SUERDIECK: 368
SUSANA MEYER: 42, 259
SZILÁRD RISKÓ: 365
T
TÁCITO DE OLIVEIRA: 206
TED VALENTINE: 177
TERESA CRISTINA DE BOURBON (Imperatriz do Brasil): 8, 1a capa interna.
THEMÍSTOCLES ANTÔNIO SANTOS GUERREIRO (Tek de Coqueiros): 5, 7, 8, 399, 2a capa interna.
THEODOR VON DER LINDE: 26
THEODORE ROOSEVELT: 243
THEREZINHA MARIA ELOY GOES DE ARAÚJO: 26, 253
395
TIBÚRCIA PEREIRA GUEDES / TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK: 12, 42, 44, 45, 56, 57, 58, 62, 63, 64,
71, 73, 74, 78, 102, 106, 108, 111, 113, 120, 176, 197, 230, 250, 254, 259, 263, 264, 265, 266, 267,
268, 269, 270, 311, 331, 332
TILO VON DONNER: 60
TIMCKE: 60
TÖNS WELLENSIECK: 215
TRIFON MARGIARO: 362, 363, 365, 367, 368
U
UBALDO MARQUES PORTO: 366
UBALDO MARQUES PORTO FILHO: 04, 08, 11, 12, 13, 14, 49, 139, 250, 360, 366, 371, 379, 380, 398, 399,
capa, contracapa, orelhas.
URBANO VIII: 347
V
VASCONCELOS MAIA: 128
VERA LÚCIA MARIA DOS SANTOS (Vera da Saúde): 2a capa interna.
VERBENA MARIA DE OLIVEIRA BOUREAU: 137
VIRGÍNIA DÂMASO SUERDIECK: 259
VIRGULINO FERREIRA DA SILVA (LAMPIÃO): 102
VIVALDO FONSECA BARRETO: 313, 365
VIVIAN BENSUSAN: 145
VON LEISEWITZ: 224
W
W. GANTOIS: 168
WALDO HERONDINO AZEVEDO: 76, 313
WALKYRIA MALGAÇO KNITTEL: 371
WALTER BRITO: 326
WALTER MAX JULIO STRAUS: 302
WALTER MELGAÇO KNITTEL: 05
WALTER STUMM: 05
WELLINGTON CUNHA COSTA PINTO: 05
WERDEVAL PITANGA: 36
WERNER BRADTMÖLLER: 113
WERNER THIELE: 79
WESTPHAL: 60
WILHELM BRÖMMELMEIR (WILLI): 44, 58, 80
WILHELM BUSCH: 102, 381
WILHELM WEILAND: 381
WILHELMINE AUGUSTE GERHARDINE SUSANNE MEYER: 257
WILLIAM HOLDEN: 172
WILLY KOCH: 81, 112, 113, 153, 154, 266
WILLY OVERBECK: 107
WILMA COSENZA SUERDIECK: 05
WILSON ROCHA: 196
WINSTON CHURCHILL: 145, 146, 323, 343
WOLFGANG ALBERT ARNOLD MEYER: 05
WOLFGANG ARTHUR HANS MEYER: 42, 43
Y
YVETTE MARQUES PORTO PAVÃO: 05
Z
ZINO DAVIDOFF: 216
396
SOBRE O AUTOR
Por Márcio Santos Souza
Nascido em Salvador, no dia 5 de janeiro de 1945, Ubaldo Marques Porto Filho
é escritor, historiador e biógrafo. Formado em administração de empresas pela
Universidade Federal da Bahia, especializou-se em marketing, turismo e comunicação
empresarial. Defendendo a tese Turismo, Indústria do Desenvolvimento, obteve o
primeiro lugar no 1º Concurso Nacional de Turismo, promovido em 1970 pela
Embratur. De 1972 a 1974 escreveu 59 artigos técnicos sobre turismo, publicados
no semanário Jornal da Cidade do Salvador. Pioneiro na Bahia na literatura técnica
de turismo, participou da fundação da seção baiana da Associação Brasileira dos
Jornalistas e Escritores de Turismo (Abrajet).
Como administrador, trabalhou em várias empresas importantes, tais como
Suerdieck, Coelba, Grupo Banco Econômico (gerente de marketing turístico)
e Telebahia (assessor de comunicação social). Na Bahiatursa, órgão oficial do
turismo baiano, prestou relevantes serviços como gerente do Departamento de
Planejamento (1975/76); como coordenador dos grupos de Articulação Municipal e
de Desenvolvimento Turístico (1986/87); e como gerente de Mercado (2005/2006).
Na primeira vez que trabalhou na Bahiatursa, foi diretor da revista Viverbahia, que
ele reformulou e transformou num veículo de circulação nacional e internacional,
colocando a Bahia em destaque e obtendo premiações no país e no exterior. Na
segunda passagem pela estatal do turismo, coordenou na Bahia a implantação
do primeiro Clube da Terceira Idade. O projeto foi executado em parceria com a
Embratur, fomentadora desses clubes no país com o objetivo principal de motivar
os aposentados a viajar nos períodos da baixa-estação turística. Na última vez que
esteve na Bahiatursa, escreveu o livro Bahia, Terra da Felicidade, obra que resgatou
a história do turismo na Bahia e também da própria Bahiatursa.
Como editor, foi proprietário da SGS, produtora de jornais, revistas, mapas e
guias turísticos, que entre 1979 e 1985 lançou diversos produtos encomendados por
dezenas de municípios baianos. Para a Prefeitura de Alagoinhas criou e comandou
o Alagoinhas Jornal do Município e em Feira de Santana, para o grupo mantenedor
do jornal diário Feira Hoje, implantou e dirigiu a revista Hoje, de circulação mensal
em todo o Estado da Bahia.
Como técnico em marketing, coordenou o setor editorial de duas campanhas
eleitorais, para os poderes executivos em Alagoinhas (PDS) e Cachoeira (PMDB),
ambas em 1982. Na Prefeitura de Salvador foi durante seis anos, de 1997 a 2002,
administrador regional da AR-VII, com área de jurisdição sobre nove bairros, dentre
eles o Rio Vermelho.
No Rio Vermelho, onde reside desde 1958 e pelo qual é um eterno apaixonado,
Ubaldo presidiu a Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho (Amarv)
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por dez anos, a partir da sua fundação, em 1986, quando criou e dirigiu o Jornal
do Rio Vermelho. Atualmente preside a Academia dos Imortais do Rio Vermelho
(Acirv), mantenedora do portal oficial do Rio Vermelho (www.acirv.org). Foi um dos
fundadores do jornal Folha do Rio Vermelho, que se encontra sendo editado pela
Central das Entidades do Rio Vermelho, da qual é um dos diretores.
Fora do Rio Vermelho, dentre outras entidades que integra, é membro da
Associação Comercial da Bahia, fundada em 15 de julho de 1811, do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, fundado em 13 de maio de 1894, e do Instituto
Genealógico da Bahia, fundado em 14 de abril de 1945.
Como escritor, Ubaldo é autor de dezenas de trabalhos centrados nas temáticas
em que é especialista: turismo, cultura, história do Rio Vermelho, biografias familiares
e empresariais. Dos quatorze livros publicados, dez são dedicados ao Rio Vermelho.
Esse quantitativo lhe confere um recorde nacional: é o escritor com o maior número
de obras sobre um único bairro de cidade brasileira.
Com ‘Suerdieck, Epopeia do Gigante’, Ubaldo resgatou a monumental
historiografia da empresa que chegou a ser a maior empregadora de mão-de-obra
e maior pagadora de impostos na Bahia. Uma gigante que muito contribuiu para
disseminar pelo mundo os nomes da Bahia e do Brasil.
São Paulo, julho de 2011
Márcio Santos Souza
Empresário baiano radicado em São Paulo.
Comanda a Make Travel Turismo e Viagens
e a THB Hotéis e Turismo.
No Grupo Bradesco, onde trabalhou mais de 30 anos,
foi Diretor Geral da Bradesco Turismo,
Vice-Presidente da Bradesco Administradora Cartões de Crédito e
Diretor Departamental do Banco Bradesco S.A.
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AGRADECIMENTOS FINAIS DO AUTOR
In Memoriam
José Ruas Boureau e Geraldo Meyer Suerdieck
Agradeço a José Ruas Boureau e Geraldo Meyer Suerdieck, que foram muito
importantes na minha passagem profissional pela Suerdieck e também durante a
elaboração desta obra. Entre eles, encontro-me na fotografia da contracapa.
Em janeiro de 2003, os dois viram este livro concluído e artefinalizado, mas não
alcançaram a publicação.
José Ruas Boureau faleceu em Salvador, no dia 24 de julho de 2006, aos 83 anos,
de enfisema pulmonar, no Hospital da Bahia. Foi sepultado no Cemitério Jardim da
Saudade.
Geraldo Meyer Suerdieck também faleceu em Salvador, no dia 16 de dezembro
de 2009, aos 91 anos, em sua residência, dormindo. Foi sepultado no mausoléu da
família, no Cemitério do Campo Santo.
A Luiz Flores e aos Vereadores de Maragogipe
Após anos de tentativas na busca do patrocínio para viabilizar a publicação
deste livro, numa verdadeira epopeia de frustrações, que daria para escrever
um volumoso livro, eu já havia desistido do projeto da sua impressão gráfica.
Porém, ao conhecer Luiz Carlos Flores Ramos, produtor cultural nascido em
Maragogipe (continuo escrevendo seu nome à moda antiga e mundialmente
consagrada pela Suerdieck, com dois g), as esperanças renasceram, pois ele
abraçou o projeto da impressão e saiu em busca de um patrocinador que não
discriminasse a história do fumo e dos charutos.
O Luiz encontrou no jovem presidente da Câmara Municipal de Maragogipe,
Themístocles Antônio Santos Guerreiro, o Tek de Coqueiros, um entusiasta
com o livro, que imediatamente visualizou a importância da obra. E ele veio me
visitar em Salvador, acompanhado pelos vereadores Antônio Jorge Cerqueira
Malaquias, vice-presidente, Dércio Lima de Souza, 1º secretário, Rosalvo
Sicopira da Silva, 2º secretário, e por Francisco Gomes da Silva Filho, assessor
especial da Câmara.
No encontro que tivemos, recebi o honroso convite para fazer uma palestra
sobre o livro e a história da Suerdieck na Câmara Municipal de Maragogipe,
na sessão do dia 20 de junho de 2011. Encontrei o plenário do histórico Paço
Municipal completamente lotado e a luz verde acesa para a viabilização de
tornar realidade o sonho de ver este livro impresso. A acolhida que me foi
proporcionada pelos nove vereadores que compõem o legislativo municipal
não poderia ter sido melhor.
Salvador, julho de 2011.
Ubaldo Marques Porto Filho
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José Augusto Viana
O autor entre Geraldo Meyer Suerdieck e José Ruas Boureau, em dezembro de 2000.
Val Araújo
ESTE LIVRO É UM MARCO DOS MAIS RELEVANTES,
É UMA REFERÊNCIA OBRIGATÓRIA NA HISTÓRIA
DOS FABRICANTES DE CHARUTOS,
NÃO SOMENTE NA BAHIA E NO BRASIL,
MAS NO CONTEXTO MUNDIAL.
Câmara do Charuto da Bahia
SELO DE QUALIDADE
EDITORIAL
CÂMARA DO CHARUTO DA BAHIA
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