Carregamento Hidrodinâmico Sobre Uma Estrutura Cilíndrica

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Carregamento Hidrodinâmico Sobre Uma Estrutura Cilíndrica
Revista da Engenharia de Instalações no Mar
nº. 01 Jan./Jul. 2008
CARREGAMENTO HIDRODINÂMICO SOBRE UMA ESTRUTURA CILÍNDRICA
ESBELTA PROVENIENTE DE ONDAS E CORRENTES OCEÂNICAS
Flávio Costa Piccinini
Mestre em engenharia oceânica pela FURG,
Prof. da Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora, Macaé, RJ –
[email protected]
RESUMO: A dinâmica da superfície do mar causa esforços significativos sobre as
estruturas offshore. O dimensionamento das forças segue princípios clássicos da mecânica
dos fluidos, como o escoamento ao redor de um cilindro por um fluido com velocidade
constante, no que resulta na força de arrasto. Se acelerado, são induzidas as forças de
inércia. Portanto, estas forças resultam da cinemática da partícula da onda e são calculadas
pela equação de Morison, quando os efeitos de difração podem ser desconsiderados.
Entretanto, a utilização desta equação requer a adoção da correta teoria de onda, entre
outros requisitos. A teoria Linear é a mais simples, porém, está limitada a ondas de pequena
amplitude. No presente exemplo os esforços serão calculados pela teoria de Stokes de 5ª
ordem e pela Linear, com a elevação do limite superior da integração, isto é, no nível da
crista e, por fim uma comparação entre as teorias. Os esforços são relativos a ação de duas
ondas de projeto, de elevada altura, sobre uma hipotética estrutura. Os efeitos das correntes
serão calculados para uma ocorrência independente de ondas.
Palavras-chave: esforços, equação de Morison, ondas oceânicas.
ABSTRACT: The sea surface dynamics causes expressives loads offshore structures. The
estimative of such loads follows classical principles of fluid mechanics, as a steady flow over
a cylinder producing a drag force. If the flow is accelerated, inertial forces take place. Under
the influence of waves, inertial forces are consequence of the fluid element kinematics and
they are computed using Morison Equation, if difraction effects can be neglected. However,
the use of this equation requires a correct wave theory, among other requisites. The linear
theory is the simplest one, but is restricted to low amplitude waves. In this example, loads
were computed using a higher order theory, Stokes 5º, and linear theory with higher superior
limit for integration, that is, the wave crest level. The use of both theories stands for
comparison purpose. The loads are due the action of two design high waves on a
hypothetical structure. The load of the current was computed for an independent occurrence
of waves.
Keywords: loads, Morison’s equation, ocean waves.
INTRODUÇÃO
Uma significativa classe de estruturas em ambiente oceânico é
composta por elementos estruturais com seção transversal circular. Entre os
carregamentos ambientais a que estão expostas, certamente as ações resultantes
do deslocamento de massas d’água, provenientes de ondas e correntes, são as
mais significativas na concepção do projeto. Isso pode ser evidenciado nas
recomendações da DET NORSKE VERITAS, Rules for Offshore Installations [1]:
Todos os fenômenos ambientais relevantes que podem influenciar no
projeto devem ser considerados. Desse modo, como fenômenos devemos
incluir:
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-ventos; ondas; correntes; neve; temperatura, marés; incrustações de
organismos marinhos; terremotos.”
Especificamente, na região central do oceano Atlântico, os ventos, as
correntes oceânicas e as ondas são os eventos ambientais de maior impacto sobre
as estruturas. As correntes e os ventos geram o arrasto. As ondas, além do arrasto,
impõem as forças de inércia.
O estudo destes esforços nos direciona a questões clássicas da
mecânica dos fluidos, mais especificamente requer a análise dos escoamentos
hidrodinâmicos ao redor dos cilindros.
A força do arrasto é resultante da diferença de pressão entre a região
anterior e posterior ao corpo, durante o escoamento. O elevado gradiente de
pressões na camada limite leva à separação do escoamento da superfície do corpo,
isto é, ocorre o desprendimento da camada limite.
Em relação às ondas, o método usual para o cálculo das forças sobre
uma estrutura cilíndrica esbelta foi proposto primeiramente por Morison, Johnson,
O’Brian and Schaaf em 1950, denominado de “Equação de Morison” [2]. Entretanto,
a aplicação dessa equação está restrita a uma estrutura concebida como pequena,
assim considerada quando a relação “diâmetro/comprimento da onda” for menor que
0.2 [3]. Nesse caso, a presença da estrutura não afeta as propriedades da onda e os
efeitos de difração são negligenciados. Por exemplo, uma estrutura com 31 metros
de diâmetro pode ser considerada como pequena para uma onda com 10 segundos
de período. Porém, dois típicos problemas surgem para o emprego da fórmula de
Morison:
O primeiro, a teoria de onda a ser utilizada para a obtenção da
velocidade e aceleração da partícula da onda; e, o segundo, os valores apropriados
para os coeficientes hidrodinâmicos.
Quanto ao primeiro, temos que a teoria adequada é aquela que mais
aproximar o valor calculado ao valor real da cinemática da partícula da onda, ou
seja, da velocidade e aceleração. Entretanto, a bibliografia nos disponibiliza limites
de validação para o uso de uma onda de projeto, por exemplo, os limites sugeridos
por Lê Mehaute (1969) [4].
Já a teoria Linear apresenta o mais simples modelo de formulação de
uma teoria de onda, mas está limitada a uma onda de pequena amplitude [4].
A norma da DNV [1] recomenda que as limitações das teorias de onda
devem ser devidamente consideradas, indicando para as ondas com elevada altura
a teoria de Stokes de 5ª ordem. Entretanto, esta teoria tem solução complexa e é
obtida mediante cálculo computacional.
As típicas ondas oceânicas, no Atlântico, variam o comprimento de 160
a 230 metros, têm períodos de 10 a 12 segundos e a altura das ondas raramente
ultrapassa 10 metros [5]. Na bacia petrolífera de Campos, ondas maiores que 12
metros de altura têm ocorrência de pequena probabilidade, próxima a 3% em um
ano [6].
Quanto à questão dos coeficientes hidrodinâmicos, estes dependem do
Reynolds e do Keulegan-Carpenter e da rugosidade da superfície, [7] mas merecem
um estudo à parte. Tal enfoque não faz parte do presente trabalho, portanto, os
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valores atribuídos foram meramente estimados.
Nesse contexto, este trabalho tem por propósito apresentar o cálculo
dos esforços sobre uma estrutura offshore, destinada ao suporte de um aerogerador,
que está sujeita ao carregamento de uma corrente oceânica e de duas ondas de
projeto em diferentes profundidades, mas em ações distintas, isto é, as velocidades
não serão somadas. Os esforços estão apresentados individualmente.
Portanto, os objetivos deste estudo são os seguintes:
- comparar os resultados da aplicação da teoria de Stokes de 5ª ordem com os da
Linear;
- comparar os valores entre si para as duas ondas de projeto;
- simular os resultados elevando-se o limite de integração pela teoria Linear para o
nível máximo da superfície livre da onda; e
- quantificar o resultante das correntes.
DIMENSIONAMENTO
DOS ESFORÇOS
Figura1. Estrutura offshore
sujeita aos esforços de ondas e correntes.
A estrutura é composta por uma torre de seção circular, com 6m de
m
diâmetro, dimensionada para a fixação de uma60turbina
eólica, hipoteticamente
projetada para duas situações, em uma profundidade com 29 metros e outra com 21
metros, para diferentes ondas de projeto. Os demais dados estão inseridos na
própria figura. Esses esforços têm aplicação no dimensionamento da fundação da
estrutura e no estudo da estabilidade da torre.
2
ONDA: 1 Os resultados apresentados são ONDA:
comparados entre si para as duas
ondas de projeto, além de serem comparadosALTURA:
com os valores
9,37 m obtidos pela teoria
ALTURA:
10,44
m
Linear. São, ainda, analisados em função do domínio de aplicação para as
PERÍODO:
121983).
s
diferentes
teorias
(DS 449
PERÍODO:
12 sde acordo com a Danish Standard
ESFORÇOS
DEVIDOS
CORRENTE
: 2 m/s ÀS CORRENTES
CORRENTE: 2 m/s
O regime de escoamento uniforme ao redor de um cilindro é governado
pelo número de Reynolds, sendo que na maioria dos casos práticos as estruturas
expostasnível
ao max.
ambiente
da onda oceânico estão sujeitas a um número de Reynolds bastante
elevado (Re) >105. Conseqüentemente, significa
que
nível max. da
ondaa intensidade das forças
viscosas, provenientes do escoamento como um todo, são muito pequenas,
nível médio
do mar ficam restritos à
preamar
1.0
podendo ser
desprezadas.
Dessa forma, os efeitos
da viscosidade
0.0
camada-limite, uma fina camada em torno da superfície
-1.0 baixamar
sólida. A partir dessa
consideração, é possível analisar o escoamento considerando o fluido como ideal.
O arrasto é a componente da força hidrodinâmica resultante do
escoamento de um fluido com velocidade
uniforme sobre um corpo [8]. Essa força
6m
21 e
m tem como grandeza total a soma do
29 m
atua paralelamente
à direção do escoamento
arrasto devido à pressão.
fundo do mar
fundo do mar
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y
U0
δ
Camada viscosa
Vorticidade
u
S
Baixa pressão
Camada limite
Separação da camada-limite no ponto S
O arrasto é quantificado pela integração das pressões sobre a
superfície do cilindro para os limites do ângulo de separação.
Fp =
θs
∫
p cos θ rdθ
, onde p é a pressão, θ e r são coordenadas
−θ s
cilíndricas e θ s o ângulo de separação.
Entretanto, para Reynolds elevado o escoamento é complexo e não há
solução analítica para a determinação do ângulo de separação, que varia com a
velocidade e com a rugosidade da superfície. Portanto, a força do arrasto é
calculada com a utilização de um coeficiente obtido experimentalmente, o CD , que é
função do número de Re.
ESFORÇOS DEVIDOS ÀS ONDAS
O carregamento induzido por onda é decorrente das ações das forças
inerciais e das forças de arrasto. A importância relativa dessas forças é função do
número de Reynolds e da relação entre o deslocamento orbital da partícula de fluido
e a dimensão característica do corpo. Esta é resultante da resistência à progressão
acelerada da onda, em decorrência da presença do corpo. A força de inércia é
composta pela força necessária para acelerar o fluido localizado na vizinhança do
corpo, denominada de massa adicional, e pela força de Froude-Krylov, que é a
pressão gerada pelo campo de forças do fluido acelerado.
A importância relativa das forças inerciais é definida pelo número
adimensional Keulegan-Carpenter:
UT
, onde U é a velocidade máxima, T o período do movimento
D
oscilatório e D o diâmetro do cilindro.
KC =
A força das ondas é calculada pela equação de Morison.
proveniente da cinemática da partícula da onda [9].
F=
∂u
∂u
ρ CD Du u + ρ Cm A + ρ A
12 4 2 4 3 1 4 44∂ 2t 4 4 43∂ t
FD
FM
1
É
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o primeiro termo (FD) se refere ao arrasto e o segundo (FM) à soma da força de
Froude-Krylov com a massa adicional.
RESULTADOS
Esforços das correntes: força de arrasto.
FD =
1
2
ρ CD DU 2
Para densidade ρ =1.025 kg/m³, diâmetro D= 6 m; velocidade, U=2 m/s e CD = 0,5,
temos: FD = 6.150 N/m.
Tal força é equivalente a uma força resultante F=178.350N para d=29
m; e F=129.150N para d=21 m. Entretanto, como o regime de escoamento na
esteira é turbulento, a formação e o desprendimento dos vórtices não ocorre
uniformemente ao longo do cilindro, mas em porções, na forma de cogumelos, ou
seja, a força máxima é menor que o somatório das forças unitárias. Essa correção é
realizada a partir de coeficientes experimentais em função do Re, mas foge ao
escopo do presente trabalho.
Esforços de ondas
A utilização da equação de Morison implica na prévia verificação dos
limites de validação da teoria de onda, como já referido. Um dos objetivos do
presente estudo é verificar as distorções entre a teoria Linear e a teoria de Stokes
aplicadas às citadas ondas de projeto.
Na equação de Morison, a força obtida é relativa a um metro de
estrutura, a força total resulta da integração das forças entre os limites do fundo “- d”
à superfície livre “η”
η
F=
∫ (F
D
+ FM )dz
−d
Os resultados podem ser visualizados pelos gráficos das figuras 2 a 5,
para as duas ondas de projeto, cujas curvas estão expressas na aplicação da teoria
de Stokes de 5ª ordem. Desse modo, visualizamos, na figura 2, o perfil da superfície
livre da onda; nas figuras 3 e 4, as velocidades e as acelerações da partícula da
onda no nível médio; na figura 5 o perfil vertical da velocidade para a fase t=0.
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Figura 2. Os gráficos da figura mostram que na aplicação da teoria de Stokes para as duas ondas o nível do mar
possui maior amplitude na crista do que na cava. Por exemplo, para a onda 1 (azul) a amplitude da crista é de 5,78
m e da cava de 4,58 m.
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Figura 3. As curvas de velocidade apresentam resultados relevantes. A principal evidência é que para a onda
2, de menor período e, em menor profundidade a velocidade da partícula é significativamente maior, isto é,
inversamente a altura H, se comparada com a onda 1.
Figura 4. Em relação aos valores da aceleração da partícula, aplica-se o mesmo comentário a respeito das
velocidades. O significativo resultado é que a onda de menor altura e em menor profundidade, curva na cor
vermelha, apresenta os maiores valores de aceleração.
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Figura 5. As curvas mostram os perfis das velocidades das partículas da onda, na fase t=0, da crista até o fundo
(-d). O significativo resultado, já mencionado, é que a onda da curva superior, na cor vermelha, apresenta as
maiores velocidades. Porém, refere-se à onda de menor altura em menor profundidade.
A figura 6, a seguir, apresenta o valor das forças sobre a estrutura,
incluindo-se os resultados obtidos pela teoria Linear. Nesta teoria, a condição de
contorno superior é o nível médio do mar. Desse modo, a contribuição da crista nas
forças é negligenciada, e forças extras, inexistentes, em face da cava, são
introduzidas.
Como meio alternativo se eleva o limite superior da integração para o
valor da amplitude da onda, cujo procedimento está aplicado na citada figura.
As curvas se referem à profundidade de 29 metros, ou seja, para a
onda 1 de projeto, na cor azul. A outra curva se refere à profundidade de 21 metros,
representada pela onda 2, na cor vermelha.
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Figura 6. As curvas fornecem os valores das forças em cada fase da onda. O dado mais relevante se refere à que
a força da onda 2, de menor altura e em menor profundidade, paradoxalmente, exerce a maior força sobre a
estrutura, inversamente com o que ocorre na aplicação da teoria Linear para a quantificação das forças.
A condição superior para a teoria linear é o nível médio do mar. Desse modo, a contribuição da crista nas forças
é negligenciada. No cálculo desta força foi adotado um procedimento alternativo que elevou o limite superior da
integração para o valor da amplitude da onda.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados expressos nos gráficos, pode-se extrair o seguinte:
- A aplicação da teoria de Stokes de 5ª ordem resulta em esforços 70 % superiores
àqueles obtidos pela teoria Linear, mesmo com a elevação do limite de integração.
- Quanto maiores os valores da velocidade e a aceleração da partícula, maior a
discrepância entre as teorias de onda. Portanto, o fator determinante não é a altura
da onda, mas, sim, a cinemática da partícula.
- As máximas forças têm fases aproximadamente coincidentes para as duas teorias.
- Contrariamente à intuição, a onda de menor altura em menor lâmina d’água exerce
uma força ligeiramente maior sobre a estrutura. Tal fato é justificado ao se comparar
os valores da velocidade e da aceleração da partícula da onda, que são maiores
para a onda de menor altura.
- As forças calculadas pela teoria Linear não apresentaram a situação anteriormente
descrita pelo fato de que a diferença entre as velocidades é bem menor, ou seja,
quanto maior a onda em maior lâmina, maior o esforço.
- A força máxima não é dominada pelo arrasto, não ocorre na crista, ou seja, o
diâmetro de 6 metros tem forte influência na inércia. Há um regime intermediário
entre o arrasto e a inércia. Tal fato pode ser analisado pelos baixos valores do
número de Keulegan-Carpenter.
- A teoria Linear apresenta grande distorção quando utilizada para uma onda de
projeto com elevada altura, portanto, não se recomenda a sua utilização para esses
casos.
BIBLIOGRAFIA
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