São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.2 – Inovação Tecnológica
Transcrição
São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.2 – Inovação Tecnológica
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... ANOS 90 uma década perdida para o sistema nacional de inovação brasileiro? ARLINDO VILLASCHI Resumo: O artigo argumenta que a combinação de três fatores contribuiu para o fraco desempenho do sistema brasileiro de inovação nos anos 90, principalmente quando comparado com a de seus principais competidores no mercado globalizado: no domínio econômico, foram baixos os investimentos em áreas onde a incorporação de novos conhecimentos é essencial; no domínio tecnológico, cortes em áreas (educação, P&D, etc.) essenciais para inovações em tempos de economia do aprendizado; no domínio institucional, a adoção da não política industrial/tecnológica como política de desenvolvimento. Palavras-chave: Economia do aprendizado. Sistema de inovação. Política tecnológica. Abstract: The paper argues that the combination of three factors contributed for a poor performance of the Brazilian national system of innovation in the 1990s, specially when compared with it competitors in the global economy: in its economic domain there was not enough productive investment in areas where new knowledge is essential; in the technological domain, curb of expenses in areas (education, R&D, etc. ) which are crucial to innovation at times of the learning economy; and in the institutional domain, the adoption of industrial/technological policies as its policy of economic development. Key words: Learning economy. Systems of innovation. Technological policy. E ste trabalho trata das mudanças estruturais que ocorreram na formação socioeconômica brasileira na década de 90 e de seu impacto sobre os elementos mais importantes do sistema nacional de inovação brasileiro – SNIB. Seguindo uma tradição que começou com Freeman (1987) e Andersen e Lundvall (1988), destacam-se neste estudo as interações entre os atores econômicos, sociais e políticos que fortalecem ou restringem suas capacidades de aprendizado e pesquisa e, como resultado, aumentam ou inibem o desenvolvimento, a divulgação e o uso de inovações em uma determinada nação. Apesar da nova estrutura dessas interações em uma era de relações cada vez mais intensas em escala mundial, dáse ênfase à dimensão nacional a fim de se captar a referência espaço-institucional das trocas focadas nos proces- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 sos de aprendizado que levam à inovação e aumentam ou inibem a competitividade das empresas e as capacitações sociais. O caso brasileiro é peculiar no sentido de que a maioria das mudanças em sua estrutura institucional e econômica (privatização, liberalização, mudança na participação acionária de importantes empresas que alteraram sua condição de local para estrangeira, etc.) na década de 90 não levou em conta as transformações radicais que estavam ocorrendo na base tecnológica do desenvolvimento mundial – ou seja, as mudanças associadas ao paradigma técnico-econômico – PTE das tecnologias da informação e das comunicações – TICs (FREEMAN; PEREZ, 1988). Assim, são revistos alguns dos elementos dinâmicos do SNIB identificados nos anos 80 por Villaschi (1992). Na época, o papel desempenhado pelas empresas estatais e 3 ARLINDO VILLASCHI das por Villaschi (1992) para examinar suas principais características nos anos 80. Portanto, o SNIB é visto aqui de uma maneira que responde às características básicas identificadas por Edquist (2001). Primeiro, ele consiste de alguns tipos de componentes e das relações existentes entre eles. Segundo, o motivo da escolha de uma série de componentes (tecnológicos, econômicos e institucionais) e relações (em especial as que não são mediadas pelo mercado) são os indícios de que eles formam um todo. Terceiro, esses componentes e suas relações são escolhidos com vistas a facilitar a caracterização do sistema em relação ao resto do mundo – isto é, deve ser possível identificar as fronteiras do sistema. Ou seja, pelo menos um ator do processo de aprendizado, pesquisa, inovação e produção está dentro das fronteiras geopolíticas do país. A próxima seção apresenta a estrutura analítica utilizada na avaliação do SNIB, baseada: - nas contribuições de Freeman (1988) e Lundvall (1988) relativas à abordagem do SNI e nas críticas a ela feitas por Edquist (2001); pelos laboratórios de pesquisa públicos em áreas que estavam no cerne do PTE da TIC e a maneira como a tripla aliança entre empresas locais, estrangeiras e estatais vinha funcionando poderiam ser uma indicação positiva de possibilidades para o SNIB aproveitar algumas ‘janelas de oportunidades’ que estavam sendo abertas pelo emergente PTE. Além disso, essas oportunidades pareciam ser apoiadas pelas mudanças institucionais promovidas pelo incremento da participação social subjacente à Constituição de 1988. Após aproximadamente uma década, o presente trabalho mostra que algumas dessas indicações falharam e não se cumpriram as expectativas levantadas pelo estudo anterior. Muito embora a economia tenha superado o problema histórico da instabilidade de preços, o desempenho do investimento foi fraco na década de 90, e a liberalização do comércio e o fluxo de capitais não trouxeram investimentos externos produtivos para áreas em que novos conhecimentos são essenciais. No domínio tecnológico, o compromisso político com o déficit público tem implicado corte nos gastos em áreas cruciais para a inovação em tempos de aprendizado econômico – educação, pesquisa e desenvolvimento (P&D), etc. Ademais, no domínio institucional, uma forte crença nas forças do mercado por parte das autoridades governamentais levou o país à adoção de “não-políticas” industriais e tecnológicas como sua política de desenvolvimento econômico. Este artigo, portanto, reforça o que é ressaltado pela literatura neo-schumpeteriana, ou seja, que os rumos emergentes de um PTE são, raramente, dirigidos ‘naturalmente’ pelas forças do mercado. Fatores tecnológicos, econômicos e sociopolíticos são muito importantes na formação das trajetórias e na determinação do modo como a nova base tecnológica para o desenvolvimento mundial evolui nos diferentes países. Essas trajetórias são formadas por um processo de seleção que ocorre pela interação de forças econômicas, políticas e sociais e de recursos científicos, tecnológicos, inovadores e industriais locais. Como os atores econômicos, sociais e políticos que constituem um sistema nacional de inovação – SNI não respondem a uma lógica única e as diversas lógicas a que eles respondem não são necessariamente convergentes, os elementos do SNIB destacados serão divididos em três domínios auto-regulados (tecnológico, econômico e institucional), que operam de acordo com as hipóteses estabelecidas por Dosi (1984) e posteriormente utiliza- - nos trabalhos de Freeman e Perez (1988), Freeman e Louçã (2001), Castells (2000) e Tuomi (2001) sobre o paradigma técnico-econômico corrente; - nas formulações de Johnson e Lundvall (2001), Nonaka e Takeuchi (1995) e Kuusi (1999) relativas a conhecimento e aprendizado; - nas análises das instituições e capacidades sociais elaboradas por Hämäläinen (1999) e Perez (1997). A seção seguinte trata dos elementos dos campos tecnológico, econômico e institucional do SNIB na década de 90. Dá-se especial atenção: à redução de recursos disponíveis para o ensino e a pesquisa em universidades públicas do país; à debilidade da política econômica nos aspectos da estabilidade e flexibilidade necessárias para que o país desempenhasse um papel relevante no PTE da TIC e à estratégia defensiva com relação à inovação usada por empresas, mesmo em se tratando daquelas localizadas nas regiões mais desenvolvidas do país. Diante das indicações de que os anos 90 foram uma década em que o SNIB funcionou sob pesadas restrições, a última seção lida com questões prioritárias na agenda dos países que desejam desempenhar um papel mais ativo no fluxo mundial de bens e serviços intensivos em conhecimento, e que também devem tornar-se parte do debate público e da elaboração de políticas no Brasil. 4 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... ESTRUTURA ANALÍTICA teúdo de cada domínio moldam e restringem seu impacto individual e as interações entre eles, de maneira que suas retroalimentações funcionais podem tornar possíveis ‘círculos virtuosos’ quanto ‘desajustes’; Abordagem de Sistema de Inovação A tradição iniciada com Freeman (1987) e Andersen e Lundvall (1988) ressalta as diferenças no ritmo em que os países exploram as possibilidades oferecidas pelo hiato tecnológico que se abre especialmente em tempos de mudança do paradigma técnico-econômico ou das trajetórias tecnológicas (FREEMAN; PEREZ, 1988). Essas diferenças são vistas como dependentes da capacidade de cada país de mobilizar recursos políticos e financeiros para transformar as estruturas tecnológicas, institucionais e econômicas que englobam seu sistema nacional de inovação – SNI.1 Como é ressaltado na literatura neo-schumpeteriana, as trajetórias emergentes de um PTE são raramente movidas ‘naturalmente’ por fatores endógenos científicos e tecnológicos. Os fatores econômicos e sociopolíticos são muito importantes na formação das trajetórias e na determinação da maneira como uma nova base tecnológica para o desenvolvimento mundial se desdobra em diferentes países. Um processo de seleção ocorre, então, mediante a interação de forças econômicas, políticas e sociais e de recursos científicos, tecnológicos, inovadores e industriais locais. Para captar as principais características da interação que ocorre em qualquer país, o SNI deve ser visto de dois ângulos interconectados e, ao mesmo tempo, opostos. O primeiro é o do conteúdo ‘desequilibrador’ das forças que interagem dentro dele. Isso acontece porque as mudanças e transformações são, por natureza, forças não-equilibradoras. O segundo ângulo sob o qual o SNI deve ser visto é o das forças que mantêm relativamente ordenadas as configurações do sistema e permitem uma ampla coerência entre suas condições de reprodução material. Como os atores econômicos, sociais e políticos que compreendem um SNI não respondem a uma lógica única e as diferentes lógicas a que cada um responde não são necessariamente convergentes, os elementos do SNIB aqui destacados serão divididos em três domínios autoregulados (tecnológico, econômico e institucional), que operam de acordo com as seguintes hipóteses (DOSI, 1984): - independentemente das poderosas interações entre eles, cada um dos três domínios tem uma dinâmica e um conteúdo próprios. As especificidades da dinâmica e do con- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 - os ‘mundos possíveis’ são limitados pelo número de configurações em que os três domínios podem operar de maneira relativamente ‘bem regulada’ e harmoniosa; - os desequilíbrios ou ‘desajustes’ entre os três domínios não levam necessariamente a mudanças em outras configurações mais equilibradas ou ‘mais harmoniosas’; - a adaptabilidade do sistema tecnológico para um dado ambiente econômico e social é confinada e limitada. Inversamente, um conjunto relativamente limitado de condições macroeconômicas e relações sociais é ‘dado’ em cada estágio do ‘domínio tecnológico’. O Paradigma Técnico-Econômico – PTE das TICs como Base para o Desenvolvimento Mundial Muito embora se reconheça a importância dos outros três ‘níveis’ de inovação propostos por Freeman e Perez (1988) – mudanças incrementais e radicais do sistema de tecnologia –, a principal preocupação aqui será com as mudanças tecnológicas revolucionárias. Dois aspectos dessas transformações merecem ser destacados: primeiro, a sua difundida aplicação e a drástica redução nos custos de muitos produtos e serviços; e, segundo, a importância de se prestar atenção na aceitabilidade social e política das revoluções tecnológicas. Isso pode levar mais tempo do que aquele necessário para a percepção das vantagens técnicas da inovação e da sua economicidade. Por isso, em muitos casos, essa receptividade deve ser expressa em mudanças legislativas, educacionais e de regulação de processos econômicos, sociais e políticos. Assim, o conceito de PTE de Freeman e Perez (1988) é uma boa aproximação da elaboração de Kuhn, porque eles relacionam o paradigma tecnológico não apenas a um ramo setorial particular, mas às tendências amplas da economia. Além disso, juntam a inadequação das instituições ao pleno desenvolvimento de uma revolução tecnológica e ao estado de crise que, mais cedo ou mais tarde, emerge da diminuição de seu caráter revolucionário. Ou seja, eles dão algum conteúdo real à noção de ‘sucessivas revoluções industriais’, interpretando as ondas de Kondratiev como graus crescentes de ajustes entre o sistema técnico-econômico e a estrutura socioinstitucional em expansão, seguidos de 5 ARLINDO VILLASCHI graus crescentes de desajustes entre esses subsistemas à beira do colapso. Ademais, ao romper com os diferentes graus de determinismo econômico monocausal, a abordagem do PTE pode ser vista como um importante movimento em direção a uma teoria unificada de crescimento, crise e mudança. Essa abordagem heterodoxa parece mais adequada que o círculo vicioso das atuais ciências sociais, em que, de um lado, os sociólogos e cientistas políticos tentam explicar as fracas motivações sociais, a apatia e a crise política em termos de tendências econômicas e, de outro, os economistas tentam explicar as tendências da crise econômica como o resultado da politização da economia em relação a motivações e incentivos. Esse tratamento heterodoxo torna-se ainda mais importante quando se deseja lidar com a mudança contínua no PTE. Mesmo que seja possível remontar a suas raízes científicas e tecnológicas no século XVII,2 o PTE das tecnologias da informação e das comunicações somente se tornou parte da agenda econômica depois de 1970. Além disso, suas implicações institucionais somente chegaram ao debate público na década de 90. Independentemente de quando cada uma dessas três dimensões do PTE das TICs aflorou no debate acadêmico ou público,3 o que importa é ter em mente que se deve evitar a armadilha do determinismo do fator único, qualquer que seja ele – cultural, econômico, político, científico ou tecnológico (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001).4 QUADRO 1 Mudanças no Paradigma Técnico-Econômico: da Energia Barata ao Chip Fordista (antigo) TICs (novo) Características tecnológicas Funcionalidade e “melhores” produtos Conectividade local-a-local As pessoas vistas como usuários, consumidores, trabalhadores Conhecimento e comunicação vinculados com a mente humana Conectividade pessoa-a-pessoa Sustentabilidade pessoal, física e psicológica Características econômicas Intensivo em energia Projetos e engenharia em escritórios de desenho Projeto e produção seqüencial Automação Empresa única Produto com serviço Centralização Habilidades especializadas Intensivo em informações Projetos auxiliados por computador Engenharia simultânea Sistematização Redes Serviço com produto Informação distribuída Múltiplas habilidades Características institucionais Controle e, às vezes, propriedade do governo Informações, coordenação e regulamentação do governo Visão Regulamentação da infra-estrutura estratégica das TICs Multipolaridade – blocos regionais Problemas de desenvolvimento de instituições internacionais (FMI, Banco Mundial, etc.) apropriadas capazes de regular as finanças globais Planejamento Estado do bem-estar e Estado bélico Pax Americana – predomínio econômico e militar dos EUA Dominação americana dos regimes financeiro e comercial internacionais Fonte: Adaptado de Freeman e Perez (1988); Freeman e Louçã (2001) e Tuomi (2001). 6 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... rar e comunicar-se com tipos diferentes de pessoas e especialistas.6 Os estudiosos destacam, adicionalmente, que é mínimo o conhecimento perfeitamente público. Mesmo informações do tipo know-what podem não estar disponíveis para os que não estão conectados às comunicações ou redes sociais certas.7 Se os conhecimentos científicos ou de outros tipos complexos se tornassem perfeitamente acessíveis, ainda assim, para acessá-los, o usuário precisaria investir no fortalecimento de capacidades de absorção. Assim: - apesar de a tecnologia da informação ter ampliado enormemente a disponibilidade de informações para os agentes individuais, o know-what cada vez mais depende da escolha do que é relevante. Mesmo com os mais recentes avanços nessa área, o acesso a esse tipo de conhecimento está ainda longe de ser perfeito, e o meio mais eficaz de obter os fatos pertinentes pode ser por meio do know-who – isto é, o contato com um excelente especialista na área para conseguir orientação sobre onde procurar informações específicas; Por esse motivo, aqui se dispensa ênfase especial a duas características da era emergente que são reconhecidas como relevantes por todos os que estão preocupados com suas oportunidades e limitações: conhecimento e instituições. Ressalte-se, portanto, que a grande diferença entre as ondas/revoluções/sociedades/gerações anteriores e a atual reside no fato de que hoje existem formas novas e mais rápidas e conteúdos diferentes (sociais, políticos, econômicos, etc.) para a coleta, o tratamento, a transmissão e o recebimento de todos os tipos de informações de qualquer lugar e para todos os lugares. Informação, Conhecimento e Aprendizado A economia moderna está mais do que nunca consciente da importância do conhecimento e do aprendizado. No campo dos estudos da inovação e das mudanças tecnológicas, Nelson e Winter (1982), por exemplo, têm feito amplo uso da distinção entre conhecimento tácito e codificado; Arrow (1962), Rosenberg (1976) e Lundvall (1985) levantam questões específicas relativas ao aprendizado e à inovação. A maior diferença entre essas contribuições é que, enquanto os dois primeiros estão mais interessados no aprendizado dentro da empresa (por meio do fazer e do usar, respectivamente), o aprendizado por interação de Lundvall leva à vanguarda da discussão capacitações inovativas que emergem quando usuários e produtores de inovações buscam juntos novos produtos ou processos. Todavia, o entendimento acerca de conhecimento e aprendizado permanece ainda estreito, apesar das novas percepções que surgem de programas de pesquisas históricas e empíricas sobre economia institucional, economia evolucionária, pesquisa socioeconômica e economia da inovação.5 Deve-se creditar a esses programas o domínio maior que hoje temos sobre como a inovação acontece em diferentes partes da economia. Mas, quando se vai ao outro aspecto da produção de conhecimento, isto é, ao fortalecimento da competência, do aprendizado e da intermediação de conhecimento, somente agora a pesquisa está começando a levantar questões fundamentais sobre quem aprende o quê e como o aprendizado ocorre no contexto do desenvolvimento econômico (JOHNSON; LUNDVALL, 2001). Para facilitar o entendimento dessas questões, Johnson e Lundvall (2001) as dividem em quatro categorias. O conhecimento individual consiste de know-what (fatos), know-why (princípios), know-how (habilidades) e knowwho. Este último refere-se a informações sobre quem sabe o quê e quem sabe o que fazer e à capacidade para coope- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 - o trabalho científico visa produzir um modelo teórico do tipo know-why, e parte desse trabalho é tornado de domínio público. Isso, porém, não significa acesso público, uma vez que, com freqüência, são necessários substanciais investimentos em aprendizado para que as informações disponíveis na Internet ou em outros meios façam algum sentido. Novamente, o know-who, direcionado para o mundo acadêmico, pode ajudar o diletante a obter uma “tradução” para algo de mais fácil compreensão.8 Esta é uma das fortes motivações para a presença de empresas em ambientes acadêmicos e, às vezes, até mesmo de seu engajamento em pesquisa básica. Algumas grandes firmas contribuem para a pesquisa básica e tendem a assumir funções de universidades técnicas. No entanto, essa estreita conexão entre a ciência e a exploração de novas idéias pelas empresas, em campos como a biotecnologia, pode comprometer o intercâmbio aberto que deve caracterizar a produção do conhecimento acadêmico;9 - em campos com intensa concorrência tecnológica, as soluções técnicas, com freqüência, passam à frente do know-why acadêmico. Esse é o caso quando a tecnologia pode resolver problemas de exercício de funções sem um entendimento científico claro do porquê. Aqui, conhecimento é mais know-how do que know-why. Depois de tratar essas diferentes formas e conteúdos de conhecimento e suas fronteiras públicas/privadas in- 7 ARLINDO VILLASCHI Em todos os casos apresentados por Johnson e Lundvall (2001), fica bastante claro que, em tempos de mudança do PTE, toda tentativa de corte entre conhecimento tácito e codificado (ou codificável) é infrutífera. Por isso, torna-se cada vez mais importante compreender como essas duas formas de conhecimento podem estabelecer círculos virtuosos de complementaridades. O modelo SECI (socialização-externalização-combinação-internalização), proposto por Nonaka e Takeuchi (1995), baseia-se na idéia de que o conhecimento é criado em um processo contínuo no qual a socialização do saber tácito e não-articulado o transforma em algo que pode ser transferido ou codificado. A combinação de diferentes cognições externalizadas aumenta o conhecimento tácito, que é internalizado nos indivíduos ou nas organizações participantes. Um círculo virtuoso é estabelecido quando o novo conhecimento tácito é socializado. Como, em muitos casos, os círculos virtuosos não ocorrem como resultado de ambientes formais, mas provêm de redes informais, deve-se dar mais atenção às comunidades de aprendizado, cujo conceito envolve a maneira como atores e instituições básicas interagem na implementação de diferentes tipos de redes. As funções que definem uma comunidade de aprendizado são a gestão de seu conhecimento comum ou as atividades de logística do conhecimento que resultam na adoção ou na produção de inovações (KUUSI, 1999). A análise desse modelo é um forte argumento para o alerta de Johnson e Lundvall (2001) sobre a necessidade de um melhor entendimento das conexões entre as diferentes formas de conhecimento, seu conteúdo público/privado e as diferentes formas de sua mediação. Também serve para o fortalecimento das possíveis implicações do contexto em que se dá a geração do conhecimento tácito. Em outras palavras, é preciso definidas, Johnson e Lundvall (2001) abordam outra questão fundamental, especialmente no que tange a produção, circulação e distribuição de conhecimento – isto é, como seus diferentes aspectos podem ser mediados. A esse respeito, eles acrescentam: - como o conhecimento tácito na forma de know-how ou competência não pode ser separado da pessoa ou organização que o contém, a mediação pode tomar a forma de compra dos serviços prestados pela pessoa ou empresa em detrimento da aquisição da competência. A importância desse tipo de mediação (e dos problemas envolvidos) pode ser observada na crescente relevância que os serviços empresariais intensivos em conhecimento (mencionados na literatura internacional como kibs) vêm adquirindo; - o conhecimento tácito também pode ser mediado pelo aprendizado interativo entre quem dele precisa e seu portador. Essa pode ser uma escolha consciente – por exemplo, quando um aprendiz entra em contato com um mestre – ou pode ser um subproduto da cooperação entre pessoas e organizações para resolver problemas compartilhados. A mediação do conhecimento não é necessariamente mais fácil quando seu conteúdo pode ser explicitado e separado de seu portador. De um lado, a determinação do valor das informações para o usuário antes da transação não é sempre uma tarefa fácil; por motivos óbvios, o usuário deseja saber algo com antecedência sobre o conhecimento e o vendedor não deseja dar informações gratuitamente. Por outro lado, é difícil tanto para o vendedor restringir o uso das informações depois que elas foram vendidas como para o comprador impedir sua posterior distribuição pelo vendedor. Em todo caso, a importância dos gastos em P&D tem aumentado como um meio de facilitação da mediação do conhecimento. De um lado, isso acontece porque até mesmo para a engenharia reversa se requer um mínimo de competência científica, cuja aquisição exige investimento em P&D. De outro, como o ritmo da mudança e a complexidade do conhecimento têm crescido de maneira muito rápida, nenhuma organização sozinha pode dominar todos os elementos da base de conhecimento. É importante observar que, mesmo quando a cognição é incorporada a produtos, pode ser necessário algum tipo de mediação para a transferência de conhecimento tácito, a fim de que ele possa ser pleno ou adequadamente usado. Esse é o motivo pelo qual os fornecedores de equipamentos para processos complexos podem oferecer treinamento ao cliente.10 pensar mais e com maior cuidado sobre como o conhecimento tácito e o contexto são produzidos para podermos dizer algo inteligente sobre as condições em que o conhecimento tácito possa ser o mais prontamente possível compartilhado – ou seja, quando a ‘proximidade’ é importante: que tipos e por quê (GERTLER, 2001, p. 17, tradução nossa). Instituições e Capacidades Sociais Regidas tanto por restrições informais (tabus, sanções, costumes, tradições e códigos de conduta) quanto por re- 8 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... gras formais (constituições, leis, direitos de propriedade), as instituições, de maneira geral, “são restrições criadas pelo homem que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais” (NORTH, 1991, p. 97). Elas têm, como característica fundamental, seus dispositivos de informação elaborados para diminuir as incertezas. Ao diminuir o volume das informações necessárias para a ação individual e coletiva, as instituições tornam a sociedade possível e constituem sua pedra fundamental. Do ponto de vista econômico, a tradição institucionalista tem ressaltado as dimensões de tempo e local que caracterizam as regularidades do comportamento social. O comportamento econômico foi instituído, então, não por força de características humanas universais, mas por um processo cultural. Em um mundo caracterizado por atividades inovadoras (centradas em diferentes formas e conteúdos de conhecimento adquiridos de fontes e por meios de aprendizado diversos), a incerteza é um aspecto importante da vida econômica e a existência de ambientes institucionais em diferentes níveis (de uma empresa específica, de um grupo de empresas ou de um país) tornase um dos componentes centrais de um sistema de inovação. Com essas configurações, não surpreende que em todas as abordagens mencionadas anteriormente as instituições apareçam como um elemento-chave a ser considerado. Como Freeman e Perez (1988) ressaltaram, em tempos de mudança dos PTEs, a antiga estrutura institucional sempre enfrenta novos desafios. Os recursos, as tecnologias, os arranjos organizacionais e as estruturas de mercado essenciais do novo paradigma não podem alcançar seu pleno desenvolvimento dentro da antiga estrutura institucional. Não houvesse outra razão, o antigo ambiente institucional foi desenhado (formal ou informalmente) para combinar as necessidades e preferências sociais, econômicas e tecnológicas de seu tempo. Da mesma forma, à medida que surgem novas demandas, um novo ambiente institucional deve se instalar para evitar a perpetuação do desajuste entre os diferentes domínios descritos acima. Esse desacordo pode ser visto sob a perspectiva da maneira como os agentes (indivíduos, grupos, organizações) percebem as mudanças que estão ocorrendo. Segundo Hämäläinen (1999): - alguns desenvolvem uma atitude que reflete melhor as novas realidades técnico-econômicas do mundo, mas estão insatisfeitos com a lentidão do ajuste das normas sociais, das instituições formais e do comportamento coletivo; SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 - outros estão satisfeitos com seu antigo paradigma mental, mas não com a maneira como a economia e as tecnologias estão mudando o mundo ao seu redor; - outros, ainda, sentem as perdas da rápida mudança estrutural ocasionadas pela mudança de PTE, mas não conseguem compreender o que aconteceu de errado com a sociedade; - também existem os que percebem que as mudanças são inevitáveis, mas, devido a interesses adquiridos no antigo paradigma (normalmente, ligados a capital humano e patrimônio físico), expressam seus protestos contra as possíveis mudanças. Devido a tais percepções e comportamentos distintos, Perez (2002) observa que: - a longa fase de transição entre os antigos e novos paradigmas socioinstitucionais tende a ser um período turbulento de crescimento das tensões sociais, intensificação do fundamentalismo moral e religioso, proliferação de novos clãs e movimentos extremistas, surgimento de lideranças fortes com ideologias simples e, até mesmo, de guerras e revoluções;11 - o ajuste da estrutura jurídica e reguladora da sociedade12 pode ser um processo muito lento devido à resistência de numerosos grupos de interesses especiais e à natureza complexa do processo político; - o processo de ajuste institucional influencia o comportamento coletivo. As organizações do setor público e os antigos grupos de interesses especiais tendem a ser os últimos redutos do antigo arranjo institucional, pois não enfrentam concorrência direta e têm um forte interesse na manutenção do antigo regime. Por ora, deve ficar claro que um sistema de inovação não pode depender somente das relações econômicas que podem ser mediadas pelo mercado ou cuja governança pode estar a cargo de hierarquias. No nível das diferentes redes sociais e econômicas, deve-se tentar quantificar essas relações por meio da decomposição do capital social em três fatores: interação social, confiança e qualidade da informação (ALI-YRKKÖ, 2001). Segundo Coleman (2000), os atributos/capacidades sociais podem ser compreendidos como relações institucionais entre pessoas. Putman (1993) relaciona-os com as redes sociais, as normas da sociedade e a confiança. E, usandose a contribuição de Fukyama (1995), pode-se argumentar que os atributos/capacidades sociais incluem a capacidade das pessoas de trabalhar entre si para o bem comum. 9 ARLINDO VILLASCHI para a melhor inserção do país nas formas e nos conteúdos novos da economia mundial. Qualquer que seja o nível em que se deseje entender o bem comum, essas capacidades sociais são de fundamental importância para que um SNI possa lidar adequadamente com os desafios científicos, tecnológicos, econômicos e institucionais e aproveitar plenamente as vantagens das janelas de oportunidades que emergem em tempos de mudança do PTE (PEREZ; SOETE, 1988). Essa posição ganha ainda mais força quando se considera que as sociedades diferem no tocante ao capital social acumulado, e que este tem um impacto sobre sua capacidade de produção de capital intelectual e de engajamento em atividades de inovação (SCHIENSTOCK; HÄMÄLÄINEN, 2001). Domínio Econômico O impacto das mudanças na política econômica, ocorridas no Brasil na década de 90, é ainda uma questão sujeita a longas discussões. As políticas macroeconômicas para estabilizar os preços e promover reformas estruturais, seguindo as prescrições do Consenso de Washington, supostamente criariam um círculo virtuoso de ganhos em competitividade após a fase de reestruturação por meio da liberalização do comércio, desregulamentação e privatização de empresas estatais, porém, isso não pode ser dado como certo para todas as atividades econômicas do país. Como Coutinho (2003) mostra: - o Plano Real para a estabilização econômica do Brasil tinha taxas de juros muito altas, o que resultou em sobrevalorização da taxa de câmbio logo em seu início; Características do SNIB na Década de 90 Diante das características do paradigma técnico-econômico – PTE corrente indicadas na seção anterior e da formação socioeconômica brasileira, duas dificuldades surgem com respeito à análise do SNIB. A primeira relaciona-se com a imprecisão das fronteiras existentes entre os domínios tecnológico, econômico e institucional em tempos de mudança nos paradigmas. A importância aqui atribuída às interações inovadoras que ocorrem entre os diferentes agentes dificulta a tarefa de encaixar cada uma delas, de forma coerente, em um desses três domínios. Por esse motivo, é inevitável um certo grau de arbitrariedade na decisão sobre o domínio no qual considerar os elementos dos processos de pesquisa e aprendizado que ocorrem no sistema. A segunda dificuldade de análise do SNIB diz respeito aos elementos a serem considerados. Como a abordagem do aprendizado empregada tem estreita relação com uma perspectiva evolucionária sob a qual a mudança tecnológica corresponde a uma seqüência de eventos em aberto, uma característica importante dos elementos é sua contribuição à diversidade e complexidade do sistema. Ademais, o entendimento mais amplo da inovação no âmbito do conceito do PTE e da abordagem do SNI implica que se deva dar atenção não só aos fatores orientados para o setor econômico, como para a diversidade de produtos, os padrões de produção e do comércio, mas também à diversidade institucional que pode afetar as capacidades de pesquisa e aprendizado do SNI. Dito isso, a escolha dos elementos a serem usados na caracterização do SNIB na década de 90 recairá sobre aqueles que são vistos como indicadores de uma resposta positiva às características do PTE corrente ou de uma restrição ao SNIB no desempenho de um papel mais ativo - a estabilização baseou-se em uma taxa de câmbio substancialmente sobrevalorizada, com preços altos e não facilmente reversíveis – levando a um aumento estrutural nas importações e uma desaceleração no crescimento das exportações; - as indústrias locais aderiram progressivamente às máquinas e aos equipamentos importados, tornados irresistivelmente baratos devido à sobrevalorização da taxa de câmbio em relação aos insumos fabricados internamente; - a parcela de importações na composição do suprimento do país aumentou e, em muitos casos, aniquilou a produção interna, levando à contração de uma porção significativa da indústria local; - a persistente vulnerabilidade financeira das empresas de capital brasileiro foi o preço pago por custos de capital muito elevados; - fraco desempenho competitivo, com destacada fragilidade do comércio, em todos os setores de alto valor agregado e alto conteúdo tecnológico. Somente os setores de commodities se mantiveram competitivos no plano internacional, com produção em grande escala e baixo valor agregado, principalmente aqueles que utilizam matéria-prima e insumos agrícolas e/ou são intensivos em energia; - freqüentes perdas da propriedade nacional em muitos setores,13 debilidade e tamanho reduzido dos grupos em- 10 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... presariais brasileiros restantes, tornando quase impossível sua participação como atores no plano mundial; pendente para desempenhar atividades de projeto nem que sejam, ao mesmo tempo, capazes de resolver problemas em conjunto com a montadora; - presença crescente de investidores estrangeiros em todos os setores dinâmicos com atividades de alto valor agregado. 14 É digno de nota que o investimento estrangeiro direto chegou para dominar importantes setores de serviços e infra-estrutura que são não-comercializáveis e, portanto, estão indisponíveis para exportação; - existem indícios de falta de cooperação entre as empresas concorrentes, entre os fornecedores de segundo e terceiro escalões e entre eles e os fornecedores de matériasprimas e equipamentos. Somente dois aspectos da cooperação parecem ter aumentado de intensidade: o intercâmbio de informações e testes para o desenvolvimento e a melhoria de produtos. Essa maior cooperação parece estar relacionada com a busca da qualidade nos insumos, equipamentos e pessoal (por meio de treinamento); - os grupos empresariais de capital brasileiro retiveram a hegemonia nos setores industriais de baixo valor agregado (commodities, como minerais não-metálicos, mineração, papel e polpa, aços e metalurgia) e não-comerciáveis (construção e moradia, serviços de transporte). - as atividades de P&D quase desapareceram nesse setor na região: somente 18 fornecedores da Fiat têm patentes registradas no Brasil. Em 2000, o total de patentes era de 87, em sua maioria de conteúdo simples; antes da liberalização econômica e da emergência do carro global, o Departamento de Engenharia da Fiat em Minas Gerais empregava quase 400 pessoas. Em 2000, o departamento tinha encolhido para menos de 100 funcionários; Nessas circunstâncias, não devem surpreender os efeitos negativos do regime macroeconômico da década de 90 sobre o domínio econômico do SNIB. Dois estudos empíricos comprovam isso em conexão com a estrutura, estabelecida na seção anterior, de cooperação, aprendizado e capacidades de inovação incorporadas. O primeiro é o trabalho de Lemos et al. (2003) sobre as capacidades inovadoras da rede de fornecedores da Fiat em Minas Gerais. Ele mostra que: - em contraste com a ‘mineirização’ da indústria de autopeças, lançada pela Fiat em 1986, ao longo de toda a década de 90 houve uma crescente ‘italianização’ da indústria de autopeças em Minas Gerais. Isso aconteceu porque a Fiat estimulou a entrada de fornecedores com os quais ela se relacionava há muito tempo na Itália. Como resultado, em uma amostra de 42 fornecedores dessa empresa entrevistados em 1994, 81% eram nacionais; em outra amostra, de 20 entrevistados em 2000, 60% eram empresas subsidiárias de fornecedores globais; - o fato de os principais laboratórios de P&D estarem fora do país é decisivo para a baixa interação entre os agentes com respeito ao desenvolvimento de capacidades tecnológicas. Além disso, a debilidade dos mecanismos de transferência de tecnologia entre setores ou intra-setorialmente, vertical ou horizontalmente, tem comprometido a intensidade de efeitos benéficos e a sua difusão. O segundo estudo que mostra os efeitos negativos do regime macroeconômico da década de 90 (SZAPIRO, 2003) traz dados do setor de telecomunicação, o qual está no cerne do PTE das TICs, e foi muito elogiado como uma história de sucesso do SNIB nos anos 80 (HOBDAY, 1990; PESSINI, 1986). Ele mostra que - apesar da boa disponibilidade de grupos locais de pesquisa em engenharia mecânica, a interação entre eles e a cadeia de suprimento local da Fiat é muito fraca. Um bom motivo para isso pode estar no fato de que cerca de 60% dos entrevistados na pesquisa supracitada consideram seus laboratórios de P&D in-house fora do país como a principal fonte de informações relacionadas com atividades inovadoras; as reformas estruturais da década de 1990 provocaram grande confusão no arranjo de Campinas, eliminando empresas e abolindo vínculos cooperativos entre instituições. Como conseqüência desses problemas, os processos de aprendizado acumulado no passado foram colocados em risco. Existem sérias dúvidas quanto à possibilidade de manutenção do desenvolvimento da tecnologia local. Os processos de liberalização do comércio e a desregulamentação promoveram, assim, desarticulação e destruição de ativos intangíveis de empresas e instituições, afetando profundamente suas competências básicas (SZAPIRO, 2003, p. 496, tradução nossa). - as atividades de co-projetos são praticamente inexistentes no Brasil, exceto nos casos em que a adaptação do componente às condições locais é necessária. Por isso, é muito baixa a difusão dos efeitos benéficos (spill-over) para o sistema local de inovação, uma vez que não se espera que os fornecedores locais tenham capacidade inde- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 11 ARLINDO VILLASCHI Quanto à liberalização do comércio, a autora comenta que, embora não tenha provocado mudanças importantes na estrutura da indústria de equipamentos de telecomunicações, de um lado afetou significativamente o desenvolvimento de estratégias e da capacidade das empresas de capital nacional, reduzindo seu desenvolvimento tecnológico interno; e, de outro, as subsidiárias de multinacionais que estavam no Brasil antes do início da década de 90 ampliaram cada vez mais suas capacidades industriais e tecnológicas a partir de suas sedes e de outras subsidiárias do mesmo grupo. No que diz respeito à privatização, Szapiro (2003) ressalta que: ocorreu um aumento considerável da parcela do setor de telecomunicações no déficit comercial do complexo eletrônico (alcançando mais de 40% em 1999); houve uma mudança nas atividades conduzidas pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD),15 que reduziu o número de projetos de pesquisa que costumava empreender e aumentou a parcela de atividades de consultoria e assistência técnica de curto prazo como uma estratégia de sobrevivência. A forte dependência das subsidiárias de empresas multinacionais de suas matrizes no estrangeiro tornou-se um inibidor para o fluxo de conhecimento e interação com as instituições educacionais locais. De acordo com a pesquisa de Szapiro (2003, p. 491, tradução nossa): base na disponibilidade de recursos de mão-de-obra e de um sistema bem desenvolvido de estradas.16 Saindo de casos como o dos fornecedores da Fiat em Minas Gerais e o das telecomunicações em São Paulo, podem-se encontrar situações em que a estrutura geral da política econômica anteriormente mencionada teve impactos contraditórios nas capacidades inovadoras dos microfundamentos do SNIB, como é o caso dos arranjos produtivos locais – APLs. 17 De um lado, a sobrevalorização da moeda local provocou o acirramento da concorrência de fora do país, que foi alimentada pela redução das tarifas sobre mercadorias importadas, de outro, a desvalorização cambial favoreceu a modernização de suas fábricas por meio da importação de bens de capital a custos relativos mais baixos. No caso da indústria têxtil e de roupas do Vale do Itajaí estudado por Campos, Cário e Nicolau (2003), a importação de equipamentos não produziu efeitos internos capazes de incentivar diretamente as interações para o aprendizado inovador, afora a incorporação das novas tecnologias compreendida em máquinas e equipamentos. Em outros casos, foram encontrados indícios de melhoria nas capacidades de inovação de empresas e organizações locais, embora específicas e restritas a alguns elementos do respectivo arranjo. Assim, os APLs de calçados do Rio Grande do Sul (VARGAS; ALIEVI, 2003), de têxteis e roupas do Vale do Itajaí e de metal-mecânica do Espírito Santo (VILLASCHI; LIMA, 2003) foram incentivados a melhorar sua capacidade de atendimento às demandas dos clientes no curto prazo. Deve-se enfatizar que, na maioria dos casos, essa qualificação ficou restrita à inovação do processo. Outros estudos empíricos podem ser usados para ilustrar a perversidade das políticas econômicas liberais praticadas no Brasil ao longo de toda a década de 90. De Paula, Porcile e Scatolin (2003), por exemplo, mostraram que, no caso do APL da soja, no Paraná, duas alterações tiveram efeito negativo sobre suas capacidades tecnológicas: primeiro, a mudança nas estratégias de P&D pela principal fonte de inovação, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, que não permite mais a co-propriedade de novas variedades; segundo, as modificações na legislação que regula a produção de novas variedades e que assegura a apropriação privada de inovações por meio de patentes. Essas duas mudanças quase liquidaram o sistema de cooperação para a proposta de novas variedades, o qual viabilizava as estratégias da Embrapa para o desenvolvi- Os motivos dados pelas subsidiárias multinacionais para interagir/cooperar com outras instituições são a qualificação e o treinamento de recursos humanos e a comercialização dos produtos (o caso de 80% das empresas). Para elas, a cooperação destina-se a apoiar o treinamento de pessoal e a facilitar a comercialização dos produtos. Por outro lado, todas as empresas de capital nacional declararam que o acesso à tecnologia é o principal motivo para a interação com outras instituições [...] É interessante observar que o comportamento das subsidiárias difere daquele que prevalecia no final dos anos 70 e 80. Nesse período, alguns projetos foram desenvolvidos entre as subsidiárias multinacionais e o CPqD, como resultado das políticas implementadas no setor. Szapiro cita ainda Souza e Garcia (1999) para mostrar uma mudança no motivo pelo qual as empresas buscavam essa localização específica. Aquelas que tinham se instalado em Campinas antes da década de 90 afirmaram que tinham escolhido o local pela facilidade de acesso às instituições de P&D e educação. Já para as que chegaram lá na segunda metade daquela década, a escolha foi feita com 12 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... bre inovação; ou por que, como estrutura conceitual, não foi sequer considerada na elaboração de políticas governamentais nem como base para a formulação das estratégias de inovação das empresas. O trabalho dos uruguaios Arocena e Sutz (2002) pode ajudar a lançar luz sobre essas questões. Os pesquisadores indicam que a abordagem do SNI não pode ser vista como trivial, apesar de ele ser reconhecido como um conceito político e apesar de a realidade por ele descrita poder ser submetida a esforços deliberados no sentido de mudança, com a esperança razoável de se alcançar o que é pretendido. Isso porque, mesmo para ser tomado como um conceito político, ele precisa de atitudes sociais com respeito a transformações globais. Segundo eles, mento de sementes por meio de vínculos estreitos com pequenos e médios produtores e cooperativas. Igualmente se deve observar que essas mudanças ocorreram no momento em que os produtores multinacionais de sementes de soja começaram a entrar maciçamente no Brasil. Como se indicou nos casos dos fornecedores da Fiat e das telecomunicações, isso também significou uma transferência das capacidades de inovação em direção aos laboratórios das multinacionais em seus países de origem. Domínio Institucional Como se ressaltou na segunda parte deste artigo, em um mundo caracterizado por atividades inovadoras (centradas em diferentes formas e conteúdos de conhecimento adquiridos por meio de diversas fontes e meios de aprendizado), a incerteza é um aspecto importante da vida econômica. Por esse motivo, a existência de ambientes institucionais em diferentes níveis (de uma empresa específica, de um grupo de empresas ou de um país) se torna um dos componentes centrais de um sistema de inovação. Nesse mundo, então, as instituições movem-se para além das características de rotinas e direcionam a vida diária de modo a funcionar também como uma estrutura para a mudança. Mytelka e Smith (2001) enfatizam que o reconhecimento da necessidade dessa estrutura para a mudança pode ser encontrado de forma cada vez mais intensa, ao longo de toda a década de 90, nas políticas delineadas nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Nessa mesma direção, Edquist (1997, p. 16) indica que a abordagem do SNI foi usada como as atitudes sociais com respeito às transformações globais pertencem às questões que merecem atenção especial na abordagem de Hirschman: ‘O nosso diagnóstico é que simplesmente países falham em aproveitar seu desenvolvimento potencial, porque, por motivos em grande parte relacionados com a sua imagem de mudança, eles acham difícil tomar as decisões necessárias para o desenvolvimento, na quantidade e na velocidade necessárias’ (HIRSCHMAN, 1958; apud AROCENA; SUTZ, 2002, p. 15, tradução nossa). Poder-se-ia dizer, então, que uma importante restrição a um ambiente institucional do SNIB melhor sintonizado na década de 90 foi a falta de visão (Quadro 1). De acordo com Fransman (2002, p. 8, tradução nossa), [...] A “visão”, ou estrutura cognitiva, consiste de um conjunto inter-relacionado de crenças, incorporadas em suposições e expectativas, que servem para fazer o mundo parecer inteligível e, portanto, orientar as tomadas de decisão. um meio para o estudo das inovações, como uma estrutura conceitual para a elaboração de políticas do governo e como base para a formulação de estratégias de inovação de empresas. Como, na década de 90, a imagem dominante entre as autoridades econômicas no Brasil estava ligada à competitividade com base nas dotações de fatores (sobretudo recursos naturais e mão-de-obra barata), não surpreende o fato de pouco ter sido feito com relação às oportunidades e restrições que emergiram com o PTE da TIC. Isso não quer dizer, porém, que o assunto tenha permanecido totalmente ausente da agenda do governo. Contrariamente ao que aconteceu com a abordagem do SNI (que foi objeto de apenas alguns trabalhos acadêmicos e nunca foi além de seminários ou de prateleiras de bibliotecas), a necessidade de financiamento apropriado Edquist (2001) vai ainda além e destaca que a abordagem do sistema nacional de inovação se estabeleceu em um tempo relativamente curto e começou a ser usada amplamente, não somente no meio acadêmico, mas também no estabelecimento de políticas de inovação. De maneira semelhante, Miettinen (2002) reconhece que esse conceito contribui para aproximar pesquisadores, burocratas e servidores civis que o fizeram funcionar como uma metáfora de fronteira da organização. Uma pergunta que se deve fazer, então, é por que, no Brasil, a abordagem do SNI não foi além dos estudos so- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 13 ARLINDO VILLASCHI ‘Avança Brasil’ e o resultado de esforços inicialmente empreendidos em 1996 pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Seu principal propósito é estabelecer os fundamentos de um projeto estratégico em toda a nação para integrar e coordenar o desenvolvimento e emprego de tecnologias avançadas de computação, comunicação e informação e suas aplicações na sociedade. Este esforço permitirá ao governo promover a pesquisa e a educação, bem como assegurar que a economia brasileira seja capaz de competir no mercado mundial (Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg, Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, em 13 de setembro de 2000, no lançamento de Sociedade da informação no Brasil: Livro verde). da inovação e do desenvolvimento tecnológico e uma certa conscientização dos desafios da ‘sociedade da informação’ podem ser encontradas em diferentes níveis do debate público. Esses são certamente os casos das tentativas de criação de fundos com destinação específica para o financiamento de projetos de ciência e tecnologia – C&T. A primeira ocorreu na Constituição de 1988, que permitiu que os governos estaduais comprometessem certo porcentual de suas receitas para financiamento de C&T. A segunda foi o movimento entre autoridades do governo federal, com o compromisso de apoio de membros do parlamento (em número restrito) e da comunidade empresarial, no sentido de garantir financiamento para P&D em 13 áreas econômicas 18 e para a infra-estrutura de C&T das universidades. Apesar de suas vitórias políticas, essas tentativas não apresentaram resultados substanciais na década de 90. Por um lado, embora muitos Estados tenham adotado em suas constituições o princípio do comprometimento de fundos para C&T, a letra da lei não teve uma resposta prática. Na maioria dos casos, os montantes que aparecem nos orçamentos dos Estados não se transformam em recursos financeiros para projetos de pesquisas durante o ano. “Quando é necessário o controle orçamentário, as primeiras despesas a serem sacrificadas são as que têm menos apelo público” – esse é um dito comum entre os que são responsáveis pela manutenção do equilíbrio das finanças públicas. Por outro lado, o projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia de garantir financiamento estável para o setor no âmbito federal criou sua primeira conta (a do petróleo) em 1999. Assim, a eficácia desse projeto, com respeito a seus principais objetivos (financiamento estável, promoção de laços mais estreitos entre universidade e empresas, promoção de pesquisa em C&T, priorização no uso de recursos, monitoramento de resultados), só poderá ser avaliada em um cenário posterior ao da década aqui analisada. Também foram feitas tentativas para aumentar a conscientização sobre desafios e oportunidades que emergem em tempos de mudança do PTE. Uma vez mais, trabalhou-se no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia: Apesar das boas intenções do ministro e de alguns de seus colegas em diferentes esferas do governo, do mundo acadêmico e do empresariado, o lançamento retardado de um programa focado na sociedade da informação no Brasil teve o mesmo destino dos outros relacionados ao anteriormente elogiado “Avança Brasil”: falta de financiamento apropriado e de continuidade, devido ao baixo compromisso político nas esferas de governo em que as decisões eram tomadas. Deve-se ressaltar, porém, que essa lacuna entre o pensamento dos que estão comprometidos com a ciência e a tecnologia no Brasil e o dos que de fato gerem a política econômica com uma abordagem pragmática de curto prazo é recorrente na história recente. De um lado, como observa Jaguaribe (1987), ela se fez presente muitas vezes no processo de industrialização do país, quando o governo precisou tomar uma posição sobre o modelo a ser adotado: aquele baseado na tecnologia incorporada importada ou aquele voltado para o fortalecimento da capacidade tecnológica interna em médio e longo prazos. Por outro lado, como destacou Piragibe (1988), isso também está enraizado na história da política da informática no Brasil. Nos anos 80, houve um debate acirrado no governo entre os que desejavam proteger o mercado interno de computadores, como uma maneira de promover as capacidades da indústria e da inovação nesse setor, e os que desejavam evitar a retaliação dos Estados Unidos, que ameaçavam fechar seu mercado a commodities – como suco de laranja, sapatos, etc. Domínio Tecnológico para reforçar o desenvolvimento da Nova Economia em nosso país, devemos incentivar a utilização dessas tecnologias nas empresas brasileiras, o que é a meta do Programa Sociedade da Informação – um dos mais ambiciosos programas do plano de desenvolvimento Dadas as restrições gerais impostas ao SNIB pela liberalização, privatização e pelas idéias por detrás da política econômica ao longo de toda a década de 90 e levando em 14 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... consideração a estrutura institucional geral acima mencionada, não surpreende o fraco domínio tecnológico do SNIB. Mesmo quando não explicitamente mencionado, os dados coletados aqui devem ser vistos de uma perspectiva que leve em consideração as características tecnológicas do novo paradigma (conforme indicado no Quadro 1), ou seja, conhecimento e comunicação, vinculados com a mente humana; conectividade pessoa-a-pessoa; sustentabilidade pessoal, física e psicológica. Além disso, os dados vão além de um discurso que, muitas vezes, é uma resposta consciente de pessoas dos setores acadêmico, governamental e privado. Isso, todavia, não é suficiente, por si só, para romper elementos rígidos como os indicados por Hämäläinen (1999) e Perez (1997), mencionados anteriormente. Assim, por exemplo, o início da década de 90 foi marcado pela introdução de diversas iniciativas nacionais na área de computação, sob os auspícios do Ministério de Ciência e Tecnologia, como:19 - a Rede Nacional de Pesquisa – RNP, destinada à implementação da Internet para propósitos educacionais e de pesquisa no país inteiro; Por esse motivo, os elementos que devem ser levados em consideração nas análises de domínio tecnológico do SNIB são aqueles relacionados com a disponibilidade dos serviços de educação, tecnologia e treinamento. Quanto ao sistema educacional, apesar do maior número de alunos que freqüentam as escolas em todos os níveis (inclusive pós-graduação), seu desempenho qualitativo não apresenta padrões razoáveis.20 O número de alunos universitários aumentou de mais de 1,5 milhão, no começo da década de 90, para perto de 3 milhões em 2000 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep). É importante observar que a maioria desses alunos está matriculada em escolas privadas. Enquanto o número de instituições públicas nesse nível do sistema educacional se estabilizou em torno de 200 desde os anos 80, no setor privado aumentaram de cerca de 650, em 1990, para duas vezes esse número em 2000. Como resultado, a proporção de alunos matriculados em escolas privadas está perto de 75% do total na educação superior no Brasil. Um exame mais detido mostra dois complementos importantes desses números. Por um lado, há concentração em áreas de conhecimento em que o investimento em laboratórios e equipamentos é mais baixo (sobretudo nas humanidades). Por outro, tomando-se como representativos os números das instituições que oferecem cursos em engenharia mecânica e elétrica, as escolas públicas (em sua maioria, mantidas pelo governo federal) respondem por mais de 60% do total de matrículas nessas áreas no país. O número de cursos de pós-graduação também aumentou nos anos 90. No final dessa década, havia perto de 2.700 cursos de mestrado e doutorado no país. Desses, somente cerca de 300 em engenharia. Essa baixa participação de engenheiros com preparação em pesquisa deve ser considerada como uma indicação de que não se pode esperar, no SNIB, muita interação do tipo que ajuda a codificar o conhecimento tácito, conforme sugerido por Nonaka e Takeuchi (1995). Além disso, deve-se enfatizar a crítica geral que é feita à rigidez prevalecente em cursos e disciplinas oferecidos em grande parte das instituições de educação superior no SNIB. Na maioria das entrevistas feitas com agentes de arranjos produtivos locais – APLs, essa rigidez é ressaltada por acadêmicos, autoridades, gerentes e empresários como um gargalo para o estreitamento dos vínculos entre a educação superior e a sociedade, de maneira geral, e as empresas, mais especificamente. - o Programa Temático Multinstitucional em Ciência da Computação – ProTeM-CC, destinado a estruturar e apoiar um modelo de pesquisa por meio de um consórcio entre entidades acadêmicas e o setor privado; - o Programa Nacional de Software para Exportação – Softex, destinado a estruturar e coordenar um esforço nacional para fomentar significativamente a exportação de softwares produzidos no Brasil; - o Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho – Sinapad, destinado a estabelecer centros para a prestação de serviços computacionais superiores no país. Essas iniciativas, entretanto, não tiveram a flexibilidade e a estabilidade necessárias para promover a mudança, sobretudo em tempos de troca de PTE. Por isso, não surpreende que, em meados dessa década, os problemas de institucionalização e financiamento tenham sido suficientes para fazer as agências governamentais mudarem seus objetivos com respeito ao novo PTE. Algumas dessas respostas (como sociedade da informação e os fundos setoriais de C&T) somente se tornaram efetivas na década seguinte. Apesar das tentativas de superar os problemas institucionais e financeiros relativos a ciência, tecnologia e inovação em geral e das iniciativas especificamente enfocadas no PTE corrente, primeiro será preciso constatar sua eficácia para, depois, avaliá-las. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 15 ARLINDO VILLASCHI Ademais, a “necessidade de mudanças na estrutura institucional para assegurar que, no longo prazo, os aspectos criativos e críticos da pesquisa acadêmica possam sobreviver” (LUNDVALL, 2002) encontra fundamentos frágeis no SNIB. Salários congelados, condições insatisfatórias de trabalho e financiamento escasso e instável fizeram do ensino e da pesquisa atividades muito pouco atraentes no Brasil ao longo de toda a década de 90. Não surpreende que, em muitas escolas públicas de educação superior, o número de professores substitutos21 tenha aumentado durante esse período, alcançando, em muitos departamentos de universidades federais, mais de 25%. Isso aumenta o volume do trabalho burocrático a ser realizado pelos demais membros do departamento, o que os mantém cada vez mais distantes das salas de aula e dos laboratórios, da criatividade e da crítica necessárias para mudar a estrutura institucional. O quadro não se mostra melhor quando se passa da educação formal e da pesquisa para os serviços de capacitação e inovação. Os levantamentos feitos em cerca de 20 APLs 22 mostra que, mesmo nos casos em que esses serviços são prestados por organizações especificamente concebidas para responder às especificidades das pequenas e médias empresas locais, a lacuna entre o que é oferecido e o que é usado pode permanecer grande. Isso acontece mesmo em se tratando de serviços nãosofisticados de tecnologia ou inovação. No caso da organização do setor de calçados no Estado da Paraíba, por exemplo, existe uma lacuna entre os serviços que são oferecidos pelo departamento local do Senai e o baixo nível de demanda para esses serviços, sobretudo da parte de micro e pequenas empresas. colcha de retalhos de questões sociais, econômicas e políticas conflitantes. Não obstante, muitos estudos sobre a economia da inovação no país nos anos 80 (entre outros: EVANS; TIGRE, 1989a; 1989b; HOBDAY, 1990; HEWITT, 1988; PESSINI, 1986; SCHMITZ; CASSIOLATO, 1992; TIGRE; FERRAZ, 1989; VILLASCHI, 1992) mostram que, apesar de todos os problemas em seu cenário macroeconômico, o Brasil teve um desempenho razoável em muitas áreas básicas do PTE das TICs. Apesar de problemas aqui e ali na política de informática, os resultados em telecomunicações e em outras áreas (automação dos bancos, petróleo e aeronáutica, por exemplo) indicavam a existência de capacidades internas de inovação que poderiam ajudar o país a ter uma postura correta em sua marcha para um novo PTE. Na década de 90, o debate da ‘década perdida’ perdeu força por haver quase uma aceitação total, entre as autoridades governamentais, de que, uma vez conquistada a estabilidade de preços e desregulamentados os mercados, o país retornaria ao caminho do crescimento que caracterizou sua economia na maior parte do século XX. A estabilidade de preços foi alcançada em 1994, mas a um preço muito alto para a estabilidade econômica, conforme enfatizado por Coutinho (2003) e outros. O presente trabalho buscou apresentar dados que indicam que o culto exagerado ao mercado, que esteve no cerne da política econômica do Brasil por toda a década de 90, tem colocado em risco as chances de estabilidade econômica do país no médio e longo prazos. Isso porque não foram reconhecidas questões consideradas cruciais quando um país deseja desempenhar um papel ativo nos fluxos mundiais de bens, serviços e conhecimento que são importantes no contexto do PTE da TIC. Características básicas do novo PTE, como conhecimento e comunicação vinculados com a mente humana; processos de produção intensivos em informação; redes de produção; serviços empresariais intensivos em conhecimento; informações, coordenação e regulamentação do governo; visão, entre outras, foram deixadas de lado no debate público do país e na agenda do governo. Nessas circunstâncias, a inserção do país na nova fase de internacionalização das relações econômicas e sociais – a assim chamada globalização – reduziu-se ao aumento de sua parcela no mercado de commodities de baixo valor agregado, como soja, aço, celulose, sapatos, etc. Foi como se os sinais do que está acontecendo em outros países (especialmente naqueles da OCDE) não passassem de uma COMENTÁRIOS FINAIS O debate da ‘década perdida’ tem estado presente na agenda brasileira desde os anos 80. Nessa década, o país perdeu oportunidades de: renegociar sua dívida de uma maneira diferente da abordagem da “dívida não é para ser paga, mas para ser rolada”, usada por autoridades pragmáticas na esteira da crise mexicana de 1982; controlar a hiperinflação em 1986, ocasião em que o Plano Cruzado foi atingido em seus fundamentos visto que a estabilização dos preços a baixos custos sociais se tornou uma questão de vida ou morte para os políticos do partido no poder; ter uma estrutura institucional mais estável e flexível sob a Constituição de 1988, que acabou se tornando uma 16 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... conceito ex-ante, porque o comportamento socioeconômico relativo à inovação em nível nacional raramente é sistêmico. abstração a que uma formação socioeconômica com as dotações dos recursos naturais do Brasil continental não devesse prestar atenção. A necessidade de manter-se a par do que estava sendo discutido sobre aprendizado e conhecimento em uma era que já não era mais apenas uma perspectiva só foi reconhecida por uma comunidade muito restrita de acadêmicos, empresários, políticos e autoridades governamentais. Eles certamente não tinham como fazer o país acompanhar o que Tuomi (2001) chama de duas ondas, que dominaram o debate sobre sociedade do conhecimento na década de 90. A primeira onda focava questões já presentes no debate dos anos 80 (competitividade, crescimento econômico, acesso, regulamentação, privacidade, segurança e direitos de propriedade intelectual), com o acréscimo da preocupação emergente dos ricos e dos pobres em informações. A segunda onda identifica-se com as preocupações expressas por Ducatel e seus colaboradores: Nessa perspectiva, pode-se dizer que este artigo assume uma posição semelhante àquela de Freeman e Louçã (2001, tradução nossa). Eles citam Charles Dickens, em Um conto de duas cidades: Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice; foi a época da fé, foi a época da incredulidade; foi a estação da Luz, foi a estação das Trevas; foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada diante de nós. Os pesquisadores concluem seu livro afirmando que o fundamental é escolher. Aqui, a escolha recaiu sobre questões que a formação socioeconômica brasileira deve enfrentar em três domínios autônomos e interdependentes, que podem caracterizar um SNI em face dos desafios e das oportunidades sob o PTE das TICs:23 o domínio tecnológico (que disponibiliza a tecnologia), o domínio econômico (que assegura a viabilidade e sustentabilidade da inovação) e o domínio institucional (que possibilita a inovação). Reconhece-se agora que a relação entre mudança tecnológica e transformação social é complexa, e agora também está desnudada a falsidade da noção simplista de que as mudanças tecnológicas têm efeitos sociais, os quais, por sua vez, podem ser controlados de maneira simples por meio de políticas apropriadas […] Isso acarreta uma maior complexidade para a formulação de políticas: não é suficiente desenvolver e implementar políticas apropriadas de tecnologia separadamente. As políticas de tecnologia e as políticas sociais precisam ser desenvolvidas de maneira complementar e visar objetivos complementares. É necessário, se desejamos que a ‘sociedade’ de sociedade da informação seja algo mais que um artifício retórico, desenvolver uma avaliação mais sofisticada dessas questões sociais. (DUCATEL et al., 2000 apud TUOMI, 2001, p. 8, tradução nossa) NOTAS Baseado em um estudo apresentado em The First Globelics Conference: Innovation Systems and Development Strategies for the Third Millenium, Rio de Janeiro, de 2 a 6 de novembro de 2003. O autor agradece os proveitosos comentários feitos na época, especialmente os de Martin Fransman, Pekka Ylla-Antilla e Tarmo Lemola. Registra também seus agradecimentos à equipe de tradutores do BID por colaboração na tradução do texto originalmente escrito em inglês. 1. Para um exame dos diferentes aspectos da abordagem dos sistemas de inovação, ver Lundvall et al. (2001) e Edquist (1997). Para comentários críticos sobre a abordagem, ver Edquist (2001). Miettinen (2002) destaca as críticas ao conceito, sobretudo no tocante às maneiras como ele foi incorporado no discurso europeu de políticas tecnológicas. 2. Ver, por exemplo, Cortada (2000). Isso, por si só, deveria ser suficiente para justificar as posições assumidas neste artigo. Essas não devem, de maneira alguma, ser consideradas frutos de pensamentos fantasiosos com relação às janelas de oportunidades que estão abertas ao SNIB sob o PTE das TICs. Na verdade, o que o trabalho tenta enfatizar está em sintonia com a maneira como Arocena e Sutz (2002, p. 6, tradução nossa) vêem a aplicabilidade do conceito do SNI no Sul: 3. Freeman e Louçã (2001, p. 301) lembram que até o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, “tem falado com freqüência do ‘novo paradigma’, referindo-se especificamente a computadores, telecomunicações e Internet, como uma fonte da notável explosão de crescimento na economia dos Estados Unidos na década de 90”. 4. Em outro estudo (VILLASCHI, 2004), exploro características alternativas do paradigma técnico-econômico da TIC indicadas por Castells (2000), Drucker (2001) e Tuomi (2001). 5. É importante, porém, ter em mente que, nas teorias que formam o cerne da economia ortodoxa, presume-se que os agentes racionais façam escolhas com base em um volume dado de informações. O único tipo de aprendizado permitido é o acesso dos agentes a novas fontes de informação. Ao contrário [do que acontece no Norte, onde o conceito se fundamenta em conclusões empíricas], no Sul ele é mais um SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 17 ARLINDO VILLASCHI 6. Os autores observam que esse tipo de conhecimento se tornou cada vez mais importante porque existe uma tendência geral em direção a uma base de conhecimento mais complexa, com novos produtos que normalmente combinam muitas tecnologias, cada uma delas enraizada em disciplinas científicas diferentes. Isso torna o acesso a fontes diversas de conhecimento ainda mais essencial. 21. Só podem ser contratados para um período que não exceda dois anos. 22. Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>. 23. Como Antilla e Lemola (2003) destacaram, tais desafios e oportunidades devem ser enfrentados com um alto grau de destruição criadora para o país beneficiar-se das janelas abertas pelo novo paradigma, como fez a Finlândia. Um desafio adicional para o Brasil seria, então, romper com seus últimos 20 anos de destruição não-criadora das capacidades institucionais e inovativas. 7. Isso deveria ser objeto de análise mais detalhada para os que estão trabalhando na perspectiva de uma nova ordem internacional em tempos de TICs. Como informação e conhecimento se referem mais do que nunca a relações de poder, os ricos e os pobres, tanto entre países como dentro de cada país, não podem ser considerados um tema marginal para os que estão pesquisando oportunidades e restrições na nova/ próxima sociedade/economia/paradigma. 8. Nesse contexto, o Centro do Programa de Especialização finlandês pode ser visto como um modelo em matéria de facilitação do acesso a quem sabe onde encontrar o que é relevante e como traduzir o que é encontrado de maneira participativa para a empresa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALI-YRKKÖ, J. Nokia’s network – gaining competitiveness from co-operation. Helsinque: Taloustieto, 2001. 9. Johnson e Lundvall (2001) também ressaltam que, contrariando a difusão dos efeitos benéficos livres que são presumidos na economia ortodoxa, o acesso ao know-why científico, em todas as circunstâncias, depende do investimento em atividades de P&D e em ciência. ANDERSEN, E.; LUNDVALL, B-Å. Small national systems of innovation facing technological revolutions an analytical framework. In: FREEMAN, C.; LUNDVALL, B-Å. (Ed.). Small countries facing the technological revolution. London: Pinter, 1988. 10. No contexto de países em desenvolvimento, isso é essencial mesmo quando não se está lidando com equipamentos de processo complexo. Diante de uma força de trabalho com pouca qualificação, o treinamento é crucial para que o conhecimento incorporado em máquinas e equipamentos tenha algum impacto econômico. ANTILLA, P.; LEMOLA, T. Transformation of innovation system in a small country – the case of Finland. In: GLOBELICS CONFERENCE, 2-6 nov. 2003, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2003. 11. Os eventos ocorridos antes de 11 de setembro de 2001 e as reações posteriores ilustram muito bem essa interpretação. AROCENA, R.; SUTZ, J. Innovation systems in developing countries. In: DRUID Working Paper 2002-5, 2002. Disponível em: <http://www.druid.dk>. 12. Aqui, deve ser entendido em diferentes escalas de espaço (local, regional, nacional, supranacional) e como outras formas de reunião social (étnica, religiosa, profissional, etc.). ARROW, K. The economic implications of learning by doing. Review of Economic Studies, v. XXIX, n. 80, p. 155-73, 1962. 13. Essa grave debilitação dos grupos empresariais nacionais transferiu o controle de mais de 200 importantes empresas para corporações estrangeiras. Pelo menos 50 delas eram empresas públicas que depois se tornaram subsidiárias de capital totalmente fechado. CASTELLS, M. The information age economy, society and culture. 2. ed. Oxford: Blackwell, 2000. CAMPOS, R.; CÁRIO, S.; NICOLAU, J. Textile and clothing local productive system in the Itajai Valley: local capabilities and partial interactive learning. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. 14. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – IEDI, entre 1994 e 1998 a presença do controle de investidores estrangeiros (porcentagem de vendas das 20 maiores empresas) movimentou de 55% a 79% em autopeças; de 34% a 79% em produtos eletrônicos; de 69% a 83% em informática; de zero a 75% em telecomunicações e de 44% a 73% em bens de capital. CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. 15. Um marco importante no esforço para o estabelecimento de um modelo nacional e independente para o setor de telecomunicação, o CPqD é um o centro de P&D, criado pela estatal Telebrás nos anos 70, com o objetivo de se tornar um referencial no país para os projetos de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e serviços nesse setor. COLEMAN, J. Social capital in the creation of juman capital. In: LESSER, E. (Ed.). Knowledge and social capital – foundations and applications. Woburn, MA: Butterworth-Heinemann, 2000. 16. Nos termos definidos na segunda parte deste artigo, é como se o SNIB estivesse regredindo do novo para o antigo PTE. CORTADA, J. Progenitors of the information age – the development of chips and computers. In: CHANDLER JR, A.; CORTADA, J. (Ed.). A nation trasformed by information. New York: Oxford University Press, 2000. 17. Para uma discussão do conceito e da abordagem, ver Villaschi e Campos (2002). 18. Petróleo, infra-estrutura, energia, recursos hídricos, transportes, minerais, espaço, telecomunicações, tecnologia da informação, saúde, aeronáutica, agroindústria e biotecnologia. 19. Para detalhes sobre esses programas e outras iniciativas sobre a sociedade da informação no Brasil, ver <http://www.socinfo.org.br/ livro_verde/ingles/implem.htm>. COUTINHO, L. Macroeconomic regimes and business strategies: an alternative industrial policy of Brazil in the wake of the 21st century. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. 20. É importante ter em mente que mais de 25% dos alunos que freqüentam a escola primária no Brasil levam sete anos para concluir os primeiros cinco anos do sistema educacional. Mais relevante ainda é o fato de que um número substancial dos que concluem a educação primária não exibe a competência apropriada em língua portuguesa e matemática básica. DE PAULA, N.; PORCILE, G.; SCATOLIN, F. Strengthning and weakening local capabilities: the case of the local innovation system in the Paraná soybean agroindustrial sector. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. 18 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ... DOSI, G. Technology and conditions of macroeconomic development. In: FREEMAN, C. (Ed.). Design, innovation and long cycles in economic development. New York: St. Martin’s Press, 1984. JOHNSON, B.; LUNDVALL, B-Å. Why all this fuss about codified and tacit knowledge? In: The DRUID WINTER CONFERENCE, 1820 jan. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001. KUUSI, O. Growing and learning entrepreneurial networks as the focus of national innovation strategy. In: SCHIENSTOCK, G.; KUUSI, O. (Ed.). Transformation towards a learning economy: The challenge for the finnish innovation system. Helsinque: Sitra, 1999. DOSI, G.; FREEMAN, C.; NELSON, R.; SILVERBERG, G.; SOETE, L. (Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. LEMOS, C.; PALHANO, A. Clustering in a backward region: the footwear productive system in Campina Grande. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. DRUCKER, P. The next society - a survey of the near future. Special Survey, The Economist, 3 nov. 2001. DUCATEL, K.; WEBSTER, J.; HERRMANN, W. Information infrastructure or societies? In: ________. (Ed.). The information society in Europe – work and life in an age of globalisation. Lanham: Rowman & Littlefield, 2000. EDQUIST, C. The systems of innovation approach and innovation policy: An account of the state of the art. In: THE NELSON AND WINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001. LEMOS, M.; CAMPOLINA, C.; BORGES, F.; CROCCO, M.; CAMARGO, O. Liberalization and local innovative capabilites: the Fiat supplier network in Minas Gerais. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. ________. (Ed.). Systems of Innovation: Technologies, Institutions and Organizations. London: Pinter Publishers/Cassell Academic, 1997. LUNDVALL, B. The university in the learning economy. In: DRUID Working Paper 2002-6, 2002. Disponível em: <http://www.druid.dk>. EVANS, P.; TIGRE, P. Estratégias de desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia: análise comparativa da informática no Brasil e na Coréia do Sul. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, FGV, v. 43, n. 4, p. 549-73, 1989a. ________. Innovation as an interactive process from user-producer interaction to the national system of innovation. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. ________. Product innovation and user-producer interaction. Aalborg: Aalborg University Press, 1985. ________. Brasil e Coréia: para além dos clones. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, Cebrap, v. 24, n. 1, p. 110-130, 1989b. LUNDVALL, B; JOHNSON, B; ANDERSEN, E.; DALUM, B. National systems of production, innovation and competence building. In: THE NELSON AND WINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001 FRANSMAN, M. Telecoms in the Internet Age – from boom to bust to…? Oxford: Oxford University Press, 2002. FREEMAN, C. Technology policy and economic performance – lesson from Japan. London: Frances Pinter, 1987. MIETTINEN, R. National innovation system – scientific concept of political rhetoric. Helsinque: Edita, 2002. FREEMAN, C.; LOUÇÃ. As time goes by – from the Industrial Revolutions to the Information Revolution. Oxford: Oxford University Press, 2001. MYTELKA, L.; SMITH, K. Innovation theory and innovation policy: bridging the gap. In: THE NELSON AND WINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalborg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001. FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crises of adjustment business cycles and investment behaviour. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. NELSON, R.; WINTER, S. An evolutionary theory of economic change. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1982. FUKYAMA, F. Trust: the social virtues and the creation of prosperity. London: Hamish Hamilton, 1995. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. The knowledge-creating company. How Japanese companies create the dynamics of innovation. Oxford: Oxford University Press, 1995. GERTLER, M. Tacit knowledge and the economic geography of context or the undefinable tacitness of being (there). In: THE NELSON AND WINTER DRUID SUMMER CONFERENCE, 12-15 jun. 2001, Aalbolg, Dinamarca. Anais... Aalborg, 2001. NORTH, D. Institutions. Journal of Economic Perspective, v. 5, n. 1, p. 97-112, 1991. HÄMÄLÄINEN, T. A techno-economic paradigma shift and the process of socio-institutional adjustment. In: SCHIENSTOCK, G.; KUUSI, O. (Ed.). Transformation towards a learning economy. Helsinque: Sitra, 1999. PEREZ, C. Technological revolutions and financial capital: the dynamics of bubbles and golden ages. Cheltemham: Edward Elgar, 2002. HEWITT, T. Employment and skills in the electronics industry: the case of Brazil. Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade de Sussex, 1988. ________. The social and political challenge of the present paradigm shift. In: Norwegian Investorforum, 15-16 May, Oslo, Norway, 1997. HOBDAY, M. Telecommunications in developing countries – the challenge from Brazil. London: Routledge, 1990. PEREZ, C.; SOETE, L. Catching up in technology. Entry barriers and windows of opportunity. In: DOSI, G. et al., (Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. JAGUARIBE, A. A política tecnológica e sua articulação com a política econômica: elementos para uma análise da ação do Estado. Rio de Janeiro, IEI/UFRJ, 1987. (Texto para discussão, n. 115). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 PESSINI, J. A indústria brasileira de telecomunicações: uma tentativa de reinterpretação dos mercados recentes. Dissertação (Mestrado) – IE/Unicamp, Campinas, 1986. 19 ARLINDO VILLASCHI PIRAGIBE, C. Electronics industry in Brazil and the role of the State: some aspects. In: ________. (Ed.). Electronics industry in Brazil. Brasília: MCT/CNPq, 1988. VILLASCHI, A. Paradigmas tecnológicos: uma visão histórica para a transição presente. Revista de Economia, v. 30, n. 1, p. 65-106, Curitiba: UFPR, 2004. POLANYI, M. Personal knowledge towards a post-critical philosophy. London: Routledge, 1958. ________. The Brazilian national system of innovation opportunities and constraints for transforming technological dependency. Thesis (PhD) – Birkbeck College, University of London, London, 1992. PUTMAN, R. Making democracy work – civic traditions in modern Italy. Princenton, NJ: Princeton University Press, 1993. VILLASCHI, A.; CAMPOS, R. Sistemas/arranjos produtivos localizados: conceitos históricos para novas abordagens. In: CASTILHOS, C. (Coord.). Programa de apoio aos sistemas locais de produção: a construção de uma política pública no RS. Porto Alegre: FEE, 2002. ROSENBERG, N. Perspectives on technology. Cambridge: Cambridge University Press, 1976. SCHIENSTOCK, G.; HÄAMÄLÄINEN, T. Transformation of the finnish innovation system. Helsinque: Sitra, 2001. SCHMITZ, H.; CASSIOLATO, J. (Ed.). Hi-tech for industrial development – lessons from the Brazilian experience in electronics and automation. London: Routledge, 1992. VILLASCHI, A.; LIMA, E. The metal-mechanic production system in Espirito Santo: comodity exports and local industrial capabilities. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. SZAPIRO, M. Downgrading local capabilities in IT: the telecom innovation system in Campinas. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. SOUZA, C.; GARCIA, R. Sistemas locais de inovação no Estado de São Paulo. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H. (Ed.). Globalização e Inovação Localizada – a experiência do Mercosul. Brasília: IBICT/MCT, 1999. ARLINDO VILLASCHI: Diretor Executivo Suplente pelo Brasil e Suriname no Banco Interamericano de Desenvolvimento; Professor Associado de Economia, Universidade Federal do Espírito Santo; Pesquisador Associado da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovadores Locais ([email protected]; [email protected]; [email protected]) TIGRE, P.; FERRAZ, J. (Coord.). Avaliação e perspectivas tecnológicas das empresas estatais. Brasília: CNPq, 1989. Mimeografado. TUOMI, I. From periphery to center: emerging research topics on knowledge society. Helsinque: Tekes, 2001. VARGAS, M.; ALIEVI, R. Learning trajectories and upgrading strategies in the footwear productive system of Sinos Valley. In: CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham: Edward Elgar, 2003. Artigo recebido em 27 de abril de 2005. Aprovado em 31 de maio de 2005. 20 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005 A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ... A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO uma hipótese de trabalho GLAUCO ARBIX JOÃO ALBERTO DE NEGRI Resumo: Este artigo defende a existência de indícios de que a atual competitividade da indústria brasileira estaria sustentada em uma nova visão empresarial, surgida no país após a abertura da economia. São cinco os indícios: as estratégias das empresas voltadas para inovação e diferenciação de produtos; as mudanças estruturais e organizacionais; adequação das firmas aos padrões internacionais, via inovação tecnológica; a melhoria proporcionada pela inovação no desempenho exportador das firmas; e a internacionalização das firmas com foco na inovação tecnológica. Palavras-chave: Inovação tecnológica. Indústria brasileira. Abstract: This paper argues that current competitiveness of the Brazilian Industry is supported by a new entrepreneurial view, which emerged after the opening up of the economy. The argument is based on five focal points: companies’ strategy based on innovation and product differentiation; organizational restructuring; companies’ efforts to fit international product patterns by technological innovation; innovation is improving export performance of the firms; firms that are basing their internationalization process on technological innovation. Key words: Technological innovation. Brazilian industry. ste artigo objetiva construir uma hipótese de trabalho de que a atual competitividade da indústria brasileira estaria sustentada em uma nova visão empresarial, que tem surgido no país após a abertura da economia. São cinco os indícios verificados nas empresas e discutidos neste texto: as estratégias competitivas voltadas para inovação tecnológica e diferenciação de produtos; as mudanças estruturais e organizacionais; adequação a normas e padrões internacionais via inovação tecnológica; inovação vista como fundamental para o desempenho exportador; e internacionalização com foco na inovação tecnológica. A partir dos novos comportamentos competitivos encontrados na indústria brasileira e de características no âmbito da firma, este artigo procura destacar os elementos de uma nova visão empresarial brasileira, originada a partir do esgotamento do nacional-desenvolvimentismo. Não é recente a análise de que o modelo de crescimento e industrialização do Brasil, via substituição de importação, criou um viés pró-mercado interno, negligenciando o desempenho das empresas brasileiras no mercado internacional, por parte tanto do setor privado quanto do público. Se, por um lado, este modelo levado a cabo no pós-guerra consolidou uma indústria relativamente articulada, densa e com fornecedores locais, por outro, a proteção à concorrência internacional e o aparato produtivo estatal teriam sido responsáveis também por criar uma visão empresarial relativamente acomodada e passiva diante das principais tendências internacionais. Esta relativa acomodação teria distanciado as empresas industriais brasileiras dos padrões modernos de competição do mercado internacional, basicamente guiados pela capacidade de realização de inovação tecnológica e diferenciação de produtos. E SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 21 GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI indústria brasileira;1 e, por outro, ao categorizar as empresas por estratégias competitivas, tornou-se possível mapear e discutir com muito mais acuidade o patamar competitivo da indústria, possibilitando diagnóstico preciso para apoio à política industrial. Para categorização das empresas, tomou-se por base a literatura econômica que demonstra que a inovação é uma estratégia que possibilita às empresas auferirem maiores ganhos, particularmente se ocorrer diferenciação de produto que permita a obtenção de preço-prêmio pela empresa.2 Do ponto de vista da estratégia de negócios, tal visão foi difundida por Porter (1980), que agrupa as estratégias de negócios em três categorias: Economias semelhantes à brasileira foram abertas ao comércio internacional e a participação do Estado na economia foi substancialmente reduzida. No caso brasileiro, a abertura, a eliminação de inúmeros instrumentos de incentivos à produção doméstica e as privatizações passaram a assumir papel central na estratégia de desenvolvimento da economia na década de 90. Já em meados dos anos 90, após o processo de abertura da economia e, de forma especialmente relevante partir da estabilização macroeconômica, o debate sobre a sustentabilidade do crescimento ganhou relevância especial. No centro deste debate está a visão do setor privado quanto à inserção externa da indústria brasileira. Recentemente, as discussões sobre as políticas de incentivo à inovação tecnológica, em geral, e os estudos realizados para apoiar a elaboração das Diretrizes da Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE têm trazido novas contribuições sobre inserção externa da indústria brasileira. Existem fortes evidências de que o caso brasileiro de reestruturação da indústria é singular, quando comparado com outras economias, pois o novo ambiente econômico, diferente de gerar uma especialização regressiva, estaria impulsionando uma nova visão empresarial a respeito das potencialidades do Brasil na economia mundial. Distanciando-se da recorrente passividade e tradicional dependência das iniciativas governamentais, parte do empresariado de hoje começa a se conformar como um segmento que se dispõe a enfrentar e a se equiparar às melhores práticas da concorrência internacional, particularmente aquelas associadas à inovação tecnológica, com profundas conseqüências para a modernização de suas empresas. Nas próximas seções deste artigo estão detalhadas as evidências e sistematizados os indícios desse novo comportamento e configuração. A se confirmar essa hipótese, estar-se-ia praticamente diante de uma alteração estrutural do sistema socioprodutivo brasileiro. - concorrência por diferenciação; - concorrência por preço, na qual os produtos são padronizados e o diferencial de uma empresa se dá pelo seu nível menor de custos; - concorrência por nichos, que seria um caso particular da estratégia de diferenciação. De acordo com essas análises, a estratégia de diferenciação de produto seria aquela mais promissora para a lucratividade da empresa, que estaria menos sujeita à concorrência via menores salários e jornadas de trabalho mais extensas, ou derivada de recursos naturais (commodities) muito sujeitos a flutuações de preços. Também é conhecido o esforço dos países desenvolvidos para elaborarem políticas de inovação tecnológica e de diferenciação de produtos, seja através de investimentos e incentivos diversos, seja por meio de regulamentação, como é o caso do sistema GSM e das denominações de origem. A tipologia desenvolvida no âmbito do Projeto3 baseiase na lógica acima e, para a indústria brasileira, as estratégias de competição podem ser traduzidas, do ponto de vista empírico, na tipificação das firmas em três categorias: - aquelas que inovam e diferenciam produtos, ou seja, empresas de maior conteúdo tecnológico que competem por diferenciação de produto, o que seria a estratégia competitiva mais promissora, concentrando a ponta mais dinâmica da indústria e tendendo a capturar parcela maior da renda gerada pela indústria; ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA Os resultados aqui apresentados fazem parte do Projeto Inovação e Padrões Tecnológicos na Indústria Brasileira (SALERNO; DE NEGRI, 2005) que foi coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea para apoiar a elaboração da PITCE. A originalidade deste projeto é dupla: por um lado, os dados referem-se ao mais amplo conjunto de informações jamais reunido sobre a - firmas especializadas em produtos padronizados, categoria que reúne empresas razoavelmente atualizadas do ponto de vista de certas características operacionais (fabricação e logística), mas defasadas no que se refere a outras armas modernas da competição (pesquisa e desenvolvimento, marketing, gerenciamento de marcas, etc.) e que competem basicamente por custo e preço; 22 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ... - aquelas que não diferenciam produto e têm produtividade menor, categoria que engloba empresas que oferecem produtos de qualidade inferior, não exportadoras, porém se mostram capazes de captar espaços no mercado, através de baixos preços e outras possíveis vantagens.4 demais categorias. O faturamento médio deste grupo é de R$ 135,5 milhões, enquanto nas especializadas em produtos padronizados corresponde a R$ 25,7 milhões e naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor a R$ 1,3 milhão. Apesar de haver um diferencial significativo entre o tamanho médio das empresas nas três categorias, as eficiências de escala daquelas que inovam e diferenciam produtos e das especializadas em produtos padronizados estão muito próximas, mas divergem das que não diferenciam e têm produtividade menor (DE NEGRI et al., 2005). Isto mostra que os rendimentos de escala das empresas desta última categoria são inferiores quando comparadas com as demais empresas e que uma parte da sua ineficiência está associada ao fato delas operarem em escala de produção menor do que as outras. As variáveis relativas ao pessoal ocupado são relevantes para análise da estratégia competitiva das empresas. A remuneração média mensal do pessoal ocupado é de R$ 1.254,64 nas empresas que inovam e diferenciam produtos, R$ 749,02 nas especializadas em produtos padronizados e R$ 431,15 naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor. A remuneração está associada às características da mão-de-obra. A escolaridade média do trabalhador nas firmas que inovam e diferenciam produtos é significativamente maior do que nas demais. Em média, o empregado destas empresas tem 9,13 anos de estudos, contra 7,64 nas especializadas em produtos padronizados e 6,89 nas que não diferenciam e têm produtividade menor. O tempo de permanência médio do trabalhador também é maior nas empresas que inovam e diferenciam produtos (54,09 meses), quando comparadas com as especializadas em produtos padronizados (43,90 CARACTERÍSTICAS DAS FIRMAS SEGUNDO ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS Segundo os dados do IBGE, existem na indústria brasileira aproximadamente 72 mil empresas com mais de dez empregados. De acordo com suas estratégias competitivas, na indústria brasileira existem 1.199 firmas que inovam e diferenciam produtos, 15.311 especializadas em produtos padronizados e outras 55.486 que não diferenciam e têm produtividade menor (Tabela 1). É razoável que a maioria das empresas corresponda àquelas que não diferenciam e têm produtividade menor. Nesta categoria, estão incluídas empresas de médio e pequeno portes que oferecem produtos não diferenciados de qualidade menor e que concorrem via preços. A sua grande participação numérica não é refletida, entretanto, com a mesma intensidade quando o indicador é a participação no faturamento. Estas empresas respondem por apenas 11,5% do faturamento total da indústria brasileira. Já aquelas que inovam e diferenciam produtos, apesar de representarem numericamente apenas 1,7% da indústria brasileira, são responsáveis por 25,9% do faturamento industrial, enquanto as empresas especializadas em produtos padronizados detêm 62,6% do faturamento. A escala de produção das empresas que inovam e diferenciam produtos é significativamente maior do que nas TABELA 1 Empresas Industriais, por Características, segundo Estratégias Competitivas Brasil – 2000 Empresas Estratégias Competitivas Nos Abs. Total Inovam e Diferenciam Produtos % Faturamento Médio (em milhões de R$) Participação no Faturamento (%) Remuneração Prêmio Salarial Média do Resultante do ComporPessoal tamento Competitivo Ocupado (R$/mês) da Firma (%) 72.005 100,0 100,0 1.199 1,7 135,5 25,9 1.254,64 23 Especializadas em Produtos Padronizados 15.311 21,3 25,7 62,6 749,02 11 Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor 55.495 77,1 1,3 11,5 431,15 0 Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/ IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 23 GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI meses) e com as que não diferenciam e têm produtividade menor (35,41 meses em média). Bahia e Arbache (2005) mostraram, que também existe um prêmio salarial pago pelas empresas, que se diferencia de acordo com as estratégias competitivas. Segundo estes autores, as empresas que inovam e diferenciam produtos remuneram os empregados 23% a mais do que aquelas que não diferenciam e têm produtividade menor e as especializadas em produtos padronizados oferecem um prêmio salarial 11% a mais em comparação a esta última categoria. Estas evidências mostram que empresas que competem por inovação e diferenciação de produto tendem a remunerar melhor a mão-de-obra ocupada, sugerindo que uma política de incentivo à inovação e diferenciação de produto pode ter efeitos positivos do ponto de vista dos salários. para o mercado exige também esforço de inovação em processo. O padrão de inovação tecnológica das empresas especializadas em produtos padronizados é diferente: 35,6% implementaram inovação de processo e 26,2% inovaram produtos. Comportamento semelhante, porém de menor intensidade, é encontrado nas empresas que não diferenciam e têm produtividade menor: 21,4% realizaram inovação de processo e 13,4% inovaram produtos. De forma geral, estes dados indicam que há um diferencial de padrão de inovação tecnológica das empresas que inovam e diferenciam produto quando comparadas com as demais. Nas especializadas em produtos padronizados e naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor, o comportamento inovador é fortemente associado à difusão tecnológica, que é realizada de forma especialmente relevante por meio da inovação de processo. Uma parte significativa das inovações de processo é realizada através da introdução de máquinas e equipamentos, freqüentemente importadas. Nas empresas especializadas em produtos padronizados, o porcentual de inovadoras é maior do que nas que não diferenciam e têm produtividade menor, indicando uma preocupação maior nesta categoria com a eficiência produtiva (técnica e de escala). Neste último grupo, há um grande número de empresas, geralmente pequenas e médias, que não inovam e nem participam de processos de difusão tecnológica, compreendendo, via de regra, empresas defasadas tanto do ponto de vista tecnológico como de eficiência produtiva. Os dados apresentados na Tabela 3 corroboram também as evidências de que a difusão de tecnologia domina o comportamento inovador das empresas especializadas em Inovação Tecnológica – 1998-2000 A taxa de inovação na indústria brasileira é de 31,5% considerando-se as empresas com dez ou mais pessoas ocupadas. A inovação de produto novo e processo novo para o mercado é, entretanto, muito menos freqüente entre as empresas, chegando a 4,1% e 2,8%, respectivamente. A Tabela 2 apresenta o resultado do processo inovativo das empresas na indústria brasileira por categoria. Entre as empresas que inovam e diferenciam produtos, 70,6% também realizaram inovações de processo, sendo que 35,7% o fizeram para o mercado doméstico. O porcentual alto de empresas que realizam inovações de produto e de processo, entre as que inovam e diferenciam produtos, parece indicar que a inovação de produto novo TABELA 2 Taxas de Inovação de Produtos e Processo, segundo as Estratégias Competitivas das Empresas Brasil – 1998/2000 Em porcentagem Estratégias Competitivas Total Total Inovadoras de Produto Novo para Mercado Novo para Empresa Total Inovadoras de Processo Novo para Mercado Novo para Empresa 17,6 4,1 14,4 25,2 2,8 23,3 Inovam e Diferenciam Produtos 100,0 100,0 28,4 70,6 35,7 48,5 Especializadas em Produtos Padronizados 26,2 4,5 23,1 35,6 5,7 31,6 Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor 13,4 1,9 11,7 21,4 1,3 20,4 Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. Nota: Porcentuais por categoria de estratégia competitiva. Como a empresa pode inovar simultaneamente em produto e processo novos para a empresa ou para o mercado, os valores não somam 100%. 24 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ... produtos padronizados e daquelas que não diferenciam e têm produtividade menor. Quando se observa a informação sobre quem é o principal responsável pelas inovações, verifica-se que em 78% das empresas especializadas em produtos padronizados, o principal responsável pela inovação de processo foi outra empresa. Este valor sobe para 88,3% nas das empresas que não diferenciam e têm produtividade menor. Menos da metade (47,5%) das inovações de processo é realizada por outra empresa no caso daquelas que inovam e diferenciam produtos. Mesmo no que se refere às inovações de produto, a difusão de tecnologia é maior nas empresas especializadas em produtos padronizados e nas que não diferenciam e têm produtividade menor, quando comparadas àquelas que inovam e diferenciam produtos. A Tabela 3 também mostra que as empresas que inovam e diferenciam produtos apresentam, simultaneamente, a maior porcentagem de desenvolvimento próprio de processo (dentro da própria unidade) e a menor incidência de recurso a outras empresas. Ou seja, parece haver uma associação entre inovação e diferenciação de produto e inovação de processo, ainda que essa inovação possa ser via mudança de equipamento. Faz parte também do esforço inovador a capacidade de as empresas estabelecerem alianças cooperativas e parcerias para a inovação tecnológica. As parcerias se diferem de acordo com o padrão de inovação das empresas. A despeito da diferença entre os padrões de inovação tecnológica, verifica-se que as empresas especializadas em produtos padronizados e as que não diferenciam e têm produtividade menor, quando realizam inovação de produto, o fazem com um esforço individual maior do que aquelas que inovam e diferenciam produtos, das quais 29,3% realizaram inovação de produto em conjunto com outra empresa do grupo empresarial ao qual pertencem ou então em cooperação com outras empresas. Já nas especializadas em produtos padronizados este porcentual é de 15,9% e naquelas que não diferenciam produto e têm produtividade menor corresponde a 6,4%. As empresas que inovam e diferenciam produtos também realizam gastos na aquisição de P&D externo e de conhecimento, em proporção ao faturamento, maiores do que nas demais categorias, o que corrobora as evidências de que estas empresas cooperam ou realizam inovações dentro do seu grupo empresarial. Não é trivial, entretanto, a relação de causalidade entre desempenho inovativo da empresa e cooperação. As empresas podem inovar e com isso ampliar o leque de cooperação/parceria e troca de informações com outras empresas que também inovam, ou então podem associar-se para alcançar uma inovação tecnológica pretendida. Um dos indicadores de esforço individual das empresas que realizam inovação são os gastos de P&D interno como proporção do faturamento. Considerando apenas as empresas inovadoras em cada categoria, a média de gastos de P&D interno sobre o faturamento para aquelas que inovam e diferenciam produtos é de 3,06%, enquanto para as especializadas em produtos padronizados este porcentual é de 2,03% e naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor corresponde a 1,36%. O esforço da empresa para realizar inovação tecnológica tem como objetivo aumentar os recursos e potencialidades TABELA 3 Empresas, por Principal Responsável pela Inovação, segundo Estratégias Competitivas Brasil – 1998-2000 Em porcentagem Estratégias Competitivas Outra Empresa do Grupo Empresa Empresa em Cooperação Outras Empresas Produto 71,4 3,8 7,8 17,0 Inovam e Diferenciam Produtos 65,6 17,0 12,3 5,0 Especializadas em Produtos Padronizados 72,6 6,0 9,9 11,5 Não Diferenciam e têm Produtividade Menor 71,6 0,5 5,9 21,9 Processo 10,6 1,2 4,9 83,3 Inovam e Diferenciam Produtos 30,7 6,6 15,2 47,5 Especializadas em Produtos Padronizados 13,1 2,5 6,3 78,1 8,1 0,1 3,5 88,3 Não Diferenciam e têm Produtividade Menor Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 25 GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI disponíveis no seu interior e, com isso, obter vantagens competitivas que se traduzem em rentabilidade superior à de seus competidores. O impacto da inovação tecnológica em termos de recursos e potencialidades pode ser visto na Tabela 4, que apresenta a proporção de empresas que atribuíram alta importância a impactos específicos do processo de inovação. Naquelas que inovam e diferenciam produtos, a inovação tem um impacto maior na melhoria da qualidade e na ampliação da gama dos produtos ofertados. De fato, um dos ativos importantes desta categoria, em comparação às demais, é a sua potencialidade de diferenciar e melhorar a qualidade do seu produto. Das empresas que inovam e diferenciam produtos, 46,8% atribuíram alta importância da inovação tecnológica para ampliação da gama de produtos ofertados, sendo que, para as demais categorias, este valor é significativamente menor. A estratégia de direcionar os recursos disponíveis na empresa para gerar inovações que aumentem as potencialidades de diferenciar e melhorar a qualidade do produto ofertado se reflete no seu posicionamento no mercado. O por- centual de empresas que atribuíram alta importância da inovação tecnológica para manutenção, ampliação e abertura de novos mercados é maior naquelas que inovam e diferenciam produtos do que nas outras duas categorias. Já a proporção de empresas que atribuíram alta importância ao aumento da capacidade produtiva e da flexibilidade de produção é maior nas especializadas em produtos padronizados e nas que não diferenciam e têm produtividade menor. Estas empresas, produtoras de bens menos diferenciados, tendem a direcionar seus recursos disponíveis para ampliar suas potencialidades fabris, procurando fazer o mesmo produto da melhor forma. É por isso que grande parte da inovação realizada por estas empresas refere-se a processo. De forma geral, são menores os porcentuais de empresas que atribuíram alta importância da inovação tecnológica para a redução de custos do trabalho, de consumo de matérias-primas e de energia elétrica e parece não haver grandes diferenças na comparação entre as categorias. Um dado especialmente relevante que deve ser observado na Tabela 4 é que 23,1% das empresas que inovam e TABELA 4 Proporção de Empresas Inovadoras que Atribuíram Alta Importância da Inovação sobre Aspectos Específicos, Segundo Estratégias Competitivas Brasil – 1998/2000 Em porcentagem Estratégias Competitivas Inovam e Diferenciam Produtos Especializadas em Produtos Padronizados Não Diferenciam e têm Produtividade Menor Produto Melhorou a Qualidade dos Produtos 61,2 57,1 55,6 Ampliou a Gama de Produtos Ofertados 46,8 28,7 24,0 Mercado Permitiu Manter a Participação no Mercado 55,8 50,6 47,7 Ampliou a Participação no Mercado 47,5 39,9 34,6 Permitiu Abrir Novos Mercados 34,9 23,7 21,0 Aumentou a Capacidade Produtiva 34,1 42,5 43,6 Aumentou a Flexibilidade da Produção 32,7 36,7 34,6 Reduziu os Custos do Trabalho 23,7 24,2 22,3 Reduziu o Consumo de Matérias-Primas 10,6 9,2 7,2 8,8 9,0 8,3 Reduziu Impacto no Meio Ambiente 28,8 27,4 22,2 Enquadramento nas Normas do Mercado Interno 32,9 23,0 15,9 Enquadramento nas Normas do Mercado Externo 23,1 13,2 1,8 Processo Reduziu o Consumo de Energia Outros Impactos Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. 26 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ... cadores de inserção das empresas industriais brasileiras no comércio internacional. O coeficiente de exportação médio das especializadas em produtos padronizados é praticamente o dobro das demais inseridas no comércio internacional e o coeficiente de importação médio é 50% maior nestas empresas quando comparado com outras. A literatura sobre os determinantes do comércio internacional afirma que as exportações podem, por um lado, estar relacionadas às tradicionais vantagens comparativas que são determinadas pela dotação relativa de fatores de produção, como mão-de-obra e recursos naturais, e são associadas ao comércio interindústria. Por outro lado, as exportações podem estar baseadas em economias de escala, inovação tecnológica e diferenciação de produto e, neste caso, estariam essencialmente associadas ao comércio intra-indústria. O Brasil é um país em desenvolvimento onde a abundância em recursos naturais e mão-de-obra o torna competitivo nas exportações de bens que demandam maior dotação relativa destes fatores, mas o tamanho do mercado doméstico brasileiro e o esforço inovativo das empresas no Brasil também tornam o país competitivo em determinados segmentos em que inovação tecnológica e escala de produção são determinantes da competitividade das empresas no mercado internacional. Os indicadores de comércio exterior sinalizam padrão muito diferente entre as empresas que inovam e diferenciam produtos e as especializadas em produtos padronizados. As primeiras obtêm melhor preço no mercado internacional quando comparadas às demais exportadoras brasileiras, demandando mais importações de componentes ou produtos complementares às linhas de produção doméstica. Isto ocorre porque o Brasil é parcialmente ou não competitivo em segmentos de maior intensidade diferenciam produtos atribuíram alta importância da inovação para o enquadramento às normas do mercado externo. Nas especializadas em produtos padronizados este porcentual é de 13,2%. Uma das potencialidades importantes para o processo de competição das empresas é sua capacidade de promover mudanças microeconômicas relativas a suas estratégias de mercado e também organizacionais. Não existe relação de causalidade bem definida entre estas mudanças e a inovação tecnológica. Ao mesmo tempo em que impulsiona o processo de mudança, a inovação tecnológica impulsionada por ele. A Tabela 5 apresenta os dados referentes às empresas inovadoras que declararam realizar mudanças estratégias e organizacionais. Naquelas que inovam e diferenciam produtos, 39,1% declararam que realizaram mudanças na estratégia corporativa, que correspondem a alterações de produto e/ou mercado de atuação das empresas. As inovadoras de produto novo para o mercado são de fato empresas mais agressivas, não apenas no lançamento de novos produtos, mas também na conquista de novos mercados. Mais de 50% destas firmas também realizaram mudanças na gestão, estrutura organizacional, marketing e gerenciamento. Nas demais categorias, esta proporção é menor. As mudanças na estética, desenho, etc. do produto são mais simples de serem implementadas e, por isso, grande parte das empresas, independentemente da categoria, realizou estas alterações. INSERÇÃO NO COMÉRCIO EXTERIOR As empresas que inovam e diferenciam produtos exportam e importam em média muito mais do que as demais empresas exportadoras. A Tabela 6 apresenta indi- TABELA 5 Proporção de Empresas Inovadoras que Implementaram Mudanças Estratégicas e Organizacionais, segundo Estratégias Competitivas Brasil – 1998/2000 Em porcentagem Mudanças na Estratégia Corporativa Técnicas Avançadas de Gestão Mudanças na Estrutura Organizacional Mudanças de Estratégias de Marketing Mudança na Estética, Desenho, etc. Novos Métodos de Gerenciamento Inovam e Diferenciam Produtos 39,1 56,0 51,8 52,7 72,9 54,3 Especializadas em Produtos Padronizados 26,8 42,6 44,0 44,5 66,4 35,1 Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor 18,6 28,1 36,0 38,5 68,0 16,6 Estratégias Competitivas Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 27 GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI TABELA 6 Exportações, Importações e Coeficientes, segundo Estratégias Competitivas das Empresas Brasil – 2000 (1) Estratégias Competitivas Inovam e Diferenciam Produtos Exportações (US$ milhões) Importações (US$ milhões) 11,4 12,01 Coeficiente de Exportação (2) (%) 0,11 Coeficiente de Importação (3) (%) 0,15 Especializadas em Produtos Padronizados 2,1 1,8 0,21 0,10 Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor 0,0 0,0024 0,00 0,01 Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE. (1) Média no ano. (2) Valor exportado (R$) sobre faturamento (R$). (3) Valor importado (R$) sobre faturamento (R$). tecnológica. Estas empresas, para se manterem competitivas no mercado internacional, estariam importando componentes de maior conteúdo tecnológico para sua linha de produção, ao mesmo tempo em que complementam a linha de produtos oferecidos ao mercado doméstico. Desta maneira, as empresas que inovam e diferenciam produtos possuem um padrão de comércio intra-indústria, parte intra-empresa, caracterizado em grande medida pela complementaridade tecnológica com o exterior. As especializadas em produtos padronizados, por produzirem e exportarem bens menos diferenciados, mais homogêneos e de menor conteúdo tecnológico, aproveitam de forma mais intensa a abundância na dotação relativa de fatores de produção, como mão-de-obra barata e recursos naturais disponíveis no mercado brasileiro. Neste caso, as empresas são competitivas no comércio interindustrial com outros países. Este tipo de comércio depende menos de importações e as exportações realizadas pela firma acabam por contribuir com uma parcela maior do faturamento. Nesta categoria, as importações são realizadas com o objetivo de aproveitar a complementaridade intra-indústria baseada nos potenciais que são criados pela escala de produção doméstica. De Negri e Freitas (2004) mostraram que a inovação tecnológica é um dos determinantes das exportações das empresas brasileiras. Este estudo aponta para duas evidências. A primeira é que uma firma que realiza inovação tecnológica tem 16% mais chances de ser exportadora do que outra que não faz inovação tecnológica. A segunda é que um aumento na propensão de a empresa realizar inovação tecnológica, mensurada através de um aumento em um ano de escolaridade média de seus trabalhadores, associado a uma expansão de 20% na eficiência de escala, possibilitaria que empresas que não realizam exportações passassem a exportar US$ 559 mil por ano. Consideran- do que existem aproximadamente 18 mil firmas exportadoras na indústria brasileira, uma ampliação da base exportadora em torno de 14% (ou seja, se 2.500 empresas passassem a exportar como resultado do aumento de escala e da sua capacidade de inovar) seria responsável por um adicional de US$ 1,4 bilhão de exportações anuais. Este valor seria equivalente ao impacto resultante da eliminação completa das barreiras tarifárias para o mercado dos Estados Unidos e Canadá no âmbito da Alca somado ao impacto da eliminação completa das barreiras tarifárias para a Europa, o que poderia ser realizado no âmbito das negociações Mercosul-Europa.5 Internacionalização com Foco na Inovação Tecnológica Uma boa parte do comércio internacional se dá intraempresa e, desta forma, o desempenho exportador de um país pode ser influenciado positivamente quando suas empresas estabelecem subsidiárias no exterior, que podem contribuir com o desempenho exportador por exercerem diversas funções, tais como acessar canais de comercialização, adaptar os produtos à demanda de mercados específicos, criar mercados, acessar recursos financeiros mais baratos, apropriar tecnologias não disponíveis no mercado doméstico, etc. Arbix, Salerno e De Negri (2004; 2005a) mostraram que os processos de internacionalização com foco na inovação tecnológica afetam positivamente o desempenho exportador das empresas. Verificou-se que as empresas internacionalizadas com foco na inovação remuneram melhor a mão-de-obra, empregam pessoal com maior escolaridade e, portanto, geram empregos de melhor qualidade. Além disso, apresentam maior porcentual de dispêndio em treinamento de mão-de-obra relativamente ao faturamento, 28 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ... o que impulsionaria de alguma forma a qualificação da mãode-obra doméstica. Com relação às características da empresa, observou-se que aquelas internacionalizadas com foco na inovação exportam mais do que as que não fazem este tipo de internacionalização. Portanto, há evidências de que o aumento da competitividade das empresas é influenciado positivamente pelas inovações tecnológicas que são resultantes do processo de internacionalização. Os autores realçaram também o elo de ligação entre a inovação tecnológica, a internacionalização das empresas industriais brasileiras via investimento direto externo e a obtenção de preço-prêmio nas exportações (ARBIX; SALERNO; DE NEGRI, 2005b). Segundo os autores, esse elo de ligação existe porque a inovação tecnológica produz ativos específicos que possibilitam e facilitam a internacionalização das empresas, o que, por sua vez, contribui positivamente para a obtenção de um preço-prêmio nas exportações. Em um mecanismo de retroalimentação, a internacionalização favorece a inovação e a inovação aumenta a possibilidade de obtenção de preços-prêmio em relação aos demais exportadores. ram que realizaram mudanças na estratégia corporativa, ou seja, àquelas relacionadas com alterações de produto e/ou mercado de atuação. As empresas inovadoras de produto novo para o mercado são agressivas não apenas no lançamento de novos produtos, mas também na conquista de novos mercados. Mais de 50% destas empresas também realizaram mudanças na gestão, estrutura organizacional, marketing e gerenciamento. Esta é uma das características microeconômica marcantes do processo pró-ativo de reestruturação das empresas após a abertura econômica. O terceiro indício mostra que 23,1% das empresas que inovam e diferenciam produtos e 13,2% das especializadas em produtos padronizados realizaram inovação para se adequarem às normas e padrões internacionais. Estes números são importantes porque podem estar demonstrando que há uma parcela não desprezível de firmas na indústria brasileira voltada para atender ao mercado externo, devendo, portanto, considerar o mercado externo dentro da estratégia da empresa. Estes números são especialmente relevantes no contexto atual, porque no passado cristalizou-se no Brasil a interpretação de que o processo de desenvolvimento industrial brasileiro teria sido voltado para dentro e que as empresas enxergariam sua inserção internacional como uma parte residual de sua estratégia de crescimento, que ganharia importância somente nos momentos de restrições no mercado interno. O porcentual não desprezível de empresas que realizaram uma atividade nobre e singular do ponto de vista da competição, a inovação tecnológica, para se adequarem ao mercado internacional sugere que algo de novo na visão empresarial brasileira estaria ocorrendo. O quarto indício diz respeito à importância da inovação tecnológica nas exportações brasileiras. A firma que realiza inovação tecnológica tem 16% mais chances de ser exportadora do que outra que não faz inovação tecnológica. Isso indica que o empresariado brasileiro tem identificado a inovação tecnológica como um passo importante para sua inserção no comércio internacional. Neste sentido, o Brasil é um país em desenvolvimento onde a abundância em recursos naturais e mão-de-obra o torna competitivo nas exportações de bens que demandam maior dotação relativa destes fatores, mas o tamanho do mercado doméstico brasileiro e o esforço inovativo das firmas no Brasil também tornam o país competitivo em determinados segmentos em que inovação tecnológica e escala de produção são determinantes da competitividade das empresas no mercado internacional. CONCLUSÕES Este artigo procurou destacar e sistematizar alguns sinais indicadores da nova competitividade da indústria brasileira, cujo suporte básico seria um novo comportamento e visão empresarial. O primeiro indício relevante é que a inovação tecnológica e a diferenciação de produtos fazem parte das estratégias competitivas de um conjunto de empresas que representam 25,9% do faturamento da indústria brasileira. Aquelas que inovam e diferenciam produtos pagam prêmio salarial de 23%, empregam mão-de-obra mais qualificada e o pessoal ocupado permanece mais tempo no emprego. Estes indicadores mostram que estas empresas valorizam o capital humano e o conteúdo tecnológico obtido através do aprendizado em seu interior. Estas empresas realizam inovação de produto novo para o mercado e 70,6% realizam também inovação de processo, o que indica um padrão de inovação tecnológica mais sofisticado e que não é guiado apenas pela difusão de tecnologias já existentes. O grande número de parcerias e alianças cooperativas realizadas pelas empresas que inovam e diferenciam produtos indica que estas são capazes de empreender esforços articulados para alcançar a inovação tecnológica. O segundo indício apontado mostra que, nas empresas que inovam e diferenciam produtos, 39,1% declara- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 29 GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI O quinto indício está relacionado à internacionalização das empresas industriais brasileiras. Aquelas que inovam e diferenciam produtos têm buscado no exterior informações para realizar inovação tecnológica. A internacionalização com foco na inovação tecnológica produz impactos positivos sobre o desempenho exportador das empresas, pois aumenta não apenas o volume exportado, mas também o valor agregado aos bens exportados. Os sinais reunidos neste trabalho dão consistência à hipótese de que a nova competitividade da indústria brasileira encontra sustentação em um novo empresariado. Um das características importantes da reestruturação da indústria após a abertura econômica e estabilização é que muitas empresas brasileiras estão desenvolvendo um comportamento pró-ativo, orientando-se pelas práticas mais nobres da competição: a inovação tecnológica e a diferenciação de produto. As informações coletadas e já processadas sugerem fortemente a necessidade de construção de uma nova agenda de pesquisa sobre os sistemas produtivos, que incorpore as dimensões regionais, setoriais e locais dos processos de inovação, assim como para seus desdobramentos em outros setores e campos da atividade econômica, para além da indústria em sentido estrito. incubadoras em que foram gestadas. Esta categoria não foi analisada no Projeto. 5. Ver De Negri, Arbache (2003) e De Negri, Arbache e Falcão Silva (2003). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARBIX, G.; SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. Internacionalização com foco na inovação tecnológica e seu impacto sobre as exportações das firmas brasileiras. Revista DADOS, 2005a. No prelo. ________. Padrões de internacionalização das firmas industriais brasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005b. No prelo. ______. Inovação, via internacionalização, faz bem para as exportações brasileiras. Economia do conhecimento e inclusão social. In: FÓRUM NACIONAL 2004. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 185-224. BAHIA, L.D.; ARBACHE, J. Diferenciação salarial segundo critérios de desempenho das empresas industriais brasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. No prelo. DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J.; FALCÃO SILVA, M.L. A formação da Alca e seu impacto no potencial exportador brasileiro para os mercados dos Estados Unidos e do Canadá. Brasília, Ipea, 2003. (Texto para discussão, n. 991). DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J. O impacto de um acordo entre o Mercosul e a União Européia sobre o potencial exportador brasileiro para o mercado europeu. Brasília, Ipea, 2003. (Texto para discussão, n. 990). NOTAS 1. Foi utilizada base de dados organizada pelo Ipea, que reúne os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) e da Pesquisa Industrial sobre Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), do Censo do Capital Estrangeiro do Banco Central (Bacen), do Registro de Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen) e da Base de Dados de Compras Governamentais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). O banco de dados é composto por uma amostra de aproximadamente 70 mil empresas industriais e cinco milhões de pessoas que nelas trabalham. O Ipea não tem a posse física das informações utilizadas neste trabalho e, portanto, a realização de estudos como este só é possível devido às parcerias estabelecidas entre o Ipea, IBGE, MTE, Bacen, o MPOG e Secex/MDIC. O acesso às informações necessárias ao trabalho seguiu rigorosamente os procedimentos que garantem o sigilo de informações restritas. DE NEGRI, J.A.; FREITAS, F. Inovação tecnológica, eficiência de escala e exportações brasileiras. Brasília, Ipea, 2004. (Texto para discussão, n. 1044). DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S.; CASTRO, A.B. Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. No prelo. PORTER, M. Competitive strategy: techniques for analyzing industries and competitors. New York, The Free Press, 1980. SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. No prelo. 2. É utilizada também a expressão “lucro de monopólio”, no sentido de que a empresa obtém um ganho extra pelo fato de que, num determinado horizonte, seu produto se diferencia dos demais, criando uma situação similar a um monopólio de fato. GLAUCO ARBIX: Professor do Departamento de Sociologia da USP e Presidente do Ipea. 3. Com destaque para o professor Antônio Barros de Castro (IE/UFRJ), que teve a idéia inicial de categorizar as empresas por seu desempenho competitivo. Tal idéia foi aprofundada com os professores Afonso Fleury (Politécnica USP) e Adriano Proença (Coppe e EE-UFRJ). JOÃO ALBERTO DE NEGRI: Pesquisador e Diretor Adjunto de Estudos Setoriais do Ipea. 4. Na indústria brasileira poderia, ainda, ser contemplado um quarto agrupamento de empresas, formado por aquelas de base tecnológica e que estão em fase inicial de operação ou em condições de deixar as Artigo recebido em 5 de abril de 2005. Aprovado em 6 de maio de 2005. 30 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ... INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D participação de afiliadas brasileiras mensuradas por indicadores de C&T SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA Resumo: Este artigo analisa a participação de subsidiárias de empresas transnacionais no processo de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) global. Para tanto, serão avaliados indicadores de Ciência e Tecnologia (C&T) de empresas pertencentes aos setores mais inovadores no Brasil, a fim de comparar os dados com as subsidiárias das mesmas empresas localizadas em países que competem diretamente com o Brasil. Palavras-chave: Patentes. Dados bibliométricos. Tecnologia. Telecomunicação. Abstract: This paper aims to analyse the participation of Brazilian subsidiaries of foreign transnational companies in their global R&D processes. For this, we analysed some Science and Technology (S&T) indicators from the widest companies of the most innovative industries in Brazil in order to compare data from their subsidiaries located in countries that directly compete to the Brazilian units. Key words: Internationalization of R&D. Patents. Bibliometric data. Technology. V ivencia-se uma época de acirrada competitividade, impulsionada pela globalização, na qual o desenvolvimento tecnológico constitui-se num dos principais impulsionadores da competição industrial. A produtividade, a competitividade e o crescimento – tanto de empresas como até mesmo de países – estão intrinsecamente ligados à inovação. Desse modo, a participação das subsidiárias brasileiras nesse processo torna-se um importante medidor da capacidade de geração de valores tecnológicos do Brasil, uma vez que a presença de companhias transnacionais (TNCs) estrangeiras no país está cada vez mais acentuada. Dessa forma, é importante avaliar quantitativamente o grau de envolvimento das unidades subsidiárias no desenvolvimento de tecnologia das empresas estrangeiras que atuam localmente, uma vez que, para setores dominados por essas companhias, o compartilhamento de conhecimento e a replicação desse para o sistema nacional de inovação apresentam uma forte dependência dessas companhias. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 As atividades de P&D das TNCs têm seguido uma tendência de descentralização (CANTWELL, 1989, GHOSHAL; BARTLETT, 1988; REDDY, 1997; SUBRAMANIAM et al., 1998; DUNNING, 1999). Existem pesquisas que afirmam que subsidiárias brasileiras de algumas empresas TNCs estrangeiras estão envolvidas no desenvolvimento de alguns nichos de produtos globais (DIAS; GALINA, 2004; GALINA; PLONSKI, 2002; CONSONI; QUADROS, 2002). No entanto, não é comum encontrar na literatura estudos que mostrem quantitativamente o resultado dessa participação. Para tanto, existem indicadores de ciência e tecnologia (C&T) que podem ser utilizados (OECD, 1994). Deve-se salientar que a medição de inovação torna-se necessária, ainda que incompleta e imperfeita, devido à sua importância para o desenvolvimento nacional (DOGSON; SYBILLE, 2000), pois, dessa maneira, o tema dos indicadores será inserido, definitivamente, nas agendas dos estudos e das políticas de inovação. 31 SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA eletrônico que possuem subsidiárias instaladas no Brasil. Trata-se de indústrias dominadas por empresas transnacionais estrangeiras. Participaram do estudo as norte-americanas Lucent e Motorola, a japonesa NEC, a sueca Ericsson, a francesa Alcatel, a alemã Siemens, a finlandesa Nokia e a canadense Nortel, classificadas no setor de telecomunicações. Para o setor de informática, foram selecionadas as norte-americanas Cisco, Compaq, Dell, HP, IBM, Unisys e Xerox, e a sul coreana Samsung. No que diz respeito ao setor eletrônico, selecionamos a sueca Electrolux, as japonesas Furukawa e Toshiba, as norteamericanas GE, Intel e Tyco, a sul-coreana LG e a holandesa Philips. Essas empresas são as maiores em cada indústria considerada (VALOR ECONÔMICO, 2004). Portanto, foram selecionados os setores mais inovadores e, dentro deles, as empresas que podem realizar mais inovações, já que, quanto maiores, mais inovadoras elas são (IBGE, 2002). O levantamento de patentes foi feito nacional e internacionalmente. Para tanto, as consultas foram realizadas nas bases de dados disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI; e, para analisar a participação brasileira nas patentes requeridas internacionalmente, foi utilizada a base do United States Patent and Trademark Office – USPTO. Ambas as organizações disponibilizam informações pela Internet. É importante ressaltar que foram contemplados dados dos últimos dez anos. A base do USPTO foi escolhida porque o sistema norte-americano é o que realiza o maior número de registros de patentes de empresas estrangeiras do mundo – daí sua relevância. Os dados sobre patentes disponíveis para consulta na base do USPTO são bem mais detalhados do que os provenientes da base disponibilizada pelo INPI. Isso representa uma flexibilidade muito maior da base norteamericana se comparada à brasileira – o que significa que no USPTO é possível fazer diferentes tipos de consultas e receber um conjunto de dados mais específico do que pelo INPI. Por outro lado, a consulta à base de dados de patentes domésticas foi fundamental para os resultados desta pesquisa. Isso porque ela possui uma quantidade muito maior de dados relevantes a serem tratados aqui e, por isso, possibilita uma análise mais fundamentada e, conseqüentemente, conclusões mais aprofundadas. Geralmente, quando uma empresa transnacional solicita patentes internacionais, isso significa que o produto patenteado é inovador e relevante para a companhia as- No entanto, é necessário destacar que nenhum indicador tem a capacidade de, sozinho, analisar a complexidade e abrangência da atuação de uma organização – e muito menos de um sistema de inovação. Os indicadores devem refletir características específicas e devidamente contextualizadas, para que possam ser alcançados os objetivos para os quais foram designados. A partir dessas considerações, o objetivo deste artigo é avaliar a relevância da participação das subsidiárias brasileiras no processo de desenvolvimento tecnológico, por meio dos resultados das atividades realizadas localmente. Tais resultados serão analisados por meio de dados quantitativos (especificamente a partir de dois dos mais importantes indicadores de C&T: estudos sobre patentes e estudos bibliométricos), considerando-se alguns dos setores mais inovadores (IBGE, 2002) que sejam dominados por TNCs. Estes dados serão comparados ainda com os provenientes de subsidiárias das mesmas transnacionais consideradas, localizadas em outros países que competem diretamente com o Brasil em cada um dos setores analisados. Dessa forma, aborda-se um tema de significativa importância para a avaliação de C&T no país – e que ainda foi pouco explorado. Vale considerar que um importante indicador faz referência a solicitações de patentes, que podem ser efetuadas em âmbito nacional ou internacional dependendo de onde as empresas pretendem fabricar e comercializar seus produtos. Entretanto, deve-se destacar que os resultados estabelecidos apenas a partir de análises estatísticas com patentes são frágeis, visto que tais estudos podem ser indicadores imperfeitos se utilizados isoladamente (PAVITT, 1988). Portanto, torna-se necessário e prudente combiná-los com outros indicadores de C&T, como informações bibliométricas. Assim, este artigo combina os dois indicadores mencionados, com o intuito de explorar a representatividade da participação de subsidiárias brasileiras no desenvolvimento tecnológico de algumas indústrias – majoritariamente companhias estrangeiras. A seguir, é apresentada a metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho, os dados obtidos e algumas considerações finais, com levantamento de questões importantes a serem ainda investigadas. METODOLOGIA Os estudos foram realizados com empresas transnacionais dos setores de telecomunicação, informática e 32 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO P&D: ... Patentes Solicitadas a Companhias e Inventores Países em Desenvolvimento – 1994-2003 Países em Desenvolvimento Brasil Chile Empresa 202 365 426 793 Empresa 17 29 Inventor 57 87 Empresa 128 197 Inventor 372 660 Cingapura Empresa 241 1.084 597 1.991 Taiwan Empresa 5.081 18.571 Inventor 13.057 31.056 39 59 Inventor 85 298 Empresa 131 717 Inventor 370 1.360 Empresa 17 71 Tailândia Índia Malásia Empresa Inventor 149 404 Coréia do Sul Empresa 8.700 18.001 Inventor 9.359 19.500 China Empresa 170 907 476 2.269 Inventor Hong Kong Hungria Empresa 1.048 1.938 Inventor 1.490 2.793 Empresa 1.624 3.163 Inventor 3.093 5.666 Empresa 138 128 Inventor 265 321 Irlanda Empresa 239 477 Inventor 468 961 Rússia Empresa 32 1 Inventor 130 13 Patentes Internacionais Fonte: USPTO. 33 1999-2003 Inventor Inventor A busca de dados na base do USPTO foi feita em dois períodos de cinco anos distintos: de 1994 a 1998 e de 1999 a 2003. A flexibilidade para a combinação de diferentes buscas nessa base nos levou a informações diversificadas 1994-1998 México RESULTADOS OBTIDOS PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 DE TABELA 1 Israel EM ATIVIDADES e a análises importantes. Em uma dessas análises, o número de patentes foi obtido considerando o Brasil como o país de origem das patentes (inventores ou empresas), com o objetivo de mostrar a situação geral do país em termos de patentes recebidas, sem considerar cada companhia especificamente. Os resultados, mostrados na Tabela 1, não são muito animadores. Eles indicam que, mesmo com um aumento de 80% de um período para outro, a participação do país é baixa. E isso, não somente se o considerado como “país de origem do inventor”, mas também como “país onde está localizada a empresa que fez a requisição da patente”. sim como a equipe envolvida no processo de inovação. Quando a equipe conta com a participação de funcionários ligados a alguma subsidiária, esse pode ser um indício de que há envolvimento entre tal subsidiária e a rede global de desenvolvimento tecnológico da TNC, mesmo que a patente não tenha sido solicitada em nome da subsidiária. Dessa forma, a análise cobrirá a solicitação de patente em nome da subsidiária e também a existência de pelo menos um inventor oriundo da subsidiária. Um outro indicador escolhido para medir o envolvimento entre matrizes e subsidiárias brasileiras refere-se a dados bibliométricos, ou seja, a quantidade de artigos científicos publicados em periódicos de destaque. Vale citar que, enquanto as patentes estão ligadas à pesquisa aplicada e ao desenvolvimento experimental (para posterior produção e comercialização do produto), as publicações científicas geralmente se referem à pesquisa básica e aplicada. Dessa forma, com esses dois indicadores de resultados de C&T, cobrem-se todos os tipos de atividades realizadas em P&D (OECD, 1994). Os dados bibliométricos são provenientes do Science Citation Index – SCI, editado pelo instituto norte-americano Institute for Scientific Information – ISI, também por intermédio da base disponível na internet. O SCI é multidisciplinar e compreende cerca de 5.300 periódicos relacionados a ciências humanas, meio ambiente, tecnologia e medicina. Além disso, ele é a base multidisciplinar que compreende o número mais significativo de publicações da América Latina. Em 1997, as publicações da região representaram 2,3% do total das publicações registradas no SCI (RICYT; CYTED; OEA, 1999). Para qualquer um dos indicadores selecionados, os dados encontrados para a participação do Brasil foram confrontados com os dados de outros países, tanto os em desenvolvimento quanto os desenvolvidos. Na escolha desses países, foi considerada a relevância das subsidiárias como prováveis participantes do desenvolvimento de produtos das TNCs – o que as torna importantes concorrentes das subsidiárias brasileiras. SÃO PAULO DE SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA Os números absolutos provenientes da Rússia, Hungria, Chile, México, Tailândia e Malásia são ainda piores. No entanto, nas comparações com Índia, Israel, China, Irlanda, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan, o Brasil está numa posição absolutamente inferior. Entre os países analisados, as melhores posições são as de Taiwan e da Coréia do Sul, que têm números muito mais impressivos de patentes obtidas. Entretanto, com exceção desses dois, os números que representam países inteiros em geral são baixos, uma vez que várias das companhias estudadas os superam – especialmente no segundo período, conforme visto na Tabela 2. É importante diferenciar a participação de inventores e subsidiárias no processo de desenvolvimento que acabou por gerar o produto patenteado. Quando existe participação de um inventor local mas a unidade dele não é a solicitante da patente, esse fato pode indicar que a equipe local de desenvolvimento não está envolvida na pesquisa e que provavelmente, esta é realizada fora da unidade. Uma outra possível razão para isso é que a subsidiária pode não ter autonomia ou poder para competir com a matriz na solicitação da patente. Assim, quanto a buscas realizadas nas bases de dados, sempre que possível foram separadas as informações relacionadas a subsidiárias ou a inventores. A partir dos nomes de cada companhia estudada e de seus respectivos países, foi feito um levantamento mais específico na base da USPTO. Assim, foram identificadas as patentes solicitadas por várias subsidiárias. O resultado é apresentado na Tabela 2 e mostra claramente que as subsidiárias de países em desenvolvimento têm poucas patentes em seus nomes. No caso do Brasil, identificamos Ericsson, Lucent, GE, Philips, Tyco e Xerox, com pouquíssimas patentes cada uma. TABELA 2 Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores Países Selecionados – 1994-2003 Empresas Estudadas Anos Brasil Total Unidade Alcatel Ericsson Lucent (1) Motorola NEC Nokia Nortel Siemens Telecomunicações Israel Índia Inventor Unidade Inventor Unidade Inventor China Unidade Hungria Inventor Unidade Irlanda Inventor Unidade Inventor 1994-1998 1.020 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 1.817 0 0 0 1 (0,06%) 0 0 0 0 0 0 0 0 1994-1998 1.067 0 1 (0,09%) 0 0 0 0 0 0 0 2 (0,19%) 0 0 1999-2003 3.733 1 (0,03%) 1 (0,03%) 0 1 (0,03%) 0 0 0 1 (0,03%) 0 15 (0,4%) 1 (0,03%) 21 (0,56%) 1994-1998 3.455 0 1 (0,03%) 0 1 (0,03%) 0 12 (0,35%) 0 0 0 0 0 0 1999-2003 5.043 0 0 0 13 (0,26%) 0 15 (0,3%) 0 3 0 0 0 3 (0,06%) 1994-1998 5.999 0 0 0 2 (0,03%) 0 105 (1,75%) 0 4 (0,07%) 0 0 0 2 (0,03%) 1999-2003 4.795 0 0 0 4 (0,08%) 0 110 (2,29%) 0 7 (0,15%) 0 0 0 7 (0,15%) 1994-1998 5.939 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 9.654 0 0 1 (0,01%) 2 (0,02%) 0 0 0 0 0 0 0 0 1994-1998 658 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 2.224 0 0 0 0 0 1 (0,04%) 0 3 (0,13%) 0 2 (0,09%) 0 0 1994-1998 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 1.834 0 0 0 2 (0,11%) 0 2 (0,11%) 0 0 0 0 0 7 (0,38%) 1994-1998 3.345 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 (0,03%) 1999-2003 6.062 0 0 0 2 (0,03%) 0 3 (0,05%) 0 4 (0,07%) 0 0 0 1 (0,02%) (continua) 34 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ... TABELA 2 Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores Países Selecionados – 1994-2003 Eletrônico Brasil Empresas Estudadas Electrolux Furukawa GE Intel LG Philips Semp Toshiba Tyco Anos Total Cingapura Unidade Inventor Unidade Taiwan Inventor Unidade Índia Malásia Inventor Unidade Inventor Unidade Coréia do Sul Inventor Unidade Hong Kong Inventor Unidade Inventor 1994-1998 170 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 158 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1994-1998 271 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 391 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1994-1998 3.795 0 2 0 0 0 2 0 4 0 0 0 3 0 0 1999-2003 4.905 0 0 0 4 0 2 0 54 0 0 0 2 0 0 1994-1998 2.024 0 0 0 1 0 0 0 0 0 5 0 0 0 0 1999-2003 5.066 0 0 0 4 0 1 0 10 0 17 0 0 0 0 1994-1998 806 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 798 799 0 0 1999-2003 2.862 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2.845 2.795 0 0 1994-1998 3.135 0 2 0 10 0 5 0 0 0 0 0 10 4 1999-2003 5.698 0 2 0 29 0 13 0 0 0 0 326 295 1 13 1994-1998 5.433 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 1999-2003 7.031 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 3 2 0 0 1994-1998 17 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 537 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 Informática Brasil Empresas Estudadas Cisco Compaq Dell HP IBM Samsung Unisys Xerox Anos Total Unidade México Inventor Unidade Cingapura Inventor Unidade EM Unidade Índia Inventor Unidade Coréia do Sul Inventor China Unidade Inventor Unidade Inventor 1994-1998 42 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 966 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0 0 1994-1998 697 0 0 0 1 0 0 0 4 0 1 0 0 0 0 1999-2003 1.347 0 0 0 1 0 9 0 8 0 1 0 0 0 0 1994-1998 412 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1999-2003 561 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1994-1998 2.741 0 0 0 7 0 42 0 1 0 1 0 0 0 0 1999-2003 5.533 0 0 0 53 0 107 2 11 0 11 0 1 0 0 1994-1998 102 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 61 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1994-1998 3.833 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3.766 3.628 0 0 1999-2003 8.080 0 0 0 0 0 0 3 1 0 0 7.964 7.717 1 0 1994-1998 556 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1999-2003 521 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1994-1998 4.263 0 0 0 1 0 0 0 1 0 5 0 0 0 2 1999-2003 4.332 0 3 0 1 0 0 0 3 0 0 0 2 0 PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 0 (conclusão) Fonte: USPTO. (1) AT&T no período de 1994 a 1998. SÃO PAULO Taiwan Inventor 35 SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA las aumentaram suas solicitações de patentes locais, enquanto outras as diminuíram. Nortel e Lucent, por exemplo, aumentaram respectivamente 269% e 190% suas participações de um período a outro. Essas companhias intensificaram seus negócios no Brasil após a privatização do sistema Telebrás; a Nortel, em telefonia móvel; e a Lucent, em fixa (com aquisição de duas empresas brasileiras – Batik e Zetax). É notável o crescimento da GE e da Xerox, – sendo que esta última apresenta números bastante significativos. É preciso também observar que são neces- Quanto ao setor de telecomunicações, o Brasil apresenta o pior desempenho quando comparado aos demais países em desenvolvimento considerados. Quando analisa-se o total de patentes por país, Israel se destaca – especialmente no segundo período e para as norte-americanas Motorola e Lucent. No entanto, esse país não tem patente solicitada em seu nome. Na Tabela 2, destacam-se os dados da Coréia do Sul, principalmente em função das sul-coreanas LG e Samsung. Como a Philips também apresentava números significativos para o país, especialmente no segundo período,verificou-se que o resultado extremamente positivo foi influenciado por uma joint venture com a Samsung. É necessário mencionar que realizou-se a busca de dados para todos os países citados na Tabela 1. No entanto, alguns países mostraram dar pouca importância a certos setores. Por isso, considerou-se apenas as informações dos que apresentavam maior participação. É o caso da Rússia, por exemplo. É possível confirmar que os resultados encontrados para cada país e apresentados na Tabela 2 são realmente baixos (exceto pela Coréia do Sul, por razões já mencionadas), se considerados com uma outra análise feita com dados de subsidiárias localizadas em países desenvolvidos. Uma das limitações para essa análise é a impossibilidade de obter dados dos Estados Unidos como inventor ou país solicitante da patente na base do USPTO. Assim, nenhum dado foi encontrado nem para as companhias norteamericanas nem para as subsidiárias de outras empresas que sejam localizadas nos EUA. Essas seriam informações muito úteis, uma vez que as subsidiárias norte-americanas geralmente estão muito envolvidas no desenvolvimento de produtos em todas as companhias estudadas. As Tabelas 3 e 4 mostram os dados obtidos para algumas subsidiárias de países desenvolvidos, tanto para patentes solicitadas quanto para inventores residentes em outros países que não os de sede das companhias. Pela verificação dos dados, especialmente na coluna HQ (Headquarters – matrizes), as empresas têm, sim, a prática de solicitar patentes em nome de subsidiárias e de ter inventores residentes em outros países, mas, conforme discutido anteriormente, o Brasil não é um deles. TABELA 3 Participação de Patentes Solicitadas pela Matriz e por Algumas Subsidiárias Países Selecionados – 1999/2003 Em porcentagem Telecomunicações Empresas HQ (1) Alemanha 74 0,3 0,1 Holanda: 3,0 Ericsson 63 0,2 0,2 Japão: NEC 98 0 0,01 França: 0,0 Nokia 97 1 0 Japão: 0,04 Nortel 97 0,2 0 França: 1,0 Siemens 69 - 0,9 Suécia: 1,7 HQ (1) Alemanha Electrolux 70 6 0 Furukawa 100 0 0 0 GE - 0,02 0,04 0,02 Intel - 0 0,02 0 LG - 99,4 0 0,4 Philips 38,7 0,1 0,2 0 Semp Toshiba 98,9 0,2 0 0 - 2,4 6 1,1 0,06 Eletrônico Tyco Japão Reino Unido 1 Informática Empresas HQ (1) Buscas na base de dados do INPI foram também feitas em dois períodos (1994-1998 e 1999-2003). Em ambos, o número de patentes solicitadas/obtidas pelas companhias estudadas variou amplamente (Tabela 5). Algumas de- Outras Alcatel Empresas Patentes Domésticas Suíça Japão Reino Unido Cisco - Alemanha 0 0 0 Compaq - 0 0 0 Dell - 0 0 0 HP - 0 0,07 2 IBM - 0 11 0 99 0,01 0,8 0 - 0 1 0 Samsung Unisys Fonte: USPTO. (1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz. 36 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ... res de cada produto em determinada companhia e seus respectivos países, não foi possível obter o número de patentes registradas no instituto por nacionalidade dos inventores. No entanto, apesar da impossibilidade em obter dados por meio de consulta pelo campo “país”, foi mais fácil encontrar a localização das companhias (ou de suas unidades) porque é possível conhecer os nomes de suas subsidiárias. Assim, a participação de unidades locais foi identificada pelos nomes das unidades brasileiras de cada companhia. sários mais estudos para identificar a ausência de solicitações pela Cisco e a existência de apenas uma pela IBM. As pesquisas na base do INPI são menos flexíveis que na do USPTO, mas isso não é relevante para o propósito deste trabalho e para a análise dos resultados. Quando se usa a base do INPI, uma das principais dificuldades é descobrir o endereço do inventor ou da companhia – ou seja, seu país específico. Não é possível fazer buscas por esse campo na base on-line. Assim, já que é praticamente impossível relacionar os nomes dos invento- TABELA 5 TABELA 4 Solicitações de Patentes Regionais pelas Companhias Estudadas Países Selecionados – 1994-2003 Participação de Inventores de Patentes Requeridas para a Matriz e para Algumas Subsidiárias Países Selecionados – 1999/2003 Empresas Em porcentagem Alcatel 1999-2003 Telecomunicações Telecomunicações Empresas 1994-1998 Alcatel 79 29 1.049 465 Lucent (1) 147 426 Motorola 485 227 HQ (1) Alemanha Suíça Outras 41 17 0,4 Holanda: 0,7 Bélgica: 6,0 Japão: 0,7 NEC 61 160 França: 0,04 Nokia 157 318 Ericsson 52 3,2 0,1 NEC 97 0,01 0,02 Nokia 69 3,9 0,2 Japão: 1,1 Nortel 51 0,4 0 França: 1,9 Siemens 66 - 1,2 Suécia: 1,8 Ericsson Nortel 13 48 407 460 Electrolux 39 52 Furukawa 23 25 GE 61 322 Siemens Eletrônico Eletrônico Empresas HQ (1) Alemanha Electrolux 65 9 Furukawa 99,5 - GE Intel LG Philips Semp Toshiba Tyco Japão Reino Unido 0 3 0 0 0,3 Intel 58 46 0,7 1,2 0,4 LG 136 227 - 0,1 0,8 0,1 Philips 165 290 97,7 0 1,3 0,1 Samsung 190 338 41 12 1 6 98,2 0,2 0 0,2 - 8,2 7,3 1,7 Semp Toshiba 31 17 Tyco 17 86 Cisco 0 0 Compaq 9 0 18 44 68 Informática Informática Empresas HQ (1) Alemanha Japão - 0,2 0 0,5 Dell Compaq - 0,3 0,1 0,4 HP 5 Dell - 0 0 0,2 IBM 1 0 HP - 1,3 0,8 2,3 Samsung 190 334 Semp Toshiba 31 15 Cisco IBM Samsung Unisys Reino Unido - 1,6 14,8 1,6 96 0,1 0,8 0 - 0 1 0,2 Fonte: USPTO. EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 7 6 Xerox 460 485 Fonte: INPI. (1) AT&T do período de 1994 a 1995. (1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz. SÃO PAULO Unisys 37 SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA Bibliométricos Ainda observando comparativamente os países da amostra, vale destacar os crescimentos dos percentuais de Hungria, China, Índia, Taiwan (apesar de pequena diminuição no setor de informática) e Cingapura. O Brasil, mais uma vez, tem uma representatividade ínfima (a não ser quando comparado a países sul-americanos), sendo que no setor de eletrônicos ela é praticamente nula. Dados bibliométricos são geralmente usados como indicadores da posição de um país em termos de publicações científicas relevantes. Quando se faz a comparação entre diferentes regiões, usualmente a busca de dados é feita a partir de diversas bases. Assim, os pesquisadores podem tratar com um número significativo de periódicos e analisar diferentes campos da ciência. O Brasil e cada um dos outros países citados também foram analisados quanto à cooperação entre companhias e países com vistas à produção científica. Os dados bibliométricos aqui utilizados têm como fonte artigos científicos e técnicos listados pela base ISI/SCI. Tal base foi escolhida por ser multidisciplinar e porque é a mais importante fonte de publicações científicas nos campos de engenharia e tecnologia, principais segmentos para geração de inovação tecnológica dos setores estudados. Foram considerados os dados de dois períodos: o de 1994 a 1998 (período A) e o de 1999 a 2003 (período B), apresentados na Tabela 6. Esses dados mostram as publicações de pelo menos um dos autores provenientes das companhias estudadas e um de uma instituição ou de uma companhia localizada nos países selecionados. Dessa forma, foi possível encontrar cooperação em pesquisas científicas realizadas pelas companhias estudadas e instituições ou companhias de outros países. A partir das buscas realizadas nessa base de dados, foi possível encontrar várias “falsas” referências relacionadas a GE, LG e Dell, ou seja, papers publicados que não são escritos pelas empresas citadas, mas por outras homônimas. Assim, optou-se por excluí-las das tabelas relacionadas neste artigo. Observamos que Lucent, NEC, Siemens, Toshiba, Philips e IBM apresentam um total significativo de publicações, apesar de diminuírem suas porcentagens de um período para outro. Também é importante notar que a Intel teve o maior crescimento entre as empresas estudadas, apesar dos valores serem menos representativos. Alguns números chamam a atenção mais uma vez. É o caso da Coréia do Sul, que se destaca entre os países – mas os números são extremamente dependentes da sulcoreana Samsung. Israel também apresenta números representativos quando comparados com os demais países, e mais uma vez por influência da norte-americana Lucent (vale destacar que, neste caso, Motorola tem menor participação), mas também com significativa participação da NEC. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com os indicadores quantitativos obtidos, é possível concluir que as subsidiárias brasileiras não estão muito envolvidas no desenvolvimento tecnológico de produtos globais. Os dados bibliométricos e de patentes – nacionais ou internacionais – mostram um panorama desfavorável para as unidades locais quando comparados aos de subsidiárias localizadas em outros países em desenvolvimento que competem diretamente com o Brasil. O pior resultado foi encontrado na base USPTO, que mostra que a participação das unidades brasileiras é realmente pequena. A partir da base do INPI, observou-se que a participação das subsidiárias brasileiras na solicitação de patentes locais é melhor, mas que em geral tem caído nos últimos anos – fato que não foi anteriormente apresentado nesse artigo. Vale ressaltar que as matrizes das companhias têm descentralizado as tarefas de desenvolvimento de produtos e envolvido suas subsidiárias: os dados de patentes aqui apresentados mostram timidamente esse fato. No entanto, outros estudos indicam claramente que o envolvimento de países desenvolvidos é significativo e tem aumentado (GALINA; BORTOLOTI, 2004). Por outro lado, os dados de patentes nacionais e internacionais mostram que a participação das unidades brasileiras é insignificante. Um resultado melhor é o referente aos indicadores bibliométricos, mas, mesmo assim, é pior que os dados de outros países em desenvolvimento estudados, como citado na seção anterior. A lei de informática,1 da qual a maioria das companhias estudadas se beneficiam, deve ter influenciado este resultado. Essa lei exige que as empresas beneficiadas tenham parcerias com universidades ou centros de pesquisa no Brasil – o que acaba gerando publicações científicas. Por essa razão, os indicadores de C&T analisados e apresentados aqui não mostram evidências significativas da participação do Brasil no desenvolvimento tecnológico dos fornecedores mundiais de equipamentos e serviços de telecomunicações, informática e eletrônicos. Essa é 38 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 INTERNACIONALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE P&D: ... TABELA 6 Papers Publicados pelos Países e Companhias Países Selecionados – 1994-2003 Telecomunicações Empresas Anos Total Total 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 Alcatel Ericsson Lucent (1) Motorola NEC Nokia Nortel Siemens Brasil 12.668 12.647 789 805 298 607 5.133 4.101 1.208 1.564 2.698 2.563 178 486 223 472 2.141 2.049 Argentina 30 35 1 3 1 3 17 17 2 5 5 3 4 4 18 7 2 0 0 0 16 3 0 0 0 2 0 0 0 0 0 2 Índia Israel China 68 105 0 2 0 2 14 50 18 10 22 31 0 2 0 2 14 6 154 171 0 0 0 1 113 106 3 8 27 50 0 0 1 2 10 4 22 129 1 1 1 9 7 36 3 32 6 19 0 6 1 8 3 18 Hungria 29 86 0 0 4 51 10 14 0 1 0 0 0 6 0 0 15 14 Irlanda 20 27 2 4 0 5 9 5 3 4 0 3 0 3 0 2 6 1 Eletrônico Empresas Anos Total 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 Electrolux Furukawa Intel Philips Toshiba Tyco Total Brasil 5.212 5.786 5 10 227 266 562 992 2.337 2.518 2.069 1.907 12 93 1 2 0 0 0 0 0 0 0 2 1 0 0 0 Total Brasil 11.413 11.652 23 158 21 221 1.861 1.176 6.869 5.811 1.313 3.415 68 31 1.258 840 33 42 0 0 0 0 4 12 24 24 0 4 0 0 5 2 Cingapura Taiwan Índia Malásia 9 18 1 0 0 2 1 3 7 13 0 0 0 0 14 45 0 0 0 0 3 14 11 28 0 2 0 1 4 28 0 0 0 0 3 15 1 12 0 1 0 0 Chile Cingapura Taiwan Índia Coréia do Sul 5 13 0 1 0 0 0 0 4 11 1 1 0 0 0 0 28 54 0 2 0 1 15 16 13 24 0 5 0 0 0 6 50 46 0 0 1 2 2 4 38 27 2 12 0 0 7 1 33 113 0 5 0 0 2 11 28 90 2 7 0 0 1 0 1.332 3.426 0 0 0 0 2 4 41 49 1.278 3.371 0 0 11 2 4 6 0 0 0 0 4 6 0 0 0 0 0 0 Coréia do Sul 8 61 0 0 0 0 0 19 3 38 5 4 0 0 China 16 40 0 0 0 7 0 12 9 11 5 9 2 1 Hong Kong 12 11 0 0 0 2 7 4 3 3 1 0 1 2 Informática Empresas Anos Total 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 1994-1998 1999-2003 Cisco Compaq HP IBM Samsung Unisys Xerox Fonte: SCI. (1) AT&T do período de 1994 a 1995. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 39 China 18 79 1 1 0 1 6 6 8 42 0 28 0 0 3 1 Hong Kong 31 33 0 0 0 0 8 3 22 20 0 9 1 0 0 1 SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA DOGSON, M.; SYBILLE, H. Indicators used to measure the innovation process: defects and possible remedies. Research Evaluation, n. 9, p. 101-106, 2000. uma conclusão relevante, uma vez que tais indicadores são amplamente utilizados para medir resultados de C&T, para comparar desenvolvimento tecnológico de países e para estimar resultados de formulação de políticas públicas. Os dados quantitativos aqui apresentados possibilitam o desenho de um panorama da participação brasileira nos setores analisados, uma vez que afinal, foram estudadas as maiores empresas presentes no Brasil em cada um dos segmentos. No entanto, eles devem ser combinados com outras informações a respeito dessas indústrias por meio de outras pesquisas. O intuito é que os dados quantitativos possam ser utilizados para fortalecer estudos qualitativos, numa tentativa de melhor caracterizar os setores mais inovadores da indústria brasileira. Um desses estudos visa ao setor de telecomunicações (GALINA; PLONSKI, 2005; GALINA; BORTOLOTI, 2004) e indica que há desenvolvimento local de produtos, mas que a inovação está mais voltada para a adaptação ao mercado local. Também mostra que há participação de subsidiárias locais no desenvolvimento global, porém as tarefas que cabem às unidades brasileiras são pouco inovadoras e não chegam a gerar patentes. Também estão sendo realizadas outras investigações dessa natureza, que serão divulgadas em futuro próximo. DUNNING, J.H. Multinational Enterprises and the Global Economy. England: Addison-Wesley, 1999. GALINA, S.V.R.; PLONSKI, G.A. Inovação no setor de telecomunicações no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Finep (Forthcoming), 2005. ________. Global Product Development in the Telecommunication Industry: an Analysis of the Brazilian Subsidiaries Involvement. In: PROCEEDINGS OF THE 9TH INTERNATIONAL PRODUCT DEVELOPMENT MANAGEMENT CONFERENCE, European Institute for Advanced Studies in Management – EIASM; Sophia Antipolis, France: May 2002. GALINA, S.V.R.; BORTOLOTI, L. Subsidiaries involvement in technological development of telecommunication industry: results from S&T indicators. REAd – Revista Eletrônica de Administração, ed. 42, v. 10, n. 6, Nov./Dec. 2004. GHOSHAL, S.; BARTLETT, C. Innovation Processes in Multinational Corporations. In: TUSHMAN, M.L.; MOORE, W.L. Readings in the Management of Innovation. Cambridge, Ma: Ballinger Publishing Company, 1988. IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002. OECD. The measure of scientific and technological activities using patent data as S&T indicators. Paris: 1994. 108p. PAVITT, K. Uses and abuses of patent statistics. In: VAN RAAN, A.F.J. Handbook of quantitative studies of Science and Technology. Holanda: [s.n.], 1988. REDDY, P. New Trends in Globalization of Corporate R&D and Implications for Innovation Capability in Host Countries: A Survey from India. World Development, v. 25, n. 11, p. 1821-1837, 1997. NOTA RICYT; CYTED; OEA. Indicadores de C&T Iberoamericanos/ Interamericanos. Argentina: 1999. 1. Antiga Lei n o 8.248/1991, que deu origem à Lei n o 10.176/2001, alterada pela Lei no 10.664/2003. SUBRAMANIAM, M.; ROSENTHAL, S.; HATTEN, K. Global New Product Development Processes: Preliminary Findingds and Research Proprositions. Journal of Management Studies, v. 35, n. 6, p. 773-796, Nov. 1998. VALOR ECONÔMICO. Anuário Maiores e Melhores 2004, São Paulo, 2004. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANTWELL, J. Technological Innovation and Multinational Corporations. New York: Brasil Blackwell Publishers, 1989. CLARK, K.B.; FUJIMOTO, T. Product Development Performance: Strategy, Organization, and Management in the Auto Industry. Boston: HBS Press, 1991. SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA: Professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo – FEA-RP/USP (Ribeirão Preto – SP) ([email protected]). CONSONI, F.L.; QUADROS, R. Desenvolvimento de Produtos na Indústria Automobilística Brasileira: Perspectivas e Obstáculos para a Capacitação Local. Revista de Administração Contemporânea, v. 6, n. 1, p. 39-61, jan./abr. 2002. DIAS, A.; GALINA, S.V.R. Profit strategies, productive models and the global organization of innovation activities: a comparison between the automotive and the telecommunication industries in Brazil. Actes du 12th GERPISA International Colloquim. Paris: 2004. Artigo recebido em 14 de junho de 2005. Aprovado em 30 de junho de 2005. 40 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005 O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ... O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO BRASIL políticas industriais como indutoras de catch up tecnológico ROGÉRIO GOMES EDUARDO S TRACHMAN Resumo: O artigo enfatiza a necessidade de políticas públicas para atrair investimentos estrangeiros de boa qualidade. Esses são considerados importantes condutores do processo dinâmico de atividades inovativas, geradoras de capacitação tecnológica e de novo conhecimento. Esses resultados são alcançados por meio da análise das atuais estratégias bastante paradoxais, de dispersão e ao mesmo tempo integração de suas atividades corporativas. Palavras-chave: Estratégias globais das empresas multinacionais. Incentivo às atividades tecnológicas. Políticas públicas. Abstract: The paper emphasizes the need of public policies to atract good quality foreign investments. These are considered as important conductors of dynamic processes of inovative activities, which generate technological capabilities as well as new knowledge. These results are achieved through the analysis of the current rather paradoxical TNCs strategies, of dispersion and at the same time integration of their corporate activities. Key words: Global strategies of multinational firms. Incentives to technological activities. Government policies. A o longo dos anos 90 a economia do Brasil passou por um denso processo de internacionalização, com conseqüente desnacionalização de diversos segmentos industriais. Na época, os especialistas brasileiros dividiram-se entre os pró (especialmente MOREIRA; CORREA, 1997; BARROS; GOLDENSTEIN, 1997) e os contra o processo de abertura comercial e financeira (LAPLANE; SARTI, 1997). Estes últimos entendiam que as políticas monetária e cambial, por estarem desamparadas de qualquer política industrial compensatória e seletiva, levariam a indústria nacional a se direcionar cada vez mais para setores produtores de commodities – em um sentido amplo, ou seja, incluindo produtos industriais pouco diferenciados e de baixo valor agregado – em uma “especialização regressiva” (COUTINHO, 1997), na direção de uma “reprimarização” (GONÇALVES, 2001). Em contraposição, os responsáveis pelo processo de abertura econô- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 mica e/ou pelo Plano Real, adeptos das políticas adotadas pelos governos, acreditavam que elas seriam “a única maneira de dar um choque de competitividade na antes fechada economia brasileira” (segundo eles, resultado de anos de políticas equivocadas de substituição de importação) – pois assim “selecionariam naturalmente os segmentos com vantagens comparativas reais”. Independentemente dos acertos (ou erros) de cada uma das posições presentes no debate,1 indubitavelmente os anos 90 foram uma época de forte reestruturação industrial no Brasil, promotora de transformações na sua forma de integração com o exterior, com profundas repercussões nos fluxos de comércio e no papel que o país cumpre nas diferentes cadeias globais de produção e valor. Ademais, em grande medida, as mudanças no caráter da inserção brasileira decorrem do significativo aumento do papel das empresas multinacionais (EMNs) na economia brasileira. 41 ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN É preciso observar que as políticas adotadas pelo país foram compatíveis com as estratégias que as empresas oligopolistas mundiais vinham adotando desde os anos 80 e também com o que era prescrito pelos países desenvolvidos, sobretudo pelos EUA, no chamado “Consenso de Washington” (WILLIAMSON, 1990; 2000; OCAMPO, 2003; CENTER FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT AT HARVARD UNIVERSITY, 2003). Assim, ainda que boa parte dessas estratégias já estivesse definida antes do processo de abertura comercial e financeira implementado no Brasil, a década de 90 caracterizou-se, também, pela ausência de políticas industriais mais positivas – isto é, intervencionistas – aí também incluídas as políticas verticais (vale dizer, setoriais ou mesmo direcionadas a empresas – STRACHMAN, 2000). De acordo com Center for International Development at Harvard University (2003), as políticas prescreviam, essencialmente: - quanto ao fisco: bom desempenho das contas públicas, incluindo reformas para diminuir a taxação e ampliar a base de contribuição; e redirecionamento dos gastos públicos para campos onde fosse possível alcançar, conjuntamente, elevados retornos econômicos e um amplo espaço para a melhoria da distribuição de renda, como gastos em saúde, educação e infra-estrutura (nas chamadas “políticas horizontais”, mas não em políticas industriais setoriais, ou verticais); condições de inserção internacional do Brasil; e b) da importância relativa das EMNs para o país, especialmente em termos tecnológicos. É com esse intuito que o segundo item, a seguir, descreve a internacionalização e a desnacionalização da economia brasileira nos anos 90, com especial atenção para a importância das EMNs para o país. O terceiro, apresenta os principais elementos relativos à descentralização e, ao mesmo tempo, à integração das atividades corporativas, com ênfase naquelas com conteúdo tecnológico, que desenham o novo ambiente comercial. O quarto, mostra como as políticas públicas podem incitar um processo dinâmico de atividades inovativas geradoras de capacitação tecnológica e conhecimento novo e, o item cinco traz a conclusão, com algumas ilustrações e sugestões para o caso brasileiro. INTERNACIONALIZAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA NOS ANOS 90 É indiscutível que algumas das soluções para os problemas enfrentados pelo Brasil podem ser obtidas por meio do aumento persistente das exportações, capaz de manter superávits na balança de transações correntes e até mesmo no balanço de pagamentos, enquanto o país desenvolve esforços na conquista de capacitação tecnológica. Ademais, o esforço exportador brasileiro, assim como no caso de outros países, garante atualização tecnológica e capacitação em nível internacional, sobretudo se as exportações são dirigidas para mercados de países mais desenvolvidos. Nesse sentido, as EMNs podem ter um papel de destaque, pois, ao menos para alguns autores, existem razões estruturais (internas à firma e à organização dos mercados) que explicam porque essas empresas podem ser agentes privilegiados da expansão das exportações dos países em desenvolvimento. Assim, para Lall e Mohammad (1993), além dos recursos financeiros necessários para dar suporte às suas operações e estratégias, o fato de tais empresas serem líderes mundiais em inovação e diferenciação de produtos lhes garante acesso privilegiado à maioria dos principais mercados mundiais, nos quais, em geral, mantêm presença relevante. No Brasil, a participação do IDE em relação ao produto interno bruto – PIB cresceu de 0,21%, em 1990, para 5,6%, em 2000. Se até 1996 essa modalidade de inversão esteve voltada prioritariamente para aplicações em car- - quanto à presença do Estado: privatização – o que teve também um componente fiscal, dadas as receitas que o Estado pôde obter com este processo; - quanto ao sistema financeiro e aos capitais: liberalização das taxas de juros e dos fluxos de capitais – fossem eles produtivos, como investimento direto estrangeiro (IDE), ou improdutivos, como aplicações em títulos públicos e outros. Vale ressaltar a ampla desregulação do IDE, com abolição de barreiras à entrada e à saída, nos vários setores e incrementação dos direitos de propriedade; e - quanto ao comércio: a liberalização do comércio de bens e serviços e a adoção de uma taxa de câmbio mais competitiva. Este artigo apresenta algumas das mudanças ocorridas nas estratégias das empresas multinacionais (EMNs) no que tange à dispersão mundial de suas atividades corporativas. Se por um lado elas auxiliam na compreensão dos fenômenos vivenciados pela economia brasileira nos últimos anos, por outro ressaltam importantes aspectos a serem considerados quando se pretende alcançar o desenvolvimento econômico de longo prazo a partir: a) das atuais 42 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 O PAPEL MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ... cio externo brasileiro (63% das exportações e 54% das importações), mas seus fluxos estão centrados em produtos de baixa intensidade tecnológica (mais de 70% destes itens), que são a fonte de boa parte da recente expansão das exportações. Por outro lado, ainda que também sejam fortes demandantes de produtos importados de média e alta tecnologia (pouco menos de 60% do total desses itens), as empresas estrangeiras têm boa presença nas vendas de produtos de alta tecnologia para o exterior (44% do total) e um domínio considerável nos de média tecnologia (78% do total). Gomes, Rodrigues e Carvalho (2005)6 examinaram os efeitos da depreciação do Real no comércio internacional (período entre 1998 e 2003), segundo o conteúdo tecnológico dos produtos transacionados. A comparação dos resultados desse período com os de 1989 (no início das medidas liberalizantes, de desregulamentação comercial) e de 1994 (no Plano Real) revela que o superávit do comércio exterior brasileiro é dependente do saldo positivo das transações de bens de médio conteúdo tecnológico – uma vez que os de alta tecnologia são, historicamente, deficitários. Considerando-se a forte presença das EMNs nesse segmento de média tecnologia e o superávit recente, pode-se afirmar que a depreciação cambial alterou as estratégias dessas empresas quando internalizou etapas produtivas em razão de uma condição cambial favorável. teira, em 1997 o perfil foi alterado para investimentos em segmentos orientados da indústria (DE NEGRI, 2003). No entanto, como essas inversões se concentraram em alguns segmentos intermediários e de bens de consumo voltados para o mercado local e regional (LAPLANE; SARTI, 1997), além de serviços não transacionáveis (non tradables), conseqüentemente o país tornou-se mais dependente da importação de alguns insumos intermediários e de bens de capital. Em outras palavras, segundo alguns autores, essas inversões poderiam não reverter a dependência brasileira das fontes externas de tecnologia e até mesmo acentuála – com a desnacionalização de algumas das principais empresas do país, estatais ou privadas –, influenciando os saldos comerciais, especialmente nos momentos de crises agudas em mercados emergentes como o dos parceiros regionais brasileiros.2 Ao mesmo tempo, as perspectivas da desnacionalização dos setores de serviços e financeiro eram ainda mais pessimistas, pois implicavam o crescimento de déficits nas balanças de serviços (juros, royalties, etc.) e de capitais (amortizações, saída de capitais, etc.). No que se refere a esse aumento de participação das EMNs na economia brasileira é preciso considerar, todavia, a incidência de um efeito duplo e contrário sobre a dependência brasileira das fontes externas de tecnologia: a) a possibilidade de descontinuação de atividades tecnológicas que antes eram empreendidas por empresas nacionais; ou b) a possibilidade de subsidiárias locais ganharem espaço em atividades de maior conteúdo tecnológico – até mesmo com o auxílio do Estado, por meio de políticas públicas de curto e longo prazos.3 A participação das EMNs nas exportações brasileiras de produtos manufaturados passou de 44%, em 1990, para 52%, em 1995 (BAUMANN, 1993, MOREIRA 1999b), o que, em parte, reflete a desnacionalização da economia, mas também a fragilização das firmas de origem nacional e o aumento da competitividade das filiais brasileiras de várias EMNs. 4 Nos cálculos realizados por De Negri (2005), para o acumulado do período entre 2000 e 2004, as vendas externas das EMNs significaram 37% das exportações brasileiras e 46% das importações.5 Ainda que haja diferenças quanto a metodologias e resultados, as estatísticas dos diferentes estudos comprovam a elevada dependência das empresas estrangeiras no comércio exterior brasileiro. Segundo os dados apresentados pela autora, as empresas nacionais ainda concentram mais da metade do comér- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 DAS A DESCENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES CORPORATIVAS E O PAPEL DAS FILIAIS DAS EMNs O Papel das Subsidiárias das EMNs As vantagens competitivas de uma empresa derivam do acesso diferenciado ou vantajoso a ativos, sobretudo de sua propriedade, que permitem que algumas delas se organizem mais eficientemente do que outras e/ou tenham bens e serviços mais atraentes para seus demandantes. Entendendo por ativos quaisquer recursos ou capacidades que podem gerar um fluxo de renda futuro (ou contribuir para tal), é possível diferenciar os ativos em termos da sua apropriabilidade e mobilidade. Nesse sentido, os ativos que estão disponíveis sem restrições apenas em alguma região (ou país) podem ser interpretados como uma vantagem específica ao local. E, alternativamente, quando o ativo é exclusivo de uma firma particular, passível ou não de transferência entre fronteiras, pode ser entendido como uma vantagem específica à propriedade (DUNNING; NARULA, 1995). 43 ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN dades e o estabelecimento (ou perda) de mandatos podem ser utilizados para a construção de uma tipologia do processo evolutivo das subsidiárias, a qual é sinteticamente apresentada a seguir. Durante longo tempo, grande parte da literatura sobre o processo de internacionalização das EMNs (e da globalização) pressupôs que as vantagens específicas à propriedade eram desenvolvidas unicamente dentro da matriz corporativa, a qual, através da transferência de tecnologia, garantia o desenvolvimento das subsidiárias no estrangeiro (VERNON, 1966). Mais recentemente, como resultado de uma longa evolução, percebeu-se que o crescimento mediante recursos internos da empresa, até mesmo com colaboração de agentes de fora dos limites da firma, é um processo que igualmente se efetiva no interior das filiais no exterior, as quais contribuem cada vez mais para a criação de vantagens competitivas das EMNs (PEARCE, 1989; CANTWELL, 1995). As diversas perspectivas da dinâmica desse processo conduziram à construção de modelos que procuraram refletir os novos papéis das subsidiárias.7 O conceito de evolução das subsidiárias origina-se de um processo temporal de acumulação (ou redução) de recursos e capacitações (ou mesmo de ativos, em geral)8 que, por essência, não é único. Uma subsidiária9 pode se tornar maior e mais especializada (ou ter seu tamanho reduzido) em razão de diferentes motivações da corporação10 ou dos modos de entrada no mercado local – por investimento, aquisição ou joint venture. Assim, a EMN pode ser interpretada como uma instituição estruturada em rede mundial em que cada subsidiária é entendida como uma unidade semi-autônoma capaz de tomar suas próprias decisões, ainda que condicionadas pelas ações do comando corporativo e pelas oportunidades e restrições percebidas no ambiente local. Cada unidade cumpre (e estabelece) determinadas funções dentro da rede multinacional, as quais se expressam nas áreas de negócios de que ela participa. Por outro lado, as atividades de uma unidade corporativa espelham seu nível de especialização. Dessa forma, uma subsidiária só é capaz de realizar as atividades comerciais que estão sob sua responsabilidade porque ela possui (pois já desenvolveu) os recursos e as capacidades mínimas requeridas para tais funções. O papel atribuído pelo comando corporativo relaciona-se com o mandato que uma subsidiária adquiriu para executar as atuais funções, que são bastante específicas dentre aquelas existentes na complexa teia de relações e atividades da EMN. Contudo, os mandatos e as capacidades de uma filial também não precisam, necessariamente, mover-se juntos. Na realidade, freqüentemente há certa desfasagem entre eles. Por fim, cabe ressaltar que o aumento (ou atrofia) de capaci- As Subsidiárias das EMNs na Dinâmica de “Captura” de Ativos A maioria das interpretações sobre a internacionalização da tecnologia tem origem no modelo de ciclo de vida do produto que foi extensamente utilizado como exemplar na descrição da gênese, do desenvolvimento e dos determinantes deste processo. No arcabouço tradicional, a globalização tecnológica tem duas hipóteses: a de que a inovação está quase sempre localizada no país de origem da corporação; e a de que o investimento internacional é conduzido pela empresa-líder na tecnologia, como forma de aumentar sua participação na produção e nos mercados internacionais. Assim, nesse modelo, a transferência de tecnologia é interpretada como um fluxo unidirecional que vai do centro para as subsidiárias. No entanto, na perspectiva de rede corporativa, a dispersão da atividade tecnológica, além de ser uma busca por mercados locais e custos mais baixos, é também, uma estratégia da EMN para adquirir e acumular vantagens por meio de um “esquadrinhamento” global por novos recursos para a inovação – quer essas filiais estejam formalmente voltadas para o mercado local ou não. Conseqüentemente, as capacidades específicas das subsidiárias estão mais estreitamente integradas do que no passado. Nesse sentido, a dicotomia “nacional versus global” quanto à globalização da tecnologia pelas firmas parece ser uma questão mal conduzida. No máximo pode haver uma questão de grau entre estes dois extremos. A globalização é, também, sinônimo de integração da atividade de P&D internacional no interior das EMNs. Ela ocorre a partir do crescente fenômeno de divisão de trabalho entre matriz e subsidiárias, que traz como conseqüência a interação entre as locações das várias unidades. Isto não impede que estas, quando no estrangeiro, possam ocupar importante papel dentro da rede global, dependendo da singularidade e da inserção de suas atividades na estratégia corporativa. Com a construção das redes corporativas que atuam em âmbito mundial, o centro de gravidade moveu-se para fora da economia nacional a partir da proliferação dos vínculos além-fronteiras. Por isso, o privilégio dos vínculos nacionais sobre os internacionais na análise dos sistemas 44 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 O PAPEL MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ... 2000. Portanto, pode-se dizer que os países em desenvolvimento, respondem por uma parcela pequena, mas crescente, dos gastos em P&D feitos por EMNs. Os maiores receptores da Ásia e Oceania (com exceção do Japão), em 2002, foram: a China, que recebeu 3% dos investimentos em P&D de filiais americanas; Cingapura, com 2,7%; a Austrália, com 1,6%; e a Malásia, com 1,1% (dado de 2000), enquanto que o Brasil foi destino de 1,5% desses investimentos. Em termos de IDE em geral, a China também se destaca, tendo recebido no período 1990-2002 um acumulado de US$ 415 bilhões em investimentos diretos externos, que passa para US$ 550 bilhões, se somarmos os investimentos direcionados a Hong Kong (que são contabilizados separadamente) após 1998. Depois da China, o segundo pólo de atração foi o Brasil, com US$ 177 bilhões, seguido pelo México, com US$ 142 bilhões, e Cingapura com US$ 111 bilhões (IMF, 2004). Tradicionalmente, a literatura sobre a internacionalização destaca o aumento gradual do envolvimento das EMNs com os mercados estrangeiros a partir da formação de um complexo fluxo material de produtos e de tecnologia dentro das redes corporativas. Até há pouco, as capacidades tecnológicas das subsidiárias no estrangeiro eram vistas como um apêndice das capacidades residentes no país de origem. Essa visão evoluiu em razão do crescimento do comprometimento das subsidiárias estrangeiras que adquiriram as suas próprias capacidades tecnológicas e passaram a participar das iniciativas e estratégias tecnológicas da matriz, em alguns casos precedendo-as ou até mesmo invertendo o sentido do aprendizado – seja de produto ou de processo (ARIFFIN; BELL, 1999; REDDY, 1997). Na perspectiva atual, essas capacidades são interpretadas como efetivos participantes do conjunto de ativos que integra as EMNs. Apesar disto, ainda hoje, uma parcela expressiva da literatura interpreta a descentralização tecnológica como se fosse geograficamente limitada às nações industrializadas. Além disso, quando comparada com a da produção, a internacionalização da P&D é vista como se fosse circunscrita a poucos países e indústrias, geralmente nos setores intensivos em P&D. No entanto, a diversificação tecnológica passou a ser uma importante característica das EMNs à medida que as subsidiárias passaram a assumir papéis específicos nas funções de P&D, seja na continuada ênfase ao processo local de inovação, seja na contribuição ao desenvolvimento de um capital organizacional que permite que suas de inovações pressupõe hipóteses que não são totalmente compatíveis com o mundo globalizado. De fato, a reação organizacional à globalização vem transformando a alocação espacial das atividades econômicas e, em especial, do aprendizado e da criação de conhecimento, ao mesmo tempo que vem adaptando as organizações à globalização e reforçando esta última. A globalização tem duas implicações essenciais que, em conjunto, moldam a locação espacial das funções econômicas. A primeira é a dispersão, que determina a extensão das transações econômicas e amplia a porosidade entre as fronteiras nacionais. A segunda é a integração necessária dos ativos distribuídos mundialmente. O fantástico aumento da mobilidade internacional de ativos como finanças, tecnologia, habilidades empresariais e organizacionais é a força que conduz à crescente interpenetração das economias nacionais. Porém, concomitantemente, a difusão da revolução ocorrida nas tecnologias de comunicação e informação em âmbito global, foi o elemento fundamental de integração dinâmica das capacidades dispersas. Dispersão com Integração Apesar de relativamente recente, a literatura que trata da descentralização da atividade tecnológica vem ganhando dimensão e variedade. Entretanto, poucos estudos analisam a crescente descentralização dessa atividade fora das grandes economias. Isto se deve à idéia, bem razoável, de que os países emergentes ainda apresentam uma participação muito limitada na globalização da P&D das EMNs. Em outras palavras, a dispersão (que é uma das características da globalização citadas anteriormente) ainda está mais concentrada nos países da chamada Tríade (América do Norte, Europa e Japão) e apresenta, sobretudo, uma certa desconcentração mais acelerada em direção aos países mais desenvolvidos do leste asiático (Coréia do Sul e Taiwan, principalmente, mas também Cingapura, Tailândia, China, Malásia, etc.). Mas notese que esse processo – ainda que muito restrito à Tríade e a países ou regiões próximas a ela (como México e Leste europeu) – está se intensificando cada vez mais nos últimos tempos, até mesmo para os mais importantes “países em desenvolvimento”, como Índia, Rússia e Brasil. Segundo o US Bureau of Economic Analysis, os gastos das filiais de EMNs americanas em P&D, excluindo as instaladas no Canadá, na Europa e no Japão passaram de 10,7% do total de gastos, em 1998, para 17,8% em SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 DAS 45 ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN COMO INCITAR ATIVIDADES INOVATIVAS GERADORAS DE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA corporações integrem as atividades tecnológicas de diferentes unidades. A crescente dispersão geográfica dos ativos estratégicos impulsiona as capacitações das filiais no estrangeiro, tanto em relação ao crescimento horizontal, de comunicação entre fronteiras nacionais, quanto no sentido vertical, de utilização sistemática do conhecimento tecnológico das diversas bases da organização em inúmeros níveis hierárquicos e/ou das cadeias produtivas. Assim, a dispersão das capacidades tecnológicas tornou-se um importante aspecto para a completa globalização das corporações multinacionais. As vantagens da multinacionalidade são intensivamente exploradas pelas EMNs, que tanto podem adquirir e transferir inovação pela rede geograficamente distribuída quanto apropriar-se dos efeitos benéficos da emulação e da diversificação de tecnologias em diferentes locais. O resultado esperado da integração e do compartilhamento do conhecimento no interior da rede corporativa é o significativo crescimento da oferta de produtos em nível internacional – seja através de tecnologias radicalmente novas ou de combinações das já existentes – a partir dos desenvolvimentos da matriz ou de qualquer uma de suas subsidiárias, especialmente daquelas localizadas em países mais avançados. Porém, ressalte-se que o processo de descentralização das atividades tecnológicas tem sido marcado não tanto pelo desejo das EMNs de explorar suas atuais vantagens tecnológicas quanto pela percepção da necessidade de protegê-las, complementá-las e de adquirir outras, mais novas. O fato de as atividades de P&D serem realizadas em centros múltiplos e interdependentes configura-se como a característica fundamental desse processo, nos anos recentes. A formação de Sistemas Nacionais de Inovação (SNIs) cada vez mais avançados e a sofisticação dos mercados regionais resultou em ambientes de aprendizado em vários centros dispersos, alguns não tradicionais, que estão sendo progressivamente explorados pelas EMNs como forma de expandir seu leque de competências. Como resultado, um maior número de países foi envolvido na ampliação, exploração e adaptação das tecnologias desenvolvidas. Neste sentido, a descentralização dos laboratórios de P&D deve ser entendida a partir de uma forte mudança nas funções corporativas das EMNs, agora empenhadas em ressaltar e muitas vezes ampliar o escopo de produtos, sustentar a vitalidade e originalidade do núcleo básico de pesquisa, e aproveitar ao máximo as oportunidades de cada local em que se encontram. É certo que as políticas públicas podem influenciar – dentro de limites – a localização de atividades inovativas das EMNs, ajudando a direcioná-las, caso sejam eficientes, para um processo dinâmico de crescimento da capacitação tecnológica e de novos conhecimentos. A revisão da literatura especializada e alguns resultados preliminares de pesquisa em andamento11 têm mostrado, ao mesmo tempo, muitas das possibilidades e restrições a estas políticas. Esses estudos apontam que, mesmo sendo bastante autônomas para decidir sobre os investimentos e sua respectiva localização, as estratégias das EMNs podem ser influenciadas por políticas públicas, uma vez que estas possuem uma boa margem de manobra para tanto. Indubitavelmente, tais influências dependem de fatores como o setor de atuação das EMNs, suas mencionadas estratégias de investimento e de globalização; de fatores locais como o tamanho e dinamismo do mercado; da infra-estrutura material e social (sistemas de educação, de ciência & tecnologia, de saúde, etc.); da oferta de mãode-obra qualificada e, secundariamente, do custo desta mão-de-obra; de incentivos (fiscais, financeiros, etc.); de instituições (direitos de propriedade, inclusive intelectual; segurança jurídica; governança de empresas; regulamentações várias, como a inexistência de barreiras significativas para atuação em mercados específicos, facilidades de entrada de funcionários especializados e insumos provenientes do exterior, etc.); do empenho/iniciativa das matrizes e/ou de uma subsidiária específica, para ampliar os investimentos para a mesma subsidiária e no conteúdo tecnológico e de valor agregado de suas atividades; da localização geográfica; do empenho político do governo; e da estabilidade política e econômica, entre outros. Também é fundamental considerar as diferentes razões que podem fazer com que as EMNs invistam em P&D em um país. Entre muitos autores, Dunning (1993) apresenta um quadro acurado sobre o assunto. Um governo eficiente deve conhecer as razões do IDE de qualidade de uma EMN específica, a fim de oferecerlhe os atrativos corretos, não perdendo investimentos importantes para um país, mas ao mesmo tempo não desperdiçando recursos com chamarizes além do necessário para que este IDE suceda. Também é importante ressaltar as diferentes políticas e o respectivo prazo para que propiciem resultados, a partir 46 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 O PAPEL da análise dos fatores de atração mais pertinentes. Se eles forem estruturais, isto é, inerentes às estruturas dos países, serão passíveis de alteração apenas em prazo mais longo (como as infra-estruturas física, educacional, de C&T, de saúde, as instituições de pesquisa, etc.). Se conjunturais, temporários ou “de curto prazo”, poderão ser modificados muito mais rapidamente, como no caso dos incentivos fiscais e creditícios, facilidades aduaneiras, etc. Todas essas políticas têm repercussões positivas sobre a atração de IDE, em geral, e, em particular, para aqueles de qualidade. Mas cabe comparar o timing de suas repercussões sobre um país – o que é de suma relevância – e a capacidade de atrair investimentos apresentada por ele. Exemplos mais específicos de políticas muito importantes para setores específicos seriam: - para setores de alta tecnologia – infra-estrutura de C&T dinâmica e eficiente, com políticas que reforcem estas DAS MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ... qualidades; oferta de mão-de-obra qualificada; empenho político dos governos; - para o setor farmacêutico – todos os fatores mencionados acima para os setores de alta tecnologia, adicionados à extrema relevância de uma estrutura de direitos de propriedade consolidada, tão cara a este setor; - para o setor automobilístico – tamanho e dinamismo do mercado; oferta de mão-de-obra qualificada e, de forma mais periférica, custo desta mão-de-obra; incentivos (fiscais, financeiros, etc.); segurança institucional (direitos de propriedade, governança de empresas, regulamentações várias, facilidades de entrada de funcionários especializados e de insumos importados, etc.); empenho de uma subsidiária específica (muitas vezes estimulado por governos) para ampliar os investimentos nesta mesma subsidiária e no conteúdo tecnológico e de valor agregado de suas atividades, etc. QUADRO 1 Forças Atuando sobre a Centralização ou Descentralização da P&D pelas EMNs Forças Centralizadoras - Necessidade de massa crítica para ganhar economias de escala - Presença de indústrias de suporte e economias de aglomeração - Necessidade de estar adjacente a operações a jusante - Disponibilidade de recursos e capacitações (instalações de P&D, pessoal qualificado) - Experiência acumulada de know-how em P&D e em organização de atividades inovativas - Contorno de problemas de comunicação e coordenação transfronteiras Forças Descentralizadoras - Necessidade de atender necessidades do mercado local (veículos, tratores, produtos alimentares, de higiene e limpeza, etc.) - P&D “on the spot” desejável (doenças tropicais, pesticidas e novas variedades de sementes, etc.) - Diferenças nos materiais locais e necessidade de testar produtos localmente - Necessidade de estar onde existem clusters de atividade tecnológica de fronteira - Necessidade de adquirir novos ativos tecnológicos ou qualificações e talentos especializados - Necessidade de rastrear e monitorar atividades de P&D de firmas estrangeiras - Necessidade de ganhar vantagens ou diferenças em recursos e capacitações transfronteiras associados a localização e mercados - Necessidade de satisfazer pressões governamentais ou instrumentos regulatórios; ou como parte de uma estratégia regional ou global de ampliar a qualidade da produção de pelo menos algumas subsidiárias - Necessidade de defender uma posição competitiva em setores intensivos em P&D Fonte: Dunning (1993). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 47 ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN CONCLUSÕES tas políticas, as de atração de investimento de qualidade são aquelas que poderão, no futuro, resultar em um adensamento tecnológico consistente e duradouro da indústria brasileira, com repercussões favoráveis – assim se espera – sobre seus tecidos econômico e social. As mudanças ocorridas no cenário internacional e as políticas econômicas adotadas pelos sucessivos governos foram determinantes na reestruturação industrial vivenciada pela economia brasileira nos últimos quinze anos. Sendo o resultado de fatores que se reforçaram mutuamente, essa reestruturação alterou os vínculos do Brasil com o exterior, em boa medida devido ao crescimento da importância do capital estrangeiro na economia nacional. Utilizando-se da estratégia de reposicionamento global das funções corporativas, as grandes EMNs vêm promovendo investimentos, descentralizando atividades em diferentes regiões, procurando capturar ativos capazes de ampliar seus escopos e portfolios comerciais e tecnológicos. Vários estudos recentes comprovam o aumento, também no Brasil, das funções de cunho tecnológico realizadas por EMNs em diferentes segmentos econômicos, inclusive – em um aparente paradoxo – em alguns setores em que a capacitação (ou competitividade) da indústria nacional é amplamente reconhecida como baixa. Alguns autores podem divergir sobre a “qualidade” (conteúdo) das tecnologias envolvidas, mas não discordam quanto ao aumento da intensidade dessas atividades. É o caso, por exemplo, dos setores de equipamentos de telecomunicações, bens eletrônicos de consumo (linha marrom), automóveis, autopeças, bens de capital sob encomenda para o setor elétrico e bens de capital mecânicos, entre outros.12 Até mesmo a mídia especializada tem relatado um número crescente de casos de empresas estrangeiras que promovem ou planejam investimentos em projetos que reforçam esse conteúdo tecnológico da indústria nacional. Além de investimentos que procuram apropriar-se das vantagens locais, como em biotecnologia (por exemplo, os casos da Monsanto, Valor Econômico, 27/04/05, e Syngenta, Valor Econômico, 19/02/04), existem anúncios a respeito de desenvolvimento de produtos com pouca ou nenhuma tradição de pesquisa no país, como nos casos de pneus (PIRELLI, Valor Econômico, 03/09/2004), semicondutores (ST Microletronics, O Estado de S.Paulo, 14/ 04/200; e Intel, Valor Econômico, 16/09/04) e informática (DELL, Valor Econômico, 20/08/2004). Hoje, o planejamento de longo prazo do Brasil passa necessariamente pela consideração do patamar de internacionalização da economia brasileira e das estratégias globais das empresas estrangeiras. Por isso, dentre os mecanismos de promoção do desenvolvimento, é preciso definir políticas públicas específicas para as EMNs. E entre es- NOTAS 1. Vários estudos realizados por pesquisadores do Geein verificaram que a correção de uma ou de outra posição depende não apenas do setor da economia, mas, também, da hipótese específica considerada. Ver por exemplo, Furtado (2004), Pereira (2003) e Domingues (1999). 2. Por exemplo, entre janeiro e abril de 2005, a América Latina foi destino de cerca de 25,1% das exportações do país. Os demais mercados de destino dos produtos nacionais foram: 28,4% para a Europa, com 24,2% de participação da União Européia; 22,7% para os EUA e Canadá, com 21,5% para o primeiro; 14,8% para a Ásia, sendo 10,7% somente para China, Japão, Coréia do Sul e Índia; 5% para a África; 3,6% para o Oriente Médio e 0,5% para a Oceania (MDIC, 2005). 3. O setor público – seja ele federal ou, em alguns casos, estadual – tem condições até mesmo de atrair investimentos externos de qualidade a partir de empresas com nenhuma ou reduzida presença no país. É o que se tem tentado, por vezes, no Brasil, e o que a literatura especializada aponta como possível, dadas algumas condições necessárias prévias. Ademais, não se deve esquecer da participação altamente significativa do país no IDE total mundial, nos últimos anos. 4. As empresas brasileiras, em geral, são pouco internacionalizadas. Este fato é, em si, determinante de forte desvantagem dessas firmas em relação às suas concorrentes estrangeiras. Por exemplo, a moeda que se seguiu ao Plano Real foi mais facilmente assimilada pelas filiais de empresas multinacionais do que pelas nacionais, não apenas pela maior solidez financeira dessas instituições, mas, principalmente, pela capacidade de compensar perdas locais com ganhos em outros países, por meio do comércio intrafirma. 5. As participações relativas foram calculadas a partir das informações apresentadas na Tabela 3 de De Negri (2005, p. 20). As estatísticas doravante apresentadas neste item e não referenciadas, resultam da manipulação desses resultados. 6. Ressalte-se que existem diferenças na classificação de conteúdo tecnológico dos bens entre este estudo e o realizado por De Negri (2005). 7. Sobre os diferentes papéis das filiais na literatura, ver Gomes, 2003. 8. Os recursos podem ser interpretados como o estoque de fatores disponíveis, possuídos ou controlados por uma subsidiária. As capacitações estão relacionadas às habilidades da subsidiária gerir os recursos existentes e desenvolver novos, por meio de seu processo organizacional. Mas observe-se que, enquanto os recursos são tangíveis e intangíveis, as capacitações dizem respeito apenas aos ativos intangíveis. 9. A subsidiária é entendida como uma empresa que adiciona valor no estrangeiro e que pode executar desde uma única atividade (na manufatura ou fornecimento de serviços) até uma série delas em uma ou mais cadeias de valor. Pode-se dizer que o “peso” de uma subsidiária dentro de uma corporação está estritamente ligado à sua capacidade de agregar valor. Este suposto permite, assim, distintas trajetórias evolutivas entre as unidades de uma mesma corporação, e até mesmo na mesma região. 10. Por exemplo, aproveitamento de oportunidades locais – como mãode-obra qualificada e/ou barata, recursos tecnológicos locais (universidades, centros de pesquisa, etc.), externalidades locais (fornecedores, conhecimentos existentes em uma região especializada em determinada produção/setor), incentivos fiscais, etc. 48 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 O PAPEL 11. Trata-se do Projeto de Políticas Públicas para a Fapesp (Processo no 03/06388-9) Políticas de desenvolvimento de atividades tecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais, liderado pelo Gempi/DPCT/IG/Unicamp e com a participação de pesquisadores do GEEIN/FCLAR/Unesp, FEA-USP-RP, Poli-USP, IE-Unicamp e SPRUUniversity of Sussex. MULTINACIONAIS NO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ... economia da inovação. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 2003. GOMES, R.; RODRIGUES, H.; CARVALHO, E.G. Balanço de pagamentos tecnológicos: o perfil do comércio externo de produtos e serviços com conteúdo tecnológico. In: FAPESP. Indicadores de Ciência e Tecnologia e Inovação – 2004. São Paulo: Fapesp, 2005. cap. 7. 12. Estes e outros segmentos foram estudados no âmbito da pesquisa intitulada Diretório da Pesquisa Privada (DPP), financiada pela Finep e nucleada no Geein. Consulte <http://www.finep.gov.br/portaldpp> para maiores informações. GONÇALVES, R. Competitividade internacional e integração regional: a hipótese da inserção regressiva. Revista de Economia Contemporânea, n. 5, 2001. (Ed. Especial). INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). International Financial Statistics, 2004. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LALL, S.; MOHAMMAD, S. Foreign ownership and export performance in the large corporate sector of India. In: GRAY, H.P. (Ed.). Transnational Corporations and International Trade and Payments. London: United Nations, United Nations Library on Transnational Corporations. 1993. ARIFFIN, N.; BELL, M. Firms, politics and political economy: patterns of subsidiary-parent linkages and technological capabilitybuilding in electronics TNCs subsidiaries in Malaysia. In: JOMO, K.S.; FELKER, G.; RASIAH, R. (Ed.) Industrial Technology Development in Malaysia: Industry and Firm Studies. London: Routledge, 1999. p. 150-190. LAPLANE, M.; SARTI, F. Investimento direto estrangeiro e o impacto na balança comercial nos anos 90. Brasília: Ipea, 1999. (Texto para discussão, n. 629). BARROS, J.R.M.; GOLDENSTEIN, L. Reestruturação industrial: três anos de debate. In: VELLOSO, J.P.R. (Org.). Brasil: Desafios de um país em transformação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. ________. O investimento direto estrangeiro e a retomada do desenvolvimento sustentado nos anos 90. Economia e Sociedade, n. 8, p. 143-81, jun. 1997. BAUMANN, R. Uma avaliação das exportações intrafirma do Brasil: 1980 e 1990. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 23, n. 3, dez. 1993. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (MDIC). Balança Comercial – Países por Blocos Econômicos – US$ F.O.B. Brasília, DF: 2005. Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/balanca/ balcombrasileira/mensal/brasileiro/2005/abril/bcb056.doc>. Acesso em: 8 jun. 2005. CANTWELL, J. The globalization of technology: what remains of the cycle model? Cambridge Journal of Economics, v. 19, p. 155174, 1995. CENTER FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT AT HARVARD UNIVERSITY. Washington Consensus. Global Trade Negotiations Home Page. 2003. Disponível em: <http:// www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html>. Acesso em: 1 jun. 2005. MOREIRA, M.M. A indústria brasileira nos anos 90: o que já se pode dizer?. In: GIAMBIAGI, F.; MOREIRA, M.M. (Org.). A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999a. ________. Estrangeiros em uma economia aberta: Impactos recentes sobre produtividade, concentração e comércio exterior. Rio de Janeiro: BNDES/Depec, mar. 1999b. (Texto para discussão, n. 67). COUTINHO, L. A especialização regressiva: um balanço do desempenho industrial pós-estabilização. In: VELLOSO, J.P.R. (Org.). Brasil: desafios de um país em transformação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. MOREIRA, M.M.; CORREA, P.G. Abertura Comercial e Indústria: O Que se Pode Esperar e o Que se Vem Obtendo. Rio de Janeiro: BNDES, out. 1996. (Texto para discussão, n. 49). DE NEGRI, F. Conteúdo tecnológico do comércio exterior brasileiro: O papel das empresas estrangeiras. Brasília: Ipea, 2005. (Texto para discussão, n. 1074). OCAMPO, J.A. Development and the global order. In: CHANG, H.J. (Ed.). Rethinking Development Economics. London: Anthem, 2003. p. 83-104. ________. Desempenho comercial das empresas estrangeiras no Brasil na década de 90. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 2003. PEARCE, R.D. The Internationalization of Research and Development by Enterprise. London: Macmillan, 1989. DOMINGUES, S.A. O comércio intrafirma de produtos primários na balança comercial brasileira: Uma análise centrada na exportação de produtos agroindustriais nos anos de 1989 e 1997. Mimeografado. II Relatório à Fapesp. Araraquara, 1999. PEREIRA, W. Fragilidades e eficiências setoriais: O desempenho do comércio exterior brasileiro e suas relações com a estrutura produtiva nos anos 90. 84p. Monografia (Bacharelado) – Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo, Unesp, Araraquara, 2003. Disponível em <http://geein.fclar.unesp.br>. DUNNING, J.H. Multinational Enterprises and the Global Economy. Wokingham: Addison-Wesley, 1993. DUNNING, J.H.; NARULA, R. The R&D activities of foreign firms in the United States. International Studies of Management; Organization; White Plains; Spring/Summer 1995. REDDY, P. New trends in globalization of corporate R&D and implications for innovation capability in host countries: a survey from India. World Development, v. 25, n. 11, p. 1821-1837, 1997. FURTADO, J. O comportamento inovador das empresas industriais no Brasil. 2004. Mimeografado. STRACHMAN, E. Política industrial e instituições. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 2000. GOMES, R. Internacionalização das atividades tecnológicas pelas empresas transnacionais – elementos de organização industrial da SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 DAS UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD). World Investment Report 2003: FDI 49 ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN Policies for Development: National and International Perspectives. Geneva: United Nations, Unctad (Internet edition). 2003. Disponível em: <http://www.unctad.org/wir>. research/journals/wbro/obsaug00/pdf/(6)Williamson.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2005. U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE. U.S. Multinational Companies. Survey of Current Business, Bureau of Economic Analysis (BEA), vários números. ROGÉRIO GOMES: Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, Professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp - Araraquara) e Coordenador do Grupo de Estudos em Economia Industrial (Geein/ Unesp) ([email protected]). VERNON, R. Investimento externo e comércio internacional no ciclo do produto. In: SAVASINI, A.A. et al. (Org.). Economia Internacional. São Paulo: Saraiva, 1979 [1966]. (Série Anpec de Leituras de Economia). EDUARDO STRACHMAN: Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp, Professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp - Araraquara) e Pesquisador do Grupo de Estudos em Economia Industrial (Geein/ Unesp) ([email protected]). WILLIAMSON, J. What Washington means by policy reform. In: ________ (Ed.). Latin American Adjustment: How Much Has Happened? Washington, D.C.: Institute for International Economics. 1990. ________. What should the World Bank think about the Washington Consensus? World Bank Research Observer. Washington, D.C: The International Bank for Reconstruction and Development, v. 15, n. 2, p. 251-264, Aug. 2000. Disponível em: <http://www.worldbank.org/ Artigo recebido em 1 de junho de 2005. Aprovado em 30 de junho de 2005. 50 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005 EMPRESAS MULTINACIONAIS E I NOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL EMPRESAS MULTINACIONAIS E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL RUY SÉRGIO QUEIROZ QUADROS CARVALHO DE Resumo: O artigo discute o engajamento atual e potencial das empresas multinacionais em atividades tecnológicas no Brasil. Argumenta que a maior propensão dessas empresas em realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) fora de seus países de origem pode representar uma oportunidade para reforçar o sistema nacional de inovação. A implementação de políticas públicas pertinentes é uma condição importante para o sucesso dessa empreitada. Palavras-chave: Empresas multinacionais. Globalização da tecnologia. Políticas de promoção e atração de P&D. Abstract: The article examines the technological efforts carried out – presently and prospectively – by multinational enterprises in Brazil. It argues that these enterprises are willing to increase their R&D activities abroad which may represent an opportunity to Brazil to develop its national system of innovation. However, the adoption of appropriate policies is an important condition to succeed in this endeavour. Key words: Multinational enterprises. Globalization of technology. Foreign Direct Investment related policies. O elevado grau de internacionalização da economia brasileira é tradicionalmente invocado como uma das explicações para o baixo envolvimento das empresas com P&D. O argumento é que as empresas multinacionais (EMNs) estrangeiras seriam essencialmente importadoras de tecnologia desenvolvida em seus países de origem, e assim não teriam por que realizar esforços de P&D local. Nesse caso, as firmas nacionais arcariam com a maior parte da responsabilidade pela promoção do desenvolvimento tecnológico. Entretanto, como será mostrado adiante, o conjunto das subsidiárias de EMNs responde por parcela significativa do esforço em P&D das empresas instaladas no país. Em alguns setores, essas subsidiárias têm hoje um papel muito destacado. Mais ainda, o que esse artigo pretende mostrar é que elas podem ser induzidas a desempenhar um papel ainda mais relevante no sistema nacional de inovação. Considerando as possibilidades de atrair para o Brasil mais investimento em tecnologia da parte dessas em- os anos recentes, vem-se consolidando no Brasil a percepção de que é preciso corrigir um desequilíbrio existente em nosso sistema nacional de inovação: sua excessiva dependência do setor público e dos gastos governamentais. O fraco engajamento das empresas em atividades tecnológicas, particularmente em pesquisa e desenvolvimento (P&D), é hoje visto como um problema que a política de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) precisa resolver. Dados de pesquisas realizadas recentemente, como a Pesquisa Industrial da Inovação Tecnológica – Pintec (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) e a Pesquisa de Atividade Econômica Paulista – Paep (da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade), revelam que apenas 14% das empresas inovadoras realizaram P&D contínuo em 2000 (4,4% do total de empresas industriais da Pintec). Ou que apenas 180 empresas industriais empregavam mais de 10 empregados de nível superior em atividades permanentes de P&D, em 1996 (QUADROS et al., 2003). N SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 51 SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO desvalorização cambial do final de 1998, que resultou num salto no movimento de aquisição de empresas brasileiras por suas concorrentes multinacionais. presas, presume-se que elas poderão contribuir para a correção do desequilíbrio acima apontado. O texto está estruturado em cinco intens, além desta introdução. O primeiro mostra que há forte penetração das EMNs na economia brasileira, especialmente em alguns setores. O seguinte trata dos esforços tecnológicos dessas empresas. O terceiro discute o fenômeno da globalização da tecnologia: como esta pode criar oportunidades de investimento em P&D no Brasil e a importância das políticas públicas para o aproveitamento dessas oportunidades. O último item traz as considerações finais. TABELA 1 Fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) para o Brasil Brasil – 1992-2003 Ano Em Milhões de Dólares 1992-1997 (Média Anual) A PRESENÇA DAS MULTINACIONAIS NO BRASIL O fechamento ao comércio e a abertura ao capital são características marcantes da industrialização brasileira. As empresas estrangeiras assumiram um papel importante ao longo de nossa história, especialmente a partir da segunda metade dos anos 50, quando o Plano de Metas do governo Kubitschek configurou o tripé em que se apoiaria o pretendido “salto de cinqüenta anos em cinco”: governo, capital privado nacional e capital privado internacional. Naquele momento, o investimento das empresas multinacionais impulsionou decisivamente certos segmentos da indústria – o setor automobilístico é o grande exemplo. Assim, em um padrão bastante típico da América Latina, e em contraste com o que se observou em certos países do sudeste asiático, como a Coréia do Sul, as empresas de capital estrangeiro instalaram-se solidamente no Brasil. Na segunda metade dos anos 90, ocorreu um crescimento expressivo do investimento direto estrangeiro (IDE). Como se vê na Tabela 1, o país recebeu US$ 28,9 bilhões de IDE em 1998, versus uma média anual de US$ 6,6 bilhões no período entre 1992-1997. Esses investimentos continuaram crescendo até 2000 e começaram a cair a partir daí, quando a economia brasileira estagnou: em 2001, em função da crise energética; em 2002, pelo cenário político; e em 2003, um ano de recessão. Os dados preliminares de 2004 indicam uma recuperação que deve continuar em 2005. Acrescente-se ainda que a excepcional expansão do IDE, entre 1998 e 2000, esteve, em grande medida, relacionada com dois movimentos complementares de desnacionalização patrimonial. De um lado, as oportunidades criadas pelos programas de privatização federal e estaduais, em especial nos setores de telecomunicações e energia elétrica. De outro, a atração à aquisição de ativos privados, decorrrente da súbita e intensa 6.615 1998 28.865 1999 28.578 2000 32.779 2001 22.457 2002 16.590 2003 10.144 Fonte: Unctad (2004a). Como resultado, o estoque de IDE no Brasil cresceu significativamente e representa hoje cerca de um quarto do PIB (Tabela 2). Esse valor, embora abaixo da média dos países em desenvolvimento (31,4% do PIB em 2003), é elevado quando se compara com países recentemente industrializados da Ásia como Coréia do Sul e Taiwan (7,8% e 11,9% do PIB, respectivamente). Em suma, o peso das subsidiárias de empresas multinacionais na economia brasileira cresceu bastante nos últimos anos e atingiu um valor expressivo. TABELA 2 Estoque de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) Brasil – 1980-2003 Ano Em Milhões de Dólares % do PIB 1980 17.480 7,4 1985 25.664 11,5 1990 37.143 8,0 1995 41.696 5,9 2000 103.015 17,2 2002 100.847 22,3 2003 128.458 25,8 Fonte: Unctad (2004a). Observando a presença das empresas de capital estrangeiro por setores de atividade, constata-se uma variação muito grande. Somadas, elas representam 35% do VTI e apenas 3% do número total – o que indica um tamanho 52 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 EMPRESAS MULTINACIONAIS E I NOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL responsabilidade das multinacionais (Tabela 3). Os setores em que a participação dessas empresas é baixa (inferior a 20%) são poucos e de limitada importância: fabricação de produtos têxteis; confecção de artigos do vestuário e acessórios; preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados; fabricação de produtos de madeira; edição, impressão e re- médio muito superior ao das nacionais (IBGE, 2002). Entretanto, em setores como fabricação de produtos do fumo; de máquinas para escritório e equipamentos de informática; de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações; e fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias mais de dois terços do VTI são de TABELA 3 Participação das Empresas de Capital Estrangeiro na Base da Pintec, por Número e VTI, segundo Setores da CNAE Brasil – 2000 Empresas Estrangeiras Setores da CNAE Nos Absolutos % do Total 2.218 3,1 Total Indústrias Extrativas VTI Em R$ 1.000 % do Total 87.429.896 35,0 26,8 42 2,4 1.860.218 2.176 3,1 85.569.677 35,3 225 2,2 11.046.507 30,8 Fabricação de Produtos do Fumo 17 32,3 1.941.530 97,3 Fabricação de Produtos Têxteis 75 2,6 995.540 14,4 Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios 11 0,1 272.895 5,9 Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos de Viagem e Calçados 30 0,9 203.266 4,4 Fabricação de Produtos de Madeira 20 0,4 314.410 10,1 Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel 46 3,4 3.650.515 35,1 Edição, Impressão e Reprodução de Gravações 74 2,2 743.790 7,8 Indústrias de Transformação Fabricação de Produtos Alimentícios e Bebidas Fabricação de Coque, Refino de Petróleo, Elaboração de Combustíveis Nucleares e Produção de Álcool 19 10,0 286.353 0,8 Fabricação de Produtos Químicos 372 12,3 16.244.219 52,1 Fabricação de Artigos de Borracha e Plástico 166 3,9 2.454.312 30,0 Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos 64 1,1 3.141.277 34,7 Metalurgia Básica 37 3,0 6.638.497 43,3 88 1,5 1.924.330 26,2 347 8,9 7.398.514 57,0 Fabricação de Produtos de Metal Fabricação de Máquinas e Equipamentos Fabricação de Máquinas para Escritório e Equipamentos de Informática Fabricação de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos Fabricação de Material Eletrônico e de Aparelhos e Equipamentos de Comunicações Fabricação de Equipamentos de Instrumentação Médico-Hospitalares, Instrumentos de Precisão e Ópticos, Equipamentos para Automação Industrial, Cronômetros e Relógios 20 12,9 2.186.754 68,7 166 11,4 4.230.771 73,0 64 11,9 6.051.749 72,0 92 13,1 810.873 41,1 150 8,6 12.802.864 74,8 Fabricação de Outros Equipamentos de Transporte 23 5,7 1.189.122 30,3 Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas 63 1,0 1.005.384 18,8 5 4,1 36.208 58,1 Fabricação e Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias Reciclagem Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 53 SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO produção de gravações; fabricação de móveis e indústrias diversas. A única e óbvia exceção é o setor de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool – que é de grande importância e tem baixa presença de multinacionais devido à Petrobras. possível identificar uma série de casos de filiais de multinacionais engajadas em atividades tecnológicas. O setor automotivo ilustra bastante bem esse processo de acumulação gradativa de capacidades tecnológicas por parte de subsidiárias de empresas estrangeiras. Pode-se tomar como exemplo a General Motors do Brasil – GMB, que começou nos anos 70 adquirindo a competência de adaptar seus modelos às condições locais – os automóveis lançados pela GMB eram projetados pela Opel, subsidiária alemã da corporação. No início dos anos 90, a filial brasileira já tinha avançado um pouco além desse processo de adaptação, conhecido como “tropicalização” do veículo, e adquirido capacidades técnicas suficientes para a concepção local de derivativos baseados nos modelos Opel – como no caso do Corsa Sedan, do Corsa Picape e do Astra Sedan. Em meados da década, a GMB iniciou o projeto “Arara Azul”, que resultou no modelo Celta, em que a equipe de desenvolvimento de produto foi envolvida em todas as suas fases. Por fim, no projeto da minivan compacta Meriva o papel da GMB foi ainda mais proeminente. O conceito foi proposto pela subsidiária brasileira e aceito pela corporação como um derivativo global do novo Corsa. Pela primeira vez, o Brasil foi a base do desenvolvimento de um projeto, de forma que a GMB assumiu a responsabilidade pela coordenação de todos os seus estágios. Como resultado, o carro foi lançado primeiramente no Brasil e só depois na Europa, invertendo (também pela primeira vez) a seqüência tradicional. Mesmo a Meriva não sendo uma nova plataforma, seu desenvolvimento implicou uma reengenharia significativa da plataforma do Corsa (CONSONI, 2004; CONSONI ; QUADROS, 2005). Com ritmos e inflexões distintos, trajetórias semelhantes podem ser observadas em outras montadoras estabelecidas há mais tempo no país, como no caso da Volks- A ATUAÇÃO TECNOLÓGICA DAS EMNs As recentes pesquisas de inovação realizadas no Brasil – Pintec (IBGE) e Paep (Seade) – mostraram que as filiais de EMNs, tomadas em conjunto, são bastante ativas em P&D. Alguns estudos baseados nessas pesquisas sugerem inclusive um esforço tecnológico dessas empresas, em média, mais intenso do que o das empresas de capital nacional (COSTA; QUEIROZ, 2002). Observando-se o gasto médio em atividades internas de P&D por classe de tamanho, constata-se que as companhias estrangeiras estão sempre à frente das nacionais (Tabela 4). No caso das grandes empresas (500 e mais empregados), essa diferença é a menor de todas, mas ainda assim o gasto das estrangeiras é, em média, o dobro do das nacionais. Esse argumento precisa ser qualificado pelo fato de que o VTI médio das empresas estrangeiras é sistematicamente um múltiplo do VTI das nacionais do grupo equivalente: de 8 vezes no grupo das menores a 1,8, no das maiores. Assim, mesmo não se podendo afirmar categoricamente que as empresas estrangeiras, descontado seu tamanho, despendam em média mais em P&D do que as nacionais, pode-se pelo menos questionar o argumento convencional de que as empresas multinacionais realizem esforço tecnológico inferior ao das empresas nacionais. Saindo do panorama geral oferecido pelas pesquisas de inovação para entrar em uma análise mais detalhada, é TABELA 4 Atividades Internas de Pesquisa e Desenvolvimento, segundo Classes de Tamanho das Empresas Brasil – 2000 Nacional Classes de Tamanho Estrangeira Número de Valor Gasto Médio Número de Valor Gasto Médio Empresas (R$ 1.000) (A) Empresas (R$ 1.000) (B) B/A Total 6.655 2.019.779 303 757 1.721.793 2.274 7,5 De 10 a 99 4.904 288.990 59 213 34.506 162 2,8 De 100 a 249 832 169.241 203 182 111.908 615 3,0 De 250 a 499 412 170.261 413 109 151.057 1.387 3,4 Com 500 e Mais 507 1.391.287 2.745 254 1.424.322 5.618 2,0 Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000. 54 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 EMPRESAS MULTINACIONAIS TECNOLÓGICA NO BRASIL primordialmente relacionadas com desenvolvimento experimental (de produtos e processos) – em outros termos, o D da P&D. Raramente as funções de P&D de uma subsidiária de empresa estrangeira no Brasil são diversificadas o bastante para comportar atividade de pesquisa tecnológica interna à empresa. Acrescente-se que a situação não é nada diferente na grande empresa industrial nacional que realiza P&D. E que essa situação é, em grande medida, responsável pela sempre sublinhada fragilidade de relacionamento das empresas industriais brasileiras com universidades e outras instituições de pesquisa. Quem não faz pesquisa não a demanda sistematicamente. De qualquer maneira, a partir dos casos comentados, o argumento é que, quando a intenção é estimular o engajamento das empresas estrangeiras em atividades de P&D no país não se está partindo do zero. Oportunidades geradas a partir do cenário internacional podem reforçar ainda mais esse engajamento – mas também é preciso criar as condições adequadas para aproveitar essas oportunidades. wagen, Fiat e Ford. Todas elas estão percorrendo esse caminho, esquematizado na Figura 1, que vai dos esforços de tropicalização (limitada e avançada) à construção de derivativos locais e por fim, de derivativos globais – nos quais o país assume a condição de sede de projeto dentro da corporação. Em setores como o de telecomunicações e em certos segmentos da indústria de bens de capital, também existem empresas estrangeiras que acumulam capacidades tecnológicas relevantes. Por outro lado, em certos setores amplamente dominados pelo capital estrangeiro, os esforços de P&D são muito limitados. O exemplo notório é o setor farmacêutico, em que pesem os recentes investimentos em pesquisa clínica realizados no país por diversas multinacionais, esses esforços estão muito aquém do que caracterizaria um engajamento mais substantivo em atividades tecnológicas. Pelo lado dos limites, considere-se ainda que, nos casos de maior engajamento, como o do setor automotivo anteriormente comentado, as atividades tecnológicas são FIGURA 1 Evolução das Capacidades das Subsidiárias Brasileiras de Montadoras de Automóveis Capacidade de Tropicalização Limitada Capacidade de Tropicalização Avançada Capacidade de Design de Derivativos Capacidade de Sediar Projeto Fonte: Adaptado de Consoni e Quadros (2003). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 E I NOVAÇÃO 55 SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO A GLOBALIZAÇÃO DA TECNOLOGIA: OPORTUNIDADES PARA AMPLIAR AS ATIVIDADES DE P&D DAS EMNS GRÁFICO 1 Gasto em P&D de Filiais Estrangeiras Países Selecionados – 1995-2001 (1) ão Jap Gré cia s Fin lân dia da ido Un os Es tad nça lan Ho Fra á nha nad ma Ale Ca a ido éci Un ino Re ália str Su Au Re p Tch ública eca Es pan ha ia ngr Hu Irla A partir da década de 80, a expressão “globalização” difundiu-se amplamente, designando um conjunto de fenômenos nem sempre claramente interpretados. No âmbito das empresas, é possível observar um certo movimento de integração mundial das funções corporativas. Partindo da distinção entre indústrias multidomésticas e indústrias globais popularizada por Porter (1986), pode-se dizer que a competição país a país, característica das indústrias multidomésticas, passou a dar lugar à competição em escala global, em que, para manter sua capacidade competitiva, as firmas são obrigadas a gerenciar suas atividades internacionais de modo cada vez mais integrado. Para Sachwald (1994), globalização é mais do que um aprofundamento do processo de internacionalização das empresas. Significa “a integração funcional de atividades geograficamente dispersas das empresas multinacionais”. O resultado é que o todo é maior do que a soma das partes, isto é, as empresas globalmente integradas obtêm vantagens competitivas frente àquelas que operam com filiais relativamente independentes e autônomas. Esse processo de integração abarca também as atividades tecnológicas – e, em particular, as de P&D, o que tem implicado tanto a maior articulação dessas atividades que estão dispersas por vários países, como também o aumento da participação das filiais das EMNs no esforço tecnológico global nos últimos anos, como apontam diversos trabalhos (OECD, 1998; DALTON; SERAPIO, 1999; KUEMMERLE, 1999; GRANSTRAND, 1999). Dados do Bureau of Economic Analysis – BEA, do Departamento de Comércio dos EUA, registram que os gastos de P&D de filiais de empresas americanas no exterior passaram de US$ 14,6 bilhões em 1998, para US$ 21,1 bilhões em 2002, portanto, houve um crescimento de 44%. Esses gastos também aumentaram como percentagem sobre as vendas das filiais, passando de 0,74%, em 1998, para 0,83%, em 2002. O Gráfico 1 revela, para 15 países da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), uma tendência quase generalizada de aumento da participação da P&D das empresas estrangeiras no gasto total da P&D empresarial. Esse fato significa que, nesses países, a atividade de P&D das empresas estrangeiras cresce mais rapidamente do que a das empresas domésticas. nda O Fenômeno da Globalização da Tecnologia Fonte: OECD (2004). Base de dados AFA, maio 2004. (1) Ou ano mais próximo disponível. Esses indicadores também revelam que, em alguns países industrializados europeus que não exercem liderança tecnológica, como a Hungria, Irlanda e a República Tcheca, os dispêndios em P&D das empresas estrangeiras é responsável pela maior parte do dispêndio total em P&D no setor industrial. Alguns trabalhos tratam da globalização da tecnologia com mais ceticismo. Primeiro, destacam o fato de que a função tecnológica é muito menos internacionalizada do que outras corporativas, como produção ou vendas. Depois, sublinham a concentração do fenômeno nos países desenvolvidos, particularmente, na chamada “Tríade” – EUA, Japão e Europa (PATEL; PAVITT, 1998; KUEMMERLE, 1999). De fato, dados de patentes de 359 das maiores empresas mundiais no período de 1990-1994 mostram que as patentes registradas nos Estados Unidos, originárias das subsidiárias fora da “Tríade”, contabilizaram menos de 1% do total, ou 7% da participação das filiais (MEYER-KRAHMER et al., 1998). Sendo assim, seria mais apropriado falar em “triadização”, e não em “globalização” da tecnologia. No entanto, cabe observar a grande velocidade com que as mudanças têm ocorrido nos anos recentes. Os países em desenvolvimento (PEDs), com destaque para China e Índia, estão se tornando um destino privilegiado do investimento direto estrangeiro (IDE) em tecnologia (KUMAR, 2001; WALSH, 2003). De acordo com os dados do BEA, os gastos em P&D das filiais americanas de EMNs fora do Canadá, Europa e Japão passaram de 10,7% do total em 1998, para 15,0% em 1999, 17,8% no ano 2000 e 20,3% em 2001. Assim, embora a parcela da P&D realizada pelas EMNs fora da Tríade seja ainda relativamen- 56 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 EMPRESAS MULTINACIONAIS E I NOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO Políticas Públicas para Atração de Atividades de P&D te pequena, ela é crescente, tendo praticamente dobrado no curto período 1998-2001. A intensidade da migração de atividades tecnológicas para China e Índia nos últimos anos, originárias principalmente dos EUA, tem chamado a atenção para o fenômeno correlato da crescente subcontratação da P&D (BUSINESS WEEK, 2003; 2005). Os dois fenômenos – o da realização de P&D no exterior (offshoring) e o da subcontratação da P&D (outsourcing) – muitas vezes aparecem combinados. O Quadro 1 diferencia as questões de localização geográfica e de externalização da P&D. Embora a discussão sobre globalização da tecnologia esteja teoricamente adstrita à situação do quarto quadrante (inferior à esquerda), em que responsabilidades tecnológicas são transferidas para filiais da própria empresa no exterior (captive offshoring), a situação mostrada no terceiro quadrante (inferior à direita), que combina offshoring com outsourcing, também deve ser incluída na agenda, uma vez que, em termos dos efeitos sobre as economias hospedeiras (e sobre as economias de origem dos investimentos), ambas são muito similares. Para um país interessado em atrair investimentos tecnológicos de EMNs, eles podem materializar-se tanto na forma de um centro de P&D da filial como na subcontratação de outras empresas já estabelecidas localmente. Em suma, os fenômenos offshoring e outsourcing, combinados ou separadamente, criam oportunidades de investimento em atividades tecnológicas também nos países em desenvolvimento (PEDs). O Brasil tem boas condições para disputar esses investimentos. No entanto, é preciso promover permanentemente essas condições, tanto no sentido de melhorá-las cada vez mais como no de torná-las conhecidas entre os potenciais investidores. Análises sobre os determinantes da globalização da P&D apontam as políticas como fatores relevantes. Hakanson e Nobel (1993) destacam o papel dos incentivos políticos para atrair determinados tipos de P&D, principalmente aqueles relacionados a indústrias controladas pelo governo, como telecomunicações ou equipamento militar. O próprio caso do Brasil sugere que os incentivos da Política de Informática foram fundamentais na atração de investimentos em P&D de diversas EMNs nos setores de telecomunicações e informática. Entretanto, é preciso evitar o equívoco de reduzir as políticas de atração de atividades tecnológicas a incentivos. Em certos casos, os incentivos são o fator decisivo, no sentido de promover o desempate na decisão de determinado investimento entre este ou aquele país. Mas, isoladamente, os incentivos não decidem a disputa – até porque são vistos como pouco estáveis, quando não são explicitamente transitórios. Portanto, as políticas de atração devem ser abordadas a partir de uma perspectiva ampla que vai da formação de recursos humanos de alto nível a incentivos eventuais, passando por investimentos em infra-estrutura, pela política de compras do Estado, pela divulgação e marketing do país, entre outros. Países como China, Índia, Taiwan, Irlanda, Israel, Cingapura, entre outros, têm sido bem-sucedidos nessa empreitada de atrair investimentos em P&D de EMNs em boa medida por terem políticas nacionais focadas neste objetivo. O caso da China é exemplar de um país fortemente empenhado em atrair atividades corporativas mais avançadas para seu território. Venkitaramanan (2000) QUADRO 1 P&D Estabelecida em Outros Países e Subcontratada Localização da P&D País de Origem País Hospedeiro Internalizada Externalizada (Subcontratada) P&D realizada dentro da empresa, P&D subcontratada de uma outra no país de origem empresa no país de origem P&D realizada pela filial de uma mesma P&D subcontratada de uma terceira EMN, em outro país (chamado captive offshoring) empresa no exterior: - para uma empresa local - para uma filial de outra EMN Fonte: UNCTAD (2004b), adaptado de WIR (2004). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 BRASIL 57 SÉRGIO QUEIROZ / RUY DE QUADROS CARVALHO mostra que os chineses vêm usando habilmente sua enorme capacidade de atrair IDE produtivo para ampliar a apropriação de tecnologias, negociando investimentos em P&D como contrapartida do acesso a seu mercado. Políticas de comércio, de compras governamentais e de tecnologia são coordenadas com o sistema de aprovação de investimento externo, de modo a desenvolver as capacidades locais. Ao mesmo tempo, o país investe pesadamente na formação de recursos humanos qualificados, tanto internamente como no exterior. Então, pergunta-se: no caso do Brasil, que pontos fundamentais devem ser considerados por uma política que busque criar um ambiente favorável para que as EMNs possam investir em tecnologia? Faltam estudos e conhecimento para responder adequadamente a essa questão. É preciso aprofundar o entendimento, por exemplo, da relação entre o comportamento das firmas e os fatores de atração de atividades tecnológicas para determinado país. O comportamento das firmas, por sua vez, está condicionado por características setoriais, associadas ao ambiente competitivo em que atuam, e pelas estratégias globais de P&D, de caráter individual. Esse conhecimento é essencial para orientar corretamente sua política de atuação. A despeito dessas dificuldades, é possível sugerir alguns elementos que, à primeira vista, são importantes para uma política eficaz de atração de IDE em P&D. Primeiro, a política deve atuar no nível da empresa – não no do setor e menos ainda em níveis mais agregados. É certo que algumas medidas de caráter amplo irão favorecer genericamente os investimentos externos em atividades tecnológicas. Por exemplo, a formação de recursos humanos de alto nível ou os investimentos em infra-estrutura. Mas esse tipo de medida, embora necessário, é insuficiente. Situar a política no nível da empresa significa identificar os alvos e definir ações sob medida, estabelecendo, por exemplo, as áreas e subáreas em que é preciso investir na formação de doutores e mestres, ou as estratégias de divulgação e marketing do país que sejam apropriadas para os alvos escolhidos. Afinal, cada empresa irá avaliar diferentemente a importância dos distintos fatores de atração, conforme as necessidades ditadas pela concorrência que enfrenta e pelas estratégias que adota. Segundo, devem ser desenvolvidos indicadores apropriados para cada fator relevante de atração – seja para avaliar seu estado atual, seja para estabelecer e acompanhar metas de progresso. Por exemplo, quando se exami- na o regime de propriedade intelectual – um fator certamente prioritário para empresas do setor farmacêutico –, qual o melhor indicador para avaliar o grau de proteção oferecido pela legislação? Como avaliar a capacidade de fazer cumprir a lei, o chamado enforcement? E assim por diante. Terceiro, deve-se acompanhar de perto o trabalho dos “concorrentes”. Quais as políticas de promoção de atividades tecnológicas ou de atração de IDE que os países – particularmente aqueles mais parecidos com o Brasil – estão adotando? Quarto, a exemplo do que ocorre em relação à política de informática, as demais políticas vigentes no país requerem avaliações periódicas e conclusivas sobre sua eficácia na atração de IDE em P&D, bem como de todos os seus custos. Enfim, esses pontos servem basicamente para iniciar uma agenda de discussão sobre políticas de atração de IDE em P&D que precisa, antes de tudo, ser encampada pelo poder público. CONSIDERAÇÕES FINAIS De modo geral, as políticas de promoção de atividades tecnológicas nas empresas não tomam em consideração a variável “origem do capital”. Esse artigo procura mostrar que os diversos fenômenos condicionantes do investimento em P&D das EMNs justificam um foco específico da política de ação nessas empresas. Evidentemente, não se trata de atribuir às empresas multinacionais a responsabilidade principal sobre o desenvolvimento tecnológico do país. Não lhes compete substituir as empresas de capital nacional no que diz respeito ao esforço tecnológico. Estas, por sua vez, precisam assumir firmemente o objetivo de expandir suas atividades de P&D – e isto, de certo modo, já está sendo feito. A Embraer e a Petrobras talvez sejam os exemplos mais visíveis de sucesso ancorado em grande medida na tecnologia desenvolvida internamente, mas existem muitos outros casos de grandes empresas brasileiras engajadas em crescentes esforços tecnológicos. Mas a questão aqui é outra. Independentemente de qualquer comparação entre a atividade tecnológica de empresas nacionais e multinacionais, o que se argumenta é que as EMNs podem fazer mais do que já fazem. Políticas adequadas permitiriam que o país aproveitasse melhor uma série de oportunidades surgidas em função do contexto internacional. Por outro lado, as empresas estrangeiras 58 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 EMPRESAS MULTINACIONAIS E I NOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002. poderiam contribuir mais significativamente para reforçar o sistema nacional de inovação, especialmente em determinados setores nos quais já são um agente relevante. Por exemplo, poderiam diversificar suas funções de P&D de maneira a internalizar no Brasil uma parcela de sua demanda por conhecimento tecnológico novo. Para isso, é necessário que o governo se engaje na disputa global pelo IDE em P&D atualmente em curso. As políticas nacionais têm um peso importante na definição dos resultados dessa disputa, especialmente em uma perspectiva de longo prazo em que haja empenho para transformar estruturalmente o ambiente favorável ao investimento em tecnologia. Ademais, as políticas não podem ser reduzidas a incentivos. Se, em determinados casos, os incentivos podem fazer a diferença frente a concorrentes diretos, em outros, em que o país possui capacidades e vantagens para atrair investimentos em tecnologia, uma política bem elaborada deverá conter a oferta dos incentivos. KUEMMERLE, W. Foreign direct investment in industrial research in the pharmaceutical and electronics industries – results from a survey of multinational firms. Research Policy, v. 28, p. 179-193, 1999. KUMAR, N. Developing country prospects for globalization of R&D. Science, Technology and Innovation. Viewpoint, 20 jun. 2001. Disponível em: <http://www.cid.harvard.edu/cidbiotech/comments/>. MEYER-KRAHMER, F. et al. Internationalisation of research and technology: Trends, issues and implications for science and technology policies in Europe. Brussels/ Luxembourg: OOPEC, July 1998. 75p. (ETAN Working Paper, prepared for the European Commission). OCDE. Science, Technology and Industry Outlook. Paris: OECD, 2004. ________. Internationalisation of industrial R&D. Patterns and trends. Paris: OECD, 1998. PATEL, P.; PAVITT, K. National systems of innovation under strain: the internationalisation of corporate R&D. Science Policy Research Unit, Brighton, University of Sussex, 1998 (draft). PORTER, M.E. Competition in Global Industries: A Conceptual Framework. In: ________. Competition in global industries. Boston: Harvard Business School Press, 1986. QUADROS, R.; FRANCO, E.; BERNARDES, R. Inovação tecnológica na indústria – Resultados da Paep e da Paer. In: VIOTTI, E.B.; MACEDO, M. (Org.). Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSINESS WEEK. Outsourcing innovation, 21 mar. 2005. SACHWALD, F. Mondialisation et systèmes nationaux. In: SACHWAL, F. Les défis de la mondialisation – Innovation et concurrence. Paris: Masson. 1994. ________. The rise of India, 8 dez. 2003. CONSONI, F. Da tropicalização ao projeto de veículos: um estudo das competências em desenvolvimento de produtos nas montadoras de automóveis no Brasil. Tese (Doutorado) – IG/Unicamp, Campinas, 2004. UNCTAD. World Investment Report 2004: The shift towards services. Geneva: United Nations, UNCTAD (Internet edition). 2004a. Disponível em: <http://www.unctad.org/wir>. CONSONI, F.; QUADROS, R. From adaptation to complete vehicle design: a case study on product development capabilities of multinational assemblers. In: International Journal of Technology Management, special issue on learning and technological capabilities in developing countries, Brazil, 2005. No prelo. ________. The impact of FDI on development: globalization of R&D by transnational corporations and implications for developing countries. TD/B/COM.2/EM.16/2, Out. 2004b. VENKITARAMANAN, S. India: FDI and technology: Learning from the Chinese example. Business Line, 2000. Disponível em: <http://www.blonnet.com/businessline/2000/08/28/stories/ 042820ju.htm>. ________. Between centralisation and decentralisation of product development competencies: recent trajectory changes in Brazilian subsidiaries of car assemblers. In: INTERNATIONAL COLLOQUIUM OF GERPISA – COMPANY ACTORS ON THE LOOK OUT FOR NEW COMPROMISES: Developing GERPISA’s New Analytical Schema, 11., Paper… Paris, 11-13 June, 2003. WALSH, K. Foreign High-Tech R&D in China: risks, rewards, and implications for U.S.-China relations. The Henry L. Stimson Center, 2003. Disponível em: <http://www.stimson.org/techtransfer/pdf2Globalization.pdf>. COSTA, I.; QUEIROZ, S. Foreign direct investment and technological capabilities in brazilian industry. Research Policy, v. 31, p. 1.431-1.443, 2002. DALTON, D.; SERAPIO, M. Globalizing Industrial Research and Development. Office of Technology Policy, US Department of Commerce, September 1999. SÉRGIO QUEIROZ: Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do IG-Unicamp. RUY DE QUADROs CARVALHO: Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do IG-Unicamp. GRANSTRAND, O. Internationalization of corporate R&D: a study of Japanese and Swedish corporations. Research Policy, v. 28, p. 275-302, 1999. Artigo recebido em 16 de maio de 2005. Aprovado em 6 de junho de 2005. HAKANSON, L.; NOBEL, R. Determinants of foreign R&D in Swedish multinationals. Research Policy, v. 22, p. 397-411, 1993. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005 59 RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL uma análise das indústrias têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica JUAN RENATO GARCIA FLÁVIA MOTTA GABRIELA SCUR MÁRCIO L UPATINI RICARDO CRUZ-MOREIRA Resumo: Este trabalho analisa os esforços inovativos de empresas das indústrias têxtil-vestuário, de calçados, de móveis e de cerâmica que – mesmo tendo como principal fonte de tecnologia as indústrias fornecedoras, como a química e os bens de capital – são responsáveis pelo desenvolvimento de aplicações em produtos e processos capazes de proporcionar importantes vantagens diferenciais aos produtores. Palavras-chave: Padrões de inovação. Indústrias tradicionais. Indústria brasileira. Abstract: This paper analyses the main innovative efforts of firms in the textile, clothing, footwear, furniture and ceramic tiles industries, even though the main source of technological development is provide from the supplier industries, such as chemical and machinery, they develop applications in product and process that can bring some important benefits for the firms. Key words: Innovation patterns. Traditional industries. Brazilian industry. ste trabalho discute a inovação em um conjunto de indústrias produtoras de bens de consumo não duráveis – têxtil-vestuário, de calçados e de móveis residenciais de madeira – aos quais foi agregada uma indústria produtora de insumos para a construção civil: a de cerâmica para revestimento. O agrupamento desses setores visando a uma discussão conjunta justifica-se pelas similaridades que podem ser verificadas no seu padrão de inovação – isto porque em todas as indústrias os setores fornecedores de insumos (especialmente os da indústria química e de bens de capital) têm papel fundamental na difusão das inovações. Porém, isso não significa que as empresas assumam uma posição passiva nos processos de geração de inovações. Embora a trajetória tecnológica seja definida de forma exógena a esse conjunto de setores, as empresas procuram gerar assimetrias concorrenciais dentro dessa trajetória, por meio do desenvolvimento de aplicações mais adequadas em produtos e também E em termos das técnicas de produção. Assim, as empresas procuram aproveitar-se de oportunidades que são geradas dentro da trajetória tecnológica, a qual lhes proporciona vantagens competitivas, mesmo que de caráter temporário. Nesse sentido, deve ser destacada a importância dos ativos comerciais e o seu caráter intangível como forma principal de garantir a apropriabilidade privada dos benefícios da inovação. Os desenvolvimentos tecnológicos dos setores, mesmo que não tenham um caráter disruptivo, estão normalmente calcados em estratégias expressivas de gestão dos ativos comerciais. O desenvolvimento dessa argumentação, apresentada ao longo de todo o trabalho, sustenta-se nos resultados, de cinco estudos desenvolvidos no âmbito do projeto Diretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estratégias para Inovação (DPP/OEI), que teve o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e que analisou essas indústrias1 . 60 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 ESFORÇOS INOVATIVOS ESTRUTURA INDUSTRIAL E PADRÃO COMPETITIVO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS DE EMPRESAS NO BRASIL: ... elevada heterogeneidade, que se expressa pela convivência, no mercado, de empresas bastante díspares quanto a tamanho, tecnologia utilizada e forma de organização da cadeia, entre outros itens. Assim, é possível observar a coexistência de grandes firmas que atuam com elevadas escalas de produção e operação e empresas de pequeno porte que operam em segmentos bastante especializados.2 A Tabela 1 mostra alguns dados econômicos gerais dessas indústrias. Nota-se que são indústrias que em geral empregam um grande contingente de mão-de-obra, sendo responsáveis por 30% dos empregos gerados pela indústria total e por uma contribuição de somente 12% do valor da transformação industrial – característica comum de setores tradicionais da indústria. Outra especificidade desses setores é o elevado número de micro e pequenas empresas. O tamanho médio dos estabelecimentos corrobora tal afirmação, já que na indústria cerâmica e na de móveis a média é de 26 funcionários e na do vestuário, 23 empregados por estabelecimento – portanto, bem abaixo da média da indústria de transformação, que é de 42. Já as indústrias têxtil e de calçados ficam acima da média industrial, pois apresentam, respectivamente, 58 e 63 ocupados por unidade produtiva. Uma característica comum aos setores em investigação diz respeito às amplas possibilidades de segmentação de produto e de mercado as quais, muitas vezes, sobrepõemse umas às outras. Nas indústrias têxtil-vestuário e de calçados, por exemplo, é possível a segmentação por sexo (masculino e feminino), por tamanho (bebê, infantil, infantojuvenil, adulto), por renda, por material utilizado (naturais, artificiais e sintéticos), por tipo de uso (social, casual, esportivo). Da mesma forma, na indústria de móveis, percebe-se a segmentação por material utilizado (madeira, aglomerados, MDF – Medium Density Fibre, metal, plástico), por tipo de uso (residenciais, profissionais, comerciais) e por faixa etária (infantil, juvenil e adulto). Mesmo na indústria cerâmica também se percebe a segmentação por tipo de uso (estrutural e revestimento; pisos e azulejos) e processo de produção (porcelanato, queima tradicional, monoqueima e terceira queima) – Quadro 1. Portanto, há amplas possibilidades de segmentação de produto e de mercado – e esse fato não está apenas vinculado à estrutura da renda, mas também resultam em uma QUADRO 1 Formas de Segmentação nas Indústrias Têxtil-Vestuário, Calçados, Móveis e Cerâmica Formas de Segmentação Têxtil-Vestuário Calçados Sexo Masculino Feminino Masculino Feminino - - Tamanho Bebê Infantil Infanto-juvenil Adulto Bebê Infantil Adulto Bebê Infantil Juvenil Adulto - Renda Alta Média Baixa Alta Média Baixa Alta Média Baixa Alta Média Baixa Material/Processo Algodão (natural) Artificial Sintético Couro Sintético Tecido Madeira Maciça Painéis de Madeira Reconstituída Metal Plástico Estrutural Revestimento Porcelanato Tipo de Uso Social Casual Social Casual Residencial Escritório Pisos Azulejos Moda Praia Esportivo Esportivo Institucional Exteriores Fonte: Elaboração dos autores. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 61 Móveis Cerâmica RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA TABELA 1 Número de Empresas, Pessoal Ocupado, Receita Líquida de Vendas e Valor da Transformação Industrial (VTI), segundo Atividades da Indústria Brasil – 2002 Códigos da CNAE Atividades da Indústria Total Indústria Número de Empresas Pessoal Ocupado em 31/12 (1) Receita Líquida de Vendas (2) (Em R$ 1.000) VTI (3) (Em R$ 1.000) 135.003 5.680.111 797.226.731 334.503.214 4.868 284.560 20.034.583 8.254.404 18.547 443.969 11.759.802 4.987.421 5.972 379.003 17.697.638 7.220.133 489 35.288 4.467.646 1.215.748 17 Fabricação de Produtos Têxteis 18 Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios 19 Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro, Artigos de Viagem e Calçados 19.1 Curtimento e Outras Preparações de Couro 19.2 Fabricação de Artigos para Viagem e de Artefatos Diversos de Couro 1.527 30.848 808.465 369.390 19.3 Fabricação de Calçados 3.956 312.866 12.421.528 5.634.995 11.106 297.421 25.023.409 13.344.074 4.613 135.612 5.076.658 2.597.725 553 25.477 5.747.749 1.781.611 26 Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos 26.4 Fabricação de Produtos Cerâmicos 24.8 Fabricação de Tintas, Vernizes, Esmaltes, Lacas e Produtos Afins 36 Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas 36.1 Fabricação de Artigos do Mobiliário 11.394 292.470 15.222.998 6.381.293 8.198 209.115 10.602.386 4.066.460 Fonte: IBGE (2002a). Pesquisa Industrial Anual - Empresa 2002. Elaboração dos autores com base nos dados do IBGE. (1) Número de pessoas ocupadas, com ou sem vínculo empregatício, incluindo-se aquelas afastadas em gozo de férias, licenças, seguros por acidentes, etc., mesmo que estes afastamentos sejam superiores a 15 dias. Não inclui os membros do conselho administrativo, diretor ou fiscal, que não desenvolvem qualquer outra atividade na empresa, os autônomos e, ainda, o pessoal que trabalha dentro da empresa, mas é remunerado por outras empresas. As informações referem-se à data de 31/12 do ano de referência da pesquisa. O pessoal ocupado é a soma do pessoal assalariado ligado e não ligado à produção industrial e do pessoal não assalariado. Ver itens específicos em IBGE (2002a). (2) Receita bruta total (proveniente da venda de produtos e serviços industriais, da revenda de mercadorias e da prestação de serviços não industriais) menos o total das deduções (vendas canceladas e descontos, ICMS e outros impostos e contribuições incidentes sobre as vendas e serviços, como Cofins, Simples – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições, etc.) (IBGE, 2002). (3) Valor obtido pela diferença entre o valor bruto da produção industrial e o custo das operações industriais (IBGE, 2002a). No que se refere à estrutura industrial e produtiva, devese ressaltar a importância das relações com os setores fornecedores de matéria-prima, insumos e maquinário, que representam importantes fontes de inovação. Além disso, alguns serviços produtivos – como o de prospecção de mercado e os de tendências, serviços de design e desenvolvimento de produto, testes e ensaios laboratoriais também podem ser relevantes para o incremento da capacidade competitiva das empresas. 3 Do ponto de vista da inserção das firmas no mercado, é possível notar claramente alguns padrões de comportamento, os quais condicionam a forma de organização produtiva das empresas e de suas funções corporativas.4 Primeiro, pode-se notar uma forma mais autônoma de inserção, em que elas são capazes de deter importantes capacitações em termos de desenvolvimento de produto e fazem uma gestão ativa de seus ativos comerciais, como marcas e canais de comercialização, tanto no mercado doméstico como no exterior. A manufatura, nesses casos, pode ser realizada internamente, por meio de unidades próprias especializadas, ou subcontratada junto a terceiros. Exemplos dessa forma de inserção são as empresas Karsten e a Rosa Chá nas indústrias têxtil e do vestuário; São Paulo Alpargatas, proprietária da marca Havaianas, e Grendene na indústria de calçados; SCA, na indústria de móveis. Na segunda forma de inserção, que é intermediária, as empresas detêm importantes capacitações em desenvolvimento de produto e design, mesmo que esse modelo esteja fortemente associado à adaptação, para o mercado, interno de produtos lançados nos países centrais. Essa característica condiciona sua atuação mercadológica, pois as empresas possuem uma inserção ativa e autônoma no mercado doméstico, por meio do domínio e da gestão de marcas próprias e canais de comercialização. No entanto, são incapazes de reproduzir essa forma de atuação no mercado externo, onde exercem um papel subordinado nas cadeias globais de produção, como fornecedoras de produtos acabados para as grandes redes internacionais de varejo. Em termos dos ativos produtivos, normalmente essas empresas possuem grandes plantas próprias de manufatura. Entre os exemplos mais importantes dessa forma de inserção, encontram-se as empresas: Hering, Marisol e Fórum nas indústrias têxtil e do vestuário; Samello, 62 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 ESFORÇOS INOVATIVOS EMPRESAS NO BRASIL: ... justifica a existência de elevado número de micro e pequenas empresas em todos os setores analisados. Destaca-se, no entanto, que as economias de escala permanecem exercendo papel relevante tanto na manufatura, por permitir a redução dos custos da produção de bens mais padronizados, e especialmente nas outras funções corporativas desempenhadas pelas empresas, como na comercialização, no desenvolvimento de produto e no acesso a recursos financeiros e de capital. Voltando ao campo da inovação, uma das suas principais fontes nos setores analisados são os desenvolvimentos oriundos da indústria química, fornecedora de novos materiais e novas aplicações. Alguns exemplos interessantes ilustram esse fenômeno. Para a indústria têxtil-vestuário, a introdução da microfibra por volta dos anos 70 permitiu às empresas têxteis a criação de novos tecidos, que, por sua vez, foram aplicados em roupas diferenciadas, especialmente em roupas esportivas e femininas, estimulando a substituição das fibras naturais, notadamente do algodão. Essa substituição trouxe inclusive ganhos de custo e de características técnicas do produto em relação ao algodão, especialmente em termos da absorção do suor e praticidade, além de melhorias significativas quanto a conforto, caimento e aparência dos produtos. Outra inovação interessante é o uso de nanotecnologia em fibras têxteis: há incorporação de novos materiais que, embutidos nas fibras, liberam mais facilmente a umidade do corpo, no caso de roupas esportivas; ou os com bactericidas, que começam a ser utilizados para fins médicos e para cuidados infantis. Na indústria de calçados, nota-se o uso mais intensivo de materiais sintéticos em substituição ao couro – no cabedal (parte superior) e, especialmente, nos solados (atualmente apenas 8% são feitos de couro). Percebe-se a utilização crescente de materiais sintéticos como PVC (Policloreto de Vinila) e TR (Borracha Termoplástica), que apresentam custos mais reduzidos, EVA (Copolímero de Etileno e Acetato de Vinila) e PU (Poliuretano), que permitem a aplicação em usos mais sofisticados. Já na indústria de cerâmica para revestimento, foram realizados avanços significativos a partir do desenvolvimento de produtos químicos aplicados a revestimento – especialmente de fritas5 e corantes. Essas modificações, associadas a melhorias de processo, permitiram o desenvolvimento de novos revestimentos e abriram possibilidades de diferenciação do produto para as empresas do setor. Democrata, Arezzo, Beira Rio e Dakota, na indústria de calçados; Todeschini, Florense e Bertolini, na indústria de móveis; Eliane, Portobello e Cecrisa, na indústria cerâmica. Nesse caso, é comum que as firmas atendam a encomendas das exportações para compensar as oscilações sazonais da demanda doméstica. Por fim, encontram-se formas mais subordinadas de inserção no mercado, em que as empresas possuem capacitações reduzidas na área de desenvolvimento de produto e percebe-se a ausência de ativos comerciais relevantes, como a utilização de canais convencionais de comercialização e de marcas fracas ou ausentes. Porém, a inserção subordinada no mercado é contrabalançada por elevadas capacitações em manufatura, que apresenta níveis de produtividade bastante expressivos e elevada escala de produção. Dentre os exemplos mais importantes, encontram-se as empresas: Vicunha e Coteminas, nos setores têxtil e do vestuário; os grandes exportadores de calçados femininos do Vale do Sinos; algumas empresas exportadoras de São Bento do Sul e os fornecedores das grandes redes de varejo do mercado doméstico, na indústria de móveis; os produtores de cerâmica para revestimento de Santa Gertrudes. Esse padrão diferenciado de inserção condiciona o processo de inovação nas empresas, pois, de acordo com a forma de atuação no mercado, as firmas terão que deter ativos mais ou menos expressivos nas áreas de desenvolvimento de produto e de comercialização, reorganizando sua cadeia de suprimentos em consonância com essa estratégia. PADRÃO DE INOVAÇÃO NAS INDÚSTRIAS TRADICIONAIS O principal elemento que justifica o agrupamento desses setores é justamente a convergência do padrão de inovação e as suas fontes – muito embora possam ser encontradas formas diferenciadas de atuação no mercado, como foi apontado anteriormente. De um modo geral, as indústrias têxtil, de vestuário, de calçados, de revestimentos cerâmicos e de móveis têm sua dinâmica tecnológica comandada pelos setores fornecedores, especialmente a indústria química e a de bens de capital. Como apontou Pavitt (1984), são essas tipicamente as indústrias dominadas pelos fornecedores (supplier dominated). Este padrão facilita a difusão de inovações e reduz as barreiras à entrada de natureza tecnológica, especialmente nas operações de manufatura – o que, de certa forma, SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 DE 63 RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA tanto do tempo de queima quanto do consumo de combustível. Além disso, eles são capazes de atingir mais rapidamente as elevadas temperaturas requeridas no processo de queima. Por fim, na indústria de móveis, nota-se a introdução de equipamentos de corte e centros de usinagem com comando numérico que conferem elevada precisão e incrementam a produtividade nessas operações. Além disso, a adoção de linhas de pintura automatizadas UV têm o efeito de melhorar sobremaneira a qualidade do acabamento dos móveis, proporcionando uniformidade nas cores e aumento de produtividade, devido ao menor tempo necessário para a cura. Destaca-se ainda a difusão dos otimizadores de corte de madeira maciça, que identificam imperfeições (como nós) e realizam o corte com mínimo desperdício da matéria-prima. Os principais países fornecedores de máquinas e equipamentos para esses setores são Itália e Alemanha que, além de produtores de bens de capital, são grandes fabricantes e consumidores mundiais de móveis, têxteis, vestuário e revestimentos cerâmicos, evidenciando assim que a estreita cooperação entre as indústrias usuárias e as produtoras é elemento importante no fomento de contínuas inovações tecnológicas. No caso do Brasil, no entanto, a produção de equipamentos é praticamente inexistente. Na década de 90, a forte reestruturação pela qual esses setores passaram ensejou uma profunda renovação do parque industrial. O caso da indústria têxtil é exemplar, nesse sentido. Porém, o caráter dessa renovação ocorreu por meio da abertura do mercado para as importações de máquinas e equipamentos, o que proporcionou prejuízos importantes para a indústria nacional de bens de capital, e para a capacidade inovativa da indústria, já que as inovações são fortemente vinculadas às interações usuário-produtor. De todo modo, é possível notar que as inovações ocorridas nessas indústrias normalmente não possuem caráter disruptivo. A heterogeneidade do padrão de concorrência verificada nesses setores permite a coexistência de empresas de portes diferenciados e que se utilizam de tecnologias díspares. A introdução das máquinas de corte a laser na indústria de calçados não obrigou as empresas a abandonarem suas máquinas tradicionais de corte, os chamados “balancins”. Processos semelhantes ocorreram com o advento da microfibra, na indústria têxtil; com o maquinário CNC (Comando Numérico Computadorizado) e linhas de pintura, na indústria de móveis; e o aparecimento do porcelanato, na indústria cerâmica. Na indústria de móveis, a indústria química tem tido papel essencial no desenvolvimento de novos acabamentos, como no caso, que vale destacar, das tintas com cura ultravioleta (UV), que apresentam ganhos de produtividade na aplicação e redução no tempo de secagem das peças. Outro fornecedor de extrema relevância para a indústria de móveis é a indústria produtora de chapas de madeira reconstituída, com destaque para a introdução no mercado brasileiro do MDF a partir da década de 90. Esse material permitiu às empresas produtoras de móveis retilíneos maior liberdade para criação e desenvolvimento de acabamentos, visto que até então os painéis de aglomerado ou compensado utilizados não podiam ser usinados. Já o MDF, por ter característica de resistência similar à da madeira maciça, é tecnicamente capaz de receber esses trabalhos superficiais – o que permitiu às empresas atingirem mercado de maior valor agregado utilizando como matéria-prima painéis reconstituídos. Outra indústria relevante são os fornecedores de acessórios e ferragens, pois as soluções proporcionadas por esses materiais conferem maior praticidade na utilização dos móveis pelo consumidor final – o que provocou impacto na inserção dos produtores em alguns nichos de mercado. Já no caso das inovações oriundas da indústria de máquinas, podem ser verificadas importantes modificações na configuração do processo produtivo, que permitiram que essas indústrias incorressem em ganhos significativos de produtividade. Alguns exemplos podem ser destacados. Na indústria têxtil-vestuário, equipamentos como os filatórios open-end e os teares sem lançadeira permitiram um expressivo aumento da velocidade das máquinas, com ganhos expressivos de produtividade. No caso dos teares sem lançadeira, foi bastante expressiva a extensão da mudança, já que a tecelagem deixou de ser intensiva em mão-de-obra, com o incremento expressivo da relação capital-trabalho. Na indústria de calçados – a despeito da estabilidade do processo produtivo principal, que permanece bastante intensivo em trabalho – houve algumas mudanças importantes em algumas dessas etapas, mesmo que de caráter incremental. Essas alterações ocorreram especialmente na automatização de etapas da montagem do calçado. Outra modificação importante, embora da baixa difusão, foi a introdução de processos de corte a laser, que representaram importante incremento de produtividade e economia, com a redução do descarte de matéria-prima. Na indústria de revestimentos cerâmicos, destaca-se a ampla difusão de fornos a rolo que permitem a redução 64 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 ESFORÇOS INOVATIVOS Todavia, não foi isso que ocorreu com a adoção dos teares sem lançadeira na indústria têxtil, cujos expressivos ganhos de produtividade e de redução de custos praticamente fizeram desaparecer as antigas máquinas automáticas de tecidos. Outra característica amplamente verificada nas estratégias das firmas maiores é o expressivo gasto em publicidade e propaganda – característica típica de empresas produtoras de bens de consumo. Normalmente, esses gastos superam amplamente os recursos destinados à área de desenvolvimento de produto.6 Isso decorre da importância dos ativos comerciais – especialmente a marca e os canais de comercialização – no padrão competitivo do setor, pois são eles que sustentam a apropriabilidade dos esforços de desenvolvimento de produto das empresas. Muitas vezes, a renovação freqüente das linhas de produto é um fato que vem vinculado a esse fenômeno. Essas estratégias das empresas, que se tornaram viáveis após a adoção e a difusão de equipamentos microeletrônicos e de sistemas do tipo CAD (Computer Aided Design), resultou em uma expressiva redução do tempo de vida média dos produtos, obrigando os produtores a adotar formas mais flexíveis de organização da produção. Assim, a troca freqüente das linhas de produtos das empresas tornou-se um imperativo da concorrência, mesmo quando as modificações impostas aos produtos são bastante superficiais. Na indústria de calçados, por exemplo, as empresas líderes fazem normalmente dois lançamentos anuais (inverno e verão), quando reformulam quase que completamente suas linhas de produtos. Entre os lançamentos principais, as empresas fazem pequenas modificações – as chamadas “correções” de linha – o que resulta em um grande número de novos modelos lançados a cada ano.7 Do ponto de vista dos processos de produção, as empresas precisam ser capazes de ajustar-se muito rapidamente a essas mudanças. Já nas indústrias de móveis e cerâmica, as mudanças não são tão rápidas, porém todo ano as linhas de produtos são reavaliadas e há sempre lançamentos de produtos. Para as empresas que atendem o mercado doméstico e possuem inserção comercial mais autônoma, estas modificações são essenciais, e há sempre um grande lançamento anual. Já as empresas que exportam parte significativa da produção, especialmente entre as empresas fabricantes de móveis, as modificações ocorrem de acordo com as exigências dos compradores, portanto, não há período recorrente para as modificações, já que dependem das demandas que SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 DE EMPRESAS NO BRASIL: ... são feitas às empresas. Mesmo assim, as empresas buscam desenvolver capacidade para lidar com amplas e freqüentes modificações nas linhas de produtos. ESFORÇOS EMPRESARIAIS DE INOVAÇÃO O levantamento de informações, primárias e secundárias, que baseiam os resultados da pesquisa indica que os esforços inovativos das empresas convergem para três áreas principais. Primeiro, destacam-se as iniciativas de desenvolvimento de produto e design – a forma mais importante utilizada pelas empresas para diferenciar seu produto e gerar assimetrias concorrenciais. Segundo, há uma preocupação recorrente voltada para a adoção de melhorias nos processos produtivos e nas formas de organização industrial – o objetivo é tornar o processo mais flexível e proporcionar melhor capacidade de respostas para as mudanças do mercado. Ainda nessa área, em movimento convergente com as características dos setores e com a experiência internacional, pode-se notar uma aproximação com as indústrias fornecedoras de máquinas e equipamentos, de matérias-primas e de componentes. Terceiro, e por último, a preocupação com a gestão dos ativos comerciais intangíveis, como marcas e canais de comercialização – o que é essencial para garantir a apropriabilidade dos esforços de desenvolvimento de produto. Para descrever esforços inovativos, este trabalho adota um conceito amplo, que está de acordo com os levantamentos (surveys) realizados no Brasil (IBGE, 2002b) e no exterior (Manual de Oslo, OECD, 1997). Nesse sentido, considera-se “inovação” toda e qualquer mudança realizada pela empresa que seja nova para ela ou para o mercado.8 Nesse sentido, ao incorporar novos produtos, novos atributos aos produtos existentes, novos processos, novas formas de organização de trabalho, a inovação não só proporciona vantagens competitivas para os produtores como tem o efeito de elevar os padrões competitivos do setor. É preciso ter o cuidado de distinguir (e não levar em conta) inovações que, embora tenham importante efeito microeconômico, não são capazes de elevar os padrões concorrenciais na indústria, por terem efeitos meramente superficiais ou cosméticos, no fundo, muitas delas somente lesam o consumidor final, que é obrigado a pagar mais caro por um produto que nem sempre apresenta caracte- 65 RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA madeira e metal e possuía mobilidade de rotação, era capaz de acomodar qualquer tipo de aparelho eletrônico, assim, tanto podia ser utilizado em uma sala de estar quanto em um escritório. De qualquer forma, vale notar que a maioria das empresas dessas indústrias atua como “imitadora” dos modelos criados no mercado externo. É muito comum inferir que a área genericamente chamada nas empresas de “desenvolvimento de produto” é, na verdade, apenas uma etapa anterior à fabricação – e não necessariamente um estúdio de criação de novos modelos e designs. Normalmente, essa área tem a função de conferir manufaturabilidade aos produtos desenvolvidos exogenamente, muitas vezes como fruto de modelos requeridos pelo comprador ou fotografados em feiras ou viagens internacionais. Nesse sentido, essa área exerce o papel de transformar os produtos que – a partir das especificações produtivas adequadas – serão fabricados em processos de produção e com custos compatíveis com o preço que será praticado no mercado. Se por um lado há falta de capacitações mais expressivas em criação e desenvolvimento de produto, percebe-se a existência de habilidades importantes nesta área. Em diversas empresas que atuam no mercado externo, pode-se verificar que a inserção internacional está associada à capacidade de fabricação de produtos semelhantes aos lançados no mercado internacional, porém com custos bem mais reduzidos. Nas empresas de calçados, essa atividade de manufaturabilidade é realizada pela modelagem técnica. Na indústria de móveis, verifica-se a figura dos prototipistas, que são marceneiros encarregados da construção do protótipo do produto, que é realizado com o objetivo de conceber a forma com que as diversas partes serão produzidas e montadas no processo produtivo.10 Já as empresas líderes do setor de cerâmica são capazes de imitar rapidamente os lançamentos internacionais através de parceira com as empresas de colorifícios, que realizam o detalhamento do projeto de acabamento dos produtos por meio da preparação de esmaltes especiais e telas de serigrafia. Essa estratégia possibilita a introdução rápida das novas tendências estéticas internacionais, que são vendidas principalmente no mercado doméstico e, em seguida, são imitadas pelas outras empresas. A elevada capacidade de conferir manufaturabilidade aos produtos é uma vantagem competitiva importante da indústria brasileira, já que grande parte das empresas que atua no mercado externo o faz por conta de sua elevada capacitação produtiva. Mesmo quando a inserção inter- rísticas técnicas superiores. Muitas das modificações impostas pelas empresas em termos de moda e design têm esse caráter – ou seja, são mudanças estéticas que não resultam em melhoria da funcionalidade do produto. Desenvolvimento de Produtos Os esforços de desenvolvimento de produtos são a forma mais importante de inovação das empresas desses setores. Todavia, nota-se que, no caso da indústria brasileira, as empresas são muito pouco “criadoras” de novos modelos e coleções, e muito mais “imitadoras” dos modelos lançados no mercado internacional. A maior parte das empresas apenas faz adaptações dos produtos lançados no exterior – especialmente pela indústria italiana.9 As empresas líderes dos setores são as pioneiras no lançamento desses produtos “adaptados”, no mercado brasileiro. Porém, em alguns segmentos de mercado destes setores, existem movimentos que apresentam esforços importantes de concepção e criação de novos produtos. No setor têxtilvestuário, os segmentos de moda praia e de roupa íntima são nichos que têm sido aproveitados por algumas empresas, como Rosa Chá, Cia. Marítima e DuLoren, que têm conseguido até mesmo algum destaque no mercado internacional. Além delas, marcas como Zoomp, M. Officer e Ellus também realizam grandes esforços de criação, ocupando posições de liderança no mercado doméstico e com resultados importantes no mercado internacional. Já na indústria de calçados, destacam-se as empresas produtoras de sandálias, como: a Grendene e sua marca Rider; e a São Paulo Alpargatas, com as Havaianas. Observa-se que, por meio de seus lançamentos de produtos, elas têm atingido uma inserção diferenciada no mercado. Outro exemplo vem da produção de calçados masculinos, em que as empresas procuraram incorporar elementos de conforto aos seus produtos. Dois casos interessantes são os das empresas Opananken e Democrata. Uma é pioneira no desenvolvimento de calçados de conforto por meio do lançamento do sapato “anti-stress”; e a outra adotou para seus produtos o sistema de amortecimento tradicionalmente utilizado em tênis esportivos. Já na indústria de móveis, destacam-se os produtos multifuncionais que apresentam soluções para espaços pequenos. Um bom exemplo dessa tendência é o da empresa Rudnick que lançou, há alguns anos, um rack que apresentava um design diferenciado. Como combinava 66 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 ESFORÇOS INOVATIVOS EMPRESAS NO BRASIL: ... cesso produtivo e quase não se utilizam de terceiros. Já as empresas que trabalham com madeira maciça e estão voltadas para o mercado externo utilizam mais a subcontratação, pois as etapas do processo de produção de móveis de madeira maciça tendem a ser mais intensivas em mão-de-obra. Já a indústria de calçados apresenta uma forma de organização intermediária. Algumas empresas externalizam totalmente o processo de manufatura, concentrando-se na gestão de seus ativos intangíveis – como: marca, comercialização e desenvolvimento de produtos. Mas esse não é o caso geral, pois a maioria das empresas mantém expressivas unidades de produção, que são responsáveis pela fabricação dos produtos, mesmo que as etapas mais intensivas em trabalho do processo produtivo, especialmente relacionados com a costura dos calçados, sejam contratadas junto a terceiros. Os esforços em relação à melhoria do processo produtivo são bastante diversos, porém é evidente a busca por elevação da flexibilidade. Na indústria têxtil-vestuário, desde meados da década de 90 as empresas têm procurado incorporar novos equipamentos, mais automatizados, aos seus processos de manufatura – o que tem tido o efeito de elevar significativamente a produtividade, até por meio da eliminação de algumas etapas do processo de produção. Na indústria de móveis, as empresas também passaram por um processo de atualização tecnológica na década de 90 – o que foi essencial para conferir à indústria maior velocidade, precisão, qualidade, flexibilidade e menores custos. A organização do processo produtivo tem sido outro alvo de atualização das empresas que estão criando metas específicas de adoção de “manufatura enxuta” para diminuir desperdícios e aumentar a eficiência dos processos. Além disso, as empresas que fabricam móveis modulares e detêm canais próprios de comercialização estão investindo em sistemas de informação para tornar ágil a comunicação entre varejo e indústria. Utilizando o know-how de uma empresa de tecnologia de informação, a SCA Indústria de Móveis Ltda. desenvolveu um aplicativo que cria um projeto personalizado, com perspectiva em 3D, para cada cliente da loja. Como o aplicativo é interligado ao sistema da fábrica, as informações dos pedidos das lojas disparam o processo produtivo. Já as empresas de móveis que atuam com mercado externo estão começando a explorar o nicho de móveis montados. A Artefama, por exemplo, adota linha de monta- nacional acontece por meio de cadeias globais, as empresas têm mostrado que são capazes de tornar rapidamente manufaturáveis os projetos encomendados pelos compradores globais, com baixo custo e com níveis de qualidade compatível com as exigências. Processo Produtivo e Organização Industrial Além dos esforços de desenvolvimento de produto, devem ser ressaltados, como elementos importantes das estratégias inovativas das empresas, a adoção e a busca de melhorias nos processos produtivos e nas formas de organização industrial. O movimento que se percebe mais claramente em todos os setores aqui tratados é o da busca de ganhos na flexibilização dos processos de produção. Em geral, as empresas têm implantado formas mais flexíveis de gestão de produção, mesmo que por meio de uma utilização mais intensa de tarefas subcontratadas. Na indústria têxtil-vestuário e de moda, as empresas têm procurado intensificar o processo de especialização produtiva por meio da concentração de suas atividades em uma determinada etapa do processo produtivo ou em uma certa função corporativa – seja produção ou comercialização. Essa especialização envolve normalmente a construção de uma rede de fornecedores especializados que seja capaz de atender com rapidez as mudanças freqüentes da demanda para, desse modo, permitir uma resposta mais rápida das empresas aos desafios do mercado. As empresas com alto conteúdo de moda estão se dedicando cada vez menos à manufatura, preferindo concentrar-se no gerenciamento da marca e da rede de fornecedores. Já quando se trata de empresas que produzem produtos mais padronizados (commoditizados), a principal competência é a produção e os processos de desenvolvimento de produto são comprados de terceiros, mesmo que incorporem conceitos de moda aos produtos básicos. Além disso, essas empresas também subcontratam algumas etapas produtivas como a costura, que é mais intensiva em trabalho. As indústrias cerâmica e de móveis, no geral, optam por manter internamente os processos de manufatura. Mesmo as empresas que também atuam no elo de distribuição/comercialização não o fazem externalizando a produção, pois realizam a integração vertical a jusante. Na indústria de móveis, aquelas empresas que atuam por meio da customização em massa de seus produtos – e que, portanto, necessitam de maior flexibilidade – detêm o pro- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 DE 67 RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA nacional das empresas, uma vez que diversos compradores internacionais já exigem tal certificação. No setor cerâmico também existe um conjunto de normas e certificação de produtos, e quase todas empresas que atuam no mercado mundial está certificada de acordo com as normas técnicas internacionalmente reconhecidas. Entretanto, dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (Anfacer) mostram que apesar de apenas 53,5% da produção brasileira ser certificada, 80% estão em conformidade com as normas internacionais de produto e com os seus sistemas de qualidade. Já as indústrias têxtil-vestuário e moda, assim como na indústria de calçados, não há normatização efetiva, à exceção das regulamentações sobre matérias-primas e composição no produto final. Um elemento importante, muito embora ainda seja bastante incipiente, é a difusão crescente de “códigos de conduta” que incorporam questões de responsabilidade social, de gênero e sobre o uso de mãode-obra infantil e escrava. Porém, esses códigos ainda são pouco utilizados e ficam restritos aos produtores que destinam seus produtos ao mercado internacional e que são auditados periodicamente por seus compradores. gem com monovias aéreas e terrestres constituídas por sistema de correias de transporte, onde as peças dos móveis são movimentadas enquanto ocorrem os processos de pintura, lustração e montagem final. Isso confere maior velocidade para o processo produtivo e melhora a padronização do acabamento dos móveis. Na indústria de calçados, a busca pela flexibilidade nos processos produtivos tem feito com que as empresas passem a adotar, cada vez mais, a organização por meio de “células de produção” – especialmente na etapa da costura. Isso permite à empresa modificar mais rapidamente a sua linha de produção, adequando o processo à necessidade de fabricação de uma maior quantidade de modelos. Porém uma questão que surge em relação a estes setores analisados, e que é de extrema importância para a melhoria do padrão competitivo destes mercados, é a da tecnologia industrial básica – TIB, pois ela compreende um conjunto de funções tecnológicas que englobam metrologia, normatização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade – que são exigências básicas de alguns mercados. A função da TIB é criar um padrão mínimo de exigência para que os produtos possam ser aceitos no mercado. No entanto, para que as empresas consigam atender a essas barreiras técnicas, é essencial que o país tenha uma rede de serviços tecnológicos já estruturada, para dar suporte à indústria. As empresas que atuam no mercado externo – principalmente nos Estados Unidos e na Europa – são obrigadas a atender a várias normas e certificados, pois é dessa maneira que esses compradores qualificam seus fornecedores internacionais. Já no caso brasileiro, não há maiores exigências em termos de TIB – o que interfere no padrão de qualidade e no desempenho dos produtos destinados ao mercado doméstico. Em geral, o produto destinado ao mercado interno apresenta padrões de qualidade e desempenho bastante inferior ao exigido em mercados mais competitivos, trazendo prejuízos ao consumidor e dificultando a inserção dos produtos nacionais no mercado internacional. No caso dos móveis, existem algumas normas vigentes, para berços, cozinhas e escritório (e outras que estão em fase de elaboração), porém a adoção pelas empresas depende de esforço institucional conjunto que ainda não foi construído. Outra questão importante é da certificação de procedência e manejo da madeira utilizada. Embora a certificação seja de responsabilidade dos madeireiros, essa questão exerce impactos diretos sobre a indústria e pode representar um gargalo importante para a inserção inter- Gestão dos Intangíveis (marca, canais) Nestes setores, verifica-se que é grande a importância dos intangíveis – como marca, design, canal de distribuição, entre outros – pois os detentores de tais competências definem a coordenação dessas cadeias produtivas. Isto porque, diferentemente de outros setores, os resultados dos esforços inovativos não são defendidos por patentes mundiais. A proteção contra cópias, fraudes, imitações é mínima, de modo que o regime de apropriabilidade é definido pela velocidade dos lançamentos das empresas-líderes. Nesse sentido, as interações com os fornecedores de insumos e componentes são fundamentais para tornar o ciclo de lançamento de inovações mais curto, assim como o domínio dos canais de fornecimento e de comercialização e o poder de fidelização das marcas. No setor de cerâmica, uma vez atingidos os padrões e normas técnicas quanto a durabilidade, resistência e ausência de impurezas (limpabilidade), os produtos pouco se diferem entre si. Dessa forma, a estratégia das empresas do setor é reforçar a marca e os canais de distribuição, por isso, diversas empresas estão investindo em showrooms e em serviços de pós-venda, como assistência técnica e assentamento. 68 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 ESFORÇOS INOVATIVOS DE EMPRESAS NO BRASIL: ... sivos de produtividade e com níveis de custo relativamente baixo – o que credencia essas empresas a atuarem no mercado externo. O último elemento a ser destacado diz respeito aos problemas relacionados com a TIB. A ausência de organismos mais atuantes de certificação e controle da qualidade prejudica e desestimula a adoção de padrões superiores de desempenho e de qualidade, com prejuízos expressivos – principalmente para o consumidor. Na indústria de móveis, as empresas que integraram verticalmente a jusante, conseguem maior apropriação de valor – conseqüentemente, investir em marca e marketing são estratégias essenciais. A primeira empresa a adotar um sistema de franquias para atuar na comercialização foi a Florense – e essa experiência foi imitada por diversas concorrentes. Já nas indústrias têxtil-vestuário e de calçados, podese notar expressivo encurtamento dos ciclos de vida dos produtos. A exemplo da experiência internacional, a principal forma de apropriabilidade dos esforços inovativos ocorre por meio do lançamento mais freqüente de novos produtos – o que não dificulta, mas reduz os ganhos dos imitadores. NOTAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. O projeto Diretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estratégias para a Inovação (DPP/OEI) tem apoio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, é coordenado pelo Prof. Dr. João Furtado e envolve um amplo esforço de pesquisa, de diversas universidades brasileiras, de levantamento de informações secundárias e primárias sobre as estratégias inovativas na indústria brasileira. Os resultados ora apresentados são uma compilação de resultados de cinco desses estudos setoriais. A análise das indústrias têxtil-vestuário, de calçados, de móveis e cerâmica para revestimento revela que, embora a inovação nesses setores seja dependente de esforços exógenos de desenvolvimento tecnológico, as empresas realizam esforços inovativos importantes. Isso significa que, dentro dessa trajetória, as empresas procuram explorar formas de desenvolvimento de produto e de modificações de processo que lhes garantam a posse, mesmo que temporária, de vantagens concorrenciais relevantes – apesar de a trajetória tecnológica desses setores seja determinada exogenamente por meio das dinâmicas inovativas das indústrias química e de bens de capital. Normalmente, os esforços inovativos das empresas estão relacionados com a sua forma de inserção no mercado. Aquelas que atuam em segmentos de maior valor agregado são as que empreendem esforços mais expressivos de desenvolvimento de produto, ainda que não seja por meio da criação de modelos e linhas próprias. Além disso, realizam gastos relevantes na gestão dos seus ativos comerciais, por meio de investimento em publicidade e da manutenção de canais próprios de comercialização. No que tange à manufatura, por seu turno, as firmas precisam garantir elevada flexibilidade, já que suas linhas de produto são modificadas rapidamente. Já as empresas que atuam em mercados de produtos mais commoditizados, não se verificam esforços mais expressivos de gestão dos ativos intangíveis – como: marca, canais de comercialização e desenvolvimento de produto. Entretanto, verificam-se elevados índices de capacitação na tarefa de conferir manufaturabilidade aos produtos que serão fabricados, por meio de ganhos expres- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 2. Estas características dessas indústrias já foram tratadas por outros autores que trabalharam com essa problemática; ver Ferraz et al. (1997). 3. Observa-se, no entanto, que no caso brasileiro, em geral, as empresas pouco se utilizam desses serviços. 4. A expressão “função corporativa” está relacionada a um conjunto especializado de atividades intrínsecas às empresas, a saber: produção, compra, venda, captação de recursos, desenvolvimento de atividades tecnológicas, promoção mercadológica e comercial, qualificação dos recursos humanos. De forma genérica, definem-se as quatro principais funções corporativas da empresa como sendo: manufatura, comercial, tecnológica e finanças (FURTADO, 2003). 5. O esmalte de fritas é um composto vítreo, insolúvel em água, obtido por fusão e posterior resfriamento brusco de misturas controladas de matérias-primas, sendo empregado no revestimento de produtos cerâmicos. 6. Deve-se apontar que esses dados são de difícil recuperação nas entrevistas nas empresas, já que muitas vezes o entrevistado se recusa a fornecer essa informação. De todo modo, estimativas de profissionais ligados à indústria de calçados apontam que os gastos com publicidade das empresas líderes superam em quatro a cinco vezes os investimentos em desenvolvimento de produto. 7. Uma das empresas líderes no mercado de calçados femininos no Brasil declarou que seus produtos permanecem normalmente 60 dias na linha de produção. 8. No caso brasileiro, vale mencionar uma distinção adicional entre novo para o mercado mundial e novo para o mercado doméstico. 9. É interessante notar que, no caso das cinco indústrias analisadas neste trabalho (têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica para revestimento), a principal referência para o desenvolvimento de produto é a indústria italiana. 10. Em algumas empresas de móveis, esta atividade é realizada com utilização de CAD/CAM, mas a maioria, principalmente as que utilizam madeira maciça voltada para exportação, constrói o protótipo físico que é enviado para o comprador. 69 RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA OECD. Oslo Manual: proposed guidelines for collecting and interpreting technological innovation data. Paris: OECD, Statistical Office of the European Communities, 1997. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DOSI, G. Sources, procedures and microeconomic effects of innovation. Journal of Economic Literature, v. 27, 1988. PAVITT, K. Sectoral patterns of technical change. Research Policy, v. 13, 1984. FERRAZ, J. C.; KUPFER, D.; HAGUENAUER, L. Made in Brasil: desafios competitivos para a indústria. Rio de Janeiro: Campus, 1997. FURTADO, J. (Org.). Globalização das cadeias produtivas no Brasil. São Carlos: Ed. UFSCar, 2003. RENATO GARCIA: Economista, Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP ([email protected]). GEREFFI, G. The organization of buyer-driven global commodity chains: how U.S. retailers shape overseas production networks. In: GEREFFI, G.; KORNZENIEWICZ, M. (Ed.). Commodity Chains and Global Capitalism. Wesport: Praeger, 1994. FLÁVIA MOTTA: Engenheira de Produção, Mestre em Engenharia de Produção da EESC/USP ([email protected]). GABRIELA SCUR: Administradora, Mestre em Administração pelo PPGA/ UFRGS ([email protected]). HUMPHREY, J., SCHMITZ, H. How does insertion in global value chains affect upgrading in industrial clusters? IDS, Brighton, Sussex, 2001. Disponível em: <http://www.ids.ac.uk/ids/global/pdfs/regstud.pdf>. MÁRCIO LUPATINI: Economista, Mestre em Política Científica e Tecnológica pelo Instituto de Geociências da Unicamp ([email protected]). JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA: Designer Industrial, Doutor em Engenharia de Produção, Pesquisador do Grupo de Estudos em Economia Industrial – Geein. IBGE. Pesquisa Industrial Anual – Empresa 2002. Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, 2002a. ________. Pesquisa Industrial Anual – Inovação tecnológica – Pintec 2000. Rio de Janeiro: 2002b. MALERBA, F. Sectorial system of innovation and production. Research Policy, v. 31, 2002. Artigo recebido em 22 de março de 2005. Aprovado em 12 de abril de 2005. 70 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES? limites e possibilidades para a indústria do vestuário na metrópole paulista MARIA DAS GRAÇAS BRITO ROBERTO BERNARDES Resumo: O objetivo deste estudo é compreender a influência do espaço local na formação de configurações produtivas inovadoras no Município de São Paulo. Para este exercício analisamos e comparamos os padrões técnicos de duas aglomerações produtivas relevantes da indústria do vestuário. A metodologia utilizada baseou-se nas informações proporcionadas pela Pesquisa da Atividade Econômica Paulista e entrevistas qualitativas com atores locais. Palavras-chave: Sistemas produtivos inovadores. Inovação. Aprendizado e indústria do vestuário. Abstract: The objective of this research is to understand the influence of the local space for the emergence and organization of innovative local productive systems in the City of São Paulo. For the purpose two productive agglomerations of the clothing industry were analyzed and compared. The empirical data came from the survey “Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep”, as well as from interviews with producers and institutions. Key words: Innovative Production System. Innovation. Learning. Clothing Industry. ços e fluxos informacionais e a concentração dos segmentos intensivos em tecnologia (TINOCO, 2001), a metrópole de serviços produtivos e inovadores (ARAÚJO, 2001), dentre outros. Ainda assim, foram poucos os programas de pesquisa que aprofundaram a perspectiva da existência de vetores produtivos avançados1 ou embrionários nas regiões metropolitanas. Suzigan et al. (2004, p. 9-11), por exemplo, indicaram que não se presenciou processo de desconcentração das chamadas funções corporativas superiores, uma vez que os escritórios de administração central e os departamentos de engenharia e desenvolvimento de produtos permaneceram na antiga sede ou na unidade de produção principal , mesmo quando verificou-se queda do emprego e do faturamento. Isto ocorreu à revelia do processo de desconcentração industrial pelo qual passou a RMSP, caracterizado pelo movimento de relocalização de E ste estudo aborda questões relativas aos espaços econômicos de aprendizagem e inovação do Município de São Paulo – MSP, pois entende-se que a Metrópole tenha preservado aglomerações produtivas muito diversificadas e representativas, ainda pouco exploradas na agenda de pesquisas sobre Sistemas Produtivos Inovadores Locais – SPILs. Com efeito, o papel exercido pela Região Metropolitana de São Paulo – RMSP na economia paulista e brasileira tem sido alvo de um crescente interesse, de onde surgiram estudos que se esforçaram em analisar a natureza e os impactos das transformações produtivas sob os mais diversos ângulos, tais como a interiorização do desenvolvimento (CANO, 1988; NEGRI, 1994), fragmentação produtiva e re-industrialização da metrópole (PACHECO, 1998), a desconcentração limitada (MATTEO; TÁPIA, 2002), emergência dos espa- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 71 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES tria do vestuário (aplicação de técnicas de georreferenciamento e quociente locacional para as grandes áreas do MSP). Na terceira parte, são tratados os elementos históricos que influenciaram as trajetórias de constituição e aprendizado desses aglomerados. A análise das performances de eficiência dos dois aglomerados é operada na quarta parte. Já no quinto tópico discute-se o processo de inovação para a indústria do vestuário, que é seguido pela efetiva comparação entre as estratégias tecnológicas e a apropriação das chamadas funções inteligentes. Na sexta parte, serão comparados aspectos relativos aos mecanismos de interação, tanto os voltados para a organização produtiva do aglomerado, quanto os que fazem interação com o ambiente. Em seguida, são apontadas as principais conclusões. plantas em direção ao grande entorno, interior e outras unidades da federação como parte mais ampla de um processo de reestruturação industrial. Esse movimento explicaria a alta concentração de ocupações tecnológicas e das atividades de pesquisa e desenvolvimento – P&D ou das chamadas “funções corporativas inteligentes” na RMSP. Já nos estudos direcionados ao espaço do MSP, propriamente dito, encontram-se as análises mais recentes sobre as estratégias de desenvolvimento da Área Central (COMIN et al., 2002; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004; BESSA, 2004) e o papel das redes produtivas na indústria do vestuário (KONTIC, 2002). Ainda assim, a capacidade socioprodutiva de articulação institucional e local dos atores na Metrópole Paulista ainda é um tema pouco explorado, assim como as especificidades e heterogeneidade das aglomerações produtivas (SCOTT, 1994). Nesse sentido, o objetivo deste estudo é compreender a influência do MSP na inovação e organização de SPILs.2 Para identificar e comparar as características dos aglomerados produtivos no MSP, optou-se por pesquisar a indústria do vestuário – e, mais especificamente, duas aglomerações relevantes para o setor cujos padrões de competitividade e a trajetória evolutiva das competências mostraram-se distintos. Foram identificadas duas aglomerações historicamente consolidadas e relevantes para o setor. A primeira é a denominada Aglomeração da Área Central – AAC, pois a indústria do vestuário está fortemente concentrada no distrito de Bom Retiro. Seus esforços por aprendizado e inovação buscam o desenvolvimento de design, investimento na marca e lançamento de novos produtos da moda. Como essa área mantém interações mais sensíveis com o mercado e instituições locais, apresenta elementos potenciais para a constituição de uma trajetória em direção a um sistema de produção inovador. A segunda é a denominada Aglomeração da Área Leste – AAL, pois seu núcleo produtivo está localizado nas imediações dos distritos Brás/Pari/Belém. A metodologia adotada utilizou os dados disponibilizados pela Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, da Fundação Seade, assim como informações obtidas a partir de entrevistas qualitativas com atores locais. Este artigo está organizado em seis partes, além da introdução. Na primeira parte, é descrita a metodologia, que adotou como principal fonte de informação a Paep 2001, além de um trabalho de campo que coletou entrevistas qualitativas com atores locais dos dois aglomerados estudados. Na segunda parte, serão analisados os indicadores referentes à identificação dos aglomerados da indús- INDICADORES DE AGLOMERAÇÕES E BASE DE INFORMAÇÕES A principal fonte de informação utilizada neste estudo é a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, do ano de 2001. 3 Os dados estatísticos foram complementados com informações obtidas das pesquisas qualitativas com atores locais. Tal pesquisa foi baseada em entrevistas com cinco representantes de empresas produtoras e instituições locais e obviamente não teve o intuito de contemplar a representatividade estatística (já obtida com os dados da Paep). Sua contribuição foi no sentido de identificar e qualificar as informações que não são passíveis de captação através da Paep – como as especificidades das interações locais, os eventos históricos e as instituições de apoio à atividade de cada aglomerado estudado, dentre outros aspectos. A representatividade estatística foi obtida junto à Paep. Pesquisa de caráter amostral radiografou a atividade econômica e tecnológica priorizando os condicionantes setoriais e regionais das empresas no Estado de São Paulo – ESP nos anos de 1996 e 2001.4 A amostra da Paep é composta por dois estratos: o certo, formado por um censo das empresas com mais de 30 pessoas ocupadas em 2001; e um estrato aleatório, que arrola as empresas abaixo deste limite. Foram pesquisadas, com a aplicação de questionário, apenas as empresas juridicamente estabelecidas que operaram em 2001 no Estado de São Paulo. As empresas com sede fora do Estado foram mantidas na pesquisa somente quando o conjunto das unidades produtivas paulistas somava mais de 30 pessoas ocupadas. Na indústria do 72 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... MAPA 1 vestuário, que é o setor de interesse deste estudo, somente as empresas que mantinham no mínimo cinco pessoas ocupadas em 31 de dezembro de 2001 foram consideradas como pertencentes “ao âmbito”. Esse estudo cobriu 46.225 empresas que foram divididas em grupos (denominados “domínios”), para os quais calculou-se erro relativo e coeficiente de confiança compatíveis com esse tipo de pesquisa. Mas dadas as características de cada setor e região, é possível calcular estimativas alternativas ao desenho da pesquisa, desde que sejam respeitadas as regras de sigilo das informações e controle do erro amostral.5 A indústria do vestuário foi escolhida por ter sido apontada como o maior empregador industrial do MSP, pois mantinha uma concentração superior a 50% do setor no Estado e caracterizava-se ainda como uma das atividades mais relevantes para a dinâmica socioeconômica do MSP. Assim, o passo inicial foi identificar e selecionar os principais aglomerados produtivos da indústria do vestuário do MSP. Contudo, verificou-se que, devido ao adensamento econômico da metrópole, as vocações produtivas ficavam camufladas em meio à diversidade da estrutura produtiva regional, dando a impressão de que a dinâmica econômica do setor seria resultado de um grande número de empresas dispersas. Para contornar tal problema, foi utilizado um recorte geográfico mais desagregado, que divide os limites do MSP em cinco grandes áreas – Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro (regionalização utilizada pelos Correios6 ) – e, a partir daí, foi feito o registro de localização das unidades industriais. Tal escolha metodológica teve como objetivo identificar as concentrações produtivas mais relevantes, tendo em vista o respeito aos limites amostrais. Por isso, optou-se por trabalhar com grandes áreas como proxy das aglomerações, em detrimento de outras regionalizações espaciais mais detalhadas, como as de distritos ou subprefeituras. Os dados das unidades do cadastro Cempre foram localizados geograficamente no Mapa 1, elaborado a partir de georreferenciamento, onde foi possível visualizar os efeitos de aglomeração (clustering). Para denotar a importância local dos aglomerados e dar prosseguimento aos exercícios analíticos de caracterização, foi aplicado o Quociente Locacional (QL), indicador já consagrado na bibliografia como medida de concentração econômica (HADDAD, 1989, SUZIGAN et al., 2002),7 para o total de pessoas ocupadas (PO) e de valor adicionado (VA), da Paep, para as unidades produtivas do setor do vestuário – evitando, dessa forma, supervalorizar a identificação ba- SÃO PAULO OU Concentração das Unidades Locais da Indústria da Confecção de Artigos de Vestuário e Acessórios Município de São Paulo – 2001 Fonte: Fundação Seade. Cadastro de Unidades Locais 2001. Nota: Divisão da cidade segundo a Empresa de Correios e Telégrafos. seada no produto ou no emprego. Após a identificação, seguiu-se um esforço para caracterizar e comparar as estratégias tecnológicas do processo de aprendizado e inovação dos aglomerados identificados. Para tanto, foi preciso dimensionar a influência dos eventos históricos de constituição e performance da produtividade, assim como as possibilidades de acumulação de conhecimento, os mecanismos de aprendizado e a intensidade da interação local. IDENTIFICANDO AGLOMERAÇÕES DA INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Para conferir a existência de aglomerações industriais no MSP, utilizou-se o recurso do georreferenciamento para as informações de unidades locais – ULs. Através da 73 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES A secção dos limites do MSP em grandes áreas produtivas proporcionou maior visibilidade aos aglomerados da indústria do vestuário, possibilitando uma percepção mais adequada sobre a importância que as atividades produtivas e econômicas dessas localidades ocupam no MSP. Destaca-se ainda que os resultados expressivos do QL também indicam que é possível avaliar os aglomerados da indústria do vestuário das Áreas Leste e Central do MSP enquanto “um conjunto específico de atividades econômicas que apresentam vínculos mesmo que incipientes” (CASSIOLATO; LASTRES, 2003). Portanto, eles têm potencial para se enquadrarem como SPILs organizados, mas, para tanto, a identificação dos aglomerados não é suficiente – fato que remete à avaliação das características estruturais e de dinamismo do comportamento inovador. visualização cartográfica proporcionada pelo Mapa 1 é possível identificar com bastante nitidez que a indústria do vestuário está disseminada por quase toda a extensão do MSP. Contudo, as evidências de manchas de aglomeração, como podem ser observadas, são mais apropriadas às condições oferecidas pela Área Central e pela Área Leste. Por meio da visualização cartográfica das informações sobre ULs da Paep 2001, observa-se que essas áreas apresentam manchas de aglomeração de empresas bem delineadas. Nota-se que, mesmo com aplicação do zoom (imagem destacada à direita do Mapa 1), as aglomerações continuam densas. Porém, é importante deixar claro que as evidências das duas aglomerações não respondem a questões relativas ao peso econômico dessas aglomerações na indústria do vestuário paulista. Para denotar a importância do aglomerado para as localidades, foi aplicado o quociente locacional (QL) como índice de concentração econômica destas atividades (Tabela 1). Por meio desse indicador, foi possível dizer que as aglomerações mapeadas a partir das ferramentas de georreferenciamento demonstram a importância relativa da Área Central e da Área Leste, já que em ambas o QL é maior que dois para pessoas ocupadas – PO e maior que três para o valor adicionado – VA. Isso demonstra que, além de haver concentração elevada na indústria do vestuário nas referidas áreas, há também consistência e relevância econômica desse setor nessas localidades (Tabela 1) – e isso ocorre tanto quando se considera a variável de PO quanto a de VA. Ressalta-se que a Área Oeste também demonstrou alta concentração na indústria do vestuário, com QL superior a 1; porém, como pode ser observado no Mapa 1, nessa área não foram verificados efeitos de aglomeração de maior densidade, tal como os presenciados na Área Central e na Área Leste – por isso, ela foi descartada da análise. TRAJETÓRIAS CONSTITUTIVAS E ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO APRENDIZADO LOCAL O aglomerado da indústria do vestuário da Área Central – AAC do MSP é fortemente concentrado no distrito do Bom Retiro, sendo que seu processo de constituição está relacionado aos chamados eventos fortuitos (SCOTT, 1998) e esteve associado aos movimentos de atração dos fluxos migratórios da colônia judaica para essa localidade até o fim dos anos 70. A partir dos anos 80, presencia-se nessa localidade a entrada de novos imigrantes que se inserem na produção do vestuário, especialmente os coreanos, os quais rapidamente passaram a dominar as atividades produtivas. É nesse período que se inicia um ciclo de revitalização das estratégias competitivas do vestuário local. Nas entrevistas realizadas, os empresários locais destacaram o ímpeto competitivo da colônia coreana, classificando-o como o dínamo vital para a o ressurgimento da indústria do vestuário naquela região. A participação econômica produtiva desse aglomerado, inicialmente direcionada para a produção artesanal de baixa escala, atualmente está voltada para o segmento do chamado prêtà-porter, produto que combina a estratégia de desenvolvimento incremental de design com a produção em escala.8 O núcleo da aglomeração produtiva da Área Leste – AAL está localizado nas imediações do Brás/Pari/Belém. Os imigrantes italianos formaram a primeira colônia a instalar-se nessa área onde já se encontravam algumas fábricas têxteis. Os fatores que explicam o surgimento e a expansão desse aglomerado ali, estão historicamente associados à facilidade de obtenção de insumos, às poucas barreiras de entrada no mercado, à baixa capacidade TABELA 1 Quociente Locacional por Valor Adicionado e Pessoal Ocupado do Vestuário, segundo Áreas Selecionadas Município de São Paulo – 2001 Áreas Selecionadas QL Valor Adicionado QL Pessoal Ocupado Município de São Paulo 3,47300 2,1679 Área Central 3,55932 3,43059 Área Leste 5,17883 2,86763 Área Oeste 1,17888 1,17168 Área Sul 0,95173 0,86678 (1) (1) Área Norte Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. (1) Dado não disponível. 74 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS passaram de representantes comerciais a produtores de produtos mais baratos em grande escala. Nesse sentido, foram capazes de beneficiar-se do parque industrial existente e do conhecimento acumulado do perfil da demanda local, além de utilizar uma estratégia de crédito bastante eficiente, baseada na confiança nos compradores, que outros grupos paulistas e catarinenses não ousaram estabelecer. Com o crescimento do comércio atacadista no centro da cidade, foram deslocando suas oficinas para a Zona Leste e Guarulhos. Tradicionalmente, os produtos fabricados na Área Leste sempre tiveram características simples, destinadas ao público de mais baixa renda, sendo suas vantagens competitivas decorrentes do fator preço. Conseqüentemente, condicionado por fatores sociais e econômicos, esse aglomerado demonstrou ter uma vocação produtiva para a participação econômica em artigos de “modinha” que, embora tenham algum tipo de preocupação com o design, normalmente são resultados de réplicas, não requerendo maiores esforços de inovação ou de diferenciação de produtos. Em grandes linhas, percebe-se que a diversidade do “capital sociocultural”9 é um elemento comum aos dois aglomerados, mas observa-se que a formação de cada um foi influenciada por eventos históricos e econômicos estruturalmente distintos. No AAC observa-se, inicialmente, o processo de revitalização gerado pelo ímpeto inovador da colônia coreana. Já no AAL, a presença das grandes indústrias têxteis e a de um grande contingente de trabalhadores semiqualificados parece ter viabilizado a indústria do vestuário nessa localidade. Mas é interessante notar que, durante a trajetória de desenvolvimento dos dois aglomerados, as características mais estruturais da produção aparentemente não foram alteradas, o que ocorreu, na verdade, foi um reforço de readaptação das opções já delineadas a partir de sua própria origem. As pequenas empresas de vestuário, que são a base de composição dos dois aglomerados, são, em boa parte, formadas por trabalhadores originários das chamadas “oficinas” que fazem a facção do setor – ou seja, pequenas empresas que se encontram nos extremos da cadeia de produção e realizam, normalmente, uma única fase do pro- EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... cesso produtivo (como a costura, bordado, arremate, etc.) que, numa trajetória quase natural, tentam progredir no sentido de alcançar outros mercados. Mas não são raros os casos em que os novos empreendedores dão início aos negócios de forma precária e pouco profissional, resultando em um comportamento errático, com poucas perspectivas de desenvolvimento e maturação da atividade empresarial. 10 Tal precariedade na formação profissional e negocial dos executivos e trabalhadores de muitas dessas empresas tem implicações inexoravelmente negativas para o aprendizado tecnológico dos aglomerados. Como observado na indústria do vestuário, empresas que disponham da oferta de profissionais qualificados tendem a se beneficiar do conhecimento derivado do aprendizado interativo, tácito e cumulativo, que são adquiridos nas relações e práticas rotineiras e de intercâmbio de informações interfirmas (STORPER; SALAIS, 1997). Assim, a apropriação dos ativos decorrentes da dimensão intertemporal num ambiente metropolitano, viveiro de novos conhecimentos, mercados e negócios diferenciados, torna-se fundamental para a competitividade dos aglomerados – mas, como será mostrado, esse fenômeno é relativamente incomum. Observa-se, na Tabela 2, que o AAC possui condições mais apropriadas para absorção dos ativos relacionados à acumulação de conhecimento e experiência, pois até 1980 cerca de 78% das unidades já se encontravam instaladas nesse aglomerado. Cabe lembrar que o período 1980-90 combina a entrada mais acentuada dos coreanos nas atividades da indústria do vestuário com a abertura de mercado – e esses fenômenos tiveram influência nos dois aglomerados. de investimentos e de concentração capital necessária para a abertura de uma nova unidade de produção do vestuário. Além disso, como destaca Kontic (2002), o Brás também recebeu os fluxos migratórios do nordeste brasileiro, embora, a partir da década de 80, essa área também tenha absorvido coreanos, assim como imigrantes andinos. Os migrantes nordestinos, como aponta Kontic (2002) SÃO PAULO OU TABELA 2 Unidades Produtivas da Indústria do Vestuário na Área Central e Leste, segundo Período de Instalação Município de São Paulo – 1980-2001 Período de Instalação Central Leste Até 1980 % 26,9 % Acumulada 26,9 % 17,8 % Acumulada 17,8 Até 1990 51,5 78,5 28,9 46,7 Até 1995 7,9 86,4 33,2 79,9 Até 2001 13,6 100,0 20,1 100,0 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. Quanto a esse assunto, a nossa percepção é a de que o segmento de vestuário do AAC tenha se demonstrado uma “janela de oportunidade” para os coreanos, antecipando 75 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES TABELA 3 a entrada dos novos empreendedores, propiciando a adaptação mais rápida frente aos novos padrões competitivos, além de gerar unidades produtivas aparentemente mais consolidadas e com escalas técnicas mais eficientes. Destaque-se que, nas entrevistas, os produtores consideraram que, de modo paradoxal, a abertura ao mercado externo teve algum tipo de efeito positivo para o setor, mesmo diante do fechamento de várias empresas, pois possibilitou o acesso aos novos insumos – o que era uma antiga reivindicação dos produtores, principalmente, da colônia coreana. Já no caso do AAL, o período de instalação é bastante distinto, pois o início de funcionamento das unidades locais foi mais tardio. Até 1990, menos da metade das unidades encontravam-se instaladas, demonstrando que esse aglomerado implementou seu processo de reestruturação em um período mais recente, impulsionado pela abertura de mercado (Tabela 2). Índice de Produtividade dos Aglomerados do Vestuário da Área Central, Leste e Demais Regiões Estado de São Paulo – 2001 Áreas Selecionadas Índice de Produtividade Estado de São Paulo 100,0 Área Central 114,7 Área Leste 87,5 Demais Áreas do ESP 43,3 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. NATUREZA E DINÂMICA DA INOVAÇÃO NAS ATIVIDADES DA INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO A indústria do vestuário tem alterado suas características mais convencionais, como resultado da estabilidade do regime tecnológico e de sua complexidade produtiva relativamente baixa. Também tem sido crescente a adoção dos ativos da moda 13 como estratégia de mercado pelos principais segmentos (modinha, prêt-àporter e alta costura) (KONTIC, 2001). A estratégia baseada na diferenciação/fragmentação ou em moda é estruturada sobre critérios de concepção do produto, qualidade e comercialização como fatores críticos de sucesso. As empresas que adotam essa estratégia competitiva procuram diferenciar ao máximo seus produtos, requerendo rapidez de resposta aos sinais do mercado, além de incentivar a criatividade e inovação de produto. Caracterizam-se, portanto, pela produção de itens não padronizados, de maior valor agregado e em quantidades limitadas – o que permite lucratividade elevada. Sob a ótica das atividades tecnológicas da indústria do vestuário, as principais fontes de inovação e aprendizado são provenientes da difusão das tecnologias de informação, automação com dispositivos de corte a laser e ferramentas tecnológicas associadas ao design e engenharia de projeto. Com efeito, nesse segmento, os maiores avanços ocorreram no desenho e no corte, pela utilização de sistemas CAD (computer aided design) e CAM (computer aided manufacturing). Entretanto, grande parte das empresas desse segmento desenvolvem suas operações produtivas de forma não automatizada, não suprimindo as atividades artesanais e manuais no processo produtivo baseadas ainda na relação um operador/uma máquina (LUPATINI, 2004). Ainda que o progresso técnico e os investimentos em ativos materiais (considerando máquinas e equipamentos PERFORMANCE DA EFICIÊNCIA DOS AGLOMERADOS Naturalmente, a diferenciação nas características constitutivas de acumulação de competências, assim como a assimetria entre as estratégias tecnológicas e organizacionais no AAC e no AAL provocam impacto na performance competitiva. Exatamente por ser uma atividade intensiva em trabalho, o indicador de produtividade – medido pela razão entre VA sobre PO – pode representar uma proxy razoável da performance da eficiência dos aglomerados, já que, com a tendência crescente de valorização dos investimentos em ativos intangíveis nesse setor, a produtividade também tem assumido padrões cada vez mais dinâmicos. Nesse sentido, observa-se que a produtividade do AAC sugere uma organização do conjunto produtivo mais eficiente quando comparado ao AAL, assim como às demais regiões do ESP, 20% e 60%, respectivamente. Ressalve-se que, em relação ao total da indústria do Estado, o indicador de produtividade do aglomerado central é 14% superior. Quanto ao AAL, ainda que a produtividade seja inferior ao AAC, apresenta desempenho quase duas vezes superior às demais regiões do ESP, mas abaixo da média do Estado (Tabela 3). Tal desempenho também indica que, mesmo tendo sido identificadas outras aglomerações produtivas em regiões fora da metrópole – como as localizadas em Americana11 e Amparo12 – a competitividade dessas localidades mostramse menos dinâmicas frente às duas grandes aglomerações do MSP, formadas, basicamente, por pequenas e médias empresas. 76 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... evento está muito vinculada à inovação do processo. Ou seja, essas empresas inovam basicamente através da absorção das novas tecnologias geradas por outros setores, incorporando tecnologias de informação e comunicação, novas ferramentas de engenharia de projeto e processo como CAD/CAM, técnicas de colorimetria, ploters, máquinas de costura eletrônica a laser, entre outras (Quadro 1). Com efeito, essa análise buscou caracterizar as aquisições de bens tangíveis e intangíveis como proxy do esforço tecnológico que se mostraram mais aptos às características do setor.15 Pela análise do Gráfico 1, verifica-se que a estratégia adotada pelo AAC concentra seus esforços tecnológicos nos bens intangíveis,16 valorizando a absorção de tecnologia e de novos conhecimentos derivada de marcas, e também em conseqüência de desenvolvimento de produto e design próprio. No caso dos investimentos em bens corpóreos – que representam grande parcela da inovação no setor – o esforço é equivalente tanto para máquinas e equipamentos (18%) como para os outros bens tangíveis,17 que representam 20%. Já no caso do AAL, o esforço tecnológico está voltado basicamente para a modernização dos bens corpóreos, especialmente máquinas e equipamentos que representam mais de 80% das aquisições, apresentando um padrão tecnológico dentro do esperado para o setor. Esse esforço expressivo para a aquisição de máquinas e equipamentos oferece indícios que sugerem que a estratégia tecnológica do AAL está mais direcionada para produção em escala ou para a facção, o que não necessariamente pode ser uma opção inviável se e melhorias incrementais das matérias-primas) permaneçam relevantes, constata-se que os ativos imateriais (intangíveis) são cada vez mais essenciais para a sustentação das vantagens competitivas dessa indústria do vestuário. Os bens intangíveis estão relacionados às rotinas anteriores e posteriores à produção que estão mais próximas dos serviços produtivos, tais como o desenvolvimento de produto (onde se inclui a pesquisa indumentária e antropométrica), engenharia, marketing, canais de comercialização, marcas, manutenção e assistência aos fornecedores, capacidade de gestão e coordenação da cadeia, que são consideradas por diversos autores como “funções corporativas inteligentes” (STURGEON, 1997; FURTADO, 2000; LUPATINI, 2004; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004). Dadas as características do processo de inovação e aprendizado na indústria do vestuário, analisaremos a seguir as condições de apropriação e as estratégias tecnológicas dos AAC e AAL do MSP. COMPARANDO AS ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO NOS AGLOMERADOS A Paep buscou compreender o impacto das transformações tecnológicas e produtivas por vários ângulos, nos quais estão incluídas as questões relativas à introdução de inovação tecnológica.14 As informações sobre inovação foram captadas entre julho de 2002 e junho de 2003, o que permitiu a análise de diversos segmentos da atividade econômica industrial paulista durante o período 1999-01. Assim, foi possível verificar, por meio da descrição dessas inovações, que a mensuração desse QUADRO 1 Principais Inovações Tecnológicas de Produto e Processo Introduzidas nas Empresas do Vestuário Município de São Paulo – 1999/2001 Inovações de Produto • Nova confecção em tecido mais leve com aplicação de tecnologia mais avançada • Nova coleção de camisas de futebol com características de hidrofilia, que favorece a eliminação do suor • Nova linha de colchas com o beneficiamento do tecido. Inovações de Processo • Máquina eletrônica de alta velocidade – high speed – na produção • Sistema CAD e Ploter para automatização de risco e corte (Máquina com corte laser) • Introdução de códigos de barras e informatização na modelagem de projetos (CAD) • Malhas especiais com novos fios de poliéster • Estações Gráficas de Sistemas CAD-CAM • Nova coleção com tecidos aperfeiçoados com novos insumos • Comércio eletrônico de camisas sob medida. Com o conceito BTO (a cada quatro meses é renovada a coleção de acordo com as (construção sobre demanda ao varejo) EDI – Intercâmbio Eletrônico de tendências da moda) Dados Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 77 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES GRÁFICO 1 Composição do Esforço Tecnológico das Empresas da Indústria do Vestuário, por Tipo de Dispêndio Estado de São Paulo e Áreas do Município de São Paulo – 2001 Em % Estado de São Paulo Área Central 44,0 18,5 19,5 36,5 20,0 61,5 82,3 Área Leste 22,4 Demais Áreas do ESP 0 8,5 27,5 20 Máq. e Equipamentos 9,1 50,0 40 60 Outros Bens Tangíveis 80 100 Bens Intangíveis Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. a estratégia competitiva for baseada em produção padronizada ou prestadora de serviços de facção. Ampliando a análise das estratégias tecnológicas para o Estado de São Paulo, nota-se que a repartição do investimento também é concentrada em máquinas e equipamentos – o que representa o maior esforço, com 44% do montante investido. Seguem-se os bens intangíveis, com 36,5% (Gráfico 1). É provável que o esforço tecnológico dedicado aos bens tangíveis nos demais municípios dos ESP esteja sendo influenciado pelas empresas do vestuário da RMSP, onde estão instaladas algumas grandes companhias de moda. (produto). As tarefas associam-se à elaboração das coleções, inserção internacional, estratégia de marketing,20 reforço da marca (projeto) e no desenvolvimento dos fornecedores do produto.21 Observa-se, na Tabela 4, que o desenvolvimento e gerenciamento de um projeto é uma tarefa limitada a poucas empresas nos aglomerados. Mesmo assim, a absorção dessas tarefas ocorre em proporção superior no AAC. Chama a atenção que tais tarefas são, em sua maioria, contratadas – o que indica que profissionais especializados nas tendências (os consultores de moda), interagem com as empresas do aglomerado, bem ao estilo do prêt-à-porter, alinhando-se perfeitamente às estratégias do aglomerado Central – mas são muito pouco presenciadas no AAL. Na etapa de desenvolvimento de produto, mesclam-se as tarefas do desenhista (ou modelista), que executam o desenvolvimento do design, com a montagem das primeiras peças – chamadas “peças-piloto” –, normalmente realizadas dentro das principais firmas, internalizando o know-how envolvido no desenvolvimento dos modelos. As informações da Tabela 4 confirmam as expectativas tanto para o AAC quanto para o AAL, já que mais de 60% das empresas internalizam o desenvolvimento do produto nesses aglomerados. A diferença fundamental, nesse caso, é que na AAC a proporção de empresas que não têm atividades de desenvolvimento de produto (13,6%), é muito inferior que no aglomerado Leste (35,4%). Ou seja, as infor- A CONCENTRAÇÃO DAS FUNÇÕES INTELIGENTES Estudo elaborado por Garcia e Cruz-Moreira (2004), mostra que a RMSP tem perdido participação na produção de artefatos de tecidos, mas ainda possui participação relevante na dinâmica da cadeia têxtil-vestuário, uma vez que parcela significativa da produção do vestuário ainda é manufaturada na região. Além disso, o elemento mais estratégico observado nesse estudo é a centralização das chamadas funções inteligentes18 das empresas pertencentes ao segmento do vestuário no MSP. Essas novas funções de inteligência estão ligadas aos ciclos de desenvolvimento e gerenciamento de novos projetos e design19 78 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... TABELA 4 Execução de Atividades Relacionadas ao Projeto e Desenvolvimento de Produtos nas Empresas do Vestuário do Aglomerado da Área Central e Leste Município de São Paulo – 2001 Em porcentagem Tarefas Selecionadas Execução de Tarefas no Centro Execução de Tarefas no Leste Externas Internas Inexistentes Externas Internas Inexistentes Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos 17,8 2,8 79,4 3,2 1,7 95,1 Desenvolvimento de Produtos 19,3 67,1 13,6 3,2 61,4 35,4 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. seja, as empresas que subcontratam tarefas produtivas. Afinal, como afirmam os produtores entrevistados, praticamente todas as empresas da moda (aquelas que têm relação com o mercado) contratam oficinas para realizar as etapas de produção, principalmente a tarefa “costura”. Assim, as “empresas faccionistas”, especializadas em uma única tarefa da produção – como as oficinas de costura, em sua maioria – são normalmente subcontratadas pelas produtoras de moda. Porém, identificou-se uma profunda heterogeneidade quanto à estrutura, organização e porte entre as empresas pertencentes ao segmento “faccionistas” (Quadro 2). Algumas empresas contratantes, normalmente inseridas em mercados mais competitivos, exigem oficinas que sejam formalmente estabelecidas, com CNPJ e local específico para a produção. Outro ponto crítico verificado diz respeito à capacidade instalada para o atendimento da escala de produção e aos critérios de qualidade, pois, já na fase de contratação, exige-se que determinada oficina tenha um nível mínimo de máquinas e operadores qualificados. Um dos fenômenos mais observados tem sido a subcontratação das tarefas de costura, que se estende a atividades que são realizadas no próprio domicílio do trabalhador (fenômeno conhecido como putting out). Verificou-se ainda a existência de um pequeno subconjunto de firmas que externalizam todas as tarefas da produção, elas operam como intermediárias entre distribuidores e confeccionistas, e por vezes entre confeccionistas e facções. Geralmente, essas firmas negociam preço, tempo de entrega e, em alguns casos, até coordenam a produção. Há ainda algumas empresas que são caracterizadas por processos de produção tradicional sem uma estratégia produtiva formalmente definida, ora produzindo facção, ora peças encomendadas ou ainda peças de baixo valor agregado.22 Obviamente, essa complexa gama de estratégias produtivas tem reflexos significativos na dinâmica de funcionamento dos aglomerados, além de implicações explíci- mações relativas às tarefas de desenvolvimento de produto reforçam as evidências de que o AAL possui características tecnológicas mais elementares. Assim, a concentração das chamadas “funções inteligentes” é mais apropriada para o aglomerado central, pois contribuem para a construção de vantagens competitivas mais dinâmicas nessa localidade. TAXINOMIA E DINÂMICA DAS ESTRATÉGIAS PRODUTIVAS As vantagens competitivas do setor do vestuário foram plasmadas pelo processo de especialização da produção, que se aprofundou nas grandes metrópoles, tornando tais regiões uma colcha de retalhos, onde convivem atividades produtivas diversificadas, complexas e heterogêneas. Uma das dimensões dos processos de heterogeneidade na região metropolitana está fundamentada na fragmentação da produção do vestuário, distribuída entre as empresas subcontratadas. Esse fenômeno, comum nas grandes metrópoles, tanto tenderia a facilitar o ajustamento da produção em virtude das flutuações de mercado e da escala dos novos produtos, como poderia proporcionar às empresas melhores condições competitivas, por meio do direcionamento de seus esforços tecnológicos para tarefas mais condizentes à sua participação econômica em estratégias centradas em custo. Proporcionaria até mesmo externalidades dinâmicas (em casos mais raros produzindo efeitos de eficiência coletiva) e também favoreceria processos de inovação e aprendizado mais efetivos. Em trabalho de campo encetado pela autora, foi possível identificar a dinâmica da organização da produção, assim como a qualidade dos expedientes da subcontratação – onde a diferença fundamental verificada está na execução das tarefas de produção. Simplificando, optou-se por denominar “produtoras de moda” as firmas que externalizam totalmente as tarefas do processo produtivo – ou SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 79 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES QUADRO 2 Características da Organização Produtiva da Indústria do Vestuário nas Aglomerações da Área Central e Leste Município de São Paulo – 2001 Tipo de Empresa Produtora de Moda Tarefas Produtivas Realizadas na Empresa Tarefas Produtivas Subcontratadas • Subcontratação parcial, essencialmente, as tarefas mais rotineiras associadas à costura • Em alguns casos subcontrata atividades relacionadas ao desenvolvimento de coleções Tarefas Inteligentes: • Desenvolve Projeto • Desenvolve Produto • Design • Corta • Monta Peça Piloto • Seleciona as Peças • Etiqueta e Embala Faccionista Tarefas Rotineiras: • Costura, ou • Borda, ou • Lava, ou • Arremata, etc. • Na verdade, essas empresas são as subcontratadas • Em alguns casos subcontrata tarefas de costura realizadas em domicílio (putting out) Intermediária Tarefas de Controle: • Intermediação entre produtores e distribuidores • Subcontrata as tarefas de desenvolvimento e design • Subcontrata tarefas associadas à costura Vestuário Não-Especializado Tarefas Não-Especializadas • Desenha • Corta • Monta Peça Piloto • Etiqueta e Embala • Realiza facção Tarefas Rotineiras Tarefas de Controle • Altamente verticalizada • Realiza as tarefas de produção internamente • Por vezes é subcontratada para realizar tarefas de produção Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. sas intermediárias – aquelas que se dedicam unicamente à coordenação da produção e comercialização de peças produzidas integralmente por outras indústrias – representa uma pequena fração desse aglomerado. As empresas que não têm participação econômica definida, denominadas de “vestuário não-especializado” – aquelas que se dedicam ora à facção e ora à produção de peças para mercados que concorrem essencialmente pelo preço – representam também uma parcela modesta desse aglomerado. Segundo informações da Paep 2001, 66% das vendas do AAC destinam-se a empresas pertencentes à cadeia produtiva têxtil-vestuário (Tabela 5). Assim, podese afirmar que o aglomerado da AAC tem uma estratégia produtiva essencialmente especializada e dinâmica, pois as firmas centram esforços em funções específicas e especializadas, inclusive no segmento de empresas de facção. tas para a qualidade das interações interfirmas, como a introdução de inovações e o fortalecimento de competências, além da já citada precariedade das relações de produção. As informações captadas pela Paep 2001 sobre a intensidade das estratégias de subcontratação de tarefas demonstram que tais expedientes são mais praticados no AAC (40%) do que no AAL (28%), sugerindo também que as empresas do AAL apresentam configurações produtivas mais verticalizadas (44%) do que aquelas presenciadas no AAC (21%) (Tabela 5). Com base nos trabalhos de campo observou-se que, no aglomerado da AAC, grande parte das empresas é produtora de moda, ou seja, são firmas que tendem a se especializar nas funções inteligentes, com elevados padrões de subcontratação de tarefas produtivas e serviços. As firmas “faccionistas” apresentam uma participação relativa importante nessa localidade; e o segmento de empre- 80 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS TABELA 5 Externalizam Parcialmente Externalizam Integralmente Não Externalizam Vendem a Maior Parte da Produção para a Cadeia Têxtil-Vestuário Central Leste 40,1 28,3 4,0 7,1 21,0 44,5 55,9 64,6 MECANISMOS INSTITUCIONAIS (FORMAIS E INFORMAIS) DE INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES Nas visitas e entrevistas aos aglomerados produtores do vestuário do AAC e do AAL, buscou-se levantar a existência de atividades complementares à cadeia de produção que conferem sustentação ao aprendizado, troca de informações e interação entre os atores. No caso de aglomerações metropolitanas, é possível dizer que as instituições que dão apoio às atividades dos aglomerados operam de forma local e “global”. Verifica-se que nos últimos 10 anos houve um movimento de valorização de eventos ligados à nova indústria da moda de forma ampla: como o agendamento e organização da versão paulista da maior feira internacional de moda (São Paulo Fashion Week); o fortalecimento da Feira Nacional da Indústria Têxtil – Fenit; Encontros da Moda; Instituto da Moda, além de vários outros eventos ligados à promoção de coleções, exposição da produção e lançamento de novos profissionais de design. Há também algumas iniciativas que se destinam a atender os interesses do setor, como as realizadas pelo Centro de Estudos, Tecnologia e Informações de Moda Caio Alcântara Machado – Cetim (ligado à Associação Brasileira do Vestuário – Abravest), e as assessorias da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Vestuário – Abit. Por estarem relativamente próximos a essas instituições, os aglomerados estudados tendem a absorver melhor esses esforços, mas é importante destacar que existem iniciativas que atendem as aglomerações de forma mais direcionada. No AAC foram identificadas algumas organizações que dão apoio e qualificação. Dentre elas, destaca-se a Câmara dos Dirigentes do Bom Retiro, que representa os interesses políticos e econômicos de um grupo de empresários locais. Por meio dela, eles buscam parcerias para reciclagem tecnológica – principalmente junto à escola “Adriano José Marchini” – do Senai – que foi uma das primeiras escolas a disponibilizar cursos voltados para a indústria do vestuário e está instalada no próprio distrito do Bom Retiro. Outra instituição localizada no aglomerado Central é o consórcio Tropical Spice, que foi criado para absorver a produção das empresas consorciadas e exportá-la com sua própria marca. Destaca-se também Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores. No AAL, as empresas produtoras de moda têm participação mais modesta na dinâmica de funcionamento. As faccionistas “puras” representam uma parcela relativamente pequena, o que não deixa de ser surpreendente. Porém, esse dado for associado ao fato de que o produto do AAL é reconhecidamente mais simples e de menor preço, além de oferecer baixíssimas barreiras à entrada no mercado, é possível sugerir que uma parcela das oficinas faccionistas oferece parte de sua produção diretamente ao mercado. Outro dado importante levantado pela Paep 2001 indica que 66% das empresas desse aglomerado vendem a maior parte da produção para a cadeia do vestuário – o que parece denotar sua participação econômica no fornecimento de produtos para essa cadeia produtiva. Tal hipótese é corroborada pelo fato de que as firmas do vestuário tradicional formam o maior conjunto desse aglomerado, com proporção superior à verificada no AAC. Ressalta-se que a estratégia produtiva de baixa participação econômica utilizada pelas empresas do segmento tradicional do AAL contraria a lógica da participação econômica flexível (SCOTT, 1994), aparentemente também não revelando padrões superiores de competitividade e trajetórias sustentáveis de aprendizado e de esforço tecnológico, influenciando negativamente a dinâmica dessas empresas. Assim, a participação econômica produtiva no AAL ocorre de forma precária – o que provavelmente tem implicações diretas negativas sobre a performance da produtividade e competitividade desse aglomerado. Comparando as empresas do AAC e do AAL, fica claro que o primeiro tem um conjunto mais equilibrado, mais especializado e dinâmico, delineando elementos potenciais de funcionamento mais próximos da estratégia de participação econômica flexível. Já o segundo caminha mais lentamente SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... nessa mesma direção, mas mantém certo atraso, fato que provavelmente seja decorrente das já citadas características produtivas e empresariais desse aglomerado, que tendem a proporcionar maior precariedade na interação com o mercado, assim como na relação interfirma. Informações de Subcontratação das Tarefas de Produção e Destino das Vendas dos Aglomerados da Área Central e Leste Município de São Paulo – 2001 Em porcentagem Padrões de Externalização da Produção e Destino das Vendas OU 81 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES conceitos que acabaram por edificar novas barreiras à entrada para os países, regiões ou SPILs que competem por esse mercado. Para a indústria do vestuário do Município de São Paulo, pode-se afirmar que embora tenha sido presenciado um processo de desconcentração produtiva, a metrópole continua sendo expressivamente relevante para a dinâmica do setor no Estado de São Paulo e no Brasil. Observa-se ainda um crescimento dos padrões de assimetria tecnológica e heterogeneidade produtiva, que variam desde a utilização de novas competências (como as chamadas funções inteligentes – embora estas sejam muito concentradas em pequenos grupos) até a reprodução, em larga escala, de estratégias de “competitividade espúria”. Nesse sentido, essas estratégias agressivas de flexibilização e redução dos custos de trabalho – especialmente por meio da intensificação do uso de vínculos precários e inseguros de trabalho, tais como a utilização do trabalho a domicílio e de imigrantes ilegais – não diferem do que já foi verificado nas experiências internacionais mais bem-sucedidas.23 No tocante ao foco deste estudo, ressalta-se a identificação de pelo menos dois grandes aglomerados produtivos relevantes no Município de São Paulo: o Aglomerado da Área Central e o Aglomerado da Área Leste. Também foi possível observar, através de análise comparativa, que os padrões competitivos são bastante distintos – o que reforça o caráter heterogêneo das atividades produtivas da Região Metropolitana de São Paulo. O AAC apresentou melhores condições de apropriar-se das capacidades inovadoras disponibilizadas pela metrópole relacionadas com os ativos da moda e com os efeitos multiplicadores dos agentes envolvidos na cadeia de produção – ainda que o produto final desse aglomerado não seja característico da alta costura, mas sim de prêt-à-porter, proporcionando condições suficientes para que esse aglomerado se fortaleça em função de uma identidade própria. Já para o caso do AAL, as condições de constituição foram mais limitadas, pois conduziam a trajetórias de aprendizados mais restritas, como conseqüência de sua participação econômica competitiva voltada para produtos de menor preço – o que requer menor esforço tecnológico e pouco investimento em design. Ou seja, as estratégias tecno-produtivas da maior parte das empresas desse aglomerado estão inseridas em um segmento em que a competitividade fundamental baseia-se na escala e no preço. No entanto, isso não significa que é uma estratégia frágil, mas sim que está direcionada aos segmentos mais reprodutores – o que possibilitaria sua inserção nas cadeias Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Máquinas para Costura – a Abramaco, além de escolas e cursos de moda de nível básico. Não foi encontrado nenhum consórcio ou associação que faça compras de insumos ou uso de máquinas em conjunto, mas foram identificados cafés e livrarias que acabaram se transformando em pontos de troca de informações formais e informais, possibilitando o acesso a publicações, revistas e livros, assim como contatos pessoais entre empresários e designers que freqüentam esses locais. A essas instituições somam-se várias escolas de educação profissional de nível básico e o Núcleo de Ação Empresarial do Projeto Bom Retiro – uma organização não-governamental da qual fazem parte alguns estilistas, empresários, comerciantes e urbanistas – cujo projeto prevê a criação de uma Escola de Moda e a revitalização física do distrito. No AAL foi identificado o “Alô Brás”, que é a câmara dos dirigentes locais que reúne alguns grandes pontos de comercialização de produtos e disponibiliza boa estrutura para os compradores, pois funciona como um shopping atacadista onde também ocorrem eventos, cursos e até mesmo desfiles. A Área Leste também conta com algumas escolas de educação profissional de nível básico. Não foi possível identificar consórcios, associações ou representações de classe que organizem os interesses e promovam o desenvolvimento local. Destaque-se que as organizações que oferecem algum tipo de apoio ao AAC parecem estar mais voltadas para as novas demandas das empresas do que as ligadas ao AAL. Porém, ainda há um longo percurso institucional a ser percorrido. Na verdade, os dois aglomerados, assim como o próprio setor do vestuário, enfrentam alguns problemas decorrentes da formação de grupos com interesses distintos – o que é, em parte, decorrente da própria segmentação do setor, fato que dificulta a elaboração de ações concertadas por parte dos atores em direção ao desenvolvimento econômico e à construção de mecanismo coletivos de aprendizado e inovação tecnológica. CONCLUSÃO Como demonstramos ao longo deste artigo, a concorrência na indústria do vestuário vem sendo cada vez mais determinada pelos critérios de diferenciação (preço-qualidade-criatividade). Ou seja, ela está mais centrada em estratégias de desenvolvimento de produtos que possam incorporar os conceitos de estilo e design, moda, estratégias de marketing e valorização de marca – os mesmos 82 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS produtivas internacionais. Em grandes linhas, concluímos que o mercado existente na metrópole permite tanto a existência e a manutenção de atividades industriais e de serviços mais tradicionais no setor do vestuário, assim como as atividades mais sofisticadas encontradas nas grandes metrópoles mundiais, como Nova York, Londres, Paris e Milão, dentre outras. O último ponto remete-se a responder a pergunta inicial deste artigo: simples aglomerados ou sistema produtivos inovadores? Sendo assim, o AAC, ainda que desarticulado, apresentou mais elementos que o potencializam como uma “trajetória evolutiva e embrionária” (na acepção neo-schumpeteriana) de um sistema produtivo local inovador. O AAL, ainda que tenha apresentado características para ser considerado um sistema produtivo, possui interação e aprendizado tecnológico de vínculos mais fracos – ou seja, é ainda um aglomerado de interações “incipientes”, dando elementos suficientes para considerar a estrutura do vestuário da metrópole como uma colcha de retalhos de aglomerações que se distinguem e se complementam ao mesmo tempo. Com efeito, considerando as vocações produtivas e competitivas desses aglomerados, observa-se que a consolidação, amadurecimento e transição para padrões superiores de funcionamento dependerá de um esforço conjunto entre os atores da esfera público e privada. Entretanto, o desenvolvimento e o fomento à inovação (sobretudo na formação de lideranças na concepção “da moda ou do produto brasileiro”, uma vez que há espaço no mercado nacional e internacional para este tipo de empreendimento), dependerá da implementação de políticas específicas. Uma política de inovação para o setor da moda deve ter como foco: a valorização e fortalecimento de trajetórias de internacionalização de marcas (apoio à exportação); apoio às estratégias de marketing de inteligência (conhecimento e acesso aos novos mercados); e estímulos à inovação em design nacional, como elementos críticos de agregação de valor e competitividade para esse segmento. Afinal, deve-se considerar que existem espaços tanto no mercado nacional como no plano internacional para esse tipo de empreendimento. Ademais, o delineamento das políticas públicas deverá centrar-se no apoio e incentivo aos fatores dinamizadores da competitividade dos produtores, visando a adensar as relações entre as empresas e instituições de ensino e prestação de serviço. Além disso, os policy markers podem realizar ações no sentido de reduzir a informalidade dessa indústria, através de mecanismos de microcrédito e fomento ao crescimento e profissionalização dos negócios, ou explorar a utilização de um “selo de responsabilidade social”. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... NOTAS Os autores agradecem as leituras críticas e as recomendações elaboradas por Vagner Bessa, Carlos Roberto França e André Nagy, advertindo, como é de praxe, que qualquer erro que por ventura conste deste trabalho é de inteira e exclusiva responsabilidade dos autores. 1. Entre os projetos analíticos que se inscrevem nessa abordagem podemos citar a rede de estudos coordenada por Cassiolato e Lastres (2001), os estudos sobre empresas de base tecnológica – EBTs, de Pinho, Côrtes e Fernandes (2001) e, mais recentemente, os trabalhos sobre SPILs no Estado de São Paulo realizados por Suzigan, Furtado, Garcia e Sampaio (2005). Recentemente, Suzigan et al. (2005) identificaram sete sistemas produtivos na RMSP, que operam como Vetores Avançados. 2. A Redesist (Rede de Pesquisa em SPILs) define sistemas produtivos e inovativos locais (SPILs) como conjuntos econômicos políticos e sociais localizados em um mesmo território, que desenvolvem atividades econômicas correlatas e apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. Essas configurações incluem produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, cooperativas, associações e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, P&D e engenharia, promoção e financiamento. Já os arranjos produtivos locais (APLs) são aqueles casos fragmentados e que não apresentam significativa articulação entre os agentes (GLOSSÁRIO DE APLs, 2005). 3. Em estudo realizado sobre o complexo têxtil, de vestuário e de calçados na Região Metropolitana de São Paulo, Garcia e Cruz Moreira (2004) utilizaram complementarmente dados de três bases de informações disponíveis no Brasil e no Estado de São Paulo. Primeiro, a base da Relação Anual de Informações Sociais – Rais, do Ministério do Trabalho e do Emprego – MTE, que apresenta dados de emprego e estabelecimentos (entre outros), e tem sido amplamente utilizada em trabalhos que analisam sistemas locais de produção. Segundo, a base de dados da Pesquisa Industrial Anual – PIA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, que apresenta as informações de número de estabelecimentos, receita líquida de vendas, pessoal ocupado e valor da transformação industrial. E terceiro, a Paep, cuja primeira tomada foi realizada em 1996, sendo a segunda abordagem de campo realizada em 2001. É interessante notar que os resultados e conclusões obtidos por esses autores expressam as mesmas tendências e impressões apontadas pela Paep 2001, ou seja, a existência de uma forte concentração da indústria do vestuário na cidade de São Paulo e o significativo volume de pessoal ocupado no setor. 4. Para obtenção de outras informações sobre a metodologia da Paep, ver: <http://www.seade.gov.br/produtos/paep/index.html>. 5. As estimativas utilizadas neste estudo são alternativas ao desenho dos domínios da Paep, por isso foi necessário calcular o coeficiente de variação e analisar o intervalo de confiança. Além disso, as estimativas que identificaram os aglomerados foram ainda comparados com os dados do Cadastro Cempre (IBGE). 6. Codificação de endereçamento postal (CEP) por região de São Paulo (GUIA-MAPOGRAF, 1996, p. 790-791). 7. O QL indica a concentração relativa de uma determinada indústria numa região comparativamente à participação da mesma com a de outras, em um determinado espaço – o qual, neste estudo, foi definido como o Estado de São Paulo. Assim, a verificação do QL superior a um (1) indica alta concentração da estrutura de produção local numa dada atividade. 8. Embora seja possível encontrar no AAC algumas indústrias voltadas para a alta costura, principalmente no segmento de moda praia, como a Rosa Chá. 83 MARIA DAS GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES 9. O termo capital social refere-se a um conjunto de instituições formais e informais que incluem hábitos e normas sociais que afetam os níveis de confiança, interação e aprendizado em um sistema social. O reconhecimento da importância desse termo referese à consideração crítica da estrutura e formação das relações sociais para compreender e intervir na dinâmica econômica de um determinado espaço e território. Assim, elevados níveis de capital social propiciam relações de cooperação que favorecem o aprendizado interativo, como acontece com a transmissão do conhecimento tácito. Esse termo foi elaborado a partir dos trabalhos pioneiros dos sociólogos Pierre Bourdieu, James Coleman e Robert Putnam (GLOSSÁRIO DE APL S , 2005). 18. Assim as empresas que possuem capacidade inovativa ou ativos comerciais estabelecidos (canais de comercialização ou marcas próprias), suportados por mecanismos de financiamento, são capazes de comandar sua cadeia de produção, determinando os parâmetros de funcionamento dos atores nela inseridos (LUPATINI, 2004; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004). 19. Ciclo do desenvolvimento do design: o desenvolvimento das coleções é um trabalho que possui uma dinâmica bastante específica. O ciclo de atividades inicia-se com a ida dos estilistas e especialistas em moda para os centros geradores de informações e conceitos. Essa fase de pesquisa de tendências inclui os desfiles dos principais estilistas internacionais, as principais revistas de moda e as “tendências de rua” dos centros geradores. Com base nessa bagagem e o tema estabelecido para a nova coleção, os estilistas começam a desenhar os modelos, a escolher os tecidos e padronagens e a subsidiar as atividades de marketing e promoção. Ao término desta, parte-se para a confecção da peça-piloto, que depois é repassada para as empresas produtoras, em sistema de facção. 10. A aparente falta de segredos da produção de vestuário fez com que o interesse pela formação de profissionais especializados para esse mercado tenha sido tardia, atraindo empreendedores que trabalhavam em outros setores, o que acabou por determinar a forma precária com que muitas dessas unidades produtivas fossem organizadas e ativadas. Esse fato é corroborado pela própria política educacional de formação de profissionais para esse mercado, pois é recente o interesse das instituições de ensino superior em formar um profissional de negócio voltado para a nova indústria do vestuário, ou seja, a moda. 20. As atividades de marketing e promoção envolvem o trabalho de criação e consolidação da marca, bem como da estratégia de comunicação do conceito, por meio da mídia. Preocupam-se também com o estabelecimento de canais de comunicação com o cliente, que englobam centrais telefônicas (0800), home pages na Internet e convites para participação em eventos promocionais. É nessa área que são elaboradas as estratégias de lançamento das coleções. O projeto do ponto de venda envolve a definição da arquitetura, decoração, iluminação e vitrine. As empresas dispõem de arquitetos e decoradores que traduzem para o ponto de venda o conceito trabalhado pela marca e pelos estilistas, ou, eventualmente, trabalham com consultores. 11. Algumas regiões apresentam elevada concentração de produtores com atividade na indústria têxtil e de vestuário. São exemplos: a região de Americana, na produção de tecidos planos artificiais e sintéticos; a cidade de Ibitinga, na de bordados; a região do Circuito das Águas, na confecção de malhas, entre outras. Ver, SOUZA e GARCIA (1999). 12. O município de Amparo abriga um aglomerado de indústrias de confecção infantil formado por empresas de pequeno e médio porte. Ver, NAKAMATSU e FURTADO (2003). 21. Ciclo do desenvolvimento de fornecedores: o desenvolvimento de fornecedores é uma atividade crítica nesse tipo de estratégia, uma vez que grande parcela da produção é terceirizada. As empresas envolvidas nessa atividade fazem o detalhamento do projeto para a produção e determinação das especificações do produto, e também estabelecem os critérios para o controle de qualidade. Essa área também contribui com pesquisas de novos materiais, corantes, tecidos, padronagens e embalagens feitas em parceria com os fornecedores, que auxiliam os estilistas no desenvolvimento das coleções. Normalmente, os principais requisitos são: a flexibilidade do sistema de produção, pois há demanda de produção em pequenos lotes e grande variedade de produtos, bem com prazos de entrega reduzidos; e a garantia da qualidade do produto, que consiste na exigência de permanência no cadastro de fornecedores. 13. Os parâmetros da moda têm sido ditados pelas maisons dos principais centros internacionais e difundidos pela mídia, direcionando a dinâmica do mercado. Os principais centros geradores de moda são Paris, Milão, Londres e Nova York, ressalva feita para o segmento de surf wear, cujos centros de referência são o Havaí e a Austrália. A cada estação são lançadas novas coleções com mudança nos tecidos, padronagens, cores e modelos, o que afeta toda a cadeia produtiva têxtil e de vestuário. Quanto menor for o ciclo de desenvolvimento de novos produtos, maior a necessidade de intensificação das relações na cadeia produtiva têxtil/vestuário, no sentido de flexibilizar o setor para melhor atender as demandas do consumidor final. 22. Essas formas de produção têm aprofundado a precarização nas relações de trabalho na indústria do vestuário, fenômeno já antigo no setor, verificado até mesmo nos aglomerados ancorados em relações socioeconômicas mais fortes, como os localizados na Terceira Itália. Em estudo recente sobre o setor, Leite (2004, p. 1) alerta que no vestuário “se multiplicam novas e velhas formas de trabalho, como o trabalho temporário, a domicílio, part time, etc., que, em vez de marginais ao desenvolvimento econômico, se mostram altamente funcionais”. 14. A referência conceitual e metodológica da Pesquisa de Inovação Tecnológica na Paep teve como base o Oslo Manual: proposed guidelines for collections and interpreting technological innovation data (1997). A pesquisa de inovação foi harmonizada com a experiência do modelo recomendado pela Eurostat, consagrado na terceira versão da Community Innovation Survey (CIS-III). A principal crítica ao conceito de inovação tecnológica adotado pelo Manual de Oslo, considerando-se o setor de vestuário, é ao critério de exclusão dos esforços de design, como já ressaltara Kontic (2001). 23. Para um relato das experiências internacionais de reestruturação e inserção no comércio global, ver o estudo de Garcia e Cruz-Moreira (2004). 15. É importante frisar que é esperado que as aquisições de máquinas e equipamentos tenham uma participação importante no esforço tecnológico no setor de vestuário, pois essa atividade é pautada pelo binômio máquina/operador. Conseqüentemente, estes dois elementos têm um peso expressivo na dinâmica econômica e tecnológica do setor. Nesse caso, o diferencial são os esforços direcionados aos ativos intangíveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 16. Foram computados pela Paep, os investimentos em patentes, contrato de fornecimento de tecnologia e o direito de uso de marcas. Embora formem a base dos indicadores mais utilizados para analisar o esforço tecnológico, essas informações mostram-se limitadas para os setores muito dependentes de design, como já foi discutido anteriormente. ARAÚJO, M. de F.I. Impactos da reestruturação produtiva sobre a Região Metropolitana de São Paulo no final do século XX. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 2001. 17. Nesse item, a Paep computou os investimentos com equipamentos de informática, móveis, etc. BENKO, G. Economia, Espaço e Globalização. São Paulo: Hucitec, 2002. (1. ed. 1995). 84 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005 SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ... NEGRI, B. Concentração e desconcentração da indústria em São Paulo (1880-1990). Tese (Doutorado) – Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 1994. BESSA, V. O setor de serviços às empresas. In: EMURB/ CEBRAP. (Org.). Caminhos para o centro. São Paulo 2004. CANO, W. A interiorização do desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo. São Paulo: Fundação Seade/Unicamp, 1988. PACHECO, C.A. A fragmentação da nação. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 1998. PINHO, M., CÔRTES, M.R. E FERNANDES, C.A. A fragilidade das empresas de base tecnológica em economias periféricas: uma interpretação baseada na experiência brasileira. Finep – Rede DPP, 2001. (Textos para discussão). Disponível em: <http://www.finep.gov.br/portaldpp/textos/uploads/ Art_EBT_Micro.pdf>. CASSIOLATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de micro e pequenas empresas. In: LASTRES, H.M.M; CASSIOLATO, J.E; MACIEL, M.L. (Org.). Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. COMIN, A. et al. Estratégias de desenvolvimento econômico para a Área central do Município de São Paulo. São Paulo, Cebrap/CEM. Relatório de pesquisa, 2002. SCOTT, A. La economia metropolitana. In: BENKO, G.; LIPIETZ, A. Las Regiones que Ganan. València: Alfons el Magnànim, 1994. p. 103-119. FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista: uma metodologia de produção de dados e conhecimento. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, Fundação Seade, v. 13, n. 1-2, p. 23-39, jan./jun. 1999. SOUZA, M.C.; GARCIA, R. Sistemas locais de inovação em São Paulo. In: CASSILATO, J.E.; LASTRES, H.M.M. (Ed.). Globalização e inovação localizada. Brasília: MCT-CNPq, 1999. FURTADO, J. Limites e possibilidades do Brasil nas configurações produtivas globalizadas uma análise apoiada em diversas cadeias. III Relatório Parcial de Pesquisa. Geein/DE/Unesp e Ipea, 2000. STORPER, M. The Regional World. New York: The Guilford, 1997. STORPER, M.; SALAIS, R. Worlds of Production. Massachusetts: Harvard, 1997. GARCIA, R. e CRUZ-MOREIRA, J. R. O complexo têxtilvestuário: um cluster resistente. Brasil. In: EMURB/CEBRAP (Org.). Caminhos para o centro. São Paulo: 2004. STURGEON, T. Does manufacturing still matter? The organizational delinking of production from innovation. Berkeley, CA: Berkeley Roundtable on the International Economy, 1997. (BRIE working paper; 92B). GLOSSÁRIO DE APLs, 5. revisão, jun. 2005. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>. Acesso em 18 ago. 2005. SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R. Clusters ou sistemas locais e inovação: identificação, caracterização e medidas de apoio. São Paulo: Iedi, 2002. GUIA-MAPOGRAF. 26 ed. São Paulo: 1996. HADDAD, P.R. Medidas de localização e de especialização. In: HADDAD, P.R. et al. (Org.). Economia Regional: Teorias e métodos de análise. Fortaleza: BNB-ETENE, 1989. SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R.; SAMPAIO, S. A dimensão regional das atividades de C&T&I no Estado de São Paulo. In: FAPESP. Indicadores de C&T&I São Paulo 2004. São Paulo: 2005. KONTIC, B. Redes produtivas e aprendizado na indústria do vestuário da RMSP. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMIA REGIONAL, 2., Anais... São Paulo, FEA/USP, 2002. ________. Aglomerações industriais no Estado de São Paulo. Economia Aplicada, v. 5, n. 4, p. 695-717, out./dez. 2001. TINOCO, A. de C. Competitividade, inovação e localização: repensando o conceito de centralidade da Região Metropolitana de São Paulo para a dinâmica regional brasileira. Dissertação (Mestrado) – Cedeplar/UFMG, 2001. ________. Aprendizado e metrópole: a reestruturação produtiva na indústria do vestuário em São Paulo. Dissertação (Mestrado) – FFLCH/USP, São Paulo, 2001. LEITE, M. de P. Tecendo a precarização: gênero, trabalho e emprego na indústria de confecção em São Paulo. In: ENCONTRO ANUAL ANPOCS, 28., Anais... Caxambu, 2004. LUPATINI, M. Relatório setorial preliminar – Têxtil e vestuário. Finep – Rede DPP, 2004. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/portaldpp/index.asp#>. MARIA DAS GRAÇAS BRITO: Mestre em Política Científica e Tecnológica pelo IGE/Unicamp ([email protected]). MATTEO, M.; TAPIA, J.R.B. Características da indústria paulista nos anos 90: em direção a uma city region? Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 18, p. 73-93, jun. 2002. ROBERTO BERNARDES : Doutor em Sociologia pela USP, Professor Adjunto da Escola Superior de Propaganda e Marketing e Analista da Fundação Seade ([email protected]). NADVI, K.; SCHMITZ, H. Industrial clusters in LDCs: review of experiences and research agenda. IDS Discussion Paper, n. 339. Brighton, University of Sussex, 1994. NAKAMATSU, R.Y.Y; FURTADO, A.T. Aglomerações em cidades médias paulistas: o segmento de confecção infantil em Amparo. PMA/DPCT. 2003. Relatório final. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005 Artigo recebido em 7 de maio de 2005. Aprovado em 10 de junho de 2005. 85 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO o papel das instituições de apoio às empresas no Estado de São Paulo WILSON SUZIGAN ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR Resumo: Este artigo estuda a relação entre a distribuição geográfica da rede de instituições de apoio às empresas e a formação de sistemas localizados de produção e inovação no Estado de São Paulo. Para isso, discute a relação entre geografia e inovação, apresenta um levantamento quantitativo das instituições e analisa três casos que ilustram o papel das instituições de apoio a atividades inovativas de empresas em sistemas localizados de produção e inovação. Palavras-chave: Inovação. Instituições. Aglomeração. Abstract: This paper studies the relationship between the geography of supporting institutions and the agglomeration of firms in local production and innovation systems in the state of São Paulo. With this purpose, the paper discusses the relationship between geography and innovation, presents quantitative information on the network of institutions, and illustrates the role of supporting institutions in three local production and innovation systems. Key words: Innovation. Institutions. Agglomeration. A relação entre localização, inovação e aglomeração de empresas em sistemas produtivos e inovativos localizados desperta crescente atenção de pesquisadores e responsáveis por políticas públicas em todo o mundo. Os pesquisadores mostram, sobretudo por meio de trabalhos empíricos, que a proximidade geográfica facilita as interações e a comunicação entre empresas, estimula a busca por novos conhecimentos e melhora as possibilidades de ações coordenadas. Apontam também que, além da proximidade de indústrias correlatas, a presença de instituições de ensino e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros de P&D e prestadoras de serviços impulsionam o dinamismo empresarial. As políticas públicas, por sua vez, tendem a mudar de forma coerente com esse quadro, voltando-se ao fomento de atividades inovativas em sistemas localizados de produção e inovação (doravante SLPs). Tomando essas contribuições e tendências como referência, este artigo busca estudar especificamente a relação entre a distribuição geográfica da rede de instituições de apoio às empresas e a formação de SLPs no Estado de São Paulo. Espera-se, com isso, oferecer elementos que possam orientar ações de políticas públicas com foco local ou regional. Em termos analíticos, é amplamente reconhecido na literatura o fato de que a aglomeração de empresas e a formação de SLPs podem proporcionar vantagens competitivas aos produtores, já que eles se apropriam de um conjunto de benefícios externos à empresa. Esses benefícios, notadamente de natureza produtiva e de capacitação técnica para produção, constituem as chamadas economias externas locais, ou economias de aglomeração, decorrentes tanto da simples proximidade de produtores, fornecedores e outros agentes como das suas interações e freqüentes comunicações. 86 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO Além disso, a aglomeração das empresas é capaz de fomentar e estimular processos inovativos que ocorrem no seio das corporações e nos seus inter-relacionamentos. Os diversos ativos socioculturais e recursos intangíveis presentes nos SLPs são indispensáveis para o aprendizado de capacidades inovativas, porém não podem ser codificados ou transmitidos à distância; são difundidos por meio de contato pessoal, mobilidade de trabalhadores, qualificação da força de trabalho, existência de fornecedores especializados, confiança mútua e vocabulários específicos que somente as proximidades geográfica e cultural proporcionam. A ação conjunta de empresas e outros agentes localizados também favorece a geração de inovações, levando à criação de diferentes tipos de instituições de ensino, pesquisa e prestação de serviços que melhoram as capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas de cada empresa e conseqüentemente aumentam a capacidade de inovação do sistema e as externalidades positivas locais. Com base nesse esquema analítico, este trabalho apresenta um levantamento do aparato institucional de apoio à atividade inovativa das empresas no Estado de São Paulo e sua distribuição geográfica. Busca-se estabelecer relações entre esse aparato institucional e a existência de SLPs, em que a atividade inovativa vincula-se em grande parte à presença de instituições de apoio a atividades tecnológicas e de P&D. O artigo está organizado em três seções. A primeira apresenta uma breve discussão da literatura que trata da relação entre geografia e inovação. Em seguida, realiza-se um levantamento quantitativo das instituições de apoio à atividade inovativa do Estado de São Paulo, como escolas de ensino técnico, tecnológico, superior e de aprendizagem industrial; associações de classe e sindicatos patronais; laboratórios e centros tecnológicos e de P&D. A última seção, de corte analítico distinto, traz alguns casos selecionados que ilustram o papel das instituições de apoio a atividades inovativas das empresas em sistemas locais e a relação entre localização geográfica e capacidade de inovação. Algumas considerações concluem o artigo. PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 O PAPEL ... variações de crescimento e performance econômica entre regiões são dependentes, em última instância, de uma gama de recursos relativamente imóveis – conhecimento, habilidades, estruturas institucionais e organizacionais. Esse contraste, por sua vez, contribui para corroborar as conclusões de um número crescente de diversos estudos internacionais, em que a “geografia tem um importante papel na inovação, e no crescimento de sociedades capitalistas avançadas” (FELDMAN, 1994, p. 2). A formação de aglomerados de atividades inovativas decorre da percepção de que a inovação está relacionada com a concentração local de insumos inovativos que incluem: P&D universitário, P&D industrial, a presença de indústrias correlatas e a presença de prestadores de serviços especializados (FELDMAN, 1994, p. 451). A análise desses insumos inovativos permite concluir que, em última instância, a inovação depende fundamentalmente do conhecimento. Desde as primeiras fases do processo até a incorporação da inovação ao mercado, o conhecimento técnico e da dinâmica de funcionamento do mercado atuam como variáveis fundamentais. Na etapa inicial, o conhecimento técnico é o instrumento exigido para a compreensão de novas tecnologias ou de restrições técnicas que possam limitar a melhoria ou o desenvolvimento de um produto ou processo. Nessa fase mostra-se fundamental a interação entre os responsáveis pela pesquisa, pelo desenvolvimento e pela incorporação da inovação ao mercado. Tal interação é importante por dois motivos principais. Em primeiro lugar, porque quando uma tecnologia ainda não está plenamente difundida, a padronização das informações necessárias ao desenvolvimento do processo inovativo torna-se muito difícil. Ou seja, o conhecimento ainda não está disseminado de maneira que já tenha consolidado padrões próprios a essa tecnologia, possuindo assim um Nos últimos anos foram realizados diversos estudos, divulgados na literatura internacional, buscando compreender a relação entre geografia e inovação.1 Esses trabalhos tomam como ponto de partida dois fatores que se complementam e se reforçam: (i) a observação empírica de que as atividades inovativas tendem a concentrar-se geo- EM AGLOMERAÇÃO: graficamente em pólos; (ii) a importância da inovação para o progresso tecnológico e, conseqüentemente, para o desenvolvimento local. Estudos empíricos demonstram uma tendência crescente de concentração do desenvolvimento econômico em determinadas regiões. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que alguns pólos se consolidam como fontes geradoras de inovação, renda e emprego, outras regiões são menos dinâmicas ou mesmo permanecem estagnadas. Conforme Breschi e Malerba (2001, p. 817), tal fato ocorre porque as RELAÇÃO ENTRE GEOGRAFIA E INOVAÇÃO SÃO PAULO E 87 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR grande caráter tácito. Em segundo lugar, a interação é importante porque permite a melhor integração entre os diversos agentes responsáveis pelo processo inovativo. Desse modo, consegue-se uma maior sintonia entre as necessidades expostas pelos departamentos comerciais e as limitações enfrentadas pelos responsáveis técnicos do projeto. Nesse estágio inicial do processo inovativo, destacamse fatores como atividades de P&D universitárias e industriais e a presença de indústrias correlatas. O primeiro item contribui para a solução de problemas técnicos e para o desenvolvimento tecnológico de produtos e processos. Já a presença de indústrias correlatas facilita a interação entre agentes com objetivos comuns, permitindo assim a compreensão dos novos desafios e reduzindo as incertezas impostas pelo processo inovativo. Na incorporação da inovação ao mercado, faz-se necessário um amplo conhecimento das especificidades deste. A compreensão das necessidades dos consumidores e de suas perspectivas quanto à utilidade da inovação são fundamentais para o sucesso do processo inovativo. Ressalta-se ainda a importância da presença de prestadores de serviços especializados e a interação com os potenciais consumidores. Os provedores de serviços colaboram com seus conhecimentos específicos a respeito da dinâmica dos mercados. Quanto o contato com os consumidores, revela-se fundamental, pois eles Além disso, é necessário destacar que esses saberes encontram-se, em grande medida, restritos a pessoas que dominam a tecnologia ainda não completamente padronizada. Isso, por sua vez, faz com que esses novos conhecimentos possuam um caráter estritamente tácito. Tal caráter implica que “quando a tecnologia é complexa e evolui rapidamente, sua padronização e transmissão a longa distância não é possível” (FELDMAN, 1994, p. 24). Esse fator, por sua vez, contribui para a concentração das atividades inovativas em pólos, visto que a localização próxima à fonte de tecnologia permite às firmas transformar informação em conhecimento aplicado, criando incentivos para as firmas que utilizam tecnologias complexas e dinâmicas localizarem-se próximas às fontes do conhecimento (FELDMAN, 1994, p. 24). Além desse incentivo, a localização em pólos geográficos faz com que as interações e as trocas de informações entre os agentes sejam facilitadas. Por meio delas viabiliza-se a formação de redes entre os agentes inovativos, as quais potencializam os efeitos de transbordamento. Essas redes permitem ainda que as empresas participantes mantenham-se em contato permanente com as evoluções tecnológicas e com as eventuais novas possibilidades oriundas dessas evoluções. Com essas interações consegue-se ainda criar mecanismos que facilitam a resolução de problemas impostos pelos novos padrões tecnológicos. Em síntese, conforme afirma (FELDMAN, 1993, p. 452), têm uma familiaridade única com a tecnologia em questão e podem sugerir novos produtos que atendam as necessidades que os produtos existentes são incapazes de atender (FELDMAN, 1994, p. 15). [..] as atividades inovativas se beneficiam da presença de uma variedade de recursos e insumos de conhecimento, imersos em um ambiente socialmente construído e espacialmente delimitado. Todas essas características fazem da inovação um “processo peculiar e localizado, que é difícil de imitar ou reproduzir em outros contextos” (BELUSSI; GOTTARDI, 2000, p. 4). Além disso, esse processo é complexo e permanentemente permeado pela incerteza, possuindo um forte caráter cumulativo e dependente do processo de learning by doing (FELDMAN, 1994, p. 23). A incerteza decorre de diversos fatores, que vão desde as possíveis reações do mercado até os problemas técnicos, visto que no processo inovativo as empresas muitas vezes defrontam-se com novas tecnologias e com obstáculos técnicos com os quais anteriormente nunca se haviam deparado. Para superar os desafios impostos por essas restrições, são necessários novos conhecimentos. Estes ainda são instáveis, evoluindo de maneira não linear com o desenvolvimento das ciências e das novas tecnologias e, por isso, são de difícil padronização. Os benefícios dessa imersão, por sua vez, decorrem do fato de que esses insumos têm um importante poder de impulsionar o processo inovativo, pois contribuem para a disseminação do conhecimento, para a diminuição das incertezas (por meio de interações entre indústrias correlatas e prestadores de serviços especializados) e para potencializar o avanço tecnológico e o acúmulo de conhecimento (presença de P&D universitário e industrial). INSTITUIÇÕES DE APOIO NO ESTADO DE SÃO PAULO Dentre os fatores que influenciam a atividade inovativa dentro dos SLPs destaca-se a presença de instituições de apoio. Esses organismos, tais como instituições de ensi- 88 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ... zação. Além disso, muitos dados quantitativos, como orçamento institucional, direcionamento de recursos, número de funcionários (ligados ou não a atividades tecnológicas e de inovação) e área construída, entre outros, não foram disponibilizados para este estudo por diversas das instituições investigadas. É importante ainda ressaltar que a existência de tais instituições não significa que seus serviços sejam utilizados pelos produtores locais ou que elas exerçam algum papel no fomento à inovação nas empresas. O levantamento buscou mostrar apenas a existência desses organismos e a densidade institucional que pode ser verificada em cada uma das microrregiões do Estado, para posteriormente examinar o papel das instituições em três casos distintos de SLPs. no e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros de P&D e entidades empresariais, geram e difundem novos conhecimentos e melhoram as competências técnicas, tecnológicas e inovativas das empresas, aprimorando sua capacidade de absorção de externalidades positivas e estimulando ainda mais o desenvolvimento de atividades inovativas. Para isso, as instituições formam profissionais especializados, promovem cursos de geração e treinamento de mão-de-obra qualificada, desenvolvem pesquisas científicas e tecnológicas, prestam serviços especializados de assistência técnica, de prospecção e difusão de informações e de desenvolvimento de tecnologias. Em geral, essas instituições localizam-se junto a SLPs constituídos ou dão origem a eles em virtude das externalidades que oferecem às empresas. Sua interação com o setor produtivo tem a capacidade de gerar um ciclo virtuoso, criando novos conhecimentos e transbordamentos tecnológicos que melhoram as capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas das empresas, dão origem a novas organizações e consolidam o sistema local de produção e inovação. Cabe ressaltar que só a presença dessas instituições não garante que um SLP ou um conjunto de empresas relacionado a elas vá seguir trajetória ascendente nas atividades de tecnologia e inovação. Tal sucesso depende da soma de outros fatores, como a interação e cooperação entre os agentes locais, a presença de mão-de-obra qualificada na região, a relação com fornecedores e, em alguns casos, a existência de incentivos governamentais. Dessa forma, com o objetivo de analisar a distribuição geográfica de tais instituições, fez-se um levantamento de unidades de ensino, pesquisa e suporte a atividades tecnológicas e de inovação, por municípios ou microrregiões,2 em todo o Estado de São Paulo. Tal levantamento abrangeu: cursos superiores com avaliação pelo Ministério da Educação – MEC; cursos tecnológicos, técnicos e de aprendizagem industrial; associações de classe e sindicatos patronais; centros tecnológicos e laboratórios de P&D e laboratórios de ensaios e testes. As informações foram obtidas de diversas fontes, algumas oficiais, outras disponíveis em sítios da Internet. Dados ligados a pesquisa e desenvolvimento e a instituições de ensino foram obtidos a partir da Rais/MTE (2002). De modo geral, porém, houve algumas dificuldades para encontrar dados regionalizados que permitissem a elaboração de indicadores específicos. Como exemplo, pode-se citar a falta de dados regionalizados sobre qualificações superiores (mestres e doutores) e suas áreas de especiali- SÃO PAULO E Instituições de Apoio às Empresas segundo Dados da Rais A primeira fonte de informações utilizada foi a Rais/MTE (2002), por meio dos dados relativos a atividades de P&D e de instituições de ensino, a partir de informações gerais de emprego e estabelecimentos segundo classes da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. Tais atividades abrangem as classes CNAE de quatro dígitos da Rais: 73.10-5 – P&D das Ciências Físicas e Naturais; 80.31-4, 80.32-2 e 80.33-0 – Educação Superior e 80.96-9 e 80.97-7 – Educação Profissional. Os números relativos às Ciências Físicas e Naturais mostram que o Estado de São Paulo abriga 67 estabelecimentos, que empregam quase 4.300 pessoas (os dados completos podem ser encontrados em Suzigan et al., 2005, Tabela 9.1). Destacam-se os municípios de São Paulo, com 20 estabelecimentos e mais de 1.700 trabalhadores, e de Campinas, com 11 organizações e mais de 1.300 pessoas empregadas. Em Campinas, o tamanho médio dos estabelecimentos (122 empregados) é muito superior ao observado em São Paulo (64 empregados) e mesmo em relação à média do Estado (84), o que se deve à presença em Campinas de importantes centros de pesquisa e desenvolvimento de âmbito nacional (SUZIGAN et al., 2005, Quadro 9.4). São Paulo e Campinas são seguidos pelos municípios de Piracicaba, com seis estabelecimentos de P&D, que empregam 142 pessoas; São Carlos, com cinco estabelecimentos e 305 profissionais; Barueri, com dois estabelecimentos e 331 profissionais (portanto, com média por estabelecimento superior à de Campinas). Jaguariúna, na região de Campinas, também se destaca 89 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR Biologia (59), Farmácia (35), Química (27) e Agronomia (14). Apesar do grande número de alunos formados, cumpre destacar que eles não necessariamente atuarão em atividades com caráter tecnológico. Deseja-se ressaltar com esses dados a disponibilidade, no Estado, de recursos humanos qualificados e potencialmente disponíveis para atividades de caráter tecnológico. Merece destaque a forte tendência à concentração regional do número de alunos formados. As cinco microrregiões que se sobressaem nesse quesito (São Paulo, Campinas, Santos, Piracicaba e São José dos Campos) são responsáveis por cerca de 7.250 alunos graduados, cerca de 56% do total de formados no Estado (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.14). Agregando-se a elas as cinco microrregiões seguintes (Bauru, São Carlos, Sorocaba, São José do Rio Preto e Araraquara), chega-se a pouco mais de 8.700 formados, aproximadamente 68% do total. Tal tendência de concentração pode ser explicada em parte pela presença local de grandes instituições públicas de ensino. Ademais, também se nota nessas microrregiões uma crescente participação de graduados oriundos de inúmeras instituições privadas. Em relação aos cursos superiores avaliados pelo Exame Nacional de Cursos com notas A e B, observa-se uma tendência ainda mais acentuada de concentração geográfica. Analisando-se as cinco microrregiões com maior número de formados nessa categoria (São Paulo, Campinas, Piracicaba, São Carlos e Bauru), nota-se que concentram cerca de 70% do total de alunos formados no Estado. Todavia, tomadas isoladamente, essas microrregiões apresentam padrões distintos em relação aos indicadores de qualidade. Enquanto em São Paulo a participação de alunos formados em cursos com notas A e B em relação ao total de formados é semelhante à média do Estado (27%, ao passo que a média estadual é de 26,5%), Campinas e Bauru apresentam médias intermediárias (40% e 45%, respectivamente) e Piracicaba e São Carlos destacam-se pela forte participação dos cursos A e B em relação ao total de formados (65% e 69%, respectivamente). Grande parte dessa diferença pode ser explicada pela maior participação relativa de instituições públicas nas duas últimas regiões. Em outras palavras, Campinas e São Paulo apresentam maior heterogeneidade de instituições de ensino superior. Outras microrregiões que também se sobressaem em termos da participação de alunos com notas elevadas são as de Jaboticabal e Rio Claro (100% e apenas um curso); Andradina (100% e 4 cursos); Botucatu (100%, 2 cursos); Limeira (68,6%, 2 cursos) e Araraquara (66,8%, 2 cursos). por um estabelecimento de grande porte, com 159 pessoas ocupadas. Os dados da Rais mostram a existência de 919 instituições de ensino no Estado de São Paulo, sendo 586 de nível superior e pós-graduação e 333 de ensino técnico e tecnológico. Em conjunto, elas empregam um contingente de mais de 120 mil pessoas. A distribuição regional das instituições de ensino superior e de pós-graduação mostra uma forte concentração novamente em São Paulo (226 estabelecimentos) e Campinas (24 estabelecimentos). Em seguida, estão os municípios de Santos (19 estabelecimentos), Ribeirão Preto (17) e Piracicaba, com 16 (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.13). Essa grande presença está relacionada à distribuição de vários campi de cada instituição por vários municípios. Os dados sobre instituições de ensino médio e profissional (técnico e tecnológico), por sua vez, também apresentam concentração nos municípios de São Paulo (92 estabelecimentos) e de Campinas, com 13 estabelecimentos. Apesar disso, tais entidades encontram-se bastante pulverizadas por todo o Estado de São Paulo, sendo rara a ocorrência de municípios que não dispõem dessas instituições, como ocorre no caso das escolas de ensino superior. Instituições de Ensino e Formação Profissional com Qualificações Técnico-Científicas Cursos Superiores Avaliados pelo Inep/MEC – A construção dos indicadores acerca dos cursos superiores teve duas grandes etapas. Em primeiro lugar, visando maior consistência na coleta de dados, optou-se por utilizar uma fonte sistemática de avaliação: o Exame Nacional de Cursos (“Provão”),3 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. Em seguida, dentre as carreiras avaliadas pelo exame, foram escolhidas cinco que se destacaram por seu caráter tecnológico (Engenharia em suas diversas modalidades, Biologia, Farmácia, Química e Agronomia). Iniciou-se, então, o processo de tabulação de dados, distribuindo-os por microrregiões do Estado. Por meio dessa tabulação foi possível analisar a distribuição dos cursos e do número de alunos formados, procurando identificar um possível padrão de concentração regional. Os dados mostram que no Estado de São Paulo, em 2002, cerca de 13 mil alunos concluíram 249 cursos de graduação,4 de que as diversas modalidades de Engenharia representavam quase a metade (114). Em seguida, aparecem 90 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO Cursos Tecnológicos, Técnicos e de Aprendizagem Industrial – Foram coletados também dados de fontes diversas sobre entidades educacionais que oferecem cursos técnicos, tecnológicos e de aprendizagem industrial. Para as duas primeiras modalidades, as informações provieram dos grandes sistemas educacionais que administram esse tipo de curso: Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS,5 Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo – Cefet6 e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai.7 Esses sistemas oferecem a maioria dos cursos técnicos e tecnológicos disponíveis, mas há também algumas escolas técnicas particulares ou independentes, não incluídas no levantamento. Quanto à aprendizagem industrial, foram selecionados apenas os cursos pertencentes ao sistema Senai. Com referência aos cursos tecnológicos de nível superior no Estado, verifica-se a existência de 46 deles, com um total de 2.670 vagas. Observa-se grande concentração (50%) na microrregião de São Paulo, em geral provenientes do Sistema Fatec/CEETEPS. Quanto aos cursos técnicos e de aprendizagem industrial, verifica-se que, apesar de bastante concentrados nas microrregiões de São Paulo, Campinas, São José dos Campos e Ribeirão Preto, os 218 cursos técnicos e os 194 cursos de aprendizagem industrial estão relativamente pulverizados por todo o Estado. Isso se deve à elevada correlação entre tais cursos e a especialização produtiva de cada microrregião, o que acaba criando externalidades positivas aos produtores localizados em SLPs, já que oferece mãode-obra qualificada e com habilidades específicas de acordo com as características de cada estrutura produtiva local (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.3). A pesquisa acerca das associações de classe, dos sindicatos patronais e do Sebrae teve como principal objetivo o levantamento de informações a respeito do apoio e do suporte prestados por esses órgãos a atividades inovativas. Em virtude da carência de fontes sistemáticas de informações e do grande número de associações de classe e sindicatos patronais, o esforço de pesquisa mostrou-se muito árduo. No entanto, a despeito das grandes dificuldades para sistematizar as informações e construir um indicador do esforço inovativo dessas instituições com algum grau de padronização, destacaram-se algumas tendências. Como tarefa inicial, buscou-se identificar a presença dessas associações e do Sebrae em todas as cidades do EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ... Estado. Para isso, pesquisaram-se os respectivos sites (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – Ciesp,8 Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo – Facesp9 e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae10 ). Cumprida tal tarefa, procurou-se cada diretoria regional do Ciesp, inicialmente por correio eletrônico e depois por meio de ligações telefônicas. Nesses contatos, identificaram-se os serviços prestados aos associados e as parcerias locais com associações comerciais e escritórios do Sebrae que incentivassem de alguma maneira o processo inovativo. Em relação às Associações Comerciais e Industriais ou Empresariais – ACIs ou ACEs, notou-se sua presença na maioria das cidades (38%) do Estado (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.15). No entanto, também se observou que sua atuação em geral apresenta pouca ou nenhuma relação com o desenvolvimento de atividades inovativas. Como desempenham principalmente papel de órgãos de representação política local, seja apresentando reivindicações perante o poder público ou representando seus associados em negociações trabalhistas, são raros os casos em que oferecem serviços com caráter técnico ou tecnológico às empresas. Paralelamente a essa representação política local, grande parte das ACIs/ACEs configura-se, de certa maneira, como centro de assistência em gestão empresarial. Nessa área é oferecida uma vasta gama de cursos, palestras e seminários referentes a temas como gestão administrativa, gestão da qualidade, marketing, assistência jurídica, empreendedorismo, entre outros. Apesar da evidente falta de incentivo às atividades inovativas, notou-se que certas associações de classe estabelecem parcerias com a representação local do Sebrae. Apesar de representarem poucos incentivos diretos às atividades tecnológicas, tais parcerias podem contribuir para uma melhor gestão administrativa que venha a potencializar a percepção da necessidade do aprendizado inovativo. No que diz respeito às diretorias do Ciesp, o esforço de pesquisa permitiu observar que estas também possuem um padrão de atuação muito semelhante ao observado nas ACIs/ACEs. Espalhadas pelos principais pólos de desenvolvimento do Estado, a maioria das 40 diretorias do Ciesp atua como uma espécie de órgão representativo dos interesses políticos e burocráticos dos associados. Dessa forma, tem o poder de convergir esforços para a solução de problemas institucionais e representar lobbies específicos. Quanto à prestação de serviços locais, nota-se que a maioria concentra-se em cursos, eventos e palestras na área Entidades de Classe e Sebrae SÃO PAULO E 91 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro,12 que abrangem os diversos laboratórios de calibração, testes e ensaios do sistema Senai. Já dentre os laboratórios e centros não credenciados destacam-se: os grandes laboratórios agrícolas como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa,13 o Instituto Agronômico de Campinas – IAC14 e o Instituto de Tecnologia de Alimentos – Ital;15 as instituições ligadas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe; e os laboratórios de pesquisa independentes, que não se encaixam em nenhum dos grandes grupos anteriormente referidos. Dentre as suas áreas de atuação estão: difusão de informação tecnológica, desenvolvimento de produtos, gestão de processos produtivos, assessoria técnica e tecnológica, testes e ensaios laboratoriais, entre outras. Vale ressaltar que a pesquisa procurou levantar alguns dados importantes para a caracterização dessas instituições, tais como orçamento, área construída, número total de funcionários, direcionamento de recursos, entre outros. Porém, na maioria dos casos – mesmo em entidades públicas ou semipúblicas (mantidas por meio de recolhimentos compulsórios), os dados não estavam disponíveis ou não foram disponibilizados pelas instituições. Analisando os números coletados, observa-se uma grande concentração dessas instituições na microrregião de Campinas, que possui 54 estabelecimentos ligados a atividades de P&D e desenvolvimento tecnológico, sendo 18 credenciados pelo MCT (como a Associação Brasileira de Luz Síncroton – ABTLuS , o Centro de Pesquisas Renato Archer – CenPRA, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD, o Centro de Pesquisas Avançadas Von Braun, entre outros). Dentre os não-credenciados estão 18 estabelecimentos da Embrapa, 9 do IAC e mais 9 do Ital. Logo após Campinas está a microrregião de São Paulo, com um total de 44 instituições tecnológicas e de P&D, em geral credenciadas pelo MCT (como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, o Instituto de Tecnologia de Software – ITS e o Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear – Ipen) e pelo Inmetro. Dentre os demais organismos, destaca-se a presença de uma quantidade relativamente alta de instituições privadas e independentes no município. São Paulo e Campinas são seguidos pelos municípios de São Carlos (25 estabelecimentos), São José dos Campos (10), Sorocaba (4), Jundiaí e Osasco (2) e por várias microrregiões, entre as quais Bauru, Araraquara, Franca, Limeira e Ribeirão Preto, com um estabelecimento (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.4 e Quadro 9.4). administrativa, envolvendo ações que visem melhorar práticas gerenciais e de marketing, e promover assistência jurídica, entre outras. Também foi observada a presença de departamentos de estatística (para fornecimento de dados sobre conjuntura econômica) em algumas diretorias do Ciesp, além de algumas iniciativas de estabelecimento de parcerias com outros órgãos locais, como ACIs/ACEs e escritórios do Sebrae. O oferecimento de serviços técnicos mais diretamente relacionados com o esforço tecnológico e inovativo, por sua vez, está concentrado quase em sua totalidade na diretoria do município de São Paulo. Quando questionados sobre o não-oferecimento em esfera de tais serviços, os responsáveis pelas diretorias regionais apontaram como empecilhos os altos custos e a baixa demanda. Afirmaram ainda que as soluções para os eventuais problemas tecnológicos são encaminhadas para outras instituições locais (como centros tecnológicos ou unidades do sistema Senai) ou para a diretoria da capital. A exemplo do que ocorre entre as ACIs/ACEs e as diretorias do Ciesp, os esforços de pesquisa mostraram que os sindicatos patronais também têm um padrão de atuação deficiente no que diz respeito ao incentivo ao esforço tecnológico local. Apesar do grande número (cerca de 250, a maioria concentrada na capital) e da grande diversidade das áreas de atuação, há uma certa tendência de concentração dos esforços em serviços gerais, como bancos de dados sobre o setor, informações sobre mercados, assessoria jurídica e tributária, entre outros. Apenas em alguns casos observa-se a disponibilização de serviços com caráter tecnológico, como incentivo ao treinamento e a programas da qualidade e produtividade, laboratórios especializados, assessoria em relação a marcas e patentes. Laboratórios e Centros Tecnológicos e de P&D Por fim, este trabalho buscou investigar todas as instituições de infra-estrutura e prestação de serviços de apoio a atividades tecnológicas e inovativas presentes no Estado de São Paulo. Tais instituições agrupam-se em dois grandes grupos: os laboratórios e centros tecnológicos e de P&D credenciados e aqueles que não são credenciados. O primeiro grupo subdivide-se em instituições credenciadas pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia – MCT,11 que gozam dos benefícios da Lei da Informática por realizarem atividades tecnológicas e de P&D em convênio com empresas produtoras de bens e serviços de informática e automação; e em instituições credenciadas pelo Instituto 92 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO CASOS ILUSTRATIVOS E AGLOMERAÇÃO: MAPA 1 Cursos e Instituições de P&D no Eixo de Desenvolvimento (SP 330, SP 310 e BR 116) Estado de São Paulo – 2002-04 Araraquara Ribeirão Preto São Carlos Pirassunuga Limeira Campinas Jundiaí São Paulo Total de Cursos e Instituições de P&D . . . 1 ponto = 1 Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Rais 2002; instituições de ensino em P&D. EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 ... Os casos selecionados têm distintas características, especializações produtivas e organizações institucionais. Como se pode observar no Mapa 1, a elevada concentração de cursos e instituições de várias naturezas, voltadas direta ou indiretamente a atividades produtivas e inovativas das empresas locais, coincide com a presença de diversos SLPs, identificados pelo nome da microrregião, seguindo o “eixo” de desenvolvimento centrado na Região Metropolitana de São Paulo, que se estende ao longo das rodovias Anhangüera (SP 330) e Washington Luís (SP 310) e do Vale do Paraíba. Expressivas concentrações de cursos e instituições podem ser observadas também em microrregiões mais afastadas desse eixo, nas quais também estão presentes sistemas locais de produção. A distribuição das instituições de apoio às atividades tecnológicas e de inovação segundo microrregiões permite verificar que, a par de forte concentração na Região Metropolitana de São Paulo, há no interior do Estado bastante coincidência com a distribuição geográfica das atividades produtivas e inovativas em sistemas locais de produção e inovação, identificada e mapeada em outro trabalho (SUZIGAN et al., 2004). A discussão pormenorizada dos dois mapeamentos excede os limites deste artigo. Aqui, deseja-se ilustrar a discussão examinando, num corte por microrregiões, três casos em que se verifica a existência de sistemas locais de produção e inovação. SÃO PAULO O PAPEL 93 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR Indústria de Calçados de Franca cante desse nível de educação na microrregião mostra que existe crescente preocupação em formar profissionais de maior qualificação, que seriam requisitados, por exemplo, nas áreas técnicas, tecnológicas e de administração e gerência. Faltam, porém, cursos superiores que capacitem trabalhadores especializados em desenvolvimento de novos produtos e design, assim como cursos de pós-graduação, especialmente MBA, para formar profissionais de administração para cargos de direção. A maioria das empresas ainda não tem administração profissional, permanecendo com estruturas de gerência familiar. Para a formação profissional e a qualificação da mãode-obra demandadas pela região, o SLP de Franca conta com duas escolas técnicas e, principalmente, com os cursos técnicos e de aprendizagem industrial do Senai voltados à área de calçados e gestão de processos industriais. A atuação desta é de fato bastante focada na indústria de couros/calçados, mas abrangendo toda a cadeia produtiva, oferecendo formação para 2.500 alunos por ano em: artefatos de couro, calçados de couro (pesponto, corte, montagem, costura, modelagem, estilista, classificação de couros, cronoanálise, PCP e custos), metal-mecânica, matrizaria, manutenção de máquinas de calçados e de pesponto, eletroeletrônica e informática.18 O Senai também atua na área de tecnologia de couro/calçados e desenvolve serviços de qualificação de produtos e métodos de gerenciamento, além de executar ensaios e testes físicos em calçados, couros e outros materiais em seus laboratórios e em suas oficinas de manutenção. Na área técnica e tecnológica destaca-se a atuação do Centro de Tecnologia de Couro e Calçados (CTCC)/Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), cujos laboratórios são credenciados pelo MCT e estão em fase final de credenciamento pelo Inmetro. Além disso, o CTCC tem credenciamento em qualidade pela Fundação Vanzolini e pelo Ministério do Trabalho e Emprego para emitir laudos de ensaios de equipamentos de proteção individual. Cerca de 50 empresas por mês usam os serviços do CTCC/IPT, que se caracteriza como uma das instituições mais importantes da região na prestação de serviços técnico-gerenciais e tecnológicos, de planejamento da produção, gestão empresarial, produtividade, qualidade e design de produtos, ensaios e testes de produtos e materiais, contribuindo significativamente para a capacitação gerencial, técnica e inovativa das empresas. O centro atua também por meio de programas específicos, tais como o Programa de Unidades Móveis – Prumo/Calçados, em parceria com o Sebrae e a Fiesp e participação da Secretaria Estadual de Ciência, A microrregião de Franca caracteriza-se por concentrar o segundo maior pólo produtor de calçados do país, com uma característica distintiva: a especialização na produção de modelos masculinos em couro. Comporta praticamente toda a cadeia produtiva, articulada a uma organização institucional diversificada. Dessa forma, o SLP de calçados destaca-se como elemento decisivo tanto para o desenvolvimento econômico da microrregião de Franca como da própria indústria de calçados do Estado de São Paulo. Segundo dados da Rais/MTE (2002), a região concentra 1.589 estabelecimentos ligados a toda a cadeia produtiva de calçados, incluindo as chamadas bancas de pesponto, que são unidades de prestação de serviços às empresas em etapas específicas do processo produtivo, intensivas em trabalho: o pesponto e a costura manual. Ao todo, são gerados cerca de 24 mil empregos formais, dos quais aproximadamente 17 mil diretamente na produção de calçados de couro, além de empregos informais nas bancas, estimados em 2 mil, segundo informações da Escola Senai Márcio Bagueira Leal,16 de Franca, para 2002. A integração da cadeia produtiva na microrregião representa importante fonte de economias externas e induz à aglomeração de empresas. Além disso, a concentração dos produtores, aliada à presença de fornecedores especializados de máquinas, equipamentos, matérias-primas, componentes e serviços, é capaz de facilitar e estimular as interações, alimentando o processo de geração e difusão de habilidades e conhecimentos. Nesse sentido, as empresas locais podem beneficiar-se de uma ampla oferta de mãode-obra qualificada e de profissionais especializados, além de spill-overs tecnológicos e de conhecimento. Estes decorrem da simples proximidade geográfica e de interações dos fabricantes de calçados com seus fornecedores e com as instituições locais. De fato, a região conta com um grande número de instituições de ensino e pesquisa, de formação profissional e qualificação da mão-de-obra, de aprendizagem industrial e treinamento técnico e de prestação de serviços às empresas nas áreas de ensaios e testes laboratoriais, desenvolvimento tecnológico e planejamento da produção. Essas instituições contribuem para melhorar as capacitações técnicas e inovativas locais que, por sua vez, ampliam a capacidade de competição das empresas aglomeradas e do SLP. Com relação ao ensino superior, a região possui duas instituições que oferecem quatro cursos, formando cerca de 100 bacharéis17 ao ano. A presença cada vez mais mar- 94 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ... Tecnologia e Desenvolvimento, e o Projeto Extensão Industrial Exportadora – Peiex, coordenado por MDIC, Sebrae e Apex Brasil.19 O Prumo tem custo zero para as empresas e consiste em visita e diagnóstico realizados por engenheiro e técnicos, com veículo equipado com laboratório, visando identificar problemas e encaminhar soluções. O Peiex conta com profissionais com conhecimentos em várias áreas, denominados “extensionistas”, habilitados a identificar problemas técnico-gerenciais, financeiros, de recursos humanos, marketing e outros. Sua tarefa é buscar soluções, procurando aumentar a capacidade de competição das empresas e disseminar a cultura exportadora. É importante ressaltar também que muitas das grandes fabricantes de calçados têm seus próprios laboratórios de ensaios e testes e, por razões ligadas a estratégias comerciais e de desenvolvimento de produtos, não utilizam os serviços do CTCC e do Senai. Isso implica certa ociosidade dos equipamentos dessas duas instituições, aumento dos respectivos preços dos serviços e diminuição ainda maior de sua demanda. Franca conta também com algumas associações patronais bastante atuantes, como a Associação Comercial de Franca – Acif, o Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca – Sindifranca e agências do Sistema Ciesp/Fiesp. Entretanto, à exceção dos serviços de laboratório que o Sindifranca oferece às empresas associadas, as ações dessas entidades de classe limitam-se quase exclusivamente à representação política dos produtores locais e à prestação de alguns serviços jurídicos e comerciais. Porém, apesar das limitações, o arranjo institucional que envolve toda a cadeia produtiva de calçados de Franca pode ser considerado como um elemento positivo para a capacitação técnica, tecnológica e inovativa das empresas. Dependendo do grau de interação com o setor produtivo, pode ajudar de maneira significativa a melhorar a capacidade de competição e de inovação das empresas fabricantes de calçados. mentos científicos e tecnológicos e na formação de profissionais qualificados para atividades inovativas. Isso induziu o desenvolvimento na região de várias indústrias de alta tecnologia, entre as quais se destaca a das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC. Esse caso é bastante ilustrativo do papel desempenhado pelas instituições locais na criação e disseminação de capacidades que deram origem às atividades de TIC na região. Segundo a classificação adotada pela OCDE,21 apresentada por Trullén et al. (2002), aplicada aos dados da Rais/ MTE referentes a 2002, as atividades de TIC na região de Campinas totalizavam, naquele ano, 610 estabelecimentos22 e mais de 14.500 empregos formais, que representavam cerca de 8,4% do total do trabalho formal nessas atividades no Estado de São Paulo. Grande parte das maiores empresas concentra-se nos chamados Parques Tecnológicos I e II, duas áreas que ocupam 8 milhões de metros quadrados. Nesses parques encontram-se cerca de 110 empresas de TIC (sendo 63 de informática e 47 de telecomunicações),23 das quais 32 são subsidiárias de organizações que estão entre as 500 maiores do mundo. O surgimento do pólo de atividades de TIC de Campinas remonta ao estabelecimento pioneiro da IBM (em 1971) e ao início das atividades do CPqD24 na região. A contribuição da IBM para o desenvolvimento do pólo reside no fato de que, além de ter posição de destaque internacional no setor, a empresa foi responsável pela formação e pelo treinamento de um grande número de trabalhadores (os chamados “ibemistas”), que posteriormente se deslocaram para outras empresas. Quanto ao CPqD, destaca-se como importante fonte de geração e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos do pólo. Estabelecido em Campinas desde 1980, o CPqD Atividades de Tecnologia de Informação e Comunicação de Campinas Entretanto, o principal fator de atração das atividades de TIC para a região de Campinas é a grande oferta local de cientistas, engenheiros e técnicos especializados. Isso, por sua vez, resulta da forte base de instituições de ensino e pesquisa da região, que conta com cinco grandes instituições de ensino superior – IES e várias escolas técnicas e profissionalizantes. As IES formam anualmente – nas modalidades avaliadas pelo Exame Nacional de Cursos – mais de 1mil bacharéis, dos quais cerca de 600 são engenheiros. Dentre essas universidades destaca-se a Unicamp, desenvolveu localmente os principais avanços da indústria nacional de telecomunicações, como as centrais digitais Trópico e a produção pioneira de fibras ópticas no país (SUZIGAN et al., 2001). A Região Metropolitana de Campinas destaca-se como uma das mais industrializadas do país, apresentando uma estrutura bastante diversificada. Juntamente com São Paulo, Campinas é considerada também como uma das principais áreas de inovação da América Latina.20 Concentra um importante número de instituições reconhecidas nacionalmente como centros de excelência na geração de conheci- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 95 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR com forte especialização científica (engenharias e ciências exatas e da terra) e tecnológica.25 As atividades de ensino, sobretudo de pós-graduação, e de pesquisa da Unicamp geram amplos e variados efeitos de spillovers tecnológicos e de conhecimentos e spin-offs, que se concretizam na criação de empresas de base tecnológica na região. Segundo a Agência de Inovação da Unicamp, somente nas duas últimas décadas “pelo menos 85 empresas nasceram a partir das salas de aula da universidade”.26 Além disso, desde a década de 80 a Unicamp estabeleceu inúmeras parcerias com o CPqD, a partir das quais surgiram várias empresas nacionais de TIC. A universidade mantém projetos de cooperação com empresas do pólo direcionados principalmente para a área de pesquisa básica. Desse modo, tanto o CPqD quanto a Unicamp constituem-se como importantes centros difusores de efeitos spillovers e spin-offs na região, beneficiando organizações nacionais e multinacionais e gerando novas empresas de base tecnológica, sobretudo nas atividades de TIC. Das 85 empresas “filhas” da Unicamp mencionadas anteriormente, mais de metade atua nas áreas de TIC (Figura 1). As escolas técnicas e profissionalizantes da região oferecem, em conjunto, 17 cursos de aprendizagem industrial, 20 cursos técnicos e 3 cursos tecnológicos. As principais são as dos sistemas Fatec, Cefet e Senai, além do Colégio Técnico de Campinas – Cotuca. Entre outras, são contempladas as áreas de eletrônica, microeletrônica, telecomunicações, informática, mecatrônica, mecânica, automação e química. Certamente tal oferta educacional, em comparação a outros SLPs, confere forte destaque à microrregião de Campinas no que diz respeito à ampla disponibilidade de recursos humanos qualificados. A região conta também com uma ampla rede de laboratórios e centros de pesquisa e desenvolvimento, muitos deles credenciados pelo MCT para usufruir recursos oriundos da Lei de Informática, ou seja, diretamente relacionados com a prestação de serviços a empresas de TIC. Alguns desses laboratórios e centros de pesquisa são de grande porte e constituem referências nacionais em suas respectivas áreas, como a Associação Brasileira de Luz Síncroton – ABTLuS, que conta com cerca de 180 profissionais, além de bolsistas e estagiários, e presta serviços em pesquisas com luz síncroton, nanoestruturas, microcomponentes, construção de equipamentos científicos e proteínas. Destacam-se ainda: o Centro de Pesquisas Renato Archer – CenPRA (antigo CTI), com 230 pesquisadores e 12 laboratórios, oferecendo serviços em qualidade de produtos e processos de TIC, engenharia de protótipos e produtos de TIC; o CPqD, com mais de mil profissionais e 20 laboratórios para ensaios de produtos, medições de sistemas em campo, medições em fibras ópticas, gestão de laboratórios; a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, com 16 laboratórios e campos experimentais; o Instituto Agronômico de Campinas – IAC e o Instituto de Tecnologia de Alimentos – Ital, cada um com nove centros de P&D e núcleos de análise. Além dessas, há várias instituições de menor porte com laboratórios de ensaios e testes, centros de pesquisa e prestação de serviços em áreas como eletroeletrônica, telecomunicações e teleinformática; projeto e desenvolvimento de software, hardware, design industrial e engenharia de produto; qualidade em software, experimentos com dispositivos ópticos, entre outras. As atividades de TIC na região de Campinas são estimuladas também pela atuação de instituições como a Cia. de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas – Ciatec e o Núcleo Softex Campinas. A primeira foi criada em 1983, FIGURA 1 Dinâmica de Interação entre os Agentes do Pólo de TIC – Origem e Consolidação Região de Campinas Prestadoras de Serviço Especializado Fornecedores Nacionais Institutos de P&D CPqD Empresas Nacionais de Telequipamentos Unicamp Multinacionais de Telequipamentos Pequenas SoftwareHouses Fornecedores Locais com o objetivo de coordenar as ações entre as empresas, de modo a estimular a implantação de empresas de base tecnológica na cidade e de intermediar as relações entre as empresas e a universidade e os institutos de pesquisa (SOUZA; GARCIA, 1998, p. 411). Forte Média Fraca Fonte: Diegues (2004). Para outros detalhes, ver também Diegues; Roselino (2005). 96 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO O Núcleo Softex Campinas, fundado pela Unicamp em colaboração com a prefeitura municipal de Campinas e associação local de empresas de software, mantém uma incubadora de empresas e oferece serviços de consultoria, incentivo a novas empresas, treinamento em gestão empresarial, acesso a linhas de financiamento e outros benefícios. Portanto, a formação e a consolidação do pólo de atividades de TIC da região de Campinas estão estreitamente relacionadas à rede de instituições de ensino e pesquisa, aos centros de P&D e aos laboratórios, que contribuem para a criação de conhecimentos científicos e tecnológicos e para sua difusão, tanto por meio da mobilidade de mão-deobra e profissionais qualificados como pelas freqüentes interações com o setor produtivo e pela criação de novas empresas, num processo cumulativo de aprendizado coletivo que gera capacitações específicas e dinamiza a capacidade de inovação das empresas locais. A indústria de móveis tem uma característica específica: é bastante dispersa em termos geográficos. Por isso, não há grandes pólos produtores que respondam por boa parcela da produção estadual. Entretanto, casos como o de Votuporanga mostram que tal produção pode se constituir em importante vetor de desenvolvimento local e regional. De fato, há na microrregião e especialmente nesse município uma expressiva aglomeração de fabricantes de móveis e seus fornecedores que, em conjunto, geravam em 2002 cerca de 3 mil empregos formais. Esse volume era pouco representativo (menos de 4%) em termos da participação no total da indústria de móveis no Estado. Mas era – e é – muito significativo do ponto de vista do desenvolvimento local, representando metade do total de empregos formais da indústria de transformação da microrregião.27 Nesse sentido, constitui-se no centro dinâmico da economia microrregional e tem influenciado as microrregiões vizinhas, como Mirassol, Valentim Gentil e outras, que também concentram empresas fabricantes de móveis. O SLP de móveis de Votuporanga é composto majoritariamente por empresas de médio e pequeno portes, fabricantes de produtos finais.28 A pequena escala de produção, a diversidade de matérias-primas e os diferentes segmentos de mercado, tanto em termos de uso (profissional e doméstico, e neste os móveis de sala, cozinha e dormitório) quanto de faixas de renda dos consumidores, dificultam a integração da cadeia produtiva na região. Isso, por sua vez, limita as possibilidades de divisão do traba- EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ... lho e de realização de ações coordenadas das empresas. Apesar disso, Votuporanga tem uma história singular de realizações coletivas, o que se deve justamente ao papel relevante desempenhado por instituições locais. As mais importantes são a Associação Industrial da Região de Votuporanga – Airvo, o Centro Tecnológico de Formação Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad e as instituições locais de ensino superior. A Airvo, criada na década de 70, teve um papel crucial no início dos anos 90, quando forte crise atingiu a indústria local. A associação buscou a assessoria de profissionais especializados e, com apoio do Sebrae/SP, implementou o Pólo de Modernização do Setor Moveleiro de Votuporanga, também conhecido como Interior Paulista Design. Esse projeto, que tentava criar uma marca local e um estilo próprio (móvel country), fracassou, mas mostrou a importância de iniciativas coletivas para promover o desenvolvimento local. Com isso, ainda em 1993 um grupo de empresas tomou uma providência que mudaria a trajetória de evolução da indústria moveleira de Votuporanga: a contratação de um profissional para atuar como coordenador de ações e iniciativas coletivas locais. Esse profissional revelou-se um elemento de reforço de diversas características importantes da indústria local, sobretudo os seus vínculos de cooperação e as economias de aglomeração passíveis de aproveitamento, reforço e desenvolvimento. As medidas adotadas a partir de então impulsionaram o crescimento, melhoraram a qualidade dos produtos e introduziram o elemento tecnológico e a qualificação da mãode-obra na estratégia competitiva das empresas. As mais importantes foram: a contratação de consultores especializados em gestão empresarial (custos, layout, processos de produção, marketing), a implantação de um programa de qualidade total em que técnicos especialmente treinados atuavam como “multiplicadores de conhecimento” junto às empresas, a criação de um curso superior de Tecnologia em Produção Moveleira no Centro Universitário de Votuporanga – Ceuv, além da adoção de uma estratégia permanente de formação de mão-de-obra especializada e de incorporação de tecnologias de processo e de produto, culminando com a inauguração, em 2001, do Cemad. Este oferece cursos técnicos e profissionalizantes e possibilita que as empresas locais tenham acesso a uma infraestrutura especializada de P&D e design em produção moveleira, a serviços de assessoria técnica e tecnológica, gestão da produção, informação tecnológica e ensaios laboratoriais (Figura 2). Indústria de Móveis de Votuporanga SÃO PAULO E 97 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR FIGURA 2 Centro Tecnológico de Formação Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad 2004 Gestão da Produção Informação Tecnológica Diagnósticos, propriedade industrial, editoração, registros, publicações, prospecção tecnológica, estudos de viabilidade e outros Desenvolvimento Tecnológico Prototipagem, desenvolvimento e redesign de produtos Assessoria Técnica e Tecnológica ISO 9000, planej. e desenv. de métodos de produção, otimização de plantas, sist. de segurança do trabalho e outros Assistência Técnica e Tecnológica Cemad Cursos - Básico: aprendizagem industrial e construção de móveis - Técnico: técnico em movelaria e design de móveis - Formação continuada: metrologia, custos industriais, desenho técnico, programador e operador centros usinagem CNC, CAD Ensaios Laboratoriais Cerca de 20 tipos de testes e ensaios aplicados tanto a móveis de madeira como de metais Fonte: Elaboração dos autores, a partir de informações diretas do Cemad. O Cemad foi concebido pelo agente coordenador do SLP de Votuporanga em colaboração com o Senai/SP, inspirado no Centro de Tecnologia do Mobiliário – Cetemo, de Bento Gonçalves (RS), com apoio da Airvo e parceria da Fundação Votuporanguense de Educação e Cultura – Fuvec e da prefeitura municipal. Ao lado da participação do Senai, o coordenador mobilizou recursos de vários órgãos e de agências públicas de fomento e financiamento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, o Programa de Expansão da Educação Profissional – Proep/MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Complementando a ação do Cemad, o Centro Universitário de Votuporanga, mantido pela Fundação Educacional de Votuporanga, oferece vários cursos de graduação que contribuem para a formação de profissionais qualificados. Dois deles obtiveram conceito A na avaliação do MEC e um deles é o já mencionado curso de Tecnologia em Produção Moveleira, criado especificamente para atender às necessidades da indústria da região. Como resultado dessas ações, a indústria de móveis de Votuporanga avançou em termos tecnológicos e da qualidade de seus produtos. Já em 2000, das 14 fabricantes de móveis com certificação ISO 9002 no Brasil, 6 eram de Votuporanga e outras 15 empresas locais estavam em processo de certificação. 29 Organizações inovadoras passaram a dar mais atenção a design e desenvolvimento de produtos, prospecção de mercados, diferenciação de produtos buscando nichos em classes de renda mais elevada e a exportação, de forma que o pólo moveleiro de Votuporanga tornou-se um dos quatro mais importantes do país, junto com Bento Gonçalves (RS), São Bento do Sul (SC) e Apucarana (PR). CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo procurou mapear a distribuição geográfica das instituições que de alguma forma influenciam as atividades das empresas no Estado de São Paulo, caracterizando-as e descrevendo suas funções, particularmente no apoio e suporte para o aprendizado tecnológico e capacitação para inovação. Buscou também mostrar que há uma certa coincidência entre a distribuição geográfica das instituições e a formação de sistemas localizados de produção e inovação no Estado. 98 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 AGLOMERAÇÃO: O PAPEL ... senvolvimento de novas capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas. Porém, essa liderança depende de muitos fatores, nem sempre enraizados localmente, tais como legitimidade política, domínio de códigos comuns de comunicação e ambiente sociocultural propício ao associativismo e à cooperação. Tendo em vista o foco na criação de capacitações científicas, técnicas e inovativas, tentou-se mapear instituições de ensino (superior, tecnológico, técnico e de aprendizagem industrial), laboratórios, centros tecnológicos e de P&D, além de associações de classe e sindicatos patronais que pudessem prestar serviços ao setor produtivo. A escolha dessas instituições justifica-se por serem geradoras de conhecimento científico e tecnológico, formadoras de mão-de-obra e de profissionais qualificados, responsáveis em grande medida pela difusão de novos conhecimentos e tecnologias e pela criação de novas empresas em virtude de spin-offs dos resultados de cursos e pesquisas. Dado que os processos de aprendizado tecnológico e inovativo são condicionados por uma ampla gama de fatores institucionais, organizacionais e socioculturais relativamente imóveis, a presença de instituições regionais de apoio é um elemento importante para o sucesso de sistemas locais de produção e inovação. A existência de instituições de ensino que promovam a formação de recursos humanos qualificados mostrou-se como um dos pré-requisitos essenciais para capacitar as empresas da região para usar novas tecnologias e para inovar. Ou seja, uma vez que os avanços tecnológicos e os processos inovativos mostram-se cada vez mais complexos e arriscados, os recursos humanos qualificados configuram-se como condição sine qua non ao processo contínuo de aprendizado. O artigo também destacou a importância de centros de pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros tecnológicos e de P&D, uma vez que estes são responsáveis pelo desenvolvimento formal de novas tecnologias, novos produtos e processos de maior conteúdo tecnológico e inovativos e pela realização de testes e ensaios com novos materiais, componentes e produtos. A criação de estruturas formais, internas às empresas, para desempenhar essas funções certamente implicaria custos e riscos insuportáveis para a maioria das organizações, sobretudo as de menor porte. Por isso, a interação com essas instituições, facilitada pela proximidade geográfica, revelou-se fundamental para a formação e consolidação de sistemas localizados de produção e inovação, complementando a transmissão de conhecimentos tácitos possibilitada pela mobilidade de trabalhadores e técnicos. Por último, quanto às associações de classe e sindicatos patronais, seu papel ainda é bastante limitado. Mesmo assim, a exemplo do que ocorreu com a indústria de móveis de Votuporanga, sua liderança pode ser decisiva para iniciar e coordenar ações coletivas e promover interações do setor produtivo com instituições locais visando o de- SÃO PAULO E NOTAS Os autores agradecem o apoio do CNPq, por meio do Auxílio Pesquisa n o 478.786/2003-4, e da Fapesp, por meio de bolsas de Iniciação Científica para Antonio Carlos Diegues Jr. (2004) e Ana Paula Munhoz Cerrón (2003-04). Agradecem também os Professores Renato Garcia e João Furtado, ambos do Departamento de Engenharia da Produção da Escola Politécnica/USP, pelo estímulo, pelo apoio e pela ajuda nas pesquisas e no decorrer da elaboração do artigo. 1. Dentre eles destacam-se Saxenian (1994), Feldman (1994; 2001), Audretsch (1998), Audretsch e Feldman (1996) e Breschi e Malerba (2001). 2. Algumas informações foram sistematizadas por municípios, outras por microrregiões. Isso, no entanto, não oferece qualquer dificuldade à comparação, feita adiante, entre os padrões de distribuição geográfica das instituições e dos sistemas localizados de produção e inovação, identificados por microrregião. 3. A partir de 2004, os padrões de avaliação do ensino superior foram reformulados e o Exame Nacional de Cursos foi extinto. Em seu lugar, surgiu o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – Enade, cuja primeira edição ocorreu em novembro de 2004. 4. A discrepância com os dados da Rais, anteriormente citados, devese às diferentes metodologias adotadas na coleta de dados e informações. 5. Disponível em: <http://www.ceeteps.br>. 6. Disponível em: <http://www.cefetsp.br>. 7. Disponível em: <http://www.sp.senai.br>. 8. Disponível em: <http://www.ciesp.com.br>. 9. Disponível em: <http://www.facesp.com.br>. 10. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br>. 11. Disponível em: <http://www.mct.gov.br>. 12. Disponível em: <http://www.normalizacao.cni.org.br>. 13. Disponível em: <http://www.embrapa.br>. 14. Disponível em: <http://www.iac.sp.gov.br>. 15. Disponível em: <http://www.ital.org.br>. 16. Disponível em: <http://www.sp.senai.br/calcados/>. 17. Os referidos bacharelados correspondem aos diversos cursos de engenharia, farmácia-bioquímica, química, biologia e agronomia. 18. Informações diretas da Escola Senai Márcio Bagueira Leal, de Franca, referentes aos cursos oferecidos no segundo semestre de 2005. 19. Em abril de 2005, o Peiex seria oficialmente lançado, mas algumas operações já estavam sendo executadas. 20. Conferir Agência de Inovação da Unicamp, disponível em: <http://www.inova.unicamp.br>. 99 WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR 21. Ou seja, abrangendo não apenas atividades industriais mas também desenvolvimento de software e serviços relacionados. 22. Dentre as principais empresas do pólo de TIC de Campinas destacam-se: IBM, Motorola, Nortel Networks, Ericsson, Solectron, Asga, Celestica, Trópico, além da Fundação CPqD. 23. Disponível revista.asp>. em: <http://www.timaster.com.br/revista/ 24. Criado em 1976 como centro de P&D da extinta Telebrás, o CPqD é atualmente a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações. 25. Segundo a Agência de Inovação da Unicamp, a Unicamp é a universidade que detém o maior número de patentes no país, com 350 pedidos depositados até abril de 2005, além de 40 marcas e 55 softwares (Disponível em: <http://www.inova.unicamp.br>). 26. Ver: <http://www.inova.unicamp/oportunidadeseprojetos/ empresasfilhas.php>. 27. Dados da Rais/MTE (2002). Estimativas locais indicam que, considerando também os empregos informais, a indústria de móveis de Votuporanga gerava, em 2002, cerca de 6 mil empregos. 28. Segundo dados da Rais/MTE (2002) havia um total de 183 empresas fabricantes de móveis na microrregião, considerando as três classes CNAE: 36.110 (móveis de madeira), 36.129 (móveis de metal) e 36.137 (móveis de outros materiais). Levando em conta o número de empregos gerados, pode-se constatar a baixa média de empregos por unidade empresarial. 29. Informações diretas prestadas em 2004 pela Fuvec, entidade mantenedora do Cemad. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUDRETSCH, D.B. Aglomeration and the location of innovative activity. Oxford Review of Economic Policy, v. 14, n. 2, 1998. DIEGUES, A.C.; ROSELINO, J.E.S. Interação, aprendizado tecnológico e inovativo no pólo de TIC da região de Campinas: Uma caracterização com ênfase nas atividades tecnológicas desenvolvidas pelas empresas beneficiárias da Lei de Informática. In: Encontro Nacional de Economia Política, 10. 2005. Disponível em: <http://diegues-jr.sites.uol.com.br/ Diegues_Roselino_2005_-SEP.pdf>. FELDMAN, M.P. The geography of innovation. Dordrecht: Kluwer Academic Press, 1994. ________. An examination of the geography of innovation. Industrial and Corporate Change, v. 2, n. 3, p. 451-470, 1993. SAXENIAN, A. Regional Advantage: culture and competition in Silicon Valley and Route 128. Cambridge: Harvard University Press, 1994. SOUZA, M.C.A.F.; GARCIA, R. O Arranjo Produtivo de Alta Tecnologia da Região de Campinas – Estado de São Paulo – Brasil. Campinas: Unicamp/IE/Neit, 1998. SUZIGAN, W.; FURTADO, J.; GARCIA, R.; SAMPAIO, S.E.K. Sistemas locais de produção: mapeamento, tipologia e sugestões de políticas. Revista de Economia Política, v. 24, n. 4, p. 543562, 2004. SUZIGAN, W. (Coord.).; FURTADO, J.; GARCIA, R.; SAMPAIO, S.E.K. A dimensão regional das atividades de C,T&I. In: Indicadores de C,T&I em São Paulo – 2003. São Paulo: Fapesp, 2005. cap. 9. SUZIGAN, W. (Coord.).; FURTADO, J.; GARCIA, R.; ROSELINO JR., J.E.S. Inovação e difusão tecnológica em sistemas produtivos locais: evidências e sugestões de políticas. Relatório de Pesquisa (“Perspectivas de Reestruturação das Políticas de Financiamento do Desenvolvimento Tecnológico no Brasil” – Convênio Finep/Fundap n. 64-00-0284-00). Campinas, ago. 2001. TRULLÉN, J.; LLADÓS, J.; BOIX, R. Economia del conocimiento, ciudad y competitividad. In: ENCUENTRO DE ECONOMIA APLICADA, 5, Oviedo, 6-8 jun. 2002. AUDRETSCH, D.B.; FELDMANN, M.P. R&D spillovers and the geography of innovation and production. American Economic Review, v. 86, n. 3, p. 630-640, 1996. BELUSSI, F.; GOTTARDI, G. Evolutionary patterns of local industrial systems – Towards a cognitive approach to the industrial district. Aldershot Ashgate Publishing Ltd, 2000. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Rais 2002 – Relação Anual de Informações Sociais do MTE. BRESCHI, S.; MALERBA F. The geography of innovation and economic clustering: some introductory notes. Industrial and Corporate Change, v. 10, n. 4, p. 817-833, dez. 2001. DIEGUES, A.C. Um estudo das atividades de software desenvolvidas no pólo de Tecnologia de Informação e Comunicação da região de Campinas. Relatório Final de Iniciação Científica (Fapesp – Processo 03/07816-4). Disponível em: <http://diegues-jr.sites.uol.com.br/ Software_TIC_Campinas_BRAZIL.pdf>. WILSON SUZIGAN: Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica – Instituto de Geociências/Unicamp e Editor da Revista Brasileira de Inovação ([email protected]). ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN: Economista pelo IE/Unicamp. ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR: Economista pelo IE/Unicamp. Artigo recebido em 27 de abril de 2005. Aprovado em 13 de maio de 2005. 100 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA da ciência e tecnologia aos impactos da inovação JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA IZAIAS DE CARVALHO BORGES ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN Resumo: O texto mostra a evolução recente da biotecnologia agrícola, sua situação no Brasil atual, e faz um balanço de seus impactos econômicos e sociais. Chama atenção para o fato de esta tecnologia ter passado rapidamente do estágio de ciência para o de inovação, com impactos significativos na economia nacional. Palavras-chave: Biotecnologia agrícola. Impactos econômicos. Transgênicos. Abstract: The paper show the recent agriculture biotechnology evolution, the brazilian situation and does a balance of the economics and socials impacts. The paper call attention to the fact of that technology to be quickly changing from the science’s level to the innovation one, with significant impacts in the national economy. Key words: Agricultural biotechnology. Economic impacts. Transgenic. C om a descoberta da tecnologia do DNA recombinante, a emergência da biotecnologia moderna nos anos 70 significou uma mudança radical no padrão tecnológico e organizacional de todos os setores que direta ou indiretamente estão ligados às “ciências da vida”. A agricultura – e toda a cadeia produtiva da agroindústria – está entre os setores que mais impactos vem sofrendo com a descoberta dessa nova tecnologia. Primeiramente, a biotecnologia moderna causou mudanças radicais na estrutura do mercado da indústria de fertilizantes e de sementes e, conseqüentemente, a indústria de insumos sofreu impactos. Depois, a partir de 1996, ela passou a ser introduzida na agricultura, por meio de sementes geneticamente modificadas. Finalmente, ela também começa a causar impacto na indústria de processamento, com a necessidade de rotulagem e SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 rastreamento dos produtos derivados de cultivos geneticamente modificados. Este artigo visa mostrar a evolução do crescimento da produção de cultivos geneticamente modificados e seus principais impactos econômicos, a partir de 1996. Na primeira parte faz uma breve descrição da biotecnologia agrícola moderna, suas principais aplicações, sua difusão, principais produtos e produtores. Em seguida, apresenta uma análise da biotecnologia no Brasil, país com grande peso no comércio mundial de commodities, com boa infraestrutura científica e tecnológica, mas com sérios obstáculos institucionais que o impedem de ter grande inserção no comércio mundial de cultivos geneticamente modificados. E, finalmente, analisa os principais estudos de impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura, para os três grupos 101 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN de commodities com maior proporção de variedades geneticamente modificadas: soja, algodão e milho. Os impactos são estudados sobre três variáveis: custo de produção, produtividade e inserção no mercado. Entre 1987 e 2000 foram realizados mais de 11.000 ensaios de campo em 45 países, com mais de 81 cultivos GM diferentes. As culturas mais freqüentemente testadas foram milho, tomate, soja, canola, batata e algodão, e as características genéticas introduzidas foram tolerância a herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e resistência a vírus (BORÉM; SANTOS, 2001). A utilização de cultivos GM para fins comerciais e em grande escala iniciou-se em 1996, nos Estados Unidos, com a introdução da soja RR. Como mostra o Gráfico 1, entre 1996 e 2003, a área plantada com cultivos GM cresceu de 2,8 milhões para 67,7 milhões de hectares. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA A biotecnologia pode ser definida como um conjunto de técnicas de manipulação de seres vivos ou parte destes para fins econômicos. Esse conceito amplo inclui técnicas que são utilizadas em grande escala na agricultura desde o início do século XX, como a cultura de tecidos, a fixação biológica de nitrogênio e o controle biológico de pragas. Mas o conceito inclui também técnicas modernas de modificação direta do DNA de uma planta ou de um organismo vivo qualquer, de forma a alterar precisamente as características desse organismo ou introduzir novas. A técnica de transferência e modificação genética direta, conhecida como engenharia genética ou tecnologia do DNA recombinante, mais a genômica, ficaram conhecidas como “biotecnologia moderna”, em contraposição à “biotecnologia tradicional ou clássica”, que inclui as técnicas tradicionais, que manipulam seres vivos sem manipulação genética direta. Portanto, o surgimento da biotecnologia moderna marca o início de um novo estágio para a agricultura e reserva um papel de destaque à genética molecular. Os avanços no campo da genética vegetal têm como efeito reduzir a dependência excessiva da agricultura das inovações mecânicas e químicas, que foram os pilares da revolução verde. Além do aumento da produtividade, a biotecnologia moderna pode contribuir para a redução dos custos de produção, para a produção de alimentos com melhor qualidade e para a o desenvolvimento de práticas menos agressivas ao meio ambiente. Assim, a principal contribuição da biotecnologia moderna à agricultura é a possibilidade de criar novas espécies a partir da transferência de genes entre duas outras distintas. Essa transferência visa ao desenvolvimento de uma planta com um atributo de interesse econômico, como é o caso das plantas resistentes a vírus ou a pragas. Os primeiros experimentos com cultivos geneticamente modificados (GM) foram feitos em 1986, nos Estados Unidos e na França. A primeira variedade comercializada de uma espécie vegetal produzida pela engenharia genética foi o “tomate FlavrSavr”, desenvolvido pela empresa americana Calgene e comercializada a partir de 1994 (BORÉM; SANTOS, 2001). GRÁFICO 1 Expansão Mundial da Produção de Cultivos GM 1996-03 Área plantada em milhões de hectares 80 67,7 70 58,7 60 52,6 50 44,2 39,9 40 27,8 30 20 10 12,8 2,8 Anos 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Fonte: James (2004). Quanto aos atributos dos cultivos GM, há uma concentração nos cultivos tolerantes a herbicidas e nos resistentes a insetos. Em 2003, da área total com cultivos GM, 73% referiam-se a variedades tolerantes a herbicidas, 18% a variedades resistentes a insetos e 9% apresentavam as duas funções (JAMES, 2004). Quanto aos produtos, a produção de cultivos GM está concentrada em quatro grupos de commodities de grande valor do comércio mundial: soja, milho, algodão e canola. Como mostra o Gráfico 2, a soja é o principal produto, pois responde por cerca de 60% da área mundial plantada com cultivos GM. Quanto à taxa de difusão (relação entre a produção de cultivos GM e os cultivos convencionais), a soja também se destaca dos demais, pois sua taxa de adoção em 2003 foi de cerca de 55% em relação a produção mundial, como mostra o Gráfico 3. Nos Estados Unidos e na Argentina (primeiro e terceiro maiores produtores mundiais), essa taxa atinge 85% e 99%, respectivamente. 102 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... GRÁFICO 2 Distribuição dos Cultivos GM, por Produtos 1996-03 Em % da área plantada 100 0,06 0,09 0,11 90 0,06 0,09 0,09 0,09 0,13 0,30 0,28 0,23 0,52 0,54 1998 1999 0,05 0,05 0,05 0,13 0,12 0,11 0,19 0,21 0,23 0,63 0,62 0,61 2001 2002 2003 0,13 80 0,47 70 0,29 60 50 40 0,18 30 0,46 0,58 20 0,29 10 0 Anos 1996 1997 Soja 2000 Milho Algodão Canola Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos). Como já foi mencionado antes, a difusão dos GM tem sido acelerada. Entre 1996 e 2003, a taxa de crescimento geométrico anual da área plantada com cultivos transgênicos foi de 46,42%. Apesar da grande participação dos Estados Unidos, a Tabela 1 mostra que a difusão ocorreu também nos países em desenvolvimento, com destaque para a Argentina, que apresentou no mesmo período uma taxa de crescimento geométrico anual de 80%. Atualmente, os cultivos GM estão presentes em 18 países, os quais têm grande peso na economia regional e mundial. Os dez principais produtores de cultivos GM em 2003 tinham população de aproximadamente 3 bilhões de pessoas e PIB de US$ 13 trilhões, quase a metade dos US$ 30 trilhões do PIB mundial. Afora os Estados Unidos, estão entre os países produtores de cultivos GM: os três países mais populosos da Ásia (China, Índia e Indonésia) as três maiores economias da América Latina (Brasil, México e Argentina) e a principal economia africana (África do Sul). Além do peso nas economias regionais, os países produtores de cultivos GM destacam-se também no comércio mundial de commodities. Como mostra a Tabela 2, os maiores produtores mundiais de soja, milho e algodão já adotaram cultivos GM. A dimensão da difusão geográfica dos cultivos GM fica mais evidente quando são analisados os principais produtos disponíveis e aprovados para comercialização. 1 Como a produção de soja, milho e algodão é concentrada em poucos países, é natural que a quantidade de países que produzem as variedades GM não seja muito maior. A soja, por exemplo, tem 93% da produção mundial cultivada em apenas cinco países. No caso do milho e do algodão, a concentração é um pouco menor, mas ainda assim é muito elevada: os cinco maiores produtores representam GRÁFICO 3 Taxa de Adoção de Cultivos GM, por Produtos 2003 Área de Transgênicos 160 Área de Não-Transgênicos Em milhões de hectares 140 120 100 80 60 124,5 34,6 40 20 41,4 26,8 18,4 3,6 7,2 0 15,5 Soja Algodão Canola Milho (55% ) (21% ) (16% ) (11% ) Fonte: James (2004). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 103 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN TABELA 1 Expansão da Área Plantada com Cultivos Transgênicos 1996-03 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Taxa de Crescimento Geométrico Anual 2003 (%) Total 2,8 12,8 27,8 39,9 44,2 52,6 58,7 67,7 46,4 Países Desenvolvidos 1,6 9,5 23,4 32,8 33,5 39,1 42,7 47,3 47,7 Estados Unidos 1,5 8,1 20,5 28,7 30,3 35,7 39 42,8 48,7 Áreas com Cultivos Transgênicos Em milhões de hectares Países em Desenvolvimento 1,2 3,3 4,4 7,1 10,7 13,5 16 20,4 45,5 Argentina 0,1 1,4 4,3 6,7 10 11,8 13,5 13,9 80,0 Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos). TABELA 2 71% da produção mundial. Assim, o importante é salientar que, como mostra a Tabela 2, dentre os maiores produtores mundiais dessas commodities, todos já produzem ou fazem experimentos de campo com cultivos GM. A existência de restrições ao comércio de produtos GM em diversos países, especialmente na União Européia, não impediu seu vigoroso crescimento no mercado mundial. Entre 2002 e 2003, o valor comercializado com GM aumentou de US$ 4 bilhões para algo estimado entre US$ 4,5 bilhões e US$ 4,75 bilhões. Em 2002, a participação mundial desse tipo de cultivo já era de 15% dos US$ 31 bilhões do mercado global de proteção de plantas e 13% dos US$ 30 bilhões do mercado de sementes. Entretanto, esse valor de mercado baseia-se apenas no preço das sementes acrescido das taxas de tecnologias aplicáveis (JAMES, 2004). Se for considerado também o volume de comércio das três principais commodities com cultivos GM, o valor do mercado mundial é bem maior do que os US$ 4,5 bilhões. A Tabela 3 apresenta um valor subestimado do volume de produção e de exportação mundial de cultivos GM em 2003. Esses valores estão subestimados porque não incluem a produção de canola e porque não é possível mensurar corretamente a produção em países como o Brasil devido à vasta produção clandestina. Tomando como base os dados sobre as taxas de adoção apresentados por James (2004) estima-se que a produção total de cultivos GM dos três principais produtos foi de aproximadamente US$ 30 bilhões em 2003 (Tabela 3). Já as exportações de cultivos GM de soja, algodão e milho em 2003, foi de aproximadamente US$ 8,3 bilhões. A soja é o principal produto GM em termos de volume de exportações, representando 90% das exportações de cultivos GM em 2003. Participação na Produção Total dos Cinco Principais Produtores Mundiais de Soja, Milho e Algodão Países Selecionados – 2003 Produtos / Países Participação na Produção Mundial (%) Adoção de Cultivos GM Soja (em grãos) Total 93,0 Estados Unidos 35,0 Sim (85%) Brasil 27,0 Sim (10-20%) Argentina 18,0 Sim (99%) China 9,0 Não Índia 4,0 Não Milho Total 71,0 Estados Unidos 40,0 Sim (30%) China 18,0 Não Brasil 7,0 Não México 3,0 Sim (1) Argentina 2,0 Sim (1) Algodão (em plumas) Total 71,0 China 26,0 Sim (58%) Estados Unidos 20,0 Sim (37%) Índia 12,0 Sim (1) Paquistão 9,0 Sim (1) Brasil 4,0 Não Fonte: FNP-Agrianual (2004) e James (2004). (1) Sem informação exata sobre a taxa de adoção. 104 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA TABELA 3 Produção Total Algodão Milho 196 41.885 19 890 599 57.264 55,0 21,0 11,0 Produção de Transgênicos Em milhões de toneladas 108 Em milhões de US$ (1) 23.037 4 187 66 6.299 178 29.523 Exportação Em milhões de toneladas Em milhões de US$ (1) 63 13.463 6,6 309 76 7.265 146 21.037 55,0 21,0 11,0 Exportação de Transgênicos Em milhões de toneladas 35 Em milhões de US$ (1) 7.405 1 65 8 799 Produção Total Em milhões de toneladas Em milhões de US$ (1) Taxa de Adoção de Transgênicos (%) Taxa de Adoção de Transgênicos (%) Soja 814 100.039 44 8.269 Fonte: James (2004); FNP (2004). (1) Calculado com base no preço de primeira entrega em Chicago. BIOTECNOLOGIA AGRÍCOLA NO BRASIL O Brasil é um país com grande potencial para o desenvolvimento da biotecnologia agrícola. Em primeiro lugar, é um país detentor de grande diversidade biológica e o mais rico em plantas, animais e microorganismos, com cerca de 20 % do total existente. No caso de plantas superiores, o Brasil possui cerca de 55 mil espécies, o equivalente a 21% do total classificado em todo o mundo. Essa elevada concentração de biodiversidade mostra que existe um elevado número de genes tropicais e de genomas funcionais (VALOIS, 2001). Em segundo lugar, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil é considerado um Super NARS. Ou seja, é um país que possui um forte sistema nacional de pesquisa agrícola (TRAXLER, 2000). O Brasil é o único país tropical considerado um grande player no cenário agrícola mundial. Essa posição foi conquistada com muitos anos de pes- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... quisa científica voltada para um melhor aproveitamento das suas vantagens naturais: clima tropical e subtropical, cerrados (que permitem rápida expansão da área cultivada e aumento rápido da produtividade) e germoplasma selecionado e adaptado de grande variabilidade (obrigação frente à grande variabilidade ambiental). A pesquisa científica contribuiu não apenas para o aumento da produtividade, mas também para a melhora na qualidade dos produtos e para o aumento da diversificação da produção. A produção de soja na região Centro-Oeste e a de frutas na região Nordeste são exemplos da contribuição da pesquisa para a diversificação. No caso da biotecnologia, o Brasil possui uma ampla rede de pesquisa, que tem a liderança do setor público, mas conta também com a participação de empresas privadas. Nas pesquisas genômicas, por exemplo, diversas etapas foram realizadas com a ajuda do setor privado. Atualmente existem no Brasil diversos grupos em instituições públicas e universidades que estão desenvolvendo pesquisas com transgenia e genômica. Em 2000 havia 6.616 pesquisadores trabalhando com biotecnologia no país, distribuídos em 1.718 grupos e 3.814 linhas de pesquisas. As ciências agrárias lideravam os grupos, com 1.075 linhas de pesquisa. Grande parte dessa pesquisa estava concentrada em instituições públicas, mas, nos últimos anos, vem crescendo a participação das empresas privadas (SALLES FILHO, 2000). Como mostra o Quadro 1, as pesquisas com transgenia no país têm a liderança da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa e de algumas universidades públicas. As pesquisas são direcionadas não apenas ao desenvolvimento de transgênicos com “propriedades agronômicas” (como resistência a pragas e tolerância a agrotóxicos), mas também com modificações na qualidade de produto, como é o caso da pesquisa para o desenvolvimento de um eucalipto com maior produção de celulose. Outra área de destaque no Brasil é a da genômica. As pesquisas genômicas tiveram início em maio de 1997, com a iniciativa da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp em organizar a Rede ONSA (do inglês, Organização para o Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), que é um instituto virtual de genômica formado inicialmente por 30 laboratórios de diversas instituições de pesquisa do Estado de São Paulo. Além da Fapesp, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq estão financiando diversos projetos genomas no país. Em dezembro de 2000, eles lançaram o Projeto Genoma Brasilei- Volume Estimado da Produção e da Exportação Mundial de Cultivos GM, por Produtos 2003 Volume da Produção e Exportação E 105 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN QUADRO 1 Pesquisas da Embrapa para o Desenvolvimento de Plantas Geneticamente Modificadas Produtos • • • • • • • • • • • Instituição Plantas que produzem hormônios Mamão resistente ao vírus da manda anelar Feijão tolerante ao vírus do mosaico dourado Soja tolerante à herbicida Milho com alto teor de metionina Milho e Sorgo resistente à alumínio Batata resistente a vírus Arroz resistente a insetos Laranja resistente a vírus Maracujá resistente a doenças Eucalipto com maior produção de celulose Embrapa/Unicamp Embrapa Embrapa Embrapa Embrapa Embrapa Embrapa Universidade Federal do Rio de Janeiro Allelyx Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq Fonte: Embrapa (2004); CIB (2004). ro com a participação de 25 laboratórios de biologia molecular, distribuídos em todas as regiões geográficas do país (DAL POZ et al., 2004). Há financiamento para diversos estudos genômicos no campo da saúde humana,2 mas grande parte deles está voltada para a resolução de problemas da agricultura. O Quadro 2 mostra, de forma resumida, os principais estudos genômicos de plantas e de outros organismos de interesse para agricultura desenvolvidos nos últimos anos. Afora esses, iniciou-se em 2002, com financiamento da Fapesp, o estudo do genoma funcional do boi, que poderá ter grande impacto na pecuária brasileira. Além do setor público, a rede de pesquisa e inovação no Brasil conta com a participação ativa do setor privado. Um estudo realizado em 2001 pela Fundação Biominas, com base em dados da Base de Dados Tropicais (BDT) e da Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia (Abrabi), identificou a existência de 304 empresas de biotecnologia no país, distribuídas em 10 segmentos de mercado, dentre as quais, 37 atuam em agronegócios (JUDICE, 2004). Uma parte considerável das empresas de biotecnologia no mercado de agronegócios produz e comercializa sementes melhoradas e conta com a participação das grandes empresas multinacionais, como Monsanto e Dupont. Mas também existem empresas que atuam em outros segmentos, como a produção de mudas e matrizes e a produção de inoculantes e de controle biológico (FONSECA et al., 2004). Entretanto, apesar de existir uma forte rede de pesquisas e desenvolvimento e de o país ser um grande produtor e exportador agrícola, a difusão de organismos geneticamente modificados na agricultura é muito inferior à realizada nos outros competidores no comércio internacional, como os Estados Unidos e Argentina. Em 2003, a produção de transgênicos no Brasil representava apenas 4% da produção mundial. Além disso, a soja RR era o único produto transgênico produzido no país, embora este também fosse produtor de milho e algodão (JAMES, 2004). A dificuldade para criar um quadro regulatório estável e coerente nos últimos oito anos foi a principal causa para o atraso do Brasil em relação aos seus concorrentes. Apesar do Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995, que regulamentou a Lei de Biossegurança e conferiu a CTNBio o poder de emitir pareceres conclusivos, uma ação judicial movida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace impede a produção e a comercialização desses produtos desde 1998. Entretanto, essa situação não impediu a difusão clandestina da soja transgênica no país, principalmente no estado do Rio Grande do Sul. O grande volume de colheita transgênica nesse estado forçou o governo federal a emitir, em 2003, uma medida provisória que liberava essa colheita. Em 2004, a área cultivada com soja transgênica no Brasil foi de 5.610 milhões de hectares – o equivalente a quase um terço da área cultivada com soja convencional. Mas, considerando-se as vantagens da soja transgênica para os produtores e um possível avanço no quadro regulatório da biossegurança, as projeções são de aumento da participação da soja transgênica na produção brasileira. Assim, a aprovação e sanção recente de uma Lei de Biossegurança criaram grandes expectativas em diversos setores envolvidos com alguma atividade no campo da biotecnologia: instituições públicas de pesquisa, universidades, empresas privadas nacionais e estrangeiras e fundos de investimento ao capital de risco. 106 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... QUADRO 2 Estudos Genômicos no Brasil: Plantas, Fitopatógenos e Microorganismos de Interesse para a Agricultura Projeto • • • • • • • • • • • Instituição Xylella fastidiosa Genoma Cana Programa Genoma do Estado do Paraná Programa Genoma do Estado do Rio de Janeiro Rede Genômica no Estado da Bahia Genoma da Laranja Genoma Xanthomonas Projeto Forests Genoma da Banana Leifsonia xyli Genoma do Café Fapesp e Fundecitrus Fapesp e Canavialis Universidade Federal do Paraná/MCT/CNPq Universidade Federal do Rio de Janeiro/MCT/CNPq Universidade Estadual de Campinas/MCT/CNPq Alellyx Fapesp Fapesp Embrapa Fapesp Embrapa Fonte: Dal Poz et al. (2004). OS IMPACTOS ECONÔMICOS DOS CULTIVOS GENETICAMENTE MODIFICADOS Segundo Bonny (2003), uma das principais vantagens da soja RR é a simplificação do trabalho de remover as ervas daninhas. Na soja convencional, os produtores precisam fazer diversas aplicações de herbicidas e mesmo assim muitas são de difícil controle. Assim, a soja RR facilita a gerência da erva daninha, simplifica o uso de herbicidas e reduz o risco e falta de controle sobre as pragas. Além dessas vantagens, alguns autores também relatam impactos significativos sobre os custos de produção e produtividade. Segundo Hubbell e Welsh (1998), em 1996, nos Estados Unidos, a adoção da soja RR provocou uma redução de custos por hectare entre US$ 17 e US$ 30 no país como um todo. Moschini et al. (2000) estimou um ganho de custo de US$ 20 por hectare. Em alguns estados, a diferença de custos entre a soja RR e a tradicional foi insignificante, como é o caso do Estado de Iowa (DUFFY, 2001). Em outros, a diferença de custos chegou a US$ 40 ou mais (GIANESSI et al., 2002). Na Argentina, os principais benefícios da soja RR para os produtores foram a redução dos custos de produção e a expansão da área plantada. De acordo com Trigo et al. (2003), a grande vantagem da soja RR foi a redução do custo variável, principalmente a redução dos gastos com herbicidas, máquinas e mão-de-obra. A redução dos custos desses três fatores foi mais que suficiente para compensar o aumento do custo com sementes. Segundo Trigo et al. (2003), a soja transgênica não só causou impacto sobre os custos de produção, como também sobre o rendimento e os volumes de produção e comércio. Na Argentina, a soja RR contribuiu para o aumento da área com plantio direto e, conseqüentemente, para o aumento da área plantada. Entre 1996 e 2003, a área plantada com soja aumentou de 6,4 milhões para 12,8 milhões de Neste item será feita uma análise dos impactos econômicos da difusão da biotecnologia moderna na agricultura. A principal questão é saber se o uso da nova tecnologia aumenta a competitividade do produtor agrícola perante seus concorrentes. Para isso, serão analisados os impactos sobre o nível de custos de produção e de produtividade e a inserção dos cultivos GM no mercado. A literatura sobre os impactos dos cultivos GM ainda é muito escassa. Grande parte dos estudos está concentrada nos impactos sobre custos e produtividade na produção de soja RR nos Estados Unidos e na Argentina, de algodão Bt na China e de milho Bt na Espanha e nos Estados Unidos. Impactos Econômicos Diretos: Custos e Produtividade A seguir, serão mostrados os principais impactos econômicos dos cultivos GM comercializados atualmente no mundo, segundo seus atributos: tolerância a herbicida e resistência a insetos. Cultivos Tolerantes a Herbicidas – A soja RR é o principal produto do grupo dos cultivos GM tolerantes a herbicidas. Foi desenvolvida com a introdução do gene da bactéria Agrobacterium tumefaciens em seu DNA. Essa bactéria vive naturalmente no solo e é resistente ao glifosato – um herbicida de amplo espectro. Assim, a soja que recebe o gene dessa bactéria também torna-se resistente. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 107 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN comercialmente em outros seis países: Argentina, China, Colômbia, Índia, Indonésia e África do Sul (JAMES, 2004). O algodão Bt é muito eficiente para combater pragas de lagartas, como a rosada do algodoeiro (Pectinophora gossypiella), e a cápsula do algodoeiro (Helicoverpa zea) e é parcialmente eficiente contra a lagarta do broto do tabaco (Heliothis virescens) e a lagarta negra (Spodoptera frugiperda). Essas pragas prejudicam a produção em diversas zonas produtoras de algodão, mas existem outras que não são combatidas pelo Bt e que continuam necessitando do uso de praguicidas químicos. Como conseqüência, os efeitos do algodão Bt nas diversas regiões produtoras serão diferentes, dependendo da intensidade de incidências de pragas suscetíveis ao Bt. A produção de algodão convencional depende decisivamente dos inseticidas químicos para combater os insetos. Segundo o Relatório da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), a produção de algodão consome cerca de 25% de todos os praguicidas agrícolas utilizados em todo o mundo. Na China – que é o maior produtor de algodão do mundo – até 1998, cerca de 20% do custo total da produção de algodão era com inseticidas (HUANG et al., 2003). Os resultados mais evidentes do uso do algodão Bt são a redução dos custos, o aumento do rendimento e da produtividade. A Tabela 4 apresenta um resumo de estudos dos impactos do algodão Bt nos diversos países produtores. Os dados mostram que em todos os países houve redução de custos e incrementos de produtividade, com o seguinte padrão geral: os ganhos de produtividade foram significativos na Ásia (China e Índia) e na África do Sul, hectares. Como essa expansão ocorreu através da combinação de plantio direto-soja de segunda, não houve a substituição de outros cultivos (TRIGO et al., 2003). A introdução da soja GM na Argentina apresentou ainda dois outros resultados: aumento do rendimento e das exportações. Entre 1996 e 2003, o rendimento na produção de soja na Argentina aumentou cerca de uma tonelada por hectare: passou de 1.720 kg/ha para 2.764 kg/ha. Já a exportação, somando a de grãos e a de derivados (farelos e óleo), mais do que triplicou em sete anos (TRIGO et al., 2003). O aumento da produção de soja na Argentina nesse período objetivou essencialmente o mercado externo. Em 2003, 97% da produção de farelo e 99,5% de óleo foram exportadas. No mesmo ano, esses dois produtos argentinos representaram, respectivamente, 41,3% e 47,9% das exportações mundiais (FNP, 2004). Cultivos Resistentes a Insetos – A principal vantagem econômica dos cultivos GM resistentes a insetos é a redução dos gastos com inseticidas, implicando uma redução no custo variável de produção. Assim, as vantagens de utilizar a variedade GM dependerão da participação dos gastos com inseticidas na planilha de custos do produtor. Quanto maior for a incidência de pragas, maiores serão as vantagens da variedade GM. Os dois principais produtos resistentes a insetos comercializados atualmente são o algodão Bt e o milho Bt. O algodão Bt contém um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), resistentes a pragas de insetos e foi cultivado pela primeira vez em 1996, na Austrália, México e nos Estados Unidos. Posteriormente foi introduzido TABELA 4 Impactos da Adoção de Algodão Bt nas Principais Regiões Produtoras 1999-2001 Países/Regiões Participação na Produção Mundial (Em %) Variações no Custo dos Insumos e do Rendimetno após a Introdução do Algodão Bt (Em %) Inseticidas Austrália China Índia EUA Canadá América Latina África do Sul África Central e Ocidental 4,3 15,1 16 15,5 2,7 7,5 1,3 5,1 -80 -82 -49 -80 -77 -46 -25 -25 Sementes 80 220 386 80 166 166 110 110 Mão-de-Obra Rendimento -2 -9,5 34 -2 -15 17 -8 -8 0 15 58 0 8,5 33 18 18 Taxa de Variação na Adoção do Produtividade Algodão BT Induzida pelo (Em %) Algodão Bt 25 58 25 37 30 5 40 25 3,24 7,65 10,2 1,74 1,49 1,85 8,21 5,29 Fonte: Elbehri; Macdonald (2005). 108 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... Os estudos com o milho Bt mostram resultados muito parecidos com os do algodão. A utilização do milho Bt também causou impactos positivos sobre a produtividade, sobre o lucro e sobre os custos de produção. Mas a amplitude desses impactos variou em função da incidência de pragas em cada região (BROOKES, 2003). Como no caso do algodão, a redução nos custos da produção de milho convencional também está diretamente relacionada com a intensidade em que é aplicado inseticida. O estudo de Brookes (2003) comparou os custos das duas principais regiões produtoras de milho na Espanha – Sarinena e Barbastro. Na região de Sarinena, onde o uso de inseticidas era intenso, a redução do custo total de produção foi de 23,5% em média; mas, em alguns casos, chegou a 83,5%. Já na região de Barbastro, onde o uso de inseticidas era muito reduzido, a adoção do milho Bt causou um aumento de 18,5% no custo total de produção, porque os custos mais elevados com sementes não foram compensados com a redução dos custos com inseticidas. Além dos impactos sobre o custo, a utilização do milho Bt está permitindo um maior aproveitamento da safra para a produção de alimento humano e animal. Uma pesquisa recente em 107 unidades produtivas, mostrou que os níveis de fumonisinas (toxinas) encontradas nos grãos de milho Bt foram menores do que nas variedades convencionais. Por isso, a produção de milho Bt aumenta a porcentagem de grãos de milho que podem ser utilizados para consumo humano e rações (HAMMOND et al., 2004). mas foram pequenos nos Estados Unidos. Em compensação, a redução dos custos com inseticidas foi maior nesse país do que nos demais, com exceção da China. A Índia, que teve o maior aumento da produtividade, também apresentou maior aumento no custo com sementes. As diferenças entre os impactos sobre os custos, mostradas na Tabela 4, explicam-se pelas diferenças climáticas, que afetam a incidência de pragas. Nas regiões onde o uso de inseticidas é muito intenso, o algodão Bt é mais competitivo do que o tradicional – mesmo com o aumento do custo da semente – pois a redução nos gastos com inseticidas é muito grande (considerando que a participação destes na planilha de custos é muito maior do que a participação da semente). Nos Estados Unidos, por exemplo, em apenas dois estados – Louisiana e Tennessee – não houve aumento da produtividade com a utilização do algodão Bt. As diferenças regionais dos impactos estão relacionadas com a incidência de pragas. Eles são mais elevados nas regiões que têm maior incidência e que, portanto, utilizam grandes quantidades de inseticidas (MARRA et al., 2002). O país que mais se beneficiou da queda no custo de produção foi a China. Entre 1999 e 2001, os gastos com inseticidas tiveram uma redução de 80%. Um estudo realizado com 482 unidades produtivas de algodão – 337 produtores de algodão GM e 45 de algodão convencional – mostrou que, em média, o número de aplicações de inseticidas por hectare nas unidades que produzem algodão Bt é um terço das demais. A quantidade (kg/ha) e o custo (em US$/ha) nas unidades produtoras de Bt é um sexto do das demais unidades (HUANG et al., 2003). Além da redução dos gastos com inseticidas, o algodão Bt trouxe outras vantagens para os produtores. Normalmente a utilização de inseticidas químicos está relacionada com um inconveniente: as pragas desenvolvem resistências, o que, na ausência de outro produto eficiente, inviabiliza a produção. Mas, no caso da tecnologia Bt, a ação contra as pragas estão sempre presentes na planta. Considerando que os agricultores aplicam os inseticidas químicos somente depois de detectar a presença das pragas e seus estragos, a tecnologia Bt impede a perda parcial da lavoura. Além disso, a eficiência dos inseticidas químicos, ao contrário do Bt, depende também das condições metereológicas, já que a chuva pode impedir a ação dos produtos jogados sobre as plantas. Por fim, o algodão Bt oferece aos agricultores mais certeza de combate às pragas, já que é eficiente contra os insetos que têm criado resistência aos inseticidas químicos disponíveis (HUANG et al., 2003). SÃO PAULO E A Inserção no Mercado Para a difusão de um novo produto não bastam custos de produção mais baixos ou rendimentos mais elevados: é necessário, também, que esse produto seja aceito pelo mercado consumidor. No caso dos cultivos GM, a aceitação do mercado está relacionada não apenas com a preferência do consumidor, mas também com as regulamentações existentes nos países compradores. Os Estados Unidos, como grande produtor e grande exportador de produtos agrícolas, adotam o “princípio da equivalência substancial”, que considera o cultivo GM equivalente ao convencional. Já a União Européia, grande importadora de produtos agrícolas, adotou o “princípio da precaução”, que considera o cultivo GM diferente do convencional, portanto, a Europa acredita que o cultivo e o consumo de produtos GM podem causar problemas ainda desconhecidos sobre o meio ambiente e a saúde humana e animal. 109 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN O aumento dos custos de produção não está relacionado com o aumento dos custos de sementes, mas sim com o aumento dos custos fixos – principalmente o custo da terra. Os custos fixos nos Estados Unidos, em 2000, eram 75% maiores do que no Brasil e 50% maiores do que na Argentina (WILKINSON, 2002). Já a queda na produtividade é devida a eventos climáticos e não ao uso da semente GM. Só em 2003, os Estados Unidos perderam cerca de 13 milhões de toneladas de soja em relação a sua estimativa inicial, que era de 80 milhões de toneladas (PEREIRA, 2004). Do mesmo modo, o aumento da produtividade no Brasil também não está relacionado com a baixa taxa de adoção de soja GM, porque esse aumento na produção nacional é devido principalmente ao aumento da produtividade no Rio Grande do Sul, estado com maior taxa de adoção de soja GM no Brasil (PEREIRA, 2004). Quanto à suposta dificuldade de exportar a soja GM, os dados das Tabelas 5 e 6 mostram que não foi somente o Brasil que aumentou sua participação, mas também a Argentina – que tem uma taxa de adoção de soja GM de quase 100% (TRIGO et al., 2003). Esse aumento das exporta- Essa divergência entre os países que cultivam produtos GM – sobretudo Estados Unidos e Argentina – e a União Européia tem servido de argumento para os defensores da tese “Brasil livre de transgênicos”. Segundo estes, as supostas barreiras aos produtos GM colocadas pela Europa cria um mercado para os produtos convencionais. Assim, o Brasil, livre de transgênicos, poderia ser o grande fornecedor para esses mercados. Entretanto, a evolução recente do mercado de produtos GM mostra que essa tese não se sustenta. No caso do mercado de soja, por exemplo, a evolução recente não indica nenhuma vantagem da soja convencional em relação à soja GM. Nos últimos dez anos ocorreram duas modificações na estrutura do mercado mundial de soja: uma, do lado da demanda; e outra, do lado da oferta. Primeiro, houve um aumento significativo de participação da Ásia – sobretudo da China – nas importações mundiais. Pelo lado da oferta, houve um aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais. Entre os críticos da adoção de transgênicos no Brasil, há uma tendência em interpretar esse aumento espetacular das exportações brasileiras como uma sinalização inequívoca de que o mercado consumidor dá preferência à soja tradicional. Entretanto, existem outros dados que dificultam essa interpretação de que a “preferência por soja convencional” explica isoladamente o aumento das exportações brasileiras. Há outras variáveis que devem ser consideradas, dentre as quais destacam-se: - o desempenho comercial da Argentina; TABELA 5 Evolução das Exportações de Soja em Grão dos Três Maiores Produtores Mundiais Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-02 Em mil toneladas - o aumento dos custos de produção da soja nos EUA; - as mudanças na estrutura da demanda mundial; - o desempenho comercial do Rio Grande do Sul; - a evolução do preço da soja convencional. As Tabelas 5 e 6 mostram a evolução das exportações mundiais de soja entre 1993 e 2002. O que se observa é uma mudança significativa nesse período, com uma queda da participação dos Estados Unidos e um aumento da participação do Brasil e da Argentina. Mesmo com um aumento absoluto de cerca de oito milhões de toneladas, as exportações dos Estados Unidos caíram de 75% da exportação mundial, em 1993, para 55%, em 2002. Essa queda de market-share da soja dos Estados Unidos foi resultado de dois problemas: queda na produtividade e aumento dos custos (WILKINSON, 2002; PEREIRA, 2004). E esses dois problemas não estão relacionados com o uso da soja GM. Ano Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 27.761 31.849 31.624 36.684 39.669 38.004 45.517 53.799 53.594 62.074 Estados Unidos 19.511 18.126 22.992 25.960 26.375 20.701 24.090 27.192 28.934 27.433 Brasil Argentina 4.190 5.367 3.493 3.647 8.340 9.287 8.917 11.517 15.675 15.970 2.428 2.942 2.526 2.056 490 2.864 3.065 4.123 7.211 6.112 Fonte: FNP (2004). TABELA 6 Evolução do Market-Share dos Três Maiores Exportadores Mundiais de Soja em Grão Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-2002 Ano EUA Brasil Argentina 1993 1996 2002 0,75 0,82 0,55 0,16 0,12 0,32 0,09 0,06 0,12 Fonte: FNP (2004). 110 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA ções da Argentina não corrobora a tese de que a adoção de cultivos GM implica em perda de competitividade externa. Além da exportação de soja em grãos, a Argentina apresentou excelente desempenho na exportação de derivados da soja. Ela é atualmente a maior exportadora de farelo de soja do mundo – posição que era ocupada pelo Brasil até 1997. A Tabela 7 mostra que, entre 1996 e 2003, enquanto a exportação de farelo de soja do Brasil aumentou de oito para 14 milhões de toneladas, a da Argentina aumentou de oito para 18 milhões de toneladas. Em 2003, a Argentina respondeu por 41,3% das exportações mundiais de farelo e por 48% das de óleo de soja (FNP, 2004). Assim, os estudos mostram que a adoção de transgênicos na Argentina, ao invés de prejudicá-la comercialmente, garantiu sua maior participação no mercado mundial no decorrer da década de 90. A Argentina tem um sério problema de escassez de terra. No entanto, a adoção de transgênicos contribuiu para o aumento da produtividade e para o aumento da área de plantação direta – o que per- E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... mitiu o aumento da produção de soja sem prejuízos para a produção de outras culturas importantes para sua economia, como o milho e o trigo (TRIGO et al., 2003). No caso do Brasil, as exportações do Rio Grande do Sul não foram prejudicadas pela introdução da soja GM. O Rio Grande do Sul é o terceiro maior produtor de soja do Brasil. Em 2003, sua produção foi de 9,8 milhões de toneladas, cifra superada apenas pelo Mato Grosso, com 15,2 milhões de toneladas, e pelo Paraná, com 11,2 milhões de toneladas (FNP, 2004). É o estado brasileiro com maior taxa de adoção de soja transgênica. Pelo Gráfico 4, observa-se que a participação desse estado na exportação brasileira de soja aumentou de 5%, em 1996, para 20%, em 2003. Além do aumento das exportações do Rio Grande do Sul, não foi observada nenhuma tendência de diferenciação entre o preço da soja desse estado do das demais regiões do país, como mostra o Gráfico 5. A comparação entre o preço da soja exportada do Rio Grande do Sul e o preço médio dos demais estados não corrobora a tese de que TABELA 7 Exportação de Farelo de Soja, segundo Principais Produtores Mundiais Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1996-03 Em milhões de toneladas Produtores Mundiais EUA Argentina Brasil 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 6 8 11 8 8 10 6 12 10 7 14 10 7 14 9 7 15 11 6 17 13 Fonte: FNP (2004). GRÁFICO 4 Participação na Exportação Total de Soja Rio Grande do Sul – 1996-03 Em US$ milhões Em % 5.000 25,0 Total 4.500 4.287 Rio Grande do Sul 4.000 20,0 Rio Grande do Sul em % 3.500 3.029 3.000 15,0 2.720 2.286 2.500 2.150 2.185 2.000 10,0 1.570 1.500 1.018 839 1.000 483 302 500 283 40 104 265 0 0,0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores. SÃO PAULO EM 5,0 347 PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 111 2003 2003 5 18 14 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN existe um preço diferenciado para a soja convencional, pois os preços são praticamente os mesmos. Se, do lado da oferta, a grande mudança na década passada no mercado mundial de soja foi o aumento da participação da América Latina – especialmente Argentina e Brasil – do lado da demanda a grande novidade foi o aumento da participação da Ásia na importação mundial. Sua participação passou de 30%, em 1996/97, para 72%, em 2003/04. Grande parte desse aumento da demanda asiática foi resultado do aumento da demanda da China, que em 2003/04 representou 29% da importação mundial: a mesma participação da União Européia (Tabela 8). A expansão do mercado asiático pode reduzir os possíveis ganhos com a soja tradicional, uma vez que os principais compradores da região – Japão e China – têm mostrado indiferença quanto à escolha entre a soja convencional e a GM. O Japão continua importando quase 100% dos Estados Unidos; e a China, em 2002, comprou praticamente o mesmo tanto dos Estados Unidos e do Brasil (PEREIRA, 2004). Em termos absolutos, o Brasil aumentou suas exportações tanto para a União Européia quanto para a Ásia. Porém, em termos relativos, a participação desta última aumentou de 12% para 38%, entre 1996 e 2003, enquanto que a participação da Europa caiu de 82% para 53% (Gráfico 6). Dada a indiferença dos países asiáticos em relação ao tipo da soja, quanto maior a participação deles no mercado comprador, menor será a possibilidade de o Brasil conseguir GRÁFICO 5 Evolução do Preço Médio da Soja Exportada Brasil e Rio Grande do Sul – 1996-03 Em US$ 350 300 279 284 294 301 234 230 250 200 216 221 190 194 190 189 178 175 174 170 150 100 50 Anos 0 1996 1997 1998 1999 Brasil 2000 2001 2002 2003 Rio Grande do Sul Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores. TABELA 8 Importação Mundial de Soja, segundo Regiões 1996-2004 Regiões Total União Européia China Japão Taiwan Tailândia Sub-Total Ásia México Outras 1996/97 (Em mil ton. métricas) 2003/04 (Em mil ton. métricas) 1996/97 2003/04 64.102 18.296 18.500 5.050 2.260 1.800 27.610 5.000 13.196 100,0 41,0 6,0 14,0 7,0 2,0 30,0 8,0 22,0 100,0 29,0 29,0 8,0 4,0 3,0 43,0 8,0 21,0 35.412 14.572 2.274 5.043 2.632 550 10.499 2.720 7.621 Participação (%) Fonte: FNP (2004). 112 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA: DA CIÊNCIA... GRÁFICO 6 Exportação de Soja, segundo Principais Compradores Brasil – 1996-03 Em % 100 5,0 90 12,4 8,7 7,9 16,4 20,0 8,9 13,1 9,9 23,0 27,5 63,9 62,6 8,6 7,6 34,8 38,7 56,6 53,6 2002 2003 13,2 80 70 60 50 40 82,6 74,9 72,1 78,0 30 20 10 0 Anos 1996 1997 1998 1999 União Européia 2000 Ásia (1) 2001 Outros Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores. (1) Exclui o Oriente Médio. cultivos têm baixa competitividade em comparação com os cultivos convencionais. A Argentina, o país com a maior taxa de adoção de soja transgênica, conseguiu aumentar significativamente sua exportação de soja em grãos e derivados. Nos últimos dez anos houve um grande aumento da participação da Ásia no mercado consumidor de soja e esta, ao contrário da União Européia, não apresenta restrições ao comércio de cultivos GM. E por fim, não há evidências empíricas que comprovem a tese de que os produtos convencionais têm a preferência do mercado, e, portanto, apresentam um preço maior do que os geneticamente modificados. um preço melhor para a soja convencional. Além do mais, com a redução de custos da soja transgênica, o aumento da competitividade da Argentina e de outros países poderá resultar na perda de participação da soja brasileira no mercado mundial. Se a Ásia continuar aumentando sua participação no mercado mundial, tudo indica que a competitividade terá como base a variável “preço”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho objetivou analisar a evolução e os impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura. As principais conclusões foram: - a difusão dos cultivos geneticamente modificados está relacionada a ganhos econômicos para os produtores agrícolas, como: redução de custos, aumento da produtividade e aumento da eficiência na administração do controle de pragas; NOTAS 1. A concentração geográfica dos cultivos GM comercializados reflete, em grande medida, a geografia anterior à sua introdução, já que no momento inicial eles substituem cultivares não geneticamente modificados. - os impactos positivos dos cultivos GM dependem das especificidades de cada região. No caso dos cultivos resistentes a insetos, os ganhos dependerão da incidência de pragas. A redução nos gastos com inseticidas deverá ser grande o suficiente para compensar o aumento do custo com sementes; 2. A rede de estudos genômicos criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Fapesp inclui diversos estudos relacionados à saúde humana: o genoma humano do câncer, genoma do parasita Schistosoma mansoni e o seqüenciamento do genoma do parasita Leptospira interrogans, entre outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - apesar das divergências internacionais quanto à forma de regular a pesquisa, a produção e o comércio dos cultivos GM, não há nenhuma evidência empírica de que esses SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005 BORÉM, A.; SANTOS, F.R. Biotecnologia Simplificada. Viçosa: Ed. UFV, 2001. 113 JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA / IZAIAS DE CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN BROOKES, G. The farm level impact of using Bt maize in Spain. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC GOODS AND PUBLIC POLICY FOR AGRICULTURAL BIOTECHNOLOGY, 7., International Consortium on Agricultural Biotechnology Research (ICABR). Ravello (Italy), June 29 – July 3 2003. HUBBELL, B.J.; WELSH, R. Transgenic crops: Engineering a more sustainable agriculture? Agriculture and Human Values, n. 15, p. 43-56, 1998. JAMES, C. Preview: Global Status of Commercialized Transgenic Crops: 2004. ISAAA Briefs, ISAAA: Ithaca, NY, n. 30. 2004. Disponível em: <http://www.isaaa.org>. BONNY, S. Success factors, issues and prospects for the first GM crops: the case of Roundup Ready® soybean in the USA. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC GOODS AND PUBLIC POLICY FOR AGRICULTURAL BIOTECHNOLOGY, 7., International Consortium on Agricultural Biotechnology Research (ICABR). Ravello (Italy), June 29 – July 3 2003. ________. Preview: Global Status of Commercialized Transgenic Crops: (vários anos). ISAAA Briefs, ISAAA: Ithaca, NY, vários números. Disponível em: <http://www.isaaa.org>. JUDICE, V.M.M. Biotecnologia e Bioindústria no Brasil: Evolução e Modelos Empresariais. In: SILVEIRA, J.M.F.J. et al. (Org.). Biotecnologia e recursos genéticos: desafios e oportunidades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Finep, 2004. CIB – CONSELHO DE INFORMAÇÕES SOBRE BIOTECNOLOGIA. Newsletters, Ano 4, n. 34, set. 2004. CARPENTER, J.E., GIANESSI, L.P. Agricultural biotechnology: updated benefit estimates. Washington, DC: National Center for Food and Agricultural Policy, 2001. p. 148. MARRA, M.C.; PARDEY, P.G.; ALSTON, J.M. The payoffs to transgenic field crops: an assessment of the evidence. AgBioForum, v. 5, n. 2, 2002. DAL POZ, M.E. et al. Direitos de propriedade intelectual em biotecnologia: um processo de construção. In: SILVEIRA, J.M.F.J. et al. (Org.). Biotecnologia e recursos genéticos: desafios e oportunidades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Finep, 2004. MOSCHINI, G. et al. Roundup Ready soybeans and welfare effects in the soybean complex. Agribusiness, n. 16, p. 33-55, 2002. QAIM, M.; TRAXLER, G. Roundup Ready soybeans in Argentina: farm level and aggregate welfare effects. Agricultural Economics, 2004. DEMONT, M. et al. Impact of new technologies on agricultural production systems: The cases of agricultural biotechnology and automatic milking. In: BOUQUIAUX, J.-M.; LAUWERS, L.; VIAENE, J. (Ed.). New Technologies and Sustaintability. Brussels: CLE-CEA, 2001. p. 11-38. PEREIRA, S.R. A evolução do complexo soja e a questão da transgenia. Revista de Política Agrícola, Ano XIII, n. 2, abr./ maio/jun. de 2004. DUFFY, D. Who benefits from biotechnology? Paper apresentado na American Seed Trade Association Meeting, Chicago, 5-7 dez. 2001. SALLES FILHO, S.L.M (Coord.). et al. Ciência, Tecnologia e Inovação: a reorganização da pesquisa pública no Brasil. 1. ed. Campinas: Ed. Komedi/Capes, 2000. 413p. ELBEHRI, A.; MACDONALD, S. Estimating the Impact of Transgenic Bt Cotton on West and Central Africa: A General Equilibrium Approach. World Development, forthcoming, 2005. TRAXLER, G. Challenges Facing Plant Biotechnology in Latin America. Presentation at the Inter-American Development Bank, Washington, DC: Nov. 7, 2000. EMBRAPA. Nota Informativa: Pesquisa Biotecnológica na Embrapa, 2004. Disponível em: <http://www.cenargen.embrapa.br/>. TRIGO, E. et al. Los transgenicos en la agricultura argentina. In: Global Biotechnology Forum – Bioindustries in Development, Brasília, p. 22-25, jul. 2003. FAO – FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The State Of Food and Agriculture 2003-2004 – Agricultural Biotechnology: Meeting the needs of the poor? Disponível em: <http://www.fao.org/documents>. VALOIS, A.C.C. Importância dos transgênicos para a agricultura. Cadernos de Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 18, n. 1, p. 27-53, jan./abr. 2001. ________. Key Statistics of Food and Agriculture External Trade. Disponível em: WILKINSON, J. Biotecnologia e agronegócios. Campinas: Unicamp/IE/NEIT, dez. 2002. <http://www.fao.org/countryprofiles/inventory.asp?lang=es>. FNP CONSULTORIA. Agrianual, 2004. Disponível em: <http://www.fnp.com.br/prodserv/estatisticas/>. JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA: Engenheiro Agrônomo, Doutor em Economia, Professor Assistente Doutor do Instituto de Economia da Unicamp. Coordenador do Núcleo de Estudos Agrícolas do IE/Unicamp e Pesquisador do Geopi/IG-Unicamp. Conselheiro do Conselho de Informação em Biotecnologia ([email protected]). FONSECA, M.G.D. et al. Biotecnologia vegetal e produtos afins: sementes, mudas e inculantes. In: SILVEIRA, J.M.F.J. et al. (Org.). Biotecnologia e Recursos Genéticos: desafios e oportunidades para o Brasil. Campinas: Instituto de Economia/Finep, 2004. IZAIAS DE CARVALHO BORGES: Economista, Mestre em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp e Pesquisador do NEA/IE-Unicamp ([email protected]). GIANESSI, L.P. et al. Plant Biotechnology: Current and Potential Impact for Improving Pest Management in US Agriculture. An Analysis of 40 Case Studies. Washington, DC: National Center for Food and Agricultural Policy, 2002. ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN: Economista e Advogado, Doutor em Economia, Professor Assistente Doutor do Instituto de Economia da Unicamp. Pesquisador do NEA e do Geopi ([email protected]). HAMMOND, B.G. et al. Lower fumonisin mycotoxin levels in the grain of Bt corn grown in the United States in 2000-2002. Journal of Agriculture and Food Chemistry, n. 52, p. 1.3901.397, 2004. HUANG, J. et al. Biotechnology as an alternative to chemical pesticides: a case study of Bt cotton in China. Agricultural Economics, n. 29, p. 55-67, 2003. Artigo recebido em 1 de junho de 2005. Aprovado em 30 de junho de 2005. 114 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... SERVIÇOS NA PAEP 2001 reconfigurando a agenda de pesquisas estatísticas de inovação ROBERTO BERNARDES VAGNER BESSA ANDRÉ KALUP Resumo: Este artigo, que realiza uma abordagem teórica sobre a natureza e as singularidades do processo de inovação nos serviços e na indústria, baseia-se em análise empírica e utiliza os dados de inovação Paep 2001 captados pela Fundação Seade. Palavras-chave: Indicadores setoriais de inovação. Indústria e serviços. Abstract: This paper presents a theoretical approach over the nature and peculiarity of innovation process in Services and Industry sectors, based upon an empirical investigation using Paep 2001 datum gathered by Fundação Seade. Key words: Sectoral innovation indicators. Industry and Services. O s estudos sobre o papel das atividades de serviços no âmbito do processo de reestruturação produtiva vêm provocando intensa discussão sobre a natureza do processo de inovação entre suas atividades. Em que pese o avanço que essa discussão proporcionou na superação de certas concepções tradicionais – que associam os serviços apenas a pequenas empresas cujo core inovador não apresenta densidade tecnológica ou que entendem o setor como um bloco de atividades homogêneas dependente da disseminação de progresso técnico gerado pela indústria – há matizes importantes nesse processo de revisão sobre a natureza do processo de inovação. Há estudos como os de Freeman et al. (1982) e Momigliano e Siniscalco (1986), que analisam comparativamente as experiências de países de industrialização avançada e constatam que este movimento está fortemente condicionado a um processo transacional de comple- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 mentaridade e interdependência estimulado pela dinâmica gerada pela indústria (que, aliás, tem criado uma grande demanda por serviços especializados e intensivos em informação e ciência). Já outros estudos recentes, desenvolvidos por Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Bonden e Miles (2000), Howells (2000) e Kon (2004) relativizam a abordagem determinística entre indústria e serviços, apontando que, em várias dimensões, os segmentos de serviços apresentam estratégias e dinâmicas de inovação próprias em relação ao paradigma clássico de desenvolvimento industrial. Isso não significa que o processo de reestruturação produtiva não seja relativamente ambíguo em relação ao setor terciário, sobretudo no que tange a seus aspectos “flexíveis”. Afinal, se por um lado o rol dos chamados “serviços avançados” irrompe no tecido econômico como uma resultante do desenvolvimento empresarial e da cons- 115 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP nais1 para mensuração do processo de inovação no setor de serviços, que são uma prática relativamente recente. No setor científico brasileiro, vem se consolidando cada vez mais uma nova agenda: estimulada pela implementação de pesquisas econômicas e sociais, ela demonstra preocupação com a função estratégica que a inovação pode ocupar no desenvolvimento e na competitividade da economia nacional. Até o final da década de 90, estudos e metodologias que visassem à construção de séries históricas sobre indicadores de inovação eram ações institucionais pouco exploradas nas pesquisas estatísticas.2 O esforço pioneiro nessa direção foi empreendido pela Associação Nacional de Desenvolvimento das Empresas Industriais – Anpei, que a partir de 1992 desenvolveu uma pesquisa orientada na experiência norte-americana da National Science Foundation,3 que consiste em uma base de indicadores empresariais de P&D sobre a indústria brasileira. Logo depois, destaca-se a implementação da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, de 1996, realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, que consagrou-se como uma pesquisa econômica estrutural que incorporava em seu projeto o primeiro levantamento sobre inovação realizado no Brasil.4 A Paep adotou o referencial conceitual recomendado pelo Manual de Oslo e teve como universo de investigação 40 mil empresas industriais localizadas no Estado de São Paulo.5 Em 2001, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, iniciou a série da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, para a construção de indicadores nacionais da atividade de inovação tecnológica nas empresas industriais (DE NEGRI; SALERNO, 2005; KANNEBLEY JUNIOR; SILVEIRA PORTO; TOLDO PAZELLO, 2005). Assim, o principal argumento sustentado nesta introdução é que, embora deva ser reconhecido o elevado esforço metodológico e empírico encetado pela academia e pelas instituições públicas,6 há um “objeto ausente” em grande parte dos estudos sobre inovação no Brasil: a formalização de uma agenda de pesquisas sobre a economia de inovação de serviços que construam um sistema de informações e permitam elucidar sua natureza e seu comportamento. Consagra-se como objetivo deste texto analisar a experiência de implementação de uma primeira abordagem sobre o processo de inovação em serviços, aplicado pela nova tomada de campo realizada pela Paep 2001: para tanto, ele discute seus obstáculos metodológicos e trução de competências especializadas, por outro, o processo de terceirização dá fôlego à expansão das atividades tradicionais baseadas em redes de subcontratação informais de grandes e pequenas empresas, como: vigilância, limpeza, conservação predial, alimentação, transporte, etc. Essa multiplicidade de encadeamentos empresariais e padrões técnicos reforçam a já reconhecida heterogeneidade do setor e não suprimem os elementos considerados “espúrios”, ligados à “terceirização rudimentar”. No entanto, o que vem interferindo mais recentemente na discussão sobre o processo de inovação de serviços são as dimensões relativamente mais modernas do processo de crescimento do terciário. Em linhas gerais, a profunda heterogeneidade e a segmentação setorial do terciário são reconhecidas. Mais que isso, a nova geração de estudos sobre o papel das atividades de serviço no processo de inovação tecnológica confronta as abordagens tradicionais, que definem serviços como atividades pouco intensivas em tecnologia de baixa produtividade e qualificação de recursos humanos – tidos como usuários passivos do progresso técnico e dos conhecimentos gerados na indústria. Uma das mudanças mais importantes surgidas na última década diz respeito ao papel dos setores de serviços intensivos em informação, tecnologia e ciência nas chamadas “economias baseadas em conhecimento e aprendizado” (EBCAs). As evidências empíricas indicam um crescimento expressivo da participação relativa dos serviços intensivos em tecnologia na composição das estruturas econômicas internas e nos fluxos de comércio internacionais, assim como nas rotinas de inovação e aprendizado nas economias cêntricas. Na verdade, a agenda de pesquisas internacionais no campo da economia ficou mais sensível ao contato de uma área que se convencionou chamar de “economia da inovação”, assim abriu-se a oportunidade de exploração das relações desenvolvidas nesse segmento e suas articulações com a economia industrial e de inovação, por mais imbricadas que fossem. Com efeito, a idéia de uma economia da inovação aplicada ao setor de serviços inaugura uma abordagem com ampla pontencialidade analítica e reconhece a função estratégica desse setor na geração de renda e riqueza – e também nas trajetórias de inovação nas EBCAs. Um marco importante nessa direção foi a produção de informações estatísticas seriadas de inovação e P&D por instituições públicas e privadas nos países centrais, tais como o Eurostat da OCDE (Organization for Economic Co-operation and Development). Há, também, as experiências de agências estatísticas internacio- 116 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... para este setor, quais sejam: o Voorburg Group e o STEP (Studies in Technology, Innovation and Economic Policy) Group (Quadro 1). Estudos realizados por Gershuny e Miles (1983); Evangelista, Sirilli e Smith (1998); Bonden e Miles (2000); Howells (2000) têm enfatizado o papel estratégico exercido pelos serviços nas dinâmicas de inovação e no aumento das rotinas de P&D nas economias baseadas em conhecimento. A partir da análise comparativa das experiências de países de industrialização avançada, os autores observam um aumento exponencial da participação relativa do setor terciário na sua estrutura econômica justificado na agregação de valor e conhecimento gerada pela oferta de serviços especializados e intensivos em informação e ciência. Tais analistas enfatizam que os serviços intensivos em conhecimento desenvolveram-se mais rapidamente no decurso dos anos 90, em vários países membros da OCDE, e particularmente, nos EUA.7 Alguns dos fatores causais para o crescimento das economias baseadas em conhecimento e aprendizado (EBCAs) têm sido as economias e os serviços de informação.8 O acesso às tecnologias da informação e comunicação – TICs9 e os processos de convergências tecnológicas, nos quais o exemplo da telemática é mais evidente, desenvolveramse mais aceleradamente no decurso dos anos recentes. Reconhecendo-se a preservação de um alto grau de heterogeneidade e assimetria nos serviços modernos, au- conceituais, assim como seus resultados. O artigo inicia apresentando e confrontando as principais correntes teóricas sobre a economia de serviços a partir de uma visão crítica sobre este tema, introduzindo o debate contemporâneo sobre as teorias de inovação neste setor. A segunda parte discute teórica e conceitualmente os pontos de convergências e diferenças sobre a dinâmica de inovação entre a indústria e os serviços. A última parte, apresenta a experiência de aplicação do survey sobre inovação em empresas de serviços realizado pela Paep 2001. ABORDAGEM DA ECONOMIA DA INOVAÇÃO NOS SERVIÇOS Nos anos 90, a partir de uma perspectiva crítica às correntes teóricas filiadas as abordagens clássicas (FISHER,1935; CLARK, 1980) e pós-industrialista (TOURAINE, 1969; BELL, 1973) sobre a teorização e análise do crescimento do setor de serviços, foram sendo desenvolvidos novos estudos que tinham como objetivos identificar evidências sobre as relações de complementariedade, interdependência econômica e a dinâmica processual de inovação entre os setores da indústria e de serviços. No cenário internacional, dois principais grupos lideram uma linha de estudos sobre a economia de serviços e a formulação de uma teoria de inovação mais consistente QUADRO 1 Núcleos de Estudos Internacionais sobre a Economia de Serviços e Inovação Voorburg Group STEP Group Instituído em 1986 por iniciativa do Statistics Canada e o United Nations Sediado em Oslo, na Noruega, coordena o projeto Services in Innovation in Statistical Office – UNSO, para suprir a lacuna no campo de produção e Services – SI4S, financiado pela Comissão Européia e objetiva desenvolver monitoramento de estatísticas no setor de serviços. Seu principal objetivo é conceitos, evidências empíricas e sugestões para ações práticas sobre a fun- ser um fórum informal e permanente de troca de idéias a respeito de estatís- ção dos serviços no sistema de inovação. Além do SI4S, o grupo coordena o ticas de serviços, promovendo encontros internacionais anuais. Disponível Indicators and Data for European Analysis – IDEA que busca realizar estudos em: <http://www4.statcan.ca/english/voorburg/>. dos indicadores de inovação tecnológica e criar novos indicadores. Outro importante projeto desenvolvido no âmbito do STEP é o KISA (Knowledge Intensive Service Activities) conduzindo sob os auspícios da OCDE pelo grupo TIP (Group on Technology and Innovation Policy) subordinado ao Comitê de CSTP (Science and Technology Policy). Participam neste projeto países como Austrália, Finlândia, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Espanha, Irlanda e Noruega. Disponível em: <http:/www.step.no/Projectarea/IDEA/index.htm>. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 117 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP - serviços físicos: são aqueles cujos impactos de transformação são derivados de TICs e atuam diretamente na forma de preservação intertemporal e/ou de transporte de serviços, bens e pessoas – tomando-se “transporte” como “realocação através do espaço”. Um exemplo a ser citado é o comércio atacadista e varejista que combina simultaneamente os serviços de logística para distribuição, movimentação e estocagem de produtos (com o uso de alguns serviços de informação, como Global Position Sensoriament – GPS). Indústrias como a automobilística e alimentícia são ilustrações precisas dessas tendências, pois são usuárias intensas desses serviços e acabam por influir no processo de inovação desses serviços. tores como Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Howells (2000) e Kon (2004) levantam um conjunto de questões que são fundamentais para a compreensão e o avanço dos estudos sobre inovação nos serviços, quais sejam: - as fronteiras entre as atividades inter e intra-setoriais entre a indústria e os setores de serviço tornaram-se mais tênues devido à elevação da segmentação gerada pelas assimetrias tecnológicas e ao adensamento dos fluxos de cooperação de conhecimento e informações estratégicas; - há uma nítida tendência de redução dos ciclos de desenvolvimento e de vida de produtos industriais e de serviços: ela é estimulada pela aceleração das mudanças tecnológicas e pelo uso de TICs. Esta maior atividade de inovação de produto e processo na indústria tende a gerar uma pressão mais intensa por novos critérios de funcionamento corporativos gerenciais, de qualidade, produtividade e de inovação nos serviços industriais; - serviços personalizados: podem ser divididos em serviços comunitários e sociais, como nas áreas de saúde e educação. Assim como nos serviços de consumo privado (salões de beleza e clínicas de estética) ou os chamados home comforts (hotéis, flats, etc.) a difusão de TICs e inovações organizacionais tem permitido um avanço considerável na integração dos processos gerenciais, na qualidade e produtividade desses serviços. Especialmente no campo da saúde, os benefícios que surgem a partir de pesquisas e desenvolvimentos públicos e industriais na área de instrumentação cirúrgica – como o laser e a cosmecêutica (fusão dos campos de pesquisa da farmacêutica com a cosmética) – têm proporcionado impactos relevantes na oferta destes serviços. - os novos padrões de consumo são caracterizados pela alta volatilidade, customização e complexificação de produtos e serviços; - há expedientes agressivos de terceirização e/ou subcontratação de atividades corporativas internas, como os utilizados por organizações que buscam focalizar suas estratégias em competências centrais ou as que transformam custos fixos em variáveis, aumentando suas margens de flexibilidade operacional. Neste sentido, observa-se o crescimento da terceirização dos serviços especializados de alto conteúdo de conhecimento como design, engenharia de projeto, processo e sistemas; - serviços informacionais: reúnem basicamente três tipos distintos de atividades – mídia de massa (mass media) caracterizada pela distribuição padronizada em escala de informações audiovisuais. São exemplos, os cinemas, televisão, etc.; infomídia, sua diferença em relação ao segmento de mídia de massa, é o fato de as empresas distribuírem informações customizadas e personalizadas em larga escala. São exemplos os serviços de telefonia celular com imagens, informações financeiras on-line, etc.; serviços intensivos em conhecimento, são aqueles onde o conhecimento e a informação especializada, a expertise profissional na capacidade de codificação, interpretação e análise sejam fatores cruciais para sua oferta. O impacto relativo das TICs, dos softwares de simulação, análise e desenvolvimento são significativos na oferta destes serviços. São exemplos, as empresas de engenharia e P&D, arquitetura, engenharia, consultorias, atividades de marketing, entre outras. - as novas estratégias competitivas baseadas na inovação e nas dinâmicas de globalização e hierarquização das cadeias de valor impõem novos paramentos de logística, planejamento, P&D, até mesmo com maiores oportunidades de internacionalização para alguns tipos de serviços, sobretudo aqueles de maior intensidade tecnológica; - ainda que o setor secundário exerça forte força gravitacional no setor terciário, em várias dimensões, os segmentos de serviços apresentam dinâmicas econômicas e comerciais próprias em relação o desenvolvimento industrial. A partir destas premissas, Miles (2001) identificou três movimentos de transformações estruturais que perpassam a economia de serviços, cuja compreensão é crucial para a elaboração de um processo de inovação setorial. De modo sintético, esses movimentos estão associados aos resultados dos diferentes tipos setoriais de regimes, especificidades e trajetórias tecnológicas dos serviços, a saber: Miles (1995) ainda confere especial importância a um núcleo de serviços intensivos em inovação denominados 118 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... KIBS 10 (knowledge intensive business services) pois, segundo o autor, são os segmentos que vêm apresentando taxas rápidas de crescimento e rendimento econômico nas EBCAs. Segundo Nählinder (2002), esses serviços têm como principais características uma lógica de funcionamento próxima à da indústria, alta performance na geração de renda, divisas e valor adicionado e uma forte tendência à internacionalização das suas atividades negociais, atuando como verdadeiros agentes facilitadores de inovação. Sua dinâmica concorrencial está baseada na disseminação de novos padrões tecnológicos e de TICs para os serviços, que atuam com fontes difusoras da inovação. Criam, produzem, desenvolvem e difundem conhecimentos para outras firmas e setores da economia; utilizam intensivamente recursos humanos de alta qualificação; são formados por empresas desenvolvedoras e usuárias de inovações e TICs; realizam e vendem serviços de P&D; apresentam taxas elevadas de crescimento na economia; e, por oferecerem serviços customizados, apresentam alta interação produtor-usuário (intensiveinformation e intensive-client). Os KIBS podem ser agrupados em dois conjuntos: - Professional KIBS (P-KIBS): são serviços usuários de novas tecnologias, direcionados ao conhecimento técnico e administrativo (segmentos de engenharia, design, arquitetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras e jurídicas, P&D em ciências sociais e naturais, consultoria em gestão empresarial, entre outros); mento de convergência nas dinâmicas de inovação entre o setor de serviços e a indústria. Um fator que desempenha papel central nesse processo é a difusão das novas TICs. A digitalização e a expansão da infra-estrutura de telecomunicações implicam em transformações tecnológicas substanciais das atividades vinculadas ao uso e difusão de informações. Como são mudanças específicas a algumas atividades terciárias, elas passam a ter características de “Serviços Intensivos em Tecnologia” (Technology Intensive Services), e, quando não, de “líderes em investimentos tecnológicos típicos de redes” (bancos, serviços financeiros, atividades audiovisuais, etc.). Esse processo tornaria possível a aplicação de técnicas típicas da produção em escala industrial massificada em vários segmentos do setor de serviços, facilitando a superação de certos entraves para a produção. Outro argumento utilizado ressalta uma convergência no modus operandi da indústria e os serviços, com o intercâmbio de padrões concorrenciais, tecnológicos e organizacionais entre esses dois grandes segmentos. Enquanto as atividades industriais passam a ser mais dependentes dos insumos intangíveis, os serviços especializados e a mão-de-obra qualificada para o incremento da competitividade, assim como alguns segmentos do setor de serviços tornam-se mais dependentes de investimentos em recursos físicos (sobretudo investimentos em redes de logística, transporte e telecomunicações), desenvolvem produtos padronizados dentro de padrões “fordistas”, baseados em economias de escala, e intensificam sua participação no comércio internacional, tal como pode ser verificado entre as atividades especializadas de consultoria, pesquisa e desenvolvimento, propaganda e marketing e software (BONDEN; MILES, 2000) (Quadro 2). Em que pese esse processo de difusão de TICs e a convergência entre os padrões técnicos da indústria e dos serviços, as dificuldades metodológicas para a construção de um arcabouço conceitual visando a elaboração de um conjunto coerente de indicadores de inovação nesse setor não são desprezíveis, pois há diferenciações que impedem um enfoque unificado. Marklund (2000) destaca que as abordagens clássicas sobre inovação baseiam-se em modelos industriais, em que os indicadores são tratados dentro de uma ótica estritamente tecnológica, obtidos a partir de resultados com investimentos tangíveis, gastos de P&D e patentes. Apesar de serem capazes de refletir em parte do processo de inovação nos segmentos de serviços, são ainda inapropriados como medida global.11 - Technological KIBS (T-KIBS): são serviços focados em novas tecnologias (redes de informática, serviços de telecomunicações, entre outros). PADRÕES DE CONVERGÊNCIA ENTRE A INDÚSTRIA E AS EMPRESAS DE SERVIÇO QUANTO A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Como já evidenciado, o que mais tem interferido no debate sobre o comportamento da inovação tecnológica nas empresas de serviço é o fato de que o avançado processo de crescimento do terciário vai ganhando a cada dia maiores dimensões. Alguns autores salientam a existência de processos de convergência entre os padrões de funcionamento das empresas de serviço e os da atividade manufatureira – o que possibilita a análise de diversos setores dentro de um campo normativo comum. Uchupalanan (1998), Sundbo e Gallouj (2000) observam um incremento da diversidade das trajetórias inovadoras e um movi- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 119 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP QUADRO 2 Convergência e Diferenciação entre os Serviços e a Indústria Características Da Produção Estrutura e Tecnologia Serviços Indústria Crescimento no nível de equipamentos de TICs; serviços intensivos em tecnologia. Intensivo uso de TICs, similar ao de serviços, entretanto diferenciado no tipo de tecnologia. Habilidade (trabalho) Caracteristicamente técnico. Redução da equipe de executivos e estratégias de captação externa. Produção intensiva em conhecimento; alta qualificação; existência de equipe executiva; otimização e captação externa. Organização do Trabalho Padronização das tarefas, usando novas tecnologias e técnicas de organização. Novas formas de organização do trabalho (ganho de autonomia). Aspectos da Produção Economias de escala; produção em massa buscado em outros serviços. Flexibilidade; redução de estoques através de métodos gerenciais (just-in-time). Organização Setorial Tendência ao crescimento de grandes empresas; empresas globais. Empresas altamente especializadas, subcontratando outras atividades; empresas globais. Novos serviços incorporados de TICs. Produtos de curto ciclo de vida (maior variedade, sustentável em estoques de curto período). Aspectos do Produto Produtos padronizados, aplicáveis para vários serviços; “personalização em massa”. Produção flexível permitindo “personalização em massa” de vastos produtos. Propriedade Intelectual Uso de direitos autorais (software), produtos patenteáveis. Produtos de difícil proteção (software). Uso de novos meios para entrega (serviços de informações especiais, uso da Internet, etc.). Proximidade entre produção e mercado, usando novos sistemas de TICs. Atuação com o Consumidor Consumidor mais conectado por meio do sistema de TICs do que diretamente com a equipe. Maior relação com os usuários. Crescente variedade de serviços auxiliares, como marketing e pós-vendas. Organização do Consumo Uso de novos meios para separação de consumo e produção. Financiamento de equipamentos. Fornecedores orientados para “pacote de serviços” ao invés de simples bens ou utilidades. Privatização de serviços públicos. Competição global em serviços anteriormente protegidos. Mercado de empresas. Privatização de empresas. Regulamentação Des/Regulamentação; nova regra no comércio de serviços. Crescimento da importância com as padronizações. Crescimento da regulamentação ambiental. Importância das padronizações. Marketing Maior esforço em marketing; participações em feiras e exposições. Marketing orientado e serviços ao usuário. Do Produto Natureza do Produto Do Consumo Entrega do Produto De Mercado Organização do Mercado Fonte: Bonden; Miles (2000), tradução dos autores. Segundo o autor, as atividades de inovação no setor de serviços podem ser orientadas para o desenvolvimento tecnológico – como, na área de informática, no fornecimento de software e/ou na incorporação de aplicações de serviços de valor agregado de telecomunicações nas áreas de entrega ou logística. Mas as inovações mais comuns no setor não possuem viés tecnológico e podem ser realizadas com o objetivo de aperfeiçoar a interface entre con- 120 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... uma diferença substancial entre o produto resultante da inovação e os processos necessários para sua realização; sumidores e o diagnóstico de variáveis que determinam o perfil psicológico do consumidor. Isto implica a mudança do design do produto ou serviço e torna a difusão de patentes pouco significativa como retrato das trajetórias de modernização. Ao mesmo tempo, constata que as empresas inovadoras não realizam atividades de P&D e que as que o fazem não desenvolvem pesquisas em departamentos formais ou especializados. Marklund (2000), baseando-se em pesquisas européias sobre inovação implementadas no âmbito da OCDE no setor de serviços, concluiu que grande parte das empresas inovadoras não tem laboratórios formalmente organizados, como tradicionalmente existem na indústria – sendo que os esforços de P&D não possuem uma regularidade sistemática e têm sua origem em outros departamentos das empresas, geralmente nas áreas de marketing. No caso das pesquisas de inovação strictu sensu no setor de serviços, Gallouj e Weinstein (1997) advertem que elas se apropriam, sem as devidas mediações, das mesmas bases metodológicas que descrevem o processo de inovação tecnológica na indústria. Segundo Hauknes (1999), a inovação está tão difundida no setor de serviços como na manufatura, porém os conceitos de inovação desenvolvidos sobre as análises da indústria não se aplicam diretamente sobre os serviços. Isso acontece porque, nas relações de serviços, o produto não tem necessariamente um formato físico – o que torna quase impossível transpor para este tipo de produção os mesmos conceitos que se aplicam à produção de escala industrial massificada ou customizada. Essa constatação instaura um desafio metodológico para o desenvolvimento de estudos e políticas voltadas para o setor serviços e tem suscitado um intenso debate no meio acadêmico. Um pressuposto inicial que motivou vários pesquisadores foi o fato de os serviços serem vistos como consumidores da inovação gerada no setor manufatureiro, por isso, os instrumentos de captação e mensuração da inovação foram formulados para medir as variáveis industriais. Meanwhile, Sirilli e Evangelista (1998, apud HIPP; TETHER; MILES, 2000), enumeram o grau de dificuldades para a construção de uma metodologia unificada entre indústria e serviços para as pesquisas de inovação nos seguintes termos: - a primeira delas decorre das dificuldades que as empresas têm de distinguir entre inovações de produto e de processo – dado que as atividades de serviços apresentam co-determinação simultânea entre produção e consumo, não é possível, como na indústria, estabelecer claramente SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 - a segunda característica está vinculada à natureza intangível dos serviços e à inexistência de propriedades de estocagem. Nesse sentido, na produção dos serviços não há a possibilidade de existência independente do ato de produtores ou usuários, tal como ocorre na indústria; - a terceira deriva do papel central que os recursos humanos desempenham para a provisão dos serviços. Embora uma parte das atividades vinculadas ao setor terciário apresente alta dependência de recursos e instalações físicas – assim como acontece na indústria – nas atividades que alcançam escala ou que operam em rede, o processo de inovação é altamente dependente da forma de organização e dos conhecimentos e habilidades pertencentes à força de trabalho, como por exemplo nos serviços de telecomunicações e transportes, nas atividades financeiras e no comércio varejista; - outra questão é o fator organizacional, dado que o aumento da eficiência para a provisão dos serviços não está vinculado a fatores tecnológicos strictu sensu, mas pode decorrer de novas formas de gestão dos recursos essenciais para o processo de inovação – como a implementação de novas técnicas de gestão e a organização e distribuição dos estoques de informações e de conhecimento disponíveis. Howells (2000) destaca outros elementos que historicamente têm distinguido a manufatura e os serviços em termos de trajetórias tecnológicas, dinâmica de funcionamento e estrutura do setor, mesmo considerando que algumas das especificidades que demarcavam a fronteira entre os dois setores foram se atenuando ao longo do tempo. Por esse motivo, Howells (2000) alerta que o esforço para adaptar o modelo de captação de informações, criado para a manufatura para mensurar a inovação em serviços, pode vir a ser uma armadilha. Um dos fatores de diferenciação é a “orientação tecnológica”. Na manufatura, ela é liderada pela atividade de ciência e tecnologia; já nos serviços, pelos consumidores. Devido a essa interface entre produção e consumo de serviços, uma grande parte das atividades de inovação no setor volta-se para a adaptação/customização dos serviços às necessidades dos usuários. Em muitos casos, essas atividades são inovativas, apesar de incorporarem um conteúdo tecnológico limitado. Nesse mesmo sentido, Evangelista, Sirilli e Smith (1998) lembram ainda que a proximidade entre a produção e o consumo no setor de serviços dificulta 121 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP a distinção entre produto e processo. Conseqüentemente, isto faz com que a distinção entre a inovação de produtos e processos seja menos clara se comparada com a usada no setor industrial. Outras diferenciações dizem respeito às fontes de pesquisa e de geração de inovação: enquanto na manufatura elas tendem a ser internas à empresa, no setor de serviços elas são sobretudo externas. Na manufatura, a propriedade intelectual é protegida pela patente; já no setor de serviços ela é protegida pelos direitos autorais (copyright) – sendo que este último é um recurso bem menos eficaz do que o primeiro. Assim, o impacto gerado pelo desenvolvimento tecnológico na produtividade do trabalho seria alto na manufatura e baixo nas empresas de serviço. Nestas, os ciclos de vida e de segredo são mais curtos do que os presenciados na indústria. Outros aspectos que diferenciam o setor de serviço da indústria são as condutas de orientação tecnológica para P&D, os ciclos mais longos de pesquisa, os impactos relativamente menores e menos encadeados do que os produzidos pela indústria. A título de ilustração, é interessante notar que Howells (2000) apresenta um esforço para a sistematização sobre diferentes aspectos do processo de convergência e diferenciação das trajetórias de inovação nos serviços e na indústria (Quadro 3). SURVEYS DE INOVAÇÃO EM SERVIÇOS EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS MÉTRICOS E CONCEITUAIS As experiências das agências estatísticas internacionais para mensuração do processo de inovação no setor de serviços são relativamente recentes e revelam-se bastante complexas, face a todas as questões expostas anteriormente. As primeiras tentativas de realizar uma quantificação dos processos de inovação no âmbito da OCDE ocorreram em meados da década de 80, mas a iniciativa de estabelecer um framework conceitual, que possibilitasse estudos comparativos baseados em pesquisas em larga escala, foi impulsionada pela experiência dos países escandinavos (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia). QUADRO 3 Características de Diferenciação dos Regimes de Inovação na Indústria e nos Serviços Características 1. Direitos de Propriedade Intelectual Indústria Forte: patentes Serviços Fraco: direitos autorais Status Corrente, forte 2. Orientação Tecnológica Avanço tecnológico; liderança científica e tecnológica Avanço tecnológico; liderança fornecedor/cliente Histórico, declinante 3. Pesquisa / Inovação Provedor e Fornecedor Internamente Provindo externamente Declinante; convergindo na indústria e serviços 4. Força Produtiva Alto impacto Baixo Impacto Corrente, potencialmente declinante 5. Ciclos de Inovação Curto e médio Longo (exceto ao serviços de informática) Declinante, fraco 6. Características do Produto Tangível, de fácil estocagem Intangível, de difícil estocagem Declinante, médio 7. Internacionalização A atividade de exportação atrai o A entrada de IDE proporciona a IDE (1) exportação Corrente, médio 8. Dimensão Nacional => global Declinante; serviços expandindo-se na internacionalização Regional => nacional => global Fonte: Adaptação de Howells (2000). (1) IDE = Investimento Estrangeiro Direto. 122 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... O Manual de Oslo de 1992 (revisado posteriormente em 1996) foi desenvolvido pela OCDE, em conjunto com o Eurostat (Statistical Office of the European Communities) e do European Innovations Monitoring System. Seu objetivo era harmonizar a coleta e as análises de levantamentos sobre inovação na Europa, com base no principal sujeito do processo inovativo: as empresas. Com o apoio do Eurostat, foram revisados os conceitos de inovação tecnológica e sua metodologia de mensuração. A primeira pesquisa de inovação baseada no Manual de Oslo foi realizada em 1993 (para o período-base 1992-93): o Community Innovation Survey – CIS-I. Naquele levantamento, foram incluídas aproximadamente 40.000 empresas de treze países europeus. 12 Na revisão de 1996, não foram feitas mudanças estruturais, mas foi conferida grande ênfase à orientação dos procedimentos de coleta das informações relevantes para a promoção de políticas e para as características dos estudos da inovação. Definiu-se mais precisamente a distinção entre as inovações tecnológicas e aquelas puramente estéticas e organizacionais, identificando com maior rigor a origem, o principal agente da inovação e o nível de originalidade da inovação para o mercado. O segundo European Community Innovation Survey – CIS-II – tornou-se a primeira sistematização internacional de indicadores sobre o comportamento da inovação tecnológica das empresas de serviços, abordando períodos entre 1994 e 1996. Os segmentos pesquisados foram o comércio atacadista; transporte; telecomunicações; serviços financeiros; serviços de computador (nos quais os softwares se incluem); e os serviços técnicos. O CIS-II que se referia ao período 1994-96, aconteceu em 1998 e compreendeu a resposta de aproximadamente 55.000 empresas dos setores manufatureiros e de serviços de 16 países europeus. Em 2002, foi iniciado o terceiro Community Innovation Survey – CIS-III, com coletas referentes ao período 1998-2000. Na Europa, muitos experts têm criticado o tema, reconhecendo as limitações dos levantamentos sobre inovação baseados na metodologia do Manual de Oslo. Mesmo após as revisões metodológicas decorrentes do processo de discussão da CS I e II, autores como Marklund (2000) e Meanwhile, Sirilli e Envangelista (1998, apud HIPP; TETHER; MILES, 2000) argumentam que os serviços apresentariam determinadas especificidades que se traduziriam em obstáculos adicionais para a elaboração de metodologias e instrumentos para uma mensuração adequada dos processos de inovação por meio de levantamentos estatísticos. Como no setor de serviços os levantamentos de inovação baseados na indústria teriam uma SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 abordagem puramente tecnológica, deixariam de captar processos organizacionais de inovação importantes. Para eles, as análises dos indicadores de inovação deveriam ser complementadas com informações sobre investimentos em recursos intangíves, como: desenvolvimento e aquisição de softwares; gastos com treinamento em recursos humanos; estratégias de marketing para exploração de novos mercados; marketing de novos produtos e serviços; uso de tecnologias de informação; gestão de novas arquiteturas organizacionais; políticas de remuneração ou compensação por competências individuais. Na América Latina, no âmbito da Ricyt – Red Iberoamericana/Interamericana de Indicadores de Ciencia y Tecnología – tem sido desenvolvido um amplo debate metodológico sobre a necessidade de revisão das recomendações do Manual de Oslo para os critérios de inovação. 13 Esta vertente de autores latinos defende a necessidade de uma distinção entre as mudanças organizacionais (na produção ou na inclusão de estratégias de marketing e de inteligência de mercado, uma vez que elas são elementos críticos para a inovação) e as nãoinovações tecnológicas. Duas especificidades dos sistemas de aprendizado do continente foram explicitamente consideradas nessa versão latino-americana intitulada Manual de Bogotá: uma é o fato de que, historicamente, a inovação dessas economias baseia-se mais nos processos de difusão tecnológica por aquisição de tecnologia incorporada do que em rotinas de P&D; outra é que, nesses sistemas, há a presença considerável de multinacionais estrangeiras que atuam como agentes importantes do processo de mudança tecnológica e de captação de recursos para inovação. Apesar dos esforços, muitas das críticas ao Manual de Oslo não foram superadas. Mas nem por isso esse manual deixou de ter o status de referencial metodológico de inovação para a América Latina. As pesquisas sobre organização de P&D e inovação no Brasil têm reafirmado essas proposições e concluem que a estratégia de inovação deve ser integrada, necessariamente, à estratégia comercial, à proteção da propriedade intelectual, aos marcos legais e regulatórios, às capacidades de produzir. Por outro lado, é possível ter uma estratégia inovadora sem ter necessariamente uma predominância do vetor tecnológico (FURTADO, 2004). Existem até mesmo inovações que prescindem de um peso relevante da dimensão tecnológica: este é um ele- 123 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP mento importante para entender o processo de inovações e aprendizagem em outros setores – particularmente no setor de serviços (FURTADO, 2004). Nesse contexto, a Fundação Seade realizou a primeira pesquisa de inovação tecnológica por meio da Paep 1996. Entretanto, a pesquisa limitou-se a captar os processos de inovação na indústria, dado que o setor de serviços não foi investigado sob essa ótica. A segunda versão da pesquisa, realizada em 2001, suprimiu essa lacuna, realizando uma abordagem pioneira sobre a inovação no setor de serviços, dentro de um amplo espectro temático.14 Foram pesquisadas quase 21 mil empresas do Estado de São Paulo com 20 ou mais funcionários. Os dados foram colhidos entre julho de 2002 e junho de 2003, permitindo a análise de diversos segmentos da atividade econômica paulista nesse setor, durante o período 1999-2001.15 A primeira alteração metodológica refere-se à ampliação do âmbito da pesquisa. Em 1996, esse tema foi investigado apenas no setor da indústria geral (extrativa e transformação) e, em 2001, englobou todos os setores da pesquisa (indústria geral, indústria da construção, comércio de mercadorias, serviços e bancos). A segunda principal modificação da pesquisa consiste na definição e classificação da inovação. Na Paep 2001, o indicador de inovação tecnológica foi definido a partir de uma abordagem mais restrita e seletiva, considerando inovadora a empresa que introduziu um produto (bem ou serviço) tecnologicamente novo ou significativamente aperfeiçoado, que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas também para o mercado nacional. A introdução dessa questão permite elaborar um indicador de inovação mais seletivo entre as empresas classificadas como inovadoras. A referência conceitual e metodológica da Pesquisa de Inovação Tecnológica na Paep teve como base o Oslo Manual: proposed guidelines for collections and interpreting innovation data (1997). As alterações introduzidas visaram a atualizar e harmonizar a pesquisa de inovação com a experiência do modelo recomendado pelo Eurostat, consagrado na terceira versão da Community Innovation Survey (CIS-III). O tema “Pesquisa e Desenvolvimento – P&D” foi investigado em conjunto com o levantamento dos dados de inovação tecnológica, exceto para os setores de comércio e bancos. No caso específico do levantamento sobre inovação no setor de serviços, foram considerados apenas os aspectos tecnológicos e reproduzida a mesma a base conceitual aplicada à indústria, com pequenas adaptações para o setor terciário. Ainda que esse procedimento reproduza as limitações das pesquisas de inovações em serviços, como já fora salientado na literatura internacional, permite construir um amplo panorama da economia do Estado de São Paulo, com comparações intersetoriais e intrasetoriais dentro do mesmo arcabouço metodológico. Por outro lado, a Paep 2001 tem um escopo mais amplo que os surveys de inovação norteados pelo Manual de Oslo aplicados na OCDE, no Canadá ou na Austrália, pois capta informa- QUADRO 4 Marco Conceitual e Exemplos de Inovação em Serviços na Paep 2001 Inovação Tecnológica Não-Inovação Tecnológica A inovação tecnológica corresponde à introdução no mercado de um serviço ou produto novo ou significativamente aperfeiçoado para empresa, ou à implementação de um processo novo significativamente aperfeiçoado que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas também para o mercado nacional. A inovação baseia-se em resultados do esforço de desenvolvimento de novas tecnologias ou novas combinações de tecnologias já existentes. Exemplos: Sistemas de automação de abastecimento para indústria; Desenvolvimento de software para gestão operacional de frotas de veículos rodoviários; E-commerce; Web banking – transações financeiras com clientes; LivDev, Sistema de colaboração empresa/cliente para projetos de integração e desenvolvimento de sistemas. 124 Não são consideradas inovações tecnológicas mudanças puramente gerenciais ou organizacionais (como implementação de técnicas e conceitos avançados de gerenciamento, organização e marketing) e mudanças superficiais na prestação de serviços e no conceito de produção ou serviços já existentes. Também não deve ser considerada como inovação tecnológica, a introdução de serviços ou processos que não demandem uso de tecnologia nova. Exemplos: Garantia de produtos Ampliação de produtos e serviços já realizados anteriormente Introduções de pagamentos por fax Mudanças administrativas ou organizacionais que não demandem o uso de tecnologia Introdução de páginas na Internet que visem puramente a divulgação da empresa e não disponham de recursos para comunicação interna, entre a empresa e seus clientes e/ou fornecedores. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... QUADRO 5 Indicadores e Variáveis para Análise da Inovação e Capacitação Tecnológica na Paep 2001 Classes de Indicadores Variáveis de Análise Inovação Tecnológica Inovação de produto ou processo para o mercado; principal agente da inovação; distribuição percentual de produtos novos na receita de vendas da empresa; principais fontes de inovação; entre outras Atividades de P&D Rotinas sistemáticas de P&D; subcontratação de atividades de P&D; número de pessoas alocadas à P&D, entre outras Aquisição de Tecnologia Incorporada Aquisição de Tecnologia Desincorporada Despesas com aquisição em máquinas e equipamentos nacionais e estrangeiros Despesas com royalties e assistência técnica local e estrangeira Investimentos em Ativos Intangíveis Capacitação em Gestão de Operações Corporativas Capacitação em Gestão Produtiva Recursos Humanos Investimentos em softwares, copyright, marcas, patentes e franquias Uso de softwares de gestão integrada, estudos sobre clientes (satisfação do cliente, estratégias de vendas, etc.), estudos sobre concorrentes, informatização das atividades administrativas, desenvolvimento de produtos, informatização das atividades operacionais, estratégias de terceirização Automação industrial; idade média dos equipamentos Programas de qualidade e produtividade (Q&P) Certificados de qualidade Categorias ocupacionais segundo escolaridade, número de ocupados Programas de treinamento e educação Uso de TICs Uso de computadores; uso de redes de longo alcance integradas com clientes e fornecedores; acesso à Internet; uso de comércio eletrônico Interação com o Sistema de CT&I Acordos de cooperação para o desenvolvimento de atividades de inovação/laboratórios e centros de P&D/Universidades e centros profissionalizantes/Institutos de pesquisa governamentais Interação e Cooperação na Cadeia Produtiva Desenvolvimento conjunto de processos e serviços Contratos de longo prazo Troca sistemática de informações sobre qualidade e desempenho Levantamento de informações sobre mudança no perfil do cliente Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. EVIDÊNCIAS ESTATÍSTICAS SOBRE O COMPORTAMENTO DA INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA E NO SETOR DE SERVIÇOS ções sobre um conjunto de variáveis que permitem entender as dinâmicas de inovação com uma cesta de indicadores mais ampla que aquelas delimitadas pelas pesquisas sobre inovação tecnológica strictu sensu. Desse modo, os dados sobre difusão das TICs, estratégias de gestão de recursos humanos, instrumentos e métodos gerenciais, organização e requisitos de inserção em cadeias produtivas e qualificação de recursos humanos, entre outros, permitem uma abordagem mais ampla do processo de inovação, tal como defendida por Marklund (2000), integrando diversos enfoques que interagem no processo de inovação e difusão no setor de serviços (Quadro 5). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 Estudos como o realizado por Schwartz et al. (2004), demonstram que o Estado de São Paulo é o principal centro das indústrias brasileiras em setores de alta tecnologia e de parte significativa dos serviços mais avançados, integrando os elos mais dinâmicos da cadeia produtiva dos setores ligados a TICs. A partir da adoção da tipologia recomendada pela OCDE para o setor de TICs, demonstra-se o elevado o grau de 125 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP concentração econômica regional no Estado de São Paulo em atividades que dão prioridade ao conhecimento e informação – tanto na indústria como no setor de serviços. Com o objetivo de proporcionar uma demonstração empírica dos enunciados críticos suscitados neste artigo – as diferenças e convergências no comportamento setorial da inovação –, foi realizado um exercício preliminar utilizando a base de dados da Paep 2001, a partir dos dados das empresas sediadas no Estado de São Paulo com porte ocupacional de 20 ou mais pessoas. Este exercício focalizou tanto as atividades das empresas industriais como as de um conjunto selecionado do setor de serviços: agricultura, técnicos para empresas, auxiliares para empresas, transporte, telecomunicações, correio, informática, saúde, energia, gás e água, limpeza urbana/esgoto. A Paep 2001 apresenta um universo de 13.645 empresas industriais e quase 21 mil do setor de serviços. Na indústria, 961 empresas afirmaram ter introduzido um novo produto para o mercado nacional – o que resultou em uma taxa de inovação da ordem de 7%. No conjunto selecionado de atividades do setor de serviços, 923 responderam ter introduzido novos produtos e/ou processos para o mercado, perfazendo um resultado total da taxa de inovação de 5,6%. Como foi salientado por Viotti et al. (2005, p. 684) e Furtado (2004) o conceito de inovação para o mercado corresponde a um tipo de inovação mais próximo da idéia original de inovação schumpeteriana. Considerando o seu impacto no padrão de competitividade e na acumulação de capacitação tecnológica da empresa que a realiza, ela pode ser classificada como uma inovação qualitativamente superior àquelas que são novidades apenas para as em- presas, mas não o são para o mercado. Em contrapartida, as inovações que são pioneiras apenas para as empresas estão mais próximas do conceito schumpeteriano de difusão (ou absorção) tecnológica. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se argumentar que as modestas performances das taxas de inovação setoriais devem-se ao peso reduzido das inovações originais ou criadoras na economia paulista. Além disso, essas taxas corroboram a hipótese de que o sistema paulista apresenta uma característica estrutural predominantemente estigmatizada por trajetórias de aprendizado tecnológico típicas de economias imitadoras e periféricas, nas quais a mudança técnica está associada basicamente à absorção e ao aperfeiçoamento de inovações geradas fora do país ou pela dinâmica de aquisição de tecnologia incorporada em bens de capital (QUADROS et al., 2004). Tal como foi enfatizado na seção anterior, a partir da investigação de empresas inovadoras quanto à sua atuação na realização de atividades de P&D (Tabela 1), observa-se que a indústria apresenta maior intensidade de rotinas (48,9%) e de existência formal de laboratórios de P&D (39,2%), em comparação com o setor de serviços (31,4% e 15,5%, respectivamente). Ademais, as informações sobre subcontratação das atividades de P&D revelam que esses expedientes são mais praticados pelo setor de serviços (30,4%) do que pela indústria (25,6%). O conjunto demonstra que as atividades de inovação e P&D no setor de serviços não parecem ser necessariamente tão formalizadas e organizadas como na indústria, pois possuem características próprias e dinâmicas singulares em seu desenvolvimento e em sua execução, segundo os tipos dos serviços prestados, que as diferenciam das rotinas da indústria. É verdade também que, em muitos casos, o setor de serviços benefi- TABELA 1 Empresas do Setor da Indústria e dos Serviços Selecionados, Inovadoras para o Mercado Nacional, segundo Indicadores das Atividades de Inovação Estado de São Paulo – 2001 Em porcentagem Indicadores das Atividades de Inovação Indústria Introduziram Produto e/ou Processo Novo para o Mercado Nacional 7,1 Serviços Selecionados 5,6 Realizaram Atividade de P&D Sistemática ou Contínua 48,9 31,4 Contrataram Atividade de P&D 25,6 30,4 Possuem Laboratórios de P&D 39,2 15,5 Solicitaram Registro de Patentes/Copyright 55,3 25,2 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Nota: Empresas com 20 ou mais pessoas ocupadas sediadas no Estado de São Paulo. 126 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... própria aplicação de mecanismos de proteção da inovação, por isso, são menos utilizados pelas empresas inovadoras do setor de serviços. Prosseguindo com o exercício analítico de “evidenciar padrões de comparabilidade tecnológicas entre indústria e serviços”, sistematizou-se as informações do universo das empresas que compõem esses setores. Desagregadas por atividades, elas apontaram para as possíveis relações entre o grau de intensidade tecnológica setorial, 16 o comportamento da taxa de inovação, das rotinas de P&D e a difusão de computadores por pessoas ocupadas (Tabelas 2 e 3). Mesmo levando-se em conta o elevado grau de heterogeneidade, a distinção dos regimes de funcionamento econômico ou as dimensões relacionadas à intensidade e cia-se das atividades de P&D da indústria a partir da aquisição de um novo conhecimento ou tecnologia. Conseqüentemente, é possível presenciar no setor de serviços uma relação causal menos efetiva entre as atividades internas de P&D e o lançamento de novos produtos para o mercado nacional do que a que pode ser constatada na indústria. A baixa socilitação de registro das inovações no setor de serviços (25,2%) pode estar associada ao alto nível de intangibilidade dessas atividades – o que exige uma grande capacidade de compreensão e codificação dos sistemas complexos de serviços por parte dos recursos humanos envolvidos no processo de inovação. Além disso, os custos e o grau de incerteza incorporados a essas operações de registro de copyright acabam por inibir a TABELA 2 Empresas do Setor Industrial, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e Difusão de Computadores, segundo Atividades Estado de São Paulo – 2001 Taxa de Inovação (1) (%) Realizaram Atividade Interna de P&D (%) Indústria 7,1 13,0 9,7 0,8 4,7 Indústria Extrativa 2,3 4,0 13,6 0,3 10,2 Alimentos e Bebidas 5,2 13,5 11,7 0,5 5,6 Produtos Têxteis 3,5 8,7 6,1 0,3 8,5 Confecção de Vestuários e Acessórios 0,7 5,2 5,5 0,4 9,5 Prepar. e Confecções de Artefatos de Couro 3,6 10,5 11,3 0,3 10,4 Celulose e Papel 4,6 13,5 7,5 0,4 4,4 Edição, Impressão, Reprodução de Gravações 3,0 6,5 7,9 0,5 2,2 Refino de Petróleo e Álcool 2,9 3,1 17,2 0,1 9,9 Atividades Produtos Químicos Contrataram Atividade de P%D (%) Intensidade Tecnológica (2) (%) Densidade de Pessoas por Computador (3) 15,1 30,5 16,7 1,4 3,5 Artigos de Borracha e Plásticos 5,7 12,9 9,5 0,6 6,3 Prod. Minerais Não-Metálicos 4,6 10,4 10,7 0,5 7,8 Metalurgia Básica 9,2 11,3 9,5 0,5 3,1 Produtos de Metal (Excl. Máq. e Eq.) 6,5 9,8 10,5 0,4 5,3 Máquinas e Equipamentos 16,5 15,9 9,1 0,9 4,0 Máq. Escritório e Equipamentos de Informática Máquinas, Aparelho e Material Elétrico 27,0 11,1 38,2 21,8 23,5 9,5 2,7 0,9 1,4 3,8 Material Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações 20,2 31,5 19,0 4,3 2,3 Equipamentos Médicos, Ótica e Relógios, Instrumentos de Precisão e Automação Industrial 19,4 32,8 16,7 3,1 3,1 8,0 16,8 10,3 0,6 5,5 13,7 11,3 12,4 11,6 2,2 3,6 9,2 6,1 0,4 7,5 Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias Outros Equipamentos de Transporte Outras Indústrias Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. (1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade. (2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor. (3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 127 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP amplitude do impacto da inovação em termos de encadeamentos tecnológicos, observa-se que a principal evidência diz respeito às rotinas e estratégias de P&D praticadas nos dois setores. Os dados da Paep indicam que no setor de serviços a incidência de empresas que contrataram atividades de P&D (11,1%) em 2001 é superior às empresas que realizam essas atividades internamente (6,5%) – in house, ao contrário do setor industrial (Tabela 2), onde a maior parte das empresas que realizam atividades de P&D o fazem internamente (13,0%) enquanto uma menor porcentagem (9,7%) das empresas contrataram serviços externos de P&D. Em relação à diversidade intra-setorial, verifica-se, na Tabela 2, que aquelas atividades da indústria que expressam um comportamento mais elevado do indicador de intensidade tecnológica – bem acima da média do setor (0,8%) –, acabam por apresentar performances positivas quanto às taxas de inovação e rotinas internas de P&D assim como um padrão superior de difusão tecnológica, considerando-se a oferta de computadores por pessoas ocupadas. Nesse grupo, sobressaem-se quatro atividades: Outros Equipamentos de Transporte (11,6%) – particularmente influenciada pelo setor aeronáutico, Material Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações (4,3%), Equipamentos Médicos, Instrumentos de Precisão e Automação Industrial (3,1%) e Equipamentos de Informática (2,7%). Saliente-se ainda a alta incidência da contratação externa das atividades de P&D praticada pelo setor de equipamentos de informática (23,5%) e material eletrônico e de equipamentos de comunicações (19,0%).17 Embora deva ser evidenciado o baixo dinamismo em relação à taxa de inovação e às atividades de P&D na análise sobre o comportamento de empresas inovadoras no setor de serviços, é importante ressaltar que estudos desenvolvidos por Miozzo e Soete (2001) têm enfatizado que, nas economias cêntricas, os serviços que priorizam conhecimento e ciência – os chamados KIBS – têm demonstrado uma notável propensão para a atividade exportadora ou trajetórias de internacionalização e inovação. Estudo recente realizado por Bernardes e Kalup (2005) baseado em informações da Paep 2001 e tendo como foco os serviços de telecomunicações, de P&D, audiovisuais, informática e técnico às empresas, demonstrou que, ao contrário da experiência internacional, são poucos os serviços inovadores que realizam atividades exportadoras – sendo que a ampla maioria tem no mercado interno e local a sua principal fonte geradora de receitas. 18 De modo geral, observa-se que, em todos os segmentos de serviços que realizam P&D, a incidência de contratação externa é superior ao desenvolvimento interno dessas atividades nas empresas. Em segmentos como informática e telecomunicações, as taxas de inovação (29,7% e 14,9%, respectivamente) são muito próximas às incidências das atividades internas de P&D (24,4% e 14%, respectivamente) e à sua contratação externa (24,2% e 14,0%, respectivamente). Já os indicadores de difusão tecnológica mostram maior oferta de computadores – em relação à média do setor (3,1%) – nos serviços intensivos no uso de TICs. São eles: serviços de telecomunicações (0,6%); informática (0,6%); técnicos às empresas (1,4%) e energia, gás e água (2,6%). Os serviços de informática e os serviços técnicos às empresas apresentam os maiores níveis de intensidade tecnológica, 4,8% e 2,0%, respectivamente. Entretanto, esses dois segmentos merecem algumas considerações. Apesar do mercado de informática ser dominado por gigantes multinacionais (Microsoft, Unysis, Oracle, entre outras) existem nichos que oferecem oportunidades de atuação para as médias e pequenas empresas. Essas empresas de capital nacional disputam o mercado local de software em aplicativos de gestão empresarial e de inteligência de negócios, dispondo de substancial capacidade competitiva19 para concorrer com as principais multinacionais instaladas em São Paulo e no Brasil. No caso dos serviços técnicos para empresas, existe uma oferta diversificada de serviços de alta qualificação, entre elas os de P&D, que exigem um determinado tipo de competência e expertise profissional e que passaram a ser intensamente demandados pelas empresas – sobretudo nos anos 90, com os expedientes de focalização dos negócios, de externalização das atividades empresariais e o ingresso de novos concorrentes na economia. Segundo Nählinder (2002, p. 4), as empresas de KIBS geralmente são estruturadas por carreers of knowledge, isto é, seus funcionários possuem uma alta graduação e conhecimento e seus produtos não podem ser gerados por máquinas. Ademais, a relação produção-cliente, devido à alta singularidade de cada produto e ao modus operandi da produção, é bem mais intensa nessas atividades. Sendo assim, esses funcionários são geralmente bem remunerados. Isso faz com que os salários sejam transformados em start-up para seus próprios empreendimentos (o que também não requer um alto capital inicial) e assim passam a ser competidores de seus antigos empregadores. Ressalte-se ainda que um seleto grupo das empresas pertencentes aos segmentos de engenharia e arquitetura ou escritórios de advoca- 128 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... TABELA 3 Empresas do Setor de Serviços, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e Difusão de Computadores, segundo Atividades Estado de São Paulo – 2001 Atividades Taxa de Inovação (1) (%) Realizaram Atividade Interna de P&D (%) Contrataram Atividade de P&D (%) Intensidade Tecnológica (2) (%) Densidade de Pessoas por Computador (3) Serviços 5,9 6,5 11,1 0,6 3,1 Agricultura 3,2 4,2 0,5 0,2 20,8 Técnicos às Empresas 5,1 4,5 19,0 2,0 1,4 Auxiliares às Empresas 1,5 3,6 6,4 0,2 8,7 Transporte 2,3 4,1 8,7 0,2 5,0 Telecomunicações 14,9 14,0 14,0 0,7 0,6 Atividades de Informática 29,7 24,4 24,2 4,8 0,6 Saúde 7,3 6,6 8,0 0,5 5,3 Energia, Gás e Água 4,9 12,7 15,3 0,8 2,6 Limpeza Urbana/Esgoto 6,7 4,8 7,2 0,2 16,7 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. (1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade. (2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor. (3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo. TABELA 4 Empresas da Indústria e dos Serviços, Inovadoras para o Mercado Nacional, segundo Importância das Fontes de Informação para o Desenvolvimento das Atividades de Inovação Tecnológica Estado de São Paulo – 1999-2001 Em porcentagem Fontes de Informação Indústria Serviços Departamentos da Empresa 63,45 80,11 Outras Empresas Dentro do Grupo da Empresa 23,44 43,19 Fornecedores de Equipamentos, Materiais, Componentes ou Softwares 60,17 73,96 Clientes 76,20 68,68 Concorrentes 50,27 44,40 Empresas de Consultoria 18,34 29,34 Universidades e Outros Institutos de Educação Superior 27,50 27,36 Institutos de Pesquisa/Centros Profissionalizantes 25,38 18,13 Aquisição, Licenças, Patentes e Know-How 30,78 20,66 Conferências, Encontros e Publicações Especializadas 39,59 50,77 Feiras e Exposições 56,10 45,49 Departamentos de P&D 76,87 - Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Nota: Considerou-se somente as variáveis “importante” e “muito importante” como fontes de informação para empresa inovar no período 1999/2001. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 129 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP cia desfruta de prestígio no mercado internacional e exportam seus serviços. Nos serviços de telecomunicações, observa-se que a taxa de inovação (14,9%) apresenta o segundo melhor desempenho entre os serviços estudados, embora o indicador de intensidade tecnológica posicione-se mais próximo da média total do setor de serviços. Esse resultado deve-se à existência de duas concorrências dinâmicas e técnicas distintas. De um lado, toma-se como exemplo o segmento de telefonia fixa – onde há monopólio de oferta de serviços e uma moldura institucional de regulamentação pública que acabam por determinar um grau reduzido de contestabilidade do mercado, originando maior concentração econômica das empresas. Desse modo, nessas atividades, quem mais gera valor são as grandes empresas: elas são mais expressivas econômica e estruturalmente, e, por isso, são caracterizadas como prestadoras de serviços complexos e altamente custosos que necessitam elevados recursos tecnológicos. Por outro lado, no segmento de manutenção e assistência de telecomunicações, que é caracterizado por prestações de serviços de baixo conteúdo tecnológico, as oportunidades para as pequenas e médias é superior – o que esti- mula uma alta competitividade de mercado. Em sua maioria, essas empresas não realizam atividades de P&D e têm grande participação númerica nesse segmento. Dessa forma, acabam criando um impacto negativo no resultado do indicador de intensidade tecnológica. Voltando a tratar das empresas inovadoras e considerando as fontes de informação como insumos críticos para os processos de desenvolvimento e implementação de inovações (Tabela 4) observa-se que, tanto na indústria como no setor de serviços, as principais fontes utilizadas evidenciam um movimento competitivo cada vez mais direcionado para os sinais de mercado. Nesse sentido, os clientes despontam como variáveis críticas para os dois setores. Entretanto, as atividades internas de P&D (in-house) parecem ser mais importantes para a indústria do que para o setor de serviços, que recorre às informações de outros departamentos da empresa ou mesmo do grupo (departamentos de marketing, de planejamento estratégico, entre outros). Uma outra característica comum entre as empresas de serviços e as da indústria é que os fornecedores de equipamentos de materiais e softwares também constituem um importante insumo para o esforço inovador, embora haja TABELA 5 Empresas do Setor de Serviços, Inovadoras e Não-Inovadoras para o Mercado Nacional, por Estratégias Avançadas de Gestão Corporativa, segundo Atividades Estado de São Paulo – 2001 Em porcentagem Estudos sobre Concorrentes Estudos sobre Clientes Atividades Inovadoras NãoInovadoras Inovadoras NãoInovadoras Uso de Software de Gestão Integrada Inovadoras NãoInovadoras Setor de Serviços 82,8 49,4 51,3 24,5 61,2 31,2 Agricultura 66,7 32,1 16,7 20,1 0,0 6,0 Técnicos às Empresas 61,7 35,6 37,2 21,5 78,7 33,9 Auxiliares às Empresas 76,6 50,6 48,9 25,7 40,4 20,0 Transporte 85,9 48,1 35,9 23,5 90,6 34,3 Telecomunicações 94,4 57,3 44,4 39,8 94,4 35,9 Atividades de Informática 95,5 84,6 63,3 42,0 55,2 54,9 Saúde 72,1 50,2 47,1 14,7 53,8 39,5 Energia, Gás e Água 46,2 55,3 38,5 41,6 30,8 34,1 Limpeza Urbana/Esgoto 83,3 51,2 50,0 30,5 83,3 27,3 Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. 130 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... pouco maior naqueles com intensidade tecnológica superior), a experiência internacional revela que ele pode ser bastante inovador exportando e empregando recursos humanos de alta qualificação e renda. No caso da economia paulista, esse comportamento pode ser explicado, em parte, porque as estratégias corporativas das grandes empresas vêm se pautando pela internalização ou desenvolvimento das competências essenciais para a sua competitividade. Em outros casos, porque compra, no mercado externo, soluções não encontradas localmente. Ademais, a própria fragilidade tecnológica e inovadora da indústria marcada pela baixa densidade das rotinas de P&D gera pressões de demanda menos dinâmicas e exigentes para os serviços tecnológicos e intensivos em conhecimento. Entretanto, as informações da Paep 2001 e do estudo realizado por Bernardes e Kalup (2005) também mostraram que os serviços de informática, telecomunicações e técnicos às empresas apresentam um comportamento inovador sofisticado – e, em alguns casos, com performances bastante competitivas. Sob a ótica do desenvolvimento e do fortalecimento da competitividade, os serviços intensivos em inovação e conhecimento são elementos estruturais de suporte que podem estimular o crescimento econômico e industrial, o comportamento inovador empresarial e a difusão de novas tecnologias. Nesse sentido, a formulação de políticas públicas de competitividade e inovação direcionadas para a promoção do desenvolvimento tecnológico e a internacionalização dos serviços – estimulando a reversão do déficit da balança de serviços –, assim como o fomento na articulação e integração com o setor industrial são estratégicas, podendo resultar no longo prazo em benefícios maiores para a economia em termos de geração de divisas, tecnologia, emprego e renda. indicações de que essa variável é mais valorizada no setor de serviços. Por fim, as informações originárias das atividades de conferências, encontros e publicações especializadas e empresas de consultoria são mais utilizadas pelas empresas de serviços do que pela indústria. Embora a metodologia recomendada pelo Manual de Oslo considere as mudanças gerenciais como não-inovações tecnológicas, há pesquisas internacionais que argumentam que as estratégias de marketing e as técnicas avançadas de gestão corporativa são conceitos críticos para o processo de inovação no setor de serviços. Em muitos casos, as pesquisas que visam à inovação nascem e são desenvolvidas nas áreas de inteligência de mercado e marketing (THOWKE, 2003). Os dados apresentados na Tabela 5 demonstram que, para as empresas inovadoras do setor de serviços, a combinação de estudos sobre os clientes (82,8%), sobre os concorrentes (51,3%) e o uso de softwares de gestão integrada (61,2%) são elementos importantes para a compreensão da natureza da inovação nesse setor. Por este motivo, as pesquisas sobre inovação devem aprofundar seus estudos sobre essas variáveis. CONCLUSÕES Os resultados deste estudo são parte de um exercício preliminar e pioneiro sobre a natureza, o comportamento da inovação no setor de serviços e seus padrões de convergência e diferenciação tecnológica, tendo como referência a indústria paulista. A consecução dos objetivos propostos neste estudo foi viabilizada por meio da exploração da base de dados inédita produzida pela Paep 2001, que demonstra a grande vitalidade e multidimensionalidade das informações sobre a economia de serviços no Estado de São Paulo. As conclusões deste trabalho sugerem a importância da construção de indicadores de monitoramento das atividades de inovação, P&D e difusão tecnológica nos serviços, como instrumento estratégico para as políticas de inovação e de desenvolvimento econômico. Considerando as características estruturais de segmentação e heterogeneidade do setor de serviços, observa-se a necessidade de promover estudos aprofundados para melhor compreender os padrões de funcionamento intra-setoriais e os fluxos econômicos e tecnológicos entre este setor e o industrial. De modo geral, embora se verifique um baixo dinamismo nas atividades inovadoras no setor de serviços (um SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 NOTAS 1. Organizações como a UN (United Nations): Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) e UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development); o IDB (InterAmerican Development Bank) e a EC (European Commission), têm elaborado estudos de caráter conceitual, metodológico e operacional que servem de orientação e recomendação para a atuação dos países, com relação tanto à formulação e à avaliação de políticas como à produção de dados. Essas instituições vêm exercendo a liderança no processo de padronização de conceitos e métodos, bem como na construção de indicadores comparáveis internacionalmente. Ver, Porcaro (2004). 131 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP 2. Para uma revisão detalhada sobre o histórico metodológico das estatísticas de CT&I, ver: Archibugi e Sirilli (2000); Bernardes (2003); Schwartz et al. (2004) e Porcaro (2004). 12. Os países são Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e Noruega. 3. Ver: <http://www.nsf.gov/>. 13. Seguindo a ótica dessas indagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/ Interamericana de Indicadores de Ciencia y Tecnología desenvolveu o Manual de Bogotá (JARAMILLO et al., 2000), resultado de um esforço conjunto de pesquisadores latino-americanos para contornar dificuldades da adoção do Manual de Oslo em pesquisas de inovação na América Latina. 4. Para uma amostra sobre a produção científica baseada nesta pesquisa ver: Quadros et al. (1999); Costa (2003); Araújo (2001), entre outros. 5. As informações da Paep 1996 tiveram uma importante contribuição para a elaboração do segundo volume da série indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação para 2001 no Estado de São Paulo organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp. Esse estudo teve sua terceira versão publicada em 2005, tendo como ano-base 2004. As duas publicações estão disponibilizadas no site da Fapesp: <http://www.fapesp.br/indicadores/>. 14. Nessa pesquisa foram excluídos os segmentos serviços domésticos, administração pública, serviços financeiros e condomínios. 15. Ressalte-se que o âmbito geral da Paep 2001 foi mais amplo do que aquele analisado neste artigo. Na Paep 2001 foram investigadas as empresas dos setores indústria e indústria da construção com mais de cinco pessoas ocupadas e todas as empresas, independentemente do número de pessoas ocupadas, do Comércio, dos Bancos e dos Serviços, com atividade no Estado de São Paulo. Não foram pesquisados os segmentos pertencentes às instituições financeiras, administração pública, serviços de condomínio e serviços domésticos. Neste sentido, o universo total da pesquisa foi de 792 mil empresas. 6. Entre as iniciativas que contribuíram para o aperfeiçoamento desse campo metodológico, é digna de menção a discussão conceitual e institucional da mudança tecnológica e da organização P&D no Brasil, promovida no âmbito do Diretório da Pesquisa Privada (DPP) e do Observatório de Estratégias para a Inovação (OEI). Um dos argumentos sustentados é o de que não basta ter unicamente uma estratégia alinhada em termos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), com investimentos volumosos e direcionados para áreas promissoras. 16. O indicador de intensidade tecnológica é uma proxy limitada sobre o esforço tecnológico realizado pelas empresas. É calculado pelo número de pessoas de nível superior alocadas em P&D em relação ao total do número de pessoas ocupadas no setor de atividade. O indicador desejável seria o cálculo entre os dispêndios em P&D/Valor de Transformação Industrial; entretanto, a Paep 2001 não dispõe dessas informações. A análise baseada nessas informações foi realizada em Quadros et al. (2004) e Furtado e Quadros (2005). 7. Calculam que os serviços transacionáveis baseados no conhecimento representavam 18% do valor adicionado (VA) total dos países membros da OCDE. Os correios, os serviços de telecomunicações e os serviços às empresas estão, em geral, entre os serviços transacionáveis mais utilizadores de tecnologia. Estes setores representavam cerca de 25% do VA na Suíça. Entre os países do G7, os EUA e o Reino Unido são os que apresentam os serviços com forte intensidade de conhecimento mais desenvolvidos. 17. Um estudo realizado por Quadros et al. (2004) que utilizou informações da Pintec 2000 para o Estado de São Paulo sobre dispêndios das empresas inovadoras, captou o mesmo comportamento para o setor de material eletrônico, onde 20% dos dispêndios em atividades inovativas eram direcionados para a aquisição externa de P&D. Os autores questionavam o resultado, argumentando que esse segmento é altamente apoiado por recursos e incentivos federais. Esse resultado seria até mesmo contraditório em relação às informações de fontes de inovação, onde verifica-se a pequena importância atribuída à cooperação tecnológica e às instituições externas para as atividades inovativas. 8. Segundo Miles (1995), na primeira metade da década de 90, cerca de 80% dos investimentos em tecnologia de informação no Reino Unido e EUA são consumidos nos setores de serviços. 9. São definidas pelas atividades de serviço, indústria e comércio relacionadas com o processo de informação e comunicação por meios eletrônicos. 10. A origem do termo KIBS é pouco precisa, mas sabe-se que foi empregado pela primeira vez no projeto Innovation Programme Directorate General for Telecommunications, Information Market and Exploitation of Research financiado pela OCDE e conduzido por Miles (1995). Os KIBS podem ser agrupados em dois conjuntos: serviços usuários de novas tecnologias e serviços produtores de novas tecnologias. São exemplos do primeiro grupo os segmentos de engenharia, arquitetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras e jurídicas, entre outros. Pertencem ao segundo grupo: as redes de informática, os serviços de telecomunicações, empresas de P&D, entre outras. 18. Ficou demonstrado que, embora apresentem individualmente uma expressão numérica modesta (17% das empresas), o conjunto de serviços produtivos que dão prioridade à informação e ao conhecimento contribui com uma parcela relevante da atividade econômica, pois eles são responsáveis por 27% do VA do total dos serviços. Em média, seu perfil ocupacional apresenta níveis de qualificação mais elevado do que os do total do setor. A relação de ocupações de nível superior é mais elevada do que a das ocupações de nível médio. Os indicadores de difusão tecnológica também demonstram um padrão de intensidade superior ao observado para o conjunto dos serviços. Por exemplo, os indicadores de oferta de computadores, acesso a internet, home page e comércio eletrônico são bem superiores aos observados para o total de serviços (BERNARDES; KALUP, 2005). 11. O debate e a própria compreensão sobre a natureza da inovação no setor de serviços foi fortemente influenciado pelo modelo do “ciclo reverso do produto” (CRP) proposto por Richard Barra´s, que por sua vez, apresentava clara influência da abordagem neoschumpeteriana. Essa abordagem, considerada como determinística por autores como Uchupalanan (1998), Sundbo e Gallouj (2000), foi a iniciativa pioneira no sentido de formalização de uma teoria da inovação e aprendizado nas empresas de serviços a partir de uma perspectiva dinâmica e interativa. No CRP, a natureza das trajetórias tecnológicas de inovação e capacitação modificam-se em cada uma das três fases do seu ciclo de desenvolvimento. Tal modelo pressupõe que, em certos serviços como bancos, telecomunicações, informática, seguros, serviços de contabilidade e finanças, observase um ciclo de vida reverso ao ciclo de produto convencional da indústria. Nessa abordagem, o ponto central é o de que o setor serviços apropria-se, inicialmente, de novas tecnologias (na forma de aquisição de informações e sistemas computacionais e telemáticos) desenvolvidos pela indústria. 19. As vantagens reveladas pelas empresas nacionais estão relacionadas as oportunidades de nichos de mercados decorrentes da oferta de serviços e soluções corporativas para o uso de tecnologias de informação baseadas em custos mais acessíveis e competitivos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, M.F.I. Impactos da reestruturação produtiva sobre a Região Metropolitana de São Paulo no final do século XX. Tese (Doutorado) – IEA/Unicamp, Campinas, 2001. 132 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 SERVIÇOS NA PAEP 2001: ... Journal of Innovation Management, v. 4, n. 4, p. 417-454, Dec. 2000. ARCHIBUGI, D.; SIRILLI, G. The direct measurement of technological innovation in business. National Research Council, Rome, Italy, 2000. HOWELLS, J. Innovation & Services: new conceptual frameworks. CRIC Discussion Paper, 38. The University of Manchester & Umist. Aug. 2000. BALDWIN, J.R. et al. Innovation in Dynamic Service Industries. Statistics Canada. Ottawa. Dez. 1998. BELL, D. The Coming of Pos-Industrial Society, a venture in social forescasting. New York: Basic Book, 1973. JARAMILLO, H.; LUGONES, G.; SALAZAR, M. Manual de Bogotá: normalización de indicadores de innovación tecnológica en América Latina y el Caribe. Bogotá, Colombia, 2000. (Proyecto financiado por la Organización de Estados Americanos OEA). BERNARDES, R. Produção de estatísticas e inovação tecnológica: Paep 1996-2001. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 3-4, p. 151-167, jul./dez. 2003. KANNEBLEY JUNIOR, S.; SILVEIRA PORTO, G.; TOLDO PAZELLO, E. Inovação na indústria brasileira: uma análise exploratória a partir da Pintec. Revista de Inovação Brasileira, v. 3, n. 1, 2005. BERNARDES, R.; KALUP, A. A nova economia de serviços em São Paulo: setores produtivos intensivos em informação e conhecimento. São Paulo: Fundação Seade, out. 2005. (Relatório de Pesquisa). KON, A. Economia de Serviços – Teoria e Evolução no Brasil. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004. BESSA, V.C.; TERCI, D.; NERY, M. Sociedade do conhecimento. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 17, n. 3-4, p. 3-16, jul./dez. 2003. MARKLUND, G. Indicators of innovation activities in services. In: BONDEN, M.; MILES, I. Services and the knowledge-based economy. London and New York: Ed. Continuum, 2000. BONDEN, M.; MILES, I. Services and the knowledge-based economy. London and New York: Ed. Continuum, 2000. CLARK, C. Las condiciones del Progresso Económico. Madrid: Alianza Editorial, 1980. MILES, I. Services Innovation: a reconfiguration of innovation studies. Prest Discussion Paper 01-05, University of Manchester, 2001. COSTA, I. Empresas multinacionais e capacitação tecnológica na indústria brasileira. 2003. Tese (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Universidade Estadual de Campinas/Instituto de Geociências, Campinas. 2003. ________. Services Innovation: Statistical and Conceptual Issues. April 1995. Paper prepared for OECD/DSTI and presented at NESTI workshop (DSTI/EAS/STP/NESTI, (95)23). DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. MIOZZO, M; SOETE, L. Internationalization of Services: A Technological Perspective. Technological Forecasting and Social Change, n. 67, p. 159-185, 2001. EVANGELISTA, R.; SAVONA, M. Patterns of innovation in services: the results of the Italian Innovation Survey. In: ANNUAL RESER CONFERENCE, 7th, Berlin. Paper… Berlin: 8-10 Oct. 1998. MOMIGLIANO, F.; SINISCALCO, D. Mutamenti nella strutura del sistema produttivo e integrazione tra industria e terziario. In: PASINETTI, L. (Ed.). Mutamenti Struturali Del Sistema Produtivo – integrazione tra industria e settore terziario. Mulino: 1986. EVANGELISTA, R.; SIRILLI, G.; SMITH, K. Measuring Innovation in Services. IDEA Paper, n. 6, Oslo, STEP Group, 1998. NÄHLINDER, J. Innovation in KIBS. State of art and conceptualisations. In: SIRP Seminar. England: Jan. 2002. FISHER, A.G. The Clash of Progress and Serenity. London: 1935. PORCARO, R.M. A informação estatística oficial na sociedade da informação: uma (des)construção. DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, v. 2, n. 2, abr. 2004. Disponível em: <http://www.dgz.org.br/abr01/Art_04.htm>. FREEMAN, C.; CLARK, J.; SOETE, L. Unemployment and Technical Innovation. London, Frances Printer, 1982. FUCHS, V.R. The Service Economy. National Bureau of Economics Research, 1968. QUADROS, R.; FURTADO, A.; BERNARDES, R.; FRANCO, E. Padrões de inovação tecnológica na indústria paulista: comparação com os países industrializados. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 13, n.1-2, p. 53-66, jan./jun. 1999. FURTADO, A.T.; QUADROS, R. Padrões de intensidade tecnológica da indústria brasileira: um estudo comparativo com os países centrais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 19, n. 1, p. 70-84, jan./mar. 2005. QUADROS, R.; ARAÚJO, M.F.I.; BERNARDES, R.; FURTADO, A. Inovação tecnológica na indústria: uma análise com base nas informações da Pintec. In: FAPESP. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo . São Paulo: 2004. cap. 8. FURTADO, J. O comportamento inovador das empresas industriais no Brasil. Estudos e Pesquisas, Rio de Janeiro, n. 88, set. 2004. SCHWARTZ, G. (Coord.).; BESSA, V. de C.; TERCI, D.C.; LEMOS, P.; BRITO, M. das G.M. Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e Redes Digitais. In: FAPESP. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo. São Paulo: 2004. cap. 10. GALLOUJ, F.; WEINSTEIN, O. Innovation in services. Research Policy, n. 26, p. 537-556, 1997. GERSHUNY, J.; MILES, I. The New Service Economy. London: Frances Printer, 1983. SIRILI, G.; EVANGELISTA, R. Technological Innovation in Services and Manufacturing: results from Italian Surverys. In: SYSTEMS AND SERVICES INNOVATION WORKSHOP, CRIC, UNIVERSITY OF MANCHESTER, 17-18, Mar. 1998, forthcoming in Research Policy, 1988. HAUKNES, J. Services in Innovation – Innovation in Services. Paris: OECD, Sept. 1999. HIPP, C.; TETHER, B.; MILES, I. The incidence and effects of innovation in services: Evidence from Germany. International SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 133 ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP SUNDBO, J.; GALLOUJ, F. Innovations as a Loosely Coupled System in Services. In: METCALFES, J.S.; MILES, I. (Ed.). Innovation Systems in the Services Economy: Measurement and Case Study Analysis. Boston: Kluwer Academic Publishers, 2000. p. 43-68. VIOTTI, E.; MACEDO, M.M.(Org.). Indicadores de ciência tecnologia e inovação no Brasil. Campinas, Ed. Unicamp, 2003. THOWKE, S. P&D chega aos serviços: experimentos revolucionários do Bank of America, Harward Business Review, v. 81, n. 4, abr. 2003. ROBERTO BERNARDES: Doutor em Sociologia pela USP, Professor Adjunto da Escola Superior de Propaganda e Marketing e Analista da Fundação Seade. TOURAINE, A. La société post-industrielle. Paris: Denoel, 1969. VAGNER BESSA: Mestre em Geografia pela USP, Analista da Fundação Seade. UCHUPALANAN, K. Dynamics of competitive strategy and IT based innovation in banking services. International Journal of Innovation Management, v. 4, n. 4, p. 455-490, Dec. 2000. ANDRÉ KALUP: Bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi. VIOTTI, E.; BAESSA, A.R.; KOELLER, P. Perfil da inovação na indústria brasileira: uma comparação internacional. In: DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S. Inovações, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. Artigo recebido em 2 de maio de 2005. Aprovado em 6 de junho de 2005. 134 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL DISTRIBUTIVO BRASILEIRO FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar a evolução da distribuição pessoal e da distribuição funcional de renda desde o início da industrialização brasileira. Aspectos históricos e metodológicos serão levados em consideração para analisar os resultados empíricos. Palavras-chave: Distribuição pessoal da renda. Distribuição funcional da renda. Desigualdade de renda. Abstract: The objective of this article is to evaluate the personal income distribution and also the functional distribution of income since the beginning of the Brazilian industrialization. Historical and methodological aspects are taken into consideration so as to evaluate the empirical data. Key words: Household income distribution. Factor income distribution. Income inequality. O tir de uma avaliação da distribuição funcional da renda esbarra em dificuldades metodológicas e representa uma forma de análise que pode se mostrar insuficiente, por si só, para avaliar as múltiplas dimensões das desigualdades presentes em economias de capitalismo tardio, como a brasileira. Para ilustrar a complexidade do fenômeno da desigualdade no caso brasileiro, o artigo mostra como o processo de estruturação do mercado de trabalho brasileiro moldouse a partir de uma crescente perspectiva de ampliação das desigualdades de renda; tanto no que se refere à distribuição pessoal, como à distribuição funcional de renda. Para tanto, o artigo está dividido em três tópicos. O primeiro tem um caráter teórico/metodológico, e discute as relações entre a distribuição funcional da renda e a distribuição pessoal da renda do trabalho. O segundo discute s estudiosos da questão da distribuição de renda defrontam-se com uma decisão intrigante quando pretendem avaliar o perfil distributivo de uma economia capitalista: de que forma será feita a abordagem da questão? Analisando-se dados de distribuição funcional da renda – aquela que separa a composição da renda global de um país entre os rendimentos do trabalho e os provenientes do capital? Ou estudando a distribuição pessoal da renda do trabalho – aquela que considera somente as rendas auferidas pelas pessoas no mercado de trabalho? O primeiro objetivo deste texto é resgatar argumentos que mostrem a relevância dos dados que dizem respeito especificamente à renda do trabalho para a análise do perfil distributivo de uma economia capitalista, em especial uma economia de industrialização tardia, como a brasileira (CARDOSO DE MELLO, 1982). O estudo da questão a par- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 135 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS conceitualmente o tema da heterogeneidade estrutural1 que caracterizou, historicamente, a industrialização brasileira. O terceiro apresenta resultados empíricos que ilustram aspectos discutidos nos tópicos anteriores. Por fim, as considerações finais buscam relacionar as principais questões reunidas ao longo do trabalho. DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL VERSUS DISTRIBUIÇÃO PESSOAL DA RENDA A captação dos dados relativos aos rendimentos do capital apresenta alguns problemas metodológicos. Alguns autores têm desenvolvido técnicas para a avaliação da distribuição funcional de renda na economia brasileira,2 mas defrontam-se, muitas vezes, com as próprias dificuldades de captação de dados referentes à divisão entre a renda apropriada pelo capital e a pelo trabalho. Na maioria dos casos, o estudo da divisão funcional da renda é realizado dentro de alguns setores específicos, notadamente na indústria. Os dados de renda do setor industrial apresentam maior precisão por referirem-se a atividades que mantêm relações de trabalho predominantemente formais e a terem indicadores mais organizados. De qualquer forma, trata-se apenas de estimativas, muitas vezes obtidas através de avaliações da massa de rendimentos do trabalho (que é a forma mais precisa de captação de dados de renda) e posterior cálculo dos rendimentos do capital por subtração do total de rendimentos do trabalho em relação ao montante calculado para o valor adicionado na produção industrial. Essa forma de estimar a divisão funcional da renda encontra, entretanto, algumas imprecisões, especialmente quando são computados os ordenados dos gerentes e diretores de alguns segmentos industriais, pois é difícil distingui-los, muitas vezes, entre os rendimentos que remuneram a força de trabalho ou o capital investido. Vale destacar que, o mercado de trabalho brasileiro apresenta-se acentuadamente segmentado. Portanto, avaliar apenas as modificações na distribuição funcional da renda seria – mesmo desconsiderando os problemas metodológicos inerentes a esta opção – pouco conclusivo para medir a verdadeira dimensão da desigualdade presente nesta economia, pois os rendimentos do trabalho se comportam de maneira bastante diferenciada (BACHA, 1975), existindo grande dispersão salarial tanto dentro dos setores industriais (dispersão intra-setoriais), como também entre setores industriais de diferentes níveis de produtividade (dispersão inter-setoriais). É por isso que a maior parte dos estudos sobre a evolução da distribuição da renda no Brasil toma como referência os dados relativos à renda do trabalho (levando em conta, nesse universo, os salários dos empregados com ou sem carteira de trabalho assinada, os rendimentos dos trabalhadores por conta-própria e os rendimentos a título de “pró-labore” dos empregadores) – pois os mesmos são mais precisos do que as informações relativas à distribuição funcional da renda. Os dados sobre a evolução da distribuição funcional da renda muitas vezes servem para qualificar e incrementar estudos sobre a evolução dos rendimentos pessoais e, quando acompanhados dos dados de distribuição pessoal da renda do trabalho, as informações sobre a distribuição funcional servem para descrever de forma mais acurada o quadro distributivo brasileiro.3 A participação dos rendimentos do trabalho na renda total gerada na economia brasileira vem decaindo nas últimas décadas, atingindo proporções inferiores inclusive às de países de nível de renda per capita e grau de desenvolvimento econômico semelhantes.4 Esse quadro pode ser considerado mais trágico quando se constata, a partir dos estudos mais recentes a respeito do tema, que tem sido observada uma tendência de deterioração do perfil dos rendimentos, mesmo dentro da parcela da renda nacional que se destina a remunerar o trabalho. Metodologicamente, os dados da distribuição pessoal da renda do trabalho são obtidos por meio de pesquisas domiciliares, feitas por amostragens estratificadas, nas quais as pessoas são entrevistadas e declaram seus rendimentos aos pesquisadores. Apesar de algumas dificuldades dessa forma de captação de dados (pois muitos trabalhadores recebem rendimentos com freqüência irregular ao longo do mês; outros não sabem precisamente quanto ganham – algo que se mostrava particularmente mais difícil de precisar durante o período dos elevados níveis inflacionários; e existem também casos de subdeclaração de rendimentos, entre outros problemas5 ), esse método permite não só computar os rendimentos provenientes de relações formais de trabalho (para as quais existem fontes de dados bastante precisas – por exemplo, os relatórios da Rais, ou publicações de entidades empresariais, como a Fiesp, ou, ainda, as guias de contribuição sindical), como também dos trabalhos informais ou eventuais, que têm peso importante no espaço ocupacional da economia brasileira. Portanto, cabe novamente a questão: qual a relevância da análise de dados relativos aos rendimentos do trabalho para o estudo da questão distributiva na economia brasileira? 136 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS Na verdade, para uma avaliação mais completa da evolução do perfil distributivo brasileiro das últimas décadas, seria interessante combinar resultados tanto das alterações da distribuição funcional da renda como da distribuição pessoal da renda do trabalho. Entretanto, devido às dificuldades metodológicas para avaliar sua distribuição funcional, a opção pela análise dos dados relativos à distribuição pessoal da renda constitui uma forma adequada de abordar a questão distributiva brasileira e de avaliar sua evolução. O argumento presente neste artigo é que a distribuição da renda pessoal proveniente do trabalho está intimamente relacionada à distribuição funcional da renda na economia brasileira. A extrema concentração funcional da renda condiciona e delimita o perfil da distribuição da renda do trabalho na sociedade brasileira. A distribuição da riqueza capitalista define os fluxos de renda do capital (em suas diversas modalidades: juros, lucros, dividendos, aluguéis, etc.) e também molda as condições sociais e econômicas em que a força de trabalho é remunerada nos processos produtivos. A principal característica do mercado de trabalho brasileiro é sua acentuada segmentação, o que se configura como um reflexo imediato da heterogeneidade setorial determinada historicamente pelo processo de desenvolvimento capitalista do país. Desta forma, o mercado de trabalho brasileiro pode ser dividido entre um mercado externo de trabalho e um segmento denominado “mercado interno de trabalho” (EDWARDS; REICH; GORDON, 1975). No mercado interno de trabalho estão os empregados dos setores industriais organizados, geralmente com forte característica oligopolística. Dentro dele, os salários e postos de trabalho são determinados por uma certa estrutura ocupacional que obedece a regras administrativas próprias, relacionadas a fatores tecnológicos que não estão presentes nos setores mais atrasados da economia. No mercado externo de trabalho, ao contrário, os trabalhadores não precisam apresentar quase nenhuma qualificação e suas remunerações são determinadas por fatores mais aleatórios do funcionamento do mercado de trabalho em geral, as chamadas “forças de oferta e de demanda”, que variam com intensidade mais elevada de acordo com as flutuações do ciclo econômico. No mercado externo de trabalho estão presentes os trabalhadores sem qualificação, tanto dos setores mais atrasados da economia, como EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... ainda aqueles localizados na base da pirâmide ocupacional dos setores oligopolizados da estrutura produtiva (faxineiros, vigias, etc. das empresas com alta concentração de capital). Portanto, a dinâmica da determinação salarial difere bastante nos dois casos, especialmente em um tipo de desenvolvimento como o do brasileiro, marcado por significativa exclusão social. O processo de exclusão e a evolução tecnológica eliminaram preferencialmente os postos de trabalho de mais baixa remuneração, aqueles cujos trabalhadores são mais desqualificados. Isso ocorre especialmente nos setores industriais mais dinâmicos. Esse processo tende a deprimir ainda mais a possibilidade de recuperação dos rendimentos reais dos trabalhadores do mercado externo de trabalho, mesmo quando a conjuntura econômica torna-se mais favorável ao aumento geral do nível de produção e de emprego. O enorme “exército industrial de reserva” e a pronunciada informalização do mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos – especialmente a partir do início da década de 80 – 6 quando também se ampliaram os mecanismos de flexibilização do mercado de trabalho brasileiro,7 além dos ínfimos patamares em que sempre esteve o salário mínimo no Brasil, colaboraram para que se consolidasse uma expressiva diferença salarial entre os estratos do mercado de trabalho brasileiro. Conforme lembra Souza (1980), uma recuperação do valor real do salário mínimo teria tido um papel fundamental para a redução das desigualdades de renda do trabalho existentes em uma economia como a brasileira, na qual uma parcela expressiva dos rendimentos do trabalho gravita em torno e/ou é mesmo determinada institucionalmente pelo valor do salário mínimo.8 A ampla diferenciação dos rendimentos do trabalho existente na economia brasileira reflete uma estrutura setorial bastante heterogênea, determinada historicamente, a qual está relacionada à convivência de setores avançados tecnologicamente (que têm um grande poder de mercado 9 e, portanto, uma grande capacidade de gerar lucros, devido à sua situação oligopolística) ao lado de segmentos ainda bastante atrasados tanto em termos de qualidade dos produtos quanto em termos de processo de trabalho. Esta característica de elevada produtividade de alguns setores de ponta da economia brasileira (inclusive, em muitos casos, comparando-se a padrões internacionais) está associada não só à posição oligopolística desfrutada por essas empresas comerciais/industriais, mas também à possibilidade desses setores mais dinâmicos pagarem re- HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL DA ECONOMIA BRASILEIRA SÃO PAULO E 137 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS duzidos salários a uma parcela de sua mão-de-obra (especificamente aquela recrutada no mercado externo de trabalho), permitindo que uma grande parcela do valor adicionado seja absorvida na forma de lucros. Isto acontece mesmo com a existência de uma complexa hierarquia representada pelo mercado interno de trabalho das empresas oligopolistas, cujos integrantes recebem altos salários, muitas vezes até equiparáveis às remunerações recebidas em funções semelhantes exercidas em empresas localizadas nos países centrais. Em poucas palavras, a possibilidade de remunerar uma parcela significativa de sua mão-de-obra com salários relativamente reduzidos permite aos principais e mais dinâmicos setores capitalistas da economia brasileira o pagamento de elevada remuneração a alguns segmentos de sua estrutura ocupacional sem que sejam deprimidas as suas margens de lucro10 – favorecendo, portanto, a concentração funcional da renda. Dessa maneira, são promovidas enormes diferenças salariais dentro de algumas empresas tanto do setor industrial, quanto do setor comercial, incluindo os bancos. Essas diferenças intra-setoriais somam-se às enormes diferenças intersetoriais existentes na economia brasileira. Vale reforçar que essas acentuadas diferenças nas remunerações do trabalho são viabilizadas pelo fato de que existe uma grande parcela de mão-de-obra excedente de baixa qualificação que pode ser mobilizada pelo capital nos seus momentos de expansão e desmobilizada sem maiores ônus nas fases descendentes do ciclo econômico. Esse contingente de mão-de-obra pouco qualificada faz com que, mesmo nos momentos de maior aquecimento econômico, não ocorram pressões por uma recuperação do valor real das remunerações de base da estrutura ocupacional (DEDECCA, 1990). Em suma, os fatores estruturais da economia brasileira, aliados à opção política de impedir, por exemplo, que o Estado brasileiro patrocinasse uma ampla recuperação do valor real do salário mínimo nacional nos anos de maior prosperidade (notadamente na época do “milagre brasileiro”, quando se ampliou a dispersão salarial, em um momento de supressão das liberdades políticas e sindicais), fizeram com que se conformasse uma estrutura de rendimentos acentuadamente desigual, em um mercado de trabalho pouco estruturado em sua base e excessivamente flexível (OLIVEIRA; MATTOSO, 1996). As diferenças existentes (em termos de lucratividade, capacidade tecnológica e de participação nos mercados de bens e serviços) entre os vários segmentos produtivos da economia brasileira estão coladas às diferenças das remunerações no mercado de trabalho brasileiro. Por isso, a elevada concentração pessoal da renda do trabalho, no Brasil, está intimamente relacionada a uma elevada concentração funcional da renda. Dessa forma, o estudo da distribuição pessoal da renda do trabalho descreve uma forma bastante representativa da questão distributiva, em particular no caso da sociedade brasileira. Esses dados, analisados ao lado dos dados da evolução da distribuição funcional da renda, revelam um quadro bastante completo da realidade distributiva brasileira. É do estoque de capital e de sua composição que derivam os fatores que levam a um certo perfil distributivo dos rendimentos,11 tanto em termos funcionais, quanto da renda do trabalho. ESTRUTURAÇÃO E DESESTRUTURAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO E SEUS IMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA Um estudo mais acurado acerca da constituição da estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas permite apreender, de forma mais clara, como se constituíram as determinações dos salários nesse mercado de trabalho, e, a partir daí, a distribuição dos rendimentos do trabalho. Os dados da Tabela 1 revelam que entre 1940 e 1980, enquanto a população total e a população economicamente ativa (PEA) cresciam a uma taxa média anual, respectivamente, de cerca de 2,7 e 2,6%, o emprego formal assalariado com carteira assinada crescia a uma taxa média anual que superava 6% (o conjunto do assalariamento – ou seja, o assalariamento que inclui as contratações com registro em carteira e as sem registro – cresceu também expressivamente acima das variações da PEA e da população total: cerca de 3,6% ao ano em média). Essa expressiva diferença, acumulada durante um largo período de tempo (quarenta anos), fez aumentar de maneira destacada o peso do emprego assalariado formal (e também o do assalariamento em seu conjunto) nas ocupações do mercado de trabalho brasileiro no período. Como contrapartida, reduziu-se o peso relativo da ocupação por conta própria e reduziu-se também a taxa de desemprego, assim como a taxa de subutilização da mão-de-obra, definida por Pochmann (1999) como uma somatória das seguintes situações: trabalhadores por conta própria (ou autônomos); trabalhadores sem remuneração (situação mais encontrada nos setores agrícolas, cujo peso – diga-se de 138 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... TABELA 1 Evolução da População Economicamente Ativa, segundo Condição de Ocupação e Desemprego Brasil – 1940-1980 Indicadores 1940 1980 Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) População Total 41.165,3 119.002,3 1.945,9 2,69 PEA (N os Absolutos) 15.751,0 43.235,7 687,1 2,56 100,0 100,0 2,3 3,1 24,4 3,32 Conta-Própria 29,8 22,1 121,5 1,79 Sem Remuneração 19,6 9,2 22,3 0,63 Assalariado 42,0 62,8 513,4 3,59 Com Registro 12,1 49,2 484,2 6,22 Sem Registro 29,9 13,6 29,3 0,56 6,3 2,8 5,5 0,50 55,7 34,1 149,3 1,13 PEA (%) Empregador Desempregado Taxa de Subutilização (1) Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). (1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado. questionar na Justiça do Trabalho, eventualmente, a empresa em que trabalha (ou em que tenha trabalhado), assim como têm direito à remuneração plena do trabalho, segundo a legislação.12 Trata-se, portanto, de uma situação em que o trabalhador fica muito menos sujeito, do que o trabalhador sem registro em carteira, às incertezas próprias do funcionamento do mercado de trabalho de uma economia capitalista, dotando sua inserção ocupacional de uma maior proteção e segurança social do que se estivesse trabalhando precariamente sem registro em carteira ou em atividades por conta-própria.13 Os dados da Tabela 2 reforçam as conclusões e explicam os dados retirados da tabela anterior ao descrever o processo de industrialização que marcou o período entre 1940 e 1980. Os dados revelam um crescimento médio anual de cerca de 5% nas ocupações do setor secundário, com destaque para as ocupações no setor organizado da indústria. Também o setor organizado do terciário revelou expressivo crescimento (próximo de 5% ao ano em média ao longo desse largo período de 40 anos). Como resultado das mudanças setoriais, o peso relativo da indústria e da construção civil no conjunto das ocupações cresceu expressivamente no período, revelando o dinamismo industrial do período. Apenas para chamar a atenção para esse dinamismo industrial do período, vale lembrar que, conforme mostram as informações da Tabela 1, a população economicamente ativa cresceu cerca de 2,6% em média, ao ano, no passagem – também diminuiu expressivamente no período); e trabalhadores desempregados. Portanto, a marca da estruturação do mercado de trabalho brasileiro, ao longo do período entre 1940 e 1980, foi não apenas a forte expansão (em termos absolutos) do volume de ocupações, mas também o aumento significativo – e sem precedentes históricos – do peso relativo dos empregos com registro formal nos setores organizados do mercado de trabalho brasileiro. É possível concluir facilmente, pelos dados expostos, que cerca de 80% do total das ocupações criadas no período eram ocupações baseadas no assalariamento – das quais mais de 85% de assalariamento formalizado. Desde logo, é preciso sublinhar o significado da inserção do trabalhador com registro formal nos setores chamados aqui de “setores organizados” do mercado de trabalho brasileiro. A ampliação do número de trabalhadores com registro formal (carteira de trabalho assinada) naqueles setores representa a ampliação do número de trabalhadores sujeitos ao estatuto legal que regulamenta as relações de trabalho, o que significa dizer que são trabalhadores que passam a estar amparados legalmente pela legislação do trabalho (CLT), com tudo o que isso significa em termos de direitos sociais, trabalhistas e de segurança (relativa) no emprego. Ou seja, são trabalhadores que passam a ter acesso aos direitos mínimos da cidadania, como a representação sindical, a proteção do trabalho, a possibilidade de SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 139 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS período, enquanto que as ocupações do setor secundário, conforme mostram os dados da Tabela 2, cresceram aproximadamente 5%. Ou seja, o processo de industrialização nacional foi expressivo e culminou com um processo de vigorosa e consistente estruturação do mercado de trabalho brasileiro,14 situação que somente se reverteria após os anos 80, quando a economia brasileira foi marcada pela reversão das elevadas taxas de crescimento do produto interno bruto – PIB, pela queda dos salários reais e pela inflação crônica e elevada. A Tabela 3 mostra a reversão da trajetória anterior de estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Como mostra vasta literatura,15 a reversão econômica brasileira, iniciada com a recessão dos primeiros anos da década de 80, com a crise da dívida externa, e perpetuada pelas diversas tentativas de “ajustes” macroeconômicos fracassados (que, a partir de então, tentaram romper o crônico processo inflacionário brasileiro), fizeram com que os anos 80 legassem uma herança de baixas taxas médias de crescimento do PIB e dos níveis agregados de emprego. A marca da crise no mercado de trabalho brasileiro foi a expansão do setor informal e a queda dos rendimentos médios reais dos trabalhadores. Consolidou-se, ademais, uma nova trajetória de ampliação da desigualdade dos rendimentos, dessa vez (ao contrário dos anos 60 e 70, quando tais informações passaram a ser medidas de forma mais consistente e que revelaram aumento geral dos rendimentos, mas de forma bastante diferenciada, ou seja, concomitante “aumento do bolo” e ampliação das desigualdades de renda) com queda dos rendimentos médios reais.16 A expansão da economia passou a depender, nos anos 80, do esforço exportador para honrar os encargos da dívida externa. O assalariamento deixou de expandir seu peso no conjunto da ocupação: ele crescia a taxas semelhantes à do próprio crescimento da PEA entre 1890 e 1991. Entretanto, a desaceleração da economia, as incertezas relacionadas à inflação e a expansão da “financeirização” da dívida interna promoveram um cenário macroeconômico precário e provocaram uma queda da taxa de investimentos produtivos, com efeitos nefastos sobre as formas de contratação da mão-de-obra. Dessa forma, a precarização do mercado de trabalho manifestou-se na expansão das contratações fora dos registros legais. Ou seja, ampliouse o peso do assalariamento sem carteira assinada. Esse fenômeno ocorreu dentro do setor industrial, conforme mostra a Tabela 4, e também no setor terciário. A expansão do peso do emprego sem carteira e das atividades nãoorganizadas no conjunto do mercado de trabalho brasileiro entre 1980 e 1991 ocorreu, portanto, tanto por causa da precarização geral das contratações dentro de cada setor de atividade, quanto também pela própria queda do peso das atividades industriais, que concentram maior peso de TABELA 2 Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados Brasil – 1940-1980 Segmentos 1940 Total Não-Agrícola (em milhares) 4.914,3 29.526,3 100,0 100,0 Organizado 61,6 Não-Organizado Total Não-Agrícola (em %) Secundário 1980 Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) 615,3 4,58 70,5 444,7 4,94 38,4 29,5 170,6 3,90 30,2 36,2 230,1 5,05 17,8 20,2 127,2 4,92 6,4 5,0 29,1 3,94 6,0 11,0 73,8 6,18 Indústria de Transformação Organizado Não-Organizado Construção Civil Terciário 69,8 63,8 385,2 4,35 Organizado 40,8 44,8 280,6 4,83 Não-Organizado 29,0 19,0 104,6 3,40 Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). 140 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS atividades organizadas (e de emprego assalariado com carteira assinada) em seu interior. No agregado, conforme mostram os dados da Tabela 4, o peso dos setores não-organizados no conjunto das ocupações do mercado de trabalho brasileiro, entre os Censos de 1980 e de 1991, cresceu de 29,5% para 34,5%. Ou E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... seja, em apenas onze anos, o peso dessas atividades, que tinham retrocedido cerca de 9 pontos percentuais (no conjunto da ocupação) entre 1940 e 1980, voltaram a crescer pouco mais da metade dessa magnitude (saltando cinco pontos percentuais entre 1980 e 1991). Tal comparação revela a rapidez com que os avanços promovidos pelo TABELA 3 Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego Brasil – 1980-1991 Indicadores População Total PEA (N os Absolutos) PEA (%) Empregador Conta-Própria Sem Remuneração Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) 1980 1991 119.002,3 146.825,7 43.235,7 58.456,2 100,0 100,0 1.383,7 2,78 3,1 3,9 85,4 4,95 22,1 23,9 401,4 3,51 2.529,4 1,93 9,2 5,4 -74,5 -1,72 62,8 62,6 858,3 2,75 Com Registro 49,2 36,6 11,2 0,05 Sem Registro 13,6 26,0 847,1 9,01 2,8 4,2 113,1 6,64 34,1 34,2 477,1 2,81 Assalariado Desempregado Taxa de Subutilização (1) Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). (1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado. TABELA 4 Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados Brasil – 1980-1991 Segmentos 1980 Total Não-Agrícola (em milhares) 1991 29.526,3 42.624,3 100,0 100,0 Organizado 70,5 Não-Organizado Total Não-Agrícola (em %) Secundário Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) 1.190,7 3,39 65,5 645,7 2,70 29,5 34,5 545,0 4,88 36,2 30,6 214,0 1,83 20,2 14,6 23,5 0,39 Indústria de Transformação Organizado Não-Organizado Construção Civil Terciário 5,0 6,9 133,2 6,47 11,0 9,1 57,3 1,63 63,8 69,4 976,7 4,19 Organizado 44,8 46,3 591,6 3,70 Não-Organizado 19,0 23,1 385,1 5,24 Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 141 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS período da industrialização acelerada dos anos 40 aos 70, em termos de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, foram em parte revertidos pela crise deflagrada nos anos 80. A Tabela 5 mostra a evolução, durante a primeira parte da década de 90, dos mesmos indicadores das tabelas anteriores. Um primeiro dado que chama a atenção é que, entre 1989 e 1995, a taxa média anual de crescimento da PEA foi de apenas 2%, contra cerca de 2,8% entre 1980 e 1991. Ao mesmo tempo, a taxa de criação de postos de trabalho, no período mais recente analisado, foi pior ainda do que havia sido durante o período 1980-1991. O assalariamento, entre 1989 e 1995, cresceu a uma taxa média anual de apenas cerca de 0,5%, contra mais de 2,7% entre os censos de 1980 e 1991. O registro em carteira, no período mais recente em análise, teve redução em termos absolutos. Como resultado desse forte movimento de reversão econômica que caracterizou a primeira metade da década de 90, a taxa de desemprego, que já estava subindo no final dos anos 80, atingindo 4,2% em 1991, chegou a cerca de 6,5% em 1995. A recessão econômica do governo Collor, o fracasso dos Planos Collor I e II, a paralisia da economia no período que culminou com o impeachment do então presidente e o processo de abertura comercial descuidada e exagerada realizado pelos governos Collor, Itamar e FHC promoveram uma forte retração das atividades industriais, com efeitos significativos e inequívocos na estrutura setorial do emprego não-agrícola, conforme apontam os dados da Tabela 6: queda do peso da indústria de transformação no conjunto das ocupações contrabalançada por um crescimento “por inchaço” do setor terciário, pois no interior deste ocorreu uma forte expansão das atividades não-organizadas, com aumento do peso de 22% para 30% em apenas seis anos. Ao mesmo tempo, a participação das atividades organizadas no interior da indústria de transformação reduzia-se dramaticamente – a uma média de cerca de 1 ponto percentual por ano, entre 1989 e 1995. Organizada de forma diferente das tabelas anteriores, mas igualmente eloqüente em seus dados, a Tabela 7 mostra que, no segundo mandato de FHC, a situação do mercado de trabalho brasileiro continuou a se deteriorar – o que é particularmente preocupante quando se lembra que no início do governo FHC já havia um quadro social de tal forma preocupante que o mundo do trabalho brasileiro vivia uma situação dramática. Os dados da Tabela 7 revelam uma contínua ampliação da taxa de desemprego entre 1993 e 2002, ao mesmo tempo em que a PEA crescia a taxas superiores às do crescimento da população –, e esse aumento da entrada de pessoas no mercado de trabalho expõe provavelmente, uma estratégia das famílias para tentar recompor a renda familiar. Essas mudanças na estrutura do mercado de trabalho brasileiro refletem-se nos perfis distributivos, tanto no que se refere à distribuição da renda do trabalho, quanto ao peso dos rendimentos do trabalho na renda nacional (ou seja, a distribuição funcional da renda). TABELA 5 Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego Brasil – 1989-1995 Indicadores População Total PEA (N os Absolutos) PEA (%) Empregador Conta-Própria Sem Remuneração Assalariado 1989 1995 144.293,1 153.374,6 62.513,2 70.750,5 100,0 100,0 Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) 734,7 0,91 1.372,9 2,08 4,2 3,9 22,3 0,83 21,2 22,4 432,6 3,02 7,6 9,0 269,4 5,00 64,0 58,2 194,7 0,48 -1,41 Com Registro 38,3 30,9 -350,0 Sem Registro 25,7 27,3 541,5 3,12 3,0 6,5 442,1 15,80 31,8 37,8 1.144,10 5,07 Desempregado Taxa de Subutilização (1) Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). (1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado. 142 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS No auge do regime militar brasileiro, a divulgação dos dados do Censo Demográfico de 1970 deu origem a um debate, que fez história, acerca da natureza do aumento da desigualdade na economia brasileira. A comparação entre os dados dos censos de 1960 e os de 1970 revelava que a desigualdade na distribuição de renda no Brasil havia aumentado (e continuaria a aumentar ao longo dos anos 70, E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... conforme mostram os dados da Tabela 8, e ao longo dos anos 80, conforme mostram os dados da Tabela 9). Não havia dúvidas quanto ao fato de que a desigualdade havia aumentado. O debate instalou-se em torno das razões dessa realidade. Essa discussão colocou em campos opostos os formuladores da política econômica do governo militar e seus adversários. TABELA 6 Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados Brasil – 1989-1995 Segmentos 1989 1995 46.587,10 51.506,40 100,0 100,0 Organizado 66,7 Não-Organizado 33,3 Total Não-Agrícola (em milhares) Total Não-Agrícola (em %) Variação Absoluta Anual (Em milhares) Variação Relativa Anual (Em % a.a.) 819,9 1,69 59,3 -88,4 -0,28 40,7 908,3 5,15 30,9 26,3 -141,5 -0,96 15,9 11,7 -230,2 -2,89 6,5 6,7 70,4 2,20 8,5 7,9 18,1 0,45 69,1 73,7 961,4 2,79 Organizado 46,5 43,6 132,3 0,60 Não-Organizado 22,6 30,1 829,1 6,66 Secundário Indústria de Transformação Organizado Não-Organizado Construção Civil Terciário Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999). TABELA 7 Evolução do Emprego, PEA e Desemprego, Antes e Depois do Plano Real Brasil – 1993-02 Ano Total de Ocupados (Em milhões de pessoas) PEA (Em milhões de pessoas) Nível de Ocupação (% de Pessoas Ocupadas de dez anos ou mais de idade) Taxa de Desemprego (1) (Em % da PEA) 1993 62,39 66,94 57,3 5,1 1995 65,38 70,05 57,6 4,6 1996 64,29 69,58 55,1 5,4 1997 65,57 71,63 55,4 5,7 1998 66,13 73,28 54,8 7,6 1999 69,18 77,24 55,1 7,6 2001 71,65 79,66 54,8 6,2 2002 74,11 82,22 55,7 7,1 Fonte: IBGE; FGV. (1) Segundo critério do IBGE. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 143 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS TABELA 8 Distribuição da Parcela da Renda Total Apropriada, segundo Estratos Populacionais Brasil – 1960-1980 Em porcentagem Estratos Populacionais 1960 1970 1980 1% Mais Rico n.d. 13,8 14,9 10% Mais Ricos 38,9 46,4 47,7 50% Mais Pobres 17,7 15,6 14,6 20% Mais Pobres n.d. 3,8 3,4 Fonte: IBGE. A publicação de um livro de Langoni (1973) representava os argumentos oficiais do regime militar defendidos por um de seus principais integrantes. Segundo a avaliação – de cunho ortodoxo/conservador – a desigualdade seria decorrente das próprias virtudes da expansão econômica do período, que geraria maior demanda por mão-de-obra qualificada (de maior nível de escolaridade), em detrimento da demanda por mão-de-obra menos qualificada, fato que ampliava as desigualdades de rendimentos existentes no seio do mercado de trabalho brasileiro. Essa interpretação apregoava que, no longo prazo, à medida que o crescimento econômico se consolidasse, o mercado se encarregaria de promover uma redução das desigualdades, por promover também o aumento na demanda por mão-de-obra não-qualificada. A ampliação inicial das desigualdades, segundo a doutrina oficial, não deveria ser vista como algo nefasto, posto que o aumento da renda dos mais ricos promoveria a expansão dos investimentos, possibilitando maior longevidade ao ciclo econômico ascendente. Do outro lado do debate, diversos autores reunidos em obra de Tolipan e Tinelli (1975) contestavam os argumentos dos defenso- res do regime militar, mostrando, entre outros fatores, que, mesmo entre os trabalhadores de mais altas rendas, havia aumentado a diferença de rendimentos. Segundo Malan e Wells (1975), a maior parte das desigualdades ocorridas naquele período devia-se ao aumento de desigualdades dentro do mesmo grupo educacional da força de trabalho – o que jogava por terra o que o próprio Langoni apregoara como a principal causa do aumento das desigualdades de renda no período: a variável “educação”.17 Houve também os que apregoavam a perda de oportunidade de promover um aumento expressivo no salário-mínimo no período de prosperidade, quando as condições econômicas para tal eram mais presentes.18 De qualquer forma, o que mais interessa, neste artigo, é mostrar que a distribuição pessoal da renda deteriorou-se no período da industrialização brasileira. Ou seja, apesar da significativa estruturação do mercado de trabalho brasileiro, ocorrida entre 1940 e 1980, a economia brasileira ainda ostentava características de uma economia subdesenvolvida, na qual a heterogeneidade estrutural manifestava-se de diversas formas, inclusive pela elevada concentração da renda do trabalho. O processo de concentração da renda também pode ser interpretado pela ótica da distribuição funcional da renda. A Tabela 10 mostra que, desde as décadas iniciais da industrialização, a participação da renda do trabalho na renda nacional vem caindo sistematicamente. Os dados do IBGE revelam que, em 1949, o trabalho participava com cerca de 57% da renda nacional. Essa parcela foi minguando ao longo das décadas seguintes, atingindo modestos 40% no final do século XX. Dados mais recentes e rigorosos (Tabela 11), citados em Dedecca (2003), revelam que, ao longo dos anos 90, a parcela da remuneração dos empregados 19 na renda TABELA 9 Distribuição Pessoal da Renda do Trabalho, segundo Grupos de Renda Brasil – 1981-1995 Grupos de Renda 1981 1986 1% Mais Rico (%) 12,1 14,0 13,9 10% Mais Ricos (%) 44,9 47,3 48,1 50% Mais Pobres (%) 14,5 13,5 10% Mais Pobres (%) 0,9 0,564 Índice de Gini (1) 1990 1992 1993 1995 13,1 15,5 13,4 45,1 49,0 47,1 12,0 14,0 12,9 13,3 1,0 0,8 0,8 0,7 1,0 0,584 0,602 0,575 0,603 0,592 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. (1) Varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (total desigualdade). 144 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE TABELA 10 GRÁFICO 1 Evolução da Distribuição Funcional da Renda – Parcela da Renda do Trabalho na Renda Nacional Brasil – 1949-1999 Distribuição Funcional da Renda Brasil – 1991-1999 1949 1959 55,5 20,0 1970 52,0 10,0 1980 50,0 0,0 1991 49,0 1994 46,0 1998 (1) 42,0 1999 (1) 41,3 PERFIL ... Em % 50,0 Renda do Trabalho (em % do PIB) 56,6 Ano DO 40,0 30,0 1991 1992 1993 Salários Fonte: IBGE. (1) Estimativa. 1994 1995 1996 Excedente operacional bruto 1997 1998 1999 Impostos líquidos de subsídios Fonte: IBGE. Por fim – e sem a preocupação de ser exaustivo – podese apresentar mais um indicador da deterioração do perfil distributivo na economia brasileira como decorrência da implementação do Plano Real e – principalmente – pelo que o mesmo representou em termos da inserção da economia brasileira no cenário da economia globalizada.20 A política cambial e a elevação das taxas de juros reais na economia brasileira, no primeiro mandato de FHC, tiveram múltiplos efeitos: sobre a balança comercial, em particular, e sobre as transações correntes do balanço de pagamentos; sobre o nível e produção do emprego industrial; sobre a atividade econômica em geral (PIB); e também sobre as contas públicas. A elevação das dívidas externa e interna foi um resultado inequívoco do período. Um dos efeitos mais nefastos de tal cenário foi a ampliação do peso nacional decresceu de cerca de 37,5%, em 1991, para apenas cerca de 32,8% em 1999, queda expressiva para um período relativamente curto de tempo, quando são considerados indicadores de caráter estrutural como esse. Os salários, em particular, tiveram uma redução de quase seis pontos percentuais de sua parcela no período, caindo de 32% para cerca de 26,5%. Enquanto isso, cresciam o excedente operacional bruto (grosso modo, pode-se considerar como o lucro das empresas) e os impostos cobrados à produção. O Gráfico 1 ilustra esse fenômeno e revela que, já na partida do Plano Real, as curvas de salários e lucros invertiam-se e continuariam a distanciar-se ao longo da década de 90, enquanto ao mesmo tempo a participação dos impostos na renda nacional galgava patamares cada vez mais elevados. TABELA 11 Componentes do Produto Interno Bruto pela Ótica da Renda Brasil – 1991-1999 Em porcentagem Componentes 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Produto Interno Bruto 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Remuneração dos Empregados 37,5 40,2 41,7 36,6 34,3 34,6 33,0 32,4 32,8 Salários Contribuições Sociais Efetivas 32,0 5,5 34,6 5,5 35,9 5,8 32,0 4,6 29,6 4,7 28,8 5,8 27,4 5,6 26,9 5,5 26,5 6,2 Contribuições Sociais Imputadas 4,2 3,4 3,4 3,5 4 3,9 3,9 4,1 4,7 Rendimentos de Autônomos 7,0 6,3 6,3 5,7 5,9 5,7 5,7 5,5 5,1 Excedente Operacional Bruto 38,5 38,0 35,4 38,4 40,3 41 42,9 44,0 41,4 Impostos Líquidos de Subsídios sobre a Produção e Importação 12,9 12,2 13,2 15,8 15,6 14,8 14,6 14,0 16,0 Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Apud Dedecca (2003). SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 145 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS das despesas financeiras no conjunto das despesas públicas. A proporção dos gastos com pagamentos de juros da dívida interna em comparação com os gastos da esfera social ampliou-se aceleradamente e de forma sem precedentes ao longo dos anos 90. Em 1995, os gastos com juros e com encargos da dívida interna representavam cerca de 21,4% do total dos gastos sociais e, em 2001, 31,6% (FILGUEIRAS, 2000). Essa é também uma forma de manifestação da acelerada deterioração do perfil distributivo brasileiro, ocorrida nos anos mais recentes, e que não é captada pelos indicadores mais tradicionais de distribuição da renda do trabalho (divisão da renda nacional por estratos de rendimentos do trabalho). CONSIDERAÇÕES FINAIS A dificuldade em analisar a evolução do perfil distributivo brasileiro reside no fato de que a industrialização brasileira moldou-se sob uma forte heterogeneidade estrutural, aprofundando assimetrias e criando outras dentro da estrutura produtiva e social brasileira. A distribuição da renda do trabalho é uma maneira bastante representativa de descrever essa heterogeneidade, marcada por acentuado processo de concentração funcional da renda. Essa concentração aprofundou-se no período da industrialização pesada, o que explicitou a convivência de setores modernos e dinâmicos da atividade produtiva brasileira ao lado de setores atrasados tecnologicamente, em um mercado de trabalho que era completamente desestruturado. Em que pesem as transformações ocorridas no mercado de trabalho, o caráter tardio da industrialização brasileira não permitiu que os setores modernos que se instalaram na estrutura produtiva “arrastassem” todos os demais setores da economia. A sociedade e a economia foram profundamente transformadas (urbanização, montagem de um mercado de trabalho dinâmico, sofisticação do setor exportador, etc.), mas as desigualdades foram perenizadas – dado que não foi possível historicamente criar, no Brasil, as instituições que, nos países centrais, permitiram que a industrialização se fizesse acompanhar também por mudanças sociais e políticas. A distribuição da renda do trabalho é um reflexo das características peculiares da estrutura produtiva que se conformou na economia brasileira desde que se instalou no país a indústria pesada e resulta, também, da forma como se distribuiu a riqueza capitalista nesse período, conforme lembrou Gonçalves (1999). O processo de industrialização que se intensificou no Brasil a partir dos anos 50 teve como resultado a conformação de uma marcante heterogeneidade estrutural – da estrutura produtiva – que carrega consigo uma heterogeneidade da estrutura ocupacional que lhe é correspondente, a qual, por sua vez, reflete-se em uma elevada desigualdade dos rendimentos do trabalho. Essa dispersão da renda do trabalho ocorre tanto em termos dos rendimentos provenientes de salários, quanto daqueles dos trabalhadores autônomos, que buscam formas alternativas de sobrevivência no mercado informal de bens e serviços.21 O trágico da realidade distributiva brasileira é que ela possui componentes políticos e históricos que consolidam essa situação de elevada exclusão social. Esses vários componentes (econômicos ou não) atuam continuamente, reforçando esse quadro de elevadas desigualdades,22 por meio das decisões de política econômica, da atuação da Justiça, de aspectos econômicos institucionais (tributação regressiva, por exemplo), da definição de regras de sociabilidade, entre outros, que não são quantificados pelos dados de distribuição pessoal da renda. Os dados empíricos apresentados neste trabalho revelam que a sociedade brasileira tem sido marcada, desde o início da industrialização pesada, por um processo de deterioração do seu perfil distributivo, tanto do ponto de vista da distribuição pessoal da renda, quanto no que se refere à distribuição funcional. Em que pese o processo de expressiva estruturação do mercado de trabalho do país ao longo das décadas de auge do processo industrializante, a heterogeneidade estrutural persistiu na economia brasileira, manifestada pelas amplas diferenças de renda pessoal do trabalho ao longo desse período. O mais grave é que, quando eclode a crise dos anos 80, o perfil distributivo deteriora-se, em um contexto de queda da renda média e de desestruturação do mercado de trabalho e de ampliação da insegurança do trabalhador. Nesse contexto, a parcela da renda do trabalho no conjunto da renda nacional apresenta uma queda vertiginosa e assustadora pelo pouco tempo em que essa situação se corporifica. Nos anos 90 e no início do século XXI (dada a natureza do Plano Real e a forma de inserção da economia brasileira na chamada globalização econômica), a situação piora ainda mais, com a ampliação de uma outra forma de desigualdade, manifesta na ampliação dos gastos com juros em comparação com a ampliação dos gastos sociais. Essa nova face da desigualdade não é captada pelos indicadores tradicionais de distribuição de renda, mas tem papel decisivo para ampliar as desigualdades já existentes na sociedade brasileira. 146 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... NOTAS tação pouco severa para com o uso de estagiários e aprendizes, o que retira possibilidades de emprego aos trabalhadores mais qualificados, entre outros fatores. Versão anterior desse artigo foi apresentada no X Encontro Nacional de Economia Política, organizado pela Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), em Campinas (SP), em maio de 2005. 8. O salário mínimo, ainda segundo Souza (1980), serviria de fato como um “farol” a determinar os rendimentos assalariados e mesmo parcela expressiva dos rendimentos do trabalho autônomo dentro do espaço ocupacional brasileiro. 1. O conceito “heterogeneidade estrutural” será usado aqui como em Pinto (1979), que o utiliza para descrever as “descontinuidades” que caracterizaram o processo de desenvolvimento econômico na América Latina, diferentemente do que ocorreu nos países centrais, onde a expansão do capitalismo fez-se de forma mais homogênea, ou seja, sem grandes diferenças de produtividade intra e intersetoriais e sem grandes diferenças de renda e de posse da riqueza. Segundo Pinto (1979, p. 49), no processo de industrialização da América Latina houve uma “tríplice concentração dos ‘frutos do progresso técnico’, em nível social, dos ‘estratos’ econômicos e em nível regional”. 9. Trata-se, grosso modo, do que Kalecki chamou de “grau de monopólio”, ou seja, as empresas dos setores oligopolizados desfrutam do poder de fixar preços nos mercados em que atuam. O que caracteriza a situação de oligopólio é justamente o fato de as empresas disporem de reserva de capacidade produtiva, a qual é muitas vezes construída estrategicamente de tal forma a responder rapidamente a flutuações positivas de demanda, evitando que eventuais concorrentes o façam. A demanda por produtos industriais, por seu lado, não surge “autonomamente” mas, pelo contrário, são açuladas pelas estratégias de vendas (publicidade, obsolescência acelerada de produtos, diferenciação de produtos e de modelos, aprimoramento das estratégias de distribuição, etc.) das empresas, de tal forma que elas podem também planejar as vendas e definir estratégias de determinação dos preços. O preço final do produto é calculado tendo como parâmetro mínimo o custo médio de produção, sobre o qual é acrescentada uma margem de lucro cuja magnitude depende do maior ou menor domínio que a empresa desfruta sobre o mercado em que atua – exatamente o que Kalecki define como “grau de monopólio”. Sendo assim, quanto maior for o grau de monopólio, maior será a margem de lucro fixada pela empresa e, portanto, maior será o seu lucro. Fica claro que a magnitude da margem de lucro leva em conta também o preço de custo médio das demais empresas. No caso de uma estrutura industrial como a brasileira, que se constituiu sob o signo de uma forte heterogeneidade estrutural, com o convívio de setores modernos e avançados tecnologicamente ao lado e segmentos de baixa produtividade ligados a estruturas produtivas de empresas antigas e/ou atrasadas tecnologicamente, há diversos casos, em diferentes setores de atividades, de elevados “graus de monopólio”, permitindo-se supor que os efeitos dessa configuração estrutural sejam sentidos no padrão de distribuição de renda mesmo dentro do setor capitalista, e também entre ele e os trabalhadores autônomos que vendem bens e serviços no mercado informal. Ademais, normalmente os salários dentro dos diversos setores industriais brasileiros são acentuadamente desiguais, refletindo as expressivas diferenças de produtividade e de “grau de monopólio” de certos conglomerados empresariais. 2. Ver, por exemplo, Carneiro (1989). 3. Trabalhos como Dieese (2001), Pochmann (2001) e Dedecca (2003), por exemplo, apresentam a evolução da distribuição pessoal da renda e também dados e estimativas da distribuição funcional da renda. 4. A participação dos salários na renda nacional era de 40% em 1970, de 35% em 1980 e de apenas 33% em 1988, segundo dados publicados pelas Nações Unidas e citados por Carneiro (1989). De acordo com a publicação do ano de 1980 do “National Accounts Statistics of the United Nations”, a participação dos salários na renda nacional era de 43% na Argentina, 45% na Venezuela, 42% no México, 39% na Coréia do Sul e de 40% no Paraguai (CARNEIRO, 1989). 5. Sobre problemas metodológicos relacionados à captação dos dados das PNADs, ver Sawyer (1989). 6. Conforme será demonstrado a seguir, com dados empíricos. 7. Pode-se afirmar que o processo de flexibilização do mercado de trabalho brasileiro deu seu primeiro passo no conjunto das reformas implementadas pelo Paeg, que substituiu o antigo estatuto da estabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (e também pela repressão ao movimento sindical, pelo esvaziamento do Ministério do Trabalho, que, historicamente, tinha tido papel fundamental na construção do sistema corporativo das relações de trabalho no Brasil, com a instituição de reajustes automáticos de salários baseados em políticas salariais definidas pela equipe econômica dos diferentes mandatos do regime militar e também com a retirada do poder normativo da Justiça do Trabalho). Teve continuidade, de forma muito mais célere, nos últimos dez anos, pelo menos, com novas regulamentações de contratos temporários de trabalho, das leis que regem o uso e remuneração dos trabalhos de estagiários, etc., sempre com o objetivo (declarado ou não), por parte das autoridades econômicas, de baratear o uso da mão-de-obra por parte das empresas e também de diminuir o custo das demissões. Cf. Barbosa; Moretto (1998); e também artigos reunidos em Oliveira; Mattoso (1996), sobre a flexibilização do mercado de trabalho brasileiro. Em poucas palavras, esses autores consideram que existe flexibilidade no mercado de trabalho brasileiro, a qual se expressa de diversas formas: baixos salários e custos de demissão também baixos, pois são relacionados aos valores dos salários; frouxa regulamentação a respeito do uso de horas extras e de horários de exploração do trabalho (como, por exemplo, na relativamente recente lei que regulamenta a abertura do comércio aos domingos); sindicatos fracos e pouco representativos; esvaziamento crescente do papel do Ministério do Trabalho; ausência de convenções coletivas de trabalho; facilidades legais/ institucionais crescentes para demitir e contratar; elevada rotatividade da mão-de-obra; Justiça do Trabalho cada vez mais permeável ao discurso e práticas neoliberais de redução de custos como principal objetivo a ser cumprido pelas empresas; regulamen- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 10. Conforme sublinhou Bacha (1975) “a relação entre a remuneração dos gerentes e os salários dos trabalhadores têm a ver não com sua importância funcional relativa, mas com a razão entre lucros e salários existentes na economia”. 11. Sobre as relações entre a composição da riqueza nacional e a distribuição pessoal da renda do trabalho, ver Gonçalves (1999, p. 54): “A distribuição de renda não pode ser separada da questão da distribuição da riqueza. Proprietários de ativos reais e financeiros recebem rendas na forma de lucros, aluguéis e juros, além dos salários que remuneram o trabalho. A desigualdade na distribuição da riqueza é um tema de fundamental importância, principalmente em sociedades onde a distribuição funcional da renda tem um viés antisalarial. Este é, precisamente, o caso do Brasil, onde o salário representa uma parcela reduzida da renda comparativa a juros, lucros e aluguéis”. Em outra passagem, debatendo os caminhos para uma melhoria na distribuição da renda no Brasil, o mesmo autor argumenta: “Os dados sugerem, na realidade, que o problema da distribuição da riqueza no Brasil precede ao problema da distribuição da renda. Neste sentido, o combate à pobreza no Brasil, que exige a combinação de crescimento com distribuição de renda, para ser eficaz e enfrentar definitivamente o problema, deveria ser complementado com políticas de redistribuição da riqueza”. 12. O que aqui é denominado de “remuneração plena” representa o conjunto de itens que perfazem o conjunto da remuneração do tra- 147 FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS balho. Ou seja, além do salário mensal, também o décimo-terceiro salário, as férias pagas com adicional (no caso do adicional, depois da Constituinte de 1988), os depósitos de Fundo de Garantia e as licenças-maternidade ou paternidade remuneradas, e também as verbas rescisórias, quando for o caso (só para esclarecer a nomenclatura utilizada aqui: todos esses itens que vão além do salário mensal são chamados pelos economistas liberais, e/ou pela maior parte dos empresários, simplesmente de “encargos trabalhistas”; mas, do ponto de vista dos trabalhadores assalariados, são parte integrante de sua remuneração anual pelo trabalho realizado). Sobre uma discussão não-afeita aos preceitos do pensamento conservador a respeito dos encargos sociais e do custo do trabalho no Brasil, ver Santos (1996). vado do formal) com distintos conteúdos ocupacionais, e, portanto, com distintos perfis de distribuição da renda do trabalho. 13. Quando até mesmo o valor da remuneração mensal é incerto e excessivamente sujeito às oscilações do ciclo econômico (e até mesmo à sua saúde) a cada mês. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 14. Ao afirmar isso, não está-se perdendo de vista que persistiam, no mercado de trabalho brasileiro, sinais inequívocos do subdesenvolvimento, como baixos salários, desigualdades de todos os tipos (de renda do trabalho, de renda funcional, de renda por regiões), informalidade, emprego precário em grande quantidade, etc., conforme mencionado em outros tópicos desse artigo. Mas a situação do trabalho, no geral, melhorou bastante ao longo do auge do processo de industrialização brasileira. Essa situação começou novamente a se deteriorar a partir da crise dos anos 80, quando surge um outro problema: o desemprego (DEDECCA, 1990; 2005). 15. Ver Belluzzo; Coutinho (1982; 1983). Com relação aos efeitos, sobre a economia brasileira dos anos 80, do endividamento externo constituído nos anos 70, ver especialmente, Cruz (1983). Obra mais recente – e igualmente importante – que trata dessas questões é a de Carneiro (2002). 22. Vale citar uma passagem de Coutinho (1984, p. 39): “A distribuição pessoal (da renda) é apenas um resultado de fenômenos dispersos que ocorrem de modo diverso em cada sociedade humana. Alguns destes fenômenos têm natureza econômica; outros decorrem de aspectos institucionais ou extra-econômicos, embora contribuam para a explicação de um atributo econômico: a renda”. BACHA, E. Hierarquia e remuneração gerencial. In: TOLIPAN, R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. BALTAR, P.E.A. Crise contemporânea e mercado de trabalho no Brasil. In: OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho – textos básicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998. BALTAR, P.E.A.; DEDECCA, C.; HENRIQUE, W. Mercado de trabalho e exclusão social no Brasil. In: OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. BARBOSA, A.; MORETTO, A. Políticas de emprego e proteção social. Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, v. 1, 1998. (Coleção Abet). 16. Para uma análise detalhada do aumento da informalidade no mercado de trabalho brasileiro nos anos 80 e de seu impacto sobre os perfis distributivos, ver Mattos (1994). BELLUZZO, L.G.M.; COUTINHO, R. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil – ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1983. v. 2. 17. Vale registrar a seguinte passagem de Malan e Wells (1975), notórios opositores da doutrina liberal/conservadora que norteou a interpretação do regime militar a respeito do aumento das desigualdades de renda ao longo dos anos 60: “[...] entretanto, acreditar na expansão apropriada da oferta como ‘solução’ para o longo prazo é seriamente discutível, e por várias razões, mas queríamos mencionar uma aqui em particular, derivada dos resultados empíricos do próprio Langoni. Com efeito, do aumento da variância total da renda entre 1960 e 1970 ‘explicado’ pela variável educação, 35% são devidos simplesmente a mudanças na composição educacional da força de trabalho, 23% a mudanças nas rendas relativas entre diferentes níveis de educação e 42% á crescente desigualdade na distribuição para um nível de escolaridade, isto é, educação é uma importante variável explicativa principalmente devido à crescente diferenciação de renda entre indivíduos com o mesmo nível educacional. E é precisamente sobre esse fenômeno que o mecanismo de oferta e procura é incapaz de dizer qualquer coisa, e que, não obstante o otimismo de Langoni, pode persistir e intensificar-se ao longo do tempo”. ________. Desenvolvimento capitalista no Brasil – ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1. 18. Para uma revisão detalhada a respeito dos argumentos presentes no debate sobre a concentração da renda nacional nos anos 60, ver Mattos (1993). 19. Remuneração dos empregados é a soma dos salários às contribuições sociais efetivas. 20. Para maiores detalhes sobre a natureza dessa inserção, ver Filgueiras (2000, cap. 1). 21. Ver Mattos (1994). O autor mostra que o nível e a dispersão dos rendimentos dos autônomos no setor informal estão relacionados aos diferentes graus de desenvolvimento econômico atingido por diferentes metrópoles, que conformarão não só um setor formal e dinâmico, mas também um setor informal (ligado e deri- CARDOSO DE MELLO, J.M. Capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1982. CARNEIRO, F.G. Some estimates on wages and profit relative shares in Brazil. In: World Bank, July, 1989. CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Ed. Unesp, Instituto de Economia/Unicamp, 2002. CASTRO, A.B.; LESSA, C. Introdução à economia: uma abordagem estruturalista. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. COUTINHO, M. Distribuição de renda e mobilidade social no Brasil. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, Campinas, 1984. CRUZ, P.R.D. Notas sobre o endividamento brasileiro nos anos setenta. In: BELLUZZO, L.G.M.; COUTINHO, R. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil – ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1983. v. 2. DEDECCA, C.S. Notas sobre a evolução no mercado de trabalho no Brasil. Revista de Economia Política, São Paulo, Ed. 34, v. 25, n. 1 (97), jan./mar. 2005. ________. Anos 90: a estabilidade com desigualdade. In: PRONI, M.; HENRIQUE, W. (Org.). Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. Unesp; Campinas: Ed. da Unicamp, 2003. 148 SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 ASPECTOS HISTÓRICOS E METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO RECENTE DO PERFIL ... ________. Dinâmica econômica e mercado de trabalho urbano: uma abordagem da Região Metropolitana de São Paulo. Tese (Doutorado) – Istituto de Economia/Unicamp, Campinas, 1990. PINTO, A. Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente. In: SERRA, J. (Org.). América Latina – ensaios de interpretação econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. DIEESE. A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: Dieese, 2001. POCHMANN, M. A década dos mitos. São Paulo: Contexto, 2001. EDWARDS, R.; REICH, M.; GORDON, D. (Org.). Labor market segmentation. Massachussetts, D.C.: Health Company, 1975. ________. O trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Contexto, 1999. FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000. PRONI, M.; HENRIQUE, W. (Org.). Trabalho, mercado e sociedade: o Brasil nos anos 90. São Paulo: Ed. Unesp; Campinas: Ed. da Unicamp, 2003. GONÇALVES, R. Distribuição de riqueza e renda: alternativa para a crise brasileira. In: LESBAUPIN, I. (Org.). O Desmonte da Nação – balanço do governo FHC. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. SANTOS, A.L. Encargos sociais e custo do trabalho no Brasil. In: OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. KALECKI, M. Teoria da dinâmica econômica: ensaio sobre as mudanças cíclicas e a longo prazo da economia capitalista. São Paulo: Abril Cultural, 1983. SAWYER, D.O. (Org.). PNAD’s em Foco – anos 80. Abep, 1989. LANGONI, C.G. Distribuição de renda e crescimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1973. SERRA, J. (Org.). América Latina – ensaios de interpretação econômica. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LESBAUPIN, I. (Org.). O Desmonte da Nação – balanço do governo FHC. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. SINGER, P. Curso de Introdução à Economia Política. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. MALAN, P.; WELLS, J. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil. In: TOLIPAN, R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. SINGER, P. Desenvolvimento e repartição da renda. In: TOLIPAN, R. e TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MATTOS, F.A.M. Emprego e distribuição de renda nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro: os anos 80. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia/Unicamp, Campinas, 1994. SOUZA, P.R. Emprego, salários e pobreza. São Paulo: Hucitec, 1980. TOLIPAN, R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição de renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ________. Desenvolvimento econômico e distribuição de renda no pós-guerra na América Latina. Revista Horizontes (USF). Bragança Paulista, Ed. USF, v. 11, n. 2, jul./dez. 1993. MATTOS, F.A.M.; CARDOSO Jr., J.C. Novas evidências acerca da questão distributiva pós-Plano Real. Leituras de Economia Política, Campinas, Instituto de Economia da Unicamp, n. 7, p. 29-55, jun./dez. 1999. FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS: Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp. Professor e Pesquisador do Centro de Economia e Administração da PUC-Campinas e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da PUC-Campinas. OLIVEIRA, C.A.B.; MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. OLIVEIRA, C.A.B. Formação do mercado de trabalho no Brasil. In: OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho – textos básicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998. OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho – textos básicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1998. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005 Artigo recebido em 5 de abril de 2005. Artigo aprovado em 12 de junho de 2005. 149