São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.2 – Inovação Tecnológica

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São Paulo em Perspectiva, vol.19 n.2 – Inovação Tecnológica
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
ANOS 90
uma década perdida para o sistema
nacional de inovação brasileiro?
ARLINDO VILLASCHI
Resumo: O artigo argumenta que a combinação de três fatores contribuiu para o fraco desempenho do sistema
brasileiro de inovação nos anos 90, principalmente quando comparado com a de seus principais competidores
no mercado globalizado: no domínio econômico, foram baixos os investimentos em áreas onde a incorporação
de novos conhecimentos é essencial; no domínio tecnológico, cortes em áreas (educação, P&D, etc.) essenciais para inovações em tempos de economia do aprendizado; no domínio institucional, a adoção da não política
industrial/tecnológica como política de desenvolvimento.
Palavras-chave: Economia do aprendizado. Sistema de inovação. Política tecnológica.
Abstract: The paper argues that the combination of three factors contributed for a poor performance of the
Brazilian national system of innovation in the 1990s, specially when compared with it competitors in the
global economy: in its economic domain there was not enough productive investment in areas where new
knowledge is essential; in the technological domain, curb of expenses in areas (education, R&D, etc. ) which
are crucial to innovation at times of the learning economy; and in the institutional domain, the adoption of
industrial/technological policies as its policy of economic development.
Key words: Learning economy. Systems of innovation. Technological policy.
E
ste trabalho trata das mudanças estruturais que
ocorreram na formação socioeconômica brasileira na década de 90 e de seu impacto sobre os
elementos mais importantes do sistema nacional de inovação brasileiro – SNIB. Seguindo uma tradição que começou com Freeman (1987) e Andersen e Lundvall
(1988), destacam-se neste estudo as interações entre os
atores econômicos, sociais e políticos que fortalecem ou
restringem suas capacidades de aprendizado e pesquisa
e, como resultado, aumentam ou inibem o desenvolvimento, a divulgação e o uso de inovações em uma determinada nação.
Apesar da nova estrutura dessas interações em uma era
de relações cada vez mais intensas em escala mundial, dáse ênfase à dimensão nacional a fim de se captar a referência espaço-institucional das trocas focadas nos proces-
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sos de aprendizado que levam à inovação e aumentam ou
inibem a competitividade das empresas e as capacitações
sociais. O caso brasileiro é peculiar no sentido de que a
maioria das mudanças em sua estrutura institucional e
econômica (privatização, liberalização, mudança na participação acionária de importantes empresas que alteraram sua condição de local para estrangeira, etc.) na década de 90 não levou em conta as transformações radicais
que estavam ocorrendo na base tecnológica do desenvolvimento mundial – ou seja, as mudanças associadas ao
paradigma técnico-econômico – PTE das tecnologias da
informação e das comunicações – TICs (FREEMAN;
PEREZ, 1988).
Assim, são revistos alguns dos elementos dinâmicos do
SNIB identificados nos anos 80 por Villaschi (1992). Na
época, o papel desempenhado pelas empresas estatais e
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ARLINDO VILLASCHI
das por Villaschi (1992) para examinar suas principais
características nos anos 80.
Portanto, o SNIB é visto aqui de uma maneira que responde às características básicas identificadas por Edquist
(2001). Primeiro, ele consiste de alguns tipos de componentes e das relações existentes entre eles. Segundo, o
motivo da escolha de uma série de componentes (tecnológicos, econômicos e institucionais) e relações (em especial as que não são mediadas pelo mercado) são os indícios de que eles formam um todo. Terceiro, esses
componentes e suas relações são escolhidos com vistas a
facilitar a caracterização do sistema em relação ao resto
do mundo – isto é, deve ser possível identificar as fronteiras do sistema. Ou seja, pelo menos um ator do processo de aprendizado, pesquisa, inovação e produção está
dentro das fronteiras geopolíticas do país.
A próxima seção apresenta a estrutura analítica utilizada na avaliação do SNIB, baseada:
- nas contribuições de Freeman (1988) e Lundvall (1988)
relativas à abordagem do SNI e nas críticas a ela feitas
por Edquist (2001);
pelos laboratórios de pesquisa públicos em áreas que estavam no cerne do PTE da TIC e a maneira como a tripla
aliança entre empresas locais, estrangeiras e estatais vinha funcionando poderiam ser uma indicação positiva de
possibilidades para o SNIB aproveitar algumas ‘janelas
de oportunidades’ que estavam sendo abertas pelo emergente PTE. Além disso, essas oportunidades pareciam ser
apoiadas pelas mudanças institucionais promovidas pelo
incremento da participação social subjacente à Constituição de 1988.
Após aproximadamente uma década, o presente
trabalho mostra que algumas dessas indicações falharam
e não se cumpriram as expectativas levantadas pelo estudo
anterior. Muito embora a economia tenha superado o
problema histórico da instabilidade de preços, o desempenho do investimento foi fraco na década de 90, e a liberalização do comércio e o fluxo de capitais não trouxeram
investimentos externos produtivos para áreas em que novos
conhecimentos são essenciais. No domínio tecnológico,
o compromisso político com o déficit público tem
implicado corte nos gastos em áreas cruciais para a
inovação em tempos de aprendizado econômico –
educação, pesquisa e desenvolvimento (P&D), etc.
Ademais, no domínio institucional, uma forte crença nas
forças do mercado por parte das autoridades governamentais levou o país à adoção de “não-políticas” industriais e tecnológicas como sua política de desenvolvimento
econômico.
Este artigo, portanto, reforça o que é ressaltado pela
literatura neo-schumpeteriana, ou seja, que os rumos
emergentes de um PTE são, raramente, dirigidos ‘naturalmente’ pelas forças do mercado. Fatores tecnológicos,
econômicos e sociopolíticos são muito importantes na
formação das trajetórias e na determinação do modo
como a nova base tecnológica para o desenvolvimento
mundial evolui nos diferentes países. Essas trajetórias
são formadas por um processo de seleção que ocorre pela
interação de forças econômicas, políticas e sociais e de
recursos científicos, tecnológicos, inovadores e industriais locais.
Como os atores econômicos, sociais e políticos que
constituem um sistema nacional de inovação – SNI não
respondem a uma lógica única e as diversas lógicas a que
eles respondem não são necessariamente convergentes, os
elementos do SNIB destacados serão divididos em três
domínios auto-regulados (tecnológico, econômico e
institucional), que operam de acordo com as hipóteses
estabelecidas por Dosi (1984) e posteriormente utiliza-
- nos trabalhos de Freeman e Perez (1988), Freeman e
Louçã (2001), Castells (2000) e Tuomi (2001) sobre o
paradigma técnico-econômico corrente;
- nas formulações de Johnson e Lundvall (2001), Nonaka
e Takeuchi (1995) e Kuusi (1999) relativas a conhecimento
e aprendizado;
- nas análises das instituições e capacidades sociais elaboradas por Hämäläinen (1999) e Perez (1997).
A seção seguinte trata dos elementos dos campos
tecnológico, econômico e institucional do SNIB na década de 90. Dá-se especial atenção: à redução de recursos disponíveis para o ensino e a pesquisa em universidades públicas do país; à debilidade da política
econômica nos aspectos da estabilidade e flexibilidade
necessárias para que o país desempenhasse um papel
relevante no PTE da TIC e à estratégia defensiva com
relação à inovação usada por empresas, mesmo em se
tratando daquelas localizadas nas regiões mais desenvolvidas do país.
Diante das indicações de que os anos 90 foram uma
década em que o SNIB funcionou sob pesadas restrições,
a última seção lida com questões prioritárias na agenda
dos países que desejam desempenhar um papel mais ativo
no fluxo mundial de bens e serviços intensivos em conhecimento, e que também devem tornar-se parte do debate
público e da elaboração de políticas no Brasil.
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ESTRUTURA ANALÍTICA
teúdo de cada domínio moldam e restringem seu impacto
individual e as interações entre eles, de maneira que suas
retroalimentações funcionais podem tornar possíveis ‘círculos virtuosos’ quanto ‘desajustes’;
Abordagem de Sistema de Inovação
A tradição iniciada com Freeman (1987) e Andersen e
Lundvall (1988) ressalta as diferenças no ritmo em que
os países exploram as possibilidades oferecidas pelo hiato tecnológico que se abre especialmente em tempos de
mudança do paradigma técnico-econômico ou das trajetórias tecnológicas (FREEMAN; PEREZ, 1988). Essas diferenças são vistas como dependentes da capacidade de
cada país de mobilizar recursos políticos e financeiros para
transformar as estruturas tecnológicas, institucionais e
econômicas que englobam seu sistema nacional de inovação – SNI.1
Como é ressaltado na literatura neo-schumpeteriana,
as trajetórias emergentes de um PTE são raramente movidas ‘naturalmente’ por fatores endógenos científicos e
tecnológicos. Os fatores econômicos e sociopolíticos são
muito importantes na formação das trajetórias e na determinação da maneira como uma nova base tecnológica para
o desenvolvimento mundial se desdobra em diferentes
países. Um processo de seleção ocorre, então, mediante a
interação de forças econômicas, políticas e sociais e de
recursos científicos, tecnológicos, inovadores e industriais
locais.
Para captar as principais características da interação
que ocorre em qualquer país, o SNI deve ser visto de
dois ângulos interconectados e, ao mesmo tempo, opostos. O primeiro é o do conteúdo ‘desequilibrador’ das
forças que interagem dentro dele. Isso acontece porque
as mudanças e transformações são, por natureza, forças
não-equilibradoras. O segundo ângulo sob o qual o SNI
deve ser visto é o das forças que mantêm relativamente
ordenadas as configurações do sistema e permitem uma
ampla coerência entre suas condições de reprodução
material.
Como os atores econômicos, sociais e políticos que
compreendem um SNI não respondem a uma lógica única e as diferentes lógicas a que cada um responde não
são necessariamente convergentes, os elementos do SNIB
aqui destacados serão divididos em três domínios autoregulados (tecnológico, econômico e institucional), que
operam de acordo com as seguintes hipóteses (DOSI,
1984):
- independentemente das poderosas interações entre eles,
cada um dos três domínios tem uma dinâmica e um conteúdo próprios. As especificidades da dinâmica e do con-
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- os ‘mundos possíveis’ são limitados pelo número de
configurações em que os três domínios podem operar de
maneira relativamente ‘bem regulada’ e harmoniosa;
- os desequilíbrios ou ‘desajustes’ entre os três domínios
não levam necessariamente a mudanças em outras configurações mais equilibradas ou ‘mais harmoniosas’;
- a adaptabilidade do sistema tecnológico para um dado
ambiente econômico e social é confinada e limitada. Inversamente, um conjunto relativamente limitado de condições macroeconômicas e relações sociais é ‘dado’ em
cada estágio do ‘domínio tecnológico’.
O Paradigma Técnico-Econômico – PTE das TICs
como Base para o Desenvolvimento Mundial
Muito embora se reconheça a importância dos outros
três ‘níveis’ de inovação propostos por Freeman e Perez
(1988) – mudanças incrementais e radicais do sistema
de tecnologia –, a principal preocupação aqui será com
as mudanças tecnológicas revolucionárias. Dois aspectos dessas transformações merecem ser destacados: primeiro, a sua difundida aplicação e a drástica redução nos
custos de muitos produtos e serviços; e, segundo, a importância de se prestar atenção na aceitabilidade social
e política das revoluções tecnológicas. Isso pode levar
mais tempo do que aquele necessário para a percepção
das vantagens técnicas da inovação e da sua economicidade. Por isso, em muitos casos, essa receptividade
deve ser expressa em mudanças legislativas, educacionais e de regulação de processos econômicos, sociais e
políticos.
Assim, o conceito de PTE de Freeman e Perez (1988) é
uma boa aproximação da elaboração de Kuhn, porque eles
relacionam o paradigma tecnológico não apenas a um ramo
setorial particular, mas às tendências amplas da economia.
Além disso, juntam a inadequação das instituições ao pleno desenvolvimento de uma revolução tecnológica e ao
estado de crise que, mais cedo ou mais tarde, emerge da
diminuição de seu caráter revolucionário. Ou seja, eles dão
algum conteúdo real à noção de ‘sucessivas revoluções industriais’, interpretando as ondas de Kondratiev como graus
crescentes de ajustes entre o sistema técnico-econômico e
a estrutura socioinstitucional em expansão, seguidos de
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ARLINDO VILLASCHI
graus crescentes de desajustes entre esses subsistemas à beira
do colapso.
Ademais, ao romper com os diferentes graus de
determinismo econômico monocausal, a abordagem do
PTE pode ser vista como um importante movimento em
direção a uma teoria unificada de crescimento, crise e
mudança. Essa abordagem heterodoxa parece mais adequada que o círculo vicioso das atuais ciências sociais,
em que, de um lado, os sociólogos e cientistas políticos
tentam explicar as fracas motivações sociais, a apatia e a
crise política em termos de tendências econômicas e, de
outro, os economistas tentam explicar as tendências da
crise econômica como o resultado da politização da economia em relação a motivações e incentivos.
Esse tratamento heterodoxo torna-se ainda mais importante quando se deseja lidar com a mudança contínua no
PTE. Mesmo que seja possível remontar a suas raízes científicas e tecnológicas no século XVII,2 o PTE das tecnologias da informação e das comunicações somente se tornou parte da agenda econômica depois de 1970. Além
disso, suas implicações institucionais somente chegaram
ao debate público na década de 90.
Independentemente de quando cada uma dessas três
dimensões do PTE das TICs aflorou no debate acadêmico ou público,3 o que importa é ter em mente que se deve
evitar a armadilha do determinismo do fator único, qualquer que seja ele – cultural, econômico, político, científico ou tecnológico (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001).4
QUADRO 1
Mudanças no Paradigma Técnico-Econômico: da Energia Barata ao Chip
Fordista (antigo)
TICs (novo)
Características tecnológicas
Funcionalidade e “melhores” produtos
Conectividade local-a-local
As pessoas vistas como usuários, consumidores,
trabalhadores
Conhecimento e comunicação
vinculados com a mente humana
Conectividade pessoa-a-pessoa
Sustentabilidade pessoal, física e
psicológica
Características econômicas
Intensivo em energia
Projetos e engenharia em escritórios de desenho
Projeto e produção seqüencial
Automação
Empresa única
Produto com serviço
Centralização
Habilidades especializadas
Intensivo em informações
Projetos auxiliados por computador
Engenharia simultânea
Sistematização
Redes
Serviço com produto
Informação distribuída
Múltiplas habilidades
Características institucionais
Controle e, às vezes, propriedade do governo
Informações, coordenação e
regulamentação do governo
Visão
Regulamentação da infra-estrutura
estratégica das TICs
Multipolaridade – blocos
regionais
Problemas de desenvolvimento
de instituições internacionais
(FMI, Banco Mundial, etc.)
apropriadas capazes de regular as
finanças globais
Planejamento
Estado do bem-estar e Estado bélico
Pax Americana – predomínio econômico e militar
dos EUA
Dominação americana dos regimes financeiro
e comercial internacionais
Fonte: Adaptado de Freeman e Perez (1988); Freeman e Louçã (2001) e Tuomi (2001).
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rar e comunicar-se com tipos diferentes de pessoas e especialistas.6
Os estudiosos destacam, adicionalmente, que é mínimo o conhecimento perfeitamente público. Mesmo informações do tipo know-what podem não estar disponíveis
para os que não estão conectados às comunicações ou redes sociais certas.7 Se os conhecimentos científicos ou de
outros tipos complexos se tornassem perfeitamente acessíveis, ainda assim, para acessá-los, o usuário precisaria
investir no fortalecimento de capacidades de absorção.
Assim:
- apesar de a tecnologia da informação ter ampliado enormemente a disponibilidade de informações para os agentes individuais, o know-what cada vez mais depende da
escolha do que é relevante. Mesmo com os mais recentes
avanços nessa área, o acesso a esse tipo de conhecimento
está ainda longe de ser perfeito, e o meio mais eficaz de
obter os fatos pertinentes pode ser por meio do know-who
– isto é, o contato com um excelente especialista na área
para conseguir orientação sobre onde procurar informações específicas;
Por esse motivo, aqui se dispensa ênfase especial a duas
características da era emergente que são reconhecidas
como relevantes por todos os que estão preocupados com
suas oportunidades e limitações: conhecimento e instituições. Ressalte-se, portanto, que a grande diferença entre
as ondas/revoluções/sociedades/gerações anteriores e a
atual reside no fato de que hoje existem formas novas e
mais rápidas e conteúdos diferentes (sociais, políticos,
econômicos, etc.) para a coleta, o tratamento, a transmissão e o recebimento de todos os tipos de informações de
qualquer lugar e para todos os lugares.
Informação, Conhecimento e Aprendizado
A economia moderna está mais do que nunca consciente
da importância do conhecimento e do aprendizado. No
campo dos estudos da inovação e das mudanças tecnológicas, Nelson e Winter (1982), por exemplo, têm feito
amplo uso da distinção entre conhecimento tácito e codificado; Arrow (1962), Rosenberg (1976) e Lundvall (1985)
levantam questões específicas relativas ao aprendizado e
à inovação. A maior diferença entre essas contribuições é
que, enquanto os dois primeiros estão mais interessados
no aprendizado dentro da empresa (por meio do fazer e
do usar, respectivamente), o aprendizado por interação de
Lundvall leva à vanguarda da discussão capacitações
inovativas que emergem quando usuários e produtores de
inovações buscam juntos novos produtos ou processos.
Todavia, o entendimento acerca de conhecimento e
aprendizado permanece ainda estreito, apesar das novas
percepções que surgem de programas de pesquisas históricas e empíricas sobre economia institucional, economia
evolucionária, pesquisa socioeconômica e economia da inovação.5 Deve-se creditar a esses programas o domínio maior
que hoje temos sobre como a inovação acontece em diferentes partes da economia. Mas, quando se vai ao outro
aspecto da produção de conhecimento, isto é, ao fortalecimento da competência, do aprendizado e da intermediação
de conhecimento, somente agora a pesquisa está começando a levantar questões fundamentais sobre quem aprende o
quê e como o aprendizado ocorre no contexto do desenvolvimento econômico (JOHNSON; LUNDVALL, 2001).
Para facilitar o entendimento dessas questões, Johnson
e Lundvall (2001) as dividem em quatro categorias. O
conhecimento individual consiste de know-what (fatos),
know-why (princípios), know-how (habilidades) e knowwho. Este último refere-se a informações sobre quem sabe
o quê e quem sabe o que fazer e à capacidade para coope-
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- o trabalho científico visa produzir um modelo teórico
do tipo know-why, e parte desse trabalho é tornado de
domínio público. Isso, porém, não significa acesso público,
uma vez que, com freqüência, são necessários substanciais
investimentos em aprendizado para que as informações
disponíveis na Internet ou em outros meios façam algum
sentido. Novamente, o know-who, direcionado para o
mundo acadêmico, pode ajudar o diletante a obter uma
“tradução” para algo de mais fácil compreensão.8 Esta é
uma das fortes motivações para a presença de empresas
em ambientes acadêmicos e, às vezes, até mesmo de seu
engajamento em pesquisa básica. Algumas grandes firmas
contribuem para a pesquisa básica e tendem a assumir
funções de universidades técnicas. No entanto, essa estreita
conexão entre a ciência e a exploração de novas idéias
pelas empresas, em campos como a biotecnologia, pode
comprometer o intercâmbio aberto que deve caracterizar
a produção do conhecimento acadêmico;9
- em campos com intensa concorrência tecnológica, as
soluções técnicas, com freqüência, passam à frente do
know-why acadêmico. Esse é o caso quando a tecnologia
pode resolver problemas de exercício de funções sem um
entendimento científico claro do porquê. Aqui, conhecimento é mais know-how do que know-why.
Depois de tratar essas diferentes formas e conteúdos
de conhecimento e suas fronteiras públicas/privadas in-
7
ARLINDO VILLASCHI
Em todos os casos apresentados por Johnson e Lundvall
(2001), fica bastante claro que, em tempos de mudança
do PTE, toda tentativa de corte entre conhecimento tácito
e codificado (ou codificável) é infrutífera. Por isso, torna-se cada vez mais importante compreender como essas
duas formas de conhecimento podem estabelecer círculos
virtuosos de complementaridades.
O modelo SECI (socialização-externalização-combinação-internalização), proposto por Nonaka e Takeuchi
(1995), baseia-se na idéia de que o conhecimento é criado
em um processo contínuo no qual a socialização do saber
tácito e não-articulado o transforma em algo que pode
ser transferido ou codificado. A combinação de diferentes
cognições externalizadas aumenta o conhecimento tácito,
que é internalizado nos indivíduos ou nas organizações
participantes. Um círculo virtuoso é estabelecido quando
o novo conhecimento tácito é socializado.
Como, em muitos casos, os círculos virtuosos não ocorrem como resultado de ambientes formais, mas provêm
de redes informais, deve-se dar mais atenção às comunidades de aprendizado, cujo conceito envolve a maneira
como atores e instituições básicas interagem na implementação de diferentes tipos de redes. As funções que
definem uma comunidade de aprendizado são a gestão de
seu conhecimento comum ou as atividades de logística do
conhecimento que resultam na adoção ou na produção de
inovações (KUUSI, 1999).
A análise desse modelo é um forte argumento para o
alerta de Johnson e Lundvall (2001) sobre a necessidade
de um melhor entendimento das conexões entre as diferentes formas de conhecimento, seu conteúdo público/privado e as diferentes formas de sua mediação. Também
serve para o fortalecimento das possíveis implicações do
contexto em que se dá a geração do conhecimento tácito.
Em outras palavras, é preciso
definidas, Johnson e Lundvall (2001) abordam outra questão fundamental, especialmente no que tange a produção,
circulação e distribuição de conhecimento – isto é, como
seus diferentes aspectos podem ser mediados. A esse respeito, eles acrescentam:
- como o conhecimento tácito na forma de know-how ou
competência não pode ser separado da pessoa ou organização que o contém, a mediação pode tomar a forma de
compra dos serviços prestados pela pessoa ou empresa em
detrimento da aquisição da competência. A importância
desse tipo de mediação (e dos problemas envolvidos) pode
ser observada na crescente relevância que os serviços
empresariais intensivos em conhecimento (mencionados
na literatura internacional como kibs) vêm adquirindo;
- o conhecimento tácito também pode ser mediado pelo
aprendizado interativo entre quem dele precisa e seu portador. Essa pode ser uma escolha consciente – por exemplo,
quando um aprendiz entra em contato com um mestre – ou
pode ser um subproduto da cooperação entre pessoas e
organizações para resolver problemas compartilhados.
A mediação do conhecimento não é necessariamente
mais fácil quando seu conteúdo pode ser explicitado e
separado de seu portador. De um lado, a determinação do
valor das informações para o usuário antes da transação
não é sempre uma tarefa fácil; por motivos óbvios, o usuário deseja saber algo com antecedência sobre o conhecimento e o vendedor não deseja dar informações gratuitamente. Por outro lado, é difícil tanto para o vendedor
restringir o uso das informações depois que elas foram
vendidas como para o comprador impedir sua posterior
distribuição pelo vendedor.
Em todo caso, a importância dos gastos em P&D tem
aumentado como um meio de facilitação da mediação do
conhecimento. De um lado, isso acontece porque até mesmo para a engenharia reversa se requer um mínimo de
competência científica, cuja aquisição exige investimento em P&D. De outro, como o ritmo da mudança e a complexidade do conhecimento têm crescido de maneira muito
rápida, nenhuma organização sozinha pode dominar todos os elementos da base de conhecimento.
É importante observar que, mesmo quando a cognição
é incorporada a produtos, pode ser necessário algum tipo
de mediação para a transferência de conhecimento tácito,
a fim de que ele possa ser pleno ou adequadamente usado.
Esse é o motivo pelo qual os fornecedores de equipamentos
para processos complexos podem oferecer treinamento ao
cliente.10
pensar mais e com maior cuidado sobre como o conhecimento tácito e o contexto são produzidos para podermos
dizer algo inteligente sobre as condições em que o conhecimento tácito possa ser o mais prontamente possível compartilhado – ou seja, quando a ‘proximidade’ é importante: que
tipos e por quê (GERTLER, 2001, p. 17, tradução nossa).
Instituições e Capacidades Sociais
Regidas tanto por restrições informais (tabus, sanções,
costumes, tradições e códigos de conduta) quanto por re-
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ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
gras formais (constituições, leis, direitos de propriedade),
as instituições, de maneira geral, “são restrições criadas
pelo homem que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais” (NORTH, 1991, p. 97). Elas têm, como
característica fundamental, seus dispositivos de informação elaborados para diminuir as incertezas. Ao diminuir
o volume das informações necessárias para a ação individual e coletiva, as instituições tornam a sociedade possível e constituem sua pedra fundamental.
Do ponto de vista econômico, a tradição institucionalista tem ressaltado as dimensões de tempo e local que
caracterizam as regularidades do comportamento social.
O comportamento econômico foi instituído, então, não por
força de características humanas universais, mas por um
processo cultural. Em um mundo caracterizado por
atividades inovadoras (centradas em diferentes formas e
conteúdos de conhecimento adquiridos de fontes e por
meios de aprendizado diversos), a incerteza é um aspecto
importante da vida econômica e a existência de ambientes
institucionais em diferentes níveis (de uma empresa
específica, de um grupo de empresas ou de um país) tornase um dos componentes centrais de um sistema de
inovação.
Com essas configurações, não surpreende que em todas
as abordagens mencionadas anteriormente as instituições
apareçam como um elemento-chave a ser considerado.
Como Freeman e Perez (1988) ressaltaram, em tempos de
mudança dos PTEs, a antiga estrutura institucional sempre
enfrenta novos desafios. Os recursos, as tecnologias, os
arranjos organizacionais e as estruturas de mercado
essenciais do novo paradigma não podem alcançar seu
pleno desenvolvimento dentro da antiga estrutura institucional.
Não houvesse outra razão, o antigo ambiente institucional foi desenhado (formal ou informalmente) para combinar as necessidades e preferências sociais, econômicas
e tecnológicas de seu tempo. Da mesma forma, à medida
que surgem novas demandas, um novo ambiente institucional deve se instalar para evitar a perpetuação do
desajuste entre os diferentes domínios descritos acima.
Esse desacordo pode ser visto sob a perspectiva da
maneira como os agentes (indivíduos, grupos, organizações) percebem as mudanças que estão ocorrendo. Segundo Hämäläinen (1999):
- alguns desenvolvem uma atitude que reflete melhor as
novas realidades técnico-econômicas do mundo, mas estão
insatisfeitos com a lentidão do ajuste das normas sociais,
das instituições formais e do comportamento coletivo;
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- outros estão satisfeitos com seu antigo paradigma mental, mas não com a maneira como a economia e as
tecnologias estão mudando o mundo ao seu redor;
- outros, ainda, sentem as perdas da rápida mudança estrutural ocasionadas pela mudança de PTE, mas não conseguem compreender o que aconteceu de errado com a
sociedade;
- também existem os que percebem que as mudanças são
inevitáveis, mas, devido a interesses adquiridos no antigo
paradigma (normalmente, ligados a capital humano e
patrimônio físico), expressam seus protestos contra as
possíveis mudanças.
Devido a tais percepções e comportamentos distintos,
Perez (2002) observa que:
- a longa fase de transição entre os antigos e novos
paradigmas socioinstitucionais tende a ser um período
turbulento de crescimento das tensões sociais, intensificação do fundamentalismo moral e religioso, proliferação
de novos clãs e movimentos extremistas, surgimento de
lideranças fortes com ideologias simples e, até mesmo,
de guerras e revoluções;11
- o ajuste da estrutura jurídica e reguladora da sociedade12 pode ser um processo muito lento devido à resistência de numerosos grupos de interesses especiais e à natureza complexa do processo político;
- o processo de ajuste institucional influencia o comportamento coletivo. As organizações do setor público e os
antigos grupos de interesses especiais tendem a ser os últimos redutos do antigo arranjo institucional, pois não
enfrentam concorrência direta e têm um forte interesse na
manutenção do antigo regime.
Por ora, deve ficar claro que um sistema de inovação
não pode depender somente das relações econômicas que
podem ser mediadas pelo mercado ou cuja governança
pode estar a cargo de hierarquias. No nível das diferentes
redes sociais e econômicas, deve-se tentar quantificar essas relações por meio da decomposição do capital social
em três fatores: interação social, confiança e qualidade
da informação (ALI-YRKKÖ, 2001).
Segundo Coleman (2000), os atributos/capacidades sociais podem ser compreendidos como relações institucionais
entre pessoas. Putman (1993) relaciona-os com as redes
sociais, as normas da sociedade e a confiança. E, usandose a contribuição de Fukyama (1995), pode-se argumentar
que os atributos/capacidades sociais incluem a capacidade
das pessoas de trabalhar entre si para o bem comum.
9
ARLINDO VILLASCHI
para a melhor inserção do país nas formas e nos conteúdos novos da economia mundial.
Qualquer que seja o nível em que se deseje entender o
bem comum, essas capacidades sociais são de fundamental importância para que um SNI possa lidar adequadamente com os desafios científicos, tecnológicos, econômicos e institucionais e aproveitar plenamente as vantagens
das janelas de oportunidades que emergem em tempos de
mudança do PTE (PEREZ; SOETE, 1988). Essa posição
ganha ainda mais força quando se considera que as sociedades diferem no tocante ao capital social acumulado, e
que este tem um impacto sobre sua capacidade de produção de capital intelectual e de engajamento em atividades
de inovação (SCHIENSTOCK; HÄMÄLÄINEN, 2001).
Domínio Econômico
O impacto das mudanças na política econômica,
ocorridas no Brasil na década de 90, é ainda uma questão
sujeita a longas discussões. As políticas macroeconômicas
para estabilizar os preços e promover reformas estruturais,
seguindo as prescrições do Consenso de Washington,
supostamente criariam um círculo virtuoso de ganhos em
competitividade após a fase de reestruturação por meio
da liberalização do comércio, desregulamentação e privatização de empresas estatais, porém, isso não pode ser
dado como certo para todas as atividades econômicas do
país.
Como Coutinho (2003) mostra:
- o Plano Real para a estabilização econômica do Brasil
tinha taxas de juros muito altas, o que resultou em
sobrevalorização da taxa de câmbio logo em seu início;
Características do SNIB na Década de 90
Diante das características do paradigma técnico-econômico – PTE corrente indicadas na seção anterior e da
formação socioeconômica brasileira, duas dificuldades
surgem com respeito à análise do SNIB. A primeira relaciona-se com a imprecisão das fronteiras existentes entre
os domínios tecnológico, econômico e institucional em
tempos de mudança nos paradigmas.
A importância aqui atribuída às interações inovadoras
que ocorrem entre os diferentes agentes dificulta a tarefa
de encaixar cada uma delas, de forma coerente, em um
desses três domínios. Por esse motivo, é inevitável um certo
grau de arbitrariedade na decisão sobre o domínio no qual
considerar os elementos dos processos de pesquisa e aprendizado que ocorrem no sistema.
A segunda dificuldade de análise do SNIB diz respeito
aos elementos a serem considerados. Como a abordagem
do aprendizado empregada tem estreita relação com uma
perspectiva evolucionária sob a qual a mudança tecnológica corresponde a uma seqüência de eventos em aberto, uma característica importante dos elementos é sua contribuição à diversidade e complexidade do sistema.
Ademais, o entendimento mais amplo da inovação no
âmbito do conceito do PTE e da abordagem do SNI implica que se deva dar atenção não só aos fatores orientados para o setor econômico, como para a diversidade de
produtos, os padrões de produção e do comércio, mas também à diversidade institucional que pode afetar as capacidades de pesquisa e aprendizado do SNI.
Dito isso, a escolha dos elementos a serem usados na
caracterização do SNIB na década de 90 recairá sobre
aqueles que são vistos como indicadores de uma resposta
positiva às características do PTE corrente ou de uma restrição ao SNIB no desempenho de um papel mais ativo
- a estabilização baseou-se em uma taxa de câmbio substancialmente sobrevalorizada, com preços altos e não facilmente reversíveis – levando a um aumento estrutural
nas importações e uma desaceleração no crescimento das
exportações;
- as indústrias locais aderiram progressivamente às máquinas e aos equipamentos importados, tornados irresistivelmente baratos devido à sobrevalorização da taxa de
câmbio em relação aos insumos fabricados internamente;
- a parcela de importações na composição do suprimento
do país aumentou e, em muitos casos, aniquilou a produção interna, levando à contração de uma porção significativa da indústria local;
- a persistente vulnerabilidade financeira das empresas de
capital brasileiro foi o preço pago por custos de capital
muito elevados;
- fraco desempenho competitivo, com destacada fragilidade do comércio, em todos os setores de alto valor
agregado e alto conteúdo tecnológico. Somente os setores
de commodities se mantiveram competitivos no plano
internacional, com produção em grande escala e baixo
valor agregado, principalmente aqueles que utilizam
matéria-prima e insumos agrícolas e/ou são intensivos em
energia;
- freqüentes perdas da propriedade nacional em muitos
setores,13 debilidade e tamanho reduzido dos grupos em-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
presariais brasileiros restantes, tornando quase impossível sua participação como atores no plano mundial;
pendente para desempenhar atividades de projeto nem que
sejam, ao mesmo tempo, capazes de resolver problemas
em conjunto com a montadora;
- presença crescente de investidores estrangeiros em todos os setores dinâmicos com atividades de alto valor
agregado. 14 É digno de nota que o investimento estrangeiro direto chegou para dominar importantes setores de
serviços e infra-estrutura que são não-comercializáveis
e, portanto, estão indisponíveis para exportação;
- existem indícios de falta de cooperação entre as empresas concorrentes, entre os fornecedores de segundo e terceiro escalões e entre eles e os fornecedores de matériasprimas e equipamentos. Somente dois aspectos da
cooperação parecem ter aumentado de intensidade: o intercâmbio de informações e testes para o desenvolvimento e a melhoria de produtos. Essa maior cooperação parece estar relacionada com a busca da qualidade nos insumos,
equipamentos e pessoal (por meio de treinamento);
- os grupos empresariais de capital brasileiro retiveram a
hegemonia nos setores industriais de baixo valor agregado (commodities, como minerais não-metálicos, mineração, papel e polpa, aços e metalurgia) e não-comerciáveis
(construção e moradia, serviços de transporte).
- as atividades de P&D quase desapareceram nesse setor na região: somente 18 fornecedores da Fiat têm patentes registradas no Brasil. Em 2000, o total de patentes era de 87, em sua maioria de conteúdo simples; antes
da liberalização econômica e da emergência do carro
global, o Departamento de Engenharia da Fiat em Minas
Gerais empregava quase 400 pessoas. Em 2000, o departamento tinha encolhido para menos de 100 funcionários;
Nessas circunstâncias, não devem surpreender os efeitos negativos do regime macroeconômico da década de
90 sobre o domínio econômico do SNIB. Dois estudos
empíricos comprovam isso em conexão com a estrutura,
estabelecida na seção anterior, de cooperação, aprendizado e capacidades de inovação incorporadas.
O primeiro é o trabalho de Lemos et al. (2003) sobre
as capacidades inovadoras da rede de fornecedores da Fiat
em Minas Gerais. Ele mostra que:
- em contraste com a ‘mineirização’ da indústria de autopeças, lançada pela Fiat em 1986, ao longo de toda a
década de 90 houve uma crescente ‘italianização’ da indústria de autopeças em Minas Gerais. Isso aconteceu
porque a Fiat estimulou a entrada de fornecedores com os
quais ela se relacionava há muito tempo na Itália. Como
resultado, em uma amostra de 42 fornecedores dessa empresa entrevistados em 1994, 81% eram nacionais; em
outra amostra, de 20 entrevistados em 2000, 60% eram
empresas subsidiárias de fornecedores globais;
- o fato de os principais laboratórios de P&D estarem fora
do país é decisivo para a baixa interação entre os agentes
com respeito ao desenvolvimento de capacidades tecnológicas. Além disso, a debilidade dos mecanismos de transferência de tecnologia entre setores ou intra-setorialmente,
vertical ou horizontalmente, tem comprometido a intensidade de efeitos benéficos e a sua difusão.
O segundo estudo que mostra os efeitos negativos do
regime macroeconômico da década de 90 (SZAPIRO,
2003) traz dados do setor de telecomunicação, o qual está
no cerne do PTE das TICs, e foi muito elogiado como uma
história de sucesso do SNIB nos anos 80 (HOBDAY, 1990;
PESSINI, 1986). Ele mostra que
- apesar da boa disponibilidade de grupos locais de pesquisa em engenharia mecânica, a interação entre eles e a
cadeia de suprimento local da Fiat é muito fraca. Um bom
motivo para isso pode estar no fato de que cerca de 60%
dos entrevistados na pesquisa supracitada consideram
seus laboratórios de P&D in-house fora do país como a
principal fonte de informações relacionadas com atividades inovadoras;
as reformas estruturais da década de 1990 provocaram
grande confusão no arranjo de Campinas, eliminando
empresas e abolindo vínculos cooperativos entre instituições.
Como conseqüência desses problemas, os processos de
aprendizado acumulado no passado foram colocados em
risco. Existem sérias dúvidas quanto à possibilidade de
manutenção do desenvolvimento da tecnologia local. Os
processos de liberalização do comércio e a desregulamentação promoveram, assim, desarticulação e destruição
de ativos intangíveis de empresas e instituições, afetando
profundamente suas competências básicas (SZAPIRO, 2003,
p. 496, tradução nossa).
- as atividades de co-projetos são praticamente inexistentes no Brasil, exceto nos casos em que a adaptação
do componente às condições locais é necessária. Por isso,
é muito baixa a difusão dos efeitos benéficos (spill-over)
para o sistema local de inovação, uma vez que não se espera que os fornecedores locais tenham capacidade inde-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
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ARLINDO VILLASCHI
Quanto à liberalização do comércio, a autora comenta
que, embora não tenha provocado mudanças importantes
na estrutura da indústria de equipamentos de telecomunicações, de um lado afetou significativamente o desenvolvimento de estratégias e da capacidade das empresas de
capital nacional, reduzindo seu desenvolvimento tecnológico interno; e, de outro, as subsidiárias de multinacionais que estavam no Brasil antes do início da década
de 90 ampliaram cada vez mais suas capacidades industriais e tecnológicas a partir de suas sedes e de outras subsidiárias do mesmo grupo.
No que diz respeito à privatização, Szapiro (2003)
ressalta que: ocorreu um aumento considerável da parcela
do setor de telecomunicações no déficit comercial do
complexo eletrônico (alcançando mais de 40% em 1999);
houve uma mudança nas atividades conduzidas pelo Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD),15 que reduziu o
número de projetos de pesquisa que costumava empreender
e aumentou a parcela de atividades de consultoria e
assistência técnica de curto prazo como uma estratégia de
sobrevivência.
A forte dependência das subsidiárias de empresas
multinacionais de suas matrizes no estrangeiro tornou-se
um inibidor para o fluxo de conhecimento e interação com
as instituições educacionais locais. De acordo com a pesquisa de Szapiro (2003, p. 491, tradução nossa):
base na disponibilidade de recursos de mão-de-obra e de
um sistema bem desenvolvido de estradas.16
Saindo de casos como o dos fornecedores da Fiat em
Minas Gerais e o das telecomunicações em São Paulo,
podem-se encontrar situações em que a estrutura geral da
política econômica anteriormente mencionada teve impactos contraditórios nas capacidades inovadoras dos
microfundamentos do SNIB, como é o caso dos arranjos
produtivos locais – APLs. 17 De um lado, a sobrevalorização da moeda local provocou o acirramento da concorrência de fora do país, que foi alimentada pela redução das tarifas sobre mercadorias importadas, de outro, a
desvalorização cambial favoreceu a modernização de suas
fábricas por meio da importação de bens de capital a custos relativos mais baixos. No caso da indústria têxtil e de
roupas do Vale do Itajaí estudado por Campos, Cário e
Nicolau (2003), a importação de equipamentos não produziu efeitos internos capazes de incentivar diretamente
as interações para o aprendizado inovador, afora a incorporação das novas tecnologias compreendida em máquinas e equipamentos.
Em outros casos, foram encontrados indícios de melhoria nas capacidades de inovação de empresas e organizações locais, embora específicas e restritas a alguns elementos do respectivo arranjo. Assim, os APLs de calçados
do Rio Grande do Sul (VARGAS; ALIEVI, 2003), de têxteis e roupas do Vale do Itajaí e de metal-mecânica do
Espírito Santo (VILLASCHI; LIMA, 2003) foram incentivados a melhorar sua capacidade de atendimento às demandas dos clientes no curto prazo. Deve-se enfatizar que,
na maioria dos casos, essa qualificação ficou restrita à inovação do processo.
Outros estudos empíricos podem ser usados para ilustrar a perversidade das políticas econômicas liberais praticadas no Brasil ao longo de toda a década de 90. De
Paula, Porcile e Scatolin (2003), por exemplo, mostraram
que, no caso do APL da soja, no Paraná, duas alterações
tiveram efeito negativo sobre suas capacidades tecnológicas: primeiro, a mudança nas estratégias de P&D pela
principal fonte de inovação, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, que não permite mais a
co-propriedade de novas variedades; segundo, as modificações na legislação que regula a produção de novas variedades e que assegura a apropriação privada de inovações por meio de patentes.
Essas duas mudanças quase liquidaram o sistema de
cooperação para a proposta de novas variedades, o qual
viabilizava as estratégias da Embrapa para o desenvolvi-
Os motivos dados pelas subsidiárias multinacionais para
interagir/cooperar com outras instituições são a qualificação
e o treinamento de recursos humanos e a comercialização
dos produtos (o caso de 80% das empresas). Para elas, a
cooperação destina-se a apoiar o treinamento de pessoal e
a facilitar a comercialização dos produtos. Por outro lado,
todas as empresas de capital nacional declararam que o
acesso à tecnologia é o principal motivo para a interação
com outras instituições [...] É interessante observar que o
comportamento das subsidiárias difere daquele que
prevalecia no final dos anos 70 e 80. Nesse período, alguns
projetos foram desenvolvidos entre as subsidiárias multinacionais e o CPqD, como resultado das políticas implementadas no setor.
Szapiro cita ainda Souza e Garcia (1999) para mostrar
uma mudança no motivo pelo qual as empresas buscavam
essa localização específica. Aquelas que tinham se instalado em Campinas antes da década de 90 afirmaram que
tinham escolhido o local pela facilidade de acesso às instituições de P&D e educação. Já para as que chegaram lá
na segunda metade daquela década, a escolha foi feita com
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
bre inovação; ou por que, como estrutura conceitual, não
foi sequer considerada na elaboração de políticas governamentais nem como base para a formulação das estratégias de inovação das empresas.
O trabalho dos uruguaios Arocena e Sutz (2002) pode
ajudar a lançar luz sobre essas questões. Os pesquisadores indicam que a abordagem do SNI não pode ser vista
como trivial, apesar de ele ser reconhecido como um conceito político e apesar de a realidade por ele descrita poder ser submetida a esforços deliberados no sentido de
mudança, com a esperança razoável de se alcançar o que
é pretendido. Isso porque, mesmo para ser tomado como
um conceito político, ele precisa de atitudes sociais com
respeito a transformações globais.
Segundo eles,
mento de sementes por meio de vínculos estreitos com
pequenos e médios produtores e cooperativas. Igualmente se deve observar que essas mudanças ocorreram no momento em que os produtores multinacionais de sementes
de soja começaram a entrar maciçamente no Brasil. Como
se indicou nos casos dos fornecedores da Fiat e das telecomunicações, isso também significou uma transferência
das capacidades de inovação em direção aos laboratórios
das multinacionais em seus países de origem.
Domínio Institucional
Como se ressaltou na segunda parte deste artigo, em um
mundo caracterizado por atividades inovadoras (centradas
em diferentes formas e conteúdos de conhecimento adquiridos por meio de diversas fontes e meios de aprendizado),
a incerteza é um aspecto importante da vida econômica. Por
esse motivo, a existência de ambientes institucionais em
diferentes níveis (de uma empresa específica, de um grupo
de empresas ou de um país) se torna um dos componentes
centrais de um sistema de inovação. Nesse mundo, então,
as instituições movem-se para além das características de
rotinas e direcionam a vida diária de modo a funcionar também como uma estrutura para a mudança.
Mytelka e Smith (2001) enfatizam que o reconhecimento da necessidade dessa estrutura para a mudança pode
ser encontrado de forma cada vez mais intensa, ao longo
de toda a década de 90, nas políticas delineadas nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Nessa mesma direção, Edquist
(1997, p. 16) indica que a abordagem do SNI foi usada
como
as atitudes sociais com respeito às transformações globais
pertencem às questões que merecem atenção especial na
abordagem de Hirschman: ‘O nosso diagnóstico é que
simplesmente países falham em aproveitar seu desenvolvimento potencial, porque, por motivos em grande parte
relacionados com a sua imagem de mudança, eles acham
difícil tomar as decisões necessárias para o desenvolvimento, na quantidade e na velocidade necessárias’
(HIRSCHMAN, 1958; apud AROCENA; SUTZ, 2002, p.
15, tradução nossa).
Poder-se-ia dizer, então, que uma importante restrição
a um ambiente institucional do SNIB melhor sintonizado
na década de 90 foi a falta de visão (Quadro 1). De acordo com Fransman (2002, p. 8, tradução nossa),
[...] A “visão”, ou estrutura cognitiva, consiste de um
conjunto inter-relacionado de crenças, incorporadas em
suposições e expectativas, que servem para fazer o mundo
parecer inteligível e, portanto, orientar as tomadas de
decisão.
um meio para o estudo das inovações, como uma estrutura
conceitual para a elaboração de políticas do governo e como
base para a formulação de estratégias de inovação de
empresas.
Como, na década de 90, a imagem dominante entre as
autoridades econômicas no Brasil estava ligada à competitividade com base nas dotações de fatores (sobretudo
recursos naturais e mão-de-obra barata), não surpreende
o fato de pouco ter sido feito com relação às oportunidades e restrições que emergiram com o PTE da TIC. Isso
não quer dizer, porém, que o assunto tenha permanecido
totalmente ausente da agenda do governo.
Contrariamente ao que aconteceu com a abordagem do
SNI (que foi objeto de apenas alguns trabalhos acadêmicos e nunca foi além de seminários ou de prateleiras de
bibliotecas), a necessidade de financiamento apropriado
Edquist (2001) vai ainda além e destaca que a abordagem do sistema nacional de inovação se estabeleceu em
um tempo relativamente curto e começou a ser usada amplamente, não somente no meio acadêmico, mas também
no estabelecimento de políticas de inovação. De maneira
semelhante, Miettinen (2002) reconhece que esse conceito contribui para aproximar pesquisadores, burocratas e
servidores civis que o fizeram funcionar como uma metáfora de fronteira da organização.
Uma pergunta que se deve fazer, então, é por que, no
Brasil, a abordagem do SNI não foi além dos estudos so-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
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ARLINDO VILLASCHI
‘Avança Brasil’ e o resultado de esforços inicialmente
empreendidos em 1996 pelo Conselho Nacional de Ciência
e Tecnologia. Seu principal propósito é estabelecer os
fundamentos de um projeto estratégico em toda a nação
para integrar e coordenar o desenvolvimento e emprego
de tecnologias avançadas de computação, comunicação e
informação e suas aplicações na sociedade. Este esforço
permitirá ao governo promover a pesquisa e a educação,
bem como assegurar que a economia brasileira seja capaz
de competir no mercado mundial (Embaixador Ronaldo
Mota Sardenberg, Ministro de Estado da Ciência e
Tecnologia, em 13 de setembro de 2000, no lançamento de
Sociedade da informação no Brasil: Livro verde).
da inovação e do desenvolvimento tecnológico e uma certa
conscientização dos desafios da ‘sociedade da informação’ podem ser encontradas em diferentes níveis do debate público.
Esses são certamente os casos das tentativas de criação
de fundos com destinação específica para o financiamento
de projetos de ciência e tecnologia – C&T. A primeira
ocorreu na Constituição de 1988, que permitiu que os
governos estaduais comprometessem certo porcentual de
suas receitas para financiamento de C&T. A segunda foi
o movimento entre autoridades do governo federal, com
o compromisso de apoio de membros do parlamento (em
número restrito) e da comunidade empresarial, no sentido
de garantir financiamento para P&D em 13 áreas econômicas 18 e para a infra-estrutura de C&T das universidades.
Apesar de suas vitórias políticas, essas tentativas não
apresentaram resultados substanciais na década de 90. Por
um lado, embora muitos Estados tenham adotado em suas
constituições o princípio do comprometimento de fundos
para C&T, a letra da lei não teve uma resposta prática. Na
maioria dos casos, os montantes que aparecem nos orçamentos dos Estados não se transformam em recursos financeiros para projetos de pesquisas durante o ano. “Quando é necessário o controle orçamentário, as primeiras
despesas a serem sacrificadas são as que têm menos apelo público” – esse é um dito comum entre os que são responsáveis pela manutenção do equilíbrio das finanças
públicas.
Por outro lado, o projeto do Ministério da Ciência e
Tecnologia de garantir financiamento estável para o setor
no âmbito federal criou sua primeira conta (a do petróleo) em 1999. Assim, a eficácia desse projeto, com respeito a seus principais objetivos (financiamento estável,
promoção de laços mais estreitos entre universidade e
empresas, promoção de pesquisa em C&T, priorização no
uso de recursos, monitoramento de resultados), só poderá
ser avaliada em um cenário posterior ao da década aqui
analisada.
Também foram feitas tentativas para aumentar a
conscientização sobre desafios e oportunidades que emergem em tempos de mudança do PTE. Uma vez mais, trabalhou-se no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia:
Apesar das boas intenções do ministro e de alguns de
seus colegas em diferentes esferas do governo, do mundo acadêmico e do empresariado, o lançamento retardado de um programa focado na sociedade da informação
no Brasil teve o mesmo destino dos outros relacionados
ao anteriormente elogiado “Avança Brasil”: falta de financiamento apropriado e de continuidade, devido ao
baixo compromisso político nas esferas de governo em
que as decisões eram tomadas.
Deve-se ressaltar, porém, que essa lacuna entre o
pensamento dos que estão comprometidos com a ciência
e a tecnologia no Brasil e o dos que de fato gerem a
política econômica com uma abordagem pragmática de
curto prazo é recorrente na história recente. De um lado,
como observa Jaguaribe (1987), ela se fez presente muitas
vezes no processo de industrialização do país, quando o
governo precisou tomar uma posição sobre o modelo a
ser adotado: aquele baseado na tecnologia incorporada
importada ou aquele voltado para o fortalecimento da
capacidade tecnológica interna em médio e longo prazos.
Por outro lado, como destacou Piragibe (1988), isso
também está enraizado na história da política da informática no Brasil. Nos anos 80, houve um debate acirrado
no governo entre os que desejavam proteger o mercado
interno de computadores, como uma maneira de promover as capacidades da indústria e da inovação nesse setor,
e os que desejavam evitar a retaliação dos Estados Unidos, que ameaçavam fechar seu mercado a commodities –
como suco de laranja, sapatos, etc.
Domínio Tecnológico
para reforçar o desenvolvimento da Nova Economia em
nosso país, devemos incentivar a utilização dessas
tecnologias nas empresas brasileiras, o que é a meta do
Programa Sociedade da Informação – um dos mais
ambiciosos programas do plano de desenvolvimento
Dadas as restrições gerais impostas ao SNIB pela liberalização, privatização e pelas idéias por detrás da política
econômica ao longo de toda a década de 90 e levando em
14
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
consideração a estrutura institucional geral acima mencionada, não surpreende o fraco domínio tecnológico do SNIB.
Mesmo quando não explicitamente mencionado, os
dados coletados aqui devem ser vistos de uma perspectiva que leve em consideração as características tecnológicas
do novo paradigma (conforme indicado no Quadro 1), ou
seja, conhecimento e comunicação, vinculados com a
mente humana; conectividade pessoa-a-pessoa; sustentabilidade pessoal, física e psicológica.
Além disso, os dados vão além de um discurso que,
muitas vezes, é uma resposta consciente de pessoas dos
setores acadêmico, governamental e privado. Isso, todavia, não é suficiente, por si só, para romper elementos rígidos como os indicados por Hämäläinen (1999) e Perez
(1997), mencionados anteriormente.
Assim, por exemplo, o início da década de 90 foi marcado pela introdução de diversas iniciativas nacionais na
área de computação, sob os auspícios do Ministério de
Ciência e Tecnologia, como:19
- a Rede Nacional de Pesquisa – RNP, destinada à
implementação da Internet para propósitos educacionais
e de pesquisa no país inteiro;
Por esse motivo, os elementos que devem ser levados
em consideração nas análises de domínio tecnológico do
SNIB são aqueles relacionados com a disponibilidade dos
serviços de educação, tecnologia e treinamento. Quanto
ao sistema educacional, apesar do maior número de alunos que freqüentam as escolas em todos os níveis (inclusive pós-graduação), seu desempenho qualitativo não apresenta padrões razoáveis.20
O número de alunos universitários aumentou de mais
de 1,5 milhão, no começo da década de 90, para perto
de 3 milhões em 2000 (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais – Inep). É importante observar
que a maioria desses alunos está matriculada em escolas
privadas. Enquanto o número de instituições públicas
nesse nível do sistema educacional se estabilizou em torno de 200 desde os anos 80, no setor privado aumentaram de cerca de 650, em 1990, para duas vezes esse número em 2000.
Como resultado, a proporção de alunos matriculados
em escolas privadas está perto de 75% do total na educação superior no Brasil. Um exame mais detido mostra dois
complementos importantes desses números. Por um lado,
há concentração em áreas de conhecimento em que o investimento em laboratórios e equipamentos é mais baixo
(sobretudo nas humanidades). Por outro, tomando-se como
representativos os números das instituições que oferecem
cursos em engenharia mecânica e elétrica, as escolas públicas (em sua maioria, mantidas pelo governo federal)
respondem por mais de 60% do total de matrículas nessas
áreas no país.
O número de cursos de pós-graduação também aumentou nos anos 90. No final dessa década, havia perto de
2.700 cursos de mestrado e doutorado no país. Desses,
somente cerca de 300 em engenharia. Essa baixa participação de engenheiros com preparação em pesquisa deve
ser considerada como uma indicação de que não se pode
esperar, no SNIB, muita interação do tipo que ajuda a
codificar o conhecimento tácito, conforme sugerido por
Nonaka e Takeuchi (1995).
Além disso, deve-se enfatizar a crítica geral que é feita
à rigidez prevalecente em cursos e disciplinas oferecidos
em grande parte das instituições de educação superior no
SNIB. Na maioria das entrevistas feitas com agentes de
arranjos produtivos locais – APLs, essa rigidez é ressaltada por acadêmicos, autoridades, gerentes e empresários
como um gargalo para o estreitamento dos vínculos entre
a educação superior e a sociedade, de maneira geral, e as
empresas, mais especificamente.
- o Programa Temático Multinstitucional em Ciência da
Computação – ProTeM-CC, destinado a estruturar e apoiar
um modelo de pesquisa por meio de um consórcio entre
entidades acadêmicas e o setor privado;
- o Programa Nacional de Software para Exportação –
Softex, destinado a estruturar e coordenar um esforço nacional para fomentar significativamente a exportação de
softwares produzidos no Brasil;
- o Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho – Sinapad, destinado a estabelecer centros para a
prestação de serviços computacionais superiores no país.
Essas iniciativas, entretanto, não tiveram a flexibilidade e a estabilidade necessárias para promover a mudança,
sobretudo em tempos de troca de PTE. Por isso, não surpreende que, em meados dessa década, os problemas de
institucionalização e financiamento tenham sido suficientes
para fazer as agências governamentais mudarem seus objetivos com respeito ao novo PTE.
Algumas dessas respostas (como sociedade da informação e os fundos setoriais de C&T) somente se tornaram
efetivas na década seguinte. Apesar das tentativas de superar os problemas institucionais e financeiros relativos a ciência, tecnologia e inovação em geral e das iniciativas especificamente enfocadas no PTE corrente, primeiro será
preciso constatar sua eficácia para, depois, avaliá-las.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
15
ARLINDO VILLASCHI
Ademais, a “necessidade de mudanças na estrutura
institucional para assegurar que, no longo prazo, os aspectos criativos e críticos da pesquisa acadêmica possam
sobreviver” (LUNDVALL, 2002) encontra fundamentos
frágeis no SNIB. Salários congelados, condições insatisfatórias de trabalho e financiamento escasso e instável
fizeram do ensino e da pesquisa atividades muito pouco
atraentes no Brasil ao longo de toda a década de 90. Não
surpreende que, em muitas escolas públicas de educação
superior, o número de professores substitutos21 tenha aumentado durante esse período, alcançando, em muitos
departamentos de universidades federais, mais de 25%.
Isso aumenta o volume do trabalho burocrático a ser realizado pelos demais membros do departamento, o que os
mantém cada vez mais distantes das salas de aula e dos
laboratórios, da criatividade e da crítica necessárias para
mudar a estrutura institucional.
O quadro não se mostra melhor quando se passa da
educação formal e da pesquisa para os serviços de
capacitação e inovação. Os levantamentos feitos em cerca de 20 APLs 22 mostra que, mesmo nos casos em que
esses serviços são prestados por organizações especificamente concebidas para responder às especificidades das
pequenas e médias empresas locais, a lacuna entre o que
é oferecido e o que é usado pode permanecer grande.
Isso acontece mesmo em se tratando de serviços nãosofisticados de tecnologia ou inovação. No caso da organização do setor de calçados no Estado da Paraíba, por
exemplo, existe uma lacuna entre os serviços que são oferecidos pelo departamento local do Senai e o baixo nível
de demanda para esses serviços, sobretudo da parte de
micro e pequenas empresas.
colcha de retalhos de questões sociais, econômicas e políticas conflitantes.
Não obstante, muitos estudos sobre a economia da inovação no país nos anos 80 (entre outros: EVANS; TIGRE,
1989a; 1989b; HOBDAY, 1990; HEWITT, 1988;
PESSINI, 1986; SCHMITZ; CASSIOLATO, 1992; TIGRE; FERRAZ, 1989; VILLASCHI, 1992) mostram que,
apesar de todos os problemas em seu cenário macroeconômico, o Brasil teve um desempenho razoável em muitas áreas básicas do PTE das TICs. Apesar de problemas
aqui e ali na política de informática, os resultados em telecomunicações e em outras áreas (automação dos
bancos, petróleo e aeronáutica, por exemplo) indicavam
a existência de capacidades internas de inovação que poderiam ajudar o país a ter uma postura correta em sua
marcha para um novo PTE.
Na década de 90, o debate da ‘década perdida’ perdeu
força por haver quase uma aceitação total, entre as autoridades governamentais, de que, uma vez conquistada a
estabilidade de preços e desregulamentados os mercados,
o país retornaria ao caminho do crescimento que caracterizou sua economia na maior parte do século XX. A estabilidade de preços foi alcançada em 1994, mas a um preço muito alto para a estabilidade econômica, conforme
enfatizado por Coutinho (2003) e outros.
O presente trabalho buscou apresentar dados que indicam que o culto exagerado ao mercado, que esteve no cerne
da política econômica do Brasil por toda a década de 90,
tem colocado em risco as chances de estabilidade econômica do país no médio e longo prazos. Isso porque não
foram reconhecidas questões consideradas cruciais quando um país deseja desempenhar um papel ativo nos fluxos mundiais de bens, serviços e conhecimento que são
importantes no contexto do PTE da TIC.
Características básicas do novo PTE, como conhecimento e comunicação vinculados com a mente humana; processos de produção intensivos em informação; redes de produção; serviços empresariais intensivos em conhecimento;
informações, coordenação e regulamentação do governo;
visão, entre outras, foram deixadas de lado no debate público do país e na agenda do governo.
Nessas circunstâncias, a inserção do país na nova fase
de internacionalização das relações econômicas e sociais
– a assim chamada globalização – reduziu-se ao aumento
de sua parcela no mercado de commodities de baixo valor
agregado, como soja, aço, celulose, sapatos, etc. Foi como
se os sinais do que está acontecendo em outros países (especialmente naqueles da OCDE) não passassem de uma
COMENTÁRIOS FINAIS
O debate da ‘década perdida’ tem estado presente na
agenda brasileira desde os anos 80. Nessa década, o país
perdeu oportunidades de: renegociar sua dívida de uma
maneira diferente da abordagem da “dívida não é para ser
paga, mas para ser rolada”, usada por autoridades pragmáticas na esteira da crise mexicana de 1982; controlar a
hiperinflação em 1986, ocasião em que o Plano Cruzado
foi atingido em seus fundamentos visto que a estabilização dos preços a baixos custos sociais se tornou uma questão de vida ou morte para os políticos do partido no poder; ter uma estrutura institucional mais estável e flexível
sob a Constituição de 1988, que acabou se tornando uma
16
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
ANOS 90: UMA DÉCADA PERDIDA PARA O SISTEMA NACIONAL ...
conceito ex-ante, porque o comportamento socioeconômico
relativo à inovação em nível nacional raramente é sistêmico.
abstração a que uma formação socioeconômica com as
dotações dos recursos naturais do Brasil continental não
devesse prestar atenção.
A necessidade de manter-se a par do que estava sendo
discutido sobre aprendizado e conhecimento em uma era
que já não era mais apenas uma perspectiva só foi reconhecida por uma comunidade muito restrita de acadêmicos, empresários, políticos e autoridades governamentais.
Eles certamente não tinham como fazer o país acompanhar o que Tuomi (2001) chama de duas ondas, que dominaram o debate sobre sociedade do conhecimento na
década de 90.
A primeira onda focava questões já presentes no debate
dos anos 80 (competitividade, crescimento econômico,
acesso, regulamentação, privacidade, segurança e direitos
de propriedade intelectual), com o acréscimo da preocupação emergente dos ricos e dos pobres em informações.
A segunda onda identifica-se com as preocupações
expressas por Ducatel e seus colaboradores:
Nessa perspectiva, pode-se dizer que este artigo assume uma posição semelhante àquela de Freeman e Louçã
(2001, tradução nossa). Eles citam Charles Dickens, em
Um conto de duas cidades:
Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; foi a idade
da sabedoria, foi a idade da tolice; foi a época da fé, foi a
época da incredulidade; foi a estação da Luz, foi a estação
das Trevas; foi a primavera da esperança, foi o inverno do
desespero; tínhamos tudo diante de nós, não tínhamos nada
diante de nós.
Os pesquisadores concluem seu livro afirmando que o
fundamental é escolher. Aqui, a escolha recaiu sobre questões que a formação socioeconômica brasileira deve enfrentar em três domínios autônomos e interdependentes, que
podem caracterizar um SNI em face dos desafios e das oportunidades sob o PTE das TICs:23 o domínio tecnológico
(que disponibiliza a tecnologia), o domínio econômico (que
assegura a viabilidade e sustentabilidade da inovação) e o
domínio institucional (que possibilita a inovação).
Reconhece-se agora que a relação entre mudança tecnológica e transformação social é complexa, e agora também
está desnudada a falsidade da noção simplista de que as
mudanças tecnológicas têm efeitos sociais, os quais, por sua
vez, podem ser controlados de maneira simples por meio de
políticas apropriadas […] Isso acarreta uma maior
complexidade para a formulação de políticas: não é
suficiente desenvolver e implementar políticas apropriadas
de tecnologia separadamente. As políticas de tecnologia e
as políticas sociais precisam ser desenvolvidas de maneira
complementar e visar objetivos complementares. É necessário, se desejamos que a ‘sociedade’ de sociedade da
informação seja algo mais que um artifício retórico,
desenvolver uma avaliação mais sofisticada dessas questões
sociais. (DUCATEL et al., 2000 apud TUOMI, 2001, p. 8,
tradução nossa)
NOTAS
Baseado em um estudo apresentado em The First Globelics Conference:
Innovation Systems and Development Strategies for the Third
Millenium, Rio de Janeiro, de 2 a 6 de novembro de 2003. O autor
agradece os proveitosos comentários feitos na época, especialmente
os de Martin Fransman, Pekka Ylla-Antilla e Tarmo Lemola. Registra
também seus agradecimentos à equipe de tradutores do BID por colaboração na tradução do texto originalmente escrito em inglês.
1. Para um exame dos diferentes aspectos da abordagem dos sistemas
de inovação, ver Lundvall et al. (2001) e Edquist (1997). Para comentários críticos sobre a abordagem, ver Edquist (2001). Miettinen (2002)
destaca as críticas ao conceito, sobretudo no tocante às maneiras como
ele foi incorporado no discurso europeu de políticas tecnológicas.
2. Ver, por exemplo, Cortada (2000).
Isso, por si só, deveria ser suficiente para justificar as
posições assumidas neste artigo. Essas não devem, de
maneira alguma, ser consideradas frutos de pensamentos
fantasiosos com relação às janelas de oportunidades que
estão abertas ao SNIB sob o PTE das TICs.
Na verdade, o que o trabalho tenta enfatizar está em
sintonia com a maneira como Arocena e Sutz (2002, p. 6,
tradução nossa) vêem a aplicabilidade do conceito do SNI
no Sul:
3. Freeman e Louçã (2001, p. 301) lembram que até o presidente do
Banco Central dos Estados Unidos, Alan Greenspan, “tem falado com
freqüência do ‘novo paradigma’, referindo-se especificamente a computadores, telecomunicações e Internet, como uma fonte da notável
explosão de crescimento na economia dos Estados Unidos na década
de 90”.
4. Em outro estudo (VILLASCHI, 2004), exploro características alternativas do paradigma técnico-econômico da TIC indicadas por Castells
(2000), Drucker (2001) e Tuomi (2001).
5. É importante, porém, ter em mente que, nas teorias que formam o
cerne da economia ortodoxa, presume-se que os agentes racionais façam escolhas com base em um volume dado de informações. O único
tipo de aprendizado permitido é o acesso dos agentes a novas fontes
de informação.
Ao contrário [do que acontece no Norte, onde o conceito se
fundamenta em conclusões empíricas], no Sul ele é mais um
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
17
ARLINDO VILLASCHI
6. Os autores observam que esse tipo de conhecimento se tornou cada
vez mais importante porque existe uma tendência geral em direção a
uma base de conhecimento mais complexa, com novos produtos que
normalmente combinam muitas tecnologias, cada uma delas enraizada
em disciplinas científicas diferentes. Isso torna o acesso a fontes diversas de conhecimento ainda mais essencial.
21. Só podem ser contratados para um período que não exceda dois
anos.
22. Ver: <http://www.ie.ufrj.br/redesist>.
23. Como Antilla e Lemola (2003) destacaram, tais desafios e oportunidades devem ser enfrentados com um alto grau de destruição criadora para o país beneficiar-se das janelas abertas pelo novo paradigma,
como fez a Finlândia. Um desafio adicional para o Brasil seria, então,
romper com seus últimos 20 anos de destruição não-criadora das capacidades institucionais e inovativas.
7. Isso deveria ser objeto de análise mais detalhada para os que estão
trabalhando na perspectiva de uma nova ordem internacional em tempos de TICs. Como informação e conhecimento se referem mais do
que nunca a relações de poder, os ricos e os pobres, tanto entre países
como dentro de cada país, não podem ser considerados um tema marginal para os que estão pesquisando oportunidades e restrições na nova/
próxima sociedade/economia/paradigma.
8. Nesse contexto, o Centro do Programa de Especialização finlandês pode ser visto como um modelo em matéria de facilitação do acesso a quem sabe onde encontrar o que é relevante e como traduzir o que
é encontrado de maneira participativa para a empresa.
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10. No contexto de países em desenvolvimento, isso é essencial mesmo quando não se está lidando com equipamentos de processo complexo. Diante de uma força de trabalho com pouca qualificação, o treinamento é crucial para que o conhecimento incorporado em máquinas
e equipamentos tenha algum impacto econômico.
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11. Os eventos ocorridos antes de 11 de setembro de 2001 e as reações
posteriores ilustram muito bem essa interpretação.
AROCENA, R.; SUTZ, J. Innovation systems in developing
countries. In: DRUID Working Paper 2002-5, 2002. Disponível em:
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12. Aqui, deve ser entendido em diferentes escalas de espaço (local,
regional, nacional, supranacional) e como outras formas de reunião
social (étnica, religiosa, profissional, etc.).
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13. Essa grave debilitação dos grupos empresariais nacionais transferiu o controle de mais de 200 importantes empresas para corporações
estrangeiras. Pelo menos 50 delas eram empresas públicas que depois
se tornaram subsidiárias de capital totalmente fechado.
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14. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – IEDI, entre 1994 e 1998 a presença do controle de investidores estrangeiros (porcentagem de vendas das 20 maiores empresas)
movimentou de 55% a 79% em autopeças; de 34% a 79% em produtos
eletrônicos; de 69% a 83% em informática; de zero a 75% em telecomunicações e de 44% a 73% em bens de capital.
CASSIOLATO, J.; LASTRES, H.; MACIEL, M. (Ed.). Systems of
innovation and development – evidence from Brazil. Cheltenham:
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15. Um marco importante no esforço para o estabelecimento de um
modelo nacional e independente para o setor de telecomunicação, o
CPqD é um o centro de P&D, criado pela estatal Telebrás nos anos 70,
com o objetivo de se tornar um referencial no país para os projetos de
pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e serviços nesse setor.
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16. Nos termos definidos na segunda parte deste artigo, é como se o
SNIB estivesse regredindo do novo para o antigo PTE.
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17. Para uma discussão do conceito e da abordagem, ver Villaschi e
Campos (2002).
18. Petróleo, infra-estrutura, energia, recursos hídricos, transportes,
minerais, espaço, telecomunicações, tecnologia da informação, saúde,
aeronáutica, agroindústria e biotecnologia.
19. Para detalhes sobre esses programas e outras iniciativas sobre a
sociedade da informação no Brasil, ver <http://www.socinfo.org.br/
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20. É importante ter em mente que mais de 25% dos alunos que freqüentam a escola primária no Brasil levam sete anos para concluir os
primeiros cinco anos do sistema educacional. Mais relevante ainda é o
fato de que um número substancial dos que concluem a educação primária não exibe a competência apropriada em língua portuguesa e
matemática básica.
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Artigo recebido em 27 de abril de 2005.
Aprovado em 31 de maio de 2005.
20
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 3-20, abr./jun. 2005
A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...
A NOVA COMPETITIVIDADE DA
INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO
uma hipótese de trabalho
GLAUCO ARBIX
JOÃO ALBERTO DE NEGRI
Resumo: Este artigo defende a existência de indícios de que a atual competitividade da indústria brasileira
estaria sustentada em uma nova visão empresarial, surgida no país após a abertura da economia. São cinco os
indícios: as estratégias das empresas voltadas para inovação e diferenciação de produtos; as mudanças estruturais e organizacionais; adequação das firmas aos padrões internacionais, via inovação tecnológica; a melhoria
proporcionada pela inovação no desempenho exportador das firmas; e a internacionalização das firmas com
foco na inovação tecnológica.
Palavras-chave: Inovação tecnológica. Indústria brasileira.
Abstract: This paper argues that current competitiveness of the Brazilian Industry is supported by a new
entrepreneurial view, which emerged after the opening up of the economy. The argument is based on five
focal points: companies’ strategy based on innovation and product differentiation; organizational restructuring;
companies’ efforts to fit international product patterns by technological innovation; innovation is improving
export performance of the firms; firms that are basing their internationalization process on technological
innovation.
Key words: Technological innovation. Brazilian industry.
ste artigo objetiva construir uma hipótese de
trabalho de que a atual competitividade da indústria
brasileira estaria sustentada em uma nova visão
empresarial, que tem surgido no país após a abertura da
economia. São cinco os indícios verificados nas empresas
e discutidos neste texto: as estratégias competitivas voltadas
para inovação tecnológica e diferenciação de produtos; as
mudanças estruturais e organizacionais; adequação a normas
e padrões internacionais via inovação tecnológica; inovação
vista como fundamental para o desempenho exportador; e
internacionalização com foco na inovação tecnológica. A
partir dos novos comportamentos competitivos encontrados
na indústria brasileira e de características no âmbito da firma,
este artigo procura destacar os elementos de uma nova visão
empresarial brasileira, originada a partir do esgotamento
do nacional-desenvolvimentismo.
Não é recente a análise de que o modelo de crescimento
e industrialização do Brasil, via substituição de importação,
criou um viés pró-mercado interno, negligenciando o
desempenho das empresas brasileiras no mercado internacional, por parte tanto do setor privado quanto do público.
Se, por um lado, este modelo levado a cabo no pós-guerra
consolidou uma indústria relativamente articulada, densa e
com fornecedores locais, por outro, a proteção à concorrência internacional e o aparato produtivo estatal teriam sido
responsáveis também por criar uma visão empresarial
relativamente acomodada e passiva diante das principais
tendências internacionais. Esta relativa acomodação teria
distanciado as empresas industriais brasileiras dos padrões
modernos de competição do mercado internacional,
basicamente guiados pela capacidade de realização de
inovação tecnológica e diferenciação de produtos.
E
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
21
GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI
indústria brasileira;1 e, por outro, ao categorizar as empresas por estratégias competitivas, tornou-se possível
mapear e discutir com muito mais acuidade o patamar
competitivo da indústria, possibilitando diagnóstico preciso para apoio à política industrial.
Para categorização das empresas, tomou-se por base a
literatura econômica que demonstra que a inovação é uma
estratégia que possibilita às empresas auferirem maiores
ganhos, particularmente se ocorrer diferenciação de produto que permita a obtenção de preço-prêmio pela empresa.2 Do ponto de vista da estratégia de negócios, tal
visão foi difundida por Porter (1980), que agrupa as estratégias de negócios em três categorias:
Economias semelhantes à brasileira foram abertas ao
comércio internacional e a participação do Estado na economia foi substancialmente reduzida. No caso brasileiro,
a abertura, a eliminação de inúmeros instrumentos de incentivos à produção doméstica e as privatizações passaram a assumir papel central na estratégia de desenvolvimento da economia na década de 90. Já em meados dos
anos 90, após o processo de abertura da economia e, de
forma especialmente relevante partir da estabilização
macroeconômica, o debate sobre a sustentabilidade do
crescimento ganhou relevância especial. No centro deste
debate está a visão do setor privado quanto à inserção
externa da indústria brasileira.
Recentemente, as discussões sobre as políticas de
incentivo à inovação tecnológica, em geral, e os estudos
realizados para apoiar a elaboração das Diretrizes da
Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior –
PITCE têm trazido novas contribuições sobre inserção
externa da indústria brasileira. Existem fortes evidências
de que o caso brasileiro de reestruturação da indústria é
singular, quando comparado com outras economias, pois
o novo ambiente econômico, diferente de gerar uma
especialização regressiva, estaria impulsionando uma nova
visão empresarial a respeito das potencialidades do Brasil
na economia mundial. Distanciando-se da recorrente passividade e tradicional dependência das iniciativas governamentais, parte do empresariado de hoje começa a se
conformar como um segmento que se dispõe a enfrentar e
a se equiparar às melhores práticas da concorrência
internacional, particularmente aquelas associadas à inovação tecnológica, com profundas conseqüências para a
modernização de suas empresas.
Nas próximas seções deste artigo estão detalhadas as
evidências e sistematizados os indícios desse novo comportamento e configuração. A se confirmar essa hipótese,
estar-se-ia praticamente diante de uma alteração estrutural do sistema socioprodutivo brasileiro.
- concorrência por diferenciação;
- concorrência por preço, na qual os produtos são padronizados e o diferencial de uma empresa se dá pelo seu nível menor de custos;
- concorrência por nichos, que seria um caso particular
da estratégia de diferenciação.
De acordo com essas análises, a estratégia de diferenciação de produto seria aquela mais promissora para a
lucratividade da empresa, que estaria menos sujeita à concorrência via menores salários e jornadas de trabalho mais
extensas, ou derivada de recursos naturais (commodities)
muito sujeitos a flutuações de preços. Também é conhecido o esforço dos países desenvolvidos para elaborarem
políticas de inovação tecnológica e de diferenciação de
produtos, seja através de investimentos e incentivos diversos, seja por meio de regulamentação, como é o caso
do sistema GSM e das denominações de origem.
A tipologia desenvolvida no âmbito do Projeto3 baseiase na lógica acima e, para a indústria brasileira, as
estratégias de competição podem ser traduzidas, do ponto
de vista empírico, na tipificação das firmas em três
categorias:
- aquelas que inovam e diferenciam produtos, ou seja,
empresas de maior conteúdo tecnológico que competem
por diferenciação de produto, o que seria a estratégia competitiva mais promissora, concentrando a ponta mais dinâmica da indústria e tendendo a capturar parcela maior
da renda gerada pela indústria;
ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS NA
INDÚSTRIA BRASILEIRA
Os resultados aqui apresentados fazem parte do Projeto Inovação e Padrões Tecnológicos na Indústria Brasileira (SALERNO; DE NEGRI, 2005) que foi coordenado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea para
apoiar a elaboração da PITCE. A originalidade deste projeto é dupla: por um lado, os dados referem-se ao mais
amplo conjunto de informações jamais reunido sobre a
- firmas especializadas em produtos padronizados, categoria que reúne empresas razoavelmente atualizadas do
ponto de vista de certas características operacionais (fabricação e logística), mas defasadas no que se refere a
outras armas modernas da competição (pesquisa e desenvolvimento, marketing, gerenciamento de marcas, etc.) e
que competem basicamente por custo e preço;
22
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...
- aquelas que não diferenciam produto e têm produtividade menor, categoria que engloba empresas que
oferecem produtos de qualidade inferior, não exportadoras,
porém se mostram capazes de captar espaços no mercado,
através de baixos preços e outras possíveis vantagens.4
demais categorias. O faturamento médio deste grupo é de
R$ 135,5 milhões, enquanto nas especializadas em produtos padronizados corresponde a R$ 25,7 milhões e naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor a
R$ 1,3 milhão. Apesar de haver um diferencial significativo entre o tamanho médio das empresas nas três categorias, as eficiências de escala daquelas que inovam e diferenciam produtos e das especializadas em produtos
padronizados estão muito próximas, mas divergem das que
não diferenciam e têm produtividade menor (DE NEGRI
et al., 2005). Isto mostra que os rendimentos de escala das
empresas desta última categoria são inferiores quando
comparadas com as demais empresas e que uma parte da
sua ineficiência está associada ao fato delas operarem em
escala de produção menor do que as outras.
As variáveis relativas ao pessoal ocupado são relevantes para análise da estratégia competitiva das empresas.
A remuneração média mensal do pessoal ocupado é de
R$ 1.254,64 nas empresas que inovam e diferenciam produtos, R$ 749,02 nas especializadas em produtos padronizados e R$ 431,15 naquelas que não diferenciam e têm
produtividade menor. A remuneração está associada às características da mão-de-obra. A escolaridade média do
trabalhador nas firmas que inovam e diferenciam produtos é significativamente maior do que nas demais. Em
média, o empregado destas empresas tem 9,13 anos de
estudos, contra 7,64 nas especializadas em produtos padronizados e 6,89 nas que não diferenciam e têm produtividade menor. O tempo de permanência médio do trabalhador também é maior nas empresas que inovam e
diferenciam produtos (54,09 meses), quando comparadas
com as especializadas em produtos padronizados (43,90
CARACTERÍSTICAS DAS FIRMAS SEGUNDO
ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS
Segundo os dados do IBGE, existem na indústria brasileira aproximadamente 72 mil empresas com mais de dez
empregados. De acordo com suas estratégias competitivas, na indústria brasileira existem 1.199 firmas que inovam e diferenciam produtos, 15.311 especializadas em
produtos padronizados e outras 55.486 que não diferenciam e têm produtividade menor (Tabela 1).
É razoável que a maioria das empresas corresponda
àquelas que não diferenciam e têm produtividade menor.
Nesta categoria, estão incluídas empresas de médio e pequeno portes que oferecem produtos não diferenciados de
qualidade menor e que concorrem via preços. A sua grande participação numérica não é refletida, entretanto, com
a mesma intensidade quando o indicador é a participação
no faturamento. Estas empresas respondem por apenas
11,5% do faturamento total da indústria brasileira. Já aquelas que inovam e diferenciam produtos, apesar de representarem numericamente apenas 1,7% da indústria brasileira, são responsáveis por 25,9% do faturamento
industrial, enquanto as empresas especializadas em produtos padronizados detêm 62,6% do faturamento.
A escala de produção das empresas que inovam e diferenciam produtos é significativamente maior do que nas
TABELA 1
Empresas Industriais, por Características, segundo Estratégias Competitivas
Brasil – 2000
Empresas
Estratégias Competitivas
Nos Abs.
Total
Inovam e
Diferenciam Produtos
%
Faturamento
Médio
(em milhões de R$)
Participação
no
Faturamento
(%)
Remuneração
Prêmio Salarial
Média do
Resultante do ComporPessoal
tamento Competitivo
Ocupado (R$/mês)
da Firma (%)
72.005
100,0
100,0
1.199
1,7
135,5
25,9
1.254,64
23
Especializadas em
Produtos Padronizados
15.311
21,3
25,7
62,6
749,02
11
Não Diferenciam e
Têm Produtividade Menor
55.495
77,1
1,3
11,5
431,15
0
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/
IBGE, Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
23
GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI
meses) e com as que não diferenciam e têm produtividade
menor (35,41 meses em média).
Bahia e Arbache (2005) mostraram, que também existe
um prêmio salarial pago pelas empresas, que se diferencia
de acordo com as estratégias competitivas. Segundo estes
autores, as empresas que inovam e diferenciam produtos
remuneram os empregados 23% a mais do que aquelas que
não diferenciam e têm produtividade menor e as especializadas em produtos padronizados oferecem um prêmio
salarial 11% a mais em comparação a esta última categoria.
Estas evidências mostram que empresas que competem por
inovação e diferenciação de produto tendem a remunerar
melhor a mão-de-obra ocupada, sugerindo que uma política
de incentivo à inovação e diferenciação de produto pode
ter efeitos positivos do ponto de vista dos salários.
para o mercado exige também esforço de inovação em processo. O padrão de inovação tecnológica das empresas
especializadas em produtos padronizados é diferente:
35,6% implementaram inovação de processo e 26,2% inovaram produtos. Comportamento semelhante, porém de
menor intensidade, é encontrado nas empresas que não diferenciam e têm produtividade menor: 21,4% realizaram
inovação de processo e 13,4% inovaram produtos.
De forma geral, estes dados indicam que há um diferencial de padrão de inovação tecnológica das empresas
que inovam e diferenciam produto quando comparadas
com as demais. Nas especializadas em produtos padronizados e naquelas que não diferenciam e têm produtividade menor, o comportamento inovador é fortemente
associado à difusão tecnológica, que é realizada de forma
especialmente relevante por meio da inovação de processo.
Uma parte significativa das inovações de processo é
realizada através da introdução de máquinas e equipamentos, freqüentemente importadas. Nas empresas especializadas em produtos padronizados, o porcentual de
inovadoras é maior do que nas que não diferenciam e têm
produtividade menor, indicando uma preocupação maior
nesta categoria com a eficiência produtiva (técnica e de
escala). Neste último grupo, há um grande número de
empresas, geralmente pequenas e médias, que não inovam
e nem participam de processos de difusão tecnológica,
compreendendo, via de regra, empresas defasadas tanto
do ponto de vista tecnológico como de eficiência produtiva.
Os dados apresentados na Tabela 3 corroboram também
as evidências de que a difusão de tecnologia domina o
comportamento inovador das empresas especializadas em
Inovação Tecnológica – 1998-2000
A taxa de inovação na indústria brasileira é de 31,5%
considerando-se as empresas com dez ou mais pessoas ocupadas. A inovação de produto novo e processo novo para
o mercado é, entretanto, muito menos freqüente entre as
empresas, chegando a 4,1% e 2,8%, respectivamente. A
Tabela 2 apresenta o resultado do processo inovativo das
empresas na indústria brasileira por categoria.
Entre as empresas que inovam e diferenciam produtos,
70,6% também realizaram inovações de processo, sendo
que 35,7% o fizeram para o mercado doméstico. O
porcentual alto de empresas que realizam inovações de
produto e de processo, entre as que inovam e diferenciam
produtos, parece indicar que a inovação de produto novo
TABELA 2
Taxas de Inovação de Produtos e Processo, segundo as Estratégias Competitivas das Empresas
Brasil – 1998/2000
Em porcentagem
Estratégias Competitivas
Total
Total
Inovadoras de Produto
Novo para
Mercado
Novo para
Empresa
Total
Inovadoras de Processo
Novo para
Mercado
Novo para
Empresa
17,6
4,1
14,4
25,2
2,8
23,3
Inovam e Diferenciam
Produtos
100,0
100,0
28,4
70,6
35,7
48,5
Especializadas em
Produtos Padronizados
26,2
4,5
23,1
35,6
5,7
31,6
Não Diferenciam e Têm
Produtividade Menor
13,4
1,9
11,7
21,4
1,3
20,4
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,
Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
Nota: Porcentuais por categoria de estratégia competitiva. Como a empresa pode inovar simultaneamente em produto e processo novos para a empresa ou para o mercado, os valores não
somam 100%.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...
produtos padronizados e daquelas que não diferenciam e
têm produtividade menor. Quando se observa a informação
sobre quem é o principal responsável pelas inovações,
verifica-se que em 78% das empresas especializadas em
produtos padronizados, o principal responsável pela
inovação de processo foi outra empresa. Este valor sobe
para 88,3% nas das empresas que não diferenciam e têm
produtividade menor. Menos da metade (47,5%) das
inovações de processo é realizada por outra empresa no
caso daquelas que inovam e diferenciam produtos. Mesmo
no que se refere às inovações de produto, a difusão de
tecnologia é maior nas empresas especializadas em
produtos padronizados e nas que não diferenciam e têm
produtividade menor, quando comparadas àquelas que
inovam e diferenciam produtos.
A Tabela 3 também mostra que as empresas que inovam e diferenciam produtos apresentam, simultaneamente, a maior porcentagem de desenvolvimento próprio de
processo (dentro da própria unidade) e a menor incidência de recurso a outras empresas. Ou seja, parece haver
uma associação entre inovação e diferenciação de produto e inovação de processo, ainda que essa inovação possa
ser via mudança de equipamento.
Faz parte também do esforço inovador a capacidade
de as empresas estabelecerem alianças cooperativas e parcerias para a inovação tecnológica. As parcerias se diferem de acordo com o padrão de inovação das empresas.
A despeito da diferença entre os padrões de inovação
tecnológica, verifica-se que as empresas especializadas em
produtos padronizados e as que não diferenciam e têm produtividade menor, quando realizam inovação de produto,
o fazem com um esforço individual maior do que aquelas
que inovam e diferenciam produtos, das quais 29,3% realizaram inovação de produto em conjunto com outra empresa do grupo empresarial ao qual pertencem ou então
em cooperação com outras empresas. Já nas especializadas
em produtos padronizados este porcentual é de 15,9% e
naquelas que não diferenciam produto e têm produtividade menor corresponde a 6,4%.
As empresas que inovam e diferenciam produtos também realizam gastos na aquisição de P&D externo e de
conhecimento, em proporção ao faturamento, maiores do
que nas demais categorias, o que corrobora as evidências
de que estas empresas cooperam ou realizam inovações
dentro do seu grupo empresarial. Não é trivial, entretanto, a relação de causalidade entre desempenho inovativo
da empresa e cooperação. As empresas podem inovar e
com isso ampliar o leque de cooperação/parceria e troca
de informações com outras empresas que também inovam,
ou então podem associar-se para alcançar uma inovação
tecnológica pretendida.
Um dos indicadores de esforço individual das empresas que realizam inovação são os gastos de P&D interno
como proporção do faturamento. Considerando apenas as
empresas inovadoras em cada categoria, a média de gastos de P&D interno sobre o faturamento para aquelas que
inovam e diferenciam produtos é de 3,06%, enquanto para
as especializadas em produtos padronizados este porcentual é de 2,03% e naquelas que não diferenciam e têm
produtividade menor corresponde a 1,36%.
O esforço da empresa para realizar inovação tecnológica
tem como objetivo aumentar os recursos e potencialidades
TABELA 3
Empresas, por Principal Responsável pela Inovação, segundo Estratégias Competitivas
Brasil – 1998-2000
Em porcentagem
Estratégias Competitivas
Outra Empresa
do Grupo
Empresa
Empresa em
Cooperação
Outras
Empresas
Produto
71,4
3,8
7,8
17,0
Inovam e Diferenciam Produtos
65,6
17,0
12,3
5,0
Especializadas em Produtos Padronizados
72,6
6,0
9,9
11,5
Não Diferenciam e têm Produtividade Menor
71,6
0,5
5,9
21,9
Processo
10,6
1,2
4,9
83,3
Inovam e Diferenciam Produtos
30,7
6,6
15,2
47,5
Especializadas em Produtos Padronizados
13,1
2,5
6,3
78,1
8,1
0,1
3,5
88,3
Não Diferenciam e têm Produtividade Menor
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,
Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
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GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI
disponíveis no seu interior e, com isso, obter vantagens
competitivas que se traduzem em rentabilidade superior à
de seus competidores. O impacto da inovação tecnológica
em termos de recursos e potencialidades pode ser visto na
Tabela 4, que apresenta a proporção de empresas que atribuíram alta importância a impactos específicos do processo de inovação.
Naquelas que inovam e diferenciam produtos, a inovação tem um impacto maior na melhoria da qualidade e
na ampliação da gama dos produtos ofertados. De fato,
um dos ativos importantes desta categoria, em comparação às demais, é a sua potencialidade de diferenciar e
melhorar a qualidade do seu produto. Das empresas que
inovam e diferenciam produtos, 46,8% atribuíram alta
importância da inovação tecnológica para ampliação da
gama de produtos ofertados, sendo que, para as demais
categorias, este valor é significativamente menor. A estratégia de direcionar os recursos disponíveis na empresa para gerar inovações que aumentem as potencialidades
de diferenciar e melhorar a qualidade do produto ofertado
se reflete no seu posicionamento no mercado. O por-
centual de empresas que atribuíram alta importância da
inovação tecnológica para manutenção, ampliação e abertura de novos mercados é maior naquelas que inovam e
diferenciam produtos do que nas outras duas categorias.
Já a proporção de empresas que atribuíram alta importância ao aumento da capacidade produtiva e da flexibilidade de produção é maior nas especializadas em produtos padronizados e nas que não diferenciam e têm
produtividade menor. Estas empresas, produtoras de bens
menos diferenciados, tendem a direcionar seus recursos
disponíveis para ampliar suas potencialidades fabris, procurando fazer o mesmo produto da melhor forma. É por
isso que grande parte da inovação realizada por estas
empresas refere-se a processo. De forma geral, são menores os porcentuais de empresas que atribuíram alta importância da inovação tecnológica para a redução de custos
do trabalho, de consumo de matérias-primas e de energia
elétrica e parece não haver grandes diferenças na comparação entre as categorias.
Um dado especialmente relevante que deve ser observado na Tabela 4 é que 23,1% das empresas que inovam e
TABELA 4
Proporção de Empresas Inovadoras que Atribuíram Alta Importância da Inovação
sobre Aspectos Específicos, Segundo Estratégias Competitivas
Brasil – 1998/2000
Em porcentagem
Estratégias Competitivas
Inovam e
Diferenciam Produtos
Especializadas em
Produtos Padronizados
Não Diferenciam e
têm Produtividade Menor
Produto
Melhorou a Qualidade dos Produtos
61,2
57,1
55,6
Ampliou a Gama de Produtos Ofertados
46,8
28,7
24,0
Mercado
Permitiu Manter a Participação no Mercado
55,8
50,6
47,7
Ampliou a Participação no Mercado
47,5
39,9
34,6
Permitiu Abrir Novos Mercados
34,9
23,7
21,0
Aumentou a Capacidade Produtiva
34,1
42,5
43,6
Aumentou a Flexibilidade da Produção
32,7
36,7
34,6
Reduziu os Custos do Trabalho
23,7
24,2
22,3
Reduziu o Consumo de Matérias-Primas
10,6
9,2
7,2
8,8
9,0
8,3
Reduziu Impacto no Meio Ambiente
28,8
27,4
22,2
Enquadramento nas Normas do Mercado Interno
32,9
23,0
15,9
Enquadramento nas Normas do Mercado Externo
23,1
13,2
1,8
Processo
Reduziu o Consumo de Energia
Outros Impactos
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,
Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
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A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...
cadores de inserção das empresas industriais brasileiras
no comércio internacional. O coeficiente de exportação
médio das especializadas em produtos padronizados é
praticamente o dobro das demais inseridas no comércio
internacional e o coeficiente de importação médio é 50%
maior nestas empresas quando comparado com outras.
A literatura sobre os determinantes do comércio internacional afirma que as exportações podem, por um lado,
estar relacionadas às tradicionais vantagens comparativas
que são determinadas pela dotação relativa de fatores de
produção, como mão-de-obra e recursos naturais, e são
associadas ao comércio interindústria. Por outro lado, as
exportações podem estar baseadas em economias de escala, inovação tecnológica e diferenciação de produto e,
neste caso, estariam essencialmente associadas ao comércio intra-indústria. O Brasil é um país em desenvolvimento onde a abundância em recursos naturais e mão-de-obra
o torna competitivo nas exportações de bens que demandam maior dotação relativa destes fatores, mas o tamanho
do mercado doméstico brasileiro e o esforço inovativo das
empresas no Brasil também tornam o país competitivo em
determinados segmentos em que inovação tecnológica e
escala de produção são determinantes da competitividade
das empresas no mercado internacional.
Os indicadores de comércio exterior sinalizam padrão
muito diferente entre as empresas que inovam e diferenciam produtos e as especializadas em produtos padronizados. As primeiras obtêm melhor preço no mercado internacional quando comparadas às demais exportadoras
brasileiras, demandando mais importações de componentes ou produtos complementares às linhas de produção
doméstica. Isto ocorre porque o Brasil é parcialmente ou
não competitivo em segmentos de maior intensidade
diferenciam produtos atribuíram alta importância da inovação para o enquadramento às normas do mercado externo. Nas especializadas em produtos padronizados este
porcentual é de 13,2%.
Uma das potencialidades importantes para o processo
de competição das empresas é sua capacidade de promover mudanças microeconômicas relativas a suas estratégias de mercado e também organizacionais. Não existe relação de causalidade bem definida entre estas mudanças e
a inovação tecnológica. Ao mesmo tempo em que impulsiona o processo de mudança, a inovação tecnológica impulsionada por ele. A Tabela 5 apresenta os dados referentes às empresas inovadoras que declararam realizar
mudanças estratégias e organizacionais.
Naquelas que inovam e diferenciam produtos, 39,1%
declararam que realizaram mudanças na estratégia corporativa, que correspondem a alterações de produto e/ou
mercado de atuação das empresas. As inovadoras de produto
novo para o mercado são de fato empresas mais agressivas,
não apenas no lançamento de novos produtos, mas também
na conquista de novos mercados. Mais de 50% destas firmas
também realizaram mudanças na gestão, estrutura organizacional, marketing e gerenciamento. Nas demais categorias,
esta proporção é menor. As mudanças na estética, desenho,
etc. do produto são mais simples de serem implementadas
e, por isso, grande parte das empresas, independentemente
da categoria, realizou estas alterações.
INSERÇÃO NO COMÉRCIO EXTERIOR
As empresas que inovam e diferenciam produtos exportam e importam em média muito mais do que as demais empresas exportadoras. A Tabela 6 apresenta indi-
TABELA 5
Proporção de Empresas Inovadoras que Implementaram Mudanças Estratégicas e Organizacionais, segundo Estratégias Competitivas
Brasil – 1998/2000
Em porcentagem
Mudanças na
Estratégia
Corporativa
Técnicas
Avançadas de
Gestão
Mudanças na
Estrutura
Organizacional
Mudanças de
Estratégias de
Marketing
Mudança na
Estética,
Desenho, etc.
Novos
Métodos de
Gerenciamento
Inovam e Diferenciam
Produtos
39,1
56,0
51,8
52,7
72,9
54,3
Especializadas em
Produtos Padronizados
26,8
42,6
44,0
44,5
66,4
35,1
Não Diferenciam e Têm
Produtividade Menor
18,6
28,1
36,0
38,5
68,0
16,6
Estratégias Competitivas
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,
Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
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GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI
TABELA 6
Exportações, Importações e Coeficientes, segundo Estratégias Competitivas das Empresas
Brasil – 2000 (1)
Estratégias Competitivas
Inovam e Diferenciam Produtos
Exportações
(US$ milhões)
Importações
(US$ milhões)
11,4
12,01
Coeficiente de
Exportação (2)
(%)
0,11
Coeficiente de
Importação (3)
(%)
0,15
Especializadas em Produtos Padronizados
2,1
1,8
0,21
0,10
Não Diferenciam e Têm Produtividade Menor
0,0
0,0024
0,00
0,01
Fonte: IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000. Elaboração: Ipea/Diset a partir da transformação dos dados obtidos na fonte e com a incorporação de dados da PIA/IBGE,
Secex/MDIC, Bacen e Rais/MTE.
(1) Média no ano.
(2) Valor exportado (R$) sobre faturamento (R$).
(3) Valor importado (R$) sobre faturamento (R$).
tecnológica. Estas empresas, para se manterem competitivas no mercado internacional, estariam importando componentes de maior conteúdo tecnológico para sua linha
de produção, ao mesmo tempo em que complementam a
linha de produtos oferecidos ao mercado doméstico. Desta maneira, as empresas que inovam e diferenciam produtos possuem um padrão de comércio intra-indústria, parte
intra-empresa, caracterizado em grande medida pela
complementaridade tecnológica com o exterior.
As especializadas em produtos padronizados, por produzirem e exportarem bens menos diferenciados, mais
homogêneos e de menor conteúdo tecnológico, aproveitam de forma mais intensa a abundância na dotação relativa de fatores de produção, como mão-de-obra barata e
recursos naturais disponíveis no mercado brasileiro. Neste caso, as empresas são competitivas no comércio
interindustrial com outros países. Este tipo de comércio
depende menos de importações e as exportações realizadas pela firma acabam por contribuir com uma parcela
maior do faturamento. Nesta categoria, as importações são
realizadas com o objetivo de aproveitar a complementaridade intra-indústria baseada nos potenciais que são
criados pela escala de produção doméstica.
De Negri e Freitas (2004) mostraram que a inovação
tecnológica é um dos determinantes das exportações das
empresas brasileiras. Este estudo aponta para duas evidências. A primeira é que uma firma que realiza inovação
tecnológica tem 16% mais chances de ser exportadora do
que outra que não faz inovação tecnológica. A segunda é
que um aumento na propensão de a empresa realizar inovação tecnológica, mensurada através de um aumento em
um ano de escolaridade média de seus trabalhadores, associado a uma expansão de 20% na eficiência de escala,
possibilitaria que empresas que não realizam exportações
passassem a exportar US$ 559 mil por ano. Consideran-
do que existem aproximadamente 18 mil firmas exportadoras na indústria brasileira, uma ampliação da base exportadora em torno de 14% (ou seja, se 2.500 empresas
passassem a exportar como resultado do aumento de escala e da sua capacidade de inovar) seria responsável por
um adicional de US$ 1,4 bilhão de exportações anuais.
Este valor seria equivalente ao impacto resultante da eliminação completa das barreiras tarifárias para o mercado
dos Estados Unidos e Canadá no âmbito da Alca somado
ao impacto da eliminação completa das barreiras tarifárias
para a Europa, o que poderia ser realizado no âmbito das
negociações Mercosul-Europa.5
Internacionalização com Foco na
Inovação Tecnológica
Uma boa parte do comércio internacional se dá intraempresa e, desta forma, o desempenho exportador de um
país pode ser influenciado positivamente quando suas
empresas estabelecem subsidiárias no exterior, que podem
contribuir com o desempenho exportador por exercerem
diversas funções, tais como acessar canais de comercialização, adaptar os produtos à demanda de mercados específicos, criar mercados, acessar recursos financeiros
mais baratos, apropriar tecnologias não disponíveis no
mercado doméstico, etc.
Arbix, Salerno e De Negri (2004; 2005a) mostraram que
os processos de internacionalização com foco na inovação
tecnológica afetam positivamente o desempenho exportador
das empresas. Verificou-se que as empresas internacionalizadas com foco na inovação remuneram melhor a
mão-de-obra, empregam pessoal com maior escolaridade
e, portanto, geram empregos de melhor qualidade. Além
disso, apresentam maior porcentual de dispêndio em
treinamento de mão-de-obra relativamente ao faturamento,
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A NOVA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA E O NOVO EMPRESARIADO: ...
o que impulsionaria de alguma forma a qualificação da mãode-obra doméstica. Com relação às características da
empresa, observou-se que aquelas internacionalizadas com
foco na inovação exportam mais do que as que não fazem
este tipo de internacionalização. Portanto, há evidências de
que o aumento da competitividade das empresas é influenciado positivamente pelas inovações tecnológicas que são
resultantes do processo de internacionalização. Os autores
realçaram também o elo de ligação entre a inovação
tecnológica, a internacionalização das empresas industriais
brasileiras via investimento direto externo e a obtenção de
preço-prêmio nas exportações (ARBIX; SALERNO; DE
NEGRI, 2005b). Segundo os autores, esse elo de ligação
existe porque a inovação tecnológica produz ativos
específicos que possibilitam e facilitam a internacionalização das empresas, o que, por sua vez, contribui
positivamente para a obtenção de um preço-prêmio nas
exportações. Em um mecanismo de retroalimentação, a
internacionalização favorece a inovação e a inovação
aumenta a possibilidade de obtenção de preços-prêmio em
relação aos demais exportadores.
ram que realizaram mudanças na estratégia corporativa,
ou seja, àquelas relacionadas com alterações de produto
e/ou mercado de atuação. As empresas inovadoras de
produto novo para o mercado são agressivas não apenas
no lançamento de novos produtos, mas também na conquista de novos mercados. Mais de 50% destas empresas também realizaram mudanças na gestão, estrutura
organizacional, marketing e gerenciamento. Esta é uma
das características microeconômica marcantes do processo pró-ativo de reestruturação das empresas após a abertura econômica.
O terceiro indício mostra que 23,1% das empresas que
inovam e diferenciam produtos e 13,2% das especializadas
em produtos padronizados realizaram inovação para se
adequarem às normas e padrões internacionais. Estes números são importantes porque podem estar demonstrando que há uma parcela não desprezível de firmas na indústria brasileira voltada para atender ao mercado externo,
devendo, portanto, considerar o mercado externo dentro
da estratégia da empresa. Estes números são especialmente
relevantes no contexto atual, porque no passado cristalizou-se no Brasil a interpretação de que o processo de desenvolvimento industrial brasileiro teria sido voltado para
dentro e que as empresas enxergariam sua inserção internacional como uma parte residual de sua estratégia de crescimento, que ganharia importância somente nos momentos de restrições no mercado interno. O porcentual não
desprezível de empresas que realizaram uma atividade
nobre e singular do ponto de vista da competição, a inovação tecnológica, para se adequarem ao mercado internacional sugere que algo de novo na visão empresarial
brasileira estaria ocorrendo.
O quarto indício diz respeito à importância da inovação tecnológica nas exportações brasileiras. A firma que
realiza inovação tecnológica tem 16% mais chances de ser
exportadora do que outra que não faz inovação tecnológica.
Isso indica que o empresariado brasileiro tem identificado a inovação tecnológica como um passo importante para
sua inserção no comércio internacional. Neste sentido, o
Brasil é um país em desenvolvimento onde a abundância
em recursos naturais e mão-de-obra o torna competitivo
nas exportações de bens que demandam maior dotação
relativa destes fatores, mas o tamanho do mercado doméstico brasileiro e o esforço inovativo das firmas no Brasil
também tornam o país competitivo em determinados segmentos em que inovação tecnológica e escala de produção são determinantes da competitividade das empresas
no mercado internacional.
CONCLUSÕES
Este artigo procurou destacar e sistematizar alguns sinais indicadores da nova competitividade da indústria
brasileira, cujo suporte básico seria um novo comportamento e visão empresarial.
O primeiro indício relevante é que a inovação tecnológica
e a diferenciação de produtos fazem parte das estratégias
competitivas de um conjunto de empresas que representam
25,9% do faturamento da indústria brasileira. Aquelas que
inovam e diferenciam produtos pagam prêmio salarial de
23%, empregam mão-de-obra mais qualificada e o pessoal
ocupado permanece mais tempo no emprego. Estes indicadores mostram que estas empresas valorizam o capital humano e o conteúdo tecnológico obtido através do aprendizado em seu interior. Estas empresas realizam inovação de
produto novo para o mercado e 70,6% realizam também
inovação de processo, o que indica um padrão de inovação
tecnológica mais sofisticado e que não é guiado apenas pela
difusão de tecnologias já existentes. O grande número de
parcerias e alianças cooperativas realizadas pelas empresas que inovam e diferenciam produtos indica que estas são
capazes de empreender esforços articulados para alcançar
a inovação tecnológica.
O segundo indício apontado mostra que, nas empresas que inovam e diferenciam produtos, 39,1% declara-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
29
GLAUCO ARBIX / JOÃO ALBERTO DE NEGRI
O quinto indício está relacionado à internacionalização
das empresas industriais brasileiras. Aquelas que inovam
e diferenciam produtos têm buscado no exterior informações para realizar inovação tecnológica. A internacionalização com foco na inovação tecnológica produz
impactos positivos sobre o desempenho exportador das
empresas, pois aumenta não apenas o volume exportado,
mas também o valor agregado aos bens exportados.
Os sinais reunidos neste trabalho dão consistência à hipótese de que a nova competitividade da indústria brasileira encontra sustentação em um novo empresariado. Um
das características importantes da reestruturação da indústria após a abertura econômica e estabilização é que muitas empresas brasileiras estão desenvolvendo um comportamento pró-ativo, orientando-se pelas práticas mais nobres
da competição: a inovação tecnológica e a diferenciação
de produto. As informações coletadas e já processadas sugerem fortemente a necessidade de construção de uma nova
agenda de pesquisa sobre os sistemas produtivos, que incorpore as dimensões regionais, setoriais e locais dos processos de inovação, assim como para seus desdobramentos em outros setores e campos da atividade econômica,
para além da indústria em sentido estrito.
incubadoras em que foram gestadas. Esta categoria não foi analisada
no Projeto.
5. Ver De Negri, Arbache (2003) e De Negri, Arbache e Falcão Silva
(2003).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARBIX, G.; SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. Internacionalização
com foco na inovação tecnológica e seu impacto sobre as exportações das firmas brasileiras. Revista DADOS, 2005a. No prelo.
________. Padrões de internacionalização das firmas industriais
brasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.).
Inovação, padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005b. No prelo.
______. Inovação, via internacionalização, faz bem para as
exportações brasileiras. Economia do conhecimento e inclusão
social. In: FÓRUM NACIONAL 2004. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2004. p. 185-224.
BAHIA, L.D.; ARBACHE, J. Diferenciação salarial segundo
critérios de desempenho das empresas industriais brasileiras. In:
SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões
tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras.
Brasília: Ipea, 2005. No prelo.
DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J.; FALCÃO SILVA, M.L. A formação
da Alca e seu impacto no potencial exportador brasileiro para os
mercados dos Estados Unidos e do Canadá. Brasília, Ipea, 2003.
(Texto para discussão, n. 991).
DE NEGRI, J.A.; ARBACHE J. O impacto de um acordo entre o
Mercosul e a União Européia sobre o potencial exportador
brasileiro para o mercado europeu. Brasília, Ipea, 2003. (Texto
para discussão, n. 990).
NOTAS
1. Foi utilizada base de dados organizada pelo Ipea, que reúne os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) e da Pesquisa Industrial sobre
Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais)
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério de Desenvolvimento Indústria
e Comércio Exterior (MDIC), do Censo do Capital Estrangeiro do Banco
Central (Bacen), do Registro de Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen)
e da Base de Dados de Compras Governamentais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). O banco de dados é composto por uma amostra de aproximadamente 70 mil empresas industriais e cinco milhões de pessoas que nelas trabalham. O Ipea não tem
a posse física das informações utilizadas neste trabalho e, portanto, a
realização de estudos como este só é possível devido às parcerias
estabelecidas entre o Ipea, IBGE, MTE, Bacen, o MPOG e Secex/MDIC.
O acesso às informações necessárias ao trabalho seguiu rigorosamente
os procedimentos que garantem o sigilo de informações restritas.
DE NEGRI, J.A.; FREITAS, F. Inovação tecnológica, eficiência de
escala e exportações brasileiras. Brasília, Ipea, 2004. (Texto para
discussão, n. 1044).
DE NEGRI, J.A.; SALERNO, M.S.; CASTRO, A.B. Inovação,
padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. In: SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação,
padrões tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras. Brasília: Ipea, 2005. No prelo.
PORTER, M. Competitive strategy: techniques for analyzing
industries and competitors. New York, The Free Press, 1980.
SALERNO, M.S.; DE NEGRI, J.A. (Coord.). Inovação, padrões
tecnológicos e desempenho das firmas industriais brasileiras.
Brasília: Ipea, 2005. No prelo.
2. É utilizada também a expressão “lucro de monopólio”, no sentido
de que a empresa obtém um ganho extra pelo fato de que, num determinado horizonte, seu produto se diferencia dos demais, criando uma
situação similar a um monopólio de fato.
GLAUCO ARBIX: Professor do Departamento de Sociologia da USP e
Presidente do Ipea.
3. Com destaque para o professor Antônio Barros de Castro (IE/UFRJ),
que teve a idéia inicial de categorizar as empresas por seu desempenho competitivo. Tal idéia foi aprofundada com os professores Afonso Fleury (Politécnica USP) e Adriano Proença (Coppe e EE-UFRJ).
JOÃO ALBERTO DE NEGRI: Pesquisador e Diretor Adjunto de Estudos
Setoriais do Ipea.
4. Na indústria brasileira poderia, ainda, ser contemplado um quarto
agrupamento de empresas, formado por aquelas de base tecnológica e
que estão em fase inicial de operação ou em condições de deixar as
Artigo recebido em 5 de abril de 2005.
Aprovado em 6 de maio de 2005.
30
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 21-30, abr./jun. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO
DE
ATIVIDADES
DE
P&D: ...
INTERNACIONALIZAÇÃO DE
ATIVIDADES DE P&D
participação de afiliadas brasileiras
mensuradas por indicadores de C&T
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
Resumo: Este artigo analisa a participação de subsidiárias de empresas transnacionais no processo de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) global. Para tanto, serão avaliados indicadores de Ciência e Tecnologia (C&T)
de empresas pertencentes aos setores mais inovadores no Brasil, a fim de comparar os dados com as subsidiárias das mesmas empresas localizadas em países que competem diretamente com o Brasil.
Palavras-chave: Patentes. Dados bibliométricos. Tecnologia. Telecomunicação.
Abstract: This paper aims to analyse the participation of Brazilian subsidiaries of foreign transnational companies
in their global R&D processes. For this, we analysed some Science and Technology (S&T) indicators from the
widest companies of the most innovative industries in Brazil in order to compare data from their subsidiaries
located in countries that directly compete to the Brazilian units.
Key words: Internationalization of R&D. Patents. Bibliometric data. Technology.
V
ivencia-se uma época de acirrada competitividade,
impulsionada pela globalização, na qual o desenvolvimento tecnológico constitui-se num dos principais impulsionadores da competição industrial. A produtividade, a competitividade e o crescimento – tanto de
empresas como até mesmo de países – estão intrinsecamente ligados à inovação. Desse modo, a participação das
subsidiárias brasileiras nesse processo torna-se um importante medidor da capacidade de geração de valores
tecnológicos do Brasil, uma vez que a presença de companhias transnacionais (TNCs) estrangeiras no país está
cada vez mais acentuada.
Dessa forma, é importante avaliar quantitativamente o
grau de envolvimento das unidades subsidiárias no
desenvolvimento de tecnologia das empresas estrangeiras
que atuam localmente, uma vez que, para setores dominados
por essas companhias, o compartilhamento de conhecimento
e a replicação desse para o sistema nacional de inovação
apresentam uma forte dependência dessas companhias.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
As atividades de P&D das TNCs têm seguido uma
tendência de descentralização (CANTWELL, 1989,
GHOSHAL; BARTLETT, 1988; REDDY, 1997; SUBRAMANIAM et al., 1998; DUNNING, 1999). Existem
pesquisas que afirmam que subsidiárias brasileiras de
algumas empresas TNCs estrangeiras estão envolvidas no
desenvolvimento de alguns nichos de produtos globais
(DIAS; GALINA, 2004; GALINA; PLONSKI, 2002;
CONSONI; QUADROS, 2002). No entanto, não é comum
encontrar na literatura estudos que mostrem quantitativamente o resultado dessa participação.
Para tanto, existem indicadores de ciência e tecnologia
(C&T) que podem ser utilizados (OECD, 1994). Deve-se
salientar que a medição de inovação torna-se necessária,
ainda que incompleta e imperfeita, devido à sua importância para o desenvolvimento nacional (DOGSON;
SYBILLE, 2000), pois, dessa maneira, o tema dos indicadores será inserido, definitivamente, nas agendas dos estudos e das políticas de inovação.
31
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
eletrônico que possuem subsidiárias instaladas no Brasil.
Trata-se de indústrias dominadas por empresas transnacionais estrangeiras. Participaram do estudo as norte-americanas Lucent e Motorola, a japonesa NEC, a sueca
Ericsson, a francesa Alcatel, a alemã Siemens, a finlandesa Nokia e a canadense Nortel, classificadas no setor de
telecomunicações. Para o setor de informática, foram
selecionadas as norte-americanas Cisco, Compaq, Dell,
HP, IBM, Unisys e Xerox, e a sul coreana Samsung. No
que diz respeito ao setor eletrônico, selecionamos a sueca
Electrolux, as japonesas Furukawa e Toshiba, as norteamericanas GE, Intel e Tyco, a sul-coreana LG e a holandesa Philips. Essas empresas são as maiores em cada indústria considerada (VALOR ECONÔMICO, 2004).
Portanto, foram selecionados os setores mais inovadores
e, dentro deles, as empresas que podem realizar mais inovações, já que, quanto maiores, mais inovadoras elas são
(IBGE, 2002).
O levantamento de patentes foi feito nacional e internacionalmente. Para tanto, as consultas foram realizadas
nas bases de dados disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI; e, para analisar a
participação brasileira nas patentes requeridas internacionalmente, foi utilizada a base do United States Patent
and Trademark Office – USPTO. Ambas as organizações
disponibilizam informações pela Internet. É importante
ressaltar que foram contemplados dados dos últimos dez
anos.
A base do USPTO foi escolhida porque o sistema norte-americano é o que realiza o maior número de registros
de patentes de empresas estrangeiras do mundo – daí sua
relevância. Os dados sobre patentes disponíveis para consulta na base do USPTO são bem mais detalhados do que
os provenientes da base disponibilizada pelo INPI. Isso
representa uma flexibilidade muito maior da base norteamericana se comparada à brasileira – o que significa que
no USPTO é possível fazer diferentes tipos de consultas
e receber um conjunto de dados mais específico do que
pelo INPI.
Por outro lado, a consulta à base de dados de patentes
domésticas foi fundamental para os resultados desta
pesquisa. Isso porque ela possui uma quantidade muito
maior de dados relevantes a serem tratados aqui e, por isso,
possibilita uma análise mais fundamentada e, conseqüentemente, conclusões mais aprofundadas.
Geralmente, quando uma empresa transnacional solicita patentes internacionais, isso significa que o produto
patenteado é inovador e relevante para a companhia as-
No entanto, é necessário destacar que nenhum indicador tem a capacidade de, sozinho, analisar a complexidade e abrangência da atuação de uma organização – e muito menos de um sistema de inovação. Os indicadores devem
refletir características específicas e devidamente contextualizadas, para que possam ser alcançados os objetivos
para os quais foram designados.
A partir dessas considerações, o objetivo deste artigo
é avaliar a relevância da participação das subsidiárias brasileiras no processo de desenvolvimento tecnológico, por
meio dos resultados das atividades realizadas localmente. Tais resultados serão analisados por meio de dados
quantitativos (especificamente a partir de dois dos mais
importantes indicadores de C&T: estudos sobre patentes
e estudos bibliométricos), considerando-se alguns dos
setores mais inovadores (IBGE, 2002) que sejam dominados por TNCs. Estes dados serão comparados ainda com
os provenientes de subsidiárias das mesmas transnacionais
consideradas, localizadas em outros países que competem
diretamente com o Brasil em cada um dos setores analisados. Dessa forma, aborda-se um tema de significativa
importância para a avaliação de C&T no país – e que ainda foi pouco explorado.
Vale considerar que um importante indicador faz
referência a solicitações de patentes, que podem ser
efetuadas em âmbito nacional ou internacional dependendo
de onde as empresas pretendem fabricar e comercializar
seus produtos. Entretanto, deve-se destacar que os
resultados estabelecidos apenas a partir de análises
estatísticas com patentes são frágeis, visto que tais estudos
podem ser indicadores imperfeitos se utilizados isoladamente (PAVITT, 1988). Portanto, torna-se necessário
e prudente combiná-los com outros indicadores de C&T,
como informações bibliométricas.
Assim, este artigo combina os dois indicadores mencionados, com o intuito de explorar a representatividade
da participação de subsidiárias brasileiras no desenvolvimento tecnológico de algumas indústrias – majoritariamente companhias estrangeiras. A seguir, é apresentada a
metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho, os dados obtidos e algumas considerações finais, com
levantamento de questões importantes a serem ainda
investigadas.
METODOLOGIA
Os estudos foram realizados com empresas transnacionais dos setores de telecomunicação, informática e
32
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO
P&D: ...
Patentes Solicitadas a Companhias e Inventores
Países em Desenvolvimento – 1994-2003
Países em Desenvolvimento
Brasil
Chile
Empresa
202
365
426
793
Empresa
17
29
Inventor
57
87
Empresa
128
197
Inventor
372
660
Cingapura
Empresa
241
1.084
597
1.991
Taiwan
Empresa
5.081
18.571
Inventor
13.057
31.056
39
59
Inventor
85
298
Empresa
131
717
Inventor
370
1.360
Empresa
17
71
Tailândia
Índia
Malásia
Empresa
Inventor
149
404
Coréia do Sul
Empresa
8.700
18.001
Inventor
9.359
19.500
China
Empresa
170
907
476
2.269
Inventor
Hong Kong
Hungria
Empresa
1.048
1.938
Inventor
1.490
2.793
Empresa
1.624
3.163
Inventor
3.093
5.666
Empresa
138
128
Inventor
265
321
Irlanda
Empresa
239
477
Inventor
468
961
Rússia
Empresa
32
1
Inventor
130
13
Patentes Internacionais
Fonte: USPTO.
33
1999-2003
Inventor
Inventor
A busca de dados na base do USPTO foi feita em dois
períodos de cinco anos distintos: de 1994 a 1998 e de 1999
a 2003. A flexibilidade para a combinação de diferentes
buscas nessa base nos levou a informações diversificadas
1994-1998
México
RESULTADOS OBTIDOS
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
DE
TABELA 1
Israel
EM
ATIVIDADES
e a análises importantes. Em uma dessas análises, o número de patentes foi obtido considerando o Brasil como o país
de origem das patentes (inventores ou empresas), com o
objetivo de mostrar a situação geral do país em termos de
patentes recebidas, sem considerar cada companhia especificamente. Os resultados, mostrados na Tabela 1, não são
muito animadores. Eles indicam que, mesmo com um aumento de 80% de um período para outro, a participação do
país é baixa. E isso, não somente se o considerado como
“país de origem do inventor”, mas também como “país onde
está localizada a empresa que fez a requisição da patente”.
sim como a equipe envolvida no processo de inovação.
Quando a equipe conta com a participação de funcionários ligados a alguma subsidiária, esse pode ser um indício de que há envolvimento entre tal subsidiária e a rede
global de desenvolvimento tecnológico da TNC, mesmo
que a patente não tenha sido solicitada em nome da subsidiária. Dessa forma, a análise cobrirá a solicitação de patente em nome da subsidiária e também a existência de
pelo menos um inventor oriundo da subsidiária.
Um outro indicador escolhido para medir o envolvimento entre matrizes e subsidiárias brasileiras refere-se
a dados bibliométricos, ou seja, a quantidade de artigos
científicos publicados em periódicos de destaque. Vale
citar que, enquanto as patentes estão ligadas à pesquisa
aplicada e ao desenvolvimento experimental (para posterior produção e comercialização do produto), as publicações científicas geralmente se referem à pesquisa básica e
aplicada. Dessa forma, com esses dois indicadores de resultados de C&T, cobrem-se todos os tipos de atividades
realizadas em P&D (OECD, 1994).
Os dados bibliométricos são provenientes do Science
Citation Index – SCI, editado pelo instituto norte-americano Institute for Scientific Information – ISI, também por
intermédio da base disponível na internet. O SCI é
multidisciplinar e compreende cerca de 5.300 periódicos
relacionados a ciências humanas, meio ambiente, tecnologia e medicina. Além disso, ele é a base multidisciplinar
que compreende o número mais significativo de publicações da América Latina. Em 1997, as publicações da região representaram 2,3% do total das publicações
registradas no SCI (RICYT; CYTED; OEA, 1999).
Para qualquer um dos indicadores selecionados, os
dados encontrados para a participação do Brasil foram
confrontados com os dados de outros países, tanto os em
desenvolvimento quanto os desenvolvidos. Na escolha
desses países, foi considerada a relevância das subsidiárias como prováveis participantes do desenvolvimento de
produtos das TNCs – o que as torna importantes concorrentes das subsidiárias brasileiras.
SÃO PAULO
DE
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
Os números absolutos provenientes da Rússia, Hungria,
Chile, México, Tailândia e Malásia são ainda piores.
No entanto, nas comparações com Índia, Israel, China,
Irlanda, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan, o Brasil está
numa posição absolutamente inferior. Entre os países analisados, as melhores posições são as de Taiwan e da Coréia
do Sul, que têm números muito mais impressivos de patentes obtidas. Entretanto, com exceção desses dois, os
números que representam países inteiros em geral são
baixos, uma vez que várias das companhias estudadas os
superam – especialmente no segundo período, conforme
visto na Tabela 2.
É importante diferenciar a participação de inventores
e subsidiárias no processo de desenvolvimento que
acabou por gerar o produto patenteado. Quando existe
participação de um inventor local mas a unidade dele não
é a solicitante da patente, esse fato pode indicar que a
equipe local de desenvolvimento não está envolvida na
pesquisa e que provavelmente, esta é realizada fora da
unidade. Uma outra possível razão para isso é que a
subsidiária pode não ter autonomia ou poder para competir
com a matriz na solicitação da patente. Assim, quanto a
buscas realizadas nas bases de dados, sempre que
possível foram separadas as informações relacionadas a
subsidiárias ou a inventores.
A partir dos nomes de cada companhia estudada e de
seus respectivos países, foi feito um levantamento mais
específico na base da USPTO. Assim, foram identificadas
as patentes solicitadas por várias subsidiárias. O resultado é apresentado na Tabela 2 e mostra claramente que as
subsidiárias de países em desenvolvimento têm poucas
patentes em seus nomes. No caso do Brasil, identificamos
Ericsson, Lucent, GE, Philips, Tyco e Xerox, com pouquíssimas patentes cada uma.
TABELA 2
Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados
Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores
Países Selecionados – 1994-2003
Empresas Estudadas
Anos
Brasil
Total
Unidade
Alcatel
Ericsson
Lucent (1)
Motorola
NEC
Nokia
Nortel
Siemens
Telecomunicações
Israel
Índia
Inventor
Unidade
Inventor
Unidade
Inventor
China
Unidade
Hungria
Inventor
Unidade
Irlanda
Inventor
Unidade
Inventor
1994-1998
1.020
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
1.817
0
0
0
1 (0,06%)
0
0
0
0
0
0
0
0
1994-1998
1.067
0
1 (0,09%)
0
0
0
0
0
0
0
2 (0,19%)
0
0
1999-2003
3.733
1 (0,03%)
1 (0,03%)
0
1 (0,03%)
0
0
0
1 (0,03%)
0
15 (0,4%)
1 (0,03%)
21 (0,56%)
1994-1998
3.455
0
1 (0,03%)
0
1 (0,03%)
0
12 (0,35%)
0
0
0
0
0
0
1999-2003
5.043
0
0
0
13 (0,26%)
0
15 (0,3%)
0
3
0
0
0
3 (0,06%)
1994-1998
5.999
0
0
0
2 (0,03%)
0
105 (1,75%)
0
4 (0,07%)
0
0
0
2 (0,03%)
1999-2003
4.795
0
0
0
4 (0,08%)
0
110 (2,29%)
0
7 (0,15%)
0
0
0
7 (0,15%)
1994-1998
5.939
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
9.654
0
0
1 (0,01%)
2 (0,02%)
0
0
0
0
0
0
0
0
1994-1998
658
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
2.224
0
0
0
0
0
1 (0,04%)
0
3 (0,13%)
0
2 (0,09%)
0
0
1994-1998
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
1.834
0
0
0
2 (0,11%)
0
2 (0,11%)
0
0
0
0
0
7 (0,38%)
1994-1998
3.345
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1 (0,03%)
1999-2003
6.062
0
0
0
2 (0,03%)
0
3 (0,05%)
0
4 (0,07%)
0
0
0
1 (0,02%)
(continua)
34
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO
DE
ATIVIDADES
DE
P&D: ...
TABELA 2
Patentes Solicitados pelas Companhias Estudadas e Participação de Países Selecionados
Medida pelo Número de Patentes em Nome da Subsidiária e por Inventores
Países Selecionados – 1994-2003
Eletrônico
Brasil
Empresas Estudadas
Electrolux
Furukawa
GE
Intel
LG
Philips
Semp Toshiba
Tyco
Anos
Total
Cingapura
Unidade
Inventor
Unidade
Taiwan
Inventor
Unidade
Índia
Malásia
Inventor
Unidade
Inventor
Unidade
Coréia do Sul
Inventor
Unidade
Hong Kong
Inventor
Unidade
Inventor
1994-1998
170
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
158
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1994-1998
271
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
391
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1994-1998
3.795
0
2
0
0
0
2
0
4
0
0
0
3
0
0
1999-2003
4.905
0
0
0
4
0
2
0
54
0
0
0
2
0
0
1994-1998
2.024
0
0
0
1
0
0
0
0
0
5
0
0
0
0
1999-2003
5.066
0
0
0
4
0
1
0
10
0
17
0
0
0
0
1994-1998
806
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
798
799
0
0
1999-2003
2.862
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2.845
2.795
0
0
1994-1998
3.135
0
2
0
10
0
5
0
0
0
0
0
10
4
1999-2003
5.698
0
2
0
29
0
13
0
0
0
0
326
295
1
13
1994-1998
5.433
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
3
0
0
1999-2003
7.031
0
0
0
1
0
1
0
0
0
1
3
2
0
0
1994-1998
17
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
537
0
1
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
1
Informática
Brasil
Empresas Estudadas
Cisco
Compaq
Dell
HP
IBM
Samsung
Unisys
Xerox
Anos
Total
Unidade
México
Inventor
Unidade
Cingapura
Inventor
Unidade
EM
Unidade
Índia
Inventor
Unidade
Coréia do Sul
Inventor
China
Unidade
Inventor
Unidade
Inventor
1994-1998
42
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
966
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
0
1994-1998
697
0
0
0
1
0
0
0
4
0
1
0
0
0
0
1999-2003
1.347
0
0
0
1
0
9
0
8
0
1
0
0
0
0
1994-1998
412
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
1999-2003
561
0
0
0
0
0
0
1
1
0
0
0
0
0
0
1994-1998
2.741
0
0
0
7
0
42
0
1
0
1
0
0
0
0
1999-2003
5.533
0
0
0
53
0
107
2
11
0
11
0
1
0
0
1994-1998
102
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
61
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
1994-1998
3.833
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
3.766
3.628
0
0
1999-2003
8.080
0
0
0
0
0
0
3
1
0
0
7.964
7.717
1
0
1994-1998
556
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1999-2003
521
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1994-1998
4.263
0
0
0
1
0
0
0
1
0
5
0
0
0
2
1999-2003
4.332
0
3
0
1
0
0
0
3
0
0
0
2
0
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
0
(conclusão)
Fonte: USPTO.
(1) AT&T no período de 1994 a 1998.
SÃO PAULO
Taiwan
Inventor
35
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
las aumentaram suas solicitações de patentes locais, enquanto outras as diminuíram. Nortel e Lucent, por exemplo, aumentaram respectivamente 269% e 190% suas participações de um período a outro. Essas companhias
intensificaram seus negócios no Brasil após a privatização
do sistema Telebrás; a Nortel, em telefonia móvel; e a
Lucent, em fixa (com aquisição de duas empresas brasileiras – Batik e Zetax). É notável o crescimento da GE e da
Xerox, – sendo que esta última apresenta números bastante
significativos. É preciso também observar que são neces-
Quanto ao setor de telecomunicações, o Brasil apresenta
o pior desempenho quando comparado aos demais países
em desenvolvimento considerados. Quando analisa-se o
total de patentes por país, Israel se destaca – especialmente
no segundo período e para as norte-americanas Motorola
e Lucent. No entanto, esse país não tem patente solicitada
em seu nome. Na Tabela 2, destacam-se os dados da Coréia
do Sul, principalmente em função das sul-coreanas LG e
Samsung. Como a Philips também apresentava números
significativos para o país, especialmente no segundo
período,verificou-se que o resultado extremamente positivo foi influenciado por uma joint venture com a Samsung.
É necessário mencionar que realizou-se a busca de
dados para todos os países citados na Tabela 1. No entanto,
alguns países mostraram dar pouca importância a certos
setores. Por isso, considerou-se apenas as informações dos
que apresentavam maior participação. É o caso da Rússia,
por exemplo.
É possível confirmar que os resultados encontrados para
cada país e apresentados na Tabela 2 são realmente baixos
(exceto pela Coréia do Sul, por razões já mencionadas), se
considerados com uma outra análise feita com dados de
subsidiárias localizadas em países desenvolvidos.
Uma das limitações para essa análise é a impossibilidade
de obter dados dos Estados Unidos como inventor ou país
solicitante da patente na base do USPTO. Assim, nenhum
dado foi encontrado nem para as companhias norteamericanas nem para as subsidiárias de outras empresas
que sejam localizadas nos EUA. Essas seriam informações
muito úteis, uma vez que as subsidiárias norte-americanas
geralmente estão muito envolvidas no desenvolvimento de
produtos em todas as companhias estudadas.
As Tabelas 3 e 4 mostram os dados obtidos para algumas subsidiárias de países desenvolvidos, tanto para patentes solicitadas quanto para inventores residentes em
outros países que não os de sede das companhias. Pela
verificação dos dados, especialmente na coluna HQ
(Headquarters – matrizes), as empresas têm, sim, a prática
de solicitar patentes em nome de subsidiárias e de ter inventores residentes em outros países, mas, conforme discutido anteriormente, o Brasil não é um deles.
TABELA 3
Participação de Patentes Solicitadas pela Matriz e
por Algumas Subsidiárias
Países Selecionados – 1999/2003
Em porcentagem
Telecomunicações
Empresas
HQ (1)
Alemanha
74
0,3
0,1
Holanda: 3,0
Ericsson
63
0,2
0,2
Japão:
NEC
98
0
0,01
França:
0,0
Nokia
97
1
0
Japão:
0,04
Nortel
97
0,2
0
França:
1,0
Siemens
69
-
0,9
Suécia:
1,7
HQ (1)
Alemanha
Electrolux
70
6
0
Furukawa
100
0
0
0
GE
-
0,02
0,04
0,02
Intel
-
0
0,02
0
LG
-
99,4
0
0,4
Philips
38,7
0,1
0,2
0
Semp Toshiba
98,9
0,2
0
0
-
2,4
6
1,1
0,06
Eletrônico
Tyco
Japão
Reino Unido
1
Informática
Empresas
HQ (1)
Buscas na base de dados do INPI foram também feitas
em dois períodos (1994-1998 e 1999-2003). Em ambos, o
número de patentes solicitadas/obtidas pelas companhias estudadas variou amplamente (Tabela 5). Algumas de-
Outras
Alcatel
Empresas
Patentes Domésticas
Suíça
Japão
Reino Unido
Cisco
-
Alemanha
0
0
0
Compaq
-
0
0
0
Dell
-
0
0
0
HP
-
0
0,07
2
IBM
-
0
11
0
99
0,01
0,8
0
-
0
1
0
Samsung
Unisys
Fonte: USPTO.
(1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz.
36
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO
DE
ATIVIDADES
DE
P&D: ...
res de cada produto em determinada companhia e seus
respectivos países, não foi possível obter o número de
patentes registradas no instituto por nacionalidade dos
inventores.
No entanto, apesar da impossibilidade em obter dados
por meio de consulta pelo campo “país”, foi mais fácil encontrar a localização das companhias (ou de suas unidades)
porque é possível conhecer os nomes de suas subsidiárias.
Assim, a participação de unidades locais foi identificada
pelos nomes das unidades brasileiras de cada companhia.
sários mais estudos para identificar a ausência de solicitações pela Cisco e a existência de apenas uma pela IBM.
As pesquisas na base do INPI são menos flexíveis que
na do USPTO, mas isso não é relevante para o propósito deste trabalho e para a análise dos resultados. Quando se usa a base do INPI, uma das principais dificuldades é descobrir o endereço do inventor ou da companhia
– ou seja, seu país específico. Não é possível fazer buscas por esse campo na base on-line. Assim, já que é praticamente impossível relacionar os nomes dos invento-
TABELA 5
TABELA 4
Solicitações de Patentes Regionais pelas Companhias Estudadas
Países Selecionados – 1994-2003
Participação de Inventores de Patentes Requeridas para a Matriz
e para Algumas Subsidiárias
Países Selecionados – 1999/2003
Empresas
Em porcentagem
Alcatel
1999-2003
Telecomunicações
Telecomunicações
Empresas
1994-1998
Alcatel
79
29
1.049
465
Lucent (1)
147
426
Motorola
485
227
HQ (1)
Alemanha
Suíça
Outras
41
17
0,4
Holanda: 0,7
Bélgica: 6,0
Japão: 0,7
NEC
61
160
França: 0,04
Nokia
157
318
Ericsson
52
3,2
0,1
NEC
97
0,01
0,02
Nokia
69
3,9
0,2
Japão: 1,1
Nortel
51
0,4
0
França: 1,9
Siemens
66
-
1,2
Suécia: 1,8
Ericsson
Nortel
13
48
407
460
Electrolux
39
52
Furukawa
23
25
GE
61
322
Siemens
Eletrônico
Eletrônico
Empresas
HQ (1)
Alemanha
Electrolux
65
9
Furukawa
99,5
-
GE
Intel
LG
Philips
Semp Toshiba
Tyco
Japão
Reino Unido
0
3
0
0
0,3
Intel
58
46
0,7
1,2
0,4
LG
136
227
-
0,1
0,8
0,1
Philips
165
290
97,7
0
1,3
0,1
Samsung
190
338
41
12
1
6
98,2
0,2
0
0,2
-
8,2
7,3
1,7
Semp Toshiba
31
17
Tyco
17
86
Cisco
0
0
Compaq
9
0
18
44
68
Informática
Informática
Empresas
HQ (1)
Alemanha
Japão
-
0,2
0
0,5
Dell
Compaq
-
0,3
0,1
0,4
HP
5
Dell
-
0
0
0,2
IBM
1
0
HP
-
1,3
0,8
2,3
Samsung
190
334
Semp Toshiba
31
15
Cisco
IBM
Samsung
Unisys
Reino Unido
-
1,6
14,8
1,6
96
0,1
0,8
0
-
0
1
0,2
Fonte: USPTO.
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
7
6
Xerox
460
485
Fonte: INPI.
(1) AT&T do período de 1994 a 1995.
(1) HQ: Percentual solicitado em nome da Headquarters/Matriz.
SÃO PAULO
Unisys
37
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
Bibliométricos
Ainda observando comparativamente os países da
amostra, vale destacar os crescimentos dos percentuais de
Hungria, China, Índia, Taiwan (apesar de pequena diminuição no setor de informática) e Cingapura. O Brasil, mais
uma vez, tem uma representatividade ínfima (a não ser
quando comparado a países sul-americanos), sendo que
no setor de eletrônicos ela é praticamente nula.
Dados bibliométricos são geralmente usados como indicadores da posição de um país em termos de publicações
científicas relevantes. Quando se faz a comparação entre
diferentes regiões, usualmente a busca de dados é feita a
partir de diversas bases. Assim, os pesquisadores podem
tratar com um número significativo de periódicos e analisar diferentes campos da ciência. O Brasil e cada um dos
outros países citados também foram analisados quanto à
cooperação entre companhias e países com vistas à produção científica.
Os dados bibliométricos aqui utilizados têm como fonte artigos científicos e técnicos listados pela base ISI/SCI.
Tal base foi escolhida por ser multidisciplinar e porque é
a mais importante fonte de publicações científicas nos
campos de engenharia e tecnologia, principais segmentos
para geração de inovação tecnológica dos setores estudados. Foram considerados os dados de dois períodos: o de
1994 a 1998 (período A) e o de 1999 a 2003 (período B),
apresentados na Tabela 6.
Esses dados mostram as publicações de pelo menos um
dos autores provenientes das companhias estudadas e um
de uma instituição ou de uma companhia localizada nos
países selecionados. Dessa forma, foi possível encontrar
cooperação em pesquisas científicas realizadas pelas companhias estudadas e instituições ou companhias de outros
países.
A partir das buscas realizadas nessa base de dados, foi
possível encontrar várias “falsas” referências relacionadas
a GE, LG e Dell, ou seja, papers publicados que não são
escritos pelas empresas citadas, mas por outras homônimas. Assim, optou-se por excluí-las das tabelas relacionadas neste artigo.
Observamos que Lucent, NEC, Siemens, Toshiba, Philips
e IBM apresentam um total significativo de publicações,
apesar de diminuírem suas porcentagens de um período
para outro. Também é importante notar que a Intel teve o
maior crescimento entre as empresas estudadas, apesar dos
valores serem menos representativos.
Alguns números chamam a atenção mais uma vez. É o
caso da Coréia do Sul, que se destaca entre os países –
mas os números são extremamente dependentes da sulcoreana Samsung. Israel também apresenta números representativos quando comparados com os demais países, e
mais uma vez por influência da norte-americana Lucent (vale
destacar que, neste caso, Motorola tem menor participação), mas também com significativa participação da NEC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os indicadores quantitativos obtidos, é
possível concluir que as subsidiárias brasileiras não estão
muito envolvidas no desenvolvimento tecnológico de produtos globais. Os dados bibliométricos e de patentes –
nacionais ou internacionais – mostram um panorama desfavorável para as unidades locais quando comparados aos
de subsidiárias localizadas em outros países em desenvolvimento que competem diretamente com o Brasil.
O pior resultado foi encontrado na base USPTO, que
mostra que a participação das unidades brasileiras é realmente pequena. A partir da base do INPI, observou-se que
a participação das subsidiárias brasileiras na solicitação
de patentes locais é melhor, mas que em geral tem caído
nos últimos anos – fato que não foi anteriormente apresentado nesse artigo.
Vale ressaltar que as matrizes das companhias têm descentralizado as tarefas de desenvolvimento de produtos e
envolvido suas subsidiárias: os dados de patentes aqui
apresentados mostram timidamente esse fato. No entanto,
outros estudos indicam claramente que o envolvimento de
países desenvolvidos é significativo e tem aumentado
(GALINA; BORTOLOTI, 2004). Por outro lado, os dados de patentes nacionais e internacionais mostram que a
participação das unidades brasileiras é insignificante.
Um resultado melhor é o referente aos indicadores
bibliométricos, mas, mesmo assim, é pior que os dados
de outros países em desenvolvimento estudados, como
citado na seção anterior. A lei de informática,1 da qual a
maioria das companhias estudadas se beneficiam, deve ter
influenciado este resultado. Essa lei exige que as empresas beneficiadas tenham parcerias com universidades ou
centros de pesquisa no Brasil – o que acaba gerando publicações científicas.
Por essa razão, os indicadores de C&T analisados e
apresentados aqui não mostram evidências significativas
da participação do Brasil no desenvolvimento tecnológico
dos fornecedores mundiais de equipamentos e serviços
de telecomunicações, informática e eletrônicos. Essa é
38
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
INTERNACIONALIZAÇÃO
DE
ATIVIDADES
DE
P&D: ...
TABELA 6
Papers Publicados pelos Países e Companhias
Países Selecionados – 1994-2003
Telecomunicações
Empresas
Anos
Total
Total
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
Alcatel
Ericsson
Lucent (1)
Motorola
NEC
Nokia
Nortel
Siemens
Brasil
12.668
12.647
789
805
298
607
5.133
4.101
1.208
1.564
2.698
2.563
178
486
223
472
2.141
2.049
Argentina
30
35
1
3
1
3
17
17
2
5
5
3
4
4
18
7
2
0
0
0
16
3
0
0
0
2
0
0
0
0
0
2
Índia
Israel
China
68
105
0
2
0
2
14
50
18
10
22
31
0
2
0
2
14
6
154
171
0
0
0
1
113
106
3
8
27
50
0
0
1
2
10
4
22
129
1
1
1
9
7
36
3
32
6
19
0
6
1
8
3
18
Hungria
29
86
0
0
4
51
10
14
0
1
0
0
0
6
0
0
15
14
Irlanda
20
27
2
4
0
5
9
5
3
4
0
3
0
3
0
2
6
1
Eletrônico
Empresas
Anos
Total
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
Electrolux
Furukawa
Intel
Philips
Toshiba
Tyco
Total
Brasil
5.212
5.786
5
10
227
266
562
992
2.337
2.518
2.069
1.907
12
93
1
2
0
0
0
0
0
0
0
2
1
0
0
0
Total
Brasil
11.413
11.652
23
158
21
221
1.861
1.176
6.869
5.811
1.313
3.415
68
31
1.258
840
33
42
0
0
0
0
4
12
24
24
0
4
0
0
5
2
Cingapura
Taiwan
Índia
Malásia
9
18
1
0
0
2
1
3
7
13
0
0
0
0
14
45
0
0
0
0
3
14
11
28
0
2
0
1
4
28
0
0
0
0
3
15
1
12
0
1
0
0
Chile
Cingapura
Taiwan
Índia
Coréia do Sul
5
13
0
1
0
0
0
0
4
11
1
1
0
0
0
0
28
54
0
2
0
1
15
16
13
24
0
5
0
0
0
6
50
46
0
0
1
2
2
4
38
27
2
12
0
0
7
1
33
113
0
5
0
0
2
11
28
90
2
7
0
0
1
0
1.332
3.426
0
0
0
0
2
4
41
49
1.278
3.371
0
0
11
2
4
6
0
0
0
0
4
6
0
0
0
0
0
0
Coréia do Sul
8
61
0
0
0
0
0
19
3
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5
4
0
0
China
16
40
0
0
0
7
0
12
9
11
5
9
2
1
Hong Kong
12
11
0
0
0
2
7
4
3
3
1
0
1
2
Informática
Empresas
Anos
Total
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
1994-1998
1999-2003
Cisco
Compaq
HP
IBM
Samsung
Unisys
Xerox
Fonte: SCI.
(1) AT&T do período de 1994 a 1995.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
39
China
18
79
1
1
0
1
6
6
8
42
0
28
0
0
3
1
Hong Kong
31
33
0
0
0
0
8
3
22
20
0
9
1
0
0
1
SIMONE VASCONCELOS RIBEIRO GALINA
DOGSON, M.; SYBILLE, H. Indicators used to measure the
innovation process: defects and possible remedies. Research
Evaluation, n. 9, p. 101-106, 2000.
uma conclusão relevante, uma vez que tais indicadores
são amplamente utilizados para medir resultados de C&T,
para comparar desenvolvimento tecnológico de países e
para estimar resultados de formulação de políticas
públicas.
Os dados quantitativos aqui apresentados possibilitam
o desenho de um panorama da participação brasileira nos
setores analisados, uma vez que afinal, foram estudadas
as maiores empresas presentes no Brasil em cada um dos
segmentos. No entanto, eles devem ser combinados com
outras informações a respeito dessas indústrias por meio
de outras pesquisas. O intuito é que os dados quantitativos possam ser utilizados para fortalecer estudos qualitativos, numa tentativa de melhor caracterizar os setores mais
inovadores da indústria brasileira.
Um desses estudos visa ao setor de telecomunicações
(GALINA; PLONSKI, 2005; GALINA; BORTOLOTI,
2004) e indica que há desenvolvimento local de produtos,
mas que a inovação está mais voltada para a adaptação ao
mercado local. Também mostra que há participação de
subsidiárias locais no desenvolvimento global, porém as
tarefas que cabem às unidades brasileiras são pouco inovadoras e não chegam a gerar patentes. Também estão
sendo realizadas outras investigações dessa natureza, que
serão divulgadas em futuro próximo.
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NOTA
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2004.
Artigo recebido em 14 de junho de 2005.
Aprovado em 30 de junho de 2005.
40
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 31-40, abr./jun. 2005
O PAPEL
DAS
MULTINACIONAIS
NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...
O PAPEL DAS MULTINACIONAIS NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DO BRASIL
políticas industriais como indutoras
de catch up tecnológico
ROGÉRIO GOMES
EDUARDO S TRACHMAN
Resumo: O artigo enfatiza a necessidade de políticas públicas para atrair investimentos estrangeiros de boa
qualidade. Esses são considerados importantes condutores do processo dinâmico de atividades inovativas,
geradoras de capacitação tecnológica e de novo conhecimento. Esses resultados são alcançados por meio da
análise das atuais estratégias bastante paradoxais, de dispersão e ao mesmo tempo integração de suas atividades corporativas.
Palavras-chave: Estratégias globais das empresas multinacionais. Incentivo às atividades tecnológicas. Políticas públicas.
Abstract: The paper emphasizes the need of public policies to atract good quality foreign investments. These
are considered as important conductors of dynamic processes of inovative activities, which generate technological
capabilities as well as new knowledge. These results are achieved through the analysis of the current rather
paradoxical TNCs strategies, of dispersion and at the same time integration of their corporate activities.
Key words: Global strategies of multinational firms. Incentives to technological activities. Government policies.
A
o longo dos anos 90 a economia do Brasil passou
por um denso processo de internacionalização,
com conseqüente desnacionalização de diversos
segmentos industriais. Na época, os especialistas brasileiros dividiram-se entre os pró (especialmente MOREIRA;
CORREA, 1997; BARROS; GOLDENSTEIN, 1997) e os
contra o processo de abertura comercial e financeira
(LAPLANE; SARTI, 1997). Estes últimos entendiam que
as políticas monetária e cambial, por estarem desamparadas de qualquer política industrial compensatória e seletiva, levariam a indústria nacional a se direcionar cada vez
mais para setores produtores de commodities – em um sentido amplo, ou seja, incluindo produtos industriais pouco
diferenciados e de baixo valor agregado – em uma “especialização regressiva” (COUTINHO, 1997), na direção de
uma “reprimarização” (GONÇALVES, 2001). Em contraposição, os responsáveis pelo processo de abertura econô-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
mica e/ou pelo Plano Real, adeptos das políticas adotadas
pelos governos, acreditavam que elas seriam “a única maneira de dar um choque de competitividade na antes fechada economia brasileira” (segundo eles, resultado de anos
de políticas equivocadas de substituição de importação) –
pois assim “selecionariam naturalmente os segmentos com
vantagens comparativas reais”.
Independentemente dos acertos (ou erros) de cada uma das
posições presentes no debate,1 indubitavelmente os anos
90 foram uma época de forte reestruturação industrial no
Brasil, promotora de transformações na sua forma de
integração com o exterior, com profundas repercussões nos
fluxos de comércio e no papel que o país cumpre nas diferentes cadeias globais de produção e valor. Ademais, em
grande medida, as mudanças no caráter da inserção brasileira decorrem do significativo aumento do papel das empresas multinacionais (EMNs) na economia brasileira.
41
ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN
É preciso observar que as políticas adotadas pelo país
foram compatíveis com as estratégias que as empresas
oligopolistas mundiais vinham adotando desde os anos 80
e também com o que era prescrito pelos países desenvolvidos, sobretudo pelos EUA, no chamado “Consenso de
Washington” (WILLIAMSON, 1990; 2000; OCAMPO,
2003; CENTER FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT AT HARVARD UNIVERSITY, 2003). Assim,
ainda que boa parte dessas estratégias já estivesse definida
antes do processo de abertura comercial e financeira
implementado no Brasil, a década de 90 caracterizou-se,
também, pela ausência de políticas industriais mais positivas
– isto é, intervencionistas – aí também incluídas as políticas
verticais (vale dizer, setoriais ou mesmo direcionadas a
empresas – STRACHMAN, 2000). De acordo com Center
for International Development at Harvard University (2003),
as políticas prescreviam, essencialmente:
- quanto ao fisco: bom desempenho das contas públicas,
incluindo reformas para diminuir a taxação e ampliar a
base de contribuição; e redirecionamento dos gastos públicos para campos onde fosse possível alcançar, conjuntamente, elevados retornos econômicos e um amplo espaço para a melhoria da distribuição de renda, como gastos
em saúde, educação e infra-estrutura (nas chamadas “políticas horizontais”, mas não em políticas industriais
setoriais, ou verticais);
condições de inserção internacional do Brasil; e b) da
importância relativa das EMNs para o país, especialmente em termos tecnológicos.
É com esse intuito que o segundo item, a seguir, descreve a internacionalização e a desnacionalização da economia brasileira nos anos 90, com especial atenção para a
importância das EMNs para o país. O terceiro, apresenta
os principais elementos relativos à descentralização e, ao
mesmo tempo, à integração das atividades corporativas,
com ênfase naquelas com conteúdo tecnológico, que desenham o novo ambiente comercial. O quarto, mostra como
as políticas públicas podem incitar um processo dinâmico de atividades inovativas geradoras de capacitação
tecnológica e conhecimento novo e, o item cinco traz a
conclusão, com algumas ilustrações e sugestões para o caso
brasileiro.
INTERNACIONALIZAÇÃO E
DESNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA
BRASILEIRA NOS ANOS 90
É indiscutível que algumas das soluções para os problemas enfrentados pelo Brasil podem ser obtidas por meio
do aumento persistente das exportações, capaz de manter
superávits na balança de transações correntes e até mesmo no balanço de pagamentos, enquanto o país desenvolve esforços na conquista de capacitação tecnológica. Ademais, o esforço exportador brasileiro, assim como no caso
de outros países, garante atualização tecnológica e
capacitação em nível internacional, sobretudo se as exportações são dirigidas para mercados de países mais desenvolvidos.
Nesse sentido, as EMNs podem ter um papel de destaque, pois, ao menos para alguns autores, existem razões
estruturais (internas à firma e à organização dos mercados) que explicam porque essas empresas podem ser agentes privilegiados da expansão das exportações dos países
em desenvolvimento. Assim, para Lall e Mohammad
(1993), além dos recursos financeiros necessários para dar
suporte às suas operações e estratégias, o fato de tais empresas serem líderes mundiais em inovação e diferenciação de produtos lhes garante acesso privilegiado à maioria dos principais mercados mundiais, nos quais, em geral,
mantêm presença relevante.
No Brasil, a participação do IDE em relação ao produto interno bruto – PIB cresceu de 0,21%, em 1990, para
5,6%, em 2000. Se até 1996 essa modalidade de inversão
esteve voltada prioritariamente para aplicações em car-
- quanto à presença do Estado: privatização – o que teve
também um componente fiscal, dadas as receitas que o
Estado pôde obter com este processo;
- quanto ao sistema financeiro e aos capitais: liberalização
das taxas de juros e dos fluxos de capitais – fossem eles
produtivos, como investimento direto estrangeiro (IDE), ou
improdutivos, como aplicações em títulos públicos e outros.
Vale ressaltar a ampla desregulação do IDE, com abolição
de barreiras à entrada e à saída, nos vários setores e
incrementação dos direitos de propriedade; e
- quanto ao comércio: a liberalização do comércio de bens
e serviços e a adoção de uma taxa de câmbio mais competitiva.
Este artigo apresenta algumas das mudanças ocorridas
nas estratégias das empresas multinacionais (EMNs) no
que tange à dispersão mundial de suas atividades corporativas. Se por um lado elas auxiliam na compreensão dos
fenômenos vivenciados pela economia brasileira nos últimos anos, por outro ressaltam importantes aspectos a serem considerados quando se pretende alcançar o desenvolvimento econômico de longo prazo a partir: a) das atuais
42
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
O PAPEL
MULTINACIONAIS
NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...
cio externo brasileiro (63% das exportações e 54% das
importações), mas seus fluxos estão centrados em produtos de baixa intensidade tecnológica (mais de 70% destes
itens), que são a fonte de boa parte da recente expansão
das exportações. Por outro lado, ainda que também sejam
fortes demandantes de produtos importados de média e
alta tecnologia (pouco menos de 60% do total desses itens),
as empresas estrangeiras têm boa presença nas vendas de
produtos de alta tecnologia para o exterior (44% do total)
e um domínio considerável nos de média tecnologia (78%
do total).
Gomes, Rodrigues e Carvalho (2005)6 examinaram os
efeitos da depreciação do Real no comércio internacional
(período entre 1998 e 2003), segundo o conteúdo
tecnológico dos produtos transacionados. A comparação
dos resultados desse período com os de 1989 (no início
das medidas liberalizantes, de desregulamentação comercial) e de 1994 (no Plano Real) revela que o superávit do
comércio exterior brasileiro é dependente do saldo positivo das transações de bens de médio conteúdo tecnológico
– uma vez que os de alta tecnologia são, historicamente,
deficitários. Considerando-se a forte presença das EMNs
nesse segmento de média tecnologia e o superávit recente, pode-se afirmar que a depreciação cambial alterou as
estratégias dessas empresas quando internalizou etapas
produtivas em razão de uma condição cambial favorável.
teira, em 1997 o perfil foi alterado para investimentos em
segmentos orientados da indústria (DE NEGRI, 2003). No
entanto, como essas inversões se concentraram em alguns
segmentos intermediários e de bens de consumo voltados
para o mercado local e regional (LAPLANE; SARTI,
1997), além de serviços não transacionáveis (non
tradables), conseqüentemente o país tornou-se mais dependente da importação de alguns insumos intermediários
e de bens de capital.
Em outras palavras, segundo alguns autores, essas inversões poderiam não reverter a dependência brasileira
das fontes externas de tecnologia e até mesmo acentuála – com a desnacionalização de algumas das principais
empresas do país, estatais ou privadas –, influenciando
os saldos comerciais, especialmente nos momentos de
crises agudas em mercados emergentes como o dos parceiros regionais brasileiros.2 Ao mesmo tempo, as perspectivas da desnacionalização dos setores de serviços e
financeiro eram ainda mais pessimistas, pois implicavam
o crescimento de déficits nas balanças de serviços (juros, royalties, etc.) e de capitais (amortizações, saída de
capitais, etc.).
No que se refere a esse aumento de participação das
EMNs na economia brasileira é preciso considerar, todavia, a incidência de um efeito duplo e contrário sobre a
dependência brasileira das fontes externas de tecnologia:
a) a possibilidade de descontinuação de atividades
tecnológicas que antes eram empreendidas por empresas
nacionais; ou b) a possibilidade de subsidiárias locais
ganharem espaço em atividades de maior conteúdo
tecnológico – até mesmo com o auxílio do Estado, por
meio de políticas públicas de curto e longo prazos.3
A participação das EMNs nas exportações brasileiras
de produtos manufaturados passou de 44%, em 1990, para
52%, em 1995 (BAUMANN, 1993, MOREIRA 1999b),
o que, em parte, reflete a desnacionalização da economia,
mas também a fragilização das firmas de origem nacional
e o aumento da competitividade das filiais brasileiras de
várias EMNs. 4 Nos cálculos realizados por De Negri
(2005), para o acumulado do período entre 2000 e 2004,
as vendas externas das EMNs significaram 37% das exportações brasileiras e 46% das importações.5 Ainda que
haja diferenças quanto a metodologias e resultados, as
estatísticas dos diferentes estudos comprovam a elevada
dependência das empresas estrangeiras no comércio exterior brasileiro.
Segundo os dados apresentados pela autora, as empresas nacionais ainda concentram mais da metade do comér-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
DAS
A DESCENTRALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
CORPORATIVAS E O PAPEL DAS FILIAIS
DAS EMNs
O Papel das Subsidiárias das EMNs
As vantagens competitivas de uma empresa derivam do
acesso diferenciado ou vantajoso a ativos, sobretudo de sua
propriedade, que permitem que algumas delas se organizem mais eficientemente do que outras e/ou tenham bens e
serviços mais atraentes para seus demandantes. Entendendo por ativos quaisquer recursos ou capacidades que podem gerar um fluxo de renda futuro (ou contribuir para tal),
é possível diferenciar os ativos em termos da sua apropriabilidade e mobilidade. Nesse sentido, os ativos que estão
disponíveis sem restrições apenas em alguma região (ou
país) podem ser interpretados como uma vantagem específica ao local. E, alternativamente, quando o ativo é exclusivo de uma firma particular, passível ou não de transferência entre fronteiras, pode ser entendido como uma vantagem
específica à propriedade (DUNNING; NARULA, 1995).
43
ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN
dades e o estabelecimento (ou perda) de mandatos podem
ser utilizados para a construção de uma tipologia do processo evolutivo das subsidiárias, a qual é sinteticamente
apresentada a seguir.
Durante longo tempo, grande parte da literatura sobre
o processo de internacionalização das EMNs (e da
globalização) pressupôs que as vantagens específicas à
propriedade eram desenvolvidas unicamente dentro da
matriz corporativa, a qual, através da transferência de
tecnologia, garantia o desenvolvimento das subsidiárias
no estrangeiro (VERNON, 1966). Mais recentemente,
como resultado de uma longa evolução, percebeu-se que
o crescimento mediante recursos internos da empresa, até
mesmo com colaboração de agentes de fora dos limites
da firma, é um processo que igualmente se efetiva no interior das filiais no exterior, as quais contribuem cada vez
mais para a criação de vantagens competitivas das EMNs
(PEARCE, 1989; CANTWELL, 1995). As diversas perspectivas da dinâmica desse processo conduziram à construção de modelos que procuraram refletir os novos papéis das subsidiárias.7
O conceito de evolução das subsidiárias origina-se de
um processo temporal de acumulação (ou redução) de recursos e capacitações (ou mesmo de ativos, em geral)8
que, por essência, não é único. Uma subsidiária9 pode se
tornar maior e mais especializada (ou ter seu tamanho reduzido) em razão de diferentes motivações da corporação10
ou dos modos de entrada no mercado local – por investimento, aquisição ou joint venture.
Assim, a EMN pode ser interpretada como uma
instituição estruturada em rede mundial em que cada subsidiária é entendida como uma unidade semi-autônoma capaz
de tomar suas próprias decisões, ainda que condicionadas
pelas ações do comando corporativo e pelas oportunidades
e restrições percebidas no ambiente local. Cada unidade
cumpre (e estabelece) determinadas funções dentro da rede
multinacional, as quais se expressam nas áreas de negócios
de que ela participa.
Por outro lado, as atividades de uma unidade corporativa espelham seu nível de especialização. Dessa forma, uma subsidiária só é capaz de realizar as atividades
comerciais que estão sob sua responsabilidade porque ela
possui (pois já desenvolveu) os recursos e as capacidades
mínimas requeridas para tais funções. O papel atribuído
pelo comando corporativo relaciona-se com o mandato que
uma subsidiária adquiriu para executar as atuais funções,
que são bastante específicas dentre aquelas existentes na
complexa teia de relações e atividades da EMN. Contudo, os mandatos e as capacidades de uma filial também
não precisam, necessariamente, mover-se juntos. Na realidade, freqüentemente há certa desfasagem entre eles. Por
fim, cabe ressaltar que o aumento (ou atrofia) de capaci-
As Subsidiárias das EMNs na Dinâmica de
“Captura” de Ativos
A maioria das interpretações sobre a internacionalização da tecnologia tem origem no modelo de ciclo
de vida do produto que foi extensamente utilizado como
exemplar na descrição da gênese, do desenvolvimento e
dos determinantes deste processo. No arcabouço tradicional, a globalização tecnológica tem duas hipóteses: a
de que a inovação está quase sempre localizada no país
de origem da corporação; e a de que o investimento internacional é conduzido pela empresa-líder na tecnologia,
como forma de aumentar sua participação na produção e
nos mercados internacionais. Assim, nesse modelo, a transferência de tecnologia é interpretada como um fluxo
unidirecional que vai do centro para as subsidiárias.
No entanto, na perspectiva de rede corporativa, a dispersão da atividade tecnológica, além de ser uma busca
por mercados locais e custos mais baixos, é também, uma
estratégia da EMN para adquirir e acumular vantagens por
meio de um “esquadrinhamento” global por novos recursos para a inovação – quer essas filiais estejam formalmente voltadas para o mercado local ou não. Conseqüentemente, as capacidades específicas das subsidiárias estão
mais estreitamente integradas do que no passado. Nesse
sentido, a dicotomia “nacional versus global” quanto à
globalização da tecnologia pelas firmas parece ser uma
questão mal conduzida. No máximo pode haver uma questão de grau entre estes dois extremos.
A globalização é, também, sinônimo de integração da
atividade de P&D internacional no interior das EMNs. Ela
ocorre a partir do crescente fenômeno de divisão de trabalho entre matriz e subsidiárias, que traz como conseqüência a interação entre as locações das várias unidades.
Isto não impede que estas, quando no estrangeiro, possam ocupar importante papel dentro da rede global, dependendo da singularidade e da inserção de suas atividades na estratégia corporativa.
Com a construção das redes corporativas que atuam em
âmbito mundial, o centro de gravidade moveu-se para fora
da economia nacional a partir da proliferação dos vínculos além-fronteiras. Por isso, o privilégio dos vínculos
nacionais sobre os internacionais na análise dos sistemas
44
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
O PAPEL
MULTINACIONAIS
NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...
2000. Portanto, pode-se dizer que os países em desenvolvimento, respondem por uma parcela pequena, mas
crescente, dos gastos em P&D feitos por EMNs. Os
maiores receptores da Ásia e Oceania (com exceção do
Japão), em 2002, foram: a China, que recebeu 3% dos
investimentos em P&D de filiais americanas; Cingapura,
com 2,7%; a Austrália, com 1,6%; e a Malásia, com 1,1%
(dado de 2000), enquanto que o Brasil foi destino de 1,5%
desses investimentos.
Em termos de IDE em geral, a China também se destaca, tendo recebido no período 1990-2002 um acumulado
de US$ 415 bilhões em investimentos diretos externos,
que passa para US$ 550 bilhões, se somarmos os investimentos direcionados a Hong Kong (que são contabilizados
separadamente) após 1998. Depois da China, o segundo
pólo de atração foi o Brasil, com US$ 177 bilhões, seguido pelo México, com US$ 142 bilhões, e Cingapura com
US$ 111 bilhões (IMF, 2004).
Tradicionalmente, a literatura sobre a internacionalização destaca o aumento gradual do envolvimento das
EMNs com os mercados estrangeiros a partir da formação de um complexo fluxo material de produtos e de
tecnologia dentro das redes corporativas. Até há pouco,
as capacidades tecnológicas das subsidiárias no estrangeiro
eram vistas como um apêndice das capacidades residentes no país de origem. Essa visão evoluiu em razão do
crescimento do comprometimento das subsidiárias estrangeiras que adquiriram as suas próprias capacidades
tecnológicas e passaram a participar das iniciativas e estratégias tecnológicas da matriz, em alguns casos precedendo-as ou até mesmo invertendo o sentido do aprendizado – seja de produto ou de processo (ARIFFIN; BELL,
1999; REDDY, 1997). Na perspectiva atual, essas capacidades são interpretadas como efetivos participantes do
conjunto de ativos que integra as EMNs.
Apesar disto, ainda hoje, uma parcela expressiva da
literatura interpreta a descentralização tecnológica como
se fosse geograficamente limitada às nações industrializadas. Além disso, quando comparada com a da produção, a internacionalização da P&D é vista como se fosse
circunscrita a poucos países e indústrias, geralmente nos
setores intensivos em P&D.
No entanto, a diversificação tecnológica passou a ser
uma importante característica das EMNs à medida que
as subsidiárias passaram a assumir papéis específicos nas
funções de P&D, seja na continuada ênfase ao processo
local de inovação, seja na contribuição ao desenvolvimento de um capital organizacional que permite que suas
de inovações pressupõe hipóteses que não são totalmente
compatíveis com o mundo globalizado. De fato, a reação
organizacional à globalização vem transformando a
alocação espacial das atividades econômicas e, em especial, do aprendizado e da criação de conhecimento, ao
mesmo tempo que vem adaptando as organizações à
globalização e reforçando esta última.
A globalização tem duas implicações essenciais que,
em conjunto, moldam a locação espacial das funções econômicas. A primeira é a dispersão, que determina a extensão das transações econômicas e amplia a porosidade
entre as fronteiras nacionais. A segunda é a integração
necessária dos ativos distribuídos mundialmente. O fantástico aumento da mobilidade internacional de ativos
como finanças, tecnologia, habilidades empresariais e
organizacionais é a força que conduz à crescente interpenetração das economias nacionais. Porém, concomitantemente, a difusão da revolução ocorrida nas tecnologias
de comunicação e informação em âmbito global, foi o elemento fundamental de integração dinâmica das capacidades dispersas.
Dispersão com Integração
Apesar de relativamente recente, a literatura que trata da descentralização da atividade tecnológica vem ganhando dimensão e variedade. Entretanto, poucos estudos analisam a crescente descentralização dessa atividade
fora das grandes economias. Isto se deve à idéia, bem
razoável, de que os países emergentes ainda apresentam
uma participação muito limitada na globalização da P&D
das EMNs. Em outras palavras, a dispersão (que é uma
das características da globalização citadas anteriormente) ainda está mais concentrada nos países da chamada
Tríade (América do Norte, Europa e Japão) e apresenta,
sobretudo, uma certa desconcentração mais acelerada em
direção aos países mais desenvolvidos do leste asiático
(Coréia do Sul e Taiwan, principalmente, mas também
Cingapura, Tailândia, China, Malásia, etc.). Mas notese que esse processo – ainda que muito restrito à Tríade
e a países ou regiões próximas a ela (como México e Leste
europeu) – está se intensificando cada vez mais nos últimos tempos, até mesmo para os mais importantes “países em desenvolvimento”, como Índia, Rússia e Brasil.
Segundo o US Bureau of Economic Analysis, os gastos
das filiais de EMNs americanas em P&D, excluindo as
instaladas no Canadá, na Europa e no Japão passaram
de 10,7% do total de gastos, em 1998, para 17,8% em
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
DAS
45
ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN
COMO INCITAR ATIVIDADES INOVATIVAS
GERADORAS DE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA
corporações integrem as atividades tecnológicas de diferentes unidades. A crescente dispersão geográfica dos
ativos estratégicos impulsiona as capacitações das filiais
no estrangeiro, tanto em relação ao crescimento horizontal, de comunicação entre fronteiras nacionais, quanto
no sentido vertical, de utilização sistemática do conhecimento tecnológico das diversas bases da organização
em inúmeros níveis hierárquicos e/ou das cadeias produtivas. Assim, a dispersão das capacidades tecnológicas
tornou-se um importante aspecto para a completa
globalização das corporações multinacionais. As vantagens da multinacionalidade são intensivamente exploradas pelas EMNs, que tanto podem adquirir e transferir
inovação pela rede geograficamente distribuída quanto
apropriar-se dos efeitos benéficos da emulação e da diversificação de tecnologias em diferentes locais. O resultado esperado da integração e do compartilhamento
do conhecimento no interior da rede corporativa é o significativo crescimento da oferta de produtos em nível
internacional – seja através de tecnologias radicalmente
novas ou de combinações das já existentes – a partir dos
desenvolvimentos da matriz ou de qualquer uma de suas
subsidiárias, especialmente daquelas localizadas em países mais avançados.
Porém, ressalte-se que o processo de descentralização
das atividades tecnológicas tem sido marcado não tanto
pelo desejo das EMNs de explorar suas atuais vantagens
tecnológicas quanto pela percepção da necessidade de
protegê-las, complementá-las e de adquirir outras, mais
novas. O fato de as atividades de P&D serem realizadas
em centros múltiplos e interdependentes configura-se
como a característica fundamental desse processo, nos
anos recentes. A formação de Sistemas Nacionais de
Inovação (SNIs) cada vez mais avançados e a sofisticação
dos mercados regionais resultou em ambientes de
aprendizado em vários centros dispersos, alguns não
tradicionais, que estão sendo progressivamente explorados pelas EMNs como forma de expandir seu leque de
competências. Como resultado, um maior número de
países foi envolvido na ampliação, exploração e adaptação das tecnologias desenvolvidas. Neste sentido, a
descentralização dos laboratórios de P&D deve ser
entendida a partir de uma forte mudança nas funções
corporativas das EMNs, agora empenhadas em ressaltar
e muitas vezes ampliar o escopo de produtos, sustentar a
vitalidade e originalidade do núcleo básico de pesquisa,
e aproveitar ao máximo as oportunidades de cada local
em que se encontram.
É certo que as políticas públicas podem influenciar –
dentro de limites – a localização de atividades inovativas
das EMNs, ajudando a direcioná-las, caso sejam eficientes, para um processo dinâmico de crescimento da
capacitação tecnológica e de novos conhecimentos. A revisão da literatura especializada e alguns resultados preliminares de pesquisa em andamento11 têm mostrado, ao
mesmo tempo, muitas das possibilidades e restrições a
estas políticas. Esses estudos apontam que, mesmo sendo bastante autônomas para decidir sobre os investimentos e sua respectiva localização, as estratégias das EMNs
podem ser influenciadas por políticas públicas, uma vez
que estas possuem uma boa margem de manobra para
tanto.
Indubitavelmente, tais influências dependem de fatores como o setor de atuação das EMNs, suas mencionadas estratégias de investimento e de globalização; de fatores locais como o tamanho e dinamismo do mercado;
da infra-estrutura material e social (sistemas de educação,
de ciência & tecnologia, de saúde, etc.); da oferta de mãode-obra qualificada e, secundariamente, do custo desta
mão-de-obra; de incentivos (fiscais, financeiros, etc.); de
instituições (direitos de propriedade, inclusive intelectual;
segurança jurídica; governança de empresas; regulamentações várias, como a inexistência de barreiras significativas para atuação em mercados específicos, facilidades
de entrada de funcionários especializados e insumos provenientes do exterior, etc.); do empenho/iniciativa das
matrizes e/ou de uma subsidiária específica, para ampliar
os investimentos para a mesma subsidiária e no conteúdo
tecnológico e de valor agregado de suas atividades; da
localização geográfica; do empenho político do governo;
e da estabilidade política e econômica, entre outros.
Também é fundamental considerar as diferentes razões
que podem fazer com que as EMNs invistam em P&D em
um país. Entre muitos autores, Dunning (1993) apresenta
um quadro acurado sobre o assunto.
Um governo eficiente deve conhecer as razões do IDE
de qualidade de uma EMN específica, a fim de oferecerlhe os atrativos corretos, não perdendo investimentos importantes para um país, mas ao mesmo tempo não desperdiçando recursos com chamarizes além do necessário
para que este IDE suceda.
Também é importante ressaltar as diferentes políticas e
o respectivo prazo para que propiciem resultados, a partir
46
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
O PAPEL
da análise dos fatores de atração mais pertinentes. Se eles
forem estruturais, isto é, inerentes às estruturas dos países,
serão passíveis de alteração apenas em prazo mais longo
(como as infra-estruturas física, educacional, de C&T, de
saúde, as instituições de pesquisa, etc.). Se conjunturais,
temporários ou “de curto prazo”, poderão ser modificados
muito mais rapidamente, como no caso dos incentivos fiscais e creditícios, facilidades aduaneiras, etc. Todas essas
políticas têm repercussões positivas sobre a atração de IDE,
em geral, e, em particular, para aqueles de qualidade. Mas
cabe comparar o timing de suas repercussões sobre um país
– o que é de suma relevância – e a capacidade de atrair
investimentos apresentada por ele.
Exemplos mais específicos de políticas muito importantes para setores específicos seriam:
- para setores de alta tecnologia – infra-estrutura de C&T
dinâmica e eficiente, com políticas que reforcem estas
DAS
MULTINACIONAIS
NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...
qualidades; oferta de mão-de-obra qualificada; empenho
político dos governos;
- para o setor farmacêutico – todos os fatores mencionados acima para os setores de alta tecnologia, adicionados
à extrema relevância de uma estrutura de direitos de propriedade consolidada, tão cara a este setor;
- para o setor automobilístico – tamanho e dinamismo
do mercado; oferta de mão-de-obra qualificada e, de forma mais periférica, custo desta mão-de-obra; incentivos
(fiscais, financeiros, etc.); segurança institucional (direitos de propriedade, governança de empresas, regulamentações várias, facilidades de entrada de funcionários
especializados e de insumos importados, etc.); empenho
de uma subsidiária específica (muitas vezes estimulado
por governos) para ampliar os investimentos nesta mesma subsidiária e no conteúdo tecnológico e de valor agregado de suas atividades, etc.
QUADRO 1
Forças Atuando sobre a Centralização ou Descentralização da P&D pelas EMNs
Forças Centralizadoras
-
Necessidade de massa crítica para ganhar economias de escala
-
Presença de indústrias de suporte e economias de aglomeração
-
Necessidade de estar adjacente a operações a jusante
-
Disponibilidade de recursos e capacitações (instalações de P&D, pessoal qualificado)
-
Experiência acumulada de know-how em P&D e em organização de atividades inovativas
-
Contorno de problemas de comunicação e coordenação transfronteiras
Forças Descentralizadoras
-
Necessidade de atender necessidades do mercado local (veículos, tratores, produtos alimentares, de higiene e limpeza, etc.)
-
P&D “on the spot” desejável (doenças tropicais, pesticidas e novas variedades de sementes, etc.)
-
Diferenças nos materiais locais e necessidade de testar produtos localmente
-
Necessidade de estar onde existem clusters de atividade tecnológica de fronteira
-
Necessidade de adquirir novos ativos tecnológicos ou qualificações e talentos especializados
-
Necessidade de rastrear e monitorar atividades de P&D de firmas estrangeiras
-
Necessidade de ganhar vantagens ou diferenças em recursos e capacitações transfronteiras associados a localização e mercados
-
Necessidade de satisfazer pressões governamentais ou instrumentos regulatórios; ou como parte de uma estratégia regional ou
global de ampliar a qualidade da produção de pelo menos algumas subsidiárias
-
Necessidade de defender uma posição competitiva em setores intensivos em P&D
Fonte: Dunning (1993).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
47
ROGÉRIO GOMES / EDUARDO STRACHMAN
CONCLUSÕES
tas políticas, as de atração de investimento de qualidade
são aquelas que poderão, no futuro, resultar em um
adensamento tecnológico consistente e duradouro da indústria brasileira, com repercussões favoráveis – assim se
espera – sobre seus tecidos econômico e social.
As mudanças ocorridas no cenário internacional e as
políticas econômicas adotadas pelos sucessivos governos
foram determinantes na reestruturação industrial vivenciada pela economia brasileira nos últimos quinze anos.
Sendo o resultado de fatores que se reforçaram mutuamente, essa reestruturação alterou os vínculos do Brasil com
o exterior, em boa medida devido ao crescimento da importância do capital estrangeiro na economia nacional.
Utilizando-se da estratégia de reposicionamento global das funções corporativas, as grandes EMNs vêm promovendo investimentos, descentralizando atividades em
diferentes regiões, procurando capturar ativos capazes de
ampliar seus escopos e portfolios comerciais e tecnológicos. Vários estudos recentes comprovam o aumento,
também no Brasil, das funções de cunho tecnológico realizadas por EMNs em diferentes segmentos econômicos,
inclusive – em um aparente paradoxo – em alguns setores
em que a capacitação (ou competitividade) da indústria
nacional é amplamente reconhecida como baixa. Alguns
autores podem divergir sobre a “qualidade” (conteúdo) das
tecnologias envolvidas, mas não discordam quanto ao
aumento da intensidade dessas atividades. É o caso, por
exemplo, dos setores de equipamentos de telecomunicações, bens eletrônicos de consumo (linha marrom), automóveis, autopeças, bens de capital sob encomenda para o
setor elétrico e bens de capital mecânicos, entre outros.12
Até mesmo a mídia especializada tem relatado um número crescente de casos de empresas estrangeiras que
promovem ou planejam investimentos em projetos que
reforçam esse conteúdo tecnológico da indústria nacional. Além de investimentos que procuram apropriar-se das
vantagens locais, como em biotecnologia (por exemplo,
os casos da Monsanto, Valor Econômico, 27/04/05, e
Syngenta, Valor Econômico, 19/02/04), existem anúncios
a respeito de desenvolvimento de produtos com pouca ou
nenhuma tradição de pesquisa no país, como nos casos de
pneus (PIRELLI, Valor Econômico, 03/09/2004), semicondutores (ST Microletronics, O Estado de S.Paulo, 14/
04/200; e Intel, Valor Econômico, 16/09/04) e informática
(DELL, Valor Econômico, 20/08/2004).
Hoje, o planejamento de longo prazo do Brasil passa
necessariamente pela consideração do patamar de internacionalização da economia brasileira e das estratégias globais das empresas estrangeiras. Por isso, dentre os mecanismos de promoção do desenvolvimento, é preciso definir
políticas públicas específicas para as EMNs. E entre es-
NOTAS
1. Vários estudos realizados por pesquisadores do Geein verificaram
que a correção de uma ou de outra posição depende não apenas do
setor da economia, mas, também, da hipótese específica considerada.
Ver por exemplo, Furtado (2004), Pereira (2003) e Domingues (1999).
2. Por exemplo, entre janeiro e abril de 2005, a América Latina foi
destino de cerca de 25,1% das exportações do país. Os demais mercados de destino dos produtos nacionais foram: 28,4% para a Europa,
com 24,2% de participação da União Européia; 22,7% para os EUA e
Canadá, com 21,5% para o primeiro; 14,8% para a Ásia, sendo 10,7%
somente para China, Japão, Coréia do Sul e Índia; 5% para a África;
3,6% para o Oriente Médio e 0,5% para a Oceania (MDIC, 2005).
3. O setor público – seja ele federal ou, em alguns casos, estadual –
tem condições até mesmo de atrair investimentos externos de qualidade a partir de empresas com nenhuma ou reduzida presença no país. É
o que se tem tentado, por vezes, no Brasil, e o que a literatura especializada aponta como possível, dadas algumas condições necessárias
prévias. Ademais, não se deve esquecer da participação altamente significativa do país no IDE total mundial, nos últimos anos.
4. As empresas brasileiras, em geral, são pouco internacionalizadas.
Este fato é, em si, determinante de forte desvantagem dessas firmas
em relação às suas concorrentes estrangeiras. Por exemplo, a moeda
que se seguiu ao Plano Real foi mais facilmente assimilada pelas filiais de empresas multinacionais do que pelas nacionais, não apenas
pela maior solidez financeira dessas instituições, mas, principalmente, pela capacidade de compensar perdas locais com ganhos em outros
países, por meio do comércio intrafirma.
5. As participações relativas foram calculadas a partir das informações apresentadas na Tabela 3 de De Negri (2005, p. 20). As estatísticas doravante apresentadas neste item e não referenciadas, resultam
da manipulação desses resultados.
6. Ressalte-se que existem diferenças na classificação de conteúdo
tecnológico dos bens entre este estudo e o realizado por De Negri (2005).
7. Sobre os diferentes papéis das filiais na literatura, ver Gomes, 2003.
8. Os recursos podem ser interpretados como o estoque de fatores disponíveis, possuídos ou controlados por uma subsidiária. As capacitações
estão relacionadas às habilidades da subsidiária gerir os recursos existentes e desenvolver novos, por meio de seu processo organizacional.
Mas observe-se que, enquanto os recursos são tangíveis e intangíveis,
as capacitações dizem respeito apenas aos ativos intangíveis.
9. A subsidiária é entendida como uma empresa que adiciona valor
no estrangeiro e que pode executar desde uma única atividade (na
manufatura ou fornecimento de serviços) até uma série delas em uma
ou mais cadeias de valor. Pode-se dizer que o “peso” de uma subsidiária dentro de uma corporação está estritamente ligado à sua capacidade de agregar valor. Este suposto permite, assim, distintas trajetórias evolutivas entre as unidades de uma mesma corporação, e até mesmo na mesma região.
10. Por exemplo, aproveitamento de oportunidades locais – como mãode-obra qualificada e/ou barata, recursos tecnológicos locais (universidades, centros de pesquisa, etc.), externalidades locais (fornecedores, conhecimentos existentes em uma região especializada em determinada produção/setor), incentivos fiscais, etc.
48
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
O PAPEL
11. Trata-se do Projeto de Políticas Públicas para a Fapesp (Processo
no 03/06388-9) Políticas de desenvolvimento de atividades
tecnológicas em filiais brasileiras de multinacionais, liderado pelo
Gempi/DPCT/IG/Unicamp e com a participação de pesquisadores do
GEEIN/FCLAR/Unesp, FEA-USP-RP, Poli-USP, IE-Unicamp e SPRUUniversity of Sussex.
MULTINACIONAIS
NO
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO ...
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cap. 7.
12. Estes e outros segmentos foram estudados no âmbito da pesquisa
intitulada Diretório da Pesquisa Privada (DPP), financiada pela Finep
e nucleada no Geein. Consulte <http://www.finep.gov.br/portaldpp>
para maiores informações.
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Artigo recebido em 1 de junho de 2005.
Aprovado em 30 de junho de 2005.
50
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 41-50, abr./jun. 2005
EMPRESAS MULTINACIONAIS
E I NOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
NO
BRASIL
EMPRESAS MULTINACIONAIS E
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO BRASIL
RUY
SÉRGIO QUEIROZ
QUADROS CARVALHO
DE
Resumo: O artigo discute o engajamento atual e potencial das empresas multinacionais em atividades
tecnológicas no Brasil. Argumenta que a maior propensão dessas empresas em realizar atividades de pesquisa
e desenvolvimento (P&D) fora de seus países de origem pode representar uma oportunidade para reforçar o
sistema nacional de inovação. A implementação de políticas públicas pertinentes é uma condição importante
para o sucesso dessa empreitada.
Palavras-chave: Empresas multinacionais. Globalização da tecnologia. Políticas de promoção e atração de
P&D.
Abstract: The article examines the technological efforts carried out – presently and prospectively – by
multinational enterprises in Brazil. It argues that these enterprises are willing to increase their R&D activities
abroad which may represent an opportunity to Brazil to develop its national system of innovation. However,
the adoption of appropriate policies is an important condition to succeed in this endeavour.
Key words: Multinational enterprises. Globalization of technology. Foreign Direct Investment related policies.
O elevado grau de internacionalização da economia
brasileira é tradicionalmente invocado como uma das
explicações para o baixo envolvimento das empresas com
P&D. O argumento é que as empresas multinacionais
(EMNs) estrangeiras seriam essencialmente importadoras
de tecnologia desenvolvida em seus países de origem, e
assim não teriam por que realizar esforços de P&D local.
Nesse caso, as firmas nacionais arcariam com a maior parte
da responsabilidade pela promoção do desenvolvimento
tecnológico.
Entretanto, como será mostrado adiante, o conjunto das
subsidiárias de EMNs responde por parcela significativa
do esforço em P&D das empresas instaladas no país. Em
alguns setores, essas subsidiárias têm hoje um papel muito destacado. Mais ainda, o que esse artigo pretende mostrar é que elas podem ser induzidas a desempenhar um
papel ainda mais relevante no sistema nacional de inovação. Considerando as possibilidades de atrair para o Brasil mais investimento em tecnologia da parte dessas em-
os anos recentes, vem-se consolidando no Brasil
a percepção de que é preciso corrigir um desequilíbrio existente em nosso sistema nacional de
inovação: sua excessiva dependência do setor público e
dos gastos governamentais. O fraco engajamento das empresas em atividades tecnológicas, particularmente em
pesquisa e desenvolvimento (P&D), é hoje visto como um
problema que a política de ciência, tecnologia e inovação
(C,T&I) precisa resolver. Dados de pesquisas realizadas
recentemente, como a Pesquisa Industrial da Inovação
Tecnológica – Pintec (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) e a Pesquisa de Atividade Econômica Paulista – Paep (da Fundação Sistema Estadual
de Análise de Dados – Seade), revelam que apenas 14%
das empresas inovadoras realizaram P&D contínuo em
2000 (4,4% do total de empresas industriais da Pintec).
Ou que apenas 180 empresas industriais empregavam mais
de 10 empregados de nível superior em atividades permanentes de P&D, em 1996 (QUADROS et al., 2003).
N
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
51
SÉRGIO QUEIROZ / RUY
DE
QUADROS CARVALHO
desvalorização cambial do final de 1998, que resultou num
salto no movimento de aquisição de empresas brasileiras
por suas concorrentes multinacionais.
presas, presume-se que elas poderão contribuir para a
correção do desequilíbrio acima apontado.
O texto está estruturado em cinco intens, além desta
introdução. O primeiro mostra que há forte penetração das
EMNs na economia brasileira, especialmente em alguns
setores. O seguinte trata dos esforços tecnológicos dessas
empresas. O terceiro discute o fenômeno da globalização
da tecnologia: como esta pode criar oportunidades de investimento em P&D no Brasil e a importância das políticas públicas para o aproveitamento dessas oportunidades.
O último item traz as considerações finais.
TABELA 1
Fluxos de Investimento Direto Estrangeiro (IDE)
para o Brasil
Brasil – 1992-2003
Ano
Em Milhões de Dólares
1992-1997 (Média Anual)
A PRESENÇA DAS MULTINACIONAIS
NO BRASIL
O fechamento ao comércio e a abertura ao capital são
características marcantes da industrialização brasileira. As
empresas estrangeiras assumiram um papel importante ao
longo de nossa história, especialmente a partir da segunda metade dos anos 50, quando o Plano de Metas do governo Kubitschek configurou o tripé em que se apoiaria o
pretendido “salto de cinqüenta anos em cinco”: governo,
capital privado nacional e capital privado internacional.
Naquele momento, o investimento das empresas multinacionais impulsionou decisivamente certos segmentos da
indústria – o setor automobilístico é o grande exemplo.
Assim, em um padrão bastante típico da América Latina,
e em contraste com o que se observou em certos países do
sudeste asiático, como a Coréia do Sul, as empresas de
capital estrangeiro instalaram-se solidamente no Brasil.
Na segunda metade dos anos 90, ocorreu um crescimento expressivo do investimento direto estrangeiro (IDE).
Como se vê na Tabela 1, o país recebeu US$ 28,9 bilhões
de IDE em 1998, versus uma média anual de US$ 6,6 bilhões no período entre 1992-1997. Esses investimentos
continuaram crescendo até 2000 e começaram a cair a
partir daí, quando a economia brasileira estagnou: em
2001, em função da crise energética; em 2002, pelo cenário político; e em 2003, um ano de recessão. Os dados
preliminares de 2004 indicam uma recuperação que deve
continuar em 2005. Acrescente-se ainda que a excepcional expansão do IDE, entre 1998 e 2000, esteve, em grande medida, relacionada com dois movimentos complementares de desnacionalização patrimonial. De um lado, as
oportunidades criadas pelos programas de privatização
federal e estaduais, em especial nos setores de telecomunicações e energia elétrica. De outro, a atração à aquisição de ativos privados, decorrrente da súbita e intensa
6.615
1998
28.865
1999
28.578
2000
32.779
2001
22.457
2002
16.590
2003
10.144
Fonte: Unctad (2004a).
Como resultado, o estoque de IDE no Brasil cresceu
significativamente e representa hoje cerca de um quarto
do PIB (Tabela 2). Esse valor, embora abaixo da média
dos países em desenvolvimento (31,4% do PIB em 2003),
é elevado quando se compara com países recentemente
industrializados da Ásia como Coréia do Sul e Taiwan
(7,8% e 11,9% do PIB, respectivamente). Em suma, o peso
das subsidiárias de empresas multinacionais na economia
brasileira cresceu bastante nos últimos anos e atingiu um
valor expressivo.
TABELA 2
Estoque de Investimento Direto Estrangeiro (IDE)
Brasil – 1980-2003
Ano
Em Milhões de Dólares
% do PIB
1980
17.480
7,4
1985
25.664
11,5
1990
37.143
8,0
1995
41.696
5,9
2000
103.015
17,2
2002
100.847
22,3
2003
128.458
25,8
Fonte: Unctad (2004a).
Observando a presença das empresas de capital estrangeiro por setores de atividade, constata-se uma variação
muito grande. Somadas, elas representam 35% do VTI e
apenas 3% do número total – o que indica um tamanho
52
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
EMPRESAS MULTINACIONAIS
E I NOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
NO
BRASIL
responsabilidade das multinacionais (Tabela 3). Os setores em que a participação dessas empresas é baixa (inferior a 20%) são poucos e de limitada importância: fabricação de produtos têxteis; confecção de artigos do
vestuário e acessórios; preparação de couros e fabricação
de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados; fabricação de produtos de madeira; edição, impressão e re-
médio muito superior ao das nacionais (IBGE, 2002). Entretanto, em setores como fabricação de produtos do fumo;
de máquinas para escritório e equipamentos de informática;
de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; de material
eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações; e fabricação e montagem de veículos automotores,
reboques e carrocerias mais de dois terços do VTI são de
TABELA 3
Participação das Empresas de Capital Estrangeiro na Base da Pintec, por Número e VTI, segundo Setores da CNAE
Brasil – 2000
Empresas Estrangeiras
Setores da CNAE
Nos Absolutos
% do Total
2.218
3,1
Total
Indústrias Extrativas
VTI
Em R$ 1.000
% do Total
87.429.896
35,0
26,8
42
2,4
1.860.218
2.176
3,1
85.569.677
35,3
225
2,2
11.046.507
30,8
Fabricação de Produtos do Fumo
17
32,3
1.941.530
97,3
Fabricação de Produtos Têxteis
75
2,6
995.540
14,4
Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios
11
0,1
272.895
5,9
Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro,
Artigos de Viagem e Calçados
30
0,9
203.266
4,4
Fabricação de Produtos de Madeira
20
0,4
314.410
10,1
Fabricação de Celulose, Papel e Produtos de Papel
46
3,4
3.650.515
35,1
Edição, Impressão e Reprodução de Gravações
74
2,2
743.790
7,8
Indústrias de Transformação
Fabricação de Produtos Alimentícios e Bebidas
Fabricação de Coque, Refino de Petróleo, Elaboração de
Combustíveis Nucleares e Produção de Álcool
19
10,0
286.353
0,8
Fabricação de Produtos Químicos
372
12,3
16.244.219
52,1
Fabricação de Artigos de Borracha e Plástico
166
3,9
2.454.312
30,0
Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos
64
1,1
3.141.277
34,7
Metalurgia Básica
37
3,0
6.638.497
43,3
88
1,5
1.924.330
26,2
347
8,9
7.398.514
57,0
Fabricação de Produtos de Metal
Fabricação de Máquinas e Equipamentos
Fabricação de Máquinas para Escritório e Equipamentos de Informática
Fabricação de Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos
Fabricação de Material Eletrônico e de Aparelhos e
Equipamentos de Comunicações
Fabricação de Equipamentos de Instrumentação Médico-Hospitalares,
Instrumentos de Precisão e Ópticos, Equipamentos para Automação
Industrial, Cronômetros e Relógios
20
12,9
2.186.754
68,7
166
11,4
4.230.771
73,0
64
11,9
6.051.749
72,0
92
13,1
810.873
41,1
150
8,6
12.802.864
74,8
Fabricação de Outros Equipamentos de Transporte
23
5,7
1.189.122
30,3
Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas
63
1,0
1.005.384
18,8
5
4,1
36.208
58,1
Fabricação e Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias
Reciclagem
Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
53
SÉRGIO QUEIROZ / RUY
DE
QUADROS CARVALHO
produção de gravações; fabricação de móveis e indústrias diversas. A única e óbvia exceção é o setor de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool – que é de grande
importância e tem baixa presença de multinacionais devido à Petrobras.
possível identificar uma série de casos de filiais de
multinacionais engajadas em atividades tecnológicas. O
setor automotivo ilustra bastante bem esse processo de
acumulação gradativa de capacidades tecnológicas por
parte de subsidiárias de empresas estrangeiras.
Pode-se tomar como exemplo a General Motors do Brasil – GMB, que começou nos anos 70 adquirindo a competência de adaptar seus modelos às condições locais – os
automóveis lançados pela GMB eram projetados pela Opel,
subsidiária alemã da corporação. No início dos anos 90, a
filial brasileira já tinha avançado um pouco além desse processo de adaptação, conhecido como “tropicalização” do
veículo, e adquirido capacidades técnicas suficientes para
a concepção local de derivativos baseados nos modelos Opel
– como no caso do Corsa Sedan, do Corsa Picape e do Astra
Sedan. Em meados da década, a GMB iniciou o projeto
“Arara Azul”, que resultou no modelo Celta, em que a equipe
de desenvolvimento de produto foi envolvida em todas as
suas fases. Por fim, no projeto da minivan compacta Meriva
o papel da GMB foi ainda mais proeminente. O conceito
foi proposto pela subsidiária brasileira e aceito pela
corporação como um derivativo global do novo Corsa. Pela
primeira vez, o Brasil foi a base do desenvolvimento de um
projeto, de forma que a GMB assumiu a responsabilidade
pela coordenação de todos os seus estágios. Como resultado, o carro foi lançado primeiramente no Brasil e só depois
na Europa, invertendo (também pela primeira vez) a seqüência tradicional. Mesmo a Meriva não sendo uma nova plataforma, seu desenvolvimento implicou uma reengenharia
significativa da plataforma do Corsa (CONSONI, 2004;
CONSONI ; QUADROS, 2005).
Com ritmos e inflexões distintos, trajetórias semelhantes podem ser observadas em outras montadoras estabelecidas há mais tempo no país, como no caso da Volks-
A ATUAÇÃO TECNOLÓGICA DAS EMNs
As recentes pesquisas de inovação realizadas no Brasil – Pintec (IBGE) e Paep (Seade) – mostraram que as
filiais de EMNs, tomadas em conjunto, são bastante ativas em P&D. Alguns estudos baseados nessas pesquisas
sugerem inclusive um esforço tecnológico dessas empresas, em média, mais intenso do que o das empresas de
capital nacional (COSTA; QUEIROZ, 2002).
Observando-se o gasto médio em atividades internas de
P&D por classe de tamanho, constata-se que as companhias
estrangeiras estão sempre à frente das nacionais (Tabela 4).
No caso das grandes empresas (500 e mais empregados),
essa diferença é a menor de todas, mas ainda assim o gasto
das estrangeiras é, em média, o dobro do das nacionais. Esse
argumento precisa ser qualificado pelo fato de que o VTI
médio das empresas estrangeiras é sistematicamente um
múltiplo do VTI das nacionais do grupo equivalente: de 8
vezes no grupo das menores a 1,8, no das maiores. Assim,
mesmo não se podendo afirmar categoricamente que as
empresas estrangeiras, descontado seu tamanho, despendam
em média mais em P&D do que as nacionais, pode-se pelo
menos questionar o argumento convencional de que as
empresas multinacionais realizem esforço tecnológico inferior ao das empresas nacionais.
Saindo do panorama geral oferecido pelas pesquisas
de inovação para entrar em uma análise mais detalhada, é
TABELA 4
Atividades Internas de Pesquisa e Desenvolvimento, segundo Classes de Tamanho das Empresas
Brasil – 2000
Nacional
Classes de Tamanho
Estrangeira
Número de
Valor
Gasto Médio
Número de
Valor
Gasto Médio
Empresas
(R$ 1.000)
(A)
Empresas
(R$ 1.000)
(B)
B/A
Total
6.655
2.019.779
303
757
1.721.793
2.274
7,5
De 10 a 99
4.904
288.990
59
213
34.506
162
2,8
De 100 a 249
832
169.241
203
182
111.908
615
3,0
De 250 a 499
412
170.261
413
109
151.057
1.387
3,4
Com 500 e Mais
507
1.391.287
2.745
254
1.424.322
5.618
2,0
Fonte: IBGE (2002) Pintec 2000.
54
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
EMPRESAS MULTINACIONAIS
TECNOLÓGICA
NO
BRASIL
primordialmente relacionadas com desenvolvimento experimental (de produtos e processos) – em outros termos, o D da P&D. Raramente as funções de P&D de uma
subsidiária de empresa estrangeira no Brasil são diversificadas o bastante para comportar atividade de pesquisa tecnológica interna à empresa. Acrescente-se que a
situação não é nada diferente na grande empresa industrial nacional que realiza P&D. E que essa situação é,
em grande medida, responsável pela sempre sublinhada
fragilidade de relacionamento das empresas industriais
brasileiras com universidades e outras instituições de
pesquisa. Quem não faz pesquisa não a demanda sistematicamente.
De qualquer maneira, a partir dos casos comentados, o
argumento é que, quando a intenção é estimular o engajamento das empresas estrangeiras em atividades de P&D
no país não se está partindo do zero. Oportunidades geradas
a partir do cenário internacional podem reforçar ainda mais
esse engajamento – mas também é preciso criar as condições
adequadas para aproveitar essas oportunidades.
wagen, Fiat e Ford. Todas elas estão percorrendo esse
caminho, esquematizado na Figura 1, que vai dos esforços de tropicalização (limitada e avançada) à construção
de derivativos locais e por fim, de derivativos globais –
nos quais o país assume a condição de sede de projeto
dentro da corporação.
Em setores como o de telecomunicações e em certos
segmentos da indústria de bens de capital, também existem empresas estrangeiras que acumulam capacidades
tecnológicas relevantes. Por outro lado, em certos setores
amplamente dominados pelo capital estrangeiro, os esforços de P&D são muito limitados. O exemplo notório é o
setor farmacêutico, em que pesem os recentes investimentos em pesquisa clínica realizados no país por diversas
multinacionais, esses esforços estão muito aquém do que
caracterizaria um engajamento mais substantivo em atividades tecnológicas.
Pelo lado dos limites, considere-se ainda que, nos casos de maior engajamento, como o do setor automotivo
anteriormente comentado, as atividades tecnológicas são
FIGURA 1
Evolução das Capacidades das Subsidiárias Brasileiras de Montadoras de Automóveis
Capacidade de Tropicalização Limitada
Capacidade de Tropicalização Avançada
Capacidade de Design de Derivativos
Capacidade de Sediar Projeto
Fonte: Adaptado de Consoni e Quadros (2003).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
E I NOVAÇÃO
55
SÉRGIO QUEIROZ / RUY
DE
QUADROS CARVALHO
A GLOBALIZAÇÃO DA TECNOLOGIA:
OPORTUNIDADES PARA AMPLIAR AS
ATIVIDADES DE P&D DAS EMNS
GRÁFICO 1
Gasto em P&D de Filiais Estrangeiras
Países Selecionados – 1995-2001 (1)
ão
Jap
Gré
cia
s
Fin
lân
dia
da
ido
Un
os
Es
tad
nça
lan
Ho
Fra
á
nha
nad
ma
Ale
Ca
a
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éci
Un
ino
Re
ália
str
Su
Au
Re
p
Tch ública
eca
Es
pan
ha
ia
ngr
Hu
Irla
A partir da década de 80, a expressão “globalização”
difundiu-se amplamente, designando um conjunto de fenômenos nem sempre claramente interpretados. No âmbito das empresas, é possível observar um certo movimento
de integração mundial das funções corporativas. Partindo
da distinção entre indústrias multidomésticas e indústrias
globais popularizada por Porter (1986), pode-se dizer que
a competição país a país, característica das indústrias
multidomésticas, passou a dar lugar à competição em escala global, em que, para manter sua capacidade competitiva, as firmas são obrigadas a gerenciar suas atividades
internacionais de modo cada vez mais integrado. Para
Sachwald (1994), globalização é mais do que um aprofundamento do processo de internacionalização das empresas. Significa “a integração funcional de atividades geograficamente dispersas das empresas multinacionais”. O
resultado é que o todo é maior do que a soma das partes,
isto é, as empresas globalmente integradas obtêm vantagens competitivas frente àquelas que operam com filiais
relativamente independentes e autônomas.
Esse processo de integração abarca também as atividades tecnológicas – e, em particular, as de P&D, o que
tem implicado tanto a maior articulação dessas atividades
que estão dispersas por vários países, como também o
aumento da participação das filiais das EMNs no esforço
tecnológico global nos últimos anos, como apontam diversos trabalhos (OECD, 1998; DALTON; SERAPIO,
1999; KUEMMERLE, 1999; GRANSTRAND, 1999).
Dados do Bureau of Economic Analysis – BEA, do
Departamento de Comércio dos EUA, registram que os
gastos de P&D de filiais de empresas americanas no exterior passaram de US$ 14,6 bilhões em 1998, para
US$ 21,1 bilhões em 2002, portanto, houve um crescimento de 44%. Esses gastos também aumentaram como
percentagem sobre as vendas das filiais, passando de
0,74%, em 1998, para 0,83%, em 2002.
O Gráfico 1 revela, para 15 países da Organisation for
Economic Co-operation and Development (OECD), uma
tendência quase generalizada de aumento da participação
da P&D das empresas estrangeiras no gasto total da P&D
empresarial. Esse fato significa que, nesses países, a atividade de P&D das empresas estrangeiras cresce mais
rapidamente do que a das empresas domésticas.
nda
O Fenômeno da Globalização da Tecnologia
Fonte: OECD (2004). Base de dados AFA, maio 2004.
(1) Ou ano mais próximo disponível.
Esses indicadores também revelam que, em alguns países industrializados europeus que não exercem liderança
tecnológica, como a Hungria, Irlanda e a República Tcheca, os dispêndios em P&D das empresas estrangeiras é
responsável pela maior parte do dispêndio total em P&D
no setor industrial.
Alguns trabalhos tratam da globalização da tecnologia
com mais ceticismo. Primeiro, destacam o fato de que a
função tecnológica é muito menos internacionalizada do que
outras corporativas, como produção ou vendas. Depois,
sublinham a concentração do fenômeno nos países desenvolvidos, particularmente, na chamada “Tríade” – EUA, Japão
e Europa (PATEL; PAVITT, 1998; KUEMMERLE, 1999).
De fato, dados de patentes de 359 das maiores empresas
mundiais no período de 1990-1994 mostram que as patentes
registradas nos Estados Unidos, originárias das subsidiárias
fora da “Tríade”, contabilizaram menos de 1% do total, ou
7% da participação das filiais (MEYER-KRAHMER et al.,
1998). Sendo assim, seria mais apropriado falar em
“triadização”, e não em “globalização” da tecnologia.
No entanto, cabe observar a grande velocidade com que
as mudanças têm ocorrido nos anos recentes. Os países
em desenvolvimento (PEDs), com destaque para China e
Índia, estão se tornando um destino privilegiado do investimento direto estrangeiro (IDE) em tecnologia
(KUMAR, 2001; WALSH, 2003). De acordo com os dados do BEA, os gastos em P&D das filiais americanas de
EMNs fora do Canadá, Europa e Japão passaram de 10,7%
do total em 1998, para 15,0% em 1999, 17,8% no ano 2000
e 20,3% em 2001. Assim, embora a parcela da P&D realizada pelas EMNs fora da Tríade seja ainda relativamen-
56
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
EMPRESAS MULTINACIONAIS
E I NOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
NO
Políticas Públicas para Atração de
Atividades de P&D
te pequena, ela é crescente, tendo praticamente dobrado
no curto período 1998-2001.
A intensidade da migração de atividades tecnológicas
para China e Índia nos últimos anos, originárias principalmente dos EUA, tem chamado a atenção para o fenômeno correlato da crescente subcontratação da P&D
(BUSINESS WEEK, 2003; 2005). Os dois fenômenos –
o da realização de P&D no exterior (offshoring) e o da
subcontratação da P&D (outsourcing) – muitas vezes aparecem combinados.
O Quadro 1 diferencia as questões de localização
geográfica e de externalização da P&D. Embora a
discussão sobre globalização da tecnologia esteja teoricamente adstrita à situação do quarto quadrante (inferior à
esquerda), em que responsabilidades tecnológicas são
transferidas para filiais da própria empresa no exterior
(captive offshoring), a situação mostrada no terceiro
quadrante (inferior à direita), que combina offshoring com
outsourcing, também deve ser incluída na agenda, uma
vez que, em termos dos efeitos sobre as economias
hospedeiras (e sobre as economias de origem dos investimentos), ambas são muito similares. Para um país interessado em atrair investimentos tecnológicos de EMNs,
eles podem materializar-se tanto na forma de um centro
de P&D da filial como na subcontratação de outras
empresas já estabelecidas localmente.
Em suma, os fenômenos offshoring e outsourcing, combinados ou separadamente, criam oportunidades de investimento em atividades tecnológicas também nos países em
desenvolvimento (PEDs). O Brasil tem boas condições
para disputar esses investimentos. No entanto, é preciso
promover permanentemente essas condições, tanto no sentido de melhorá-las cada vez mais como no de torná-las
conhecidas entre os potenciais investidores.
Análises sobre os determinantes da globalização da
P&D apontam as políticas como fatores relevantes.
Hakanson e Nobel (1993) destacam o papel dos incentivos políticos para atrair determinados tipos de P&D, principalmente aqueles relacionados a indústrias controladas
pelo governo, como telecomunicações ou equipamento
militar. O próprio caso do Brasil sugere que os incentivos
da Política de Informática foram fundamentais na atração
de investimentos em P&D de diversas EMNs nos setores
de telecomunicações e informática.
Entretanto, é preciso evitar o equívoco de reduzir as
políticas de atração de atividades tecnológicas a incentivos. Em certos casos, os incentivos são o fator decisivo,
no sentido de promover o desempate na decisão de determinado investimento entre este ou aquele país. Mas, isoladamente, os incentivos não decidem a disputa – até porque são vistos como pouco estáveis, quando não são
explicitamente transitórios.
Portanto, as políticas de atração devem ser abordadas
a partir de uma perspectiva ampla que vai da formação de
recursos humanos de alto nível a incentivos eventuais,
passando por investimentos em infra-estrutura, pela política de compras do Estado, pela divulgação e marketing
do país, entre outros.
Países como China, Índia, Taiwan, Irlanda, Israel,
Cingapura, entre outros, têm sido bem-sucedidos nessa
empreitada de atrair investimentos em P&D de EMNs em
boa medida por terem políticas nacionais focadas neste
objetivo. O caso da China é exemplar de um país fortemente empenhado em atrair atividades corporativas mais
avançadas para seu território. Venkitaramanan (2000)
QUADRO 1
P&D Estabelecida em Outros Países e Subcontratada
Localização da P&D
País de Origem
País Hospedeiro
Internalizada
Externalizada (Subcontratada)
P&D realizada dentro da empresa,
P&D subcontratada de uma outra
no país de origem
empresa no país de origem
P&D realizada pela filial de uma mesma
P&D subcontratada de uma terceira
EMN, em outro país (chamado captive offshoring)
empresa no exterior:
- para uma empresa local
- para uma filial de outra EMN
Fonte: UNCTAD (2004b), adaptado de WIR (2004).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
BRASIL
57
SÉRGIO QUEIROZ / RUY
DE
QUADROS CARVALHO
mostra que os chineses vêm usando habilmente sua enorme capacidade de atrair IDE produtivo para ampliar a
apropriação de tecnologias, negociando investimentos em
P&D como contrapartida do acesso a seu mercado. Políticas de comércio, de compras governamentais e de
tecnologia são coordenadas com o sistema de aprovação
de investimento externo, de modo a desenvolver as capacidades locais. Ao mesmo tempo, o país investe pesadamente na formação de recursos humanos qualificados,
tanto internamente como no exterior.
Então, pergunta-se: no caso do Brasil, que pontos fundamentais devem ser considerados por uma política que
busque criar um ambiente favorável para que as EMNs
possam investir em tecnologia?
Faltam estudos e conhecimento para responder adequadamente a essa questão. É preciso aprofundar o
entendimento, por exemplo, da relação entre o comportamento das firmas e os fatores de atração de atividades
tecnológicas para determinado país. O comportamento das
firmas, por sua vez, está condicionado por características
setoriais, associadas ao ambiente competitivo em que
atuam, e pelas estratégias globais de P&D, de caráter
individual. Esse conhecimento é essencial para orientar
corretamente sua política de atuação.
A despeito dessas dificuldades, é possível sugerir alguns elementos que, à primeira vista, são importantes para
uma política eficaz de atração de IDE em P&D.
Primeiro, a política deve atuar no nível da empresa –
não no do setor e menos ainda em níveis mais agregados. É certo que algumas medidas de caráter amplo irão
favorecer genericamente os investimentos externos em
atividades tecnológicas. Por exemplo, a formação de recursos humanos de alto nível ou os investimentos em
infra-estrutura. Mas esse tipo de medida, embora necessário, é insuficiente. Situar a política no nível da empresa significa identificar os alvos e definir ações sob medida, estabelecendo, por exemplo, as áreas e subáreas
em que é preciso investir na formação de doutores e
mestres, ou as estratégias de divulgação e marketing do
país que sejam apropriadas para os alvos escolhidos.
Afinal, cada empresa irá avaliar diferentemente a importância dos distintos fatores de atração, conforme as necessidades ditadas pela concorrência que enfrenta e pelas estratégias que adota.
Segundo, devem ser desenvolvidos indicadores apropriados para cada fator relevante de atração – seja para
avaliar seu estado atual, seja para estabelecer e acompanhar metas de progresso. Por exemplo, quando se exami-
na o regime de propriedade intelectual – um fator certamente prioritário para empresas do setor farmacêutico –,
qual o melhor indicador para avaliar o grau de proteção
oferecido pela legislação? Como avaliar a capacidade de
fazer cumprir a lei, o chamado enforcement? E assim por
diante.
Terceiro, deve-se acompanhar de perto o trabalho dos
“concorrentes”. Quais as políticas de promoção de atividades tecnológicas ou de atração de IDE que os países –
particularmente aqueles mais parecidos com o Brasil –
estão adotando?
Quarto, a exemplo do que ocorre em relação à política
de informática, as demais políticas vigentes no país requerem avaliações periódicas e conclusivas sobre sua eficácia na atração de IDE em P&D, bem como de todos os
seus custos.
Enfim, esses pontos servem basicamente para iniciar
uma agenda de discussão sobre políticas de atração de IDE
em P&D que precisa, antes de tudo, ser encampada pelo
poder público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, as políticas de promoção de atividades
tecnológicas nas empresas não tomam em consideração a
variável “origem do capital”. Esse artigo procura mostrar
que os diversos fenômenos condicionantes do investimento
em P&D das EMNs justificam um foco específico da política de ação nessas empresas.
Evidentemente, não se trata de atribuir às empresas
multinacionais a responsabilidade principal sobre o desenvolvimento tecnológico do país. Não lhes compete
substituir as empresas de capital nacional no que diz respeito ao esforço tecnológico. Estas, por sua vez, precisam assumir firmemente o objetivo de expandir suas atividades de P&D – e isto, de certo modo, já está sendo
feito. A Embraer e a Petrobras talvez sejam os exemplos
mais visíveis de sucesso ancorado em grande medida na
tecnologia desenvolvida internamente, mas existem muitos outros casos de grandes empresas brasileiras engajadas
em crescentes esforços tecnológicos.
Mas a questão aqui é outra. Independentemente de qualquer comparação entre a atividade tecnológica de empresas nacionais e multinacionais, o que se argumenta é que
as EMNs podem fazer mais do que já fazem. Políticas
adequadas permitiriam que o país aproveitasse melhor uma
série de oportunidades surgidas em função do contexto
internacional. Por outro lado, as empresas estrangeiras
58
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
EMPRESAS MULTINACIONAIS
E I NOVAÇÃO
TECNOLÓGICA
NO
BRASIL
IBGE. Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica – Pintec 2000.
Rio de Janeiro: 2002.
poderiam contribuir mais significativamente para reforçar o sistema nacional de inovação, especialmente em
determinados setores nos quais já são um agente relevante. Por exemplo, poderiam diversificar suas funções de
P&D de maneira a internalizar no Brasil uma parcela de
sua demanda por conhecimento tecnológico novo.
Para isso, é necessário que o governo se engaje na
disputa global pelo IDE em P&D atualmente em curso.
As políticas nacionais têm um peso importante na definição
dos resultados dessa disputa, especialmente em uma
perspectiva de longo prazo em que haja empenho para
transformar estruturalmente o ambiente favorável ao
investimento em tecnologia. Ademais, as políticas não
podem ser reduzidas a incentivos. Se, em determinados
casos, os incentivos podem fazer a diferença frente a
concorrentes diretos, em outros, em que o país possui
capacidades e vantagens para atrair investimentos em
tecnologia, uma política bem elaborada deverá conter a
oferta dos incentivos.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.51-59, abr./jun. 2005
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RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA
ESFORÇOS INOVATIVOS DE
EMPRESAS NO BRASIL
uma análise das indústrias
têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica
JUAN
RENATO GARCIA
FLÁVIA MOTTA
GABRIELA SCUR
MÁRCIO L UPATINI
RICARDO CRUZ-MOREIRA
Resumo: Este trabalho analisa os esforços inovativos de empresas das indústrias têxtil-vestuário, de calçados,
de móveis e de cerâmica que – mesmo tendo como principal fonte de tecnologia as indústrias fornecedoras,
como a química e os bens de capital – são responsáveis pelo desenvolvimento de aplicações em produtos e
processos capazes de proporcionar importantes vantagens diferenciais aos produtores.
Palavras-chave: Padrões de inovação. Indústrias tradicionais. Indústria brasileira.
Abstract: This paper analyses the main innovative efforts of firms in the textile, clothing, footwear, furniture
and ceramic tiles industries, even though the main source of technological development is provide from the
supplier industries, such as chemical and machinery, they develop applications in product and process that
can bring some important benefits for the firms.
Key words: Innovation patterns. Traditional industries. Brazilian industry.
ste trabalho discute a inovação em um conjunto
de indústrias produtoras de bens de consumo não
duráveis – têxtil-vestuário, de calçados e de móveis residenciais de madeira – aos quais foi agregada uma
indústria produtora de insumos para a construção civil: a
de cerâmica para revestimento.
O agrupamento desses setores visando a uma discussão conjunta justifica-se pelas similaridades que podem
ser verificadas no seu padrão de inovação – isto porque em todas as indústrias os setores fornecedores de
insumos (especialmente os da indústria química e de
bens de capital) têm papel fundamental na difusão das
inovações. Porém, isso não significa que as empresas
assumam uma posição passiva nos processos de geração de inovações. Embora a trajetória tecnológica seja
definida de forma exógena a esse conjunto de setores,
as empresas procuram gerar assimetrias concorrenciais
dentro dessa trajetória, por meio do desenvolvimento
de aplicações mais adequadas em produtos e também
E
em termos das técnicas de produção. Assim, as empresas procuram aproveitar-se de oportunidades que são
geradas dentro da trajetória tecnológica, a qual lhes proporciona vantagens competitivas, mesmo que de caráter temporário.
Nesse sentido, deve ser destacada a importância dos
ativos comerciais e o seu caráter intangível como forma
principal de garantir a apropriabilidade privada dos benefícios da inovação. Os desenvolvimentos tecnológicos
dos setores, mesmo que não tenham um caráter disruptivo,
estão normalmente calcados em estratégias expressivas
de gestão dos ativos comerciais.
O desenvolvimento dessa argumentação, apresentada
ao longo de todo o trabalho, sustenta-se nos resultados,
de cinco estudos desenvolvidos no âmbito do projeto
Diretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estratégias para Inovação (DPP/OEI), que teve o apoio da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e que analisou essas indústrias1 .
60
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
ESFORÇOS INOVATIVOS
ESTRUTURA INDUSTRIAL E PADRÃO
COMPETITIVO NAS INDÚSTRIAS
TRADICIONAIS
DE
EMPRESAS
NO
BRASIL: ...
elevada heterogeneidade, que se expressa pela convivência, no mercado, de empresas bastante díspares quanto a
tamanho, tecnologia utilizada e forma de organização da
cadeia, entre outros itens. Assim, é possível observar a
coexistência de grandes firmas que atuam com elevadas
escalas de produção e operação e empresas de pequeno
porte que operam em segmentos bastante especializados.2
A Tabela 1 mostra alguns dados econômicos gerais
dessas indústrias. Nota-se que são indústrias que em geral empregam um grande contingente de mão-de-obra,
sendo responsáveis por 30% dos empregos gerados pela
indústria total e por uma contribuição de somente 12% do
valor da transformação industrial – característica comum
de setores tradicionais da indústria.
Outra especificidade desses setores é o elevado número de micro e pequenas empresas. O tamanho médio dos
estabelecimentos corrobora tal afirmação, já que na indústria cerâmica e na de móveis a média é de 26 funcionários e na do vestuário, 23 empregados por estabelecimento – portanto, bem abaixo da média da indústria de
transformação, que é de 42. Já as indústrias têxtil e de
calçados ficam acima da média industrial, pois apresentam, respectivamente, 58 e 63 ocupados por unidade produtiva.
Uma característica comum aos setores em investigação
diz respeito às amplas possibilidades de segmentação de
produto e de mercado as quais, muitas vezes, sobrepõemse umas às outras. Nas indústrias têxtil-vestuário e de calçados, por exemplo, é possível a segmentação por sexo
(masculino e feminino), por tamanho (bebê, infantil, infantojuvenil, adulto), por renda, por material utilizado (naturais,
artificiais e sintéticos), por tipo de uso (social, casual, esportivo). Da mesma forma, na indústria de móveis, percebe-se a segmentação por material utilizado (madeira, aglomerados, MDF – Medium Density Fibre, metal, plástico),
por tipo de uso (residenciais, profissionais, comerciais) e
por faixa etária (infantil, juvenil e adulto). Mesmo na indústria cerâmica também se percebe a segmentação por tipo
de uso (estrutural e revestimento; pisos e azulejos) e processo de produção (porcelanato, queima tradicional,
monoqueima e terceira queima) – Quadro 1.
Portanto, há amplas possibilidades de segmentação de
produto e de mercado – e esse fato não está apenas vinculado à estrutura da renda, mas também resultam em uma
QUADRO 1
Formas de Segmentação nas Indústrias Têxtil-Vestuário, Calçados, Móveis e Cerâmica
Formas de Segmentação
Têxtil-Vestuário
Calçados
Sexo
Masculino
Feminino
Masculino
Feminino
-
-
Tamanho
Bebê
Infantil
Infanto-juvenil
Adulto
Bebê
Infantil
Adulto
Bebê
Infantil
Juvenil
Adulto
-
Renda
Alta
Média
Baixa
Alta
Média
Baixa
Alta
Média
Baixa
Alta
Média
Baixa
Material/Processo
Algodão (natural)
Artificial
Sintético
Couro
Sintético
Tecido
Madeira Maciça
Painéis de Madeira
Reconstituída
Metal
Plástico
Estrutural
Revestimento
Porcelanato
Tipo de Uso
Social
Casual
Social
Casual
Residencial
Escritório
Pisos
Azulejos
Moda Praia
Esportivo
Esportivo
Institucional
Exteriores
Fonte: Elaboração dos autores.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
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Móveis
Cerâmica
RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA
TABELA 1
Número de Empresas, Pessoal Ocupado, Receita Líquida de Vendas e Valor da Transformação Industrial (VTI), segundo Atividades da Indústria
Brasil – 2002
Códigos
da CNAE
Atividades da Indústria
Total Indústria
Número de
Empresas
Pessoal
Ocupado em
31/12 (1)
Receita Líquida
de Vendas (2)
(Em R$ 1.000)
VTI
(3)
(Em R$ 1.000)
135.003
5.680.111
797.226.731
334.503.214
4.868
284.560
20.034.583
8.254.404
18.547
443.969
11.759.802
4.987.421
5.972
379.003
17.697.638
7.220.133
489
35.288
4.467.646
1.215.748
17
Fabricação de Produtos Têxteis
18
Confecção de Artigos do Vestuário e Acessórios
19
Preparação de Couros e Fabricação de Artefatos de Couro,
Artigos de Viagem e Calçados
19.1
Curtimento e Outras Preparações de Couro
19.2
Fabricação de Artigos para Viagem e de Artefatos Diversos de Couro
1.527
30.848
808.465
369.390
19.3
Fabricação de Calçados
3.956
312.866
12.421.528
5.634.995
11.106
297.421
25.023.409
13.344.074
4.613
135.612
5.076.658
2.597.725
553
25.477
5.747.749
1.781.611
26
Fabricação de Produtos de Minerais Não-Metálicos
26.4
Fabricação de Produtos Cerâmicos
24.8
Fabricação de Tintas, Vernizes, Esmaltes, Lacas e Produtos Afins
36
Fabricação de Móveis e Indústrias Diversas
36.1
Fabricação de Artigos do Mobiliário
11.394
292.470
15.222.998
6.381.293
8.198
209.115
10.602.386
4.066.460
Fonte: IBGE (2002a). Pesquisa Industrial Anual - Empresa 2002. Elaboração dos autores com base nos dados do IBGE.
(1) Número de pessoas ocupadas, com ou sem vínculo empregatício, incluindo-se aquelas afastadas em gozo de férias, licenças, seguros por acidentes, etc., mesmo que estes afastamentos
sejam superiores a 15 dias. Não inclui os membros do conselho administrativo, diretor ou fiscal, que não desenvolvem qualquer outra atividade na empresa, os autônomos e, ainda, o pessoal que
trabalha dentro da empresa, mas é remunerado por outras empresas. As informações referem-se à data de 31/12 do ano de referência da pesquisa. O pessoal ocupado é a soma do pessoal
assalariado ligado e não ligado à produção industrial e do pessoal não assalariado. Ver itens específicos em IBGE (2002a).
(2) Receita bruta total (proveniente da venda de produtos e serviços industriais, da revenda de mercadorias e da prestação de serviços não industriais) menos o total das deduções (vendas
canceladas e descontos, ICMS e outros impostos e contribuições incidentes sobre as vendas e serviços, como Cofins, Simples – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições,
etc.) (IBGE, 2002).
(3) Valor obtido pela diferença entre o valor bruto da produção industrial e o custo das operações industriais (IBGE, 2002a).
No que se refere à estrutura industrial e produtiva, devese ressaltar a importância das relações com os setores fornecedores de matéria-prima, insumos e maquinário, que
representam importantes fontes de inovação. Além disso,
alguns serviços produtivos – como o de prospecção de
mercado e os de tendências, serviços de design e desenvolvimento de produto, testes e ensaios laboratoriais também podem ser relevantes para o incremento da capacidade competitiva das empresas. 3 Do ponto de vista da
inserção das firmas no mercado, é possível notar claramente alguns padrões de comportamento, os quais
condicionam a forma de organização produtiva das empresas e de suas funções corporativas.4
Primeiro, pode-se notar uma forma mais autônoma de
inserção, em que elas são capazes de deter importantes
capacitações em termos de desenvolvimento de produto e
fazem uma gestão ativa de seus ativos comerciais, como
marcas e canais de comercialização, tanto no mercado
doméstico como no exterior. A manufatura, nesses casos,
pode ser realizada internamente, por meio de unidades
próprias especializadas, ou subcontratada junto a terceiros. Exemplos dessa forma de inserção são as empresas
Karsten e a Rosa Chá nas indústrias têxtil e do vestuário;
São Paulo Alpargatas, proprietária da marca Havaianas,
e Grendene na indústria de calçados; SCA, na indústria
de móveis.
Na segunda forma de inserção, que é intermediária, as
empresas detêm importantes capacitações em desenvolvimento de produto e design, mesmo que esse modelo
esteja fortemente associado à adaptação, para o mercado,
interno de produtos lançados nos países centrais. Essa
característica condiciona sua atuação mercadológica, pois
as empresas possuem uma inserção ativa e autônoma no
mercado doméstico, por meio do domínio e da gestão de
marcas próprias e canais de comercialização. No entanto,
são incapazes de reproduzir essa forma de atuação no
mercado externo, onde exercem um papel subordinado nas
cadeias globais de produção, como fornecedoras de produtos acabados para as grandes redes internacionais de
varejo. Em termos dos ativos produtivos, normalmente
essas empresas possuem grandes plantas próprias de manufatura. Entre os exemplos mais importantes dessa forma de inserção, encontram-se as empresas: Hering, Marisol
e Fórum nas indústrias têxtil e do vestuário; Samello,
62
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
ESFORÇOS INOVATIVOS
EMPRESAS
NO
BRASIL: ...
justifica a existência de elevado número de micro e pequenas empresas em todos os setores analisados. Destaca-se, no entanto, que as economias de escala permanecem exercendo papel relevante tanto na manufatura, por
permitir a redução dos custos da produção de bens mais
padronizados, e especialmente nas outras funções
corporativas desempenhadas pelas empresas, como na
comercialização, no desenvolvimento de produto e no
acesso a recursos financeiros e de capital.
Voltando ao campo da inovação, uma das suas principais fontes nos setores analisados são os desenvolvimentos oriundos da indústria química, fornecedora de novos
materiais e novas aplicações. Alguns exemplos interessantes ilustram esse fenômeno.
Para a indústria têxtil-vestuário, a introdução da microfibra por volta dos anos 70 permitiu às empresas têxteis
a criação de novos tecidos, que, por sua vez, foram
aplicados em roupas diferenciadas, especialmente em
roupas esportivas e femininas, estimulando a substituição
das fibras naturais, notadamente do algodão. Essa
substituição trouxe inclusive ganhos de custo e de
características técnicas do produto em relação ao algodão,
especialmente em termos da absorção do suor e praticidade, além de melhorias significativas quanto a
conforto, caimento e aparência dos produtos. Outra
inovação interessante é o uso de nanotecnologia em fibras
têxteis: há incorporação de novos materiais que,
embutidos nas fibras, liberam mais facilmente a umidade
do corpo, no caso de roupas esportivas; ou os com bactericidas, que começam a ser utilizados para fins médicos
e para cuidados infantis.
Na indústria de calçados, nota-se o uso mais intensivo
de materiais sintéticos em substituição ao couro – no
cabedal (parte superior) e, especialmente, nos solados
(atualmente apenas 8% são feitos de couro). Percebe-se a
utilização crescente de materiais sintéticos como PVC
(Policloreto de Vinila) e TR (Borracha Termoplástica),
que apresentam custos mais reduzidos, EVA (Copolímero
de Etileno e Acetato de Vinila) e PU (Poliuretano), que
permitem a aplicação em usos mais sofisticados.
Já na indústria de cerâmica para revestimento, foram
realizados avanços significativos a partir do desenvolvimento de produtos químicos aplicados a revestimento –
especialmente de fritas5 e corantes. Essas modificações,
associadas a melhorias de processo, permitiram o desenvolvimento de novos revestimentos e abriram possibilidades de diferenciação do produto para as empresas do
setor.
Democrata, Arezzo, Beira Rio e Dakota, na indústria de
calçados; Todeschini, Florense e Bertolini, na indústria
de móveis; Eliane, Portobello e Cecrisa, na indústria cerâmica. Nesse caso, é comum que as firmas atendam a
encomendas das exportações para compensar as oscilações sazonais da demanda doméstica.
Por fim, encontram-se formas mais subordinadas de
inserção no mercado, em que as empresas possuem
capacitações reduzidas na área de desenvolvimento de
produto e percebe-se a ausência de ativos comerciais relevantes, como a utilização de canais convencionais de
comercialização e de marcas fracas ou ausentes. Porém, a
inserção subordinada no mercado é contrabalançada por
elevadas capacitações em manufatura, que apresenta níveis de produtividade bastante expressivos e elevada escala de produção. Dentre os exemplos mais importantes,
encontram-se as empresas: Vicunha e Coteminas, nos setores têxtil e do vestuário; os grandes exportadores de
calçados femininos do Vale do Sinos; algumas empresas
exportadoras de São Bento do Sul e os fornecedores das
grandes redes de varejo do mercado doméstico, na indústria de móveis; os produtores de cerâmica para revestimento de Santa Gertrudes.
Esse padrão diferenciado de inserção condiciona o processo de inovação nas empresas, pois, de acordo com a
forma de atuação no mercado, as firmas terão que deter
ativos mais ou menos expressivos nas áreas de desenvolvimento de produto e de comercialização, reorganizando
sua cadeia de suprimentos em consonância com essa estratégia.
PADRÃO DE INOVAÇÃO NAS INDÚSTRIAS
TRADICIONAIS
O principal elemento que justifica o agrupamento desses setores é justamente a convergência do padrão de inovação e as suas fontes – muito embora possam ser encontradas formas diferenciadas de atuação no mercado, como
foi apontado anteriormente. De um modo geral, as indústrias têxtil, de vestuário, de calçados, de revestimentos
cerâmicos e de móveis têm sua dinâmica tecnológica comandada pelos setores fornecedores, especialmente a indústria química e a de bens de capital. Como apontou Pavitt
(1984), são essas tipicamente as indústrias dominadas
pelos fornecedores (supplier dominated).
Este padrão facilita a difusão de inovações e reduz as
barreiras à entrada de natureza tecnológica, especialmente nas operações de manufatura – o que, de certa forma,
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
DE
63
RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA
tanto do tempo de queima quanto do consumo de combustível. Além disso, eles são capazes de atingir mais rapidamente as elevadas temperaturas requeridas no processo
de queima.
Por fim, na indústria de móveis, nota-se a introdução
de equipamentos de corte e centros de usinagem com comando numérico que conferem elevada precisão e
incrementam a produtividade nessas operações. Além disso, a adoção de linhas de pintura automatizadas UV têm o
efeito de melhorar sobremaneira a qualidade do acabamento dos móveis, proporcionando uniformidade nas cores e aumento de produtividade, devido ao menor tempo
necessário para a cura. Destaca-se ainda a difusão dos
otimizadores de corte de madeira maciça, que identificam
imperfeições (como nós) e realizam o corte com mínimo
desperdício da matéria-prima.
Os principais países fornecedores de máquinas e equipamentos para esses setores são Itália e Alemanha que,
além de produtores de bens de capital, são grandes fabricantes e consumidores mundiais de móveis, têxteis, vestuário e revestimentos cerâmicos, evidenciando assim que
a estreita cooperação entre as indústrias usuárias e as produtoras é elemento importante no fomento de contínuas
inovações tecnológicas. No caso do Brasil, no entanto, a
produção de equipamentos é praticamente inexistente.
Na década de 90, a forte reestruturação pela qual esses
setores passaram ensejou uma profunda renovação do
parque industrial. O caso da indústria têxtil é exemplar,
nesse sentido. Porém, o caráter dessa renovação ocorreu
por meio da abertura do mercado para as importações de
máquinas e equipamentos, o que proporcionou prejuízos
importantes para a indústria nacional de bens de capital, e
para a capacidade inovativa da indústria, já que as inovações são fortemente vinculadas às interações usuário-produtor.
De todo modo, é possível notar que as inovações ocorridas nessas indústrias normalmente não possuem caráter
disruptivo. A heterogeneidade do padrão de concorrência
verificada nesses setores permite a coexistência de empresas de portes diferenciados e que se utilizam de
tecnologias díspares. A introdução das máquinas de corte
a laser na indústria de calçados não obrigou as empresas
a abandonarem suas máquinas tradicionais de corte, os
chamados “balancins”. Processos semelhantes ocorreram
com o advento da microfibra, na indústria têxtil; com o
maquinário CNC (Comando Numérico Computadorizado)
e linhas de pintura, na indústria de móveis; e o aparecimento do porcelanato, na indústria cerâmica.
Na indústria de móveis, a indústria química tem tido
papel essencial no desenvolvimento de novos acabamentos, como no caso, que vale destacar, das tintas com cura
ultravioleta (UV), que apresentam ganhos de produtividade na aplicação e redução no tempo de secagem das
peças. Outro fornecedor de extrema relevância para a indústria de móveis é a indústria produtora de chapas de
madeira reconstituída, com destaque para a introdução no
mercado brasileiro do MDF a partir da década de 90. Esse
material permitiu às empresas produtoras de móveis
retilíneos maior liberdade para criação e desenvolvimento de acabamentos, visto que até então os painéis de aglomerado ou compensado utilizados não podiam ser
usinados. Já o MDF, por ter característica de resistência
similar à da madeira maciça, é tecnicamente capaz de receber esses trabalhos superficiais – o que permitiu às
empresas atingirem mercado de maior valor agregado utilizando como matéria-prima painéis reconstituídos. Outra indústria relevante são os fornecedores de acessórios
e ferragens, pois as soluções proporcionadas por esses
materiais conferem maior praticidade na utilização dos
móveis pelo consumidor final – o que provocou impacto
na inserção dos produtores em alguns nichos de mercado.
Já no caso das inovações oriundas da indústria de
máquinas, podem ser verificadas importantes modificações
na configuração do processo produtivo, que permitiram
que essas indústrias incorressem em ganhos significativos
de produtividade. Alguns exemplos podem ser destacados.
Na indústria têxtil-vestuário, equipamentos como os
filatórios open-end e os teares sem lançadeira permitiram
um expressivo aumento da velocidade das máquinas, com
ganhos expressivos de produtividade. No caso dos teares
sem lançadeira, foi bastante expressiva a extensão da
mudança, já que a tecelagem deixou de ser intensiva em
mão-de-obra, com o incremento expressivo da relação
capital-trabalho.
Na indústria de calçados – a despeito da estabilidade
do processo produtivo principal, que permanece bastante
intensivo em trabalho – houve algumas mudanças importantes em algumas dessas etapas, mesmo que de caráter
incremental. Essas alterações ocorreram especialmente na
automatização de etapas da montagem do calçado. Outra
modificação importante, embora da baixa difusão, foi a
introdução de processos de corte a laser, que representaram importante incremento de produtividade e economia,
com a redução do descarte de matéria-prima.
Na indústria de revestimentos cerâmicos, destaca-se a
ampla difusão de fornos a rolo que permitem a redução
64
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
ESFORÇOS INOVATIVOS
Todavia, não foi isso que ocorreu com a adoção dos
teares sem lançadeira na indústria têxtil, cujos expressivos ganhos de produtividade e de redução de custos praticamente fizeram desaparecer as antigas máquinas automáticas de tecidos.
Outra característica amplamente verificada nas estratégias das firmas maiores é o expressivo gasto em publicidade e propaganda – característica típica de empresas
produtoras de bens de consumo. Normalmente, esses gastos superam amplamente os recursos destinados à área de
desenvolvimento de produto.6 Isso decorre da importância dos ativos comerciais – especialmente a marca e os
canais de comercialização – no padrão competitivo do
setor, pois são eles que sustentam a apropriabilidade dos
esforços de desenvolvimento de produto das empresas.
Muitas vezes, a renovação freqüente das linhas de
produto é um fato que vem vinculado a esse fenômeno.
Essas estratégias das empresas, que se tornaram viáveis
após a adoção e a difusão de equipamentos microeletrônicos e de sistemas do tipo CAD (Computer Aided
Design), resultou em uma expressiva redução do tempo
de vida média dos produtos, obrigando os produtores a
adotar formas mais flexíveis de organização da produção.
Assim, a troca freqüente das linhas de produtos das
empresas tornou-se um imperativo da concorrência, mesmo
quando as modificações impostas aos produtos são bastante
superficiais.
Na indústria de calçados, por exemplo, as empresas
líderes fazem normalmente dois lançamentos anuais (inverno e verão), quando reformulam quase que completamente suas linhas de produtos. Entre os lançamentos principais, as empresas fazem pequenas modificações – as
chamadas “correções” de linha – o que resulta em um grande número de novos modelos lançados a cada ano.7 Do
ponto de vista dos processos de produção, as empresas
precisam ser capazes de ajustar-se muito rapidamente a
essas mudanças.
Já nas indústrias de móveis e cerâmica, as mudanças
não são tão rápidas, porém todo ano as linhas de produtos
são reavaliadas e há sempre lançamentos de produtos. Para
as empresas que atendem o mercado doméstico e possuem
inserção comercial mais autônoma, estas modificações são
essenciais, e há sempre um grande lançamento anual. Já
as empresas que exportam parte significativa da produção, especialmente entre as empresas fabricantes de móveis, as modificações ocorrem de acordo com as exigências dos compradores, portanto, não há período recorrente
para as modificações, já que dependem das demandas que
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
DE
EMPRESAS
NO
BRASIL: ...
são feitas às empresas. Mesmo assim, as empresas buscam desenvolver capacidade para lidar com amplas e freqüentes modificações nas linhas de produtos.
ESFORÇOS EMPRESARIAIS DE INOVAÇÃO
O levantamento de informações, primárias e secundárias, que baseiam os resultados da pesquisa indica que os
esforços inovativos das empresas convergem para três
áreas principais.
Primeiro, destacam-se as iniciativas de desenvolvimento
de produto e design – a forma mais importante utilizada
pelas empresas para diferenciar seu produto e gerar
assimetrias concorrenciais.
Segundo, há uma preocupação recorrente voltada para
a adoção de melhorias nos processos produtivos e nas
formas de organização industrial – o objetivo é tornar o
processo mais flexível e proporcionar melhor capacidade
de respostas para as mudanças do mercado. Ainda nessa
área, em movimento convergente com as características
dos setores e com a experiência internacional, pode-se
notar uma aproximação com as indústrias fornecedoras de
máquinas e equipamentos, de matérias-primas e de componentes.
Terceiro, e por último, a preocupação com a gestão dos
ativos comerciais intangíveis, como marcas e canais de
comercialização – o que é essencial para garantir a
apropriabilidade dos esforços de desenvolvimento de produto.
Para descrever esforços inovativos, este trabalho adota um conceito amplo, que está de acordo com os levantamentos (surveys) realizados no Brasil (IBGE, 2002b) e
no exterior (Manual de Oslo, OECD, 1997). Nesse sentido, considera-se “inovação” toda e qualquer mudança realizada pela empresa que seja nova para ela ou para o mercado.8
Nesse sentido, ao incorporar novos produtos, novos
atributos aos produtos existentes, novos processos, novas
formas de organização de trabalho, a inovação não só proporciona vantagens competitivas para os produtores como
tem o efeito de elevar os padrões competitivos do setor. É
preciso ter o cuidado de distinguir (e não levar em conta)
inovações que, embora tenham importante efeito microeconômico, não são capazes de elevar os padrões concorrenciais na indústria, por terem efeitos meramente superficiais ou cosméticos, no fundo, muitas delas somente
lesam o consumidor final, que é obrigado a pagar mais
caro por um produto que nem sempre apresenta caracte-
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madeira e metal e possuía mobilidade de rotação, era capaz de acomodar qualquer tipo de aparelho eletrônico,
assim, tanto podia ser utilizado em uma sala de estar quanto
em um escritório.
De qualquer forma, vale notar que a maioria das empresas dessas indústrias atua como “imitadora” dos modelos criados no mercado externo. É muito comum inferir
que a área genericamente chamada nas empresas de “desenvolvimento de produto” é, na verdade, apenas uma etapa
anterior à fabricação – e não necessariamente um estúdio
de criação de novos modelos e designs. Normalmente, essa
área tem a função de conferir manufaturabilidade aos
produtos desenvolvidos exogenamente, muitas vezes como
fruto de modelos requeridos pelo comprador ou fotografados em feiras ou viagens internacionais.
Nesse sentido, essa área exerce o papel de transformar
os produtos que – a partir das especificações produtivas
adequadas – serão fabricados em processos de produção
e com custos compatíveis com o preço que será praticado
no mercado. Se por um lado há falta de capacitações mais
expressivas em criação e desenvolvimento de produto,
percebe-se a existência de habilidades importantes nesta
área. Em diversas empresas que atuam no mercado externo, pode-se verificar que a inserção internacional está
associada à capacidade de fabricação de produtos semelhantes aos lançados no mercado internacional, porém com
custos bem mais reduzidos.
Nas empresas de calçados, essa atividade de manufaturabilidade é realizada pela modelagem técnica. Na indústria de móveis, verifica-se a figura dos prototipistas,
que são marceneiros encarregados da construção do protótipo do produto, que é realizado com o objetivo de conceber a forma com que as diversas partes serão produzidas e montadas no processo produtivo.10
Já as empresas líderes do setor de cerâmica são capazes de imitar rapidamente os lançamentos internacionais
através de parceira com as empresas de colorifícios, que
realizam o detalhamento do projeto de acabamento dos
produtos por meio da preparação de esmaltes especiais e
telas de serigrafia. Essa estratégia possibilita a introdução rápida das novas tendências estéticas internacionais,
que são vendidas principalmente no mercado doméstico
e, em seguida, são imitadas pelas outras empresas.
A elevada capacidade de conferir manufaturabilidade
aos produtos é uma vantagem competitiva importante da
indústria brasileira, já que grande parte das empresas que
atua no mercado externo o faz por conta de sua elevada
capacitação produtiva. Mesmo quando a inserção inter-
rísticas técnicas superiores. Muitas das modificações impostas pelas empresas em termos de moda e design têm
esse caráter – ou seja, são mudanças estéticas que não resultam em melhoria da funcionalidade do produto.
Desenvolvimento de Produtos
Os esforços de desenvolvimento de produtos são a
forma mais importante de inovação das empresas desses
setores. Todavia, nota-se que, no caso da indústria
brasileira, as empresas são muito pouco “criadoras” de
novos modelos e coleções, e muito mais “imitadoras” dos
modelos lançados no mercado internacional. A maior parte
das empresas apenas faz adaptações dos produtos lançados
no exterior – especialmente pela indústria italiana.9 As
empresas líderes dos setores são as pioneiras no lançamento desses produtos “adaptados”, no mercado
brasileiro.
Porém, em alguns segmentos de mercado destes setores,
existem movimentos que apresentam esforços importantes
de concepção e criação de novos produtos. No setor têxtilvestuário, os segmentos de moda praia e de roupa íntima
são nichos que têm sido aproveitados por algumas
empresas, como Rosa Chá, Cia. Marítima e DuLoren, que
têm conseguido até mesmo algum destaque no mercado
internacional. Além delas, marcas como Zoomp, M.
Officer e Ellus também realizam grandes esforços de
criação, ocupando posições de liderança no mercado
doméstico e com resultados importantes no mercado
internacional.
Já na indústria de calçados, destacam-se as empresas
produtoras de sandálias, como: a Grendene e sua marca
Rider; e a São Paulo Alpargatas, com as Havaianas. Observa-se que, por meio de seus lançamentos de produtos,
elas têm atingido uma inserção diferenciada no mercado.
Outro exemplo vem da produção de calçados masculinos, em que as empresas procuraram incorporar elementos de conforto aos seus produtos. Dois casos interessantes são os das empresas Opananken e Democrata. Uma é
pioneira no desenvolvimento de calçados de conforto por
meio do lançamento do sapato “anti-stress”; e a outra adotou para seus produtos o sistema de amortecimento tradicionalmente utilizado em tênis esportivos.
Já na indústria de móveis, destacam-se os produtos
multifuncionais que apresentam soluções para espaços
pequenos. Um bom exemplo dessa tendência é o da empresa Rudnick que lançou, há alguns anos, um rack que
apresentava um design diferenciado. Como combinava
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
ESFORÇOS INOVATIVOS
EMPRESAS
NO
BRASIL: ...
cesso produtivo e quase não se utilizam de terceiros. Já as
empresas que trabalham com madeira maciça e estão voltadas para o mercado externo utilizam mais a subcontratação, pois as etapas do processo de produção de móveis de madeira maciça tendem a ser mais intensivas em
mão-de-obra.
Já a indústria de calçados apresenta uma forma de organização intermediária. Algumas empresas externalizam
totalmente o processo de manufatura, concentrando-se na
gestão de seus ativos intangíveis – como: marca, comercialização e desenvolvimento de produtos. Mas esse não
é o caso geral, pois a maioria das empresas mantém expressivas unidades de produção, que são responsáveis
pela fabricação dos produtos, mesmo que as etapas mais
intensivas em trabalho do processo produtivo, especialmente relacionados com a costura dos calçados, sejam
contratadas junto a terceiros.
Os esforços em relação à melhoria do processo produtivo são bastante diversos, porém é evidente a busca por
elevação da flexibilidade.
Na indústria têxtil-vestuário, desde meados da década
de 90 as empresas têm procurado incorporar novos equipamentos, mais automatizados, aos seus processos de
manufatura – o que tem tido o efeito de elevar significativamente a produtividade, até por meio da eliminação de
algumas etapas do processo de produção.
Na indústria de móveis, as empresas também passaram
por um processo de atualização tecnológica na década de
90 – o que foi essencial para conferir à indústria maior
velocidade, precisão, qualidade, flexibilidade e menores
custos. A organização do processo produtivo tem sido
outro alvo de atualização das empresas que estão criando
metas específicas de adoção de “manufatura enxuta” para
diminuir desperdícios e aumentar a eficiência dos processos. Além disso, as empresas que fabricam móveis modulares e detêm canais próprios de comercialização estão
investindo em sistemas de informação para tornar ágil a
comunicação entre varejo e indústria.
Utilizando o know-how de uma empresa de tecnologia
de informação, a SCA Indústria de Móveis Ltda. desenvolveu um aplicativo que cria um projeto personalizado,
com perspectiva em 3D, para cada cliente da loja. Como
o aplicativo é interligado ao sistema da fábrica, as informações dos pedidos das lojas disparam o processo produtivo.
Já as empresas de móveis que atuam com mercado externo estão começando a explorar o nicho de móveis montados. A Artefama, por exemplo, adota linha de monta-
nacional acontece por meio de cadeias globais, as empresas têm mostrado que são capazes de tornar rapidamente
manufaturáveis os projetos encomendados pelos compradores globais, com baixo custo e com níveis de qualidade
compatível com as exigências.
Processo Produtivo e Organização Industrial
Além dos esforços de desenvolvimento de produto,
devem ser ressaltados, como elementos importantes das
estratégias inovativas das empresas, a adoção e a busca
de melhorias nos processos produtivos e nas formas de
organização industrial.
O movimento que se percebe mais claramente em todos os setores aqui tratados é o da busca de ganhos na
flexibilização dos processos de produção. Em geral, as
empresas têm implantado formas mais flexíveis de gestão
de produção, mesmo que por meio de uma utilização mais
intensa de tarefas subcontratadas.
Na indústria têxtil-vestuário e de moda, as empresas
têm procurado intensificar o processo de especialização
produtiva por meio da concentração de suas atividades em
uma determinada etapa do processo produtivo ou em uma
certa função corporativa – seja produção ou comercialização. Essa especialização envolve normalmente a
construção de uma rede de fornecedores especializados
que seja capaz de atender com rapidez as mudanças freqüentes da demanda para, desse modo, permitir uma resposta mais rápida das empresas aos desafios do mercado.
As empresas com alto conteúdo de moda estão se dedicando cada vez menos à manufatura, preferindo concentrar-se no gerenciamento da marca e da rede de fornecedores. Já quando se trata de empresas que produzem
produtos mais padronizados (commoditizados), a principal competência é a produção e os processos de desenvolvimento de produto são comprados de terceiros, mesmo que incorporem conceitos de moda aos produtos
básicos. Além disso, essas empresas também subcontratam
algumas etapas produtivas como a costura, que é mais
intensiva em trabalho.
As indústrias cerâmica e de móveis, no geral, optam
por manter internamente os processos de manufatura.
Mesmo as empresas que também atuam no elo de distribuição/comercialização não o fazem externalizando a produção, pois realizam a integração vertical a jusante. Na
indústria de móveis, aquelas empresas que atuam por meio
da customização em massa de seus produtos – e que, portanto, necessitam de maior flexibilidade – detêm o pro-
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nacional das empresas, uma vez que diversos compradores internacionais já exigem tal certificação.
No setor cerâmico também existe um conjunto de normas e certificação de produtos, e quase todas empresas
que atuam no mercado mundial está certificada de acordo
com as normas técnicas internacionalmente reconhecidas.
Entretanto, dados da Associação Nacional dos Fabricantes
de Cerâmica para Revestimento (Anfacer) mostram que
apesar de apenas 53,5% da produção brasileira ser
certificada, 80% estão em conformidade com as normas
internacionais de produto e com os seus sistemas de
qualidade.
Já as indústrias têxtil-vestuário e moda, assim como na
indústria de calçados, não há normatização efetiva, à
exceção das regulamentações sobre matérias-primas e
composição no produto final. Um elemento importante,
muito embora ainda seja bastante incipiente, é a difusão
crescente de “códigos de conduta” que incorporam questões
de responsabilidade social, de gênero e sobre o uso de mãode-obra infantil e escrava. Porém, esses códigos ainda são
pouco utilizados e ficam restritos aos produtores que
destinam seus produtos ao mercado internacional e que são
auditados periodicamente por seus compradores.
gem com monovias aéreas e terrestres constituídas por
sistema de correias de transporte, onde as peças dos móveis são movimentadas enquanto ocorrem os processos de
pintura, lustração e montagem final. Isso confere maior
velocidade para o processo produtivo e melhora a padronização do acabamento dos móveis.
Na indústria de calçados, a busca pela flexibilidade nos
processos produtivos tem feito com que as empresas passem a adotar, cada vez mais, a organização por meio de
“células de produção” – especialmente na etapa da costura. Isso permite à empresa modificar mais rapidamente a
sua linha de produção, adequando o processo à necessidade de fabricação de uma maior quantidade de modelos.
Porém uma questão que surge em relação a estes setores analisados, e que é de extrema importância para a
melhoria do padrão competitivo destes mercados, é a da
tecnologia industrial básica – TIB, pois ela compreende
um conjunto de funções tecnológicas que englobam
metrologia, normatização, regulamentação técnica e avaliação da conformidade – que são exigências básicas de
alguns mercados. A função da TIB é criar um padrão mínimo de exigência para que os produtos possam ser aceitos no mercado. No entanto, para que as empresas consigam atender a essas barreiras técnicas, é essencial que o
país tenha uma rede de serviços tecnológicos já estruturada,
para dar suporte à indústria.
As empresas que atuam no mercado externo – principalmente nos Estados Unidos e na Europa – são obrigadas a atender a várias normas e certificados, pois é dessa
maneira que esses compradores qualificam seus fornecedores internacionais. Já no caso brasileiro, não há maiores exigências em termos de TIB – o que interfere no padrão de qualidade e no desempenho dos produtos
destinados ao mercado doméstico. Em geral, o produto
destinado ao mercado interno apresenta padrões de qualidade e desempenho bastante inferior ao exigido em mercados mais competitivos, trazendo prejuízos ao consumidor e dificultando a inserção dos produtos nacionais no
mercado internacional.
No caso dos móveis, existem algumas normas vigentes, para berços, cozinhas e escritório (e outras que estão
em fase de elaboração), porém a adoção pelas empresas
depende de esforço institucional conjunto que ainda não
foi construído. Outra questão importante é da certificação
de procedência e manejo da madeira utilizada. Embora a
certificação seja de responsabilidade dos madeireiros, essa
questão exerce impactos diretos sobre a indústria e pode
representar um gargalo importante para a inserção inter-
Gestão dos Intangíveis (marca, canais)
Nestes setores, verifica-se que é grande a importância
dos intangíveis – como marca, design, canal de distribuição, entre outros – pois os detentores de tais competências definem a coordenação dessas cadeias produtivas. Isto
porque, diferentemente de outros setores, os resultados dos
esforços inovativos não são defendidos por patentes mundiais. A proteção contra cópias, fraudes, imitações é mínima, de modo que o regime de apropriabilidade é definido pela velocidade dos lançamentos das empresas-líderes.
Nesse sentido, as interações com os fornecedores de
insumos e componentes são fundamentais para tornar o
ciclo de lançamento de inovações mais curto, assim como
o domínio dos canais de fornecimento e de comercialização
e o poder de fidelização das marcas.
No setor de cerâmica, uma vez atingidos os padrões e
normas técnicas quanto a durabilidade, resistência e ausência de impurezas (limpabilidade), os produtos pouco
se diferem entre si. Dessa forma, a estratégia das empresas do setor é reforçar a marca e os canais de distribuição,
por isso, diversas empresas estão investindo em showrooms e em serviços de pós-venda, como assistência técnica e assentamento.
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BRASIL: ...
sivos de produtividade e com níveis de custo relativamente
baixo – o que credencia essas empresas a atuarem no
mercado externo.
O último elemento a ser destacado diz respeito aos problemas relacionados com a TIB. A ausência de organismos mais atuantes de certificação e controle da qualidade
prejudica e desestimula a adoção de padrões superiores
de desempenho e de qualidade, com prejuízos expressivos – principalmente para o consumidor.
Na indústria de móveis, as empresas que integraram
verticalmente a jusante, conseguem maior apropriação de
valor – conseqüentemente, investir em marca e marketing
são estratégias essenciais. A primeira empresa a adotar
um sistema de franquias para atuar na comercialização foi
a Florense – e essa experiência foi imitada por diversas
concorrentes.
Já nas indústrias têxtil-vestuário e de calçados, podese notar expressivo encurtamento dos ciclos de vida dos
produtos. A exemplo da experiência internacional, a principal forma de apropriabilidade dos esforços inovativos
ocorre por meio do lançamento mais freqüente de novos
produtos – o que não dificulta, mas reduz os ganhos dos
imitadores.
NOTAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. O projeto Diretório da Pesquisa Privada/Observatório de Estratégias para a Inovação (DPP/OEI) tem apoio da Finep – Financiadora de
Estudos e Projetos, é coordenado pelo Prof. Dr. João Furtado e envolve um amplo esforço de pesquisa, de diversas universidades brasileiras, de levantamento de informações secundárias e primárias sobre as
estratégias inovativas na indústria brasileira. Os resultados ora apresentados são uma compilação de resultados de cinco desses estudos
setoriais.
A análise das indústrias têxtil-vestuário, de calçados,
de móveis e cerâmica para revestimento revela que, embora a inovação nesses setores seja dependente de esforços exógenos de desenvolvimento tecnológico, as empresas realizam esforços inovativos importantes. Isso significa
que, dentro dessa trajetória, as empresas procuram explorar formas de desenvolvimento de produto e de modificações de processo que lhes garantam a posse, mesmo que
temporária, de vantagens concorrenciais relevantes – apesar de a trajetória tecnológica desses setores seja determinada exogenamente por meio das dinâmicas inovativas
das indústrias química e de bens de capital.
Normalmente, os esforços inovativos das empresas
estão relacionados com a sua forma de inserção no mercado. Aquelas que atuam em segmentos de maior valor
agregado são as que empreendem esforços mais expressivos de desenvolvimento de produto, ainda que não seja
por meio da criação de modelos e linhas próprias. Além
disso, realizam gastos relevantes na gestão dos seus ativos comerciais, por meio de investimento em publicidade e da manutenção de canais próprios de comercialização. No que tange à manufatura, por seu turno, as
firmas precisam garantir elevada flexibilidade, já que
suas linhas de produto são modificadas rapidamente.
Já as empresas que atuam em mercados de produtos
mais commoditizados, não se verificam esforços mais
expressivos de gestão dos ativos intangíveis – como:
marca, canais de comercialização e desenvolvimento de
produto. Entretanto, verificam-se elevados índices de capacitação na tarefa de conferir manufaturabilidade aos
produtos que serão fabricados, por meio de ganhos expres-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
2. Estas características dessas indústrias já foram tratadas por outros
autores que trabalharam com essa problemática; ver Ferraz et al. (1997).
3. Observa-se, no entanto, que no caso brasileiro, em geral, as empresas pouco se utilizam desses serviços.
4. A expressão “função corporativa” está relacionada a um conjunto
especializado de atividades intrínsecas às empresas, a saber: produção, compra, venda, captação de recursos, desenvolvimento de atividades tecnológicas, promoção mercadológica e comercial, qualificação dos recursos humanos. De forma genérica, definem-se as quatro
principais funções corporativas da empresa como sendo: manufatura,
comercial, tecnológica e finanças (FURTADO, 2003).
5. O esmalte de fritas é um composto vítreo, insolúvel em água, obtido
por fusão e posterior resfriamento brusco de misturas controladas de
matérias-primas, sendo empregado no revestimento de produtos
cerâmicos.
6. Deve-se apontar que esses dados são de difícil recuperação nas entrevistas nas empresas, já que muitas vezes o entrevistado se recusa a
fornecer essa informação. De todo modo, estimativas de profissionais
ligados à indústria de calçados apontam que os gastos com publicidade das empresas líderes superam em quatro a cinco vezes os investimentos em desenvolvimento de produto.
7. Uma das empresas líderes no mercado de calçados femininos no
Brasil declarou que seus produtos permanecem normalmente 60 dias
na linha de produção.
8. No caso brasileiro, vale mencionar uma distinção adicional entre
novo para o mercado mundial e novo para o mercado doméstico.
9. É interessante notar que, no caso das cinco indústrias analisadas
neste trabalho (têxtil-vestuário, calçados, móveis e cerâmica para revestimento), a principal referência para o desenvolvimento de produto
é a indústria italiana.
10. Em algumas empresas de móveis, esta atividade é realizada com
utilização de CAD/CAM, mas a maioria, principalmente as que utilizam madeira maciça voltada para exportação, constrói o protótipo físico que é enviado para o comprador.
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RENATO GARCIA / FLÁVIA MOTTA / GABRIELA SCUR / MÁRCIO LUPATINI / JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA
OECD. Oslo Manual: proposed guidelines for collecting and
interpreting technological innovation data. Paris: OECD, Statistical
Office of the European Communities, 1997.
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RENATO GARCIA: Economista, Professor do Departamento de Engenharia
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FLÁVIA MOTTA: Engenheira de Produção, Mestre em Engenharia de
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GABRIELA SCUR: Administradora, Mestre em Administração pelo PPGA/
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MÁRCIO LUPATINI: Economista, Mestre em Política Científica e Tecnológica
pelo Instituto de Geociências da Unicamp ([email protected]).
JUAN RICARDO CRUZ-MOREIRA: Designer Industrial, Doutor em Engenharia de Produção, Pesquisador do Grupo de Estudos em Economia Industrial – Geein.
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Artigo recebido em 22 de março de 2005.
Aprovado em 12 de abril de 2005.
70
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 60-70, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
OU
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
SIMPLES AGLOMERADOS OU SISTEMAS
PRODUTIVOS INOVADORES?
limites e possibilidades para a indústria
do vestuário na metrópole paulista
MARIA DAS GRAÇAS BRITO
ROBERTO BERNARDES
Resumo: O objetivo deste estudo é compreender a influência do espaço local na formação de configurações produtivas inovadoras no Município de São Paulo. Para este exercício analisamos e comparamos
os padrões técnicos de duas aglomerações produtivas relevantes da indústria do vestuário. A metodologia
utilizada baseou-se nas informações proporcionadas pela Pesquisa da Atividade Econômica Paulista e
entrevistas qualitativas com atores locais.
Palavras-chave: Sistemas produtivos inovadores. Inovação. Aprendizado e indústria do vestuário.
Abstract: The objective of this research is to understand the influence of the local space for the emergence
and organization of innovative local productive systems in the City of São Paulo. For the purpose two
productive agglomerations of the clothing industry were analyzed and compared. The empirical data
came from the survey “Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep”, as well as from interviews
with producers and institutions.
Key words: Innovative Production System. Innovation. Learning. Clothing Industry.
ços e fluxos informacionais e a concentração dos segmentos intensivos em tecnologia (TINOCO, 2001), a metrópole de serviços produtivos e inovadores (ARAÚJO, 2001),
dentre outros. Ainda assim, foram poucos os programas
de pesquisa que aprofundaram a perspectiva da existência de vetores produtivos avançados1 ou embrionários nas
regiões metropolitanas. Suzigan et al. (2004, p. 9-11), por
exemplo, indicaram que não se presenciou processo de
desconcentração das chamadas funções corporativas superiores, uma vez que os escritórios de administração central e os departamentos de engenharia e desenvolvimento
de produtos permaneceram na antiga sede ou na unidade
de produção principal , mesmo quando verificou-se queda
do emprego e do faturamento. Isto ocorreu à revelia do processo de desconcentração industrial pelo qual passou a
RMSP, caracterizado pelo movimento de relocalização de
E
ste estudo aborda questões relativas aos espaços econômicos de aprendizagem e inovação do
Município de São Paulo – MSP, pois entende-se
que a Metrópole tenha preservado aglomerações produtivas muito diversificadas e representativas, ainda pouco
exploradas na agenda de pesquisas sobre Sistemas Produtivos Inovadores Locais – SPILs. Com efeito, o papel
exercido pela Região Metropolitana de São Paulo – RMSP
na economia paulista e brasileira tem sido alvo de um crescente interesse, de onde surgiram estudos que se esforçaram em analisar a natureza e os impactos das transformações produtivas sob os mais diversos ângulos, tais como
a interiorização do desenvolvimento (CANO, 1988;
NEGRI, 1994), fragmentação produtiva e re-industrialização da metrópole (PACHECO, 1998), a desconcentração
limitada (MATTEO; TÁPIA, 2002), emergência dos espa-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
71
MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
tria do vestuário (aplicação de técnicas de georreferenciamento e quociente locacional para as grandes áreas
do MSP). Na terceira parte, são tratados os elementos históricos que influenciaram as trajetórias de constituição e
aprendizado desses aglomerados. A análise das performances de eficiência dos dois aglomerados é operada na
quarta parte. Já no quinto tópico discute-se o processo de
inovação para a indústria do vestuário, que é seguido pela
efetiva comparação entre as estratégias tecnológicas e a
apropriação das chamadas funções inteligentes. Na sexta
parte, serão comparados aspectos relativos aos mecanismos de interação, tanto os voltados para a organização
produtiva do aglomerado, quanto os que fazem interação
com o ambiente. Em seguida, são apontadas as principais
conclusões.
plantas em direção ao grande entorno, interior e outras
unidades da federação como parte mais ampla de um processo de reestruturação industrial. Esse movimento explicaria a alta concentração de ocupações tecnológicas e das
atividades de pesquisa e desenvolvimento – P&D ou das
chamadas “funções corporativas inteligentes” na RMSP.
Já nos estudos direcionados ao espaço do MSP, propriamente dito, encontram-se as análises mais recentes sobre
as estratégias de desenvolvimento da Área Central
(COMIN et al., 2002; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004;
BESSA, 2004) e o papel das redes produtivas na indústria
do vestuário (KONTIC, 2002). Ainda assim, a capacidade
socioprodutiva de articulação institucional e local dos atores na Metrópole Paulista ainda é um tema pouco explorado, assim como as especificidades e heterogeneidade das
aglomerações produtivas (SCOTT, 1994).
Nesse sentido, o objetivo deste estudo é compreender
a influência do MSP na inovação e organização de SPILs.2
Para identificar e comparar as características dos aglomerados produtivos no MSP, optou-se por pesquisar a
indústria do vestuário – e, mais especificamente, duas
aglomerações relevantes para o setor cujos padrões de
competitividade e a trajetória evolutiva das competências
mostraram-se distintos. Foram identificadas duas aglomerações historicamente consolidadas e relevantes para o
setor. A primeira é a denominada Aglomeração da Área
Central – AAC, pois a indústria do vestuário está fortemente
concentrada no distrito de Bom Retiro. Seus esforços por
aprendizado e inovação buscam o desenvolvimento de
design, investimento na marca e lançamento de novos
produtos da moda. Como essa área mantém interações mais
sensíveis com o mercado e instituições locais, apresenta
elementos potenciais para a constituição de uma trajetória
em direção a um sistema de produção inovador. A segunda
é a denominada Aglomeração da Área Leste – AAL, pois
seu núcleo produtivo está localizado nas imediações dos
distritos Brás/Pari/Belém. A metodologia adotada utilizou
os dados disponibilizados pela Pesquisa da Atividade
Econômica Paulista – Paep, da Fundação Seade, assim como
informações obtidas a partir de entrevistas qualitativas com
atores locais.
Este artigo está organizado em seis partes, além da introdução. Na primeira parte, é descrita a metodologia, que
adotou como principal fonte de informação a Paep 2001,
além de um trabalho de campo que coletou entrevistas
qualitativas com atores locais dos dois aglomerados estudados. Na segunda parte, serão analisados os indicadores referentes à identificação dos aglomerados da indús-
INDICADORES DE AGLOMERAÇÕES E
BASE DE INFORMAÇÕES
A principal fonte de informação utilizada neste estudo
é a Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, da
Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade,
do ano de 2001. 3 Os dados estatísticos foram complementados com informações obtidas das pesquisas qualitativas com atores locais. Tal pesquisa foi baseada em
entrevistas com cinco representantes de empresas produtoras e instituições locais e obviamente não teve o intuito
de contemplar a representatividade estatística (já obtida
com os dados da Paep). Sua contribuição foi no sentido
de identificar e qualificar as informações que não são passíveis de captação através da Paep – como as especificidades das interações locais, os eventos históricos e
as instituições de apoio à atividade de cada aglomerado
estudado, dentre outros aspectos.
A representatividade estatística foi obtida junto à Paep.
Pesquisa de caráter amostral radiografou a atividade econômica e tecnológica priorizando os condicionantes
setoriais e regionais das empresas no Estado de São Paulo
– ESP nos anos de 1996 e 2001.4 A amostra da Paep é composta por dois estratos: o certo, formado por um censo das
empresas com mais de 30 pessoas ocupadas em 2001; e um
estrato aleatório, que arrola as empresas abaixo deste limite. Foram pesquisadas, com a aplicação de questionário,
apenas as empresas juridicamente estabelecidas que operaram em 2001 no Estado de São Paulo. As empresas com
sede fora do Estado foram mantidas na pesquisa somente
quando o conjunto das unidades produtivas paulistas
somava mais de 30 pessoas ocupadas. Na indústria do
72
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
MAPA 1
vestuário, que é o setor de interesse deste estudo, somente as empresas que mantinham no mínimo cinco pessoas
ocupadas em 31 de dezembro de 2001 foram consideradas
como pertencentes “ao âmbito”.
Esse estudo cobriu 46.225 empresas que foram divididas em grupos (denominados “domínios”), para os quais
calculou-se erro relativo e coeficiente de confiança compatíveis com esse tipo de pesquisa. Mas dadas as características de cada setor e região, é possível calcular estimativas alternativas ao desenho da pesquisa, desde que
sejam respeitadas as regras de sigilo das informações e
controle do erro amostral.5 A indústria do vestuário foi
escolhida por ter sido apontada como o maior empregador
industrial do MSP, pois mantinha uma concentração superior a 50% do setor no Estado e caracterizava-se ainda
como uma das atividades mais relevantes para a dinâmica
socioeconômica do MSP.
Assim, o passo inicial foi identificar e selecionar os principais aglomerados produtivos da indústria do vestuário
do MSP. Contudo, verificou-se que, devido ao adensamento econômico da metrópole, as vocações produtivas
ficavam camufladas em meio à diversidade da estrutura
produtiva regional, dando a impressão de que a dinâmica
econômica do setor seria resultado de um grande número
de empresas dispersas. Para contornar tal problema, foi
utilizado um recorte geográfico mais desagregado, que
divide os limites do MSP em cinco grandes áreas – Norte,
Sul, Leste, Oeste e Centro (regionalização utilizada pelos
Correios6 ) – e, a partir daí, foi feito o registro de localização das unidades industriais. Tal escolha metodológica
teve como objetivo identificar as concentrações produtivas mais relevantes, tendo em vista o respeito aos limites
amostrais. Por isso, optou-se por trabalhar com grandes
áreas como proxy das aglomerações, em detrimento de
outras regionalizações espaciais mais detalhadas, como as
de distritos ou subprefeituras.
Os dados das unidades do cadastro Cempre foram localizados geograficamente no Mapa 1, elaborado a partir
de georreferenciamento, onde foi possível visualizar os
efeitos de aglomeração (clustering). Para denotar a importância local dos aglomerados e dar prosseguimento aos
exercícios analíticos de caracterização, foi aplicado o Quociente Locacional (QL), indicador já consagrado na bibliografia como medida de concentração econômica
(HADDAD, 1989, SUZIGAN et al., 2002),7 para o total de
pessoas ocupadas (PO) e de valor adicionado (VA), da
Paep, para as unidades produtivas do setor do vestuário –
evitando, dessa forma, supervalorizar a identificação ba-
SÃO PAULO
OU
Concentração das Unidades Locais da
Indústria da Confecção de Artigos de Vestuário e Acessórios
Município de São Paulo – 2001
Fonte: Fundação Seade. Cadastro de Unidades Locais 2001.
Nota: Divisão da cidade segundo a Empresa de Correios e Telégrafos.
seada no produto ou no emprego. Após a identificação,
seguiu-se um esforço para caracterizar e comparar as estratégias tecnológicas do processo de aprendizado e inovação dos aglomerados identificados. Para tanto, foi preciso dimensionar a influência dos eventos históricos de
constituição e performance da produtividade, assim como
as possibilidades de acumulação de conhecimento, os mecanismos de aprendizado e a intensidade da interação local.
IDENTIFICANDO AGLOMERAÇÕES DA
INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO NO MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO
Para conferir a existência de aglomerações industriais
no MSP, utilizou-se o recurso do georreferenciamento para
as informações de unidades locais – ULs. Através da
73
MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
A secção dos limites do MSP em grandes áreas produtivas proporcionou maior visibilidade aos aglomerados da
indústria do vestuário, possibilitando uma percepção mais
adequada sobre a importância que as atividades produtivas e econômicas dessas localidades ocupam no MSP.
Destaca-se ainda que os resultados expressivos do QL
também indicam que é possível avaliar os aglomerados da
indústria do vestuário das Áreas Leste e Central do MSP
enquanto “um conjunto específico de atividades econômicas que apresentam vínculos mesmo que incipientes”
(CASSIOLATO; LASTRES, 2003). Portanto, eles têm potencial para se enquadrarem como SPILs organizados, mas,
para tanto, a identificação dos aglomerados não é suficiente – fato que remete à avaliação das características estruturais e de dinamismo do comportamento inovador.
visualização cartográfica proporcionada pelo Mapa 1 é
possível identificar com bastante nitidez que a indústria
do vestuário está disseminada por quase toda a extensão
do MSP. Contudo, as evidências de manchas de aglomeração, como podem ser observadas, são mais apropriadas
às condições oferecidas pela Área Central e pela Área
Leste. Por meio da visualização cartográfica das informações sobre ULs da Paep 2001, observa-se que essas áreas
apresentam manchas de aglomeração de empresas bem
delineadas. Nota-se que, mesmo com aplicação do zoom
(imagem destacada à direita do Mapa 1), as aglomerações
continuam densas. Porém, é importante deixar claro que as
evidências das duas aglomerações não respondem a
questões relativas ao peso econômico dessas aglomerações na indústria do vestuário paulista.
Para denotar a importância do aglomerado para as localidades, foi aplicado o quociente locacional (QL) como índice de concentração econômica destas atividades (Tabela 1).
Por meio desse indicador, foi possível dizer que as aglomerações mapeadas a partir das ferramentas de georreferenciamento demonstram a importância relativa da Área Central e da Área Leste, já que em ambas o QL é maior que dois
para pessoas ocupadas – PO e maior que três para o valor
adicionado – VA. Isso demonstra que, além de haver concentração elevada na indústria do vestuário nas referidas
áreas, há também consistência e relevância econômica desse setor nessas localidades (Tabela 1) – e isso ocorre tanto
quando se considera a variável de PO quanto a de VA. Ressalta-se que a Área Oeste também demonstrou alta concentração na indústria do vestuário, com QL superior a 1; porém, como pode ser observado no Mapa 1, nessa área não
foram verificados efeitos de aglomeração de maior densidade, tal como os presenciados na Área Central e na Área Leste
– por isso, ela foi descartada da análise.
TRAJETÓRIAS CONSTITUTIVAS E ELEMENTOS
ESTRUTURAIS DO APRENDIZADO LOCAL
O aglomerado da indústria do vestuário da Área
Central – AAC do MSP é fortemente concentrado no
distrito do Bom Retiro, sendo que seu processo de constituição está relacionado aos chamados eventos fortuitos
(SCOTT, 1998) e esteve associado aos movimentos de
atração dos fluxos migratórios da colônia judaica para essa
localidade até o fim dos anos 70. A partir dos anos 80,
presencia-se nessa localidade a entrada de novos imigrantes
que se inserem na produção do vestuário, especialmente
os coreanos, os quais rapidamente passaram a dominar as
atividades produtivas. É nesse período que se inicia um ciclo
de revitalização das estratégias competitivas do vestuário
local. Nas entrevistas realizadas, os empresários locais
destacaram o ímpeto competitivo da colônia coreana,
classificando-o como o dínamo vital para a o ressurgimento
da indústria do vestuário naquela região. A participação
econômica produtiva desse aglomerado, inicialmente
direcionada para a produção artesanal de baixa escala,
atualmente está voltada para o segmento do chamado prêtà-porter, produto que combina a estratégia de desenvolvimento incremental de design com a produção em escala.8
O núcleo da aglomeração produtiva da Área Leste –
AAL está localizado nas imediações do Brás/Pari/Belém.
Os imigrantes italianos formaram a primeira colônia a instalar-se nessa área onde já se encontravam algumas fábricas têxteis. Os fatores que explicam o surgimento e a expansão desse aglomerado ali, estão historicamente
associados à facilidade de obtenção de insumos, às poucas barreiras de entrada no mercado, à baixa capacidade
TABELA 1
Quociente Locacional por Valor Adicionado e Pessoal Ocupado do
Vestuário, segundo Áreas Selecionadas
Município de São Paulo – 2001
Áreas Selecionadas
QL Valor Adicionado
QL Pessoal Ocupado
Município de São Paulo
3,47300
2,1679
Área Central
3,55932
3,43059
Área Leste
5,17883
2,86763
Área Oeste
1,17888
1,17168
Área Sul
0,95173
0,86678
(1)
(1)
Área Norte
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
(1) Dado não disponível.
74
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
passaram de representantes comerciais a produtores de
produtos mais baratos em grande escala. Nesse sentido, foram
capazes de beneficiar-se do parque industrial existente e do
conhecimento acumulado do perfil da demanda local, além de
utilizar uma estratégia de crédito bastante eficiente, baseada
na confiança nos compradores, que outros grupos paulistas e
catarinenses não ousaram estabelecer. Com o crescimento do
comércio atacadista no centro da cidade, foram deslocando
suas oficinas para a Zona Leste e Guarulhos.
Tradicionalmente, os produtos fabricados na Área Leste
sempre tiveram características simples, destinadas ao público
de mais baixa renda, sendo suas vantagens competitivas
decorrentes do fator preço. Conseqüentemente, condicionado por fatores sociais e econômicos, esse aglomerado
demonstrou ter uma vocação produtiva para a participação
econômica em artigos de “modinha” que, embora tenham
algum tipo de preocupação com o design, normalmente são
resultados de réplicas, não requerendo maiores esforços de
inovação ou de diferenciação de produtos.
Em grandes linhas, percebe-se que a diversidade do
“capital sociocultural”9 é um elemento comum aos dois
aglomerados, mas observa-se que a formação de cada um
foi influenciada por eventos históricos e econômicos estruturalmente distintos. No AAC observa-se, inicialmente, o processo de revitalização gerado pelo ímpeto inovador da colônia coreana. Já no AAL, a presença das grandes
indústrias têxteis e a de um grande contingente de trabalhadores semiqualificados parece ter viabilizado a indústria do vestuário nessa localidade. Mas é interessante notar
que, durante a trajetória de desenvolvimento dos dois
aglomerados, as características mais estruturais da produção aparentemente não foram alteradas, o que ocorreu, na
verdade, foi um reforço de readaptação das opções já
delineadas a partir de sua própria origem.
As pequenas empresas de vestuário, que são a base de
composição dos dois aglomerados, são, em boa parte, formadas por trabalhadores originários das chamadas “oficinas” que fazem a facção do setor – ou seja, pequenas
empresas que se encontram nos extremos da cadeia de
produção e realizam, normalmente, uma única fase do pro-
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
cesso produtivo (como a costura, bordado, arremate, etc.)
que, numa trajetória quase natural, tentam progredir no
sentido de alcançar outros mercados. Mas não são raros
os casos em que os novos empreendedores dão início aos
negócios de forma precária e pouco profissional, resultando em um comportamento errático, com poucas perspectivas de desenvolvimento e maturação da atividade empresarial. 10 Tal precariedade na formação profissional e
negocial dos executivos e trabalhadores de muitas dessas
empresas tem implicações inexoravelmente negativas para
o aprendizado tecnológico dos aglomerados. Como observado na indústria do vestuário, empresas que disponham
da oferta de profissionais qualificados tendem a se beneficiar do conhecimento derivado do aprendizado interativo,
tácito e cumulativo, que são adquiridos nas relações e práticas rotineiras e de intercâmbio de informações interfirmas
(STORPER; SALAIS, 1997). Assim, a apropriação dos ativos decorrentes da dimensão intertemporal num ambiente
metropolitano, viveiro de novos conhecimentos, mercados
e negócios diferenciados, torna-se fundamental para a
competitividade dos aglomerados – mas, como será mostrado, esse fenômeno é relativamente incomum.
Observa-se, na Tabela 2, que o AAC possui condições
mais apropriadas para absorção dos ativos relacionados à
acumulação de conhecimento e experiência, pois até 1980
cerca de 78% das unidades já se encontravam instaladas
nesse aglomerado. Cabe lembrar que o período 1980-90 combina a entrada mais acentuada dos coreanos nas atividades
da indústria do vestuário com a abertura de mercado – e esses
fenômenos tiveram influência nos dois aglomerados.
de investimentos e de concentração capital necessária para
a abertura de uma nova unidade de produção do vestuário. Além disso, como destaca Kontic (2002), o Brás também recebeu os fluxos migratórios do nordeste brasileiro,
embora, a partir da década de 80, essa área também tenha
absorvido coreanos, assim como imigrantes andinos. Os
migrantes nordestinos, como aponta Kontic (2002)
SÃO PAULO
OU
TABELA 2
Unidades Produtivas da Indústria do Vestuário na Área Central e Leste,
segundo Período de Instalação
Município de São Paulo – 1980-2001
Período de
Instalação
Central
Leste
Até 1980
%
26,9
% Acumulada
26,9
%
17,8
% Acumulada
17,8
Até 1990
51,5
78,5
28,9
46,7
Até 1995
7,9
86,4
33,2
79,9
Até 2001
13,6
100,0
20,1
100,0
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
Quanto a esse assunto, a nossa percepção é a de que o
segmento de vestuário do AAC tenha se demonstrado uma
“janela de oportunidade” para os coreanos, antecipando
75
MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
TABELA 3
a entrada dos novos empreendedores, propiciando a adaptação mais rápida frente aos novos padrões competitivos,
além de gerar unidades produtivas aparentemente mais
consolidadas e com escalas técnicas mais eficientes. Destaque-se que, nas entrevistas, os produtores consideraram que, de modo paradoxal, a abertura ao mercado externo teve algum tipo de efeito positivo para o setor, mesmo
diante do fechamento de várias empresas, pois possibilitou o acesso aos novos insumos – o que era uma antiga
reivindicação dos produtores, principalmente, da colônia
coreana. Já no caso do AAL, o período de instalação é
bastante distinto, pois o início de funcionamento das unidades locais foi mais tardio. Até 1990, menos da metade
das unidades encontravam-se instaladas, demonstrando
que esse aglomerado implementou seu processo de
reestruturação em um período mais recente, impulsionado
pela abertura de mercado (Tabela 2).
Índice de Produtividade dos Aglomerados do Vestuário
da Área Central, Leste e Demais Regiões
Estado de São Paulo – 2001
Áreas Selecionadas
Índice de Produtividade
Estado de São Paulo
100,0
Área Central
114,7
Área Leste
87,5
Demais Áreas do ESP
43,3
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
NATUREZA E DINÂMICA DA INOVAÇÃO NAS
ATIVIDADES DA INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO
A indústria do vestuário tem alterado suas características mais convencionais, como resultado da estabilidade do regime tecnológico e de sua complexidade
produtiva relativamente baixa. Também tem sido crescente
a adoção dos ativos da moda 13 como estratégia de
mercado pelos principais segmentos (modinha, prêt-àporter e alta costura) (KONTIC, 2001). A estratégia
baseada na diferenciação/fragmentação ou em moda é
estruturada sobre critérios de concepção do produto,
qualidade e comercialização como fatores críticos de
sucesso. As empresas que adotam essa estratégia
competitiva procuram diferenciar ao máximo seus produtos,
requerendo rapidez de resposta aos sinais do mercado,
além de incentivar a criatividade e inovação de produto.
Caracterizam-se, portanto, pela produção de itens não
padronizados, de maior valor agregado e em quantidades
limitadas – o que permite lucratividade elevada.
Sob a ótica das atividades tecnológicas da indústria do
vestuário, as principais fontes de inovação e aprendizado
são provenientes da difusão das tecnologias de informação, automação com dispositivos de corte a laser e ferramentas tecnológicas associadas ao design e engenharia de
projeto. Com efeito, nesse segmento, os maiores avanços
ocorreram no desenho e no corte, pela utilização de sistemas CAD (computer aided design) e CAM (computer aided
manufacturing). Entretanto, grande parte das empresas desse segmento desenvolvem suas operações produtivas de
forma não automatizada, não suprimindo as atividades
artesanais e manuais no processo produtivo baseadas ainda na relação um operador/uma máquina (LUPATINI, 2004).
Ainda que o progresso técnico e os investimentos em
ativos materiais (considerando máquinas e equipamentos
PERFORMANCE DA EFICIÊNCIA
DOS AGLOMERADOS
Naturalmente, a diferenciação nas características constitutivas de acumulação de competências, assim como a
assimetria entre as estratégias tecnológicas e organizacionais
no AAC e no AAL provocam impacto na performance
competitiva. Exatamente por ser uma atividade intensiva em
trabalho, o indicador de produtividade – medido pela razão
entre VA sobre PO – pode representar uma proxy razoável
da performance da eficiência dos aglomerados, já que, com
a tendência crescente de valorização dos investimentos em
ativos intangíveis nesse setor, a produtividade também tem
assumido padrões cada vez mais dinâmicos.
Nesse sentido, observa-se que a produtividade do AAC
sugere uma organização do conjunto produtivo mais eficiente
quando comparado ao AAL, assim como às demais regiões
do ESP, 20% e 60%, respectivamente. Ressalve-se que, em
relação ao total da indústria do Estado, o indicador de produtividade do aglomerado central é 14% superior. Quanto
ao AAL, ainda que a produtividade seja inferior ao AAC,
apresenta desempenho quase duas vezes superior às demais
regiões do ESP, mas abaixo da média do Estado (Tabela 3).
Tal desempenho também indica que, mesmo tendo sido
identificadas outras aglomerações produtivas em regiões
fora da metrópole – como as localizadas em Americana11 e
Amparo12 – a competitividade dessas localidades mostramse menos dinâmicas frente às duas grandes aglomerações
do MSP, formadas, basicamente, por pequenas e médias
empresas.
76
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
OU
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
evento está muito vinculada à inovação do processo. Ou
seja, essas empresas inovam basicamente através da absorção das novas tecnologias geradas por outros setores, incorporando tecnologias de informação e comunicação, novas ferramentas de engenharia de projeto e
processo como CAD/CAM, técnicas de colorimetria,
ploters, máquinas de costura eletrônica a laser, entre
outras (Quadro 1).
Com efeito, essa análise buscou caracterizar as aquisições de bens tangíveis e intangíveis como proxy do esforço tecnológico que se mostraram mais aptos às características do setor.15 Pela análise do Gráfico 1, verifica-se que a
estratégia adotada pelo AAC concentra seus esforços
tecnológicos nos bens intangíveis,16 valorizando a absorção de tecnologia e de novos conhecimentos derivada de
marcas, e também em conseqüência de desenvolvimento
de produto e design próprio. No caso dos investimentos
em bens corpóreos – que representam grande parcela da
inovação no setor – o esforço é equivalente tanto para máquinas e equipamentos (18%) como para os outros bens
tangíveis,17 que representam 20%. Já no caso do AAL, o
esforço tecnológico está voltado basicamente para a modernização dos bens corpóreos, especialmente máquinas
e equipamentos que representam mais de 80% das aquisições, apresentando um padrão tecnológico dentro do esperado para o setor. Esse esforço expressivo para a aquisição de máquinas e equipamentos oferece indícios que
sugerem que a estratégia tecnológica do AAL está mais
direcionada para produção em escala ou para a facção, o
que não necessariamente pode ser uma opção inviável se
e melhorias incrementais das matérias-primas) permaneçam
relevantes, constata-se que os ativos imateriais (intangíveis)
são cada vez mais essenciais para a sustentação das vantagens competitivas dessa indústria do vestuário. Os bens
intangíveis estão relacionados às rotinas anteriores e posteriores à produção que estão mais próximas dos serviços
produtivos, tais como o desenvolvimento de produto (onde
se inclui a pesquisa indumentária e antropométrica), engenharia, marketing, canais de comercialização, marcas, manutenção e assistência aos fornecedores, capacidade de
gestão e coordenação da cadeia, que são consideradas por
diversos autores como “funções corporativas inteligentes”
(STURGEON, 1997; FURTADO, 2000; LUPATINI, 2004;
GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004). Dadas as características
do processo de inovação e aprendizado na indústria do
vestuário, analisaremos a seguir as condições de apropriação e as estratégias tecnológicas dos AAC e AAL do MSP.
COMPARANDO AS ESTRATÉGIAS DE
INOVAÇÃO NOS AGLOMERADOS
A Paep buscou compreender o impacto das transformações tecnológicas e produtivas por vários ângulos,
nos quais estão incluídas as questões relativas à introdução de inovação tecnológica.14 As informações sobre
inovação foram captadas entre julho de 2002 e junho de
2003, o que permitiu a análise de diversos segmentos da
atividade econômica industrial paulista durante o período 1999-01. Assim, foi possível verificar, por meio da
descrição dessas inovações, que a mensuração desse
QUADRO 1
Principais Inovações Tecnológicas de Produto e Processo Introduzidas nas Empresas do Vestuário
Município de São Paulo – 1999/2001
Inovações de Produto
• Nova confecção em tecido mais leve com
aplicação de tecnologia mais avançada
• Nova coleção de camisas de futebol com características de
hidrofilia, que favorece a eliminação do suor
• Nova linha de colchas com o beneficiamento
do tecido.
Inovações de Processo
• Máquina eletrônica de alta velocidade – high speed –
na produção
• Sistema CAD e Ploter para automatização de risco e
corte (Máquina com corte laser)
• Introdução de códigos de barras e informatização na modelagem de
projetos (CAD)
• Malhas especiais com novos fios de poliéster
• Estações Gráficas de Sistemas CAD-CAM
• Nova coleção com tecidos aperfeiçoados com novos insumos
• Comércio eletrônico de camisas sob medida. Com o conceito BTO
(a cada quatro meses é renovada a coleção de acordo com as
(construção sobre demanda ao varejo) EDI – Intercâmbio Eletrônico de
tendências da moda)
Dados
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
77
MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
GRÁFICO 1
Composição do Esforço Tecnológico das Empresas da Indústria do Vestuário, por Tipo de Dispêndio
Estado de São Paulo e Áreas do Município de São Paulo – 2001
Em %
Estado de São Paulo
Área Central
44,0
18,5
19,5
36,5
20,0
61,5
82,3
Área Leste
22,4
Demais Áreas do ESP
0
8,5
27,5
20
Máq. e Equipamentos
9,1
50,0
40
60
Outros Bens Tangíveis
80
100
Bens Intangíveis
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
a estratégia competitiva for baseada em produção padronizada ou prestadora de serviços de facção.
Ampliando a análise das estratégias tecnológicas para
o Estado de São Paulo, nota-se que a repartição do investimento também é concentrada em máquinas e equipamentos
– o que representa o maior esforço, com 44% do montante
investido. Seguem-se os bens intangíveis, com 36,5%
(Gráfico 1). É provável que o esforço tecnológico dedicado
aos bens tangíveis nos demais municípios dos ESP esteja
sendo influenciado pelas empresas do vestuário da RMSP,
onde estão instaladas algumas grandes companhias de
moda.
(produto). As tarefas associam-se à elaboração das coleções, inserção internacional, estratégia de marketing,20
reforço da marca (projeto) e no desenvolvimento dos fornecedores do produto.21
Observa-se, na Tabela 4, que o desenvolvimento e
gerenciamento de um projeto é uma tarefa limitada a poucas empresas nos aglomerados. Mesmo assim, a absorção
dessas tarefas ocorre em proporção superior no AAC.
Chama a atenção que tais tarefas são, em sua maioria, contratadas – o que indica que profissionais especializados
nas tendências (os consultores de moda), interagem com
as empresas do aglomerado, bem ao estilo do prêt-à-porter,
alinhando-se perfeitamente às estratégias do aglomerado
Central – mas são muito pouco presenciadas no AAL. Na
etapa de desenvolvimento de produto, mesclam-se as tarefas do desenhista (ou modelista), que executam o desenvolvimento do design, com a montagem das primeiras peças – chamadas “peças-piloto” –, normalmente realizadas
dentro das principais firmas, internalizando o know-how
envolvido no desenvolvimento dos modelos.
As informações da Tabela 4 confirmam as expectativas
tanto para o AAC quanto para o AAL, já que mais de 60%
das empresas internalizam o desenvolvimento do produto
nesses aglomerados. A diferença fundamental, nesse caso,
é que na AAC a proporção de empresas que não têm
atividades de desenvolvimento de produto (13,6%), é muito
inferior que no aglomerado Leste (35,4%). Ou seja, as infor-
A CONCENTRAÇÃO DAS
FUNÇÕES INTELIGENTES
Estudo elaborado por Garcia e Cruz-Moreira (2004),
mostra que a RMSP tem perdido participação na produção
de artefatos de tecidos, mas ainda possui participação relevante na dinâmica da cadeia têxtil-vestuário, uma vez que
parcela significativa da produção do vestuário ainda é
manufaturada na região. Além disso, o elemento mais estratégico observado nesse estudo é a centralização das
chamadas funções inteligentes18 das empresas pertencentes ao segmento do vestuário no MSP. Essas novas funções de inteligência estão ligadas aos ciclos de desenvolvimento e gerenciamento de novos projetos e design19
78
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
OU
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
TABELA 4
Execução de Atividades Relacionadas ao Projeto e Desenvolvimento de Produtos nas
Empresas do Vestuário do Aglomerado da Área Central e Leste
Município de São Paulo – 2001
Em porcentagem
Tarefas Selecionadas
Execução de Tarefas no Centro
Execução de Tarefas no Leste
Externas
Internas
Inexistentes
Externas
Internas
Inexistentes
Desenvolvimento e Gerenciamento de Projetos
17,8
2,8
79,4
3,2
1,7
95,1
Desenvolvimento de Produtos
19,3
67,1
13,6
3,2
61,4
35,4
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
seja, as empresas que subcontratam tarefas produtivas.
Afinal, como afirmam os produtores entrevistados, praticamente todas as empresas da moda (aquelas que têm relação com o mercado) contratam oficinas para realizar as
etapas de produção, principalmente a tarefa “costura”.
Assim, as “empresas faccionistas”, especializadas em
uma única tarefa da produção – como as oficinas de costura, em sua maioria – são normalmente subcontratadas
pelas produtoras de moda. Porém, identificou-se uma profunda heterogeneidade quanto à estrutura, organização e
porte entre as empresas pertencentes ao segmento
“faccionistas” (Quadro 2).
Algumas empresas contratantes, normalmente inseridas
em mercados mais competitivos, exigem oficinas que sejam formalmente estabelecidas, com CNPJ e local específico para a produção. Outro ponto crítico verificado diz respeito à capacidade instalada para o atendimento da escala
de produção e aos critérios de qualidade, pois, já na fase
de contratação, exige-se que determinada oficina tenha um
nível mínimo de máquinas e operadores qualificados. Um
dos fenômenos mais observados tem sido a subcontratação
das tarefas de costura, que se estende a atividades que
são realizadas no próprio domicílio do trabalhador (fenômeno conhecido como putting out). Verificou-se ainda a
existência de um pequeno subconjunto de firmas que
externalizam todas as tarefas da produção, elas operam
como intermediárias entre distribuidores e confeccionistas,
e por vezes entre confeccionistas e facções. Geralmente,
essas firmas negociam preço, tempo de entrega e, em alguns casos, até coordenam a produção.
Há ainda algumas empresas que são caracterizadas por
processos de produção tradicional sem uma estratégia
produtiva formalmente definida, ora produzindo facção, ora
peças encomendadas ou ainda peças de baixo valor agregado.22 Obviamente, essa complexa gama de estratégias
produtivas tem reflexos significativos na dinâmica de funcionamento dos aglomerados, além de implicações explíci-
mações relativas às tarefas de desenvolvimento de produto
reforçam as evidências de que o AAL possui características
tecnológicas mais elementares. Assim, a concentração das
chamadas “funções inteligentes” é mais apropriada para o
aglomerado central, pois contribuem para a construção de
vantagens competitivas mais dinâmicas nessa localidade.
TAXINOMIA E DINÂMICA DAS
ESTRATÉGIAS PRODUTIVAS
As vantagens competitivas do setor do vestuário foram plasmadas pelo processo de especialização da produção, que se aprofundou nas grandes metrópoles, tornando tais regiões uma colcha de retalhos, onde convivem
atividades produtivas diversificadas, complexas e heterogêneas. Uma das dimensões dos processos de heterogeneidade na região metropolitana está fundamentada na
fragmentação da produção do vestuário, distribuída entre
as empresas subcontratadas.
Esse fenômeno, comum nas grandes metrópoles, tanto
tenderia a facilitar o ajustamento da produção em virtude
das flutuações de mercado e da escala dos novos produtos, como poderia proporcionar às empresas melhores condições competitivas, por meio do direcionamento de seus
esforços tecnológicos para tarefas mais condizentes à sua
participação econômica em estratégias centradas em custo. Proporcionaria até mesmo externalidades dinâmicas (em
casos mais raros produzindo efeitos de eficiência coletiva) e também favoreceria processos de inovação e aprendizado mais efetivos.
Em trabalho de campo encetado pela autora, foi possível identificar a dinâmica da organização da produção,
assim como a qualidade dos expedientes da subcontratação
– onde a diferença fundamental verificada está na execução das tarefas de produção. Simplificando, optou-se por
denominar “produtoras de moda” as firmas que externalizam totalmente as tarefas do processo produtivo – ou
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EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
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MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
QUADRO 2
Características da Organização Produtiva da Indústria do Vestuário nas Aglomerações da Área Central e Leste
Município de São Paulo – 2001
Tipo de Empresa
Produtora de Moda
Tarefas Produtivas Realizadas na Empresa
Tarefas Produtivas Subcontratadas
• Subcontratação parcial, essencialmente, as
tarefas mais rotineiras associadas à costura
• Em alguns casos subcontrata atividades
relacionadas ao desenvolvimento de
coleções
Tarefas Inteligentes:
• Desenvolve Projeto
• Desenvolve Produto
• Design
• Corta
• Monta Peça Piloto
• Seleciona as Peças
• Etiqueta e Embala
Faccionista
Tarefas Rotineiras:
• Costura, ou
• Borda, ou
• Lava, ou
• Arremata, etc.
• Na verdade, essas empresas são as
subcontratadas
• Em alguns casos subcontrata tarefas de
costura realizadas em domicílio (putting out)
Intermediária
Tarefas de Controle:
• Intermediação entre produtores
e distribuidores
• Subcontrata as tarefas de desenvolvimento
e design
• Subcontrata tarefas associadas à costura
Vestuário Não-Especializado
Tarefas Não-Especializadas
• Desenha
• Corta
• Monta Peça Piloto
• Etiqueta e Embala
• Realiza facção
Tarefas Rotineiras
Tarefas de Controle
• Altamente verticalizada
• Realiza as tarefas de produção internamente
• Por vezes é subcontratada para realizar
tarefas de produção
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
sas intermediárias – aquelas que se dedicam unicamente
à coordenação da produção e comercialização de peças
produzidas integralmente por outras indústrias – representa uma pequena fração desse aglomerado. As empresas que não têm participação econômica definida, denominadas de “vestuário não-especializado” – aquelas que
se dedicam ora à facção e ora à produção de peças para
mercados que concorrem essencialmente pelo preço – representam também uma parcela modesta desse aglomerado. Segundo informações da Paep 2001, 66% das vendas do AAC destinam-se a empresas pertencentes à
cadeia produtiva têxtil-vestuário (Tabela 5). Assim, podese afirmar que o aglomerado da AAC tem uma estratégia
produtiva essencialmente especializada e dinâmica, pois
as firmas centram esforços em funções específicas e
especializadas, inclusive no segmento de empresas de
facção.
tas para a qualidade das interações interfirmas, como a
introdução de inovações e o fortalecimento de competências, além da já citada precariedade das relações de produção. As informações captadas pela Paep 2001 sobre a intensidade das estratégias de subcontratação de tarefas
demonstram que tais expedientes são mais praticados no
AAC (40%) do que no AAL (28%), sugerindo também que
as empresas do AAL apresentam configurações produtivas mais verticalizadas (44%) do que aquelas presenciadas no AAC (21%) (Tabela 5).
Com base nos trabalhos de campo observou-se que,
no aglomerado da AAC, grande parte das empresas é produtora de moda, ou seja, são firmas que tendem a se especializar nas funções inteligentes, com elevados padrões
de subcontratação de tarefas produtivas e serviços. As
firmas “faccionistas” apresentam uma participação relativa importante nessa localidade; e o segmento de empre-
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
TABELA 5
Externalizam Parcialmente
Externalizam Integralmente
Não Externalizam
Vendem a Maior Parte da Produção
para a Cadeia Têxtil-Vestuário
Central
Leste
40,1
28,3
4,0
7,1
21,0
44,5
55,9
64,6
MECANISMOS INSTITUCIONAIS (FORMAIS E
INFORMAIS) DE INTERAÇÃO ENTRE OS ATORES
Nas visitas e entrevistas aos aglomerados produtores
do vestuário do AAC e do AAL, buscou-se levantar a existência de atividades complementares à cadeia de produção que conferem sustentação ao aprendizado, troca de informações e interação entre os atores. No caso de
aglomerações metropolitanas, é possível dizer que as instituições que dão apoio às atividades dos aglomerados operam de forma local e “global”. Verifica-se que nos últimos
10 anos houve um movimento de valorização de eventos
ligados à nova indústria da moda de forma ampla: como o
agendamento e organização da versão paulista da maior
feira internacional de moda (São Paulo Fashion Week); o
fortalecimento da Feira Nacional da Indústria Têxtil – Fenit;
Encontros da Moda; Instituto da Moda, além de vários
outros eventos ligados à promoção de coleções, exposição da produção e lançamento de novos profissionais de
design. Há também algumas iniciativas que se destinam a
atender os interesses do setor, como as realizadas pelo
Centro de Estudos, Tecnologia e Informações de Moda Caio
Alcântara Machado – Cetim (ligado à Associação Brasileira do Vestuário – Abravest), e as assessorias da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Vestuário – Abit. Por
estarem relativamente próximos a essas instituições, os
aglomerados estudados tendem a absorver melhor esses
esforços, mas é importante destacar que existem iniciativas
que atendem as aglomerações de forma mais direcionada.
No AAC foram identificadas algumas organizações
que dão apoio e qualificação. Dentre elas, destaca-se a
Câmara dos Dirigentes do Bom Retiro, que representa os
interesses políticos e econômicos de um grupo de
empresários locais. Por meio dela, eles buscam parcerias
para reciclagem tecnológica – principalmente junto à
escola “Adriano José Marchini” – do Senai – que foi uma
das primeiras escolas a disponibilizar cursos voltados para
a indústria do vestuário e está instalada no próprio distrito
do Bom Retiro. Outra instituição localizada no aglomerado
Central é o consórcio Tropical Spice, que foi criado para
absorver a produção das empresas consorciadas e
exportá-la com sua própria marca. Destaca-se também
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001. Elaboração dos autores.
No AAL, as empresas produtoras de moda têm participação mais modesta na dinâmica de funcionamento. As
faccionistas “puras” representam uma parcela relativamente pequena, o que não deixa de ser surpreendente. Porém,
esse dado for associado ao fato de que o produto do AAL
é reconhecidamente mais simples e de menor preço, além
de oferecer baixíssimas barreiras à entrada no mercado, é
possível sugerir que uma parcela das oficinas faccionistas
oferece parte de sua produção diretamente ao mercado.
Outro dado importante levantado pela Paep 2001 indica que
66% das empresas desse aglomerado vendem a maior parte da produção para a cadeia do vestuário – o que parece
denotar sua participação econômica no fornecimento de
produtos para essa cadeia produtiva. Tal hipótese é corroborada pelo fato de que as firmas do vestuário tradicional formam o maior conjunto desse aglomerado, com proporção superior à verificada no AAC.
Ressalta-se que a estratégia produtiva de baixa participação econômica utilizada pelas empresas do segmento
tradicional do AAL contraria a lógica da participação
econômica flexível (SCOTT, 1994), aparentemente também
não revelando padrões superiores de competitividade e
trajetórias sustentáveis de aprendizado e de esforço tecnológico, influenciando negativamente a dinâmica dessas
empresas. Assim, a participação econômica produtiva no
AAL ocorre de forma precária – o que provavelmente tem
implicações diretas negativas sobre a performance da
produtividade e competitividade desse aglomerado. Comparando as empresas do AAC e do AAL, fica claro que o
primeiro tem um conjunto mais equilibrado, mais especializado e dinâmico, delineando elementos potenciais de
funcionamento mais próximos da estratégia de participação
econômica flexível. Já o segundo caminha mais lentamente
SÃO PAULO
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SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
nessa mesma direção, mas mantém certo atraso, fato que
provavelmente seja decorrente das já citadas características
produtivas e empresariais desse aglomerado, que tendem a
proporcionar maior precariedade na interação com o mercado,
assim como na relação interfirma.
Informações de Subcontratação das Tarefas de Produção e Destino das
Vendas dos Aglomerados da Área Central e Leste
Município de São Paulo – 2001
Em porcentagem
Padrões de Externalização da
Produção e Destino das Vendas
OU
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DAS
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conceitos que acabaram por edificar novas barreiras à entrada para os países, regiões ou SPILs que competem por
esse mercado. Para a indústria do vestuário do Município
de São Paulo, pode-se afirmar que embora tenha sido presenciado um processo de desconcentração produtiva, a
metrópole continua sendo expressivamente relevante para
a dinâmica do setor no Estado de São Paulo e no Brasil.
Observa-se ainda um crescimento dos padrões de
assimetria tecnológica e heterogeneidade produtiva, que
variam desde a utilização de novas competências (como
as chamadas funções inteligentes – embora estas sejam
muito concentradas em pequenos grupos) até a reprodução, em larga escala, de estratégias de “competitividade
espúria”. Nesse sentido, essas estratégias agressivas de
flexibilização e redução dos custos de trabalho – especialmente por meio da intensificação do uso de vínculos precários e inseguros de trabalho, tais como a utilização do
trabalho a domicílio e de imigrantes ilegais – não diferem
do que já foi verificado nas experiências internacionais
mais bem-sucedidas.23
No tocante ao foco deste estudo, ressalta-se a identificação de pelo menos dois grandes aglomerados produtivos relevantes no Município de São Paulo: o Aglomerado
da Área Central e o Aglomerado da Área Leste. Também
foi possível observar, através de análise comparativa, que
os padrões competitivos são bastante distintos – o que
reforça o caráter heterogêneo das atividades produtivas
da Região Metropolitana de São Paulo. O AAC apresentou melhores condições de apropriar-se das capacidades
inovadoras disponibilizadas pela metrópole relacionadas
com os ativos da moda e com os efeitos multiplicadores
dos agentes envolvidos na cadeia de produção – ainda que
o produto final desse aglomerado não seja característico
da alta costura, mas sim de prêt-à-porter, proporcionando
condições suficientes para que esse aglomerado se fortaleça em função de uma identidade própria.
Já para o caso do AAL, as condições de constituição
foram mais limitadas, pois conduziam a trajetórias de
aprendizados mais restritas, como conseqüência de sua
participação econômica competitiva voltada para produtos
de menor preço – o que requer menor esforço tecnológico
e pouco investimento em design. Ou seja, as estratégias
tecno-produtivas da maior parte das empresas desse
aglomerado estão inseridas em um segmento em que a
competitividade fundamental baseia-se na escala e no
preço. No entanto, isso não significa que é uma estratégia
frágil, mas sim que está direcionada aos segmentos mais
reprodutores – o que possibilitaria sua inserção nas cadeias
Associação Brasileira da Indústria e Comércio de Máquinas para Costura – a Abramaco, além de escolas e
cursos de moda de nível básico.
Não foi encontrado nenhum consórcio ou associação
que faça compras de insumos ou uso de máquinas em conjunto, mas foram identificados cafés e livrarias que acabaram se transformando em pontos de troca de informações
formais e informais, possibilitando o acesso a publicações,
revistas e livros, assim como contatos pessoais entre empresários e designers que freqüentam esses locais. A essas instituições somam-se várias escolas de educação profissional de nível básico e o Núcleo de Ação Empresarial
do Projeto Bom Retiro – uma organização não-governamental da qual fazem parte alguns estilistas, empresários, comerciantes e urbanistas – cujo projeto prevê a criação de
uma Escola de Moda e a revitalização física do distrito. No
AAL foi identificado o “Alô Brás”, que é a câmara dos
dirigentes locais que reúne alguns grandes pontos de
comercialização de produtos e disponibiliza boa estrutura
para os compradores, pois funciona como um shopping
atacadista onde também ocorrem eventos, cursos e até
mesmo desfiles. A Área Leste também conta com algumas
escolas de educação profissional de nível básico. Não foi
possível identificar consórcios, associações ou representações de classe que organizem os interesses e promovam
o desenvolvimento local.
Destaque-se que as organizações que oferecem algum
tipo de apoio ao AAC parecem estar mais voltadas para as
novas demandas das empresas do que as ligadas ao AAL.
Porém, ainda há um longo percurso institucional a ser percorrido. Na verdade, os dois aglomerados, assim como o
próprio setor do vestuário, enfrentam alguns problemas
decorrentes da formação de grupos com interesses distintos – o que é, em parte, decorrente da própria segmentação
do setor, fato que dificulta a elaboração de ações concertadas por parte dos atores em direção ao desenvolvimento econômico e à construção de mecanismo coletivos de
aprendizado e inovação tecnológica.
CONCLUSÃO
Como demonstramos ao longo deste artigo, a concorrência na indústria do vestuário vem sendo cada vez mais
determinada pelos critérios de diferenciação (preço-qualidade-criatividade). Ou seja, ela está mais centrada em estratégias de desenvolvimento de produtos que possam
incorporar os conceitos de estilo e design, moda, estratégias de marketing e valorização de marca – os mesmos
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SIMPLES AGLOMERADOS
produtivas internacionais. Em grandes linhas, concluímos
que o mercado existente na metrópole permite tanto a
existência e a manutenção de atividades industriais e de
serviços mais tradicionais no setor do vestuário, assim
como as atividades mais sofisticadas encontradas nas
grandes metrópoles mundiais, como Nova York, Londres,
Paris e Milão, dentre outras.
O último ponto remete-se a responder a pergunta inicial
deste artigo: simples aglomerados ou sistema produtivos
inovadores? Sendo assim, o AAC, ainda que desarticulado,
apresentou mais elementos que o potencializam como uma
“trajetória evolutiva e embrionária” (na acepção neo-schumpeteriana) de um sistema produtivo local inovador. O AAL,
ainda que tenha apresentado características para ser
considerado um sistema produtivo, possui interação e
aprendizado tecnológico de vínculos mais fracos – ou seja,
é ainda um aglomerado de interações “incipientes”, dando
elementos suficientes para considerar a estrutura do
vestuário da metrópole como uma colcha de retalhos de
aglomerações que se distinguem e se complementam ao
mesmo tempo. Com efeito, considerando as vocações produtivas e competitivas desses aglomerados, observa-se que
a consolidação, amadurecimento e transição para padrões
superiores de funcionamento dependerá de um esforço
conjunto entre os atores da esfera público e privada.
Entretanto, o desenvolvimento e o fomento à inovação
(sobretudo na formação de lideranças na concepção “da
moda ou do produto brasileiro”, uma vez que há espaço no
mercado nacional e internacional para este tipo de empreendimento), dependerá da implementação de políticas específicas.
Uma política de inovação para o setor da moda deve ter
como foco: a valorização e fortalecimento de trajetórias de
internacionalização de marcas (apoio à exportação); apoio
às estratégias de marketing de inteligência (conhecimento e acesso aos novos mercados); e estímulos à inovação
em design nacional, como elementos críticos de agregação
de valor e competitividade para esse segmento. Afinal,
deve-se considerar que existem espaços tanto no mercado nacional como no plano internacional para esse tipo de
empreendimento. Ademais, o delineamento das políticas
públicas deverá centrar-se no apoio e incentivo aos fatores dinamizadores da competitividade dos produtores, visando a adensar as relações entre as empresas e instituições de ensino e prestação de serviço. Além disso, os
policy markers podem realizar ações no sentido de reduzir
a informalidade dessa indústria, através de mecanismos de
microcrédito e fomento ao crescimento e profissionalização
dos negócios, ou explorar a utilização de um “selo de
responsabilidade social”.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
OU
SISTEMAS PRODUTIVOS INOVADORES?: LIMITES ...
NOTAS
Os autores agradecem as leituras críticas e as recomendações elaboradas por Vagner Bessa, Carlos Roberto França e André Nagy,
advertindo, como é de praxe, que qualquer erro que por ventura
conste deste trabalho é de inteira e exclusiva responsabilidade dos
autores.
1. Entre os projetos analíticos que se inscrevem nessa abordagem
podemos citar a rede de estudos coordenada por Cassiolato e Lastres
(2001), os estudos sobre empresas de base tecnológica – EBTs, de
Pinho, Côrtes e Fernandes (2001) e, mais recentemente, os trabalhos sobre SPILs no Estado de São Paulo realizados por Suzigan,
Furtado, Garcia e Sampaio (2005). Recentemente, Suzigan et al.
(2005) identificaram sete sistemas produtivos na RMSP, que operam como Vetores Avançados.
2. A Redesist (Rede de Pesquisa em SPILs) define sistemas produtivos e inovativos locais (SPILs) como conjuntos econômicos
políticos e sociais localizados em um mesmo território, que desenvolvem atividades econômicas correlatas e apresentam vínculos
expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem.
Essas configurações incluem produtoras de bens e serviços finais,
fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de
serviços, comercializadoras, clientes, cooperativas, associações e
demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, informação, P&D e engenharia, promoção e financiamento. Já os arranjos produtivos locais (APLs) são aqueles casos fragmentados e que não apresentam significativa articulação
entre os agentes (GLOSSÁRIO DE APLs, 2005).
3. Em estudo realizado sobre o complexo têxtil, de vestuário e de
calçados na Região Metropolitana de São Paulo, Garcia e Cruz
Moreira (2004) utilizaram complementarmente dados de três bases de informações disponíveis no Brasil e no Estado de São Paulo.
Primeiro, a base da Relação Anual de Informações Sociais – Rais,
do Ministério do Trabalho e do Emprego – MTE, que apresenta
dados de emprego e estabelecimentos (entre outros), e tem sido
amplamente utilizada em trabalhos que analisam sistemas locais de
produção. Segundo, a base de dados da Pesquisa Industrial Anual –
PIA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, que
apresenta as informações de número de estabelecimentos, receita
líquida de vendas, pessoal ocupado e valor da transformação industrial. E terceiro, a Paep, cuja primeira tomada foi realizada em 1996,
sendo a segunda abordagem de campo realizada em 2001. É interessante notar que os resultados e conclusões obtidos por esses
autores expressam as mesmas tendências e impressões apontadas
pela Paep 2001, ou seja, a existência de uma forte concentração
da indústria do vestuário na cidade de São Paulo e o significativo
volume de pessoal ocupado no setor.
4. Para obtenção de outras informações sobre a metodologia da
Paep, ver: <http://www.seade.gov.br/produtos/paep/index.html>.
5. As estimativas utilizadas neste estudo são alternativas ao desenho dos domínios da Paep, por isso foi necessário calcular o coeficiente de variação e analisar o intervalo de confiança. Além disso, as estimativas que identificaram os aglomerados foram ainda
comparados com os dados do Cadastro Cempre (IBGE).
6. Codificação de endereçamento postal (CEP) por região de São
Paulo (GUIA-MAPOGRAF, 1996, p. 790-791).
7. O QL indica a concentração relativa de uma determinada indústria numa região comparativamente à participação da mesma com
a de outras, em um determinado espaço – o qual, neste estudo, foi
definido como o Estado de São Paulo. Assim, a verificação do QL
superior a um (1) indica alta concentração da estrutura de produção local numa dada atividade.
8. Embora seja possível encontrar no AAC algumas indústrias voltadas para a alta costura, principalmente no segmento de moda
praia, como a Rosa Chá.
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MARIA
DAS
GRAÇAS BRITO / ROBERTO BERNARDES
9. O termo capital social refere-se a um conjunto de instituições
formais e informais que incluem hábitos e normas sociais que afetam os níveis de confiança, interação e aprendizado em um sistema social. O reconhecimento da importância desse termo referese à consideração crítica da estrutura e formação das relações sociais para compreender e intervir na dinâmica econômica de um
determinado espaço e território. Assim, elevados níveis de capital
social propiciam relações de cooperação que favorecem o aprendizado interativo, como acontece com a transmissão do conhecimento tácito. Esse termo foi elaborado a partir dos trabalhos pioneiros dos sociólogos Pierre Bourdieu, James Coleman e Robert
Putnam (GLOSSÁRIO DE APL S , 2005).
18. Assim as empresas que possuem capacidade inovativa ou ativos comerciais estabelecidos (canais de comercialização ou marcas próprias), suportados por mecanismos de financiamento, são
capazes de comandar sua cadeia de produção, determinando os
parâmetros de funcionamento dos atores nela inseridos (LUPATINI,
2004; GARCIA; CRUZ-MOREIRA, 2004).
19. Ciclo do desenvolvimento do design: o desenvolvimento das
coleções é um trabalho que possui uma dinâmica bastante específica. O ciclo de atividades inicia-se com a ida dos estilistas e especialistas em moda para os centros geradores de informações e conceitos. Essa fase de pesquisa de tendências inclui os desfiles dos principais estilistas internacionais, as principais revistas de moda e as
“tendências de rua” dos centros geradores. Com base nessa bagagem e o tema estabelecido para a nova coleção, os estilistas começam a desenhar os modelos, a escolher os tecidos e padronagens e
a subsidiar as atividades de marketing e promoção. Ao término desta,
parte-se para a confecção da peça-piloto, que depois é repassada
para as empresas produtoras, em sistema de facção.
10. A aparente falta de segredos da produção de vestuário fez com
que o interesse pela formação de profissionais especializados para
esse mercado tenha sido tardia, atraindo empreendedores que trabalhavam em outros setores, o que acabou por determinar a forma
precária com que muitas dessas unidades produtivas fossem organizadas e ativadas. Esse fato é corroborado pela própria política
educacional de formação de profissionais para esse mercado, pois
é recente o interesse das instituições de ensino superior em formar
um profissional de negócio voltado para a nova indústria do vestuário, ou seja, a moda.
20. As atividades de marketing e promoção envolvem o trabalho de
criação e consolidação da marca, bem como da estratégia de comunicação do conceito, por meio da mídia. Preocupam-se também com
o estabelecimento de canais de comunicação com o cliente, que englobam centrais telefônicas (0800), home pages na Internet e convites para participação em eventos promocionais. É nessa área que
são elaboradas as estratégias de lançamento das coleções. O projeto
do ponto de venda envolve a definição da arquitetura, decoração,
iluminação e vitrine. As empresas dispõem de arquitetos e decoradores
que traduzem para o ponto de venda o conceito trabalhado pela marca
e pelos estilistas, ou, eventualmente, trabalham com consultores.
11. Algumas regiões apresentam elevada concentração de produtores com atividade na indústria têxtil e de vestuário. São exemplos: a região de Americana, na produção de tecidos planos artificiais e sintéticos; a cidade de Ibitinga, na de bordados; a região do
Circuito das Águas, na confecção de malhas, entre outras. Ver,
SOUZA e GARCIA (1999).
12. O município de Amparo abriga um aglomerado de indústrias de
confecção infantil formado por empresas de pequeno e médio porte.
Ver, NAKAMATSU e FURTADO (2003).
21. Ciclo do desenvolvimento de fornecedores: o desenvolvimento de fornecedores é uma atividade crítica nesse tipo de estratégia,
uma vez que grande parcela da produção é terceirizada. As empresas envolvidas nessa atividade fazem o detalhamento do projeto
para a produção e determinação das especificações do produto, e
também estabelecem os critérios para o controle de qualidade. Essa
área também contribui com pesquisas de novos materiais, corantes,
tecidos, padronagens e embalagens feitas em parceria com os fornecedores, que auxiliam os estilistas no desenvolvimento das coleções. Normalmente, os principais requisitos são: a flexibilidade do
sistema de produção, pois há demanda de produção em pequenos
lotes e grande variedade de produtos, bem com prazos de entrega
reduzidos; e a garantia da qualidade do produto, que consiste na
exigência de permanência no cadastro de fornecedores.
13. Os parâmetros da moda têm sido ditados pelas maisons dos
principais centros internacionais e difundidos pela mídia,
direcionando a dinâmica do mercado. Os principais centros geradores de moda são Paris, Milão, Londres e Nova York, ressalva
feita para o segmento de surf wear, cujos centros de referência são
o Havaí e a Austrália. A cada estação são lançadas novas coleções
com mudança nos tecidos, padronagens, cores e modelos, o que afeta
toda a cadeia produtiva têxtil e de vestuário. Quanto menor for o
ciclo de desenvolvimento de novos produtos, maior a necessidade
de intensificação das relações na cadeia produtiva têxtil/vestuário,
no sentido de flexibilizar o setor para melhor atender as demandas
do consumidor final.
22. Essas formas de produção têm aprofundado a precarização nas
relações de trabalho na indústria do vestuário, fenômeno já antigo
no setor, verificado até mesmo nos aglomerados ancorados em
relações socioeconômicas mais fortes, como os localizados na Terceira Itália. Em estudo recente sobre o setor, Leite (2004, p. 1)
alerta que no vestuário “se multiplicam novas e velhas formas de
trabalho, como o trabalho temporário, a domicílio, part time, etc.,
que, em vez de marginais ao desenvolvimento econômico, se mostram altamente funcionais”.
14. A referência conceitual e metodológica da Pesquisa de Inovação Tecnológica na Paep teve como base o Oslo Manual: proposed
guidelines for collections and interpreting technological innovation
data (1997). A pesquisa de inovação foi harmonizada com a experiência do modelo recomendado pela Eurostat, consagrado na terceira versão da Community Innovation Survey (CIS-III). A principal crítica ao conceito de inovação tecnológica adotado pelo Manual de Oslo, considerando-se o setor de vestuário, é ao critério de
exclusão dos esforços de design, como já ressaltara Kontic (2001).
23. Para um relato das experiências internacionais de reestruturação
e inserção no comércio global, ver o estudo de Garcia e Cruz-Moreira
(2004).
15. É importante frisar que é esperado que as aquisições de máquinas e equipamentos tenham uma participação importante no esforço tecnológico no setor de vestuário, pois essa atividade é pautada pelo binômio máquina/operador. Conseqüentemente, estes dois
elementos têm um peso expressivo na dinâmica econômica e
tecnológica do setor. Nesse caso, o diferencial são os esforços
direcionados aos ativos intangíveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
16. Foram computados pela Paep, os investimentos em patentes,
contrato de fornecimento de tecnologia e o direito de uso de marcas. Embora formem a base dos indicadores mais utilizados para
analisar o esforço tecnológico, essas informações mostram-se limitadas para os setores muito dependentes de design, como já foi
discutido anteriormente.
ARAÚJO, M. de F.I. Impactos da reestruturação produtiva
sobre a Região Metropolitana de São Paulo no final do século
XX. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia, Unicamp,
Campinas, 2001.
17. Nesse item, a Paep computou os investimentos com equipamentos de informática, móveis, etc.
BENKO, G. Economia, Espaço e Globalização. São Paulo:
Hucitec, 2002. (1. ed. 1995).
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EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 71-85, abr./jun. 2005
SIMPLES AGLOMERADOS
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NEGRI, B. Concentração e desconcentração da indústria em
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.71-85, abr./jun. 2005
Artigo recebido em 7 de maio de 2005.
Aprovado em 10 de junho de 2005.
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
E AGLOMERAÇÃO
o papel das instituições de apoio às empresas
no Estado de São Paulo
WILSON SUZIGAN
ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN
ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
Resumo: Este artigo estuda a relação entre a distribuição geográfica da rede de instituições de apoio às
empresas e a formação de sistemas localizados de produção e inovação no Estado de São Paulo. Para
isso, discute a relação entre geografia e inovação, apresenta um levantamento quantitativo das instituições e analisa três casos que ilustram o papel das instituições de apoio a atividades inovativas de empresas em sistemas localizados de produção e inovação.
Palavras-chave: Inovação. Instituições. Aglomeração.
Abstract: This paper studies the relationship between the geography of supporting institutions and the
agglomeration of firms in local production and innovation systems in the state of São Paulo. With this
purpose, the paper discusses the relationship between geography and innovation, presents quantitative
information on the network of institutions, and illustrates the role of supporting institutions in three
local production and innovation systems.
Key words: Innovation. Institutions. Agglomeration.
A
relação entre localização, inovação e aglomeração
de empresas em sistemas produtivos e inovativos
localizados desperta crescente atenção de pesquisadores e responsáveis por políticas públicas em todo o
mundo. Os pesquisadores mostram, sobretudo por meio de
trabalhos empíricos, que a proximidade geográfica facilita
as interações e a comunicação entre empresas, estimula a
busca por novos conhecimentos e melhora as possibilidades de ações coordenadas. Apontam também que, além da
proximidade de indústrias correlatas, a presença de instituições de ensino e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes,
centros de P&D e prestadoras de serviços impulsionam o
dinamismo empresarial. As políticas públicas, por sua vez,
tendem a mudar de forma coerente com esse quadro, voltando-se ao fomento de atividades inovativas em sistemas
localizados de produção e inovação (doravante SLPs).
Tomando essas contribuições e tendências como referência, este artigo busca estudar especificamente a relação entre
a distribuição geográfica da rede de instituições de apoio
às empresas e a formação de SLPs no Estado de São Paulo.
Espera-se, com isso, oferecer elementos que possam orientar
ações de políticas públicas com foco local ou regional.
Em termos analíticos, é amplamente reconhecido na literatura o fato de que a aglomeração de empresas e a formação de SLPs podem proporcionar vantagens competitivas
aos produtores, já que eles se apropriam de um conjunto de
benefícios externos à empresa. Esses benefícios, notadamente de natureza produtiva e de capacitação técnica para produção, constituem as chamadas economias externas locais,
ou economias de aglomeração, decorrentes tanto da simples
proximidade de produtores, fornecedores e outros agentes
como das suas interações e freqüentes comunicações.
86
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
Além disso, a aglomeração das empresas é capaz de
fomentar e estimular processos inovativos que ocorrem no
seio das corporações e nos seus inter-relacionamentos. Os
diversos ativos socioculturais e recursos intangíveis presentes nos SLPs são indispensáveis para o aprendizado
de capacidades inovativas, porém não podem ser codificados ou transmitidos à distância; são difundidos por meio
de contato pessoal, mobilidade de trabalhadores, qualificação da força de trabalho, existência de fornecedores
especializados, confiança mútua e vocabulários específicos que somente as proximidades geográfica e cultural
proporcionam. A ação conjunta de empresas e outros agentes localizados também favorece a geração de inovações,
levando à criação de diferentes tipos de instituições de
ensino, pesquisa e prestação de serviços que melhoram as
capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas de cada
empresa e conseqüentemente aumentam a capacidade de
inovação do sistema e as externalidades positivas locais.
Com base nesse esquema analítico, este trabalho apresenta um levantamento do aparato institucional de apoio à
atividade inovativa das empresas no Estado de São Paulo e
sua distribuição geográfica. Busca-se estabelecer relações
entre esse aparato institucional e a existência de SLPs, em
que a atividade inovativa vincula-se em grande parte à presença de instituições de apoio a atividades tecnológicas e
de P&D.
O artigo está organizado em três seções. A primeira apresenta uma breve discussão da literatura que trata da relação
entre geografia e inovação. Em seguida, realiza-se um levantamento quantitativo das instituições de apoio à atividade
inovativa do Estado de São Paulo, como escolas de ensino
técnico, tecnológico, superior e de aprendizagem industrial; associações de classe e sindicatos patronais; laboratórios e centros tecnológicos e de P&D. A última seção, de corte
analítico distinto, traz alguns casos selecionados que ilustram o papel das instituições de apoio a atividades inovativas
das empresas em sistemas locais e a relação entre localização geográfica e capacidade de inovação. Algumas considerações concluem o artigo.
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
O PAPEL
...
variações de crescimento e performance econômica entre
regiões são dependentes, em última instância, de uma gama
de recursos relativamente imóveis – conhecimento, habilidades, estruturas institucionais e organizacionais.
Esse contraste, por sua vez, contribui para corroborar
as conclusões de um número crescente de diversos estudos internacionais, em que a “geografia tem um importante papel na inovação, e no crescimento de sociedades capitalistas avançadas” (FELDMAN, 1994, p. 2).
A formação de aglomerados de atividades inovativas
decorre da percepção de que a inovação está relacionada
com a
concentração local de insumos inovativos que incluem: P&D
universitário, P&D industrial, a presença de indústrias
correlatas e a presença de prestadores de serviços especializados (FELDMAN, 1994, p. 451).
A análise desses insumos inovativos permite concluir
que, em última instância, a inovação depende fundamentalmente do conhecimento. Desde as primeiras fases do
processo até a incorporação da inovação ao mercado, o
conhecimento técnico e da dinâmica de funcionamento do
mercado atuam como variáveis fundamentais.
Na etapa inicial, o conhecimento técnico é o instrumento exigido para a compreensão de novas tecnologias ou
de restrições técnicas que possam limitar a melhoria ou o
desenvolvimento de um produto ou processo. Nessa fase
mostra-se fundamental a interação entre os responsáveis
pela pesquisa, pelo desenvolvimento e pela incorporação
da inovação ao mercado.
Tal interação é importante por dois motivos principais.
Em primeiro lugar, porque quando uma tecnologia ainda não
está plenamente difundida, a padronização das informações
necessárias ao desenvolvimento do processo inovativo
torna-se muito difícil. Ou seja, o conhecimento ainda não
está disseminado de maneira que já tenha consolidado
padrões próprios a essa tecnologia, possuindo assim um
Nos últimos anos foram realizados diversos estudos,
divulgados na literatura internacional, buscando compreender a relação entre geografia e inovação.1 Esses trabalhos tomam como ponto de partida dois fatores que se
complementam e se reforçam: (i) a observação empírica de
que as atividades inovativas tendem a concentrar-se geo-
EM
AGLOMERAÇÃO:
graficamente em pólos; (ii) a importância da inovação para
o progresso tecnológico e, conseqüentemente, para o desenvolvimento local.
Estudos empíricos demonstram uma tendência crescente
de concentração do desenvolvimento econômico em determinadas regiões. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que
alguns pólos se consolidam como fontes geradoras de inovação, renda e emprego, outras regiões são menos dinâmicas ou mesmo permanecem estagnadas. Conforme
Breschi e Malerba (2001, p. 817), tal fato ocorre porque as
RELAÇÃO ENTRE GEOGRAFIA E INOVAÇÃO
SÃO PAULO
E
87
WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
grande caráter tácito. Em segundo lugar, a interação é importante porque permite a melhor integração entre os diversos
agentes responsáveis pelo processo inovativo. Desse modo,
consegue-se uma maior sintonia entre as necessidades
expostas pelos departamentos comerciais e as limitações
enfrentadas pelos responsáveis técnicos do projeto.
Nesse estágio inicial do processo inovativo, destacamse fatores como atividades de P&D universitárias e industriais e a presença de indústrias correlatas. O primeiro item
contribui para a solução de problemas técnicos e para o
desenvolvimento tecnológico de produtos e processos. Já
a presença de indústrias correlatas facilita a interação entre agentes com objetivos comuns, permitindo assim a
compreensão dos novos desafios e reduzindo as incertezas impostas pelo processo inovativo.
Na incorporação da inovação ao mercado, faz-se necessário um amplo conhecimento das especificidades deste.
A compreensão das necessidades dos consumidores e de
suas perspectivas quanto à utilidade da inovação são fundamentais para o sucesso do processo inovativo.
Ressalta-se ainda a importância da presença de prestadores de serviços especializados e a interação com os
potenciais consumidores. Os provedores de serviços colaboram com seus conhecimentos específicos a respeito
da dinâmica dos mercados. Quanto o contato com os consumidores, revela-se fundamental, pois eles
Além disso, é necessário destacar que esses saberes
encontram-se, em grande medida, restritos a pessoas que
dominam a tecnologia ainda não completamente padronizada. Isso, por sua vez, faz com que esses novos conhecimentos possuam um caráter estritamente tácito.
Tal caráter implica que “quando a tecnologia é complexa e evolui rapidamente, sua padronização e transmissão a
longa distância não é possível” (FELDMAN, 1994, p. 24).
Esse fator, por sua vez, contribui para a concentração das
atividades inovativas em pólos, visto que a
localização próxima à fonte de tecnologia permite às firmas
transformar informação em conhecimento aplicado, criando
incentivos para as firmas que utilizam tecnologias complexas
e dinâmicas localizarem-se próximas às fontes do conhecimento (FELDMAN, 1994, p. 24).
Além desse incentivo, a localização em pólos geográficos faz com que as interações e as trocas de informações
entre os agentes sejam facilitadas. Por meio delas viabiliza-se a formação de redes entre os agentes inovativos, as
quais potencializam os efeitos de transbordamento. Essas
redes permitem ainda que as empresas participantes mantenham-se em contato permanente com as evoluções tecnológicas e com as eventuais novas possibilidades oriundas dessas evoluções. Com essas interações consegue-se
ainda criar mecanismos que facilitam a resolução de problemas impostos pelos novos padrões tecnológicos. Em
síntese, conforme afirma (FELDMAN, 1993, p. 452),
têm uma familiaridade única com a tecnologia em questão e
podem sugerir novos produtos que atendam as necessidades
que os produtos existentes são incapazes de atender
(FELDMAN, 1994, p. 15).
[..] as atividades inovativas se beneficiam da presença de uma
variedade de recursos e insumos de conhecimento, imersos
em um ambiente socialmente construído e espacialmente
delimitado.
Todas essas características fazem da inovação um
“processo peculiar e localizado, que é difícil de imitar ou
reproduzir em outros contextos” (BELUSSI; GOTTARDI,
2000, p. 4). Além disso, esse processo é complexo e permanentemente permeado pela incerteza, possuindo um forte
caráter cumulativo e dependente do processo de learning
by doing (FELDMAN, 1994, p. 23). A incerteza decorre de
diversos fatores, que vão desde as possíveis reações do
mercado até os problemas técnicos, visto que no processo
inovativo as empresas muitas vezes defrontam-se com
novas tecnologias e com obstáculos técnicos com os quais
anteriormente nunca se haviam deparado. Para superar os
desafios impostos por essas restrições, são necessários
novos conhecimentos. Estes ainda são instáveis, evoluindo de maneira não linear com o desenvolvimento das
ciências e das novas tecnologias e, por isso, são de difícil
padronização.
Os benefícios dessa imersão, por sua vez, decorrem do
fato de que esses insumos têm um importante poder de
impulsionar o processo inovativo, pois contribuem para a
disseminação do conhecimento, para a diminuição das
incertezas (por meio de interações entre indústrias
correlatas e prestadores de serviços especializados) e para
potencializar o avanço tecnológico e o acúmulo de conhecimento (presença de P&D universitário e industrial).
INSTITUIÇÕES DE APOIO NO ESTADO
DE SÃO PAULO
Dentre os fatores que influenciam a atividade inovativa
dentro dos SLPs destaca-se a presença de instituições de
apoio. Esses organismos, tais como instituições de ensi-
88
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
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AGLOMERAÇÃO:
O PAPEL
...
zação. Além disso, muitos dados quantitativos, como orçamento institucional, direcionamento de recursos, número de funcionários (ligados ou não a atividades tecnológicas e de inovação) e área construída, entre outros, não foram
disponibilizados para este estudo por diversas das instituições investigadas.
É importante ainda ressaltar que a existência de tais instituições não significa que seus serviços sejam utilizados
pelos produtores locais ou que elas exerçam algum papel
no fomento à inovação nas empresas. O levantamento
buscou mostrar apenas a existência desses organismos e
a densidade institucional que pode ser verificada em cada
uma das microrregiões do Estado, para posteriormente
examinar o papel das instituições em três casos distintos
de SLPs.
no e pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros de
P&D e entidades empresariais, geram e difundem novos
conhecimentos e melhoram as competências técnicas, tecnológicas e inovativas das empresas, aprimorando sua
capacidade de absorção de externalidades positivas e estimulando ainda mais o desenvolvimento de atividades
inovativas. Para isso, as instituições formam profissionais
especializados, promovem cursos de geração e treinamento de mão-de-obra qualificada, desenvolvem pesquisas
científicas e tecnológicas, prestam serviços especializados
de assistência técnica, de prospecção e difusão de informações e de desenvolvimento de tecnologias.
Em geral, essas instituições localizam-se junto a SLPs
constituídos ou dão origem a eles em virtude das externalidades que oferecem às empresas. Sua interação com o
setor produtivo tem a capacidade de gerar um ciclo virtuoso, criando novos conhecimentos e transbordamentos
tecnológicos que melhoram as capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas das empresas, dão origem a
novas organizações e consolidam o sistema local de produção e inovação.
Cabe ressaltar que só a presença dessas instituições não
garante que um SLP ou um conjunto de empresas relacionado a elas vá seguir trajetória ascendente nas atividades
de tecnologia e inovação. Tal sucesso depende da soma
de outros fatores, como a interação e cooperação entre os
agentes locais, a presença de mão-de-obra qualificada na
região, a relação com fornecedores e, em alguns casos, a
existência de incentivos governamentais.
Dessa forma, com o objetivo de analisar a distribuição
geográfica de tais instituições, fez-se um levantamento de
unidades de ensino, pesquisa e suporte a atividades tecnológicas e de inovação, por municípios ou microrregiões,2
em todo o Estado de São Paulo. Tal levantamento abrangeu: cursos superiores com avaliação pelo Ministério da
Educação – MEC; cursos tecnológicos, técnicos e de
aprendizagem industrial; associações de classe e sindicatos patronais; centros tecnológicos e laboratórios de P&D
e laboratórios de ensaios e testes.
As informações foram obtidas de diversas fontes, algumas oficiais, outras disponíveis em sítios da Internet.
Dados ligados a pesquisa e desenvolvimento e a instituições de ensino foram obtidos a partir da Rais/MTE (2002).
De modo geral, porém, houve algumas dificuldades para
encontrar dados regionalizados que permitissem a elaboração de indicadores específicos. Como exemplo, pode-se
citar a falta de dados regionalizados sobre qualificações
superiores (mestres e doutores) e suas áreas de especiali-
SÃO PAULO
E
Instituições de Apoio às Empresas
segundo Dados da Rais
A primeira fonte de informações utilizada foi a Rais/MTE
(2002), por meio dos dados relativos a atividades de P&D
e de instituições de ensino, a partir de informações gerais
de emprego e estabelecimentos segundo classes da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. Tais
atividades abrangem as classes CNAE de quatro dígitos
da Rais: 73.10-5 – P&D das Ciências Físicas e Naturais;
80.31-4, 80.32-2 e 80.33-0 – Educação Superior e 80.96-9 e
80.97-7 – Educação Profissional.
Os números relativos às Ciências Físicas e Naturais
mostram que o Estado de São Paulo abriga 67 estabelecimentos, que empregam quase 4.300 pessoas (os dados
completos podem ser encontrados em Suzigan et al., 2005,
Tabela 9.1). Destacam-se os municípios de São Paulo, com
20 estabelecimentos e mais de 1.700 trabalhadores, e de
Campinas, com 11 organizações e mais de 1.300 pessoas
empregadas. Em Campinas, o tamanho médio dos estabelecimentos (122 empregados) é muito superior ao
observado em São Paulo (64 empregados) e mesmo em
relação à média do Estado (84), o que se deve à presença
em Campinas de importantes centros de pesquisa e
desenvolvimento de âmbito nacional (SUZIGAN et al.,
2005, Quadro 9.4). São Paulo e Campinas são seguidos
pelos municípios de Piracicaba, com seis estabelecimentos
de P&D, que empregam 142 pessoas; São Carlos, com
cinco estabelecimentos e 305 profissionais; Barueri, com
dois estabelecimentos e 331 profissionais (portanto, com
média por estabelecimento superior à de Campinas).
Jaguariúna, na região de Campinas, também se destaca
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
Biologia (59), Farmácia (35), Química (27) e Agronomia (14).
Apesar do grande número de alunos formados, cumpre
destacar que eles não necessariamente atuarão em atividades com caráter tecnológico. Deseja-se ressaltar com
esses dados a disponibilidade, no Estado, de recursos
humanos qualificados e potencialmente disponíveis para
atividades de caráter tecnológico.
Merece destaque a forte tendência à concentração regional do número de alunos formados. As cinco microrregiões que se sobressaem nesse quesito (São Paulo, Campinas, Santos, Piracicaba e São José dos Campos) são
responsáveis por cerca de 7.250 alunos graduados, cerca
de 56% do total de formados no Estado (SUZIGAN et al.,
2005, Tabela 9.14). Agregando-se a elas as cinco microrregiões seguintes (Bauru, São Carlos, Sorocaba, São José
do Rio Preto e Araraquara), chega-se a pouco mais de 8.700
formados, aproximadamente 68% do total.
Tal tendência de concentração pode ser explicada em
parte pela presença local de grandes instituições públicas
de ensino. Ademais, também se nota nessas microrregiões
uma crescente participação de graduados oriundos de inúmeras instituições privadas.
Em relação aos cursos superiores avaliados pelo Exame
Nacional de Cursos com notas A e B, observa-se uma tendência ainda mais acentuada de concentração geográfica.
Analisando-se as cinco microrregiões com maior número
de formados nessa categoria (São Paulo, Campinas,
Piracicaba, São Carlos e Bauru), nota-se que concentram
cerca de 70% do total de alunos formados no Estado. Todavia, tomadas isoladamente, essas microrregiões apresentam padrões distintos em relação aos indicadores de qualidade. Enquanto em São Paulo a participação de alunos
formados em cursos com notas A e B em relação ao total
de formados é semelhante à média do Estado (27%, ao
passo que a média estadual é de 26,5%), Campinas e Bauru apresentam médias intermediárias (40% e 45%, respectivamente) e Piracicaba e São Carlos destacam-se pela forte participação dos cursos A e B em relação ao total de
formados (65% e 69%, respectivamente). Grande parte dessa diferença pode ser explicada pela maior participação
relativa de instituições públicas nas duas últimas regiões.
Em outras palavras, Campinas e São Paulo apresentam
maior heterogeneidade de instituições de ensino superior.
Outras microrregiões que também se sobressaem em
termos da participação de alunos com notas elevadas são
as de Jaboticabal e Rio Claro (100% e apenas um curso);
Andradina (100% e 4 cursos); Botucatu (100%, 2 cursos);
Limeira (68,6%, 2 cursos) e Araraquara (66,8%, 2 cursos).
por um estabelecimento de grande porte, com 159 pessoas
ocupadas.
Os dados da Rais mostram a existência de 919 instituições de ensino no Estado de São Paulo, sendo 586 de nível superior e pós-graduação e 333 de ensino técnico e
tecnológico. Em conjunto, elas empregam um contingente
de mais de 120 mil pessoas.
A distribuição regional das instituições de ensino superior e de pós-graduação mostra uma forte concentração
novamente em São Paulo (226 estabelecimentos) e Campinas (24 estabelecimentos). Em seguida, estão os municípios de Santos (19 estabelecimentos), Ribeirão Preto (17)
e Piracicaba, com 16 (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.13).
Essa grande presença está relacionada à distribuição de
vários campi de cada instituição por vários municípios.
Os dados sobre instituições de ensino médio e profissional (técnico e tecnológico), por sua vez, também
apresentam concentração nos municípios de São Paulo (92
estabelecimentos) e de Campinas, com 13 estabelecimentos. Apesar disso, tais entidades encontram-se
bastante pulverizadas por todo o Estado de São Paulo,
sendo rara a ocorrência de municípios que não dispõem
dessas instituições, como ocorre no caso das escolas de
ensino superior.
Instituições de Ensino e Formação Profissional com
Qualificações Técnico-Científicas
Cursos Superiores Avaliados pelo Inep/MEC – A construção dos indicadores acerca dos cursos superiores teve
duas grandes etapas. Em primeiro lugar, visando maior
consistência na coleta de dados, optou-se por utilizar uma
fonte sistemática de avaliação: o Exame Nacional de Cursos (“Provão”),3 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. Em
seguida, dentre as carreiras avaliadas pelo exame, foram
escolhidas cinco que se destacaram por seu caráter tecnológico (Engenharia em suas diversas modalidades, Biologia, Farmácia, Química e Agronomia). Iniciou-se, então, o
processo de tabulação de dados, distribuindo-os por
microrregiões do Estado. Por meio dessa tabulação foi
possível analisar a distribuição dos cursos e do número
de alunos formados, procurando identificar um possível
padrão de concentração regional.
Os dados mostram que no Estado de São Paulo, em 2002,
cerca de 13 mil alunos concluíram 249 cursos de graduação,4 de que as diversas modalidades de Engenharia representavam quase a metade (114). Em seguida, aparecem
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
Cursos Tecnológicos, Técnicos e de Aprendizagem Industrial – Foram coletados também dados de fontes diversas
sobre entidades educacionais que oferecem cursos técnicos, tecnológicos e de aprendizagem industrial. Para as
duas primeiras modalidades, as informações provieram dos
grandes sistemas educacionais que administram esse tipo
de curso: Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza – CEETEPS,5 Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo – Cefet6 e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai.7 Esses sistemas oferecem a maioria dos cursos técnicos e tecnológicos disponíveis, mas
há também algumas escolas técnicas particulares ou independentes, não incluídas no levantamento. Quanto à aprendizagem industrial, foram selecionados apenas os cursos
pertencentes ao sistema Senai.
Com referência aos cursos tecnológicos de nível superior no Estado, verifica-se a existência de 46 deles, com um
total de 2.670 vagas. Observa-se grande concentração
(50%) na microrregião de São Paulo, em geral provenientes do Sistema Fatec/CEETEPS.
Quanto aos cursos técnicos e de aprendizagem industrial, verifica-se que, apesar de bastante concentrados nas
microrregiões de São Paulo, Campinas, São José dos Campos e Ribeirão Preto, os 218 cursos técnicos e os 194 cursos de aprendizagem industrial estão relativamente pulverizados por todo o Estado. Isso se deve à elevada correlação
entre tais cursos e a especialização produtiva de cada
microrregião, o que acaba criando externalidades positivas
aos produtores localizados em SLPs, já que oferece mãode-obra qualificada e com habilidades específicas de acordo com as características de cada estrutura produtiva local (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.3).
A pesquisa acerca das associações de classe, dos
sindicatos patronais e do Sebrae teve como principal objetivo
o levantamento de informações a respeito do apoio e do
suporte prestados por esses órgãos a atividades inovativas.
Em virtude da carência de fontes sistemáticas de informações
e do grande número de associações de classe e sindicatos
patronais, o esforço de pesquisa mostrou-se muito árduo.
No entanto, a despeito das grandes dificuldades para
sistematizar as informações e construir um indicador do
esforço inovativo dessas instituições com algum grau de
padronização, destacaram-se algumas tendências.
Como tarefa inicial, buscou-se identificar a presença
dessas associações e do Sebrae em todas as cidades do
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
AGLOMERAÇÃO:
O PAPEL
...
Estado. Para isso, pesquisaram-se os respectivos sites
(Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – Ciesp,8
Federação das Associações Comerciais do Estado de São
Paulo – Facesp9 e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas – Sebrae10 ). Cumprida tal tarefa, procurou-se cada diretoria regional do Ciesp, inicialmente por
correio eletrônico e depois por meio de ligações telefônicas. Nesses contatos, identificaram-se os serviços prestados aos associados e as parcerias locais com associações
comerciais e escritórios do Sebrae que incentivassem de
alguma maneira o processo inovativo.
Em relação às Associações Comerciais e Industriais ou
Empresariais – ACIs ou ACEs, notou-se sua presença na
maioria das cidades (38%) do Estado (SUZIGAN et al., 2005,
Tabela 9.15). No entanto, também se observou que sua
atuação em geral apresenta pouca ou nenhuma relação com
o desenvolvimento de atividades inovativas. Como
desempenham principalmente papel de órgãos de representação política local, seja apresentando reivindicações
perante o poder público ou representando seus associados
em negociações trabalhistas, são raros os casos em que
oferecem serviços com caráter técnico ou tecnológico às
empresas.
Paralelamente a essa representação política local, grande parte das ACIs/ACEs configura-se, de certa maneira,
como centro de assistência em gestão empresarial. Nessa
área é oferecida uma vasta gama de cursos, palestras e
seminários referentes a temas como gestão administrativa, gestão da qualidade, marketing, assistência jurídica,
empreendedorismo, entre outros. Apesar da evidente falta de incentivo às atividades inovativas, notou-se que
certas associações de classe estabelecem parcerias com a
representação local do Sebrae. Apesar de representarem
poucos incentivos diretos às atividades tecnológicas, tais
parcerias podem contribuir para uma melhor gestão administrativa que venha a potencializar a percepção da necessidade do aprendizado inovativo.
No que diz respeito às diretorias do Ciesp, o esforço de
pesquisa permitiu observar que estas também possuem um
padrão de atuação muito semelhante ao observado nas
ACIs/ACEs. Espalhadas pelos principais pólos de desenvolvimento do Estado, a maioria das 40 diretorias do Ciesp
atua como uma espécie de órgão representativo dos interesses políticos e burocráticos dos associados. Dessa forma, tem o poder de convergir esforços para a solução de
problemas institucionais e representar lobbies específicos.
Quanto à prestação de serviços locais, nota-se que a
maioria concentra-se em cursos, eventos e palestras na área
Entidades de Classe e Sebrae
SÃO PAULO
E
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro,12 que abrangem os diversos laboratórios
de calibração, testes e ensaios do sistema Senai.
Já dentre os laboratórios e centros não credenciados
destacam-se: os grandes laboratórios agrícolas como a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa,13
o Instituto Agronômico de Campinas – IAC14 e o Instituto
de Tecnologia de Alimentos – Ital;15 as instituições ligadas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe; e
os laboratórios de pesquisa independentes, que não se
encaixam em nenhum dos grandes grupos anteriormente
referidos. Dentre as suas áreas de atuação estão: difusão
de informação tecnológica, desenvolvimento de produtos,
gestão de processos produtivos, assessoria técnica e tecnológica, testes e ensaios laboratoriais, entre outras.
Vale ressaltar que a pesquisa procurou levantar alguns
dados importantes para a caracterização dessas instituições, tais como orçamento, área construída, número total
de funcionários, direcionamento de recursos, entre outros.
Porém, na maioria dos casos – mesmo em entidades públicas ou semipúblicas (mantidas por meio de recolhimentos
compulsórios), os dados não estavam disponíveis ou não
foram disponibilizados pelas instituições.
Analisando os números coletados, observa-se uma
grande concentração dessas instituições na microrregião
de Campinas, que possui 54 estabelecimentos ligados a
atividades de P&D e desenvolvimento tecnológico, sendo 18 credenciados pelo MCT (como a Associação Brasileira de Luz Síncroton – ABTLuS , o Centro de Pesquisas
Renato Archer – CenPRA, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD, o Centro de
Pesquisas Avançadas Von Braun, entre outros). Dentre os
não-credenciados estão 18 estabelecimentos da Embrapa,
9 do IAC e mais 9 do Ital. Logo após Campinas está a
microrregião de São Paulo, com um total de 44 instituições
tecnológicas e de P&D, em geral credenciadas pelo MCT
(como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe,
o Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, o Instituto
de Tecnologia de Software – ITS e o Instituto de Pesquisa
Energética e Nuclear – Ipen) e pelo Inmetro. Dentre os demais organismos, destaca-se a presença de uma quantidade relativamente alta de instituições privadas e independentes no município. São Paulo e Campinas são seguidos
pelos municípios de São Carlos (25 estabelecimentos), São
José dos Campos (10), Sorocaba (4), Jundiaí e Osasco (2)
e por várias microrregiões, entre as quais Bauru, Araraquara, Franca, Limeira e Ribeirão Preto, com um estabelecimento (SUZIGAN et al., 2005, Tabela 9.4 e Quadro 9.4).
administrativa, envolvendo ações que visem melhorar práticas gerenciais e de marketing, e promover assistência
jurídica, entre outras. Também foi observada a presença
de departamentos de estatística (para fornecimento de
dados sobre conjuntura econômica) em algumas diretorias
do Ciesp, além de algumas iniciativas de estabelecimento
de parcerias com outros órgãos locais, como ACIs/ACEs
e escritórios do Sebrae.
O oferecimento de serviços técnicos mais diretamente
relacionados com o esforço tecnológico e inovativo, por
sua vez, está concentrado quase em sua totalidade na diretoria do município de São Paulo. Quando questionados
sobre o não-oferecimento em esfera de tais serviços, os
responsáveis pelas diretorias regionais apontaram como
empecilhos os altos custos e a baixa demanda. Afirmaram
ainda que as soluções para os eventuais problemas tecnológicos são encaminhadas para outras instituições locais (como centros tecnológicos ou unidades do sistema
Senai) ou para a diretoria da capital.
A exemplo do que ocorre entre as ACIs/ACEs e as diretorias do Ciesp, os esforços de pesquisa mostraram que
os sindicatos patronais também têm um padrão de atuação
deficiente no que diz respeito ao incentivo ao esforço tecnológico local. Apesar do grande número (cerca de 250, a
maioria concentrada na capital) e da grande diversidade
das áreas de atuação, há uma certa tendência de concentração dos esforços em serviços gerais, como bancos de
dados sobre o setor, informações sobre mercados, assessoria jurídica e tributária, entre outros. Apenas em alguns
casos observa-se a disponibilização de serviços com caráter tecnológico, como incentivo ao treinamento e a programas da qualidade e produtividade, laboratórios especializados, assessoria em relação a marcas e patentes.
Laboratórios e Centros Tecnológicos e de P&D
Por fim, este trabalho buscou investigar todas as instituições de infra-estrutura e prestação de serviços de apoio
a atividades tecnológicas e inovativas presentes no Estado de São Paulo. Tais instituições agrupam-se em dois
grandes grupos: os laboratórios e centros tecnológicos e
de P&D credenciados e aqueles que não são credenciados.
O primeiro grupo subdivide-se em instituições credenciadas pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia – MCT,11
que gozam dos benefícios da Lei da Informática por realizarem atividades tecnológicas e de P&D em convênio com
empresas produtoras de bens e serviços de informática e
automação; e em instituições credenciadas pelo Instituto
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
CASOS ILUSTRATIVOS
E
AGLOMERAÇÃO:
MAPA 1
Cursos e Instituições de P&D no Eixo de Desenvolvimento (SP 330, SP 310 e BR 116)
Estado de São Paulo – 2002-04
Araraquara
Ribeirão
Preto
São Carlos
Pirassunuga
Limeira
Campinas
Jundiaí
São Paulo
Total de Cursos e Instituições de P&D
.
.
. 1 ponto = 1
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. Rais 2002; instituições de ensino em P&D.
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
...
Os casos selecionados têm distintas características,
especializações produtivas e organizações institucionais.
Como se pode observar no Mapa 1, a elevada concentração de cursos e instituições de várias naturezas, voltadas
direta ou indiretamente a atividades produtivas e inovativas das empresas locais, coincide com a presença de diversos SLPs, identificados pelo nome da microrregião,
seguindo o “eixo” de desenvolvimento centrado na Região
Metropolitana de São Paulo, que se estende ao longo das
rodovias Anhangüera (SP 330) e Washington Luís (SP 310)
e do Vale do Paraíba. Expressivas concentrações de cursos e instituições podem ser observadas também em
microrregiões mais afastadas desse eixo, nas quais também
estão presentes sistemas locais de produção.
A distribuição das instituições de apoio às atividades
tecnológicas e de inovação segundo microrregiões permite verificar que, a par de forte concentração na Região
Metropolitana de São Paulo, há no interior do Estado bastante coincidência com a distribuição geográfica das atividades produtivas e inovativas em sistemas locais de produção e inovação, identificada e mapeada em outro trabalho
(SUZIGAN et al., 2004). A discussão pormenorizada dos
dois mapeamentos excede os limites deste artigo. Aqui,
deseja-se ilustrar a discussão examinando, num corte por
microrregiões, três casos em que se verifica a existência
de sistemas locais de produção e inovação.
SÃO PAULO
O PAPEL
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
Indústria de Calçados de Franca
cante desse nível de educação na microrregião mostra que
existe crescente preocupação em formar profissionais de
maior qualificação, que seriam requisitados, por exemplo,
nas áreas técnicas, tecnológicas e de administração e gerência. Faltam, porém, cursos superiores que capacitem
trabalhadores especializados em desenvolvimento de novos produtos e design, assim como cursos de pós-graduação, especialmente MBA, para formar profissionais de
administração para cargos de direção. A maioria das empresas ainda não tem administração profissional, permanecendo com estruturas de gerência familiar.
Para a formação profissional e a qualificação da mãode-obra demandadas pela região, o SLP de Franca conta
com duas escolas técnicas e, principalmente, com os cursos técnicos e de aprendizagem industrial do Senai voltados à área de calçados e gestão de processos industriais.
A atuação desta é de fato bastante focada na indústria de
couros/calçados, mas abrangendo toda a cadeia produtiva, oferecendo formação para 2.500 alunos por ano em:
artefatos de couro, calçados de couro (pesponto, corte,
montagem, costura, modelagem, estilista, classificação de
couros, cronoanálise, PCP e custos), metal-mecânica,
matrizaria, manutenção de máquinas de calçados e de
pesponto, eletroeletrônica e informática.18 O Senai também
atua na área de tecnologia de couro/calçados e desenvolve serviços de qualificação de produtos e métodos de
gerenciamento, além de executar ensaios e testes físicos
em calçados, couros e outros materiais em seus laboratórios e em suas oficinas de manutenção.
Na área técnica e tecnológica destaca-se a atuação do
Centro de Tecnologia de Couro e Calçados (CTCC)/Instituto
de Pesquisas Tecnológicas (IPT), cujos laboratórios são
credenciados pelo MCT e estão em fase final de credenciamento pelo Inmetro. Além disso, o CTCC tem credenciamento em qualidade pela Fundação Vanzolini e pelo
Ministério do Trabalho e Emprego para emitir laudos de
ensaios de equipamentos de proteção individual. Cerca de
50 empresas por mês usam os serviços do CTCC/IPT, que
se caracteriza como uma das instituições mais importantes
da região na prestação de serviços técnico-gerenciais e
tecnológicos, de planejamento da produção, gestão empresarial, produtividade, qualidade e design de produtos,
ensaios e testes de produtos e materiais, contribuindo
significativamente para a capacitação gerencial, técnica e
inovativa das empresas. O centro atua também por meio de
programas específicos, tais como o Programa de Unidades
Móveis – Prumo/Calçados, em parceria com o Sebrae e a
Fiesp e participação da Secretaria Estadual de Ciência,
A microrregião de Franca caracteriza-se por concentrar
o segundo maior pólo produtor de calçados do país, com
uma característica distintiva: a especialização na produção
de modelos masculinos em couro. Comporta praticamente
toda a cadeia produtiva, articulada a uma organização institucional diversificada. Dessa forma, o SLP de calçados
destaca-se como elemento decisivo tanto para o desenvolvimento econômico da microrregião de Franca como da
própria indústria de calçados do Estado de São Paulo.
Segundo dados da Rais/MTE (2002), a região concentra 1.589 estabelecimentos ligados a toda a cadeia produtiva de calçados, incluindo as chamadas bancas de pesponto, que são unidades de prestação de serviços às
empresas em etapas específicas do processo produtivo,
intensivas em trabalho: o pesponto e a costura manual. Ao
todo, são gerados cerca de 24 mil empregos formais, dos
quais aproximadamente 17 mil diretamente na produção de
calçados de couro, além de empregos informais nas bancas, estimados em 2 mil, segundo informações da Escola
Senai Márcio Bagueira Leal,16 de Franca, para 2002.
A integração da cadeia produtiva na microrregião representa importante fonte de economias externas e induz à
aglomeração de empresas. Além disso, a concentração dos
produtores, aliada à presença de fornecedores especializados de máquinas, equipamentos, matérias-primas,
componentes e serviços, é capaz de facilitar e estimular as
interações, alimentando o processo de geração e difusão
de habilidades e conhecimentos. Nesse sentido, as empresas locais podem beneficiar-se de uma ampla oferta de mãode-obra qualificada e de profissionais especializados, além
de spill-overs tecnológicos e de conhecimento. Estes decorrem da simples proximidade geográfica e de interações
dos fabricantes de calçados com seus fornecedores e com
as instituições locais.
De fato, a região conta com um grande número de instituições de ensino e pesquisa, de formação profissional e
qualificação da mão-de-obra, de aprendizagem industrial e
treinamento técnico e de prestação de serviços às empresas nas áreas de ensaios e testes laboratoriais, desenvolvimento tecnológico e planejamento da produção. Essas
instituições contribuem para melhorar as capacitações técnicas e inovativas locais que, por sua vez, ampliam a capacidade de competição das empresas aglomeradas e do SLP.
Com relação ao ensino superior, a região possui duas
instituições que oferecem quatro cursos, formando cerca
de 100 bacharéis17 ao ano. A presença cada vez mais mar-
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LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
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AGLOMERAÇÃO:
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Tecnologia e Desenvolvimento, e o Projeto Extensão
Industrial Exportadora – Peiex, coordenado por MDIC,
Sebrae e Apex Brasil.19 O Prumo tem custo zero para as
empresas e consiste em visita e diagnóstico realizados por
engenheiro e técnicos, com veículo equipado com laboratório, visando identificar problemas e encaminhar soluções.
O Peiex conta com profissionais com conhecimentos em
várias áreas, denominados “extensionistas”, habilitados a
identificar problemas técnico-gerenciais, financeiros, de
recursos humanos, marketing e outros. Sua tarefa é buscar
soluções, procurando aumentar a capacidade de competição
das empresas e disseminar a cultura exportadora.
É importante ressaltar também que muitas das grandes
fabricantes de calçados têm seus próprios laboratórios de
ensaios e testes e, por razões ligadas a estratégias comerciais e de desenvolvimento de produtos, não utilizam os
serviços do CTCC e do Senai. Isso implica certa ociosidade dos equipamentos dessas duas instituições, aumento
dos respectivos preços dos serviços e diminuição ainda
maior de sua demanda.
Franca conta também com algumas associações patronais bastante atuantes, como a Associação Comercial de
Franca – Acif, o Sindicato das Indústrias de Calçados de
Franca – Sindifranca e agências do Sistema Ciesp/Fiesp.
Entretanto, à exceção dos serviços de laboratório que o
Sindifranca oferece às empresas associadas, as ações dessas entidades de classe limitam-se quase exclusivamente
à representação política dos produtores locais e à prestação de alguns serviços jurídicos e comerciais.
Porém, apesar das limitações, o arranjo institucional que
envolve toda a cadeia produtiva de calçados de Franca pode
ser considerado como um elemento positivo para a capacitação técnica, tecnológica e inovativa das empresas.
Dependendo do grau de interação com o setor produtivo,
pode ajudar de maneira significativa a melhorar a capacidade de competição e de inovação das empresas fabricantes de calçados.
mentos científicos e tecnológicos e na formação de profissionais qualificados para atividades inovativas. Isso induziu
o desenvolvimento na região de várias indústrias de alta
tecnologia, entre as quais se destaca a das Tecnologias
de Informação e Comunicação – TIC. Esse caso é bastante
ilustrativo do papel desempenhado pelas instituições locais na criação e disseminação de capacidades que deram
origem às atividades de TIC na região.
Segundo a classificação adotada pela OCDE,21 apresentada por Trullén et al. (2002), aplicada aos dados da Rais/
MTE referentes a 2002, as atividades de TIC na região de
Campinas totalizavam, naquele ano, 610 estabelecimentos22
e mais de 14.500 empregos formais, que representavam cerca
de 8,4% do total do trabalho formal nessas atividades no
Estado de São Paulo. Grande parte das maiores empresas
concentra-se nos chamados Parques Tecnológicos I e II,
duas áreas que ocupam 8 milhões de metros quadrados.
Nesses parques encontram-se cerca de 110 empresas de
TIC (sendo 63 de informática e 47 de telecomunicações),23
das quais 32 são subsidiárias de organizações que estão
entre as 500 maiores do mundo.
O surgimento do pólo de atividades de TIC de Campinas remonta ao estabelecimento pioneiro da IBM (em 1971)
e ao início das atividades do CPqD24 na região. A contribuição da IBM para o desenvolvimento do pólo reside
no fato de que, além de ter posição de destaque internacional no setor, a empresa foi responsável pela formação
e pelo treinamento de um grande número de trabalhadores (os chamados “ibemistas”), que posteriormente se deslocaram para outras empresas. Quanto ao CPqD, destaca-se como importante fonte de geração e difusão de
conhecimentos científicos e tecnológicos do pólo. Estabelecido em Campinas desde 1980, o CPqD
Atividades de Tecnologia de Informação e
Comunicação de Campinas
Entretanto, o principal fator de atração das atividades
de TIC para a região de Campinas é a grande oferta local
de cientistas, engenheiros e técnicos especializados. Isso,
por sua vez, resulta da forte base de instituições de ensino e pesquisa da região, que conta com cinco grandes instituições de ensino superior – IES e várias escolas técnicas e profissionalizantes. As IES formam anualmente – nas
modalidades avaliadas pelo Exame Nacional de Cursos –
mais de 1mil bacharéis, dos quais cerca de 600 são engenheiros. Dentre essas universidades destaca-se a Unicamp,
desenvolveu localmente os principais avanços da indústria
nacional de telecomunicações, como as centrais digitais
Trópico e a produção pioneira de fibras ópticas no país
(SUZIGAN et al., 2001).
A Região Metropolitana de Campinas destaca-se como
uma das mais industrializadas do país, apresentando uma
estrutura bastante diversificada. Juntamente com São Paulo,
Campinas é considerada também como uma das principais
áreas de inovação da América Latina.20 Concentra um importante número de instituições reconhecidas nacionalmente como centros de excelência na geração de conheci-
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
com forte especialização científica (engenharias e ciências
exatas e da terra) e tecnológica.25 As atividades de ensino, sobretudo de pós-graduação, e de pesquisa da Unicamp
geram amplos e variados efeitos de spillovers tecnológicos e de conhecimentos e spin-offs, que se concretizam na
criação de empresas de base tecnológica na região. Segundo a Agência de Inovação da Unicamp, somente nas duas
últimas décadas “pelo menos 85 empresas nasceram a partir das salas de aula da universidade”.26
Além disso, desde a década de 80 a Unicamp estabeleceu inúmeras parcerias com o CPqD, a partir das quais
surgiram várias empresas nacionais de TIC. A universidade mantém projetos de cooperação com empresas do pólo
direcionados principalmente para a área de pesquisa básica. Desse modo, tanto o CPqD quanto a Unicamp constituem-se como importantes centros difusores de efeitos
spillovers e spin-offs na região, beneficiando organizações
nacionais e multinacionais e gerando novas empresas de
base tecnológica, sobretudo nas atividades de TIC. Das
85 empresas “filhas” da Unicamp mencionadas anteriormente, mais de metade atua nas áreas de TIC (Figura 1).
As escolas técnicas e profissionalizantes da região oferecem, em conjunto, 17 cursos de aprendizagem industrial,
20 cursos técnicos e 3 cursos tecnológicos. As principais
são as dos sistemas Fatec, Cefet e Senai, além do Colégio
Técnico de Campinas – Cotuca. Entre outras, são contempladas as áreas de eletrônica, microeletrônica, telecomunicações, informática, mecatrônica, mecânica, automação e
química. Certamente tal oferta educacional, em comparação a outros SLPs, confere forte destaque à microrregião
de Campinas no que diz respeito à ampla disponibilidade
de recursos humanos qualificados.
A região conta também com uma ampla rede de laboratórios e centros de pesquisa e desenvolvimento, muitos deles
credenciados pelo MCT para usufruir recursos oriundos da
Lei de Informática, ou seja, diretamente relacionados com a
prestação de serviços a empresas de TIC. Alguns desses
laboratórios e centros de pesquisa são de grande porte e
constituem referências nacionais em suas respectivas áreas, como a Associação Brasileira de Luz Síncroton –
ABTLuS, que conta com cerca de 180 profissionais, além de
bolsistas e estagiários, e presta serviços em pesquisas com
luz síncroton, nanoestruturas, microcomponentes, construção de equipamentos científicos e proteínas. Destacam-se
ainda: o Centro de Pesquisas Renato Archer – CenPRA (antigo CTI), com 230 pesquisadores e 12 laboratórios, oferecendo serviços em qualidade de produtos e processos de
TIC, engenharia de protótipos e produtos de TIC; o CPqD,
com mais de mil profissionais e 20 laboratórios para ensaios
de produtos, medições de sistemas em campo, medições em
fibras ópticas, gestão de laboratórios; a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, com 16 laboratórios
e campos experimentais; o Instituto Agronômico de Campinas – IAC e o Instituto de Tecnologia de Alimentos – Ital,
cada um com nove centros de P&D e núcleos de análise.
Além dessas, há várias instituições de menor porte com laboratórios de ensaios e testes, centros de pesquisa e prestação de serviços em áreas como eletroeletrônica, telecomunicações e teleinformática; projeto e desenvolvimento de
software, hardware, design industrial e engenharia de produto; qualidade em software, experimentos com dispositivos ópticos, entre outras.
As atividades de TIC na região de Campinas são estimuladas também pela atuação de instituições como a Cia.
de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas – Ciatec e o Núcleo Softex Campinas. A primeira foi
criada em 1983,
FIGURA 1
Dinâmica de Interação entre os Agentes do Pólo
de TIC – Origem e Consolidação
Região de Campinas
Prestadoras de
Serviço
Especializado
Fornecedores
Nacionais
Institutos
de P&D
CPqD
Empresas Nacionais de
Telequipamentos
Unicamp
Multinacionais de
Telequipamentos
Pequenas
SoftwareHouses
Fornecedores
Locais
com o objetivo de coordenar as ações entre as empresas, de
modo a estimular a implantação de empresas de base
tecnológica na cidade e de intermediar as relações entre as
empresas e a universidade e os institutos de pesquisa
(SOUZA; GARCIA, 1998, p. 411).
Forte
Média
Fraca
Fonte: Diegues (2004). Para outros detalhes, ver também Diegues; Roselino (2005).
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
O Núcleo Softex Campinas, fundado pela Unicamp em
colaboração com a prefeitura municipal de Campinas e
associação local de empresas de software, mantém uma
incubadora de empresas e oferece serviços de consultoria,
incentivo a novas empresas, treinamento em gestão empresarial, acesso a linhas de financiamento e outros benefícios.
Portanto, a formação e a consolidação do pólo de atividades de TIC da região de Campinas estão estreitamente
relacionadas à rede de instituições de ensino e pesquisa,
aos centros de P&D e aos laboratórios, que contribuem para
a criação de conhecimentos científicos e tecnológicos e
para sua difusão, tanto por meio da mobilidade de mão-deobra e profissionais qualificados como pelas freqüentes
interações com o setor produtivo e pela criação de novas
empresas, num processo cumulativo de aprendizado coletivo que gera capacitações específicas e dinamiza a capacidade de inovação das empresas locais.
A indústria de móveis tem uma característica específica: é bastante dispersa em termos geográficos. Por isso,
não há grandes pólos produtores que respondam por boa
parcela da produção estadual. Entretanto, casos como o
de Votuporanga mostram que tal produção pode se constituir em importante vetor de desenvolvimento local e regional. De fato, há na microrregião e especialmente nesse
município uma expressiva aglomeração de fabricantes de
móveis e seus fornecedores que, em conjunto, geravam em
2002 cerca de 3 mil empregos formais. Esse volume era
pouco representativo (menos de 4%) em termos da participação no total da indústria de móveis no Estado. Mas era
– e é – muito significativo do ponto de vista do desenvolvimento local, representando metade do total de empregos
formais da indústria de transformação da microrregião.27
Nesse sentido, constitui-se no centro dinâmico da economia microrregional e tem influenciado as microrregiões vizinhas, como Mirassol, Valentim Gentil e outras, que também concentram empresas fabricantes de móveis.
O SLP de móveis de Votuporanga é composto majoritariamente por empresas de médio e pequeno portes, fabricantes de produtos finais.28 A pequena escala de produção, a diversidade de matérias-primas e os diferentes
segmentos de mercado, tanto em termos de uso (profissional e doméstico, e neste os móveis de sala, cozinha e
dormitório) quanto de faixas de renda dos consumidores,
dificultam a integração da cadeia produtiva na região. Isso,
por sua vez, limita as possibilidades de divisão do traba-
EM
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AGLOMERAÇÃO:
O PAPEL
...
lho e de realização de ações coordenadas das empresas.
Apesar disso, Votuporanga tem uma história singular
de realizações coletivas, o que se deve justamente ao papel relevante desempenhado por instituições locais. As
mais importantes são a Associação Industrial da Região
de Votuporanga – Airvo, o Centro Tecnológico de Formação Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad e as
instituições locais de ensino superior.
A Airvo, criada na década de 70, teve um papel crucial
no início dos anos 90, quando forte crise atingiu a
indústria local. A associação buscou a assessoria de
profissionais especializados e, com apoio do Sebrae/SP,
implementou o Pólo de Modernização do Setor Moveleiro
de Votuporanga, também conhecido como Interior
Paulista Design. Esse projeto, que tentava criar uma marca
local e um estilo próprio (móvel country), fracassou, mas
mostrou a importância de iniciativas coletivas para
promover o desenvolvimento local. Com isso, ainda em
1993 um grupo de empresas tomou uma providência que
mudaria a trajetória de evolução da indústria moveleira
de Votuporanga: a contratação de um profissional para
atuar como coordenador de ações e iniciativas coletivas
locais. Esse profissional revelou-se um elemento de
reforço de diversas características importantes da
indústria local, sobretudo os seus vínculos de cooperação
e as economias de aglomeração passíveis de
aproveitamento, reforço e desenvolvimento.
As medidas adotadas a partir de então impulsionaram o
crescimento, melhoraram a qualidade dos produtos e introduziram o elemento tecnológico e a qualificação da mãode-obra na estratégia competitiva das empresas. As mais
importantes foram: a contratação de consultores especializados em gestão empresarial (custos, layout, processos
de produção, marketing), a implantação de um programa
de qualidade total em que técnicos especialmente treinados atuavam como “multiplicadores de conhecimento”
junto às empresas, a criação de um curso superior de Tecnologia em Produção Moveleira no Centro Universitário
de Votuporanga – Ceuv, além da adoção de uma estratégia permanente de formação de mão-de-obra especializada e de incorporação de tecnologias de processo e de produto, culminando com a inauguração, em 2001, do Cemad.
Este oferece cursos técnicos e profissionalizantes e possibilita que as empresas locais tenham acesso a uma infraestrutura especializada de P&D e design em produção
moveleira, a serviços de assessoria técnica e tecnológica,
gestão da produção, informação tecnológica e ensaios
laboratoriais (Figura 2).
Indústria de Móveis de Votuporanga
SÃO PAULO
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WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
FIGURA 2
Centro Tecnológico de Formação Profissional da Madeira e do Mobiliário – Cemad
2004
Gestão da
Produção
Informação Tecnológica
Diagnósticos, propriedade industrial, editoração,
registros, publicações, prospecção tecnológica,
estudos de viabilidade e outros
Desenvolvimento
Tecnológico
Prototipagem,
desenvolvimento e
redesign de produtos
Assessoria Técnica e
Tecnológica
ISO 9000, planej. e desenv.
de métodos de produção,
otimização de plantas, sist.
de segurança do trabalho e
outros
Assistência
Técnica e
Tecnológica
Cemad
Cursos
- Básico: aprendizagem industrial e construção de
móveis
- Técnico: técnico em movelaria e design de
móveis
- Formação continuada: metrologia, custos
industriais, desenho técnico, programador e
operador centros usinagem CNC, CAD
Ensaios Laboratoriais
Cerca de 20 tipos de testes e
ensaios aplicados tanto a móveis
de madeira como de metais
Fonte: Elaboração dos autores, a partir de informações diretas do Cemad.
O Cemad foi concebido pelo agente coordenador do SLP
de Votuporanga em colaboração com o Senai/SP, inspirado no Centro de Tecnologia do Mobiliário – Cetemo, de
Bento Gonçalves (RS), com apoio da Airvo e parceria da
Fundação Votuporanguense de Educação e Cultura –
Fuvec e da prefeitura municipal. Ao lado da participação
do Senai, o coordenador mobilizou recursos de vários órgãos e de agências públicas de fomento e financiamento,
como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social – BNDES, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, o Programa de
Expansão da Educação Profissional – Proep/MEC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
Complementando a ação do Cemad, o Centro Universitário de Votuporanga, mantido pela Fundação Educacional de Votuporanga, oferece vários cursos de graduação
que contribuem para a formação de profissionais qualificados. Dois deles obtiveram conceito A na avaliação do
MEC e um deles é o já mencionado curso de Tecnologia
em Produção Moveleira, criado especificamente para atender às necessidades da indústria da região.
Como resultado dessas ações, a indústria de móveis
de Votuporanga avançou em termos tecnológicos e da
qualidade de seus produtos. Já em 2000, das 14 fabricantes de móveis com certificação ISO 9002 no Brasil, 6 eram
de Votuporanga e outras 15 empresas locais estavam em
processo de certificação. 29 Organizações inovadoras
passaram a dar mais atenção a design e desenvolvimento
de produtos, prospecção de mercados, diferenciação de
produtos buscando nichos em classes de renda mais elevada e a exportação, de forma que o pólo moveleiro de
Votuporanga tornou-se um dos quatro mais importantes
do país, junto com Bento Gonçalves (RS), São Bento do
Sul (SC) e Apucarana (PR).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo procurou mapear a distribuição geográfica
das instituições que de alguma forma influenciam as atividades das empresas no Estado de São Paulo, caracterizando-as e descrevendo suas funções, particularmente no
apoio e suporte para o aprendizado tecnológico e capacitação para inovação. Buscou também mostrar que há uma
certa coincidência entre a distribuição geográfica das instituições e a formação de sistemas localizados de produção e inovação no Estado.
98
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
LOCALIZAÇÃO, INOVAÇÃO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
AGLOMERAÇÃO:
O PAPEL
...
senvolvimento de novas capacitações técnicas, tecnológicas e inovativas. Porém, essa liderança depende de muitos fatores, nem sempre enraizados localmente, tais como
legitimidade política, domínio de códigos comuns de comunicação e ambiente sociocultural propício ao associativismo e à cooperação.
Tendo em vista o foco na criação de capacitações científicas, técnicas e inovativas, tentou-se mapear instituições
de ensino (superior, tecnológico, técnico e de aprendizagem industrial), laboratórios, centros tecnológicos e de
P&D, além de associações de classe e sindicatos patronais
que pudessem prestar serviços ao setor produtivo. A escolha dessas instituições justifica-se por serem geradoras
de conhecimento científico e tecnológico, formadoras de
mão-de-obra e de profissionais qualificados, responsáveis
em grande medida pela difusão de novos conhecimentos e
tecnologias e pela criação de novas empresas em virtude
de spin-offs dos resultados de cursos e pesquisas.
Dado que os processos de aprendizado tecnológico e
inovativo são condicionados por uma ampla gama de fatores institucionais, organizacionais e socioculturais relativamente imóveis, a presença de instituições regionais de
apoio é um elemento importante para o sucesso de sistemas locais de produção e inovação. A existência de instituições de ensino que promovam a formação de recursos
humanos qualificados mostrou-se como um dos pré-requisitos essenciais para capacitar as empresas da região para
usar novas tecnologias e para inovar. Ou seja, uma vez que
os avanços tecnológicos e os processos inovativos mostram-se cada vez mais complexos e arriscados, os recursos
humanos qualificados configuram-se como condição sine
qua non ao processo contínuo de aprendizado.
O artigo também destacou a importância de centros de
pesquisa, laboratórios de ensaios e testes, centros tecnológicos e de P&D, uma vez que estes são responsáveis pelo
desenvolvimento formal de novas tecnologias, novos produtos e processos de maior conteúdo tecnológico e
inovativos e pela realização de testes e ensaios com novos materiais, componentes e produtos. A criação de estruturas formais, internas às empresas, para desempenhar
essas funções certamente implicaria custos e riscos insuportáveis para a maioria das organizações, sobretudo as
de menor porte. Por isso, a interação com essas instituições, facilitada pela proximidade geográfica, revelou-se
fundamental para a formação e consolidação de sistemas
localizados de produção e inovação, complementando a
transmissão de conhecimentos tácitos possibilitada pela
mobilidade de trabalhadores e técnicos.
Por último, quanto às associações de classe e sindicatos patronais, seu papel ainda é bastante limitado. Mesmo
assim, a exemplo do que ocorreu com a indústria de móveis de Votuporanga, sua liderança pode ser decisiva para
iniciar e coordenar ações coletivas e promover interações
do setor produtivo com instituições locais visando o de-
SÃO PAULO
E
NOTAS
Os autores agradecem o apoio do CNPq, por meio do Auxílio Pesquisa n o 478.786/2003-4, e da Fapesp, por meio de bolsas de Iniciação Científica para Antonio Carlos Diegues Jr. (2004) e Ana
Paula Munhoz Cerrón (2003-04). Agradecem também os Professores Renato Garcia e João Furtado, ambos do Departamento de
Engenharia da Produção da Escola Politécnica/USP, pelo estímulo, pelo apoio e pela ajuda nas pesquisas e no decorrer da elaboração do artigo.
1. Dentre eles destacam-se Saxenian (1994), Feldman (1994; 2001),
Audretsch (1998), Audretsch e Feldman (1996) e Breschi e Malerba
(2001).
2. Algumas informações foram sistematizadas por municípios,
outras por microrregiões. Isso, no entanto, não oferece qualquer
dificuldade à comparação, feita adiante, entre os padrões de distribuição geográfica das instituições e dos sistemas localizados de
produção e inovação, identificados por microrregião.
3. A partir de 2004, os padrões de avaliação do ensino superior
foram reformulados e o Exame Nacional de Cursos foi extinto. Em
seu lugar, surgiu o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
– Enade, cuja primeira edição ocorreu em novembro de 2004.
4. A discrepância com os dados da Rais, anteriormente citados, devese às diferentes metodologias adotadas na coleta de dados e informações.
5. Disponível em: <http://www.ceeteps.br>.
6. Disponível em: <http://www.cefetsp.br>.
7. Disponível em: <http://www.sp.senai.br>.
8. Disponível em: <http://www.ciesp.com.br>.
9. Disponível em: <http://www.facesp.com.br>.
10. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br>.
11. Disponível em: <http://www.mct.gov.br>.
12. Disponível em: <http://www.normalizacao.cni.org.br>.
13. Disponível em: <http://www.embrapa.br>.
14. Disponível em: <http://www.iac.sp.gov.br>.
15. Disponível em: <http://www.ital.org.br>.
16. Disponível em: <http://www.sp.senai.br/calcados/>.
17. Os referidos bacharelados correspondem aos diversos cursos de
engenharia, farmácia-bioquímica, química, biologia e agronomia.
18. Informações diretas da Escola Senai Márcio Bagueira Leal, de
Franca, referentes aos cursos oferecidos no segundo semestre de
2005.
19. Em abril de 2005, o Peiex seria oficialmente lançado, mas algumas operações já estavam sendo executadas.
20. Conferir Agência de Inovação da Unicamp, disponível em:
<http://www.inova.unicamp.br>.
99
WILSON SUZIGAN / ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN / ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR
21. Ou seja, abrangendo não apenas atividades industriais mas também desenvolvimento de software e serviços relacionados.
22. Dentre as principais empresas do pólo de TIC de Campinas
destacam-se: IBM, Motorola, Nortel Networks, Ericsson, Solectron,
Asga, Celestica, Trópico, além da Fundação CPqD.
23. Disponível
revista.asp>.
em:
<http://www.timaster.com.br/revista/
24. Criado em 1976 como centro de P&D da extinta Telebrás, o
CPqD é atualmente a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações.
25. Segundo a Agência de Inovação da Unicamp, a Unicamp é a
universidade que detém o maior número de patentes no país, com
350 pedidos depositados até abril de 2005, além de 40 marcas e 55
softwares (Disponível em: <http://www.inova.unicamp.br>).
26. Ver: <http://www.inova.unicamp/oportunidadeseprojetos/
empresasfilhas.php>.
27. Dados da Rais/MTE (2002). Estimativas locais indicam que,
considerando também os empregos informais, a indústria de móveis de Votuporanga gerava, em 2002, cerca de 6 mil empregos.
28. Segundo dados da Rais/MTE (2002) havia um total de 183
empresas fabricantes de móveis na microrregião, considerando as
três classes CNAE: 36.110 (móveis de madeira), 36.129 (móveis
de metal) e 36.137 (móveis de outros materiais). Levando em conta
o número de empregos gerados, pode-se constatar a baixa média de
empregos por unidade empresarial.
29. Informações diretas prestadas em 2004 pela Fuvec, entidade
mantenedora do Cemad.
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(Fapesp – Processo 03/07816-4). Disponível em:
<http://diegues-jr.sites.uol.com.br/
Software_TIC_Campinas_BRAZIL.pdf>.
WILSON SUZIGAN: Professor do Departamento de Política Científica e
Tecnológica – Instituto de Geociências/Unicamp e Editor da Revista
Brasileira de Inovação ([email protected]).
ANA PAULA MUNHOZ CERRÓN: Economista pelo IE/Unicamp.
ANTONIO CARLOS DIEGUES JUNIOR: Economista pelo IE/Unicamp.
Artigo recebido em 27 de abril de 2005.
Aprovado em 13 de maio de 2005.
100
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 86-100, abr./jun. 2005
BIOTECNOLOGIA
E
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA
da ciência e tecnologia aos impactos da inovação
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA
IZAIAS DE CARVALHO BORGES
ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
Resumo: O texto mostra a evolução recente da biotecnologia agrícola, sua situação no Brasil atual, e faz um
balanço de seus impactos econômicos e sociais. Chama atenção para o fato de esta tecnologia ter passado
rapidamente do estágio de ciência para o de inovação, com impactos significativos na economia nacional.
Palavras-chave: Biotecnologia agrícola. Impactos econômicos. Transgênicos.
Abstract: The paper show the recent agriculture biotechnology evolution, the brazilian situation and
does a balance of the economics and socials impacts. The paper call attention to the fact of that technology
to be quickly changing from the science’s level to the innovation one, with significant impacts in the
national economy.
Key words: Agricultural biotechnology. Economic impacts. Transgenic.
C
om a descoberta da tecnologia do DNA recombinante, a emergência da biotecnologia moderna
nos anos 70 significou uma mudança radical no
padrão tecnológico e organizacional de todos os setores
que direta ou indiretamente estão ligados às “ciências da
vida”. A agricultura – e toda a cadeia produtiva da agroindústria – está entre os setores que mais impactos vem sofrendo com a descoberta dessa nova tecnologia.
Primeiramente, a biotecnologia moderna causou
mudanças radicais na estrutura do mercado da indústria
de fertilizantes e de sementes e, conseqüentemente, a
indústria de insumos sofreu impactos. Depois, a partir
de 1996, ela passou a ser introduzida na agricultura, por
meio de sementes geneticamente modificadas. Finalmente, ela também começa a causar impacto na indústria de
processamento, com a necessidade de rotulagem e
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
rastreamento dos produtos derivados de cultivos geneticamente modificados.
Este artigo visa mostrar a evolução do crescimento da
produção de cultivos geneticamente modificados e seus
principais impactos econômicos, a partir de 1996. Na primeira parte faz uma breve descrição da biotecnologia agrícola moderna, suas principais aplicações, sua difusão,
principais produtos e produtores. Em seguida, apresenta
uma análise da biotecnologia no Brasil, país com grande
peso no comércio mundial de commodities, com boa infraestrutura científica e tecnológica, mas com sérios obstáculos institucionais que o impedem de ter grande inserção no comércio mundial de cultivos geneticamente
modificados. E, finalmente, analisa os principais estudos
de impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura, para os três grupos
101
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM
DA
SILVEIRA / IZAIAS
DE
CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
de commodities com maior proporção de variedades geneticamente modificadas: soja, algodão e milho. Os impactos
são estudados sobre três variáveis: custo de produção,
produtividade e inserção no mercado.
Entre 1987 e 2000 foram realizados mais de 11.000 ensaios de campo em 45 países, com mais de 81 cultivos GM
diferentes. As culturas mais freqüentemente testadas foram milho, tomate, soja, canola, batata e algodão, e as características genéticas introduzidas foram tolerância a
herbicidas, resistência a insetos, qualidade do produto e
resistência a vírus (BORÉM; SANTOS, 2001).
A utilização de cultivos GM para fins comerciais e em
grande escala iniciou-se em 1996, nos Estados Unidos,
com a introdução da soja RR. Como mostra o Gráfico 1,
entre 1996 e 2003, a área plantada com cultivos GM cresceu de 2,8 milhões para 67,7 milhões de hectares.
BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA
A biotecnologia pode ser definida como um conjunto
de técnicas de manipulação de seres vivos ou parte destes
para fins econômicos. Esse conceito amplo inclui técnicas que são utilizadas em grande escala na agricultura
desde o início do século XX, como a cultura de tecidos, a
fixação biológica de nitrogênio e o controle biológico de
pragas. Mas o conceito inclui também técnicas modernas
de modificação direta do DNA de uma planta ou de um
organismo vivo qualquer, de forma a alterar precisamente as características desse organismo ou introduzir novas.
A técnica de transferência e modificação genética direta, conhecida como engenharia genética ou tecnologia
do DNA recombinante, mais a genômica, ficaram conhecidas como “biotecnologia moderna”, em contraposição
à “biotecnologia tradicional ou clássica”, que inclui as
técnicas tradicionais, que manipulam seres vivos sem
manipulação genética direta.
Portanto, o surgimento da biotecnologia moderna marca
o início de um novo estágio para a agricultura e reserva
um papel de destaque à genética molecular. Os avanços
no campo da genética vegetal têm como efeito reduzir a
dependência excessiva da agricultura das inovações mecânicas e químicas, que foram os pilares da revolução
verde. Além do aumento da produtividade, a biotecnologia
moderna pode contribuir para a redução dos custos de
produção, para a produção de alimentos com melhor qualidade e para a o desenvolvimento de práticas menos agressivas ao meio ambiente.
Assim, a principal contribuição da biotecnologia moderna à agricultura é a possibilidade de criar novas espécies a partir da transferência de genes entre duas outras
distintas. Essa transferência visa ao desenvolvimento de
uma planta com um atributo de interesse econômico, como
é o caso das plantas resistentes a vírus ou a pragas.
Os primeiros experimentos com cultivos geneticamente modificados (GM) foram feitos em 1986, nos Estados
Unidos e na França. A primeira variedade comercializada
de uma espécie vegetal produzida pela engenharia genética foi o “tomate FlavrSavr”, desenvolvido pela empresa
americana Calgene e comercializada a partir de 1994
(BORÉM; SANTOS, 2001).
GRÁFICO 1
Expansão Mundial da Produção de Cultivos GM
1996-03
Área plantada em milhões de hectares
80
67,7
70
58,7
60
52,6
50
44,2
39,9
40
27,8
30
20
10
12,8
2,8
Anos
0
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
Fonte: James (2004).
Quanto aos atributos dos cultivos GM, há uma concentração nos cultivos tolerantes a herbicidas e nos resistentes a insetos. Em 2003, da área total com cultivos GM,
73% referiam-se a variedades tolerantes a herbicidas, 18%
a variedades resistentes a insetos e 9% apresentavam as
duas funções (JAMES, 2004).
Quanto aos produtos, a produção de cultivos GM está
concentrada em quatro grupos de commodities de grande
valor do comércio mundial: soja, milho, algodão e canola.
Como mostra o Gráfico 2, a soja é o principal produto,
pois responde por cerca de 60% da área mundial plantada
com cultivos GM. Quanto à taxa de difusão (relação entre
a produção de cultivos GM e os cultivos convencionais),
a soja também se destaca dos demais, pois sua taxa de
adoção em 2003 foi de cerca de 55% em relação a produção
mundial, como mostra o Gráfico 3. Nos Estados Unidos e
na Argentina (primeiro e terceiro maiores produtores
mundiais), essa taxa atinge 85% e 99%, respectivamente.
102
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005
BIOTECNOLOGIA
E
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
GRÁFICO 2
Distribuição dos Cultivos GM, por Produtos
1996-03
Em % da área plantada
100
0,06
0,09
0,11
90
0,06
0,09
0,09
0,09
0,13
0,30
0,28
0,23
0,52
0,54
1998
1999
0,05
0,05
0,05
0,13
0,12
0,11
0,19
0,21
0,23
0,63
0,62
0,61
2001
2002
2003
0,13
80
0,47
70
0,29
60
50
40
0,18
30
0,46
0,58
20
0,29
10
0
Anos
1996
1997
Soja
2000
Milho
Algodão
Canola
Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos).
Como já foi mencionado antes, a difusão dos GM tem
sido acelerada. Entre 1996 e 2003, a taxa de crescimento
geométrico anual da área plantada com cultivos transgênicos foi de 46,42%. Apesar da grande participação dos
Estados Unidos, a Tabela 1 mostra que a difusão ocorreu
também nos países em desenvolvimento, com destaque
para a Argentina, que apresentou no mesmo período uma
taxa de crescimento geométrico anual de 80%.
Atualmente, os cultivos GM estão presentes em 18 países, os quais têm grande peso na economia regional e
mundial. Os dez principais produtores de cultivos GM em
2003 tinham população de aproximadamente 3 bilhões de
pessoas e PIB de US$ 13 trilhões, quase a metade dos
US$ 30 trilhões do PIB mundial. Afora os Estados Unidos,
estão entre os países produtores de cultivos GM: os três
países mais populosos da Ásia (China, Índia e Indonésia)
as três maiores economias da América Latina (Brasil, México e Argentina) e a principal economia africana (África
do Sul).
Além do peso nas economias regionais, os países produtores de cultivos GM destacam-se também no comércio mundial de commodities. Como mostra a Tabela 2, os
maiores produtores mundiais de soja, milho e algodão já
adotaram cultivos GM.
A dimensão da difusão geográfica dos cultivos GM fica
mais evidente quando são analisados os principais produtos disponíveis e aprovados para comercialização. 1
Como a produção de soja, milho e algodão é concentrada
em poucos países, é natural que a quantidade de países
que produzem as variedades GM não seja muito maior. A
soja, por exemplo, tem 93% da produção mundial cultivada em apenas cinco países. No caso do milho e do algodão, a concentração é um pouco menor, mas ainda assim é
muito elevada: os cinco maiores produtores representam
GRÁFICO 3
Taxa de Adoção de Cultivos GM, por Produtos
2003
Área de Transgênicos
160
Área de Não-Transgênicos
Em milhões de hectares
140
120
100
80
60
124,5
34,6
40
20
41,4
26,8
18,4
3,6
7,2
0
15,5
Soja
Algodão
Canola
Milho
(55% )
(21% )
(16% )
(11% )
Fonte: James (2004).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
103
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM
DA
SILVEIRA / IZAIAS
DE
CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
TABELA 1
Expansão da Área Plantada com Cultivos Transgênicos
1996-03
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Taxa de Crescimento
Geométrico Anual
2003
(%)
Total
2,8
12,8
27,8
39,9
44,2
52,6
58,7
67,7
46,4
Países Desenvolvidos
1,6
9,5
23,4
32,8
33,5
39,1
42,7
47,3
47,7
Estados Unidos
1,5
8,1
20,5
28,7
30,3
35,7
39
42,8
48,7
Áreas com
Cultivos Transgênicos
Em milhões de hectares
Países em Desenvolvimento
1,2
3,3
4,4
7,1
10,7
13,5
16
20,4
45,5
Argentina
0,1
1,4
4,3
6,7
10
11,8
13,5
13,9
80,0
Fonte: Elaborado a partir de James (vários anos).
TABELA 2
71% da produção mundial. Assim, o importante é salientar
que, como mostra a Tabela 2, dentre os maiores produtores mundiais dessas commodities, todos já produzem ou
fazem experimentos de campo com cultivos GM.
A existência de restrições ao comércio de produtos GM
em diversos países, especialmente na União Européia, não
impediu seu vigoroso crescimento no mercado mundial.
Entre 2002 e 2003, o valor comercializado com GM aumentou de US$ 4 bilhões para algo estimado entre US$ 4,5 bilhões e US$ 4,75 bilhões. Em 2002, a participação mundial
desse tipo de cultivo já era de 15% dos US$ 31 bilhões do
mercado global de proteção de plantas e 13% dos US$ 30
bilhões do mercado de sementes. Entretanto, esse valor de
mercado baseia-se apenas no preço das sementes acrescido das taxas de tecnologias aplicáveis (JAMES, 2004).
Se for considerado também o volume de comércio das
três principais commodities com cultivos GM, o valor do
mercado mundial é bem maior do que os US$ 4,5 bilhões.
A Tabela 3 apresenta um valor subestimado do volume de
produção e de exportação mundial de cultivos GM em 2003.
Esses valores estão subestimados porque não incluem a
produção de canola e porque não é possível mensurar corretamente a produção em países como o Brasil devido à
vasta produção clandestina.
Tomando como base os dados sobre as taxas de adoção apresentados por James (2004) estima-se que a produção total de cultivos GM dos três principais produtos foi de aproximadamente US$ 30 bilhões em 2003 (Tabela 3). Já as exportações de cultivos GM de soja, algodão e
milho em 2003, foi de aproximadamente US$ 8,3 bilhões. A
soja é o principal produto GM em termos de volume de exportações, representando 90% das exportações de cultivos GM em 2003.
Participação na Produção Total dos Cinco Principais Produtores
Mundiais de Soja, Milho e Algodão
Países Selecionados – 2003
Produtos / Países
Participação na
Produção Mundial (%)
Adoção de Cultivos
GM
Soja (em grãos)
Total
93,0
Estados Unidos
35,0
Sim (85%)
Brasil
27,0
Sim (10-20%)
Argentina
18,0
Sim (99%)
China
9,0
Não
Índia
4,0
Não
Milho
Total
71,0
Estados Unidos
40,0
Sim (30%)
China
18,0
Não
Brasil
7,0
Não
México
3,0
Sim (1)
Argentina
2,0
Sim (1)
Algodão (em plumas)
Total
71,0
China
26,0
Sim (58%)
Estados Unidos
20,0
Sim (37%)
Índia
12,0
Sim (1)
Paquistão
9,0
Sim (1)
Brasil
4,0
Não
Fonte: FNP-Agrianual (2004) e James (2004).
(1) Sem informação exata sobre a taxa de adoção.
104
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005
BIOTECNOLOGIA
TABELA 3
Produção
Total
Algodão
Milho
196
41.885
19
890
599
57.264
55,0
21,0
11,0
Produção de Transgênicos
Em milhões de toneladas
108
Em milhões de US$ (1)
23.037
4
187
66
6.299
178
29.523
Exportação
Em milhões de toneladas
Em milhões de US$ (1)
63
13.463
6,6
309
76
7.265
146
21.037
55,0
21,0
11,0
Exportação de Transgênicos
Em milhões de toneladas
35
Em milhões de US$ (1)
7.405
1
65
8
799
Produção Total
Em milhões de toneladas
Em milhões de US$ (1)
Taxa de Adoção
de Transgênicos (%)
Taxa de Adoção
de Transgênicos (%)
Soja
814
100.039
44
8.269
Fonte: James (2004); FNP (2004).
(1) Calculado com base no preço de primeira entrega em Chicago.
BIOTECNOLOGIA AGRÍCOLA NO BRASIL
O Brasil é um país com grande potencial para o desenvolvimento da biotecnologia agrícola. Em primeiro lugar, é
um país detentor de grande diversidade biológica e o mais
rico em plantas, animais e microorganismos, com cerca de
20 % do total existente. No caso de plantas superiores, o
Brasil possui cerca de 55 mil espécies, o equivalente a 21%
do total classificado em todo o mundo. Essa elevada concentração de biodiversidade mostra que existe um elevado número de genes tropicais e de genomas funcionais
(VALOIS, 2001).
Em segundo lugar, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil é considerado um Super NARS. Ou seja, é um
país que possui um forte sistema nacional de pesquisa
agrícola (TRAXLER, 2000). O Brasil é o único país tropical
considerado um grande player no cenário agrícola mundial. Essa posição foi conquistada com muitos anos de pes-
SÃO PAULO
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PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
quisa científica voltada para um melhor aproveitamento das
suas vantagens naturais: clima tropical e subtropical, cerrados (que permitem rápida expansão da área cultivada e
aumento rápido da produtividade) e germoplasma selecionado e adaptado de grande variabilidade (obrigação frente à grande variabilidade ambiental). A pesquisa científica
contribuiu não apenas para o aumento da produtividade,
mas também para a melhora na qualidade dos produtos e
para o aumento da diversificação da produção. A produção de soja na região Centro-Oeste e a de frutas na região
Nordeste são exemplos da contribuição da pesquisa para
a diversificação.
No caso da biotecnologia, o Brasil possui uma ampla
rede de pesquisa, que tem a liderança do setor público,
mas conta também com a participação de empresas privadas. Nas pesquisas genômicas, por exemplo, diversas etapas foram realizadas com a ajuda do setor privado.
Atualmente existem no Brasil diversos grupos em instituições públicas e universidades que estão desenvolvendo pesquisas com transgenia e genômica. Em 2000 havia
6.616 pesquisadores trabalhando com biotecnologia no
país, distribuídos em 1.718 grupos e 3.814 linhas de pesquisas. As ciências agrárias lideravam os grupos, com 1.075
linhas de pesquisa. Grande parte dessa pesquisa estava
concentrada em instituições públicas, mas, nos últimos
anos, vem crescendo a participação das empresas privadas (SALLES FILHO, 2000).
Como mostra o Quadro 1, as pesquisas com transgenia
no país têm a liderança da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – Embrapa e de algumas universidades públicas. As pesquisas são direcionadas não apenas ao desenvolvimento de transgênicos com “propriedades agronômicas” (como resistência a pragas e tolerância a
agrotóxicos), mas também com modificações na qualidade
de produto, como é o caso da pesquisa para o desenvolvimento de um eucalipto com maior produção de celulose.
Outra área de destaque no Brasil é a da genômica. As
pesquisas genômicas tiveram início em maio de 1997, com
a iniciativa da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado
de São Paulo – Fapesp em organizar a Rede ONSA (do inglês, Organização para o Seqüenciamento e Análise de
Nucleotídeos), que é um instituto virtual de genômica formado inicialmente por 30 laboratórios de diversas instituições de pesquisa do Estado de São Paulo.
Além da Fapesp, o Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) e o Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq estão
financiando diversos projetos genomas no país. Em dezembro de 2000, eles lançaram o Projeto Genoma Brasilei-
Volume Estimado da Produção e da Exportação Mundial
de Cultivos GM, por Produtos
2003
Volume da Produção
e Exportação
E
105
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM
DA
SILVEIRA / IZAIAS
DE
CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
QUADRO 1
Pesquisas da Embrapa para o Desenvolvimento de Plantas Geneticamente Modificadas
Produtos
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Instituição
Plantas que produzem hormônios
Mamão resistente ao vírus da manda anelar
Feijão tolerante ao vírus do mosaico dourado
Soja tolerante à herbicida
Milho com alto teor de metionina
Milho e Sorgo resistente à alumínio
Batata resistente a vírus
Arroz resistente a insetos
Laranja resistente a vírus
Maracujá resistente a doenças
Eucalipto com maior produção de celulose
Embrapa/Unicamp
Embrapa
Embrapa
Embrapa
Embrapa
Embrapa
Embrapa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Allelyx
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – Esalq
Fonte: Embrapa (2004); CIB (2004).
ro com a participação de 25 laboratórios de biologia
molecular, distribuídos em todas as regiões geográficas do
país (DAL POZ et al., 2004).
Há financiamento para diversos estudos genômicos no
campo da saúde humana,2 mas grande parte deles está voltada para a resolução de problemas da agricultura. O Quadro 2 mostra, de forma resumida, os principais estudos
genômicos de plantas e de outros organismos de interesse para agricultura desenvolvidos nos últimos anos. Afora esses, iniciou-se em 2002, com financiamento da Fapesp,
o estudo do genoma funcional do boi, que poderá ter grande impacto na pecuária brasileira.
Além do setor público, a rede de pesquisa e inovação
no Brasil conta com a participação ativa do setor privado.
Um estudo realizado em 2001 pela Fundação Biominas, com
base em dados da Base de Dados Tropicais (BDT) e da Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia (Abrabi),
identificou a existência de 304 empresas de biotecnologia
no país, distribuídas em 10 segmentos de mercado, dentre
as quais, 37 atuam em agronegócios (JUDICE, 2004).
Uma parte considerável das empresas de biotecnologia
no mercado de agronegócios produz e comercializa sementes melhoradas e conta com a participação das grandes empresas multinacionais, como Monsanto e Dupont.
Mas também existem empresas que atuam em outros segmentos, como a produção de mudas e matrizes e a produção de inoculantes e de controle biológico (FONSECA et
al., 2004).
Entretanto, apesar de existir uma forte rede de pesquisas e desenvolvimento e de o país ser um grande produtor
e exportador agrícola, a difusão de organismos geneticamente modificados na agricultura é muito inferior à realizada nos outros competidores no comércio internacional,
como os Estados Unidos e Argentina. Em 2003, a produção de transgênicos no Brasil representava apenas 4% da
produção mundial. Além disso, a soja RR era o único produto transgênico produzido no país, embora este também
fosse produtor de milho e algodão (JAMES, 2004).
A dificuldade para criar um quadro regulatório estável
e coerente nos últimos oito anos foi a principal causa para
o atraso do Brasil em relação aos seus concorrentes. Apesar do Decreto no 1.752, de 20 de dezembro de 1995, que
regulamentou a Lei de Biossegurança e conferiu a CTNBio
o poder de emitir pareceres conclusivos, uma ação judicial
movida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
(Idec) e pelo Greenpeace impede a produção e a comercialização desses produtos desde 1998.
Entretanto, essa situação não impediu a difusão
clandestina da soja transgênica no país, principalmente
no estado do Rio Grande do Sul. O grande volume de
colheita transgênica nesse estado forçou o governo
federal a emitir, em 2003, uma medida provisória que
liberava essa colheita.
Em 2004, a área cultivada com soja transgênica no Brasil foi de 5.610 milhões de hectares – o equivalente a quase um terço da área cultivada com soja convencional. Mas,
considerando-se as vantagens da soja transgênica para os
produtores e um possível avanço no quadro regulatório
da biossegurança, as projeções são de aumento da participação da soja transgênica na produção brasileira.
Assim, a aprovação e sanção recente de uma Lei de
Biossegurança criaram grandes expectativas em diversos
setores envolvidos com alguma atividade no campo da
biotecnologia: instituições públicas de pesquisa, universidades, empresas privadas nacionais e estrangeiras e fundos de investimento ao capital de risco.
106
SÃO PAULO
EM
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BIOTECNOLOGIA
E
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
QUADRO 2
Estudos Genômicos no Brasil: Plantas, Fitopatógenos e Microorganismos de Interesse para a Agricultura
Projeto
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Instituição
Xylella fastidiosa
Genoma Cana
Programa Genoma do Estado do Paraná
Programa Genoma do Estado do Rio de Janeiro
Rede Genômica no Estado da Bahia
Genoma da Laranja
Genoma Xanthomonas
Projeto Forests
Genoma da Banana
Leifsonia xyli
Genoma do Café
Fapesp e Fundecitrus
Fapesp e Canavialis
Universidade Federal do Paraná/MCT/CNPq
Universidade Federal do Rio de Janeiro/MCT/CNPq
Universidade Estadual de Campinas/MCT/CNPq
Alellyx
Fapesp
Fapesp
Embrapa
Fapesp
Embrapa
Fonte: Dal Poz et al. (2004).
OS IMPACTOS ECONÔMICOS DOS CULTIVOS
GENETICAMENTE MODIFICADOS
Segundo Bonny (2003), uma das principais vantagens
da soja RR é a simplificação do trabalho de remover as ervas
daninhas. Na soja convencional, os produtores precisam
fazer diversas aplicações de herbicidas e mesmo assim
muitas são de difícil controle. Assim, a soja RR facilita a
gerência da erva daninha, simplifica o uso de herbicidas e
reduz o risco e falta de controle sobre as pragas.
Além dessas vantagens, alguns autores também relatam impactos significativos sobre os custos de produção
e produtividade. Segundo Hubbell e Welsh (1998), em 1996,
nos Estados Unidos, a adoção da soja RR provocou uma
redução de custos por hectare entre US$ 17 e US$ 30 no
país como um todo. Moschini et al. (2000) estimou um ganho de custo de US$ 20 por hectare. Em alguns estados, a
diferença de custos entre a soja RR e a tradicional foi insignificante, como é o caso do Estado de Iowa (DUFFY,
2001). Em outros, a diferença de custos chegou a US$ 40
ou mais (GIANESSI et al., 2002).
Na Argentina, os principais benefícios da soja RR para
os produtores foram a redução dos custos de produção e
a expansão da área plantada. De acordo com Trigo et al.
(2003), a grande vantagem da soja RR foi a redução do custo
variável, principalmente a redução dos gastos com herbicidas, máquinas e mão-de-obra. A redução dos custos
desses três fatores foi mais que suficiente para compensar
o aumento do custo com sementes.
Segundo Trigo et al. (2003), a soja transgênica não só
causou impacto sobre os custos de produção, como também sobre o rendimento e os volumes de produção e comércio. Na Argentina, a soja RR contribuiu para o aumento
da área com plantio direto e, conseqüentemente, para o
aumento da área plantada. Entre 1996 e 2003, a área plantada com soja aumentou de 6,4 milhões para 12,8 milhões de
Neste item será feita uma análise dos impactos econômicos da difusão da biotecnologia moderna na agricultura.
A principal questão é saber se o uso da nova tecnologia
aumenta a competitividade do produtor agrícola perante
seus concorrentes. Para isso, serão analisados os impactos sobre o nível de custos de produção e de produtividade e a inserção dos cultivos GM no mercado.
A literatura sobre os impactos dos cultivos GM ainda é
muito escassa. Grande parte dos estudos está concentrada nos impactos sobre custos e produtividade na produção de soja RR nos Estados Unidos e na Argentina, de
algodão Bt na China e de milho Bt na Espanha e nos Estados Unidos.
Impactos Econômicos Diretos:
Custos e Produtividade
A seguir, serão mostrados os principais impactos econômicos dos cultivos GM comercializados atualmente no
mundo, segundo seus atributos: tolerância a herbicida e
resistência a insetos.
Cultivos Tolerantes a Herbicidas – A soja RR é o principal produto do grupo dos cultivos GM tolerantes a
herbicidas. Foi desenvolvida com a introdução do gene
da bactéria Agrobacterium tumefaciens em seu DNA.
Essa bactéria vive naturalmente no solo e é resistente ao
glifosato – um herbicida de amplo espectro. Assim, a soja
que recebe o gene dessa bactéria também torna-se resistente.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
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DA
SILVEIRA / IZAIAS
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CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
comercialmente em outros seis países: Argentina, China,
Colômbia, Índia, Indonésia e África do Sul (JAMES, 2004).
O algodão Bt é muito eficiente para combater pragas de
lagartas, como a rosada do algodoeiro (Pectinophora
gossypiella), e a cápsula do algodoeiro (Helicoverpa zea)
e é parcialmente eficiente contra a lagarta do broto do tabaco (Heliothis virescens) e a lagarta negra (Spodoptera
frugiperda). Essas pragas prejudicam a produção em diversas zonas produtoras de algodão, mas existem outras
que não são combatidas pelo Bt e que continuam necessitando do uso de praguicidas químicos. Como conseqüência, os efeitos do algodão Bt nas diversas regiões produtoras serão diferentes, dependendo da intensidade de
incidências de pragas suscetíveis ao Bt.
A produção de algodão convencional depende decisivamente dos inseticidas químicos para combater os insetos. Segundo o Relatório da FAO (Food and Agriculture
Organization of the United Nations), a produção de algodão consome cerca de 25% de todos os praguicidas agrícolas utilizados em todo o mundo. Na China – que é o
maior produtor de algodão do mundo – até 1998, cerca de
20% do custo total da produção de algodão era com inseticidas (HUANG et al., 2003).
Os resultados mais evidentes do uso do algodão Bt são
a redução dos custos, o aumento do rendimento e da produtividade. A Tabela 4 apresenta um resumo de estudos
dos impactos do algodão Bt nos diversos países produtores. Os dados mostram que em todos os países houve redução de custos e incrementos de produtividade, com o
seguinte padrão geral: os ganhos de produtividade foram
significativos na Ásia (China e Índia) e na África do Sul,
hectares. Como essa expansão ocorreu através da combinação de plantio direto-soja de segunda, não houve a substituição de outros cultivos (TRIGO et al., 2003).
A introdução da soja GM na Argentina apresentou ainda dois outros resultados: aumento do rendimento e das exportações. Entre 1996 e 2003, o rendimento na produção de
soja na Argentina aumentou cerca de uma tonelada por
hectare: passou de 1.720 kg/ha para 2.764 kg/ha. Já a exportação, somando a de grãos e a de derivados (farelos e óleo),
mais do que triplicou em sete anos (TRIGO et al., 2003).
O aumento da produção de soja na Argentina nesse
período objetivou essencialmente o mercado externo. Em
2003, 97% da produção de farelo e 99,5% de óleo foram
exportadas. No mesmo ano, esses dois produtos argentinos representaram, respectivamente, 41,3% e 47,9% das
exportações mundiais (FNP, 2004).
Cultivos Resistentes a Insetos – A principal vantagem
econômica dos cultivos GM resistentes a insetos é a redução dos gastos com inseticidas, implicando uma redução
no custo variável de produção. Assim, as vantagens de
utilizar a variedade GM dependerão da participação dos
gastos com inseticidas na planilha de custos do produtor.
Quanto maior for a incidência de pragas, maiores serão as
vantagens da variedade GM.
Os dois principais produtos resistentes a insetos comercializados atualmente são o algodão Bt e o milho Bt.
O algodão Bt contém um gene da bactéria Bacillus
thuringiensis (Bt), resistentes a pragas de insetos e foi
cultivado pela primeira vez em 1996, na Austrália, México e nos Estados Unidos. Posteriormente foi introduzido
TABELA 4
Impactos da Adoção de Algodão Bt nas Principais Regiões Produtoras
1999-2001
Países/Regiões
Participação
na Produção
Mundial
(Em %)
Variações no Custo dos Insumos e do Rendimetno após a
Introdução do Algodão Bt (Em %)
Inseticidas
Austrália
China
Índia
EUA
Canadá
América Latina
África do Sul
África Central e Ocidental
4,3
15,1
16
15,5
2,7
7,5
1,3
5,1
-80
-82
-49
-80
-77
-46
-25
-25
Sementes
80
220
386
80
166
166
110
110
Mão-de-Obra
Rendimento
-2
-9,5
34
-2
-15
17
-8
-8
0
15
58
0
8,5
33
18
18
Taxa de
Variação na
Adoção do Produtividade
Algodão BT Induzida pelo
(Em %)
Algodão Bt
25
58
25
37
30
5
40
25
3,24
7,65
10,2
1,74
1,49
1,85
8,21
5,29
Fonte: Elbehri; Macdonald (2005).
108
SÃO PAULO
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BIOTECNOLOGIA
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AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
Os estudos com o milho Bt mostram resultados muito
parecidos com os do algodão. A utilização do milho Bt
também causou impactos positivos sobre a produtividade, sobre o lucro e sobre os custos de produção. Mas a
amplitude desses impactos variou em função da incidência de pragas em cada região (BROOKES, 2003).
Como no caso do algodão, a redução nos custos da produção de milho convencional também está diretamente relacionada com a intensidade em que é aplicado inseticida.
O estudo de Brookes (2003) comparou os custos das duas
principais regiões produtoras de milho na Espanha –
Sarinena e Barbastro. Na região de Sarinena, onde o uso
de inseticidas era intenso, a redução do custo total de produção foi de 23,5% em média; mas, em alguns casos, chegou a 83,5%. Já na região de Barbastro, onde o uso de inseticidas era muito reduzido, a adoção do milho Bt causou
um aumento de 18,5% no custo total de produção, porque
os custos mais elevados com sementes não foram compensados com a redução dos custos com inseticidas.
Além dos impactos sobre o custo, a utilização do milho
Bt está permitindo um maior aproveitamento da safra para
a produção de alimento humano e animal. Uma pesquisa
recente em 107 unidades produtivas, mostrou que os níveis de fumonisinas (toxinas) encontradas nos grãos de
milho Bt foram menores do que nas variedades convencionais. Por isso, a produção de milho Bt aumenta a porcentagem de grãos de milho que podem ser utilizados para
consumo humano e rações (HAMMOND et al., 2004).
mas foram pequenos nos Estados Unidos. Em compensação, a redução dos custos com inseticidas foi maior nesse
país do que nos demais, com exceção da China. A Índia,
que teve o maior aumento da produtividade, também apresentou maior aumento no custo com sementes.
As diferenças entre os impactos sobre os custos, mostradas na Tabela 4, explicam-se pelas diferenças climáticas, que afetam a incidência de pragas. Nas regiões onde
o uso de inseticidas é muito intenso, o algodão Bt é mais
competitivo do que o tradicional – mesmo com o aumento do custo da semente – pois a redução nos gastos com
inseticidas é muito grande (considerando que a participação destes na planilha de custos é muito maior do que a
participação da semente). Nos Estados Unidos, por exemplo, em apenas dois estados – Louisiana e Tennessee –
não houve aumento da produtividade com a utilização do
algodão Bt. As diferenças regionais dos impactos estão
relacionadas com a incidência de pragas. Eles são mais
elevados nas regiões que têm maior incidência e que, portanto, utilizam grandes quantidades de inseticidas
(MARRA et al., 2002).
O país que mais se beneficiou da queda no custo de
produção foi a China. Entre 1999 e 2001, os gastos com
inseticidas tiveram uma redução de 80%. Um estudo realizado com 482 unidades produtivas de algodão – 337
produtores de algodão GM e 45 de algodão convencional
– mostrou que, em média, o número de aplicações de inseticidas por hectare nas unidades que produzem algodão
Bt é um terço das demais. A quantidade (kg/ha) e o custo
(em US$/ha) nas unidades produtoras de Bt é um sexto do
das demais unidades (HUANG et al., 2003).
Além da redução dos gastos com inseticidas, o algodão Bt trouxe outras vantagens para os produtores. Normalmente a utilização de inseticidas químicos está relacionada com um inconveniente: as pragas desenvolvem
resistências, o que, na ausência de outro produto eficiente, inviabiliza a produção. Mas, no caso da tecnologia Bt,
a ação contra as pragas estão sempre presentes na planta.
Considerando que os agricultores aplicam os inseticidas
químicos somente depois de detectar a presença das pragas e seus estragos, a tecnologia Bt impede a perda parcial da lavoura. Além disso, a eficiência dos inseticidas químicos, ao contrário do Bt, depende também das condições
metereológicas, já que a chuva pode impedir a ação dos
produtos jogados sobre as plantas. Por fim, o algodão Bt
oferece aos agricultores mais certeza de combate às pragas,
já que é eficiente contra os insetos que têm criado resistência
aos inseticidas químicos disponíveis (HUANG et al., 2003).
SÃO PAULO
E
A Inserção no Mercado
Para a difusão de um novo produto não bastam custos
de produção mais baixos ou rendimentos mais elevados: é
necessário, também, que esse produto seja aceito pelo
mercado consumidor. No caso dos cultivos GM, a aceitação do mercado está relacionada não apenas com a preferência do consumidor, mas também com as regulamentações existentes nos países compradores.
Os Estados Unidos, como grande produtor e grande
exportador de produtos agrícolas, adotam o “princípio da
equivalência substancial”, que considera o cultivo GM
equivalente ao convencional. Já a União Européia, grande
importadora de produtos agrícolas, adotou o “princípio da
precaução”, que considera o cultivo GM diferente do
convencional, portanto, a Europa acredita que o cultivo e
o consumo de produtos GM podem causar problemas ainda
desconhecidos sobre o meio ambiente e a saúde humana e
animal.
109
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM
DA
SILVEIRA / IZAIAS
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CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
O aumento dos custos de produção não está relacionado com o aumento dos custos de sementes, mas sim com o
aumento dos custos fixos – principalmente o custo da terra. Os custos fixos nos Estados Unidos, em 2000, eram 75%
maiores do que no Brasil e 50% maiores do que na Argentina (WILKINSON, 2002).
Já a queda na produtividade é devida a eventos climáticos e não ao uso da semente GM. Só em 2003, os Estados
Unidos perderam cerca de 13 milhões de toneladas de soja
em relação a sua estimativa inicial, que era de 80 milhões
de toneladas (PEREIRA, 2004).
Do mesmo modo, o aumento da produtividade no Brasil também não está relacionado com a baixa taxa de adoção de soja GM, porque esse aumento na produção nacional é devido principalmente ao aumento da produtividade
no Rio Grande do Sul, estado com maior taxa de adoção de
soja GM no Brasil (PEREIRA, 2004).
Quanto à suposta dificuldade de exportar a soja GM, os
dados das Tabelas 5 e 6 mostram que não foi somente o
Brasil que aumentou sua participação, mas também a Argentina – que tem uma taxa de adoção de soja GM de quase 100% (TRIGO et al., 2003). Esse aumento das exporta-
Essa divergência entre os países que cultivam produtos GM – sobretudo Estados Unidos e Argentina – e a
União Européia tem servido de argumento para os defensores da tese “Brasil livre de transgênicos”. Segundo estes, as supostas barreiras aos produtos GM colocadas pela
Europa cria um mercado para os produtos convencionais.
Assim, o Brasil, livre de transgênicos, poderia ser o grande fornecedor para esses mercados.
Entretanto, a evolução recente do mercado de produtos
GM mostra que essa tese não se sustenta. No caso do mercado de soja, por exemplo, a evolução recente não indica
nenhuma vantagem da soja convencional em relação à soja
GM.
Nos últimos dez anos ocorreram duas modificações na
estrutura do mercado mundial de soja: uma, do lado da
demanda; e outra, do lado da oferta. Primeiro, houve um
aumento significativo de participação da Ásia – sobretudo da China – nas importações mundiais. Pelo lado da oferta, houve um aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais.
Entre os críticos da adoção de transgênicos no Brasil,
há uma tendência em interpretar esse aumento espetacular das exportações brasileiras como uma sinalização inequívoca de que o mercado consumidor dá preferência à soja
tradicional. Entretanto, existem outros dados que dificultam essa interpretação de que a “preferência por soja convencional” explica isoladamente o aumento das exportações brasileiras. Há outras variáveis que devem ser
consideradas, dentre as quais destacam-se:
- o desempenho comercial da Argentina;
TABELA 5
Evolução das Exportações de Soja em Grão dos
Três Maiores Produtores Mundiais
Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-02
Em mil toneladas
- o aumento dos custos de produção da soja nos EUA;
- as mudanças na estrutura da demanda mundial;
- o desempenho comercial do Rio Grande do Sul;
- a evolução do preço da soja convencional.
As Tabelas 5 e 6 mostram a evolução das exportações
mundiais de soja entre 1993 e 2002. O que se observa é uma
mudança significativa nesse período, com uma queda da
participação dos Estados Unidos e um aumento da participação do Brasil e da Argentina. Mesmo com um aumento
absoluto de cerca de oito milhões de toneladas, as exportações dos Estados Unidos caíram de 75% da exportação
mundial, em 1993, para 55%, em 2002.
Essa queda de market-share da soja dos Estados
Unidos foi resultado de dois problemas: queda na produtividade e aumento dos custos (WILKINSON, 2002;
PEREIRA, 2004). E esses dois problemas não estão
relacionados com o uso da soja GM.
Ano
Total
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
27.761
31.849
31.624
36.684
39.669
38.004
45.517
53.799
53.594
62.074
Estados Unidos
19.511
18.126
22.992
25.960
26.375
20.701
24.090
27.192
28.934
27.433
Brasil
Argentina
4.190
5.367
3.493
3.647
8.340
9.287
8.917
11.517
15.675
15.970
2.428
2.942
2.526
2.056
490
2.864
3.065
4.123
7.211
6.112
Fonte: FNP (2004).
TABELA 6
Evolução do Market-Share dos Três Maiores Exportadores
Mundiais de Soja em Grão
Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1993-2002
Ano
EUA
Brasil
Argentina
1993
1996
2002
0,75
0,82
0,55
0,16
0,12
0,32
0,09
0,06
0,12
Fonte: FNP (2004).
110
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005
BIOTECNOLOGIA
ções da Argentina não corrobora a tese de que a adoção de
cultivos GM implica em perda de competitividade externa.
Além da exportação de soja em grãos, a Argentina apresentou excelente desempenho na exportação de derivados
da soja. Ela é atualmente a maior exportadora de farelo de
soja do mundo – posição que era ocupada pelo Brasil até
1997. A Tabela 7 mostra que, entre 1996 e 2003, enquanto
a exportação de farelo de soja do Brasil aumentou de oito
para 14 milhões de toneladas, a da Argentina aumentou de
oito para 18 milhões de toneladas. Em 2003, a Argentina
respondeu por 41,3% das exportações mundiais de farelo
e por 48% das de óleo de soja (FNP, 2004).
Assim, os estudos mostram que a adoção de transgênicos na Argentina, ao invés de prejudicá-la comercialmente, garantiu sua maior participação no mercado mundial no decorrer da década de 90. A Argentina tem um sério
problema de escassez de terra. No entanto, a adoção de
transgênicos contribuiu para o aumento da produtividade
e para o aumento da área de plantação direta – o que per-
E
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
mitiu o aumento da produção de soja sem prejuízos para a
produção de outras culturas importantes para sua economia, como o milho e o trigo (TRIGO et al., 2003).
No caso do Brasil, as exportações do Rio Grande do Sul
não foram prejudicadas pela introdução da soja GM. O Rio
Grande do Sul é o terceiro maior produtor de soja do Brasil.
Em 2003, sua produção foi de 9,8 milhões de toneladas, cifra
superada apenas pelo Mato Grosso, com 15,2 milhões de
toneladas, e pelo Paraná, com 11,2 milhões de toneladas (FNP,
2004). É o estado brasileiro com maior taxa de adoção de soja
transgênica. Pelo Gráfico 4, observa-se que a participação
desse estado na exportação brasileira de soja aumentou de
5%, em 1996, para 20%, em 2003.
Além do aumento das exportações do Rio Grande do Sul,
não foi observada nenhuma tendência de diferenciação
entre o preço da soja desse estado do das demais regiões
do país, como mostra o Gráfico 5. A comparação entre o
preço da soja exportada do Rio Grande do Sul e o preço
médio dos demais estados não corrobora a tese de que
TABELA 7
Exportação de Farelo de Soja, segundo Principais Produtores Mundiais
Estados Unidos, Brasil e Argentina – 1996-03
Em milhões de toneladas
Produtores Mundiais
EUA
Argentina
Brasil
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
6
8
11
8
8
10
6
12
10
7
14
10
7
14
9
7
15
11
6
17
13
Fonte: FNP (2004).
GRÁFICO 4
Participação na Exportação Total de Soja
Rio Grande do Sul – 1996-03
Em US$ milhões
Em %
5.000
25,0
Total
4.500
4.287
Rio Grande do Sul
4.000
20,0
Rio Grande do Sul em %
3.500
3.029
3.000
15,0
2.720
2.286
2.500
2.150
2.185
2.000
10,0
1.570
1.500
1.018
839
1.000
483
302
500
283
40
104
265
0
0,0
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.
SÃO PAULO
EM
5,0
347
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
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2003
2003
5
18
14
JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM
DA
SILVEIRA / IZAIAS
DE
CARVALHO BORGES / ANTONIO MÁRCIO BUAINAIN
existe um preço diferenciado para a soja convencional, pois
os preços são praticamente os mesmos.
Se, do lado da oferta, a grande mudança na década
passada no mercado mundial de soja foi o aumento da
participação da América Latina – especialmente Argentina
e Brasil – do lado da demanda a grande novidade foi o
aumento da participação da Ásia na importação mundial.
Sua participação passou de 30%, em 1996/97, para 72%, em
2003/04. Grande parte desse aumento da demanda asiática
foi resultado do aumento da demanda da China, que em
2003/04 representou 29% da importação mundial: a mesma
participação da União Européia (Tabela 8).
A expansão do mercado asiático pode reduzir os
possíveis ganhos com a soja tradicional, uma vez que os
principais compradores da região – Japão e China – têm
mostrado indiferença quanto à escolha entre a soja convencional e a GM. O Japão continua importando quase
100% dos Estados Unidos; e a China, em 2002, comprou
praticamente o mesmo tanto dos Estados Unidos e do Brasil
(PEREIRA, 2004).
Em termos absolutos, o Brasil aumentou suas exportações tanto para a União Européia quanto para a Ásia. Porém, em termos relativos, a participação desta última aumentou de 12% para 38%, entre 1996 e 2003, enquanto que
a participação da Europa caiu de 82% para 53% (Gráfico 6).
Dada a indiferença dos países asiáticos em relação ao
tipo da soja, quanto maior a participação deles no mercado
comprador, menor será a possibilidade de o Brasil conseguir
GRÁFICO 5
Evolução do Preço Médio da Soja Exportada
Brasil e Rio Grande do Sul – 1996-03
Em US$
350
300
279 284
294 301
234 230
250
200
216 221
190 194
190 189
178 175
174 170
150
100
50
Anos
0
1996
1997
1998
1999
Brasil
2000
2001
2002
2003
Rio Grande do Sul
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.
TABELA 8
Importação Mundial de Soja, segundo Regiões
1996-2004
Regiões
Total
União Européia
China
Japão
Taiwan
Tailândia
Sub-Total Ásia
México
Outras
1996/97
(Em mil ton. métricas)
2003/04
(Em mil ton. métricas)
1996/97
2003/04
64.102
18.296
18.500
5.050
2.260
1.800
27.610
5.000
13.196
100,0
41,0
6,0
14,0
7,0
2,0
30,0
8,0
22,0
100,0
29,0
29,0
8,0
4,0
3,0
43,0
8,0
21,0
35.412
14.572
2.274
5.043
2.632
550
10.499
2.720
7.621
Participação (%)
Fonte: FNP (2004).
112
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005
BIOTECNOLOGIA
E
AGRICULTURA:
DA CIÊNCIA...
GRÁFICO 6
Exportação de Soja, segundo Principais Compradores
Brasil – 1996-03
Em %
100
5,0
90
12,4
8,7
7,9
16,4
20,0
8,9
13,1
9,9
23,0
27,5
63,9
62,6
8,6
7,6
34,8
38,7
56,6
53,6
2002
2003
13,2
80
70
60
50
40
82,6
74,9
72,1
78,0
30
20
10
0
Anos
1996
1997
1998
1999
União Européia
2000
Ásia (1)
2001
Outros
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior / Secretaria de Comércio Exterior – Secex. Elaboração dos autores.
(1) Exclui o Oriente Médio.
cultivos têm baixa competitividade em comparação com os
cultivos convencionais. A Argentina, o país com a maior
taxa de adoção de soja transgênica, conseguiu aumentar
significativamente sua exportação de soja em grãos e derivados. Nos últimos dez anos houve um grande aumento
da participação da Ásia no mercado consumidor de soja e
esta, ao contrário da União Européia, não apresenta restrições ao comércio de cultivos GM. E por fim, não há evidências empíricas que comprovem a tese de que os produtos convencionais têm a preferência do mercado, e,
portanto, apresentam um preço maior do que os geneticamente modificados.
um preço melhor para a soja convencional. Além do mais,
com a redução de custos da soja transgênica, o aumento
da competitividade da Argentina e de outros países poderá
resultar na perda de participação da soja brasileira no
mercado mundial. Se a Ásia continuar aumentando sua
participação no mercado mundial, tudo indica que a
competitividade terá como base a variável “preço”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou analisar a evolução e os impactos econômicos da difusão dos cultivos geneticamente modificados na agricultura. As principais conclusões foram:
- a difusão dos cultivos geneticamente modificados está
relacionada a ganhos econômicos para os produtores
agrícolas, como: redução de custos, aumento da produtividade e aumento da eficiência na administração do controle
de pragas;
NOTAS
1. A concentração geográfica dos cultivos GM comercializados reflete, em grande medida, a geografia anterior à sua introdução, já
que no momento inicial eles substituem cultivares não geneticamente modificados.
- os impactos positivos dos cultivos GM dependem das
especificidades de cada região. No caso dos cultivos resistentes a insetos, os ganhos dependerão da incidência
de pragas. A redução nos gastos com inseticidas deverá
ser grande o suficiente para compensar o aumento do custo com sementes;
2. A rede de estudos genômicos criada pelo Ministério da Ciência e
Tecnologia e pela Fapesp inclui diversos estudos relacionados à saúde
humana: o genoma humano do câncer, genoma do parasita
Schistosoma mansoni e o seqüenciamento do genoma do parasita
Leptospira interrogans, entre outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- apesar das divergências internacionais quanto à forma
de regular a pesquisa, a produção e o comércio dos cultivos GM, não há nenhuma evidência empírica de que esses
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p.101-114, abr./jun. 2005
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Doutor em Economia, Professor Assistente Doutor do Instituto de
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Artigo recebido em 1 de junho de 2005.
Aprovado em 30 de junho de 2005.
114
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 101-114, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
SERVIÇOS NA PAEP 2001
reconfigurando a agenda de
pesquisas estatísticas de inovação
ROBERTO BERNARDES
VAGNER BESSA
ANDRÉ KALUP
Resumo: Este artigo, que realiza uma abordagem teórica sobre a natureza e as singularidades do processo de
inovação nos serviços e na indústria, baseia-se em análise empírica e utiliza os dados de inovação Paep 2001
captados pela Fundação Seade.
Palavras-chave: Indicadores setoriais de inovação. Indústria e serviços.
Abstract: This paper presents a theoretical approach over the nature and peculiarity of innovation process in
Services and Industry sectors, based upon an empirical investigation using Paep 2001 datum gathered by Fundação Seade.
Key words: Sectoral innovation indicators. Industry and Services.
O
s estudos sobre o papel das atividades de serviços no âmbito do processo de reestruturação produtiva vêm provocando intensa discussão sobre
a natureza do processo de inovação entre suas atividades.
Em que pese o avanço que essa discussão proporcionou
na superação de certas concepções tradicionais – que associam os serviços apenas a pequenas empresas cujo core
inovador não apresenta densidade tecnológica ou que entendem o setor como um bloco de atividades homogêneas
dependente da disseminação de progresso técnico gerado
pela indústria – há matizes importantes nesse processo de
revisão sobre a natureza do processo de inovação.
Há estudos como os de Freeman et al. (1982) e
Momigliano e Siniscalco (1986), que analisam comparativamente as experiências de países de industrialização
avançada e constatam que este movimento está fortemente condicionado a um processo transacional de comple-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
mentaridade e interdependência estimulado pela dinâmica gerada pela indústria (que, aliás, tem criado uma grande demanda por serviços especializados e intensivos em
informação e ciência). Já outros estudos recentes, desenvolvidos por Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Bonden
e Miles (2000), Howells (2000) e Kon (2004) relativizam
a abordagem determinística entre indústria e serviços,
apontando que, em várias dimensões, os segmentos de
serviços apresentam estratégias e dinâmicas de inovação
próprias em relação ao paradigma clássico de desenvolvimento industrial.
Isso não significa que o processo de reestruturação produtiva não seja relativamente ambíguo em relação ao setor terciário, sobretudo no que tange a seus aspectos “flexíveis”. Afinal, se por um lado o rol dos chamados
“serviços avançados” irrompe no tecido econômico como
uma resultante do desenvolvimento empresarial e da cons-
115
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
nais1 para mensuração do processo de inovação no setor
de serviços, que são uma prática relativamente recente.
No setor científico brasileiro, vem se consolidando cada
vez mais uma nova agenda: estimulada pela implementação
de pesquisas econômicas e sociais, ela demonstra preocupação com a função estratégica que a inovação pode
ocupar no desenvolvimento e na competitividade da economia nacional. Até o final da década de 90, estudos e
metodologias que visassem à construção de séries históricas sobre indicadores de inovação eram ações institucionais pouco exploradas nas pesquisas estatísticas.2
O esforço pioneiro nessa direção foi empreendido pela
Associação Nacional de Desenvolvimento das Empresas
Industriais – Anpei, que a partir de 1992 desenvolveu uma
pesquisa orientada na experiência norte-americana da
National Science Foundation,3 que consiste em uma base
de indicadores empresariais de P&D sobre a indústria brasileira. Logo depois, destaca-se a implementação da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep, de 1996,
realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados – Seade, que consagrou-se como uma pesquisa
econômica estrutural que incorporava em seu projeto o
primeiro levantamento sobre inovação realizado no Brasil.4 A Paep adotou o referencial conceitual recomendado pelo Manual de Oslo e teve como universo de investigação 40 mil empresas industriais localizadas no Estado de
São Paulo.5
Em 2001, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, iniciou a série da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – Pintec, para a construção de indicadores nacionais da atividade de inovação tecnológica nas
empresas industriais (DE NEGRI; SALERNO, 2005;
KANNEBLEY JUNIOR; SILVEIRA PORTO; TOLDO
PAZELLO, 2005).
Assim, o principal argumento sustentado nesta introdução é que, embora deva ser reconhecido o elevado esforço metodológico e empírico encetado pela academia e
pelas instituições públicas,6 há um “objeto ausente” em
grande parte dos estudos sobre inovação no Brasil: a
formalização de uma agenda de pesquisas sobre a economia de inovação de serviços que construam um sistema
de informações e permitam elucidar sua natureza e seu
comportamento.
Consagra-se como objetivo deste texto analisar a experiência de implementação de uma primeira abordagem
sobre o processo de inovação em serviços, aplicado pela
nova tomada de campo realizada pela Paep 2001: para
tanto, ele discute seus obstáculos metodológicos e
trução de competências especializadas, por outro, o processo de terceirização dá fôlego à expansão das atividades tradicionais baseadas em redes de subcontratação informais de grandes e pequenas empresas, como: vigilância,
limpeza, conservação predial, alimentação, transporte, etc.
Essa multiplicidade de encadeamentos empresariais e padrões técnicos reforçam a já reconhecida heterogeneidade
do setor e não suprimem os elementos considerados “espúrios”, ligados à “terceirização rudimentar”.
No entanto, o que vem interferindo mais recentemente
na discussão sobre o processo de inovação de serviços são
as dimensões relativamente mais modernas do processo
de crescimento do terciário. Em linhas gerais, a profunda
heterogeneidade e a segmentação setorial do terciário são
reconhecidas. Mais que isso, a nova geração de estudos
sobre o papel das atividades de serviço no processo de
inovação tecnológica confronta as abordagens tradicionais,
que definem serviços como atividades pouco intensivas
em tecnologia de baixa produtividade e qualificação de
recursos humanos – tidos como usuários passivos do
progresso técnico e dos conhecimentos gerados na indústria. Uma das mudanças mais importantes surgidas na
última década diz respeito ao papel dos setores de serviços
intensivos em informação, tecnologia e ciência nas chamadas “economias baseadas em conhecimento e aprendizado” (EBCAs). As evidências empíricas indicam um
crescimento expressivo da participação relativa dos
serviços intensivos em tecnologia na composição das
estruturas econômicas internas e nos fluxos de comércio
internacionais, assim como nas rotinas de inovação e aprendizado nas economias cêntricas.
Na verdade, a agenda de pesquisas internacionais no
campo da economia ficou mais sensível ao contato de uma
área que se convencionou chamar de “economia da inovação”, assim abriu-se a oportunidade de exploração das
relações desenvolvidas nesse segmento e suas articulações
com a economia industrial e de inovação, por mais
imbricadas que fossem. Com efeito, a idéia de uma economia da inovação aplicada ao setor de serviços inaugura uma abordagem com ampla pontencialidade analítica e
reconhece a função estratégica desse setor na geração de
renda e riqueza – e também nas trajetórias de inovação
nas EBCAs. Um marco importante nessa direção foi a
produção de informações estatísticas seriadas de inovação e P&D por instituições públicas e privadas nos países
centrais, tais como o Eurostat da OCDE (Organization
for Economic Co-operation and Development). Há, também, as experiências de agências estatísticas internacio-
116
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
para este setor, quais sejam: o Voorburg Group e o STEP
(Studies in Technology, Innovation and Economic Policy)
Group (Quadro 1).
Estudos realizados por Gershuny e Miles (1983);
Evangelista, Sirilli e Smith (1998); Bonden e Miles (2000);
Howells (2000) têm enfatizado o papel estratégico exercido pelos serviços nas dinâmicas de inovação e no aumento das rotinas de P&D nas economias baseadas em
conhecimento. A partir da análise comparativa das experiências de países de industrialização avançada, os autores observam um aumento exponencial da participação
relativa do setor terciário na sua estrutura econômica justificado na agregação de valor e conhecimento gerada
pela oferta de serviços especializados e intensivos em informação e ciência. Tais analistas enfatizam que os serviços intensivos em conhecimento desenvolveram-se mais
rapidamente no decurso dos anos 90, em vários países
membros da OCDE, e particularmente, nos EUA.7 Alguns
dos fatores causais para o crescimento das economias
baseadas em conhecimento e aprendizado (EBCAs) têm
sido as economias e os serviços de informação.8 O acesso
às tecnologias da informação e comunicação – TICs9 e os
processos de convergências tecnológicas, nos quais o
exemplo da telemática é mais evidente, desenvolveramse mais aceleradamente no decurso dos anos recentes.
Reconhecendo-se a preservação de um alto grau de
heterogeneidade e assimetria nos serviços modernos, au-
conceituais, assim como seus resultados. O artigo inicia
apresentando e confrontando as principais correntes teóricas sobre a economia de serviços a partir de uma visão
crítica sobre este tema, introduzindo o debate contemporâneo sobre as teorias de inovação neste setor. A segunda
parte discute teórica e conceitualmente os pontos de convergências e diferenças sobre a dinâmica de inovação entre a indústria e os serviços. A última parte, apresenta a
experiência de aplicação do survey sobre inovação em
empresas de serviços realizado pela Paep 2001.
ABORDAGEM DA ECONOMIA DA INOVAÇÃO
NOS SERVIÇOS
Nos anos 90, a partir de uma perspectiva crítica às correntes teóricas filiadas as abordagens clássicas
(FISHER,1935; CLARK, 1980) e pós-industrialista
(TOURAINE, 1969; BELL, 1973) sobre a teorização e
análise do crescimento do setor de serviços, foram sendo
desenvolvidos novos estudos que tinham como objetivos
identificar evidências sobre as relações de complementariedade, interdependência econômica e a dinâmica processual de inovação entre os setores da indústria e de serviços.
No cenário internacional, dois principais grupos lideram uma linha de estudos sobre a economia de serviços e
a formulação de uma teoria de inovação mais consistente
QUADRO 1
Núcleos de Estudos Internacionais sobre a Economia de Serviços e Inovação
Voorburg Group
STEP Group
Instituído em 1986 por iniciativa do Statistics Canada e o United Nations
Sediado em Oslo, na Noruega, coordena o projeto Services in Innovation in
Statistical Office – UNSO, para suprir a lacuna no campo de produção e
Services – SI4S, financiado pela Comissão Européia e objetiva desenvolver
monitoramento de estatísticas no setor de serviços. Seu principal objetivo é
conceitos, evidências empíricas e sugestões para ações práticas sobre a fun-
ser um fórum informal e permanente de troca de idéias a respeito de estatís-
ção dos serviços no sistema de inovação. Além do SI4S, o grupo coordena o
ticas de serviços, promovendo encontros internacionais anuais. Disponível
Indicators and Data for European Analysis – IDEA que busca realizar estudos
em: <http://www4.statcan.ca/english/voorburg/>.
dos indicadores de inovação tecnológica e criar novos indicadores. Outro
importante projeto desenvolvido no âmbito do STEP é o KISA (Knowledge
Intensive Service Activities) conduzindo sob os auspícios da OCDE pelo grupo TIP (Group on Technology and Innovation Policy) subordinado ao Comitê
de CSTP (Science and Technology Policy). Participam neste projeto países
como Austrália, Finlândia, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Espanha, Irlanda e
Noruega. Disponível em: <http:/www.step.no/Projectarea/IDEA/index.htm>.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
117
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
- serviços físicos: são aqueles cujos impactos de transformação são derivados de TICs e atuam diretamente na
forma de preservação intertemporal e/ou de transporte de
serviços, bens e pessoas – tomando-se “transporte” como
“realocação através do espaço”. Um exemplo a ser citado
é o comércio atacadista e varejista que combina simultaneamente os serviços de logística para distribuição, movimentação e estocagem de produtos (com o uso de alguns serviços de informação, como Global Position
Sensoriament – GPS). Indústrias como a automobilística
e alimentícia são ilustrações precisas dessas tendências,
pois são usuárias intensas desses serviços e acabam por
influir no processo de inovação desses serviços.
tores como Evangelista, Sirilli e Smith (1998), Howells
(2000) e Kon (2004) levantam um conjunto de questões
que são fundamentais para a compreensão e o avanço dos
estudos sobre inovação nos serviços, quais sejam:
- as fronteiras entre as atividades inter e intra-setoriais
entre a indústria e os setores de serviço tornaram-se mais
tênues devido à elevação da segmentação gerada pelas
assimetrias tecnológicas e ao adensamento dos fluxos de
cooperação de conhecimento e informações estratégicas;
- há uma nítida tendência de redução dos ciclos de desenvolvimento e de vida de produtos industriais e de serviços: ela é estimulada pela aceleração das mudanças
tecnológicas e pelo uso de TICs. Esta maior atividade de
inovação de produto e processo na indústria tende a gerar
uma pressão mais intensa por novos critérios de funcionamento corporativos gerenciais, de qualidade, produtividade e de inovação nos serviços industriais;
- serviços personalizados: podem ser divididos em serviços comunitários e sociais, como nas áreas de saúde e
educação. Assim como nos serviços de consumo privado
(salões de beleza e clínicas de estética) ou os chamados
home comforts (hotéis, flats, etc.) a difusão de TICs e inovações organizacionais tem permitido um avanço considerável na integração dos processos gerenciais, na qualidade e produtividade desses serviços. Especialmente no
campo da saúde, os benefícios que surgem a partir de pesquisas e desenvolvimentos públicos e industriais na área
de instrumentação cirúrgica – como o laser e a cosmecêutica (fusão dos campos de pesquisa da farmacêutica
com a cosmética) – têm proporcionado impactos relevantes na oferta destes serviços.
- os novos padrões de consumo são caracterizados pela
alta volatilidade, customização e complexificação de produtos e serviços;
- há expedientes agressivos de terceirização e/ou subcontratação de atividades corporativas internas, como os utilizados por organizações que buscam focalizar suas estratégias em competências centrais ou as que transformam
custos fixos em variáveis, aumentando suas margens de
flexibilidade operacional. Neste sentido, observa-se o crescimento da terceirização dos serviços especializados de
alto conteúdo de conhecimento como design, engenharia
de projeto, processo e sistemas;
- serviços informacionais: reúnem basicamente três tipos
distintos de atividades – mídia de massa (mass media)
caracterizada pela distribuição padronizada em escala de
informações audiovisuais. São exemplos, os cinemas,
televisão, etc.; infomídia, sua diferença em relação ao
segmento de mídia de massa, é o fato de as empresas
distribuírem informações customizadas e personalizadas
em larga escala. São exemplos os serviços de telefonia
celular com imagens, informações financeiras on-line, etc.;
serviços intensivos em conhecimento, são aqueles onde o
conhecimento e a informação especializada, a expertise
profissional na capacidade de codificação, interpretação
e análise sejam fatores cruciais para sua oferta. O impacto
relativo das TICs, dos softwares de simulação, análise e
desenvolvimento são significativos na oferta destes
serviços. São exemplos, as empresas de engenharia e P&D,
arquitetura, engenharia, consultorias, atividades de
marketing, entre outras.
- as novas estratégias competitivas baseadas na inovação
e nas dinâmicas de globalização e hierarquização das cadeias de valor impõem novos paramentos de logística,
planejamento, P&D, até mesmo com maiores oportunidades de internacionalização para alguns tipos de serviços,
sobretudo aqueles de maior intensidade tecnológica;
- ainda que o setor secundário exerça forte força gravitacional no setor terciário, em várias dimensões, os segmentos de serviços apresentam dinâmicas econômicas e
comerciais próprias em relação o desenvolvimento industrial.
A partir destas premissas, Miles (2001) identificou três
movimentos de transformações estruturais que perpassam
a economia de serviços, cuja compreensão é crucial para a
elaboração de um processo de inovação setorial. De modo
sintético, esses movimentos estão associados aos resultados dos diferentes tipos setoriais de regimes, especificidades
e trajetórias tecnológicas dos serviços, a saber:
Miles (1995) ainda confere especial importância a um
núcleo de serviços intensivos em inovação denominados
118
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
KIBS 10 (knowledge intensive business services) pois,
segundo o autor, são os segmentos que vêm apresentando
taxas rápidas de crescimento e rendimento econômico nas
EBCAs. Segundo Nählinder (2002), esses serviços têm
como principais características uma lógica de funcionamento próxima à da indústria, alta performance na
geração de renda, divisas e valor adicionado e uma forte
tendência à internacionalização das suas atividades
negociais, atuando como verdadeiros agentes facilitadores
de inovação. Sua dinâmica concorrencial está baseada na
disseminação de novos padrões tecnológicos e de TICs
para os serviços, que atuam com fontes difusoras da
inovação. Criam, produzem, desenvolvem e difundem
conhecimentos para outras firmas e setores da economia;
utilizam intensivamente recursos humanos de alta qualificação; são formados por empresas desenvolvedoras e
usuárias de inovações e TICs; realizam e vendem serviços
de P&D; apresentam taxas elevadas de crescimento na
economia; e, por oferecerem serviços customizados,
apresentam alta interação produtor-usuário (intensiveinformation e intensive-client). Os KIBS podem ser
agrupados em dois conjuntos:
- Professional KIBS (P-KIBS): são serviços usuários de
novas tecnologias, direcionados ao conhecimento técnico
e administrativo (segmentos de engenharia, design, arquitetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras e
jurídicas, P&D em ciências sociais e naturais, consultoria
em gestão empresarial, entre outros);
mento de convergência nas dinâmicas de inovação entre
o setor de serviços e a indústria. Um fator que desempenha papel central nesse processo é a difusão das novas
TICs. A digitalização e a expansão da infra-estrutura de
telecomunicações implicam em transformações tecnológicas substanciais das atividades vinculadas ao uso e
difusão de informações. Como são mudanças específicas
a algumas atividades terciárias, elas passam a ter características de “Serviços Intensivos em Tecnologia”
(Technology Intensive Services), e, quando não, de “líderes em investimentos tecnológicos típicos de redes” (bancos, serviços financeiros, atividades audiovisuais, etc.).
Esse processo tornaria possível a aplicação de técnicas
típicas da produção em escala industrial massificada em
vários segmentos do setor de serviços, facilitando a superação de certos entraves para a produção. Outro argumento
utilizado ressalta uma convergência no modus operandi
da indústria e os serviços, com o intercâmbio de padrões
concorrenciais, tecnológicos e organizacionais entre esses dois grandes segmentos. Enquanto as atividades industriais passam a ser mais dependentes dos insumos intangíveis, os serviços especializados e a mão-de-obra
qualificada para o incremento da competitividade, assim
como alguns segmentos do setor de serviços tornam-se
mais dependentes de investimentos em recursos físicos
(sobretudo investimentos em redes de logística, transporte e telecomunicações), desenvolvem produtos padronizados dentro de padrões “fordistas”, baseados em economias de escala, e intensificam sua participação no comércio
internacional, tal como pode ser verificado entre as atividades especializadas de consultoria, pesquisa e desenvolvimento, propaganda e marketing e software (BONDEN;
MILES, 2000) (Quadro 2).
Em que pese esse processo de difusão de TICs e a convergência entre os padrões técnicos da indústria e dos
serviços, as dificuldades metodológicas para a construção de um arcabouço conceitual visando a elaboração
de um conjunto coerente de indicadores de inovação
nesse setor não são desprezíveis, pois há diferenciações
que impedem um enfoque unificado. Marklund (2000)
destaca que as abordagens clássicas sobre inovação baseiam-se em modelos industriais, em que os indicadores
são tratados dentro de uma ótica estritamente tecnológica,
obtidos a partir de resultados com investimentos tangíveis, gastos de P&D e patentes. Apesar de serem capazes de refletir em parte do processo de inovação nos segmentos de serviços, são ainda inapropriados como medida
global.11
- Technological KIBS (T-KIBS): são serviços focados em
novas tecnologias (redes de informática, serviços de telecomunicações, entre outros).
PADRÕES DE CONVERGÊNCIA ENTRE A
INDÚSTRIA E AS EMPRESAS DE SERVIÇO
QUANTO A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
Como já evidenciado, o que mais tem interferido no
debate sobre o comportamento da inovação tecnológica
nas empresas de serviço é o fato de que o avançado processo de crescimento do terciário vai ganhando a cada dia
maiores dimensões. Alguns autores salientam a existência de processos de convergência entre os padrões de funcionamento das empresas de serviço e os da atividade
manufatureira – o que possibilita a análise de diversos setores dentro de um campo normativo comum. Uchupalanan
(1998), Sundbo e Gallouj (2000) observam um incremento da diversidade das trajetórias inovadoras e um movi-
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
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ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
QUADRO 2
Convergência e Diferenciação entre os Serviços e a Indústria
Características
Da Produção
Estrutura e Tecnologia
Serviços
Indústria
Crescimento no nível de equipamentos de TICs;
serviços intensivos em tecnologia.
Intensivo uso de TICs, similar ao de serviços,
entretanto diferenciado no tipo de tecnologia.
Habilidade (trabalho)
Caracteristicamente técnico. Redução da equipe
de executivos e estratégias de captação externa.
Produção intensiva em conhecimento; alta
qualificação; existência de equipe executiva;
otimização e captação externa.
Organização do Trabalho
Padronização das tarefas, usando novas
tecnologias e técnicas de organização.
Novas formas de organização do trabalho
(ganho de autonomia).
Aspectos da Produção
Economias de escala; produção em massa
buscado em outros serviços.
Flexibilidade; redução de estoques através
de métodos gerenciais (just-in-time).
Organização Setorial
Tendência ao crescimento de grandes empresas;
empresas globais.
Empresas altamente especializadas, subcontratando outras atividades; empresas globais.
Novos serviços incorporados de TICs.
Produtos de curto ciclo de vida (maior variedade, sustentável em estoques de curto período).
Aspectos do Produto
Produtos padronizados, aplicáveis para vários
serviços; “personalização em massa”.
Produção flexível permitindo “personalização
em massa” de vastos produtos.
Propriedade Intelectual
Uso de direitos autorais (software), produtos
patenteáveis.
Produtos de difícil proteção (software).
Uso de novos meios para entrega (serviços de
informações especiais, uso da Internet, etc.).
Proximidade entre produção e mercado,
usando novos sistemas de TICs.
Atuação com o Consumidor
Consumidor mais conectado por meio do sistema
de TICs do que diretamente com a equipe.
Maior relação com os usuários. Crescente
variedade de serviços auxiliares, como
marketing e pós-vendas.
Organização do Consumo
Uso de novos meios para separação de consumo
e produção.
Financiamento de equipamentos. Fornecedores
orientados para “pacote de serviços” ao invés
de simples bens ou utilidades.
Privatização de serviços públicos. Competição global
em serviços anteriormente protegidos.
Mercado de empresas. Privatização de
empresas.
Regulamentação
Des/Regulamentação; nova regra no comércio de
serviços. Crescimento da importância com as
padronizações.
Crescimento da regulamentação ambiental.
Importância das padronizações.
Marketing
Maior esforço em marketing; participações em feiras
e exposições.
Marketing orientado e serviços ao usuário.
Do Produto
Natureza do Produto
Do Consumo
Entrega do Produto
De Mercado
Organização do Mercado
Fonte: Bonden; Miles (2000), tradução dos autores.
Segundo o autor, as atividades de inovação no setor de
serviços podem ser orientadas para o desenvolvimento
tecnológico – como, na área de informática, no fornecimento de software e/ou na incorporação de aplicações de
serviços de valor agregado de telecomunicações nas áreas de entrega ou logística. Mas as inovações mais comuns
no setor não possuem viés tecnológico e podem ser realizadas com o objetivo de aperfeiçoar a interface entre con-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
uma diferença substancial entre o produto resultante da
inovação e os processos necessários para sua realização;
sumidores e o diagnóstico de variáveis que determinam o
perfil psicológico do consumidor. Isto implica a mudança
do design do produto ou serviço e torna a difusão de patentes pouco significativa como retrato das trajetórias de
modernização. Ao mesmo tempo, constata que as empresas inovadoras não realizam atividades de P&D e que as
que o fazem não desenvolvem pesquisas em departamentos formais ou especializados.
Marklund (2000), baseando-se em pesquisas européias
sobre inovação implementadas no âmbito da OCDE no
setor de serviços, concluiu que grande parte das empresas inovadoras não tem laboratórios formalmente organizados, como tradicionalmente existem na indústria –
sendo que os esforços de P&D não possuem uma regularidade sistemática e têm sua origem em outros departamentos das empresas, geralmente nas áreas de marketing.
No caso das pesquisas de inovação strictu sensu no setor de serviços, Gallouj e Weinstein (1997) advertem que
elas se apropriam, sem as devidas mediações, das mesmas bases metodológicas que descrevem o processo de
inovação tecnológica na indústria. Segundo Hauknes
(1999), a inovação está tão difundida no setor de serviços como na manufatura, porém os conceitos de inovação desenvolvidos sobre as análises da indústria não se
aplicam diretamente sobre os serviços. Isso acontece
porque, nas relações de serviços, o produto não tem necessariamente um formato físico – o que torna quase impossível transpor para este tipo de produção os mesmos
conceitos que se aplicam à produção de escala industrial
massificada ou customizada. Essa constatação instaura
um desafio metodológico para o desenvolvimento de
estudos e políticas voltadas para o setor serviços e tem
suscitado um intenso debate no meio acadêmico. Um
pressuposto inicial que motivou vários pesquisadores foi
o fato de os serviços serem vistos como consumidores
da inovação gerada no setor manufatureiro, por isso, os
instrumentos de captação e mensuração da inovação foram formulados para medir as variáveis industriais.
Meanwhile, Sirilli e Evangelista (1998, apud HIPP;
TETHER; MILES, 2000), enumeram o grau de dificuldades para a construção de uma metodologia unificada entre indústria e serviços para as pesquisas de inovação nos
seguintes termos:
- a primeira delas decorre das dificuldades que as empresas têm de distinguir entre inovações de produto e de
processo – dado que as atividades de serviços apresentam
co-determinação simultânea entre produção e consumo,
não é possível, como na indústria, estabelecer claramente
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
- a segunda característica está vinculada à natureza intangível dos serviços e à inexistência de propriedades de
estocagem. Nesse sentido, na produção dos serviços não
há a possibilidade de existência independente do ato de
produtores ou usuários, tal como ocorre na indústria;
- a terceira deriva do papel central que os recursos humanos desempenham para a provisão dos serviços. Embora uma parte das atividades vinculadas ao setor terciário
apresente alta dependência de recursos e instalações físicas – assim como acontece na indústria – nas atividades
que alcançam escala ou que operam em rede, o processo
de inovação é altamente dependente da forma de organização e dos conhecimentos e habilidades pertencentes à
força de trabalho, como por exemplo nos serviços de telecomunicações e transportes, nas atividades financeiras
e no comércio varejista;
- outra questão é o fator organizacional, dado que o aumento da eficiência para a provisão dos serviços não está
vinculado a fatores tecnológicos strictu sensu, mas pode
decorrer de novas formas de gestão dos recursos essenciais para o processo de inovação – como a implementação
de novas técnicas de gestão e a organização e distribuição dos estoques de informações e de conhecimento disponíveis.
Howells (2000) destaca outros elementos que historicamente têm distinguido a manufatura e os serviços em
termos de trajetórias tecnológicas, dinâmica de funcionamento e estrutura do setor, mesmo considerando que
algumas das especificidades que demarcavam a fronteira
entre os dois setores foram se atenuando ao longo do
tempo. Por esse motivo, Howells (2000) alerta que o
esforço para adaptar o modelo de captação de informações, criado para a manufatura para mensurar a inovação
em serviços, pode vir a ser uma armadilha. Um dos fatores
de diferenciação é a “orientação tecnológica”. Na manufatura, ela é liderada pela atividade de ciência e tecnologia; já nos serviços, pelos consumidores. Devido a essa
interface entre produção e consumo de serviços, uma
grande parte das atividades de inovação no setor volta-se
para a adaptação/customização dos serviços às necessidades dos usuários. Em muitos casos, essas atividades
são inovativas, apesar de incorporarem um conteúdo
tecnológico limitado. Nesse mesmo sentido, Evangelista,
Sirilli e Smith (1998) lembram ainda que a proximidade
entre a produção e o consumo no setor de serviços dificulta
121
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
a distinção entre produto e processo. Conseqüentemente,
isto faz com que a distinção entre a inovação de produtos
e processos seja menos clara se comparada com a usada
no setor industrial.
Outras diferenciações dizem respeito às fontes de pesquisa e de geração de inovação: enquanto na manufatura
elas tendem a ser internas à empresa, no setor de serviços
elas são sobretudo externas. Na manufatura, a propriedade intelectual é protegida pela patente; já no setor de serviços ela é protegida pelos direitos autorais (copyright) –
sendo que este último é um recurso bem menos eficaz do
que o primeiro.
Assim, o impacto gerado pelo desenvolvimento
tecnológico na produtividade do trabalho seria alto na
manufatura e baixo nas empresas de serviço. Nestas, os
ciclos de vida e de segredo são mais curtos do que os presenciados na indústria. Outros aspectos que diferenciam
o setor de serviço da indústria são as condutas de orientação tecnológica para P&D, os ciclos mais longos de pesquisa, os impactos relativamente menores e menos encadeados do que os produzidos pela indústria.
A título de ilustração, é interessante notar que Howells
(2000) apresenta um esforço para a sistematização sobre
diferentes aspectos do processo de convergência e diferenciação das trajetórias de inovação nos serviços e na
indústria (Quadro 3).
SURVEYS DE INOVAÇÃO EM SERVIÇOS EM
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS
MÉTRICOS E CONCEITUAIS
As experiências das agências estatísticas internacionais
para mensuração do processo de inovação no setor de serviços são relativamente recentes e revelam-se bastante
complexas, face a todas as questões expostas anteriormente. As primeiras tentativas de realizar uma quantificação
dos processos de inovação no âmbito da OCDE ocorreram em meados da década de 80, mas a iniciativa de estabelecer um framework conceitual, que possibilitasse estudos comparativos baseados em pesquisas em larga escala,
foi impulsionada pela experiência dos países escandinavos
(Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia).
QUADRO 3
Características de Diferenciação dos Regimes de Inovação na Indústria e nos Serviços
Características
1. Direitos de Propriedade
Intelectual
Indústria
Forte: patentes
Serviços
Fraco: direitos autorais
Status
Corrente, forte
2. Orientação Tecnológica
Avanço tecnológico; liderança
científica e tecnológica
Avanço tecnológico; liderança
fornecedor/cliente
Histórico, declinante
3. Pesquisa / Inovação Provedor e
Fornecedor
Internamente
Provindo externamente
Declinante; convergindo na
indústria e serviços
4. Força Produtiva
Alto impacto
Baixo Impacto
Corrente, potencialmente
declinante
5. Ciclos de Inovação
Curto e médio
Longo (exceto ao serviços de
informática)
Declinante, fraco
6. Características do Produto
Tangível, de fácil estocagem
Intangível, de difícil estocagem
Declinante, médio
7. Internacionalização
A atividade de exportação atrai o A entrada de IDE proporciona a
IDE (1)
exportação
Corrente, médio
8. Dimensão
Nacional => global
Declinante; serviços
expandindo-se na
internacionalização
Regional => nacional => global
Fonte: Adaptação de Howells (2000).
(1) IDE = Investimento Estrangeiro Direto.
122
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
O Manual de Oslo de 1992 (revisado posteriormente em
1996) foi desenvolvido pela OCDE, em conjunto com o
Eurostat (Statistical Office of the European Communities)
e do European Innovations Monitoring System. Seu objetivo
era harmonizar a coleta e as análises de levantamentos sobre
inovação na Europa, com base no principal sujeito do
processo inovativo: as empresas. Com o apoio do Eurostat,
foram revisados os conceitos de inovação tecnológica e sua
metodologia de mensuração. A primeira pesquisa de
inovação baseada no Manual de Oslo foi realizada em 1993
(para o período-base 1992-93): o Community Innovation
Survey – CIS-I. Naquele levantamento, foram incluídas
aproximadamente 40.000 empresas de treze países europeus. 12 Na revisão de 1996, não foram feitas mudanças
estruturais, mas foi conferida grande ênfase à orientação
dos procedimentos de coleta das informações relevantes para
a promoção de políticas e para as características dos estudos
da inovação. Definiu-se mais precisamente a distinção entre
as inovações tecnológicas e aquelas puramente estéticas e
organizacionais, identificando com maior rigor a origem, o
principal agente da inovação e o nível de originalidade da
inovação para o mercado.
O segundo European Community Innovation Survey –
CIS-II – tornou-se a primeira sistematização internacional de indicadores sobre o comportamento da inovação
tecnológica das empresas de serviços, abordando períodos entre 1994 e 1996. Os segmentos pesquisados foram
o comércio atacadista; transporte; telecomunicações; serviços financeiros; serviços de computador (nos quais os
softwares se incluem); e os serviços técnicos. O CIS-II
que se referia ao período 1994-96, aconteceu em 1998 e
compreendeu a resposta de aproximadamente 55.000
empresas dos setores manufatureiros e de serviços de 16
países europeus. Em 2002, foi iniciado o terceiro
Community Innovation Survey – CIS-III, com coletas referentes ao período 1998-2000.
Na Europa, muitos experts têm criticado o tema, reconhecendo as limitações dos levantamentos sobre inovação baseados na metodologia do Manual de Oslo.
Mesmo após as revisões metodológicas decorrentes do
processo de discussão da CS I e II, autores como Marklund
(2000) e Meanwhile, Sirilli e Envangelista (1998, apud
HIPP; TETHER; MILES, 2000) argumentam que os serviços apresentariam determinadas especificidades que se
traduziriam em obstáculos adicionais para a elaboração
de metodologias e instrumentos para uma mensuração adequada dos processos de inovação por meio de levantamentos estatísticos. Como no setor de serviços os levantamentos de inovação baseados na indústria teriam uma
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
abordagem puramente tecnológica, deixariam de captar
processos organizacionais de inovação importantes. Para
eles, as análises dos indicadores de inovação deveriam ser
complementadas com informações sobre investimentos em
recursos intangíves, como: desenvolvimento e aquisição
de softwares; gastos com treinamento em recursos humanos; estratégias de marketing para exploração de novos
mercados; marketing de novos produtos e serviços; uso
de tecnologias de informação; gestão de novas arquiteturas organizacionais; políticas de remuneração ou compensação por competências individuais.
Na América Latina, no âmbito da Ricyt – Red
Iberoamericana/Interamericana de Indicadores de
Ciencia y Tecnología – tem sido desenvolvido um amplo debate metodológico sobre a necessidade de revisão
das recomendações do Manual de Oslo para os critérios
de inovação. 13 Esta vertente de autores latinos defende
a necessidade de uma distinção entre as mudanças
organizacionais (na produção ou na inclusão de estratégias de marketing e de inteligência de mercado, uma vez
que elas são elementos críticos para a inovação) e as nãoinovações tecnológicas.
Duas especificidades dos sistemas de aprendizado do
continente foram explicitamente consideradas nessa versão latino-americana intitulada Manual de Bogotá: uma é
o fato de que, historicamente, a inovação dessas economias baseia-se mais nos processos de difusão tecnológica
por aquisição de tecnologia incorporada do que em rotinas de P&D; outra é que, nesses sistemas, há a presença
considerável de multinacionais estrangeiras que atuam
como agentes importantes do processo de mudança
tecnológica e de captação de recursos para inovação.
Apesar dos esforços, muitas das críticas ao Manual de Oslo
não foram superadas. Mas nem por isso esse manual deixou de ter o status de referencial metodológico de inovação para a América Latina.
As pesquisas sobre organização de P&D e inovação no
Brasil têm reafirmado essas proposições e concluem que
a estratégia de inovação deve ser integrada, necessariamente, à
estratégia comercial, à proteção da propriedade intelectual,
aos marcos legais e regulatórios, às capacidades de produzir. Por outro lado, é possível ter uma estratégia inovadora
sem ter necessariamente uma predominância do vetor
tecnológico (FURTADO, 2004).
Existem até mesmo inovações que prescindem de um
peso relevante da dimensão tecnológica: este é um ele-
123
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
mento importante para entender o processo de inovações
e aprendizagem em outros setores – particularmente no
setor de serviços (FURTADO, 2004).
Nesse contexto, a Fundação Seade realizou a primeira
pesquisa de inovação tecnológica por meio da Paep 1996.
Entretanto, a pesquisa limitou-se a captar os processos de
inovação na indústria, dado que o setor de serviços não
foi investigado sob essa ótica. A segunda versão da pesquisa, realizada em 2001, suprimiu essa lacuna, realizando uma abordagem pioneira sobre a inovação no setor de
serviços, dentro de um amplo espectro temático.14 Foram
pesquisadas quase 21 mil empresas do Estado de São Paulo
com 20 ou mais funcionários. Os dados foram colhidos
entre julho de 2002 e junho de 2003, permitindo a análise
de diversos segmentos da atividade econômica paulista
nesse setor, durante o período 1999-2001.15
A primeira alteração metodológica refere-se à ampliação do âmbito da pesquisa. Em 1996, esse tema foi investigado apenas no setor da indústria geral (extrativa e transformação) e, em 2001, englobou todos os setores da
pesquisa (indústria geral, indústria da construção, comércio de mercadorias, serviços e bancos).
A segunda principal modificação da pesquisa consiste
na definição e classificação da inovação. Na Paep 2001,
o indicador de inovação tecnológica foi definido a partir
de uma abordagem mais restrita e seletiva, considerando
inovadora a empresa que introduziu um produto (bem ou
serviço) tecnologicamente novo ou significativamente
aperfeiçoado, que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas também para o mercado nacional. A introdução dessa questão permite elaborar um indicador de inovação mais seletivo entre as empresas classificadas como
inovadoras. A referência conceitual e metodológica da
Pesquisa de Inovação Tecnológica na Paep teve como base
o Oslo Manual: proposed guidelines for collections and
interpreting innovation data (1997). As alterações
introduzidas visaram a atualizar e harmonizar a pesquisa
de inovação com a experiência do modelo recomendado
pelo Eurostat, consagrado na terceira versão da Community
Innovation Survey (CIS-III). O tema “Pesquisa e Desenvolvimento – P&D” foi investigado em conjunto com o
levantamento dos dados de inovação tecnológica, exceto
para os setores de comércio e bancos.
No caso específico do levantamento sobre inovação no
setor de serviços, foram considerados apenas os aspectos
tecnológicos e reproduzida a mesma a base conceitual
aplicada à indústria, com pequenas adaptações para o setor terciário. Ainda que esse procedimento reproduza as
limitações das pesquisas de inovações em serviços, como
já fora salientado na literatura internacional, permite construir um amplo panorama da economia do Estado de São
Paulo, com comparações intersetoriais e intrasetoriais dentro do mesmo arcabouço metodológico. Por outro lado, a
Paep 2001 tem um escopo mais amplo que os surveys de
inovação norteados pelo Manual de Oslo aplicados na
OCDE, no Canadá ou na Austrália, pois capta informa-
QUADRO 4
Marco Conceitual e Exemplos de Inovação em Serviços na Paep 2001
Inovação Tecnológica
Não-Inovação Tecnológica
A inovação tecnológica corresponde à introdução no mercado de um
serviço ou produto novo ou significativamente aperfeiçoado para empresa, ou à implementação de um processo novo significativamente
aperfeiçoado que tenha sido novo não apenas para a empresa, mas
também para o mercado nacional. A inovação baseia-se em resultados do esforço de desenvolvimento de novas tecnologias ou novas
combinações de tecnologias já existentes.
Exemplos:
Sistemas de automação de abastecimento para indústria;
Desenvolvimento de software para gestão operacional de frotas
de veículos rodoviários;
E-commerce;
Web banking – transações financeiras com clientes;
LivDev, Sistema de colaboração empresa/cliente para projetos
de integração e desenvolvimento de sistemas.
124
Não são consideradas inovações tecnológicas mudanças puramente gerenciais ou organizacionais (como implementação de técnicas
e conceitos avançados de gerenciamento, organização e marketing)
e mudanças superficiais na prestação de serviços e no conceito de
produção ou serviços já existentes. Também não deve ser considerada como inovação tecnológica, a introdução de serviços ou processos que não demandem uso de tecnologia nova.
Exemplos:
Garantia de produtos
Ampliação de produtos e serviços já realizados anteriormente
Introduções de pagamentos por fax
Mudanças administrativas ou organizacionais que não demandem o uso de tecnologia
Introdução de páginas na Internet que visem puramente a
divulgação da empresa e não disponham de recursos para
comunicação interna, entre a empresa e seus clientes e/ou
fornecedores.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
QUADRO 5
Indicadores e Variáveis para Análise da Inovação e Capacitação Tecnológica na Paep 2001
Classes de Indicadores
Variáveis de Análise
Inovação Tecnológica
Inovação de produto ou processo para o mercado; principal agente da inovação; distribuição
percentual de produtos novos na receita de vendas da empresa; principais fontes de inovação; entre outras
Atividades de P&D
Rotinas sistemáticas de P&D; subcontratação de atividades de P&D; número de pessoas
alocadas à P&D, entre outras
Aquisição de Tecnologia Incorporada
Aquisição de Tecnologia Desincorporada
Despesas com aquisição em máquinas e equipamentos nacionais e estrangeiros
Despesas com royalties e assistência técnica local e estrangeira
Investimentos em Ativos Intangíveis
Capacitação em Gestão de Operações
Corporativas
Capacitação em Gestão Produtiva
Recursos Humanos
Investimentos em softwares, copyright, marcas, patentes e franquias
Uso de softwares de gestão integrada, estudos sobre clientes (satisfação do cliente,
estratégias de vendas, etc.), estudos sobre concorrentes, informatização das atividades
administrativas, desenvolvimento de produtos, informatização das atividades operacionais,
estratégias de terceirização
Automação industrial; idade média dos equipamentos
Programas de qualidade e produtividade (Q&P)
Certificados de qualidade
Categorias ocupacionais segundo escolaridade, número de ocupados
Programas de treinamento e educação
Uso de TICs
Uso de computadores; uso de redes de longo alcance integradas com clientes e
fornecedores; acesso à Internet; uso de comércio eletrônico
Interação com o Sistema de CT&I
Acordos de cooperação para o desenvolvimento de atividades de inovação/laboratórios e
centros de P&D/Universidades e centros profissionalizantes/Institutos de pesquisa
governamentais
Interação e Cooperação na Cadeia
Produtiva
Desenvolvimento conjunto de processos e serviços
Contratos de longo prazo
Troca sistemática de informações sobre qualidade e desempenho
Levantamento de informações sobre mudança no perfil do cliente
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
EVIDÊNCIAS ESTATÍSTICAS SOBRE O
COMPORTAMENTO DA INOVAÇÃO NA
INDÚSTRIA E NO SETOR DE SERVIÇOS
ções sobre um conjunto de variáveis que permitem entender as dinâmicas de inovação com uma cesta de indicadores mais ampla que aquelas delimitadas pelas pesquisas
sobre inovação tecnológica strictu sensu. Desse modo, os
dados sobre difusão das TICs, estratégias de gestão de
recursos humanos, instrumentos e métodos gerenciais, organização e requisitos de inserção em cadeias produtivas
e qualificação de recursos humanos, entre outros, permitem uma abordagem mais ampla do processo de inovação, tal como defendida por Marklund (2000), integrando diversos enfoques que interagem no processo de
inovação e difusão no setor de serviços (Quadro 5).
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
Estudos como o realizado por Schwartz et al. (2004),
demonstram que o Estado de São Paulo é o principal centro das indústrias brasileiras em setores de alta tecnologia
e de parte significativa dos serviços mais avançados, integrando os elos mais dinâmicos da cadeia produtiva dos
setores ligados a TICs.
A partir da adoção da tipologia recomendada pela OCDE
para o setor de TICs, demonstra-se o elevado o grau de
125
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
concentração econômica regional no Estado de São Paulo
em atividades que dão prioridade ao conhecimento e informação – tanto na indústria como no setor de serviços.
Com o objetivo de proporcionar uma demonstração
empírica dos enunciados críticos suscitados neste artigo
– as diferenças e convergências no comportamento
setorial da inovação –, foi realizado um exercício preliminar utilizando a base de dados da Paep 2001, a partir
dos dados das empresas sediadas no Estado de São Paulo com porte ocupacional de 20 ou mais pessoas. Este
exercício focalizou tanto as atividades das empresas industriais como as de um conjunto selecionado do setor
de serviços: agricultura, técnicos para empresas, auxiliares para empresas, transporte, telecomunicações, correio, informática, saúde, energia, gás e água, limpeza
urbana/esgoto.
A Paep 2001 apresenta um universo de 13.645 empresas industriais e quase 21 mil do setor de serviços. Na indústria, 961 empresas afirmaram ter introduzido um novo
produto para o mercado nacional – o que resultou em uma
taxa de inovação da ordem de 7%. No conjunto selecionado de atividades do setor de serviços, 923 responderam
ter introduzido novos produtos e/ou processos para o
mercado, perfazendo um resultado total da taxa de inovação de 5,6%.
Como foi salientado por Viotti et al. (2005, p. 684) e
Furtado (2004) o conceito de inovação para o mercado
corresponde a um tipo de inovação mais próximo da idéia
original de inovação schumpeteriana. Considerando o seu
impacto no padrão de competitividade e na acumulação
de capacitação tecnológica da empresa que a realiza, ela
pode ser classificada como uma inovação qualitativamente
superior àquelas que são novidades apenas para as em-
presas, mas não o são para o mercado. Em contrapartida,
as inovações que são pioneiras apenas para as empresas
estão mais próximas do conceito schumpeteriano de difusão (ou absorção) tecnológica.
Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se argumentar que as modestas performances das taxas de inovação
setoriais devem-se ao peso reduzido das inovações originais ou criadoras na economia paulista. Além disso, essas taxas corroboram a hipótese de que o sistema paulista
apresenta uma característica estrutural predominantemente
estigmatizada por trajetórias de aprendizado tecnológico
típicas de economias imitadoras e periféricas, nas quais a
mudança técnica está associada basicamente à absorção
e ao aperfeiçoamento de inovações geradas fora do país
ou pela dinâmica de aquisição de tecnologia incorporada
em bens de capital (QUADROS et al., 2004).
Tal como foi enfatizado na seção anterior, a partir da
investigação de empresas inovadoras quanto à sua atuação
na realização de atividades de P&D (Tabela 1), observa-se
que a indústria apresenta maior intensidade de rotinas
(48,9%) e de existência formal de laboratórios de P&D
(39,2%), em comparação com o setor de serviços (31,4% e
15,5%, respectivamente). Ademais, as informações sobre
subcontratação das atividades de P&D revelam que esses
expedientes são mais praticados pelo setor de serviços
(30,4%) do que pela indústria (25,6%). O conjunto demonstra que as atividades de inovação e P&D no setor de serviços não parecem ser necessariamente tão formalizadas e
organizadas como na indústria, pois possuem características próprias e dinâmicas singulares em seu desenvolvimento
e em sua execução, segundo os tipos dos serviços prestados, que as diferenciam das rotinas da indústria. É verdade
também que, em muitos casos, o setor de serviços benefi-
TABELA 1
Empresas do Setor da Indústria e dos Serviços Selecionados, Inovadoras para o Mercado Nacional,
segundo Indicadores das Atividades de Inovação
Estado de São Paulo – 2001
Em porcentagem
Indicadores das Atividades de Inovação
Indústria
Introduziram Produto e/ou Processo Novo para o Mercado Nacional
7,1
Serviços Selecionados
5,6
Realizaram Atividade de P&D Sistemática ou Contínua
48,9
31,4
Contrataram Atividade de P&D
25,6
30,4
Possuem Laboratórios de P&D
39,2
15,5
Solicitaram Registro de Patentes/Copyright
55,3
25,2
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
Nota: Empresas com 20 ou mais pessoas ocupadas sediadas no Estado de São Paulo.
126
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
própria aplicação de mecanismos de proteção da inovação, por isso, são menos utilizados pelas empresas inovadoras do setor de serviços.
Prosseguindo com o exercício analítico de “evidenciar
padrões de comparabilidade tecnológicas entre indústria
e serviços”, sistematizou-se as informações do universo
das empresas que compõem esses setores. Desagregadas
por atividades, elas apontaram para as possíveis relações
entre o grau de intensidade tecnológica setorial, 16 o comportamento da taxa de inovação, das rotinas de P&D e a
difusão de computadores por pessoas ocupadas (Tabelas
2 e 3). Mesmo levando-se em conta o elevado grau de
heterogeneidade, a distinção dos regimes de funcionamento
econômico ou as dimensões relacionadas à intensidade e
cia-se das atividades de P&D da indústria a partir da aquisição de um novo conhecimento ou tecnologia.
Conseqüentemente, é possível presenciar no setor de
serviços uma relação causal menos efetiva entre as atividades internas de P&D e o lançamento de novos produtos
para o mercado nacional do que a que pode ser constatada na indústria. A baixa socilitação de registro das inovações no setor de serviços (25,2%) pode estar associada ao
alto nível de intangibilidade dessas atividades – o que exige
uma grande capacidade de compreensão e codificação dos
sistemas complexos de serviços por parte dos recursos
humanos envolvidos no processo de inovação. Além disso, os custos e o grau de incerteza incorporados a essas
operações de registro de copyright acabam por inibir a
TABELA 2
Empresas do Setor Industrial, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e
Difusão de Computadores, segundo Atividades
Estado de São Paulo – 2001
Taxa de
Inovação
(1) (%)
Realizaram
Atividade
Interna de
P&D (%)
Indústria
7,1
13,0
9,7
0,8
4,7
Indústria Extrativa
2,3
4,0
13,6
0,3
10,2
Alimentos e Bebidas
5,2
13,5
11,7
0,5
5,6
Produtos Têxteis
3,5
8,7
6,1
0,3
8,5
Confecção de Vestuários e Acessórios
0,7
5,2
5,5
0,4
9,5
Prepar. e Confecções de Artefatos de Couro
3,6
10,5
11,3
0,3
10,4
Celulose e Papel
4,6
13,5
7,5
0,4
4,4
Edição, Impressão, Reprodução de Gravações
3,0
6,5
7,9
0,5
2,2
Refino de Petróleo e Álcool
2,9
3,1
17,2
0,1
9,9
Atividades
Produtos Químicos
Contrataram
Atividade de
P%D (%)
Intensidade
Tecnológica
(2) (%)
Densidade de
Pessoas por
Computador
(3)
15,1
30,5
16,7
1,4
3,5
Artigos de Borracha e Plásticos
5,7
12,9
9,5
0,6
6,3
Prod. Minerais Não-Metálicos
4,6
10,4
10,7
0,5
7,8
Metalurgia Básica
9,2
11,3
9,5
0,5
3,1
Produtos de Metal (Excl. Máq. e Eq.)
6,5
9,8
10,5
0,4
5,3
Máquinas e Equipamentos
16,5
15,9
9,1
0,9
4,0
Máq. Escritório e Equipamentos de Informática
Máquinas, Aparelho e Material Elétrico
27,0
11,1
38,2
21,8
23,5
9,5
2,7
0,9
1,4
3,8
Material Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações
20,2
31,5
19,0
4,3
2,3
Equipamentos Médicos, Ótica e Relógios, Instrumentos de Precisão
e Automação Industrial
19,4
32,8
16,7
3,1
3,1
8,0
16,8
10,3
0,6
5,5
13,7
11,3
12,4
11,6
2,2
3,6
9,2
6,1
0,4
7,5
Montagem de Veículos Automotores, Reboques e Carrocerias
Outros Equipamentos de Transporte
Outras Indústrias
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
(1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade.
(2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor.
(3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
127
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
amplitude do impacto da inovação em termos de encadeamentos tecnológicos, observa-se que a principal evidência diz respeito às rotinas e estratégias de P&D praticadas nos dois setores. Os dados da Paep indicam que no
setor de serviços a incidência de empresas que contrataram atividades de P&D (11,1%) em 2001 é superior às
empresas que realizam essas atividades internamente
(6,5%) – in house, ao contrário do setor industrial (Tabela 2), onde a maior parte das empresas que realizam atividades de P&D o fazem internamente (13,0%) enquanto
uma menor porcentagem (9,7%) das empresas contrataram serviços externos de P&D.
Em relação à diversidade intra-setorial, verifica-se, na
Tabela 2, que aquelas atividades da indústria que expressam um comportamento mais elevado do indicador de intensidade tecnológica – bem acima da média do setor
(0,8%) –, acabam por apresentar performances positivas
quanto às taxas de inovação e rotinas internas de P&D
assim como um padrão superior de difusão tecnológica,
considerando-se a oferta de computadores por pessoas
ocupadas. Nesse grupo, sobressaem-se quatro atividades:
Outros Equipamentos de Transporte (11,6%) – particularmente influenciada pelo setor aeronáutico, Material Eletrônico e Aparelhos e Equipamentos de Comunicações
(4,3%), Equipamentos Médicos, Instrumentos de Precisão e Automação Industrial (3,1%) e Equipamentos de
Informática (2,7%). Saliente-se ainda a alta incidência da
contratação externa das atividades de P&D praticada pelo
setor de equipamentos de informática (23,5%) e material
eletrônico e de equipamentos de comunicações (19,0%).17
Embora deva ser evidenciado o baixo dinamismo em
relação à taxa de inovação e às atividades de P&D na
análise sobre o comportamento de empresas inovadoras
no setor de serviços, é importante ressaltar que estudos
desenvolvidos por Miozzo e Soete (2001) têm enfatizado
que, nas economias cêntricas, os serviços que priorizam
conhecimento e ciência – os chamados KIBS – têm demonstrado uma notável propensão para a atividade exportadora ou trajetórias de internacionalização e inovação. Estudo recente realizado por Bernardes e Kalup
(2005) baseado em informações da Paep 2001 e tendo
como foco os serviços de telecomunicações, de P&D,
audiovisuais, informática e técnico às empresas, demonstrou que, ao contrário da experiência internacional, são
poucos os serviços inovadores que realizam atividades
exportadoras – sendo que a ampla maioria tem no mercado interno e local a sua principal fonte geradora de
receitas. 18 De modo geral, observa-se que, em todos os
segmentos de serviços que realizam P&D, a incidência
de contratação externa é superior ao desenvolvimento
interno dessas atividades nas empresas. Em segmentos
como informática e telecomunicações, as taxas de inovação (29,7% e 14,9%, respectivamente) são muito próximas às incidências das atividades internas de P&D
(24,4% e 14%, respectivamente) e à sua contratação externa (24,2% e 14,0%, respectivamente). Já os indicadores de difusão tecnológica mostram maior oferta de
computadores – em relação à média do setor (3,1%) –
nos serviços intensivos no uso de TICs. São eles: serviços de telecomunicações (0,6%); informática (0,6%); técnicos às empresas (1,4%) e energia, gás e água (2,6%).
Os serviços de informática e os serviços técnicos às
empresas apresentam os maiores níveis de intensidade
tecnológica, 4,8% e 2,0%, respectivamente. Entretanto,
esses dois segmentos merecem algumas considerações.
Apesar do mercado de informática ser dominado por gigantes multinacionais (Microsoft, Unysis, Oracle, entre
outras) existem nichos que oferecem oportunidades de
atuação para as médias e pequenas empresas. Essas empresas de capital nacional disputam o mercado local de
software em aplicativos de gestão empresarial e de inteligência de negócios, dispondo de substancial capacidade
competitiva19 para concorrer com as principais multinacionais instaladas em São Paulo e no Brasil.
No caso dos serviços técnicos para empresas, existe uma
oferta diversificada de serviços de alta qualificação, entre elas os de P&D, que exigem um determinado tipo de
competência e expertise profissional e que passaram a ser
intensamente demandados pelas empresas – sobretudo nos
anos 90, com os expedientes de focalização dos negócios,
de externalização das atividades empresariais e o ingresso de novos concorrentes na economia. Segundo Nählinder
(2002, p. 4), as empresas de KIBS geralmente são
estruturadas por carreers of knowledge, isto é, seus funcionários possuem uma alta graduação e conhecimento e
seus produtos não podem ser gerados por máquinas. Ademais, a relação produção-cliente, devido à alta singularidade de cada produto e ao modus operandi da produção,
é bem mais intensa nessas atividades. Sendo assim, esses
funcionários são geralmente bem remunerados. Isso faz
com que os salários sejam transformados em start-up para
seus próprios empreendimentos (o que também não requer
um alto capital inicial) e assim passam a ser competidores de seus antigos empregadores. Ressalte-se ainda que
um seleto grupo das empresas pertencentes aos segmentos de engenharia e arquitetura ou escritórios de advoca-
128
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
TABELA 3
Empresas do Setor de Serviços, por Taxa de Inovação, Atividades de P&D, Intensidade Tecnológica e
Difusão de Computadores, segundo Atividades
Estado de São Paulo – 2001
Atividades
Taxa de
Inovação
(1) (%)
Realizaram
Atividade
Interna de
P&D (%)
Contrataram
Atividade de
P&D (%)
Intensidade
Tecnológica
(2) (%)
Densidade de
Pessoas por
Computador
(3)
Serviços
5,9
6,5
11,1
0,6
3,1
Agricultura
3,2
4,2
0,5
0,2
20,8
Técnicos às Empresas
5,1
4,5
19,0
2,0
1,4
Auxiliares às Empresas
1,5
3,6
6,4
0,2
8,7
Transporte
2,3
4,1
8,7
0,2
5,0
Telecomunicações
14,9
14,0
14,0
0,7
0,6
Atividades de Informática
29,7
24,4
24,2
4,8
0,6
Saúde
7,3
6,6
8,0
0,5
5,3
Energia, Gás e Água
4,9
12,7
15,3
0,8
2,6
Limpeza Urbana/Esgoto
6,7
4,8
7,2
0,2
16,7
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
(1) Porcentagem de empresas que realizaram/introduziram inovação tecnológica para o mercado nacional, no período entre 1999 e 2001, em relação ao total de empresas do setor/atividade.
(2) Número total de pessoas ocupadas de nível superior alocada em P&D/número total de pessoas ocupadas no setor.
(3) Número de pessoal ocupado no setor/atividade dividido pelo número de equipamentos de informática (microcomputadores e terminais) alocado no mesmo.
TABELA 4
Empresas da Indústria e dos Serviços, Inovadoras para o Mercado Nacional, segundo Importância das Fontes de Informação
para o Desenvolvimento das Atividades de Inovação Tecnológica
Estado de São Paulo – 1999-2001
Em porcentagem
Fontes de Informação
Indústria
Serviços
Departamentos da Empresa
63,45
80,11
Outras Empresas Dentro do Grupo da Empresa
23,44
43,19
Fornecedores de Equipamentos, Materiais, Componentes ou Softwares
60,17
73,96
Clientes
76,20
68,68
Concorrentes
50,27
44,40
Empresas de Consultoria
18,34
29,34
Universidades e Outros Institutos de Educação Superior
27,50
27,36
Institutos de Pesquisa/Centros Profissionalizantes
25,38
18,13
Aquisição, Licenças, Patentes e Know-How
30,78
20,66
Conferências, Encontros e Publicações Especializadas
39,59
50,77
Feiras e Exposições
56,10
45,49
Departamentos de P&D
76,87
-
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
Nota: Considerou-se somente as variáveis “importante” e “muito importante” como fontes de informação para empresa inovar no período 1999/2001.
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
129
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
cia desfruta de prestígio no mercado internacional e exportam seus serviços.
Nos serviços de telecomunicações, observa-se que a
taxa de inovação (14,9%) apresenta o segundo melhor
desempenho entre os serviços estudados, embora o indicador de intensidade tecnológica posicione-se mais próximo da média total do setor de serviços. Esse resultado
deve-se à existência de duas concorrências dinâmicas e
técnicas distintas. De um lado, toma-se como exemplo o
segmento de telefonia fixa – onde há monopólio de oferta
de serviços e uma moldura institucional de regulamentação pública que acabam por determinar um grau reduzido de contestabilidade do mercado, originando maior
concentração econômica das empresas. Desse modo,
nessas atividades, quem mais gera valor são as grandes
empresas: elas são mais expressivas econômica e estruturalmente, e, por isso, são caracterizadas como prestadoras de serviços complexos e altamente custosos que
necessitam elevados recursos tecnológicos. Por outro
lado, no segmento de manutenção e assistência de telecomunicações, que é caracterizado por prestações de
serviços de baixo conteúdo tecnológico, as oportunidades para as pequenas e médias é superior – o que esti-
mula uma alta competitividade de mercado. Em sua maioria, essas empresas não realizam atividades de P&D e
têm grande participação númerica nesse segmento. Dessa forma, acabam criando um impacto negativo no resultado do indicador de intensidade tecnológica.
Voltando a tratar das empresas inovadoras e considerando as fontes de informação como insumos críticos para
os processos de desenvolvimento e implementação de inovações (Tabela 4) observa-se que, tanto na indústria como
no setor de serviços, as principais fontes utilizadas evidenciam um movimento competitivo cada vez mais
direcionado para os sinais de mercado.
Nesse sentido, os clientes despontam como variáveis
críticas para os dois setores. Entretanto, as atividades internas de P&D (in-house) parecem ser mais importantes
para a indústria do que para o setor de serviços, que recorre às informações de outros departamentos da empresa ou mesmo do grupo (departamentos de marketing, de
planejamento estratégico, entre outros).
Uma outra característica comum entre as empresas de
serviços e as da indústria é que os fornecedores de equipamentos de materiais e softwares também constituem um
importante insumo para o esforço inovador, embora haja
TABELA 5
Empresas do Setor de Serviços, Inovadoras e Não-Inovadoras para o Mercado Nacional, por Estratégias
Avançadas de Gestão Corporativa, segundo Atividades
Estado de São Paulo – 2001
Em porcentagem
Estudos sobre
Concorrentes
Estudos sobre Clientes
Atividades
Inovadoras
NãoInovadoras
Inovadoras
NãoInovadoras
Uso de Software de
Gestão Integrada
Inovadoras
NãoInovadoras
Setor de Serviços
82,8
49,4
51,3
24,5
61,2
31,2
Agricultura
66,7
32,1
16,7
20,1
0,0
6,0
Técnicos às Empresas
61,7
35,6
37,2
21,5
78,7
33,9
Auxiliares às Empresas
76,6
50,6
48,9
25,7
40,4
20,0
Transporte
85,9
48,1
35,9
23,5
90,6
34,3
Telecomunicações
94,4
57,3
44,4
39,8
94,4
35,9
Atividades de Informática
95,5
84,6
63,3
42,0
55,2
54,9
Saúde
72,1
50,2
47,1
14,7
53,8
39,5
Energia, Gás e Água
46,2
55,3
38,5
41,6
30,8
34,1
Limpeza Urbana/Esgoto
83,3
51,2
50,0
30,5
83,3
27,3
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista – Paep 2001.
130
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
SERVIÇOS NA PAEP 2001: ...
pouco maior naqueles com intensidade tecnológica superior), a experiência internacional revela que ele pode ser
bastante inovador exportando e empregando recursos humanos de alta qualificação e renda.
No caso da economia paulista, esse comportamento
pode ser explicado, em parte, porque as estratégias corporativas das grandes empresas vêm se pautando pela
internalização ou desenvolvimento das competências essenciais para a sua competitividade. Em outros casos,
porque compra, no mercado externo, soluções não encontradas localmente. Ademais, a própria fragilidade
tecnológica e inovadora da indústria marcada pela baixa
densidade das rotinas de P&D gera pressões de demanda menos dinâmicas e exigentes para os serviços
tecnológicos e intensivos em conhecimento. Entretanto,
as informações da Paep 2001 e do estudo realizado por
Bernardes e Kalup (2005) também mostraram que os
serviços de informática, telecomunicações e técnicos às
empresas apresentam um comportamento inovador sofisticado – e, em alguns casos, com performances bastante competitivas.
Sob a ótica do desenvolvimento e do fortalecimento
da competitividade, os serviços intensivos em inovação e
conhecimento são elementos estruturais de suporte que
podem estimular o crescimento econômico e industrial, o
comportamento inovador empresarial e a difusão de novas tecnologias. Nesse sentido, a formulação de políticas
públicas de competitividade e inovação direcionadas para
a promoção do desenvolvimento tecnológico e a internacionalização dos serviços – estimulando a reversão do
déficit da balança de serviços –, assim como o fomento
na articulação e integração com o setor industrial são estratégicas, podendo resultar no longo prazo em benefícios
maiores para a economia em termos de geração de divisas, tecnologia, emprego e renda.
indicações de que essa variável é mais valorizada no setor de serviços.
Por fim, as informações originárias das atividades de
conferências, encontros e publicações especializadas e
empresas de consultoria são mais utilizadas pelas empresas de serviços do que pela indústria.
Embora a metodologia recomendada pelo Manual de
Oslo considere as mudanças gerenciais como não-inovações tecnológicas, há pesquisas internacionais que argumentam que as estratégias de marketing e as técnicas
avançadas de gestão corporativa são conceitos críticos
para o processo de inovação no setor de serviços. Em
muitos casos, as pesquisas que visam à inovação nascem
e são desenvolvidas nas áreas de inteligência de mercado e marketing (THOWKE, 2003). Os dados apresentados na Tabela 5 demonstram que, para as empresas inovadoras do setor de serviços, a combinação de estudos
sobre os clientes (82,8%), sobre os concorrentes (51,3%)
e o uso de softwares de gestão integrada (61,2%) são
elementos importantes para a compreensão da natureza
da inovação nesse setor. Por este motivo, as pesquisas
sobre inovação devem aprofundar seus estudos sobre
essas variáveis.
CONCLUSÕES
Os resultados deste estudo são parte de um exercício
preliminar e pioneiro sobre a natureza, o comportamento
da inovação no setor de serviços e seus padrões de convergência e diferenciação tecnológica, tendo como referência a indústria paulista. A consecução dos objetivos
propostos neste estudo foi viabilizada por meio da exploração da base de dados inédita produzida pela Paep 2001,
que demonstra a grande vitalidade e multidimensionalidade
das informações sobre a economia de serviços no Estado
de São Paulo. As conclusões deste trabalho sugerem a
importância da construção de indicadores de monitoramento das atividades de inovação, P&D e difusão
tecnológica nos serviços, como instrumento estratégico
para as políticas de inovação e de desenvolvimento econômico. Considerando as características estruturais de
segmentação e heterogeneidade do setor de serviços, observa-se a necessidade de promover estudos aprofundados
para melhor compreender os padrões de funcionamento
intra-setoriais e os fluxos econômicos e tecnológicos entre este setor e o industrial.
De modo geral, embora se verifique um baixo dinamismo nas atividades inovadoras no setor de serviços (um
SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
NOTAS
1. Organizações como a UN (United Nations): Unesco (United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization) e UNCTAD (United
Nations Conference on Trade and Development); o IDB (InterAmerican Development Bank) e a EC (European Commission), têm
elaborado estudos de caráter conceitual, metodológico e operacional
que servem de orientação e recomendação para a atuação dos países,
com relação tanto à formulação e à avaliação de políticas como à produção de dados. Essas instituições vêm exercendo a liderança no processo de padronização de conceitos e métodos, bem como na construção de indicadores comparáveis internacionalmente. Ver, Porcaro
(2004).
131
ROBERTO BERNARDES / VAGNER BESSA / ANDRÉ KALUP
2. Para uma revisão detalhada sobre o histórico metodológico das estatísticas de CT&I, ver: Archibugi e Sirilli (2000); Bernardes (2003);
Schwartz et al. (2004) e Porcaro (2004).
12. Os países são Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha, Reino Unido e
Noruega.
3. Ver: <http://www.nsf.gov/>.
13. Seguindo a ótica dessas indagações, a Ricyt – Red Iberoamericana/
Interamericana de Indicadores de Ciencia y Tecnología desenvolveu o
Manual de Bogotá (JARAMILLO et al., 2000), resultado de um esforço conjunto de pesquisadores latino-americanos para contornar dificuldades da adoção do Manual de Oslo em pesquisas de inovação na
América Latina.
4. Para uma amostra sobre a produção científica baseada nesta pesquisa ver: Quadros et al. (1999); Costa (2003); Araújo (2001), entre
outros.
5. As informações da Paep 1996 tiveram uma importante contribuição
para a elaboração do segundo volume da série indicadores de Ciência,
Tecnologia e Inovação para 2001 no Estado de São Paulo organizado
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.
Esse estudo teve sua terceira versão publicada em 2005, tendo como
ano-base 2004. As duas publicações estão disponibilizadas no site da
Fapesp: <http://www.fapesp.br/indicadores/>.
14. Nessa pesquisa foram excluídos os segmentos serviços domésticos, administração pública, serviços financeiros e condomínios.
15. Ressalte-se que o âmbito geral da Paep 2001 foi mais amplo do
que aquele analisado neste artigo. Na Paep 2001 foram investigadas
as empresas dos setores indústria e indústria da construção com mais
de cinco pessoas ocupadas e todas as empresas, independentemente
do número de pessoas ocupadas, do Comércio, dos Bancos e dos Serviços, com atividade no Estado de São Paulo. Não foram pesquisados
os segmentos pertencentes às instituições financeiras, administração
pública, serviços de condomínio e serviços domésticos. Neste sentido,
o universo total da pesquisa foi de 792 mil empresas.
6. Entre as iniciativas que contribuíram para o aperfeiçoamento desse
campo metodológico, é digna de menção a discussão conceitual e
institucional da mudança tecnológica e da organização P&D no Brasil, promovida no âmbito do Diretório da Pesquisa Privada (DPP) e do
Observatório de Estratégias para a Inovação (OEI). Um dos argumentos sustentados é o de que não basta ter unicamente uma estratégia
alinhada em termos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), com investimentos volumosos e direcionados para áreas promissoras.
16. O indicador de intensidade tecnológica é uma proxy limitada sobre o esforço tecnológico realizado pelas empresas. É calculado pelo
número de pessoas de nível superior alocadas em P&D em relação ao
total do número de pessoas ocupadas no setor de atividade. O indicador desejável seria o cálculo entre os dispêndios em P&D/Valor de
Transformação Industrial; entretanto, a Paep 2001 não dispõe dessas
informações. A análise baseada nessas informações foi realizada em
Quadros et al. (2004) e Furtado e Quadros (2005).
7. Calculam que os serviços transacionáveis baseados no conhecimento
representavam 18% do valor adicionado (VA) total dos países membros da OCDE. Os correios, os serviços de telecomunicações e os serviços às empresas estão, em geral, entre os serviços transacionáveis
mais utilizadores de tecnologia. Estes setores representavam cerca de
25% do VA na Suíça. Entre os países do G7, os EUA e o Reino Unido
são os que apresentam os serviços com forte intensidade de conhecimento mais desenvolvidos.
17. Um estudo realizado por Quadros et al. (2004) que utilizou informações da Pintec 2000 para o Estado de São Paulo sobre dispêndios
das empresas inovadoras, captou o mesmo comportamento para o setor de material eletrônico, onde 20% dos dispêndios em atividades
inovativas eram direcionados para a aquisição externa de P&D. Os
autores questionavam o resultado, argumentando que esse segmento é
altamente apoiado por recursos e incentivos federais. Esse resultado
seria até mesmo contraditório em relação às informações de fontes de
inovação, onde verifica-se a pequena importância atribuída à cooperação tecnológica e às instituições externas para as atividades
inovativas.
8. Segundo Miles (1995), na primeira metade da década de 90, cerca
de 80% dos investimentos em tecnologia de informação no Reino Unido
e EUA são consumidos nos setores de serviços.
9. São definidas pelas atividades de serviço, indústria e comércio relacionadas com o processo de informação e comunicação por meios eletrônicos.
10. A origem do termo KIBS é pouco precisa, mas sabe-se que foi
empregado pela primeira vez no projeto Innovation Programme
Directorate General for Telecommunications, Information Market and
Exploitation of Research financiado pela OCDE e conduzido por Miles
(1995). Os KIBS podem ser agrupados em dois conjuntos: serviços
usuários de novas tecnologias e serviços produtores de novas
tecnologias. São exemplos do primeiro grupo os segmentos de engenharia, arquitetura, marketing, publicidade, consultorias financeiras e
jurídicas, entre outros. Pertencem ao segundo grupo: as redes de
informática, os serviços de telecomunicações, empresas de P&D, entre outras.
18. Ficou demonstrado que, embora apresentem individualmente uma
expressão numérica modesta (17% das empresas), o conjunto de serviços produtivos que dão prioridade à informação e ao conhecimento
contribui com uma parcela relevante da atividade econômica, pois eles
são responsáveis por 27% do VA do total dos serviços. Em média, seu
perfil ocupacional apresenta níveis de qualificação mais elevado do
que os do total do setor. A relação de ocupações de nível superior é
mais elevada do que a das ocupações de nível médio. Os indicadores
de difusão tecnológica também demonstram um padrão de intensidade superior ao observado para o conjunto dos serviços. Por exemplo,
os indicadores de oferta de computadores, acesso a internet, home page
e comércio eletrônico são bem superiores aos observados para o total
de serviços (BERNARDES; KALUP, 2005).
11. O debate e a própria compreensão sobre a natureza da inovação
no setor de serviços foi fortemente influenciado pelo modelo do “ciclo reverso do produto” (CRP) proposto por Richard Barra´s, que por
sua vez, apresentava clara influência da abordagem neoschumpeteriana. Essa abordagem, considerada como determinística por
autores como Uchupalanan (1998), Sundbo e Gallouj (2000), foi a
iniciativa pioneira no sentido de formalização de uma teoria da inovação e aprendizado nas empresas de serviços a partir de uma perspectiva dinâmica e interativa. No CRP, a natureza das trajetórias
tecnológicas de inovação e capacitação modificam-se em cada uma
das três fases do seu ciclo de desenvolvimento. Tal modelo pressupõe que, em certos serviços como bancos, telecomunicações,
informática, seguros, serviços de contabilidade e finanças, observase um ciclo de vida reverso ao ciclo de produto convencional da indústria. Nessa abordagem, o ponto central é o de que o setor serviços
apropria-se, inicialmente, de novas tecnologias (na forma de aquisição de informações e sistemas computacionais e telemáticos) desenvolvidos pela indústria.
19. As vantagens reveladas pelas empresas nacionais estão relacionadas as oportunidades de nichos de mercados decorrentes da oferta de
serviços e soluções corporativas para o uso de tecnologias de informação baseadas em custos mais acessíveis e competitivos.
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Artigo recebido em 2 de maio de 2005.
Aprovado em 6 de junho de 2005.
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 115-134, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
ASPECTOS HISTÓRICOS E
METODOLÓGICOS DA EVOLUÇÃO
RECENTE DO PERFIL DISTRIBUTIVO
BRASILEIRO
FERNANDO AUGUSTO MANSOR DE MATTOS
Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar a evolução da distribuição pessoal e da distribuição funcional
de renda desde o início da industrialização brasileira. Aspectos históricos e metodológicos serão levados
em consideração para analisar os resultados empíricos.
Palavras-chave: Distribuição pessoal da renda. Distribuição funcional da renda. Desigualdade de renda.
Abstract: The objective of this article is to evaluate the personal income distribution and also the functional
distribution of income since the beginning of the Brazilian industrialization. Historical and methodological
aspects are taken into consideration so as to evaluate the empirical data.
Key words: Household income distribution. Factor income distribution. Income inequality.
O
tir de uma avaliação da distribuição funcional da renda
esbarra em dificuldades metodológicas e representa uma forma de análise que pode se mostrar insuficiente, por si só,
para avaliar as múltiplas dimensões das desigualdades
presentes em economias de capitalismo tardio, como a
brasileira.
Para ilustrar a complexidade do fenômeno da desigualdade no caso brasileiro, o artigo mostra como o processo
de estruturação do mercado de trabalho brasileiro moldouse a partir de uma crescente perspectiva de ampliação das
desigualdades de renda; tanto no que se refere à distribuição pessoal, como à distribuição funcional de renda.
Para tanto, o artigo está dividido em três tópicos. O
primeiro tem um caráter teórico/metodológico, e discute as
relações entre a distribuição funcional da renda e a distribuição pessoal da renda do trabalho. O segundo discute
s estudiosos da questão da distribuição de renda
defrontam-se com uma decisão intrigante quando
pretendem avaliar o perfil distributivo de uma economia capitalista: de que forma será feita a abordagem da
questão? Analisando-se dados de distribuição funcional da
renda – aquela que separa a composição da renda global de
um país entre os rendimentos do trabalho e os provenientes
do capital? Ou estudando a distribuição pessoal da renda
do trabalho – aquela que considera somente as rendas
auferidas pelas pessoas no mercado de trabalho?
O primeiro objetivo deste texto é resgatar argumentos
que mostrem a relevância dos dados que dizem respeito
especificamente à renda do trabalho para a análise do perfil
distributivo de uma economia capitalista, em especial uma
economia de industrialização tardia, como a brasileira
(CARDOSO DE MELLO, 1982). O estudo da questão a par-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
135
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
conceitualmente o tema da heterogeneidade estrutural1 que
caracterizou, historicamente, a industrialização brasileira.
O terceiro apresenta resultados empíricos que ilustram
aspectos discutidos nos tópicos anteriores. Por fim, as
considerações finais buscam relacionar as principais questões reunidas ao longo do trabalho.
DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL VERSUS
DISTRIBUIÇÃO PESSOAL DA RENDA
A captação dos dados relativos aos rendimentos do
capital apresenta alguns problemas metodológicos. Alguns
autores têm desenvolvido técnicas para a avaliação da
distribuição funcional de renda na economia brasileira,2 mas
defrontam-se, muitas vezes, com as próprias dificuldades
de captação de dados referentes à divisão entre a renda
apropriada pelo capital e a pelo trabalho. Na maioria dos
casos, o estudo da divisão funcional da renda é realizado
dentro de alguns setores específicos, notadamente na indústria. Os dados de renda do setor industrial apresentam
maior precisão por referirem-se a atividades que mantêm
relações de trabalho predominantemente formais e a terem
indicadores mais organizados. De qualquer forma, trata-se
apenas de estimativas, muitas vezes obtidas através de
avaliações da massa de rendimentos do trabalho (que é a
forma mais precisa de captação de dados de renda) e posterior cálculo dos rendimentos do capital por subtração do
total de rendimentos do trabalho em relação ao montante
calculado para o valor adicionado na produção industrial.
Essa forma de estimar a divisão funcional da renda encontra, entretanto, algumas imprecisões, especialmente quando são computados os ordenados dos gerentes e diretores de alguns segmentos industriais, pois é difícil
distingui-los, muitas vezes, entre os rendimentos que remuneram a força de trabalho ou o capital investido.
Vale destacar que, o mercado de trabalho brasileiro apresenta-se acentuadamente segmentado. Portanto, avaliar
apenas as modificações na distribuição funcional da renda seria – mesmo desconsiderando os problemas metodológicos inerentes a esta opção – pouco conclusivo para
medir a verdadeira dimensão da desigualdade presente
nesta economia, pois os rendimentos do trabalho se comportam de maneira bastante diferenciada (BACHA, 1975),
existindo grande dispersão salarial tanto dentro dos setores industriais (dispersão intra-setoriais), como também
entre setores industriais de diferentes níveis de produtividade (dispersão inter-setoriais). É por isso que a maior parte
dos estudos sobre a evolução da distribuição da renda no
Brasil toma como referência os dados relativos à renda do
trabalho (levando em conta, nesse universo, os salários
dos empregados com ou sem carteira de trabalho assinada, os rendimentos dos trabalhadores por conta-própria e
os rendimentos a título de “pró-labore” dos empregadores) – pois os mesmos são mais precisos do que as informações relativas à distribuição funcional da renda. Os
dados sobre a evolução da distribuição funcional da renda muitas vezes servem para qualificar e incrementar estudos sobre a evolução dos rendimentos pessoais e, quando acompanhados dos dados de distribuição pessoal da
renda do trabalho, as informações sobre a distribuição
funcional servem para descrever de forma mais acurada o
quadro distributivo brasileiro.3
A participação dos rendimentos do trabalho na renda
total gerada na economia brasileira vem decaindo nas últimas décadas, atingindo proporções inferiores inclusive às
de países de nível de renda per capita e grau de desenvolvimento econômico semelhantes.4 Esse quadro pode ser
considerado mais trágico quando se constata, a partir dos
estudos mais recentes a respeito do tema, que tem sido
observada uma tendência de deterioração do perfil dos
rendimentos, mesmo dentro da parcela da renda nacional
que se destina a remunerar o trabalho.
Metodologicamente, os dados da distribuição pessoal
da renda do trabalho são obtidos por meio de pesquisas
domiciliares, feitas por amostragens estratificadas, nas
quais as pessoas são entrevistadas e declaram seus
rendimentos aos pesquisadores. Apesar de algumas
dificuldades dessa forma de captação de dados (pois
muitos trabalhadores recebem rendimentos com freqüência
irregular ao longo do mês; outros não sabem precisamente
quanto ganham – algo que se mostrava particularmente
mais difícil de precisar durante o período dos elevados
níveis inflacionários; e existem também casos de subdeclaração de rendimentos, entre outros problemas5 ), esse
método permite não só computar os rendimentos
provenientes de relações formais de trabalho (para as quais
existem fontes de dados bastante precisas – por exemplo,
os relatórios da Rais, ou publicações de entidades
empresariais, como a Fiesp, ou, ainda, as guias de
contribuição sindical), como também dos trabalhos
informais ou eventuais, que têm peso importante no espaço
ocupacional da economia brasileira.
Portanto, cabe novamente a questão: qual a relevância
da análise de dados relativos aos rendimentos do trabalho
para o estudo da questão distributiva na economia brasileira?
136
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ASPECTOS HISTÓRICOS
Na verdade, para uma avaliação mais completa da
evolução do perfil distributivo brasileiro das últimas
décadas, seria interessante combinar resultados tanto das
alterações da distribuição funcional da renda como da
distribuição pessoal da renda do trabalho. Entretanto,
devido às dificuldades metodológicas para avaliar sua
distribuição funcional, a opção pela análise dos dados
relativos à distribuição pessoal da renda constitui uma
forma adequada de abordar a questão distributiva brasileira
e de avaliar sua evolução. O argumento presente neste
artigo é que a distribuição da renda pessoal proveniente
do trabalho está intimamente relacionada à distribuição
funcional da renda na economia brasileira. A extrema
concentração funcional da renda condiciona e delimita o
perfil da distribuição da renda do trabalho na sociedade
brasileira. A distribuição da riqueza capitalista define os
fluxos de renda do capital (em suas diversas modalidades:
juros, lucros, dividendos, aluguéis, etc.) e também molda
as condições sociais e econômicas em que a força de
trabalho é remunerada nos processos produtivos.
A principal característica do mercado de trabalho brasileiro é sua acentuada segmentação, o que se configura
como um reflexo imediato da heterogeneidade setorial determinada historicamente pelo processo de desenvolvimento capitalista do país. Desta forma, o mercado de trabalho
brasileiro pode ser dividido entre um mercado externo de
trabalho e um segmento denominado “mercado interno de
trabalho” (EDWARDS; REICH; GORDON, 1975).
No mercado interno de trabalho estão os empregados
dos setores industriais organizados, geralmente com forte
característica oligopolística. Dentro dele, os salários e
postos de trabalho são determinados por uma certa estrutura ocupacional que obedece a regras administrativas
próprias, relacionadas a fatores tecnológicos que não estão presentes nos setores mais atrasados da economia.
No mercado externo de trabalho, ao contrário, os trabalhadores não precisam apresentar quase nenhuma qualificação e suas remunerações são determinadas por fatores
mais aleatórios do funcionamento do mercado de trabalho
em geral, as chamadas “forças de oferta e de demanda”,
que variam com intensidade mais elevada de acordo com
as flutuações do ciclo econômico. No mercado externo de
trabalho estão presentes os trabalhadores sem qualificação, tanto dos setores mais atrasados da economia, como
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
ainda aqueles localizados na base da pirâmide ocupacional
dos setores oligopolizados da estrutura produtiva (faxineiros, vigias, etc. das empresas com alta concentração de
capital).
Portanto, a dinâmica da determinação salarial difere
bastante nos dois casos, especialmente em um tipo de
desenvolvimento como o do brasileiro, marcado por significativa exclusão social. O processo de exclusão e a evolução tecnológica eliminaram preferencialmente os postos de
trabalho de mais baixa remuneração, aqueles cujos trabalhadores são mais desqualificados. Isso ocorre especialmente nos setores industriais mais dinâmicos. Esse processo tende a deprimir ainda mais a possibilidade de
recuperação dos rendimentos reais dos trabalhadores do
mercado externo de trabalho, mesmo quando a conjuntura
econômica torna-se mais favorável ao aumento geral do
nível de produção e de emprego. O enorme “exército industrial de reserva” e a pronunciada informalização do
mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos – especialmente a partir do início da década de 80 – 6 quando também se ampliaram os mecanismos de flexibilização do mercado de trabalho brasileiro,7 além dos ínfimos patamares
em que sempre esteve o salário mínimo no Brasil, colaboraram para que se consolidasse uma expressiva diferença
salarial entre os estratos do mercado de trabalho brasileiro. Conforme lembra Souza (1980), uma recuperação do valor
real do salário mínimo teria tido um papel fundamental para
a redução das desigualdades de renda do trabalho existentes em uma economia como a brasileira, na qual uma
parcela expressiva dos rendimentos do trabalho gravita em
torno e/ou é mesmo determinada institucionalmente pelo
valor do salário mínimo.8
A ampla diferenciação dos rendimentos do trabalho
existente na economia brasileira reflete uma estrutura
setorial bastante heterogênea, determinada historicamente, a qual está relacionada à convivência de setores avançados tecnologicamente (que têm um grande poder de
mercado 9 e, portanto, uma grande capacidade de gerar
lucros, devido à sua situação oligopolística) ao lado de
segmentos ainda bastante atrasados tanto em termos de
qualidade dos produtos quanto em termos de processo de
trabalho.
Esta característica de elevada produtividade de alguns
setores de ponta da economia brasileira (inclusive, em
muitos casos, comparando-se a padrões internacionais)
está associada não só à posição oligopolística desfrutada
por essas empresas comerciais/industriais, mas também à
possibilidade desses setores mais dinâmicos pagarem re-
HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL DA
ECONOMIA BRASILEIRA
SÃO PAULO
E
137
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
duzidos salários a uma parcela de sua mão-de-obra (especificamente aquela recrutada no mercado externo de trabalho), permitindo que uma grande parcela do valor adicionado seja absorvida na forma de lucros. Isto acontece
mesmo com a existência de uma complexa hierarquia representada pelo mercado interno de trabalho das empresas
oligopolistas, cujos integrantes recebem altos salários,
muitas vezes até equiparáveis às remunerações recebidas
em funções semelhantes exercidas em empresas localizadas nos países centrais.
Em poucas palavras, a possibilidade de remunerar uma
parcela significativa de sua mão-de-obra com salários relativamente reduzidos permite aos principais e mais dinâmicos setores capitalistas da economia brasileira o pagamento de elevada remuneração a alguns segmentos de sua
estrutura ocupacional sem que sejam deprimidas as suas
margens de lucro10 – favorecendo, portanto, a concentração funcional da renda.
Dessa maneira, são promovidas enormes diferenças salariais dentro de algumas empresas tanto do setor industrial, quanto do setor comercial, incluindo os bancos. Essas diferenças intra-setoriais somam-se às enormes
diferenças intersetoriais existentes na economia brasileira. Vale reforçar que essas acentuadas diferenças nas remunerações do trabalho são viabilizadas pelo fato de que
existe uma grande parcela de mão-de-obra excedente de
baixa qualificação que pode ser mobilizada pelo capital
nos seus momentos de expansão e desmobilizada sem
maiores ônus nas fases descendentes do ciclo econômico. Esse contingente de mão-de-obra pouco qualificada
faz com que, mesmo nos momentos de maior aquecimento econômico, não ocorram pressões por uma recuperação do valor real das remunerações de base da estrutura
ocupacional (DEDECCA, 1990). Em suma, os fatores estruturais da economia brasileira, aliados à opção política
de impedir, por exemplo, que o Estado brasileiro patrocinasse uma ampla recuperação do valor real do salário
mínimo nacional nos anos de maior prosperidade (notadamente na época do “milagre brasileiro”, quando se ampliou a dispersão salarial, em um momento de supressão
das liberdades políticas e sindicais), fizeram com que se
conformasse uma estrutura de rendimentos acentuadamente desigual, em um mercado de trabalho pouco
estruturado em sua base e excessivamente flexível
(OLIVEIRA; MATTOSO, 1996).
As diferenças existentes (em termos de lucratividade,
capacidade tecnológica e de participação nos mercados de
bens e serviços) entre os vários segmentos produtivos da
economia brasileira estão coladas às diferenças das
remunerações no mercado de trabalho brasileiro. Por isso,
a elevada concentração pessoal da renda do trabalho, no
Brasil, está intimamente relacionada a uma elevada concentração funcional da renda.
Dessa forma, o estudo da distribuição pessoal da renda
do trabalho descreve uma forma bastante representativa
da questão distributiva, em particular no caso da sociedade brasileira. Esses dados, analisados ao lado dos dados
da evolução da distribuição funcional da renda, revelam
um quadro bastante completo da realidade distributiva
brasileira. É do estoque de capital e de sua composição que
derivam os fatores que levam a um certo perfil distributivo
dos rendimentos,11 tanto em termos funcionais, quanto da
renda do trabalho.
ESTRUTURAÇÃO E DESESTRUTURAÇÃO DO
MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO E SEUS
IMPACTOS SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DA RENDA
Um estudo mais acurado acerca da constituição da estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro nas
últimas décadas permite apreender, de forma mais clara,
como se constituíram as determinações dos salários nesse mercado de trabalho, e, a partir daí, a distribuição dos
rendimentos do trabalho.
Os dados da Tabela 1 revelam que entre 1940 e 1980,
enquanto a população total e a população economicamente ativa (PEA) cresciam a uma taxa média anual, respectivamente, de cerca de 2,7 e 2,6%, o emprego formal assalariado com carteira assinada crescia a uma taxa média
anual que superava 6% (o conjunto do assalariamento –
ou seja, o assalariamento que inclui as contratações com
registro em carteira e as sem registro – cresceu também
expressivamente acima das variações da PEA e da população total: cerca de 3,6% ao ano em média). Essa expressiva diferença, acumulada durante um largo período de
tempo (quarenta anos), fez aumentar de maneira destacada o peso do emprego assalariado formal (e também o do
assalariamento em seu conjunto) nas ocupações do mercado de trabalho brasileiro no período. Como contrapartida, reduziu-se o peso relativo da ocupação por
conta própria e reduziu-se também a taxa de desemprego,
assim como a taxa de subutilização da mão-de-obra, definida por Pochmann (1999) como uma somatória das seguintes situações: trabalhadores por conta própria (ou autônomos); trabalhadores sem remuneração (situação mais
encontrada nos setores agrícolas, cujo peso – diga-se de
138
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
TABELA 1
Evolução da População Economicamente Ativa, segundo Condição de Ocupação e Desemprego
Brasil – 1940-1980
Indicadores
1940
1980
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
População Total
41.165,3
119.002,3
1.945,9
2,69
PEA (N os Absolutos)
15.751,0
43.235,7
687,1
2,56
100,0
100,0
2,3
3,1
24,4
3,32
Conta-Própria
29,8
22,1
121,5
1,79
Sem Remuneração
19,6
9,2
22,3
0,63
Assalariado
42,0
62,8
513,4
3,59
Com Registro
12,1
49,2
484,2
6,22
Sem Registro
29,9
13,6
29,3
0,56
6,3
2,8
5,5
0,50
55,7
34,1
149,3
1,13
PEA (%)
Empregador
Desempregado
Taxa de Subutilização (1)
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.
questionar na Justiça do Trabalho, eventualmente, a
empresa em que trabalha (ou em que tenha trabalhado),
assim como têm direito à remuneração plena do trabalho,
segundo a legislação.12 Trata-se, portanto, de uma situação
em que o trabalhador fica muito menos sujeito, do que o
trabalhador sem registro em carteira, às incertezas próprias
do funcionamento do mercado de trabalho de uma economia capitalista, dotando sua inserção ocupacional de uma
maior proteção e segurança social do que se estivesse
trabalhando precariamente sem registro em carteira ou em
atividades por conta-própria.13
Os dados da Tabela 2 reforçam as conclusões e explicam os dados retirados da tabela anterior ao descrever o
processo de industrialização que marcou o período entre
1940 e 1980. Os dados revelam um crescimento médio anual
de cerca de 5% nas ocupações do setor secundário, com
destaque para as ocupações no setor organizado da indústria. Também o setor organizado do terciário revelou expressivo crescimento (próximo de 5% ao ano em média ao longo desse largo período de 40 anos). Como resultado das
mudanças setoriais, o peso relativo da indústria e da construção civil no conjunto das ocupações cresceu expressivamente no período, revelando o dinamismo industrial do
período. Apenas para chamar a atenção para esse dinamismo industrial do período, vale lembrar que, conforme mostram as informações da Tabela 1, a população economicamente ativa cresceu cerca de 2,6% em média, ao ano, no
passagem – também diminuiu expressivamente no período); e trabalhadores desempregados. Portanto, a marca
da estruturação do mercado de trabalho brasileiro, ao
longo do período entre 1940 e 1980, foi não apenas a forte expansão (em termos absolutos) do volume de ocupações, mas também o aumento significativo – e sem precedentes históricos – do peso relativo dos empregos com
registro formal nos setores organizados do mercado de
trabalho brasileiro. É possível concluir facilmente, pelos
dados expostos, que cerca de 80% do total das ocupações criadas no período eram ocupações baseadas no
assalariamento – das quais mais de 85% de assalariamento
formalizado.
Desde logo, é preciso sublinhar o significado da inserção
do trabalhador com registro formal nos setores chamados
aqui de “setores organizados” do mercado de trabalho
brasileiro. A ampliação do número de trabalhadores com
registro formal (carteira de trabalho assinada) naqueles
setores representa a ampliação do número de trabalhadores
sujeitos ao estatuto legal que regulamenta as relações de
trabalho, o que significa dizer que são trabalhadores que
passam a estar amparados legalmente pela legislação do
trabalho (CLT), com tudo o que isso significa em termos
de direitos sociais, trabalhistas e de segurança (relativa)
no emprego. Ou seja, são trabalhadores que passam a ter
acesso aos direitos mínimos da cidadania, como a representação sindical, a proteção do trabalho, a possibilidade de
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
139
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
período, enquanto que as ocupações do setor secundário, conforme mostram os dados da Tabela 2, cresceram
aproximadamente 5%. Ou seja, o processo de industrialização nacional foi expressivo e culminou com um processo de vigorosa e consistente estruturação do mercado de
trabalho brasileiro,14 situação que somente se reverteria
após os anos 80, quando a economia brasileira foi marcada
pela reversão das elevadas taxas de crescimento do produto interno bruto – PIB, pela queda dos salários reais e
pela inflação crônica e elevada.
A Tabela 3 mostra a reversão da trajetória anterior de
estruturação do mercado de trabalho brasileiro. Como
mostra vasta literatura,15 a reversão econômica brasileira,
iniciada com a recessão dos primeiros anos da década de
80, com a crise da dívida externa, e perpetuada pelas diversas tentativas de “ajustes” macroeconômicos fracassados
(que, a partir de então, tentaram romper o crônico processo inflacionário brasileiro), fizeram com que os anos 80 legassem uma herança de baixas taxas médias de crescimento do PIB e dos níveis agregados de emprego. A marca da
crise no mercado de trabalho brasileiro foi a expansão do
setor informal e a queda dos rendimentos médios reais dos
trabalhadores. Consolidou-se, ademais, uma nova trajetória de ampliação da desigualdade dos rendimentos, dessa
vez (ao contrário dos anos 60 e 70, quando tais informações passaram a ser medidas de forma mais consistente e
que revelaram aumento geral dos rendimentos, mas de forma bastante diferenciada, ou seja, concomitante “aumento do bolo” e ampliação das desigualdades de renda) com
queda dos rendimentos médios reais.16
A expansão da economia passou a depender, nos anos
80, do esforço exportador para honrar os encargos da dívida externa. O assalariamento deixou de expandir seu peso
no conjunto da ocupação: ele crescia a taxas semelhantes
à do próprio crescimento da PEA entre 1890 e 1991. Entretanto, a desaceleração da economia, as incertezas relacionadas à inflação e a expansão da “financeirização” da dívida interna promoveram um cenário macroeconômico
precário e provocaram uma queda da taxa de investimentos produtivos, com efeitos nefastos sobre as formas de
contratação da mão-de-obra. Dessa forma, a precarização
do mercado de trabalho manifestou-se na expansão das
contratações fora dos registros legais. Ou seja, ampliouse o peso do assalariamento sem carteira assinada. Esse
fenômeno ocorreu dentro do setor industrial, conforme
mostra a Tabela 4, e também no setor terciário. A expansão
do peso do emprego sem carteira e das atividades nãoorganizadas no conjunto do mercado de trabalho brasileiro entre 1980 e 1991 ocorreu, portanto, tanto por causa da
precarização geral das contratações dentro de cada setor
de atividade, quanto também pela própria queda do peso
das atividades industriais, que concentram maior peso de
TABELA 2
Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados
Brasil – 1940-1980
Segmentos
1940
Total Não-Agrícola (em milhares)
4.914,3
29.526,3
100,0
100,0
Organizado
61,6
Não-Organizado
Total Não-Agrícola (em %)
Secundário
1980
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
615,3
4,58
70,5
444,7
4,94
38,4
29,5
170,6
3,90
30,2
36,2
230,1
5,05
17,8
20,2
127,2
4,92
6,4
5,0
29,1
3,94
6,0
11,0
73,8
6,18
Indústria de Transformação
Organizado
Não-Organizado
Construção Civil
Terciário
69,8
63,8
385,2
4,35
Organizado
40,8
44,8
280,6
4,83
Não-Organizado
29,0
19,0
104,6
3,40
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
140
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
atividades organizadas (e de emprego assalariado com
carteira assinada) em seu interior.
No agregado, conforme mostram os dados da Tabela 4,
o peso dos setores não-organizados no conjunto das ocupações do mercado de trabalho brasileiro, entre os Censos de 1980 e de 1991, cresceu de 29,5% para 34,5%. Ou
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
seja, em apenas onze anos, o peso dessas atividades, que
tinham retrocedido cerca de 9 pontos percentuais (no conjunto da ocupação) entre 1940 e 1980, voltaram a crescer
pouco mais da metade dessa magnitude (saltando cinco
pontos percentuais entre 1980 e 1991). Tal comparação
revela a rapidez com que os avanços promovidos pelo
TABELA 3
Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego
Brasil – 1980-1991
Indicadores
População Total
PEA (N
os
Absolutos)
PEA (%)
Empregador
Conta-Própria
Sem Remuneração
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
1980
1991
119.002,3
146.825,7
43.235,7
58.456,2
100,0
100,0
1.383,7
2,78
3,1
3,9
85,4
4,95
22,1
23,9
401,4
3,51
2.529,4
1,93
9,2
5,4
-74,5
-1,72
62,8
62,6
858,3
2,75
Com Registro
49,2
36,6
11,2
0,05
Sem Registro
13,6
26,0
847,1
9,01
2,8
4,2
113,1
6,64
34,1
34,2
477,1
2,81
Assalariado
Desempregado
Taxa de Subutilização (1)
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.
TABELA 4
Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados
Brasil – 1980-1991
Segmentos
1980
Total Não-Agrícola (em milhares)
1991
29.526,3
42.624,3
100,0
100,0
Organizado
70,5
Não-Organizado
Total Não-Agrícola (em %)
Secundário
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
1.190,7
3,39
65,5
645,7
2,70
29,5
34,5
545,0
4,88
36,2
30,6
214,0
1,83
20,2
14,6
23,5
0,39
Indústria de Transformação
Organizado
Não-Organizado
Construção Civil
Terciário
5,0
6,9
133,2
6,47
11,0
9,1
57,3
1,63
63,8
69,4
976,7
4,19
Organizado
44,8
46,3
591,6
3,70
Não-Organizado
19,0
23,1
385,1
5,24
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
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MATTOS
período da industrialização acelerada dos anos 40 aos 70,
em termos de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, foram em parte revertidos pela crise deflagrada nos
anos 80.
A Tabela 5 mostra a evolução, durante a primeira parte
da década de 90, dos mesmos indicadores das tabelas anteriores. Um primeiro dado que chama a atenção é que, entre
1989 e 1995, a taxa média anual de crescimento da PEA foi
de apenas 2%, contra cerca de 2,8% entre 1980 e 1991. Ao
mesmo tempo, a taxa de criação de postos de trabalho, no
período mais recente analisado, foi pior ainda do que havia sido durante o período 1980-1991. O assalariamento,
entre 1989 e 1995, cresceu a uma taxa média anual de apenas cerca de 0,5%, contra mais de 2,7% entre os censos
de 1980 e 1991. O registro em carteira, no período mais recente em análise, teve redução em termos absolutos. Como
resultado desse forte movimento de reversão econômica
que caracterizou a primeira metade da década de 90, a taxa
de desemprego, que já estava subindo no final dos anos
80, atingindo 4,2% em 1991, chegou a cerca de 6,5% em
1995.
A recessão econômica do governo Collor, o fracasso
dos Planos Collor I e II, a paralisia da economia no período que culminou com o impeachment do então presidente e o processo de abertura comercial descuidada e exagerada realizado pelos governos Collor, Itamar e FHC
promoveram uma forte retração das atividades industriais,
com efeitos significativos e inequívocos na estrutura
setorial do emprego não-agrícola, conforme apontam os
dados da Tabela 6: queda do peso da indústria de transformação no conjunto das ocupações contrabalançada por
um crescimento “por inchaço” do setor terciário, pois no
interior deste ocorreu uma forte expansão das atividades
não-organizadas, com aumento do peso de 22% para 30%
em apenas seis anos. Ao mesmo tempo, a participação das
atividades organizadas no interior da indústria de transformação reduzia-se dramaticamente – a uma média de cerca de 1 ponto percentual por ano, entre 1989 e 1995.
Organizada de forma diferente das tabelas anteriores,
mas igualmente eloqüente em seus dados, a Tabela 7 mostra que, no segundo mandato de FHC, a situação do mercado de trabalho brasileiro continuou a se deteriorar – o que
é particularmente preocupante quando se lembra que no
início do governo FHC já havia um quadro social de tal forma preocupante que o mundo do trabalho brasileiro vivia
uma situação dramática. Os dados da Tabela 7 revelam uma
contínua ampliação da taxa de desemprego entre 1993 e 2002,
ao mesmo tempo em que a PEA crescia a taxas superiores
às do crescimento da população –, e esse aumento da entrada de pessoas no mercado de trabalho expõe provavelmente, uma estratégia das famílias para tentar recompor a
renda familiar. Essas mudanças na estrutura do mercado de
trabalho brasileiro refletem-se nos perfis distributivos, tanto
no que se refere à distribuição da renda do trabalho, quanto ao peso dos rendimentos do trabalho na renda nacional
(ou seja, a distribuição funcional da renda).
TABELA 5
Evolução da PEA, segundo Condição de Ocupação e Desemprego
Brasil – 1989-1995
Indicadores
População Total
PEA (N os Absolutos)
PEA (%)
Empregador
Conta-Própria
Sem Remuneração
Assalariado
1989
1995
144.293,1
153.374,6
62.513,2
70.750,5
100,0
100,0
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
734,7
0,91
1.372,9
2,08
4,2
3,9
22,3
0,83
21,2
22,4
432,6
3,02
7,6
9,0
269,4
5,00
64,0
58,2
194,7
0,48
-1,41
Com Registro
38,3
30,9
-350,0
Sem Registro
25,7
27,3
541,5
3,12
3,0
6,5
442,1
15,80
31,8
37,8
1.144,10
5,07
Desempregado
Taxa de Subutilização (1)
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
(1) Conta-própria, sem remuneração, desempregado.
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
No auge do regime militar brasileiro, a divulgação dos
dados do Censo Demográfico de 1970 deu origem a um
debate, que fez história, acerca da natureza do aumento da
desigualdade na economia brasileira. A comparação entre
os dados dos censos de 1960 e os de 1970 revelava que a
desigualdade na distribuição de renda no Brasil havia aumentado (e continuaria a aumentar ao longo dos anos 70,
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
conforme mostram os dados da Tabela 8, e ao longo dos
anos 80, conforme mostram os dados da Tabela 9). Não
havia dúvidas quanto ao fato de que a desigualdade havia
aumentado. O debate instalou-se em torno das razões dessa
realidade. Essa discussão colocou em campos opostos os
formuladores da política econômica do governo militar e
seus adversários.
TABELA 6
Evolução das Ocupações Não-Agrícolas, segundo Segmentos Organizados e Não-Organizados
Brasil – 1989-1995
Segmentos
1989
1995
46.587,10
51.506,40
100,0
100,0
Organizado
66,7
Não-Organizado
33,3
Total Não-Agrícola (em milhares)
Total Não-Agrícola (em %)
Variação Absoluta
Anual (Em milhares)
Variação Relativa
Anual (Em % a.a.)
819,9
1,69
59,3
-88,4
-0,28
40,7
908,3
5,15
30,9
26,3
-141,5
-0,96
15,9
11,7
-230,2
-2,89
6,5
6,7
70,4
2,20
8,5
7,9
18,1
0,45
69,1
73,7
961,4
2,79
Organizado
46,5
43,6
132,3
0,60
Não-Organizado
22,6
30,1
829,1
6,66
Secundário
Indústria de Transformação
Organizado
Não-Organizado
Construção Civil
Terciário
Fonte: IBGE. Censos Demográficos e Estatísticos do Brasil; MTb (apud Pochmann, 1999).
TABELA 7
Evolução do Emprego, PEA e Desemprego, Antes e Depois do Plano Real
Brasil – 1993-02
Ano
Total de Ocupados
(Em milhões de pessoas)
PEA
(Em milhões de pessoas)
Nível de Ocupação
(% de Pessoas Ocupadas de
dez anos ou mais de idade)
Taxa de Desemprego (1)
(Em % da PEA)
1993
62,39
66,94
57,3
5,1
1995
65,38
70,05
57,6
4,6
1996
64,29
69,58
55,1
5,4
1997
65,57
71,63
55,4
5,7
1998
66,13
73,28
54,8
7,6
1999
69,18
77,24
55,1
7,6
2001
71,65
79,66
54,8
6,2
2002
74,11
82,22
55,7
7,1
Fonte: IBGE; FGV.
(1) Segundo critério do IBGE.
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
143
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
TABELA 8
Distribuição da Parcela da Renda Total Apropriada,
segundo Estratos Populacionais
Brasil – 1960-1980
Em porcentagem
Estratos Populacionais
1960
1970
1980
1% Mais Rico
n.d.
13,8
14,9
10% Mais Ricos
38,9
46,4
47,7
50% Mais Pobres
17,7
15,6
14,6
20% Mais Pobres
n.d.
3,8
3,4
Fonte: IBGE.
A publicação de um livro de Langoni (1973) representava os argumentos oficiais do regime militar defendidos por
um de seus principais integrantes. Segundo a avaliação –
de cunho ortodoxo/conservador – a desigualdade seria
decorrente das próprias virtudes da expansão econômica
do período, que geraria maior demanda por mão-de-obra
qualificada (de maior nível de escolaridade), em detrimento da demanda por mão-de-obra menos qualificada, fato que
ampliava as desigualdades de rendimentos existentes no
seio do mercado de trabalho brasileiro. Essa interpretação
apregoava que, no longo prazo, à medida que o crescimento
econômico se consolidasse, o mercado se encarregaria de
promover uma redução das desigualdades, por promover
também o aumento na demanda por mão-de-obra não-qualificada. A ampliação inicial das desigualdades, segundo a
doutrina oficial, não deveria ser vista como algo nefasto,
posto que o aumento da renda dos mais ricos promoveria
a expansão dos investimentos, possibilitando maior
longevidade ao ciclo econômico ascendente. Do outro lado
do debate, diversos autores reunidos em obra de Tolipan
e Tinelli (1975) contestavam os argumentos dos defenso-
res do regime militar, mostrando, entre outros fatores, que,
mesmo entre os trabalhadores de mais altas rendas, havia
aumentado a diferença de rendimentos. Segundo Malan e
Wells (1975), a maior parte das desigualdades ocorridas
naquele período devia-se ao aumento de desigualdades
dentro do mesmo grupo educacional da força de trabalho
– o que jogava por terra o que o próprio Langoni apregoara como a principal causa do aumento das desigualdades
de renda no período: a variável “educação”.17 Houve também os que apregoavam a perda de oportunidade de promover um aumento expressivo no salário-mínimo no período de prosperidade, quando as condições econômicas para
tal eram mais presentes.18
De qualquer forma, o que mais interessa, neste artigo, é
mostrar que a distribuição pessoal da renda deteriorou-se
no período da industrialização brasileira. Ou seja, apesar
da significativa estruturação do mercado de trabalho brasileiro, ocorrida entre 1940 e 1980, a economia brasileira
ainda ostentava características de uma economia subdesenvolvida, na qual a heterogeneidade estrutural manifestava-se de diversas formas, inclusive pela elevada concentração da renda do trabalho.
O processo de concentração da renda também pode ser
interpretado pela ótica da distribuição funcional da renda.
A Tabela 10 mostra que, desde as décadas iniciais da industrialização, a participação da renda do trabalho na renda nacional vem caindo sistematicamente. Os dados do
IBGE revelam que, em 1949, o trabalho participava com cerca
de 57% da renda nacional. Essa parcela foi minguando ao
longo das décadas seguintes, atingindo modestos 40% no
final do século XX.
Dados mais recentes e rigorosos (Tabela 11), citados
em Dedecca (2003), revelam que, ao longo dos anos 90,
a parcela da remuneração dos empregados 19 na renda
TABELA 9
Distribuição Pessoal da Renda do Trabalho, segundo Grupos de Renda
Brasil – 1981-1995
Grupos de Renda
1981
1986
1% Mais Rico (%)
12,1
14,0
13,9
10% Mais Ricos (%)
44,9
47,3
48,1
50% Mais Pobres (%)
14,5
13,5
10% Mais Pobres (%)
0,9
0,564
Índice de Gini (1)
1990
1992
1993
1995
13,1
15,5
13,4
45,1
49,0
47,1
12,0
14,0
12,9
13,3
1,0
0,8
0,8
0,7
1,0
0,584
0,602
0,575
0,603
0,592
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.
(1) Varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (total desigualdade).
144
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
TABELA 10
GRÁFICO 1
Evolução da Distribuição Funcional da Renda – Parcela da Renda
do Trabalho na Renda Nacional
Brasil – 1949-1999
Distribuição Funcional da Renda
Brasil – 1991-1999
1949
1959
55,5
20,0
1970
52,0
10,0
1980
50,0
0,0
1991
49,0
1994
46,0
1998 (1)
42,0
1999 (1)
41,3
PERFIL ...
Em %
50,0
Renda do Trabalho
(em % do PIB)
56,6
Ano
DO
40,0
30,0
1991
1992
1993
Salários
Fonte: IBGE.
(1) Estimativa.
1994
1995
1996
Excedente operacional bruto
1997
1998
1999
Impostos líquidos de subsídios
Fonte: IBGE.
Por fim – e sem a preocupação de ser exaustivo – podese apresentar mais um indicador da deterioração do perfil
distributivo na economia brasileira como decorrência da
implementação do Plano Real e – principalmente – pelo que
o mesmo representou em termos da inserção da economia
brasileira no cenário da economia globalizada.20
A política cambial e a elevação das taxas de juros reais
na economia brasileira, no primeiro mandato de FHC, tiveram múltiplos efeitos: sobre a balança comercial, em particular, e sobre as transações correntes do balanço de pagamentos; sobre o nível e produção do emprego industrial;
sobre a atividade econômica em geral (PIB); e também sobre as contas públicas. A elevação das dívidas externa e
interna foi um resultado inequívoco do período. Um dos
efeitos mais nefastos de tal cenário foi a ampliação do peso
nacional decresceu de cerca de 37,5%, em 1991, para apenas
cerca de 32,8% em 1999, queda expressiva para um período
relativamente curto de tempo, quando são considerados
indicadores de caráter estrutural como esse. Os salários,
em particular, tiveram uma redução de quase seis pontos
percentuais de sua parcela no período, caindo de 32% para
cerca de 26,5%. Enquanto isso, cresciam o excedente
operacional bruto (grosso modo, pode-se considerar como
o lucro das empresas) e os impostos cobrados à produção.
O Gráfico 1 ilustra esse fenômeno e revela que, já na
partida do Plano Real, as curvas de salários e lucros invertiam-se e continuariam a distanciar-se ao longo da década
de 90, enquanto ao mesmo tempo a participação dos impostos na renda nacional galgava patamares cada vez mais
elevados.
TABELA 11
Componentes do Produto Interno Bruto pela Ótica da Renda
Brasil – 1991-1999
Em porcentagem
Componentes
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
Produto Interno Bruto
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
100,0
Remuneração dos Empregados
37,5
40,2
41,7
36,6
34,3
34,6
33,0
32,4
32,8
Salários
Contribuições Sociais Efetivas
32,0
5,5
34,6
5,5
35,9
5,8
32,0
4,6
29,6
4,7
28,8
5,8
27,4
5,6
26,9
5,5
26,5
6,2
Contribuições Sociais Imputadas
4,2
3,4
3,4
3,5
4
3,9
3,9
4,1
4,7
Rendimentos de Autônomos
7,0
6,3
6,3
5,7
5,9
5,7
5,7
5,5
5,1
Excedente Operacional Bruto
38,5
38,0
35,4
38,4
40,3
41
42,9
44,0
41,4
Impostos Líquidos de Subsídios
sobre a Produção e Importação
12,9
12,2
13,2
15,8
15,6
14,8
14,6
14,0
16,0
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Apud Dedecca (2003).
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
145
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
das despesas financeiras no conjunto das despesas públicas.
A proporção dos gastos com pagamentos de juros da
dívida interna em comparação com os gastos da esfera
social ampliou-se aceleradamente e de forma sem precedentes ao longo dos anos 90. Em 1995, os gastos com juros e
com encargos da dívida interna representavam cerca de
21,4% do total dos gastos sociais e, em 2001, 31,6%
(FILGUEIRAS, 2000). Essa é também uma forma de manifestação da acelerada deterioração do perfil distributivo brasileiro, ocorrida nos anos mais recentes, e que não é captada pelos indicadores mais tradicionais de distribuição da
renda do trabalho (divisão da renda nacional por estratos
de rendimentos do trabalho).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dificuldade em analisar a evolução do perfil distributivo brasileiro reside no fato de que a industrialização
brasileira moldou-se sob uma forte heterogeneidade estrutural, aprofundando assimetrias e criando outras dentro da
estrutura produtiva e social brasileira.
A distribuição da renda do trabalho é uma maneira bastante representativa de descrever essa heterogeneidade,
marcada por acentuado processo de concentração funcional da renda. Essa concentração aprofundou-se no período da industrialização pesada, o que explicitou a convivência de setores modernos e dinâmicos da atividade produtiva
brasileira ao lado de setores atrasados tecnologicamente,
em um mercado de trabalho que era completamente
desestruturado. Em que pesem as transformações ocorridas no mercado de trabalho, o caráter tardio da industrialização brasileira não permitiu que os setores modernos que
se instalaram na estrutura produtiva “arrastassem” todos
os demais setores da economia. A sociedade e a economia
foram profundamente transformadas (urbanização, montagem de um mercado de trabalho dinâmico, sofisticação do
setor exportador, etc.), mas as desigualdades foram
perenizadas – dado que não foi possível historicamente
criar, no Brasil, as instituições que, nos países centrais,
permitiram que a industrialização se fizesse acompanhar
também por mudanças sociais e políticas.
A distribuição da renda do trabalho é um reflexo das
características peculiares da estrutura produtiva que se
conformou na economia brasileira desde que se instalou no
país a indústria pesada e resulta, também, da forma como
se distribuiu a riqueza capitalista nesse período, conforme
lembrou Gonçalves (1999). O processo de industrialização
que se intensificou no Brasil a partir dos anos 50 teve como
resultado a conformação de uma marcante heterogeneidade
estrutural – da estrutura produtiva – que carrega consigo
uma heterogeneidade da estrutura ocupacional que lhe é
correspondente, a qual, por sua vez, reflete-se em uma
elevada desigualdade dos rendimentos do trabalho. Essa
dispersão da renda do trabalho ocorre tanto em termos dos
rendimentos provenientes de salários, quanto daqueles dos
trabalhadores autônomos, que buscam formas alternativas
de sobrevivência no mercado informal de bens e serviços.21
O trágico da realidade distributiva brasileira é que ela
possui componentes políticos e históricos que consolidam
essa situação de elevada exclusão social. Esses vários
componentes (econômicos ou não) atuam continuamente,
reforçando esse quadro de elevadas desigualdades,22 por
meio das decisões de política econômica, da atuação da
Justiça, de aspectos econômicos institucionais (tributação
regressiva, por exemplo), da definição de regras de sociabilidade, entre outros, que não são quantificados pelos
dados de distribuição pessoal da renda.
Os dados empíricos apresentados neste trabalho revelam que a sociedade brasileira tem sido marcada, desde o
início da industrialização pesada, por um processo de deterioração do seu perfil distributivo, tanto do ponto de vista
da distribuição pessoal da renda, quanto no que se refere
à distribuição funcional. Em que pese o processo de expressiva estruturação do mercado de trabalho do país ao
longo das décadas de auge do processo industrializante,
a heterogeneidade estrutural persistiu na economia brasileira, manifestada pelas amplas diferenças de renda pessoal do trabalho ao longo desse período. O mais grave é
que, quando eclode a crise dos anos 80, o perfil distributivo
deteriora-se, em um contexto de queda da renda média e
de desestruturação do mercado de trabalho e de ampliação da insegurança do trabalhador. Nesse contexto, a parcela da renda do trabalho no conjunto da renda nacional
apresenta uma queda vertiginosa e assustadora pelo pouco tempo em que essa situação se corporifica.
Nos anos 90 e no início do século XXI (dada a natureza
do Plano Real e a forma de inserção da economia brasileira
na chamada globalização econômica), a situação piora ainda
mais, com a ampliação de uma outra forma de desigualdade, manifesta na ampliação dos gastos com juros em comparação com a ampliação dos gastos sociais. Essa nova
face da desigualdade não é captada pelos indicadores tradicionais de distribuição de renda, mas tem papel decisivo
para ampliar as desigualdades já existentes na sociedade
brasileira.
146
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
ASPECTOS HISTÓRICOS
E
METODOLÓGICOS
DA
EVOLUÇÃO RECENTE
DO
PERFIL ...
NOTAS
tação pouco severa para com o uso de estagiários e aprendizes, o
que retira possibilidades de emprego aos trabalhadores mais qualificados, entre outros fatores.
Versão anterior desse artigo foi apresentada no X Encontro Nacional de Economia Política, organizado pela Sociedade Brasileira
de Economia Política (SEP), em Campinas (SP), em maio de 2005.
8. O salário mínimo, ainda segundo Souza (1980), serviria de fato
como um “farol” a determinar os rendimentos assalariados e mesmo parcela expressiva dos rendimentos do trabalho autônomo
dentro do espaço ocupacional brasileiro.
1. O conceito “heterogeneidade estrutural” será usado aqui como
em Pinto (1979), que o utiliza para descrever as “descontinuidades”
que caracterizaram o processo de desenvolvimento econômico na
América Latina, diferentemente do que ocorreu nos países centrais, onde a expansão do capitalismo fez-se de forma mais homogênea, ou seja, sem grandes diferenças de produtividade intra e
intersetoriais e sem grandes diferenças de renda e de posse da riqueza. Segundo Pinto (1979, p. 49), no processo de industrialização da América Latina houve uma “tríplice concentração dos ‘frutos do progresso técnico’, em nível social, dos ‘estratos’ econômicos e em nível regional”.
9. Trata-se, grosso modo, do que Kalecki chamou de “grau de
monopólio”, ou seja, as empresas dos setores oligopolizados desfrutam do poder de fixar preços nos mercados em que atuam. O que
caracteriza a situação de oligopólio é justamente o fato de as empresas disporem de reserva de capacidade produtiva, a qual é muitas vezes construída estrategicamente de tal forma a responder
rapidamente a flutuações positivas de demanda, evitando que eventuais concorrentes o façam. A demanda por produtos industriais,
por seu lado, não surge “autonomamente” mas, pelo contrário, são
açuladas pelas estratégias de vendas (publicidade, obsolescência
acelerada de produtos, diferenciação de produtos e de modelos,
aprimoramento das estratégias de distribuição, etc.) das empresas,
de tal forma que elas podem também planejar as vendas e definir
estratégias de determinação dos preços. O preço final do produto é
calculado tendo como parâmetro mínimo o custo médio de produção, sobre o qual é acrescentada uma margem de lucro cuja magnitude depende do maior ou menor domínio que a empresa desfruta
sobre o mercado em que atua – exatamente o que Kalecki define
como “grau de monopólio”. Sendo assim, quanto maior for o grau
de monopólio, maior será a margem de lucro fixada pela empresa
e, portanto, maior será o seu lucro. Fica claro que a magnitude da
margem de lucro leva em conta também o preço de custo médio
das demais empresas. No caso de uma estrutura industrial como a
brasileira, que se constituiu sob o signo de uma forte heterogeneidade
estrutural, com o convívio de setores modernos e avançados tecnologicamente ao lado e segmentos de baixa produtividade ligados a
estruturas produtivas de empresas antigas e/ou atrasadas tecnologicamente, há diversos casos, em diferentes setores de atividades, de elevados “graus de monopólio”, permitindo-se supor que os
efeitos dessa configuração estrutural sejam sentidos no padrão de
distribuição de renda mesmo dentro do setor capitalista, e também
entre ele e os trabalhadores autônomos que vendem bens e serviços no mercado informal. Ademais, normalmente os salários dentro dos diversos setores industriais brasileiros são acentuadamente
desiguais, refletindo as expressivas diferenças de produtividade e
de “grau de monopólio” de certos conglomerados empresariais.
2. Ver, por exemplo, Carneiro (1989).
3. Trabalhos como Dieese (2001), Pochmann (2001) e Dedecca
(2003), por exemplo, apresentam a evolução da distribuição pessoal da renda e também dados e estimativas da distribuição funcional da renda.
4. A participação dos salários na renda nacional era de 40% em
1970, de 35% em 1980 e de apenas 33% em 1988, segundo dados
publicados pelas Nações Unidas e citados por Carneiro (1989). De
acordo com a publicação do ano de 1980 do “National Accounts
Statistics of the United Nations”, a participação dos salários na
renda nacional era de 43% na Argentina, 45% na Venezuela, 42%
no México, 39% na Coréia do Sul e de 40% no Paraguai (CARNEIRO, 1989).
5. Sobre problemas metodológicos relacionados à captação dos
dados das PNADs, ver Sawyer (1989).
6. Conforme será demonstrado a seguir, com dados empíricos.
7. Pode-se afirmar que o processo de flexibilização do mercado de
trabalho brasileiro deu seu primeiro passo no conjunto das reformas implementadas pelo Paeg, que substituiu o antigo estatuto da
estabilidade no emprego pelo Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço – FGTS (e também pela repressão ao movimento sindical,
pelo esvaziamento do Ministério do Trabalho, que, historicamente, tinha tido papel fundamental na construção do sistema
corporativo das relações de trabalho no Brasil, com a instituição
de reajustes automáticos de salários baseados em políticas salariais
definidas pela equipe econômica dos diferentes mandatos do regime militar e também com a retirada do poder normativo da Justiça
do Trabalho). Teve continuidade, de forma muito mais célere, nos
últimos dez anos, pelo menos, com novas regulamentações de contratos temporários de trabalho, das leis que regem o uso e remuneração dos trabalhos de estagiários, etc., sempre com o objetivo (declarado ou não), por parte das autoridades econômicas, de baratear
o uso da mão-de-obra por parte das empresas e também de diminuir
o custo das demissões. Cf. Barbosa; Moretto (1998); e também
artigos reunidos em Oliveira; Mattoso (1996), sobre a flexibilização
do mercado de trabalho brasileiro. Em poucas palavras, esses autores consideram que existe flexibilidade no mercado de trabalho
brasileiro, a qual se expressa de diversas formas: baixos salários e
custos de demissão também baixos, pois são relacionados aos valores dos salários; frouxa regulamentação a respeito do uso de horas
extras e de horários de exploração do trabalho (como, por exemplo, na relativamente recente lei que regulamenta a abertura do
comércio aos domingos); sindicatos fracos e pouco representativos; esvaziamento crescente do papel do Ministério do Trabalho;
ausência de convenções coletivas de trabalho; facilidades legais/
institucionais crescentes para demitir e contratar; elevada
rotatividade da mão-de-obra; Justiça do Trabalho cada vez mais
permeável ao discurso e práticas neoliberais de redução de custos
como principal objetivo a ser cumprido pelas empresas; regulamen-
SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
10. Conforme sublinhou Bacha (1975) “a relação entre a remuneração dos gerentes e os salários dos trabalhadores têm a ver não
com sua importância funcional relativa, mas com a razão entre
lucros e salários existentes na economia”.
11. Sobre as relações entre a composição da riqueza nacional e a
distribuição pessoal da renda do trabalho, ver Gonçalves (1999, p.
54): “A distribuição de renda não pode ser separada da questão da
distribuição da riqueza. Proprietários de ativos reais e financeiros
recebem rendas na forma de lucros, aluguéis e juros, além dos salários que remuneram o trabalho. A desigualdade na distribuição da
riqueza é um tema de fundamental importância, principalmente em
sociedades onde a distribuição funcional da renda tem um viés antisalarial. Este é, precisamente, o caso do Brasil, onde o salário representa uma parcela reduzida da renda comparativa a juros, lucros
e aluguéis”. Em outra passagem, debatendo os caminhos para uma
melhoria na distribuição da renda no Brasil, o mesmo autor argumenta: “Os dados sugerem, na realidade, que o problema da distribuição da riqueza no Brasil precede ao problema da distribuição da
renda. Neste sentido, o combate à pobreza no Brasil, que exige a
combinação de crescimento com distribuição de renda, para ser
eficaz e enfrentar definitivamente o problema, deveria ser
complementado com políticas de redistribuição da riqueza”.
12. O que aqui é denominado de “remuneração plena” representa o
conjunto de itens que perfazem o conjunto da remuneração do tra-
147
FERNANDO AUGUSTO MANSOR
DE
MATTOS
balho. Ou seja, além do salário mensal, também o décimo-terceiro
salário, as férias pagas com adicional (no caso do adicional, depois
da Constituinte de 1988), os depósitos de Fundo de Garantia e as
licenças-maternidade ou paternidade remuneradas, e também as
verbas rescisórias, quando for o caso (só para esclarecer a nomenclatura utilizada aqui: todos esses itens que vão além do salário
mensal são chamados pelos economistas liberais, e/ou pela maior
parte dos empresários, simplesmente de “encargos trabalhistas”;
mas, do ponto de vista dos trabalhadores assalariados, são parte
integrante de sua remuneração anual pelo trabalho realizado). Sobre uma discussão não-afeita aos preceitos do pensamento conservador a respeito dos encargos sociais e do custo do trabalho no
Brasil, ver Santos (1996).
vado do formal) com distintos conteúdos ocupacionais, e, portanto, com distintos perfis de distribuição da renda do trabalho.
13. Quando até mesmo o valor da remuneração mensal é incerto e
excessivamente sujeito às oscilações do ciclo econômico (e até
mesmo à sua saúde) a cada mês.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
14. Ao afirmar isso, não está-se perdendo de vista que persistiam,
no mercado de trabalho brasileiro, sinais inequívocos do subdesenvolvimento, como baixos salários, desigualdades de todos os tipos
(de renda do trabalho, de renda funcional, de renda por regiões),
informalidade, emprego precário em grande quantidade, etc., conforme mencionado em outros tópicos desse artigo. Mas a situação
do trabalho, no geral, melhorou bastante ao longo do auge do processo de industrialização brasileira. Essa situação começou novamente a se deteriorar a partir da crise dos anos 80, quando surge um
outro problema: o desemprego (DEDECCA, 1990; 2005).
15. Ver Belluzzo; Coutinho (1982; 1983). Com relação aos efeitos, sobre a economia brasileira dos anos 80, do endividamento
externo constituído nos anos 70, ver especialmente, Cruz (1983).
Obra mais recente – e igualmente importante – que trata dessas
questões é a de Carneiro (2002).
22. Vale citar uma passagem de Coutinho (1984, p. 39): “A distribuição pessoal (da renda) é apenas um resultado de fenômenos
dispersos que ocorrem de modo diverso em cada sociedade humana. Alguns destes fenômenos têm natureza econômica; outros decorrem de aspectos institucionais ou extra-econômicos, embora
contribuam para a explicação de um atributo econômico: a renda”.
BACHA, E. Hierarquia e remuneração gerencial. In: TOLIPAN,
R.; TINELLI, A.C. (Org.). A controvérsia sobre distribuição de
renda e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
BALTAR, P.E.A. Crise contemporânea e mercado de trabalho
no Brasil. In: OLIVEIRA, M.A. (Org.). Economia e Trabalho –
textos básicos. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp,
1998.
BALTAR, P.E.A.; DEDECCA, C.; HENRIQUE, W. Mercado de
trabalho e exclusão social no Brasil. In: OLIVEIRA, C.A.B.;
MATTOSO, J. (Org.). Crise e trabalho no Brasil: modernidade
ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996.
BARBOSA, A.; MORETTO, A. Políticas de emprego e proteção social. Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, v. 1,
1998. (Coleção Abet).
16. Para uma análise detalhada do aumento da informalidade no
mercado de trabalho brasileiro nos anos 80 e de seu impacto sobre
os perfis distributivos, ver Mattos (1994).
BELLUZZO, L.G.M.; COUTINHO, R. (Org.). Desenvolvimento
capitalista no Brasil – ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1983. v. 2.
17. Vale registrar a seguinte passagem de Malan e Wells (1975),
notórios opositores da doutrina liberal/conservadora que norteou
a interpretação do regime militar a respeito do aumento das desigualdades de renda ao longo dos anos 60: “[...] entretanto, acreditar na expansão apropriada da oferta como ‘solução’ para o longo
prazo é seriamente discutível, e por várias razões, mas queríamos
mencionar uma aqui em particular, derivada dos resultados empíricos
do próprio Langoni. Com efeito, do aumento da variância total da
renda entre 1960 e 1970 ‘explicado’ pela variável educação, 35%
são devidos simplesmente a mudanças na composição educacional
da força de trabalho, 23% a mudanças nas rendas relativas entre
diferentes níveis de educação e 42% á crescente desigualdade na
distribuição para um nível de escolaridade, isto é, educação é uma
importante variável explicativa principalmente devido à crescente diferenciação de renda entre indivíduos com o mesmo nível educacional. E é precisamente sobre esse fenômeno que o mecanismo
de oferta e procura é incapaz de dizer qualquer coisa, e que, não
obstante o otimismo de Langoni, pode persistir e intensificar-se
ao longo do tempo”.
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sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1.
18. Para uma revisão detalhada a respeito dos argumentos presentes no debate sobre a concentração da renda nacional nos anos 60,
ver Mattos (1993).
19. Remuneração dos empregados é a soma dos salários às contribuições sociais efetivas.
20. Para maiores detalhes sobre a natureza dessa inserção, ver
Filgueiras (2000, cap. 1).
21. Ver Mattos (1994). O autor mostra que o nível e a dispersão
dos rendimentos dos autônomos no setor informal estão relacionados aos diferentes graus de desenvolvimento econômico atingido por diferentes metrópoles, que conformarão não só um setor
formal e dinâmico, mas também um setor informal (ligado e deri-
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SÃO PAULO
EM
PERSPECTIVA, v. 19, n. 2, p. 135-149, abr./jun. 2005
Artigo recebido em 5 de abril de 2005.
Artigo aprovado em 12 de junho de 2005.
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