Fátima Costa de Lima – Quando o Homo Sacer se Representa

Transcrição

Fátima Costa de Lima – Quando o Homo Sacer se Representa
Participação, “performance comunitária” e performance política
QUANDO O HOMO SACER SE REPRESENTA
A estranha Ala de Mendigos da escola de samba Beija-Flor, Rio de
Janeiro, 1989
Fátima Costa de Lima (PPGT, Departamento de Artes Cênicas – UDESC)
Resumo
Em 1989, o carnavalesco Joãosinho Trinta (1933-2011) criou o enredo Ratos e
Urubus, larguem a minha Fantasia! para a escola de samba Beija-Flor. A
estranha alegoria do Cristo Mendigo abriu o desfile conhecido como o “carnaval
do lixo e do luxo”. Concebida como uma cópia do monumento do Cristo
Redentor, a alegoria foi coberta com saco plástico negro depois de proibida de
apresentar-se pela Justiça brasileira que acatou a censura da Igreja à presença
de um ícone religioso numa festa profana. Uma ala (conjunto de foliões)
denominada Ala de Mendigos, composta pelo grupo teatral Tá na Rua,
cortejava essa alegoria. Os atores representavam mendigos. A visualidade
grotesca da maior ala do carnaval brasileiro se distinguia do “brilho, luxo e
riqueza” costumeiros desse espetáculo popular. Ela chocou o público do
sambódromo. Todavia, no segundo desfile (das escolas de samba campeãs do
concurso), o carnavalesco convidou mendigos reais para compor a ala. A
novidade da segunda performance foi a destruição do Cristo Mendigo pelos
mendigos reais durante o desfile. Esse artigo pretende investigar os efeitos de
recepção das performances dos atores e dos mendigos usando o conceito
crítico de "alegoria” (Walter Benjamin) para embasar o debate entre
"representação" e "representabilidade" (Hans-Thies Lehmann). A noção de
“homo sacer” (Giorgio Agamben) atribuída aos foliões-mendigos permite
“transfigurar” (Walter Benjamin) o operário do século XIX (Karl Marx) em
favelado do século XXI (Slavoj Zizek) e fazer o “trânsito” (Mario Perniola) das
formas políticas, do épico ao didático (Bertolt Brecht); e do dramático ao pósdramático (Lehmann).
WHEN HOMO SACER REPRESENTS ITSELF
The strange Beggars Ala of Beija-Flor samba school, Rio de Janeiro, 1989
Abstract
In 1989, the carnival designer (carnavalesco) Joãosinho Trinta (1933-2011)
created the plot Rats and Vultures, drop my Fantasy! to Beija-Flor samba
school. A strange allegory named Cristo Mendigo (Christ the Beggar) opened
this parade known as the "carnival of trash and luxury." The allegory originally
designed as a Cristo Redentor (Christ the Redeemer) monument’s copy was
covered with black plastic bag after forbidden to perform for the Brazilian
Justice acceptance of the Church censorship to the presence of a religious icon
in a secular party. An ala (set of carnival players) called Ala de Mendigos
(Beggars Ala) composed by the theater group Tá na Rua courted this allegory.
The actors represented beggars. The visuality of the most bizarre set of
Brazilian carnival revels itself so distinct from the usual "brightness, luxury and
wealth" of this popular show. It shocked the Sambódromo’s audience. However,
Joãosinho Trinta invited real beggars to compose the Beggars Ala in the
second show (the show of the samba schools winners of the contest). The
novelty of the second performance was Cristo Mendigo destruction by the real
beggars during the show. This article aims to research the actors and beggars
performances’ effects of reception using the Walter Benjamin critical concept of
"allegory"
to
fundament
the
debate
between
"representation"
and
"representability" (Hans-Thies Lehmann) notions. Giorgio Agamben’s "homo
sacer” category assign to beggars players avoids “to transfigure” (Walter
Benjamin) nineteenth century proletariat (Karl Marx) in contemporary slum
(Slavoj Zizek) and to make the “transit” (Mario Perniola) from epical to didactical
(Bertolt Brecht) and from dramatic to post-dramatic (Lehmann) political forms.