Comer, cantar, amar: a doce sina dos brasileiros
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Comer, cantar, amar: a doce sina dos brasileiros
Comer, cantar, amar: a doce sina dos brasileiros. Muita coisa mudou desde que o brasileiro José da Silva Ferreira, um apaixonado confesso pela cultura norte-americana, andou de namorico com Holly Golightly, convidando-a para fugir com ele para o Brasil. Mesmo tendo a chance de se tornar a esposa do futuro Presidente de nossa República, a moça acabou por desistir no último momento de embarcar para cá atrás do seu nem tão seguro amor. Afinal, estávamos em 1961, a mocinha era nada mais nada menos que Audrey Hepburn, o galã era um maduro e refinado José Luis de Villalonga e tudo se passava no interior da comédia Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany´s), dirigida por Blake Edwards ao som de Moon River.1 Tudo pareceu mudar para pior, talvez, como se pôde ver mais recentemente através de Fausto e Reinalda, dois ricos herdeiros brasileiros, dois boçais com características bem marcadas, ela, pela burrice e pela forma extravagante de se vestir, ( tinha sido ex-rainha do carnaval) e ele, pela arrogância e pela grosseria. Porque Fausto instigava o motorista a ultrapassar o carro de polícia, só de onda, ele falava mal de São Paulo, ele tentava corromper um policial, e em sua volta ao Brasil confessou ter se divertido como James Bond naquela aventura em tom de comédia maluca contada no filme Nada Além de Problemas ( Nothing But Trouble) dirigida por Dan Aykroyd em 19912 Finalmente, talvez ainda esteja vivo na memória do público brasileiro o vexame que André de Silva, interpretado por José Zuniga passou recentemente em Próxima parada 1 BONEQUINHA DE LUXO(-Breakfast at Tiffany’s, USA,1961, 109’)Dir:Blake Edwards, com Audrey Hepburn, George Peppard, Mickey Rooney, VILALONGA, Patricia Neal, Buddy Ebsen, Martin Balsam.Roteiro de George Axelrod a partir da novela de Truman Capote; Musica:(Moon River) de Henry Mancini. 2 NADA ALÉM DE PROBLEMAS ( Nothing but trouble/ Valkenvania, EUA, 1991, 94’)Dir: Dan Aykroyd, com Chevy Chase, Demi Moore, John Candy, Dan Aykroyd, Valri Bloomfield, Taylor Negron(Fausto), Bertila Damas ( Reinalda). Wonderland, ( Next stop Wonderland, Brad Anderson, 1998), com seu sotaque arrevezado, convidando para vir conhecer as praias de São Paulo a enfermeira Erin Castleton, uma pungente Hope Davis indecisa com relação a seu destino, numa história embalada pelo melhor da bossa nova. Por mais que ele tenha usado sua lábia de sedutor, cantarolando mesmo trechos de Manhã do carnaval num português abominável. Três brasileiros nos States, três filmes americanos, mais de trinta anos a separá-los. Os brasileiros lá fora, conforme já sublinhei em outros trabalhos3, posaram de excêntricos, boêmios ou ricaços, membros de uma classe improdutiva, em sua versão norteamericana feita para o grande público. Sua sorte também mudou, pelo menos no cinema. Afinal, em quatro décadas mergulhamos numa inimaginável globalização financeira e cultural, encaramos um trânsito mais intenso nas imagens trocadas entre as nações, produzidas ou não por elas próprias, vimos contingentes cada vez maiores de brasileiros se mudarem para o exterior em busca de melhores oportunidades de vida. E claro, o cinema comercial foi sensível a esta mudança. Acompanhamos nestas décadas uma emergência da questão da produção da autoimagem assim como a relativização de certos estereótipos onde se cristalizava a figura dos brasileiros nos filmes estrangeiros. Este trabalho pretende ampliar o campo de observação sobre novas configurações de personagens brasileiros em alguns filmes comerciais recentes, ainda associados a uma noção de comunidade ibero-americana.. A primeira das constatações extra-fílmicas é a de que agora a existência de brasileiros nos EEUU é objeto de preocupação oficial, o que resulta em estatísticas mais confiáveis, em uma qualificação mais adequada aos novos tempos, que requerem maior 3 O Brasil dos gringos. Niterói: Intertexto, 2000. controle dos fluxos migratórios. Este pode ser um dado real que nos ajuda a compreender a expansão da comunidade brasileira em solo americano, para o bem e para o mal. Para o mal, sem dúvida, pelo descontrole do enorme contingente de emigrantes clandestinos, volta e meia envolvidos em escandalosos processos de repatriamento e sobre os quais os dados são bastante relativos. Para o bem, pela constatação da presença de brasileiros majoritaramente na Costa Leste, “orientados por sua vocação atlântica, pela semelhança do fuso horário e a melhor comunicação através do idioma espanhol, mais difundido naqueles lados”4 Com a curiosidade de saber que “nossos patrícios estão presentes em absolutamente todas as unidades da federação e assemelhados, como Porto Rico e Ilhas Virgens”.5 A se acreditar nas estatísticas, o total de brasileiros vivendo no exterior atinge a soma de 2,5 milhões de habitantes, responsáveis pela injeção de “cerca de R$5,8 bilhões na economia brasileira”6. Deste total, 1 milhão e trezentos se encontram nos Estados Unidos. Uma população bastante considerável, capaz de causar um impacto econômico de alguma ressonância, lá e aqui.... e de estabelecer trocas culturais realmente consistentes. Por isto talvez a visibilidade do brasileiro comum tenha se ampliado nos Estados Unidos, para além dos estereótipos tradicionais e das marcas de brasilidade expressas pela mídia internacional: um país presidido por um ex-operário, as vitórias do esporte, a crise e a recuperação econômicas, aqui e ali um percalço diplomático. Todo um imaginário produzido pelo próprio cinema, pela televisão, pelos jornais, pela publicidade... e pela música. Sub-grupo de uma comunidade essencialmente maior, hispânica ou latina, os brasileiros começam a aparecer de forma distinta nas produções cinematográficas. Embora 4 5 E-mail do Itamaraty, sobre notícia do Consulado Brasileiro em Nova York. idem tais traços coexistam com marcas associativas que recorrem a um mesmo sentido aglutinador, orientado para traços de etnicidade de fácil assimilação: povos místicos, ingênuos, primários, mestiços, mão de obra barata, culturas primitivas, ao lado dos signos menos conhecidos de uma modernidade tardia. É neste sentido que nossos dois filmes, O sabor da Paixão (Woman on top, EUA/Venezuela, 2000) e Tortilla soup ( EUA, 2001) merecem atenção especial por trabalharem com dois dos vários elementos que vão caracterizar a simbiose dessas culturas ibero-americanas frente ao mercado anglo-saxônico: a culinária e a música. Curiosamente, são filmes dirigidos por mulheres: o primeiro, pela catalã Maria Ripoll e o segundo pela venezuelana Fina Torres. E a uni-las, a interface brasileira da roteirista Vera Blasi, uma paulista emigrada.7 Mulheres de nacionalidades diferentes, que se enquadraram no modelo hollywoodiano de produção e, deste ponto estratégico, estabelecem seu discurso. Seria este um traço diferencial? Trariam as mulheres não americanas uma observação mais arguta sobre nosso objeto, o brasileiro no cinema estrangeiro, uma observação mais contextualizada, já que o próprio fato de mulheres não americanas estarem filmando dentro do mercado americano já seria digno de registro? Seriam elas mais sensíveis às sutilezas da representação étnica, atualizando velhas mitologias? Finalmente, se há uma novidade em toda esta situação, onde ela estaria? COMER, CANTAR e AMAR. A novidade estaria na composição deste trinômio, que despreza as tradicionais marcas da pobreza e do subdesenvolvimento expressas no universo tanto da estética quanto da cosmética da fome e estabelece outro território para ancorar as novas narrativas: fartura e a 6 7 Folha de São Paulo, Mundo, 4 de julho de 2004. http://www.premiereweekend.org/interviews/int-woman-vb.html, página consultada em 11 de setembro de 2004. boa mesa. É em torno da culinária latino-americana que vão se agregar alguns dos novos sujeitos das tramas contemporâneas. O amor, como dado universal, já foi reduzido a seus modelos mínimos: o latin lover, a mulher sensual, sempre atributos de lubricidade e exaltação amorosa. A música já impregnou as telas de exotismo, de variedade pitoresca e de radicalização estrutural, como o demonstrou Arlindo Castro8 quando estudou sua inserção no mercado americano pela via cinematográfica. Agora é a vez da gastronomia. Pratos típicos de aromas picantes, uma comida variada e afrodisíaca. Na terra do McDonalds, quem tem um molho é rei. No caso de nossos filmes, o reino da pimenta e do dendê. Em Sabor da Paixão vamos ter uma personagem brasileira, chefe de um restaurante bahiano, que emigra para São Francisco para fugir de uma desilusão amorosa. Afinal, ela é alguém que gosta de dirigir sua vespa, de trocar de lugar com o motorista de táxi, de guiar o casal na dança, de estar literalmente por cima, na cama. Ela vai estar à frente de um programa de televisão sobre culinária, sempre acompanhada de sua amiga de infância, um transsexual de nome Mônica Jones ( Harold Perrineau Jr), negro e afetado.O filme parece uma mistura do brasileiro Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976, já regado a comida e música), com o mexicano Como água para chocolate (Alfonso Arau, 1992)9, ambos com excelentes performances no mercado norte americano. Sabor da paixão conta com um repertório de elementos imediatamente associado a um certo estereótipo de Brasil: candomblé, Iemanjá, o machismo latino, o universo homossexual, elementos aos quais se agrega agora a emigração por conta de busca de 8 9 CASTRO, Arlindo. More than just good neighbors. s.l., s. ed., 1996 como bem o demonstrou João Luiz Vieira no recente colóquio IMAGENS DA METRÓPOLE NA FRANÇA E NO BRASIL - REPRESENTAÇÕES MODERNAS E CONTEMPORÂNEAS, realizado na ECA/USP em setembro de 2004. oportunidades e finalmente, um personagem estreitamente ligado ao universo do trabalho. Aí se encontra um traço diferencial, já que não se trata de alguém em trânsito, como turista ou como clandestino, mas alguém efetivamente relacionado ao mundo da produção. E, como se não bastasse, um personagem feminino. Toninho, o marido de Isabella, ele sim, ele flana pela sociedade americana sem muita consistência, graças ao seu talento e a um golpe da sorte que o leva ao programa da esposa. Porque é através do trabalho (e também pelo seu jeito peculiar, reforçado pelo carisma da persongem interpretada pela atriz espanhola Penélope Cruz) que Isabella consegue mediatizar seus dotes culinários e se tornar um hit na televisão. A associação com a música se faz através do seu marido brasileiro (Murilo Benício), que parte aos Estados Unidos em sua reconquista e lá se compraz em fazer serenatas e a persegui-la por toda a parte, conseguindo mesmo se impor – ele e seu grupo, uma espécie de pastiche do Bando da Lua de Carmen Miranda, no programa de televisão “Passion Food Live”, que ela apresenta . Com a ajuda dos deuses eles vão reatar no final. Quer dizer, além do trabalho formal da protagonista, há também o trabalho espiritual conseguido pela amiga junto a uma mãe de santo bahiana, por telefone, que vai lhe impedir de amar Toninho, um feitiço que Isabella vai finalmente concordar em quebrar, voltando às boas com o marido, no happy-end. Mas trabalho espiritual não conta no nosso mundo da produção. Embora o universo fantástico interfira diretamente na trama, através dos aromas que seduzem as pessoas, do poder das oferendas que amarram e soltam corações, pela força de Iemanjá que, ofendida com Toninho, faz até desaparecerem os peixes da Bahia, inviabilizando seu restaurante. Por outro lado, nada está mais perto do verossímil do que algumas falas do filme, quando se trata de qualificar Toninho, que é chamado de “latinozinho boca de mambo”, ou de “heterossexual, machão, romântico e primitivo”. Nada mais próximo dos clichês quando se descobre que Isabella tem na pele um sabor de sal, os cabelos cheirando a canela, os beijos ardidos como pimenta. Até o Brasil é explicitament qualificado pelo travesti Mônica como sendo mais do que um país: é uma sensação, um estado de espírito indescritível e indefinível. “O Brasil é algo que começa em Porto Alegre e vai para o Norte até Recife: são os tambores do candomblé, é o samba do carnaval, os tambores nagôs. A gente sente isto nas solas do pé, subindo pelo joelho até o coração”. A gente tem a lua, a maré, as estrelas. Esta descrição termina com os acordes da Aquarela do Brasil e expõe de maneira exemplar uma rica coleção de pressupostos afetivos que caracterizam uma territorialidade utópica e imaginária, centrada no modelo de uma sociedade primitiva, voltada pra o lazer, naturalizado enquanto universo tropical e solar. Por isto causa espanto que a personagem principal esteja atrelada desde o início da narrativa à esfera do trabalho, profissionalizando e dando visibilidade a uma atividade que já exercia ao sul do rio Grande. Isto é uma novidade. Com produção executiva brasileira de Preta Gil e consultoria musical de Monique Gardenberg, Sabor da paixão evoca um verdadeiro compêndio de música brasileira, que passa pelas composições e interpretações de Geraldo Pereira, Mirabeau, Paulinho Moska, Toquinho e Vinícius, Silvio Caldas, Nelson Cavaquinho, Caetano Veloso, Banda Mel, Luiz Bonfá, Dory Caymmi e Lenine. Se o modelo de construção de sua narrativa obedece a parâmetros consagrados pela indústria cinematográfica, a presença extensiva da música brasileira registra uma marca cultural bastante singular. Mais do que a consagração de um talento nacional, trata-se talvez de um demonstrativo da receptividade das sólidas estruturas transnacionais da indústria fonográfica. Nosso outro filme é Tortilla Soup, produzido pela Samuel Goldwyn Company, uma releitura do filme Comer, beber, viver (Eat Drink Man Woman), dirigido por Ang Lee em 1994, onde o personagem brasileiro circula em torno da boa mesa, desta vez de uma família mexicana, e também é envolvido pela música. O protagonista é um pai de família chicano e viúvo (interpretado por Hector Elizondo, ele mesmo um filho de basco e portoriquenha), chef de um restaurante e que tem suas preocupações voltadas para o destino de suas três filhas: Letícia (Elisabeth Peña), Carmen e Maribel (Tamara Mello), e esta ultima vai se apaixonar pelo estudante brasileiro André, apelidado de Andy (interpretado pelo francês Nikolai Kinski, filho de Klaus Kinski). A trama do filme focaliza as refeições na casa de Martin Naranjo e suas filhas, quando o chef se esmera em prover as melhores iguarias. Em torno da mesa gravitam suas filhas e seus problemas, inclusive o da desconfiança com relação à pretendente paterna, a escandalosa Hortência (vivida por Rachel Welch, filha de pai boliviano e mãe americana, na vida real). Ali, como em Sabor da Paixão, a câmera se detém acintosamente no ritual de preparação dos alimentos, na descrição dos legumes, frutas e carnes, na confecção dos pratos, aguçando o apetite do espectador através de um sofisticado apelo visual. E este ritual contamina a trama e reforça seu aspecto dramático de lugar de especialização da cultura latina. Se tivermos em mente a facilidade de preparação de uma refeição normal no cinema americano comercial no seio de uma família americana comum, fora do Dia de Ação de Graças, podemos imaginar o impacto de tais imagens, cheias de cores e volumes a sugerirem prazeres insuspeitados. Só como indicação, cabe lembrar que o remake americano de Dona Flor e seus dois maridos omitiu quase que completamente o aspecto culinário do contexto da obra, essencial no livro original de Jorge Amado e também presente enfaticamente no filme brasileiro. Uma distinção que obedece às determinações da alteridade entre as duas formações culturais. Tudo vai girar em torno da mesa paterna, local de confluência dos dramas de cada uma das três moças. Como parte do ritual haverá também a obrigatória submissão dos convidados ( homens e mulheres) à excelência da culinária típica de Martin, entre tamales, tomatinhos recheados com guacamole, bolinhos de chuva, e um fabuloso polvo à veracruzana. A presença de Andy se dá como um dos elementos que põe em crise a organização da casa, na medida em que ele vai ser, por comparação, o atrativo de liberdade para Maribel, a filha mais nova. André entra nesse universo quando Maribel, que trabalha em uma loja de discos, identifica a música que toca no conversível do rapaz: trata-se de “Sem Contenção, de Bebel Gilberto, gravada em 1999, (...) e inspirada no lendário rei da bossa nova, João Gilberto, que é pai dela”, ela diz, numa prova da excelência de seu conhecimento sobre música brasileira. A relação entre os dois vai pôr em questão a alteridade, estabelecendo uma comparação entre as duas culturas e os dois modos de se lidar com os jovens: enquanto Maribel lastima sua obediência à casa paterna, Andy vive no exterior, com absoluta liberdade. Ela se espanta com a potencialidade desta sociedade brasileira feita especialmente para o cinema. Nosso Andy fala várias línguas ( enquanto que Maribel só fala duas, o espanhol e o inglês, e por interdição paterna nunca as duas ao mesmo tempo), ocasião de se brincar com seu Outro americano: como se chama quem fala várias línguas? Poliglota. E duas línguas? Bilíngüe! E uma língua só? Americano! A distinção clássica do personagem brasileiro com dificuldades de adaptação lingüística ( de que Carmem Miranda é uma matriz inquestionável ) é quebrada aqui e sua explicação acompanha o desenrolar da trama: durante a refeição de apresentação do futuro genro, cheio de suspeitas e defendendo seu território, Martin vai provocar Andy dizendo que os únicos brasileiros brancos que conhece foram criminosos nazistas. Ao que Andy responde: Talvez existam alguns, mas a maioria dos emigrantes alemães foi ao Brasil entre as guerras por causa da depressão na Europa. A situação será mais constrangedora quando Maribel informar que Andy é meio alemão e meio italiano. Se permanece latente a idéia da mestiçagem brasileira, ela resiste às marcas das raízes africanas, apontando para outras formações. E justifica a poliglossia do rapaz, afinal de contas apenas um estudante ainda em fase de decidir sua carreira profissional futura. Esta sociedade revelada a Maribel por Andy é oposta em tudo ao México, sua ancestralidade maior. É curioso que a moça não compare o Brasil com os Estados Unidos – onde ela e a família estão estabelecidas, mas com o México, terra dos pais. Fluidas barreiras territoriais coerentes com os tempos de globalização. Um hibridismo marcado no próprio texto do filme, agregando novas etnicidades àquela família chicana vivendo em Los Angeles, na figura do sócio cubano do pai e do louro brasileiro pretendente da filha. André, na sua intimidadade, entretanto, carrega os símbolos da brasilidade, na sua confortável vida de estudante solteiro: grande rede na sala, tecidos coloridos como cortinas, um chapéu de palha, uma figa providencial e uma imensa bandeira do Brasil que serve de decoração em sua casa. E ele vai se surpreender quando Martin vai lhe dedicar algumas palavras em português, agradecendo os elogios feitos à sua comida. Quando Andy diz não há de quê, você fala um português muito bom, nós nos damos conta de quem não fala português bem é ele. Martin, como se descobrisse a falcatrua lingüística, começa a falar de mulheres japonesas no Brasil, uma conversa que é silenciada pelas outras vozes que se impõem no jantar. Andy vai se incorporar à família chicana, brigando e reatando com Maribel e se matriculando na mesma universidade que ela. Um happy-end é antevisto, André vai se integrar ao american-way-of-life. O Brasil provavelmente vai perder um filho, mas Martin vai ganhar um genro. Comer, cantar e amar – um novo universo que se desenha no cinema comercial americano para dar conta de uma representação positiva de um enorme contingente de ibero-americanos instalados nos Estados Unidos. Uma reserva de tipicidade dinâmica, sujeita a configurações econômicas que vão determinar o imaginário social, atualizando alguns modelos firmemente estabelecidos, num complexo circuito de negociação simbólica. Uma conseqüência da contaminação do palatável suflê das grandes narrativas industriais pelo molho nem sempre discreto dos sabores artesanais da periferia.