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Instituto Superior Politécnico de Viseu
Escola Superior de Educação
A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL
DO KARATÉ
Estudo dos Níveis de Concordância dos Treinadores
com a Organização Institucional do Karaté nos
Distritos de Aveiro, Guarda e Viseu
José Alberto Figueiredo Dos Santos
Viseu, 2007
Instituto Superior Politécnico de Viseu
Escola Superior de Educação
A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL
DO KARATÉ
Estudo dos Níveis de Concordância dos Treinadores
com a Organização Institucional do Karaté nos
Distritos de Aveiro, Guarda e Viseu
Monografia apresentada no âmbito da disciplina de
Seminário no 4º ano (2006/2007) do curso de
Licenciatura de Professores do 2º Ciclo do Ensino
Básico, Variante Educação Física, sob orientação
do Prof. Doutor Abel Figueiredo.
José Alberto Figueiredo Dos Santos
Viseu, 2007
2
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 5
2. ENQUADRAMENTO GERAL ................................................................................. 6
2.1 Motricidade de combate. “Da Guerra ao Desporto…” ...................... 6
2.2. O contexto sócio cultural do desporto em geral e da motricidade
de combate em particular, ao longo dos tempos .............................................. 7
2.2.1. Gilgamesh e Enkidu .............................................................................. 8
2.2.2. Grécia Antiga, Terra do Agôn ............................................................... 9
2.2.3. A Idade Média Ocidental ................................................................ .... 12
2.2.4. As lutas institucionais na Idade Média ................................................ 15
2.2.5. Evolução ulterior ................................................................................. 19
2.2.5.1.Renascimento e Humanismo ............................................................ 19
2.2.5.2.O desporto na Alemanha ................................................................. 20
2.2.5.3.O desporto na Inglaterra Nascimento do Desporto Moderno............ 22
2.2.5.3.1. O Desporto nos Colégios e nas Universidades ........................ 23
2.2.5.3.2. Os Princípios Desportivos ........................................................ 24
2.2.5.3.3. Surgimento e Institucionalização dos desportos ....................... 26
2.2.5.3.4. Influência dos desportos na Inglaterra e sua difusão no
mundo ..................................... ................................................................................. 27
2.2.5.4. A França – Os primeiros clubes a rivalidade Stade/Racing ............. 28
2.2.5.5. O movimento institucional do desporto em Portugal ........................ 29
2.2.6. A institucionalização Olímpica ................................................................ 32
2.2.6.1. A renovação dos Jogos Olímpicos .................................................. 32
3. ENQUADRAMENTO ESPECÍFICO ...................................................................... 35
3.1. Sistematização e Institucionalização ................................................ 35
3.1.1. Shaolin – A primeira sistematização institucional ............................... 35
3.1.2. Budo – A institucionalização moderna ................................................ 37
3.2. O karaté em Okinawa e Japão ......................................................... 38
3.2.1. A Primeira Referencia Literária Bubishi .............................................. 40
3.2.2. O Proibição do Uso e Porte de Armas ................................................ 42
3.2.3. A primeira institucionalização do Karaté em Okinawa ........................ 44
3.2.4. De Okinawa ao Japão ........................................................................ 44
3
3.2.5. A Institucionalização Competitiva no Japão e a Expansão
Mundial ..................................................................................................................... 45
3.3. A institucionalização do Karaté na Europa e em Portugal ............... 46
3.3.1. O Karaté na Europa ............................................................................ 46
3.3.2. O karaté em Portugal .......................................................................... 47
3.3.2.1- A FNK-P A Unificação Horizontal ................................................ 52
3.3.2.2- Os recursos Humanos e a Formação .......................................... 53
3.3.2.3. Interpretação organizacional do Karaté – Dimensão vertical
e Horizontal
......................................................................................................... 56
3.4. Conclusão ..................................................................................... 59
4. INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA................................................................................. 60
4.1. Metodologia ..................................................................................... 60
4.1.1. Problema e Hipóteses do Estudo ....................................................... 60
4.1.2. Amostra .............................................................................................. 61
4.1.3. Variáveis ............................................................................................. 62
4.1.4. Instrumento de Recolha de dados ...................................................... 64
4.1.4.1. Organização ................................................................................ 65
4.1.4.2. Aplicação ..................................................................................... 66
4.2. Apresentação e discussão dos resultados ....................................... 67
4.2.1. Variáveis Identificadoras da Amostra ................................................. 67
4.2.2. Variáveis de Caracterização Institucional ........................................... 68
4.2.3. Variáveis de Caracterização dos RecursosHumanos ......................... 70
4.3. Análise Estatística Inferencial ........................................................... 77
4.3.1. Técnicas Estatísticas .......................................................................... 77
4.3.2. Apresentação e Discussão dos Resultados........................................ 77
4.4. Conclusão ......................................................................................... 84
5. BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 87
6. ANEXOS
......................................................................................................... 89
6.1. Anexos 1 (Questionário) ................................................................... 89
4
1. INTRODUÇÃO
O objecto central de estudo dos Desportos de Combate e Artes Marciais
é a Motricidade Humana em contexto de combate ritualizado institucionalizado.
A
sua
interpretação
específica
no
que
concerne
ao
processo
de
institucionalização passa pelo estudo do combate condicionado por regras de
segurança em diferentes contextos sociais, culturais e temporais.
O tema específico deste trabalho é o estudo da organização do Karaté
nos distritos de Viseu, Guarda e Aveiro.
Começaremos por problematizar as características principais das Artes
Marciais e Desportos de Combate, acompanhando o processo de evolução do
desporto moderno, desde as suas origens na Grécia Antiga, até a
institucionalização moderna iniciada no renascer do Olimpismo. Continuaremos
a exploração bibliográfica debruçando-nos especificamente no movimento
institucional das artes marciais e desportos de combate que ocorreu no Japão,
evidenciando as semelhanças com o que ocorreu no ocidente curiosamente
numa simultaneidade interessante. Após explicarmos o desenrolar de
acontecimentos que marcaram a institucionalização do karaté no caso
português, desde a interpretação descontextualizada da ideologia Budo, até à
consequente consolidação da dimensão vertical, culminaremos com o aspecto
que contextualiza o nosso estudo: a compreensão do movimento de unificação
horizontal.
Problematizaremos por fim as tensões existentes entre o
movimento institucional vertical e o movimento institucional horizontal,
baseados no modelo de análise institucional mesoscópio (FIGUEIREDO,
2006), a um nível novo: região centro.
Na parte empírica do nosso trabalho apresentaremos o estudo focado na
seguinte questão: Os níveis de formação, a idade e a graduação dos
treinadores de Karaté influenciam os níveis de concordância relativamente a
organização institucional da modalidade?
Após caracterizarmos a metodologia aplicada, apresentaremos e
discutiremos os resultados para concluirmos o nosso estudo antes de
apresentarmos a bibliografia e os anexos.
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2. ENQUADRAMENTO GERAL
2.1 Motricidade de Combate. “Da Guerra ao Desporto…”
Iremos neste capítulo tentar compreender como o desporto substitui a
guerra através da, como refere FIGUEIREDO (2006, p. 71), “ sublimação do
inimigo de guerra mortal em adversário de jogo vivencial” em contextos
diferentes de combate institucionalizado, regrado, que segundo o mesmo autor,
assume “intensidades sublimais” em função do grau de sublimação do
confronto guerreiro.
Assim, as artes marciais e os desportos de combate, são actividades
motrícias que, quando comparadas com outros desportos sublimam em menor
grau o confronto guerreiro. Para compreender-mos este hipotético modelo,
iremos de seguida reflectir, a nível histórico acerca da institucionalização do
combate ritualizado nos diferentes períodos da humanidade.
Parece-nos interessante começar por reflectir acerca da simplificação
mitológica da origem do desporto, referenciada por FIGUEIREDO (2006, p.70),
que considera a guerra a mãe do desporto, representando o mito matriarcal e o
jogo o mito patriarcal.
Apesar de o desporto, segundo este modelo, ter tido origem na guerra,
importa desde já diferenciar estes dois conceitos, pois, convêm que os
distingamos e salientemos as suas diferenças. Sílvio LIMA foi um dos autores
que consultámos que aborda de uma forma explícita as diferenças entre guerra
e desporto e ao mesmo tempo relaciona-os contextualizando-os de acordo com
a época, salientando que o “desporto constitui, um poderoso auxiliar do
pacifismo internacional.” (Sílvio LIMA, 1978, p. 50) O autor refere que “a guerra
jamais pode ser um desporto”, porque não respeita a vida. Além do que, o
desporto é cavalheiresco, pressupõe a igualdade dos jogadores, respeita e
regulariza as condições de luta, estabelecendo uma igualdade competitiva,
entre sexo, idade, tempo, número, espaço…
O que define o desporto como desporto é a competição, esta é
considerada, de acordo com LIMA (1987, p. 13) “quer em relação aos outros
(hetero-emulação) quer em relação a nós próprios (auto-emulação).
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Parece-nos importante salientar a co-implicação do sujeito na sua
própria transcendência, como condição essencial. Manuel SÉRGIO (2005, p.
23), refere que “o agir está em ligação íntima com o transcendente que o
justifica”. Esta co-implicação surge assim como âmago da existência e reúne
em si o pensar, o sentir e o agir, visto que, como já referimos o homem é um
todo biopsicosocioaxiologico. Assim acreditamos que o homem sente e pensa
enquanto se move com intencionalidade rumo à transcendência.
É o que tentaremos demonstrar nos próximos capítulos tentando
perceber como se evoluiu da guerra ao desporto competitivo institucionalizado
e como esse fenómeno se desenvolveu nos diferentes contextos sociais.
2.2. O Contexto Sócio Cultural do Desporto em Geral e da
Motricidade de Combate em Particular, ao Longo dos Tempos
É certo que todas as comunidades conhecem a prática de jogos e
actividades físicas, desde os primórdios da humanidade. No entanto estas
actividades eram apenas categorias informais, do tipo “recreativo”, natural,
ligadas a satisfação necessidades básica, tais como a procura de alimento e a
defesa e luta pela sobrevivência.
Poderemos falar em desporto somente a partir da socialização da
humanidade, com a sedentarismo e o aparecimento das cidades, a instauração
das relações económicas e politicas. Estes pressupõem a existência de
momentos de lazer e de ausência de trabalho. Sendo verdade que todas estas
condições são essenciais para o despertar do desporto, a nossa reflexão
pretende começar muito antes, desde o início, de onde surgiu a necessidade
de o homem se comparar e por à prova perante o seu semelhante.
Propomo-nos de seguida fazer uma reflexão do combate ritualizado e
sua institucionalização nos diferentes períodos da história da humanidade.
Começando pela génese mitológica da lenda de Gilgamesh e Enkidu, referida
por FIGUEIREDO (2006. pp. 74 -76).
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2.2.1. Gilgamesh e Enkidu
Fazemos referência a este mito, pela importância que tem na
institucionalização do combate ritualizado simbolizando essa necessidade
milenar do confronto, sem que haja prejuízo para uma das partes e para que
possam juntos continuar a caminhada rumo à transcendência.
A epopeia de Gilgamesh, referenciada por FIGUEIREDO (2006), como
sendo o marco mitológico da origem da institucionalização do combate
ritualizado, retrata a história de um rei, Gilgamesh, que se pensa ter vivido na
primeira metade do terceiro milénio antes da nossa era, na cidade de Uruk
(Suméria). Conta a lenda que Gilgamesh, dois terços deus, um terço humano,
assumindo-se como um herói sem rival, revelava um comportamento que
perturbava e atormentava o quotidiano do povo de Uruk.
Perante as lamentações do povo de Uruk, os deuses apelaram à deusa
da criação, Aruru, que tinha criado Gilgamesh que criasse agora o seu
semelhante para que pudessem brigar um com o outro e deixar Uruk em paz. A
deusa da criação assim o fez.
Criou Enkidu, o humano selvagem com a virtude do deus da guerra,
capaz de enfrentar Gilgamesh.
O povo de Uruk procura Enkidu e pede-lhe ajuda:
[…] O homem respondeu dizendo a Enkidu:
“Gilgamesh entrou na casa da boda e fechou a porta ao povo. Ele faz
estranhas coisas em Uruk, a cidade das grandes ruas. Ao rufar o tambor o
trabalho começa para os homens, começa o trabalho para as mulheres.
Gilgamesh, o rei, vai celebrar o casamento com a Rainha do Amor e ainda
exige ser o primeiro com a noiva, primeiro o rei e o marido a seguir, pois
isso foi ordenado pelos deuses desde o seu nascimento, desde que o cordão
umbilical lhe foi cortado. Mas agora os tambores rufam para a escolha da
noiva e a cidade lamenta-se.”
Ao ouvir estas palavras, o rosto de Enkidu empalideceu.
“Eu irei ao lugar onde Gilgamesh reina sobre o seu povo, eu o
desafiarei corajosamente, e em alta voz gritarei em Uruk:
Eu vim para alterar o curso das coisas, pois aqui sou eu o mais
forte.” […]
Em Uruk estava feita a cama nupcial, digna da deusa do amor. A
noiva esperava o noivo, mas de noite Gilgamesh levantou-se e foi à casa.
Então Enkidu saiu, pôs-se na rua e barrou o caminho. Chegou o poderoso
Gilgamesh e Enkidu encontrou-se com ele à entrada. Atravessou o pé e
impediu que Gilgamesh entrasse na casa, e então agarraram-se um ao
outro como touros. Quebraram as ombreiras da porta e as paredes foram
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sacudidas, resfolgavam como touros enganchados. […] Gilgamesh dobrou
o joelho com o pé assente no chão, e com uma volta Enkidu foi derrubado.
Então imediatamente a sua fúria faleceu. Quando Enkidu foi derrubado,
disse a Gilgamesh:
“Não há no mundo outro como tu. Ninsun, que é tão forte como um
boi selvagem no estábulo, foi a mãe que te gerou, e agora ergues-te acima
de todos os homens; e Enlil deu-te a realeza, porque a tua força ultrapassa
a força dos homens.”
E então Enkidu e Gilgamesh abraçaram-se, e foi selada a sua
amizade (Gilgamesh, Trad: Tamen, pp.20;21cit. por FIGUEIREDO, 2006,
p. 74)
Este episódio marca a diferença entre o combate ritualizado e o combate
mortal. Gilgamesh apesar de ter vencido, dignificou o seu adversário em vez de
o matar. Afirmando a diferença, que referimos com Sílvio LIMA entre guerra e
desporto. A lenda de Gilgamesh é referenciada por FIGUEIREDO (2006), como
o marco mitológico que estabelece a diferença entre guerra e desporto
fundamentando o papel educativo e desenvolvimentista do desporto e
condenando o papel destruidor da guerra. È então elogiado o combate
ritualizado, que permite vencer sem derrotar, contribuindo para benefícios
mútuos rumo à transcendência.
2.2.2. Grécia Antiga, Terra do Agôn…
“O ideal agonístico é um elemento dominante da cultura grega”
(MARILLIER, 2000, p. 20)
Como refere MARILLIER (2000, p.19), a Grécia antiga “é um vasto agôn
generalizado constituído por um conjunto de agôn específicos”. O agôn está
presente em todos os contextos da vida social e é definido por este autor como
sendo “a expressão mais alta de uma oposição ritualizada entre dois ou mais
adversários, submetida a regras precisas.” Habitualmente é definido por “luta”,
“combate”, “competição”, cuja origem permanece indeterminada, embora se
pense que terá surgido de rivalidades “políticas e guerreiras” entre as diversas
polis gregas.
“O desenvolvimento da cultura grega foi uma consequência do
espírito de coação, de luta e de rivalidade que estimulava as cidades e os
cidadãos entre eles…é a divisão e o estado de crise que são estimulantes e
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geram o poder, permitindo a construção de uma sociedade de alta estirpe”
(MARILLIER, 2000, p. 11).
Este espírito competitivo, o agôn, estava presente em toda a vida social,
motivado pelas rivalidades entre cidades que já referimos, dotava os gregos da
necessidade de estar sempre prontos para a luta, para o confronto definitivo e
real. GILLET (1961, p.33) refere que "esta combatividade é a primeira condição
de desporto”, que só não conduziu aos piores excessos porque os gregos não
lhe deram “livre curso”. O seu mérito foi ter sabido impor-lhe regras e utilizarem
judiciosamente esse agôn (MARILLIER, 2000, p. 11).
“A educação agonística para os gregos antigos era o bem-estar
social. […] A este estado de espírito os gregos chamavam-lhe “areté”, uma
espécie de virtude própria da nobreza aristocrática, do heroísmo guerreiro,
da honra, da glória, do agôn e da vontade de vencer. Por isso, eles
cultivavam a destreza e a força invulgares não só como exercício da
estética e do combate leal, mas também como o suporte indiscutível de
qualquer posição de liderança. Quer dizer, a ambição existia, só que tinha
limites e estava condicionada pela entrega concreta à causa social. Neste
sentido, a necessidade de competição entre os gregos ganhava um sentido
especial porque o que estava em causa eram os valores do social e a honra
da sua cidade. A este sentimento chamou-lhe Hesíodo o princípio do
ostracismo.” (PIRES, s.d. cit. FIGUEIREDO, 2006)
Desta forma, o desporto “apareceu na Grécia antiga pela forma mais
pura”, através da preservação do social, reforçado pela clara consciência de
todos os benefícios que daí podiam advir para a edificação psicológica e física
do homem que procura a perfeição. O atleta surge como “produto mais puro”
da civilização grega da antiguidade (MARILLIER, 2000, p. 13).
Os gregos elogiavam, assim, o atleta como “arquétipo do homem
perfeito” idealizado na escultura que expressava a perfeição, a beleza e a
harmonia de um corpo esculpido pelo exercício físico.
Para os gregos a vitoria assumia o objectivo primordial da participação,
levando a atleta a fazer esforços sobre humanos no sentido de se superar.
Segundo MARILLIER (2000), a simples participação era encarada como um
“contra senso” e o “estado de espírito de vencido um absurdo”. Esta posição
contrasta profundamente com o ideal elogiado por Pierre de Coubertin cuja
importância incidia na participação e não tanto na vitoria.
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O desporto assumia um papel fundamental na “comunidade helénica”
não só pelo lugar atribuído aos jogos na celebração de festas, mas também
pela importância e influência que exercia na educação.
A mentalidade espartana, fundamentalmente guerreira, orientava a
educação física das crianças para o combate. Assim desde muito pequenos,
tanto meninos como meninas recebiam uma dura preparação física, na qual até
se utilizava a crueldade. Aos 7 anos de idade eram separados dos seus pais e
passavam a depender exclusivamente do estado. Só as crianças de
compleição forte eram consideradas dignas de receber educação, as débeis
eram excluídas ou mesmo assassinadas. Os jovens exercitavam-se fora da
cidade, no dromos (Iugar para correr), ou, dentro dos seus limites, na palestra
(recinto para a luta). Esparta foi a grande dominadora nas primeiras edições
dos Jogos Olímpicos (sendo os velocistas especialmente admirados), mas com
o passar do tempo a participação foi diminuindo, já que praticamente o seu
único interesse radicava em preparar-se para a guerra (GILLET, 1961, p.39)
Pelo contrário, em Atenas, o conceito de desporto era muito diferente.
Desde os 14 anos, os rapazes exercitavam-se num recinto privado, a palestra,
onde, sob os sábios conselhos do pedótriba, praticavam salto, disco, dardo,
solos (espécie de lançamento de peso), acrobacias, danças, etc.; inclusive
existia uma teoria do treino, na qual se aplicavam os princípios da
especificidade e individualização. Não são poucos os exercícios praticados
naquela época que coincidem ainda com os da educação física escolar actual.
Também existiam diversos sistemas de treino, cada vez mais especializados,
bem como uma parte destinada ao aquecimento no início de cada sessão.
O pedótriba dirigia a instrução na palestra e era ajudado pelos alunos
mais velhos. Utilizava sistemas de ensino autoritários baseados no «certoerrado».
Cumpridos os 18 anos, o jovem passava para o colégio dos efebos e a
partir de então, o estado encarregava-se da sua educação. Após a sua
passagem pela palestra, os jovens atenienses dirigiam-se aos ginásios, que
viveram uma época de esplendor a partir do século IV a.C.
O ambiente dos ginásios culturalmente não podia ser melhor: eram
utilizados para a preparação física dos efebos e dos atletas, exibiam obras dos
melhores artistas (que tinham como modelos os próprios atletas) e reuniam os
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filósofos, que precisamente ali ensinavam as suas doutrinas (como Platão na
Academia e Aristóteles no Liceu, dois dos principais ginásios atenienses). O
ginasiarca encarregava-se de dirigir o ginásio, e o ginaste, treinador, ensinava
os exercícios físicos. Este último tinha também uma formação completa em
medicina, fisiologia e dietética.
2.2.3. A Idade Média Ocidental
Durante cerca de um milénio, a Europa medieval passou por lentas
mudanças económicas e políticas que, no entanto, prepararam o caminho da
modernidade.
Chama-se Idade Média ao período da história europeia compreendido
aproximadamente entre a queda do Império Romano do Ocidente e o período
histórico determinado pela afirmação do capitalismo sobre o modo de produção
feudal, o florescimento da cultura renascentista e os grandes descobrimentos.
A Idade Média europeia divide-se em duas etapas bem distintas: a alta Idade
Média, que vai da formação dos reinos germânicos, a partir do século V, até a
consolidação do feudalismo, entre os séculos IX e XII; e a baixa Idade Média,
que vai até o século XV, caracterizada pelo crescimento das cidades, a
expansão territorial e o florescimento do comércio.
Até o século XI as monarquias europeias viveram um período de
retrocesso económico em consequência das constantes guerras, das ondas de
invasões, da cessação do comércio e do baixo rendimento agrícola. A
insegurança, que manteve isoladas as populações europeias durante muito
tempo, favoreceu a implantação do feudalismo. Esse sistema, cujas raízes
remontam ao fim do Império Romano, caracterizou-se pela estruturação da
sociedade com base na relação jurídica denominada vassalagem, estabelecida
entre senhor feudal e vassalo ou servo, na qual o senhor proporcionava
protecção em troca de fidelidade, trabalho e pagamento de tributos. Ao feudo,
unidade física da relação de vassalagem, pertenciam seus habitantes, que
passavam a vassalos do senhor a quem fosse transmitido o território habitado
e cultivado por eles. Do ponto de vista económico e social, o feudalismo
acarretou a divisão da sociedade em duas classes básicas: a nobreza, com
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diferentes graus de poder até a cúpula real, e o campesino, cuja subordinação
transformou-se
gradualmente
em
relação
de
servidão.
O
feudalismo
determinou a atomização do poder político, pois a sucessão de relações
pessoais entre o rei e a alta nobreza, e entre esta e os pequenos senhores,
criou
um
sistema
de
jurisdições
e
fidelidades
particulares
apenas
simbolicamente subordinadas à autoridade monárquica. Além disso, a
concessão de cargos administrativos com base nos feudos contribuiu para
romper a unidade política dos diferentes reinos.
Também a igreja se viu mergulhada na divisão da sociedade em classes,
ou estados. Bispados, abadias e mosteiros possuíam grandes feudos e
mantinham com seus vassalos o mesmo tipo de relações que os senhores
leigos. No início da nossa era,”Igreja”e “Guerra” são dois termos antinómicos.
Progressivamente, a igreja desvia a sua doutrina pacifista e aceita a
guerra como um mal necessário. Para atingir os seus objectivos e espalhar a fé
crista, a igreja não olha a meios, submetendo o povo a uma forte autoridade e
opressão, obrigava-o a apoiar e seguir os seus ensinamentos. Proclamava a
vida no além através da imortalidade da alma, para tal as privações dos
prazeres terrenos eram a principal condição. O cristianismo contribuiu para um
atraso cultural nesta época uma vez que censurava todas as ideias
evolucionistas obrigando o povo a viver na mais profunda ignorância.
O corpo era considerado, um “ andrajo carnal”, ou seja, um estorvo para a
alma. Quando os primeiros colégios foram criados apenas se preocuparam em
oferecer uma educação intelectual, desvalorizando o corpo e as actividades
corporais, sem oferecer sequer aos seus alunos condições de higiene
rudimentares. A castração física e mental que privava o homem dos prazeres,
costumes e desejos, faz com que neste período se valorize a alma, a
resignação, sendo o corpo a prisão da alma. Inicio do conceito de Homem
dualista corpo/alma, físico/intelecto (MENDES, 1966).
Criou-se a moral cristã onde mulher é símbolo de pecado, desejo,
impureza, submissão. A diabolização da mulher, a mulher como símbolo do
pecado.
Na arte a censura permite apenas ao artista a criação de obras religiosas,
privando-o da sua livre actividade criadora, evitando a nudez que tinha sido a
grande inspiradora da cultura grega. A igreja foi sem duvida a responsável pelo
13
atraso cultural na idade média, a todos os níveis. A fé no cristianismo era
acompanhada do gosto pela violência, pelo saque, que se reflecte, como
iremos ver, nos jogos da época.
Apesar de todo este ambiente desfavorável à prática do desporto, ele vai
surgir na França com tal vigor e ao contrário da Grécia em que o desporto era
privilégio de alguns, que atinge todas as classes socais. Se os gregos davam
valor à coragem e a resistência, os franceses não impõem limites à dureza e
bravura das suas lutas, elevando-as ao mais alto nível de temeridade e
violência. Esta ameaça e desafio às suas próprias vidas tinha para eles
incomparáveis atractivos.
Os desportos da Grécia tinham sido essencialmente individuais, o
atletismo por exemplo, era desconhecido na Idade Média. Os jogos, desta
época, transmitem o espírito de grupo, de obra colectiva, o que permitiu a
organização das corporações e consolidou a solidariedade provincial.
Uma vez desaparecida a ginástica higiénica, o único vislumbre de
preparação física intensa durante o período medieval foi a levada a cabo pelo
cavaleiro feudal, orientada para a guerra, torneios e justas. A crise que a
educação física atravessou durante o longo período que vai do século VI ao
século XIV deveu-se fundamentalmente ao espiritualismo imposto pela Igreja,
que procurava prioritariamente a saúde (ou salvação) da alma, condenava o
orgulho da vida terrena e menosprezava toda a actividade físico-desportiva. O
facto de o cristianismo associar, em geral, a barbárie dos espectáculos
romanos, onde os crentes tinham sido objecto de inúmeros sacrifícios sob o
Império Romano, à actividade física de carácter lúdico influenciou de forma
negativa a imagem do desporto. Assim, o atletismo, por exemplo, que tinha
sido a base da educação física na Grécia antiga, praticamente desapareceu na
Idade Média.
Por isso, como expoente quase único da educação física
pode citar-se o treino que os jovens recebiam para se tornarem cavaleiros,
depois de passarem, desde crianças, pelas categorias de pajem e escudeiro.
Na sua preparação aprendiam esgrima, equitação, tiro, luta, natação e outras
habilidades físicas. A concreção dos ideais de cavalaria tinha como marco as
justas (confrontos entre dois cavaleiros) e torneios (verdadeiras batalhas que
dois grupos de cavaleiros enfrentavam). Consagraram-se então os jogos de
bola, a péla e a “soule”, e também a luta, que analisaremos de seguida.
14
2.2.4. As Lutas Institucionais na Idade Média
“A guerra contra a moirama era pois uma caçada; e a verdadeira
caçada contra o porco montês um treino ou equivalente da futura guerra
contra a moirama” (LIMA, 1987, p. 42)
A cavalaria tem origem na guerra. Era a sua própria função. Contudo
contribui, pouco a pouco, para a emergência de uma concepção menos
barbara da guerra. Desde o século XI que a cavalaria, constituída
exclusivamente pela classe guerreira, se transformou em grupo dominante,
cada vez mais integrado e confundido com a nobreza. Os cavaleiros guerreiros
que combatiam a cavalo lutavam organizados em pequenos grupos
homogéneos. Formados pelos cavaleiros do mesmo alcaide, vassalos
domésticos habituados a viver, treinar e combater juntos, sob a protecção de
um senhor. (ANTRAND, 1999, p.20)
Nascidos nesta época de constante violência e guerras privadas, os
cavaleiros possuíam como funções principais a defesa militar dos seus
senhores, bem como o alargamento das suas fortunas e poderes. Sendo
assim, eles foram, desde a sua origem, instrumentos de coacção e opressão
sobre os camponeses a favor dos castelãos. Assim se explica o seu rápido
crescimento nesta época de formação e expansão do poder banal.
Ninguém se pode fazer cavaleiro por si próprio. Para o ser são
indispensáveis
dois
elementos:
o
recrutamento
efectuado
pelo
seu
representante armado e o juramento militar, pelo qual o soldado se
compromete a não fugir, a não sair da fileira e dar provas de obediência e
disciplina. Foram-se assim delineando, desde o século XI, toda uma série de
regras que compuseram aquilo que poderíamos chamar, o “código” da
cavalaria. Nele se definia quem podia ser cavaleiro e o processo para o ser.
Esse processo era longo e compunha-se dos seguintes passos: a
aprendizagem, que começava por volta dos 7-8 anos, altura em que os jovens
eram retirados da casa paterna e integrados numa das grandes irmandades de
cavaleiros existentes em torno dos mais altos castelões, para aí aprenderem
tudo
acerca
da
cavalaria,
numa
fase
inicial,
os
futuros
cavaleiros
denominavam-se pajens e serviam como criados, na fase terminal da
15
aprendizagem acompanhavam os seus amos para a guerra e prestavam-lhes,
na retaguarda, toda a sorte de serviços – eram os escuteiros; a iniciação, a
partir dos 12 anos acompanhava os cavaleiros à caça e a guerra, como forma
de testar a sua mestria e valentia; a investidura, esta era a cerimonia mais
importante de todo o ritual, pois através dela o escudeiro ascendia, através de
um ritual religioso, à categoria de cavaleiro (ANTRAND, 1999, p.27)
É no ideal da cavalaria que se pode encontrar as raízes mais profundas
do espírito desportivo.
Foi apenas na segunda metade do século XI que parece ter surgido a
prática específica do torneio. A partir deste século, este novo “desporto” toma
uma extensão considerável na antiga França do norte. (GILLET, 1961, p. 53)
O torneio, pelo menos na sua origem e até ao século XIII, é
verdadeiramente uma guerra, um compromisso colectivo e não um confronto
individual como serão mais tarde as justas. Do domínio da violência guerreira,
este jogo foi na sua origem, uma fonte de benefícios e treino para a batalha.
Nos séculos XI e XII, o torneio – combate pratica-se num vasto espaço aberto,
nas proximidades de uma cidade. Põe em luta dois campos, “os de dentro”,
sitiados e “os de fora”, sitiantes. Os dois campos não são necessariamente
iguais em número; comportando cavaleiros, mas também escudeiros, peões e
archeiros; como na verdadeira guerra, sitia-se o adversário, preparam-se-lhe
emboscada, tentam-se saídas. A única diferença, é que no torneio, a guerra é
codificada;
os
participantes
fatigados
ou
feridos
podem
retirar-se
provisoriamente do jogo para refúgios invioláveis; a finalidade não é matar, mas
vencer, capturar o adversário. Ataca-se, portanto, o escudo procurando
desmontar o cavaleiro para se apoderar da montada.
O torneio toma cada vez mais o aspecto de um grande espectáculo
patrocinado pelo rei para celebrar uma importante ocasião, em especial a
investidura dos membros da dinastia (ANTRAND, 1999, p.30).
É em todo este ambiente de espectáculo de preparação e treino para o
“evento desportivo” em particular e para a guerra em geral, que podemos mais
uma vez destacar o espírito desportivo presente nos ideais da cavalaria.
O combate entre cavaleiros encontra outra inscrição nos desafios,
judiciais ou não. O seu interesse é ilustrar a persistência da ideologia de
16
cavalaria, em que a proeza individual, desdobrada em combate individual,
surge como modo de regular e resolver conflitos.
As justas são o apogeu do mito da cavalaria, levam ao mais alto nível a
pratica do torneio. Nas justas enfrentam-se dois cavaleiros, armados com uma
lança comprida, em forma de espada, em que procuram derrubar o adversário
com a lança apontada na sua direcção. Nestes confrontos o perigo era
eminente e os ferimentos eram frequentemente mortais. O cavaleiro vencedor,
normalmente, tinha direito a um benefício, que podia ser a conquista de uma
dama, de um título nobre ou uma ascensão social. Os torneios eram
organizados pelo rei em ocasiões festivas, participavam cavaleiros de duas
equipas, o vencedor conquistava um título valoroso para a sua equipa. O
espectáculo e o espírito desportivo, estavam na génese do acontecimento.
A péla era outro jogo com que se ocupavam as pessoas. Não é fácil definir com
exactidão a origem, a proveniência, do jogo da péla. Contudo, pensa-se que possa ter
sido importado aquando das invasões sarracenas no séc. VII, ou quem sabe, talvez tenha
sido inventado pelos próprios instintos das crianças, como tantos outros jogos com bola
que surgiram na época (GILLET, 1961, p. 103)
Inicialmente a péla foi jogada à mão e ao ar livre, era jogada de
diferentes maneiras, conforme os locais onde era praticada. O terreno de jogo
era dividido em dois campos desiguais, apresentando dimensões ou condições
diferentes, sendo mais favorável à prática do jogo. A táctica do jogo consiste,
para a equipa que possui o melhor campo, conserva-lo; para a outra conquistalo. Para isso terá que marcar uma ou duas “chacas”, ou seja, ter conseguido
enviar a bola para um determinado sitio ou quando o adversário tenha falhado
a recepção em determinadas condições. Mais tarde, no início do séc. XIV,
tendo em consideração que as condições climatéricas dificultavam a sua
prática ao ar livre, passou a ser jogada em salas, aumentando, assim, a
variedade de jogo, pois a bola podia ser ricocheteada nas paredes que
rodeavam a sala. Estas salas eram divididas ao meio por duas redes, e
mediam cerca de 30*12 metros, num dos lados e numa das cabeceiras, tinham
uma espécie de uma galeria coberta, a dois metros do solo, com um telhado
inclinado no qual a bola podia rolar. Sob o telhado, a parede possuía a todo o
comprimento do recinto uma abertura de 0.90 metros, pela qual se tentava
fazer passar a bola. Ao fundo de um dos campos, uma outra abertura, de 1*1
17
metro, a grade, e uma estreita esquina facetada, o tambor, davam ocasião a
combinações suplementares. Para além do campo, o jogo sofreu alterações
com o progresso do material utilizado pelos jogadores. O próprio rei Luís XI,
promulgou, em 1480 uma lei, em que ordenava aos artesãos o fabrico de bolas
de qualidade. Para além de mostrarem preocupação no bom fabrico dos
materiais de jogo, quase todos os reis de França, desde João o Bom até Luís
XIV, eram adeptos ferrenhos e jogadores assíduo do jogo da pela. O jogo da
péla foi classificado, por Carlos IX, como “…tanto ou mais usado que qualquer
outro em todas as boas cidades do nosso reino”. Pois só em Paris existiam
cerca de duzentos e cinquenta recintos de jogo.
Tal sucesso, prolongado por vários séculos, atribuiu à péla o título de
jogo
nacional
dos
franceses.
È
de
lamentar,
o
seu
quase
total
desaparecimento.
Como a péla, também a “soule” era jogada de diferentes maneiras,
nunca sendo portanto, as suas regras unificadas. Era jogada com uma bola,
cujo tamanho variava conforme a região. A táctica do jogo consistia em fazer
chegar a bola a determinado ponto do campo adversário, ou faze-la passar, a
semelhança da péla, através de um arco separado por papel, ou ainda, por
entre dois postes. Estas partidas, normalmente, ocorriam por ocasião de uma
festa de padroeiro e eram disputadas tanto no campo como nas ruas das
aldeias, o que enriquecia o combate. Os concorrentes eram, habitantes de
duas aldeias ou os homens solteiros e casados (GILLET, 1961, p. 60).
Os que devido a sua condição física ou por outro qualquer motivo,
estavam impossibilitados de participar, deleitavam-se a assistir, satisfazendo
desta forma o seu gosto pela violência. Visto que, e baseando-nos em relatos
da época, era um jogo excessivamente violento, pois em todas as partidas
havia registos de vitimas gravemente feridos e até mesmo mortais.
A “ soule” era praticada desde o séc. XII e entrou em declínio ao mesmo
tempo que a péla. Pode ser considerada como a antecessora do râguebi e do
futebol.
Documentos da época, relatam, uma outra espécie de soule, jogada com
cajados, será esta, por sua vez, a antecessora do hóquei (GILLET, 1961, p.
62).
18
Um jogo que também teve início nesta época, e que conseguiu manterse até aos nossos dias, com as devidas alterações, foi o jogo da “choca”. Este
jogo, em contraste com os anteriores, era desprovido de qualquer tipo de
violência e consistia em fazer rolar a bola de um ponto para outro, com o menor
número possível de toques, batendo-lhe com um taco. Sendo este o jogo
antecessor do actual golfe.
A luta estava presente em todas as festividades da época. Não se podia
agarrar o adversário abaixo da cintura. Não tendo, ao contrário da cavalaria,
um espírito desportivo acentuado tinha a capacidade de mobilizar espectadores
das classes mais desfavorecidas.
2.2.5. Evolução Ulterior
Apesar destes jogos terem tido um enorme sucesso na época e terem
contribuído claramente para o desenvolvimento físico e comunitário do homem
da Idade Média, tornando-a menos pobre em actividades desportivas, nunca
tiveram objectivos de ordem prática, ou seja, nunca houve intenção nem
preocupação em profissionalizar jogadores ou institucionalizar clubes, pelo que
as pessoas apenas os praticavam por distracção, como forma de ocupação dos
períodos de recreio (GILLET, 1961, p. 64).
2.2.5.1.Renascimento e Humanismo
A partir do séc. XVI, os Franceses desinteressaram-se e abandonaram
quase por completo, os jogos que com tanto entusiasmo tinham vindo a
praticar até então. Quais terão sido as causas de tal desinteresse? Será que foi
a componente violenta que tais jogos continham, a principal causa do
abandono da sua prática? Vamos tentar compreender o porque de tão súbito
desaparecimento (GILLET, 1961, p. 65).
Se os torneios e a “soule eram jogos violentos, era essa mesma
violência que os tornava atraentes. As pessoas desta época eram por natureza
e devido a diversos factores de ordem social, violentas, por isso não é de
estranhar que gostassem de violência e como tal, não foi por serem violentos
que estes jogos entram em decadência. Na nossa opinião um dos motivos que
19
levou a tal decadência foi a falta de intencionalidade e espírito desportivo.
Nunca o desporto foi transformado em espectáculo, não houve nenhuma
manifestação que possa ser comparada aos jogos da Grécia ou aos circos
Romanos. Como já referi as pessoas apenas praticavam os jogos por diversão,
não com objectivos desportivos, não havia o espírito de competição (GILLET,
1961, p. 66).
Por outro lado houve uma alteração de costumes, consequência de uma
melhoria económica, a vida tornou-se menos rude, a necessidade das
qualidades que se poderiam encontrar nos jogos era cada vez menor. Com o
aparecimento dos jogos de salão, abandonou-se por completo a prática dos
jogos tradicionais. Entrava-se no período da Renascença, uma época voltada
para as artes, para a ciência e para a cultura, onde não há lugar para os jogos
de violência (GILLET, 1961, p. 66).
Após a Idade Média, o interesse que despertou a cultura clássica fez
com que a educação física voltasse a ser apreciada no Renascimento e,
sobretudo, pelo humanismo, a partir do século XVI. Influenciado por Petrarca e
Rabelais, o médico humanista Jeronimus Mercurialis publicou em 1569 Arte
Ginástica, obra na qual recuperou a teoria da ginástica greco-romana,
sobretudo no sentido do exercício físico para a saúde. A actividade física
orientou-se basicamente para a vertente higiénica, em detrimento da formação
de atletas (aspecto que não se recuperaria até finais do século XIX). Baltasar
de Castiglione, na sua obra O Cortesão, traçou a imagem do perfeito cavalheiro
renascentista, incluindo inúmeras referências à educação física, que estava
incluída no conceito de educação integral e servia para a expressão da
personalidade do indivíduo. A esgrima consegue manter-se, reservada a uma
determinada classe social, a esgrima assume-se como uma prática de elite, até
aos nossos dias (GILLET, 1961, p. 66).
2.2.5.2. O Desporto na Alemanha
O desporto na Alemanha surge numa época de descontentamento
generalizado, após varias derrotas militares, os Alemães assistiam a um
desfalecimento da nação e procuravam meios que lhe restituíssem o ânimo
necessário. Foi neste contexto que apareceu Friedrich Ludwig Jahn,
20
declarando-se inimigo número um da França. Este tem como objectivo principal
despertar o sentimento nacional e a realização da unidade alemã. Expôs as
suas ideias na obra,” A Nacionalidade Alemã”, nela exortava os seus patriotas
a recuperar a força, cultivando as qualidades primitivas da raça (GILLET, 1961,
p. ).
Jahn ensina aos seus adeptos, os “Turner”, a considerar o próximo num
pé de igualdade de direitos e deveres recíprocos. Nos seus treinos, ao ar livre,
evita qualquer disciplina militar e escolar, procurando obter a sua autoridade do
seu valor e da sua habilidade. Cada sessão era iniciada com exercícios livres
com a finalidade de descobrir os gostos e aptidões de cada aluno, que
recebiam no decurso de uma leve refeição as instruções do mestre.
A sua filosofia tinha como objectivo a formação do ”forte”, como ele dizia,
“Vive quem pode viver”. Procurava os jogos violentos que desenvolvessem a
resistência e o espírito combativo, o gosto da competição na corrida, nos saltos
e na luta.
Aperfeiçoou e inventou aparelhos; barra fixa, cavalo de arção, barras
paralelas, os exercícios que mandava executar eram aqueles que tinham uma
componente de risco. As competições contribuiriam para que os exercícios de
Jahn tomassem uma forma desportiva capaz de permitir a sua difusão fora da
Alemanha. Mas essa não era a intenção de Jahn, que apenas queria o
rejuvenescimento do orgulho e moral da juventude Alemã, e esse fim atingiu-o.
Os sucessores de Jahn, não conseguiram conservar a sua filosofia,
apenas conservaram os exercícios de aparelhos que sob o nome de ginástica
iriam manter-se não só na Alemanha como se difundiram para o resto do
mundo. Esta especialização em ginástica distinguia-se das ideias de Jahn, pois
este exigia sobretudo aos ginastas que cultivassem a audácia e o domínio
próprio, depois dele os exercícios orientavam-se para o trabalho em força que
poderia ser prejudicial ao desenvolvimento do resto do organismo (GILLET,
1961, p.67).
Rapidamente se percebeu que a ginástica, apesar do seu sucesso, não
era suficiente e que as actividades escolares necessitavam de uma nova
orientação. Apostou-se então nas actividades ao ar livre, em especial os
desportos com bola. Os alemães começaram desde então a praticar atletismo,
como desporto de base e futebol.
21
O desporto surge sempre como forma de consolação a seguir a guerra,
depois da guerra de 1914-1918, foi preciso novamente encontrar uma solução
para o descontentamento da juventude alemã. Desta vez, foi o governo que
deu o primeiro passo, impulsionando os jogos e os desportos. Uma lei de 1936,
regulamentava a educação do jovem alemão, conferindo aos desportos um
lugar de destaque no resto das actividades curriculares (GILLET, 1961, p.67).
2.2.5.3. O Desporto na Inglaterra – Nascimento do Desporto
Moderno
Nunca a semelhança entre os gostos dos ingleses e dos franceses foi
tão completa como na Idade Média. Logo não causa espanto encontrar em
Inglaterra os mesmos jogos que faziam furor na França, principalmente a
«soule». Reza a lenda que na época das invasões dinamarquesas, os ingleses,
se saíam vencedores dos combates, utilizavam a cabeça dos inimigos como
bola.
As partidas deste jogo eram tão brutais que em 1314 o rei Eduardo II
exprimindo-se em francês interditou a sua prática. Como em França a oposição
de Eduardo II não teve qualquer efeito, no séc. XVIII ainda se travavam
violentas partidas de soule principalmente nas ruas das cidades inglesas.
Só em 1830 é que a Inglaterra dá impulso ao desporto moderno: embora
desde o início do séc. XVIII tenha-se começado a jogar cricket. Na mesma
época foram disputadas as primeiras regatas de remos.
2.2.5.3.1. O Desporto nos Colégios e nas Universidades
A descoberta do desporto não é uma descoberta de génio dos
educadores ingleses. O seu mérito foi o de terem sabido utilizar a força deste
instinto, despertado na juventude que lhes estava confiada, o entusiasmo
desportivo. O primeiro que realizou esta reforma foi Thomas Arnold, e que toda
a sua obra residiu no programa que aplicou no seu colégio. Que para realizar a
educação das qualidades morais, confiava no livre esforço dos seus alunos nos
terrenos do desporto. De modo a lhes dar sentido de responsabilidade e inicia-
22
los na vida social. Abandonou-lhes a direcção das associações desportivas.
Para manter a disciplina colocava em confronto directo os mestres que não
conseguiam impor-se e contava com o compromisso dos alunos. Os resultados
foram tão satisfatórios que fizeram com que estas ideias fossem transmitidas
por todas as actividades da vida social inglesa. O raguebi passou a ser
adoptado pelos outros estabelecimentos que se encontravam nas mesmas
dificuldades (Ibidem).
Mas esta revolução não se desenvolveu sem que grandes entraves
fossem vencidos: o sacerdote não permitia a força física na educação moral; o
médico achava que impor o organismo a tanto esforço era prejudicial; o
intelectual temia que o nível dos estudos sofresse uma quebra que
prejudicasse o país; a imprensa levantava todas estas críticas contra a
iniciativa de Arnold. Apenas as famílias podiam vencer estas ideias novas. Foi
então que o papel importante das inglesas interveio: enquanto são jovens são
como crianças para elas, mas quando necessário estão prontas para separarse deles e expô-lo à vida dura do colégio que assegurará o seu
desenvolvimento.
A difusão do desporto foi facilitada pela organização dos colégios e das
universidades inglesas. O problema dos terrenos de jogo principalmente dos
campos foi logo resolvido. O regime favorecia o trabalho de grupo: a autonomia
dos alunos dava-lhes sentido de responsabilidade (ibidem).
O inglês gosta de actuar por iniciativa própria, por isso não instituía um
programa de Ed. Física e de Desporto em todos os estabelecimentos de
educação. Mesmo onde a educação física era predominante a opinião dos
mestres e dos alunos mostra-se tão severa, que a respeitos mantém os mais
hesitantes afastados. Os alunos têm direito à decisão quanto à organização e o
trabalho, as discussões desportivas que para eles serve como uma excelente
aprendizagem da vida social. Como o exemplo de Arnold foi seguido, tiveram a
ideia de confrontar entre si as equipas que representavam os colégios e as
universidades, e foi isso que fez com que houvesse uma uniformização das
regras do desporto. Estes desafios provocam um grande interesse, tão grande
que a primeira assistência é comparada aquela que comparece à competição
de remo entre Oxford e Cambridge disputada todos os anos. E que glória para
o vencedor destas lutas!
23
Apesar da importância do desporto nos colégios e nas suas
universidades inglesas, a maior parte destes estabelecimentos não têm
professores especialmente encarregados de ensinar educação física e
desporto. São os professores de instrução geral que administram os seus
conselhos aos jovens desportistas, querendo assim demonstrar que o desporto
faz parte de uma educação completa. Quase sempre saídos de Oxford ou de
Cambridge os professores sabem o que devem à sua formação desportiva: é
com alegria e competência que asseguram a dos seus alunos.
2.2.5.3.2. Os Princípios Desportivos
A doutrina sobre como foi fundado o desporto conservou-se e resistiu a
todas as influências que modificaram o espírito do desporto nos outros países.
Os diferentes desportos foram regulamentados: estas regras foram observadas
em toda a Inglaterra, e não tardaram a ser adoptadas por outros países. Esta
unificação permitiu uma extensão considerável dos encontros desportivos,
primeiro na Grã Bretanha, depois com equipas estrangeiras. Estas não eram as
únicas regras que os jogadores deviam respeitar: o essencial residia na
maneira de jogar. O desportista devia observar o mais estrito amadorismo e
conservar na luta uma atitude leal e cavalheiresca, o fair play; os princípios da
resistência espartana à dor eram observados com honra, o jogador magoado
não devia deixar perceber o seu estado ao adversário. Devia manter-se em
campo, e não podia ser substituído, devendo a equipa fornecer um maior
esforço para compensar a perca. Quando o espírito de jogo estava ameaçado
não hesitaram em tomar medidas mais graves: tinham sempre recusado aceitar
a participação de dirigentes franceses na direcção internacional de raguebi, e
quando os excessos franceses pareceram ameaçar as virtudes deste jogo não
hesitaram em suspender os clássicos jogos internacionais disputados entre os
dois países. Convém dizer que o fim destes estimulantes encontros
internacionais em nada afectou o belo nível do raguebi Britânico.
Não se deve ver tais decisões como exclusivas, já que os estrangeiros
que se submetem às regras são largamente admitidos a concorrer nas grandes
competições inglesas: qualquer pessoa pode fazer parte dos campeonatos de
Inglaterra de atletismo. Enquanto que quem deseje participar num simples
24
campeonato regional na França tem de submeter-se a prévias selecções. No
entanto este grande valor atribuído aos seus encontros nacionais não levou os
ingleses a descurar as competições internacionais de criação estrangeira: cedo
perceberam o interesse dos jogos olímpicos renovados pelo francês Pierre de
Coubertin e, em atletismo sobretudo, a vitória olímpica é para a maior parte dos
campeões ingleses o coroamento procurado para a sua carreira desportiva,
objectivo que dedicam quatro anos de preparação. A tenaz vontade no treino, e
as forças reunidas para atingir o seu fim, fazem com que o atleta inglês, mais
que qualquer outro, utilize no seu esforço todas as suas reservas de energia.
No atletismo os ingleses preferem as corridas às competições: os saltos,
os lançamentos exigem um trabalho técnico mais minucioso, a lenta aquisição
de um automatismo, e não vibram no mesmo grau o sentimento de luta contra
adversários.
A vitória numa prova tradicional do desporto inglês tem tanto mais valor
quanto a essas provas, se não multiplicaram excessivamente. O calendário das
provas «amadoras» permite a realização de amigáveis: desta maneira permite
escolher o adversário, isto é, procurar aqueles cujo o jogo se aprecia, e facilita
que se mantenham afastados dos clubes que adoptem uma concepção
diferente.
Independentemente do seu desejo de vencer, o inglês não esquece que
o treino e a competição desportiva, apenas são meios de satisfazer o seu gosto
pelo desporto, de por à prova as suas qualidades que podem concorrer para a
forma humana desejada. Se um desporto lhe agrada não será por lhe parecer
que contraria a preparação da especialidade em que espera vencer, que
absterá de o praticar.
Os ingleses usam a palavra desporto no seu sentido mais lato: caçador,
o espectador de uma competição qualquer, o frequentador dos campos de
corrida, são para eles sportsmen. Este desporto, elemento importante dos
costumes e educação inglesa, apenas raramente esteve na atenção dos
sociólogos, romancistas ou dos filósofos ingleses.
25
2.5.5.3.3. Surgimento e Institucionalização dos Desportos
O interesse que a juventude mostrou pelos jogos, que Thomas Arnold tinha tão
bem sabido utilizar, manifestava-se nos jogos de bola. O «cricket» já era conhecido: os
alunos contra as paredes dos edifícios jogavam à péla. Nos pátios e terraços jogavam
partidas com bola cujas condições, os lugares e as tradições da escola. Foi um erro de
um aluno da escola de raguebi, que avançando com a bola nas mãos quando devia ter
jogado com o pé, que, em 1823, originou o raguebi. Numa altura em que a opinião
pública era hostil, fez especial escândalo ao ver a juventude apaixonar-se por um
desporto que parecia o regresso a essas selvagens partidas de «soule» ainda não
esquecidas. Foi preciso um certo tempo para reparar que a severidade das regras tinha
transformado e era essa intensidade que faria com que obtivessem o efeito procurado
pelos educadores ingleses. O raguebi conservou o seu recrutamento na sua maioria
universitário: é desejável que seja reservado a uma elite, a uma elite desportiva, pois
podem ver-se linhas avançadas do país de gales formada sobretudo por mineiros, uma
das mais célebres das quais foi comandada pelo reverendo Alban Davis.
Progressivamente os jogos de bola orientavam-se à maneira do raguebi ou de
modo a não se poder utilizar a bola senão com o pé. A fundação de duas federações, a
Football Association, em 1863 e a Ragby Union, em 1871, consagrariam as regras
destes dois desportos.
O atletismo desconhecido na idade média foi reencontrado pelos ingleses. Sem
este novo impulso dado ao atletismo a renovação dos jogos olímpicos não seria
possível. No entanto uma dificuldade se mantém: á que os ingleses mantém-se fiéis às
suas unidades de medida, enquanto os outros países adoptaram o sistema métrico.
Embora os escolares e os estudantes foram conquistados pelo boxe, o mérito de
ter descoberto não lhes pertence. Mas sim ao interesse mostrado entre os reis e os
senhores da Idade Média, pelos lutadores que incorporavam o seu séquito. Logo
começaram a aparecer jogos de apostas de sorte nos boxeurs.
Em 1979, James Figg abriu um estabelecimento em que praticavam jogos de
defesa: a esgrima, a espada, o pau e principalmente o boxe: ele próprio ensinava estas
diferentes especialidades. Mas foi seu sucessor Jack Broughton que deu ao boxe os
elementos de uma técnica rudimentar e publicou o primeiro regulamento: os London
Ring Rules em 1743. Os combates eram com as mãos nuas. A duração não era limitada,
e podiam disputar-se várias vezes, pelo que foram precisas duzentas e doze horas para
26
Jack Broughton vencer Jack Slack em 1733. A Academia de Broughton era frequentada
por um público aristocrático, o que o fez perceber que essa clientela não praticaria o
desporto se não atenuasse a brutalidade do combate com as mãos nuas: inventou as
luvas de boxe (1747). No entanto as luvas não foram logo adoptadas pelos campeões
profissionais que continuaram a combater com as mãos nuas.
Mas os sportmen começaram a apoiar os combatentes hábeis e ágeis e sob a
égide do marquês de Quensberry; novas regras foram aplicadas: são pequenas
modificações que ainda estão em vigor. O encorajamento da aristocracia inglesa
manifestou-se favorecendo a organização de combates ou procurando sujeitos capazes
de ser campeões ou facilitando o seu treino ou fazendo-os combater por categorias de
peso. Já não apenas uma satisfação pessoal ou um ganho de uma aposta.
2.2.5.3.4. Influência dos Desportos na Inglaterra sua Difusão no Mundo
Se nestes desportos, apenas fossem tidos em conta os resultados obtidos
unicamente pela Inglaterra, seria uma mostra de clarividência dos seus educadores: em
toda a parte a disciplina desportiva teve os seus efeitos e o tempo subtraído aos estudos
para ser consagrado ao desporto não prejudicou a cultura de elite. Por outro lado, o
desporto tornou-se o espectáculo preferido do público inglês.
No entanto os ingleses deram conta de um ponto fraco neste movimento, porque
apenas a classe mais favorecida da sociedade dele beneficiava. Então calcularam que
dando à juventude um suficiente número de horas livres e colocando à disposição
campos de jogos, o desporto poderia expandir-se em condições mais favoráveis.
Mas a Inglaterra tem outro mérito, o de dar ao mundo a maior parte dos
desportos que hoje são praticados: o atletismo, o cross-country, o raguebi, o futebol, o
remo, o boxe, o ténis: apenas o cricket não conseguiu implantar-se fora dos domínios
britânicos. Nunca ninguém quis modificar os regulamentos tão perfeitamente
estabelecidos: no entanto, seja por o desporto ter sido introduzido em outras camadas da
sociedade, seja porque não é sustentado por uma estrutura tão sólida como a educação
inglesa, o certo é que não é aos seus regulamentos mas sim ao ideal elevado que o
domina que o desporto inglês deve toda a sua virtude.
27
2.2.5.4. A França – Os primeiros Clubes a Rivalidade Stade/Racing
No início do séc XIX, verifica-se uma grande mudança na mentalidade da
população. O desdém por tudo o que não era pensamento, o diletantismo o pessimismo
deram lugar, a um profundo gosto pela acção e a um sentimento nacional pronto a
reagir. Foi o desporto que tornou a juventude mais ousada, mais competitiva, mais
realista. (GILLET, 1961, p. 103)
Um acontecimento que nesta época intensificou este espírito competitivo e
motivou a juventude para a prática desportiva foi o nascimento da aviação, que agrupou
toda a nação num mesmo movimento de curiosidade, de coragem e de entusiasmo. Este
foi um facto social verdadeiramente inédito, nunca antes visto, nem o aparecimento do
comboio, nem o aparecimento do carro causaram tanto impacto social.
Por outro lado a Educação Física escolar tinha sido implementada, embora sobre
fortes criticas da Academia de ciências Morais e da Academia de Medicina que
reclamavam que a aplicação de programas escolares de actividades físicas provocava
um esgotamento perigoso para a saúde das crianças. No entanto estas recomendações
não foram seguidas por nenhuma ordem prática.
Na França não se registou nenhum movimento parecido com o método de Jahn
com objectivos determinados, nem movimentos semelhantes aos dos educadores
ingleses com a clarividência de Arnold que proporcionou aos seus alunos variadas
vivências desportivas. O nascimento dos movimentos desportivos surge da reacção da
juventude (GILLET, 1961, p. 105).
A partir de 1880 nascem as primeiras tentativas a favor do desporto. Alguns
agrupamentos escolares formam em paris a Sociéte Sans Nom, foi fundado o Havre
Athletic Club, devido à iniciativa de Ingleses estabelecidos em França. Mas foi com o
aparecimento do Racing Club de France e o Stade Français que nasce uma ardente
rivalidade que opõe estes dois clubese marca o ponto de partida do desporto Francês.
As primeiras competições aconteceram numa modalidade semelhante ao
atletismo que faziam lembrar as provas dos hipódromos, os atletas trajavam-se como
jockeis e as provas eram organizadas na fórmula de concursos hípicos.
Em 1890 os dois clubes sob a influência Inglesa adoptaram o râguebi. O que
contribuiu também para esta adopção foi a publicação do livro de André Laurie, A Vida
do Colégio em Inglaterra, que lido pelos alunos dos liceus franceses, activou a revelação
deste desporto em França (GILLET, 1961, p. 108).
28
A partir de então e até 1914, o râguebi surgiram vários clubes de râguebi, sendo
que, o Stade e o Racing eram os clubes mais populares, que alimentavam a rivalidade e
a competição. Em 1887 estes dois clubes formaram a Union Des Sociétés Francaise De
Sports Athletiques que se proponha gerir a maior parte dos desportos o atletismo, o
râguebi, o futebol, a natação e o ténis.
O futebol era implantado em 1981, por habitantes Ingleses em Paris que
fundaram o The White Rovers, o Standard Athletic Club e o Club Français. O pugilismo
foi um desporto que entusiasmou os franceses mais do que os ingleses.
2.2.5.5. O Movimento Institucional do Desporto em Portugal
Portugal deixou-se conquistar pela institucionalização desportiva, apenas a partir
do início do século XX. A nossa tradição desportiva está, na sua génese, mais ligada “à
exibição das nossas ancestrais qualidades de valentia” do que propriamente ligada à
prática e treino de um ou outro desporto com objectivos competitivos (GILLET, 1961,
p. 128).
Todo o desporto português no seu princípio resume-se a manifestações de
valentia, ligadas directamente à preparação para a guerra. Os entusiásticos torneios dos
séculos XIV e XV, “as montarias a porcos selvagens, a veados e a ursos”, foram os
desportos mais populares com forte influência da Idade Média (GILLET, 1961, p.129).
Os primeiros passos no caminho do desenvolvimento dos desportos “foram
dados a medo, vacilantes, receosos do ridículo” […] “o desporto teve o carácter de
Garden-party, constituindo o passatempo da alta sociedade, sem carácter de
continuidade” (GILLET, 1961, p. 130)
Mas lentamente fundaram-se as sociedades ginásticas, lutando contra
preconceitos que persistiam em considerar os “exercícios corpóreos como passatempos
brutais e perigosos, impróprios de pessoas que se respeitassem” (GILLET, 1961, p.131),
nesta altura a concepção de desporto estava afastada do processo de desenvolvimento e
aprendizagem das crianças, pois apenas era aconselhável a sua prática a pessoas já
desenvolvidas, depois dos 25 anos de idade (FIGUEIREDO, 2006, p. 139) Era visível a
existência de uma mentalidade reducionista do conceito de homem, onde a separação
entre alma e corpo estava fortemente presente em detrimento deste.
Posto este período, os desportos começam a ganhar gradualmente adeptos cada
vez mais numerosos e entusiastas. As investigações científicas vão apontando cada vez
29
mais benefícios de ordem biológica, psicológica, social através da prática desportiva
(FIGUEIREDO, 2006, p.140).
Em 1974 o Ministério da Educação Nacional orientava quase em exclusivo as
actividades desportivas, através da Direcção Geral dos Desportos. Nesta altura o
desporto estava a organizar-se institucionalmente. Os seus organismos nacionais,
estavam inscritos em organizações internacionais, Federações Internacionais e Comité
Olímpico Internacional. Segundo GILLET (1961, p. 132) apresenta a seguinte
hierarquização institucional internacional dos desportos.
Comité Olímpico
Internacional
Ministério da Educação
Nacional
Federações
Internacionais
Direcção Geral dos
Desportos
Comité Olímpico
Português
Federações
Nacionais
Associações
Distritais
Comissões
Centrais de
Árbitros
Colégios
Distritais
Clubes
Fig. 1 - Organização institucional dos desportos em Portugal no ano de 1974
Paralelamente a este modelo organizacional do desporto de carácter geral,
funciona a organização do desporto universitário. Passamos a descrever esta
organização paralela porque em determinada altura do processo de institucionalização
30
do Karaté em Portugal existiu uma ligação a este modelo organizacional. Este modelo
organizacional funcionou como que “experimentalmente” pelas duvidas que causou
relativamente a sua dependência organizacional (GILLET, 1961, p. 134)
Em traços gerais, segundo GILLET (1961, p. 134), esta organização era a
seguinte:
Federação
Internacional do
Desporto
Universitário
Ministério da
Educação
Inspecção
Nacional do
Desporto
Universitário
Associação
Académica de
Coimbra
Centro
Desportivo
Universitário
de Lisboa
Centro
Desportivo
Universitário
do Porto
Mocidade
Portuguesa
Centro
Universitário
de Coimbra
Fig. 2 - Organização desportiva universitária
Tentámos enquadrar até então o processo institucionalização dos desportos em
geral e das actividades motrícias de combate em particular na cultura ocidental,
explicando, enquanto possível a sua evolução até a internacionalização desportiva. Esta
internacionalização acontece com a institucionalização olímpica, que abordaremos de
seguida. Posteriormente iremos analisar em particular o processo de institucionalização
do Karaté, o tanto quanto possível desde a sua génese até aos nossos dia, passando pelo
cruzamento cultural oriente/ocidente, terminando com os diferentes momentos de
institucionalização da modalidade, de Okinawa… a Portugal!
31
2.2.6. A Institucionalização Olímpica
O aparecimento destes clubes revela um movimento desportivo impulsionador
da institucionalização dos desportos. Por outro lado, “o espectáculo promovido pelo
ganhar de um em relação ao outro, num combate mais ou menos ritualizado, financiado
pelas apostas da entusiasta assistência”, são impulsionadores do desporto moderno
(FIGUEIREDO, 2006, p. 374).
Mas para que o impulso dado por estes dois clubes se pudesse transformar num
movimento duradouro, era necessária uma reforma no sistema educativo em França.
A personagem mais importante que para além do papel que desempenhou na
renovação dos Jogos Olímpico, teve uma importância fundamental na reforma
pedagógica e educativa do desporto foi o conhecido Pierre, Barão de Cobertin. Este
considera que “nada de durável pode ser feito sem uma transformação completa na
pedagogia internacional.” (GILLET, 1961, p. 109)
Este era o impulso necessário para o desenvolvimento do desporto, a
internacionalização desportiva, assumindo um movimento olímpico capaz de despontar
um desenvolvimento de todos os desportos a nível mundial.
Com a internacionalização do desporto nasce o movimento olímpico de
institucionalização horizontal do desporto, através da construção de uma matriz
institucional que organiza-se os desportos em instituições nacionais e internacionais.
As instituições aparecem assim como movimentos socializadores do desporto de
acordo com as necessidades, aspirações e motivações dos intervenientes de acordo com
os ambientes culturais. (FIGUEIREDO, 2006, p. 144)
2.2.6.1. A Renovação dos Jogos Olímpicos
Os primeiros Jogos realizavam-se na Grécia Antiga, há mais de 2700 a.C, e
foram disputados durante mais de doze séculos, de 884 a.C a 394 d.C, como uma
importante celebração e tributo aos deuses.
Os jogos eram realizados de 4 em 4 anos na lua cheia seguinte ao solestício de
Verão. Porém eles aconteciam sempre em Olímpia, os desportos eram menos
numerosos e só podiam participar homens que falassem o idioma grego.
32
Olímpia devia toda a sua importância aos jogos e atraía homens (as mulheres
não eram permitidas) de todo o mundo grego. Os competidores chegavam a Olímpia um
mês antes do início oficial do Jogos e passavam por um treino moral, físico e espiritual
sob a supervisão dos juízes. As competições eram em homenagem aos Deuses e eram,
por isso, acompanhadas de cerimónias religiosas. Os jogos eram dedicados acima de
tudo a Zeus, Deus dos Deuses. Só os homens livres, de origem grega, podiam participar.
O prémio pela vitória era uma simples coroa feita de ramos de Oliveira.
Entretanto os atletas tornavam-se celebridades e era comum os vitoriosos receberem
benefícios tais como ter toda a sua alimentação paga para o resto da vida, ou ter um
lugar reservado na primeira fileira dos teatros.
Eram sempre jogos de carácter individual e nunca colectivo. Conduziam à
glorificação do atleta que demonstrasse ser o melhor.
Eram fortes os motivos que levavam ao entusiasmo dos espectadores dos jogos:
a juventude dos participantes, os esforços que faziam para vencer e o orgulho que
davam à sua cidade com a mesma vitória. Com o domínio romano sobre os gregos os
Jogos Olímpicos foram perdendo sua identidade.
Na época do Imperador Nero, no lugar de cidadãos livres, escravos passaram a
competir por suas vidas contra animais selvagens. Em 393 d.C. os gloriosos Jogos
Olímpicos foram abolidos por decreto do Imperador Romano Teodósio.
Tiveram o seu renascimento no final do século XIX. O principal factor deste
renascimento foi as escavações, em 1852, das ruínas do templo de Olímpia onde
aconteciam os Jogos nos tempos ancestrais. A redescoberta da história das olimpíadas
provocou um renascimento dos valores desportivos dos gregos antigos que acabaram
por influenciar o francês Charles Louis de Feddy, mais conhecido como barão de
Coubertin.
O século XIX presenciou o prazer pelo renascimento do exercício físico,
acelerando todas as modalidades na via da institucionalização e internacionalização
desportiva. O desporto moderno surge, assim, nos finais do século passado e insere-se
no desenvolvimento mais geral da civilização ocidental, não se apresentando imutável
às transformações que de forma mais lenta, ou rápida, se têm vindo a expressar nas
sociedades.
A valorização do corpo e a consciência de que o Homem é um unidade
integrada, indivisível em partes. Só recentemente é que o ser humano passou a ser
entendido socialmente como um todo Biopsicosocial, o que se revelou fundamental na
33
preocupação com um bem-estar que deixou de ser só psicológico e passou a ser também
físico.
É a favor desta perspectiva integradora que surge uma nova ciência do
homem, a ciência da Motricidade Humana, que se apresenta como objecto de
estudo de várias disciplinas, entre as quais a Educação Física. “O sentido da
vida... é um anseio de transcendência... A Motricidade Humana é a energia
para o movimento intencional da transcendência (SÉRGIO, 2005, p. 50). Esse
anseio é visível no corpo em acto de superação. Entre o meu corpo e o mundo,
há uma íntima relação de envolvimento, a minha motricidade supõe
intencionalidade (SÉRGIO, 2005, p. 50).
É desta forma que a ciência da Motricidade Humana se propõe “fazer a
transição do físico ao corpo em acto” (intencionalidade operante) e virtualidade
na acção rumo à transcendência biopsicosocioaxiologica. Porque “não se
educam físicos, educam-se pessoas através de instrumentos de educação”
(FIGUEIREDO, 2006, p. 34)
Esta
mudança
epistemológica,
consequência
de
uma
evolução
paradigmática, assenta numa forte renovação hermenêutica, com surgimento
de palavras com sentido mais abrangente, menos redutor, mais ricas em
extensão do que em compreensão. Palavras como motrício surgiram para
adjectivar a motricidade, sendo que o “acto motrício, intencional, será o acto
fundante da motricidade humana” (FIGUEIREDO, 2006, p.37)
Iremos de seguida abordar as normas, valores e símbolos que
caracterizam o contexto sócio-cultural do desenvolvimento institucional do
Karaté desde o Oriente, ao cruzamento de culturas entre Oriente e o Ocidente,
para finalizar com a interpretação do movimento institucional que ocorreu
desde Okinawa a Portugal.
34
3. ENQUADRAMENTO ESPECÍFICO
3.1. Sistematização e Institucionalização
3.1.1. Shaolin – A Primeira Sistematização Institucional
Apesar de a verdade histórica de Shaolin ser ainda controversa e
envolta de muito secretismo, segundo FIGUEIREDO (2006, p. 230) importa
compreender culturalmente a transição dos métodos chineses de combate
desenvolvidos institucionalmente em Shaolin para Okinawa.
A metodologia analógica presente nas artes marciais chinesas, tende a
fundamentar o desenvolvimento das artes marciais com base na observação e
imitação do comportamento dos animais no seu habitat natural (FIGUEIREDO,
2006, p. 216). A explicação para tal necessidade de fundamentar o
desenvolvimento das artes marciais no comportamento animal, ocorre segundo
GREEN (2003, p.6 cit. FIGUEIREDO, 2006, p. 216) com o intuito de credibilizar
o sistema, através da sublimação do humano pela natureza, ou ainda a
sublimação do humano pelo “mais humano” o mestre que identificou algo que a
partida é banal, mas que mais ninguém conseguiu identificar.
Por sua vez Sylvan SALVINI (1987, p.74 cit. FIGUEIREDO, 2006, p.217)
explica que a imitação dos comportamentos dos animais poderá ocorrer com o
objectivo de por um lado intimidar o adversário, por outro impressionar através
de prestações artísticas e atléticas excepcionais espectadores. No entanto o
Professor Abel FIGUEIREDO (2006, p.217) atribui a utilização de metodologias
analógicas a razões pedagógicas e emotivo comportamentais. Explicando que,
por vezes, as metodologias de treino recorrem a modelos analógicos que
facilitem as aprendizagens através da visualização da globalidade da acção,
que facilita o controlo fisiológico. Por outro lado refere também que a
necessidade de atingir estados emocionais caracteristicamente agressivos
durante o treino de combate, obriga a uma sublimação do humano pelo natural.
Várias artes marciais existentes actualmente tiveram na sua génese,
directa ou indirectamente, influencia destes sistemas de luta chineses. A
instituição que está associada a estes sistemas embrionários de luta é o templo
35
de Shaolin, em Japonês Shorin Ji (mosteiro da pequena floresta)), que devido
às fragilidades documentais existentes assume uma importância lendária na
sistematização e institucionalização das artes marciais.
Shaolin foi construído, pelo imperador Wei Xiao Wen em 495, na
montanha central da china Song Shan, devido á necessidade de guardar um
tesouro, o tesouro do Mosteiro do Cavalo Branco, que havia sido para lá
transferido. Foram contratados para guardar o tesouro, dois especialistas de
combate desarmado: Kun Su Wei e Heng Ngai Chan. Shaolin era o maior
templo Budista da época e venerava o monge budista indiano Batuo, vindo
para a china em 464 (FIGUEIREDO, 2006, p.222).
Rapidamente Shaolin cresceu e ao todo “eram 500 monges e mais de
1000 domésticos com um domínio de cerca de 36000 Hectares”, tal facto, faz
com que a necessidade de guarda do tesouro cresça e se especialize ainda
mais. Foi então que Hui Guang e Zeng Zhou, discípulos de Batuo, se
encarregarem da instrução dos monges especialistas da guarda do tesouro,
estabelecendo um “método específico de treino de combate com base nos
ensinamentos de Kun Su Wei e Heng Ngai Chan deixados nos registos”
(FIGUEIREDO, 2006, p. 222).
Por volta de 520 d.C., um monge budista vindo do Kerala na Índia, 28º sucessor
de Buda, conhecedor da Lei (Dharma) e da Verdade (Bodhi), entra na China, apresentase ao Imperador Wu da Dinastia Liang e desloca-se para Shaolin onde funda o Budismo
Chan (Zen em japonês).
O auge da reputação marcial de Shaolin ficará precisamente ligado à dinastia
Tang (618-907) e contribui para o desenvolvimento das artes marciais junto da alta
sociedade. O símbolo Tang perdurará nas artes marciais da China, prolongar-se-á pelas
de Okinawa onde não se perderá e liga-se também à literatura e às restantes artes,
construindo uma referência importante para os séculos seguintes. Muitos monges
Shaolin ensinam a arte do punho aos generais da guarda imperial e ao próprio
imperador.
As revoltas campesinas levam à divulgação a alguns estratos da população. A
estimulação do ensino laico das artes marciais da dinastia Song, promove a divulgação
generalizada e Shaolin volta a reafirmar-se como centro importante na luta contra a
dinastia Mongol Yuan e emerge novamente na dinastia Ming. A revolta na dinastia
Manchu Quing marca o seu desmantelamento institucional, sem o apogeu anterior. A
36
referência a Shaolin e à sua “sombra” Wudang, vinculado à dinastia Tang, fica até ao
século XX (FIGUEREDO, 2006, p. 231).
3.1.2. Budo – A Institucionalização Moderna
A institucionalização das artes marciais e desportos de combate só pode
ser compreendida tendo em conta a época e o contexto histórico em que se
desenvolveu (TAN, 2004) Assim o conceito Budo, faz parte de uma
institucionalização japonesa dos finais do século XIX, a partir da revolução
Meiji. Segundo FIGUEIREDO (2006, p. 273), citando BENNETT (2004), só a
partir de 1918 é que o termo Budo passou a ser utilizado como termo oficial
para artes marciais. Este termo pressupõe uma institucionalização das artes
marciais mais voltada para a paz do que para a guerra e é impulsionador da
institucionalização moderna dos desportos de combate actuais.
Anteriormente a este período, à que reflectir sobre a origem do termo
Budo já que este termo surge de uma evolução. Evolução explicada apenas
numa perspectiva histórico-cultural, partindo de diferentes pressupostos para
as mesmas actividades motrícias, dois termos precedem o termo Budo: Bugei e
Bujutsu. FIGUEIREDO, (2006)
Existe alguma contradição entre as definições destes dois termos, no
entanto, privilegia a ideia de que existiu um período Bugei “arte de combate”
seguido de um período Bujutsu “técnicas de combate” (FIGUEIREDO, 2006, p.
233 cit. HABERSETZER, 2000, p.73).
Evolui-se culturalmente do termo Bugei para o termo Bujutsu e deste
para o termo Budo, com a institucionalização moderna. Antes da restauração
Meiji (1868) era mais utilizado o termo Bujutsu, tornando-se o termo Bugei mais
erudito. Os ideogramas bu e jutsu (Japonês) são os mesmos de wu e shu
(Chinês mandarim), pronunciando-se de maneira diferente mas com o mesmo
significado. O primeiro (wu ou bu) significa “guerra” ou “marcial”. O segundo
(shu ou jutsu) significa “arte”, “técnica” ou “ciência” no sentido de “técnica que
exige um talento particular. Um dom.” (PLÉE, 2003, p 69).
A evolução no sentido Budo pode ser compreendida apenas através das
necessidades, e dos contextos sócio-culturais dos protagonistas, dos sujeitos
que as actualizam pela sua intencionalidade operante.
37
Há muitas diferenças entre Bujutsu, ou artes marciais, e Budo, ou
caminhos marciais. Os Bujutsu são sistemas de combate desenhados por e
para guerreiros para promover a auto-protecção e a solidariedade no
grupo. Os Budo são sistemas espirituais, não necessariamente desenhados
por guerreiros nem para guerreiros, para o auto-aperfeiçoamento do
indivíduo (DRAEGER 1973, p. 19 cit. FIGUEIREDO, 2006, p.235)
Resumindo ousamos dizer que Bugei eram as actividades motrícias de
combate praticadas em tempo de guerra, Bujutsu em tempo de guerra
intermitente e Budo em tempo de paz, descreveremos a sua institucionalização
mais à frente. Os Budo estabelecidos até à restauração Meiji são os koryu
budo, ou seja, artes marciais antigas ou tradicionais, enquanto os
estabelecidos após esta era são conhecidos como gendai budo, ou seja, artes
marciais modernas como o Judo, Kendo, Karatedo, Aikido, Kyudo. São as artes
marciais originárias do Japão e que receberam o sufixo Do, que quer dizer
caminho, após a institucionalização da Dai Nipon Butokukai, que explicaremos
oportunamente, no decorrer deste trabalho.
Os protagonistas das actividades motrícias de combate são os Bushi o
ideograma que se lê “bu” tem como radical “shi” que significa parar, desistir,
deter. Bushi significa, assim, o homem que tinha a habilidade de manter a paz,
quer através da literatura quer através de meios militares (FIGUEIREDO, 2006,
p. 237)
3.2. O karaté em Okinawa e Japão
O Karaté como arte marcial desenvolveu-se sobretudo em Okinawa a partir de
sistemas chineses de combate corporal inerme, sofrendo também influências diversas,
de difícil identificação, de sistemas de combate medievais e ancestrais. Segundo
McCARTHY (1995, p. 47), “é provável que a influência dos sapposhi, enviados
especiais do Imperador Chinês a Okinawa, ao trazerem comitivas especialistas em
diversas profissões e em segurança pessoal, permaneceram entre quatro a seis meses em
Okinawa” tempo suficiente para a transmissão de conhecimentos de técnicas de luta
desarmada. Três hipóteses são apontadas para explicar a influência Chinesa no
desenvolvimento do karaté em Okinawa. A hipótese mais antiga caracterizada por
MIYAGI (orig: 1934 cit Figueiredo, 2006, p. 285), é a das 36 famílias que ele denomina
38
por Kuninda. O estabelecimento em 1393 da comunidade de emigrantes conhecida
como as “36 Famílias de Fukien”, na aldeia de Kume. “Incluindo especialistas em
política, educação e ocupações diversas, acredita-se que o quanfa foi introduzido em
primeiro lugar através do pessoal de segurança adido à missão” (MIYAGI, orig: 1934,
p. 46 cit FIGUEIREDO, 2006, p. 285).
Outra hipótese, data de 1683, defende que um enviado chinês Wang Chi ficou
em Shuri por seis meses e, além das suas habilidades artísticas serem muito admiradas,
também os métodos de luta chinesa foram ensinados, ficando preservados no kata
Wanshu (COOK, 2001, p. 9 cit. FIGUEIREDO, 2006, p.285).
Outro episódio evidenciado como segunda hipótese por MIYAGI (orig: 1934) e
referida em muitos outros autores, é a teoria Oshima Hikki. Em 1762, um navio
transportador de Okinawa rumo a Satsuma (Japão), desviou se da rota e foi parar à ilha
Shikoku, a uma praia de Oshima sob jurisdição de Tosa-han (actual prefeitura de
Kochi), tendo sido pedido a um sábio confucionista, de nome Ryon Tobe, que registasse
os relatos dos passageiros e da tripulação, ficando essa crónica com o nome: Incidente
de Oshima (Oshima Hikki). Ficou registado que um oficial encarregado de
armazenamento do arroz, Shiohira , relata as peripécias de um chinês chamado
Kushanku : tendo sido agarrado pela lapela, Kushanku aplicou o seu kumiai-jutsu e
venceu o atacante fazendo-lhe uma tesoura com as pernas.
O incremento do uso destas técnicas de combate acontece com o
desenvolvimento de funcionários do estado, os pechin e os chikusaji pechin, polícias de
proximidade (MAcCARTHY, 1995, p. 48).
No entanto o Karaté, não é somente “Boxe Chinês feito por Okinawenses”
(COOK, 2001 cit. FIGUEIREDO, 2006). Existe uma criatividade própria desenvolvida
em Okinawa. Durante o século XIX, o Karaté é praticado num ambiente de algum
secretismo, uma vez que, a sua pratica era restrita a alguns elementos da sociedade. Tal
secretismo terá provavelmente mais a ver com questões éticas do que com a proibição
do uso de armas. As questões éticas distinguem os praticantes em três categorias: os
Kakure bushi, ou bushi oculto, que mantinham a prática de Karaté em segredo;
contrariamente aos Kushi bushi, praticante tagarela e aos tijikum bushi, praticante
extravagante e exibicionista.
O desenvolvimento moderno do Karaté inicia-se na primeira década do
século XX e caracteriza-se pela primeira iniciativa da institucionalização da
modalidade. Desta iniciativa resulta uma maior fusão entre a arte marcial
39
(combate
desinstitucionalizado)
e
o
desporto
de
combate
(combate
institucionalizado).
O primeiro acontecimento que marcou esta etapa de desenvolvimento
do Karaté da era moderna foi a inclusão do Karaté nos programas de
Educação Física nas escolas de Okinawa.
Após este primeiro passo no desenvolvimento do Karaté, dá-se um
segundo momento, que é marcado pela saída do Karaté de Okinawa, para a
ilha principal do Japão (Hondo) e a sua creditação como BUDO pela DAI
NIPON BUTOKAI.
Posteriormente a este acontecimento, iniciou-se um período de
institucionalização e designação de onde surgiu o nome actual Karaté. Os
estilos surgem com os nomes que os Mestres vão dando às suas escolas.
Actualmente são reconhecidos pela JKF (Federação Japonesa de Karaté),
única organização institucional mundialmente reconhecida pelo Comité
Olímpico Internacional, quatro estilos de Karaté: Goju-ryu, Wado-ryu, Shoto e
Shito-ryu.
3.2.1. A Primeira Referencia Literária Bubishi
O principal documento escrito com grande influência no desenvolvimento do
Karaté é o Bubishi. O Bubishi é um documento chinês antigo que, entre outras
informações, contem um capítulo referente a técnicas corporais de combate dual.
Fig. 3 Higa Lineage Bubishi – Tradução de Tadahiko Otsuka (1986)
40
Este livro foi copiado à mão pelos primeiros mestres que traduziram e
sistematizaram ensinamentos aí registados, atribuindo-lhe um significado próprio, o que
tem contribuído para uma controvérsia de opiniões, que ainda hoje estão a ser
estudadas. Independentemente das interpretações e das diferentes formas de o analisar,
este livro passou a ser conhecido como a “bíblia do Karaté”. (FIGUEIREDO, 1994)
A primeira tradução integral foi feita por Tadahiko Otsuka em 1986, a versão
mais completa em Inglês é a de Patrick McCarthy em 1990, com uma 4ª versão mais
detalhada em 1995.
Fig. 4. Tradução Espanhola do Bubishi – Patrick McCarthy (1995)
Segundo McCARTHY (1995, p. 23) o ideograma Bu significa guerreiro, bi
significa fornecer ou preparar e shi significa registo. Sendo que Bubishi é definido pelo
autor como um “manual de preparação militar”.
O Bubishi é constituído por 32 artigos que contêm artigos a história do estilo do
grou branco de quanfa da cidade de Yongchung da província chinesa de Fukien, ética,
etiqueta, comparação de estilos, aplicações defensivas, medicina e ervanária, treino, e
estilo do punho do monge de quanfa. Trata-se de um manual esplêndido na abordagem
das pegas, pressões, estrangulamentos e traumatismos a pontos específicos do corpo
humano, conhecidos como pontos vitais. (McCARTHY, 1995, p. 27-28).
A tradução feita por McCARTHY (1995) divide-se em quatro partes, a primeira
parte relata aspectos relevantes da história do Karaté, a segunda parte fala sobre a
medicina chinesa e medicamentos naturais, a terceira parte fala dos ponto vitais e a
quarta parte é a tradução das 48 técnicas de combate descritas no Bubishi.
41
Na nossa opinião, esta ultima parte revela-se mais do que uma simples
apresentação e exposição de técnicas de combate inerme e estamos de acordo com
FIGUEIREDO (2006), no elogio que faz ao carácter eclético e holístico nele presente. O
Bubishi contém um conjunto de princípios generalizáveis pelas possibilidades de
aplicação em diferentes situações.
Podemos classificar a técnica da arte da grou em três categorias; a grou
que voa, a grou que combate e a grou que joga. A grou que voa empurra,
projecta, derruba e perturba. A grou que combate sacode, larga e rompe. A grou
que joga protege-se, cola-se, mexe, mergulha, vira-se, cai, incha-se, e impede o
outro de se mover. Podemos utilizar estas técnicas para diminuir a energia do
adversário, para o destruir ou para defesa pessoal. Para tal é importante não
dividir o seu espírito da sua vontade mas de os unificar. Graças à integração do
espírito e da vontade a energia funde-se com a força e, graças à integração da
inspiração e da expiração, as forças interna e externa jorram com naturalidade.
Se não dominarmos esta regra, não poderemos adquirir uma força dinâmica e a
força tornar-se-á tão rígida como se estivéssemos inertes. As forças distanciar-seão entre o alto e o baixo do corpo; isto não é conforme ao princípio da eficácia e
não poderemos chamar “arte de combate” (BUBISHI in: TOKITSU, 1994, p. 165
cit FIGUEIREDO, 2006, p. 283)
Para além desta visão eclética, que está muito para além do
ensinamento de técnicas de combate, FIGUEIREDO (2006, p.284), elogia o
carácter holístico, integrador e desenvolvimentista visando a formação integral
do ser humano.
3.2.2. A Proibição do Uso e Porte de Armas
Actualmente sabe-se que atribuir o desenvolvimento do karaté em
Okinawa à proibição do uso e porte de arma pelo Rei Sho Shin e ao confisco
das armas após a invasão Satsuma, é um erro (TOKITSU, 1994, p. 22, cit
FIGUEIREDO, 2006).
A actualização da história de Okinawa proposta por SAKIHARA (2000),
citado por FIGUEIREDO (2006, p. 194), põe em causa toda a credibilidade das
narrativas relativas à origem e desenvolvimento do karaté com base na
proibição das armas.
O exagero deste episodio do desarmamento, segundo FIGUEIREDO
(2006, p. 194), tem como ponto de partida os estudos sobre Okinawa feitos por
Ifa Fuyu em 1932, sugerindo que “a arte marcial Karaté se desenvolveu com o
42
declínio das armas”. FIGUEIREDO (2006, p. 194), refere ainda que a nova
tradução feita por Nakahara Zenchû em 1995, corrige os erros de Ifa Fuyu.
Esta falácia instalou-se e é descrita pela maioria dos autores, citando “fontes
secundárias e sem base científica suficientemente robusta”, “a verdade é que
RyuKyu nunca foi, na sua história, oficialmente desarmado” (SAKIHARA, 1987,
p. 165 cit. FIGUEIREDO, 2006, p. 195).
Contribuindo para reforçar o exagero do episodio do desarmamento, um
artigo recente de Clive LAYTON (2004) citado por FIGUEIREDO (2006, p. 291),
demonstra vários relatos do século XIX que provam a existência de armas,
assim como demonstra a incoerência em FUNAKOSHI da tese do
desarmamento com o relato de treino com arco e espada do seu professor
Azato. O objectivo desse artigo foi o de “demonstrar como provável a existência
de armas bastante sofisticadas na ilha, naquele tempo e que essa existência se
baseou na evidência contemporânea” (LAYTON, 2004, p. 31 cit. FIGUEIREDO,
2006, p. 291).
Segundo FIGUEIREDO (2006), a enciclopédia japonesa Nihon Budo
Taikei tem uma passagem em que refere que o senhor de Satsuma, Shimazu,
ordenou ao mestre de segunda geração de Jigen-ryu, Shigekata Togo Bizen no
Kami entre (1602-1659) que “ensina-se aos agricultores e ganadeiros de
Satsuma técnicas e tácticas de autodefesa, preparando-os para serem uma
linha clandestina de defesa contra eventuais ataques usando todo o tipo de
ferramentas (pau longo e curto, remos, foices, entre outros...).” O mesmo autor
refere que tais práticas disfarçaram-se em danças folclóricas. Patrick
MAcCARTHY (1995, p. 52) refere que o período Satsuma foi de grande
importância para o desenvolvimento do Karaté e do Kobudo1 em Okinawa.
Na verdade as armas não estavam muito expostas no século XIX e
apesar de o regulamento Japonês que em 1661 proibir os agricultores terem
armas em sua posse e em 1668 proibir os comerciantes de transportarem
espadas, não terá sido, como já referimos, esta a razão por excelência de
desenvolvimento do karaté e kobudo de Okinawa. A razão principal terá sido,
de acordo com os autores que já evidenciámos, “o código ético dos Bushi de
Okinawa”. Em Okinawa vivia-se o “não pretensiosismo” marcial que originava
1
Antiga arte marcial Japonesa. Ko, antigo; Budo, entenda-se artes marciais originárias do Japão, num
sentido lato.
43
um secretismo na prática de karaté. Por outro lado, nem todos poderiam
aprender a arte do Te, os mestres valorizavam determinadas valores e o
carácter pessoal como condição essencial para a sua aprendizagem.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 291).
Relatos portugueses de Tomé PIRES e Fernão Mendes PINTO, referem
a importância dos Léquios no comércio expansionista das novas espingardas,
referindo que sempre existiram armas com os léquios (FIGUEIREDO, 2006, p.
291).
3.2.3. A primeira institucionalização do Karaté em
Okinawa
Uma das personagens apontadas como sendo essenciais para o
desenvolvimento das antigas artes marciais originárias do Karaté foi Sokon
MATSUMURA e seu aluno Anko ITOSU (1832-1915). Eles não só
desenvolveram o Shuri-te ou Shorin-Ryu, como também foram os responsáveis
pela institucionalização do karaté no sistema educativo.
Desenvolveram um
novo tipo de Karaté, uma forma colectiva de Karaté, pelo que, inicia-se a
distanciação de um Karaté mais antigo e mais chinês para um Karaté mais
moderno e mais japonês (FIGUEIREDO, 2006, p. cit. COOK, 2001, p. 22). Foi
esta operação de separação do modelo original (China), do modelo institucional
que emerge em Okinawa e Japão nos anos 30 do século XX, que suporta todo
o desenvolvimento posterior do Karaté.
A intencionalidade de registar o Te de Okinawa como um Budo na Dai
Nipon Butokukai, encera em si uma importância fundamental para o
desenvolvimento institucional que se segue.
Será Choshin Chibana, aluno também de Anko ITOSU, o primeiro a
registar na Dai Nipon Butokukai o estilo Shorin-ryu em 1933.
3.2.4. De Okinawa ao Japão
Após a abolição do Shogunato Tokugawa em 1868, a Restauração Meiji
iniciou a democratização do Japão, pondo fim ao feudalismo. As classes
44
reestruturaram-se e os Samurais tiveram que entregar as espadas e desfazerse dos símbolos do feudalismo, um dos símbolos foi o corte do cabelo,
deixando de usar o chonmage2, simbolizando o corte formal com o passado.
(TSUNETOMO, 2002).
Rumo á democratização, o Japão com algum receio de perda de
identidade, na vigília da influência estrangeira, optou por manter algumas
ideologias e tradições antigas através do desenvolvimento de actividades
culturais e recreativas. Os Bugei transformaram-se numa força instrumental na
construção da história moderna do Japão. Baseado em costumes antigos, em
ideologias inflexíveis e em convenções espirituais profundas, o fenómeno
Budo, mais do que uma simples recreação cultural, tornou-se um canal de
convergência da política, dos costumes e da moral nacional (McCARTHY,
1995, p. 52). O mesmo autor refere ainda que como desporto e recreação, o
novo fenómeno Budo, promove um respeito profundo pelas virtudes, valores e
princípios do Bushido feudal (o caminho do guerreiro).
É através da Dai Nipon Butokukai,3 Associação das Virtudes Marciais,
que se vão institucionalizar modernamente as diferentes Bugei “numa
perspectiva Bujutsu e fundamentalmente Budo”.
3.2.5. A Institucionalização Competitiva no Japão e a
Expansão Mundial
Após a morte de Gichin FUNAKOSHI realizaram-se os primeiros
campeonatos japoneses de karaté, organizados pela JKA em 1957, com a
vitória de Hirokasu Kanazawa com um braço partido. As primeiras regras de
Kumite e kata foram apresentadas por Masatoshi NAKAYAMA em 1956. Em
1951 já havia sido introduzido nos exames de graduação o jiyu-kumite e
algumas experiências de competições entre universidades (FIGUEIREDO,
2006, p. 329).
Em 1962 surge a fundação da JKA, como primeiro movimento inter
escolas que marca o desenvolvimento competitivo institucionalizado do karaté
2
Totó tradicional com alfinete designando o nível e classe social.
Segundo FIGUEIREDO (2006), p. 265) Bu significa marcial, toku virtude e kai associação. Dai Nipon é
grande Japão, assim, Dai Nipon Butokukai será Associação da Virtude Marcial do Grande Japão.
3
45
moderno. Os seus fundadores foram Masatoshi NAKAYAMA, Gogen
YAMAGUSHI,
Hironori
OTSUKA,
Kenei
MABUNI
e
Manzo
IWATA.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 369)
A Federação Japonesa de Karaté esta ligada ao Ministério da Educação,
Cultura Desporto, Ciência e Tecnologia através da Associação Japonesa de
Desportos Amadores e está vinculada ao Comité Olímpico Japonês.
A organização internacional do Karaté foi estabelecida em finais da
década de 60 sob o nome de World Union of Karate Organisation (WUKO) –
Federação Mundial das Organizações de Karaté.
A 16 de Junho de 1970, foi assinado um acordo histórico entre o
Presidente da União Europeia de Karaté, Sr. J. Delcourt e o Presidente da
Federação Japonesa de Karaté, Sr. M. Sasagawa, tendo concordado organizar
em Outubro de 1970, em Tóquio, os primeiros Campeonatos do Mundo e o
Congresso que votou, em definitivo, a formação da WUKO.
Em 6 de Junho de 1985 a WUKO Desde aí, foram organizados de dois
em dois anos os Campeonatos do Mundo, há excepções dos terceiros que se
realizaram três anos depois dos anteriores e dos quintos que se realizaram
também após três anos.
Após o reconhecimento oficialmente pelo Comité Olímpico Internacional
(COI) em 1989, a WUKO conta com 120 Federações nacionais, sendo 90
oficialmente reconhecidas pelo COI, entrada do Karaté nos Jogos Olímpicos,
passou a ser o principal objectivo da WUKO desde então.
Em 1993, na Argélia, a Federação Mundial de Karaté (FMK: Fédération
Mondiale de Karaté / WKF: World Karate Federation) passa a ser o novo
organismo mundial do Karaté a operar segundo as regras do COI, sendo a
única federação mundial de Karaté reconhecida pelo COI desde 18 de Março
de 1999.
Na actualidade a FMK conta com cinco organizações continentais e com
uma totalidade de 156 países membros, atingindo assim um quadro
institucional desejável e reconhecido.
46
3.3. A institucionalização do Karaté na Europa e em
Portugal
3.3.1. O Karaté na Europa
A França foi o primeiro país europeu onde se ouviu falar de Karaté. Em
Outubro de 1948, a revista Life Magazine publicou um artigo intitulado “O
Desporto dos Cavalheiros” a revista falava num desporto praticado no Japão
pós-guerra, “chamado Karaté e confinado aos cavalheiros”. Segundo o artigo, o
desporto consistia na “prática de métodos de defesa pessoal” por “membros
das classes mais altas” relatando métodos de treino físico como o “bater com
os punhos em estacas de madeira”, “estilhaçando tábuas” e segurando com os
pés na horizontal, pesos suspensos.” (COOK, 2001, p. 243-244, cit.
FIGUEIREDO, 2006, p. 376)
O karaté começou a ser ensinado em França por Henri PLÈE, que era
praticante de Boxe e Judo, em 1948 como um tipo de combate onde “tudo era
permitido”. Em 1952 funda o Karaté Clube de França, conhecido como o
primeiro dojo de karaté fora do Japão à excepção dos existentes nos Estados
Unidos da América. O Karaté ensinado por PLÈE, baseado no livro de
Yoshitaka Funakoshi, continha algumas incorrecções, nomeadamente nos Kata
que eram executados dois a dois, num contexto semelhante ao do Judo. Foi
DRAEGER que numa visita ao seu dojo lhe revela a verdadeira essência da
prática de karaté, através de um vídeo com demonstrações de Obata, Nishima
e Kakayama. Henri PLÈE inicia assim os seus contactos com a Japan Karaté
Association que sendo pioneira na organização do sistema de instrução
massificado, passa a ser a primeira organização institucional da modalidade
com ligação à Europa, com a representatividade de Henrri Plée. Em 1954
publica o primeiro livro de Karaté no ocidente, Karaté-do: Vaicre ou Mourir.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 378)
De 1961 a 1963, o Karaté Francês organiza-se com a liderança politica
de
Jacques Delcourt, aluno de Henry PLÉE, existindo desde logo a
preocupação clara de fazer um movimento federativo europeu entre as 7
federações conhecidas. Em 15 de Dezembro de 1963, realiza-se em França o
47
1º Congresso Europeu de Karaté, onde se concluiu que a unificação das
técnicas não era viável, no entanto, ficou agendada uma reunião com o
objectivo de unificação das regras competitivas.
Em 1965, em Paris, realizou-se o 3º Congresso de Karaté onde se
aprovaram os estatutos da European Karaté Union (EKU). Portugal entra como
membro da (EKU), a parti desta data.
3.3.2. O Karaté em Portugal
A institucionalização do Karaté em Portugal, passou por quatro grandes
períodos:

Período UBU (1963-1972…), início do treino de Karaté na academia
BUDO em Lisboa, através da direcção de Pires Martins;

Período CDAM (Comissão Directiva das Artes Marciais);

Período em que são duas as federações que emergem na gestão do
Karaté nacional: a Federação Portuguesa de Karaté (FPK), 1985-1991 e
a Federação Portuguesa de Karaté e Disciplinas Associadas (FPKDA),
1986-1991;

Período actual desde 1991 é fundada a Federação Nacional de Karaté Portugal (FNK-P), sedo-lhe atribuído o estatuto de utilidade pública
desportiva em 1995, o que significa o reconhecimento pelo IDP da
responsabilidade publica na promoção do Karaté Nacional.
A história do Karaté em Portugal, está profundamente ligada à génese
do Judo nacional que se desenvolveu desde o início do século XX na
Academia de Judo, aberta em 1946 por Correia Pereira, que foi também o
primeiro editor da revista Judo Kodokan, sob o pseudónimo de MINURO
(ROSA, 2005 cit. FIGUEIREDO, 2006, p. 388). Em 23 de Fevereiro de 1958,
Correia Pereira funda a Academia de Budo.
Foi nesta altura que surgiu a dicotomia “arte marcial” e “desporto”, em
que nas artes marciais os objectivos da prática prendem-se com o combate
real e o “desporto” com o combate competitivo institucionalizado. Os
defensores das artes marciais ainda hoje teimam em afirmar que o combate
institucionalizado altera o sentido da arte.
48
Mediante aquilo a que FIGUEIREDO (2006, p. 388) chamou “Ignorância
da Tutela”, foram promulgadas na altura leis que classificavam o Judo ora
como um desporto, ora como uma prática de utilidade militar, sem dar “espaço
para a sua gestão diferenciada em termos educativos e de preparação militar”
(FIGUEIREDO, 2006, p.398).
Em 17 de Novembro de 1959, a tutela distinguiu o Judo marcial, do Judo
desportivo, ficando o primeiro entregue a UBU, subordinado ao Ministério da
Defesa Nacional e o segundo a cargo da Federação Portuguesa de Judo (FPJ)
fundada em 1959, estando por detrás desta instituição o Judo Clube de
Portugal e por detrás da UBU a Academia Budo (ARAÙJO, 2005c cit.
FIGUEIREDO, 2006, p. 389).
Desta forma os Budo tomaram uma orientação completamente oposta
daquela que vimos anteriormente. Ou seja foram incluídos no Ministério da
Defesa Nacional, ao passo que na sua origem (Japão) integraram numa
perspectiva educacional e cultural. Pois como vimos anteriormente os Budo
evoluíram dos Bujutsu e foi esta forma em que se desenvolveram os Budo, em
Portugal, fora do contexto cultural em que foram criados, que gerou
interpretações erradas da sua prática.
O surgimento do Karaté em Portugal, apanhou esta embalagem e
aparece vinculado à Academia de Budo, em Lisboa como “método especial” do
âmbito exclusivo do “judo marcial”, em oposição ao “judo desportivo”. Esta
vinculação do karaté ao “Judo marcial” é segundo FIGUEIREDO (2006, p.395),
marcante, uma vez que, liga o karaté ao movimento não federado, o que marca
um atraso considerável em relação aos outros países, nomeadamente França
e
Espanha,
onde
o
Karaté
vinculado
ao
Judo
se
desenvolveu
institucionalmente no seio da federação. No entanto, este acontecimento, faz
com que no nosso país, surja um fenómeno único de institucionalização das
artes marciais, ao mesmo tempo da institucionalização do Judo como desporto,
coisa que não aconteceu em França e Espanha.
Outras experiências aparecem registadas como pioneiras do karaté em
Portugal. Uma delas é a introdução de técnicas de karaté no treino de Judo por
Gilbert Briskine, 4º dan de Judo, no Porto, em 1958. Gilbert Briskine mrreu num
desastre de automóvel e só em 1965 é que o karaté se estabeleceu
definitivamente no Porto, com a chegada de António Cacho de Grenoble de
49
França. São feitas referências também às demonstrações de Kioshi Mizuno, na
Academia Budo e ao estágio de Karaté Shotokan em Beja dirigido por Hiroo
Mochizuki em 1959, como primeiras iniciativas do aparecimento do Karaté em
Portugal (FIGUEIREDO, 2006, p.398).
Apesar desta iniciativas, a experiência com repercussões institucionais
significativas, é devida a Luís Franco Pires Martins, que introduziu nas aulas de
“Goshin-Jitsu”, da Academia Budo as técnicas Básicas do karaté-do. Outros
nomes surgiram ligados aos percursores do Karaté nacional, como Mário
Rebola da academia Budo em Lisboa, António Cacho no Clube de Judo do
Porto e Mário Águas na Academia Shoshinkay em Vila Nova de Gaia no Clube
Mafamude.
O karaté passa por um período de procura de um enquadramento
técnico superior ao nível internacional, num momento em que está ainda
vinculado institucionalmente ao Ministério da Defesa Nacional separado que o
separa da institucionalização desportiva.
O acontecimento importante, na nossa perspectiva, que marca a
separação institucional do karaté do Ministério da Defesa Nacional e que é
percursor da massificação da modalidade por todo o país e originário de cisões
horizontais e interverticais complexas, descritas por FIGUEIREDO (2006, p.
421-428), que não nos vamos alongar aqui a explicar e que levaram à criação
da Comissão Directiva das Artes Marciais (CDAM), foi a integração do Centro
Português de Karaté (CPK) na Mocidade Portuguesa. Como vimos, no capitulo
anterior quando abordámos a institucionalização do Karaté em Portugal, a
Mocidade Portuguesa era uma instituição ligada ao Ministério da Educação,
logo como até então o Karaté apenas estava ligado a UBU, subordinada ao
Ministério da Defesa Nacional, este acontecimento marca a cisão institucional
que confere à modalidade uma dinâmica mais competitiva, que culmina com a
participação do CPK nos segundos campeonatos mundiais em Paris.
Em 1975, o CPK funda a Associação Desportiva Centro Português de
Karaté, com liderança de José Custódio e de Luís Cunha e funda-se a
Associação Shotokan Karatedo de Portugal com liderança de Carlos Pereira,
Vilaça Pinto e Peté Pacheco. Formaliza-se a cisão entre o grupo da Parede e o
grupo da Almeida Brandão em Lisboa, retirado da Mocidade Portuguesa
mesmo antes do 25 de Abril por decisões tutelares.
50
Em 1974, a CDAM é transferida para o Estado-Maior-General das
Forças Armadas e em 1980, pelo D-L nº 507/80, de 21-10, é transferida para o
Ministério da Educação e da Ciência, mantendo-se a definição de artes
marciais e o regime de condicionamento legal do seu ensino, aprendizagem e
prática, mas modificando as competências específicas, nomeadamente no
alargamento do domínio da assistência técnica referida anteriormente para a
assistência nos campos técnico, administrativo e pedagógico. Iniciava-se,
assim, a formação dos quadros técnicos de “artes marciais”. Passaram a existir
dois organismos a regular as artes marciais em campos diferentes, o das artes
marciais (CDAM) e as artes marciais desportivas, Direcção Geral dos
Desportos (DGD).
Urge a necessidade de uma federação, o que vem a acontecer com alguma
controvérsia. O conflito de concepções entre os grupos leva à criação da Federação
Portuguesa de Karaté (FPK) em Março de 1985 por parte de um grupo das Associações
da modalidade que, pretenderam demarcar-se das próprias imposições da CDAM.
Em Janeiro de 1986, foi criada outra federação em preparação com o fomento
próprio da CDAM e, por isso, considerada pelos seus fundadores como a federação
reconhecida pelo Estado: a Federação Portuguesa de Karatedo e Disciplinas Associadas
(FPKDA).
A Federação Portuguesa de Karaté (FPK) é fundada em 2 de Março de 1985, por
3 Associações a 27 de Março de 1985 e publicada a 8 de Maio do mesmo ano no D.R.
nº 105 III Série. A Federação Portuguesa de Karaté-do e Disciplinas Associadas
(FPKDA) é fundada com escritura de 24 de Janeiro de 1986, por 11 Associações,
publicada no D.R. nº 31 II Série, de 6 de Fevereiro de 1986.
Em 1987, com o D-L 69/87, de 9-2, é oficialmente extinta a CDAM (art. 12º),
sendo transferidos para a DGD todos os seus direitos e obrigações.
A extinção da CDAM é o marco de um início de corte com um determinado
passado institucional, que anula a definição anterior de “artes marciais”, englobando-as
no domínio da prática desportiva e orientando a sua prática como a de todos os
desportos a cargo das federações (FIGUEIREDO, 2006, p.428).
51
3.3.2.1. A FNK-P, A Unificação Horizontal
No seguimento do estudo do percurso institucional do Karaté em
Portugal, que temos vindo a fazer, onde notámos a divergência tutelar entre
arte marcial (CDAM) e desporto (DGD). Sucedeu-se um período em que
operaram duas Federações: a Federação Portuguesa de Karaté (FPK), 19851991 e a Federação Portuguesa de Karaté e Disciplinas Associadas (FPKDA),
1986-1991. Após este período, o Karaté uniu-se mais horizontalmente com a
fusão destas duas federações na criação da Federação Nacional de Karaté –
Portugal (FNK-P) com a primeira assembleia-geral em 15 de Fevereiro de
1992,
onde
ficou
definido
como
objectivo
centrais,
a
promoção,
regulamentação e direcção nacional da prática de karaté e disciplinas afins, a
representação publica nacional e internacional, a organização de provas e
respectivos regulamentos, selecção e promoção das condições de treino dos
elementos e equipas representantes do país e a formação de treinadores,
árbitros e demais juízes.
Actualmente estes objectivos ainda vigoram, no entanto, em 1993
ocorreu uma modificação estatutária que abandonou o carácter holístico
anterior que se referia ao karaté e “disciplinas associadas”, para se centrar
exclusivamente no karaté e na obtenção da utilidade publica desportiva o que
foi conseguido em 1995/6.
Sob a influência do regime jurídico das federações desportivas,
estabeleceram-se os seguintes órgãos: Assembleia Geral, Presidente,
Direcção, Conselho de Arbitragem, Conselho Fiscal, Conselho Jurisdicional,
Conselho Disciplinar.
Na Assembleia Geral têm assento como sócios ordinários os clubes ou
agrupamento de clubes de karaté com organizações diversificadas, que
segundo FIGUEIREDO (2006, p.471) apresentam uma dimensão vertical e
uma dimensão horizontal.
52
Fig.5 Representatividade Institucional na Assembleia Geral da FNK-P
A dimensão vertical é definida por FIGUEIREDO (2006, p. 431) como
sendo o espaço institucional do estilo, a institucionalização da interpretação
individual da prática da modalidade. A dimensão horizontal reflecte a
característica de mobilização da prática de karaté em torno de actividades que
institucionalizam aspectos de interpretação colectiva dos vários estilos
existentes, mantendo a sua identidade própria.
Desta forma, a dimensão vertical reflecte-se na associação de estilo que
representa apenas os clubes da sua associação, que mantém relações internas
e restritas às outras associações. A dimensão horizontal tem como expoente
máximo a FNK-P com a promoção competitiva e formativa dos seus recursos
humanos. Já que a horizontalidade regional é praticamente inexistente, o
associativismo distrital que represente todos os clubes de uma região,
independentemente
das suas ligações verticais,
tradicionalmente
esta
associação acontece sempre internamente e existe alguma relutância em
formar associações distritais. Deste modo a Assembleia Geral da Federação é
caracterizada pela sua heterogeneidade Associativa.
3.3.2.2.Os Recursos Humanos e a Formação
O Regime Jurídico da Formação Desportiva com o Decreto de lei 407/99
de 15/10 define o conceito de recursos humanos do desporto e no artigo 14º
atribui um papel importante às Federações com Utilidade Publica Desportiva na
formação de recursos humanos. No caso do Karaté, compete exclusivamente à
FNK-P estabelecer a Carreira de treinadores e técnicos de arbitragem de
53
Karaté, sendo o Instituto de desporto de Portugal (IDP), exclusivamente
competente na homologação dos cursos de formação de treinadores e técnicos
de arbitragem, a responsabilidade de elaboração dos recursos pedagógicos e
didácticos e da FNK-P.
Os recursos humanos existentes no karaté, segundo a FNK-P de acordo
com o conceito de recursos humanos presente no DL 407/99 são os
praticantes, os competidores os treinadores e os técnicos de arbitragem. Os
recursos humanos relacionados com o karaté são os Dirigentes, Médicos,
Psicólogos e Formadores (FIGUEIREDO, 2006, p. 487)
Os Praticantes e o treinador, são os recursos humanos principais do clube. Eles
constituem a essência do centro de prática (Dojo) clube. No Karaté, existe essa “unidade
organizacional básica que denominamos de centro de prática, mas que formalmente
denominamos de dojo: 道 (dô / michi - caminho, moral, ensinamento, filosofia); 場 (jô local).” No Dojo o ensino de Karaté vincula-se institucionalmente a uma linha de
prática de Karaté determinada que se denomina de estilo com o estabelecimento de uma
hierarquia de níveis de prática através do sistema dan/kyu (graduações). Os treinadores,
dependendo das suas instituições nacionais e internacionais de estilo, têm maior ou
menor poder de atribuição de graduações que, por sua vez, são reconhecíveis pela FNKP ao nível do Departamento de Coordenação de Estilos através da respectiva associação
de filiação.
O Praticante de Karaté é definido por FIGUEIREDO (2006), como sendo “todo
o indivíduo que pratica a modalidade num centro de prática (dojo) sob orientação de um
Treinador, sendo-lhe atribuído um determinado nível de prática através de uma
graduação no sistema kyu/dan.”
O mesmo autor, refere que, “o clube pode ter vários centros de prática sob a
liderança técnica de um Treinador”, no entanto, a sua existência formal “obriga à
existência de outros recursos humanos, com destaque para os dirigentes”(ibidem).
Os dirigentes são “os agentes que ocupam funcionalmente os órgãos do clube”
devidamente organizado com estatutos reconhecidos institucionalmente ao nível da
Tutela das Pessoas Colectivas através de um número: NIPC (Número de Identificação
da Pessoa Colectiva) (ibidem).
O clube pode ser unidesportivo, vocacionado para a prática apenas de uma
modalidade de Karaté ou pode ser multidesportivo, vocacionado para a prática de várias
modalidades, entre as quais o Karaté através de um ou mais centros de prática (dojo).
54
Pode assim também haver um clube com centros de prática de vínculos institucionais a
estilos ou linhas diferentes de Karaté, assim como podem também existir diferentes
centros de prática em diferentes pontos do país vinculados nacional e/ou
internacionalmente a uma organização de estilo, o que ocorre com mais frequência
(ibidem).
O Treinador, à semelhança das outras modalidades, é o agente responsável pelo
acto de treino ou ensino de Karaté e que está devidamente habilitado para o exercício
dessas funções. Normalmente é “referido num dojo como sensei (先生)” que é um
termo genérico japonês que significa mestre ou professor ou ainda doutor. “Shihan
(師範)” é um termo japonês que, nas artes marciais, costuma ser usado também para
mestres de nível superior, podendo mesmo no Japão e entre Japoneses ser descortês a
sua denominação como sensei. O termo sensei, deve ser utilizado apenas dentro do
dojo, numa relação com os restantes praticantes, pois segundo JOSEVERSON4, também
pode significar “o que começou antes”, pode não corresponder ao treinador. Treinador é
o líder técnico do centro de prática e pode ser coadjuvado por outros treinadores
(ibidem)..
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto nº 5/2007 no Artigo 35º
relativamente à formação de técnicos refere que “não é permitido, […] o exercício de
profissões nas áreas da actividade física e do desporto designadamente no âmbito […]
da educação física e do treino desportivo, […] sem a adequada formação académica ou
profissional.”
De acordo com o Regulamento de Formação de Treinadores de Karaté
da FNK-P, no âmbito da formação profissional, a carreira de treinador está
dividida em 4 níveis de formação: Treinador Monitor, coadjuvante do treinador,
apenas ajuda o treinador principal, não pode leccionar autonomamente;
Treinador Nível I, responsável técnico de um centro de prática; Treinador Nível
II, responsável por um ou mais centros de prática; Treinador Nível III,
habilitação superior que permite a responsabilização e direcção técnica
nacional.
Os praticantes de Karaté que participam em actividades competitivas
institucionalizadas pela FNK-P, passando assim a ser considerados competidores.
Tendo em conta a estruturação das competições das modalidades olímpicas, o
4
Consulta feita na Internet em 12/06/07
55
competidor de Karaté é “classificado por escalões etários, podendo participar em dois
tipos de disciplinas competitivas: Kata e Kumite.” Cada uma destas disciplinas é
dividida em provas que por sua vez se caracterizam em individuais ou de equipas,
masculinas ou femininas e no caso das provas individuais da disciplina de Kumite, em
categorias de peso. Existem assim várias provas de Kata e várias provas de Kumite.
O competidor é classificado pelo resultado obtido num determinado tipo de
prova de uma das duas disciplinas da competição institucionalizada de Karaté. O treino
de competidores necessita de um certo grau de especialização à respectivas regras e
regulamentos, sendo bastante selectivo.
As
competições
institucionalizadas
pela
FNK-P
têm
também
necessidade de técnicos de arbitragem que são formados e creditados pela
própria Federação, no âmbito do Departamento de Formação em colaboração
directa com o Conselho de Arbitragem.
Várias categorias de habilitação são atribuídas aos Técnicos de Arbitragem,
iniciando-se pela de Oficial de Mesa, passando depois a categorias específicas
para a disciplina de Kata (Juiz Regional de Kata; Juiz Nacional de Kata) ou
Kumite (Juiz Regional de Kumite; Juiz Nacional de Kumite; Árbitro Regional de
Kumite; Árbitro Nacional de Kumite). Das diversas funções desempenhadas
nos painéis de arbitragem, é a de Chefe de Tatami que assume relevância
principal, já que é esse elemento que faz a gestão de toda a arbitragem no
respectivo tatami, ou seja, na respectiva área de competição onde decorrem as
diferentes provas de uma disciplina.
3.3.2.3. Interpretação Organizacional do Karaté – Dimensão Vertical
e Horizontal
A tendência para a progressão institucional no Karaté, segundo o
modelo de análise bidimensional por quadrantes, proposto por FIGUEIREDO
(2006), é composto por quatro quadrantes e pressupõe uma progressão
institucional do praticante, do primeiro ao quarto quadrante, que passamos a
citar:
“... um praticante ao inscrever-se num centro de prática, adere,
normalmente sem saber, a uma dimensão vertical (estilo), e passa do
primeiro para o segundo quadrante, em ambiente máximo de aprendizagem.
56
É uma fase prévia de socialização da cultura própria do Karaté vinculada
ao nível organizacional, cumprindo as necessidades sentidas pelo
praticante aluno. A seguir, há uma fase de modificação das aspirações e,
perante o quadro conhecido, viabiliza-se o comportamento a seguir em dois
sentidos: agindo em conformidade com o grupo e, assim, perpetuando o
paradigma da cultura recebida; agindo contra o rumo do grupo, criando
uma outra estrutura organizacional. Na verdade, a sua progressão nesse
ambiente de estilo vai-o despertando também para a realidade extra-estilo,
logo para a realidade horizontal e a taxa de mudança poderá incrementar a
taxa de aprendizagem que normalmente levou institucionalmente à procura
de novos segundos quadrantes”. (FIGUEIREDO, 2006)
Esta bidimensionalidade do movimento de institucionalização do Karaté
é composta, segundo o autor, por dois eixos, o eixo vertical e o eixo horizontal.
Fig.6 – Modelo Bidimensional e dinâmica regular da evolução
institucional
A dimensão vertical na organização do karaté é definida pelo mesmo
autor, como “o espaço de institucionalização do estilo, ou seja, de
institucionalização da interpretação individual da prática da modalidade”. A
dimensão horizontal reflecte a “característica de mobilização da prática de
karaté em torno de actividades que institucionalizem aspectos de interpretação
colectiva dos vários estilos”, desde que não ponham em causa a sua
identidade própria (ibidem).
57
Fig. 7 - Modelo Tridimensional (T-P) da Institucionalização do Karaté.
T – Área Técnica; P – Área Política.
Uma análise tridimensional da institucionalização do karaté implica que
se compare o factor técnico com o factor político, permite classificar o grau de
institucionalização não só na sua dimensão vertical e horizontal mas também
tem em conta a área ocupada, como o autor explica:
Uma tipologia central, de grande volume, caracteriza uma
equilibrada institucionalização entre aspectos políticos e técnicodesportivos. Já uma tipologia inferior à esquerda demonstrará uma
proximidade ao 3º quadrante do modelo bidimensional, manifestando,
assim uma tensão desportiva positiva sem tensão política de interesse.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 434)
Para além da interpretação institucional das componentes apresentadas,
sob o ponto de vista tridimensional, o autor chama a atenção para a
necessidade da sua manutenção. Evidenciando que “é um erro destacar
analiticamente a componente horizontal”, defendendo a sua integração, através
de uma visão mesoscópica que simultaneamente integre no modelo horizontal
a riqueza que existe no modelo vertical.
58
3.4. Conclusão
Neste capítulo, empenhamo-nos em demonstrar como o processo de
institucionalização do Karaté em Portugal, viveu períodos de desequilíbrio, por
um lado pelo despertar tardo dessa institucionalização, por outro pela
interpretação por vezes enviesada e distorcida da realidade Budo, que
descontextualizada local e culturalmente se afastou dos seus ideais originais.
Percebemos que foi este acontecimento que no caso particular do nosso
país fez com que se consolida-se a institucionalização vertical de tal forma eu
ainda hoje desequilibra a organização da modalidade e a distancia dos ideais
desportivos institucionalizados.
Verifica-se que o desenvolvimento vertical ainda acontece num
movimento desfasado e quase que á parte do movimento horizontal, cruzandose no estritamente necessário, desfocado do essencial. A formação parece ser
um indicador em expansão, que apesar de estar ligada à necessidade
regulamentar de creditação profissional, poderá ser um importante instrumento
de transformação de mentalidades, pelo acesso que proporciona à informação
credível.
No entanto, urge que o desenvolvimento aconteça em todas as frentes e
a institucionalização horizontal a nível regional e local é fundamental para o
desenvolvimento dos recursos humanos ai existentes, através da criação de
estruturas que viabilizem por um lado a formação de técnicos de arbitragem a
nível regional, por outro a criação de estruturas competitivas horizontais que
facilitem o igual acesso à pratica da modalidade.
Pensamos que nesta altura, após o acompanhamento histórico
institucional que temos vindo a fazer no enquadramento teórico, estamos em
condições de analisar os indicadores que nos permitam determinar o estado da
institucionalização do karaté na região centro do país, através da apresentação
do estudo empírico que efectuámos.
59
4. INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA
4.1. Metodologia
4.1.1. Problema e Hipóteses do Estudo
Como notámos na investigação bibliográfica elaborara anteriormente, as
preocupações com a institucionalização da modalidade começaram em 1963.
Passados quase 50 anos parece que a organização institucional dos clubes e
associações da modalidade a nível regional e nacional, ainda continua a ser
diferente dos modelos existentes para as outras modalidades, nomeadamente
no que respeita ao associativismo local e regional.
Notámos também que não existem estudos sobre a organização local e
regional da modalidade e, na esteira dos estudos sobre a sua organização
nacional e internacional, assume-se como pertinente a respectiva investigação
micro-sociológica.
Verificámos que o modelo interpretativo da institucionalização da
modalidade definido como mesoscópio (FIGUEIREDO, 2006), assume uma
dinâmica vertical centrada no domínio institucional em torno de uma escola ou
estilo de Karaté, a par de uma dinâmica horizontal centrada no domínio
institucional geográfico em torno de organizações locais, regionais, nacionais e
internacionais.
Como vimos também, o desenvolvimento da Federação Nacional de
Karaté assumido desde 1992 inicia um movimento único de formação de
treinadores de Karaté, com o Regulamento de Formação aprovado em 1995 e
o arranque de acções e cursos desde essa época, institucionalizando-se a
formação de treinadores de Karaté a par dos movimentos horizontais de
organização de competições.
No entanto, existem tensões entre o movimento institucional vertical e o
movimento institucional horizontal, notando-se formas de pensar diferentes
sobre os modelos de organização da modalidade que notamos a nível nacional
e que podemos notar a nível da região centro.
60
É nesse sentido que identificámos como problema central deste estudo
empírico o seguinte: Os níveis de formação, a idade e a graduação dos
treinadores de Karaté influenciam os níveis de concordância relativamente a
organização institucional da modalidade?
Pode-se assumir assim, como objectivo da presente investigação
empírica, a determinação do grau de influência do nível formação, idade e
graduação dos treinadores de karaté no nível de concordância com uma
organização institucional da modalidade.
Como hipótese experimental temos o seguinte enunciado:
O nível de concordância com uma organização horizontal da modalidade
relaciona-se com a idade, a graduação e o nível de formação dos treinadores
de Karaté.
Poderemos, assim, definir como hipóteses estatísticas, ou hipóteses
nulas, as seguintes:
H01 - Não existe relação entre o nível de formação do treinador e os
níveis de concordância com organização institucional da modalidade nos
distritos de Aveiro, Guarda e Viseu.
H02 - Não existe relação entre a idade do treinador e os níveis de
concordância com organização institucional da modalidade nos distritos de
Aveiro, Guarda e Viseu.
H03 - Não existe relação entre a graduação de prática e os níveis de
concordância com organização institucional da modalidade nos distritos de
Aveiro, Guarda e Viseu.
4.1.2. Amostra
A amostra, obtida por conveniência, é constituída por 23 treinadores que
correspondem a 32 centros de prática de Karaté dos distritos de Viseu, Guarda
e Aveiro, com vínculo institucional indirecto com a Federação Nacional de
Karaté. Todos os treinadores leccionam num único Dojo, à excepção de dois
treinadores, um que lecciona em nove centros de prática distribuídos pelos
distritos de Viseu, Guarda e Aveiro e outro que lecciona em dois centros de
prática da região de Aveiro.
61
A nossa amostra de treinadores tem uma idade média de 36±8 anos
sendo todos os elementos do sexo masculino e será mais caracterizada na
apresentação e discussão dos resultados.
4.1.3. Variáveis
Uma vez que as variáveis são a “matéria-prima” da investigação, são “o
factor que é medido e manipulado pelo investigador para determinar o efeito e
a sua relação com o fenómeno observado” (TUCKMAN, 2000, p. 222) e tendo
em conta a necessidade de encontrar dados exploratórios relativos à
problemática em estudo e dados que permitam responder às hipóteses
formuladas, foram definidas como variáveis as seguintes:
 Sexo
 Idade
 Níveis de Formação
 Graduação
 Níveis de Concordância com a Organização Institucional
A operacionalização das variáveis “baseia-se em critérios observáveis
daquilo que se está a definir”, o importante na “definição operacional é a
natureza
das observações,
como
se realizam
e
como se
medem”
(TUNCKMAN, 2000, p. 147).
Esta operacionalização é central para a definição do instrumento de medida
que caracterizaremos a seguir.
 Sexo
De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa HOUAISS (2005, p.
7330), o substantivo sexo é definido como a “conformação física, orgânica,
celular, particular que permite distinguir o homem e a mulher, atribuindo-lhe um
papel específico na reprodução”.
Foi elaborada uma questão fechada com duas hipóteses: masculino e
feminino.
62
 Idade
É definida como “o tempo de vida decorrido desde o nascimento até uma
determinada data tomada como referencia” (HOUAISS, 2005, p. 4486).
Esta
variável foi avaliada
através de uma
questão aberta
e
posteriormente foram criados três grupos etários: dos 25 aos 34 anos; dos 35
aos 44 anos e dos 45 aos 55 anos.
 Níveis de Formação
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto nº 5/2007 no Artigo
35º relativamente à formação de técnicos refere que “não é permitido, […] o
exercício de profissões nas áreas da actividade física e do desporto
designadamente no âmbito […] da educação física e do treino desportivo, […]
sem a adequada formação académica ou profissional.”
De acordo com o Regulamento de Formação de Treinadores de Karaté
da FNK-P, no âmbito da formação profissional, a carreira de treinador está
dividida em 4 níveis de formação: Treinador Monitor, coadjuvante do treinador,
apenas ajuda o treinador principal, não pode leccionar autonomamente;
Treinador Nível I, responsável técnico de um centro de prática; Treinador Nível
II, responsável por um ou mais centros de prática; Treinador Nível III,
habilitação superior que permite a responsabilização e direcção técnica
nacional.
Esta variável foi medida através de uma questão fechada com 5
possibilidades de resposta: Sem formação; Treinador Monitor; Treinador Nível
I; Treinador Nível II; Treinador Nível III. Posteriormente considerámos face à
necessidade de tratamento estatístico que evidenciaremos oportunamente,
dois níveis: os Treinadores não habilitados para leccionar autonomamente,
correspondendo à fusão da frequência obtida nas possibilidades de resposta
Sem formação e Treinador Monitor; os treinadores habilitados para leccionar
autonomamente, são os Treinadores Nível I, II, III.
63
 Graduação
Entende-se por graduação o estabelecimento de uma hierarquia de
níveis de prática, que normalmente se define através do sistema dan/kyu
(graduações).
Esta variável foi medida através de uma resposta aberta.
 Níveis de Concordância com a Organização Institucional da
modalidade
Entende-se por organização institucional a relação existente entre as
instituições. De acordo com o Capítulo III da Lei de Bases da Actividade Física
e do Desporto relativamente ao associativismo desportivo, na Secção II define
“federação desportiva como uma associação sem fins lucrativos […] que
engloba clubes, sociedades desportivas, associações do âmbito territorial, ligas
profissionais, praticantes, técnicos, juízes e árbitros e demais entidades que
promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respectiva
modalidade…” A federação desportiva surge assim como a instituição máxima
de
organização
da
modalidade
dentro
da
organização
olímpica
do
associativismo desportivo.
O clube é a instituição formalmente registada no registo nacional de
pessoas colectivas, sendo o Dojo, o local físico de prática de Karaté inserido no
clube e a Associação o agrupamento de clubes sócios da FNK-P. Estilo é a
escola fundadora da prática de karaté, que pode ter ramificações originadas
pelo cunho pessoal imposto pelo professor, as quais adquirem o nome de
linhas de estilo.
Para medir os níveis de concordância com uma organização institucional
da modalidade, utilizámos uma escala de Likert de cinco níveis: Desacordo
total; Desacordo; Indeciso; Acordo; Acordo Total.
4.1.4. Instrumento de Recolha de Dados
O método de colheita de dados utilizado é determinado pela natureza do
problema de investigação, pelas variáveis e pelas estratégias de análise
estatística utilizadas (FORTIN, 1999, p. 261). Na opinião da mesma autora, o
64
investigador deve seleccionar o instrumento de medida que melhor se adapte
ao objectivo do estudo, às questões de investigação expressas ou às hipóteses
formuladas.
Também para FORTIN (ibidem) o “processo de colheita de dados
consiste em recolher de uma forma sistemática a informação desejada junto
dos participantes”.
Para a realização do nosso estudo, utilizámos como instrumento de
colheita de dados, um questionário de auto preenchimento com respostas
fechadas que inclui uma escala de 5 níveis (cf. ANEXO I), dado que se trata de
instrumentos de medida que garante o anonimato do informante permitindo
respostas autênticas. A escala visa medir um conceito ou uma característica de
um indivíduo (FORTIN, 1999).
4.1.4.1. Organização
O questionário é composto por 8 grupos de questões: Identificação; A –
Caracterização do Dojo/Clube; B – Praticantes; C – Juízes de Graduação; D –
Treinadores; E – Competidores; F – Técnicos de Arbitragem; G – Organização
da Modalidade.
O grupo G é uma escala de medição do nível de concordância. É uma
escala do tipo Likert, de cinco níveis que engloba um conjunto de 10 itens.
Consideramos que no seu todo constituem a compreensão e extensão do
conceito subjacente da variável. Permite cinco possibilidades de resposta:
Desacordo Total; Desacordo; Indeciso; Acordo; Acordo Total, a que se atribui
uma pontuação de 1 a 5, correspondendo este último valor a níveis mais
elevados de concordância com uma organização institucional da modalidade.
Os itens estão formulados para medir os dois tipos de orientação da
organização
institucional,
nomeadamente
uma
orientação
vertical
da
organização da modalidade e uma orientação horizontal da organização da
modalidade. As pontuações podem variar de 10 a 50, sendo que um score de
10 a 19 corresponde ao nível mais baixo de concordância (Desacordo Total);
de 20 a 29 corresponde a (Desacordo); de 30 a 39 corresponde a (Indeciso);
de 40 a 49 corresponde a (Acordo) e a um score de 50 corresponde o nível de
concordância máximo (Acordo Total).
65
Os itens pretende avaliar o nível de concordância com: (1º) uma
Associação Distrital da modalidade; (2º) preservação de uma estrutura
Associativa de Estilo, (3º) um Quadro Competitivo Distrital, (4º) exames de
graduação federados a nível distrital/nacional; (5º) a participação em estágios e
eventos promovidos por outra associação de estilo; (6º) a diferenciação entre
estatuto de praticante e estatuto de competidor; (7º) com sistemas diferentes
de progressão para praticantes e competidores; (8º) diferentes poderes de
decisão, tendo em conta o numero de praticantes e o numero de competidores,
em questões federativas (FNK-P); (9º) estabelecimento de áreas de
decisão/intervenção, da competência das Associações Distritais e das
associações de Estilo; (10º) coma a inscrição dos praticantes e competidores
nas Associações de Estilo e Distritais respectivamente.
4.1.4.2. Aplicação
Após um levantamento dos clubes existentes nos Distritos de Viseu,
Guarda e Aveiro, através de uma pesquisa na Internet, onde recolhemos as
moradas e os contactos dos clubes, iniciámos o contacto via correio postal,
com o envio de uma carta de apresentação (cf. ANEXO II), onde explicámos os
objectivos do estudo e solicitávamos a colaboração. Nesta primeira abordagem
solicitámos também a colaboração dos treinadores (Responsáveis Técnicos),
no sentido de identificarmos todos os Clubes/Dojos existentes na região, já que
a FNK-P, tanto quanto nos foi possível apurar, não possui dados acerca do
número de clubes existentes, mas apenas acerca das respectivas Associações
que como caracterizámos anteriormente são maioritariamente do tipo nacional
em torno de estilos e não regionais.
O questionário após preenchido foi-nos enviado pelo correio, tendo
obtido uma taxa de resposta de 100%. Todos os treinadores contactados,
disponibilizaram-se, com maior ou menor prontidão a colaborar com a
investigação.
66
4.2. Apresentação e Discussão dos Resultados
Este capítulo encontra-se dividido em duas partes. A primeira parte
corresponde a uma apresentação dos dados, como auxílio da estatística
descritiva e a segunda corresponde a uma análise inferencial dos resultados.
4.2.1. Variáveis Identificadoras da Amostra
O questionário foi aplicado a todos os treinadores dos distritos de Viseu,
Guarda e Aveiro. Uma vez que não existem dados acerca do número de clubes
existentes, pois a Federação Nacional de Karaté – Portugal (FNK-P) apenas
dispõe do registo das associações, foi através destas que chegámos aos
clubes. O número total de treinadores inquiridos foi de 23 treinadores, todos do
sexo masculino, numa totalidade de 32 centros de prática.
TABELA 1 – Caracterização da Amostra de Treinadores – Idade
IDADE
25 - 34
35 - 44
45 - 55
Total
n
11
8
4
23
%
47.8
34.8
17.4
100.0
A amostra de treinadores em estudo tem uma idade média de 36 anos e
um desvio padrão de 8, sendo o elemento mais novo de 25 anos e o elemento
mais velho de 52 anos.
Existe uma grande percentagem (47,8%) de treinadores com idades
compreendidas entre os 25 e os 34, o que revela uma população jovem
provavelmente, ainda em início de carreira.
TABELA 2 – Distribuição dos treinadores por distrito
DISTRITO
Viseu
Guarda
Aveiro
Total
n
9
5
9
23
%
39.1
21.7
39.1
100.0
67
O distrito com maior número de treinadores é Viseu e Aveiro, com (9)
treinadores cada.
4.2.2. Variáveis de Caracterização Institucional
Com esta análise pretendemos caracterizar fundamentalmente os clubes
existentes na região, no que diz respeito à natureza, âmbito da tipologia e
vínculos do estilo. Na tabela 3 está representado a distribuição dos centros de
prática por concelhos, sendo que o concelho que apresenta um maior número
(10) de centros de prática é o concelho de Viseu, seguido de Oliveira do Bairro
e Sever do Vouga, ambos com 3 centros de prática. Como podemos verificar a
sua distribuição atinge um leque variado de concelhos espalhados pelos três
distritos em estudo, centralizando-se apenas no concelho de Viseu.
TABELA 3 – Distribuição dos treinadores por concelhos
CONCELHOS
Guarda
Gouveia
Celorico da Beira
Fornos de Algodres
Pinhel
Aveiro
Oliveira do Bairro
Águeda
Estarreja
Sever do Vouga
Oliveira de Azeméis
Anadia
Viseu
S. Pedro do Sul
Mangualde
Mortágua
Oliveira de Frades
Vila Nova de Paiva
Total
n
1
1
1
1
1
2
3
1
1
3
1
1
10
1
1
1
1
1
32
%
3.1
3.1
3.1
3.1
3.1
6.3
9.4
3.1
3.1
9.4
3.1
3.1
31.3
3.1
3.1
3.1
3.1
3.1
100.0
68
TABELA 4 – Descrição dos Centros de Prática (Dojo) por Vínculos de
Estilo e Âmbito de estilo
VINCULOS
n Dojo
%
Nacional
Internacional
Nacional/Internacional
Nacional/Internacional/Japão
Nacional/Japão
Internacional/Japão
Total
3
10
12
4
1
2
32
9.4
31.3
37.5
12.5
3.1
6.3
100.0
ÂMBITO
n
Dojo
%
26
81.3
Regional
6
18.8
Total
32
100
Nacional
No que refere á tipologia de estilo em todos os centros de prática
encontramos um só estilo. São 6 (18%) os Dojo/Clube de âmbito regional e 26,
(81%) os de âmbito nacional. Assim a maioria (37%), está vinculado a uma
estrutura Nacional/Internacional de estilo.
TABELA 5 – Distribuição dos Centro de Prática por Estilo de karaté
Praticado
ESTILOS
Goju-Ryu
Shito-Ryu
Shotokan
Total
n
10
9
13
32
%
31.2
28.1
40.6
100.0
A maioria (40,6%) dos centros de prática é do estilo shotokan, a linha de
estilo que tem mais treinadores é a linha shukokai, com (28%). A maioria (24%)
dos Dojos refere possuir Número Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC), o
que quer dizer que ou estão a funcionar por conta própria ou inseridos
institucionalmente em clubes já existentes.
O estilo Goju-Ryu apresenta três linhas de estilo, Seiwakai, com uma
percentagem de centros de prática de (18.8%), Shodokan com uma
percentagem de (6,3%) de centros de prática e Morio Higaonna com apenas
(3.1%). O estilo Shito-Ryu da linha shukokai é o estilo com maior percentagem
de Dojos (28.1%).
69
TABELA 6 – Distribuição dos Centros de Prática por Linha de Estilo
LINHA DE ESTILO
Morio Higaonna
Funakoshi
Taji Kase
Seiwakai
Shodokan
Shukokai
Total
n
1
6
8
6
2
9
32
%
3.1
18.8
25
18.8
6.3
28.1
100.0
O estilo mais praticado em Viseu é o Goju-Ryu (88.9%), o estilo mais
praticado em Aveiro é o Shotokan (61.5%) e na Guarda é também o estilo
Shotokan o mais praticado com (30.8%).
TABELA 7 – Distribuição dos Centros de Prática em Função dos Estilos
Existentes em Cada Distrito
DISTRITO
ESTILO
Goju-Ryu
Shito-Ryu
Shotokan
Shukokai
Total
Viseu
n
%
8
88.9
5
55.6
1
7.7
1
6.7
15
46.9
Guarda
n %
0
0
1 11.1
4 30.8
0
0
5 15.6
Aveiro
n
%
1
11.1
3
33.3
8
61.5
0
0
12
37.5
Total
%
9
28.1
9
28.1
13
40.6
1
3.1
32
100
n
4.2.3. Variáveis de Caracterização dos Recursos Humanos
Como já evidenciámos na revisão bibliográfica os recursos humanos no
karaté são os praticantes, os competidores, os treinadores e os técnicos de
arbitragem (FIGUEIREDO, 2006, p. 487), são estes recursos que iremos
caracterizar de seguida, apresentando alguns dados.
TABELA 8 – Relação Competidores/Praticantes
COMPETIDORES PRATICANTES
Média
6.3
35.2
Desvio Padrão
8.4
37
Mínimo
0
10
Máximo
30
180
Nº TOTAL
200
1128
70
Em média existem 35 praticantes por Dojo, com um desvio padrão de
37. O número máximo de praticantes por Dojo é 180 e o mínimo é 10 num total
de 1128 praticantes nos 32 Dojos inquiridos. Se compararmos com o número
de competidores verificamos que existe uma diferença abismal. A falta de
competidores é evidente, tendo em conta os resultados, numa totalidade de
1128 praticantes, temos apenas 200 que são competidores.
TABELA 9 – Distribuição dos Melhores Resultados Obtidos por Centro de
Prática
MELHOR RESULTADO OBTIDO
1º Lugar kumite Regional-Feminino
Campeonato Nacional de Infantis
Vice Campeão Regional Kumite
Vice Campeão Nacional
Campeão Nacional e Mundial de estilo
1º Lugar Kumite Júnior
2º Lugar Kumite-Regional
2º Lugar Kumite Juvenis
2º Lugar Campeonato Nacional Juvenis-FNK-P
1º Lugar Regional Kumite
Sem resultados
Total
n
1
1
1
1
1
1
9
1
1
1
14
32
%
3.1
3.1
3.1
3.1
3.1
3.1
28.1
3.1
3.1
3.1
43.8
100.0
Dos resultados obtidos na Tabela 9 poucos são os que se referem
concretamente a participações competitivas federadas. O que indica que a
competição existe e está implementada na organização vertical, o que não
acontece horizontalmente. O que se passa é que, por outro lado, as
competições federadas exigem um tipo de recursos humanos, materiais e
organizacionais superiores aos de competição de estilo, menos rigorosa mas
também menos proveitosa.
A selecção dos atletas que se inscrevem em competições de topo, de
caris horizontal (federadas), assenta mais em critérios internos relativos à sua
associação de estilo e não em critérios de caris horizontal, característicos das
competições federadas de outras modalidades.
Se tivermos em conta os níveis de participação em competições nas
últimas três épocas, a maioria dos centros de prática (75%) refere que participa
em competições a nível regional e internas à associação de estilo. Registandose uma participação reduzidíssima (9,4%) em competições de base inter Dojo.
71
O que quer dizer que existe uma percentagem de (46.5%) de Dojos que refere
participar em competições federadas nacionais mas cujos atletas não
passaram por uma selecção regional porque não participaram em competições
regionais. Este facto faz com que se encontrem em campeonatos nacionais
dois extremos de praticantes os de nível internacional e os de nível regional.
Esta realidade é perfeitamente explicada se tivermos em conta que não
existe um envolvimento competitivo federado, capaz de promover regularmente
provas regionais com níveis de participação diferenciadas e adaptadas a cada
escalão. Como não existe uma participação competitiva regular e a que existe,
para além de ser interna e restrita ao estilo, é muito semelhante ao modelo
sénior, o que faz com que o competidor desmotive logo em tenra idade e não
evolui, nem tem oportunidade de treinar em função do seu nível de
desenvolvimento (FIGUEIREDO, 2006, p. 486).
TABELA 10 – Caracterização dos Níveis de Participação em Competições
NIVEIS DE PARTICIPAÇÃO EM COMPETIÇÕES
Local/Dojo
Inter Dojo
Regional Interno Associação
Regional FNK-P
Nacional Interno Associação
Nacional FNK-P
Internacional Interno ao Estilo
Internacional EKF/WKF
n
15
3
24
17
17
15
3
0
%
46.9
9,4
75
53.1
53.1
46.9
9.4
0
As competições que existem são desequilibradas, porque não existindo
competições de base, a selecção é feita nas competições intermédias e até
mesmo nas competições de topo, que se tornam demoradas e desmotivantes,
quer para os competidores, quer para os treinadores, quer para o publico em
geral (FIGUEIREDO, 2006, p. 486).
Enquanto não forem criadas condições competitivas, que passam pela
criação de um quadro competitivo regional, inter-regional e nacional, apoiado e
organizado pela federação é impossível aumentar o número de competidores
(ibidem).
O problema da competição faz-se sentir também a outro nível de
recursos humanos, os técnicos de arbitragem. Na tabela 11 apresentamos o
72
número de técnicos de arbitragem em cada categoria. O número é baixíssimo,
(6) de técnicos de arbitragem.
TABELA 11 – Caracterização dos Técnicos de Arbitragem
Nº DE TÉCNICOS DE ARBITRAGEM
Oficial de Mesa
Juiz Regional kumite
Juiz Regional Kata
Juiz Nacional Kumite
Juiz Nacional Kata
Arbitro Regional Kumite
Arbitro Nacional Kumite
Arbitro Nacional Kata
n
0
0
0
1
1
0
2
2
%
0
0
0
3
3
0
6
6
As competições federadas a nível regional, se existissem teriam que
recorrer a árbitros de outras regiões para que se pudessem realizar. Isto se
existirem. Mesmo que existam torna-se complicado organizar competições
regionais sem uma equipa de arbitragem que consiga cobrir as necessidades
regionais. As competições federadas só podem existir quando se investir na
formação de técnicos de arbitragem.
As próprias associações, nas competições internas que organizam, não
têm técnicos de arbitragem qualificados, já que em (91%) dos centros de
prática, não existe nenhum modelo de formação de técnicos de arbitragem na
sua associação.
A nível de recursos humanos é na formação de treinadores que a FNK-P
tem investido muito desde 1995, coma criação do departamento de formação
de recursos humanos (FIGUEIREDO, 2006, p. 489).
TABELA 12 – Caracterização do Nível de Formação dos Treinadores
NIVEL DE FORMAÇÃO
Sem formação
Treinador Monitor
Treinador Nível I
Treinador Nível II
Treinador Nível III
Total
n
1
8
11
2
1
23
%
4.3
34.8
47.8
8.7
4.3
100.0
73
No que respeita à nível de formação a maioria dos treinadores (47.8%)
são Treinadores de Nível I, se cruzarmos os resultados com as idades dos
treinadores (Tabela 8) verificamos que a maioria dos Treinadores de nível I se
situa na classe mais jovem.
TABELA 13 – Caracterização do Nível de Formação em Função da Idade
IDADE
25-34
35-44
44-55
TOTAL
HABILITAÇÃO
n
%
n
%
n
%
n
%
Sem formação
0
0
1
4.35
0
0
1
4.35
Treinador Monitor
5
21.73
0
0
3
13.04
8
34.78
Treinador Nível I
6
26.09
4
17.39
1
4.35
11
47.83
Treinador Nível II
0
0
2
8.69
0
0
2
8.69
Treinador Nível III
0
0
1
4.35
0
0
1
4.35
Total
11
47.82
8
34.78
4
17.39
23
100
A percentagem de treinadores monitores ou de Nível I, é maior nas
classes mais jovens. Apenas existe um treinador sem formação e situa-se na
classe intermédia, sendo a classe que regista também níveis mais elevados de
formação. A maioria dos treinadores (3), na classe mais velha, são treinadores
monitores, que poderam estar em formação.
TABELA 14 – Características da Graduação dos Treinadores
GRADUAÇÃO
1º Kyu
1º Dan
2º Dan
3º Dan
4º Dan
5º Dan
Total
n
1
4
4
7
3
4
23
%
4.3
17.4
17.4
30.4
13.0
17.4
100.0
Relativamente à graduação, a maioria dos treinadores são 3º Dan, a
graduação mínima para leccionar autonomamente é 1º Dan e habilitação
mínima de Treinador Nível I, verifica-se que existem 9 treinadores que estão a
74
leccionar autonomamente sem competência para tal. No entanto este dado,
não será tão negativo se tivermos em conta que a maioria dos treinadores (6)
que se encontra nesta situação pertencem a uma classe jovem e como já
possuem a habilitação de treinador monitor, presume-se que estejam em
processo de formação
Esta aderência dos treinadores a cursos de formação poderá estar
relacionada com a obrigatoriedade de possuir habilitações mínimas para
leccionar e não com convicções horizontais intrínsecas de crescimento
horizontal mútuo, encarando a formação como uma oportunidade necessário,
em vez da prioridade que merece. A análise relação dos níveis de
concordância poderá com a formação, que iremos ver mais poderá acrescentar
algo de novo a este ponto.
O sistema de graduação utilizado, em todos os centros de prática, é o
sistema Dan/Kyu. O sistema de progressão tem início no 9º Kyu em (96.9%)
dos dojos e apenas (4%) dos Dojos se verifica que o sistema de progressão
tem início no 10º Kyu. Os limites da progressão no sistema de graduação
variam entre o 8º Dan (18,8%) e o 10º Dan (81,3%).
TABELA 15 – Distribuição das Graduações Máximas Atribuídas nos
Clubes
GRADUAÇÃO MÁXIMA
7º Kyu
4º Kyu
6º Kyu
2º Kyu
1º kyu
1º Dan
2º Dan
3º Dan
5º Dan
Total
n
1
1
1
1
11
3
11
2
1
32
%
3.1
3.1
3.1
3.1
34.4
9.4
34.4
6.3
3.1
100.0
Relativamente às graduações mais elevadas já atribuídas pelos clubes,
na maioria (34,4%) dos Dojos verifica-se que a graduação mais elevada que o
seu clube atribuiu foi 2º Dan.
75
TABELA 16 – Responsabilidade das Graduações dos Praticantes
Juiz Individual
Painel Vários Juiz
Dojo/Clube
N. Regional
N. Nacional
N. Internacional
Assembleia Geral Associação
Conselho Técnico da Associação
Direcção da Associação
Departamento Técnico
Associação
Graduação
Kyu
n
%
0
0
9
28.1
1
3.1
2
6.3
7
21
17
53.1
1
3.1
20
62.1
1
3.1
Graduação
Dan
n
%
1
3.1
7
21.9
7
21.9
5
15.6
3
9.4
2
6.3
0
0
26
81.3
0
0
7
6
21.9
18.8
Relativamente aos exames de graduação quer para cinto negro, quer
para graduações abaixo do cinto negro, a responsabilidade recai sobre o
Conselho Técnico da Associação o que demonstra pouca autonomia do
treinador em graduar. O treinador sendo o responsável pelo ensino,
leccionação dos conteúdos deveria de acordo com as necessidades,
motivações, interesses e expectativas dos alunos em questão, não só
seleccionar os conteúdos a abordar, como também decidir sobre os conteúdos
a avaliar, tendo em conta os programas orientadores da sua escola/estilo. Uma
percentagem tão elevada, (62.1%) graduações para Kyu e (81.3%) graduações
para Dan, de responsabilidade ao nível do conselho técnico da associação e
uma reduzida ou mesmo inexistente responsabilidade individual revela a falta
de autonomia e baixo poder de decisão do treinador.
Uma percentagem de (52.2%) dos treinadores não concorda com a
criação de um departamento de formação de juízes de graduação na FNK-P,
concordamos com a maioria e defendemos que a formação deve ser para
todos os treinadores no sentido de atribuir competências que lhes permitam
justificar as suas decisões, com o objectivo de aumentar a sua autonomia.
76
4.3. Análise Estatística Inferencial
4.3.1. Técnicas estatísticas
Para verificar o nível de significância das correlações, utilizámos a
correlação por ordens de Spearman. Segundo TUCKMAN (2002, p. 401) o
“teste de correlação por ordem de Spearman, utiliza-se para comparar dois
conjuntos de ordens, visando determinar o seu grau de equivalência”, o mesmo
autor explica que “o teste de correlação por ordens refere-se à relação entre
dois conjuntos de dados ordinais.” As duas variáveis que pretendemos
relacionar são: os níveis de formação e os níveis de concordância. Ainda
recorrendo a TUCKMAN (2002, p. 263) variável “ordinal é uma série ordenada
de coisas, obedecendo a uma categorização” […] “mais do que e menos do
que”. Estas duas variáveis obedecem a esta característica, já que estão
ordenadas de 1 a 5 do menor para o maior.
O nível de significância utilizado foi o de p<0.05, por ser o comummente
utilizado nas ciências da educação. Para os valores do coeficiente de
correlação, as matrizes foram construídas com base num nível two-tailed
significance em que não se assume uma direcção definida previamente
(FORTINI, 1999). O coeficiente Rho de Spearman varia entre -1 e 1. Quanto
mais próximo estiver destes extremos, maior será a associação entre as
variáveis. O sinal negativo da correlação significa que as variáveis variam em
sentido contrário, isto é, as categorias mais elevadas de uma variável estão
associadas a categorias mais baixas da outra variável (PESTANA, 2005, p.
176)
4.3.2. Apresentação e Discussão dos Resultados
Vimos que o desenvolvimento tardio da institucionalização horizontal do
Karaté em Portugal e os desequilíbrios dai resultantes contribuíram para uma
consolidação da institucionalização vertical, de tal forma que, ainda hoje se
sentem esses desequilíbrios organizacionais, uma vez que, se verifica um
77
crescimento vertical e uma fragilidade estrutural que impede o desenvolvimento
horizontal da modalidade (FIGUEIREDO, 2006)
No seguimento desta constatação iremos apresentar os resultados
relativos aos níveis de concordância que os treinadores apresentam em
relação aos aspectos principais da organização institucional da modalidade.
TABELA 17 – Média dos Níveis de Concordância por Item
Associação Distrital
Associação de Estilo
Estabelecer um Quadro competitivo distrital
Estabelecer Exame de graduação federados
Participação em estágios de outra associação
Estatuto de Praticante diferente Estatuto
Compet.
Graduação Praticante/Classificação Competidor
Mais Praticantes competidores, maior poder
decisão
Níveis de decisão diferentes Ass. Estilo e Ass.
Distritais
Inscrições praticantes na A.Estilo /Competidores
A.Distr.
Mín
1
3
1
1
2
Máx
5
5
5
5
5
Média
3.52
4.5
3.65
3.13
3.69
D.P.
1.20
0.59
1.11
1.91
.87
1
5
3.35
1.61
1
5
3.09
1.20
1
5
2.48
1.04
1
5
3.22
1.24
1
5
3.22
1.31
Analisando a média dos níveis de concordância com os itens,
verificamos que existe um nível elevado de concordância com a preservação
da estrutura associativa de estilo, visto que, em média os treinadores estão em
acordo total (5) com este item.
Verifica-se
também
que
o
nível
de
concordância com uma Associação Distrital de caris horizontal é também
elevado, em média os treinadores manifestam-se de acordo (4) com a criação
dessa estrutura a nível distrital, assim como também manifestam a sua
concordância com o instituição de um quadro competitivo distrital.
O item cuja média de concordância é menor, manifestando assim os
treinadores o seu desacordo (2), é o item referente ao voto em questões
federativas que afirma que as associações com maior número de praticantes e
competidores devem ter um maior poder de decisão.
78
TABELA 18 – Relação Entre os Níveis de Formação e os Níveis de
Concordância
Spearman (p)
1-tailed
Formação
r
Sig.
.308
(.063)
-.343
(.055)
.040
(.428)
.166
(.225)
Existência de uma Associação Distrital
Manter a Associação de Estilo
Estabelecer um Quadro competitivo distrital
Estabelecer Exame de graduação federados
Participação em estágios promovidos por outra
.166
associação
Estatuto de Praticante diferente Estatuto Competidor
.098
Graduação Praticante/Classificação Competidor
.301
Mais Praticantes, mais competidores, maior poder
-.194
decisão
Níveis de decisão diferentes Ass. Estilo e Ass. Distritais
.015
Inscrições praticantes na A.Estilo /Competidores n
.110
A.Distr.
(.225)
(.328)
(.081)
(.188)
(.474)
(.309)
No estudo das correlações TABELA 18, não se verificaram relações
estatisticamente significativas entre as variáveis níveis de concordância e
níveis de formação. Da análise dos coeficientes de correlação determinados,
verificámos que apesar de não existirem correlações
estatisticamente
significativas, a maioria apresenta uma relação positiva, o que significa que a
níveis mais elevados de formação correspondem níveis mais elevados de
concordância. No entanto, existem itens em que a margem de erro é muito
elevada para se poder tirar conclusões significativas.
Os itens que emergem pela relação positiva que apresentam e cuja
significância apresenta valores de erro mais próximos dos aceitáveis (5%) para
se poder concluir que o resultado não foi devido ao acaso, foram os itens
relacionados com a associação distrital e com a associação de estilo:
 o primeiro item em que se verifica uma relação positiva, mais próxima de
uma significância estatisticamente aceite é o item relacionado com a
associação distrital. À medida que aumenta o nível de formação,
aumenta o nível de concordância com uma associação distrital da
modalidade;
 e o sétimo item referente à graduação dos praticantes e classificação
dos competidores, em que se verifica também uma relação positiva, que
79
significa que à medida que aumenta o nível de formação aumenta
também o nível de concordância com a classificação e graduação em
função de ser praticante ou competidor respectivamente.
Este indicador leva-nos a interpretar que o processo de horizontalização deve, de
acordo com FIGUEIREDO (2006), e por nós explicado na revisão bibliográfica, deixar
de ser exclusivo de um “nível nacional para poder ser assumido realmente a nível
regional” mais próximo da realidade dos recursos humanos centrais do desenvolvimento
do Karaté: praticantes, treinadores, competidores e técnicos de arbitragem.
Apesar de a maioria dos itens, não apresentar os níveis de significância
estatisticamente aceitáveis, para se poder concluir que os resultados obtidos
não resultam de flutuações ocasionais, admitindo uma percentagem de erro
estatístico aceitável (5%), pelo coeficiente da correlação é possível verificar
que apenas nos itens referentes à associação de estilo e ao poder de decisão
das associações é que a correlação apresenta valores negativos. O que quer
dizer que a níveis mais elevados de formação correspondem níveis de
concordância mais baixos com a importância de manter uma associação de
estilo e o poder de decisão das associações.
Este aspecto pode revela um despertar, por parte dos treinadores, para
a importância do desenvolvimento institucional externo que, de acordo com
FIGUEIREDO (2006, p. 432), é “conotado com a mudança”, uma vez que,
“implica a comparação com outras linhas de prática e com outras escolas e
estilos”. Esta despertar exterior representa a progressão
normal na
aprendizagem da modalidade que segundo o mesmo autor, ocorre em torno de
quatro quadrantes. Durante essa progressão “ a capacidade institucional de
trabalho da liderança técnica, ao comparar-se com os outros estilos, robustecese a si própria, representando a “taxa de mudança”, que por sua vez irá
aumentar a taxa de aprendizagem. A formação desempenha um papel
importante no aumento da taxa de mudança, que por sua vez irá influenciar a
concordância com a horizontalidade institucional, já que a relação entre os
itens assume valores positivos.
De uma maneira geral, a relação positiva entre os restantes itens, é
reveladora de uma diminuição do 1º quadrante pelo desenvolvimento do
contacto com outros estilos e um aumento do terceiro quadrante, o despertar
institucional externo, horizontal.
80
Neste sentido confirmamos a hipótese nula H01: Não existe
relação entre o nível de formação do treinador e os níveis de concordância com
organização institucional da modalidade nos distritos de Aveiro, Guarda e
Viseu. Fazemo-lo com alguma relutância, já que a margem de erro é apenas de
(6%) para o item que colocámos em primeiro lugar e que evidenciámos no
enquadramento teórico do estudo ser de grande importância.
TABELA 18 – Relação entre a Graduação e os Níveis de Concordância
Spearman (p)
1-tailed
Associação Distrital
Associação de estilo
Quadro competitivo distrital
Exame de graduação federados
Participação em estágios promovidos por outra
associação
Estatuto de praticante/competidor
Graduação praticante/Classificação competidor
Poder de decisão da Associação em questões
federativas
Níveis de decisão
Inscrições praticantes/competidores
Graduação
r
.039
-.114
-.173
-.168
Sig.
(.403)
(.302)
(.215)
(.222)
.184
(.201)
.066
. 248
(.383)
(.127)
.046
(.417)
.139
.203
(.264)
(.177)
Ao relacionarmos a variável níveis de concordância com os níveis de
graduação, constatamos que os valores negativos da correlação aparecem nos
itens relacionados com a associação de estilo, o quadro competitivo distrital e
os exames de graduação federados, o que quer dizer que as variáveis variam
em sentidos contrários. Os treinadores mais graduados, tendem a ter níveis de
concordância mais baixos com estes três itens.
No entanto, se comparar-mos estes resultados com as médias
apresentadas na Tabela 17 verificamos que em relação a estes itens, existe em
média um nível de concordância baixo, indeciso (3), e para o item poder de
decisão em questões federativas, o nível de concordância é desacordo (2).
Podemos concluir que existe pouca relação entre a graduação e os
níveis de concordância com as afirmações, o que nos leva a aceitar a hipótese
nula H02- Não existe relação entre a idade do treinador e os níveis de
81
concordância com organização institucional da modalidade nos distritos de
Aveiro, Guarda e Viseu.
TABELA 19 – Relação entre a Idade e os Níveis de Concordância
Spearman (p)
1-tailed
Associação Distrital
Associação de estilo
Quadro competitivo distrital
Exame de graduação federados
Participação em estágios promovidos por outra
associação
Estatuto de praticante/competidor
Graduação praticante/Classificação competidor
Poder de decisão da Associação em questões
federativas
Níveis de decisão
Inscrições praticantes/competidores
Idade
.028
-.101
-.278
.074
(.449)
(.323)
(.100)
(.368)
.130
(.277)
.073
.205
(.371)
(.174)
.076
(.365)
.411
.253
(.026)
(.122)
Relativamente à idade verificámos que existe um item onde a
percentagem de erro é inferior a 5%, o que nos permite dizer que a relação
existente entre a idade e os níveis de concordância nesses itens é
estatisticamente significativa. O valor positivo da relação, permite-nos concluir
que à medida que a idade aumenta, aumentam também os níveis de
concordância com o poder de decisão diferente das associações distritais e de
estilo relativamente a questões relacionadas com os competidores e os
praticantes, respectivamente.Dois desses itens, a associação de estilo e o
quadro competitivo distrital, apresentam um coeficiente de relação negativo, o
que quer dizer que à medida que aumenta a idade, os níveis de concordância
com os itens são menores.
O que é de estranhar já que são os treinadores mais velhos que estão
ligados a vivências organizacionais, resultantes de uma consolidação vertical
forte, como analisámos anteriormente, a institucionalização inicial da
modalidade foi muito da orientação que se pretende hoje, logo não ficaríamos
surpreendidos se os treinadores mais velhos aderissem a um modelo mais
vertical.
No entanto, se tivermos em conta que a percentagem de treinadores
mais velhos é apenas de 17.39% e que esses treinadores possuem todos
82
formação (ver TABELA 13), a idade não será um factor determinante no nível
de concordância evidenciado.
Devido aos resultados do teste estatístico apresentado não terem
sido estatisticamente significativos para a maioria dos itens, confirma-se
também a hipótese nula H03 Não existe relação entre a idade e os níveis de
concordância com organização institucional da modalidade nos distritos de
Aveiro, Guarda e Viseu. Exceptuou-se nesta hipótese o facto de haver
correlação significativa entre o poder decisão das associações e os níveis de
concordância.
83
4.4. Conclusão
O objectivo deste trabalho foi estudar os níveis de concordância com
uma organização institucional do Karaté, nos distritos de Viseu, Guarda e
Aveiro. Vimos que o seu objecto de estudo foi a Motricidade Humana em
contexto de combate institucionalizado.
O enquadramento geral iniciou o estudo interpretativo numa perspectiva
gradual que contextualiza-se, em linhas gerais, os momentos marcantes da
institucionalização do desporto em geral e da modalidade em questão em
particular. Evidenciámos assim o ideal agonístico dominante na cultura Grega
como um dos momentos gloriosos da história do desporto, onde a vitoria
assumia o objectivo primordial da participação e o atleta o arquétipo do homem
perfeito.
Notámos como a época que se segue, Idade Média, contrasta com esta
mentalidade desportiva exactamente porque é uma época em que se vive um
período de tenções sociais marcadas pela guerra e pela conquista territorial.
Vimos como as actividades motrícias, nesta época estavam voltadas para o
treino e preparação para o confronto guerreiro. Compreendemos como
algumas actividades que, apesar da violência que demonstravam pela
semelhança com o combate real, movimentavam entusiasticamente as
populações para a sua prática.
Compreendemos que só passámos a falar de desporto a partir da
socialização da humanidade, das grandes alterações desenvolvimentistas
trazidas pela revolução industrial, que criou as condições sociais para uma
forte adesão à prática desportiva.
Interpretámos esse desenvolvimento
desportivo organizacional, responsável pela regulamentação e fiscalização dos
quadros competitivos à escala nacional e internacional, que levou a uma forte
institucionalização das práticas desportivas, sobretudo com o incremento dos
Jogos Olímpicos da Era Moderna, por Pierre de Coubertin. Relacionámos este
movimento de institucionalização com o movimento semelhante ocorrido no
Japão após a Revolução Meiji, através da Dai Nipon Butokukai, a associação
das virtudes marciais, responsável pela institucionalização moderna dos
diferentes Bugei (artes da guerra desenvolvidas por guerreiros), numa
84
perspectiva Bujutsu, (técnicas de combate), e fundamentalmente Budo
(técnicas de combate não necessariamente desenhadas por guerreiros nem
para guerreiros), num movimento de preservação de uma identidade cultural.
Demonstrámos
como
este
movimento
descontextualizadamente
interpretado, evidenciando uma certa ignorância tutelar em Portugal, que o
institucionalizou numa perspectiva Bugei, desconhecendo os ideais Budo,
através da UBU na Ministério da Defesa Nacional. Quando no Japão e noutros
países estava a ser institucionalizado no Ministério da Educação de acordo
com a institucionalização dos diversos desportos.
Compreendemos como este acontecimento modificou definitivamente o
desenvolvimento dos Budo em geral e do Karaté em particular, consolidando o
desenvolvimento de uma dimensão vertical fechada sobre si, à semelhança do
isolamento do Japão antes da Revolução Meiji, que acabou por trazer também
aspectos positivos para a evolução da modalidade, contribuindo para uma
riqueza desenvolvimentista individualizada em cada centro de prática.
Interpretámos o modelo de análise bidimensional, desenvolvendo a
hipótese de uma certa tendência para a progressão no karaté do primeiro ao
quarto quadrante, que progressivamente vai despertando o praticante para a
dimensão horizontal, incrementando na taxa de aprendizagem uma taxa de
mudança, que o desperta para a realidade extra estilo, marcadamente
horizontal.
Explorámos o modelo transversal interpretativo da institucionalização do
Karaté, (mesoscópio) que chama à atenção para a necessidade de visão
macroscópica interpretativa da dimensão horizontal e de uma visão
microscópica na interpretação vertical.
Nesta perspectiva mesoscópica desenvolvemos o nosso estudo
empírico que tenta compreender a posição da comunidade intencional no
karaté relativamente aos movimentos horizontais desenvolvidos pela FNK-P,
nomeadamente desde 1995 com a formação horizontal única de treinadores de
Karaté, ao mesmo tempo que organiza um quadro competitivo horizontal.
Lançámos como problema do nosso estudo: o nível de
concordância com uma organização horizontal da modalidade relaciona-se com
a idade, a graduação e o nível de formação dos treinadores de Karaté?
85
Após a análise estatística da relação entre as variáveis,
concluímos que essa relação, pela percentagem de erro que se evidencia na
maioria dos itens relacionados, nas várias hipótese colocadas, não é
estatisticamente significativa para se poder concluir que a relação entre as
variáveis não é fruto do acaso. Todas as hipótese nulas apresentadas na
metodologia foram confirmadas, pelo que concluímos que o nível de
concordância com uma organização horizontal da modalidade não se relaciona
com a idade, a graduação e o nível de formação dos treinadores de Karaté nos
distritos de Aveiro, Guarda e Viseu.
No entanto salientamos que se verificou uma relação positiva
estatisticamente significativa no item referente aos níveis de decisão das
associações distritais e de estilo, que significa que à medida que a idade
aumenta, aumenta o nível de concordância com a diferenciação dos níveis de
decisão das respectivas associações.
Verificou-se também uma relação positiva entre o item associação
distrital e os níveis de concordância, na relação formação/níveis de
concordância, que apesar de uma margem de erro de 6% que não nos permite
confirmar a sua significância, demonstra que à medida que aumenta o nível de
formação, aumenta o nível de concordância com uma associação distrital da
modalidade.
Possuímos outros dados relativamente a uma outra amostra que
poderão ser alvo de estudo numa futura investigação.
86
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Fundação Calouste Gulbenkian.
88
6. ANEXOS
6.1. Anexo 1 (QUESTIONÁRIO)
ANÁLISE INSTITUCIONAL DO KARATÉ
NA REGIÃO CENTRO DE PORTUGAL
No âmbito da disciplina de Seminário, do curso de Educação Física da
Escola Superior de Educação de Viseu, pretendemos realizar um estudo sobre
a organização institucional do Karaté na região centro do país. Assim, vimos
solicitar a sua colaboração no preenchimento deste questionário. Os dados
recolhidos são única e exclusivamente para fins da presente investigação.
O questionário é anónimo e as respostas são confidenciais. O seu
contributo é muito importante.
José Alberto Santos
INSTRUÇÕES PARA PREENCHIMENTO
Ler com atenção a pergunta colocada.
Assinalar as respostas pretendidas com uma cruz no quadrado respectivo,
podendo existir mais que uma escolha por questão.
A ausência de resposta significa que a situação não se aplica ao seu caso.
Escrever números e letras (maiúsculas) bem legíveis.
Conceitos chave:
Dojo – Centro de Prática de Karaté / Clube – Formalmente registado no
Registo Nacional de Pessoas Colectivas / Associação – Agrupamento de
Dojos e/ou Clubes sócios da FNK-P / Federação – FPK, FPKDA, FNK-P,
EKU/EKF, WUKO/WKF / Juiz de Graduação – Técnico com competência para
atribuir Graduações por uma organização de Karaté (nacional – quando
reconhecida pela FNK-P – ou internacional – quando reconhecida pela
organização de Estilo de vínculo internacional) / Estilo – Escola referencial de
prática de Karaté que pode ter várias Linhas
IDENTIFICAÇÃO
Sexo: M  F 
Idade: _____
Habilitação de Treinador: Sem formação 
Treinador Monitor 
Treinador Nível I 
Graduação: _____Kyu / ____ Dan
Treinador Nível II 
Treinador Nível III 
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A – CARACTERIZAÇÃO DO DOJO/CLUBE
CONCELHO: ____________________DISTRITO: _____________________
1. Tipologia:Vários Estilos ...... Um só estilo ........ Regional ...... Nacional
2. Vínculos de Estilo: .. Nacionais............ Internacionais ................ Japão
3. Estilo Karaté (Ryuha)
|________________________________________________|
4. Linha de Estilo (Kaiha)
|_______________________________________________|
5. Nº Praticantes |_______________|
6. Nº Competidores Federados
|__________|
7. O DOJO/CLUBE tem um número de identificação de pessoa colectiva
(NIPC)?
Não
Sim
B – PRATICANTES
1. O seu DOJO/CLUBE utiliza um sistema de graduações dan/kyu dos
praticantes de Karaté?
Não
Sim
(Se respondeu não, passe para a parte C)
2. O sistema de progressão usado vai da entrada pelo |_____| Kyu até ao
|_____| Dan
3. Qual a graduação máxima já atribuída pela seu clube? ........... |___________|
4. Os níveis de responsabilidade pelos exames de graduação de cinto negro
passam por:
Juiz Individual de Graduação
Painéis de Vários Juízes de Graduação
Dojo/Clube Nível Regional
Nível Nacional
Nível Internacional
Assembleia Geral da Associação
Conselho Técnico Associação
Direcção da Associação
Departamento Técnico da Associação
Outros:
|_____________________________________________________________|
|_______________________________________________________________
______|
90
5. Os níveis de responsabilidade pelos exames abaixo da graduação de cinto
negro são:
Juiz Individual de Graduação
Painéis de Vários Juízes de Graduação
Dojo/Clube Nível Regional
Nível Nacional
Nível Internacional
Assembleia Geral da Associação
Conselho Técnico Associação
Direcção da Associação
Departamento Técnico da Associação
Outros:
|_____________________________________________________________|
|_______________________________________________________________
______|
91
C – JUIZES DE GRADUAÇÃO
1. Acha importante a criação de um departamento de formação de juízes de
graduação na FNK-P?
Não
Sim
2. O seu DOJO/CLUBE utiliza um modelo formal próprio para a formação de
Juízes de Graduação dos praticantes de Karaté?
Não
Sim
(Se respondeu não, passe para a parte D)
3. SE RESPONDEU SIM. CARACTERIZE-O.
Denominação
Pré-Requisitos
Pode Graduar Até
D – TREINADORES
1. A sua Associação utiliza um modelo formal próprio para a formação
específica de Treinadores de Karaté?
Não
Sim
2. Indique o número de treinadores (FNK-P) no seu CLUBE/DOJO:
Treinadores Monitores: _____
Treinadores Nível I: ___
Treinadores Nível II: ___
Treinador Nível III: ___
92
E – COMPETIDORES
1. Existem competidores no seu DOJO/CLUBE?
Não
Sim
(Se respondeu não, passe para a parte F)
2. Indique os níveis de participação nas últimas três épocas:
 Local/Dojo
 Inter – Dojo
 Regional (Interno à Associação)
 Regional FNK-P
 Nacional (Interno à Associação)
 Nacional FNK-P
 Internacional (Interno ao estilo)
 Internacional EKF/WKF
3. Qual o melhor resultado obtido pelo seu clube ao nível FEDERADO?
|_______________________________________________________________
_____|
F – TÉCNICOS DE ARBITRAGEM
1. O seu CLUBE/ASSOCIAÇÃO utiliza um modelo formal próprio para a
formação específica de Técnicos de Arbitragem de Karaté?
Não
Sim
2. Indique o número de técnicos de arbitragem (FNK-P) no seu clube:
Oficial de Mesa: ___
Juiz Regional Kumite: ___
Juiz regional Kata: ___
Juiz Nacional Kumite: ___
Juiz nacional Kata: ___
Arbitro Regional Kumite: ___
Arbitro Regional Kata:___
Arbitro Nacional Kumite: ___
Arbitro Nacional Kata:___
93
G – ORGANIZAÇÃO DA MODALIDADE
Cada uma das afirmações que se segue exprime uma opinião em relação à
organização da modalidade. Indique, por favor, o nível de acordo entre a
opinião expressa em cada afirmação e a sua própria opinião, fazendo um
círculo sobre a designação abreviada que escolher, junto de cada afirmação:
AT = Acordo Total; A= Acordo; I = Indeciso; D = Desacordo; DT = Desacordo
Total.
Não há respostas certas ou erradas. O nosso interesse consiste apenas em
saber como é que percepciona cada uma das afirmações.
1. É importante haver uma estrutura distrital da
modalidade, tipo Associação Distrital Inter estilos/linhas.
AT
A
I
D
DT
AT
A
I
D
DT
3. É importante estabelecer um quadro competitivo
distrital.
AT
A
I
D
DT
4. É importante estabelecer exames de graduação
federados a nível distrital/nacional.
AT
A
I
D
DT
5. É importante participar em estágios e eventos
promovidos por outra Associação de Estilo/Linha.
AT
A
I
D
DT
6. O estatuto de praticante deve ser diferente do estatuto AT
de competidor.
A
I
D
DT
AT
A
I
D
DT
AT
A
I
D
DT
AT
A
I
D
DT
AT
A
I
D
DT
2. É importante manter a estrutura associativa do estilo.
7. O praticante gradua-se em Kyu/Dan, o competidor
classifica-se em níveis Distritais/ Regionais/ Nacionais/
Europeus/ Mundiais.
8. Em questões federativas (FNK-P), na altura de votar,
a associação com maior número de praticantes e maior
número de competidores, é também a que deve ter
maior poder de decisão.
9. As associações de estilo devem decidir
fundamentalmente sobre questões relacionadas com os
praticantes e graduações. As associações
distritais/regionais devem decidir sobre questões
relacionadas com os competidores e classificações.
10. Os praticantes inscrevem-se nas associações de
estilo, os competidores inscrevem-se nas associações
distritais/regionais e ambos os grupos na FNK-P.
Muito Obrigado pela Colaboração.
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