Revista Gente de Palavra 1

Transcrição

Revista Gente de Palavra 1
fanzine
n
o
1
o começo de um novo começo
Ana Beise Benette Bacellar Cláudia Gonçalves Chrisellen Vieira Conceição
Hyppolito Cristina Martim Branco Germana Zanettini Júlio Alves Julio Urrutiaga
Almada Lota Moncada Marizélia Finger Michelle Hernandes Neli Germano Renato
de Mattos Motta Ronaldo Werneck Scyla Bertoja Zaira Cantarelli Ezra Pound
o começo de um novo começo
01
Thetan
habita-me o mistério
profunda alcova
de vertigem e remanso
perfume nômade
nos poros pele pelos
mulher platônica
mente espírito corpo
onde encontro
vestígios da irônica
é hora de ir
ela não vai
Benette Bacellar
Homem Fora de Série
meu amor é um homem que não sabia que existia
tampouco que me habitaria
meu amor é um homem que não possui cavalo branco
não veste armadura de ferro, não duela versos
meu amor é um homem fora de moda
fora do sério, fora de série
e dentro de mim
meu amor é um bem durável
vem com sentimento reciclável
argumento palpável de me fazer dizer sim
meu amor é boca quente, olhar serpente
céu sem fim
meu amor é todo meu
e o que é meu
não é de mais ninguém
além de mim
Chrisellen Vieira
02
I
Noite de São João
lua cheia no céu
é balão
II
No jardim
menina chora
perdida em mim
III
Quinto andar
quint an ar
- pausa verde
IV
Guarda chuva em guarda
ventania levanta
Mary Poppins no ar
Conceição Hyppolito
Estranho seria
se eu não sentisse
essa paixão pela vida
da maneira mais exaltada e inquieta
que me é possível
que não me permite o sossego
dos que assistem
a vida passar pela janela
Estranho seria
eu não me excitar
com o toque distraído
da mão na minha pele
desencadeando uma onda de choques
pelo corpo todo
esperando muito mais
daquele momento
Estranhos os meus sentidos
que não são sentidos
vibrando em faixas diferentes
tentando se comunicar
encontrar uma sintonia
limitados à razão
que pesa
Cristina Martim Branco
03
Inscrição
para uma Mesa
de Bar
Nunca diga
Desta mágoa
Não beberei
Germana Zanettini
agora estou bem
em meio a teus
pequenos lábios
os grandes
deliciosamente
já me engoliram
Julio Alves
04
Poemas Mal_Ditos
Um poeta em seu reino dos céus
Tem sempre esse inferno particular:
Se cortando na sutileza dos véus
Olha no olho do que há a revelar
Vê claro o que claramente oculto
É o mais escondido dos tesouros.
logo o acusam de estar em surto
ao dançar com a alma dos touros.
Chega de promessas do paraíso
repleto de prazeres artificiais.
Escrevo uma dor ácida e aviso:
sou o menos morto dos mortais!
Vestido com a ousadia nua:
Como flor de lótus nos funerais.
Quero a tinta que a beleza sua
E deitar vivo, aonde a vida jaz.
Julio Urrutiaga Almada
Pretendo um Poema
Às vezes pretendo um poema.
Um bem pequeno, suave,
um poema diurno, solar,
que translúcido e sem medo
mostrasse a miúda aquarela
que ainda resta.
Pretendo, às vezes, variar.
Escrever sem palavras,
dizer sem falas, ser lida no olhar,
sem esforço nem nariz franzido,
ar desenxabido de quem não viu,
não sentiu, mas não gosta.
Ai, quem me dera, pretender pirueta.
Não ficar à espera de esquecer o lastro,
sem sobressalto escancarar o flanco,
jogar a âncora fora, navegar singela,
e já sem terra à vista - e só então pretender um poema.
Um pequeno, um doce, um claro poema.
Lota Moncada
05
Bruxas
Cada qual carrega em si
uma bruxa escondida
de natureza ousada
é sombra dos próprios passos
que nos persegue atrevida
há bruxas dissimuladas
que jamais se mostram inteiras
atrás de um sorriso falso
vivem mal-humoradas
são fingidas e faceiras
outras são intransigentes
não aceitam nem relevam
as fraquezas de ninguém
como se – por acaso nunca errassem também
dando os piores conselhos
nos tropeços da jornada
a bruxa quer nos deter
com raiva – tristeza – mágoa
que nos faz esmorecer
mas será perda de tempo
negar sua existência
(pois ela é força e mistério)
o sábio – sábio tornou-se
ao compreender sua essência
e ao descobrir a alquimia
de torná-la aliada
usar seu poder e magia
nas duras empreitadas
com que nos presenteia a vida.
Marizélia Finger
06
no terminal
sentado, ele ria - ria muito
nada via - e ria
roupa rosto sapato em fatias
dentes grandes - olhar estreito
agachando-se em sua caixa de engraxate
de cu pras estrelas
a-dor-mecia
Neli Germano
Litania do Cetro
Cetro que traz em si a semente
única que pode brotar em meu solo
Tende piedade deste corpo que te deseja
Cetro que faz desabrochar minha flor
e dela faz verter o nectar que inebria o homem
Tende piedade deste corpo que te deseja
Cetro que faz-me cair na mais profana tentação
Tende piedade deste corpo que te deseja
Cetro por que fico de joelhos
e em minha boca recebo o elixir da vida
Tende piedade deste corpo que te deseja
Cetro que me põe de quatro ante tua face
e faz-me com júbilo receber-te em meu ventre
Tende piedade deste corpo que te deseja
Cetro que verte o leite
que sacia minha sede
Tende piedade deste corpo que te deseja
Oração:
Glória e louvor a ti, Cetro, que leva-me às alturas
Habita sempre o caldeirão fervente
de tua serva eterna.
A luxúria será nossa aliança.
O pecado será nossa chama.
Teu templo será meu corpo.
In nomine oris, et cunnus et cūlus.
Benedictus sceptrum phallicus semper erectum.
Amem. Amém.
Michelle Hernandes
07
Melodia para
Pound
o afã da melopéia
mela versos pelo dia
precisa que a fanopéia
fale à vista, vista idéias
que invista sem ser fria
na lógica logopéia
pra que nasça poesia
Renato de Mattos Motta
maCio
para Daniela Aragão
terra molhada terra tecer
esse corpo só esse ser geo
graficamente aqui a meu lado
amor maCio amor melado
Ronaldo Werneck
08
Conflito
de Estações
Na madrugada
chuva sem trégua
encharca o solo sedento
dos jardins
O exército de margaridas
verga sob violentos ventos
da estranha primavera
No leito
dores secretas afloram
e eu inverno.
Scyla Bertoja
Poção Mágica
Dos lábios
pingam beijos cintilantes
O batom úmido escarlate
despeja sensualidade
a blusa de seda
ofegante
arde em seios à mostra
taças de cabernet
me maculam.
Zaira Cantarelli
09
A Balzaquiana
Ana Beise..
Tinha um rosto estranho
Poucos amigos
E uma tela para pintar
Vivia sua vida
Já acostumada
Com a falta de histórias para contar
Em casa, sozinha
Perdia as tarde
A olhar, pela janela, a vida passar
Não que fosse feia
Tampouco muito bela
O espelho gosta de enganar
Cantava para os cães
A canção que inventou
Sonhando um dia um filho embalar
Bebia Bourbon
Sem gelo
Só a tristeza para acompanhar
Sentia o tempo esvair-se
Em horas vazias
Sem nada aproveitar
Não sorria
Nem chorava
Não queria sentimentos demonstrar
Mas esperava
Todo dia
Um grande amor encontrar
Hoje, Balzaquiana
Pinta a cara
Sai para dançar
Já na rua
Canta alegremente
Sozinha a caminhar:
Vem cá, me dá um beijo
Deixa desse jeito
Eu não vou fazer nada que você não vá gostar.
10
SAUDAÇÃO SEGUNDA
Fostes louvados, meus livros,
porque eu acabara de chegar do interior;
Eu estava atrasado vinte anos
e por isso encontrastes um público preparado.
Não vos renego,
Não renegueis vossa progênie.
Aqui estão eles sem rebuscados artifícios,
Aqui estão eles sem nada de arcaico.
Observai a irritação geral:
"Então é isto", dizem eles, "o contra-senso
que esperamos dos poetas?"
"Onde está o Pitoresco?"
"Onde a vertigem da emoção?"
"Não ! O primeiro livro dele era melhor."
"Pobre Coitado ! perdeu as ilusões."
Ide, pequenas canções nuas e impudentes,
Ide com um pé ligeiro !
(Ou com dois pés ligeiros, se quiserdes !)
Ide e dançai despudoradamente !
Ide com travessuras impertinentes !
Cumprimentai os graves, os indigestos,
Saudai-os pondo a língua para fora.
Aqui estão vossos guisos, vossos confetti.
Ide ! rejuvenescei as coisas !
Rejuvenescei até The Spectator.
Ide com vaias e assobios !
Dançai a dança do phallus
contai anedotas de Cibele !
Falai da conduta indecorosa dos Deuses !
Levantai as saias das pudicas,
falai de seus joelhos e tornozelos.
Mas sobretudo, ide às pessoas práticas Dizei-lhes que não trabalhais
e que viverei eternamente.
Ezra Pound
(tradução de Mário Faustino)
11
prelúdio
em um dia branco
alva era a flor
que o perfume trazia
em sulcos profundos
embriagando sentidos
rasgando caminhos
enquanto
à esperança gritava
- tecendo
novelos do tempo
que queria encontrar
asas pra fugir
do intenso escuro
que em malas
guardava
sonhos sem janelas
Cláudia Gonçalves
12
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