Enciclopédia dos animais e dos homens Jakob

Transcrição

Enciclopédia dos animais e dos homens Jakob
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Animais."
e dos Homens
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LBL
ENCICLOPÉDIA
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A Enciclopédia LBL será uma autêntica enciclopédia do saber contemporâneo e não apenas uma colecção de
divulgação científica. Através de uma
série de livros de pequeno formato..
. seleccionada por um escol intelectual
da. mais alta categoria,
e incluindo
estudos da maior importância, escri.
\
tos pelos mais ilustres e internacionalmente
respeitados
especialistas,
a Enciclopédia LBL porá a ciência do
século xx ao alcance de todos. Cada
volume conterá,
assim, as últimas
aquisições da investigação e do conhecimento humanos.
f'
7/i
. I
jAKOB
VON
UEXKÜLL
Dos Animais
e dos Homens
LBL
Digressões pelos seus mundos próprios
ENCICLOpEDIA
A
Ciência
do Século
ao
alcance
de t od os
Doutrina do Significado
xx
Tradução
Alberto
de
Candeias
e
Anibal
Garcia
Pereira
LIVROS DO BRASIL . LISBOA
DIRECTOR CIENTfmco:
íNDICE
Prof. Ernesto Grassi, Munique
CONSELHO CONSULTIVO:
lJ M PRECURSOR
Franz AItheim, Berlim I Henri Bedarida, Paris-Sorbonne / RI'I1Nt
Benz, Marburgo / Carl J. Burckhardt, Basileia / Enrico Castell/]
Roma I Francisco Javier Conde Garcia, Madrid / Alois D 'mpl,
Munique I Mircea Eliade, Bucareste-Paris / Vicente Ferreira da
Silva, São Paulo I Hugo Friedrich, Friburgo I Hans-Georg Gadamer,
Heidelberga I Eugenio Garin, Florença I Adolfo Gomes Lassa, Sautiago do Chile / Juan Gomez Millas, Santiago do Chile I Henri Gouhi 't:,
Paris-Sorbonne / Rudolf Grossmann, Hamburgo / Romano Guardini,
Munique I Hermann Heimpel, Catinga I Georg Henneberg, Berlim /
M. P. Hornik, Oxónia I Ernst Howald, Zurique I G. Frhr. v. Kaschnitz-Weinberg, Francfort-Roma / Karl Kerényi, Zurique I Lawrencc
S. Kubie, rale / Pedro Lain Entralgo, Madrid / Karl Loewith,
Heidelberga / Arthur March, lnsbruque / Hans Marquardt, Friburgo /
Adolf Meyer-Abich, Hamburgo / Alexander Mitscherlich, Heidelberga / J. Robert Oppenheimer, Princeton I Walter F. Otto, Tubinga /
Enzo Paci, Pavia / Massimo Pallottino, Roma / Adolf Portmann,
Basileia I Emil Preetorius, Munique I Hans Rheinfelder, Munique /
Salvatore Riccobono, Roma I David Riesman, Chicago / J an Romein, Amsterdão / Fritz Schalk, Colónia I Helmut Schelsky, Hamburgo / Gunter Schmõlders, Colônia I Percy Ernst Schramm, Catinga / Hans Sedlmayr, Munique / Wilhelm Szilasi, Friburgo I Giuseppe Tucci, Roma / Thure von Uexküll, Giessen / Giorgio dei
Vecchio, Roma / Centre International des Etudes Hurnanistiques,
Roma / Centro Italiano di Studi Umanístici e Filosofici, Munique
/
DA NOVA BIOLOGIA
A AUTONOMIA DO SER VIVO-CICLO-DE-FUNçÃO E MUNDO-PRÓPRIO- OS«PAPÉIS DASCOISAS
NO CENÁRIO DA VIDA; O ESTUDO DO SEU SIGNIFICADO-O
MUNDO-PRÓPRIO E O HOMEM-NA
SENDA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO-A
INVESTIGAÇÃO PROSSEGUE-O
DIGRESs'ÓES
PELOS MUNDOS-PRÓPRIOS
r.
.
OS ESPAÇOS DOS MUNDOS-PRÓPRIOS-= 2. O
os
- 5.
Direitos reservados pela legislação em vigor
Edição feita por acordo com. a
ROWOHLTS DEUTSCHE ENZYKLOPADIE
20
INTR.ODUÇÃO
A
PERCEPÇÃO
MUND0S-PRÓPRIOS
FORMA
E
-7.
TEMPO
ELEMENTARES
FINALIDADE E PLANO
IMAGEM-PERCEPTIVA
TORA-S.
DO
MOVIMENTO COMO SINAIS
CARACTERÍSTICos-6.
Capa de Karl Grõning Jr. I Gisela Pferdmenges
DO RO-
MEM E DOS AL'l"IMAIS ..•.................................
-4.
STREIFZUGE DBRCH DIE UMWELTEN VON TIEREN UND MENSCHEN
PROBLEMA DA
ORGANIZAÇÃO SEGUNDO UM PLANO
HORIZONTE-3.
Título da edifão original:
7
E IMAGEM-EFEC-
O CAMINHO APRENDIDO-g.
E PÁTRIA-IO.
O COMPANHEIRO-
-PRETENDIDA
E TEOR-PRETENDIDO-
MUNDOS-PRÓPRIOS
LAR
I I. lMAGEM-
IMAGINÁRIOS -
12.
OS
13.
O
MESMO SUJEITO COMO OB]ECTO EM DIFERENTES MUNDOS-PRÓPRIOS- 14. CONCLUSÃO
23
DOUTRINA
L
DO SIGNIFICADO
.
OBJECTOS SrGNIFICANTES-2.
PRIO
E
REVESTIMENTO PROTECTOR -
TEIA
MORFOGENÉTICA E
6.
DE
LEI
3.
LEI
DO SIGNIFICADO-
A LEI DO SIGNIFICADOCOMO ELO DE LIGA-
çÃO ENTRE DUAS LEIS ELEMENTARES-7.
A
DOUTRINA DA «COMPOSIÇÃO» DA NATUREZA
-8.
A TOLERANCIA DO SIGNIFICADO-9.
TÉCNICA DA NATUREZA PONTO,
10.
A
O CONTRA-
CAUSA DETERMINANTE DA CONSTI-
TUIÇ'ÃO DA
FORMA- I
r.
O
PROGRESSO-
12. RESUMO E CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
À EDIÇÃO
EXPLANAÇÃO
ENCICLOPÉDICA
I'; (I lJ R fi
R
DA
NOVA
ORIGINAL
.
180
A bra de Jacob von Uexküll veio a ter resultados fecundos
lias id ias e nas tarefas da biologia actual. As investigações dos
nossos dias falam de mundos-próprios dos animais no sentido particular
que Uexküll atribuiu a este conceito e apresentam ciclos-de-função
do ser vivo exactamente como ele no-los tinha definido em dezenas
de anos de labor intenso. Se hoje encaramos os fenómenos da
vida, não só como causa de certos efeitos mas também como
partes componentes de um conjunto pré-existente, devemo-lo
principalmente ao seu trabalho.
A nova geração que agora começa a trabalhar já não teve
oportunidade de o conhecer e quase não mantém com a sua obra
relações directas. Uexküll morreu durante os anos negros do fim
da Segunda Grande Guerra e, na confusão desse período, muitos
investigadores se esqueceram de quanto ficaram devendo a esse
homem que foi, simultâneamente, um grande biólogo e um génio
de forte personalidade. Vamos acompanhar a elaboração e a
influência desta obra notável, para entrarmos depois na própria
natureza dos dois trabalhos mais recentes, reunidos neste volume.
.
A AUTONOMIA DO SER
ACERCA DO AUTOR
LISTA DOS ESCRITOS
UEXKULL
íNDICE
vrvo
192
E LIVROS
DE JAKOB
......................................................
DE ASSUNTOS
BIOLOGIA
A
A INTER-
ARANHA-S.
11MI'l
por Adoif Portmann
MUNDO-PRÓ-
UTILIZAÇÃO DO SIGNIFICADO-4.
PRETAÇÃO DA
Il3
195
.
200
O que Uexküll trouxe de novo ou simplesmente aprófundou,
a partir de investigações já feitas, teve o seu início na última
década do século passado, nos anos que se seguem imediatamente aos sugestivos estudos de Hans Driesch. As experiênciasde Driesch com as primeiras formas embrionárias do ouriço-do-mar
tinham revelado particularidades de desenvolvimento que deixavam transparecer nitidamente a autonomia do ser vivo e contribuíram também de maneira definitiva para que, na-busca de
uma interpretação do ser vivo, se afirmasse, com nova força,.1!p~ da interpretação mecanista do~nte,
a outra 'ossibilida e:
o~tf!Jismo. Se, daí em diante, caem em desuso os termos mecanismo e viiãlismo, por se ter reconhecido amplamente a existência
de uma autonomia relativa, de uma independência, do ser vivo,
7
I 11111" !li 1"1111 11' I" 10 I; () importante deu larga contribuiçí ()
11•.I"lho C'dadol'
ele j acob Ucxküll,
1\ sua obra foi muito particularmente sugerida pela vida
do] animais marinhos. E é mais uma vez a utilização genial deste
campo das formas animais marinhas que lhe revela novos factos
acerca da função dos músculos e nervos e das relações com o
meio. Os movimentos d03 espinhos do ouriço-da-mar, os movimentos das lapas ou ela medusa, o estímulo da sombra que actua
no ouriço-do-mar, a maneira como os vermes ou os espatangóides
se ocultam na areia, a observação da vida dos chocos
e das lagostas-cada um destes estudos é um raio de luz que ilumina as densas trevas da vida marinha.
Já nestes primeiros trabalhos de fisiologia se desenham os
contornos de uma concepção de organismo que está em flagrante
oposição com as ideias ainda largamente aceitas no seu tempo,
que vêem no organismo o resultado de processos ocasionais de
transformação, dos quais a selecção natural manteve os favoráveis,
permitindo assim a evolução das formas vivas.
Desde o princípio, Uexküll dirige a atenção do observ.ador
para as propriedades superrnecânicas da matéria viva, para o
facto misterioso de que no organismo adulto se nos apresenta
um todo organizado segundo um plano. Nós verificamos, impressionados e surpreendidos, que este plano já actua no óvulo e
continua no desenvolvimento individual deste. Uexküll já tinha
mostrado há muito, em expressivas descrições, o que existe de
extraordinário na matéria viva, no protoplasma. Esta necessidade
de expor com clareza impeliu-o toda a sua vida para o género
de comunicação mais capaz de atingir um largo círculo de pessoas
interessadas no assunto. Tornou-se um mestre na exposição arguta
e incisiva da sua concepção da natureza. Era-o na explanação
oral e é-o também, com igual vigor e poder de sugestão, nos
seus escritos. O nunca se ter integrado nas verdadeiras actividades
da ciência académica retardou, porventura, a expansão das suas
ideias no campo espiritual da Universidade, mas permitiu, por
outro lado, que tirássemos proveito de muitos trabalhos seus,
estimulantes e combativos, que POSSIvelmenteseriam incompatíveis
com a faina do ensino.
CICLO-DE-FUNÇÃO
E MUNDO-PRÓPRIO
li
e)
A concepção de ser vivo, de Uexküll, encontrou a sua integral
planação nas obras Umwelt und Inncnuielt der Tiere, 1921 e Theorfli.!dle Biologie. A primeira trata com mais por~eno~ da obsernção de factos particulares da vida das mais diversas formas
nimais; a segunda, mais abstracta, é uma tentativa para ajustar
estudo da vida animal, p2::incip~mente com a..l2Q~k~~
~ "
inspirada em ~ant.
exküll tem o seu lugar histórico na s~ão
~_antig~ querela _.
travada à volta das concepções meconista e vi/alista do ser vivo.
Pe a influência da época, da 7scola, c d; natureza fisiológica cio
trabalho, est.á ligado de várias maneiras-e mais solidamente do
que ele próprio era capaz de ver- à interpretação mecanista,
para a qual, aliás, era solicitado pelo mais íntimo do seu ser.
Verifica, assim, como eminente fisiólogo da vida animal inferior,
as grandes possibilidades da simplificação mecanista, que concebe,
por vezes, como mecânico cada um dos sistemas da vida animal.
Ele considera como maquinismos as estruturas mais evoluídas.
Assim, para ele, «a amiba é menos maquinismo que 0 cavalo»
porque dispõe de menos estruturas adultas. Finalmente, Uexküll
também se aproxima da interpretação mecanista qttando isola a
substância e_a,concebe como dirigida l20ru!ruÚ9I!!!a de actividade I
não dimensional. São pois os «impulsos»-agentes não espaciais
de"'ôCõITências espaciais - que, por um processo morfogenético
conferem à ~bst~cia
uma 5<9E!exturamecânica. O protoplasma,
como um todo, é sempre supermecânico,
Na luta que travou por esta concepção, UexküIl emparelha
com Hans Driesch. Mas' em breve se manifesta a originalidade
tias suas investigações, quando, no núcleo do seu trabalho, se
começa a levantar, a cada passo, uma questão soberana: ~o
deve então entender-se a relação entre o ser vivo' e o meio ue o
circunda. A partir de 1910, co-;;eça tan:i"béma expor, de ~aneira
ma~isiva,
as suas ideias fundamentais, com que ajudou a
formar, tão decididamente, a biologia dos tempos futuros. Duas
dessas ideias directrizes vieram a tornar-se particularmente importantes.
UexküIl verificou uma correlação estrutural, já existente no
óvulo, entre o corpo do animal e certos factores do ambiente,
.,..
...
sejam estes de natureza inanimada, organismos ou até inimigos
e chamou a essa correlação «ciclo-de-função». O ambiente tem
>
---- ----_
(I)
8
Ouriços-do-mar de simetria bilateral.
-----
9
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111 1110 I '"11 1/ unhi mie, elas estão já determinadas segundo
1111 IId"eI, <
111 usidade,
por estruturas previamente organizadas.
() diversos cielos-de-função, no seu conjunto, determina/li
11Il1I1 s .cção de propriedades com significado na vida do anim J.
Elas são, no âmbito mais largo da natureza, a parte que no cas
respectivo forma o ambiente limitado e típico de uma espécie animal.
os
«PAPÉIS»
DAS COISAS NO CENÁRIO DA VIDA;
O ESTUDO DO SEU SIGNIFICADO
Na vida animal, as coisas são portadoras de significados, têm
r--a éis a desempenhar. Ao referir-se a este facto potencial
, e real, U exküIl revelou à investigação biológica um aspecto do
ser vivo que, nas Ciências Naturais do século XIX, alguns tinham
votado a inteiro esquecimento e outros simplesmente banido,
como não científico, do domínio dos estudos biológicos.
Guiados por UexküIl, encontramos circunstâncias que•. não
pode~ar,
reduzidas a medidas e números, numa explicação
matemática da natureza, circunstâncias que dizem respeito a
um aspecto da vida que é complementar de todas as conclusões
obtidas por métodos quantitativos. ~~
das qualidades
experimentadas, com as suas cores e formas, os seus sons e aromas,
as suas dores e os seus prazeres, aparece então como o objecto
primacial da investigação biológica. C~xküIl,
o sujeito
percipiente é tomado, pela primeira vez, como objecto de inves~o
positiva. Neste ~lUndo comp~e~en,tar, torna-se, e.sse~ci~l
\
o que no outro não passa de secundano; e, pelo contrario, mSIgnificante o que ali se tomava como decisivamente importante.
Sucede assim, ser indiferente no mundo dos sujeitos se uma cor,
como, por exemplo, o azul do céu, depende do carácter de uma
combinação química ou se resultou de determinadas estruturas
físicas. O importante, neste mundo, é que o azul se apresenta
como fenómeno experimentadO e que, como tal, .2:.esempe~ha
no cenário da vida yapéis diversos e rigorosamente determinados.
--Ecom
que sagacidade dirige UexküIl esta introdução do
sujeito na biologia! Ele afirma que as coisas do ambiente possuem
'>
1 nela
10
prático, quer dizer, que lhes pertence, conforme
(llp<,l, uma qualidade que nós verdadeirarnenje não conheIII()~
110 H( U conteúdo subjectivo mas cuja actividade é possível
11 ('<,mil' através do comportamento do animal. Com o rel~vo
c1ulll a sta tonalização dos objectos inicia-se uma orientação
111\ inv stigação
que teve finalmente de reconhecer, como uma
daR últimas realidades biologicamente inteligíveis, o complemento
I' a correspondência
interiores dessa tonalização: a dispogção
fntimª,<-111I 11)111 1111 «tI:()J"»
• li
A tonalização, atribuição dos teores, eis uma das primeiras
veriflcãções no caminho da subjectividade oculta. Uexküll
remonta, muito conscientemente, ~de
---- - biólogo Joh. Müller
.
(I ~5.ê1 cuja concepção da vida comentou mais tarde com
desenvolvimento e cujo conceito de energia específica dos sentidos
cedo se revelou um pode~estímulo
no seu pensamento. «Qualquer que seja o meio por que se excite um olho»-escreve Müller
-«seja
ele esfregado, puxado, comprimido, galvanizado ou
receba estímulos que de outros órgãos lhe são transmitidos por
simpatia, em resultado de todas estas causas diferentes, como se
se tratasse de causas idênticas, meramente estimulantes, ~
óptico~ ~
re _~fectado sob a form~ ~ ~nsaçã0...l!E.!linosa,
considerando-se a si próprio mergulhado na escuridão, quando
~_repouso.~Ta~ém
cedo exküIl .acentuolL2.pape~tado
interior» como um dos fáCtores decisivos para a tonaliza ão das
'coisas do mundo-próprio. Limit~tão
o c2ncelto a disposição
~às
influências naturais no equipamento mterno e define-o
'pela designação de «~içã0.....5!.uímica».
---
O MUNDO-PRÓPRIO
E O HOMEM
A doutrina de Uexküll ~rca
do mundo-próprio, caracterí~ticoCfeCãda espé..cie-.amm<!bveio a constituir uma parte fundamental da biologia moderna mas a extensão que o autor
fez da sua doutrina até o homem foi, desde o início, justamente
contestada. Como a digressão aqui publicada conclui com uma
aplicação pormenorizada desta doutrina ao homem, é necessário
que nos detenhamos por um momento neste caso limite .
O que há de fundamental na teoria do mundo- róprig,. de
UexküIl, é que, segundo e a, es;:e-mund"O-Próp;:iotem_paLê um
gato, para u~ ~alo
ou um, macaC9,~SJ.la forma específica, não
11
obsianrc as ~cteris.1icas
comuns_ de mmuíferos. Do mesmo
modo, é também específico o mundo da gralha, o da galinhade-água, o do falcão, apesar das suas características comuns de
aves. Trata-se de uma particularidade qereditária, tipicamente
específica, invariável. Se no mundo do cão ou no do papagaio
que habita connosco o mesmo quarto podem aparecer coisas
do mundo do homem, elas transformam-se em coisas do papagaio
ou do cão, com as suas tonalidades inteiramente próprias. Mas,
para ilustrar o seu conceito de mundo-próprio, Uexküll também
põe em relevo o mundo diferente em que, separadamente, se
mov~_cada pessoa e mostra, com o exemr:>loda' árvore,,S,omo a
(' mesma coisa toma, co~~nte o g~nero de vida da pessoa, tonaI lidades abso~entc
difr.r~ntes. Aqui, escapa-lhe, no entanto,
\ ürn'pórmenor: que todas essas maneiras diversas de ver o mundo
'\ !azem parte de um munão 'comum à espécie, que é possível uma
compreensão desses vários mundos-próprios da mesma espécie,
que é possível, enfim, ~rem
contrastes de interpretação.
Estas esferas de afinidade do mundo do homem, nas quais
\
se incluem os mundos individuais com as suas peculiaridades
-grandes peculiaridades como Uexküll e nós próprios reconhecemos-esta
amplitude da possibilidade fundamental de compreensão cria uma situação particular para o homem. Por muito
acentuados que se considerem os contrastes dos mundos humanos,
filhos da tradição ou das diferenças de factores hereditários, o
certo é que todos se contêm na mesma esfera. Toda a poesia vive
da representação dessas variadas maneiras de ver o mundo e
das suas coincidências. Mas precisamente a poesia assenta no
princípio da última possibilidade de compreensão dos outros.
~
eXEr~~ão «mundo-próprjo» ~
e acentua a separação de
mundos es ecíficos dos animais, como esferas particulares e,
exactamente por isso, devemos excluir este conceito na caracte) rização dos contrastes de visão do mundo entre os homens. Toda, VIa, o homem pêí'e à antropologia filosófica do nosso tempo um
"\ J5í'õl:i ema particularíssimo, que se avoluma ainda com a carac\ terização do nosso comportamento como independente do ~u,p.do,
, em oposição à conduta das espécies animais, estritamente obrigadas ao mundo-próprio. Rejeitando os excessos do conceito
'd~do-próprio,
a biologia e a antropologia modernas defendem o que há de mais original na obra de Uexküll contra os
seus impulsos temperamentais.
12
NA SENDA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO
A influência das ideias de Jacob Uexküll alarga-se ao esmdo
do comportamento nos nossos dias. A sua acção, embora velada, .
é 'tanto maior, quanto estimula, de maneira decisiva, o começo
de uma nova orientação no campo da investigação alemã. O que
O. Heinroth e K. Lorenz, o que H. Hediger e Frau M~r--",..
-Holzapfel, entre outros, lograram descobrir de essencial durante
a tercei;; década do século, pressupõe a fermentação das ideias
de Uexküll, até onde elas se não encontram expressamente mencionadas. Uexküll não é o fundador do estudo do comportamento,
produto colectivo de várias fontes. Vamos indicar mais uma vez,
apenas algumas destas fontes, para mostrar o' maior âmbito de
ideias em que a obra de Uexküll exerceu influência de relevo.
Num trabalho notável, o americano Craig sah~nta ~9l.§,
a imPortância do estudo das coisas do mundo-próprio, estudo
que, por sua vez, faz intervir o ciclo-de-função do animal. Designa
O estado que conduz a determi~
fus por al!etência, paralelamente ao que sucede no fenômeno elementar da nutrição e reconhece, assim, a validade de uma generalização que já era corrente
n~tiguidade
(em Santo A ostin~or
exemplo). A apetência
é um tipo de comportamento:' corresponde-lhe um estado interior
special. Lembremo-nos de que também Uexküll já reconhecera
distintamente este aspecto do fenómeno vital.
Pela mesma época, o ornitólogo inglês E. Howard (1922)
provou que as aves, no período de incubação, reivindicam e
defendem uma porção de espaço, um território-observação
que
ntão ocasionou uma imensidade de outras verificações, como,
pOL" exemplo, a descoberta da distância rigorosamente mensurável
do voo e da resistência, etc., devida a Hediger. A explicação de'
muitos destes factos estava confiada, desde os tempos rimit" os,
aos ca adores familiarizados com a Natureza. A importância do
« efes,2»para as aves 'á foi posta em relevo por B. von
tum, na
Alemanha, na sexta década do século passado. Assim, quando
Howard é hoje apontado como o «descobridor» da posse territorial, isso significa que ele pôs o facto em evidência num momento
particularmente «exacto» e que desempenhou papel preponde-'
rante no reconhecimento da sua importância.
Já em 1912, Juliam Huxley observara e dçscrevera pormenorizadamente em Inglaterra, pela primeira vez, a cópula dos
mcrgulhões, que ele depois interpretou com notável clareza.
~--
13
\)
Abriu-se, assim, à investigação científica um vasto campo de
trabalho. Desde tempos imemoriais que estes factos se tinham
observado repetidas vezes. Desde os tempos primitivos que o homem observava a cópula do galo e outros fenómenos semelhantes.
Mas a consideração conscenciosa da sua significação e a clara
ordenação de conceitos que agora se apresentava tiveram importância decisiva. O. Heinroth actuou no mesmo sentido mas a
contribuição de Huxley quase não é citada por ele.
Por volta de Ig20, Thorleif Schjelderup-Ebbe começou a
estudar em Greifswald a hierarquia social num pátio de criação
de aves. Mostrou então que um grupo qualquer de aves de criação
se encontra solidamente organizado; que os vários indivíduos
se dispõem numa hierarquia só deles próprios dependente e que
esta hierarquia é muito complicada e variável, isto é, depende
da condição dos indivíduos. Como consequência desta primeira
investigação, surgiu grande número de estudos sobre a ordem de precedência observada no exercício das actividades vitais dos animais
de várias espécies. Muitos biólogos ficaram tão surpreendidos com
a novidade que foram levados à generalização precipitada que
via nessa hierarquia uma lei geral. Só mais tarde se impôs uma
observação dirigida em- maior número de sentidos, a qual revelou
a existência de grupos de animais sem tal escala de categorias.
Para a investigação biológica, estes trabalhos significam o início
e uma revalorização das formas de vida an~q~~t;nto
mais Importante quãiltO mais profundamente a fatuidade da
teoria mecanísta" menosprezara o animal. -mr8gg, o biólogo dinamarquês Mortensen introduziu a
marcação individual das aves por meio de anilhas. Desde então,
inúmeras aves isoladas da multidão anónima, por meio de anilhas
numeradas, transformaram-se para nós, observadores humanos,
em indivíduos e o número de aves marcadas é hoje tão extraordinário como o de conhecimentos que devemos a este método.
Algumas conclusões fundamentais dos nossos investigadores do
comportamento animal assentam exactamente na marcação do
indivíduo isolado, pelo que a «história natural» geral e vaga de
uma espécie pôde transformar-se na descrição fiel da vida do
animal individualizado. Por isso, a marcação de animais de todos
os grupos, do insecto ao morcego, se tornou um dos processos
técnicos importantes da biologia e fonte de perspectivas inésperadas.
Além destas, outras tendências de valia se podiam ainda
mencionar, se o nosso intento não fora apenas apontar que, das
14
111 \H I .ntativas,
resulta, enfim, uma nova orientação investi-
IlIr I, Uma destas fontes abriu a muitos investigadores o cami-
II li de xitos futuros e veio aumentar a possibilidade de aceitar
concepções: foi a doutrina de U exküll, com os seus ramos ~
üuulum mtais na apresentação dõSCi~ã0
e FIad~undo-'
.--.
-'"
1\ V "
\
prtlpl'I(),
-
- -- .--
A INVESTIGAÇÃO PROSSEGUE
A importância da obra de Uexküll reside principalmente na
luta tenaz em favor da actual posição biológica, que reconhece
I rticularidade da esfera da vida e a autonomia relativa do ser
- -x-;:-~=-~=::: - .••...
"!C""'~:"".---".
•
S suas contriowções foram dominadas pelo método fisio11\l(lro pelo exame da natureza especial do ser vivo como objecto
cI Investigação. O desejo de se limitar aos métodos científicos
I u-o à rejeição total de qualquer afirmação sobre o aspecto
Jl rimental do sujeito e, implicitamente, à renúncia a ualquer
• cie de sicologia animal, que ele considerava situada para!
1 m To «biológico». O~
camin~y~chegar
à comJ2reeIISão>
"I mimal era, portanto, 0 eStu.~a
harmonia entre. a estrutura
com ortamento.
ão esqueçamos' que, exactamente no seu
I po, era particul;rmente
vivo o clamor erguido a propósito
1 avalo sábio e de outros cavalos calculadores e de cães que
·iocinavam. A liumanização do animal encontrava-se então no
ponto culminante: Esta coincidência temporal havia de forI cer, no pensamento de Uexküll, todas as tendências contrárias
I na verdade,
o seu temperamento combativo fê-lo, às vezes,
I
cer quase mecanista, muito mais- singularmente do que seria
1 sperar da sua concepção da natureza, que neconhecia sempre
acção qualquer coisa de supernatural. A missão do biólogo
r ia-l~e residir na busca ~tru~gue
O!; exeI!lPl2lYo -'
ma nervoso central, determinavam a gé~ese do mundoprlO e o comportamento do animal. Tão longe foram os seus
'pu os perante os resultados de carácter experimental- que,
n verdade, por um lado, classificava a «tonalidade» das coisas
mundo-próprio como descritível, corno parte cio mundo exter, por outro, nunca deixa de mencionar, cautelosamente, a
r spondente «disposição»
complementar e, como já vimos,
ntua bem o q~ nela hà de «químiCo», a natureza material
u condicionamento, não fossem torná·lo suspeito de imRulsos
nticos,
\I
15
;>
A evolução mais significativa, a partir de yexküll é ~ apr~fundamento dos estudos da autonomia do ser VIVOpela venfic~çao
mais intensa de todas as provas que apresentam o orgam~mo
como centro especial de actividade e simultâneamente de um VIver
que, embora veladamente, é apa~eI:ta~o c0':l o ~ue. melhor tconh~cemos do nosso próprio ser mais íntimo. E principalmente pe o
estudo desta «intimidade», desta maneira de ser peculiar do ser
vivo e do animal em especial que aquilo que é observável de .f~ra
recebe a sua mais ampla interpretação. T~.~ez,
o SUjeito
para objecto da investigação biológica,. eis o ~~
~ •..
desconhecidÕque a obra deuexküIl prrncrpa ment~ preparou.
.
oestuci;d;resença desta subjectividade é a caracte!ístIca
do t<;:~b3.lfío
biológico aos nossãs""dias.Mas tão peculiares como isso
\ são as consequências meto õlógiCas desta atitude. Em vez de
introduzirmos no jogo de factores do fenómeno vital um. ag~nte
misterioso, que interviesse em toda a parte como factor explicativo,
nós vemos nesta sujectividade uma das incógnitas que o nah~ralista procura abordar, objectivamente, pelo estud~ das :namfestações. Pela observação rigorosa de todas as manifestações do
animal de todas as suas respostas, nós avançamos cautelosamente
para r:sultados que descrevem a des:oberta e ?cupaçào ~le espaço,
ou compreendem a relaç-ão com o ntmo do dia e da noite e .com
o das estações do ano, exactamente como também desc?~nmos
nas hierarquias da vida social a subjectividade de um sujeito em
cção.
grande lista de «manifestaçõ~s» ~ue ~os dão t~ste~unho
da subjectividade é uma das mais sIgmncatIvas realizações da
r
biologia contemporânea.
.'
O estudo do comportamento já hoje não se desvia dos problemas que o duplo aspecto do ser vivo nos apresenta: a.b~rda-?s
por vários, caminhos e cautelosamente. Apr~ndemos a ~Is;l~gUlr,
no estabelecimento de correlações, o que é mato, hereditário, de
o que tem de ser aprendido e transformado em hábito. Apre~demos a discernir as estruturas tr.ansmitidas, relativamente rígIdas,.
das outras , mais flexíveis. Sabemos como estímulos .iguais podem
.actuar de maneira tão diversa e reconhecemos aSSIma van~çao
dos estados interiores. Por sua vez, nestes estados, nestas «disposições», entramos em contacto com um último elemento, ?ara além
do qual a investigação não P' ssa, por ~nquanto. ASSIm, numa
época em que a própria filosofia descobnu-?u
melhor. red~scobriu o papel fecundo da a~~ptibil~ade pcrf-ita (Befindlzchkett) os
que se dedicavam ao estudo do comportamento chegaram, por
16
I'
minhos absolutamente diferentes, 'a estSErincí.eio fundamenta!
d r nduta e, desse modo, a uma manifestação obkctiva da
m ru ira de ser, desconhecida para nós, como ex eriência da
Auh.ir tividade QS --ªJ1imais. O ~tu o ;:!2§ e~dos interiores e do
rnmportamento elimin.slU um J~r~
incon~ie.!l!S:..: uperou a
.Ii tinçáõ entre corpo e alma co~o subs,!!-ncias distintas. que,
IlIulaR, constituem o-ser vivõ-separação
que rad~m
tradições
nut iquíssimas da nossa V'ida"represent;tiva, da nossa imaginação.
biologia contemporânea não ~studa separadamente 0- aspecto
• orpórco ou somático, por um lado, e o espiritual ou psíquico, por
nut ro, Pelo estudo do comportamento, ,nós procuramos hoje surprccnd r, na sua pureza, a realidade desconhecida e, antes de
qu rlqu r divisão mais ou menos estabelecida, conhecê-Ia na sua
• tividade, como a unidade
ue ori irialmente nos é dada, Do
rn srn modo; a nova clencia do l:illmem-a an,!!'o.l'ologia-tamb<i...m (
I começa a dirigir-se ara o comportamento do homem, para a
JI rticularidade d~ seus modos de relação e não reconhece, n~ste I
mpo, discutíveis esquematizações de «componentes» do género
irpo-alma-espírito ou «bios» ê «logos», como partes do ser vivo.
',Rta orientação tem urri"a'longa história que se' não pode
I 01' aqui. Ela ultrapassa também a posição atingida pela obra
I LJ xküll que preparou este passo em frente ao considerar com
I1 r za inexcedível e graças a um trabalho insano, não só a actihlurlc do centro vital como a de um sujeito criador de mundos'
I
também o entrelaçament~rínseco
o ser vivo com Eartes
I seu amhiente.
~
o
PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO SEGUNDO UM PLANO
Ainda noutro sentido o estudo da vida, no nosso tempo, está
a transpor a posição em que O pensamento. de Uexküll se
I t ve há cerca de vinte anos. Trata-se da superação do conceito
{« laneam~to» ao ser vivo;>
xküll mostrou incansàvelmente, em repetidos exemplos, que
plano de construção de um organismo não está situado (ora
I I como o de uma máquina. A sua obra descreve, com grande
lnú ia, como os organismos se constroem por si próprios, como
•
tádios de desenvolvimento se sucedem, ordenados corno ~
111111,11 melodia e como o plano d~~madurecimento
da forma /
I (1111I1\1 é um proces.!iOde autoc~strução
e auto·.I:.eg);llaçiLo.
/
p
Alr8
,11.
17
Mas o «planeamento», operante, por si mesmo, no organismo,
acabou por se tornar, na sua exposição, um factor particular, uma
forma de actividade do género supermecânico e inespacial. Outra
não cra a posição do vitalismo, que, na verdade, tinha superado
a estreiteza do mecanismo mas que, ao fazê-lo, tinha também
ultrapassado, na sua ânsia de esclarecimento completo, os limites
da possibilidade científica.
A panaceia de Driesch era o princípio orgânico individual da
enteléqüia; a solução de Uexküll era a orga~zação segundo um
p ano ~2
à~
pOEção tomada pelo auto~,_p-assava .;- ser
factor explicativo, uma das qualidades reconhecidas no_ser vivo.
A biologia admite hoje esta dificuldade. Como W. Szilasi
afirma radicalmente numa importante exposição, o «plano» do
comportamento animal formula, nem sempre com felicidade, esta
questão: «Como é que, por exemplo, a abelha é exactamente
uma abelha ou como é que o anima~ é,"" ~ma,
um animal»
Y:;zincza e FzlQs.o:/J4-;-Z;;;f;: ue Nova Iorque~ 1945,> pág. 72). Na
afirmação de que determinada coisa é susceptível de plano, é
«planeável», atribui-se a esse «alguma coisa» uma qualidade, um
predicado, o que sugere a ideia de que, com isso, alguma coisa é
esclarecida ou explicada. Na realidade, a expressão aponta o
grande e obscuro enigma, exactamente aquilo que escapa à
compreensão: o mesmo enigma que nós também designamos,
sim, mas não explicamos, com a palavra «vida».
Vemos hoje mais claramente que não podemos ocultar o
mistério que envolve o problema do ser vivo com uma palavra
que finge de predicado. Sentimos, de novo, o que há de obscuro
na realidade, em todo o seu poder misterioso e procuramos descobrir, pela investigação cautelosa das propriedades reconhecíveis,
o que é investigável.
Assim, fala-se hoje menos de totalidade e de organização
segundo um plano do que habitualmente 'se falava há vinte anos
e por isso vamos pondo, a pouco e pouco, a descoberto o conjunto
de factores, por meio de cuja acção uma coisa se nos apresenta
como um todo ou procuramos determinar a espécie de estrutura
que sugeriu a existência de um plano. É uma ciência do ser vivo
na sua evolução, ciência que não é ,uma mecânica, nem uma pneumá~,
para empregar uma expre~
de E. Heuss (1939). A nova
noção de realidade. explica também a atitude perante o problema
da organização segundo um plano.
O próprio UexküIl diz algures: «O Sol que proporciona a
<
----
-
dança de uma nuvem de mosquitos
um
so
~[õs mosquitõs q:;u;;;e~s~ó~e~x~i:st~e~==~"-!!..~~:!...!~c...E~'
Nada porém, podemos dizer do sol dos mosquitos sem ter'
~I'~~ro~i ~~ano ~e organização do mundo-próprio dos mosq:~:~
', o_og., pago 233)· E aqui se nos apresenta, com clareza a
flr~anJzaçao segundo um )2Iano como aquilo que é para nós' ~m
~lgmdaque s~ entrevê de uma para outra espécie animal
.
I 1I ca a vez, Importa resolver.
e que,
O próprio Uexküll acentuou mais de uma vez ser a
.
plan
d
.
pesquisa
o a rrussao a biologia : «Todos os planos se enquad
num plano de organi
-.
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o ógl~~ e atest~m a atitude do investigador que durante toda
.u~ v; ~ pesqw.sou os modos de ordenação do mundo orgânico
IU~ a or ~rr~Igou cada vez mais a sua convicção acerca das
I' I nuçlões cosmIcas: Os trabalhos reunidos' neste volume ta~_}
, m a udem, repetidas vezes, à concepção da Nat
xküll r
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18
19
DIGRESSÕES
DO
PELOS
HOMEM
Por
J.
MUNDOS-PRÓPRIOS
E
DOS
ANIMAIS
v. UexkllU e Georg Kriszat
PREFÁCIO
O presente livrinho não tem a pretensão de servir de guia
de uma ciência nova. Limita-se, antes,a
incluir o que podia
chamar-se a descrição de um passeio por mundos desconhecidos.
Estes mundos não são apenas desconhecidos, são também invisíveis; mais do que isso: o seu direito de existir é-Ihes, em geral,
contestado por muitos fisiólogos e zoólogos.
Esta bem, curiosa atitude é, para quem conheça esses mundos,
perfeitamente compreensível, pois que o caminho que a eles conduz
não é transitável para quem sofra de certos preconceitos capazes de
obstruírem a porta que Ihes dá acesso, tão impenetràvelmente que
nem um raio da luz esplendorosa que os inunda a pode atravessar.
Quem se agarrar ao preconceito de que todos os seres vivos
são apenas máquinas, perde toda a esperança de vir jamais a lobrigar os seus mundos-próprios (1). Mas quem ainda não se ajuramentou na doutrina mecanista dos seres vivos, pode prosseguir
nas suas especulações. Todos os nossos dispositivos e todos ós
nossos maquinismos não passam de meios auxiliares das actividades do homem. E, efectivamente, há certos meios auxiliares de trabalho-os chamados instrumentos de trabalho-em
que se incluem
todos os complicados maquinismos que servem, nas nossas
fábricas, para a laboração de matérias-primas, e ainda caminhos de ferro, automóveis, aviões... Mas há também meios auxiliares de controlo, a que podemos chamar instrumentos-indicadores,
como telescópios, óculos, microfones, aparelhos de rádio, etc.
De sorte que é, então, óbvio admitir que um animal não é mais
do que um conjunto de instrumentos-de-trabalho e de instrumentos-indicadores que, pela intervenção de um dispositivo coordenador, constituem um todo, que, na realidade, não deixará de ser
um maquinismo, ainda que adequado ao desempenho da função.
É esta, de facto, a maneira de ver de todos os mecanistas teóricos,
(I) O termo Umwelt corresponde em português a ambiente, mundo ambiente ou,
com menos propriedade, meio ambiente. No sentido, porém, em que o autor o emprega, ele
significa qualquer coisa que depende do ser vivo considerado, e resulta de uma como que
selecção por este realizada, dentre todos os elementos do ambiente, em virtude da sua
própria estrutura específica-o seu mundo-próprio.
20
quer, até certo ponto, se inclinem mais no sentido de pensar num
mecanismo rígido, quer no de um dinamismo plástico. Os animais
ficam, pois, taxados de meros objectos. Com o que se esquece que,
desde logo, se pôs de parte o que é essencial, isto é, o sujeito, o qual
se utiliza do instrumento auxiliar, com ele assinala e com ele actua.
A partir da concepção inadmissível de um instrumento simultâneamente de assinalamento e de acção, não se limitaram aqueles
a fazer passar os órgãos dos sentidos e os órgãos de movimento por
peças de uma máquina (sem atenderem ao seu assinalar e actuar)
mas foram mais longe', mecanizaram o homem, reduzirap1 o
homem a uma' máquina. Segundo os beaviouristas, as nossas
sensações e a nossa vontade são meras aparências, no melhor dos
casos vêm a valer como acidentes incómodos.
Quem, porém, ainda considera que os nossos órgãos dos sentidos servem para o nosso assinalar e os nossos órgãos de movimento
servem para o nosso actuar, verá nos animais, não apenas um
sistema mecânico, más discernirá também o maquinista que se
aloja nos órgãos, como nós próprios no nosso corpo.
Então considerará os animais, não já como meros objectos, mas
como sujeitos, cuja actividade essencial consiste em assinalar e actuar.
Com o fazê-Io abre-se já a porta que conduz aos mundos-prõprios animais, porque tudo aquilo que um sujeito assinala
passa a ser o seu mundo-de-percepção, e o que ele realiza, o seu
mundo-de-acção. Mundo-de-percepção e mundo-de-acção constituem uma unidade íntegra-o
mundo-próprio do sujeito.
Os mundos-próprios, que são tantos quantos os próprios
animais, oferecem a qualquer admirador da Natureza novas
terras, tão ricas e tão belas que compensam bem uma excursão
através delas, mesmo quando elas se não patenteiem aos nossos
olhos materiais mas somente à nossa visão espiritual.
As melhores condições para iniciar tal digressão são um dia
de verão, e um prado coberto de flores, ressoante de zumbidos
de coleópteros e pululante de adejares de borboletas; então construiremos para cada animal dos que povoam o prado, uma como
que bola de sabão, que represente o seu mundo-próprio, preenchida por todos aqueles sinais característicos que são acessíveis
ao sujeito. Logo que entremos numa dessas bolas de sabão transfigura-s~ completamente o mundo ambiente (1) que se abria
·(1)'
rola,
Umgebung, erri alemão; na acepção
independentemente
de o impressionar
de tudo que em volta
ou o estimular,
do
sujeitose deeen-
ou não.
21
vomelta do sujeito. Muitas qualidades do variegado prado desaparecem inteiramente, outras perdem as suas propriedades gerais;
surgem novas correlações. Em cada bola de sabão passa a existir
um mundo novo.
Para atravessar connosco estes mundos convidamos o leitor
a acompanhar a descrição que se segue. Os autores, ao prepa- .
rarem este livro, distribuíram as suas tarefas; de modo que um
(Uexküll) encarregou-se do texto, e o outro (Kriszat), do material
das gravuras.
Esperamos dar, com esta descrição de viagem, um decisivo passo
em frente, e assim convencer muitos leitores que existem, com efeito,
mundos-próprios, e que com isso se abre um novo e inesgotável
campo de investigações. Simultâneamente, este livro testemunhará o espírito de investigação colectiva dos activos colaboradores do Instituto de Investigação do Mundo-Próprio, em Hamburgo (1).
Agradecemos em particular ao Dr. K. Lozenz, que enviando-nos as gravuras que ilustram as suas fecundas experiências sobre
gralhas e estorninhos, favoreceu o nosso trabalho. O Prof. Eggers
cedeu-nos amàvelmente um relato pormenorizado dos seus estudos
sobre borboletas nocturnas. O conhecido aguarelista Franz
Hutk esboçou para 110SS0 uso os desenhos do quarto e do carvalho.
A todos deixamos aqui expressos os nossos cordiais agradecimentos.,
Hamburgo,
v. Uexküll
(r) Comp. Friedrich Brock: Verzeichnís der Schriften J; J .•. Uexkülls und der aus dem
Instiuü fur Umweltforschung zu Hamburg heruorgegangenen Arbeiten. Sudhoffs Archiv fur Gesch.
d. Medizin und d. Naturwiss. Bd, 27, H. 3-4, [934. J. A. Barth, Leipzig. (Jv'ota da ed,
22
Não há, certamente, camponês que tendo batido com o seu
cão matos e bosques não tenha travado conhecimento com um
animalzinho que, suspenso dos ramos dos arbustos, espia a sua
vítima, homem ou bicho, para sobre ela se precipitar e se saciar
com o seu sangue, inchando, das dimensões de, o máximo, dois
milímetros, até ao volume de uma ervilha (fig. I).
Fig. I-Carraça
Dezembro, 1933.
J.
alemã)
INTRODUÇÃO
A carraça, ou carrapato, nomes por que se designa esse animal,
não é realmente perigosa, mas nem por isso deixa de ser um hóspede
incómodo dos mamíferos, e mesmo do homem. O seu ciclo biológico foi de tal modo esclarecido por trabalhos recentes que dele
podemos traçar um relato exacto.
Do ovo sai um pequeno ser ainda não completamente desenolvido, a que faltam um par de patas e os órgãos da reprodução.
N sta fase já pode atacar animais de temperatura variável como,
p r xemplo, lagartos, que espera emboscado na extremidade da
h Iftl de uma erva. Depois de sofrer algumas mudas, os órgãos
qu lhe faltavam acabam por se desenvolver, passando então a
ar animais de temperatura constante. Já fecundada, a fêmea
b , com as suas já então oito patas, até à parte superior de um
busto que lhe agrade, para, de altura conveniente, se deixar
23
cair sobre pequenos mamíferos furtivos que passem ao seu alcance,
ou arrastar por animais de maior porte.
O caminho para a sua torre de vigia descobre-o o animalzinho, que é desprovido de olhos, valendo-se do seu tegumento,
sensível à luz. A aproximação da vítima é revelada ao salteador,
que além de cego é também surdo, pelo seu sentido do .olfacto.
As emanações de ácido butírico que provêm das glândulas da pele
dos mamíferos, serve, para a carraça, de sinal de advertência.
para abandonar o seu posto de vigia e lançar-se sobre a presa.
Se vem a cair sobre qualquer animal de temperatura constante,
que um apurado sentido térmico lhe denunciou-então
atingiu
a sua vítima, e só falta agora, ainda com o auxílio do seu sentido
do tacto, encontrar uma zona tanto quanto possível livre de pêlos,
para se introduzir até para trás da cabeça, nos tecidos cutâneos
daquela; e põe-se a sugar lentamente o sangue quente que jorra.
Experiências feitas com membranas artificiais e com outros
líquidos que não sangue, mostraram que a carraça é desprovida
de sentido do gosto, pois que depois de perfurar a membrana
absorve qualquer líquido, contanto que este esteja a temperatura
conveniente.
Se a carraça cai sobre qualquer coisa fria, depois de o sinal
de ácido butírico ter funcionado, então errou de hospedeiro,
'. e tem de voltar a trepar para o seu posto de espia.
O lauto festim de sangue que a carraça goza é, simultâneamente,
o seu último repasto, pois que agora nada lhe resta senão deixar-se
tombar no chão, fazer a postura e morrer.
Os breves acidentes da vida da carraça dão-nos uma adequada
pedra-ele-toque da solidez do ponto de vista biológico, comparado
com o método fisiológico, como até aqui se tem aplicado. Para
o fisiólogo, cada ser vivo é um objecto que se situa no seu mundo-próprio do homem. Examina-lhe os órgãos e o seu funcionamento
total, como um técnico examinaria urna máquina que seja nova
para ele. O biólogo, ao contrário, toma em conta que cada ser
vivo é um sujeito, que vive num mundo que lhe é particular,
de que ele constitui o centro; e, por isso, pode comparar-se,
não a uma máquina, mas apenas ao maquinista que maneja
a máquina.
Resumindo, a questão pode pôr-se assim: a carraça é uma
máquina ou um maquinista? É um mero objecto ou um sujeito?
A fisiologia interpretará a carraça em termos de uma máquina
e dirá: na carraça podem-se distinguir receptores, isto é, órgãos
24
dos sentidos, e efectores, isto é e órgãos de acção, que, por meio de
dispositivo coordenador no sistema nervoso central, estão mutuamente relacionados. O conjunto é urna máquina de que se não
discerne o maquinista.
«É exactamente nisso que está o erro», objectará o biólogo.
«Nenhuma das partes do corpo da carraça tem as características
de uma máquina, em toda ela o que actua são maquinistas.»
O fisiologista continuará inabalável: «Na carraça, precisamente, verifica-se que todas as actividades assentam exclusivamente em reflexos (1), e o arco-reflexo constitui a base de cada
máquina animal (fig. 2). Este começa por um receptor, isto é,
um dispositivo que só admite certas influências exteriores, como
ácido butírico e calor, mas rejeita tudo mais. E termina num
músculo que põe em actividade um efector, o dispositivo locomotor,
ou o dispositivo perfurador.
As células sensoriais que libertam a excitação dos sentidos,
e as células motoras que libertam o impulso de movimento funcionam apenas como peças conectoras que conduzem as ondas
excitadoras, absolutamente materiais, que são originadas nos
nervos, sob a acção do choque exterior. Todo o arco reflexo
trabalha com transmissão de movimento, como qualquer máquina.
Nenhum factor subjectivo, como seja, um ou mais maquinistas,
intervém no fenómeno, seja como for.»
«O que se passa é exactamente o contrário», replicará o biólogo. «Do que se trata, principalmente, é de maquinistas e não de
partes de máquinas. Porque todas e cada uma das células do
arco-reflexo funcionam não com transmissão de movimento,
(I) Reflexo, originalmente, significa a captação e reenvio de um raio de luz por
um espelho. Aplicado aos seres vivos, o termo reflexo significa a captação de um estímulo
terior por um receptor e a resposta provocada pelo estímulo, do efector do ser vivo.
No fenômeno o estímulo transforma-se
em excitação nervosa, que tem de passar por
V riaa estações para ir do receptor ao efector. O caminho assim seguido designa-se por
ar o-reflexo. (Nota da ed. alemã)
25
mas com transporte de estímulo. Um estímulo, porém; deve ser
notado por um sujeito e essencialmente não provém de, um, objec~o}>"
Qualquer parte, de uma máquina, um badalo dum jsino;
por exemplo, trabalha apenas maquin~lmente' quan~o de det:rminada maneira é posto a oscilar. Quaisquer outras mtervenço~s
despertam nele respostas como o fariam em qualquer mero pedaço
de metal. Ora, desde John Müller (1) nós sabemos que um músculo
se comporta de uma forma completamente diferente. A q:ualquer
intervenção exterior ele responde sempre da mesma maneira: por
uma contracção. Toda a intervenção exterior é por ele transformada no mesmo estímulo; a todas responde com o mesmo impulso
que obriga o corpo da célula à contracção.
.
John Müller demonstrou ainda, que todas as acções exteriores
que incidem nos nossos nervos visuais, sejam elas ondas do éter,
compressões ou correntes eléctricas, produzem uma sensação
visual, isto é, as nossas células sensoriais visuais respondem '>com
o mesmo sinal-perceptivo.
Disto devemos concluir que cada célula viva é um maquinista,
que assinala e actua, e por isso possui «assinalarnento» ou percepção e «activação» ou impulso. As múltipla~ marc~s ~ a.cções
do sujeito-animal total são, por consequência, atn~Ulvels ao ,
trabalho de conjunto de pequenos maquinistas celulares, cada
um dos quais somente decide sobre um sinal-perceptivo ou ub
sinal-de-impulso.
pára que seja possível uma cooperação ordenada, o organismo
serve-se das células do cérebro (que são também maquinistas
elementares), e agrupa metade delas como «células assinaladoras»
ou células-de-percepção na parte do cérebro receptara de ~stímU!lo~:
isto é, no «órgão-assinalador, ou de-percepção», em faixas mais
ou menos extensas. Estas faixas correspondem a grupos de estímulos
exteriores que entram como perguntas no sujeito-animal. A outra
metade das células do cérebro utiliza-os o organismo como «células
a~tivadoras» ou células-de-impulso, e agrupa-as 'em faixas com que
comanda os movimentos dos efectores, que comunicam ao mundo
exterior as respostas do sujeito-animal.
.
As faixas das células-de-percepção constituem o «órgão-de-percepção» do cérebro, e as faixas das células-de-impulso, o
«órgão-de-impulso».
_'
Se, pois, nos permitimos imaginar um órgão-de-percepção
(1)
26
Fundador
da moderna fisiologia (1801-1858). (Nota 'do ed, alemã)
como um centro de faixas de percepção alternadas e maquinistas
celulares que são os portadores de percepções específicas, no
entanto elas conservam-se entidades espacialmente distintas. Os
s~us sinais-perceptivos permaneceriam também distintos, se não tivessem a possibilidade de se fundirem em novas unidades, fora
do órgão-de-percepção, espacialmente fixado. Ora tal possibilidade
existe 'efectivamente. Os sinais-perceptívos de um grupo de células-de-percepção reunem-se fora do órgão-de-percepção, na realidade
fora do corpo de animal, em unidades que passam a ser atributos
dos objectos situados fora do sujeito-animal. Este facto é bem conhecido de todos. Todas as nossas sensações humanas, que figuram
os nossos assinalamentos, ou percepções, específicos; convergem
nos atributos dosobjectos exteriores, que nos servem como sinais-característicos que utilizamos. A sensação «azul» passa a ser a «cor
azul» do céu; a sensação «verde» passa a ser a «cor verde» da
~lva, etc. No sinal-característico, ou carácter, azul, reconhecemos'
o céu, no carácter verde reconhecemos a relva.
Outro tanto, exactamente, se passa no órgão-de-impulso. Nele
as células-de-impulso desempenham o papel de maquinistas
elementares, que, neste caso, consoante as suas actividades, ou
impulsos, se ordenam em grupos bem articulados. Também aqui
existe a possibilidade de os impulsos individualizados se concentrarem em unidades que actuam sobre os músculos, a elas subordinados, como impulsos encadeados, ou melodias de' impulsos,
ritmicamente articulados. Depois do que os' efectores postos em
acção pelos .músculos imprimem aos objectos situados fora do
sujeito a sua realidade.
A marca-de-acção que os efectores imprimem ao objecto é directamente reconhecível- como a ferida que o ferrão da carraça produz
na pele do mamífero por ela atacado. Mas, primeiro, a difícil descoberta dos sinais característicos do ácido butírico e do calor completou o quadro da carraça laboriosa no ,seu mundo-próprio.
Em sentido figurado, pode dizer-se que cada sujeito-animal
apreende o seu objecto com as duas hastes de úma tenaz-uma
haste de perceber outra de impulsionar. Com uma confere-lhe
um atributo, com a outra, uma marca-de-acção, Por este meio
certas propriedades do objecto passam a ser portadoras de de
sinal-característico, certas outras, de marca-de-acção, Como todas
as propriedades de um objecto estão ligadas umas às outras
pela estrutura
deste, as atingidas
pelo sinal-de-impulso
rlevcm exercer' no objecto a sua influência sobre as portadoras
27
d
I
de sinal-característico e também actuar sobre estas modificando-as, o que resumidamente melhor se exprime dizendo: a marca-de-acção cancela o sinal-característico.
O número e a ordenação das células-de-percepção que por meio
dos seus sinais-perceptivos assinalam os objectos do seu mundo-próprio com sinais-característicos, e o número e ordenação das
células-de-impulso que por meio dos seus sinais-de-impulso dão
aos mesmos objectos marcas-de-acção, são, principalmente, e a
par da selecção de estímulos que os receptores realizam e da ordenação dos músculos que permite aos efectores manifestarem-se,
decisivos no desenrolar de cada forma de comportamento de
todos os sujeitos animais.
O objecto, somente no que respeita ao comportamento, é como
se devesse possuir as propriedades necessárias, que por um lado
pudessem servir como portadoras de sinais-característicos, e por
outro de portadoras de marcas-de-acção
que devessem estar em
associação por ajustamento mútuo.
As relações de sujeito com objecto estão ilustradas no esquema
do ciclo de função (fig. 3). Ele mostra como sujeito e objecto se
Mundo de Percepção
E agora situemos no esquema do ciclo de função a carraça
como sujeito e o mamífero como objecto. Verifica-se imediatamente que decorrem segundo um plano três ciclos-de-função,
e uns a seguir aos outros. As glândulas cutâneas do mamífero
constituem o portador de sinal característico do primeiro ciclo,
pois o estímulo ácido butírico liberta no órgão-de-percepção
sinais-perceptivos,
específicos, que são transportados
para
a periferia como carácter olfactivo. Os fenómenos que se
passam no órgão-da-percepção provocam por indução (em que tal
consiste, ignoramo-Io) no órgão-de-impulso, impulsos correspondentes, que produzem o movimento dos membros locomotores
e a queda do animal. A carraça ao cair, confere aos pêlos do
mamífero a marca-de-acção do choque, que então, por seu turno,
liberta um carácter táctil pelo que o carácter olfactivo do ácido
butírico é cancelado. O novo carácter provoca um movimento
de vaguear até que, na primeira zona sem pêlos é remido pelo
carácter calor, e aí começa o trabalho de perfuração.
Sem dúvida trata-se aqui de três reflexos que se vão anulando
sucessivamente e são sempre desencadeados por acções físico-químicas objectivamente determináveis. Mas quem se contente
om esta verificação e julgue ter com ela resolvido a questão,
mostra apenas que não alcançou o verdadeiro problema. Não é
estímulo químico do ácido butírico que se debate, nem tão-pouco
o estímulo mecânico (desencadeado pelos pêlos), nem ainda
stímulo térmico da pele, mas apenas o facto de saber por quê,
ntre as centenas de acções que resultam das propriedades do
orpo do mamífero, só três se tornam portadoras de sinais caracteI"ti os relativamente à carraça, e por quê essas três e não outras.
ão se trata de qualquer reciprocidade de forças entre dois
bjectos, mas sim das correlações entre um sujeito vivo e o seu
I ~ cto, e estas manifestam-se num plano inteiramente diferente,
saber entre as percepções do sujeito e o estímulo do objecto.
carraça está suspensa, imóvel, da extremidade de um ramo
clareira. Pela sua situação oferece-se-lhe a oportunidade de
Ir obr um mamífero que por ali passe. De todo o ambiente não
11 obre ela nenhum estímulo. Então, aproxima-se um mamíI, cI
cujo sangue ela necessita para o desenvolvimento da sua
°
Órgão de Percepçàf)
marca de acção
Órgão de impulso
Mundo de acçõa
Fig. 3-Ciclo-de-Função
ajustam reciprocamente e constituem um todo que obedece a um
plano, Se além disso, se supõe que um sujeito se liga a um ou vários
objectos por vários ciclos-de-função, fica-se, então, fazendo uma
ideia do conceito fundamental da doutrina do mundo-próprio,
a saber : todos os sujeitos animais, os mais simples como os mais
complexos, estão ajustados com a mesma perfeição aos seus
mundos-próprios. Aos primeiros correspondem mundos-próprios
simples, aos segundos, mundos-próprios complexos.
28
I.
orn qualquer coisa de bem maravilhoso se passa: de todas
N provenientes do corpo do mamífero só três passam a consIluiuloa, e, essas, em sequência bem determinada. Dovasto:
29
mun 10 que rodeia a carraça fulguram três estímulos, cama sinais
luminosos dentre as trevas, e servem à carraça de guias, que ela
confiadamente segue até atingir a seu abjectiva. Para tal ser
possível as carraças são. datadas, além, da seu carpa com as seus
receptares e efectores, de três sinais-perceptivos que pode utilizar
como três sinais característicos. E é par meio destes que à carraça
o fluir da seu comportamento é tão determinadamente prescrito
que ela só pade realizar actos perfeitamente determinados.
Tedo o opulenta mundo. ambiente que rodeia a carraças e contrai
e se transforma num quadra mesquinha que essencialmente consiste
ainda em três sinais características e três marcas de acçãa-a
seu
mundo-próprio.
A indigência desse mundo-próprio
ajusta-se,
porém, estreitamente à segurança da comportamento, e segurança
vale mais que riqueza. Da exemplo. da carraça pode deduzir-se
a que é fundamental na estrutura das mundos-próprios das diferentes seres, e é válida para todos as animais. Mas a carraça
possui uma faculdade muita notável, que nos desvenda uma
perspectiva muito mais vasta das mundos-próprios.
É imediatamente evidente que a inesperada fortuna da passagem de um mamífero por sab o ramo sobre que a carraça -se
encontra é muito rara. Este inconveniente nem pelo grande número.
de carraças que se emboscam nas arbustos é suficientemente
compensado para assegurar a subsistência da espécie. A faculdade
de a carraça poder viver muita tempo. sem se 'alimentar, aumenta
as probabilidades de vir a passar uma presa ao seu alcance.
Essa faculdade possui-a a carraça em grau invulgarmente elevado.
No Instututo Zoológico de Rostock conservaram-se vivas carraças
que chegaram a jejuar durante dezoito. anos (1). Isso.a nós, homens,
(I)
A carraça está) sob todos os pontos de vista, organizada para resistir a um longo
período de jejum. As células seminais que a fêmea recebeu e conserva dentro de si durante
o período de espera, estão contidas dentro de cápsulas, até o sangue do mamífero chegar
ao estômago da carraça. Quando isso se dá elas são postas em libérdade e fecundam
os óvulos que esperavam nos ovários. Em contraste com a adaptação perfeita da carraça
ao seu objecto-presa, que ela acaba por encontrar, está a fraquissima probabilidade
de que tal. suceda, mesmo apesar do longo tempo de espera possível. Bodenheimer tem
perfeitamente razão quando fala de um péssimo, isto é, de um mundo rec(:mf1ecidamen~e
desfavorável em que vive a maioria dos animais. Somente, este mundo não é o"mundo~
..próprio de cada um deles, mas (). "mundo ambiente de todos. Mundo-próprio óptimo~
isto é, reconhecidamente favorável, e mundo ambiente jJéssz'mo, pode considerar-se a regra
geral. .Porque sucede" sempre deverem tombar muitos indivíduos para que a espécie
subsista. Se o mundo ambiente não fosse, para certa espécie, péssimo, então esta, devido
ao seu mundo-próprio.
óptimo, podia conquistar a supremacia sobre todas as outras,
(Nota do autor)
30
ser-nos-ia impossível. O tempo. no nosso mundo-humano é constituído par uma série de momentos curtíssimos, durante os quais
a mundo. ,não manifesta qualquer mudança. Durante um momento.
a mundo. conserva-se invariável. O momento do homem é de
1/18 segundas (l). Veremos adiante que a duração. dornomcnte
varia com as. diferentes animais, mas seja qual for o -valor que
queiramos estabelecer para a caso da carraça,' a possibilidade de
suportar um mundo-próprio invariável durante dezoito. anos está
fora da alcance de todas as probabilidades, Admitiremos, pois,
que a carraça durante a seu período de espera se encontra como
que num estado de letargia, que também em nós interrompe
a tempo par horas. Somente, o tempo na mundo-própria da carraça pára, durante ,a seu período de espera, não par horas apenas,
mas par vánios anos, e ela volta à actividade quando o sinal de'
avisa «ácido butírico» a desperta para a nova fase de actividade.
Que ganhámos com esta noção ? Alguma coisa muito signíficativa,
tempo, que serve de moldura a todo o acontecer,
apresenta-se cama a única constante objectiva perante a variada
mudança da seu conteúdo, e agora vemos que o sujeito controla
a tempo da seu mundo-própria. Ao passo que até agora dizíamos:
sem tempo não. pode existir nenhum sujeito vivente, devemos
agora dizer: sem um sujeito vivente não pode existir qualquer
tempo.
Na próximo capítulo. veremos que outra tanta sucede com
o espaço: sem um sujeito vivente não pode exisitr nem qualquer
espaça nem qualquer tempo, Com isto encontrou a biologia
unidade definitiva na doutrina de Kant, unidade que elaaproveitará no aspecto científica-natural da doutrina dos mundos-próprios,
ao. acentuar-se o papel decisiva do sujeita.
a
I.
os
ESPAÇOS DOS MUNDOS-PRÓPRIOS
Assim como um gastrónomo, do balo só escolhe as passas,
assim também a carraça, das coisas do seu ambiente s6 seleccionou
(1) Demonstra-o o cinema. Na passagemde um filme, os quadros devem suceder-se
e deter-se altcrnadamente. Para que apareçam com perfeita nitidez, as exposições instantâneas e distintas devem ser: ocultadas por um anteparo. A ocultação produzida, verdadeiramente passa despercebida, se entre a ocultação e a exposição medear um intervalo
de tempo de I I I 8 segundos. Se esse tempo fosse mais longo resultaria uma tremulação
insuportável.
(Nota do autor)
31
o ácido butírico. Não nos interessa saber que sensação gustativa
as passas despertam no gastrónomo, mas apenas o facto de as
passas se tornarem sinais-característicos do seu mundo-próprio,
pois que, para ele, são dotadas de significado biológico especial;
assim, também, não perguntamos como o ácido butírico cheira
ou sabe à carraça, mas registamos apenas o facto de o ácido butírico
ter passado a ser biolàgicamente significante como sinal-característico carraça.
Contentamo-nos com o admitir que no órgão-de-percepção
da carraça devem existir células de percepção que manifestam os
seus sinais-perceptivos, como o admitimos igualmente relativamente
ao órgão assinalador do gastrónomo. A única diferença é que
a percepção do ácido butírico passa a ser um sinal característico do
seu mundo-próprio, ao passo que é a percepção das passas o que,
no gastrónomo, passa a ser um sinal característico do seu.
O mundo-próprio do animal, que exactamente pretendemos
estudar, é apenas uma fracção do mundo ambiente que nós
vemos desenrolar-se em volta do animal-e este mundo ambiente
não é mais que o nosso mundo-próprio humano. O primeiro
problema no estudo dos mundos-próprios consiste em escolher,
dentre os sinais característicos do mundo que o rodeia, aqueles
que são particulares ao animal e com eles construir o seu mundo-próprio. O sinal característico «passas» deixa a carraça perfeitamente indiferente, ao passo que o sinal característico ácido butírico
desempenha no seu mundo-próprio um papel importante. No
mundo-próprio do gastrónomo o que tem significado acentuado é,
não o sinal característico ácido butírico mas o sinal característico
«passas».
Cada sujeito fia as suas correlações como os fios de uma aranha,
relativamente a determinadas propriedades das coisas, e tece-as
numa sólida teia que suporta a sua existência.
Quaisquer que possam ser as correlações entre o sujeito e os
objectos do seu mundo ambiente elas ocorrem sempre exteriormente ao sujeito em que temos de escolher os sinais característicos.
Os sinais característicos, ou qualidades são, por- isso, sempre de
qualquer modo espacialmente ligados, e pois que eles se libertam
uns aos outros numa certa ordem, são também ligados temporalmente.
Só por excessiva leviandade alimentamos a ilusão de as correlações do sujeito, outro que não nós, com as coisas do seu mundo-próprio existirem no mesmo espaço e no mesmo tempo que as que
32
nos ligam às coisas do nosso próprio mundo humano. Esta ilusão
é alimentada pela suposição da existência de um mundo único
em que todos os seres vivos estão encerrados. Daí, a convicção
geralmente aceite, de que deve haver um único espaço e um único
tempo para todos os seres vivos. Só recentemente surgiram no
espírito dos físicos dúvidas sobre a existência de um universo
com um espaço válido para todos os seres. Que tal espaço não
pode existir resulta já do facto de cada homem viver em três
espaços que se penetram mutuamente, completando-se, mas que
também até certo ponto se contrapõem.
a) O espaço-de-acção
Quando, de olhos fechados, movemos livremente os nossos
membros, estes movimentos, tanto em direcção como em extensão
são-nos exactamente conhecidos. Abrimos com as nossas mãos
caminho num espaço a que damos o nome de âmbito dos nossos
movimentos, ou, abreviadarnente espaço-de-aeção.
Todos estes caminhos são por nós seguidos a pequenas passadas
a que chamamos passos-de-orientação,
porque a direcção de cada
uma delas nos é rigorosamente conhecida mercê de uma sensação
de orientação ou sinal-de-orientação.
E, na realidade, distinguimos
seis orientações, que se opõem duas a duas: para a direita e para
a esquerda, para cima e para baixo, para diante e para
trás.
Têm-se feito estudos que provam ser de cerca de dois centímetros as passadas mais curtas que podemos dar, avaliadas pelo
avanço do dedo indicador com o braço estendido. Estas passadas
não dão, como se vê, uma medida exacta do espaço em que elas
são seguidas. Cada um de nós pode fazer uma ideia aproximada
desta inexactidão, procurando levar ao contacto uma da outra,
as pontas dos dois indicadores das mãos. Verificaremos que
a maior parte das vezes isso não se consegue e que aquelas passam
à distância de dois centímetros uma da outra.
É, para nós, do mais alto significado o poder muito fàcilmente
reter de memória o deslocamento uma vez seguido, o que nos
permite escrever às escuras. Chamamos a esta capacidade «cinestesia», designação que nada de novo nos diz.
Ora, o espaço-de-acção não é meramente um espaço de movimento constituído por milhares de passadas-de-orientação que se
3 -A.
H.
33
11
I
cruzam, mas possui um sistema de referência formado por planos
perpendiculares entre si, que definem o conhecido sistema de
coordenadas, que serve de base a todas as determinações espaciais.
É de fundamental importância que quem se ocupa do estudo
do problema do espaço se compenetre deste facto. Que é tudo
que há de mais simples. Basta mover-nos para um e outro lado, com
os olhos fechados e as palmas das mãos verticais e perpendiculares
à testa, para, sem mais nada, podermos fixar o limite entre direita
e esquerda. Este limite coincide aproximadamente com o plano
mediano do corpo. Se nos deslocamos com as palmas das mãos
colocadas horizontalmente e à altura dos olhos, para cá e para lá,
podemos anàlogamente determinar onde se encontra o limite
entre abaixo e acima. Este limite está, na maioria das pessoas situado à altura dos olhos; mas em muitas encontra-se à altura do
lábio superior. O limite entre o anterior e o posterior, que se
determina com as palmas das mãos voltadas para a frente de um
e outro lado da cabeça e deslocando-as para trás e para diante,
está situado, em grande número de pessoas, à altura do orifício
do ouvido, noutras, à altura da arcada zigomática, e ainda noutras,
à altura da ponta do nariz. Cada pessoa normal dispõe de um
sistema de coordenadas formado por estes três planos, estritamente
relacionado com a cabeça (fig. 4) e com que confere ao seu
espaço-de-acção o quadro fixo em que se dão os passos de orientação.
No labirinto confuso dos passos-de-orientação, que como elementos de deslocamento não podem conferir ao espaço-de-acção
nenhuma
fixidez, os planos fixos de referência fornecem
uma estrutura segura que garante a ordem no espaço-de-acção.
A grande contribuição de Cyon (1) consistiu em referir a
tridimensionalidade do nosso espaço a um órgão sensorial situado
no nosso ouvido interno-os
canais semicirculares (fig. 5), cuja
posição corresponde
aproximadamente
aos três planos do
espaço-de-acção.
Esta correspondência mostram-na tão claramente numerosas
experiências, que podemos formular a seguinte proposição:
todos os animais que possuem três canais semicirculares dispõem
(I) Elie v. Cyon (1842-1912), fisi61ogorusso, descobridor de nervos e funções
nervosas muito importantes. (Noto. da edição alemã)
34
Fig. 4-Sistema
de planos coordenados do homem
Fig. 5-Canais
semicirculares do homem
35
também dum espaço tridimensional. A figo 6 representa os canais
semicirculares de um peixe É evidente que estes devem ser da
máxima importância para o animal. Em apoio disto se pronuncia
também a sua estrutura interna, que neles tem um sistema de canais
,":
'.
«,
..
/ .....
.'
. '.
2m
I
,/Posição anterior do. colmeia
Fig. 7-Espaço-de-acção
da abelha
'-----,~------------'
Fig. 6-Canais
semicirculares de um peixe
em que, 'sob o controlo dos nervos, se desloca um fluido nas três
direcções do espaço. O movimento do fluido reflecte fielmente os
movimentos de todo o corpo. Isto mostra-nos que o órgão, além
da função de deslocar os três planos no espaço-de-acção, tem
ainda um outro significado. E, de facto, parece que ele desempenha
ainda o papel de bússola. Não uma bússola que se oriente sempre
na direcção norte-sul, mas na direcção das «portas de entrada».
Quando todos os movimentos do corpo em bloco, se decompõem
e são registados em três direcções nos canais semicirculares,
o animal deve encontrar-se no ponto de partida, quando, por meio
de vibrações, os sinais nervosos tenham voltado ao zero.
É indubitável que uma bússola que indique as portas de entrada deve ser, para todos os animais que disponham de um lugar
onde se recolham, ninho ou local de postura, um recurso indispensável. A garantia de terem à sua disposição as portas que lhe dão
acesso, obtida por sinais ópticos no espaço visual, não é, em geral,
suficiente, porque eles devem poder reencontrá-Ias mesmo quando
elas tenham mudado de aspecto.
A capacidade de redescobrirem as portas de entrada no
espaço-de-acção p,UJ;O, pode demonstrar-se q.ue existe também
3B:
-========~..
Fig. 8-Descobc,!a
do lar, pela lapa.
87
nos insectos e moluscos, apesar de estes animais não possuírem
canais semicirculares.
. A seguinte experiência é bem convincente (fig. 7). Enquanto
a maior parte das abelhas de uma colmeia voam pelo campo,
desloca-se esta do seu lugar habitual para uns dois metros de
distância. Verifica-se então que, de volta a ela, se acumulam
pairando no ar, no lugar em que ela antes se encontrava e com
ela o orifício de acesso-o seu ponto de partida. Só passados uns
cinco minutos elas se resolvem a voar para aquela sua nova
situação.
Levando mais longe esta experiência demonstrou-se que
aquelas abelhas a que se tinham cortado as antenas se dirigiam
sem se deterem para a colmeia deslocada, o que significava que,
só enquanto as possuíam se orientavam no espaço-de-acção,
Sem elas orientam-se à custa dos sinais visuais do campo.
As antenas da abelha devem, pois considerar-se como órgão que,
de qualquer modo, desempenha o papel de bússola da porta de
acesso na sua vida normal, e lhe indica o caminho de regresso
com mais certeza que os sinais visuais.
Ainda mais surpreendente
é a análoga descoberta-da-lar,
que os Ingleses designam pelo termo homing, por parte da lapa (1)
(fig. 8). A lapa vive entre as zonas das marés, sobre as rochas.
Os grandes exemplares da espécie gravam na rocha para seu uso
e com a sua concha dura, um leito em que, aderindo fortemente
a ela, passam o período da baixa-mar. No período da preia-mar
começam a deslocar-se e a pastar nas rochas dos seus arredores.
Logo que a maré começa a baixar buscam de novo o seu leito,
não seguindo sempre o mesmo caminho. Os olhos da lapa são tão
rudimentares que o molusco, só à custa deles, muito dificilmente
consegue reencontrar o seu ponto de partida. A existência de
qualquer indício de olfacto é tão improvável como a de um sentido de visão. Só resta admitir a existência de uma como que
bússola orientadora no espaço-de-acção,
de que todavia não
podemos fazer a mínima ideia,
b) O espaço tâctil
A pedra de fundação do espaço táctil não é nenhuma grandeza
cinemática como a passada-de-orientação, mas sim uma grandeza
(I ~
38
Molusco gastrópode marinho do género Paulla,
estática, isto é, o local. O local também deve a sua existência
a um sinal-perceptivo do sujeito e não é qualquer aspecto inerente
matéria do ambiente. Foi Weber (1) quem o demonstrou .
Quando se colocam as pontas de um compasso, afastadas de
um centímetro uma da outra, (fig. 9) sobre o pescoço de uma
Fig. g-Compasso
de Weber
pessoa, elas são apercebidas como distintas uma da outra. Cada
uma delas encontra-se num local diferente do da outra. Quando
se transportam, sem alterar a sua distância, as duas pontas do
compasso para as costas e para pontos cada vez mais afastados
do pescoço, é como se elas estivessem cada vez mais próximas
uma da outra, até que, com esse mesmo afastamento, é como se
duas pontas tocassem a pele no mesmo ponto.
(I) Emest Heinrich Weber (1795'1878), contribuiu para a fundação da fisiologia
moderna. Estudou o sentido do tacto na pel~. (Nola da ed, alema)
39
Daqui se conclui que além do sinal-perceptivo ela sensação do
tacto possuímos sinais-perceptivos para a sensação do local,
a que chamamos sinais do local. Cada percepção-de-localização corresponde, exteriorizada, a um local em espaço-táctil.
Os territórios da nossa pele que, ao serem tocados, produzem a mesma percepção-de-localização, variam largamente de
extensão, conforme a importância que tem para o tacto a região
da pele que é tocada. A par da ponta da língua, que tacteia a
cavidade bucal, as extremidades dos nossos dedos possuem os territórios de menor extensão, e podem, por isso, distinguir uns dos outros
a maior parte dos locais. Quando tocamos com os dedos um
objecto, atribuímos, por intermédio destes, à sua superfície um
delicado mosaico de locais. O mosaico de locais dos objectos dos
lugares frequentados por um animal é, tanto no espaço táctil
como no espaço visual, uma atribuição feita pelo sujeito às coisas
do seu mundo-próprio, que, de modo nenhum existe no ambiente.
Ao tocarem-se pontos diferentes, os locais relacionam-se com
as passadas-de-orientação e juntos servem para o esboçar da forma.
O espaço táctil desempenha um papel muito importante
em muitos animais. Os ratos e os gatos continuam a des-,
locar-se sem hesitar, mesmo quando
cegos - contanto
que
conservem os seus pêlos tácteis. Todos os animais nocturnos
e todos os que habitam em grutas vivem essencialmente em espaço
táctil, que uma fusão de localizações e passadas-de-oritentação
delimita.
c) O espaço-visual
Os animais desprovidos de olhos, que, como a carraça, possuem
pele sensível à luz, é de presumir que possuam as mesmas zonas
tegumentares para a realização de localizações, tanto por meio
de estímulos luminosos como por meio de estímulos tácteis. Localizações ópticas e localizações tácteis coincidem no seu mundo-próprio.
Só nos animais providos de olhos, o espaço visual e o espaço
táctil se distinguem um do outro. Na retina do olho os pequeníssimos
territórios elementares-os
elementos visuais-dispõem-se
muito
densamente uns em relação aos outros. A cada elemento visual
corresponde um acidente local no mundo-próprio, pois que se
provou que a cada elemento visual corresponde um sinal-do-local.
4Q
A. figo 10 representa o espaço VIsual de um inseclo voado!'.
• fácil de ver que, em consequência da forma convexa do olho
território do mundo exterior que atinge um elemento visual
umenta com a distância, e por cada local é discernida uma
\
\
\
,
I
\
\
\
I
!
I
\
I
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
,
/
/
/
'"
"
Fig. to-c-Espaço visual de um insecto voador
rte do m.undo ambiente cada vez mais vasta. Disto resulta que
lodos os obJ?ctos que ficam mais afastados do olho se apresentam
da vez mais pequenos até desapareceram no interior de um local.
modo '!.ue o local represe~ta a menor porção de espaço dentro
qual nao há qualquer diferenciação.
A aparente diminuição de grandeza dos objectos não se dá
O espaço táctil. E é neste ponto que espaço visual e espaço táctil
I op~e~: Quando pegamos numa chávena com o braço estendido
Q dIrlglm~s para a boca, ela aumenta
de dimensões aparentes
m ~spaço Visual, mas não em em espaço táctil. Neste caso o espaço
til tem vantagem sobre o espaço visual pois que o aumento
tamanho da chávena passa despercebido a um observador
o atento.
Como a mão que palpa, o olho que olha em volta estende
41
sobre todas as coisas do mundo-próprio um delicado mosaico de
locais, cuja finura depende do número de elementos visuais que
atingem as mesmas secções do ambiente.
Pois que o número dos elementos visuais varia muito de animal
para animal, o mosaico-de-Iocais deve também variar. Quanto
menos fino for tanto maior número de particularidades das coisas
devem perder-se, e o mundo, visto por um olho de mosca deve
parecer muito mais grosseiro do que o visto por um olho humano.
Como cada imagem pode variar por sobreposição de uma
rede fina num mosaico de locais, o método da rede proporciona-nos a possibilidade de realizar a representação dos mosaicos de locais dos diferentes animais.
Basta, para tanto, reduzir sucessivamente a mesma representação, vê-Ia depois através da mesma rede, fotografá-Ia e depois
ampliá-Ia. Assim aquela se pode transformar num mosaico cada
vez mais grosseiro, reproduzindo-o em aguada, sem rede,
que tornaria confuso o seu aspecto. As figs. I I a-d são
aqui representadas tal como se obtiveram pelo método da
rede, e dão-nos a possibilidade de se obter um aspecto do
mundo-próprio de um animal, quando se conhece o número
de elementos visuais do seu olho. A figo I I C corresponde aproximadamente à reprodução fornecida pelo olho da mosca doméstica.
É fácil de compreender que num mundo próprio que apresenta
tão poucas particularidades, os fios de uma teia de aranha devem
passar completamente despercebidos, e é legítimo dizer: a aranha
tece uma teia que é completamente invisível à sua presa.
A última figura (I I d) corresponde aproximadamente à
representação da impressão dada por um olho de molusco. Como
se vê, o espaço visual das lapas e dos mexilhões contém apenas
algumas manchas escuras e claras (1).
Como no espaço. táctil, as conexões no espaço visual são feitas
por passadas de orientação de local para local.
Quando fazemos uma preparação à lupa, que tem por função
discernir um grande número de locais em uma pequena área,
podemos verificar que não é só a nossa vista, mas também a nossa
mão, que guia a agulha de dissecção, realiza passadas-de-orien(r) Estas representações indicam apenas o processo que leva a fazer uma primeira
ideia das diferenças dos aspectos sob que vários animais vêem os objectos exteriores.
Quem queira ficar com uma ideia das particularidades desses aspectos dinâmicos,
no caso dos insectos, terá um guia na obra de K. v. Frísch Aus dem Leben der Bienen
«<Acerca da vida das Abelhas"), ed, Springer, 5." edição, 1953. (Nota da ed, alemã)
I I
42
Fig.
Fig.
H
I I
a-Fotografia
b-Rua
de uma rua de aldeia
de aldeia obtida com uma rede
43
ção muito mais curtas, correspondentes a locais tornados muito
ais próximos uns dos outros.
2.
Ii
Fig,
Fig.
44
II
11
c-A
d-A
mesma para" um olho de mosca
mesma para um olho -de moluseo
o
HORIZONTE
Ao contrário do espaço-de-acção e do espaço táctil, o espaço
lsual é limitado em toda a volta por uma parede impenetrável,
que chamamos o campo longínquo, ou o horizonte.
01, Lua e estrelas movem-se, sem distância em profundidade
I ntre si, sobre o mesmo horizonte, que inclui tudo o que se abrange
, m a vista. A situação do horizonte não é invariàvelmente fixo.
uando depois de uma grave febre tifóide, eu dei o meu primeiro
p sscio fora de casa, o horizonte pendia como uma colgadura
riegada a uns vinte metros de distância, sobre a qual tudo o
u eu via se delineava. Para além de vinte metros não havia
uaisquer objectos mais próximos ou objectos mais afastados,
ns só objectos maiores ou menores.
A lente do nosso olho (o cristalino) tem a mesma função
ue a de uma câmara fotográfica: a de projectar nitidamente
retina, que corresponde à placa fotográfica, os objectos situados
frente dos nossos olhos. A lente do olho humano é elástica
pode, pela acção de músculos próprios a ela ligados, variar
is ou menos de curvatura (o que corresponde à focagem da
11 te da câmara fotográfica).
Em virtude da contracção dos músculos do cristalino manitam-se sinais de orientação no sentido de trás para diante do olho.
uando esses músculos, relaxando-se, se alongam pela acção da
1 ticidade da lente, os sinais dados indicam o sentido de diante
ra trás.
Quando os músculos estão completamente relaxados, o olho
tá acomodado para a distância desde dez metros até ao infinito.
Dentro de um círculo de dez metros, as coisas no nosso mundoróprio, em virtude da acção dos movimentos dos músculos do
istalino, apresentam-se-nos como próximas ou afastadas. Para além
c círculo dá-se, naturalmente, apenas um aumento ou dirrlÍnuido tamanho dos objectos. Nas crianças de peito o espaço visual
mina àquela distância, limitado por um horizonte que tudo
I'ange. Só depois, a pouco e pouco, começamos a aprender,
iusta de sinais-de-distância, a alargar cada vez mais o nosso
rizonte, até que, ainda gradualmente com o nosso desenvolvi45
ento, este limita o espaço visual a uma distância de seis a oito
uilómetros, em que aquele começa.
A diferença entre o espaço visual de uma criança e o de um
dulto, está figurada na figo I2, que reproduz gràficamente uma
periência comunicada por Helmholtz (1). Relata ele que, ainda
pequeno, ao passar pela igreja da guarnição de Potsdam, notara
na galeria da torre daquela alguns operários. Pediu então a sua
mãe que lhe fosse buscar um daqueles bonequitos pequenos.
A igreja e os operários já estavam contidos no seu horizonte,
por isso não estavam afastados, eram apenas pequenos. Tinha
pois toda a razão para admitir que sua mãe podia, com os seus
~raços compridos, tirar os bonecos da galeria. Ele não sabia que
O mundo-próprio
de sua mãe a igreja tinha dimensões perfeitaente diferentes das que tinha no seu, e que na galeria o que
avia era homens, não, pequemos, mas, afastados. Quanto aos
nimais, a situação do horizonte nos seus mundos-próprios é
ifícil de determinar, porque a maior parte das vezes não é fácil
de experimentalmente
verificar quando é que um objecto do
mbíente, ao aproximar-se do sujeito não só passa a ser maior
as também a ficar aparentemente mais próximo. Estudos de
aptura de moscas domésticas, mostram que só quando a nossa
ão se aproxima até cerca de meio metro de distância, esta foge
oando. Por conseguinte é de admitir que o horizonte da mosca
deverá estar a esta distância aproximadamente.
Mas outras experiências realizadas ainda com a mosca domésca deixam entrever que DO seu mundo-próprio o horizonte se
vela de outra maneira. Sabe-se que as moscas não só giram em
volta de uma lâmpada suspensa ou de um lustre, mas interrompem
voo, sempre recuando, quando se tenham afastado de meio rnetro
essas fontes luminosas, para depois fugirem para o lado ou para;
I\ixo delas. De modo que se comportam como um homem do
ar que, no seu barco à vela não quer perder uma ilha de
vfsta.
Ora, o olho de uma mosca é constituído de modo tal que os
I us elementos visuais (rabdomas) (fig. I3) apresentam estruturas
ongadas nervosas que a imagem dada pelas suas lentes devem
travessar até diferentes profundidades, correspondentes às dís-
(r)
Hermann v. Helmholtz (1821-1894), fislologista e físico, inventor do oftalmos..
da teoria ondulatória de Maxwell; autor de interpretações sobre a natureza
oncrgia, ete. (Nota da ed, alemã)
6plol defensor
Fig. 12-0
46
horizonte de um adulto (em baixo) e de uma criança (em cima)
47
tâncias dos objectos vistos. Exner (1) sugeriu que neste caso podia
tratar-se de um dispositivo que substituiria os músculos do cristalino do olho humano.
Se admitirmos que o dispositivo óptico dos elementos visuais
funciona como uma lente, o lustre, a UIJ)acerta distância deixava
u as vacas que pastam no prado, todos estão constantemente
cerrados nas suas «bolas de sabão» que limitam o espaço.
Se tivermos estes factos bem presentes na mente, reconhecere-
Cor
Fig.
14-Lustre,
para um homem
Fig.
15-Lustre,
para uma mosca
Fig. rg-c-Forma de um olho composto de uma mosca. Representação esquemática: a) o olho de que se destacou um sector (segundo Hesse); b) duas
omatídeas: Cor, córnea, quitinosa; K, núcleo; Kr, cone cristalino; Kf'z, célula
desse cone; Nf, fibra nervosa; P, pigmento; P;;, célula pigmcntar; Retl, rerínula; Rh, rabdoma; Se, célula visual
de ser visto; e a mosca voltava a aproximar-se. Comparem-se
a este respeito, as figs. 14 e 15, que representam um lustre visto
sem ou com uma lente interposta.
Se, seja como for, o horizonte encerra, incluindo-o, o 'espaço
visual-ele existe sempre. De modo que devemos considerar todos
os animais que à nossa volta animam a natureza,-os coleópteros,
borboletas, moscas, mosquitos, libelinhas que povoam um prado,
-como que encerrados numa «bola de sabão» que limita o seu
espaço-visual e em que tudo o que é visível para o sujeito está
contido. Cada «bola de sabão» aloja um local diferente dos das
outras, e em cada uma delas existem ainda os planos de referência
dos espaços-de-acção
que conferem ao espaço uma estrutura permanente. As aves que esvoaçam, os esquilos que saltam nos ramos,
a também a «bola de sabão» do nosso mundo-próprio-que
volve cada um de nós. Então veremos todos os nossos semeh nt s encerrados em «bolas de sabão,» que se interceptam sem resis-
(r} Siegrnundo Exner (1846-1926),
desde 1875 professor do «Physiologischen
Instituo>, Viena. Publicou trabalhos sobre óptica-fisiológica assim como sobre a função
I
do córtex cerebral. (Nota da ed. alemã)
48
ias, porque são constituídos por sinais-perceptivos subjectivos.
existe, de modo nenhum, espaço independente do sujeito.
porém, nós nos agarramos à ficção de um espaço universal,
• A.lI.
49
é apenas porque recorrendo a essa mentira convencional conseguimos compreender-nos melhor uns aos outros.
3.
A PERCEPÇÃO DO TEMPO
É a Karl Ernest v. Baer (1) que cabe o mérito de ter considerado evidente ser o tempo uma criação do sujeito. O tempo como
sequência de momentos varia de um mundo para, os outros,
consoante o número de momentos que os sujeitos vivem no mesmo
intervalo de tempo. Os momentos são os mínimos, indivisíveis,
continentes de tempo, pois que são a expressão de sensações
elementares indivisíveis, os chamados sinais instantâneos. No
homem, como já dissemos, a duração de um momento' é de r/r8
do segundo. E, na realidade, é o mesmo para todos os domínios
sensoriais, porque todas as impressões dos sentidos são acompanhadas por os mesmos sinais instantâneos.
Dezoito vibrações. do ar por segundo já não se ouvem como
sons separados, mas como um som contínuo. Demonstrou-se que
nós sentimos dezoito choques que nos afectem a pele num segundo,
como se fosse uma pressão constante.
A cinematografia torna possível projectar na tela movimentos
do mundo exterior no ritmo que nos é habitual. As imagens
destacadas seguem-se ali com pequenos intervalos de r/ r8 do
segundo.
Se quisermos seguir movimentos que, para a nossa vista,
fluem com demasiada rapidez, temos de nos servir da lupa-de-tempo.
Chama-se lupa-de-tempo ao procedimento que consiste. em
tirar um grande número de negativos por segundo, projectando-os depois no ritmo normal. Deste modo alargamos o decorre'!"
do movimento por um maior intervalo de tempo, e teremos a
possibilidade de distinguir acontecimentos que para o nosso
ritmo de tempo (de dezoito por segundo) são demasiado rápidos,
como o bater de asas das aves e insectos. Assim como a lupa-de-tempo retarda o fluir do movimento, assim também este é
apressado' pelo redutor-de-tempo. Quando registamos gráficamente hora a hora um ,acontecimento, e depois projectamos as
(I) 1792-1876. Zoólogo, fundador de uma doutrina da evolução diferente da
Darwin. (Nota da rd. alemã)
50
de
•
diferentes fases com intervalos de r/r8 de segundo, conaImo-lo num certo intervalo de tempo e assim conseguimos a
lIibiJidade de distinguir acontecimentos que para o nosso ritmo
t mpo são muito lentos, como o abrir de uma flor..
Põe-se a questão de saber se há animais cuja percepção do tempo
nha momentos mais longos ou mais curtos do que os nossos,
m cujos mundos próprios, por isso, os decursos de movimento
~lIm mais lentos ou mais ràpidos que no nosso.
Os primeiros estudos feitos a este respeito foram realizados
I' um jovem investigador alemão, que cl.;is tarde teve a colar ção de um outro, principalmente no estudo da reacção do
I -lutador â sua própria imagem dada por um espelho. Este
I
não reconhece esta quando ela que é apresentada dezoito
• 8 por segundo; para a reconhecer necessita que o seja o
ínlmo trinta vezes por segundo. Um terceiro investigador ensio peixe-lutador a abocar o isco quando por trás dele se fazia
r um disco cinzeneo. Quando, porém, se fazia girar lentamente
.E
116-0 momento do caracol. B=esfera; E=engrenagem;
N=varazinha;
S=caracol
disco com sectores negros e brancos funcionando como «qua-d -aviso», imediatamente o peixe tinha um ligeiro sobressalto
ndo se aproximava o isca. Aumentando então a velocidade
iração do disco, as reacções tornam-se meHOSregulares a
: 51
uma certavelocidade para logo depois suceder o contrário quando
aquela aumenta. Isto começava a dar-se só quando os sectores
negros seseguiam uns aos outros com um intervalo de I/50 do
segundo. O quadro de aviso branco-negro
tornava-se então
cinzento. Daqui se conclui com certeza que, nestes peixes, os
quais se alimentam de presas que se deslocam ràpidamente, todos
os fen6menos de movimento no seu mundo-próprio se passam,
como na lupa-de-tempo, retardadamente.
Um exemplo de contracção de tempo está representado
na figo 16, tirada d~ obra antes citada. Sobre uma bola de borracha que, flutuando na água, pode nela escorregar pràticamente
sem atrito, coloca-se um caracol, que se fixa pela concha, com uma
pinça, a um suporte. Deste modo ele não é impedido de rastejar,
conservando-secontudo sempre no mesmo lugar. Se agora pusermos em contacto com a palmilha do caracol uma varazinha,
este rastejará sobre ela. Se aplicarmos um a três toques da vara,
por segundo, sobre o caracol, ele reage afastando-se dela,
mas se os to'ques se repetirem quatro ou mais vezes por segundo,
então o caracol começa a arrastar-se ao longo da varazinha.
No mundo-próprio do caracol, uma vara que vibra com o período
de quatro vezes por segundo é como se estivesse em repouso.
De onde devemos concluir que o tempo do caracol flui num
ritmo de três a quatro momentos por segundo. Isto tem como
consequência que no mundo-próprio do caracol todos os fenómenos de movimento se passam muito mais ràpidamente do que
no nosso.Além disto os movimentos típicos do caracol não fluem,
para ele, mais lentamente do que os nossos para nós.
4- os MUNDOS-PRÓPRIOS
biente, o seu mundo-próprio apreende apenas a característica,
mpre a mesma, pela qual a paramécia quando quer que seja
eja como for e onde for, é estimulada a desencadear o mesmo
ELEMENTARES
Espaçoe tempo não são de qualquer préstimo imediato para
o sujeito. S6 adquirem significado quando muitas característica,
que, sem quadro temporal e espacial ruiriam, têm de ser dife: renciadas. Um tal quadro, em mundos-próprios elementares, em
que há um único sinal-característico, não é, porém, necessário,
A figo17 representa par a par o mundo ambiente e o mundo-próprio da paramécia, um pequeno ciliado. A paramécia é revestida de densas fiadas de cílios, por meio de cuja agitação se move
. rapidamente na água, girando em torno do seu eixo maior.
De todas as diferentes coisas que se encontram no seu mundo
°
52
Fig. 17-Mundo
I
ambiente e mundo-próprio da paramécia
nto .. O mesmo carácter de obstáculo provoca sempre o
movimento de fuga. Este consiste em um movimento de
a que depois se segue um desvio lateral, seguido de novo
, de modo que o obstáculo é ultrapassado. Pode dizer-se
53-
I
I
I
I!
que, neste caso, o mesmo sinal característico é cancelado pela
mesma marca-de-acção. Quando o animalzinho contacta corri uma
partícula das que lhe servem de alimento (l)-as bactérias de
decomposição, que, de entre tudo que existe em todo o mundo-ambiente, não determinam qualquer estímulo-o animal detem-se.
Estes factos mostram-nos como a natureza consegue estruturar
a vida segundo um plano com um único ciclo-de-função.
Alguns animais pluricelulares, como as medusas pelágicas
do género Rhizostoma, também podem bastar-se a si próprias
com um único ciclo de função.
Neste caso o organismo consiste num dispositivo hidráulico
natatório que recolhe em si a água do mar não filtrada, rica
I
~ ....
Fig. 18-Medusa
pelágica
com corpos marginais
em plancton, e a reexpele filtrada. A única manifestação de vida
na medusa consiste em oscilações, para um e outro lado, da
umbela gelatinosa e contráctil. Por meio de uma pulsação sempre
igual, o animal mantem-se nadando à superfície do mar. Ao
(,)
54
Na figura 17, Nahrung.
mesmo tempo, o intestino, membranoso, dilata-se e contrai-se
alternadamente, assim entr~ndo e saindo a água do mar, por
pequenos poros nele existentes. O conteúdo fluido do intestino
é impelido ao longo de extensos canais digestivos, cujas paredes
absorvem os alimentos e o oxigénio arrastado. Natação, preensão
dos alimentos e respiração mecanica todas são realizadas pela contracção rítmica dos músculos existentes nas margens da umbrela.
Para que estes movimentos se continuem sem interrupção, existem
nas ;:)margns da umbela oito órgãos campanuliformes (corpos marginais), (convencionalmente representados na figo 18), cujos badalos,
a cada pulsação, chocam com uma papila nervosa. O estímulo resultante do choque, provoca a pulsação seguinte da umbela. Deste
modo a medusa provoca em si própria a sua marca-de-acção, e
esta liberta o sinal característico, que provoca de novo o mesmo
acto e assim ad infinitum.
No mundo-próprio da medusa soa sempre a mesma badalada,
que governa o ritmo da vida. Todos os outros estímulos se apagam.
No caso em que um único ciclo-de-função se manifesta, como
em Rhizostoma, pode realmente falar-se de um animal reflexo,
porque o mesmo reflexo se desencadeia desde cada campânula
até à faixa muscular na margem da umbela. Deveremos, porém,
falar de animais reflexos, quando existem ainda outros arcos
reflexos, como sucede em outras medusas, quando eles se conservam completamente independentes. Assim há medusas que
possuem filamentos pescadores que contêm em si a fonte de arcos
reflexos que se fecham sobre si próprios. Muitas possuem ainda
um manúbrio bucal móvel, provido de musculatura própria, que
está ligado aos receptores da margem da umbela. Todos estes
arcos reflexos funcionam com perfeita independência uns dos
outros, não sendo controlados por nenhum órgão central. Quando
um órgão exterior é a sede de um arco reflexo, diz-se que é como
se fosse um «indivíduo reflexo». Os ouriços-do-mar são constituídos
por um grande número desses indivíduos reflexos, cada um dos
quais, por si e sem coordenação central, desempenha a sua função
reflexa. Para tornar claro o contraste entre os animais assim
constituídos e os animais superiores, formulei a proposição seguinte:
quando um cão se desloca, o animal move as pernas, quando um
ouriço-do-mar se desloca, as «pernas» movem o animal. Os
ouriços-do-mar possuem, como o ouriço-cacheiro, muitos espinhos,
que, contudo, fazem parte de indivíduos reflexos autónomos.
Além dos espinhos rígidos e picantes que assentam numa
55
superfície articular esférica do testo e estão prontos a opor uma
floresta de lanças a qualquer objecto, capaz de provocar qualquer
irritação, que se aproxime do testo, existem ventosas pediceladas
(pés ambulacrários) moles, longas e musculosas, que servem para a
locomoção. Além disto, muitos ouriços-do-mar, possuem ainda,
espalhadas por toda a superfície do testo, quatro tipos de. pinças
(pinças ornamentais, pinças percussoras, pinças preensoras e
pinças venenosas) cada tipo com a sua utilização especial.
Apesar de muitos indivíduos-reflexos funcionarem em conjunto, as suas actividades são absolutamente independentes umas.
das outras. Assim, actuados pelo mesmo estímulo químico proveniente do inimigo do ouriço-a
estrela-do-mar-os
espinhos
divergem subitamente e em vez deles surgem as pinças venenosas
que encarniçadamente se lançam contra os pés ambulacrários
daquela.
Pode-se, pois, neste caso, falar de uma «república reflexa»,
em que, porém, apesar da independência de todos os indivíduos
reflexos, reina um «espírito cívico» perfeito. Porque os próprios pés
ambulacrários, moles, do ouriço-do-mar nunca são atacados pelas
pinças preensoras, que aliás mordem qualquer objecto próximo.
Este «espírito cívico» não é ditado por qualquer posto central,
como sucede com o homem, onde também, os dentes cortantes
constituem um perigo para a língua, o qual só é evitado mediante
a intervenção da sinal-perceptivo do perigo de dor no órgão
central. Porque o perigo de dor impede o acto que o provoca.
Na república de reflexos do ouriço-do-mar, que não possui
nenhum centro superior de coordenação, o «espírito cívico» tem
de ser atribuído por outros meios. É a substância, autodermina, ,
que o consegue. Não diluida, ela não paraliza os receptores dos
indivíduos reflexos. Nos tegumentos existe em diluição tão elevada
que é inactiva quando ao contacto de um objecto estranho. Logo,
porém, que dois pontos do tegumento contactam, a sua actividade
manifesta-se e impede o desencadear do reflexo.
Uma república de reflexos, como é o ouriço-da-mar, pode
perfeitamente admitir no seu mundo-próprio várias notas, ou
sinais característicos, se se compuser de vários indivíduos-reflexos.
Tais notas, porém, devem manter-se completamente isoladas,
pois que todos os ciclos-de-função se realizam, completamente
isolados uns dos outros.
Já a carraça, cujas manifestações vitais consistem, como
vimos, em três reflexos, representa um tipo mais elevado, pois
56
que os ciclos-de-função não se utilizam desses arcos reflexos
isolados, mas possuem um órgão-de-percepção comum. Existe,
por isso, a possibilidade de, no mundo-próprio da carraça, o
animal-presa, embora consista apenas em estímulo do ácido
butírico, estímulo do tacto e estímulo do oalor, constituir, não
obstante, uma unidade.
Tal possibilidade não existe no caso do ouriço-do-mar. Os
seus sinais característicos, que se compõem de estímulos graduados
de pressão e estímulos químicos, constituem grandezas completamente isoladas.
Muitos ouriços-da-mar respondem a qualquer obscurecimento
do horizonte com um movimento dos espinhos que, como o
mostram as figs. 19 a e 19 b, se verifica igualmente como resposta
contra uma nuvem, um navio, e o seu verdadeiro inimigo, um
peixe. Mas a representação do mundo-próprio ainda não está
suficientemente simplificada. Não é o caso de o sinal característico
sombra ser transferido pelo ouriço-do-mar para o espaço, pois
que este não possui nenhum espaço visual, e as sombras só se
efectivam como por uma leve passagem de um floco de algodão
sobre o tegumento, sensível à luz. Representar isto gràficamente
era tecnicamente impossível.
5.
FORMA E MOVIMENTO COMO S1NAlS-CARACTEIÚsTICOS
Mesmo que se quisesse admitir que, no caso do mundo-próprio
ouriço-do-mar, todos os sinais-característicos, ou notas, dos
diferentes indivíduos-reflexos são dotados de uma representação
em espaço, e por isso cada um se encontra num local diferente
do de cada outro-não havia, contudo, nenhuma possibilidade
relacionar estes locais uns com os outros. Por isso a este mundoróprio devem necessàríamente faltar os sinais característicos
forma e de movimento que pressupõem a ligação de vários
cais de uns com os outros-e é isso o que se dá. Forma e movinto aparecem pela primeira vez em mundos de percepção
periores. Ora nós estamos habituados a admitir, graças às
eriências adquiridas no nosso mundo-próprio, que a forma
um objecto é a nota, ou sinal-característico, dada em primeiro
ar, e que o movimento sobrevem ocasionalmente como sinalracterístico secundário. Isto porém não é·o que se passa em
uitos mundos-próprios dos animais. Neles, forma em repouso
do
57
•• -----
_._-~
.
e forma em movimento não são dois sinais-característicos inteiramente independentes um do outro, podendo também ocorrer
o movimento sem forma, corno sinal-característico independente.
A figo 20 representa a gralha-de-bico-vermelho, ou corvacho,
caçando gafanhotos. A gralha é completamente incapaz de descobrir um gafanhoto em repouso, e s6 o ataca quando ele salta.
""i'/.~
! .,
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~.-=-=-..•
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Fig. 2o-Gralha·de·bico·vermelho
Fig. 19 a-Mundo
ambiente do ouriço-do-mar
~-_.
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•• "
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,.~cr..::::'
58
e gafanhoto
"·':.":i··:;::·f:.S'j~J··~""·"·
.
".'1>rCJ'· .
Nestas circunstâncias conjecturamos imediatamente que a
forma do gafanhoto em repouso é bem conhecida da gralha, mas.
por causa da erva que dissimula não é por aquela reconhecida
como unidade, exactamente como nós só com dificuldade conseguimos destacar num desenho-quebra-cabeças uma forma onhecida.
Segundo esta maneira de ver, a forma só ao saltar se distingue
das dissimuladoras imagens circumvizinhas.
Mas segundo outras experiências é de admitir que a gralha
não reconhece a forma do gafanhoto em repouso mas apenas
está adaptada a reconhecer a forma em movimento. Isto expli-.
caria «a simulação da morte» de muitos insectos. Quando a sua
forma imóvel não existe essencialmente no mundo de percepção'
do inimigo perseguidor, eles por meio desse subterfúgio,escapam-se a salvo desse mundo de percepções do inimigo e nunca
podem ser descobertos quando ele os procura.
Eu construí um «anzol» para moscas, que se compõe de uma
varazinha de que suspendi por um fio fino uma ervilha revestida
de visco. Se por meio de uma leve vibração da varazinha pusermos a ervilha em movimento no parapeito de uma janela' sobre
que haja muitas moscas, sempre algumas se lançarão sobre
a ervilha, ficando' pegadas a ela, podendo depois verificar-se que
são sempre machos.
59
o
fenómeno representa uma espécie de falsas núpcias. No caso
de moscas que voam em volta de um lustre, é ainda de machos
que se lançam sobre fêmeas que por ali voam, que se trata. A ervilha ao agitar-se imita o sinal-característico de fêmea que V0a e
por isso é tomada, nunca tal sucedendo quando está imóvel, do
que se pode ainda concluir que fêmeas imóveis e fêmeas a voar
são dois sinais-característicos distintos.
Mas que o movimento independente de forma pode figurar
como sinal. característico, pode-se concluir da figo 2 I que representa comparadamente o que se passa com a vieira no seu mundo
ambiente e no seu mundo-próprio.
No mundo ambiente do molusco, e ao alcance da vista dos
seus cem olhos, encontra-se o seu mais encarniçado inimigo, a
estrela-do-mar, Asterias. Enquanto esta se conserva imóvel, não
tem qualquer acção sobre o molusco. A sua forma característica
não é para ele um sinal. Mas logo que ela se põe em movimento,
o molusco estende, como reacção, os seus longos tentáculos, que
funcionam de órgãos do olfacto; aproximando-se da estrela-do-mar e recebem o novo estímulo. A seguir, o molusco ergue-se e
afasta-se nadando.
As experiências tem mostrado ser indiferente a forma ou a
cor que um objecto móvel possua. Pois que, no mundo-próprio
do molusco,ele manifesta-se sempre como sinal característico,
se o seu movimento é tão lento como o da estrela-do-mar. Os
olhos da vieira não são adequados para distinguir a forma ou a
cor mas, exclusivamente, um certo ritmo de movimento,
ti ritmo próprio do seu inimigo. Mas este não fica, por este
meio, completamente caracterizado: para que o segundo ciclo-de-função se desencadeie é preciso que, primeiro, sobrevenha um
sinal olfactivo; então o molusco afasta-se da proximidade do
inimigo, fugindo, e, por meio deste sinal-de-acção, o sinal característico do inimigo é finalmente anulado.
Durante muito tempo supos-se que no mundo-próprio da
minhoca existia um sinal característico para a forma. Já Darwin
sugerira a esse respeito que a minhoca se comportava como se
reagisse à forma tanto de folhas, como de agulhas de pinheiro.
A minhoca transporta para a sua alongada moradia, folhas
e agulhas de pinheiro (fig. 22), que lhe servem indiferentemente
de protecção e de alimento. Verifica-se que quando se tentam
fazer entrar numa galeria estreita e com o pecíolo para a frente,
a maior parte das folhas, elas encontram certa resistência. Pelo.
60
"
'.;.~
....• ,:'
....~ .." .........•..•• ~-".
',
'
Fig. 21-Mundo
.......•
,
,
ambiente e mundo-próprio da vieira
"1
contrário enrolam-se fàcilmente e não se nota qualquer resistência
quando é'o vértice que vai à frente. Quanto às agulhas de pinheiro,
que se desprendem dos ramos sempre aos pares, essas devem
fazer-se entrar na galeria n~o com o vértice mas com a base para
a frente.
I
Do facto de a minhoca se utilizar, sem encontrar dificuldades,
de folhas e de agulhas de pinheiro, concluíra-se que a forma
Fig.
22-A
capacidade de discernimento pelo gosto, na minhoca
destes objectos, que no mundo-de-acção da minhoca desempenham
um papel tão importante, devia existir no seu mundo-de-percepção como nota-característica.
Verificou-se que esta conclusão era incorrecta. Pôde demonstrar-se que as minhocas arrastam para dentro das suas galerias
'62
.pequenas varazinhas, todas com a mesma forma e que se tinham
revestido de gelatina, indiferentemente com uma ou a outta
extremidade para a frente. Mas quando se polvilha com pó de
um vértice de folha de cerejeira uma das extremidades da varazinha, e a outra com pó da sua parte basilar, as minhocas distinguem perfeitamente as duas extremidades como se fossem
o vértice e a base da própria folha.
Apesar de a minhoca se comportar perante as folhas de
maneira relacionada com a sua forma, não é realmente pela
forma, mas pelo gosto, que ela se orienta. Este arranjo é muito
feliz, porque os órgãos-de-percepção da minhoca são constituídos
segundo um modelo demasiado simples para produzir sinais de
forma. Este exemplo mostra-nos como a natureza sabe evitar
dificuldades que a nós parecem insuperáveis.
No caso da minhoca também nada havia de percepção de
forma. Tanto, pois, mais instante mente se põe a questão de saber
-em que animais é legítimo conjecturar que a forma existe
originalmente como sinal-característico do seu mundo-próprio?
Esta questão foi resolvida mais tarde. Foi possível demonstrar
que as abelhas pousam de preferência em coisas cujas recortadas,
formas são virtualmente decomponíveis em outras mais simples,
como estrelas e cruzes, evitando, pelo contrário formas inteiriças,
como círculos e quadrados.
A figo 23 apresenta uma comparação imaginada, do mundo-ambiente e do mundo-próprio da abelha, para ilustrar o que
Se passa. Vemos a abelha no seu mundo ambiente de um prado
florido, distinguir entre as flores abertas e os botões. Situada a
abelha no seu mundo-próprio e reduzindo as flores, segundo a
sua forma, a estrelas ou cruzes, os botões passarão a ter a forma
não recortada de círculos.
Daqui concluiremos ainda o significado biológico desta nova
particularidade das abelhas, assim revelada. Só as flores abertas,
não os botões, têm para elas um significado.
Mas as correlações de significado são, como nós Ja vimos
na carraça, os únicos guias seguros na exploração dos mundospróprios. Para o caso é perfeitamente indiferente que as formas
cliscontínuas, decomponíveis, sejam fisiologicamente eficientes.
O problema-da-forma
foi reduzido por estes trabalhos a uma
ormula mais simples. Basta admitir que as células de percepção
ara os sinais locais se articulam em dois grupos no órgãodeercepção, urnas. segundo o esquema «deco~posta», ou aberta,
63
outras segundo o esquema «não decomposta», ou fechada. Não
há quaisquer outras distinções. Se os esquemas se afastam disto,
então resultam deles «imagens perceptivas» que se conservam
inteiramente gerais, que, como novas e muito belas investigações mostram, incluem no caso das abelhas, cores e cheiros.
Nem a minhoca, nem a vieira, nem a carraça, dispõem desses
esquemas. Carecem, por isso, no seu mundo-próprio,de
verdadeiras imagens-perceptivas.
6.
FINALIDADE E PLANO
Como nós, homens, estamos habituados a prosseguir penosamente a nossa existência, de finalidade em finalidade, estamos por
isso convencidos que com os animais se passa o mesmo. Ora isto
é um erro fundamental, que leva as investigações até aqui realizadas por caminhos falsos. Na realidade ninguém atribuirá finalidades a um ouriço-do-mar ou a uma minhoca. Mas já na descrição da vida da earraça nos referimos a o ela «espiar a sua presa».
Por esta expressão já introduzimos, indevídamente ainda que
involuntàriamente,
as nossas mesquinhas preocupações diárias,
na vida da carraça, que é dominada por um plano puramente
natural.
Fig, 23-Mundo
64
ambiente e mundo-próprio da abelha
O nosso primeiro cuidado deve, pois, ser o eliminar da interpretação dos mundos-próprios a falácia da finalidade. S6 assim
poderemos chegar a pôr certa ordem, no ponto de vista da existência de um plano natural, nas manifestações da vida dos animais.
Talvez mais tarde se considerem como tendo finalidade certos
comportamentos
dos mamíferos superiores, que, mesmo eles,
estão por sua vez subordinados ao plano natural de conjunto.
Em todos os outros animais não existem comportamentos
orientados no sentido de um fim. Para demonstrar esta proposição
lerá necessário que o leitor lance 'um golpe de vista por alguns
mundos-próprios que não levantem quaisquer dúvidas. A figo 24
funda-se nas curiosas interpretações a que cheguei, sobre a perepção dos sons pelas borboletas nocturnas. Como nela se dá a
tender, é perfeitamente indiferente que o som a que os animais
tão submetidos, seja o produzido por um morcego ou o resultante
O atrito de uma rolha de vidro: a acção é sempre a mesma.
quelas borboletas nocturnas que em virtude da sua brilhante
oIoração são bem visíveis, afastam-se, voando; pela acção de
-A. H.
65
sons altos, ao passo que as que possuem colorações dissimuladoras
se aproximam deles. A mesma nota ou sinal-característico provoca
resultados opostos. A alta conformidade com um plano patenteia-se nos dois modos opostos de comportamento. Não pode
tratar-se aqui de qualquer discriminação ou intenção, pois que
nenhuma borboleta nocturna jamais viu a cor do seu próprio
tegumento. O que há de pasmoso na conformidade com um plano
torna-se neste caso ainda mais impressionante ao verificarmos
que a engenhosa estrutura microscópica do órgão da audição
da borboleta nocturna é exclusivamente receptiva destes sons
altos emitidos pelo morcego. São absolutamente surdas para os
outros sons.
A oposição entre finalidade e plano já resulta de uma bela
observação feita por Fabre (1). Este pôs a fêmea de uma borboleta
nocturna, olhos-de-pavão, em cima de uma folha de papel branco,
sobre que aquela fez, durante algum tempo, certos movimentos
com o abdómen. Depois pôs a mesma fêmea ao lado da folha
de papel sob uma campânula de vidro.
Durante a noite entraram pela janela verdadeiros enxames
de machos desta espécie muito rara de borboleta, e pousaram
todos sobre a folha de papel branco. Nem um único notou a fêmea
que estava próxima, sob a campânula de vidro. Que espécie de
acção física ou química se devesse atribuir ao papel; eis o que
iFabre não pôde averiguar.
'I'
.\
r
I",
/:/
i'
. ~.. '
'..
l" •
~".
~
Fig. 24-Acção
66
de um som alto sobre borboletas nocturnas
A este respeito são muito elucidativas as experiências, que a
figo 25 ilustra, feitas com saltões-do-feno e grilos.
Num quarto, diante de um microfone receptor, coloca-se um
exemplar vivo a fretenir, uma fêmea, por exemplo. Se num outro
quarto se puserem machos próximos de um outro telefone, estes,
ao ouvirem o fretenir da fêmea, aproximam-se do telefone, sem
darem atenção a uma outra fêmea que fretene sob uma campâula de vidro, para fora da qual o som não pode passar. A imagem
ptica não exerce qualquer acção,
As duas experiências provam o mesmo. Em nenhum dos .casos
e trata de atingir um fim. O comportamento aparentemente
tranho dos machos explica-se, porém, sem dificuldade, se o
tudarmos na sua conformidade com um plano. Nos dois casos
ectua-se, através de um sinal característico, um ciclo-de-função,
as com a ausência do objecto normal nada se dá quanto à
(I)
J. Remi
Fabre (1823-1915), entomologista francês. (Nota da ed, alemã)
67
111,/'1
S'If,
JII,I,I,I,
111,;,1,1,
diante do microfone
Fig. 25- Sa ICo-do-feno
a
68
Fig. 26-Galinha
e pintos
69
r '0 para
produção do sinal-de-acção ap:opriado, qu; ~ra ~ce;san
deste
I
to do primitivo smal caractenstlco.
o ugar
~e~::c:::~mente,
surgir um outro sinal característico e desedn,
-'
S'
qual for este segun o
cadear-se o ciclo-de-funçao segumte. eja
d d
.
b
os ser estu a o mais
sinal característico, deve, em am os os ca~ ~ecessário na cadeia
detidamente. Em qualquer caso, ele é um e o
.
em o acasalamento.
dos ciclos-de-funçao que serv
.
tos? Eles são
Para quê dir-se-á, atribuir finalidade aos msec os.
b I
determinado~ imediatamente pelo pl~no ~atural, que esta e~~:
•
•
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•
Já VImos na carraça.
os seus smais caracterIstlCOs, como
.
a alinha
quem já reparou no que se pas~a n~ma cap_oelr~d~~:~uvrdar de
se apressa a socorrer os seus pmtamhos, na~ P fi r dade ExacverdadeIra na ~
'.
que há no seu comportamento. uma
,
todo o rigor curiosas
tamente sobre este caso realizamos com
r..
experiências.
id
do se prende
A fig. 26 ilustra os resultados nelas obti os.. ~uan
o que faz que a
um pintainho por uma perna, ele começa a pIar,
campânula, de modo que ela o possa ver mas sem o ouvir, 11
galinha conserva-se perfeitamente calma perante o espcctá ul .
Também aqui se não trata de finalidade, mas sim, ainda,
de uma cadeia de ciclos-de-função. O sinal de piar provém normalmente, de forma indirecta, de um inimigo que prende o
pintainho.
Este sinal característico será eliminado pelo sinal-de-acção da
picada que porá o inimigo em fuga. O pintainho que se debate,
mas não se ouve piar, não é um sinal característico que produza
qualquer efeito particular; além de ser completamente fútil, pois
que a galinha não tem condições para desfazer um laço.
Ainda mais singular e desprovida de fim foi a maneira como
a galinha, representada na figo 27, se comportou. Esta galinha
chocara uma postura de ovos de galinhas brancas, mas em que
havia um da sua própria raça negra. A forma como ela se comportou com o pintainho preto que saiu deste ovo foi perfeitamente
absurda. Quando o ouvia piar, a galinha acorria imediatamente
ao sinal, mas se o via entre os brancos, corria-o às bicadas. Os
sinais acústico e óptico característicos, do mesmo objecto, provocavam nela o desencadear de dois ciclos-de-função opostos.
Manifestamente os dois sinais, no mundo-próprio da galinha, não
se fundiam numa só unidade.
.
7.
Fig. 27-Galinha
e pinto preto
.
di .. de penas eriçadas na direcção de que os pios
galinha se IrIJa
.
. h
L
que o avista
partem mesmo que não veja o pl.nta!I~ o'. ogo
começa a dar bicadas num inimigo lmagmáno.
d
b uma
.
. h
que se pren eu so
Se, porém, se puser o pmtam o,
'
IMAGEM-PERCEPTIVA
E IMAGEM-EFECTORA
A oposição entre finalidade do sujeito e plano da natureza
dispensa-nos também de considerar a questão do instinto, em
que ninguém ainda deu os primeiros passos certos.
Será necessário à bolota qualquer instinto para vir a ser um
carvalho, ou trabalha instintivamente uma multidão de células
ósseas para formar um osso? Se se responde a isto negativamente
e, em vez de instinto se postula como factor ordenador um plano
de natureza, então há que reconhecer no tecer da teia de aranha,
ou na construção do ninho das aves a intervenção do .plano da
natureza, pois em ambos os casos não é de um fim particular
que se trata.
Instinto é apenas um termo que resulta da perplexidade a que se
põe quem contesta o plano da natureza, super-individual. E este
6 contestado porque dele, que é um plano, não se pode formar
qualquer ideia adequada, pois não é uma substância nem uma força.
71
70
E no entanto não é difícil, partindo do conceito de plano,
ficar com uma ideia acerca da questão, quando nos apoiamos
num exemplo intuitivo.
Para pregar um prego não basta o mais belo dos planos, se
não se tem um martelo. Mas também 'não basta o mais belo dos
martelos se se não tem qualquer plano e nos entregamos ao acaso.
Porque, nesse caso, batemos com o martelo nos dedos.
Sem plano, isto é, sem o todo-poderoso poder de ordenação
que tudo domina na natureza, não há qualquer espécie de natureza ordenada, mas apenas um caos. Todo o cristal é o fruto de
um plano natural, e quando os físicos apresentam o mais belo
modelo do átomo, como é o de Bohr, revelam os planos
da natureza inanimada que buscam desvendar.
Assim, também, o poder dos planos da natureza viva recebe do
estudo dos mundos-próprios a interpretação mais clara que é possível. Estudá-Ios, eis a mais interessante das tarefas. Por isso não
queremos deixar-nos perturbar, e tranquilamente prosseguimos a
nossa rota através dos mundos-próprios.
Os casos ilustrados na estampa superior a cores, entre as páginas
104 e 105 representam um resumo dos resultados obtidos nos estudos
do crustáceo, casa-roubada. Verificou-se que o casa-roubada necessita, como imagem-perceptiva, um esquema espacial extremamente,
simples. Cada objecto de uma certa ordem de grandeza, com
um contorno de entre um cilindro e um cone, pode ter para ele
significado. Como se traduz nas figuras, o mesmo objecto de aspecto
cilíndrico, como é o caso da anémona-do-mar, muda de significado
no mundo-próprio do casa-roubada, conforme as circunstâncias, (a
disposição) em que o casa-roubada se encontra. Nós vemos sempre o
mesmo casa-roubada e a mesma anérnona-do-mar. Ora, no primeiro caso representado, tinha-se destacado esta da concha, em que
aquele se alojara. No segundo, tinha-se tirado o casa-roubada de
dentro da concha, e no terceiro tinha-se feito jejuar um casa-roubada instalado dentro de uma concha, a que estavam fixadas
anémonas-do-mar. Isto basta para pôr o casa-roubada em três
circunstâncias diferentes. Conforme as diferentes disposições,
o significado da anémona-do-mar em relação ao crustáceo,
varia. No primeiro caso, em que à concha que alojava o crustáceo
faltava a protecção que a anémona-do-rnar lhe prestava' contra
o choco, a imagem perceptiva da anémona-do-mar assume um
«teor de protecção», Isto manifesta-se no comportamento do
casa-roubada, que põe ao alto a concha que lhe serve de abrigo.
72
Se privamos desta o mesmo casa-roubada, a imagem perceptiva
da ~némona-do-mar assume um «teor de habitação», o que se
manifesta em o ele tentar, ainda 'que sem êxito entrar para dentro
?ela. No terceiro caso, em que o crustáceo está esfomeado, aquela
Imagem passa a ter um «teor de alimento» e este começa a devorar
a anémona-do-mar.
Estas experiências têm, por isso, particular importância pois
mostra~ que já n.os mundos-próprios dos artrópodos a im~gem-perceptiva, fornecida pelos órgãos dos sentidos, pode ser substituída por uma imagem-efectora, dependente da função que nela
se contém.
,
As investigações tendentes a interpretar este singular estado
de coisas têm-se realizado com cães. A maneira como se pôs a
questão foi muito simples e as respostas dos cães, unívocas. Ensinou-se um cão a saltar para cima de uma cadeira colocada em
frente ?ele, quan~o se dava a voz de «cadeira». Depois, tirou-se
a cadeira e repetia-se, «cadeira». O resultado foi o cão comportar-se com todos os objectos que julgava poderem servir de assento,
Como se comportara com a cadeira, e saltar para cima deles.
Todos eles, pois nos queremos referir a objectos como arcas
«étageres», bancos voltados, tinham um certo «teor de assento»'
, de facto, um teor de assento-de-cão, e não de assento-de-home~
Porque certas destas cadeiras-de-cão não eram absolutamente nada
p~óprias para serem como tal utilizadas pelo homem. Podia
ainda mostrar-se que também «mesa» e «cestinho» possuiam
para o cão um teor especial, que dependia dos serviços que lhe
prestavam.
Mas o problema já mesmo nos homens pode ser acentuado.
orno vemos nós, no caso da cadeira, o sentar, no da chávena,
beber, no da escada, o trepar, funções que em caso nenhum
os são denunciadas pel~s.sentidos? Nós vemos em todos os objec08 que aprendemos a utilizar, o préstimo que deles aproveitamos,
U8ta~ente com a mesma certeza que a sua forma e a sua cor.
TIve um negro, oríginário do interior da África, de perto de
ar~ssala~, rapaz ainda novo, muito inteligente e hábil, a quem
úníca coisa qU(~faltava era o saber como se utilizavam os objectos
rop_eus.Um dia que lhe disse para subir a uma pequena escada
mao, ele perguntou-me; «Como é que o posso fazer se só vejo
vessas.separadas por i?tervalos?» Logo, porém, que outro neg~o
e~plIcou como devia proceder, nada mais foi preciso. Daí
diante os dados dos sentidos «travessas e intervalos» assumi-
73
ram o teor de «subir» e passaram a ser considerados como uma
escada. A imagem-perceptiva das travessas e intervalos foi completada
pela imagem-efectora dà sua própria utilização, adquiriu um novo
significado, e este revelou-se como uma nova qualidade, corno
teor de utilização ou «teor-efector». Por esta experiência com o
negro somos levados a notar que nós elaboramos para todas as
utilizações que aproveitamos no nosso mundo-próprio uma imagem-efectora que necessàriamente fundimos tão intimamente com
a imagem-perceptiva fornecida pelos nossos órgãos dos sentidos,
que elas adquirem por esse meio uma nova qualidade que nos
torna conhecido o seu significado ,e que logo 'pretendemos caracterizar como seu teor-efector.
O mesmo objecto pode, se tiver diferentes préstimos, possuir
várias imagens-efectoras, que então emprestam à mesma imagem-perceptiva, outros tantos teores correspondentes. Uma cadeira
pode, ocasionalmente, ser aproveitada como arma de arremesso,
e possui então uma nova imagem-efectora que se revela como
«teor de agressão». Também neste caso, bem humano, a situação
do sujeito é, por isso, como no exemplo do casa-roubada, tendente
a escolher que imagem-efectora atribui teor à imagem-perceptiva.
Só se podem pressupor imagens-efectoras onde existirem órgãos
efectores que comandem os comportamentos do animal. Tod~s
os animais que funcionam de forma puramente reflexa, como o
ouriço-do-mar, são, por consequência, excluídos dessa possibilidade.
Mas, como o casa-roubada mostra, a sua importância é muito
profunda no reino animal.
Se queremos aproveitar o conceito de imagens-efectoras na
interpretação dos mundos-próprios, mesmo noe animais muito
diferentes de nós, nunca devemos esquecer que elas são utilizações
dos animais projectadas nos mundos-próprios, que, por intermédio
dos teores-efectores, conferem às imagens perceptivas apenas o
seu significado. Se quisermos representar o que no mundo-próprio
de um animal é vital, proveremos de um teor-efector a imagem-perceptiva que lhe é dada pelos órgãos dos sentidos, para que
possamos compreender 'completamente o seu significado. Mesmo
nos casos em que não se trata de uma imagem espacialment
organizada, como na carraça, deveremos dizer que nos três estímulos que nela incidem como únicos denunciadores da sua presa,
o significado dos teores-efectores (com eles relacionados) resulta da
queda sobre ela, de o correr sobre ela de um para outro lado e de
o nela penetrar. Certamente a actividade selectiva dos receptores,
74
•
que represent.am as portas de entrada dos estímulos, desempenha
o papel d~mlllante, mas só o teor-efector, que está relacionado
com os estímulos, lhes confere a certeza infalível.
Com~ as. ima~e.ns efectoras se podem deduzir das utilizações
pel~s ~mmals, f'àcilmente reconhecíveis, as coisas no mundo-propno de cada novo sujeito tornam-se muitíssimo evidentes.
Quand? uma libelinha voa para um ramo para nele pousar,
o ramo ~xlste no seu mundo-próprio, não apenas como imagem-perceptrva, mas também se denota por meio de um teor de
«assento», que a distingue de todas as outras hastes.
Só quando tomamos em consideração os teores-efectores
se compreende a alta eficiência que o mundo oferece aos animais ;
que nele ~anto admiramos. Devemos dizer: um animal pode reali:ar
ta~to maior número de utilizações quanto maior for o número de
o?Je~tos que ele p~de distinguir no seu mundo-próprio. Se ele
dls~oe de poucas imagens-perceptivas com poucas utilizações,
entao também o seu mundo-próprio se reduz a poucos objectos.
Ele é, por esse facto, realmente mais pobre, mas, proporcionalmente, goza de maior segurança. Porque é muito mais fácil orientar-se, entre po~cos objectos do que entre muitos. Se a paramécia
possUlsse ~m~ imagem-efectora de utilidade para ela, todo o seu
mundo-próprio se comporia de objectos todos iguais que teriam
tod~s ~ mesmo te.or de obstáculo. Seja·como for, um tal mundo-propno nada deixaria a desejar.
Com o número de capacidades de um animal aumenta o
número de objectos que povoam o seu mundo-próprio. Elas
levam-se no decorrer .~a :ida individual de cada animal, que
pÔde. acumular experiencias. Porque cada experiência nova
mplica .0 assumir. o sujeito nova posição perante novas sensações.
ém dISSOadquirem-se novas imagens-perceptivas, com novos
ores-efectores.
Isto observa-se principalmente nos cães que aprendem a
anejar certos objectos usados pelo homem e que eles, por sua
z, utilizam também.
No ent.anto. o número de objectosno mundo-próprio do cão
sempre inferior aos do nosso mundo-próprio. Isto é ilustrado
~ clareza nos três desenhos coloridos idênticos, 2, 3, 4 (entre
glll~s 104 e uoy). Representa-se neles o mesmo aposento. Mas
objectos que nele se encontram têm cores diferentes conforme
teores-efectores que correspondem respectivamente ao homem
cão e à mosca doméstica.
'
75
-
.'
No mundo-próprio do homem os teores-efectores sao representados, na cadeira pelo teor de assento (acastanhado) na mesa
pelo teor de refeição (amarelo) e nos pratos e copos por outros
Tudo o mais tem uma tonalidade de obstáculo. O banco giratório, em virtude do seu polimento não tem para o cão teor de
assento.
Finalmente vê-se como, para a mosca, tudo possui somente
um teor de movimento, sobre cujo significado já se falou.
Com que segurança a mosca se orienta no mundo ambiente
do nosso aposento, mais pormenorizadamente se esclarecerá por
meio da fig. 28. Logo que a cafeteira com café quente se coloca
sobre a mesa, as moscas juntam-se em volta dela, porque o calor
constitui para elas um estímulo. Deslocam-se sobre o tampo da
mesa porque esta tem para elas um teor de movimento. E como
as moscas têm nas patas órgãos do gosto, cuja irritação desencadeia o desenvaginar do proboscis, elas fixam-se no alimento de que
se utilizam, ao passo que todos os outros objectos determinam
o 'prosseguirem nas suas deambulações. Neste caso é fácil de distinguir o mundo-próprio da mosca do seu mundo ambiente.
8. o
Fig. 28-05
objectos no mundo-próprio
da mosca
'Jeores-efectores (castanho-claro teor de comer, e vermelho, teor de
-beber). O soalho possui o teor-de-marchar, ao passo que a estante
de livros (lilaz) tem o teor de ler, e a escrevaninha um teor de
-escrever (azul). A parede tem um teor-de-obstáculo (verde) e
o candeeiro, o teor de iluminação (branco).
No mundo-próprio do cão os mesmos teores são representados
pelas mesmas cores; nele só existem os de comer, de sentar, etc.
CAMINHO. APRENDIDO
A melhor maneira de nos convencermos da variedade de
mundos-próprios do homem é seguir um guia num caminho q).le
desconhecemos (1). O guia segue com segurança um caminho que
mós próprios não discernimos. Entre todas as numerosas rochas
e árvores que nos rodeiam, há, no mundo-próprio do guia, algumas que se sucedem, distinguindo-se de todas as outras como
balizas, apesar de, aos olhos de quem não conhece o caminho,
elas se não singularizarem por nenhuma indicação.
O caminho aprendido é-o apenas para determinado indivíduo,
e é, por isso, um problema típico do mundo-próprio. É um problema de espaço, e diz respeito tanto ao espaço visual como ao
espaço-de-acção do sujeito, e resulta imediatamente de como se
caracteriza um espaço conhecido-o
que se faz pouco mais ou
menos assim: voltar à direita por trás da casa vermelha, depois
andar a direito duzentos passos e então voltar à esquerda.
Utilizamos três caracteres para marcar um caminho: 1.° um
caracter óptico, 2.° os planos de orientação, 3.° o número de
passos. Neste caso não recorremos ao número de passadas
(I)
Sobre o problema dos «mundos-próprios»
Nota da ed. alemã)
dos homens comp. a pág. I I e 13-
77
76
elementares, 'isto é, à mimma possível unidade de passos, mas
sim à soma dos impulsos elementares que nos é habitual e que
são necessários para constituir um passo normal. O passo, ou
passada, em que uma perna se desloca com uniformidade para
trás e para diante, é em alguns indivíduos tão bem determinada,
e em muitos mede tão aproximadamente o mesmo comprimento,
que mesmo ainda hoje serve de medida vulgar.
Quando se diz a alguém que deve andar cem passos, quer-se
com isto significar que deve imprimir cem vezes às suas pernas
o mesmo impulso de movimento. O resultado obtido será sempre
aproximadamente a mesma extensão percorrida.
Quando percorremos repetidas vezes um certo espaço, ficam-nos na memória os impulsos comunicados à marcha, como
'indicação de direcção, de modo que paramos maquinalmente
no mesmo lugar, mesmo quando não actuamos recorrendo às
indicações ópticas. Os sinais de orientação desempenham, pois
um papel saliente no caminho aprendido.
Tinha grande interesse determinar como se apresenta o problema do caminho aprendido no mundo-próprio dos animais;
sem dúvida, que, no mundo-próprio de vários animais, desempenham um papel importante na reconstituição do caminho
aprendido sinais olfactivos e sinais tácteis.
Numerosos investigadores americanos procuraram, durante
dezenas de 'anos, estabelecer, em milhares de sentidos em que os
mais diferentes animais tinham .de se orientar num labirinto,
com que rapidez cada animal podia reconhecer um determinado
caminho. O problema do caminho aprendido de que aqui se
trata passou-lhes despercebido. Também não estudaram os sinais
visuais, tácteis ou olfactivos, nem se lembraram do aproveitamento pelo animal, dos sistemas de coordenadas: que a questão
de direita ou de esquerda é' um problema independente, nunca
os impressionou. Também nunca discutiram a questão do
número de passadas, porque não viam que também entre os
animais a passada pode ser utilizada como medida de distância.
Em resumo; o problema do caminho conhecido, apesar da
vastidão do material de trabalho já acumulado, deve ser reconsiderado. A 'descoberta do caminho já trilhado, no mundo-próprio
do cão, a par do seu interesse teórico, tem também um grande
alcance prático, quando se toma em consideração as questões
que o cão-guia dos cegos tem de resolver.
78
A ~g, 29 representa um cego a ser guiado por um cão, O mundo-próprio do cego é muito limitado; só na medida em que pode
tactear. o seu caminho com a bengala e com os pés, toma dele
conhecimento. A rua que atravessa está mergulhada em trevas.
Fig. 29-0
cego e o seu cão
O seu cão, porém, é quem o guia até casa, seguindo um caminho
determinado. A dificuldade do adestramento de um cão está
por isso, em fazer entrar no seu mundo-próprio certos sinais
que s~o de interesse para o cego mas não para o cão, Assim,
o caminho ao longo do qual ele guia o cego terá de rodear obstá~ul.os em que o cego podia tropeçar. É particularmente difícil
~nsmuar no cão um sinal de um marco do correio ou de uma
Janela aberta, pelos quais, aliás, ele passaria indiferente. Mas
também a margem do passeio, em que o cego podia dar um passo
79
em falso, é difícil de fazer entrar no mundo-próprio do cão, como
sinal característico, pois que normalmente mal se apercebe
dele quando corre à solta.
A figo30 representa uma experiência feita com gralhas-de-bico-vermelho. Como nela se vê, a gralha voa em volta da casa,
dá-lhe de novo volta em sentido contrário e utiliza no regresso
.orif'ício, para a apanhar. Então mostrava-se-Ihe a comida laternlmente em relação ao orifício' e. o peixe logo lhe seguia no encal 'I'.
Fi~almente mantinha-se a comida em frente do segundo orifício;
.pOISapesar disso o peixe passava sempre pelo' primeiro 'orifício,
que já sabia utilizar, sem' se .utilizar .do que até aí não tinha
usado.
Colocou-se, então, como o representa a figo 3 I, um tabique
do lado da placa de. vidro com orifícios, donde se mostrava
0· engodo ao peixe.' Mostrava-se esteagora do lado que o tabique
,.-
..
,
,,
,
\
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,
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.
.i
:
~
\
!I
•
,
I
,:
I
,
,
I
---~
'
,
Fig. 30-0
caminho- aprendido da gralha
o caminho que lhe é conhecido, para voltar a entrar por onde
tinha saído, pois que, vindo no outro sentido não podia ter reconhecido a entrada.
Recentemente averiguou-se que as ratazanas continuam a
utilizar por muito tempo o mesmo rodeio, mesmo quando o
caminho directo esteja livre.
Pôs-se então novamente o problema do caminho aprendido,
no caso dos peixes lutadores, e chegou-se aos seguintes resultados:
em primeiro lugar estabeleceu-se que o desconhecido exerce
sobre eles uma acção repulsiva. Introduziu-se no aquário uma
placa de vidro em que se tinham feito dois pequenos orifícios,
pelos quais os peixes podiam passar com facilidade. Quando se
oferecia comida a um peixe-lutador do outro lado do orifício
decorria algum tempo antes de ele se introduzir, hesitante, pelo
80
Fig. 31-0
• '::~.
T
í
'1
"
caminho aprendido do peixe lutador
ocultava; o peixe nadava ao longo do caminho aprendido; mesmo
quando o tabique estava .colocado de modo que ele podia ter
alcançado o engodo directamente passando a nadar entre a placa
perfurada e o tabique. No caminho aprendido entraram, assim,
sinais visuais e sinais-de-orientação,
Resumindo pode dizer-se que o caminho aprendido funcionou
como um curso de um meio muito .fluido através de uma massa
viscosa.
9.
LAR E PÁTRIA
o problema do 'lar e da pátria está in:timamente relacion~d~
orn o, caminho ,aprendid9.
,.
Como ponto de partida o melhor é escolherem-se os estudos
8 -A.
H.
SI
feitos sobre os esgana-gatas. (1) O macho da espécie constrói um
ninho cuja entrada prima em marcar com alguns fios de várias cores-sinal visual de direcção para a criação. No ninho, os filhos
Crescem sob a vigilância do pai. Este ninho é o seu lar. Mas
cá fora, abre-se a sua pátria. A figo 32 representa um aquário em cujos cantos opostos dois esgana-gatas construíram
os seus ninhos. No aquário existe uma fronteira invisível que o
divide em duas zonas, cada uma das quais corresponde a um
ninho. Esta zona corresponde a cada um dos ninhos, é a pátria
do esgana-gatas, que ele defende vigorosa e tenazmente, mesmo
contra esgana-gatas maiores. Na sua pátria o esgana-gata é rei.
Eig, 32-Lar
JPm
R
e pátria de esgana-gata
A pátria é uma pura questão de mundo-próprio, porque
representa uma produção puramente subjectiva, para cuja existência nem o mais estrito conhecimento do mundo ambiente
oferece o mínimo ponto de apoio.
Pergunta-se, então, quais os animais que possuem uma pátria
e quais os que a não possuem? Uma mosca doméstica que em
voos sUCesSIVOS,
para um lado e para o outro, abrange uma certa
porção de espaço em volta de um lustre não possui o que se chama
uma pátria.
Pelo contrário, uma aranha que constrói o seu ninho, em que
permanentemente vive, possui um lar que é igualmente a sua pátria.
O mesmo se passa com a toupeira (fig. 33). Também ela 'constrói
a sua habitação e estabelece a sua pátria. Sob o solo estende-s
um sistema de túneis como uma teia de aranha. Mas não são só
(I) Pequenos peixes de águas salobras, doces ou marinhas, com espinho.
muito fortes anteriores à barbatana dorsal e às pélvicas.
82
os set.1Scaminhos individuais que formam o âmbito do
d
,.
. d t d
r
seu ommio,
mas am a .0 a a area .dentro da qual exerce a sua actividade.
QuajIdo cativa, a toupeira es.boça os seus caminhos de tal modo
que parece formarem uma tela. Podíamos provar que a toupeira,
Fig. 33-Lar
e pátria da toupeira
açaS aos seus órgãos olfactivos, muito desenvolvidos é capaz
pro~ur~r os s~us alimentos dentro de um raio de' cerca de
nco a seis centrmetros. Num sistema de carnirihos
t d
O'
aper a os,
0_
~ue ela c~nstróI, quando cativa, as zonas situada sentre
S silOainda domInadas pelos seus órgãos dos sentidos ao passo
e na natureza, onde a toupeira estabelece os seus túneis mais
tados uns dos outros, ela pode ainda controlar pelo olfacto
101o, num certo
. raio em volta de cada galeria' . Co mo uma'
ha, a toupeira percorre muitas vezes esta rede de gal .
e t d'
erras,
eu!!. ' u o o que a~ ficou disperso como despojo. No centro
te sistema de galerias a toupeira constrói uma cova forrada
folhas secas-o seu lar individual, no qual passa as horas
83
de.repouso. Para ela todos os corredores subterrâneos são caminhos
aprendidos que é capaz de percorrer sempre com a mesma
rapidez e facilidade em qualquer sentido. O seu campo de rapina
chega. até onde eles chegam. Este coincide com a sua pátria,
que ela defende, para a vida ou para a morte, de qualquer toupeira
vizinha.
,
É admirável a destreza com que a toupeira, cega como é,
se orienta, sem nunca se enganar, num terreno para nós perfeitamente uniforme. Se se lhe ensinar qual o lugar em que conserva
os seus alimentos, ela acerta com ele, mesmo quando se obstruam
todos os caminhos que a ele conduzem. O que demonstra que a
toupeira pode ser guiada por sinais olfactivos.
O seu espaço é um puro espaço-de-acção. Temos de admitir
que a toupeira é capaz de redescobrir um caminho uma vez
utilizado, à custa da reprodução dos passos-de-orientação. Além
disso, os sinais tácteis, que se relacionam com os passos-de-orientação, nela como em todos os animais cegos, desempenharão
um papel importante. É de admitir que sinais de orientação
e passos de orientação se combinam' como base de um esquema
espacial. Destrua-se o seu sistema de caminhos, ou parte dele,
e ela será capaz de restabelecer, com o auxílio de um esquema
adequado, um novo sistema que se assemelha ao antigo.
As abelhas também constróem um lar, mas a zona, em volta
da colmeia, em que buscam o alimento é, com efeito, o seu campo
de caça, sem, no entanto, constituir uma pátria que seja defesa
aos intrusos. No caso das pegas, ao contrário, pode falar-se de lar
e de pátria, pois que elas constróem o seu ninho dentro de uma
zona em que não consentem quaisquer pegas atrevidas.
Provàvelmente far-se-á em muitos animais a experiência
de ver se eles defendem o seu campo de caça contra os seus sernelhantes e fazem dele a sua pátria. Uma zona preferida por cada
espécie animal, assemelhar-se-á, quando nela se quiser traçar
o âmbito da pátria, a uma como que carta política dessa espécie,
cujo limite será estabelecido por meio do ataque e da defesa. Em
muitos casos também se verificará que já quase não existe qualquer
espaço disponível, mas que por toda a parte uma pátria colide
com outra pátria. É muito notável a observação que mostra
que entre o ninho de muitas aves de rapina e o seu campo de caça
se estende circularmente uma zona neutra em que elas não'
abatem qualquer presa. Os ornitologistas julgam, com razão,
que esta constituição do mundo-próprio tem sido a' cite pela
natureza para impedir que as aves de rapina destruam a própria
criação. Quando o ninhego de falcão abandona 0 ninho para
passar o dia a saltar, de ramo em ramo, na proximidade dele;.
correria fàcilmente o perigo de, por lapso, ser atacado' pelos'
próprios pais. De modo que, assim, na zona neutra do campo"
defeso passa o seu tempo em segurança. O campo defeso é utilizado
por muitas aves canoras para aninhar e chocar, podendo aí
criar os seus filhos ao abrigo do ataque das grandes rapaces.
A forma e os meios utilizados pelos cães para darem fàcilmente
a conhecer aos indivíduos da sua espécie a sua pátria, merecem
atenção especial. A figo34 representa a carta do Jardim Zoológico
Fig. 34-Carta
do Jardim Zoológico
de Hamburgo, com os arruamentos em que estão marcados os
sítios em que nos seus dois passeios diários à trela os cães urinavam.
Eram sempre os sítios, também especialmente notados pela;
Vista do homem, que eles impregnavam com o cheiro que os
denunciava. Se dois cães eram conduzidos juntos, ordinàriamente
urinavam ao mesmo tempo.
85.
Um cão ladino manifesta sempre, tendência para, quando
um outro cão estranho o encontra, deixar o seu cartão de, visita
noobjecto' mais próximo que ,lhe salta à vista. Por seu turno,:
quando entra .na pátria de outrocão,'denunciacla por 'essas marcas
alheias, farejará sucessivamente esses vestígios alheios' e esgiu:-a:
vatará cuidadosà.mente os pontos onde eles existem. Mas um cão
de fraca qualidade passará cem medo por tais, vestígios e não
denunciará a sua presença por nenhum sinal olfactivo.
A delimitação da pátria
também, como o mostra a fig, 35,
empregada pelos grandes ursos da América do Norte: Para isso
.é
I
I
I
,I'
I
I
Fig. 35-Um
urso assinala a sua pátria.
'~
o urso ergue-se nas patas traseiras a toda a sua altura e esfrega
o. dorso
o focinho na casca de um pinheiro isolado, vísivel de
10ng~.Isto' indica 'aos outros ursos que devem passar ao largá'
do, pinheirn.evitando assim toda a zona em que um urso delimita
a sua pátria.
;
i":':
e
10.
O CÓMPANHErRO
Tenho bem presente na minha memona a imagem de um
pobre patinho chocado juntamente com uma ninhada de perus
e que 'vivia tão ligado à família adoptiva, que nunca entrara na
água e que evitava escrupulosamente os outros animaizinhos
da sua espécie, que saíam da água frescos e limpos. Por essa
ocasião ofereceram-me um pato-bravo que me seguia por toda
a parte. Quando eu me sentava, encostava a cabeça aos meus pés.
Eu tinha a impressão que eram as minhas botas que exerciam
essa atracção, pois que também corria atrás dos baixotes pretos.
Daí concluí que qualquer coisa preta em movimento bastava
para lhe sugerir a imagem .da mãe e mandei-o .Iargar próximo
do ninho materno para recuperar as ligaçõesfamiliares que tinha
perdido. Hoje duvido 'que fosse essa a explicação, porque a este respeito fui informado de que para que certas crias de ganso-cinzento
:;cabadas de nascer se juntem espontâneamente a uma família
de gansos e a sigam, devemos metê-los logo que nascem numa
bolsa de caça e largá-los junto dela. Se vivem durante algum tempo
na companhia do homem não aceitam, depois, associar-se com
os seus semelhantes. Em todos estes casos trata-se de uma mudança
de imagens perceptivas, que frequentemente se dá, em particular,
no mundo-próprio das aves. O que se sabe das percepções das aves
é ainda insuficiente para se poderem tirar conclusões seguras
a esse respeito.
Na figo 20 já nos foi dado ver a \gralha-de-bico-vermelho
caçando o gafanhoto, e ficámos com a impressão que, essencialmente, ela não tinha qualquer percepção do gafanhotoe m repouso,
S por isso este não existia no seu mundo-próprio.
As figs. 36 a 'e,36 b representam-nos uma outra experiência respeitante às percepções das gralhas. Nela vê-se uma gralha em
atitude agressiva perante um gato que traz na boca outra gralha.
Uma gralha nunca ataca um gato que nã6 tragana
boca 'úrnh-'
presa. Só quando o perigo dos dentes afiados do gato-está afastado;'
domo suc'ede,'qlland@ estes estão ocupados em abocar a presa,
ele passa a ser objecto ,de ataque' da parte da gralha.
",;)
. Isto pareceser UII1 comportamento altamente prático da-parte
da gralha; Mas, ria realidade, não passa de umareacção perfeita>
znente:de 'acordo GOIÍ1 um plano-que flui com absolutaindependên-:
aia, de qualquer espécie de inteligência' da .gralha. Porque ela:'
sumiria a "mesma atitude se se lhe acenasse-com uns calções
87·
Nas aves, porém, não nos subtraímos à dificuldade recorreu lo
a urna explicação tão simples.
.
Sobre o que' se passa com. as aves que vive~ em sociedade
há.uma multidão de experiências.contraditórias acercade mudanças deimagens-perceptivas. Só ~e~ente~ent~ se conseguiu. pôr em
relevo num caso típico de uma gralha domesticada, chamada
Tschock, o ponto de vista mais importante,
As gralhas que. vivem em, sociedade têm durante ia vida um
companheiro. próprio, com que se comportam das mais diversas
maneiras. Se se educa isoladamente uma gralha, ela de manei.r~
nenhuma renuncia ao companheiro, e quando não dispõe
de um da sua espécie adopta um «companheiro-substituto», e,
de facto, pode, para cada nova demonstração, surgir «um compaFig, 36 a-Gralha
em atitude agressiva perante um gato
J
Fig. 36 b-Gralha
em. atitude agressiva perante uns calções de banho
de banho. E ela também não atacaria o gato se em vez de uma
gralha preta trouxesse nos dentes uma gralha branca .
. A percepção de um objecto preto que se mova diante do animal
desencadeia só por si a atitude agressiva.
. Uma percepção de valor tão geral pode prestar-se sempre a
confusões, como já pudemos verificar a propósito do ouriço-do-mar,
em cujo mundo-próprio nuvens e navios são confundidos com
0,. peixe, seu inimigo, pois que o ouriço-do-mar reage sempre da
mesma maneira contra o obscmec:imento do horizonte.
Fig. 37 a ~ b-A gral?a Tschock e os .se~s quatro companheiros
89
I
I
nheiro ' substituto» novo. Lorenz (1) teve a amabilidade de me
enviar as figs. 37 a e 37 b, em que se podem, de um golpe, ver as
relações para com o companheiro.
'A gralha Tschock teve; quando jovem, como companheiro-maternal o próprio Lorenz. Seguia-o por toda a parte, gralhava
para que lhe desse a comida no bico. Quando já aprendera a
buscar por si os alimentos, escolheu como companheiro preferido
a: criada dos quartos, diante de quem executava os seus característicos baiiados-de-amor. Mais tarde adoptou como companheiro
uma gralha muito jovem a que ela própria dava de comer. Quando
Tschock se preparava para mais largos voos tentou levar o próprio
Lorenz a voar em sua companhia à maneira das gralhas, quando
arrancava para o voo mesmo por trás das costas dele. Como isto
não desse resultado, juntou-se com as gralhas que voavam, as
quª,is p<!S§arama ser os seus companheiros de voo.
Como se vê não existe no mundo-próprio da gralha nenhuma
imagem-perceptiva única de companheiro. Tal não é também
possível, porque o papel do companheiro muda constantemente.
A imagem-perceptiva do companheiro-maternal parece, na maior
parte dos casos, que não se estabelece logo ao nascer, no que
Ilespeita à forma e à cor. O contrário se dá com a voz m~terna.
Lorenz escreve: «Devia, em cada caso especial de companheiro-maternal pôr-se em relevo quais os caracteres maternais que são
inatamen.te apercebidos, quais os que são percepções adquiridas
pelo indivíduo. A dificuldade está, precisamente, em os aspectos
maternais adquiridos logo após alguns, poucos, dias, e mesmo só
algumas horas (ganso-cinzento, v. Heinroth) ficarem tão profundamente gravados que, quando se separam os filhos das mães,
dir-se-ia que são inatos.
mesmo se passa na escolha do companheiro-dilecto. Também
aqui os earacteres do companheiro-substituto que passam a ser,
apercebidos pelo indivíduo, se gravam tão fortemente que do
facto resulta a aquisição por ele de uma percepção definitiva
depois de se ter efectuado a primeira mudança. Donde, até
os animais da mesma espécie serem rejeitados como 'companheiros-
a
-dilectos.
Isto foi posto em evidência por um incidente curioso. Havia
no Jardim Zoológico de Amsterdão um casal de abetouros jovens
cujo macho se tinha enamorado do director do Jardim. Para não
(1)
Konrad
Lorenz (1903). Zo61ogo'e zoopsicolo~i.ta.
prejudicar o acasalarnento este nâ O
muito tempo. De modo q ,a
h ap~receu ao macho durante
ue o mac o afeiçoo
' r.'
surtiu efeito' e como a fêmea caí
u-se a emea, e o facto
,
I'
ea calsse no choc
di
voltar a aparecer
d
o, o irector resolveu
.
que suce eu? Muit
.
maio
macho avistou
.
. W o. simplesmente que,
fêmea do ninho, e por m:i~e~e ~:n:p~nhel.ro-~Iiecto, escorraçou a
der que o director podia o
p ltldos smais parecia dar a enten.
cupar o ugar a q
ti h di .
tmuar a chocar os ovos.
ue mha drreito e con-
a
A percepção,
do
..
parece
ser a
. .pelo indivíduo ,companhclro-de-mfância
,
maior parte das vezes a
...'
fica gravada. Prova'velm t
d
que mais mcisivamente
en e o gran e a tit
f
as goelas aos jovens deserr
h
?e 1 e que az escancarar
Mas também neste c~so s:mpen a aqw o papel determinante.
como as galinhas
prova que em raças muito apuradas
rpmgton
estas
d
h
'
gatos e cães jovens como filh '
, quan o c ocas, adoptam
os.
companheiro-substituto para os
.
adoptado mais largament
voos livres é, por seu turno
,
e, como o caso d T h k
Quando se
id
e
se oc mostra.
consi era que os cal
d b
à gralha passaram a ser
I
ç ~ . e anho apresentados
para e a um muni
.'
passaram a ter para ela
t
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go a ata,car, Isto é,
.
o eor-etector de ..
.
dizer-se que se trata aqui d
. ..
«irurrugo», poderá
1
e um mimrgo
bsti
mundo-próprio das gralhas, h'
it
..
~u sntuto. Como no
. . .
a mw os Inlffil<TOSo
.
es
. 1
""
aparecimento
d o~ inimigo-substituto
"
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nao teve qualquer influência sobr
. se eu uma ~ó vez,
verdadeiro inimigo No
d
e a imagem-perceptrva
do
.'
caso o compa n h erro
.
'. e outra
Este é o ' ..
a coisa
umco que existe de cad
.
atribuição do teor-efector a
a vez no mundo-próprio, e a
tornar impossível o
. um companheiro substituto deve
aparecimento
posteri
d
nheiro verdadeiro.
error ,e um cornpa-
a .
a
õ
Depois de a imagem
. d
.
rido no mundo-próprio -dPeerTcePhtlvak
a criada de quarto teradquisc oc o «teor d
fei ~
.
odas as outras imagens'
e a elçao» exclUSIVO,
fi,
d , . '.
-perceptivas perderam eficácia'
do,><-uano
o ser vivoconsideramos
i
que .nos mundos-próprios "da. gralha
.
' sto é, aquelas coisas que são capazes de m .
se reduzem a gralhas e _
.
ovimento
6p~o,
analogia com o q
nao gralhas (o que não deixa de
ue se passa com os h
. .. '
quando, depois, e já de acordo
ome~ ~nffiltlVos),
neira de fazer a distinçã
com a experiência pessoal,
nde-se que se possam ao passou a ser outra, então comcometer erros C
.dí ul
acabamos de referir. Não
'
,
a~ rr c os 'como ps
ta de gralhas ou não gralh é so a percepçao ~ue decide se se
as, ma~ também a imagem-efectora
(Xota da .ti. alm.à)
91
90
do próprio ajustamento. Só esta decide qual ~ Imagem-perceptivà
que' mantém' o respectiv0' teor-me-companheIro. .
,.1 L
IMA;GEM-PRETE-NDIDA' E TEOR-PRETENDIDO
'Volte a duas' experiências pessoais que explicarão melhor
que tudo, o que, como factor importante para o mundo-próprio,
se deve entender por imagem pretendida. Quando, por largo
diam sobre facas e garfos através do ar se combinaram e formaram
a garrafa de vidro. A figo 38 deve exprimir esta experiência.
A imagem .procurada anula a imagem perceptiva ..
A outra experiência foi a. seguinte: entrei .um .dia em um
estabelecimento em que tinha a liquidar uma conta, e tirei: da
carteira uma nota de cem marcos. A nota' era absolutamente nova
e estava pouco amarrotada, e em vez de ficar aberta e estendida
sobre a balcão, ficou ao alto apoiada sobre as margens em ângulo,
Pedi à caixeira para me dar o -troco e ela respondeu-me que eu
ainda lhe não dera o dinheiro. Disse-lhe que o tinha na sua frente,
mas da, agastada, repetiu 'que, se queria o troco, desse primeiro
o dinheiro. Toquei então com um dedo na nota, que caiu e ficou
bem, visível. A pequena soltou um gritinho, pegou' na nota e
"
••.J..t. .•.
Sinal,'
'",
','
1
característico
~----
I
\
I
--_
,
1:'::-tI':-::~
FontedeD
estimulo
.
.
.
'....
))))
I
_----v".----,.,),,"'._---Processo fisico
1
'I
y".------~
,/
Processo fisiól6gico
I
Ponto de excitação
Fig. 38-A
imagem pretendida elimina a imagem perceptiva
tempo, fui hóspede de certo amigo meu, todos o~ dias ao almoço
colocavam diante do meu lugar à mesa um prro com água.
Um dia o criado partiu o jarro, e a substituí-Io pôs no· lugar
por ele habitualmente ocupado, uma garrafa de vidro ~om água.
Durante a refeição procurei com a vista o jarro e não notei a garrafa
de.vidro. Só quando o meu amigo me ~segurou que a água es~av~
nO'seu;lugar habitual é que subitamente certos clarões que moi-
92:
Fig. 39-0S
processos perceptivos
palpou-a com todo o cuidado,nâo
fosse ela esvair-se de novo
O ar. Também neste caso, é manifesto,' a imagem-pretendida
liminara a imagem-perceptiva.
Todos os leitores terão passado por casos como estes que
rece serem bruxarias.
Na minha doutrina-da-vida publiquei a fig. 39, aqui reproduIda, que explica os diferentes processos que se entrelaçam nás
93
nossas percepções. Quando colocamos diante de qualquer pessoa
uma campainha, e a fazemos soar, ela entra no seu· mundo
ambiente como fonte de um estímulo, que penetra no seu ouvido
transportado por ondas do ar (processo físico). Dentro dele as
ondas sonoras transportadas pelo ar transformam-se em estimulas
nervosos, que atingem o órgão-de-percepção do cérebro (processo
fisiológico). Aí as células de percepção reagem por meio de
percepções e transferem para o mundo-próprio do sujeito um sinal-característico (processo fisiológico).
.
Se a par de ondas sonoras transportadas pelo ar até ao
ouvido, entram nos olhos ondas de éter, que, semelhantemente,
determinam no órgão-de-percepção excitações, então, os seus sinais
perceptivos de sons e de cores constituem-se segundo um certo
esquema num conjunto unitário, que é projectado no mundo-pródrio do sujeito com oimagem-perceptiva.
A mesma representação gráfica pode. aplicar-se à explicação
do chamado teor-pretendido. Neste caso a campainha deve
encontrar-se fora do campo de visão. As percepções sonoras.são,
só elas, transportadas
para o mundo-próprio
do sujeito.
Ligadas com elas há, porém, uma imagem perceptiva óptica
invisívelçque funciona como imagem-pretendida. Se a campainha
depois de procurada entra no campo de visão, então a imagem-perceptiva associa-se com a imagem-pretendida. Afastadas excessivamente uma da outra, pode suceder que a imagem-pretendida
anule a imagem-perceptiva, como resulta dos exemplos dados.
No mundo-próprio do cão há imagens-pretendidas perfeitamente determinadas. Quando o dono manda o cão buscar uma
bengala, o cão dispõe de uma imagem-pretendida bem determinada da bengala, como o mostram as figs. 40 a e 40 b, Também
aqui há oportunidade. de verificar até que ponto a imagem-pretendida corresponde à imagem-perceptiva.
O sapo fornece algumas informações neste sentido: um sapo
que, depois de um prolongado jejum, comeu uma minhoca,
lançou-se igualmente sobre um fósforo, que tem certa semelhança
de forma com uma minhoca. Daqui se conclui que a minhoca
que ele acabara de devorar lhe serviu de imagem-pretendida
como se traduz na figo 41.
Se o sapo tivesse primeiro comido uma aranha, a imagem-pretendida seria diferente, porque então lançar-se-ia porventura
sobre um fragmento de um musgo ou sobre uma formiga, o que
lhe assentaria muito mal.
94
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Fig. 40 a e b-O cão e a imagem-pretendida
95
Ora nós nem sempre buscamos determinada coisa à custa de
uma imagem-perceptiva, mas muito mais frequentemente buscamos um objecto que .corresponde a uma imagem-efectora.
I2.
os
MUNDOS-PRÓPRIOS IMAGINÁRIOS
Sem dúvida existe, dominando tudo, uma oposição entre
o mundo ambiente que nós, homens, vemos abrir-se em torno
.dos animais, e os' nossos mundos-próprios, que eles próprios construíram, e que preencheram com as coisas de que tiveram percepção. Até aqui -os mundos-próprios eram, em regra, o resultado
das percepções despertadas por estímulos exteriores. A essa regra
fizeram já excepção a imagem-pretendida assim como a determinação do caminho aprendido e a delimitação da pátria, que
não resultam de qualquer espécie de estímulo exterior mas são
produtos autônomos de actividades subjectivas.
Estes produtos subjectivos constituíram-se
custa da reunião
de repetidas experiências pessoais do sujeito.
Se agora prosseguirmos neste caminho, deparamos com
mundos-próprios em que surgem aspectos de grande eficácia,
mas que só são apercebidos pelo sujeito e que não estão ligados
a quaisquer experiências, ou, quando muito se relacionam com
um acontecimento excepcional. Tais mundos-próprios designamo-los por mundos-imaginários.
Para ver até que ponto muitas crianças vivem em mundos-próprios-imaginários pode servir o seguinte exemplo: Frobenius (1)
â
Fig. 41-Imagem.p;:etendida
do sapo
Assim não buscamos, olhando em volta de nós, uma determiüapa
cadeira, mas sim um móvel que sirva para nos sentarmos, isto é,
uma coisa a que corresponde determinado teor-de-utilização.
Neste caso pode tratar-se, não de uma imagem--pretendida mas
de um teor-pretendido.
Quão importante é o papel desempenhado pelo teor-pretendido no mundo-próprio de cada animal ressalta do exemplo
citado a respeito do casa-roubada e da anémona-do-mar. Aquilo
a que então chamámos a condição, ou disposição, do casa-roubada,
que era diferente de caso para caso, podemos agora designar,
com mais 'propriedade, por teor-pretendido, diferente de caso
para caso, com que o casa-roubada aborda a mesma imagem-perceptiva e lhe atribui ora um teor-de-agressão, ora um teor-de-protecção, ora ainda um teor-de-alimento.
O sapo esfomeado começa por partir para a busca dos alimentos
dispondo apenas de vago teor-de-saciar-a-fome, e só depois de ele
devorar uma minhoca ou um fósforo se constitui determinada
, imagem-pretendida.
. Fig. 42-0
aspecto imaginário da bruxa
refere-se no seu Paideuma a uma rapariguinha que com uma
caixa de fósforose três fósforosrepresentou às escondidas, só para si, a
(I)
Leo Frobenius (1873-1938). Etnologista e explorador em África. (Nota da
Id. alemã)
96
7 - A. H.
91
história da casinha feita de bolo que Hansel e Gretel (1) encontraram
na floresta, e da bruxa má, e que inesperadamente se pôs a gritar:
«Levem-me daqui a bruxa; já não posso ver a sua face horrenda.»
Este caso, tipicamente do campo da imaginação, está representado na figo 42.
Seja como for, a bruxa má entrou em pessoa no mundo-próprio da rapariguinha.
Casos como este apresentam-se muitas vezes perante os exploradores de povos primitivos. Afirma-se que estes vivem em um
mundo de imaginação, em que aos aspectos captados pelos se!,!tidos se misturam no seu .rnundo aspectos imaginários.
Quem reparar melhor verá que o mesmo se dá em muitos
mundos-próprios de europeus cultos.
Ora pode perguntar-se se os animais também vivem em
mundos-próprios imaginários. A propósito de cães contam-se
muitos casos de imaginação. Mas tais relatos não foram até hoje
~nalisados com suficiente sentido crítico. De uma maneira geral,
\
nhado pelo dono no mundo-próprio do cão, compreende-se
fenómeno de imaginação do cão, não se explica em termos de
e de consequência.
'
G~
I
•
:
\ •••••
Fig. 43-Estornínho
e mosca imaginária
porém, e aproximadamente, deve-se admitir que os cães associam
as suas experiências umas com as outras de uma maneira que
tem mais um carácter imaginativo que lógico. O papel desempe(1)
98
Personagens dum conto dos Irmãos Grimm.
mo
Um investigador meu amigo relata, a respeito de um aspecto
sem dúvida imaginário 'no mundo-próprio de uma ave: tinha
criado em casa um estorninho que, por isso, nunca tivera ensejo
d,e ver limá mosca, muito menos de a apanhar. Ora o meu amigo
ooservou (fig. 43) que uma vez o estorninho se lançara subitamente sobre qualquer coisa invisível, «apanhara-a» no ar e «trouxera-a» para o sítio em que costumava estar pousado, «dando-lhe»
bicadas, como todos os estorninhos fazem às moscas que caçam,
e. acabar:~o por «engoli-Ia». Não pode haver dúvida que o estorIll~O
vrsionara no seu mundo-próprio uma mosca imaginária.
EVIdentemente todo o seu mundo-próprio estava tão ocupado
pelo teor comestível, que, ainda mesmo na ausência do estímulo
sensorial, a imagem-efectora preparatória da caça da mosca
extraíra a aparição da imagem-perceptiva, o que provocou o desencadear de toda a série de actos correspondentes .
. Esta experiência dá-nos uma indicação que nos explica, aliás.
atitudes enigmáticas de vários animais.
I I I.;
:
C
CaU8(1,
Fig. 44-0 caminho imaginário da larva do gorgulho-da-ervilba
A figo 44 representa o modo de comportamento, já estudado
por Fabre, da larva do gorgulho-da-ervilha, que, no momento
próprio, abre uma galeria na polpa ainda mole do grão da ervilha,
até à superfície, e que aquela só utiliza depois de chegar
a gorgulho adulto para sair de dentro da' ervilha entretanto endurecida. Está perfeitamente averiguado que se trata de uma
conduta exactamente planeada, ainda que, do ponto de vista
da larva do gorgulho, completamente independente do jogo dos
sentidos, pois que nenhum estímulo sensorial do futuro gorgulho
pode incidir sobre a sua larva. Nenhum sinal-perceptivo indica à
larva o caminho, que ela nunca seguira e que, no entanto, tem de
seguir, de modo que, depois da sua transformação em gorgulho
adulto, não venha a perecer miseràvelmente.
As figs. 45 e 46 mostram dois outros exemplos do caminho
inato. A fêmea do enrolador-de-folhas começa a cortar, em determinado ponto da folha da bétula (que talvez lhe seja denunciado
pelo seu gosto), uma linha curva de forma predeterminada, que
lhe, permite depois enrolar a folha em forma de funil, dentro
do qual o insecto fará a sua postura. Este, apesar de nunca antes
ter seguido esse expediente e de a folha da bétula não oferecer
dele qualquer indicação, apresenta-se à imaginação do insecto
de uma maneira perfeitamente nítida.
O mesmo se passa com a rota de voa das aves migradoras.
Os continentes só às aves revelam o caminho' inato. Isto é válido,
certamente, para aquelas aves jovens que se aventuram ao caminho
não guiadas pelos pais,' pois que, para as outras, não se exclui
a possibilidade da utilização de um caminho aprendido.
Como o caminho aprendido, de que já tratámos, também
o caminho inato é seguido tanto à custa do espaço-visual como
do espaço-de-acção.
A única diferença entre os dois reside em que no caminho
aprendido se desenrola uma série de sinais perceptivos e de
impulso que saem uns dos outros, os quais foram retidos por
experiências anteriores, ao passo que no caminho inato a mesma
série de representações é dado imediato da imaginação.
Para o observador que está de fora, o caminho aprendido num'
mundo-próprio de outro animal é quase tão indiscernível como
O inato. E quando se admite que o caminho aprendido surge
no mundo-próprio do sujeito estranho - do que não há que
duvidar-então
não há qualquer razão para negar o aparecimento do caminho inato, pois que ele se organiza à custa dos
Fig. 45 -c- O caminho
Imaginário do enrola..
dor-de-folhas
.
\
Fig. 46 - O caminho
imaginário das avCl
migradoras
100
101
mesmos elementos-sinais-perceptivos
e impulsos exteriorizados.
Num caso originaram-se em estímulos sensoriais, no outro soarão
em conjunto como uma melodia inata. Se determinado caminho
fosse, numa pessoa, inato, Jl'oder-se-ia aescrever como o caminho-aprendido ; cem passos até à casa vermelha, depois voltar à
direita, etc.
Se se chamar sensorial só àquilo que é dado ao sujeito pelas
experiênciaS dos, sentidos, então só o procedimento aprendido
se deverá chamar sensorial, não o inato. Mas é por isso que este
se mantém em alto grau de acordo com um plano.
Que os aspectos imaginários desempenham no mundo animal
um papel muito mais vasto do que se supõe di-lo uma experiência
notável relatada por um investigador recente. Este costumava
dar de comer a uma galinha num certo estábulo, e enquanto ela
debicava nos grãos introduziu no estábulo um porquinho-do-mar.
'A galinha perdeu a cabeça e começou a esvoaçar de um lado para
pairava como sombra fantástica, o que a figo 47 pretende representar.
. Is~o faz supo~ que, quando a galinha acorre para junto dos
pmtamhos qduepIa~" e afugenta um inimigo às bicadas, é porque
no seu mun o-próprio entrou uma aparência imaginária.
Quanto mais tivermos aprofundado o estudo dos mundos-próprios, mais nos devemos ir convencendo de que neles se introduz~m
actuantes a que não se pode atribuir qualquer
:ealidade obJectl~a. A começar pelo mosaico de lugares que a vista
mtroduz nas COIsas do mundo-próprio e que não existem no
mundo ambiente, como também ali não existem os dados-de-orientação que contêm o espaço do mundo-próprio. Do mesmo.
modo, foi impossível encontrar no mundo ambiente um facto!"
~ue _corresp~n~a ao procedimento aprendido do sujeito. A distl~çao ~e pátria e campo de caça não existe no mundo ambiente.
~ao existem no ~1Undo ambiente quaisquer vestígios da importante
imagem-pretendida.
'
• S~mos pois levados, finalmente, a aceitar o fenórneno ' de
lI~agmação do caminho inato que desdenha de qualquer objectividade e que, no entanto, intervém no mundo-próprio de acordo
com um plano.
Há ainda nos mundos-próprios puras realidades subjectivas.
~as também as realidades objectivas do mundo ambiente, como
tais, ~un:a entram nos mundos-próprios. São sempre transformadas.
em sinais-característicos
ou imagens-perceptivas
e providas de
um teor-efector, que as transforma em objectos reais, apesar
de nos estímulos nada existir que seja teor-efector.
E, finalmente, o simples ciclo de função ensina-tios que tanto
.i~a~s-característicos como marcas-de-acção,
são exteriores ao
IUJelt.o, ~ que as propriedades do objecto, que o ciclo-de-função
íncluí, so podem ser consideradas como seus veículos .
Assim, pois, chegamos à conclusão que cada' sujeito vive
um mundo ~m. que só existem realidades subjectivas e que até
os mundos-propnos, ele mesmos, só apresentam realidades subjectivas.
Quem nega a existência de realidades subjectivas é porque não
econheceu os fundamentos do seu mundo-próprio.
=r-.
..:§~~~~~#?
:
- .- -'- - ..
Fig- 47-A
sombra imaginária
o outro. A partir de então nunca mais conseguiu que II galinha
comesse no estábulo. Entre os mais apetitosos grãos, era capaz
de morrer de fome. É evidente que a cena do incidente anterior
108
102
13. o
MESMO SUJEITO
COMO OB]ECTO
EM DIFERENTES
r-----
=.---.
MUNDOS-PRÓPRIOS
Os capítulos anteriores referiram-se a digressões singulares em
diferentes direcções, na terra desconhecida do mundo-próprio,
Ordenaram-se conforme os problemas, para em cada caso se
conseguir uma maneira de tratamento uniforme.
Ainda que alguns problemas fundamentais tenham assim
sido tratados, nunca se chegou, nem se pretende ter-se chegado
a qualquer resultado completo. Muitos problemas aguardam
interpretação reflectida, e outros ainda não passaram da fase
de formulação. De modo que ignoramos ainda que parcela do
próprio corpo do sujeito passou a fazer parte do seu mundo-próprio. Nem uma só vez a questão do significado da própria
sombra no mundo visual foi experimentalmente abordada.
O tratamento de problemas particulares é tão importante
para o estudo do mundo-próprio, como insuficiente para se chegar
a uma visão de conjunto das interdependências ·dos mundos-próprios.
Uma tal visao é talvez possível, quando abranja apenas um
campo restrito, se explorarmos a questão: como é que em diferentes mundos-próprios em que ele desempenha um papel importante, o próprio sujeito passa a ser objecto?
Como exemplo escolho um carvalho em que vivem diferentes
sujeitos do reino animal, e que em cada mundo-próprio vem,
além disso, a desempenhar um papel diferente. Como o carvalho
também faz parte de vários mundos-próprios humanos, conforme
o observador, começo por estes (1).
As figs. 48 e 49 são reproduções de dois desenhos que devemos
ao talento dó artista Franz Huths.
(Fig. 48). No mundo-próprio perfeitamente razoável do velho
couteiro, que resolveu quais as árvores da sua coutada que estão
boas para o corte, o carvalho destinado ao machado não passa
de umas braças de madeira que ele mede com todo o cuidado.
Por isso as rugosidades da casca que, acidentalmente, parece
representarem um rosto humano, não são por ele notadas como
tal. A figo 49 representa o mesmo carvalho no mundo-próprio
imaginário de uma rapariguinha para quem a coutada ainda
é povoada de gnomos e fantasmas, e que fica muito assustada
(I)
Comp., porém, o que se notou nas págs, 11 e segs. da Introdução. (N. do A.)
104
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Fig. 48-0
Fig. 49-A rapariguinha e o carvalho
couteiro e o carvalho
como se o carvalho a olhasse com o seu mau cariz. Todo o carvalho, para ela, passou a ser um perigoso demónio.
Na coutada de um primo meu, da Estónia, há uma velha
macieira sobre que se desenvolveu um grande cogumelo que
apresentava uma vaga semelhança com um clown, o que até
Fig, 50-A
raposa e o carvalho
Flg. 51-0 mocho e o carvalho
Fig. 52-A
formiga e o carvalho
altura ninguém tinha notado. Um dia meu primo contratou
doze trabalhadores russos para fazerem a colheita, os quais
166
107
descobriram a macieira e passaram a reunir-se todos os dias em
volta dela para cumprir uma cerimónia em que rezavam e se
benziam. Explicavam eles que o cogumelo devia ser uma figura
maravilhosa, pois não era obra do homem.
Para eles, acontecimentos maravilhosos naturais eram coisas
evidentes em si.
.
Mas, voltemos ao carvalho e aos seus habitantes. Para a
raposa (fig. 50) que construira a sua cova entre as raízes do carvalho, este passou a ser um abrigo seguro que a protegia das
intempéries, a ela e à sua família. Para ela o carvalho não possuia o mesmo teor de utilidade prática que tinha para o couteiro, nem o teor de ameaça que tinha para a rapariguinha,
mas sim, é evidente, um teor de abrigo e nada mais.
Semelhantemente, no mundo-próprio do mocho o carvalho
tem um teor de refúgio (fig. SI). Somente, agora, não são as
raízes, completamente fora do mundo ambiente, mas os troncos
vigorosos, que constituem para ele uma como que muralha
defensiva.
Para o esquilozinho o carvalho adquire, comi as suas numerosas frondes, que lhe proporcionam trampolins apropriados
para saltarem, um teor de trepar, e para as aves canoras, que
constroem os seus ninhos nas ramarias, o teor de suporte necessário.
Correspondentemente aos diferentes teores de utilização, diferem umas das outras as imagens-perceptivas. Cada mundo-próprio
aproveita do carvalho uma certa parte das suas propriedades,
adequada à formação tanto dos veículos de sinais-característicos
como dos de marcas-de-acção dos seus ciclos-de-função. No mundo-próprio da formiga (fig.52) tudo o que não é a casca com as suas
anfractuosidades desaparece, tornando-se aquelas o seu campo
de pilhagem.
Por baixo da casca, que ele destaca, o longicórneo (fig. 53) procura o seu alimento e aí põe também os seus ovos. As larvas que
deles resultam abrem no lenho galerias, e abrigados nelas dos perigos do mundo exterior, banqueteiam-se em segurança. Mas a sua
protecção não é absoluta. Porque não é só o pica-pau que com
as suas fortes bicadas fende a casca e as persegue, mas também
o icnêumon (fig. 54), que, com o seu fino ovopositor perfura O
duro lenho do carvalho como se ele fosse manteiga, e as aniquila,
introduzindo-Ihes no corpo os seus ovos, dos quais virão a resultar
larvas, que, por. seu turno, engordam à custa daquelas outras.
Em todas as centenas de mundos-próprios diferentes, o car ..•
valho desempenha, como objecto, um papel altamente variado ,
ora com uma ora com outra das suas partes. Umas destas são
extensas, outras, reduzidas. Umas vezes, a madeira é dura outras
mole. Um~s vezes serve de protecção, outras de campo de' ataque:
Se quiséssemos resumir as particularidades
opostas que,
Fig. 53-0
longicórneo e o carvalho
108
109-
como objecto, o carvalho apresenta, o que resultaria seria um
caos. E, no entanto, todas elas são apenas partes de um
Fig. 54-0
bilidades de um sujeito humano. Com diminutas modificaçõe,
pode-se aproveitar o quadro do astrónomo para obter uma representação do mundo-próprio de um investigador das profundidad s
marinhas. Sõmente, agora, o que se move em volta do seu obser-
icnêumon e o carvalho
sujeito estritamente ordenado, que contém todos os mundos-próprios
-nem conhecidos nem conhecíveis por todos os sujeitos destes
mundos-próprios.
14.
CONCLUSÃO
o
que, em ponto pequeno, reconhecemos no carvalho, passa-se,
ampliado, na árvore da vida da natureza.
Dos milhões de mundos-próprios, cujo número nos confundiria,
só escolhemos aqueles que se destinam ao estudo da natureza-,
os mundos-próprios do naturalista.
A figo 55 representa o mundo-próprio dos astrénomos, de
todos -o mais fàcilmente representável. Em uma torre muito
elevada, possivelmente muito afastada da superfície da Terra,
senta-se um ser humano que, por meio de dispositivos ópticos,
apropriados, transformou a sua vista, capaz depenetrar o universo
até às últimas estrelas. No seu mundo-próprio giram sóis e planetas
em feérico movimento. A luz, rapidíssima, leva milhões de anos
a atravessar este universo.
E contudo todo o mundo-próprio em volta não passa de uma
insignificante secção da natureza, feita de acordo com as possi110
Fig. 55-0
mundo-próprio dos astrônomos
vatório não são astros, mas formas fantásticas de peixes das profundidades, com as suas fauces horrendas, as suas longas antenas
e os seus órgãos luminosos brilhantes como estrelas. Também
lU
aqui nós relanceamos um mundo real que representa uma pequena
secção da natureza.
O mundo-próprio de um químico, que, a partir dos elementos
químicos, como se fossem noventa e duas letras, tentasse ler e
escrever as enigmáticas correlações das substâncias da natureza,
é difícil de traduzir inteligivelmente.
É mais fácil de descrever o mundo-próprio de um físico-atómico, porque assim como as estrelas dos astrónomos giram,
assim também, para ele, giram os electrões. Somente aqui reina,
não a calma universal, mas uma agitação frenética das partículas
materiais mínimas, que o físico se propõe fazer explodir bombardeando-as com pequeníssimos projécteis.
Quando um outro físico estuda no seu mundo-próprio as
ondas do éter, recorre ainda a meios auxiliares completamente
diferentes que lhe revelam uma imagem das ondas. Agora ele
pode afirmar que ondas luminosas que afectam os nososs órgãos
da visão se assemelham às outras ondas sem manifestarem quaisquer diferenças. São ondas e nada mais.
No mundo-próprio dos fisiologistas dos sentidos, as ondas
luminosas' desempenham um papel completamente diferente.
Agora passam a ser cores, que têm as suas leis próprias. Vermelho
e verde associam-se e dão branco, e as sombras projectando-se
num fundo amarelo dão azul. Fenómenos, que, nas ondas, elas
próprias, não se passam; e contudo as cores são tão perfeitamente
positivas como as ondas do éter,
Os mesmos contrastes se revelam nos mundos-próprios de um
investigador das ondas do ar e de um investigador da música.
Num, só há ondas, no outro só há sons. Ambas as coisas são porém
igualmente reais. E assim por diante. No mundo-próprio da
natureza, dos beauioristas, o corpo cria o espírito, e no do psicólogo
é o espírito que cria o corpo.
O papel que a natureza como objecto desempenha nos diferentes mundos-próprios do naturalista é eminentemente contraditório. Se se quisessem resumir as suas particularidades objectivas
caía-se no caos. E no entanto todos estes diferentes mundos-próprios estão incluídos e arrastados num uno que se conserva eternamente vedado a todos os mundos-próprios. Por trás de todos os
mundos por ele criados, oculta-se eternamente o sujeito inatingível-a Natureza.
DOUTRINA
DO
P
jAKOB
8 - A. H.
v.
SIGNIFICADO
o
R
UEXKÜLL
I.
Aos meus adversários em Ci8ncia,
para que usem de amigável atenção
OBjECTOS SIGNIFICANTES (1)
Um golpe de vista pelos insectos voadores, como as abelhas,
os zângãos e as libélulas, que se agitam num prado florido, desperta· sempre em nós a impressão de que o mundo inteiro se
mantém aberto a estes seres tão invejáveis.
Até os animais adstritos à terra, como as rãs, os ratos, os
caracóis e os vermes parecem mover-se livremente na Natureza
livre.
Esta impressão, porém, é enganadora. Na verdade, cada um
destes animais, que se movem livremente, está preso a um determinado mundo que ele habita e cujos limites compete aos ecólogos
pesquisar.
À priori, não temos a menor dúvida de que existe um mundo
imenso que se desdobra ante os nossos olhos e do qual cada animal
destaca o mundo que habita. Aparentemente, cada animal dentro
do mundo em que vive, depara com grande número de objectos,
com os quais mantém relações mais ou menos estreitas. Daqui
parece resultar automàticamente, para cada biólogo experimental, que a sua missão é colocar diferentes animais perante o
mesmo objecto, a fim de estudar as relações entre animal e objecto,
operação em que o mesmo objecto serve de padrão em todas as
experiências com animais.
Assim, os investigadores americanos, em milhares de experiências, iniciadas com ratos brancos, têm procurado incansàvelmente examinar os mais diversos animais, nas suas relações com
um labirinto.
A mediocridade dos resultados obtidos com estes trabalhos,
ecutados, aliás, segundo os mais rigorosos métodos quantitativos
os cálculos mais perfeitos, podia tê-Ia previsto quem se desse
onta de que é falsa a pressuposição implícita de que um animal
ode alguma 'Vezentrar em relação com um objecto.
(I) A breve introdução à «doutrina do significado», polêmica genial de J acob von
küll com o seu grande adversário científico Max Hartmann, s6 para o especialista
C ter interesse e talvez; até causasse confusão ao leigo no assunto. Por outro lado,
palavras introdutórias dão um retrato tão relevante e impressívo do naturalista
bativo e original que é von Uexküll , que não queremos privar dela os nossos leitores.
r Isso a oferecemos a seguir à doutrina do significado, como epílogo.
A controvérsia, aliás, significativa em si, mesmo que tenha perdido actual idade,
está encerrada. (Nota da ed. alemã)
115
É fácil apresentar, por meio de um exemplo simples, _a prova
desta afirmação, talvez surpreendente. Na estrada, um cao ladra
furiosamente contra mim. Para me libertar dele, pego nu~a
pedra do caminho e atiro-a ao assaltante, num golpe certe:ro.
Ninguém, que tivesse observado a cena e apanh~sse depois a
pedra, duvidaria então de que ela er~ o mesmo .0bJect~ «pedra»
que fora levantada do pavimento e atirada depois ~o cao. ,.
Nem a forma, nem o peso, nem as outras propnedades fIsl:as
e químicas da pedra se alteraram. A cor, a d~'eza, as formaçoes
cristalinas conservaram-se as mesmas e, todavia, operou-se nela
uma transformação fundamental: mudou de significação ou
melhor, de significado.
.
Enquanto a pedra fazia parte do pav~m~nto da estrada,
servia de apoio ao pé do viandante. O ~eu slgn~ficado estava ~a
parte que lhe cabia na função do cammho. Tinha, para assim
dizer um sentido ou «teor de caminho».
Tudo se modificou radicalmente quando apanhei a ~e~a
para a atirar ao cão. Ela transformou-se então num projéctil:
foi-lhe atribuído um novo significado. A mesma pedra recebeu
um «teor de arremesso».
A pedra que, como objecto neutro, está na mão do observad~,
transforma-se num objecto significante logo que entra em relaçao
com um sujeito. Como os animais nunca se apresentam como
observadores, pode afirmar-se que nenhu~ ani~al pode. entrar
em relação com um objecto. Só pela relac.lO~açao, o objecto s~
transforma em qualquer coisa com um slgmficado, que lhe e
atribuído por um sujeito.
.
•
Dois outros exemplos podem esclarecer-nos acerca da influência que a mudança de significado exerce ~as propriedades d~s
objectos. Eu pego numa concha larga de Vidro, que pode COnsiderar-se um mero objecto, por isso que não entrou em qualqu~r
espécie de relação com uma actividade humana. Encaixo-a de~Ols
na parede exterior da minha casa, transformando-a, desta m~nelra,
numa janela que deixa penetrar a luz do sol mas que, devido aos
seus reflexos faz desviar a vista às pessoas que passam. Posso
ainda oolocar a concha em cima da mesa e enchê-Ia de água,
para a utilizar como vaso de flores.
.
As propriedades do objecto não se alteram c~m ISSO. Mas logo
que ele se transformou num objecto significante <~anela» ou «vaso»,
reconhece-se uma diferenciação das suas propnedades, consoante
a função que passa a desempenhar. Para a janela, é a transpa-
116
rência a propriedade essencial, ao passo que a curvatura r ']}I' •
senta a propriedade acessória.
Este exemplo permite compreender melhor por que razões O~
escolásticos classificavam as propriedades dos objectos em esseniia
e accidentia. Ao fazerem esta classificação, eles só tinham em
mente objectos significantes, pois as propriedades de objectos sem
significado não admitem qualquer ordenação hierárquica. Só a
ligação mais ou menos estreita do objecto significante com o
sujeito permite dividir as propriedades em essenciais (essentia) e
acessórias (accidentia).
Como terceiro exemplo, tomemos um objecto constituído por
duas barras compridas e várias outras mais curtas que, .com
intervalos regulares, liguem as duas primeiras. A este objecto
pode atribuir-se o teor de «trepar», de uma escada, quando se
encostam ao alto, a uma pai ede, as duas barras compridas; mas também posso atribuir-lhe o teor correspondente à sua utilidade como
vedação, se fixar no solo, horizontalmente, uma das barras maiores.
Imediatamente se verifica que o afastamento entre si das
barras transversais desempenha papel secundário no caso da
vedação mas que, no caso da escada, esse intervalo deve corresponder a um passo. Já se reconhece, assim, no objecto significante
«escada», um plano simples de construção geométrica que torna
possível a acção de trepar.
Em linguagem pouco rigorosa, nós designamos todas as coisas
que nos são úteis (embora elas comportem, colectiva e individualmente, significação humana) simplesmente por objectos, como
se de meros objectos autónomos se tratasse. Com efeito, não é
raro tratarmos uma casa, com tudo que ne.la se encontra, como
se ela existisse objectivamente, sem considerarmos as pessoas que
habitam essa casa e utilizam as coisas nela contidas.
Verificaremos imediatamente quanto é errada esta maneira
de ver se, em lugar de uma pessoa, imaginarmos um cão como
habitante da casa e atentarmos nas suas relações com as coisas.
Sabemos, pela experiência de Sarris (1) que um cão que
aprendeu a sentar-se numa cadeira quando lhe dão a ordem
«cadeira I» procura outra coisa para se sentar, se aquela lhe tiver
sido retirada, e até outra coisa que possa servir-lhe de assento a
(I) E. G. Sarr is, colaborador de Uexküll, que desde 1931. se tem dedicado ao
estudo do comportamento e ao ensino de cães e também ao treino de cães de cego.
(N. da ed. alemã)
117
ele, sem que tenha de ser, necessàriamente,
assento próprio para
pessoas.
As coisas que podem ser aproveitadas para assento contém
todas um significado comum, possuem todas o mesmo teor 'de
assento, pois podem substituir-se· arbitràriamente
umas pelas
outras que o cão servir-se-á delas, sem distinção, à voz de comando
«cadeira !».
Se imaginarmos, pois, o cão como habitante da casa, poderemos verificar a existência de um grande número de coisas' com
o teor de «assento». Haverá, do mesmo modo, muitas coisas que
apresentam um teor de «comida» ou um teor de «bebida» de
cães. A escada tem, por certo, uma espécie de teor de «trepar»;
mas a maioria dos móveis têm, para o cão apenas um teor de
«estorvo», mesmo quando cheios de livros ou roupas. Todos os
pequenos utensílios domésticos, como colheres, garfos, fósforos,
deixam, por inúteis, de existir para o cão.
Ninguém contestará que a impressão deixada pela casa, com
todas as coisas que só ao cão podem interessar, é extremamente
desoladora e não corresponde, de modo algum, ao seu verdadeiro
significado.
.
, Não poderemos daí concluir que, por exemplo, a floresta,
cantada pelos poetas como a mais bela estância para o homem,
não é, de forma alguma, concebida no seu verdadeiro sentido;
quando a relacionamos só connosco?
Antes de desenvolvermos esta ideia, seja-nos permitido citar
aqui uma frase do capítulo sobre o mundo-próprio, no livro de
Sombart (1) Acerca do Homem: «Não existe nenhuma floresta como
mundo-próprio objectivamente bem determinado, mas sim uma
floresta do couteiro, do caçador, do botânico, do passeante, do
amante da Natureza, do homem que vai à lenha ou do que anda
às bagas, pu a floresta da fábula em que Hansel e Gretel se perdern».
Os significados da floresta contam-se por milhares, se nos não
limitarmos às suas relações com sujeitos humanos e se também
tomarmos em consideração os animais.
É, todavia, inútil extasiar-nos com o número extraordinário
de mundos-próprios que se contêm na floresta. Será muito mais
elucidativo tomar um caso típico, para então lançarmos um golpe
de vista pela teia de relações dos mundos-próprios.
Observemos, por exemplo, o pedúnculo de uma flor dos prados,
(I)
Werner Sombart,
118
sociólogo alemão (1863-1941).
(N. da ed. alemã)
qu; desabrocha, e procuremos verificar que papéis lhe são ntri.
buídos nestes quatro mundos-próprios' r) o de uma a
.
,
.
r panga qu
anda a colher flores e, COm algumas delas, de várias cores faz
um ramo que depois põe, como adorno, na cintura do cor;ete'
2) o ~e uma for~iga que utiliza o desenho regular da superfície
super~or do pedunculo corno piso ideal para atingir a zona rica
de alimento, dentro das pétalas da flor; 3) o de uma larva de
aphrophora spumaria, que perfura os vasos condutores da seiva
do pedúnculo e o utiliza como fonte de material emulsionável
com qu: constrói o seu abrigo aéreo; 4) o de uma vaca que ceifa,
com a lmgua, o pedúnculo e a flor e os mete na enorme boca
para os utilizar como alimento.
'
?
mesmo pedúnculo de uma flor desempenha, conforme o
oenario do mundo-próprio em que se encontra, o papel de adorno
de passagem, de reservatório ou, finalmente, de bocado de comida:
, Isto
.. é verdadeiramente espantoso. O pedúnculo da flor , em SI.
p~opno, como parte de uma planta viva, é formado por elementos
dispostos segundo um. plano, .uns em relação aos outros, que
c~nstrtuem um mecamsmo mais perfeito que todas as máquinas
feitas pelo homem.
. Os mesmos elementos que no pedúnculo da flor estão submetidos a um acertado plano de construção são separados uns dos
o~tros, levados. para os quatro mundos-próprios e perfeitamente
ajustados, com Igual certeza, a outros planos de construção.
, ~ogo que cada componente de um objecto orgânico ou inorga.n~cosur!5e, comoobjecto significante, no cenário da vida de um
s~Jelto animal, esse componente é posto em contacto com um
digamos, «co::u:plemento», situado no corpo do sujeito que inter~
vém como utrhzador do significado.
Este facto chama a nossa atenção para um aparente contraste
nos caracteres fundamentais da natureza viva. A concordância
com um plano na estrutura do corpo e 'a concordância com um
plano na estrutura do mundo-próprio situam-se frente a frente
e parecem contradizer-se.
E ilusória seria a impressão de que a concordância com um
~lano na estrutura do mundo-próprio é, de algum modo, menos
rigorosa do que na estrutura do corpo.
'
Cada mundo-próprio
em tod~s ~s suas partes é
lhe atribui, Consoante o
nário da vida abrange
é, e.m si" uma unidade fechada, que
dominada pelo significado que o sujeito
significado que tem para o animal o
um espaço amplo ou limitado, cujos
119
lugares dependem inteiramente, em número e grandeza, da capacidade de diferenciação do órgão sensorial do respectivo sujeito.
O espaço visual da rapariga, no exemplo anterior, assemelha-se
ao. nosso; o espaço visual da vaca estende-se para além da planície
em qUI; o prado está sítuado, .ao passo que o seu diâmetro, 1110
mundo da formiga não vai além de meio metro e será de alguns
centímetros apenas no da aphrophoraEm cada espaço, é diferente a distribuição dos lugares. O piso
macio que a.formiga tateia, ao passar pelo pedúnculo da flor, não
existe para as mãos da rapariga e ainda menos para a boca da vaca.
O esquema estr-utural do pedúnculo da fiar e a sua constituição
química não desempenham qualquer papel no cenário da vida
da rapariga ou no da formiga. A digestibilidade dos colmas, pelo
contrário, é essencial para a vaca. Dos vasos condutores, delicadamente estruturados, do pedalo, a aphroPhora extrai a seiva
que lhe convém. Com efeito, ela é capaz, segundo Fabre, de obter,
à custa do leite venenoso da erva-leiteira, um suco inofensivo
para a sua habitação de espuma.
.Tudo quanto cai na esfera de um mundo-próprio, ou 'desaparece totalmente ou é adaptado e transformado até se converter
num objecto com sigIúficado útil. Os elementos iniciais são então
muitas vezes separados uns dos outros, sem atender ao plano de
construção que até aí os regulava.
Dentro dos vários mundos-próprios, os objectos significantes
são tão diferentes pelo seu centeúdo quanto se assemelham pela
natureza da sua estrutura. Algumas das suas propriedades apresentam-se sempre ao sujeito como portadoras de sinais-característicos e outras como portadoras de sinais-de-impulso. ou acção.
A cor das fiares actua como nota (ou sinal) visual IlO mundo-próprio da rapariga do exemplo dado; o estriamento da superfície superior do pedúnculo como nota táctil, no mundo-próprio
da formiga, e o ponto em que a aPhroPhora o perfura denuncia-se
-lhe, talvez, como nota olfativa; e no mundo-próprio da vaca,
a seiva do pedúnculo dá a nota gustativa. A maior parte das
vezes, os sinais de acção são atribuídos pelo sujeito a outras propriedades do objecto significante. É quebrando-a pela região mais
delgada do pedúnculo que a rapariga colhe a fior.
O estriamento da superfície superior do pedúnculo serve à
formiga para provocar não só o sinal táctil das suas antenas mas
também o da acção das suas pernas.
. O reservatório de seiva, denunciado
120
pelo cheiro, é perfurado
pela aphrophora e a seiva que de ele brota serve como material
para a construção do seu ninho. espumoso. _
' _
- '
-.f A dnota gustativa do 'pedúnculo fazque a vaca ' ao pastar,' vá
cer an o sempre mais calmos' com a língua. ,_ -..
'
. Com~, ~m .cada caso, o. -sinal-de-impulso aplicado: 'sobre o
objecto significante anula o sinal-perceptivo que p rovoca o comportamento, sucede que, com esse 'sinal-de-impulso, termina todo
o comportamento, qualquer que ela seja.
a flor transforma esta- num adorno ,mun
no
d 0•O .colher
d'
-propno
a raparIga; .a passagem ao longo do pedúnculo transf~rma este num caminho, no mundo-próprio da formiga e a
picada
daI'larva , transforma-o numa fonte de m a t erra
'I d e constru~
çaoI que
e
a
utiliza,
Finalmente
ao
ser
comido
pela
d fi
'
vaca, o pe dúuneu o ~ ar passa a ser um alimento próprio do gado.
Assim,
..
, cada. acto de comportamento ,oconstituíd
por SInaIS-perceptivos e irn ulsos, im rime ao obiecto neutro o seu SI
.
ca. o e transforma-o, com isso,SInum obiecto . 'ficante r laciona o com o su eIto, no seu res ectivo mundo- ró rio
om,o cada act~ de comportamento se inicia pela p~odução
de ~m sinal-perceptivo e termina com a «cunhagem» de um sinal.~e-Impulso ~o mesmo o?jecto significante, é possível falar de um
cIclo-de-f~nçao que relaciona o objecto significante com o sujeito
Os ciclos-de-função mais importantes, pelo seu significado'
qu~ se nos de?aram na maior parte dos mundos-próprios são:
O CIclo
.
G do habitat,
'
.o da nutrição, o do inimigo e o d o sexo.
. . raças a sua mtegração num ciclo-de-função cada objecto
Ilgmficante •torna-se " complemento
do suieit
.' I e por.Isso
..
.
~ 10 amma
ertas tpropriedades individuais, consideradas portadoras de' smaIS.
carac erísncos e efectores desempenham então u m pape Iessenciar,
.I
nquanto outras, pelo contrário, têm apenas papel secundá'
equentemente, a maior parte do corpo de um objecto signic~nte, como ~strutura não diferenciada, serve apenas para
tIcular entre SI as partes portadoras de sinal-perceptivo com as
artes portadoras de sinal-de-acção,
(Comp. pág. 28, figo 3)
r
•
2. MUNDO-PRÓPRIO E REVESTIMENTO PROTECTOR
Ta~to os anim~is como as plantas dotam o corpo de proteces ~Ivas, ao abrigo das quais passam a sua existência .
Sao todas construídas rigorosamente segundo um plano, mas
121
distinguem-se, todavia, em pontos essenciàis. Em volta do revestimento animal há um espaço mais ou menos amplo, em ~ue
abundam os objectos significantes do sujeito? todos, porém, ligados a este, por meio dos ciclos-de-função.
'
O comando de cada ciclo-de-função, tal como ele se exerce
no corpo de um animal é o sistema nervoso que, começan~o pelos
receptores (os órgãos dos sentidos) e passando pelos ór~ao: cen~
trais da percepção e da acção, conduz a corrente de excitaçao ale
os efectores.
O revestimento das plantas carece de sistema nervoso; faltam-lhe os órgãos da percepção e da acção e, consequentem:nte,
- h' para as plantas .nem objectos significantes, nem ciclosnao a,
'
.,_
-de-função nem sinais-característicos, nem smals-de-acçao.
,.
O exterior dos animais é capaz de se mover e, com auxílio
dos músculos, pode pôr em movimento os seus receptores em
todos os sentidos.
.
._
O das plantas não dispõe de mobilidade própria, pOISnao possui nem órgãos receptores nem efectores com que elas possam
construir e regular o seu mundo-próprio.
,.'
. A planta não possui órgãos especiais de mundo-propno: vive
solitária, dentro do mundo que habita. As relaçõe~ das planta~ cor~ ,
esse mundo são totalmente diferentes das que. h~am os ammais
ao seu mundo-próprio. Apenas num ponto cOJllCldem os planos
de organização dos animais e das plantas: ambas consegu?m
fazer uma rigorosa selecção das acções que o mundo exterior
exerce sobre elas.
Apenas uma parte das acções do exterior é c~ptada pelos
órgãos dos sentidos dos animais e tratada como estlII~ulos. Estes
estímulos são ronvertidos em excitações nervosas que sao, por ::.,ua
vez, transmitidos aos órgãos centrais de percepção. Nos ór~aos
de percepção soam então os correspo~dentes smals-perc.eptiVo~
que são depois transferidos para. o exte~JOr.como notas e transfor
mados em propriedades dos objectos slgmfic~ntes..
.
No órgão de percepção, os sinais-perc~ptlvos induzem, digamos assim no órgão central da acção, os Impulsos correspondentes, os quais se tornam fontes dos fluxos de excitação que acorrem
aos efectores.
Quando se fala
tivos
não deve
cep
"
ção eléctrica entre
se dá na sequência
. .
de uma indução de impulsos, pelos smal~-perde maneira nenhuma, entender-se uma indu. d e
dois condutore~ paralelos, mas a m uçao qu
de uma melodia, de nota para nota.
Também para as plantas não existem estímulos de ÍtlllH)1
tância vital que se salientem, como factores significant 5, do
conjunto de acções que de todos os lados incidem sobre elas.
A planta não defronta asacções exteriores por meio de órgãos
receptores ou efectores; mas, graças a uma camada de células
vivas, ela, de dentro do seu revestimento, é capaz de seleccionar
estímulos.
Nós sabemos, desde Joh. MüIler, que é falsa a ideia do fluir
mecânico dos fenómenos vitais. O próprio reflexo, tão simples,
de uma pálpebra que se agita, à aproximação dum corpo estranho,
não é o efeito duma cadeia de causas ~ efeitos físicos mas um ciclo-de-função simplificado, que começa com a percepção e acaba
com a acção. O facto de, neste caso, o ciclo-de-função não atingir
o cérebro e abrir caminho através dos centros inferiores nada
altera quanto à sua essência. O reflexo mais simples é, também,
fundamentalmente, um acto do tipo percepção-acção, mesmo que
o arco reflexo devesse implicar apenas uma cadeia de células
individuais.
.Podemos estar absolutamente seguros desta afirmação, desde
que Joh. MüIler mostrou que qualquer estrutura viva se distingue
de todos os mecanismos inanimados por possuir, além da energia
física, uma energia vital «específica». Para ficarmos inteiramente
elucidados, comparemos um músculo vivo com um sino. V ~rifica-se
então que só se consegue que o sino exerça a sua função-tocar
-fazendo-o
oscilar, de certa maneira, num sentido e noutro.
Falhará qualquer tentativa para, de outro modo qualquer,
fazer tocar o sino: nem o aquecimento, nem o arrefecimento,
nem a acção de ácidos ou alcalinos, nem os efeitos magnéticos,
nem a produção de correntes eléctricas-nada
tem influência,
de qualquer natureza, sobre a função do sino, que permanece
mudo. Pelo contrário, um músculo vivo cuja função vital é a
contracção será levado a contrair-se, por meio de todas as acções
exteriores, desde que estas sejam próprias para, de modo geral,
actuar sobre ele. O sino comporta-se como objecto inanimado
que recebe apenas acções, enquanto o músculo vivo se comporta
como sujeito que transforma todas as acções exteriores no mesmo
estímulo, o qual, por sua vez, provoca o seu funcionamento.
Se possuíssemos um certo número de sinos vivos que produzissem, todos eles, sons diferentes uns dos outros, poderíamos
tormar com eles um carrilhão que funcionasse por meios mecânicos, eléctricos ou químicos, pois cada' sino
teria de respond r
,
123
122
com o seu som próprio, especial, a qualquer espécie de estimulação.
Mas isto não seria ainda um carrilhão vivo, pois também este,
afinal,-fosse ele movido eléctrica ou quimicamente-continuaria
a ser um simples mecanismo, provido de sons individuais e inúteis.
Um carrilhão constituído por sinos vivos, deveria possuir a
faculdade de executar a sua música, não só movida por
impulso mecânico mas também regulada por uma simples
melodia.
Ora é isto exactamente que se passa em todo o corpo vivo.
Sem dúvida, poderá mostrar-se que em todos os casos-e particularmente na transmissão da excitação do nervo ao músculoo jogo vivo da sucessão dos sons diferentes passa a ser substituído
por um encadeamento químico-mecânico. Mas esse facto continua
a ser, essencialmente, a consequência duma mecanização acessória.
Na origem, todos os germes do organismo se compõem de células
de protoplasma livres, que só obedecem à indução melódica dos
seus sons individuais.
A prova concludente deu-a Arndt (1), no filme em que faz passar
ante os nossos olhos o desenvolvimento do bolor-viscoso. Os germes
deste tipo de fungos são, inicialmente, células que se movem em
liberdade, com movimentos amibóides (mixamibas) em busca
da flora bacteriana de que se alimentam, sem se importarem
umas com as outras. Essas células amibóides multiplicam-se
produzindo uma massa de protoplasma multinucleado (plasmódio). Quanto mais alimento existe, mais ràpidamente progride
a reprodução. Daí resulta que os alimentos começam a faltar
em toda a parte ao mesmo tempo.
Verifica-se então um facto espantoso: todos os elementos dessa
massa se isolam uns dos outros, em formações equivalentes e,
dentro de cada formação, todos eles se dirigem para um ponto
central comum. Chegados aí, arrastam-se uns sobre os outros
e então, os que chegaram primeiro transformam-se em células
fixas de suporte, que servem de escada aos que vêm depois. Logo
que é atingida a altura definitiva do talo, ainda fino como um
cabelo, as células que se apresentam em último lugar transformam-se num corpo frutífero em cujas cápsulas se contêm
(I) Walter Arndt (1891-1944), zoólogo e médico, conservador do Museu de Zoologia
de Bcrlim fez, na década de trinta, um filme notável sobre o desenvolvimento do bolor
-viscoso, (N. da ed, alemã)
os ésporos vivos. As cápsulas são depois espalhadas pelo V('IIIO,
que as transporta a novos locais de nutrição.
Ninguém põe em dúvida, neste caso, que a mecamca subrilmente trabalhada do corpo do bolor-viscoso é um produto d
células livres, que só obedecem a uma melodia ordenadora dOA
seus sons individuais.
A demonstração de Arndt é tão particularmente importante,
por se tratar aqui dum organismo que, no primeiro período da
sua existência, pelos seus movimentos e pelo seu modo de alimentação, se comporta como animal e depois, no segundo período,
se converte em planta.
Não é para iludir que nós atribuímos às células amibóides do
bolor-viscoso um mundo-próprio que, embora limitado, é comum
a todas e no qual as bactérias são destacadas do ambiente como
objectos significantes e como tais são notadas e tratadas. Mas o ser
adulto é uma planta, que não possui qualquer mundo-próprio de
animal:
. é simplesmente envolvida por um revestimento protector ,
constituído por factores significantes.
O factor significante que tudo domina no organismo adulto
é o vento, contando com o qual ele se desenvolve com admirável
segurança. Embora não sejam tão engenhosamente construídas
corno os capítulos do dente-de-leão, as cápsulas de esporos do
bolor-viscoso são presa fácil do vento que, assim, garante uma
larga disseminação.
3·
A UTILIZAÇÃO DO SIGNIFICADO
O mundo que um animal habita e que nós vemos abrir-se
à sua volta, transforma-se, quando observado pelo sujeito animal,
no seu mundo-próprio, um mundo em que se agitam os mais
variados objectos significantes. O mundo habitado por uma
planta e que nós podemos delimitar à volta do lugar em que ela
cresce, traneforma-se, quando observado pelo sujeito-planta,
num revesumento protector que se compõe de diversos factores
significantes, submetidos a uma mudança regular.
A função vital do animal e da planta consiste em utilizar,
eonsoante o seu plano subjectivo de organização, os objectos
lignificantes, no primeiro caso e os factores significantes, no
legando.
Falarrios correntemente
da
utilização
de
alimentos
1;24
125
mas,
a maior parte das vezes, damos a este conceito demasiada estreiteza. Por utilização significante dos alimentos deve entender-se,
não só a trituração com os dentes e a preparação química operada
no estômago e nos intestinos mas também o reconhecimento dos
alimentos por meio dos olhos, do nariz e elo paladar.
Com efeito, no mundo-próprio dos animais, cada objecto
significante é utilizado por meio da percepção e da acção. Em cada
ciclo-de-função, repete-se o mesmo processo percepção-acçãoPodemos, na verdade, considerar os ciclos-de-função como ciclos
de-significado, cuja missão se completa na utilização dos objectos
significantes.
.
Não faz sentido falar de ciclos-de-função nas plantas e, todavia,
o significado dós seus órgãos, igualmente constituídos por células
vivas, reside na utilização dos factores significantes do seu revestimento protector. Elas realizam esta função graças à sua forma
organizada segundo um plano e à ordenação, levada aos últimos
pormenores, da sua substância.
Quando contemplamos o espectáculo das nuvens ao sabor
do vento, podemos atribuir significados diferentes às difere;:ltes
formas que as nuvens tomam. Isto, porém, não passa dum Jogo
da fantasia, pois as diferentes formas das nuven~ são simples~ent~
o resultado de ventos variáveis e obedecem ngorosamente a lei
da causa e do efeito.
Quadro totalmente diverso é o que se nos oferec.e qua~do
acompanhamos o pairar, 'ao sabor do vento, do gracioso p~ra-quedas do fruto do dente-de-leão, ou a rotação em espiral,
do fruto das aceríneas ou das tílias.
Aqui, não é o vento, de modo nenhum, a causa da constituição das formas, como no caso das nuvens: as f~r~as é ~ue se
insinuam no factor significante «vento», que elas utilizam diversamente para a disseminação das sementes.
Há, porém, quem prefira considerar o vento como causa
determinante das formas porque, durante milhões de anos, ele
actuou sobre o objecto planta. Ora há mais tempo ainda que
o vento actua 'nas nuvens, sem que dessa acção tenha resultado
qualquer forma defimitiva.·
._
A forma significante permanente é sempre o produto da acçao
dum sujeito e nunca o de um objecto trabalhado sem plano mesmo
durante tanto tempo.
O que se diz do vento, pode também dizer-se dos outros .factores
significantes das plantas. A chuva é aparada pelas goteiras das
f-olhas da copa e desce até' às finas extremidades da raiz, dl'blll ••
da terra. A luz do Sol é absorvida pelas células provi Ia, dI'
clorofila e utilizada na execução dum processo químico complirndu,
A clorofila não é fabrica da pelo Sol como a goteira o não é 1)/'1.1
chuva.
Todos os órgãos-os
das plantas e os dos animais-c devem
a forma e a distribuição da substância ao seu significado ('01110
utilizadores dos factores significantes que até eles chegam do
exterior.
Em todos os organismos, portanto, o problema primacial é o do significado e só depois de ele resolvido faz sentido investigar os processo,
causais, que são sempre extremamente limitados, visto a a tivi.
dade das células vivas ser dirigida pelos seus teores individuais.
Pode falar-se duma melodia de crescimento ou duma detem i·
nação do crescimento, que regula os teores individuais dos esporos,
Esta determinação do crescimento é, como já vimos no filme
de Arnt, em primeiro lugar, uma determinação da constituição dI'
formas que articula as partes e estabelece depois em cada umn
delas um centro para que tendem todas as células. O que derivn
das células germinais individualmente depende apenas do lugnr
que elas tomaram na forma em organização.
A equivalência original das células germinais individuais,
demonstrada com toda a evidência no filme de Arnt, já tinha si lo
descoberta por Driesch (1), nas suas famosas experiências em germe,
do ouriço-do-mar.
As células germinais da maior parte dos animais tomam
primeiro a forma duma amora, depois a duma bola oca, a qual
se invagina num polo e passa, simultâneamente, a ser constituída
por três folhetos. Surge, assim, a «gástrula» que, com os trl'H
folhetos iniciais, constitui a forma original da maioria dos animais,
Com esta simples sequência de tons se inicia toda a vida animal
mais elevada.
Existem animais, como as hidras de água doce que arrastam
sua vida simples com a forma simples da gástrula. Tal como
O bolor-viscoso, também neste caso se colhe a impressão de que
basta a realização do determinismo morfogenético para qu SI'
tabeleçam as suas relações de significado.
(I)
Hans Driesch (1867-1941), filósofo e biologista alemão, discípulo c dell"l"
esítor de Ernst Haeckel. Ligou a experimentação biológica à biologia teórica f'
ofia natural. (N. da ed, alemã)
127
126
Não tivemos razão até aqui, para, além do determinismo morfogenético, aceitarmos também' um determinismo de signi~ca~o.
Mas aprendemos alguma coisa de melhor com ~SA eX?enenClas
me -Spernann e dos seus discípulos, Estas expenencias foram
executadas pelo método de enxertia, elaborado I.'0r .Spem~n~;
que consiste em tirar a um embrião, no seu p.nme~ro estádio
de gástrula, uma pequena fracção da camada exteno.r e Implantar,
no seu lugar uma fracção idênticà de outro embrião.
Verifica-se então que o novo enxerto se desenvolve, não de
acordo com a sua origem mas segundo o lugar onde se enxertou.
Com efeito a estrutura do enxerto, que foi transplantado para.
a região ce~ebral e que, normalmente, se teria t:ansformado em
epiderme, transforma-se agora em cérebro .e vI~e-versa.
, O determinismo morfogenético segue as directrizes dum plano
que já é reconhecível no est:àdio de gástrula. Neste e~tádi.o, é possívelenxertar pedaços de tecido de embriões de espécies diferentes.
Esta experiência notável dá também resultado q~aFldo se trocam
fragmentos de tecido de embriões de outra esp~Cle.
._
, Interessam-nos aqui, em especial, as enxertias na regiao oral
dos girinos de, rã e das larvas do tritão.
,
Spemann escreve sobre este assunto: (<Alarva do tritão, ~omo
se sabe, tem na' boca verdadeiros dentículos, da mesma ongem
e constituição que os dentes de todos o~ vertebrado~; a boca do
girino de rã, pelo contrário, é provida de maxI:as e ponta~
córneas que são absolutamente diferentes, quanto a forma e a
constituição, aos dentes verdadeiros.
.
. .
Ora resolveu-se fazer uma enxertia de tecido dum glrmo de
rã na região oral da larva do tritão.
.
, ,«Num caso»- prossegue Spemann (1) - «em que o enxer~o cobria
toda a região oral surgiu, exactamente no lugar próprio, uma
típica boca' de girino de rã, com maxilas córneas, armadas de
~ontas córneas. Noutro caso, porventura aind~ mais interessante,
metade da boca desenvolveu-se, sem alteraçoes, numa boca de
tritão com dentículos verdadeiros.»
D~í conclui Spemann: «Duma maneira geral, já podemos
afirmar afoitamente, acerca do estímulo indutor, que, qu~nto
àquilo que sucede, deve ser de natureza perfeitamente especI~ca
mas quanto ao modo como sucede, deve ser de natureza perfeI.tamente geral. Tudo se passa como se, em sentido figurado, a deixa
{Il Hans Spemann {186g-I04Il, zoólogo, prémio Nobel de Medicina. (N •• d. alemIJ)
fosse entendida no significado perfeitamente genenco de «armadura bucal» e esta fosse então fornecida pela ectoderme, na realização dum plano já contido na hereditariedade da sua espécie.
Haveria, por certo, grande 'surpresa num 'teatro se, durante
uma representação do Guilherme TeU, na cena de Küssnachi,
o intérprete de TeU fosse substituído pelo intérprete do Hamlst
e este, à deixa «monólogo», começasse, não com as palavras.
«Aqui executarei o meu plano. A ocasião é favoráveb>, mas com
o conhecido «Ser ou não ser, eis a questão».
Seria, do mesmo modo, grande surpresa, se um animal carnívoro, que é constituído para cravar os dentes aguçados na presa
estrebuchante, possuísse boca de herbívoro, com pala tino córneo,
próprio apenas, para arrancar as partes brandas das plantas.
Como é tal permuta possível? Não esqueçamos que o tecido
celular implantado representa um carrilhão vivo, em que os sons
de cada sino, estavam antecipadamente introduzidos na melodia
«boca de herbívoro», quando receberam a determinação do
significado «boca».
Donde se conclui que determinismn de significado e determinismo
morfogenético não são a mesma coisa.'
No desenvolvimento normal, o material celuIarque
era,
primitivamente,
da mesma natureza, articula-se em esboços,
que recebem o seu deterrninismn de significado consoante o plano
original-pois
que o organismo se compõe de utilizadores de
significado. Só então a melodia específica dos esboços começa
a soar e constitui a forma dos utilizadores de significado.
Se trocarmos os esboços de diferentes espécies animais, cada
um deles recebe, na sua nova posição, um determinismo de
significado correspondente ao lugar que tem no plano de organização: «torna-te boca, olho, ouvido, etc.».
O esboço transplantado obedece ao determinismo de significado do hospedeiro, e mesmo que fosse enxertado noutro lugar,
dentro do corpo maternal, teria recebido outro determinismo de
ignificado, correspondente à sua nova posição. Mas, neste llltimo
caso, segue a melodia morfogenética materna e torna-se, na
verdade, boca mas boca de girino de rã e não boca de tritão.
Como resultado final temos uma 'deformidade, pois um animal
rnívoro com boca de herbívoro é um absurdo.
Nós ficamos tão desorientados com esta deformidade que
ulta do desacerto entre o determinismo de significado; de
arácter geral, e o determinismo morfogenético, porque essa
128
129
desarmonia não nos é familiar na nossa vida corrente. Ninguém
se lembraria de encomendar, duma maneira imprecisa, numa
marcenaria, «um móvelql,leservisse
de, assento», pois correria
o "risco de lhe trazerem, para a sala, um banco, para mungir
vacas no estábulo ou, para o estábulo, uma poltrona.
Mas aqui, estamos em presença dum fenômeno natural, em
que se ordena, duma maneira perfeitamente geral, um «dispositivo
para comer», a um tecido celular heterogéneo, cujo significado
ainda não está determinado e se vê depois surgir um dispositivo
para comer absolutamente inadequado.
,
Todo aquele que, por exemplo, já tenha reflectido nas razões
por que os peixes achatados, como as raias e as solhas, cujas
condições de vida se assemelham tanto, são construídas segundo
princípios totalmente diferentes, terá de admitir que a determinação do significado não coincide com a determinação morfogenética.
fim é igual mas o meio é diferente. As raias são achatadas do dorso para o ventre e os olhos ficam, assim, na parte
superior. As solhas são achatadas lateralmente, daí resultando
que um dos lados toma a função do dorso. Desse modo, um dos
olhos ficaria na parte inferior, onde não teria função; desloca-se,
porém, devido a uma torção da cabeça que lhe permite também
ficar a ver na parte superior.
meios morfológicos usados para permitir que os diferentes
animais possam subir por uma parede lisa são variadíssimos,
embora conduzam todos ao mesmo fim: utilizar como caminho
o objecto significante-a
parede lisa.
As moscas domésticas têm, nas plantas das patas, membranas
marginais que, espalmando-se durante a marcha, com o peso do
corpo, formam ventosas que fixam as moscas aos vidros das janelas:
As lagartas das borboletas movem-se, como as sanguessugas
com auxílio de duas ventosas e os caracóis arrastam-se, sempre
colados, indiferentes â inclinação da pista. Em todos os casos,
a função é a mesma e só difere inteiramente o modo de a exercer.
exemplo mais flagrante deste facto fornecem-no-Io as pinças
venenosas dos ouriços-do-mar de espinhos curtos que têm todas
a mesma função: atacar com" as suas pinças venenosas o objecto
significante «inimigo», seja ele uma estrela-do mar ou qualquer
molusco secretor de ácidos,
Em todos eles, o inimigo caracteriza-se pOJ', ao aproximar-se,
emitir um estímulo de natureza química e depois, ao estabelecer
contacto, um estímulo mecânico, Pela acção do estímulo químico,
a
as
a
130
abrem-se as pinças venenosas dos oc:ariços-do-mar de todas as
espécies; pela acção do segundo-o estí.-nulo mecânico-fecham-se
e expelem o seu veneno.
Todas as' espécies de ouriço-do-ma:r (com excepção de uma)
resolvem este .problema por, meio durrs reflexo em que, ao abrirem-se, estendem um tentáculo ao inirnígo. Logo que o inimigo
toca este tentáculo, dá-se a captura a~tornàticamente.
Só uma espécie de ouriço-do-mar
procede de outro modo.
Ao abrirem-se, as três pontas da pinça retroflectem-se tanto, que
ficam tensas como o arco duma besta e não precisam, portanto,
de nenhum reflexo para se fecharem abruptamente à mais pequena
pressão.
Ambos os processos, afinal, conduzem ao mesmo fim, pois
em qualquer deles o objecto significa nte «inimigo» é assaltado
e envenenado pelo órgão utilizador do significado.
A determinação de significado é sempre a mesma, só muda
radicalmente a determinação morfogerrética.
A magnífica descoberta de Spemann encontra confirmação
em todos os casos em que acções semelhantes, praticadas pelos
animais, são executadas por processos diferentes e pode servir
ainda para uma melhor compreensão da diferença fundamental
entre a construção dum mecanismo e a estruturação dum organismo.
mecanismo duma máquina qualquer, digamos, dum relógio
de algibeira, é sempre constituído «centripetamente», quer dizer,
as peças do relógio-os ponteiros, a corda, as rodas-têm
de ser
aprontadas primeiro, individualmente, antes que sejam ligadas
a uma peça central.
A estruturação dum animal, pelo contrário, faz-se sempre
«centrifugamente», a partir do germe, que assume primeiro a
forma de gástrula e continua depois a adicionar novos esboços
de órgãos.
Em ambos os casos, há um plano que preside à transformação:
o plano do relógio dirige um fenômeno centrípeto, o plano do
tritão dirige'
fenômeno centrífugo. Segundo parece, as partes
ajustam-se umas às outras, de harmonia com princípios diametralmente opostos.
Como, porém, todos nós sabemos-embora
com muita facilidade o esqueçamos também-o
organismo, ao contrário de
todos os-mecanismos, não consiste de peças, mas de órgãos e um
6rgão,é sempre uma, estrutura, formada de células vivas, todas
com o seu teor individual.
órgão, como um todo, possui o seu
a
um
a
131
teor orgamco, que é o seu teor significante. É este teor orgânico
que dirige, como se pode concluir das afirmações de Spemann,
os teores particulares das células do órgão-semelhantemente
ao plano significante do bolor-viscoso de Arnt, que le."a .células
amibóides a construírem o corpo do bolor. O teor ·sIgmfica~te
estabelece-se subitamente e liberta a determinação morfogenétlca
nos teores individuais dos elementos celulares, até então semelhantes, que agora se dividem em vários teores harmonizados uns
com. os outros e dão início à constituição da forma, segundo uma
melodia prêviamente estabelecida.
, _
Com a experiência de Spemann, aprendemos que os orgaos
do organismo, ao contrário de o que sucede com as partes duma
máquina, possuem um teor significante original e q,-;e, porta~t?,
não podem constituir-se senão centrifugamente. E necessano
que se passem as três fases do desenvolvimento do germe, para ~ue
comece a formação dos esboços e cada esboço deve ~e: recebIdo
o seu teor orgânico, antes que as suas células se dIVldam e se
transformem.
À custa dos teores orgânicos constitui-se, finalmente, o teor
vital do animal completo. O animal é, na verdade, mais ~o :que
o seu mecanismo material, construído pela células orgamcas,
de harmonia com a determinação morfogenética.
Quando se extingue o teor vital, o animal morre. O mecanismo material pode continuar a funcionar durante mais algum
tempo, graças à sobrevivência de alguns órgãos.
É evidente que a concepção geral da Natureza com base no
significado exige uma investigação rigorosa. No entant~, o cére~ro,
que deve possuir um teor de pensar, não nos pode serv~r de mUlt~.
Mas também aqui o significado lança a ponte que liga os fen~meROS materiais e imateriais, tal como já o fizera entre a partitura e a melodia.
4.
A INTERPRETAÇÃO
DA TEIA DE ARANHA
Quando quero mandar fazer um fato, dirijo-me ao. alfaia:e,
que me tira as medidas e exprime em centímetros as dImen~oes
mais importantes do meu corpo. Feito isto, transporta as medidas
para um papel ou, se está bem seguro do seu ofício, d~rectamente
para a fazenda, que ele agora talha conforme os numeros que
tomou. Depois, cose as partes cortadas da fazenda e, após a prova,
132
entrega finalmente 'o fato, que traduz o retrato mais 0\1 IJl('II()~
perfeito das formas do meu corpo.
Muito suspreendido ficaria.rse um alfaiate me fizesse um f: to
que assentasse bem, sem previamente me ter tirado medidas
e feito a prova. Poderia, contudo, admitir que ele tivesse consegui lu
as medidas exactas no seu próprio corpo, visto que todos os corj ON
humanos, de certo modo, se assemelham.
Por isso podem também usar-se fatos feitos, que reproduzem,
em vários tamanhos, as proporções humanas normais. Assirn,
cada loja de fanqueiro apresenta uma galeria de modelos vazios
do corpo humano.
Nem todas estas condições preliminares se aplicam
aranha
e, todavia, ela consegue oferecer, na sua rede, um padrão vazi ,
eficiente, duma mosca. Ela utiliza-o, não no interesse da mos a,
mas com o fim de a destruir. A teia de aranha funciona como
utilizador do significado do objecto significante «vítima» 110
mundo-próprio da aranha.
Este utilizador de significado é tão rigorosamente adequado
ao objecto significante, que nós podemos descrever a teia da
aranha como réplica fiel da mosca.
A aranha-alfaiate, que cria esta réplica fiel da mosca, está
privada de todos os meios auxiliares de que o alfaiate de homens
dispõe. Não pode tomar medidas no próprio corpo, que possui
formas totalmente diferentes das do corpo da mosca. Apesar disso,
determina as dimensões das malhas segundo as dimensões do corpo
desta. Calcula a capacidade de resistência dos fios, que tece
segundo a força viva do corpo da mosca em movimento. Retesa
mais os fios da rede do que os fios circulares, para que a presa
no embate, seja envolvida por estes, mais elásticos, e fique imobilizada nas suas gotinhas viscosas. Os fios radiais não são tão glutinosos e servem à aranha como trajecto mais curto para chegar
junto da vítima aprisionada, que então é envolvida e reduzida
à impotência.
As teias de aranha encontram-se, as mais das vezes, em lugar 'S
que podemos designar por lugares de trânsito das moscas.
O mais extraordinário é que os fios da teia são tecidos tão
finos, que os olhos da mosca, com os seus imperfeitos elementos
visuais, não podem distinguir a rede e o insecto voa inadvertidamente para a morte, exactamente como nós, desprevenidos, bebeos a água infestada de bacilos da cólera, invisíveis aos nossos
olhos.
â
183
Já é um modelo requintado da mosca o que a aranha esboça
na sua teia .
. .Mas alto lá! Não~,na,da:,çlis&o o-que ela-realmente faz .. Na
verdade, ela c~nstrói a -sua-teia-antes-de ter encontrado qualquer
mosca; logov-a teia .não pode', ser- 0, retrato de lima mosca real.:
Ela apresenta, pelo contrário, o desenho de um modelo de mosca
que não existe em parte nenhuma.
«Ora vamos»-já
eu estou ouvindo os mecanistas clamar.
-;<Aqui a doutrina ciosI]1undoscpróprios denuncia-se como teoria
metafísica, pois é metafísico todo aquele que procura os factores
actuantes para além do mundo material».
Pois bem .. Mas nesse caso, logo depois da teologia, é a física
moderna a mais pura das metafísicas.
Eddington (1) declara abertamente que possui duas secretárias: uma que utiliza normalmente e que pertence ao seu mundo
dos sentidos; outra; uma secretária física, cuja substância constitui'
apenas a bilionésima parte da secretária material, pois não é,
de modo .nenhum, feita de madeira, mas de um número imensamente grande de elementos pe,queníssimos, dos quais se não
sabe ao certo se são partículas ou movimentos e que circulam
à volta uns dos outros com inconcebível velocidade. Estes elementos não são substâncias mas as suas actividades simulam, no
mundo dos sentidos, a existência de substâncias. Eles prosseguem
na sua agitação numa extensão espaço-tempo tetradimensional,
que deve possuir uma curvatura eé simultâneamente infinita e
limitada.
A biologia não. reivindica uma metafísica tão audaciosa.
Pretende apenas aludir a factores que existem no sujeito, deste
lado da aparência sensorial e que hão-de servir para tornar intelegíveis as conexões do mundo dos sentidos. Não pensa, de modo
algum, em revolucionar o mundo dos sentidos, como a nova
física se esforça por fazer.
A biologia parte do facto da formação dos germes, segundo um
plano, que começa em todos os animais multicelulares com os
três compassos de uma simples melodia: mórula, blástula, gástrula.
Depois, como sabemos, vem a formação dos esboços dos órgãos
que é, em cada espécie animal, previamente determinada.
Este facto mostra-nos que a sequência morfogenética não é,
(I)
Sir Arthú'r Stanley Eddington (1882-1944), astrônomo e físico inglês, adepto
e pioneiro da teoria da relatividade. (N, da ed, alemã)
na verdade, reconhecível pelos sentidos mas que possui uma
partitura em harmonia com o mundo sensorial. A mesma partitura "dirige também :o 'crescimento espacial e -ternporal do seu
equipamento celular; assimccomoias suas propriedades;
Existe, pois, lima partitura inicial para a<mosca, tal' comó
existe uma partitura inicial para a aranha. Ora eu afirmo que a
partitura inicial da mosca (que também podemos designar por
protótipo) actua na partitura inicial da aranha, de modo que a
teia teci da por esta resulta «própria para capturar moscas».
Oculta sob a cortina das aparências, realiza-se a conexão dos
vários protótipos ou melodias iniciais, segundo um vasto plano
significante.
No caso particular, basta procurar os utilizadores correspondentes aos objectos significantes, para obter uma visão da contextura dos mundos-próprios.
A estrela orientadora pela qual a biologia se tem guiado é o
significado e não a insuficiente lei de causalidade, que não consegue
ver mais do que um passo para diante ou para trás e deixa inteiramente ocultas as grandes correlações.
Quem pede aos naturalistas investigadores que sigam uma
nova linha directiva, não se obriga só a convencê-los de que
essa orientação abre novos caminhos, capazes de levarem o nosso
conhecimento mais longe do que os actuais. Deve também indicar-lhes os problemas que ainda não encontraram solução e que
só com auxílio dessa nova linha directiva poderão ser resolvidos.
A um desses problemas se referiu o grande mestre da biologia
dos insectos, Jules Fabre. A pequena fêmea do gorgulho-da-ervilha
põe os ovos sobre as vagens da ervilha nova. As larvas que daí
resultam perfuram a parede da vagem e introduzem-se na ervilha,
ainda tenra. A larva que se aninhou mais perto do ponto central
da ervilha é a que cresce mais ràpidamente. As outras que, com
ela, ali se introduziram, em breve renunciam à competição,
deixam de se alimentar e morrem. A única sobrevivente mina,
primeiro, o' centro do grão mas abre, depois, um túnel até
à superfície superior da ervilha e, à saída dele, faz uma incisão
circular no tegumento, de modo a ábrir uma porta. Em seguida,
a larva arrasta-se novamente para a sua câmara de alimentação
e continua a crescer, até que a ervilha, depois de ter atingido o
tamanho definitivo, endurece. Este endurecimento seria fatal
para o novo escaravelho, resultante da larva, pois a ervilha endurecida forma à sua volta uma camada protectora que, por outro
18~
lado, se converteria. em sepul tura, se a larva. não se tivesse encarregado de abrir o túnel e a porta,
. .' • . de tenta. '.
.
ão rsode intervir qualquer e~penel1ela.
.
Neste caso, nae P. ..
d
Seria frustrada qual.
t
itida pelosantepassa os.
tiva e erro, ransrmtn '.
..d
id
Não' o dispo. . . ara sair da ervilha en ureCl a.
'.
.
quer· tentativa p
'.,
..
..
I ente no plano mOIsitivo túnel-porta deve Ja existir, oIl~ma:
D~ve ter-se dado,
é .
d cada larva em crescimen .
fogen nco
e
. _ d . nificado do protótipo do gorgulhoortanto Uma transrrnssao e Slg
or
p
.'
-da-ervilha,
de mo d o a est a belecer um ajustamento entre o g .gulho e a erv~ha. I I'
do túnel e da saída, que são necessáA construçao, pe a alva,
.
os o aniquilamento deste.
. , id d
gulho é em muitos cas ,
nos a VI a o gor
'.
tilizando o seu fino
C
efeito' há um pequeno icneumon que, u
'I
om,
. _ mortal a porta e o tune, para
aguilhão. ataca comI pr:C1::~efes~ do gorgulho-da-ervilha. Deste
introduzir o ovo na arv I
de icnêumon que vai devorando,
.
uma pequena arva
,
ovo irrompe
trida hospedeira, cresce até se tornar
de dentro para fora, ~ sua ndu
T
do o caminho aberto pela
adulto e alcança a liberda e, uti izan
A
sua Neste
vítima.caso, podemos falar de um trio de conexões de significado destas partituras iniciais.
5.
LEI MORFOGENÉTICA E LEI DO SIGNIFICADO
Não será fácil adaptar as Iidei
el~s metafísicas recentemente
I .d
às dos biólogos actuais.
des~v:;uê~cia
principal na biologia .mai~ recente exerceu-a a
.
.
(1) de Jacques Loeb ( ).
teorra dos troplsmo~
.'
'.
hecia a acção recíproca
L b era um fíSICOmato, que so recon
entre o:bjectos e n.ada sabi~ da tfl~ê~~~adeu:m
~~:~~_~~~:;ç~~
fenómenos naturais. Segun o e e, s
f' .
químicos Um
todos os fenómenos ISICOSe
.
e~e~~ea~~u~:~;:r: outro como o martelo sobre a bigorna ou co~o
o }a 'lha no barril de pólvora. A reacção depende. da ener~~
acruel transportada pelo objecto actuante e da energia potencia
armazenada no objecto actuado.
(I)
.
TropismoJ-movimentos orientados
segun d o leis nas plantas e animais inferiores,
J~
como reacções a determinados estímulos, (N. da ed. a/mia) da ed akmã)
(a) Biologista germano-americano (1859-19'4). (N.
.
136
Nas plantas, a reacção surge COnsoante a forma c a ordcnuç o
dos tecidos nos órgãos. Basta que pensemos nas goteiras das folh)~
e: l!-0s.grã?~. de ..amido do..g~~e do tr:igo,: que também pocl m
incluir-se no conceito _de energia potencial. .Sem -dúvida, desprezamos, neste caso,~a conformação geral das plantas, a qual d VI'
a sua constituição à acção, segundo um plano, dos impulsos ele
sujeitos .celulares vivos.
Nas plantas, não há, evidentemente, órgãos de sentidos nem
nervos, de modo que toda a sua existência parece deçorrer num
mundo-de-acção.
A teoria de Loeb consistia em também reconhecer no mundo
animal apenas o mundo-de-acção, ignorando o mundo-de-per_
cepção. Isto passava-se devido a uma simples habilidade.
Por muito complicado que se apresente o comportamento
de um animal, este acabará sempre por se aproximar ou por se
afastar do objecto actuante. Esta COmponente espacial, tão simples, de todo o comportamento interpretou-a Loeb como o próprio comportamento e dividiu, assim, todos os Comportamentos
em actos de aproximação e actos de afastamento.
Em lugar dos comportamentos, surgiram então os tropismos,
por meio dos quais Loeb transformou todos os sujeitos animais
vivos em máquinas inertes que se devem também explicar espacialmente. Até o magneto simples, que atrai o ferro, se comporta
Como ferrótropo positivo e a agulha magnética como polótropo
negativo, relativamente ao positivo.
Esta doutrina tornou-se decisiva para a concepção geral do
mundo de toda uma geração de biólogos.
Quando nos detemos em frente dum prado, onde as flores
bundam e as' abelhas zunem em todas as direcções; onde as boroIetas se recreiam e as libélulas fogem, frem~ntes; em cujas ervas
á os seus grandes saltos o gafanhoto, os ratos se esgueiram e os
acóis rastejam lentamente-insensívelmente
fazemos a nós
prios esta pergunta: o prado oferecerá aos olhos de tão diversos
. ais o mesmo aspecto que apresenta aos nossos?
A esta pergunta responderá quem for ingénuo, sem hesitação:
videntemente, é sempre o mesmo o prado que todos vêem!»
Responderá, porém, de modo totalmente diverso o adepto
victo de Loeb,
Como todos os animais são simples mecanismos, dirigidos por
ões físicas ou químicas, o prado consiste num entrelaçamento
ondas de' éter e vibrações de àr,'
nuvens de s~bstâ~ciá súbtil-
de
137i
mente dividida e de contactos mecânicos: que actuam entre uns
e outros objectos.
-Contra -arribas as concepções do prado,
mtiridos-pl-óp~iõs,:pois,parâ
salienta~Um
que 'suga o néctar não vê6 prado com
_
.
ergue-se a d~utrma dos
só exemplo, a abelh~
olhos humanos nem e
insensível como uma máquina.
.'
As cores são ondas de éter captadas pelos sentidos, quer dizer,
não são' excitações eléctricas das células do nosso cérebro, mas
os teores individuais deitas mesmas células.
A prova disto dá-no-Ia a fisiologia dos sentidos. Nó.s sabe~os,
desde Goethe e Hering (1) que as cores seguem as suas leis própnas,
leis que' são totalmente diferentes das leis físicas das ondas de éter.
As ondas de éter que, por meio dum prisma, são força.das a
decompor-se segundo o seu comprimento de onda, constituem
então uma espécie de escada, por ordem decrescente da largura
dos seus degraus. Os degraus mais curtos encontram-se numa
extremidade' da escada, enquanto os mais largos ficam na extremidade oposta.
_
Nesta escala a nossa vista separa uma curta secçao que as
nossas células ~erebrais transformam numa faixa, constit~ída
pelas sensações das cores que nós distinguimos. Nesta faixa,
as cores simples seguem-se uma após outra: vermel~o-amarelo-verde-azul, com as cores mistas que entre elas se mterc~lam.
Ao contrário da escala das ondas 'de éter, de estrutura.lmear,
o espectro das cores forma, em si, um círculo fechado, pOISa c~r
mista entre o vermelho e o azul-o violeta-une
as duas extremIdades do espectro.
, .
Aliás, o espectro das cores apresenta particularidades notáveis
de observância à lei, que faltam na escala das ondas de éter.
Assim, as cores contíguas no espectro não se misturam, produzem
a impressão de branco.
,
Estas cores complementares não se evocam reCIprocamente,
como não é raro acontecer com as sensações opostas, facto que
contradiz todas as experiências mecânicas. Nas cores, como
dissemos, não se tratá de acções materiais mútuas das célula~ c~r~braísvivas, mas de relações de sensibilidade dos seus .tons indivíduais que, todavia, são igualmente fix~dos segu~do leis.
. .,
Assim como as cores são as energIas espeCIficas (tons indivi. (I)
Ewald Hering (I834~I9I8). fisiolog~ta alemão que se dedicou em particular
ao sentido espacial da visão e à percepção das cores. (N. da ed, alema)
138
duais) das células cerebrais que estão sob a influência do Ól'g< o
da visão, o qual, por sua vez, .selecciona as ondas de éter e as
envia ao cérebro, transformadas em excitações nervosas, assim
também os .sons .são as energias específicas.das .células cerebrais,
que estão .sob a influência do ouvido, que capta certas vibrações
do ar.
..
\
As leis dos sons estão submetidas à teoria da música. As consonâncias, dissonâncias, oitavas, quartas, quintas, devem todas
a sua existência às sensações sonoras e não têm materialidade.
Tentemos reconduzir a' sequência dos sons duma melodia. à
lei da causalidade,
que é válida para todos os fenômenos
materiais.
Os nossos órgãos dos sentidos-os olhos, os ouvidos o nariz
o palato e a pele-são construídos segundo o princípio' da caix~
de fósforos sueca, cujos fósforos só respondem a determinadas
acções do mundo exterior. Estas acções produzem, nos nervos,
ondas de excitação que são conduzidas ao cérebro. Até aqui,
tudo se passa mecânicamente, segundo a lei da causa e do efeito.
Mas no cérebro encontra-se a face interior dos órgãos dos sentidos,
com a forma dum carrilhão vivo, cujas células individuais-os sinos
-tocam com diferentes sons individuais.
'
Em que medida existe também este género de estrutura' nos
animais? Da analogia da parte mecânica dos órgãos dos sentidos
ninguém duvida. São por isso designados órgãos-de-recepção.
Mas quanto à face interior?
Embora não conheçamos as sensações dos nossos semelhantes,
não. duvidamos, no entanto, de que, por meio dos olhos, eles
recebem sinais visuais a que chamamos cores e tão-pouco duvidamos de que, por meio dos ouvidos, recebem sinais auditivos
a que chamamos sons. Do mesmo modo, atribuímos ao seu nariz
a faculdade de despertar sinais olfactivos; ao seu palato, a de
despertar sinais gustativos e à sua pele a de despertar sinais tácteis,
todos eles, sem excepção, constituídos por teores individuais.
Nós reunimos todas as impressões dos sentidos-qualitativamente diferentes-sob
a designação geral de sinais-perceptivos,
que, .projectados no .exterior, são transformados em notas-características das coisas.
Vejamos agora: aparecem também entre os animais, na
excitação dos seus órgãos-de-recepção, os sinais correspondentes às
energias sensoriais específicas das suas células dos centros cerebrais,
sinais-perceptivos que eles igualmente trasladam e utilizam
139
como notas-características,
na construção' das propriedades de
todas ,as coisas que intervém no seu cenário da vida?
, '
", Os mecanistas puros negam esta hipótese e sustentam que os
órgãos dos animais não possuem face interior e servem apenas
para' pôr em comunicação os diferentes estímulos do mundo
exterior, consoante a sua natureza específica, com as partes
correspondentes do cérebro.
, São os órgãos dos sentidos a expressão de vários ciclos sensoriais ou, como órgãos de recepção, serão apenas a' expressão de
várias espécies de acção físico-química do mundo exterior?
O órgão da visão foi construído pelas ondas de éter ou pelas cores?
O da audição foi construído pelas vibrações do ar, ou pelos sons?
É o órgão do olfacto um produto do ar saturado ,em certas .pr~porções, de gases e partículas olfactivas ou Um pro.duto ,dos sm.alS
olfactivos do sujeito? O órgão do gosto deve a sua origem a substancia química dissolvida em água ou aos sinais gustativos do sujeito?
Os órgãos receptores dos animais são produtos da face corpórea
exterior ou da face sensível, incorpórea e interior?
Como os órgãos dos sentidos, no homem, representam órgãos
que ligam a face exterior à interior, é possível que, também nos
animais, tenham de exercer a mesma função e que, portanto,
devam a sua construção tanto à face exterior como à interior.
Que os órgãos de recepção dos animais não devem considerar-se apenas como produto da face exterior, provam-no, sem
sombra de dúvida, os peixes que, embora só entrem em contacto
com substâncias solúveis na água, possuem, não obstante, um
nítido órgão de audição, além do órgão do olfacto. As aves, pelo
contrário, que teriam as melhores condições para aperfeiçoar
ambos os órgãos, não têm o órgão do olfacto.
Só quando tivermos reconhecido claramente a função dos
órgãos dos sentidos, poderemos compreender a estrutura de todo
o organismo.
Frente à face exterior" eles servem de crivo às acções físico-químicas do mundo exterior. Só as acções que têm significado
para o sujeito serão convertidas em excitações .nervosas. E~tas, ~or
seu lado, evocam no cérebro os sinaís-perceptivos da face mterior.
Deste modo a face exterior influi também na interior e determina
o número de sinais visuais, auditivos, olfactivos, tácteis e gustativos
que podem entrar nos ciclos sensoriais do ~espectivo anim_al.
Assim se distingue, ao mesmo tempo, o upo de construçao dos
mundos-próprios, pois cada sujeito só pode transformar em
140
características do seu mundo-próprio,
são postos à sua disposição.
os sinais-pcl'ceptivoR qw'
Depois de observarmos um grande número de quadr s !lu
mesmo pmtor, nós falamos da «sua paleta», significando Com iHNO
aquelas cores de que o artista dispunha 'para executar os ~t~IIS
quadros.
.Esta~ relações tornam-se, porventura,
ainda mais clarns,
se Imagmarmos que cada célula sensitiva do cérebro faz soar,
graças ao seu' teor individual, um determinado sinal perceptívo.
Cada um destes sinos vivos está agora ligado, por meio dum corclí O
nervoso, à frente exterior e aqui se decide quais os estímul s
exteriores que são admitidos ao «toque» e quais os que não são.
Os teores individuais dos sinos celulares ligam-se uns aos outros
por ritmos e melodias ,e são estes que os fazem SO<;1r
no mundo-próprio.
Depois das investigações de Mathilde Hertz, podemos admitir
que a faixa de cores do espectro, nas abelhas, quando referida
mesma escala das ondas' de éter que serviu para o homem, S('
desloca uns degraus para o lado da cor violeta. A face exterior
do olho da abelha não se ajusta perfeitamente à do homem, ao
passo que as duas faces interiores parecem corresponder-se. Acerca
do significado deste desvio, não se foi, até agora, 'além de meras
hipóteses.
Não deixa dúvidas, pelo contrário, o significado da pal 'ta
de perc~pçõ~s, nas borboletas nocturnas. Como Eggers mostro 11 ,
estes animars possuem, no seu órgão de audição, apenas dois
filetes retesados, como ressonadores. Com este dispositivo, é-Ih('s
possível r~conhe~er. vibrações do ar que representam, para o
nosso OuVl~O,o Iimite superior da audição. Estes sons correspondem ao «pIO» do morcego, que é 'o principal inimigo das borboletas. Só ?s sons emitidos pelo seu inimigo específico são captados
por elas. Afora esses sons, o mundo é, para elas, silencioso.
No mundo-próprio dos morcegos o pio serve de sinal de reconhecimento na escuridão.
O mesmo som atinge umas vezes o órgão auditivo de UI1I
,tnorcego, outras vezes o de uma borboleta nocturna. Nos dois casos,
~orcego que «pia» aparece como objecto significante, ora como
mrgo ora como inimigo, conforme o utilizador de significad
ue se lhe depara.
Como a paleta de percepções d~ morcego é rica, Q som agudo
ptado é apenas um entre muitos. Mas .a paleta da borbole: ti
141
nocturna é muito limitada e no seu mundo-próprio existe apenas
um teor-o teor de inimigo. O «pio» do morcego é um produto
simples do morcego, a teia de aranha é um produto muito engenhoso da aranha. Mas em ambos existe alguma coisa de comum.
Nenhum deles é moldado sobre uma forma individual determinada, materialmente presente, mas sobre a estrutura comum a
todos os animais da mesma espécie.
Como se realiza então, na estrutura da borboleta, um dispositivo para captar os sons emitidos pelo morcego? A lei morfogenética das borboletas já implica a determinação de construir
um órgão auditivo adequado ao pio dos morcegos. Não pod~
restar dúvida de que é esta a lei do significado que actua na Iei
morfogenétiea, de medo que ao portador do significado corresponda o seu utilizador e vice-versa.
A lei morfogenética, como vimos, dota o girino de rã, que
é herbívoro de uma boca com maxilares córneos e o tritão, que
é carnívoro: de uma boca com verdadeiros dentes. A lei do significado intervém sempre na formação do germe de modo determinante e promove a urdidura de um órgão da nutrição que,
no lugar conveniente, se desenvolve em correspondência com o
conveniente objecto portador do significado: o alimento veget~l
ou animal. Se, todavia, a lei morfogenética é orientada num carmnho falso, por meio de. uma enxertia, não há lei de significado
que a faça recuar.
Assim não é a própria morfogénese que é influenciada pelo
significado: a lei morfogenética-e só ela-é que fica na integral
dependência da lei do significado.
6.
A LEI DO SIGNIFICADO COMO ELO DE LIGAÇÃO ENTRE
DUAS LEIS ELEMENTARES
Quando, num passeio pela floresta, apanhamos uma glande
que caíu de um frondoso carvalho e escapou, talvez,_a algum
esquilo, nós sabemos que deste germe vegetal res~tarao células
de diferentes tecidos que formarão, em parte, o raiz ame subterrâneo e em parte o tronco, com a sua copa, segundo uma lei
morfogenética característica do carvalho.
Sabemos que na glande se oculta o esboço dos órgãos que
permitirão ao carvalho travar a luta pela vida contra centenas
de acções do mundo exterior. Mentalmente, nós vemos o futuro
carvalho defrontando a futura chuva, a futura. tempestade, o
futuro sol. Vemo-Io sobreviver a futuros verões e· a futuros
Invernos.
Para se desonvolverem sob todas as influências· do mundo
exterior, as vicejantes células do carvalho têm de diferencia;-se
na raiz, no caule e na copa, que intercepta os raios do sol e cujas
folhas, ténues como bandeiras, se inclinam ao vento, a que os
ramos nodosos oferecem resistência. Ao mesmo tempo,. a copa
serve de guarda-chuva, que encaminha para as finas extremidad~s
da raiz, debaixo da terra, a preciosahumidade do céu ..As folhas
contêm a clorofila, substância maravilhosa, que utiliza os raios
solares para transformar energia em matéria.
A copa desaparece no inverno, quando o solo gelado impede
as raízes de fazerem subir até às folhas a correntefluidasaturada
dos sais da terra.
Nenhuma destas futuras acções sobre o futuro carvalho é
capaz de, sob o ponto de vista causal, influenciar a morfogénese do carvalho. Igualmente inoperantes são, também,
outras acções semelhantes do mundo exterior antes exercidas
so?r? a árvore-mãe, pois nessa altura ainda a glande não
existia.
Assim, em presença da glande, nós deparamos com o mesmo
enigma que já tínhamos encontrado, ao observar o germe de
qualquer planta ou o ovo de qualquer animal. Em caso nenhum
podemos falar de um encadeamento causal de acções exteriores
sobre um objecto, na pré-exist~ncia ou post-existência deste. Só
é possível considerar uma conexão causal, quando causa e efeito
concorrem, temporal e espacialmente.
Também não é de prever a solução do problema ,quando ela
se proc,ura nas circunstâncias mais remotas. Uma glande apresenta a nossa compreensão, desde há um milhão de anos
as mesmas dificuldades que apresentará daqui a cem mil
anos.
.
t;aí se conclui que tínhamos caído num beco.sem saída,.ql,lando
Julgavamos poder estabelecer, por meio de construções engenhoIas, ~ma cadeia causal entre o embrião da gÍande e as acções
tenores de natureza físico-química. Com efeito, não estamos
~ui em prese~ça ~e um problema susceptível de solução mecâ~
ca, a que a história genealógica possa fornecer a chave.
Temos, portanto,
de. abordar
oproblelTIa.
p~r. outro
o.
142
:1;43
Se nós, como observadores humanos da 'situação do carvalho,
examinarmos as acções do mundo exterior sobre ele, logo descobriremos que elas estão submetidas a uma lei natural de' carácter
geral.
O sol, a lua e as estrelas seguem, no céu, caminhos fixos sobre
o carvalho. Sob a influência deles, sucedem-se as estações do ano.
Calmarias, tempestades, a chuva e a neve alternam-se no decorrer
das estações. O ar, que se tinha impregnado dos aromas da Primavera, em breve exala os cheiros ares do Outono. Em cada
Primavera, a floresta ressoa com o canto das aves. O próprio
carvalho oferece, na copa, como na casca, asilo infinitamente
variado às centenas de animais (aves e outros) que a ele se
acolhem, no Verão e no Inverno.
A esta lei 'natural, tão velha como Noé, também o carvalho
está submetido, embora muitos dos factores naturais que nos são
familiares não o penetrem. A lua, as estrelas, e a esfera solar
não se encontrarão no número dos factores significantes que
formam o revestimento protector do carvalho mas, por outro lado,
certos raios luminosos quimicamente activos chegam até à elorofila das folhas e certos raios caloríficos promovem, pelá sua
acção sobre os novos rebentos, o seu crescimento, A queda das
gotas de chuva é convenientemente, desviada e a tempestade'
encontra, da parte dele, a mais desesperada resistência. Nem os
aromas, nem as ondas sonoras, todavia, têm qualquer influência
sobre o carvalho.
É sempre a mesma lei do significado que, hoje como há milhões
de anos, realiza a selecção dos factores naturais elementares e
os faz soar, em melodia própria, no carrilhão vivo das células
do carvalho e, por fim, faz surgir das células protoplásmicas do
germe os órgãos respectivos.
Graças ao filme de Arndt, não temos de limitar-nos a meras
hipóteses. Podemos observar como, das primeiras células gerrninais, resultam, por divisão, numerosas células amibóides independentes que, à semelhança das suas irmãs livres, se apropriam,
como sujeitos autónomos, dos alimentos que se lhes apresentam.
Só 'depois de esgotados os alimentos, se 'estabelece a formação de
um novo indivíduo. As células amibóides que se agruparam para
formarem um novo indivíduo homogéneo, um novo sujeito,
deixam de ser adequadas ao objecto portador do significado
«alimento», passando a sê-Io ao factor significante «vento», para
,enfrentar o qual se desenvolveram. O carrilhão do estádio arni1414
.bóide, que se manifesta por um soar desordenado das células-sinos
segue subitame~te uma melodia una, uma nova lei de significado:
que reune as leis elementares do vento, por um lado, e as da livre
formação de células, por outro, conduzindo assim a uma nova
unidade subjectiva.
. Nunca será possível produzir um bolor-viscoso pela acção
directa da pressão do vento, por muito rigorosamente doseada
que seja, sobre as células amibóides móveis.
Ao contrário do bolor-viscoso, que une as suas células pretoplásmicas móveis num só talo que, por sua vez, depois da constituição completa da sua forma, representa, um indivíduo, constituído por um único sujeito orgânico, a glande desenvolve numerosos bO,tõe~,cada um dos quais dá origem a um sujeito orgânico,
que esta ajustado a um ou mais factores significantes-e, deste
modo, a folha do carvalho não serve apenas de goteira para a
chuva mas também de receptor dos raios luminosos, graças às
suas células clorofilinas.
Todos os sujeitos orgânicos, com as suas melodias orgâ.nicas,
se integram na sinfonia do organismo «carvalho», sinfonia que
podemos também designar por protótipo do carvalho.
O processo da subjectivação sublimada, de teor celular em
melodia do órgão, em melodia do organismo, está em directa
oposição com todo o processo mecânico, que postula a acção de
objecto sobre objecto.
Ele encontra-se, pelo contrário, no mesmo nível de qualquer
composição musical. A relação de factores significantes, nas
plantas, e de objectos significantes, nos animais, para com os
respectivos utilizadores de significado, constitui prova particularmente clara de o que se afirma. Assim como na composição de
um dueto, as duas partes têm de ser compostas uma para a' outra,
nota por nota, ponto por ponto, assim também na Natureza os
factores significantes devem estar para os utilizadores numa relação
de contraponto. Só poderemos compreender melhor a constituicão
da forma do organismo se, a partir dela, nos for possível construir
uma doutrina da composição da Natureza.
7·
A DOUTRINA
DA «COMPOSIÇÃO»
DA NATUREZA
A expressão «doutrina da composição da Natureza» pode
induzir em erro, visto que, de uma maneira geral, a Natureza não
10 - A. H.
145
oferece doutrinas. Assim, por doutrina, deve apenas entender-se
uma generalização das regras que julgamos descobrir no 'estudo
da composição da Natureza.
Está, portanto, indicado que partamos de exemplos particulares e que estabeleçamos as suas leis para, deste modo, chegarmos
a uma doutrina da composição da Natureza.
Como modelo, podem servir-nos as regras da composição
musical, que parte do princípio de que são necessários, pelo menos,
dois sons para formar uma harmonia. Na composição de um
dueto, as duas partes que se devem fundir numa harmonia são
compostas nota por nota, ponto por ponto, uma para a outra.
Nisso se baseia a teoria do contraponto, na música.
Em todos os exemplos extraídos da Natureza temos, igualmente, de procurar dois factores que, juntos, constituam uma
unidade. Portanto, partimos sempre de um sujeito, situado no
seu mundo-próprio e examinamos as suas relações harmónicas
com os objectos particulares que, como objectos significantes, convergem no sujeito.
O organismo do sujeito representa o utilizador do significado
ou, pelo menos, o seu receptor. Se estes dois factores se reunem
no mesmo significado é porque foram compostos simultâneamente
pela Natureza. Saber que leis aí se revelam, eis o assunto da
doutrina da composição da Natureza.
Sempre que dois organismos se encontram, um para o outro,
numa relação harmónica de significado, é necessário averiguar
qual dos dois devemos considerar como sujeito ou como utilizador
do significado e a qual cabe o papel de portador do significado
(objecto significante). Em seguida, procuraremos as propriedades
recíprocas que se encontram relacionadas duas a duas, como
ponto e contraponto. Se possuirmos, no caso em questão, um
conhecimento suficiente dos ciclos-de-função, que ligam o respectivo
sujeito com o seu objecto significante e que podem tomar-se como
ciclos significantes, encontramo-nos então em condições de procurar os contrapontos, tanto no campo da percepção, como no
campo da acção, para, finalmente, concluirmos acerca da lei do
significado específica que presidiu à composição.
Para me referir ao exemplo, já citado, da glande, começo por
apresentar a formulação esquemática do problema da composição
da glande e um dos seus factores significantes-a chuva.
146
Folhagem do carvalho
Receptor de significado
Chuva
Factor de significado
Ponto
Contraponto
Disposição em forma de telhado das folhas com goteira
Gotas de chuva que caem
Lei
morfogenética
da glande
Lei comum
Lei física
da formação
das gotas
do significado:
Captação do fluido e sua distribuição pelas extremidades da raiz
A folhagem do carvalho actua mecânicamente na distribuição
das gotas de chuva, ao passo que a lei da formação das gotas
intervém como compositor na melodia do carrilhão vivo das
células do carvalho.
Se nos voltarmos para os animais e procurarmos discernir
cada um dos ciclos de significado, toparemos no ciclo do habitat
relações semelhantes às que encontramos no carvalho e na chuva.
Tornemos para primeiro exemplo o polvo gigante, como sujeito,
nas suas relações com a água do mar, como objecto significante e imediatamente encontraremos relações do tipo contrapontal. A incompressibilidade da água constitui a condição necessária para a
construção de um saco natatório musculoso. Os movimentos
compressores do saco actuam mecânicamente sobre a água incompressível e impelem o animal para trás. A lei da constituição da
água do mar intervém, como compositor, no carrilhão vivo das
células protoplásmicas do embrião do polvo gigante e impõe à
melodia morfogenética os contrapontos que correspondem às
propriedades da água. Em primeiro lugar, forma-se o órgão,
cujas paredes musculosas admitem e expelem a água, incornpressível. A lei do significado, que neste caso liga ponto e contraponto,
torna possível o acto de nadar.
A mesma lei do significado, sob numerosas variantes,
preside à construção da forma de todos os animais nadadores.
Nadam para diante, para trás ou para o lado, executam movimentos ondulantes com a cauda, são impelidos através da água
pelas barbatanas ou pelas pernas mas sempre as propriedades
do organismo se harmonizam com as propriedades da água e
subsistem como o ponto para o contraponto. Em todos os casos
é reconhecível uma composição orientada no sentido de um
significado comum.
147
o
mesmo pode dizer-se de todos os varios ciclos do habitat,
quer se trate de animais aquáticos, terrestres ou aéreos. Sempre
os órgãos efectores, destinados a correr, saltar, trepar, plan~r,
voar e velejar, são construídos em contraponto, com as propnedades do respectivo habitat. Com efeito, em muitos insectos, que
começam por viver na água e mais tarde vivem no ar, pode:nos
verificar com que facilidade, no segundo estádio larvar, a lei da
constituição elimina os órgãos velhos e faz surgir os novos. . .
Mas também o exame das relações receptivas entre sujerto
e habitat confirma o facto. Para cada obstáculo que se levante ao
sujeito, existe sempre um órgão sensor~al construido, em contraponto. Quando à luz, é o órgão da VIsta, quando as escuras, o
órgão do tacto ou o do ouvido.
.,
Desde o início, o morcego, tal como a andorinha, esta adaptado,
por outros meios, à percepção dos obstáculos que encontra no voo.
Mas isso-dir-me-ão-são
puras vulgaridades. E, na verdade,
são experiências de todos os dias, que podem fazer-se em toda a
parte. Mas por que motivo não havemos nós de tirar destas experiências a única conclusão possível-a de que, na Natureza, nada
é deixado ao acaso, mas, pelo contrário, em todas as circunstâncias uma lei intrínseca do significado liga o animal e o seu
meio, une os dois num dueto, em que as propriedades de ambas
as partes são compostas uma para a outra, em contraponto?
Só quem negue obstinadamente o significado como facto r
natural ousará contestar, no ciclo-de-função do sexo, que macho
e fêmea são constituídos, quanto ao significado, um para o outro
e sustentar que o dueto de amor que, em mil variações, entrelaça
todo o mundo vivo, surgiu independentemente de qualquer plano.
No dueto de amor dos animais e das pessoas enfrentam-se
dois parceiros equivalentes, um dos quais, no seu mund.o-~róprio,
domina como sujeito e intervém como receptor de sIgruficado,
enquanto ao outro cabe o papel de portador, de significado, isto
é, de objecto significante.
_
Tanto os órgãos de percepção como os órgãos de acção estao,
nos dois parceiros, coordenados em contraponto.
A primeira condição que deve pôr-se numa co~p~sição ~~tural bem sucedida é que o objecto significante se distinga nítidamente no mundo-próprio do receptor de significado. Para isso,
podem utilizar-se os mais variados sinais-característicos.
Acerca da borboleta nocturna chamada pavão, conta Fabre
que a fêmea executa movimentos de vai-vem com o abdómen, de
148
, modo a comprimir contra o solo as glândulas odoríferas. O cheiro
que então jorra para o chão é tão activo no mundo-próprio dos
machos, que estes acorrem, voando de todos osJados, ao local
de onde o cheiro provém, sem serem desviados por outros cheiros,
que se perdem, abaixo do limiar de percepção.
.
O poder de atracção desta nota olfactiva é tão forte que os
machos, na sua ânsia de atingirem o solo odoroso-o
objecto
significante-não
modificarão o seu itinerário, ainda que lhe
coloquemos no caminho uma fêmea, metida em gaiola de vidro,
de modo que seja visível, mas imperceptível pelo cheiro.
Infelizmente, não se fez ainda a mesma experiência com
cadelas no período do cio; mas é possível que os cães se comportem
exactamente como as borboletas machos.
Num caso muito interessante relatado por Wunder (1), o
parceiro sexual não intervém como objecto significante directo:
insere-se, no ciclo do sexo, um segundo objecto significante.
O macho da carpa-pequena, peixe de água doce, reveste-se,
na época das núpcias, de um brilhante traje nupcial. Isso, porém,
não acontece quando avista a fêmea, mas sim quando avista o
mexilhão dos tanques e principalin.ente quando sente as correntes
de água aspiradas e expelidas por esse mexilhão.
Ao mesmo estímulo, a fêmea desdobra o seu longo ovipositor.
Enquanto o macho lança o seu esperma na água, a fêmea fixa o
ovo fecundado na guelra do mexilhão, onde a larva pode crescer
dentro de uma corrente alimentar e protegida de todos os perigos.
O significado do trajo nupcial do macho não está relacionado
naturalmente com o mexilhão; ele serve, sim, para afugentar
as outras carpas.
Que nós temos no significado a verdadeira chave para a compreensão das composições naturais da vida sexual, provam-no
aqueles exemplos em que o objecto significante em nada se modifica e, todavia, experimenta da parte do sujeito o tratamento
oposto, só porque este sujeito se transformou quando recolheu
um significado diferente.
Ao falar da vida dos escaravelhos, diz Fabre que, ao princípio,
machos e fêmeas saem juntos para a caça, mas que depois se
unem sexualmente. Concluída a cópula, e embora a conduta
dos machos para com as fêmeas não se modifique absolutamente
(I)
\·v. Wunder
(N. da ed. alemã)
(* 18g8), zoólogo especialista em ictiologia geral e piscicultura.
149
nada, estas lançam-se com verdadeira fúria devoradora sobre eles
e despedaçam-nos, sem que eles, mais fracos; possam evitá-lo.
O objecto significante «amigo» transforma-se, no mundo-próprio
das fêmeas, no objecto significante «alimento», sem que, no restó,
a constituição deste se tenha alterado em qualquer pormenor.
É .exactamente o que se passa com a pedra do caminho que, sem
se modificar, se despoja, afinal, do seu significado de «elemento
do caminho» para se converter em «projéctil» quando varia a
disposição íntima do sujeito «homem» que imprime então à pedra
um significado diferente.
O misterioso comportamento, descrito por Lorenz (1), dos
jovens gansos cinzentos, consiste igualmente numa «cunhagem»
de significado. O gansozinho cinzento assinala-na expressão do
próprio Lorenz-para
«companheira maternal», que ele segue
constantemente, o primeiro ser vivo que os seus olhos descobrem,
ao sair do ovo. Neste caso, o próprio homem fica tendo, para o
ganso, o significado de «mãe». «Que aspecto terá, para o ganso,
a pessoa assinalada como «mãe»?-eis
a questão que principalmente preocupou Lorenz.
Não devíamos esquecer, creio eu, que até no mundo-próprio
do nosso cachorrinho, não é como «mãe» que nós aparecemos e
somos farejados mas sim como portadores do significado «aquilo
ou aquele que traz o leite» e isto sem que, por tal motivo, assumamos, para ele, a forma de cão.
Von Korff fala de um bufo que tinha chocado dois ovos de
pata e tratava os patinhos como se fossem pequenos bufos. Tentara alimentá-Ias, pelo bico, com carne crua, sem resultado, e
observava-os durante o dia, pousado num ramo que se estendia
por cima do tanque. À noite, regressava com eles para a sua
gaiola. Quando outros patinhos se lhes juntavam, eram imediatamente mortos e devorados pelo bufo. Neste caso, os filhos adoptivos do bufo distinguiam-se dos seus semelhantes apenas pelo
significado que o bufo lhes atribuia. Ao passo que todos os outros
patinhos entravam como portadores do significado «vitima» no
mundo-próprio do bufo, os dois qu~ ele tinha chocado desempenhavam o papel de bufozinhos.
A amplitude da lei que tem de harmonizar as diferenças entre
o portador de significado e o receptor de significado é muito pequena no ciclo sexual ou no da infância, visto que se trata, na maior
(1)
v.
150
págs.
90 e 91.
parte dos casos, de indivíduos da mesma espécie. A observação
dos ciclos.de-função «inimigo» e «alimento», pelo contrário,
mostra-nos que essa amplitude não conhece limites e que as
qualidades das coisas mais remotas podem ser ligadas umas às
outras, em contraponto.
Já falei da harmonização da lei da constituição do morcego
com a lei da constituição das borboletas, por meio da lei do
significado.
De um lado, temos o morcego, como objecto significante, que
só produz um som; do outro lado, a borboleta nocturna, que
em virtude do seu órgão auditivo muito especializado, só pode
captar um som. Este som é, nos dois animais, o mesmo. A lei do
significado, segundo a qual esta correspondência surgiu, reside
na relação entre o ataque do inimigo e a defesa da vítima. O som
que, como sinal de reconhecimento, se estabelece, passando de
morcego para morcego, serve, ao mesmo tempo, às borboletas
nocturnas, de sinal para a fuga. No mundo-próprio do morcego,
é um sinal de amigo; no da borboleta nooturna é um sinal de
inimigo. O mesmo som torna-se, consoante o seu diferente significado, criador de dois órgãos auditivos totalmente diferentes.
Gomo o morcego é capaz de ouvir muitos sons, o seu órgão auditivo dispõe de uma ressonância de larga extensão. Mas só pode,
por outro lado, produzir este único som.
É igualmente interessante seguir a adaptação da carraça ao
mamífero pela lei do significado.
Carraça
Receptor de significado
Qualquer mamífero
Portador de significado
Pontos
Contra pontos
I.
O órgão olfativo está adaptado a um só cheiro - o do
ácido butírico.
2.
Existe um órgão táctil que
permite á carraça evitar os
pêlos da sua vítima.
3· Um órgão sensível à temperatura, que faz soar os
sinais perceptivos do calor.
I.
O único cheiro que é
comum a todos os mamíferos é o ácido butírico do
suor.
Todos os mamíferos
pêlos.
têm
3· Todos os mamíferos
pele quente.
têm
2.
151
4. Um. ferrão próprio para
perfurar a pele de qualquer
mamífero e que serve, ao
mesmo tempo, de bomba
propulsora de fluidos.
4. Todos os mamíferos posbem
suem pele branda,
irrigada pelo sangue.
Lei de significado _geral
Reconhecimento
da vítima, ataque e absorção do sangue
por parte da carraça
A carraça põe-se imóvel na ponta de um ramo, até que um
mamífero passe por baixo dela. É então despertada pelo cheiro
do ácido butírico e deixa-se cair. Fica suspensa no pêlo da sua
vítima e tem de abrir caminho através dele, para chegar à pele
quente, na qual introduz o ferrão, para absorver o sangue. Não
existe nela um órgão do. gosto.
A observância desta lei de significado, tão simples, ocupa
quase a vida inteira da carraça.
,.'
A constituição desta, que é cega e surda, esta delmeada simplesmente no sentido de permitir que no seu mundo-pró~ri~, qualquer mamífero surja sempre como portador do mesmo slgmfica.do.
Podemos considerar este como um mamífero extremamente simplificado que não possua nenhuma das propriedades visu~is ou
auditivas, pelas quais se distinguem as diferentes espécies .de
mamíferos. Este objecto significante da carraça tem um úmco
cheiro: o que provém do suor dos mamíferos e é comum a todos.
Além disso, é táctil, quente e deixa-se perfurar, de modo que a
carraça lhe sugue o sangue. Assim, todos os mamíferos - tão
diferenciados entre SI pela forma, pela cor, pelos sons que emitem
ou pelo cheiro que exalam) tal como se apresentam no nosso
mundo-próprio; podem agora ser reduzidos a um mesmo denominador, cujas características, à aproximação de cada um
deles-seja homem, cão, corça ou rato-surgem em contraponto e
denunciam a lei vital da carraça.
No nosso inundo-próprio-o
humano-não
existe nenhum
mamífero em si próprio, isto é, como objecto real; existe, sim,
como abstracção mental, como conceito taxonómico que nunca
encontramos na vida.
É completamente diferente o que sucede com a carraça: no
seu mundo-próprio existe um mamífero composto de poucas
152
propriedades mas perfeitamente real, que corresponde exactamente às necessidades da carraça, pois estas poucas propriedades
servem, em contraponto, as suas capacidades.
O acomodamento do casa-roubada na concha do búzio,
fenómeno que não pode explicar-se como qualquer modificação
anatómica por adaptação gradual, parecer-nos-á particularmente
e~tranho, enquanto insistirmos na procura de explicações mecâmcas.
Mas se abstrairmos dessas tentativas inúteis e nos limitarmos
a verificar que o casa-roubada não utiliza a cauda como órgão
natatório,
como fazem os caranguejos de cauda comprida , mas
.
sim como órgão de preensão para as conchas de búzio, já a cauda
preensora do casa-roubada não parecerá mais enigmática do
que a cauda natatória do caranguejo-do-rio. A cauda preensora
está tão harmànicamente construída para as conchas do búzio
como a cauda natatória para a água.
Mathilde Hertz fez esta interessante descoberta: as abelhas
que colhem o néctar só são capazes de descobrir duas formas de
flores: formas decomponíveis ou com recortes, e formas fechadas
ou íntegras. As formas estreladas e poligonais de qualquer espécie
atraem as abelhas, enquanto as formas fechadas, como os círculos
e os .quadrados as repelem. Este facto atribuem-no os teóricos
da conformação (Gestalt) a um maior poder de estimulação das
formas abertas e temos de admiti-lo ; mas que é que isto significa?
A resposta acorre imediatamente: todos os botões impenetráveis
que as abelhas desprezam apresentam formas fechadas. Pelo
contrário, as flores desabrochadas, que oferecem o seu néctar,
têm formas abertas.
Na lei da conformação das abelhas incluem-se dois esquemas
espaciais de percepção para flores e botões, graças à lei do significado, segundo a qual se faz a colheita do néctar. Assim, os dois
esquemas encontram-se em estreita relação de contraponto com
as duas formas principais das flores.
Mas como é que a natureza procede, se um sujeito animal, no
seu comportamento, tem de distinguir formas mas possui, por
?utro lado, um sistema nervoso central absolutamente primitivo,
incapaz de criar esquemas de forma?
A minhoca, que arrasta para a sua estreita galeria folhas de
tília e de cerejeira (que lhe servem, simultâneamente, de alimento
e protecção) tem de tomar as folhas pelo vértice, para que estas
possam enrolar-se com facilidade. Se ela tentasse segurar
153
as folhas pela base, estas embaraçar-se-iam na entrada e
não obedeceriam à força que as puxava. Pela .sua constituição
. geral, a minhoca não está em condições de criar esquemas 'de
forma; mas possui, em comperisação, um órgão sensorial particularmente apurado para o gosto.
Devemos a Mangold (1) a descoberta de que, até nas folhas
partidas em pequenos pedaços, a minhoca continua a ser capaz de
distinguir os pedaços que pertencem à base daqueles que pertencem ao vértice. Com efeito, os vértices das folhas e as suas
bases têm, para as minhocas, sabores diferentes. E isso basta para
serem tratados diferentemente. Em vez de esquemas de forma,
surgem, pois, erd contra ponto, notas gustativas que tornam
possível o acto de armazenamento de folhas, tão importante para
a vida das minhocas.
Com razão se pode aqui falar de uma requintada composição
natural.
O pescador humano sabe, por experiência, que, para apanhar
peixes particularmente vorazes, não precisa de iscar o anzol com
uma representação perfeita da sua vítima e que lhe basta apresentar ao lúcio, como isca, uma simples amostra de prata, isto é,
a imitação muito genérica de uma carpa pequena.
Ora a Natureza não precisa destas experiências. O Lophius
piscatorius, - o tamboril-, é um peixe de grande boca que, próximo
do lábio superior, tem um apêndice ósseo, comprido e móvel, que
ele faz ondular, como se fosse uma fita prateada.
Tanto basta para atrair peixes vorazes, mais pequenos,
que, ao abocarem a isca, são precipitados nas profundidades da enorme boca pelo redemoinho que subitamente se
forma.
A amplitude da lei do significado alarga-se, neste caso, ainda
mais, pois liga a lei da conformação do lophius não com a figura
da presa perseguida pelo peixe voraz mas com a imagem muito
simplificada dessa presa no mundo-próprio daquele que vem a
ser apanhado pelo lophius.
Exemplo semelhante oferecem as borboletas, ornamentadas
com manchas ocelares brilhantes, as quais, ao abrirem as asas,
afugentam as pequenas aves que as perseguem, pois estas, quando
(I)
Otto August Mangold (* 18gl), zoólogo, discípulo de Spemann, chefe de
departamento do Instituto Max-Planck, de Hcidelberg, desde 1946. Trabalhou em
células embrionárias e ainda noutros campos. (.Nota da ed. alemã)
154
se lhes deparam os olhos de pequenos animais caçadores põem-se
imediatamente em fuga..
'
N~m o lophius sabe que aspecto tem a presa no mundo-próprio
do peIx.evoraz que ele apanha, nem a borboleta sabe que o pardal
foge, diante dos olhos do gato. Mas o Autor destas composições
dos mundos-próprios deve sabê-lo.
Não se trata de conhecimento humano, que possa ser adquirido
pela experiência. Sobre este ponto, já nos elucidou a abertura do
túnel pela larva do gorgulho-da-ervilha. Essa larva executa como
vimos, um comportamento que é determinado por um' saber
super-sensorial, independente do tempo. Graças a este saber, é
possível ao compositor fazer da futura necessidade vital de um
gorgulho que ainda não nasceu, a causa do comportamento da
larva desse gorgulho.
8.
A
TOLERÂNCIA
DO
SIGNIFICADO
No exemplo do pedúnculo da flor, cuja diferenciação conhecemos já nos quatro mundos-próprios da rapariga, da formiga,
da larva da aphophora, e da vaca, aquele, como objecto significante, encontrava-se, em cada caso, perante um novo receptor
de significado que podemos também designar por utilizador do
significado, visto que o pedúnculo é utilizado como adorno
como caminho, como fonte de material de construção ou como
bocado de alimento, consoante o caso.
Mas este exemplo oferece ainda outro aspecto, que se manifesta
quando nós, em vez do pedúnculo, introduzimos, como sujeito,
toda a planta a que ele pertence e lhe juntamos os quatro sujeitos
anteriores como factores significantes.
Não se trata então de uma utilização do significado por parte
da planta. Receber o significado só pode, neste caso, equiparar-se
a sofrê-Ia. Esta tolerância apresenta várias graduações. A diferenciação do pedúnculo em caminho de formigas é fácil de tolerar.
Também a extracção do suco para a construção da casa da larva
da aphrophora se traduz apenas por um ligeiro dano. Mas o
corte da fiar, por parte da rapariga, e a ceifa da mesma fiar por
parte da vaca, podem, pelo contrário, ser prejudiciais à planta.
Em nenhum dos quatro casos se descobre uma lei do significado adequada ao interesse da planta.
Do mesmo modo, o papel significante que a teia de aranha
155
desempenha na vida da mosca não é, por forma nenhuma, aproveitada no interesse da mosca e' opõe-se, até, a este interesse.
A mosca que se enreda na teia de aranha não pode, de modo
nenhum, utilizar este objecto significante, mas apenas tolerá-lo,
sofrê-lo.
Da mesma maneira, a larva do gorgulho-da-ervilha
que,
cuidando do futuro, abriu o seu túnel através desta, em devido
tempo, isto é, antes de esta endurecer, fica indefesa perante o
objecto significante «icnêumon» e só lhe resta suportar o causador
da sua morte.
O sentido destes aparentes antagonismos de significado torna-se imediatamente claro, quando nós abstraímos do indivíduo
em particular e consideramos a unidade superior da espécie.
O princípio de tudo o que é vivo estabelece na espécie, que é
duradoira a existência de indivíduos, que são transitórios. Os
indivíduo~ de cada geração emparelham-se, para produzirem
uma nova geração e o número dos filhos excede sempre o dos pais.
Para que a espécie mantenha o mesmo número de indivíduos,
têm de sucumbir os excedentes. Junta-se assim, na nova geração,
o mesmo número de pr<;>genitorespara a manutenção da espécie.
A exterminação dos excedentes opera-se de maneiras muito diversas. Na maior parte das espécies, a longevidade dos indivíduos
é determinada pela mudança das estações. É evidente que todos
os indivíduos que vivem só um ano, cedem o seu lugar, todos os
anos, à nova geração.
Extinguem-se assim completamente as sociedades de vespas,
todos os Outonos, com os seus milhares e milhares de indivíduos
e apenas algumas fêmeas sobrevivem ao Inverno para, no próximo
ano fundarem o mesmo número de novos enxames.
No Outono, morrem tantas das nossas moscas domésticas, que
nós poderíamos considerá-Ias extintas e todavia, logo no princípio
do ano seguinte, elas aparecem de novo e em número igual.
O número de moscas que prematuramente encontram a morte
na teia da sua inimiga-a
aranha-desempenha
neste balanço
um papel insignificante.
A migração das aves aniquila, ano após ano, os indivíduos
excedentes que não estão à altura do enorme esforço por ela
requerido.
.
Não é só o número de indivíduos que conta para a espécie
mas também a sua capacidade de resistência. Nisto reconhecemos
o alto significado que tem a incidência, nos indivíduos, de danos
156
-que sucessivamente excluem os mais fracos, da procriação de
descendentes menos bem dotados.
Ao arrebatarem as suas débeis presas, os açores e as raposas
tornam-se beneficiadores das espécies que perseguem. Nos lugares
onde as raposas são aniquiladas, as lebres sucumbem às epidemias,
porque os animais atacados de doença não são eliminados a tempo.
Os animais a que a doença tolheu os movimentos têm sobre os
seus inimigos uma atracção especiaL Disso tiram partido muitas
aves. Assim, o abibe cuja postura é ameaçada pela aproximação
de um inimigo, não se limita a fugir: finge também manquear
e, com esta aparente incapacidade para o voa, atrai a si o inimigo,
até se encontrar suficientemente afastado do ninho e só então
voa e se põe a salvo.
O icnêumon, que ataca traiçoeiramente a larva do gorgulho-da-ervilha é, ele próprio, o protector das ervilhas que, se não
fora ele, seriam sacrificadas ao excedente dos seus inimigos.
A Austrália oferece-nos um exemplo notável de como é importante para a vida .vegetal e animal a intervenção desses inimigos
específicos.
Há cem anos, uma camponesa que emigrou da América do
Sul para a Austrália, levou consigo uma estaca de figueira-da-Índia, que se deu admiràvelmente na nova pátria. Em breve se
reconheceu a grande utilidade desta planta, eriçada de picos,
para a _vedação de jardins e fazendas. Plantaram-se então figueiras-da-India por toda a parte.
Ora esta planta, que começou por ser tão útil, acabou por se
transformar numa praga. Invadiu os jardins e os campos que devia
proteger. Espalhou-se pelas florestas e, onde quer que chegava,
destruia toda a vegetação.
Quando já vastas áreas se encontravam devastadas, intervieram
as autoridades, que mandaram atacar o novo inimigo a machado
e por meio do fogo. Como o processo não surtisse efeito, mandaram-se aviões espargir tóxicos sobre as florestas atingidas pelo
cacto. O resultado foi que todas as outras plantas morreram e o
cacto continuou a prosperar.
No seu desespero, as autoridades dirigiram-se então aos institutos botânicos das Universidades. E estes enviaram um grupo
de i?vestigadores qualificados à pátria de origem da' figueira-da-Iridia, na América do Sul. Foi possível a estes observadores
experimentados descobrir uma pequena lagarta, do grupo das
traças, que se alimenta exclusivamente dos tecidos daquela planta.
157
Depois de expenencias que duraram anos, cultivaram-se
milhões de ovos deste inimigo do cacto, que se espalharam pelas
regiões ermas onde este se desenvolve e, em poucos anos, foi
possível destruir os cactos devastadores e conquistar novamente
o solo para a C1,lltura.
É altamente apaixonante seguir as composições da Natureza
e averiguar que significado convém a cada tolerância de significado.
Dois pontos de vista importa, então considerar: ou o excesso
de indivíduos é eliminado pela tolerância do significado, no
interesse da própria espécie-e, neste caso: todos os indivíduos
doentes e de limitada resistência são segregados-ou
então a
eliminação dos indivíduos em excesso faz-se no interesse da
economia da Natureza.
Assim, segundo K. E. Baer (1), o excedente das larvas de
mosquito serve de alimento aos peixes e o mesmo parece poder
dizer-se do excedente de girinos de rã.
Foi um. erro basilar de Herbert Spencer (2) interpretar o aniquilamento dos descendentes em excesso como «sobrevivência dos
mais aptos» para, sobre essa ideia, fundamentar o progresso na
evolução dos organismos. Não se trata, de modo algum, de uma
«sobrevivência dos mais aptos» mas de uma sobrevivência dos
indivíduos normais, em benefício da subsistência imutável da
espécie.
9.
A
TÉCNICA
DA
NATUREZA
Era, se bem me lembro, uma sinfonia de Mahler, que Mengelberg dirigia, de forma arrebatadora,
no Conzertgebouw, de
Amsterdão. A grande orquestra, reforçada por coros masculinos
e femininos elevava-se irresistivelmente, em esplendor e magnificência.
Perto de mim, estava sentado um jovem, completamente
mergulhado na partitura, a qual fechou, com um suspiro de
satisfação, quando se ouviu o último acorde.
Na minha falta de preparação musical, perguntei-lhe que
prazer podia sentir em acompanhar com os olhos, na partitura,
o que os ouvidos podiam captar directamente. Todo ardendo em
zelo, assegurou-me então que só quem segue a partitura pode
atingir a visão integral duma obra de arte musical. Cada vo
d
.
z,
e pe~soa ou Instrumento, representava um ser em si próprio que,
todavia, se fundia, em ponto e contraponto, com outras vozes,
num~ forma superior que, por seu lado, se ampliava, ganhava
em r,lq~eza e beleza, para nos dar, por fim, no seu conjunto,
a propna alma do compositor.
Lendo a partitura, podia acompanhar-se o crescendo e o
decrescendo das vozes individuais que, como as colunas duma
catedral, suportam a abóbada omnipotente. Só assim se podia
ter uma perspectiva da complexa formação da obra de arte
executada.
Esta ~issertação, feita em termos muito convincentes, despertou e.m mim un; problema: se, porventura, será missão da biologia
escrever a partitura da Natureza,
Já então me eram familiares as relações harmónicas em
contraponto, de mundo-próprio para mundo-próprio e retomei
o exemplo do pedúnculo da flor, nas 51,lasrelações com os quatro
mundos-próprios mencionados.
O ramo de flores que a rapariga ofereceu ao namorado era
ag~ra usado por este como adorno e o pedúnculo da flor veio
assim ,a entrar num dueto de amor. A formiga que utilizava
o pedunculo como passagem, corria ao longo dele até o ovário
?a flor e aí mungia as suas «vacas leiteiras»-os p~lgões. Quant;
a vac~, essa transformava, finalmente, em leite o pasto de que
o p.edunc~lo fazia parte. A larva da aphrophora crescia no seu
abrigo, felt~ do suco que o pedúnculo lhe tinha fornecido e em
breve enchia o prado com o seu doce canto de amor.
Outros mundos-próprios se vieram juntar a estes. As abelhas
que estavam associadas, em contraponto, com o aroma, a cor
e a forma das flores, acorriam a elas e, depois de se terem saciado
de néctar, comunicavam às companheiras a nova fonte descoberta, por meio de danças impressionantes, que von Frisch (1)
descreve pormenorizadamente.
Na verdade, a cor das flores não é, para as abelhas a mesma
que é para nós; serve-Ihes, no entanto de certa característica pois
a flor e a abelha estão compostas uma para a outra em contraponto.
fi .
(I)
(2)
V. nota
Herbert
pago 50'
Spencer (I820~I903),
1(I) .
SJOogra
I
filósofo inglês) adepto do conceito de evolu ..
•.d alemã)
VOll Frisch (1886) ' zoo'1ago que r'
tez Importantes
investigações
sobre a
os sentidos nas abelhas e nos peixes. Ver também nota I pág 42 (N d.
,
...
a
dKarl
ção. (N. da ed. alemã)
159
158
.'"
Trata-se, evidentemente, duma tentativa modesta mas, de
qualquer modo, duma tentativa, para resolver o problema que
uma partitura da Natureza põe perante nós.
Nós podemos reduzir a um mesmo denominador todos os
instrumentos musicais, se dispusermos, como num carrilhão,
os sons que eles produzem. Teremos então, para o violino, um
jogo de sons riquíssimo, constituído exclusivamente por sons de
violino; para os sons da harpa; estabeleceremos um jogo diferente e mais simples, que, no caso dos ferrinhos, desce até o mínimo
indispensável.
A cada composição musical é posto o problema de escolher,
do jogo de sons de cada instrumento, aqueles que formam uma
sequência melódica e, ao mesmo tempo, ligá-Ios harmónicamente
com os sons dos «repiques» de outros instrumentos.
Tudo isto se passa segundo a teoria do contraponto, que
estabelece as regras, de acordo com as quais se podem combinar
numa partitura os sons de várias vozes. Mas ao compositor fica
a liberdade de ligar, em contraponto, os sons dum instrumento
com os de qualquer outro.
Para pôr em paralelo o que se passa com os animais e o que
se passa com os instrumentos musicais, bastará considerar o sistema
nervoso central como um carrilhão. Chamaremos então «sons
perceptivos» aos sinais perceptivos das suas células vivas que são
projectados no exterior como notas características e designaremos
por «sons efectores» os impulsos que provocam a execução de
movimentos.
'Cada animal é capaz, como qualquer instrumento, dum
determinado número de sons, que entram em relação contrapontal com os sons, de outros animais.
Não basta, como os mecanistas faziam, tratar os instrumentos
de música como simples produtores de ondas de ar. Com essas
ondas, ninguém pode criar uma melodia ou uma harmonia,
nem compor com elas uma partitura. Só a relação das ondas do
ar com o órgão auditivo do homem, onde estas se transformam
em sons, pode tornar possível a produção de melodias e harmonias e a composição de partituras.
Também não basta atribuir aos animais e às plantas dum
prado a função de espalhar no espaço as cores, os sons e os o.dores
que lhes são particulares e que, afinal, só nos mundos-próprios de
outros animais são captados e depois transformados em percepções.
Podemos, .então, transpor as relações dos organismos para
160
relações musicais e falar de tons ou teores perceptivos ede tons
ou teores efectores dos vários sujeitos animais que se ligam uns
aos outros em contraponto. Só então podemos chegar a uma,
partitura da Natureza.
. ~a Natureza, os teores perceptivos de vários animais podem ser
utilizados em contraponto. Assim o som de chamamento emitido
pelo morcego no seu mundo-próprio é, simultâneamente um som
de aviso no mundo-próprio da borboleta.',
'
A concha que o búzio transporta tem, para ele, um teor de habitação; mas depois de morto o búzio, a sua concha esvaziada passa a
ter para o casa-roubada, um novo teor de habitação. Esta identidade
de teores é aproveitada na composição búzio-casa-roubada.
Tal como ao compositor duma sinfonia não são postos limites
na escolha de .instrumentos, também a Natureza é completamente
livre na escolha dos animais que pretende ligar em contraponto.
O apêndice pescador do lophius está constituído em contraponto
com o teor de preensão do esquema que deve atrair o peixe,
sua presa. As designações de teor de preensão e teor de habitação
mostram que, na aplicação da comparação musical ao caso dos
animais, nós abandonámos, de vez, a pura teoria da música,
pois segundo esta, pode falar-se, dum som de violino ou dum som
de harpa mas nunca dum teor de «preensão da vítima» ou dum
teor de «habitação» duma casa, ou do teor de «beber» duma taça
ou
teor de «assento» duma cadeira. E todavia, a grande aplicabilídade da comparação musical ao campo biológico reside
na extensão do conceito «som», do simples som audível ao teor
significante dos objectos que aparecem como portadores de significado no mundo-próprio dum sujeito.
~?
Quando dizemos que o teor de habitação da concha, no mundo-próprio do búzio, pode representar-se em contraponto com o teor,
de habitação, no mundo-próprio do casa-roubada, queremos
dizer com isso .que cada um dos dois teores, sem se identificar
com o outro, pode, no entanto, ser transferido para esse outro,
pela composição da Natureza, visto terem ambos o mesmo significado.
. . Em lugar da harmonia, na partitura muscial , intervém
o significado, na partitura da Natureza, que serve de elo de ligação,
ou melhor, de ponte, para ligar dois factores naturais.
Com efeito, tal como uma ponte tem, em cada' margem do rio,
os seus apoios, que ela liga em ponto e contraponto, assim também
são estes ligados, na música, pela harmonia' e na Natureza, pelo
mesmo significado.
11- A. H.
161
Em numerosos exemplos, que podem até ter fatigado o leitor,
já demonstrei que, neste caso, se trata de verdadeiros factores
naturais e não apenas de conceitos biológicos.
Nós fomos já tão longe, que podemos considerar a partitura
do significado como interpretação da Natureza, a qual pode
pôr-se a par duma interpretação, em música, por meio da partitura
traduzida em notas.
Se agora atentarmos numa orquestra, veremos, em cada um
dos papéis que se encontram nas estantes individuais, em escrita
musical, as partes dos diferentes naipes, enquanto a partitura
total repousa na estante do regente. Mas vemos também os próprios instrumentos e perguntamo-nos se estes, porventura, não
se ajustarão uns com os outros, não só pelo som que cada um
produz, mas também por toda a sua estrutura, isto é, se não
constituirão uma unidade, não só musical como tecnicamente.
Como a maior parte dos instrumentos da orquestra são, por si
próprios, capazes de produções musicais, não se pode responder
afirmativamente a essa pergunta sem hesitações.
Mas quem já tenha ouvido palhaços-músicos, que se servem
de instrumentos para, com eles, produzirem ruídos (pentes,
chocalhos, etc.) convencer-se-á
de que é possível, sim, com tal
orquestra, executar uma cacofonia, mas nunca uma sinfonia.
Os instrumentos duma verdadeira orquestra, se os observarmos
com mais rigor, apresentam, logo na sua estrutura, uma relação
em contra ponto.
Isto revela-se-nos ainda com mais clareza numa orquestra
natural, como um prado no-Ia apresenta. Basta que pensemos na
flor integrada nos quatro mundos-próprios. Essa relação revela-se-nos ainda mais flagrantemente entre a estrutura da flor e a da
abelha e dela se pode dizer:
Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha
E na abelha não houvesse qualquer coisa de flor,
Nunca o acorde seria possível.
Nestes versos se exprime o princípio fundamental de toda a
técnica da Natureza. Nele reconhecemos, mais uma vez, a sabedoria de Goethe:
Se nos olhos não houvesse qualquer coisa de Sol,
Nunca eles poderiam uê-lo,
162
Mas nós podemos agora completar
dizendo:
a sentença de Goethe,
Se no Sol não houvesse qualquer coisa de olho,
Em nenhum céu ele emitiria raios.
O Sol é uma luz celestial. Mas o céu é um produto dos olhos,
que dele fazem o seu horizonte mais distante-aquele
que envolve
o espaço do seu mundo-próprio. Os organismos sem olhos não
conhecem o céu nem o Sol.
10.
o
CONTRAPONTO,
CAUSA DETERMINANTE
DA CONSTITUIÇÃO DA FORMA
Podemos agora aplicar também aos outros exemplos aduzidos
a regra técnica fundamental que se exprime na conformidade
da abelha com a flor e na conformidade da flor com a abelha.
É claro que a teia de aranha é de estrutura ajustável à mosca,
porque a própria aranha já o é também. Ser ajustável à mosca
significa, neste caso, que, na sua estrutura, a aranha adoptou
certos elementos da mosca. Não duma determinada mosca mas
do seu protótipo. Para nos exprimirmos melhor: quando dizemos
que a aranha é ajustável à mosca, queremos significar que, na sua
constituição corpórea, aquela adoptou para si certos motivos ou
determinismos da melodia da mosca.
É muito nítida a interferência dos determinismos particulares
de certos mamíferos no plano somático da carraça. Mais nítido
que em qualquer caso é a acção do determinismo do morcego
na estruturação do órgão auditivo da borboleta nocturna.
Em toda a parte, é o contraponto que se manifesta, como
causa determinante da constituição das formas, o que, aliás,
já nos devia ser familiar a partir da estrutura dos objectos úteis
ao homem.
Uma chávena de café, com a sua asa, mostra-nos imediatamente as relações em contraponto, por um lado, com o café e,
por outro lado, com a mão do homem. Estes contrapontos influenciam, em primeiro lugar, as causas determinantes no fabrico da
chávena. Até são, na verdade, mais importantes do que o material
de que a chávena é feita.
Parece duma evidência vulgar o dizer-se a frase: a chávena de
café é, constituída para o café. A frase, todavia, significa mais
163
do que parece. Ela diz que a função da chávena consiste em conter
café e, mais ainda, que esta função foi o motivo do seu fabrico;
A doutrina do significado culmina na revelação desta correlação.
.
O significado do nosso objecto de utilidade reside, para nós,
na sua função, que é sempre possível fazer remontar a uma ligação
do contraponto existente nesse objecto com o homem. Essa ligação
cria simultâneamente o motivo para o seu próprio lançamento.
A cadeira, no seu significado de dispositivo que se ergue acima
do solo para servir de assento, é constituída por claros meios de
ligação com vários contrapontos no corpo do homem. O assento
propriamente dito, as costas e os braços encontram no corpo
humano os eleme~tos correspondentes com que estão relacionados,
enquanto os pés da cadeira formam nítidas ligações com o contraponto solo. Por sua vez, todos estes contrapontos são, para o
marceneiro, causas determinantes da construção da cadeira.
Levar-nos-ia demasiado longe, aduzir mais exemplos como
este. Deve ser bastante a indicação de que, com todos os objectos .
que utilizamos, lançamos pontes que ligam a nossa pessoa com
a Natureza, da qual, todavia, não nos aproximámos mas, pelo
contrário, nos afastámos cada vez mais. Começámos então, em
ritmo cada vez mais lesto, a lançar pontes para outras pontes que,
já na construção de máquinas simples não são ignoradas pelo
homem ainda próximo da Natureza. Na grande cidade, nós
vivemos rodeados só de coisas artificiais, pois as próprias árvores
e flores dos nossos jardins, que nós arrancamos e transplantamos
a nosso bel-prazer, foram arrebatadas ao conjunto da Natureza
e transformadas por nós em objectos úteis ao homem.
A tão prezada técnica do homem perdeu, para a Natureza,
todo sentido, pois propõe-se resolver os mais profundos problemas
da vida, como as relações do homem para com a natureza de Deus,
C0m a sua matemática insuficiente.
Tudo isto é secundário. Muito mais importante é obter uma
ideia dos caminhos que a Natureza segue para derivar, do germe
não diferenciado, as suas criaturas, que ela, ao contrário de nós,
não estrutura separadamente.
O filme de Arnt, acerca do bolor-viscoso, mostrou-nos, como
primeira fase da vida, uma acumulação cada vez maior de formas
amibóides autónomas, que são constituídas em contra ponto com
a sua alimentação de bactérias. Esgotados os alimentos, intervém
subitamente um novo contraponto, como causa determinante,
que transforma as células amibóides que se acumularam umas
. sobre. as outras, em células, u~das em tecido, duma planta exposta
·acr..vento.
Se olharmos para o pequeno mundo do bolor-viscoso que,
como ténue cabeleira encima um montículo de estrume seco de
cavalo, nós descobrimos que, além do corpo do bolor, portador
de germes, só existe outro factor natural actuante: o vento que
dispersa esses germes.
O portador e o dispersador de germes fundiram-se num dueto.
São, antes de mais nada, as formas amibóides livres que, com
os seus teores individuais semelhantes, constituem um carrilhão
VIVO.
A Natureza joga com elas, transforma-as em células constitutivasde tecido, segundo novo determinismo, e constrói com elas
uma forma portadora de germes que se expõe ao vento.
Este fenômeno é, para nós, tão inconcebível como a mudança
de motivo numa sonata de Beethoven. A nossa missão, porém,
não é compor uma sonata da Natureza mas somente escrever
a sua partitura.
Logo no princípio, começamos por pôr, ainda entre os vertebrados, o que respeita às questões técnicas. Podemos relacionar o
despontar dos órgãos que estão sujeitos a um plano elementar
com o facto de o significado de cada esboço de órgão ser fixado
pela sua situação no todo, de modo que não pode dar-se qualquer
erro de significado ou qualquer duplicação.
Esta fixação é tão segura que, como Spemann mostrou, um
enxerto de epiderme de girino de rã feito no germe do tritão,
no lugar da futura boca deste, transforma-se realmente em boca,
mas numa boca de girino de rã, porque a partitura de formação
da boca da rã foi transmitida simultâneamente com as células
desta.
Se arrancássemos uma folha ao caderno com' a parte do primeiro violino e a colocássemos no lugar correspondente ao papel
.do violoncelo, produzir-se-ia uma discrepância semelhante àquela.
Para o caso das partituras da estruturação de formas é muito
elucidativaa abertura do túnel pela larva do gorgulho-da-ervilha.
Aqui, o ·contraponto, que se torna causa determinante da abertura
do túnel, é a verdadeira forma, que só mais tarde aparece, do
gorgulho adulto, o qual, sem a saída preparada pela larva, teria
.de sucumbir. Pode, pois, a forma futura desempenhar um papel,
como causa determinante, na metamorfose?
164
165
II
Isto abre outras possibilidades. Se a forma futura que estabelece o objectivo da conformação pode, ela própria, tomar-se
a causa detenninante, então tem razão K. E. von Baer, quando
fala dum finalismo na formação dos organismos. Simplesmente,
~le não abrange, com isso, a totalidade dos factos.
Quando a aranha tece 'a sua teia, as várias fases da construção
da rede e a sua disposição em forma radiada podem considerar-se,
simultâneamente, como objectivo e causa determinante da moldagem da rede. Pode, talvez, designar-se a rede, mas nunca a mosca,
como objectivo da construção. Esta última, porém, serve, possivelmente, de contraponto e causa determinante para essa construção.
O exemplo dos tortricídeos mostra-nos eloquentemente
quantos enigmas ainda nos guardará a técnica da Natureza.
Situam-se frente a frente dois concorrentes constituídos em contraponto: o pequeno rinóptero,
provido duma serra, que utiliza
como ferrão e a folha grande da bétula, que há-de ser serrada.
O percurso seguido pela serra deve ser tal que, em seguida, o
coleõptero possa enrolar, sem dificuldade, a parte inferior da folha,
em forma de funil alongado, onde põe os ovos.
Este percurso, que apresenta uma curvatura característica,
tem extensão constante para todos os tortricídeos, embora não
exista na folha da bétula qualquer vestígio dum traçado indicativo
do caminho a percorrer. Será o próprio «percurso constante»
a causa determinante do seu estabelecimento?
Isso faz parte dos segredos de composição natural que nós,
no estudo da técnica da Natureza, encontramos a cada passo.
O primeiro investigador que se ocupou dos problemas da
técnica da Natureza parece ter sido Lamarck (1). De qualquer
modo , a tentativa que empreendeu para harmonizar o desenvol.
vimento do longo pescoço da girafa com o alto tronco das acácias,
constitui a primeira indicação dum comportamento contrapontal.
Perdeu-se, mais tarde, completamente, o interesse pela técnica
da Natureza, que foi substituído por especulações sobre a influência
dos antepassados, principalmente por iniciativa de Haeckel (2).
Ninguém poderá reconhecer uma actividade técnica na afirmação
(I) Jean Baptiste Antoine Pierre de Monet de Lamarck (1744-1829), zoólogo
francês, introduziu um novo Sistema do Reino Animal, elaborou a primeira doutrina
da descendência dos organismos, seguiu o ponto de vista da transmissão hereditária
dos caracteres adquiridos. (N. da ed, alemã)
(2) Ernst Haecke! (1834-1919), zoólogo alemão, renovador da Biologia, adepto de
Darwin. (N. da ed, alemã)
de que os anfíbios derivaram dos peixes. Particularmente as COl1cepções acerca dos chamados órgãos «rudimentares» encarregaram-se de desviar as atenções dos verdadeiros problemas técnicos.
,
Só a demonstração, feita por Driesch, de que, dum germe de
owiço-do-mar cortado ao meio resultam, não duas metades d
de ouriço mas dois ouriços inteiros, com metade do tamanho do
primitivo, veio abrir caminho para uma compreensão mais profunda da técnica da Natureza. Tudo que é material se deixa
cortar com uma faca. Mas uma melodia é diferente. A melodia
duma canção, que é executada por, um carrilhão autónomo de
sinos vivos, permanecerá invariável, mesmo que ela dirija apenas
metade do número inicial de sinos.
I I.
o
PROGRESSO
Desta vez foi na bonita igreja de S. Miguel, em Hamburgo,
ao ouvir a Paixão de S. Mateus que se me revelou novamente
o paralelo, no campo da biologia. Esta obra sublime, entretecida
dos mais belos cânticos, desenvolvia-se em ritmo fatal, irresistível.
Mas não se tratava, certamente, do progresso que os investigadores
julgaram descobrir no desenrolar, no tempo, do fenómeno natural.
Por que razão é que o grandioso drama da Natureza, que se
desenrola desde o aparecimento da vida na terra, não havia de ser
em sublimidade e profundeza, uma única composição, como a
Paixão?
A evolução, tão altamente encarecida, que devia conduzir
os organismos, de início tão imperfeitos, à organização cada vez
mais perfeita não passava então duma especulação mesquinha
sobre as imposições prementes do próprio problema?
A mim, nunca se me deparou, nem mesmo nos animais mais
simples, o mais pequeno vestígio de imperfeição. Tanto quanto eu
podia julgar, o material disponível para a construção tinha sido
utilizado da melhor maneira. Cada animal tinha provido o seu
cenário de vida com todas as coisas e todos os outros animais que,
para a sua vida, tinham significado.
As propriedades do animal e as propríedades dos seus comparsas
ajustavam-se perfeitamente, em todas as circunstâncias, como
pontos e contrapontos dum coro de muitas vozes.
Era como se a mesma mão de mestre corresse, desde tempos
imemoriais, por sobre as teclas da vida. As composições seguiam-se
166
167
I"
umas às outras, em número infinito, graves e ligeiras, esplêndidas
e horríveis.
__
Nas ondas do mar ..primitivo, moviam-se crustáceos, simples,
sim,' mas de 'organização perfeita. Decorreram grandes períodos e
chegaram os dias do reinado dos cefalópodos que os tubarões
fizeram desaparecer. Dos pântanos quentes da terra firme, surgiram os sáurios que, com as suas dimensões gigantescas, elevaram
a vida até ao maior grotesco. Mas a mão do Mestre continuou a
correr sobre os seres. Do antigo tronco, surgem, em novas melodias
de vida, novas formas que se desenrolam em centenas de variações,
sem nunca revelarem a passagem do incompleto para o mais
completo.
É certo que os mundos-próprios foram, no princípio do drama
universal, mais simples do que haviam de ser mais tarde; mas
sempre neles se opunha um receptor de significado ao objecto
significante. Tudo estava submetido ao significado e este adoptava
órgãos diferentes ao habitat variável. O significado ligava o alimento
. e aquele que o devora, o inimigo e a presa, e principalmente o
macho e a fêmea em assombrosa diversidade. Em todos os casos
se nota uma progressão mas nunca um progresso, no sentido da
sobrevivência do adaptado, nunca uma selecção do mais dotado,
por meio duma furiosa luta pela existência, desprovida dum plano.
Em vez disso, reinava uma melodia em que vida e morte se
entrelaçavam.
Decidi apresentar ao nosso maior historiador esta questão:
poderá falar-se dum progresso na história da humanidade?
Leopoldo von Ranke, nas suas Épocas da Hist6ria Moderna,
escreve: «Se admitíssemos que este progresso consistia apenas
em a vida da humanidade se elevar, em cada época, a um nível
mais alto, em que, portanto, cada geração ultrapassa inteiramente
a anterior e a última é sempre a preferida, em prejuízo das outras,
que se limitam a trazer, em si, a geração seguinte, admitiríamos,
implicitamente, uma injustiça da divindade. Uma tal geração,
esporádica, descontínua, não teria significado nem em si nem
por si pois só significaria alguma coisa na medida em que fosse
degrau de acesso para a geração seguinte e não estaria em relação
directa com a divindade. Todavia, eu afirmo: cada época está
imediatamente em Deus e o seu valor não reside, de modo algum,
naquilo que produz mas na sua própria existência, no seu próprio ser.»
Ranke rejeita o progresso na história da humanidade, porque
168
I
.todas as épocas remontam directamente a Deus e, consequente,me~te,.::Qenhu.ma pode ser mais perfeita que a outra,
Que podemos nós entender por uma época no sentido que
,Ranke' lhe atribuiu, senão um grupo homogéneo de mundos'-próprios do homem dentro dum limitado espaço de tempo?
Daí se conclui que cada mundo-próprio deste grupo remonta
directamente a Deus, visto que todos eles pertencem à mesma
composição, cujo autor é Deus, na expressão de Ranke.
Ora a, palavra Deus é exactamente aquilo com que investe
todo o materialista, o qual admitiria uma composição ao acaso,
no decurso de larguíssimos espaços de tempos, se lhe quiséssemos
conceder que a força e a matéria se mantiveram as mesmas desde
o princípio do mundo e que a lei da conservação da energia tem
valor eterno e universal.
No princípio da minha discussão, mostrei que o estudo dos
mundos-próprios prova, em primeiro lugar, a inconstância dos
objectos, que dentro de cada' mundo-próprio, mudam também
de conformação, sempre que mudam de significado. O mesmo
pedúnculo da flor passou a ser, nos quatro mundos-próprios,
quatro objectos diferentes.
Só resta agora mostrar, com auxílio dos exemplos já mencionados, que também a constância da matéria é uma ilusão. As propriedades da substância dum objecto dependem das escalas sensoriais do sujeito, cujo mundo-próprio estamos a analisar.
Se observarmos a cor, aos nossos olhos amarela, duma flor
em que certa' abelha poísou, podemos dizer afoitamente que,
no mundo-próprio da abelha, a flor não é amarela (é talvez o que
nós chamamos vermelha) pois a escala das cores nos olhos da abelha
corresponde a uma escala de ondas de éter que é diferente da dos
nossos olhos. Sabemos, também, que a escala de sons na borboleta
rrocturna, a escala de odores numa carraça, a escala de gostos
duma' minhoca e as escalas de forma da maior parte dos invertebrados são completamente diferentes das do homem. A própria
escala de dureza deve ser totalmente diferente para os icnêurnones
que perfuram, como se fosse manteiga, a mais rija madeira de
pinho.
Nem uma única propriedade da matéria se conserva a mesma
quando percorremos a série, de mundos-próprios das diferentes
espécies. De mundo para mundo, em cada um dos objectos que
observamos muda, não só o teor significante mas também o arranjo
de todas as suas propriedades, tanto materiais como formais.
169
!
1
A matéria é, no mundo-próprio do homem, o rocher de bronz«
.~obre o qual parece assentar todo o Universo quando, afinal, ele
se ·v'olatiliza dum mundo pata outro.
Não! A imutabilidade da matéria, em que os materialistas s
entrincheiram não constitui base sólida para uma concepção
geral do mundo.
Muito mais bem fundamentada
que a imutabilidade
da
matéria é a imutabilidade dos sujeitos. Mas os sujeitos também
se compõem de matéria-objectarão
os materialistas. É certo.
Mas a matéria dos corpos, que é própria dos sujeitos, tem de ser
reconstituída em cada geração.
Aquilo que cada indivíduo, em particular, recebe de seus pais
sob a forma de matéria, é extremamente insignificante: reduz-se a
uma célula germinal divisível e a um «teclado» de corpúsculos
estimulantes chamados genes que, no acto da divisão· da célula
é recebido por cada uma das células filhas. Com efeito, esse
«teclado» torna possível às melodias morfogenéticas fazê-Io soar,
como nas teclas dum piano e deste modo realizar a estruturação
das formas. Cada corpúsculo estimulante que é posto em acção
insinua-se, como impulso diferenciado, no protoplasma da sua
célula, para promover a estrutura correspondente.
As melodias morfogenéticas que, deste modo, se estruturam,
vão buscar os seus motivos às melodias morfogenéticas de outros
sujeitos que elas encontrarão nos seus cenários de vida:
Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha
Se na abelha não houvesse qualquer coisa de flor,
Nunca o acorde seria possível.
Os motivos são tirados, ora do ciclo da nutrição ora do ciclo
da defesa, ora do ciclo do sexo. É do ciclo do habitat que a melodia
morfogenética tira a maior parte dos seus motivos e por isso a
estrutura dos nossos olhos é ajustada à luz do sol, e a da folha do
bordo, com as suas goteiras, é ajustada à chuva.
Graças à captação de motivos exteriores, o corpo de cada
sujeito constitui-se receptor de significado daqueles objectos
significantes cujas melodias estruturadoras
adquiriram,
como
motivos, conformação no seu corpo.
A flor actua, portanto, sobre a abelha como um feixe de
contrapontos, porque a sua melodia estruturadora, rica de motivos,
intervém na estruturação da abelha e vice-versa.
170
O sol, das alturas do céu, -emite os seus raios sobre mim,
'ÍlllJ:>lesmente porque ele, o posso mais importante componente
da Natureza, entra, como motivo principal, na estruturação dos
meus olhos.
O sol parece tanto maior e mais· radiante no céu do mundo-próprio dum olho, quanto maior é a sua influência na estruturação
deste; e parece tanto menor e mais insignificante quanto menor
mais insignificante é a parte que tomou nessa estruturação
(como na toupeira).
Se considerarmos agora a lua, em vez do sol, podemos igualmente afirmar que, quanto maior é o significado da lua para
O olho dum animal, mais importante
é o seu significado, como
motivo, na estruturação do olho.
Quanto mais amplo é o significado dos mamíferos no mundo-próprio da carraça, mais importante é também a participação
da melodia morfogenética
dos mamíferos como determinante da
estruturação da carraça, nomeadamente como cheiro do ácido
butírico, como resistência dos cabelos, como calor e penetrabilidade da pele.
À carraça é totalmente indiferente que os mamíferos possuam
milhares de outras propriedades. S6 aquelas que são comuns
a todos os mamíferos intervêm como causas determinantes na
estruturação da carraça, tanto no que respeita aos seus órgãos-de-percepção como aos seus õrgãos-de-impulso,
Seríamos constantemente induzidos em erro, se quiséssemos
introduzir a medida-padrão
deste nosso mundo na apreciação
dos mundos dos animais. Poderia, no entanto, afirmar que toda
a Natureza participa, como motivo, na formação da minha personalidade, no que respeita ao meu corpo e ao meu espírito-pois
se não fosse assim; faltar-me-iam os órgãos para reconhecer a
Natureza.
Posso, porém, exprimir-me
mais modestamente,
dizendo: «Eu participarei da Natureza, na medida em que ela
me tenha feito intervir numa das suas composições. Eu não serei
então exactamente um produto da Natureza toda, mas apenas
o produto da natureza humana, para além da qual me não é dado
possuir qualquer conhecimento. Tal como a carraça é apenas
um produto da natureza da carraça, assim também o homem
permanece ligado à sua natureza humana, da qual cada indivíduo
vem, por sua vez, a resultar.
A nossa vantagem sobre os animais está em que podemos
ampliar os limites da natureza inata do homem. É certo que não
171
nos é possível criar novos órgãos; podemos, no entanto, muni-lu
de -meios auxiliares.Criámos
instrumentos de percepção e tr I
b~o que oferecem, àqueles de nós que saibam utilizá-leis, a pOSM
bilidade de aprofundar e ampliar o seu mundo-pr-óprio. M
os limites desse mundo-próprio ninguém os ultrapassa.
Só o reconhecimento de que tudo, na Natureza é criado
~egil~do o seu significado e que todos os mundos-próprios SUl
inseridos, como vozes, na partitura do mundo nos abre o caminho
para a evasão da estreiteza do nosso mundo-próprio.
Não é a dilatação do espaço do nosso mundo-próprio em milhõt-s
de anos de luz que nos eleva acima de nós próprios mas o reconh .
cer que, além do nosso mundo pessoal, também os mundos-próprios dos nossos irmãos humanos e irracionais estão contidos
num plano que tudo abrange.
12.
RESUMO E CONCLUSÃO
Se compararmos o corpo dum animal com uma casa, diremos
que, até hoje, os anatomistas e os fisiologistas têm estudado com
.
.
'
rigor, respectivamente, o tipo de estrutura e as possibilidades de
funcionamento da casa.
- Mas os ecólogos sempre têm descrito o jardim como ele se apresenta aos nossos olhos-os olhos humanos-sem
descrever também
o aspecto que ele oferece quando observado_pelo sujeito que habita
a casa.
E, todavia, este aspecto tem mais largo alcance do que pode
parecer. O jardim da casa não se confina, como a nossos olhos
se afigura, a um mundo que tudo abrange mas do qual nos mostra
apenas uma pequena parte; é, antes, circundado por um horizonte
que tem a casa como centro. Cada casa tem a sua própria
abóbada celeste, onde se movem o sol, a lua e as estrelas, que
também directamente lhe pertencem.
. ?ada c~a tem um certo número de janelas, que dão para o
ja~dlm: a janela da luz, a janela do som, a janela do cheiro,
a janela do gosto e um grande número de janelas do tacto.
Visto de casa, o jardim muda de aspecto consoante a estrutura da janela. Não se apresenta, de modo nenhum, como simples
parcela dum mundo maior, mas como um mundo único parti•
'
cul ar a casa: O' seu mundo-próprio.
O jardim que os nossos olhos vêem é fundamentalmente
172
f< rente de o que se oferece aos habitantes
da casa, em especial
que respeita às coisas que nele se encontram.
Enquanto nós distinguimos no jardim milhares de pedras,
ntas e animais diversos, os olhos do habitante da casa só enxerm um número limitado de coisas no seu jardim-só
aquelas,
verdade, que têm significado para o sujeito que habita a casa.
se número pode reduzir-se a um mínimo, corno no mundo-próprio da carraça, no qual surge sempre o mesmo mamífero
om um número perfeitamente limitado de propriedades. De todas
• coisas que nós descobrimos em volta da carraça=-flores odorosas
coloridas, folhas que ramalham, aves canoras-nem
uma só
xiste no mundo-próprio da carraça.
Mostrei como o mesmo objecto, transferido para quatro
mundos-próprios diferentes, adquire quatro significados diferentes
como, em cada caso, -as suas propriedades mudam radicalmente.
O facto só pode ser eXE>licadodeste modo: fundamentalmente
as,~da
~as
coisas nlo são mais do 9.l:!enotas-característi~_ atrib~~;~~_ .:~.sascoisa~ E.elo"suj~!"to
~.2~ ~e s]as enJ,raram em re açao.
'
•...•' ara cO~Preender isto, devemos recordar-nos ,de que cada
corpo dum organismo é constituído por células vivas que no seu
'
conjunto, formam um carrilhão vivo. A célula viva possui uma
energia específica que lhe permite responder, com o seu teor
individual, a toda a acção exterior que com ela entra em contacto.
Os teores individuais podem ligar-se entre si, por meio de melodias
e não precisam da conexão mecânica dos seus corpos celulares
para actuarem uns sobre eis outros.
Nos seus traços essenciais, os corpos da maior parte dos animais
assemelham-se neste aspecto: possuem, como peças basilares,
órgãos que servem para a transformação de, substância e que
fornecem à actividade vital a energia proveniente dos alimentos.
A actividade vital do sujeito animal, como receptor de significado,
consiste na percepção e na acção ou impulso.
.
_.
A percepção obtém-se através dos órgãos sensoriais que servem
para seleccionar os estímulos vindos de toda a parte, para eliminarem os estímulos inúteis e transformarem os que são úteis ao
corpo em correntes nervosas que, ao atingirem o centro, fazem
tocar o carrilhão vivo das células cerebrais. Os teores individuais
que então foram evocados actuam como sinais-perceptivosdofenómeno exterior e conforme são auditivos , visuais , gustativos ,.,
etc
~
~
w
--
'
.
173
I'
assim são «gravados- como notas-características da correspondente
fonte de estímulo.
'
Ao mesmo tempo, os «sinos» celulares, que soam no órgão
de ~rcepção, induzem os «sinos» do órgão central-de-acção qu
enviam os seus teores individuais como impulsos os quais, por sua
vez, desencadeiam e dirigem os movimentos dos músculos efectores.
Temos, assim uma espécie de fenómeno musical que, provindo
inicialmente das propriedades do objecto significante, a est
reverte novamente. E legítimo, portanto, tratar como contrapontos, tanto os órgãos receptores como os órgãos efectores do
receptor de significado, em relação com as correspondentes propriedades do objecto significante.
Como em quaisquer circunstâncias se pode verificar, a condição
prévia para que na maior parte dos animais o sujeito se ajuste
perfeitamente ao seu objecto significante é a existência duma
estrutura corpórea muito complexa.
Ora essa estrutura nunca existe logo desde o princípio. Pelo
contrário, cada corpo inicia o seu arranjo como «sino» celular
especial que se liberta e se integra num carrilhão, segundo uma
determinada melodia de estrutura.
'
Como é possível que duas coisas de origem tão diferente,
com~ são, por exemplo, o abelhão e a flor da boca-de-lobo, sejam
constituídas de modo que, em todos os pormenores, se ajustem
uma à outra? Sem dúvida porque Ias duas melodias de estrutura
se influenciaram reciprocamente:
a melodia da boca-de-lobo
inter:eio como motivo na melodia do abelhão e vice-versa. O que
se disse do abelhão, pode também dizer-se da abelha vulgar:
se o seu corpo não estivesse ajustado à flor, a sua estrutura seria
inviável.
Com a aceitação deste princípio basilar da técnica da Natureza
fica já resolvida em sentido' negativo a questão da existência
dum progresso do mais simples para o mais complexo. Com efeito,
se são motivos de significados adventícios, intervindo em vários
sentidos que modelam a estrutura dos animais, não se concebe
o que nela poderia alterar uma série, mesmo tão grande, de
gerações.
Se pusermos de parte as especulações sobre os antepassados,
entramos no terreno firme da técnica da Natureza. Mas aqui
espera-nos grande decepção. Os sucessos da técnica da Natureza
estão patentes à nossa vista mas a sua elaboração de melodias
é para nós perfeitamente impenetrável.
174
A~cnica
da Natureza tem isso de comum com a prOdU~ã~
qualquer obra de arte. Nós vemos muito bem como a mão do
or istrr Ul na tela manchas de cor, umas após as outras
t6 .q~e o quadro s: nos apresenta pronto; mas a melodia da comosiçao, a melodia que move a mão, escapa-nos absolutaente.
Compreendemos
perfeitamente
como a caixa de mUSlca
xecuta as suas melodias mas nunca compreenderemos
como
uma melodia preside à construção da caixa de música.
Sucede exactamente o mesmo com a estruturação de cada;
organismo. Em cada célula germinal existe o material, como nos
germes também existe o «teclado». Falta apenas a melodia para
realizar a sua estruturação. Donde deriva ela?
Encontra-se em cada caixa de música dum relógio um tambor
provido de pontas. Quando se põe o tambor a rodar, essas pontas
fazem vibrar palhetas de metal de comprimentos
diferentes
e as vibrações de ar assim produzidas são captadas pelo nosso
ouvido como sons.
Qualquer músico reconhecerá com facilidade, pela posição
das pontas no tambor, a partitura da melodia que é executada
pela caixa de música.
Esqueçamos agora, por um momento, a pessoa que construiu
a caixa de música e admitamos que esta é um produto da Natureza.
Poderemos então dizer que estamos em presença duma partitura
materialmente tridimensional que é a concretização da próprio
melodia, por isso que a melodia representa o germe de significado
da caixa de música em que entroncam todas as partes desta,
supondo que existe material suficiente e dúctil.
No Museu Nacional de Estocolmo encontra-se um pequeno
quadro de Ivar Arosenius, chamado JuZ (Natal) que mostra
uma mãe ainda jovem, irradiando ternura, sentada, com um
filho ao colo. Por cima da cabeça da mãe, paira a claridade
suave e ténue que aureola os santos. A cena passa-se numa pequena
mansarda. Tudo, em volta da madonazinha, é tirado da vida diária
mas todos os objectos que se encontram à frente dela, em cima da
mesa, o candeeiro, o cortinado, a prateleira com a louça, actuam
como motivos sugestivos, que realçam a santidade
humilde
e comovedora.
O quadro está composto com tal perfeição, que nós nos
esquecemos do pintor e julgamos estar a ver uma pequena
maravilha da Natureza. Neste caso, o germe do. significado é
l75
IL
«Madona», Dele provém tudo o mais, espontâneamente, como
numa melodiosa cristalização. Ao mesmo tempo, julgamos observa I
um mundo-próprio' puro, em que não existem· coisas estranhas
e supérfluas. Todos os elementos se ajustam reciprocamente,
em ponto e contra ponto.
O material utilizado foi escasso mas apropriado-um
pedaço
de tela e algumas cores discretas foram bastantes para plasmar
esta pequena obra de arte. A quantidade de material desempenha
um papel muito secundário. Com mais ou menos material, em
maiores ou menores dimensões, o artista poderia ter obtido o
mesmo resultado.
Mas outro artista, com o mesmo material, teria feito surgir
do mesmo germe de significado-Madona-um
quadro de
Madona inteiramente diferente.
Ora utilizemos a criação duma obra de arte para mostrar até
que Ponto a estruturação dum organismo se realiZã""~odo
m ante.
Não resta dúvida de que podemos considerar a glande como
o germe de significado de carvalho e um ovo como germe de
significado da galinha. O material é, em ambos os casos, o mais
plástico de que a Natureza dispõe, isto é, o protoplasma vivo que
admite qualquer estruturação, quando ela sai dos teores individuais e está em condições de manter qualquer forma em que
se modele.
O carvalho realiza-se a partir do germe significante da glande
exactamente como a galinha a partir do ovo; mas como é que
isso acontece?
Surgem sempre, como já vimos, novos esboços de órgãos,
que se completam exclusivamente por si. Em cada um desses
esboços, encontra-se um germe de significado que, do material
que lhe é dado, faz que se desenvolva completamente o órgão
definitivo. Se o privarmos duma parte do material de construção,
o órgão estruturar-se-á, porventura, em todos os seus pormenores
mas apresentará menores proporções que os órgãos ·normais.
Braus (1) mostrou que a cabeça do úmero deixa de se ajustar
à cavidade cotilóide, se esta, por falta de material de construção,
não atinge o tamanho normal.
(I) Hermann Braus (1868-1924,), naturalista e médico, professor da Universidade
de Heidelberg, um dos fundadores da mecânica da evolução, autor duma anatomia
muito considerada. (N. da ed. alemã)
176
E Spemann, como já vimos, demonstrou que um enxerto
de outra espécie animal toma, sim, o germe de significado
correspondente à posição no corpo que o recebe, mas desenvolverá um órgão inteiramente diferente, que talvez possa ter utilização no animal de que provém mas não no que o recebe, pois
os dois animais executam a mesma função de maneira totalmente
diversa. Em.ambos os casos, o germe de significado era «ingestão
de alimentos»; a rã, todavia, tem um tipo de alimentação diferente do do tritão.
Do mesmo modo, dois quadros que representem uma ma dona,
se são obra de dois pintores diferentes, terão, é certo, o mesmo
germe de significado mas serão diferentes um do outro.
Logo que. os órgãos tenham concorrido no sentido duma
função colectiva do corpo, deixarão de surgir formações defeituosas por falta de material de construção, como Braus as
identificou. Wessely conseguiu mostrar que, em coelhos novos,
que regeneram o cristalino, em maior ou menor escala, todos os
órgãos que tomam parte na função da visão aumentam ou diminuem na mesma proporção, de modo que, em todos os casos,
aquela continua a exercer-se, sem ser perturbada. Também aqui;
é o significado que dirige a regeneração. Que na verdade assim é,
conclui-se flagrantemente duma experiência de Nissl (1). O crânio
dos marrúferos tem, sem dúvida nenhuma, o significado. de
«sólida protecção do cérebro» que debaixo dele se abriga. O crânio
também em breve se regenera nos coelhos novos, desde que o cérebro não tenha sido atingido. Se, pelo contrário, uma operação
extrair metade do cérebro, o crânio que a cobria já não se regenerará em virtude de ter perdido o seu significado. Neste caso,
verifica-se apenas uma simples cicatrização.
Como se vê, o significado intervém sempre· como factor natural
decisivo, sob aspectos sempre novos e surpreendentes.
Se passarmos em revista, mentalmente, os mundos-próprios;
encontraremos nos jardins, que circundam as casas «corpóreas
dos sujeitos, as mais maravilhosas estruturas, que se comportam
como objectos significantes e cuja interpretação oferece, muitas
vezes, grandes dificuldades. Tem-se então a impressão de que os
objectos significantes apresentam aspectos misteriosos, símbolos,
que só pelos indivíduos da mesma espécie são apreendidos,
(I)
Franz
Nissl (1860.1919), psiquiatra.
Estudou
as modificações
patológicas,
particularmente das células ganglionares. (N. da ed, alemã)
12 - A. H.
177
/
ficando absolutamente indiscerníveis para os componentes de
outras espécies.
O contorno do mexilhão dos tanques e as correntes de água
por ele produzidas oferecem à carpa pequena o símbolo da amizade.
A diferença de gosto do vértice e do pecíolo das folhas passa a ser
o símbolo de forma para a mínhoca.
O mesmo som torna-se símbolo de familiaridade para o
morcego e símbolo de perigo para a borboleta nocturna e assim
por diante, indefinidamente.
Se em face do enorme número de exemplos, acabamos por nos
Íconvencer
de que, fundamentalmente, cada mundo-próprio está
preenchido apenas por símbolos de significado, impõe-se-nos
um. segundo facto ainda mais surpreendente: cada símbolo de
significado relativo a um sujeito é, ao mesmo tempo, motivo de
significado para a configuração corpórea do sujeito. '
L A casa «corpórea» é,· por um lado, criadora dos símbolos
que povoam o jardim e, por outro lado, o produto dos mesmos
símbolos, os quais intervêm como motivos na estrutura da casa.
À janela «visual» da casa deve o sol o seu brilho e a sua configuração nas alturas do céu que é como que abóbada do jardim.
Mas ele é também a causa deterrninante ' na estruturação dessa
janela.
Isto que se passa com os animais, passa-se igualmente com o
homem e só pode resultar de o factor natural que se manifesta
em ambos os casos ser o mesmo.
Admitamos que, por qualquer fenómeno da Natureza, tinham
morrido todas as borboletas nocturnas e que nos incumbiam da
missão de preencher esta lacuna no «teclado» da vida. Como procederíamos em tal emergência?
Tomaríamos, possivelmente, um lepidóptero diurno e habituá-lo-íamos às flores que abrem à noite, pelo que teríamos de
dar à constituição das antenas maior importância que à constitj.iição dos olhos.
Como, porém, as novas borboletas nocturnas ficariam à mercê
dos morcegos, de voo tão rápido, ter-se-ia de criar, 'para este
inimígo, um sinal de reconhecimento que permitisse à maioria
das borboletas escaparem-se a tempo.
Como símbolo de perigo, de inimígo, o melhor seria utilizar
o pio do morcego, que o próprio morcego usa sempre como
símbolo de familiaridade. Para poder captar o pio do morcego,
a borboleta teria de ser reconstruída e dotada dum órgão auditivo
178
que a pusesse em comunicação com o símbolo do perigo. Isto quer
dizer que o símbolo intervém como causa de terminante no plano
de construção.
Se na borboleta nocturna não houvesse qualquer coisa de morcego,
A sua vida pouco duraria.
Podemos muito bem pensar que a carraça apareceu para
preencher uma lacuna no «teclado» da Natureza. Neste caso,
o objecto significante, constituído pelas propriedades gerais dos
mamíferos, seria, ao mesmo tempo; símbolo para a vítima e causa
determinante no plano estrutural da carraça.
Para terminar, procuremos agora observar, de fora, a nossa
própria casa corpórea, com o seu jardim, Sabemos já que o nosso
sol, o nosso céu, juntamente com o jardim cheio de plantas,
animais e pessoas, são apenas símbolos duma composição natural
que tudo abrange e tudo ordena, segundo a categoria e o significado.
r-- Com esta noção, nós adquirimos também o conhecimento dos
limites do nosso mundo. Podemos, com efeito, aproximar-nos
de todas as coisas ou penetrar nelas, com auxílio de aparelhos
cada vez mais perfeitos, mas nem por isso passamos a ter algum
novo órgão sensorial e, por muito que desdobremos as propriedades
das coisas nos seus últimos elementos-em átomos, em electrõesl~~as nunca deixarão de ser simples notas particulares dos nossos
Entidos e das nossas representações.
Sabemos que 'este Sol, este Céu e esta Terra 'desaparecerão
com àiiõSsã morte; continuarão, porém,-; eristir--;-em formas
-semeIliantes, nos mundos-próprios das gerações futuras.
Não-existem só asmultiplicídades de espaço e tempo, em que
coisas podem alargar-se; existe também a multiplicidade dos
mundos-próprios, em que as coisas subsistem sob formas sempre
novas.
. Nesta,' terceira multiplicidade,
todos os mundos-próprios
oferecem o «teclado» em que a Natureza executa a sua supertemporal e super-espacial sinfonia de significados.
A nós, durante toda' a nossa vida, cabe-nos a missão de; com
o nosso mundo-próprio, constituir uma tecla, no gigantesco
teclado que mão invisível percorre.
--
~----
G
179
INTRODUçko
À
EDIÇÃO
ORIGINAL
Epígrafe: Uns-os materialistas-tudo arrastam do céu
e do mundo do invisível para a terra, como se quisessem
apertar nas mãos fechadas rochedos e carvalhos. Depois
pegam em tudo e sustentam a todo o. transe que só existo
o que é palpâoel e inteligível. Tomam a existência material
como a única existência e olham com desdém para os outros,
os que, além do material admitem ainda outro domínio do
ser, e não querem dar ouvidos a qualquer opinião diferente
da sua, seja ela qual for.
(PLATÃO, Sofistas. Traduzido para alemão por
Karl Kindt, Platão, Antologia. Karl Rauch Verlag)
Max Hartmann (1) é, sem dúvida um investigador eminente,
que goza merecidamente de grande reputação. Por esse motivo
não deve ignorar-se, de ânimo leve, um reparo que dele venha.
Ora Hartmann, num escrito muito divulgado, acusou-me de
induzir o público em erro. Se eu o entendo bem, a. sua censura
resulta de eu, com a teoria da obediência da Natureza a um plano,
ter despertado esperanças vãs em círculos de leigos.
Esta acusação de eu ter induzido 'em erro já uma vez me fora
feita, embora noutras circunstâncias.
Na ilha de Íschia, onde passei uns belos dias de primavera,
. encontrei um velho conhecido que me pediu indicações sobre
o caminho. Dei-lhe a informação de que no ponto onde havia
uma .roseira em flor, devia voltar à esquerda. Mais tarde, encontrámo-nos, por acaso, junto da mesma roseira e o meu conhecido
recriminou-me por' tê-Io enganado, visto que a roseira não tinha
rosas nenhumas. Daí se concluiu que sofria da. cegueira das cores
e não podia distinguir as rosas vermelhas que sobressaíam de entre
a verdura das folhas.
A censura que Hartmann me dirigiu parece-me assentar numa
deficiência constitucional semelhante à do meu conhecido de
Ischia. Este era cego para as cores, Hartmann é cego para o
significado. Ele .contempla a face da Natureza como o químico
contempla a Madona Sistina. Vê as cores, sim, mas não vê o
quadro. O químico pode, sem dúvida, ir muito longe na análise
(I)
das cores mas isso nada tem que ver com o quadro. Apesar de
ser citologista distinto e químico, os seus trabalhos nada têm
que ver com a biologia considerada doutrina da vida. Só é biologista quem investiga o plano a que obedecem os fenómenos vitais.
Perdeu-se quase por completo esta concepção da biologia e,
principalmente. a obediência das relações dos significados à lei é
«terra incognita» para a maioria dos investigadores.
Vejo-me, assim, obrigado a começar com os exemplos mais
simples, para oferecer ao leitor apenas uma ideia ele o que se
entende por significado e, finalmente, para mostrar que tudo que é
vivo só pode ser compreendido se lhe tivermos descoberto o
significado.
Devo principalmente observar que é erro: primeiro, encarregar
u~ químico, em vez de um historiador de arte, de criticar um
quadro; segundo, confiar a apreciação de uma sinfonia a um físico,
em vez de a confiar a um músico; terceiro, em vez de chamar um
biologista, conceder a um mecanista o direito de apreciar a realidade dos comportamentos de todos os organismos, apenas na
medida em que elas obedecem à lei da conservação da energia,
Os comportamentos não são simples movimentos ou tropismos:
consistem em apercebere actuar e são regulados não apenas mecânicamente mas também segundo o significado.
Esta concepção contraria, evidentemente, a «lei da economia
mental» com que os mecanistas tornaram tão fácil a investigação.
Mas ladear problemas não é resolvê-Ios .
Se considerarmos os progressos realizados durante as últimas
décadas da investigação ela vida, na medida em que eles obedecem
à senha do beaviorismo e dos reflexos condicionados, bem podemos
dizer que o experimentar se tornou cada vez mais complicado ao
passo que o pensar se tornou cada vez mais simplista e mais fácil.
O pensar fácil actua como doença contagiosa e afoga todas as
iniciativas duma concepção .autónoma do mundo, no grande
público: «Deus é espírito e espírito é nada» diz a sabedoria barata
com que hoje em dia o homem simplistá se dá por satisfeito.
Esta sabedoria é de tão baixo preço que bem lhe podemos
chamar pura ignorância.
Eu pergunto a Max Hartmann, se é este o objectivo a que ele
pretende conduzir o público.
J. von Uexküll
Zoólogo e filósofo. Director, desde 1914, do Instituto Max Planck de Biologia.
180
.181
1I
E X P L A N A çà O
v zcs até aos campos da anatomia
E N C I CL O P É D I GA
e da fisiologia
sm primeiro lugar devem citar-se Hipócrates
dOI
I111 11111 ~,
(século v
E
«BIOLOGIA
DOUTRINA
DO MUNDO - PRÓPRIO»
(I.)
11.
mais tarde Galeno (130-200 d. C.), cujos escritos foram
I
tOllllldOlI
m consideração ainda para aquém da Idade Média.
Com 0 fim da Antiguidade a Biologia entrou em decadência.
No princípio da Idade Média o saber ocidental toma de novo
Jacob von Uexküll foi o próprio a afirmar um dia, que a tradução do termo «Biologia» por «Lebenslehre»
ontacto com os escritos dos autores clássicos gregos, por inter-
(ciência da vida)
pode induzir em erro, se se tomar esta última expressão na acepção
médio dos Árabes (Avicenna, 980-1037
de «conhecimento da essência da vida». Disse ele: «A vida é um
passando aqueles a constituir
fenómeno irredutível,
universidades.
como o peso. Nada sabemos do que venha
a ser o peso mas apenas alguma coisa a respeito do peso dos corpos.
e Averroes, 1126-1198),
matéria
A ciência então dominante,
de 'estudo nas escolas e
a Escolástica, limitava-se,
aliás;
'Também nada sabemos do que venha a ser a vida mas apenas
à reprodução e ao comentário dos escritos transmitidos, ordenados
alguma coisa a respeito dos seres vivos, A ciência dos seres vivos
num sistema de ideias de acordo com as doutrinas
é uma pura ciência natural e tem um único objectivo: o estudo
dominantes. Tomás de Aquino é um dos escolásticos mais repre-
da organização do corpo dos seres vivos, da sua origem e do seu
sentativos (1225-1274)
funcionamento»,
morte, c~mo fenómenos irredutíveis, passaram a ser para o homem
Deve citar-se ainda, como um dos mais notáveis representantes
da sua época, Alberto Magnus (c.a I'I93-1280), que, como o seu
os acontecimentos
discípulo Tomás de Aquino, pertencia à ordem dos Dominicanos.
1
Com o despertar
de máxima
do espírito humano,
importância
vida c
nas suas relações
As Universidades,
com a natureza. Por isso a biologia deve também ser considerada,
nas suas origens, como a primeira
para chegar a adquirir
tentativa
um conhecimento
crição dos seres vi:"os e a sua anatomia
culturas pré-cristãs
feita pelo homem
da natureza.
A des-
aparece já nas elevadas
dos Babilónios, Egípcios e Chineses. Os pri-
buiram
para
religiosas
e comentou os ensinamentos de Aristóteles.
fundadas
uma expansão
a partir
do século XII, contri-
e intensificação
do conhecimento
dos animais e das plantas. As novas descobertas no campo da
Astronomia,
da Matemática
consequências,
tanto
e da Física, tiveram
de método
como
desenvolvimento
Grécia
teocêntrica do mundo foi orientada num sentido físico-matemático,
teles (384-322
Um dos seus mais notáveis cultores foi Aristóa. C.), discípulo de Platão
Alexandre o Grande.
e futuro mestre de
Aristóteles fundou uma escola própria
e
em que forças cientificamente
exactas;
importantes
no posterior
mórdios de uma Zoologia científica surgem pela primeira vez na
antiga.
das ciências naturais
teóricas,
determináveis
passa no macrocosmos. Mas também
a representação
regulam
o que se
nos aspectos relativos ao
é cONsid~rado o pai da Ciência 'Natural. A par dele deve citar-se
microcosmos se iniciou análoga
transformação,
COm0,priméire
em virtude dos aperfeiçoameneos
dos métod~s ópticos de inves-
enciclopedista nesse campo, Plínio (23-79 d. C.),
sem se ter notabilizado como investigador, compilou as descrições
tornada
tigação e pela invenção do microscópio e sua aplicação aos estudos
feitás por outros, na sua Naturalís Historia em trinta e sete volumes.
biológicos. As descobertas de Malpighi, Swammerdame
Os seus escritos e os de Aristóteles exerceram até ao século XVl,1I
hoek, nos séculos XVII e XVIII, marcam
decidida influência sobre as descrições da natureza. As investiga-
época. A interpretação
ções, de' médicos notáveis da antiguidade
nos aspectos imediatos, sem intervenção
182
alargaram-se
muitas
viável
Q
Loewen-
início de uma' nova
da natureza começara por se fundamentar
de instrumentos
auxi-
,183
liares.
o mundo,
tal como os sentidos,dele tomavam conhecimento,
e a.sua representação eramidênticos,
Darwin (180g-1882),0
À visão, agora enorrnemenu
reforçada pelos meios auxiliares que a física punha
ao serviço
da ciência, revelava-se agora um, mundo novo, micro e -macro-
r ditariedade
dos caracteres adquiridos como da variabilidade
espécies, a origem da diferenciação destas. O princípio em
cebida. Isto não quer de modo nenhum significar que se pudessem
se baseia a hipótese de Darwin é o aparecimento
ocasional
variações de diferente natureza nos seres vivos, variações que
H
seres vivos a processos físicos e químicos. Contudo, já no século' XVJl
O
.se revelou a tendência para interpretar
riações era atribuído
os processos da vida em
na selecção natural,
através da luta pela existência deveria ser a causa tanto da
-ffsico que constituía uma nova realidade, a par da até aí ap r·
muito simplesmente reduzir todos os fenérnenos manifestados n
mais notável defensor do Eoolucionismo
tempos modernos, viu principalmente
depois submetidas
à selecção.natural.
O aparecimento dessas
a factores de natureza causal; pelo con-
termos exclusivamente físico-químicos. Tal concepção revela-se
ário, a evolução propriamente
também na filosofia desse século, principalmente
I, de sorte que é o acaso que desencadeia a selecção natural,
em René Des-
dita não obedeceria a nenhuma
cartes (15g6-1650), cuja explioação mecanista dos processos qu
terminando
se passam nos seres vivos influiu nitidamente
eias .de Darwin exerceu forte influência: sobre a sistemática, a
tempo.
A orientação
lhada no século
de um
XVIII
da explicação
nos estudos do seu
muito
largamente
espa-
comparada
e as tentativas de considerar os seres vivos
modo puramente
tendência. Simultâneamente
mecanista
são características
desta
estabelece-se nessa época uma espe-
cialização cada vez maior da biologia, que dificultou cada vez
mais uma visão de conjunto. Carl von Linné (1707- 1778) estabelece no seu System der Natur uma ordenação de alto significado
assim o formação de espécies novas. O curso das
que se buscaram
e o estudo da hereditariedade,
disciplinas
provas .em favor da teoria da evolução.
esencadeou-se, então, uma batalha pró e contra o darwinismo,
atalha que-ainda
hoje duravUm.dos
mais ardentes adeptos da
oria foi o zoologista Ernest Hae€kel(1834-1919),
o .qual, no
que se refere às suas consequências, foi .muito mais longe doque
arwin, e que no seu trabalho capital Die Weltrãtsel
(Os .enigrnas
e fundamental no reino animal e vegetal, pelo que é considerado
do
o pai da sistemática moderna. Buffon (1707-1788), ao contrário
particulas elementares dotadas de vida .. As consideráveis conse-
de Linné, considera que os problemas dos estudos da natureza
quências que Haeckel- e os seus adeptos deduziram da teoria de
consistem antes numa vasta caracterização
descritiva dos seus
aspectos, como se conclui da sua enciclopédia, a Histoire Naiurelle.
U niverso) procurou 'explicar a origem do mundo a partir- de
Darwin encontraram,
em parte, urna acerada critica. Ao número
destes críticos de Darwirr pertenceu, entre outros, August Weiss-
No século XVHl, a par de uma biologia nnais sistemática, comparada
mann
e descritiva, desenvolve-se urna série de especulações sobre a origem
caracteres adquiridos' e em seu lugar propôs uma teoria própria,
(1834-1914), que rejeitou a teoria da hereditariedade
das espécies, que exerceram sobre a orientação dos estudos bio-
chamada teoria do plasma
lógicos
o aparecimento
uma influência
muito importante.
Cuvier (1769-1832),
germinativo,
dos
com que procurou explicar
de novos caracteres. Nem esta nem .a teoria das
um dos mais notáveis zoologistas do seu tempo e um dos criadores
mutações,
da anatomia
brusco e constante de espécies novas, puderam explicar a evolução
bilidade
chamado
comparada,
defende o ponto de vista da invaria-
das espécies. Foram
evolucionismo,
seus antagonistas
Lamarck
os adeptos do
(1744-182g) e St. Hilaire
(1772- 1884), que se podem' considerar precursores de Darwin.
184
formulada
mais· tarde' e que' admite -o aparecimento
das espécies, a sua multiplicidade e a sua integração numvplano
natural, pois que, em organismos emIuta
tunidadec
de concorrência; opor-
plano ordenado constituem o pressuposto da viabilí-
185
1"1
I
dade
e, deste modo, de estarem em condições de tomarem parte
matemática
tudo,
ab initio, é intel1.pretado por um princípio geral de massa, número
e lei, em biologia a interpretação
Johannes
Du Bois-Reymond
numa luta pela existência e numa selecção.
Ao passo que na física, na. química ena
fundadores,
dos aspectos da vida foi-se tor-
MüIler
(1801-1858).
Os seus discípulos,
(1818-1896) e Helmhollz
(1821-1894), foram,
pelo contrário, adeptos da explicação mecano-física.
Já nessa altura se revelava na fisiologia dos sentidos a tendência não só para explicar os processos vitais e de desenvolvi-
nando, com o decorrer do tempo, cada vez mais difícil. Desde que
mento, mas também o comportamento
se descobriu a célula e os elementos que a constituiam, o interesse
recorrendo à influência das forças químicas e físicas do ambiente
especial dos biologistas fixou-se no seu estudo. Da citologia, ou estudo
dos organismos.
da célula, derivou um grande número de campos de investigação,
que as energias que afectavam
cujo fim comum era o conheoimento
em acção. As designações «positiva» e «negativa»
estrutura.
Procurou-se
da sua função e da sua
O
animal
era
dos animais e das plantas,
concebido como um mecanismo
os órgãos dos sentidos
punham
estabelecidas
para as diferentes formas de energia, como luz, gravidade,
decompor
o que se passa na célula, e também
deviam explicar o comportamento
perante
etc.,
os estímulos do am-
o que se passa na totalidade do organismo, em processos cada vez
biente, como mais tarde se julgou consequente
mais simples. Para isso recorreu-se aos mais modernos métodos
pismos de Jacques Loeb (1859-1924). Como essa teoria não fosse
da
suficiente para explicar o comportamento
técnica
de determinações
quantitativas
químicas
e físicas
(métodos bioquímicos, emprego dos isótopos na pesquisa do modo
teriormente
como as substâncias
von Kühn
se transformam
electrofisiológica, etc.). Recorrendo
nos organismos,
técnica
aos raios X e a requintados
completada
e ampliada
resultante
dos animais, foi pos-
por outros, por exemplo,·
(n. 1885), que interpretava
como essencialmente
na teoria dos tro-
o comportamento
animal
de actos reflexos. O fisiologista
métodos ópticos, e ao microscópio electrónico, estudou-se a estru-
russo Pawlow (.1894-1936), desenvolveu de uma forma pronun-
tura fina da célula, e atingiu-se o nível macromolecular, progresso
ciadamente
não desprovido de perigo pois que ameaça fazer da biologia uma
reflexos-condicionados.
química e uma física aplicadas, e esgotar energias na formulação
uma solução para
dos seus problemas.
mente me canis tas, no seu beaúiorismo, em que elevou à categoria
O problema
da inquirição
das eausas em
mecanista uma concepção semelhante no âmbito dos
Watson
(n. 1878), pretendeu
as dificuldades
biologia não pode, porém, ser a redução dos processos vitais a
de princípio
processos físico-químicos. Estes só nos podem fornecer o conheci-
animal. Os pontos de vista intuitivos defendidos mais tarde por
mento dos elementos cuja ordenação e mútua dependência
Jacob
deter-
minam ·apenas o que há de específico nos processos vitais. Quando
fundamental
von Uexküll
consideração
a pura
encontrar
destas explicações unilateral-
passam
a situação
descrição do comportamento
se se toma
em
em que a biologia se encontrava
a compreender-se
no
se pro,cura reduzir o sistema altamente complicado dos fenómenos
dobrar do século. O darwinismo perdia-se em largas especulações,
biológicos a acontecimentos
enquanto
causais, fica, no fim, sempre alguma
a
fisiologia,' dominada
pelos mecanistas,
se afun-
das transformações
da subs-
coisa não analisável. Foi isso que se deu com as funções específicas
dava cada vez mais nos problemas
da célula, assim como com os fenómenos morfológicos e de desen-
tância e da energia. Jacob von Uexküll sentiu-se particularmente
volvimento, e ainda com as correlações mútuas dos seres vivos.
atraído por Johannes
Que outro tanto. se passou na fisiologia, que trata das correlações dos órgãos no corpo, afirmou-o claramente
186
um dos s<,;!1S
Müller (1801-1858) e Karl Ernst von Baer
(1792-1786), cujas ideias tinham afinidades com as suas próprias.
Karl
E. von Baer fundando-se nos seus estudos de' embriologia
187
.,J
chegara
a
conclusões diferentes das de Darwin. Admitia uma dife-
renciação gradual no reino animal, que, porém, devia ter-se dado
exemplos sempre novos, fez entrar esta interpretação ejustificou-a.
Pela natureza
da sua atitude teórica e metodológica, o estudo do
apenas em alguns tipos, não segundo uma ininterrompida cadeia
mundo-próprio abrange não só o campo da fisiologia dos nervos e
de evolução.
dos sentidos mas também a psicologia animal e o estudo de compor-
Jacob von Uexküll opôs à concepção da época, que considerava os seres vivos como máquinas com reflexos, uma nova teoria.
Partindo da afirmação de Kant, que tempo e espaço são conceitos
su,bj;;;ivos, chegou à convic~de
seu próprio esp;'Ç'o su~~
q"ue~da
eo se~~róprio
tamento. Deve por isso acrescentar-se ainda em que relação está
exactamente o estudo do mundo-próprio
capítulos da biologia.
Uexküll,
ser vivo possui o
com
estes
últimos
Beer e Bethe tomaram, no dobrar do século, posição
contra uma psicologia animal que confere aos animais sentimentos
tempo s~bj=vo.
Partindo desta ideia, o comportamento dos animais pode expli-
humanos e emprega expressões como «uma formiga desesperada»
car-se não pelas acções físicas e químicas acidentais exerci das
e «um cão acobardado»,
pelo mundo exterior, mas apenas pelos fenómenos que se passam
ainda não constituia uma ciência independente, e eram relativa-
no seu mundo-próprio,
mente poucas as observações experimentais.
subjectivo. Este só pode ser formado por
os fenómenos que o animal pode «aperceber»
a partir dos seus
I
Por essa altura
ai psicologia animal
Entretanto, no intervalo de alguns anos estas passaram a cons-
órgãos dos sentidos, que possuem qualquer significado específico
tituir
para -a sua vida e que são ordenados segundo as escalas do seu
colocaram a psicologia animal perante circunstâncias diferentes ,
uma
massa inaudita
de dados. As novas investigações
espaço e do seu tempo subjectivos. Segundo UexküIl a tarefa
com o que sé demonstrou que os conceitos usados pelos teóricos
da biologia deve, por isso" consistir antes de tudo na exploração
dos_tropismos.e os fisiologistas dos reflexos, assim como as interpre-
dos mundos-próprios subjectivos dos seres vivos. A doutrina do mundo-
taçoes mecamstas do princípio' da economia de pensamento eram
-próprio, por ele proposta, é a mais vasta de todas as concepções
Ínsatisfatórias na explicação
até aqui apresentadas sobre o animal e as suas funções, porque,
Chegou-se ao estabeleeimento de uma série de orientações e de
do comportamento· dos animais.
baseando-se na ideia da conformidade com um plano, procura con-
es~ol~s, que, fundando-se em diferentes postulados teóricos' prosse-
siderar o animal como sujeito, e apresentar este correlacionado com
gU1a~ na busca do seu objectivo, como, por exemplo, as que
o seu mundo-próprio. Esta teoria serve para explicar os processos
admitiam no primeiro plano das suas considerações o problema
biológicos no quadro de um acontecer totalmente biológico,
da '~(totalidad~», o qual também
e,
por isso, veio a ser a doutrina do «significado». Jacob von Uexküll
desempenha
um papel pri-
~acIaI ~a pSicologia geral. O princípio da totalidade já fora
tem muitas vezes chamado aos seus antagonistas, cegos-ao-signi-
Introduzido
ficado, porque se comportam perante a natureza
fundamental foi, além disso, mais tarde elaborada em diferentes
direcções por Alverdes, Jordan, Haldane e Kôhler ..
como alguém
que num livro estudasse a forma do tipo em que está impresso
e a tinta usada em vez de procurar compreender o que ele quer
por Driesch nos conceitos biológicos. A sua ideia
O moderno estudo do comportamento
abriu ,um novo caminho
significar. A natureza é para ele uma peça teatral em que cada
metodológico para estes problemas; e primeiro que tudo forneceu
um dos actores tem o seu papel e em que tudo está mutuamente
valiosos pontos de vista relativos à natureza do instinto nos animais.
ligado C0m -vista a um resultado rico de sentido e de significado.
Os instintos dos animais sempre tinham despertado o interesse dos
A peça prescreveu, os personagens obedecem. Em varjantes e
zoologistas. Os estudos de Wasmann (1859-1931)
188
e Fabre (1823189
-1915)
Ja
haviam
mostrado
quão
multiar:ticuladamente
são
construídos os 'instintos dos insectos. As investigações sobre factores
ambientais levaram também ao conhecimento de grande número
de factos importantes,
como, entre outras, os estudos feitos sobre
a vida das abelhas, devidas a Frischs. Actualmente estão em curso
sobre o comportamento
dos vertebrados
e os seus instintos, o processo de aprendizagem,
estudos pormenorizados
o adestramento,
a orientação, etc., com resultados que demonstram
peran'te o meio ambiente.
O actual estudo do comportamento situa-se
n~ lin~a
os métodos de trabalho
divisória
entre
seguidos em
~slOlogla e aqueles que procuram a consolidação de uma forma de
~nvestigação independente,
e com isso se esforçam com o mesmo
Il1teresse por evitar os perigos da redução de tudo ao ponto de vista
humano
do antropocentrismo,
e os perigos igualmente
uma singular
obediência a leis e uma variedade até aqui não igualada, como
Dr. Georg Kriszat, Estocolmo
se conclui dos trabalhos de Tinbergen, Lorenz, Hediger e Portmann.
Deve-se principalmente
a Konrad Lorenz e Nikolaus Tinbergen,
o terem compreendido. o estudo dos estímulos necessários para
o desencadear
do comportamento
pormenorizadamente
comunitária
instintivo,
o papel do instinto
e terem analisado
no quadro
da vida
dos animais, em especial por meio dos seus estudos
sobre o comportamento
social e individual
das aves umas em
relação às outras. Mostram eles que os comportamentos instintivos
são tão específicos para cada espécie animal, como a sua estrutura
física, e que entre espécies semelhantes se manifesta certa afinidade
de instintos. Só agora se revela em toda a sua extensão a obra
de pioneiro realizada por Jacob von Uexküll,
não só no campo
da biologia geral .como no caso especial ,da psicologia animal,
em que estabeleceu os alicerces' teóricos e práticos de uma ciência
que actualmente,
do comportamento,
com o material de factos carreados pelo estudo
adquire
novos
elementos
O -rnoderno
estudo do comportamento
do mundo-próprio
numerosos estímulos e
para. à sua estruturação.
foi buscar à doutriná
constantemente
conceitos práticos' e -teóricos.
A importância
acentuada
dos métodos de investigação
fisiológica, já
por Uexküll, conduziu, em 'vários sentidos, as investi-
gações 'sobre' o comportamento
a insistirem
nos aspectos fisioló-
gicos, o que, de facto; fornece dados de grande valor, mas resultou
do problema
central do estudo do comportamento. Este é, e continua
a ser o papel
<1'0
animal
como sujeito
grandes
da redução do animal à categoria de um complicado mecanismo.
que se «comporta»
1f'lO
191
apresentada nos seus fundamentos no seu livro Umwelt und Innenwelt
A.CERCA
DO
AUTOR
der Tiere, foi desenvolvida numa série de trabalhos concludentes.
Nos Bausteinen zu einer biologischen Welt (Fundamentos
para um
Mundo Biológico) e nas Biologischen Briefen an eine Dame (Cartas
]acob von Uexküll" nasceu na herdade de Keblas, na .Estónia,
8 de Setembro de 1864. Depois de frequentar
sobre Biologia a uma Senhora) expõem-se as suas ideias essenciais,
o liceu em
em
id d
Coburgo e, depois, em Reval, estudou zoologia na Universi a ~e
que tem na sua obra capital Theoretische Biologie (Biologia Teórica)
de Dorpat e aí terminou os seus estudos fazendo as provas entao
Doutor
habituais.
No instituto
do conhecido
fisiologista Kühne,
em
a formulação definitiva. Em 1907 recebeu a honra do grau de
delberg.
em Medicina
Mas
honoris causa pela Universidade
continuou
a ser-lhe
negado
de Hei-
o reconhecimento
Heideiberg, começou a trabalhar no estudo do aparelho loc~~otor
oficial de qualquer instância superior, sob a forma de uma cátedra
dos animais. Desenvolveu então noções novas sobre a actividadc
de professor. Se, por um lado, não lhe foi possível ascender ao
nos
d o músculo e o fluxo do estímulo no sistema nervoso. Apoiado
.
seus estudos, erigiu uma nova fisiologia comparada dos inverte-
professorado,
anularam
brados. Esta fisiologia biológica de novo tipo simultâneamente
dedicação de trabalhador
apresentava
meios de fortuna. Só em 1926 foi criado para ele um lugar de
o animal como um organismo ligado segundo um
plano ao seu mundo-próprio
e lançava os alicerces para o estu~o-
I.
as consequências
da
Primeira
Guerra
Mundial
a possibilidade de fazer progredir a ciência com a sua
professor honorário
privado, em virtude da perda dos seus
na Universidade
de Hamburgo,
onde, em
_do_mundo-próprio, mais tarde por ele e1aborado com ~s c~nceltos
condições extraordinàriamente
de Plano, Ciclo-de-Função
jür Umweliforschung (Instituto para o Estudo do Mundo-Próprio).
e Mundo-Próprio.
Os notáveis re.sultados dos seus trabalhos realizados de 1892 a 1909 estão reum~os
err: Leitfaden in das Studium der Experimentellen Biologie
(Guia do Estudo da Biologia Experimental
= ~assertw~e
dos Animais a:u~-
modestas, foi organizado o Institut
Em condições primitivas e com grandes dificuldades, conseguiu
elevar o Instituto
a uma categoria de instituto de investigação
científica digna de nota. A sua forte originalidade e a sua riqueza
ticos) e na obra Umwelt und lnnenwelt der Tiere (Mundo-Pr~.pno
de ideias, e a profusão de problemas científicos que o ocupavam,
e Mundo-Interior
não tardaram
romperam-se
delberg
dos Animais).
Depois da morte de Kuhn.e
os laços que ligavam Uexküll ao ,I~stituto d~ Hel-
e pouco depois, com a Estação Zoologlca de Napoles,
em qu~ t;abalhara
a trabalhar
regularmente
até 1903. Desde então passou
como investigador privado livre e escolheu os se~s
próprios problemas e colaboradores, independentemente
de qual-
a atrair um círculo de discípulos que ele soube
reunir numa comunidade
de trabalhadores
que constituía como
que uma família. Quando o «Instituto para o Estudo do Mundo-Próprio» festejou, em 8 de Setembro de 1934, o septuagésimo
aniversário de] acob von Uexküll, pôde-se fazer um balanço de uma
preparação,
em menos de dez anos, de setenta trabalhos, em um
quer instituto. Em 1909 empreendeu uma viagem ~ai~ longa pel~
terço dos quais von Uexküll aparecia como autor. A Universidade
África, que foi para ele rica de ensinamentos hlst~nco-na~u~als
.
,
q e vtrra.rn
e nele deixou sugestões e vestígios de alta lmportancla
u
de Kiel galardoou-o
a revelar-se nos seus trabalhos posteriores. Outras viagens de estudo
de Utrecht o diploma de honra de Doutor em Ciências Naturais.
o levaram a Nàpoles, a Beaulieu, Berck-sur-Mer, Mónaco, Roskoff
As várias distinções sob a forma do grau de Doutor honorário,
e Biarritz.
, ."
Por essa ocasião, a teoria do mundo-propno,
que recebeu em vida, mostram bem significativa e simbolicamente
ja
por
Uexküll
sofia honoris causa. Alguns anos mais tarde recebeu da Universidade
13 - A.H.
192
nesse dia com o título de Doutor em Filo-
193
LISTA DOSESCRITOS
E LIVROSDE JAKOB UEXKÜLL
o seu valor em três ramos da ciência que serviu, tanto por um
trabalho
individual
notável
como
também
por
uma
visão
cada vez mais precisa do que é significante. Nessa época publicou
Livros
também as suas memórias, das quais se conclui quanto era activo
o intercâmbio espiritual em que intervinha, para além do círculo
dos seus colegas de profissão, e com que profunda penetração ele
compreendia
,
os mundos-próprios
dos seus semelhantes.
Os seus últimos anos passou-Os Jacob von Uexküll com sua
esposa em Capri. Aí concluiu com perfeita frescura de esp.írito
e incansável energia
os seus últimos trabalhos,
uma 'Vez mais fez .uma recapitulação
em que ainda
e revisão da sua obra. Em
25 de Julho de 1944, antes de completar oitenta anos, a morte
arrancou-lhe
a pena
1905
Leitfaden
in das Studium
1909 Umwelt und lnnenwelt
der Tiere, Berlim ; 2.a ed. Berlim
zu
einer
biologischen
Weltanschauung.
Col.
de artigos pub. e pref. por Felix Gross. Munique.
1919. Biologische Briefe an eine Dame,
Março/Junho;
Staates).
Dr. Georg Kriszat, Estocolmo
Biologie
1921.
1913 Bausteine
(Anatomie,
Berlim, separata
Hamburgo,
1920 Theoretische
em Deutsche Rundschau,
em livro: Berlim, 1920.
1920 Staatsbiologie
da mão.
der experimentellen
der Wassertiere. Wiesbaden.
Physiologie,
Pathologie
des
de Deutsche Rundschau ; em livro:
1933.
Biologie. Berlim;
2.a ed. 1928, com índices
de nomes e de assuntos de Friedrich Brock.
1928 Housten Stewart Chamberlain.
1930 Die Lebenslehre.
Natur und Leben. Munique,
Potsdam.
1934 com G. Kriszai, Streifzüge durch die Umwelten
von Tieren
and Menschen. Livro ilustrado de mundos invisíveis. Compilação:
Verstãndliche Wissenschaft. Berlim.
1936 Nie geschaute Welten. Berlim; 2.a ed. Berlim, 1939; 3.a ed.
Berlim e Francfort,
1949.
1940 Der Stein von Werder. Hamburgo.
1940 Bedeutungslehre,
Bios, vol. X. Leipzig.
1942 Der Sinn des Lebens. Reflexões sobre os problemas
Biologia, comunicado
em uma interpretação
da
da prelecção
de Johannes Midler realizada
em Bonn em 1824 «Von der
Bedurfniss
nach
der
Naturbetrachtung»,
Physiologie
com
uma
einer
revista
philosophischen
de
THURE VON
UEXKÜLL;em livro, Godsberg, 1947.
·1944 com THURE VON UEXKÜLL, Die ewige Frage.
Variationen
über einen platonischen
Dialog.
Biologische
Hamburgo.
195
194
1946 Der unsterbliche Geist in der Natur. Discursos. Hamburgo.
1950 Das allmachtige
Leben. Hamburgo.
3· Biologia e Psicologia Animal
Selecção da lista de escritos abrangendo mais de cem trabalhos individuais
19°0 Úber
de Jakob Uexkull
rue
Stellung
der
vergleichenden
Physiologie
zur
Hypothese von de Tierseele. Biol. Zbl. VoI. 20. págs. 497-502.
I.
19°2 Irn Kampf um rue Tierseele. Erg. Physiol. Parte 2. Ano 1
página 24.
'
No campo da fisiologia dos nervos e músculos de 1892-1915
Z. Bio., B. 28, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37; 39, 40, 44, 46, 49,
50, 55, 56, 58, 60, 65·
1926 Pfiügers Archiv, voI. 212.
Deutsch.
Revue.
Stuttgart,
1937 Das Problem des Heimfindens hei Mensehen und Tieren-
1929 Das Gesetz der gedehnten Muskeln. Tratado
de Fisiologia
normal e patológica. V. 9. Pág. 741.
der primâre und sekundãre
wissensch. Fase. 12, pág. 452.
Raum. Zeitschr.
f
ges. Natur-
1938 Tier und Umwelt. Zeitschr f Tierpsychol. VoI. 3, fase.
1933 Pfiügers Archiv, voI. 232.
2.
1912 Die Merkwelten
der Tiere.
Setembro, págs. 349-355.
Para a teoria e definição da Biologia
1899 BEER,TH., BETHE,A. e UEXKÜLLJ. v.: Vorschlãge zu einer
objeetivierenden
Nomenklatur
in der Physiologie des Ner-
vensystems. Zool. Anz. voI. 22. págs. 275-280.
1922 Technische und meehanisehe Biologie. Erg. Physiol. 20.0 ano,
págs. 129-16 I.
1922 Wie sehen wir die Natur
und wie sieht die Natur
sieh
selber? Naturwissenschaften, 10.0 ano, fases. 12-14.
1925 Die Bedeutung
der Planmassigkeit für die
in der Biologie. Archiv für
Fragestellung
Entwicklungsmechanik,
voI. 106,
pág.6.
1927 Definition
des Lebens und
des Organismus.
Fisiologia Normal e Patológica. VoI.
Die Einpassung. Ibd. VoI.
I,
I,
pág.
Tratado de
I.
pág. 693.
1928 Giebt es ein Himmelsgewõlbe? Archivfur Antrop. (2). VoI. 21,
pág. 40.
1935 Vorsehlãge zu einer subjektbezogenen Nomenklatur in der
Biologie. Com F. Brock. Zeitschr.
f
ges. Naturwissensch.
Fases. 1-2.
196
197
2.
íNDICE
DE ASSUNTOS
A
Adaptibilidade perfeita, 16.
Ambiente, 9, 10, 17, 21, 30
(nota), 31 s 40, 47, 60, 82,
97, ro3, 125.
Amiba, 9.
Amiboides (movimentos), 124.
(células), 125, 132,
144, 145, 165.
Anatomia, 176, 183.
comparada, 184 s.
Anatomista, 172.
Anémona-do-mar, portador-de
significado, 72.
Antropocentrismo, 191.
Antropologia, 12, 17.
Apetência, 13.
Arndt (filme de), 124, 125,
127, 164.
Astrónomo, 110, 134.
B
8eaviorismo, 181, 187.
eavioristas, 23, II 2.
iologia, 9 ss, I I s, 17, 31, 181,
182.
experimental, 115.
(missão da), I6s. 159.
24, 25·
c
Caminho aprendido do peixe
lutador, 80, 81.
Caminho imaginário da larva
do gorgulho-da-ervilha, 81 s,
135 s.
Caminho imaginário da larva
do enrolador-de-folhas, 100,
101.
Caminho imaginário das aves
migradoras, roo, 10I.
Caminho inato, 100, 101 s.
Campo defeso, 85.
Canais semicirculares do homem, 34, 35·
Canais semicirculares de um
peixe, 36.
Caracteres (V. sinais característicos).
Carraça, 23 s.
Células de impulso, 26 s.
CicIos-de-função, 7 s, 13 s, 28 s,
54 s, 60, 67, 71, rog, ro8,
121, 126, 146, 192.
Cinema, 31 (nota).
Cinematografia, 50.
Cinestesia, 33.
Citologia, 186.
Companheiro, 87 s.
maternal, 90, 150.
substituto, 89, 90.
Compasso de Weber, 39.
Comportamento instintivo, I'go
Conformidade com um plano,
17 s, 62, 65, 67, 119, 180,
188.
D
aminho aprendido, 77 s, 97,
100.
minho aprendido da gralha,
80.
Dados de orientação, rog,
Darwinismo, 187.
Defeso para as aves, 13, 85.
201
Determinação da constituição
das formas, 127 s.
Disposição, . rr , 13, 15, 72, 96:
Disposição íntima (V. disposição).
'.
_
Doutrina
da composição da
natureza; 145 s.
Doutrina do mundo próprio,
I I, 28, 31, 134, 182, 188 S.
E
Ecólogos, 115, 172.
Efector, 25 (nota)s, 13, 122, 174·
Elemento visual, 41 s, 48.
Electrónico, 186.
Encadeamento causal, 143. .
Energia específica dos sentidos, I I.
. _.
Energia (lei da conservaçao
da), 169, I8r. Energia vital específica, 123,
173·
Enteléquia, 18.
Escolásticos, I 17.
Escolástica, 183.
Espaço-de-acção, 33 s, 45, 7'7,
84, 100.
da
abelha,
37, 38.
da lapa, 37,
38.
Espaços-dos-mundos-próprios,
31 s, i-63. Espaço tactil, 38 s, 42.
Espaço e tempo, 31 s, 52.
Espaço tridimensional, 34, 36.
Espaço visual, 40 s, 42, 48, 77,
100," 120.
Espaço visual da abelha, 38.
da carraça, 40.
Espaço visual de um insecto
voador, 4r.
de um molusco,
44·
da mosca, 44.
Estado interior (V. disposição).
Estímulo, 16, 26, 40, 54, 60,
74 s, 94, 99, 122, 128, 130,
. 140, 173 s.
Esttido do comportamento, 13,
189.
Estudo do mundo-próprio, 32,
. 104, 189, 193· .
Estudo do mundo-próprio (Instituto para o), 22, 193 s.
Evolução (teoria da), 185.
Génese da forma do carvalho,
143·
Germes (formação dos), 134.
H
Habitat, 147 s, 168 s.
Hereditariedade dos caracteres
adquiridos, 185.
Hierarquia
social no mundo
animal, 14 s.
Horizonte, 45 s, 48, 163.
I
,I
F
Falsas núpcias das moscas, 60.
Finalidade, 65, 67, 70.
Filosofia natural, 127.
Física, 134, 183, 186.
Físico-atómico, 112.
Físicos, 33 (nota), 47, 112,
134 (nota), 136.
Fisiologia 8, 24, 26 (nota),
34 (nota), 186 s, 190.
Fisiologia dos nervos, 189.
Fisiologia dos sentidos, 138,
189.
Fisiologista dos sentidos, 112.
Fisiólogos, 20, 24, 34 (nota),
47 (nota) 138, 172. _ •
Forma como sinal-característico 57 s.
!
G
Gástrula,
127 s, 13r.
Imagem-efectora,
7 I S, 9 I,
96, 99·
Imagem-perceptiva,
65, 7 I S,
90, 96, 103, 108.
Imagem-pretendida,
92 s, !O3.
do cão, 92,
95·
do
96.
Indução, 29, 122, 124.
Inimigo-substituto, 9!.
Instinto, 7 I S, 189 s.
Interpretação,
9, 7 I.
sapo,
L
Lar das abelhas, 84.
Lar e pátria, 81 s.
da aranha, 82,
do esgana-gata,
do esgana-gata, 82
das pegas, 84.
Lei da causalidade, 135.
Lei morfogenética, 136, 142.
Lupa-de-tempo, 50, 52.
M
Marca-de-acção
(V. sina!-de-acção) .
Mecanismo, 7 s, 18.
Mecanismo
(construção
de
um), I3I.
(animal como) ,
187.
Mecanista (interpretação
dominante), 7 s, 184_, 188.
Mecanistas, 134, 140.
Mecanização, 124.
Medusa
pelágica
(ciclo de
função de uma), 54.
Metafísica, 134.
Método dos enxertos (Spemann) , 128, 129, 132.
Modelo do átomo, de Bohr, 72.
Momento de tempo, 31 s, 50.
Mosaico de locais, 40 s.
Mosca, 47 s, 133.
Motoras (células), 25.
Movimento como sinal-característico, 57 s.
Mudança de imagem perceptiva, 87, 89.
Mundo-de-acção, 21, 136 s.
da minhoca, 62.
Mundo ambiente, 63, 64.
da carraça,
30 s.
do ouriço-do-mar,58.
da paramécia, 53.
Mundo habitado,
dos seres,
115, -125.
das plantas,
122.
202
203
Mundo-de-percepção,
21, 57,
62, 137.
Mundo-próprio, 9 s, 15, 20 S,
31, 42, 47, 49, 52 s, 60, 63,
65, 72, 74 s, 84, 91, 96, 100,
103, 104, 108, 118 s, 125,
140, r 59 s, 168, 169, 172,
176, 188, 192.
Mundo-próprio da abelha, 63,
64·
Mundo-próprio do cão, 75 s,
79 s, 94, 98.
Mundo-próprio do caracol, 52.
da carraça,
23 s, 27·
do
casa-roubada, 72.
do cego, 79.
€IO estorninho,
Mundo-próprio
107, lO8.
Mundo-próprio
71.
Mundo-próprio
99·
da
da,
formiga,
galinha,
da gralha, 59.
do homem, 32,
76, lO4·
Mundo-próprio
da
medusa
(Rhizostoma), 53, 54·
Mundo-próprio
da minhoca,
60 s.
Mundo-próprio
da mixamiba
do bolor-viscoso, 124.
Mundo-próprio
do ouriço-do-mar, 56 s, 88.
Mundo-próprio da paramécia,
52, 53·
Mundo-próprio
61.
Mundo-próprio
II, 32, 122.
(
204
da vieira, 60,
dos animais, 7,
Mundos-próprios-imaginários,
97 s.
Mutações (teoria elas), 185.
N
Notas-características (V. sinais-característicos ou caracteres).
o
Observador das profundidades
marinhas, I I I.
Organismo
(estruturação
de
um), 131 s.
Órgão-de-acção
(V. órgão de
impulso).
Órgão-de-impulso, 26, 28, 29,
148, 171, 174·
Órgão-de-percepção,
26 s, 29,
32, 57, 93 S, 122, 148, 171,
174·
Órgãos-de-recepção,
139 s.
Ornitologistas, 84.
Percepção de localização, 40.
Percepção de sons, na borboleta nocturna, 65, 6'7.
Percepção do tempo, 50 s.
Plano (organização
segundo
um). (V. conformidade co~
um plano).
Plano morfogenético, 136.
Plano natural, 65 s.
Plasmódios, 124.
Protoplasma, 8 s, 170, 176.
Portador de sinal-de-acção, 27,
120 s.
Portador
de sinal-característico, 27s, 120 s.
Produção de sons pelo morcego, 65.
Psicologia animal, 15, 18'9.
Psicólogo (V. fisiolista dos
órgãos dos sentidos).
Psiquiatrista, 177 (nota).
Q
Química (biologia como), 186.
Químico (mundo-próprio do),
I 12.
R
p
Paleta de percepções dos morcegos,
14I.
das borboletas nocturnas, 14I.
Passadas de orientação, 33 s,
77 s, 84·
Passos de orientação (V. passadas de orientação).
Pátria, como problema do ambiente, 81 s.
Pátria do cão, 85 s.
Pátria do urso, 85.
Rabdoma (V. elemento visual).
Raios X, 186.
Receptores, 24 s, 28, 30, 55,
74, 122.
Redutor de tempo, 50.
Reflexos, 25, 123, 13 I, 187.
da carraça, 56.
condicionado,
181,
187.
Reflexos 2S, 123, 131, 187.
(arco), 25 s, 55, 123.
(fisiologia dos), 189.
Reflexos (indivíduo), 55 s.
(ouriço-do-mar como)
55·
(república de), 55.
Revestimento protector,
12 I,
125 144·
Rota das aves migradoras 100.
s
Selecção natural, 18S.
Sensação do tacto, 40.
Simulação da morte, 59 s.
Significado, 63, 72 s, 115 s.
(correlações
de) ,
63·
(determinismo do) ,
127, 129 s.
Significado (lei do), 136, 142 5,
1465, ISI s, 154 s.
Significado (portador de), 10,
142, 144, I 6) r,.
Significado (receptor de), 146,
148, 155, 168, 170, 173, 174·
Significado
(tolerância
de) ,
IS5 s.
Significado (transmissão de) ,
136.
Significado
(utilização
de),
1255. ISS·
Significado (utilizador de), 119
133, 141 s, 145, 146, 155·
Significante (factor), 123, 12S 5
144 s.
Significan te (Plano), 132, I 35.
(objecto),
IIS s,
122 ~ 130 ~ 141 ~ 145 ~
155, 168, 174, 177·
Sinal-de-acção, 27, 28 S, 52 5,
57, 63, 64·
205
Sinal-de-activação
(V. sinal de
impulso).
Sinal (V: sinal característico).
Sinal de impulso, 27, 29, 94·
Sinal-característico, 10, 27, 28 s
52, 54, 57 s, 60, 63, 67, 7 I,
77 s, 140.'
Sinal-do-local, 40.
Sinal-de-orientação, 33, 78, 81,
84·
Sinal-perceptivo,
27, 30, 32,
39 s, 94, 100, 102, ~,
139·
Sinal táctil, 84.
Sinal-visual, 38, 8 I.
Sistema de coordenadas, 34,
35, 78.
Sistema' nervoso central, 15,
25, 160.
Sons perceptivos, 160.
Sujeito como objecto de investigação biológica, 10, 16.
T
Técnica da natureza, 158 s.
Teia de aranha (interpretação
da), 132.
Tempo e espaço, (conceitos
subjectivos de) 188.
Tempo, criação do sujeito, 50 s.
Teor efector (V. teor de utilização).
Teor efector da carraça, 74 s.
orgânico, 132.
prático, I I.
pretendido, 92 s,
96.
Teor-de-utilização vital, 132.
Teor-de-utilização,
74 s, 96,
108, 161.
Teoria do plasma germínativo,
185.
v
COM P
°
S TOE
NAS OFICINAS
1M P R E S S O.
GRÁFICAS
DE
LIVROS DO BRASIL, LDA.
Vitalismo,
7, 18.
z
Zoologia, 182, 189, 192.
Zoologista (V. zoólogos).
Zoólogo, 20, 90 (nota), 124
(nota),
128 (nota),
149
. (nota), 154 (nota), 184, 185.
Zoopsicologia, 90.
RUAPOS CAETANOS, 22-LISBOA

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