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c dos autores, 1994,1995,1996. c Éd. de l’Association Freudienne, 1995. c Ágalma para a lı́ngua portuguesa, 1997. 1a edição: agosto de 1997 2a edição: maio de 2003 Projeto gráfico da capa e primeiras páginas Homem de Melo & Troia Design Editores Angela B. do Rio Teixeira Marcus do Rio Teixeira Direção desta Coleção Daniele de Brito Wanderley Organização deste volume Daniele de Brito Wanderley Traduções a cargo da organizadora Revisões a cargo dos editores Depósito legal Impresso no Brasil/Printed in Brazil Todos os direitos reservados Rua Agnelo de Brito, 187 Centro Odontomédico Henri Dunant, sala 309 40.170-100 Salvador - Bahia, Brasil Telefax: 0 xx (71) 245-7883 Tel: 0 xx (71) 332-8776 e-mail: [email protected] site: www.agalma.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. P181 Palavras em torno do berço : intervenções precoces bebê e famı́lia / Daniele de Brito Wanderley, org. [e tradução] - Salvador, BA. Ágalma, 1997. - - (De Calças Curtas, 1) Inclui bibliografia ISBN 85-85458-10-0 1. Psicopatologia infantil, 2. Psicanálise infantil. I. Wanderley, Daniele de Brito, 1969-. II. Série. 97-1163 CDD 618.928917 CDU 159.964.2-053.2 SUMÁRIO Apresentação da coleção, 07 Daniele de Brito Wanderley Prefácio ao volume, 15 Daniele de Brito Wanderley Introdução Palavras em torno do berço, 21 Graciela Cabassu Prevenção Poderı́amos pensar numa prevenção da sı́ndrome autı́stica?, 35 Marie Christine Laznik Por que uma prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos?, 52 José R. de A. Correia Uma tentativa de intervenção precoce ou De como introduzir a questão do sujeito no corpo de um hospital universitário, 58 Telma Queiróz, Márcio Allain, Maria do Socorro Amorim, José Roberto Correia, Icléia P. Diniz Pai, mãe, bebê A interação mãe-bebê: primeiros passos, 77 Sı́lvia Ferreira A clı́nica do holding, 89 Florence Benavides e Claude Boukobza Observação terapêutica de um bebê de pais psicóticos, 107 Maria do Carmo Camarotti O lugar do pai e o trabalho psicanalı́tico com bebês ou Três dimensões da exclusão, 119 Cláudia F. Rohenkohl Bebês de risco Prática analı́tica em neonatologia, 129 Catherine Mathelin Em busca do trono perdido, 143 Daniele de Brito Wanderley TÍTULOS ORIGINAIS E LOCAIS DE PUBLICAÇÃO “Paroles autour du berceau”. Inédito, 1996. “Pourrait-on penser à une prévention du syndrome autistique?” In Revue Contraste Enfance et Handicap no 05. Paris: Autismes, 1996. “Por que uma prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos?” In Revista Pediátrica de Pernambuco, Recife, 1994, p. 47-48. “Uma tentativa de intervenção precoce ou De como introduzir a questão do sujeito no corpo de um hospital universitário”. Inédito, 1996. “De l’interaction mère-bébé, au dialogue mère et bébé: le premier pas”. In La Psychanalyse de l’Enfant no 16. Paris: Éd. de l’Association Freudienne, 1995, p. 69-83. “La clinique du holding”. In Une relation precoce et les vicissitudes mères-enfants. St-Denis: Association de Santé Mental et Culture, 1995. “Observação terapêutica de um bebê de pais psicóticos”. Inédito, 1996. “O lugar do pai e o trabalho psicanalı́tico com bebês ou Três dimensões da exclusão”. Inédito, 1996. “Pratique analytique en service de Néonatogie”. In Une relation precoce..., op. cit., pp. 23-35. “Em busca do trono perdido”. Inédito, 1996. APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO Daniele de Brito Wanderley A coleção De Calças Curtas, nome dado por Aurélio Souza ao infante, “o sujeitinho de calças curtas”, surgiu do interesse de algumas pessoas pela abordagem precoce da psicopatologia da criança. Trata-se de uma longa gestação que se iniciou, para mim, com o contato que tive com crianças e adolescentes psicóticos, autistas, portadores de alguma deficiência — de causa conhecida ou não — e do caminhar junto a estas crianças, suas famı́lias e os muitos profissionais envolvidos desde cedo com suas crenças, posturas e motivações tão diversas. Uma certa inquietude, para não dizer uma enorme insatisfação, começava a apontar nessa prática que começou há quase quinze anos. Durante este tempo testemunhei muitos modelos e abordagens. Se as posições téoricas podem ser divergentes, as práticas, mesmo as mais diferentes, têm pontos comuns e é em torno destes pontos que decidimos caminhar. O que se percebe de comum em todas estas pessoas que se dedicam à psicopatologia na infância? Um desejo, é certo, anima a todos. Desejo e esperança. Esperança de que algo se faça, se inscreva, se constitua naquilo que foi, de inı́cio ou em algum momento da vida da criança, posto em dúvida. Um projeto “duvidoso”, onde paradoxalmente não se pode tudo esperar, como num nascimento ordinário, mas sobretudo não 7 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO se pode a tudo renunciar, como se fazia na Antiguidade, quando crianças diferentes eram abandonadas ou mortas. E foi rastreando esse desejo nos profissionais que pude em 1992 ir para Paris, onde encontrei algo que respondia em parte aos meus questionamentos. Eu me perguntava o que acontece antes das crianças chegarem até os profissionais. Dei inı́cio então a uma viagem que continua tão surpreendente e desafiadora quanto no momento em que dei o primeiro passo. Seguindo minhas motivações, iniciei dois cursos de especialização, um em psicopatologia do bebê e outro em psiquiatria infantil. A partir daı́ segui meu interesse sempre vivo pela prática institucional, e mais amplamente pelo que se chama na França de ação médico-psicossocial precoce, com sua complexa rede de atendimentos à primeira infância, exigindo constante reflexão do trabalho realizado. Então, em 1996, surge um convite, feito pela editora Ágalma, para que eu dirigisse a coleção De Calças Curtas, originalmente pensada para se dedicar a temas de puericultura, endereçada aos pais. Nesta ocasião pude colocar minhas restrições, senão meu desinteresse para embarcar neste projeto, por algumas razões: primeiro em função dos seminários, cursos e consultoria que venho ministrando sobre o tema da psicopatologia do bebê em hospitais e creches e o contato freqüente com diferentes profissionais, eles mesmos pais, que na ocasião da discussão dos mais variados temas reportam inevitavelmente suas histórias pessoais e particularmente aquelas ligadas à filiação, maternidade e paternidade. O que se torna evidente nesses seminários é a percepção de que eles não têm caráter terapêutico para esses pais demandantes. Dito de outra forma, não é estudando as dificuldades de sono, alimentação, os problemas digestivos ou respiratórios das crianças pequenas, sua intrı́nseca relação com a interação pais-bebê e os conflitos subjacentes a es8 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO ta dinâmica que alguns destes profissionais-pais poderão se “prevenir” contra tais manifestações nos filhos, numa busca de melhor preparo para a maternidade e paternidade. Em suma, não há curso ou livro, ou mesmo terapeuta, que “ensine” a boa forma de cuidar de um bebê. Neste sentido e apenas neste sentido, a meu ver, a abordagem psicanalı́tica não pode ser vista como preventiva. Entretanto falava com Angela do Rio Teixeira,que me fez o convite, que há muito o que se fazer no campo da atuação dos profissionais. Há demanda, dúvidas e interesse numa leitura psicanalı́tica no que ela pode trazer de reflexão em torno da subjetividade. Muitos de nós estamos interessados em discutir nossas práticas tão isoladas. Surgiu então a idéia de dedicar esta coleção não mais aos pais mas aos profissionais da primeira infância, com um enfoque psicanalı́tico, porém voltado para a interdisciplinaridade e com o objetivo de trilharmos juntos um caminho naquele momento ainda inexistente no Brasil — o campo da intervenção médico-psicossocial precoce. Ou seja, modos de atendimento interdisciplinares aos bebês e crianças pequenas e seus pais em dificuldades e/ou sofrimento, estejam eles com demandas formuladas ou não. Falar em intervenção precoce ou até em prevenção em psicopatologia infantil não é ter a pretensão de “erradicar”, como a medicina erradica uma doença, os sintomas infantis. Esta é uma visão contraditória à psicanalise e à própria realidade subjetiva, desde quando o sintoma faz parte do sujeito. A que se propõe então esta atuação? Falando com Marie Christine Laznik sobre as resistências e dificuldades no campo da intervenção precoce no Brasil e particularmente em Salvador — resistência que se faz sentir 9 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO tanto do lado da medicina quanto da própria psicanálise — e lendo um dos seus textos∗ escrito para pediatras, pude ler seu voto de que a formulação de Winnicott (de que os pediatras pudessem prevenir doenças mentais), fosse concretizada no próximo decênio. Eu dizia a ela o quanto esta palavra “prevenção” podia ser mal ouvida ou mesmo violentamente rejeitada do vocabulário dos psicanalistas; sem falar, é claro, na vı́vida preferência que a comunidade médica e a sociedade como um todo refletem, na sua atuação, pela remediação em detrimento da prevenção∗∗ . Ela respondeu perguntandome como os profissionais poderiam então chamar uma intervenção que, situando-se cedo na vida da criança, possibilitaria a sua constituição subjetiva anteriormente dificultada ou inexistente — como é o caso das crianças com sinais precoces de isolamento autı́stico —, senão de prevenção. Este é então o ponto em torno do qual nos dispomos a trabalhar: Prevenir o quê? Como? Com quem? Aonde? Nossos impasses, limites, contribuições, nossas diferenças e nosso eixo central — o bebê, a criança, o sujeito que não pode mais ser concebido como uma entidade de domı́nio de cada profissional de forma tão isolada, sem que isto comporte riscos quanto à sua subjetivação. A exemplo desta atuação “despedaçada”, e uso esta palavra pensando na noção de vivência de corpo despedaçado na psicose, temos a situação atual dos bebês considerados ∗ O texto acima referido não foi publicado, mas Marie Christine retoma estas idéias no texto “Poderamos pensar numa prevenção da sı́ndrome autı́stica?” que aparece publicado no nosso primeiro volume Palavras em torno do berço. ∗∗ Haja visto o número crescente de projetos comunitários, ações do governo e entidades não governamentais pela questão do menor abandonado, as crianças de rua etc, e a ausência flagrante de uma ação mais precoce em creches, em orfanatos e lugares de acolhimento na faixa de zero a seis anos. 10 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO de risco. Desde a concepção, geralmente difı́cil, os futuros pais são “acompanhados” por médicos que podem quase tudo: fazer ovular, fazer conceber (com ou sem necessidade do ato sexual, como é o caso do bebê de proveta), fazer parir uma criança de outro casal (no caso de útero emprestado ou de aluguel), fazer uma mulher que não pariu amamentar (com uso de medicamentos), etc. No nascimento, as UTIs neonatais estão muito bem equipadas e seus médicos são verdadeiros experts na reanimação. Atualmente salvam crianças no 5o mês de gestação, com até 500 gramas de peso. E, quando há risco ou mesmo seqüelas detectadas, há todo um aparato médico que se encarrega de “consertar o estrago”. Somos todos chamados aı́: neuropediatra em primeiro lugar, oftalmologista, otorrino, gastroenterologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e, quando a coisa está muito “feia” e os médicos não sabem como consertar, chegam os psicólogos e psicanalistas, muitos anos depois desta longa história. Não se trata de fazer uma apologia da anti-medicina ou de tentar dar um passo para trás, para um tempo anterior ao progresso da ciência ou da tecnologia utilizada atualmente; afinal sabemos o quanto ganhamos com tudo isto (e não foi pouco!). Mas como cada profissional pode lidar com questões que não são apenas orgânicas? A exemplo da medicina da procriação, alguns ginecologistas que trabalham com fertilização assistida trazem revelações surpreendentes da sua prática: dando grande importância à complexidade da problemática da reprodução humana e seus avatares e levando em consideração o valor preponderante do desejo inconsciente nesta dinâmica, o Dr. Jean Reboul, estudando sua clientela, pôde afirmar que “em quase 5.000 casos de mulheres inférteis cuja infertilidade era considerada de ordem médica, mais de dois terços destas pacientes engravidaram sem tratamento ou com ajuda de um 11 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO tratamento menor, já utilizado sem efeito”. A Dra. Anne Cabau, também seguindo a mesma ótica de reflexão, diz que “ em mais de 200 mulheres com infertilidade funcional, o ı́ndice de gravidez é sensivelmente o mesmo com ou sem tratamento”1 . Outros profissionais, questionando um certo não-saber ao qual são confrontados pela clı́nica, tentaram levantar fatores de risco a nı́vel psicológico que pudesssem intervir no parto prematuro. Encontraram nestas mulheres acompanhadas um maior ı́ndice de antecedentes de abortos, morte súbita ou prematuridade, assim como problemas de fertilidade. Também eram mais freqüentes dificuldades psicológicas atuais, como conflitos conjugais, rupturas com a famı́lia ou luto e dificuldades psicológicas antigas relativas a lutos e separações2 . Não só o campo da obstetrı́cia se vê atravessado por questionamentos na sua prática cotidiana. Alguns pediatras têm se perguntado sobre aqueles sintomas que revelam um lado emocional evidente: as crises de perda de fôlego, os vômitos psicogênicos, as anorexias infantis, problemas como encoprese e enurese persistentes, asmas e problemas psicossomáticos diversos que apontam para uma abordagem mais ampla destes sintomas de manifestação somática. Outros se vêem sós diante de mães que se encontram deprimidas, percebendo um impacto desta depressão nos bebês, seja da ordem de um atraso no desenvolvimento, seja de uma maior ocorrência de sintomas psicossomáticos ou uma apatia inquietante. Até hoje muitos pediatras hesitam em fazer encaminhamentos precoces, apostando no rumo “natural” do desenvolvimento — “tudo entrará em ordem, com o tempo tudo se arranja”. E assim, transtornos de linguagem ou quadros de lesão neurológica são tardiamente acompanhados pelos psicólogos e analistas que recebem 12 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO estas famı́lias depois de terem passado por diferentes tratamentos; estão descrentes, cansados e a criança algumas vezes subjetivamente muito mal. Dessa forma, crianças com autismo, com déficits sensoriais ou mentais, ficam cada vez mais fechadas nas suas famı́lias desesperadas, sem um acompanhamento mais interligado entre os vários profissionais. São estas, dentre muitas outras, as questões que a coleção De Calças Curtas tentará abordar, com a colaboração de todos os profissionais que atuam junto à primeira infância. Nosso primeiro volume, Palavras em torno do berço — intervenções precoces bebê e famı́lia, trata de forma mais ampla do atendimento ao bebês e seus pais, na clı́nica, no hospital e outras instituições. O segundo volume, intitulado Agora eu era o rei — incidências subjetivas da prematuridade, trata especificamente do bebê que nascendo prematuro, vivencia desde muito cedo uma separação dos pais e uma hospitalização que comporta sempre maiores ou menores riscos de vida ou de seqüelas neurológicas. Visamos abordar o percurso dos diferentes profissionais aı́ envolvidos e especificamente as questões relativas ao olhar dos pais, a constituição da imagem do corpo da criança. Enquanto o futuro não vem – A psicanálise na clı́nica interdisciplinar com bebês, de Julieta Jerusalinsky enfoca o trabalho de intervenção precoce com bebês portadores de transtornos do desenvolvimento. Outros volumes estão em preparo, como Espelho, espelho meu – O autismo e os impasses na constituição do sujeito (tı́tulo provisório), de Marie-Christine Laznik e o O cravo e rosa – O pediatra e o psicanalista, um encontro possı́vel?, por mim organizado, enfocando temas como psicossomática, transtornos do desenvolvimento, efeitos da depressão materna no bebê, entre outros. Pretendemos expor a visão do pediatra e a do psicanalista acerca do sofrimento do bebê. Boi da cara preta – Crianças no hospital, organizado por Marluce 13 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO Leitgel-Gille, com artigos de médicos, psiquiatras infantis e psicanalistas acerca do acompanhamento da criança hospitalizada, está no prelo. Alguns volumes muito desejados, porém de gestação difı́cil, já foram anunciados aos leitores desde a primeira edição deste volume mas ainda não foram concluı́dos. São eles: Pra quê essa boca tão grande?, acerca de transtornos alimentares, e Se esta casa fosse minha, sobre cuidados maternos substitutivos em espaços coletivos como creches e orfanatos. Esta coleção, com o intuito de ser escrita por muitas mãos, e de servir a uma maior comunicação entre os profissionais, se coloca à disposição daqueles que se interessarem em colaborar, enviando sugestões de temas ou trabalhos neste campo ainda tão árido da intervenção precoce. Será um enorme prazer participar deste novo tempo tomando conhecimento a cada dia de novos modos de atuação, de vivências institucionais, da análise de um trabalho que se desenvolve em cada canto do paı́s, pois se o que nos restringe por um lado é a falta de recursos, de uma ação polı́tica governamental em torno da primeira infância que sustente um projeto de ação social mais amplo, o que nos desafia é perceber que há muito a se construir, e, todos sabemos, o brasileiro sabe criar e não teme a aridez das nossas terras. Bibliografia: 1. CHATEL, M. M. Malaise dans la procréation et la médicine de l’enfantement. Paris: Albin Michel, 1993, p.109 (ed. bras.: Mal estar na procriação. RJ: Cia de Freud). 2. ALEXANDRE, B. Prevention de la prematurité et détresse maternelle. UFR de médicine de Bobigny, cahier no 48, tome I, p. 2 14 PREFÁCIO Daniele de Brito Wanderley “Nos pequenos rituais cotidianos, tais como o banho do recémnascido, é freqüente que a avó, uma velha tia, a parteira, mesmo procedimento, declamando diante do bebê os nomes da sua linhagem, talvez simplesmente para falar com ele, contar-lhe histórias. Diz-se que estas evocações podem acalmar a criança e conduzi-la ao sono. A saudação do bebê, a identificação explı́cita dos seus ancestrais, é considerada como um dever do adulto; por isso é indispensável procedê-lo diante de uma assembléia... A saudação resta entretanto indispensável, debulhando os laços de sangue, regando a criança com sua pertença. Identificar o outro, nomeá-lo, nomear seus pais, não consiste somente em definir sua natureza, trata-se também de definilo como estrangeiro a si, reconhecê-lo outro, logo acordar-lhe existência”1 . Tobie Nathan e Lucien Hounkpatin. Palavras em torno do berço é o tı́tulo de um seminário de formação e reflexão da prática profissional coordenado por Graciela Cabassu em Paris, endereçado a pediatras. Depois de ouvı́-lo tive uma enorme dificuldade em encontrar outro nome que expressasse tão bem nossos objetivos para este volume. Ele me pareceu um excelente modo de nomear o nosso debate para a reflexão, escuta e troca das nossas experiências, marcada por uma especificidade é certo, mas permeada por uma leitura psicanalı́tica que abre o espaço para o questionamento da subjetividade implicada em cada criança, que com seu sintoma e sua dor nos convoca a atuar... E com palavras! 15 PREFÁCIO O objetivo deste primeiro volume é abordar a clı́nica com bebês e crianças bem pequenas do modo mais abrangente possı́vel, para que se possa ter uma idéia de quão ampla pode ser nossa atuação, e por outro lado atingir diferentes profissionais: pediatras, psicanalistas, obstetras, psiquiatras, enfermeiras, assistentes sociais, professores, etc. Palavras em torno do berço é também o tı́tulo do texto especialmente escrito por Graciela Cabassu para este volume, em que ela discute a questão das palavras proferidas em torno do nascimento das crianças e o seu efeito na constituição subjetiva. Ela aborda a clı́nica psicanalı́tica com bebês, a partir de casos clı́nicos de sintomatologia diversa: a insônia de um garotinho e a significação deste bebê para sua mãe; a privação afetiva de uma menininha vivendo num orfanato, o trabalho feito com sua “maternante” e o efeito desta intervenção na criança. Seguindo nossa idéia central de uma interlocução com diferentes profissionais, Marie-Christine Laznik escreve um texto polêmico, em que aborda com simplicidade o tema da prevenção da psicopatologia, centrando-se mais particularmente na necessidade de intervenção precoce no autismo infantil como forma de promover a instauração de estruturas psı́quicas, visando prevenir os déficits cognitivos mais graves. José Roberto Correia traz um pequeno texto a propósito da intervenção precoce e seu percurso de tentar institucionalizar uma prática preventiva em Recife, texto que, espero, influencie as práticas médicas atuais no que se refere aos sintomas psı́quicos na primeira infância. O trabalho institucional desenvolvido no Brasil é também representado por Telma Queiróz, Márcio Allain, M. Do Socorro Amorim, José Roberto Correia e Icléa Diniz, que escrevem juntos um artigo apresentando o trabalho com a equipe 16 PREFÁCIO de um hospital universitário em torno da escuta dos sintomas dos pequenos pacientes e de uma intervenção psicanalı́tica precoce a partir daı́. Sı́lvia Ferreira traz o relato de uma observação mãe-bebê a partir da sua tese de mestrado em lingüı́stica, em que ela observa especialmente o “diálogo” entre eles, diálogo marcado pelas interpretações maternas acerca das vocalizações do bebê, que passam a significar o gesto da criança, a dar-lhe sentido. O lugar do grande Outro materno é aı́ destacado. O trabalho institucional também ganha destaque com as intervenções de Claude Boukobza e Florence Benavides num hospital-dia para mães e seus bebês, uma unidade de acolhimento mãe-criança que recebe pais em dificuldades com seus filhos. As autoras apresentam o modelo institucional e discutem também casos e questões pertinentes a esta clı́nica, especialmente a dinâmica com mães psicóticas e seus bebês. Maria do Carmo Camarotti traz um texto sobre a observação terapêutica de um bebê e sua interação com a mãe psicótica, apontando por um lado as questões concernentes ao trabalho de observação do bebê em famı́lia — método bastante empregado na Europa — e por outro as peculiaridades da interação mãe-bebê e as incidências no desenvolvimento deste quando a maternagem se vê atravessada pela psicose. Cláudia Fernandes Rohenkohl aborda a questão da paternidade na clı́nica com bebês, ponto fundamental e tantas vezes negligenciado, sendo justamente a checagem do que estaria em jogo nessa negligência uma das molas mestras do percurso da autora. Catherine Mathelin reflete acerca de questões em torno do bebê dito de risco abordando a prática analı́tica em neonatologia, a especificidade da escuta, o trabalho em equipe, o acolhimento aos pais e o acompanhamento dos bebês. 17 PREFÁCIO Finalizando o volume escrevo sobre o atendimento paisbebê, situando a questão da prematuridade com um caso clı́nico e discutindo algumas questões acerca da prática da estimulação precoce e as incidências subjetivas no chamado bebê de risco. Nota: 1. NATHAN, Tobie e HOUNKPATIN, Lucien (1996). La parole de la fôret initiale. Paris: Éditions Odile Jacob, p.23. Os autores são ambos terapeutas em etnopsiquiatria em Paris. Nesse livro os ritos africanos são retomados particularmente em relação à filiação. Sobre a Organizadora Psicanalista, especialização em psicopatologia do bebê (Universidade Paris XIII) e psiquiatria infantil (Universidade Paris V). Atende bebês e suas famı́lias no Imepp (Intervenção médico-psicossocial precoce) e presta consultoria a hospitais e creches. Dirige a coleção De Calças Curtas na editora Ágalma. 18 Introdução PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO Graciela Cabassu “Palavras em torno do berço” é o tı́tulo que nós demos a um dos nossos seminários endereçados aos pediatras, psicólogos, puericultores e outros profissionais da pequena infância no intuito de sensibilizá-los para este poder singular, para esta dimensão de oráculo que reveste a palavra proferida em torno de um bebê. Este tı́tulo, foi inspirado na seguinte passagem de B. This: “Tudo então se esclarecia na vida deste homem que tomava consciência dos efeitos da palavra, seu destino, à sua revelia, estando determinado por estas palavras: ‘Ele não deveria viver’. Ele podia até começar, mas tudo deveria parar. Ele podia empreender, mas era incapaz de ir até o fim para concretizar. Era preciso que tudo se desarranjasse, se destruı́sse, parasse. Como viver em tais condições? O médico havia profetizado o futuro. Esta palavra poderia ter tanta importância? As fadas, é o que se diz, boas ou más, se curvam sobre os berços para cobrir de dons os recém-nascidos ou destruı́-los, lançando-lhes uma sorte, uma palavra depreciativa”1 . Esta passagem me veio espontaneamente à cabeça num dia em que me esforçava para transmitir a uma equipe de reanimadores até que ponto essas conversas de bastidores, por detrás do bebê e dos seus pais, a estes quase não dirigidas, podiam se mostrar determinantes no futuro, chegando 21 INTRODUÇÃO algumas vezes ao ponto de nos dar a sensação de que podiam fixar o destino. Neste dia tentava avançar na metáfora, e descobri como esta fábula — como a maioria dos contos, fruto das antigas tradições orais —, era cheia de ensinamentos para nós: de fato ela nos diz: doze fadas benevolentes foram convidadas a fazer seus dons à princesa, uma décima terceira foi esquecida. Despeitada, a fada esquecida irrompe entre a décima primeira e a décima segunda fada e prediz a morte da criança. A décima segunda fada surge de um canto da sala, adianta-se para dizer de sua impotência em anular este destino, e que está em seu poder apenas amenizá-lo: “a criança sobreviverá, mas ao preço de um longo sono”. Não creio ser necessário ir mais adiante para compreender como freqüentemente, sem o saber, nós profissionais encarregados do dizer dos pais e da criança, somos confrontados ao dilema de estar no lugar desta décima segunda fada ou da décima terceira fada esquecida: de fixar ou, ao contrário, de inflectir o destino de uma criança, tal qual podemos perceber no que se passa entre ela e sua mãe desde o inı́cio da vida, ou antes mesmo do seu nascimento. Mas terı́amos o direito de nos perguntar, com B. This, porque, e sobretudo como uma palavra pode tomar tal importância na história de alguém. Os trabalhos de Winnicott e Lacan, deste em particular o do estádio do espelho e o do esquema óptico, assim como a retomada que M.C. Laznik fez deles, me permitiram perceber mais de perto como, no curso da instauração precoce do aparelho psı́quico, o impacto do discurso sobre a representação inconsciente que a mãe tem do bebê pode modificar de maneira significativa o curso dos acontecimentos. 22 PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO Vejamos como. “O especular é o limiar do mundo visı́vel” “O especular é o limiar do mundo visı́vel” nos diz Lacan2 . Nós podemos tomá-lo ao pé da letra, mas também podemos interrogar: por quê? Por que o fenômeno especular ganha uma tal importância, não somente no funcionamento mas também e sobretudo nas instaurações precoces e fundamentais do psiquismo humano? No que diz respeito ao que convencionou-se chamar de prematuridade da raça — para distinguı́-la da prematuridade clı́nica, que suscita tratamentos especı́ficos de neonatologia — o recém-nascido humano atravessa um longo perı́odo de dependência absoluta: o risco de vida ou de morte não é uma metáfora, é real. A função do “próximo-que-socorre”, o Nebensmench de Freud, lugar habitual da mãe, assegura através dos cuidados indispensáveis à sobrevida, não somente a satisfação das necessidades, mas também e sobretudo a emergência psı́quica do sujeito, ou seja, seu acesso à linguagem. Devemos a esta prematuridade da raça, segundo uma hipótese antropológica muito interessante, a aparição das funções ditas superiores no lugar do instinto. Do instinto definido como um comportamento geneticamente programado próprio à uma espécie. Desprovida de uma tal programação genética, a espécie humana se apóia, para se construir, num processo de identificação onde o outro, no transitivismo primordial, serve-lhe ao mesmo tempo de suporte de si mesmo e de alteridade. O sujeito infans vai de fato se projetar na imagem totalizante de si mesmo que a ele vem do campo do Outro. 23 INTRODUÇÃO A jubilação que Lacan descreve no estádio do espelho traduz um domı́nio antecipado que se paga com uma dimensão alienante: pois a imagem especular, i(a), cadinho do eu e da imagem do corpo do futuro sujeito, se constitui em um tempo princeps, no olhar do outro, sustentando o lugar do Outro, do qual ele tira seu poder. “O precursor do espelho é o rosto da mãe” É o que nos afirma Winnicott no “Papel do espelho da mãe e da famı́lia no desenvolvimento da criança” e prossegue: “o que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe? Sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo”3 . Num trabalho notável4 , M.C. Laznik desmonta para nós a mecânica do espelho: ela nos mostra como a imagem à qual o sujeito estará um dia em posição de se identificar, assim como Lacan postula no estádio do espelho, é a princı́pio a montagem de um real (o corpo da criança) e de uma imagem (a projeção do desejo da mãe), que se opera no inconsciente materno. É a nı́vel desta imagem, a imagem real na montagem do espelho, que o impacto do discurso se define fundamental: com efeito esta projeção, feito que ela se traduz clinicamente pelo que Freud designa como ilusão antecipadora materna, tem o poder de transformar em linguagem o que não é, senão num primeiro tempo, puro real, pura descarga no bebê. Entretanto a noção de especular não deveria induzir em nós a idéia de que a dinâmica do espelho se reduz a um puro jogo de imagens visuais: seria esquecer que toda percepção humana resulta de uma montagem complexa entre um funcionamento orgânico e uma aparelhagem significante, que a imagem só surge de um enodamento do simbólico e do real. 24 PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO Ninguém melhor que G. Balbo, quando nos fala do oroórgão mı́tico que atribui ao recém-nascido, para nos lembrar até que ponto “no estofo tecido do ouvido e do visto” é o significante que opera o corte, que organiza o mundo perceptivo. lho5∗ , A clı́nica 1. As patologias severas: a “cegueira especular” e a “surdez significante” O funcionamento da ilusão antecipadora materna sustentada por esta imagem que deve se articular ao real do corpo da criança, mostra-se muito sensı́vel ao discurso: por volta do nascimento e nos primeiros meses de vida, durante os quais tem lugar esta montagem precursora do especular, as representações do bebê que a mãe carrega à sua revelia serão determinantes. As patologias severas são as que nos fornecem os melhores exemplos, a céu aberto, se posso assim dizer, deste tipo de processo e suas armadilhas. Assim, no meu trabalho sobre “A boneca sem rosto”6 , retomei a teorização de M.C. Laznik a partir do modelo óptico, para mostrar como a representação que esta mãe tinha de um bebê que não a via e que ela não via, havia provocado esta “cegueira” que eu chamo de especular, no sentido em que aquilo que é visto não obedece ao funcionamento do espelho e não produz a instauração do registro imaginário. Este parâmetro foi sem dúvida atuante no quadro do autismo primário desenvolvido por esta criança desde o nascimento. ∗ Orolho traduziria talvez a montagem aı́ expressa de oeil (olho) com oreille (orelha) (N. da T.) 25 INTRODUÇÃO Um outro exemplo tirado deste tipo de clı́nica é o do meu primeiro trabalho sobre Maxime7 , que eu havia intitulado “Entre escutar e ouvir”, para propor uma distinção análoga àquela que Lacan estabelece entre olhar e visão. Eu destaco nesta criança, que apresentava uma sı́ndrome autı́stica secundária, o fato de que a linguagem só foi possı́vel para ela a partir do momento em que uma interpretação, no curso do tratamento, fez com que sua mãe pudesse escutá-la: a singular “surdez significante” desta mãe, que só ouvia barulho no real, a impedia de retomar as vocalizações do bebê e colocá-las numa cadeia significante. Mas hoje eu gostaria de demorar-me em duas breves vinhetas clı́nicas, que me permitirão ilustrar como o bebê que apresenta outros tipos de problemas, desde problemáticas “cotidianas”, que enchem diariamente os consultórios pediátricos, até problemáticas de tipo carencial, apresentam também este tipo de funcionamento. 2. A clı́nica do cotidiano: Clément Clément tem 5 meses quando sua mãe me consulta por causa de problemas do sono. De fato, desde o nascimento, Clément não somente não dorme a noite inteira, como também luta permanentemente contra o sono, só conseguindo depois de um exaustivo estado de vigı́lia, adormecer por breves instantes, antes de acordar berrando. Duas entrevistas serão suficientes para esclarecer que Clément, um maravilhoso garotinho nascido à termo após uma gravidez sem antecedentes, foi concebido para “agradar” ao pai que deseja um filho, enquanto que a jovem mãe não deseja. Com efeito, Clément é para a mãe aquele que por sua existência mesma, vem colocar em risco o equilı́brio recente26 PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO mente conquistado pela jovem mulher através do casamento, que a permitiu fugir do que ela chama “a famı́lia”. Ora, a chegada de Clément recriou “a famı́lia”. Este significante a reenvia massivamente a uma vivência de sufocamento, da qual ela só pode sair por um voto de morte dirigido ao bebê, fantasia que ela evoca com enorme culpabilidade. Na segunda entrevista, a tomada de consciência de que uma famı́lia não teria forçosamente que ser “a famı́lia”, descola Clément deste lugar persecutório e permite-lhe reencontrar o sono, metáfora da morte que era insuportável para a mãe. Vemos neste exemplo muito simples, cotidiano e freqüente, como os problemas que estavam quase a provocar na jovem mãe reações de violência que a assustavam, tinham a ver com a representação que este bebê tinha no inconsciente materno. 3. As problemáticas de tipo carencial: Christelle “que fuça as lixeiras”. Christelle é uma menininha de 17 meses colocada em lar de acolhimento para crianças, com a idade de um ano, após ter sofrido negligências graves da parte de uma mãe paranóica, que tinha episódios delirantes freqüentes, no curso dos quais a fechava durante horas numa caixa sobre um balcão. Christelle inquieta as “maternantes” (auxiliares de puericultura da instituição) pois lhes parece ausente, o olhar fugidio; para adormecer se balança violentamente, assim como em muitos momentos do dia, só parando de fazê-lo quando é colocada no colo, momento onde começa “explorações” do rosto da pessoa que a carrega, introduzindo os dedos dela na boca, o que provoca a rejeição das “maternantes”. 27 INTRODUÇÃO Christelle, de vez em quando, resmunga para pedir o que quer e grita muito, mas só emite poucos sons, nos quais podemos reconhecer algumas palavras. Contudo, o sintoma que promove a consulta, é que após ser alimentada de maneira aparentemente suficiente, Christelle, assim que é colocada no chão, começa a mexer compulsivamente nas lixeiras comendo tudo o que aı́ encontra. Eu a recebo pela primeira vez com sua maternante, que me fala da sua perplexidade e do seu desespero por não poder ajudá-la: tudo foi tentado, da doçura à reclamação, passando pela vigilância permanente, sem que nada parecesse poder desviar Christelle deste comportamento que os adultos referentes vivenciam como particularmente ingrato, haja visto os esforços consideráveis feitos para atenuar as carências precoces sofridas por esta criança. Minha primeira observação de Christelle nos braços de sua maternante induzem em mim a idéia de que, apesar dos seus 17 meses de idade cronológica, Christelle está “suspensa” nos primeiros meses de sua vida, lá onde seu Outro a “abandonou”. Com efeito, tanto a especularidade como a oralidade parecem esboçadas, porém imobilizadas nos primeiros tempos lógicos de suas evoluções. Do ponto de vista especular, a exploração que Christelle faz do rosto do outro, tão mal suportada por suas maternantes, corresponde de fato ao comportamento habitual e anódino do bebê do primeiro semestre, quando se dedica através do olhar e do tato à exploração do rosto e em particular de seus orifı́cios, ligados à instauração da imagem especular. Do ponto de vista da oralidade, Christelle parece “desligada” de todo investimento libidinal da alimentação: ela não 28 PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO recusa nada, mas parece não encontrar mais prazer quando passivamente se preenche até a saciedade — e continua a se preencher além da conta, num automatismo que parece não poder parar. O conjunto do espaço oral parece desabitado. Se nós retomamos o que Freud nos ensina sobre a experiência primordial de satisfação, sabemos que no momento da alimentação, o bebê absorve, ao mesmo tempo que o leite indispensável para a sobrevivência, um conjunto complexo de sinais da presença materna, presença no sentido em que ela implica o desejo da mãe: seu olhar, sua voz, sua capacidade de reagir à postura do bebê atribuindo-lhe um sentido, de entrar em comunicação com ele. Assim como, quando acontece a completude gástrica, se produz igualmente o registro simultâneo no bebê da noção de que ele é alguém que conta para um outro, ou seja, a base mesma da existência no sentido psı́quico do termo. Depois de uma carência precoce tal como a que Christelle pôde vivenciar, uma instituição pode estar perpetuando a mesma carência, apesar da qualidade e quantidade de comida e de cuidados que dispensa, em conseqüência do anonimato no qual as crianças são deixadas. No caso de Christelle, os cuidados “adaptados para uma criança de 17 meses”, são inapropriados, pois Christelle apesar da idade não os tem. Assim, punha-se a mexer nas lixeiras com a barriga cheia, indı́cio de completude, puro real, não enviando a nenhuma “completude simbólica”, a nenhum registro da existência. Por força destas observações, limitei-me a dizer às suas maternantes que Christelle, apesar da idade, era só um bebezinho e que por causa disto era preciso tratá-la sem levar em conta sua autonomia, e assim tudo se arranjaria. 29 INTRODUÇÃO Com efeito, aconselhei que ela não comesse mais na mesa com as outras crianças, mas no colo, numa relação atenta e próxima com sua maternante, que colocaria palavras em tudo o que Christelle “dissesse” durante a refeição. E no final desta, ela só seria colocada no chão caso expressasse este desejo. Subentendido: ela ficaria “farta” de troca e de presença. Por outro lado, pedi que se mostrassem mais tolerantes em relação ao seu comportamento de exploração do rosto, como se ela fosse um bebezinho: era preciso deixá-la fazer, explicando-lhe que ela também tinha uma boca, olhos, etc, acompanhando-a diante do espelho. Depois de ter explicado a Christelle que nós irı́amos nos ocupar dela como sua mamãe teria gostado de fazer se sua doença não a tivesse impedido, eu as deixei sair. Christelle fez progressos estupendos e em alguns meses recuperou seu nı́vel de desenvolvimento, assim como uma razoável alegria de viver. Ainda uma vez, parece-me que posso dizer que minha intervenção visou modificar a representação que as maternantes tinham de Christelle, de maneira a colocá-las numa posição suscetı́vel de reenviar-lhe uma imagem que a permitisse retomar sua evolução. Para concluir Um melhor conhecimento das primeiras instaurações psı́quicas nos permite apreender a relação existente entre as representações maternas inconscientes e as respostas que, muito precocemente, o bebê elabora, assim como o estreito determinismo que daı́ resulta. 30 PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO Mas ela nos deixa também entrever o campo imenso que se abre à nossa intervenção. A metáfora das fadas visa somente sublinhar a importância da posição subjetiva do profissional que escuta e enuncia, pois em seu discurso haverá um impacto sobre a representação da criança no inconsciente materno, peça-mestra na construção do psiquismo do sujeito. Com efeito, se diante do sintoma da criança estamos vivenciando um fracasso de nossa onipotência terapêutica, atravessando o quanto há de compreensı́vel de nosso narcisismo profissional, nós provavelmente iremos “deixar ao acaso” para nos livrarmos do fracasso, redobrando assim a dificuldade que já vivem os pais para investir a criança. Se, por outro lado, nos vemos capazes de suportar a incompletude que o mesmo sintoma nos inflige, poderemos formular um voto — que aceite um lugar possı́vel para a criança. Bibliografia: 1. THIS, B. Le père, acte de naissance. Paris: Seuil, 1980. 2. LACAN, J. Le stade du mirroir. In Écrits. Paris: Seuil, 1966, p. 95. 3. WINNICOTT, D. W. Le rôle du mirroir de la mère et de la famille dans le devellopement de l’enfant. Paris: Gallimard, 1990, p. 155. Ed. bras.: “O papel de espelho da mãe e da famı́lia no desenvolvimento infantil”. In O Brincar e a Realidade. RJ: Imago, 1975, p. 153. 4. LAZNIK, M. C. Il n’y a pas d’absence s’il n’y a pas déjà présence-Du rôle fondateur du regard de l’autre. 31 INTRODUÇÃO In La Psychanalyse de l’enfant no 10. Paris: Ed. de l’AF, 1991. 5. BALBO, G. La langue nous cause. In Psychanalyse de l’enfant n. 10. Paris: Ed de l’AF, 1991. 6. CABASSU, G. La poupée sans visage. In La clinique de l’autisme. Paris: Hors ligne, 1993. Ed. bras.: A boneca sem rosto. In M. C. Laznik, (org.) O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas, Salvador: Ágalma, 1994. 7. CABASSU, G. Maxime: Entre entendre et ouir. In La Psychanalyse de l’enfant no 10. Paris: Ed. de l’AF, 1991. Sobre a Autora Psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale (Paris), trabalha com crianças e bebês em consultório além de atuar junto à uma creche pública e um orfanato. Fundou a Harppe, centro de formação e reflexão da prática profissional em torno da pequena infância. Ágalma publicou o seu artigo “A boneca sem rosto”, no volume O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas, da coleção Psicanálise da Criança, organizado por M.C. Laznik em 1994, reeditado em 1998. 32 Prevenção PODERÍAMOS PENSAR NUMA PREVENÇÃO DA SÍNDROME AUTÍSTICA? Marie Christine Laznik Uma concepção do autismo que permite aos clı́nicos continuarem inventivos Do ponto de vista psicanalı́tico, a plena manifestação de uma sı́ndrome autı́stica pode ser considerada como tradução clı́nica da não-instauração de um certo número de estruturas psı́quicas que, por sua ausência, só podem desencadear déficits de tipo cognitivo, entre outros. Quando estes déficits de tipo cognitivo se instalam de maneira irreversı́vel, podemos falar de deficiência. Esta deficiência seria então a conseqüência de uma não instauração das estruturas psı́quicas, e não o contrário. E podemos sustentar uma semelhante concepção, admitindo uma multifatorialidade e deixando de lado o debate, quase estéril, entre psicogênese e organogênese. É deste registro propriamente psı́quico que vou tratar, pois é o único no qual podemos intervir. É aı́ que podemos falar de uma prevenção possı́vel da organização da sı́ndrome autı́stica. Intervir para que se instaurem as estruturas mesmas que suportam o funcionamento dos processos de pensamento inconsciente. Intervir do alto da organização dos déficits cognitivos, pois há verdadeiramente uma psicossomática do autismo: a não-instauração das estruturas psı́quicas lesa rapidamente o órgão que as suporta1 . 35 PREVENÇÃO O diálogo incontornável entre psicanalistas e médicos da primeira infância As crianças para as quais tememos uma evolução autı́stica, geralmente nos são encaminhadas em torno dos dois, três anos, às vezes até mesmo mais tarde. A prática clı́nica nos ensina como as instaurações do aparelho psı́quico se fazem cedo, o que nos faz lamentar não tê-las encontrado mais cedo, quando o jogo ainda não estava decidido. A partir do meu interesse pelo que se instaura muito precocemente no aparelho psı́quico, fui naturalmente conduzida a me interessar pelo diálogo com os médicos da primeira infância (pediatras e médicos da P.M.I.)∗ . Penso que é sobre este diálogo que devem ser calcados os nossos esforços no próximo decênio, se queremos avançar na prevenção de doenças tais como o autismo. Winnicott não estava errado quando dizia, da forma provocadora e paradoxal que era a sua: “o papel essencial do pediatra é de prevenir as doenças mentais, se ao menos ele o soubesse”. Consagro, há mais de dois anos, uma parcela do meu tempo a um trabalho de formação de médicos de P.M.I.∗ , para a detecção de problemas precoces graves, estes que aparecem nos primeiros meses da vida do bebê2 . Juntos discutimos também os modos possı́veis de abordagens terapêuticas. O que me surpreendeu inicialmente foi a receptividade deles para este trabalho. Contaram-me o mal-estar que lhes colocava a detecção precoce do autismo. Um deles resume a situação nestes termos: “Há vinte anos, os simpatizantes de Bettelheim nos tinham explicado que o autismo era unicamente psicogênico, e que era preciso encontrar a causa nos desejos mortı́feros inconscientes dos pais, assim como ∗ Proteção materno infantil (N. da T.). 36 SÍNDROME AUTÍSTICA nas condutas que daı́ derivavam. Nós conhecı́amos alguns destes pais, os tı́nhamos visto conduzirem-se muito convenientemente com outras crianças da fratria. Não podı́amos considerá-los culpados, então nos calamos. Depois, dez anos mais tarde, nos explicaram que tratava-se de uma doença orgânica e que não havia nada a fazer, senão tentar reeducar. Nos calamos de novo; ou ainda quisemos tranquilizar, encontrar para a famı́lia um tempo de ilusão suplementar. Você nos apresenta uma terceira via: ela permite reintroduzir uma dinâmica de prevenção e isto nos interessa”. Fazer a prevenção quer dizer intervir no laço pais-criança. Eu considero que a sı́ndrome autı́stica clássica é uma conseqüência de uma falha no estabelecimento deste laço, sem o qual nenhum sujeito pode advir. Para afirmar isto não é necessário supor uma psicogênese na origem dos problemas. O falso debate entre os partidários de um organicismo e os partidários de uma psicogênese As pesquisas genéticas em curso ainda não colocaram em evidência a anomalia susceptı́vel de dar conta do autismo enquanto doença hereditária3 . A partir de novas pesquisas, isolemos talvez, em certos casos de autismo, fatores ditos de susceptibilidade ou de vulnerabilidade de origem genética. Mas, atenção! Dizer que um fator de sensibilidade existe numa criança, novamente sublinha que a aparição ou não da sı́ndrome dependerá mais ainda das caracterı́sticas do ambiente. Um ambiente mais favorável permite que as instaurações estruturais possam ao menos acontecer, ou ainda que a plasticidade cerebral possa encontrar o caminho de novos enodamentos e de novas articulações. Mas lutamos contra o relógio, pois certas instaurações estruturais se efetuam mais facilmente em momentos sensı́veis4 . Esperar para 37 PREVENÇÃO intervir pode então equivaler a uma não-assistência à pessoa em perigo. Elementos clı́nico-teóricos para uma detecção precoce — Que sinais privilegiar no diagnóstico precoce do autismo? Um certo número de sinais clı́nicos, que permitem pensar na eventualidade de um prognóstico de evolução autı́stica, foram repertoriados por diversos autores5 . No meu trabalho com médicos de P.M.I, privilegio a detecção de dois sinais maiores: inicialmente o não-olhar entre o bebê e sua mãe, sobretudo se esta mãe não parece se dar conta disto; e de outra parte o que eu chamo de fracasso do circuito pulsional completo. Estes dois sinais são relativamente simples de se observar durante o exame médico, apresentando como interesse maior o fato de serem a expressão clı́nica destas instaurações estruturais que fundam o funcionamento mesmo do aparelho psı́quico. Ora, são estas instaurações que falham, penso eu, no futuro autista. 1. O olhar do Outro primordial como constitutivo do eu e da imagem do corpo O não-olhar entre uma mãe e seu filho, sobretudo se a mãe não se apercebe disto, constitui um dos sinais que permitem pensar, durante os primeiros meses de vida, na hipótese de um autismo — as estereotipias e automutilações só aparecem no segundo ano. Se este não-olhar mais tarde não evolui necessariamente para uma sı́ndrome autı́stica caracterizada, é sinal, em todo caso, de uma dificuldade maior no nı́vel da relação especular com o outro. Se não intervimos então, o estádio do espelho 38 SÍNDROME AUTÍSTICA não se constituirá, pelo menos não convenientemente. Nós todos conhecemos a importância dada por Jacques Lacan a este tempo particular de reconhecimento pelo Outro da imagem especular, este momento onde a criança se vira para o adulto que a sustenta, que a carrega e pede-lhe uma confirmação, pelo olhar, do que ele percebe no espelho como uma assunção de uma imagem, de um domı́nio ainda não conquistado. Se este momento da relação jubilatória à imagem no espelho é crucial, é porque é ela que vai dar ao bebê seu sentimento de unidade, sua imagem corporal, base de sua relação com os outros, seus semelhantes. Com efeito, o que vem constituir para o bebê mais tarde a vivência de seu corpo, supõe uma articulação complexa entre sua realidade orgânica e o que eu chamo a erolhar∗ dos pais. Este olhar não se confunde com a visão. Trata-se sobretudo de uma forma particular de investimento libidinal, que permite aos pais uma ilusão antecipadora onde eles percebem o real orgânico do bebê, aureolado pelo que aı́ se representa, aı́ ele poderá advir. É a ilusão antecipadora, o His magesty the baby de que Freud falava em 19156 . Mas o que chamo aqui olhar, é também o que permite à mãe escutar de inı́cio nos balbucios do bebê, mensagens significantes que ele fará suas mais tarde. Ver e escutar o que ainda não está para que um dia possa advir, é o que Winnicott chamava a loucura necessária das mães. Descrevi em outros artigos7 , certos modelos que permitem representar como este olhar é o que funda a possibilidade mesma da constituição da imagem do corpo e da relação com o semelhante, não posso desenvolvê-los de novo aqui. Certo, eu disse que o não-olhar entre uma criança e sua mãe(sobretudo quando ela não se apercebe disto) assinala ∗ Èregard no original. Era e olhar: a era do olhar (N. dos E.). 39 PREVENÇÃO o perigo de problemas precoces na relação com o Outro. O estádio do espelho corre o risco de não se constituir ou então de se constituir mal. Mesmo que este sinal possa alertar o clı́nico, ele só não basta para dar a segurança de que é preciso intervir, se desejamos prevenir um grave problema do funcionamento mental. Um segundo sinal, observável clinicamente desde os primeiros meses de vida e simples de ser detectado, permite fazer um prognóstico com uma maior segurança do perigo de um tal problema, e então acionar a urgência da intervenção. Trata-se do que vou chamar a não-instauração do circuito pulsional completo. Um segundo sinal clı́nico: a não-instauração do circuito pulsional completo Este sinal clı́nico é razoavelmente simples de ser identificado se, por exemplo, conduzirmos um pouco a consulta de P.M.I. Mas ele só ganha toda a sua importância no espı́rito do médico, se este último compreender em que este sinal, banal em si mesmo, pode constituir o indı́cio do fracasso da instauração de uma estrutura, que é totalmente central para o próprio funcionamento do aparelho psı́quico. Para que possamos falar de fracasso do circuito pulsional completo como sinal clı́nico de uma não-instauração estrutural decisiva em uma criança, é indispensável separar a satisfação da pulsão da satisfação das necessidades. Quando nos ocupamos da clı́nica do autismo, uma contribuição interessante de J. Lacan reside na sua leitura do conceito de pulsão em Freud. Face a um organismo que parece perfeitamente capaz de se manter vivo, esta concepção de pulsão como não diretamente concernente à sobrevivência enquanto tal só pode me interessar8 40 SÍNDROME AUTÍSTICA Separar a pulsão da necessidade Sabemos que Freud considera a pulsão como um conceito limı́trofe entre o psı́quico e o somático, já que ela é o representante psı́quico das excitações vindas do interior do corpo. Ele diz, por sinal, nomeando que a fome e a sede dela são exemplos9 . A leitura de Lacan visa mostrar que são vacilações, mas que o fio que conduz Freud a inventar este conceito é outro. Para Lacan, a fome e a sede reenviam à questão da necessidade. Por outro lado, ele ressalta que quando Freud fala de Trieb (da pulsão), não se trata do organismo na sua totalidade: “É o vivo que é concernido aqui?”, pergunta ele, para responder negativamente10 . Para Lacan, o que se refere à pulsão não é do registro do orgânico11 . E ele reserva o termo pulsão, unicamente para as pulsões sexuais parciais. Daı́ todo o registro da necessidade, o registro freudiano do Ich Triebe, cair fora do campo das verdadeiras pulsões12 . Desta vez, a noção de satisfação pulsional vai ser radicalmente separada de toda satisfação de uma necessidade orgânica. Lacan diz literalmente: “A pulsão alcançando seu objeto, percebe de algum modo que não é por aı́ que ela se satisfaz (...), porque nenhum objeto (...) da necessidade pode satisfazer a pulsão (...). Essa bôca que se abre no registro da pulsão — não é pelo alimento que ela se satisfaz” (p. 153; Ed. bras.: p. 159). Mas o que constituiria então a satisfação da pulsão? Vamos ver aqui, clinicamente, como esta satisfação vai corresponder a uma finalização de um trajeto em forma de circuito, trajeto que vem se fechar sobre o seu ponto de partida. Mesmo se este circuito se apoia sobre a satisfação orgânica, a satisfação pulsional é de um outro registro. No seu texto de 191513 , Freud descreve o circuito pulsional par41 PREVENÇÃO tindo da pulsão escópica e do sadismo-masoquismo. Entretanto, não se trata aı́, para Freud, de estudar as estruturas das perversões, mas unicamente de identificar as condições gerais de todo fechamento da pulsão, ou seja, as condições da satisfação pulsional. Os três tempos do circuito pulsional Freud descreve um trajeto pulsional em três tempos. Iremos seguir este trajeto, partindo da pulsão oral, que é a mais fácil de ser identificada nos primeiros meses de vida. Num primeiro tempo — que Freud chama de ativo — o bebê vai em busca do objeto oral (o seio ou a mamadeira) para dele apoderar-se. Este primeiro tempo pulsional é sempre bem identificado pelos médicos e pelas puericultoras. Saber se um bebê mama convenientemente é um elemento central no exame clı́nico da P.M.I. O segundo tempo do circuito pulsional é também objeto da atenção particular de um médico já advertido. Ver se o bebê tem uma boa capacidade auto-erótica, se ele é capaz em particular de chupar sua mão,seu dedo ou então uma chupeta, faz parte nos nossos dias do exame clı́nico habitual. A maioria dos médicos de PMI que eu encontrei sabem da importância daquilo que chamamos de experiência alucinatória de satisfação, intimamente relacionada com o auto-erotismo. Por outro lado, o que praticamente ninguém pensa, mesmo entre os psicanalistas, é que há, dentro da descrição de Freud, um terceiro tempo necessário ao fechamento do circuito pulsional, e ao que podemos propriamente chamar de satisfação pulsional. Neste terceiro tempo a criança vai se fazer objeto de um novo sujeito. São estes mesmos os termos de Freud. Quer dizer que a criança se assujeita a um outro14 que vai se tornar o sujeito da pulsão do bebê. Haveria aı́, 42 SÍNDROME AUTÍSTICA no nascimento mesmo da questão do sujeito no ser humano a forma radical de uma necessária alienação. Mas antes de tomar a justa medida do alcance reversor de uma tal afirmação, vejamos como este terceiro tempo se apresenta clinicamente. No registro da pulsão oral, este terceiro tempo, no qual ninguém pensa, é todavia encontrado na nossa experiência cotidiana com os bebês e as mães; aliás, não escapou do olhar de certos publicitários, que nos propõem imagens surpreedentes: nelas vemos um bebê estender um pé apetitoso em direção à boca de sua mãe que se deleita. Salta aos olhos o prazer partilhado. Se tal imagem permite vender melhor as fraldas, ela nos permite também ter uma representação deste terceiro tempo do circuito pulsional. É o momento onde o bebê coloca seu dedo (do pé ou da mão) na boca da mãe, que vai fingir comêlo de maneira muito prazerosa. Este momento particular de jogo — não se trata aı́ de saciar uma necessidade qualquer — é pontuado pelos risos maternos, enquanto ela comenta o valor gustativo do que lhe é oferecido pela atribuição de diversas metáforas gastronômicas onde o açúcar tem um lugar privilegiado. Tudo isto desperta em geral sorrisos na criança, o que nos indica que ela buscava justamente se ligar no gozo deste Outro materno15 . Vemos aı́ como a passividade do bebê neste terceiro tempo do circuito pulsional é apenas aparente. É muito ativamente que ele vai se fazer comer por este outro sujeito, para o qual ele se faz, ele próprio, objeto. E nós vimos como este assujeitamento visa se ligar ao gozo neste Outro. É voluntariamente que o inscrevemos aqui com letra maiúscula. O bebê vai à caça do gozo na sua mãe, enquanto que ela representa para ele o grande Outro primordial, provedor dos significantes. 43 PREVENÇÃO A pulsão não é a necessidade, dissemos. Ela conhece um aumento constante e não as flutuações próprias da fisiologia do organismo. A pulsão se satisfaz pelo fato de que este circuito gira e de que cada um dos tempos tornará a passar um infinito número de vezes. Nós só podemos estar certos do caráter verdadeiramente pulsional dos dois primeiros tempos, na medida em que tivermos constatado o terceiro. O segundo tempo, em particular, pode ser completamente enganador. Face a um bebê que, num procedimento autocalmante, suga o dedo ou a chupeta, só podemos afirmar a dimensão auto-erótica se soubermos que o terceiro tempo do circuito pulsional nele está presente em outros momentos. Senão, podemos muito bem estar diante de um procedimento no qual a ligação erótica ao Outro está ausente. Se nós retiramos o termo eros de auto-erotismo, nos encontramos face ao autismo! Só podemos falar de um verdadeiro autoerotismo se a dimensão de representação do Outro, e mesmo do seu gozo, se inscreveu sob a forma de traço mnêmico no aparelho psı́quico da criança16 . Muitos outros elementos do quadro autı́stico têm aı́ sua fonte. Citemos em particular as falhas na instauração dos processos de condensação e deslocamento próprios ao pensamento inconsciente. Ora, este último apresenta não somente formidáveis possibilidades de ligação da excitação psı́quica mas, além disso, é capaz de criar novas ligações, de criar a complexidade. Sabemos como nas crianças autistas a descarga de excitação se faz no corpo por estereotipias e auto-mutilações, por falta da possibilidade de uma ligação psı́quica conveniente. Somos, por sinal, incessantemente confrontados a discursos concernentes a déficits ditos cognitivos, próprios às crianças autistas. É indubitável que uma não-instauração conveniente da estrutura do pensamento inconsciente leve a este tipo de déficit. 44 SÍNDROME AUTÍSTICA Mas que relação há entre tais déficits e a falha no circuito pulsional completo? Seria necessário um enquadre mais abrangente que este artigo para tentar responder convenientemente17 . Observemos aqui simplesmente que, nos primeiros encontros com crianças que apresentam uma sı́ndrome autı́stica primária, constatamos no plano clı́nico que este terceiro tempo do circuito pulsional está ausente. O movimento se fazendo somente de um vai-e-vem entre um ir em direção à comida, e um vir em direção a uma parte do próprio corpo ou em direção a um objeto tendo uma função de pedaço de corpo18 . Este vai-e-vem não constitui então nenhum fechamento que sobre seu percurso se ligaria a qualquer que seja de um outro, grande ou pequeno. Como se, justamente, o sistema de defesa consistisse em elidir todos os lugares psı́quicos onde os traços mnêmicos das representações do Outro poderiam ser registrados. O interesse deste traço clı́nico, sendo identificável desde os primeiros meses de vida, bem antes da instalação da sı́ndrome autı́stica enquanto tal, é permitir um diagnóstico precoce. Pouco importa aqui que a causa da não instauração deste terceiro tempo do circuito pulsional, provenha de uma certa dificuldade constitutiva da criança que não procura ativamente a ação do Outro (tentar se fazer comer, no caso), ou então de uma falta de resposta da parte daquele que ocupa o lugar de Outro primordial. Há falha nos dois casos. Nos dois casos — com uma certa contribuição libidinal da parte de um psicanalista que saiba trabalhar com a relação pais-bebê — o circuito pulsional completo pode se restabelecer. Mesmo nas crianças autistas de três ou quatro anos conseguimos geralmente estabelecer (ou restabelecer), mas o perı́odo sensı́vel onde a criança entra com uma grande naturalidade no campo dos significantes do Outro e pode deles 45 PREVENÇÃO se apropriar, já passou. A criança poderá ainda começar a falar, mas é preciso remar muito mais. No plano clı́nico, é a ausência da palavra que se percebe mais facilmente, enquanto que o fracasso na instauração da estrutura do pensamento inconsciente pode passar despercebido. Ela se revelará mais tarde sob a forma do que chamamos comumente de déficits cognitivos; razão pela qual a querela entre doença mental ou déficit cognitivo19 a propósito do autismo me parece um falso debate. Mesmo que a plasticidade do aparelho psı́quico permita que suplências possam se fazer, a idade na qual intervimos é um dado central. Contudo, não é a mesma coisa intervir com uma criança para tentar atenuar as conseqüências de um déficit cognitivo já instalado (ou em vias de ser) e intervir para (r)estabelecer o circuito pulsional completo, cujo não funcionamento causa este déficit. Volto a lembrar que não se trata de tomarmos o partido de uma causalidade puramente ambiental para o autismo. Podem haver fatores congênitos que tornam o bebê menos apto a se ligar ao gozo do seu Outro primordial. Nos casos de fracasso da instauração do circuito pulsional completo, não estamos sempre diante de uma mãe muito absorvida por um luto não vivido, ou por uma depressão desconhecida, incapaz de realizar sua tarefa de fazer o papel de sujeito da pulsão oral do seu filho. Há outras situações, mas em todo caso a não-resposta de um bebê pode desorganizar sua mãe. Se as origens do problema podem ser múltiplas, elas levam a este fracasso da instauração do olhar e da instauração do circuito pulsional. Estamos aı́ num registro propriamente psı́quico e é apenas neste registro que podemos intervir. É o que proponho chamar de prevenção possı́vel da organização da sı́ndrome autı́stica. Intervir para que se instaurem as estruturas mesmas que dão suporte ao funcionamento dos processos de pen46 SÍNDROME AUTÍSTICA samento inconsciente. Intervir diante da organização de uma futura deficiência. O segundo traço clı́nico proposto — o fracasso do circuito pulsional completo — permite de fato pensar no diagnóstico diferencial entre psicose e autismo. Com efeito, este terceiro tempo do circuito pulsional se encontra sempre presente no bebê que apresentará mais tarde uma psicose infantil. Este bebê se assujeita facilmente a uma mãe que, em geral, não resmunga para gozar do objeto que lhe é assim oferecido. O que é mais problemático para ela é perceber o limite disto. A alienação real da criança a este Outro primordial assim se instala muito bem. O que fracassa é sobretudo o outro pólo da subjetivação do sujeito: a função separadora produzida pela metáfora paterna. É ela que, na psicose infantil, se encontraria fora do jogo, foracluı́da. Em caso de perigo de evolução autı́stica, não é disto que se trata, mas do fracasso no tempo da própria alienação. Notas: 1. Ouvi esta idéia de que haveria uma psicossomática do autismo, sendo proposta por psicanalistas com orientações teóricas muito diferentes, como o Dr. Jean Bergès e o Dr. René Diatkine. 2. Este trabalho se faz na HARPPE, organismo de formação voltado para médicos e outros interventores da pequena infância. A Harppe foi criada por Annette Yaker e Graciela Cabassu. Esta última, por sua prática de analista com crianças autistas, compartilha há muito tempo meu desejo de poder formar os médicos no diagnóstico precoce, para estarem aptos a intervir o mais cedo possı́vel. 47 PREVENÇÃO 3. As pesquisas dos últimos anos parecem entretanto confirmar um correlação importante entre o cromossomo Xq frágil, e a debilidade mental. Um quadro autı́stico pode certamente vir a se implantar sobre esta debilidade, como às vezes acontece em outros quadros deficitários. 4. É por exemplo o caso da aquisição da palavra. 5. HOUZEL, D. Peut-on endiguer les psychoses infantiles? In M. Soulé (dir), Des Utopies aux Realisations. Paris: ESF, 1993. 6. FREUD, S. (1914) Pour introduire le narcissisme. tr. Fr. Denise Berger et Jean Laplanche. Paris: PUF, 1969. Ed. bras.: Sobre o narcisismo, uma introdução. In E.S.B. vol. XIV. RJ: Imago, 1974. 7. LAZNIK, M. C. (1993): Du ratage de la mise en place de l’image du corps au ratage de la mise en place du circuit pulsionnel; quand l’alienation fait défaut. In La Clinique de L’autisme, son enseignement psychanalitique. Paris: Point Hors Ligne, 1993. Ed. bras.: Do fracasso da instauração da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsional — Quando a alienação faz falta. In O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas, Col. Psicanálise da Criança no 6. Salvador: Ágalma, 1994. (2a edição: 1998) 8. Geneviève Haag, partindo do universo conceitual kleiniano, chega a conclusões concernentes ao fracasso da criança autista com relação à pulsão que não estão desconectadas com as que vou trazer aqui. Isto indica que nas nossas tentativas recı́procas é bem a clı́nica que conduz a teoria. 48 SÍNDROME AUTÍSTICA 9. FREUD, S. (1915) Pulsion et destin des pulsions. Oeuvres completes, vol xiii tr. Fr. dir. A. Bourguignon, P. Cotet, J. Laplanche. Paris: PUF, 1988. Ed. bras.: Os instintos e suas vicissitudes. In E.S.B. vol. XIV. RJ: Imago, 1974. 10. LACAN, J. (1964) Le Seminaire, livre XI, Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris: Seuil, p.150. Ed. bras.: O seminário, livro XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: J.Z.E., 1979, p. 156. 11. Id, Le Seminaire, op. cit., p. 148. Ed. bras.: O Seminário..., op. cit., p. 154. 12. Id, Le Seminaire, op. cit., p. 174. Ed. bras.: O Seminário..., op. cit., p. 181. 13. FREUD, S. (1915) Pulsion et destin des pulsions. Oeuvres completes, vol.xiii tr. fr. dir. A. Bourguignon, P. Cotet, J. Laplanche. Paris: PUF, 1988. Ed. bras.: Os instintos e suas vicissitudes. In E.S.B., vol. XIV. RJ: Imago, 1974. 14. Este outro é alguém de carne e osso, com quem a criança estabelece uma relação da realidade, e ao mesmo tempo alguém que vai sustentar para a criança o lugar de grande Outro primordial, este que fala no seu lugar, que fornece-lhe os significantes nos quais ela falará mais tarde. 15. O gozo levanta uma grande desconfiança nos meios lacanianos onde sua dimensão estruturante é freqüentemente desconhecida. É entretanto exatamente o que Lacan diz no Seminário XI: Os quatro conceitos fundamentais de psicanálise, p. 167 (versão francesa). Ed. bras.: O Seminário..., op. cit., pp 175-176. 49 PREVENÇÃO 16. Aqui só faço retomar o que Freud enuncia desde 1895 no Projeto. Ele aı́ afirma a necessidade de registro dos traços mnêmicos de representação de desejo ligadas diretamente às experiências vividas com aquele que ele chama de o próximo assegurador, o que tem a ver com o que aqui chamamos de Outro primordial. É verdade que mais tarde Freud falará em auto-erotismo primário, mas esta idéia me parece insustentável à luz de uma leitura que seja um pouco consistente com sua própria teoria da pulsão. Mas sobretudo uma tal concepção de auto-erotismo impediria de criar os modelos operantes para dar conta dos impasses da clı́nica do autismo. 17. Há hipóteses metapsicológicas que dão conta da ligação entre a instauração da estrutura do pensamento inconsciente e a estruturação do circuito pulsional. Para esboçar uma resposta digamos que este circuito pulsional, tal como nós podemos identificá-lo clinicamente, suporta o trajeto das representações inconscientes no aparelho psı́quico. Para poder circular, a função de representação deve passar pelo pólo alucinatório de satisfação de desejo, lá onde o bebê encontra inscritos os traços mnêmicos de suas primeiras experiências com este gozo do Outro. Para aqueles que se interessam pelos fracassos das representações inconscientes, ver Laznik, M.C.: Défenses autistiques et échec de la mise en place de la fonction de representation. In La psychanalyse de l’enfant, no 19. Paris: Ed. de l’Association Freudienne, 1996. 18. Trata-se aı́ do que a escola inglesa denomina de objetos autı́sticos, que não são justamente objetos no sentido psicanalı́tico do termo pois, tendo passado por uma incorporação, eles são vivenciados como partes do eu 50 SÍNDROME AUTÍSTICA primitivo. Freud chama de um eu-prazer, no sentido em que só é regido pelo sistema de fuga do desprazer, um sistema próximo da homeostase, o que é contrário ao sistema pulsional. 19. A deficiência não sendo nada mais que um déficit que torna-se irreversı́vel e para o qual nenhuma suplência eficaz se estabelece. Sobre a Autora Psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale (Paris). Trabalha com crianças autistas em consultório e atua no Centre Alfred Binet, no atendimento a bebês. É autora do livro Vers la parole. Paris: Danöel, 1995. Ed. bras.: SP: Escuta, 1997. Ágalma publicou os seus seguintes artigos: O patronı́mico de uma criança como puro traço diferencial. In Desenho: por que não? (1992) (esgotado, reedição em preparo); Os “nãos” do pai. In Do Pai e da Mãe (1993) reeditado em O sujeito, o real do corpo e o casal parental (1998); Por uma teoria lacaniana das pulsões. In Dicionário de Psicanálise — Freud & Lacan, vol. 1 (1994, 2a edição: 1997); Do fracasso de instauração da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsional, no volume O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas (1994, 2a edição: 1998), do qual também é organizadora; Os efeitos da palavra sobre o olhar dos pais, fundador do corpo da criança. In Agora eu era o rei – Os entraves da prematuridade, nesta mesma coleção. Uma coletânea intitulada Espelho, espelho meu – O autismo e os impasses na constituição do sujeito, reunindo alguns destes e vários outros artigos da autora, dispersos em diversas publicações ou inéditos, está em preparo, organizada pela diretora desta coleção, Daniele de Brito Wanderley. 51 POR QUE UMA PREVENÇÃO PRECOCE DOS DISTÚRBIOS PSÍQUICOS? José Roberto de Almeida Correia Em agosto de 1991 o Centro Médico Psicopedagógico Infantil do Hospital Geral Otávio de Freitas (CEMPI) foi inaugurado para tratar de crianças psicóticas e autistas com até 12 anos de idade. Neste perı́odo observamos em primeiro lugar a dificuldade de lidar com estas crianças. A equipe, de um modo geral muito concernida com o tratamento, teve de reconsiderar o próprio conceito de resultado, mesmo constatando que há efeitos em todos os casos, sejam eles mais facilmente identificáveis ou não. Mas notamos também que o trabalho é muito diferente dependendo da idade da criança: quanto mais cedo começarmos, maiores são as chances de uma evolução favorável. Por outro lado, nos chamou a atenção nas versões da anamnese que ouvı́amos, sobretudo de algumas mães, a referência a um mal-estar muito precoce, algumas vezes até mesmo após o parto: “Senti uma coisa estranha quando o vi pela primeira vez”, sic. Em alguns casos, o que é igualmente preocupante é que tentativas de buscar ajuda precocemente não tiveram êxito: “Falei com o médico, mas ele me disse que o bebê era perfeito, depois procurei uma terapia mas me disseram que ele era muito pequeno, mais tarde me disseram para esperar que falasse...”. É bem verdade que trata-se de versões da história clı́nica a posteriori, possivelmente com 52 PSICANÁLISE E PEDIATRIA reelaborações diversas. Mas podemos admitir que, infelizmente, nossas faculdades ainda não dispensam a necessária formação e informação sobre o inı́cio do desenvolvimento da criança e seus possı́veis distúrbios. Quanto aos pediatras, se é verdade que tranquilizar os pais nunca faz mal, é possı́vel também que alertar quando for o caso, dignosticar, encaminhar, exija uma série de condições que falta muito para ser preenchida. Poderı́amos desejar que o profissional que presta assistência à criança: 1. Além de detectar uma dificuldade psı́quica precoce nas relações do bebê — acreditamos que a sensibilidade da maioria dos pediatras pode fazer isso —, seria necessário estar apto a reconhecer com uma certa segurança o distúrbio em causa (importância de uma formação especı́fica das equipes de pediatria). 2. Para os casos com indicação de um acompanhamento especializado, que se possa dirigir essas crianças com confiança. A importância da criação de serviços de prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos deve ser reconhecida. Entretanto não se pode omitir a dificuldade deste trabalho e os obstáculos institucionais e familiares que se opõem à sua realização. É possı́vel prevenir precocemente? Foi a pergunta que nos fizemos. Constatamos, para citar o exemplo da França, que este é um ponto em que todos os especialistas estão de acordo: M. Mannoni, Lebovici, Diatikine, Soulé e G. Ribas, etc, pensam que “se uma mãe e uma 53 PREVENÇÃO criança estão em disfuncionamento relacional há possibilidades, intervindo com uma ação que permita que as coisas comecem a caminhar, que a relação volte a ser estabelecida”. Citaremos apenas dois dos mais importantes trabalhos fundamentais neste campo. Eles se desenvolveram independentemente mas curiosamente apresentam pontos em comum: “O método de observação de bebês”, desenvolvido por Esther Bick na Tavistock Clinic, aplicado desde 1948, cuja importânia na formação de profissionais, na pesquisa e na clı́nica é cada vez mais reconhecida; e o conceito de “Eu-pele”, de Didier Anzieu (1974), de grande impacto no meio cientı́fico. Como organizar esta ação? Garantir uma formação nesse campo e congregar os pofissionais concernidos são pontos essenciais. Os cursos de julho e dezembro de 93 e de novembro de 94, promovidos pelo CEMPI e pela Secretaria de Saúde do Estado sobre a prevenção precoce tentam alcançar o primeiro objetivo. Quanto aos profissionais em questão, para começar procuramos os pediatras para falar de nossa preocupação e encontramos grande interesse. Tivemos apoio tanto a nı́vel institucional quanto aos próprios profissionais. Alguns deles já se dedicavam há muito à questão, mas sofriam com o isolamento e a falta de suporte teórico e prático para desenvolver uma ação mais sistematizada. O que dizer da ação desenvolvida? Nossa reflexão comum, já aponta para algumas questões que resumimos: 54 PSICANÁLISE E PEDIATRIA 1. A multidisciplinariedade. Além do que se ouve: “O pediatra só pensa na criança, o obstetra, na mãe”, a situação mãe-bebê-famı́lia mobiliza profundamente. Em caso de sofrimento, é necessário ter a compreensão adequada para que as transferências maciças da equipe ou de membros da equipe não levem a esquecer nem a supervalorizar o lugar do bebê, da mãe e o do pai. 2. O profissional de perinatologia que teve ou tem acesso a um novo conhecimento às vezes traduz a situação dizendo que é como ver o que não se via antes. Mas esta ampliação do que é percebido no terreno da clı́nica não deixa de trazer algumas questões: algumas vezes, dificuldades na própria instituição levam a formulações aparentemente paradoxais: “Considerar o psı́quico leva a mudanças, as mudanças que estou vendo são verdade?” Por outro lado, como continuar seu trabalho, levando em conta o conhecimento adquirido sobre a psique, continuando a ser neonatologista? A que autoriza aquilo que se vê de novo quando não se escolheu a área “psi” (psiquiatra, psicanalista, psicólogo...), estando claro que tampouco se trata de mudar de profissão? Em outras palavras, o que fazer com esse novo conhecimento? (vemos que se estabelece uma reflexão suplementar relacionada com papel, lugar e função na instituição, que merece desenvolvimento particular). 3. O profissional “psi”, além do enriquecimento originado nesta reflexão comum, pode pensar que esta interrogação, “o que fazer?”, que possivelmente ocupou lugar em sua própria formação, leva a distinguir entre ação e atuação — esta última designando o fato de agir no lugar de colocar em palavras. Procurará levar a considerar em conjunto: a quem é dirigida a demanda? A que 55 PREVENÇÃO é dirigida ao perinatologista não se articula da mesma forma da que é dirigida ao “psi”. Também nem sempre as pessoas estão prontas para uma consulta com o “psi”, mesmo se este encontro é idealizado por outros profissionais. Em oposição, dirigir ao “psi” pode ser vivido como sanção e rejeição. Ou, pode tratar-se de uma demanda inviável (situação impossı́vel). É necessário que mais equipes de perinatologia possam conhecer a importância do psı́quico, o que traz respaldo aos profissionais que já enfrentam resistências importantes e difı́ceis de serem mobilizadas. Conclusões O sentido que quisemos dar a nossa ação é que descrevemos acima. A importância atribuı́da ao aleitamento materno, alojamento conjunto, bebê-canguru, ao trabalho designado de humanização, indicam que o momento é oportuno para um aprofundamento sobre o nascimento do sujeito e a prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos. Finalizaremos com a evocação feita por Maud Mannoni, há cerca de um ano, a respeito do pensamento de Winnicott: “O verdadeiro domı́nio onde se exerce a psicanálise é o da pediatria. Em psiquiatria, muitas vezes já é tarde demais”. Bibliografia: 1. ANZIEU, D. O Eu-pele. São Paulo: Casa do Psicólogo, 286 pp., 1989. 2. BICK, E. Remarques sur l’observation de bébés dans la formation des analystes. In Journal de la Psychanalyse de L’Enfant (12)14: 61, 1992. 56 PSICANÁLISE E PEDIATRIA 3. HAAG, G. Une expérience de travail préventif en crèche. CREAI de Bretagne, 61 Rue Jean Guechenno. 35000 Rennes, 79: 100, 1986. 4. RIBAS, D. Autismos infantis: Evolução de uma controvérsia. Conferência proferida na Universidade René Descartes em 16/06/1993. Sobre o Autor Psiquiatra e psicanalista. Coordenador do Centro Médico Psicopedagógico Infantil (CEMPI), em Recife. 57 UMA TENTATIVA DE INTERVENÇÃO PRECOCE OU... DE COMO INTRODUZIR A QUESTÃO DO SUJEITO NO CORPO DE UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO∗ ... Telma C. da N. Queiróz, Márcio Allain, Maria do Socorro B. Amorim, José Roberto de A. Correia, Icléa P. Diniz Concepção e gestação... A idéia de intervir precocemente utilizando os conhecimentos da psicanálise é relativamente recente. Uma das pioneiras nesse campo, e que me inspirou particularmente, foi Françoise Dolto, que criou em 1979 a “Maison Verte”, lugar que acolhe crianças de 0 a 3 anos, acompanhadas pelos pais, com a finalidade de socializá-las desde o nascimento bem como dar apoio aos pais nas dificuldades cotidianas. Todos sabemos como a chegada de uma criança pequena transtorna a vida de um casal ou de uma famı́lia, sobretudo no mundo conturbado em que vivemos. Para Françoise Dolto, a realização de um lugar como a “Maison Verte”, “corresponde a uma necessidade para a população citadina de hoje” (Dolto, 1981). Era seu desejo que essa experiência se multiplicasse e se estendesse: “Em meu entender, essa experiência deve continuar e deve mesmo incitar outras equipes ∗ Trabalho realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraı́ba. 58 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL a se formarem, a fim de que em outros bairros, outras cidades, lugares semelhantes se fundem” (Dolto, 1981). Pensei então, por que não trazer para João Pessoa a experiência de Dolto, se existem pessoas verdadeiramente motivadas e interessadas num trabalho dessa ordem, como a continuidade de nosso trabalho vem confirmando a cada dia que passa. A gestação dessa idéia durou alguns anos... O nascimento... O inı́cio das atividades ocorreu depois que o psicanalista pernambucano José Roberto de Almeida Correia, que há algum tempo já desenvolvia um trabalho preventivo junto aos pediatras de diversas maternidades recifenses coordenando um grupo de “Psicanálise e pediatria”, veio convidar a equipe do serviço de puericultura do Hospital Universitário Lauro Wanderley para participar de um curso sobre relação mãe-bebê e intervenção precoce, ministrado pela psicanalista francesa Geneviève Haag. O interesse despertado pelo assunto foi tal que daı́ surgiu a criação de um grupo de estudos semanal no serviço de puericultura do hospital universitário e um projeto de pesquisa sobre intervenção precoce. Pouco depois comecei a atender em regime ambulatorial o par mãe-bebê: consultas terapêuticas e psicoterapias prolongadas. Progressivamente tomando conhecimento dos sinais de perturbação precoce a partir do grupo de estudos, sinais que se manifestam ora no bebê, ora na relação mãefilho, os profissionais do serviço de puericultura passaram a me enviar os bebês considerados em risco de sofrimento psı́quico, distinguindo-se assim do trabalho que é feito na Maison Verte, que não é um lugar para tratamento. Apesar de ser um trabalho recente, de menos de dois anos, tenho recebido um número relativamente grande de crianças, o que 59 PREVENÇÃO já me permite tecer algumas considerações quanto à problemática dessa faixa etária. O trabalho se efetua então em três nı́veis: primeiramente no nı́vel dos profissionais do serviço de puericultura, médicos, sobretudo pediatras, e para-médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, estagiários, estudantes, etc.; em segundo lugar, no nı́vel da relação mãe-bebê; e por fim, no nı́vel da construção de um espaço de subjetividade na instituição. Apresentação... Para apresentá-lo aqui hoje para vocês, retomo uma expressão utilizada por Freud quando estava elaborando o “Projeto para uma psicologia cientı́fica”. Ele disse em sua carta a Fliess no 25, datada de 12 de junho de 1895: “Fazer uma comunicação disso agora equivaleria a levar ao baile um feto feminino de seis meses”. Eu diria portanto que apresentando aqui o meu trabalho estaria sendo conduzida ao baile por um feto masculino de seis meses. Sabemos hoje, que nesse texto, Freud, utilizando uma metáfora biológica, descreve propriamente a constituição do sujeito, fornecendo os subsı́dios teóricos que hoje utilizamos em nosso trabalho preventivo. Vamos então aos fatos e aos fetos. Sabe-se hoje (saber que a medicina resiste em aceitar pelo próprio discurso que preside a formação médica) que é na relação mãe-bebê que se constitue o aparelho psı́quico da criança. A palavra da mãe dando sentido ao seu grito, ao seu desamparo, inscreve-se no corpo do feto-bebê tornandoo sujeito de desejo. Sua palavra cria corpo e cria o corpo: O corpo da palavra, o corpo do sujeito. Pode haver no entanto perturbações na mãe, estruturais ou transitórias, que interferem nesse processo de consti60 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL tuição subjetiva. Da mesma forma pode haver perturbações precoces no bebê que induzem comportamentos “anormais” na mãe, aprisionando-os num cı́rculo vicioso difı́cil de ser rompido, onde a introdução de uma terceira pessoa é quase impossı́vel. Essas perturbações podem ser reforçadas ou atenuadas pelo corpo médico, que sem preparo adequado se deixa enredar nos jogos transferenciais. Supomos que o comportamento “anormal” da mãe de Nilton, um dos casos que relatarei em seguida, foi talvez reforçado por esse olhar do corpo médico fixado sobre o corpo da medicina, corpo da ciência, corpo-máquina cujo funcionamento é preciso assegurar a todo custo. Corpo onde a palavra não se inscreve, e que fala somente por manifestações não verbais. Corpo sem verbo, sem palavra, sem metáfora. O sujeito pode não se constituir... Na conferência de Genebra sobre o sintoma, alguém pergunta a Lacan o que faz com que estejamos desde o nascimento preparados para receber a mensagem simbólica. Através de casos curtos, de uma ou duas entrevistas, faço aqui a questão inversa: o que faz com que desde o nascimento, ou mesmo antes, um bebê não esteja preparado para entrar no simbólico, para receber a mensagem simbólica? Questão muito discutida atualmente, difı́cil de responder, ainda mais quando se conhece essa dificuldade das mães de crianças autistas em falar desse perı́odo, a não ser talvez no próprio momento em que estão mergulhadas nele, o que por si só já mostra a importância dos atendimentos precoces perinatais. A menina dos três nomes Aos 22 dias de nascida, ocasião da primeira entrevista, chamava-se Marina. Ao descobrir a gravidez, a mãe tentou 61 PREVENÇÃO abortar tomando medicamentos abortivos. No sexto mês de gravidez o pai viaja para uma cidade distante, prometendo uma volta para breve que jamais aconteceu. Ao nascer, diz a mãe, a criança não chorou, e quando chorou mais tarde foi bem baixinho. Depois passou a chorar e gritar muito, a ponto de ficar vermelha e roxa até tomar o choro. Às vezes dormindo esboçava um sorriso, acordada jamais. Uma avaliação cardiológica foi solicitada, mas no dia marcado para a consulta, o cardiologista, por algum motivo imprevisto, não pôde comparecer ao hospital, notı́cia que fez a mãe cair num enorme pranto. Foi esse pranto que fez com que nesse dia ela fosse encaminhada para mim. Ela chorava propriamente pela ausência de seu companheiro, que tinha chegado na região mas não tinha vindo visitá-la. Mas chorando ela repetia: “eu não ligo”. Convidada a voltar, só voltou 7 meses depois, enviada por um pediatra. Durante esse perı́odo a criança tinha mudado de nome duas vezes. Depois de Marina, tinha sido Maria Cláudia e atualmente se chamava Maria Carolina. Seus sintomas eram então alarmantes: hipotônica, não sentava, não sustentava a cabeça, mal se mexia. Parecia um pacote no colo da mãe. Não olhava para ninguém, quase se percebia apenas o branco do seu olho. Não respondia ao apelo de nenhum de seus três nomes. A mãe afirmava no entanto: “passo o dia olhando para ela e ela para mim”. O pai, sempre distante, de vez em quando mandava notı́cias, sempre adiando a volta. Ela continuava esperando e afirmava que com certeza ele viria vê-las em breve. Broadway, um herói de “Malhação” — 3 meses Criança bipotônica do sexo masculino com a pele flácida e enrugada como a de um velho, não respondia ao apelo de 62 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL seu nome, “não se assustava com nada”, dizia a mãe. Não fazia quase nenhum movimento. Não quis mamar, chorava para não pegar o peito, freqüentemente vomitava o leite que bebia, estava desnutrido. Quando alguém o pegava nos braços, chorava como se estivesse sentindo intensas dores, calando-se quando era deixado em qualquer lugar e ninguém o tocava. Parecia desejar apenas que o esquecessem. Seu pai também tinha viajado durante a gravidez da companheira. A mãe não esquece as enormes raivas que ele lhe fazia no inı́cio da gestação. A princı́pio ainda mandava algum dinheiro, tendo parado completamente depois que a criança nasceu. Atualmente ela não sabe muito bem o que fazer da vida. Foi acolhida temporariamente por familiares do pai da criança, não sabe se volta para o interior onde moram seus próprios pais ou se fica na cidade morando com uma tia. Antes da criança nascer trabalhava, mas agora, com ele, acha que não pode mais. “Ninguém quer ficar com ele... eu vou fazer o quê?” Célia, o bebê insaciável, 4 meses Seu desenvolvimento fı́sico tinha estacionado aos dois meses. Criança sem tônus, não sustentava a cabeça, não respondia ao apelo de seu nome, não prestava atenção à mãe, estava atrasada em seu desenvolvimento geral. Chorava e gritava muito. Era amamentada, mas as mamadas não eram momentos de apaziguamento da tensão. A mãe temia sufocá-la com o seio, não parecia encontrar posição confortável, sentava, levantava, sustentava o bico do seio na tentativa, dizia ela, de evitar sufocá-la. A criança “tem muita fome”, dizia a mãe, mas dava o peito “e a fome não passava, ela ficava agoniada”. Observamos que na realidade a posição das mamadas era tal que Célia jamais via o rosto 63 PREVENÇÃO da mãe. Ela “dava o peito”, mas não dava o rosto nem o olhar. A mãe de Célia fez um bocado de coisas para ela não nascer, até “caiu de bicicleta”. O pai tinha rejeitado a criança desde o inı́cio, se dependesse dele ela não teria nascido. Tinha aceitado uma primeira filha, atualmente com três anos. Era um homem violento. Segundo a mãe, foi em conseqüência de suas pancadas que o segundo filho, um menino, nasceu morto. O casal tinha se separado e no momento da consulta Célia e sua mãe estavam morando com uma avó “adotiva”. Na realidade era uma antiga vizinha, solteira, que tinha se apegado à mãe de Célia quando criança e que tinha desejado adotá-la, pois sua verdadeira mãe se preocupava muito com a filha. Criança, a mãe de Célia “vivia como uma bola, de uma mãe para outra”, o pai tendo morrido muito cedo. Desde o inı́cio achavam que “Célia tinha alguma coisa na cabeça dela, ou alguma coisa que estava faltando... é desgovernada, olha por olhar...” Carolina e sua extrema imobilidade, 13 meses Criança com hidrocefalia, operada aos cinco meses para colocação de uma válvula. Quando a gravidez foi descoberta o pai queria que fosse feito o aborto. A mãe, evangélica, recusou. A gravidez foi marcada por violências cometidas por ele contra ela, na intenção de fazê-la abortar: puxava a cadeira quando ela ia sentar, colocava o pé no meio quando ela ia subir no ônibus, dava pancadas quando bebia. Em conseqüência disso teve várias ameaças de aborto durante toda a gestação. Além disso, no 5o mês de gestação teve um acidente de moto, depois do qual a criança nunca mais mexeu no ventre da mãe. Ela terminou por abandonar o companheiro no 8o mês, voltando para a casa de seus pais. 64 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL “Todo mundo dizia que ela estava morta dentro de mim, embora o médico dissesse que estava viva”. O pai não quis reconhecer a filha. Na casa de seus pais a mãe de Carolina vive muito angustiada. A famı́lia é desunida, chamam sua filha de mongol, sente-se humilhada e desprezada por todos. Quando há problemas em casa, “me tranco com ela no quarto e peço a Deus para me ajudar”. Carolina realmente não se mexe. Movimentar seu corpo, manifestar vida, corresponde a ser espancada. Sua imobilidade é impressionante. Não mexe com os braços, não pega em nada. Ela precisa passar por morta. Apenas os olhos se movimentam muito levemente, e seu olhar se dirige para além das pessoas. Quando alguém se aproxima, ela abre a boca como se estivesse à espera que lhe enfiem comida. Parece que as refeições são os únicos momentos em que se ocupam com ela. Um corpo sem palavra a ser preenchido e que é realmente bem preenchido: é quase obesa. * Na história dessas crianças, vemos no inı́cio de suas vidas gritos aos quais as mães não conseguem dar sentido, desamparo que não conseguem amparar, seio que não traz satisfação e que a criança recusa, mamadas que não passam a fome, ou mesmo a devolução-regurgitação do alimento... Em seguida, ora o silêncio, a ausência total de demanda, e mesmo a profunda rejeição do outro, posição muito sugestiva do autismo. A satisfação só ocorre ora no sono, ora quando esquecidos. São corpos sem demanda, sem palavra, sem sujeito. Mães abandonadas pelo pai da criança, seus projetos de vida desfeitos no momento das gestações, rejeitadas também 65 PREVENÇÃO pelas próprias famı́lias, vivendo momentos de profunda perturbação narcı́sica. Um certo sentimento de estranheza em relação à criança é relatado por elas, mostrando que de alguma forma sabem que algo está acontecendo com o filho: “não chorou quando nasceu, depois chorou bem baixinho, e dias depois grita a ponto de ficar vermelha e roxa”; “tem alguma coisa na cabeça dela, olha por olhar, é desgovernada”; “não se assusta com nada”; “gritava demais quando nasceu”. Do lado do pai, é a ausência real e simbólica: eles se afastam, não reconhecem a criança, alguns são muito violentos, abandonam as companheiras. A imagem paterna inconsistente se dissolve, a função paterna está portanto em questão. Uma grande violência atravessa as famı́lias, desde as tentativas de aborto aos espancamentos pelo pai. Parece que nos próprios cuidados passa esse desejo de morte, consciente durante a gravidez, mascarados após o nascimento (teme sufocar a filha com o seio, ninguém quer ficar com ela, todos desprezam e humilham a filha), o que fez com que alguns teóricos se referissem a essas mães como “mães mortı́feras”. Aliás, por que não falar também de “pais mortı́feros”? O sujeito pode se alienar no outro e não mais se separar... Nilton e sua mãe vieram à consulta pela primeira vez quando ele tinha um ano e três meses. Filho único, foi uma criança muito desejada e muito esperada, pois a mãe demorou três anos para engravidar. Oito dias após o nascimento começou a manifestar sinais de dificuldade respiratória, sendo então hospitalizado. Foi diagnosticada uma pneumonia, complicação de uma má-formação congênita cardı́aca: comunicação intraventricular. Durante vários dias esteve na 66 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL U.T.I. em risco de vida. O corpo médico chegou a pensar que ele não sobreviveria. Mas o corpo de Nilton recuperouse muito bem. Pensou-se em operá-lo nos primeiros meses mas suas chances de sobrevivência eram mı́nimas, de forma que decidiram aguardar até quando tivesse dois ou três anos de idade. Comunicaram então aos pais que a criança necessitaria certos cuidados especiais, pois era portadora de um defeito congênito do coração. Deveria absolutamente evitar esforços fı́sicos, que poderiam provocar dispnéia e hipertensão pulmonar. Veremos como esse diagnóstico, o risco de vida em permanência e as recomendações seguidas ao pé da letra pela mãe influenciaram a evolução psı́quica de Nilton. Cabe aqui citar a seguinte frase de Maud Mannoni: “Acontece que a criança precocemente perturbada (às vezes por motivos puramente orgânicos) consegue ‘formar’ uma mãe ‘anormal’. Essa questão, até o presente, foi muito pouco aprofundada”(Maud Mannoni, 1982). Foi o que penso que aconteceu com a mãe de Nilton. Ela passou a ficar constantemente com Nilton nos braços. Ele mamava o tempo todo e a alimentação permaneceu quase exclusivamente lı́quida até cerca de dois anos. Quando tentava dar comida sólida ele se engasgava, vomitava, “começava a ficar roxo”. Somente aos sete meses começou a afastá-lo de seu próprio corpo, mas colocando-o numa banheira, pois assim não poderia se mexer muito. Foi depois dessa “separação” que o desmame se fez aparentemente sem dificuldades: “Ele foi deixando... acho que o leite foi secando...” Nunca o colocava no chão, pois ele poderia fazer um esforço fı́sico perigoso. Nunca se afastava para outro cômodo, nunca deixava de observá-lo. Também nunca permitia que chorasse por um tempo mais prolongado, pois ele também “começava logo a ficar roxo”. Dessa forma estava sempre à disposição da criança, fazia 67 PREVENÇÃO tudo o que ele queria, “advinhava o que ele precisava” mal ele manifestava alguma inquietação. Desses cuidados constantes ela não se queixava. Não podia fazer outra coisa na vida a não ser cuidar de Nilton. Cuidava também um pouco da casa, mas sempre olhando para ele. Nunca saı́a sem ele. “Minha vida é isso mesmo, tenho que cuidar dele, não me queixo...” Logo se verificou que o desenvolvimento de Nilton não era igual ao das outras crianças: não sentou na idade habitual, começou a dizer algumas palavras mas depois parou: “Parece que esquece...”, diz a mãe. Seu vocabulário com a idade de dois anos e meio resumia-se a três palavras: cocó, vovó, tchau. Demorou muito a se sustentar em pé, e só veio começar a andar depois dos dois anos de idade. Com um ano e três meses uma pediatra do serviço enviou Nilton à consulta mãe-bebê. Num primeiro contato, além do retardo psicomotor, observamos essa relação de extrema fusão da mãe com a criança. Mas pude notar que a criança respondia ao apelo por seu nome e estabelecia uma relação com o outro através do olhar. Nos encontros subseqüentes, pouco a pouco comecei a observar certos sinais bem mais inquietantes: movimentos estereotipados com as mãos e com os dedos, bem como certos sons que eram repetidos infinitamente: ah ah ah ah ah ah ... eh eh eh eh eh... Esses gestos e sons ele fazia quando via alguém, quando alguém brincava com ele, ou quando via um brinquedo. Quando pegava os brinquedos jogava todos longe, quebrava, “destrói tudo”, conta a mãe. Parece que de certa forma tinha começado aquele jogo que fazem os bebês: jogar fora o brinquedo para que a mãe o trouxesse de volta diante de uma grande manifestação de júbilo, variação do fort-da. Mas para Nilton não havia jubilação e sim choro, inquietação, angústia, inten- 68 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL sificação dos movimentos estereotipados. E ele não queria mais os brinquedos de volta. Uma espécie de fort sem da. “Sem Dasein”? Além disso, tinha intensas manifestações agressivas em relação à mãe: mordia-lhe o ombro até feri-la, arrancava-lhe os cabelos aos montes. Freqüentemente seu olhar se perdia ao longe. Sua sintomatologia sugeria fortemente a idéia de um quadro de psicose precoce. Infelizmente, apesar de detectado relativamente cedo, seu tratamento não pôde continuar com a regularidade necessária para o seu caso. Ele vem ao hospital mais ou menos de quatro em quatro meses. A famı́lia mora numa cidade do interior e não tem condições financeiras de fazer esse trajeto com muita freqüência. A mãe cuida da criança praticamente sozinha, ele “preenche minha vida”. O pai mantém a casa, e vive sua vida lá fora. Nilton tinha se tornado para eles esse corpo-máquina que precisava continuar funcionando a todo custo apesar da peça principal estar defeituosa. Recentemente foi operado, mas a cirurgia não corrigiu totalmente o defeito, ele continua a ter hipertensão pulmonar. Assim seu corpo continua colado ao corpo da mãe, alienado no desejo dela, não podendo surgir como sujeito desejante. Parece que a comunicação entre eles se mantém como se ele estivesse ainda intraventre... A atitude da mãe seria a mesma se a criança não tivesse esse defeito? Questão difı́cil de responder. Penso entretanto que a atitude dos médicos, não levando em consideração o corpo da palavra, contribuiu de alguma forma para esse comportamento da mãe. O olhar médico, fixando-se sobre o corpo da ciência, induziu nela a fantasia de que separar-se dele seria matá-lo. 69 PREVENÇÃO A subjetividade na instituição... Vemos que nos primeiros casos, ao sentimento de estranheza da mãe, a medicina responde com a procura minuciosa de uma causa orgânica, deixando de lado o aspecto subjetivo dos sintomas, e reforçando as manipulações puramente corporais da criança. No caso de Nilton, o olhar médico também dirigido para o corpo da ciência não leva em consideração a questão do sujeito. Esses casos muito graves seriam tomados normalmente por doenças orgânicas irreversı́veis. Mas essa resposta médica vai se modificando pouco a pouco, a partir do grupo de estudos com os profissionais da equipe do serviço de puericultura. Essas mães não teriam vindo consultar se não tivessem sido encaminhadas pela equipe do serviço de puericultura. Os médicos se dão conta, sem esquecer a especificidade de seu trabalho, que além do risco de morte do corpo há também o risco de morte do sujeito. E que o único meio de encontrar o limite ético entre esses dois riscos, é manter na medicina, como sugere Lacan em seu texto Psicanálise e Medicina, a descoberta freudiana, que nasceu na medicina e mesmo do fracasso da medicina diante de certos sintomas, os sintomas histéricos. A psicanálise permite perceber, através de seu instrumento fundamental que é a palavra, que além da demanda de cura de um sintoma há uma mensagem simbólica a ser decifrada, que supõe a existência de um desejo inconsciente e de um sujeito desse desejo. É o que faz com que uma pediatra, por exemplo, indo além do diagnóstico puramente cientı́fico, além de uma prescrição puramente medicamentosa, possa descobrir num caso de eczema grave num bebê de um ano, uma atitude de profunda rejeição da mãe, que chegava mesmo a amarrá-lo 70 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL enquanto se ocupava das tarefas domésticas. E o que fez também que outros pediatras nos enviassem essas crianças das quais falamos agora. Esse olhar que vai além do corpo da ciência, por si só, pode modificar inteiramente a evolução dos tratamentos subseqüentes. Resta no entanto um problema a nı́vel das mães: como criar a demanda? Entre os cinco casos citados, somente dois continuam o tratamento. Dificuldades financeiras e sociais são invocadas. Pertencem a um meio cultural pouco desenvolvido, e são com efeito invadidas pelo real da necessidade. Mas me parece que, além dessas dificuldades, há uma certa tendência a se fechar com a criança, “eu me tranco com ela no quarto...”, a carência material fechando talvez a possibilidade de ver uma outra carência. O fato é que, num outro caso de um bebê de 5 meses, depois de algumas sessões, quando o bebê começou a adquirir o tônus, a sustentar a cabeça e fixar o olhar no outro, ela desapareceu, não deu mais notı́cia. Contudo, esse e outros casos que acompanhamos nos mostraram como é possı́vel obter modificações rapidamente se a intervenção se faz precocemente. Bibliografia: DEBRAY, Rosine. Bebês/Mães em revolta. Tradução de Leda Mariza Vieira Fischer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. ELIACHE, Caroline. À corps et à cris. Paris: Éditions Odile Jacob, 1994. FREUD, Sigmund. Publicações pré-psicanalı́ticas e esboços inéditos. In E.S.B. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1987, vol. 1, 2a edição. 71 PREVENÇÃO HAAG, Geneviève. Uma experiência de trabalho preventivo na creche. Tradução de José Roberto de Almeida Correia. CREAI de BRETAGNE - Jornadas de abril, Rennes, 1985. KESTEMBERG, E. Autrement vu. Paris: PUF, 1981. MANNONI, Maud De um impossı́vel a outro. Traduzido por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. LACAN, Jacques. Conferência en Ginebra sobre el sintoma. In Intervenciones y textos, vol. 2. Buenos Aires: Edicciones Manantial, 1988. LACAN, Jacques. Psicoanálisis y Medicina. In Intervenciones y textos, vol. 1. Buenos Aires: Ediciones Manancial, 1988. LACAN, Jacques. Le Séminaire, livre XI – Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris: Éditions du Seuil, 1973. LAZNIK, Marie-Christine (Org.). O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas. Coleção Psicanálise da Criança. Salvador: Ágalma-Psicanálise, 1994 (1a ed.). LEDOUX, Michel H. Introduction à l’oeuvre de Françoise Dolto. Paris: Éditions Rivages, 1990. STOLERU, Serge et MORALÈS, Huet. Psychothérapies mère-nourrisson. Colection “Le fil rouge”. Paris: PUF, 1989. 72 INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL Sobre os Autores Telma Queiróz Psicanalista. Atua no Hospital Universitário Lauro Wanderley, na Universidade Federal da Paraı́ba. José Roberto de A. Correia Psiquiatra e psicanalista. Coordenador do Centro Médico Psicopedagógico Infantil - CEMPI, em Recife. Márcio Allain Neonatologista. Coordenador do Projeto Aconchego do Hospital Professor Hagamenon Magalhães, em Recife. Maria do Socorro Amorim Psiquiatra, psicanalista. Diretora Clı́nica do Centro Médico Psicopedagógico Infantil - CEMPI, em Recife. Icléia Diniz Psicóloga, psicoterapeuta. 73 Pai, mãe, bebê A INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ: PRIMEIROS PASSOS∗ Sı́lvia Ferreira Gostaria, inicialmente, de agradecer o convite da Dra. Marie Christine Laznik para apresentar este trabalho para os senhores. Gostaria, também, de dizer de minha alegria e prazer em estar aqui para falar-lhes sobre A Interação Mãe-bebê. Gostaria, ainda, de desculpar-me por não dominar ainda o idioma francês, tendo, portanto, de falar na minha lı́ngua, o que, no entanto, não me desagrada, pois é uma oportunidade para mostrar-lhes o quão bonita ela é também. O que eu trago para os senhores é, em função do tempo disponı́vel, uma pequena parte de minha Dissertação de Mestrado em Lingüı́stica, apresentada na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, sob a orientação do Prof. Luiz Antonio Marcuschi, Doutor em Filosofia da Linguagem. A Interação Mãe-bebê: primeiros passos. Este é o tı́tulo da Dissertação. Com a finalidade de verificar como se iniciam e se desenvolvem as primeiras relações entre parceiros tão caracteristicamente distintos, acompanhamos durante pouco mais de um ano uma mãe primı́para e o seu bebê, de sexo ∗ Trabalho apresentado na Association Lacanienne de Paris, extraı́do do Mestrado em Lingüı́stica apresentado na Universidade Federal de Pernambuco, 1990. 77 PAI, MÃE, BEBÊ masculino, que, no inı́cio da pesquisa de campo, contava apenas um mês de vida. Filmamos quinzenalmente situações em que o bebê era alimentado pela mãe, situações em que a mãe dava banho no bebê e situações em que mãe e bebê brincavam. A observação e análise dos dados assim coletados mostraram: a) que a mãe dirige-se à criança dialogicamente, atribuindo-lhe turnos, ou seja, um espaço temporal durante o qual o bebê pode manifestar-se; b) que a mãe executa um trabalho interpretativo do fluxo comportamental de ambos os participantes da dı́ade mãe-bebê, num movimento especular, constante e repetido. Seja, por exemplo, a seguinte seqüência interativa, observada entre a mãe e o bebê, durante uma situação de banho. O bebê, que está com três meses e cinco dias, encontra-se dentro da banheira, o banho já foi iniciado, e a uma certa altura observa-se: Sessão de observação no 028 - 28/30 Data: 20.08.88 Idade: 0; 3, 5 Tape Counter 9:74 Turno 28 29 30 Comport. não-verbal Tentando mudar a posição do bebê, retira o braço direito que apóia as costas dele. Atendendo à solicitação do bebê, deixa-o na posição anterior voltando a apoiar as suas costas com o braço direito. A-1 Fala M N Comport. não-verbal Pon:tu\ Pon:tu\ Não \ cai não cai não cai não Comport. não-verbal A-2 Mantém-se rijo Consola-se Essa sequência revela a existência de três turnos: 78 Comport. verbal Choraminga INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ a) o primeiro é ocupado pela mãe, que desenvolve uma atividade ao mesmo tempo em que produz um enunciado; b) o segundo é “ocupado” pelo bebê que, em resposta ao comportamento verbal e não-verbal da mãe, choraminga enquanto resiste a mudar de posição; c) o terceiro é ocupado pela mãe que reage segundo a interpretação que faz dos sinais do bebê: ela entende que o bebê se sente inseguro com a retirada do braço que o apoiava dentro da banheira; por isso, volta a segurá-lo, como antes, ao mesmo tempo em que procura tranquilizá-lo através do enunciado “Não\ cai não cai não cai não”. O choramingo e a rigidez corporal do bebê, assim como outras manifestações, como as vocalizações, o grito, o sorriso, o olhar, compreendem os sinais comunicativos que ele expressa na relação com a mãe. Mas esse comportamento não constitui simples ações ou reações corporais ou orgânicas uma vez que, sendo desenvolvidas na relação interativa, são transformadas pelo sentido que lhes é atribuı́do pela mãe, que reage em função da interpretação que ela dá às manifestações infantis. Essas primeiras manifestações, embora anteriores à emergência da linguagem, por resultarem na adoção de determinadas providências por parte da mãe, funcionam como Atos de Fala, embora não constituam ainda realizações lingüı́sticas. Aliás, já dizia Freud em seu Projeto que se a via de descarga utilizada pelo bebê quando ele sente fome ou sede, o choro, por exemplo, não elimina o acúmulo de tensão no interior do corpo do bebê, ela tem, no entanto, uma função 79 PAI, MÃE, BEBÊ secundária muito importante: a de comunicar à mãe o seu desconforto. Dissemos que a mãe dirige-se ao bebê atribuindo-lhe turnos. Isto significa que a mãe eleva o bebê à categoria de participante da troca interativa, ou de interlocutor, se considerarmos os sinais produzidos pelo bebê como Atos de Fala. Sabemos, no entanto, que o bebê pequeno é incapaz de ocupar o que seria o seu turno, ou seja, de assumir o papel do outro parceiro no diálogo. O que se observa é que a mãe assume alternadamente a posição que cabe a ela, enquanto mãe, e a posição que cabe ao bebê. Na medida em que assim procede, a mãe está utilizando, na estruturação do diálogo com o seu bebê, um dos processos constitutivos do diálogo que é a reversibilidade de papéis: ora ela faz do bebê o ouvinte, ou seja, o destinatário de sua mensagem, ora ela faz do bebê o falante e ela se torna então a destinatária da mensagem do bebê, à qual ela atribui um sentido. Seja a seguinte seqüência interativa ou diálogo em que a mãe assume alternadamente a posição da mãe e do bebê, diálogo que ora é alimentado pelas identificações maternas, ora pelas manifestações explı́citas do bebê. O bebê, com três meses e quatorze dias, está no “babyrelax”, enquanto a sua mãe ultima os preparativos para a sua refeição. A mãe aproxima-se do bebê, põe uma fralda em volta do pescoço dele, e lhe fala em “manhẽs”: (Turno 1) “Tumá um suquinho...” (v. p. 81) Quando a mãe se aproxima, o bebê volta a cabeça em sua direção, os movimentos de braços e pernas se intensificam e ele vocaliza durante o último ato de fala da mãe. A mãe interpreta a vocalização do bebê falando por ele: (Turno 2) “Sim mainha...” (v. abaixo) 80 INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ Em seguida, a mãe dá a mamadeira ao bebê enquanto lhe fala: (Turno 3) “Pon:to goto:so...” (v. abaixo) A mãe responde pelo bebê à pergunta que ela mesma fez: (Turno 4) “Goto:so sim...” (v. abaixo) A mãe continua alimentando o diálogo fazendo uma outra pergunta: (Turno 5) “Goto:so heim” (v. abaixo) E a mãe responde novamente pelo bebê: (Turno 6) “Gotosinho mainha” (v. abaixo) Turno 1 — Mãe — Tumá um suquinho\ Tumá um suquinho mainha\ Vamu tumá um suquinho mainha\ Vamu mainha tumá um suquinho\ Turno 2 — Bebê — Sim mainha sim\ Bora tumá o suquinho\ Turno 3 — Mãe — Pon:to goto:so mamãezinha\ goto:so mamãe\ (ri) goto:so mamãezinha\ é mamãe / Turno 4 — Bebê — Goto:so sim mainha sim mainha sim mamãezinha sim Turno 5 — Mãe — Goto:so heim/ Turno 6 — Bebê — Gotosinho\ gotosinho mainha\ A estrutura desse diálogo é semelhante ao modelo conversacional padrão de trocas. Para “conversar” com o seu bebê a mãe ora fala ao bebê, ora fala pelo bebê, num movimento contı́nuo e repetido de identificações e interpretações. Neste movimento especular da mãe para o bebê e do bebê para a mãe o diálogo se constrói. Esse diálogo continua se desenvolvendo mesmo quando é interrompida a refeição, como mostra o quadro seguinte: Turno 17 — Mãe — Sujou todinho \ tomou banho agora sujou todinho \ Turno 18 — Bebê — Sujou todinho \ mamãe \ 81 PAI, MÃE, BEBÊ Turno 19 — Mãe — ((Vocalização)) Turno 20 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \ Turno 21 — Mãe — Tão lindo de mamãe \ cadê o menino de mamãe / menininho de mamãezinha / Turno 22 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \ Turno 23 — Mãe — Como é lindo de mamãe como é lindo como é lindo como é lindo como é lindo Turno 24 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \ sim mamãe \ sim mamãe \ Turno 25 — Mãe — ((Vocalização)) Turno 26 — Bebê — Sim mamãe sim \ Turno 27 — Mãe — ((Vocalização)) Turno 28 — Bebê — Sim mamãe sim \ sim mamãezinha sim \ Turno 29 — Mãe — ((duas vocalizações)) Turno 30 — Bebê — É mamãe \ é \ Turno 31 — Mãe — Diga prá mamãe \ conte prá mamãe \ conte prá mamãezinha \ conte \ Turno 32 — Bebê — ((duas vocalizações)) Turno 33 — Mãe — Conte \ (rindo) conte \ Turno 34 — Bebê — Tá cum sono \ né mainha / Turno 35 — Mãe — Tumá o restinho do suquinho / bora / quer não / Turno 36 — Bebê — Quer não / /.../ Enquanto o diálogo se mantém, mãe e bebê estão em contato um com o outro, isto é, em interação. Como a disposição para se comunicar é comum aos dois participantes da dı́ade, a troca é satisfatória. E embora a mãe detenha o poder de estruturadora do diálogo, o bebê fornece a ela ele- 82 INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ mentos retroalimentadores do processo comunicativo. Uma vocalização, por exemplo, no contexto diálogo acima, representa para a mãe uma resposta afirmativa à questão anterior. Duas vocalizações são interpretadas como um texto através do qual o bebê relata um acontecimento à mãe. O conjunto das manifestações do bebê (olhar e sorriso dirigidos à mãe, vocalizações e movimentos buco-labiais), associado às identificações maternas operam como constituintes do diálogo, que se insere num determinado contexto. E embora a estrutura lingüı́stica desse diálogo seja uma criação exclusiva da mãe, é a participação do bebê que faz dele uma co-produção e um texto organizado. Vejamos uma outra seqüência interativa, estando o bebê com apenas um mês e doze dias. O bebê está deitado no colo da mãe na posição “de refeição”. Ele procura alcançar o mamilo da mãe, enquanto a perna esquerda, que está livre, se agita. A mãe ajusta a cabeça do bebê ao seio e acomoda o mamilo na boca do bebê, que o agarra. A mãe interpreta o que está ocorrendo dizendo: “Pontu Pontu (.) Pon: tu\” O objetivo final dessa seqüência interativa é a amamentação do bebê, que é buscada através da sucção do seio materno. Mãe e filho se integram nessa busca, cuja finalidade é a satisfação da necessidade do bebê. O bebê, que parece experimentar um mal-estar associado à tensão causada pela fome, inquieta-se enquanto não consegue introduzir e manter o mamilo na boca. A mãe interpreta os sinais emitidos pelo bebê (agitação da perna e procura do mamilo) ao ajudá-lo a acomodar-se (ajustando a cabeça da criança e deixando o seio livre e à disposição dele). 83 PAI, MÃE, BEBÊ Através do seguinte enunciado “Pontu pontu (.) Pon:tu\”, a mãe interpreta os esforços do bebê assim como os seus próprios esforços, e, por outro lado, procura acalmar o bebê, anunciando-lhe que, enfim, ele pode mamar. Isto é indicado principalmente pelos traços prosódicos que marcam a última produção. (“Pon:tu\”). Uma outra seqüência interativa vai mostrar que a mãe utiliza, com certa freqüência, o mesmo enunciado, na relação com o bebê, principalmente quando ele é ainda muito pequeno. Vejamos: O bebê está com um mês e vinte e oito dias. Ele acabou a refeição e se encontra nos braços da mãe, na posição vertical, voltado para o ombro esquerdo dela. Ele está sem roupa e choraminga. A mãe consola o bebê enquanto verifica se o banho está pronto. Ela faz isso aproximando-se da banheira e conferindo a temperatura da água, ao mesmo tempo em que fala ao bebê: “Nã:o mainha tá aqui: \ pon::tu \”. O bebê parece se acalmar visto que pára de choramingar. Constatando que o banho está pronto a mãe se volta para o bebê e indaga: “Pontu /”. A simplificação léxico-sintática deste enunciado sugere que ele pode ser desdobrado em sentenças equivalentes às seguintes, considerando-se naturalmente a situação contextual em que está envolvido: “Não chore” (“Nã:o”); “você não está sozinho, sua mãe está aqui” (“mainha tá aqui: \”); “você vai ficar bem” (“pon::tu \”). Por suas caracterı́sticas, este enunciado, como a maior parte dos atos de fala produzidos pela mãe pode ser distinguido como “baby-talk” (C. Ferguson, 1977) ou fala “manhês” (A.J. Elliot 1982): tipo de fala geralmente utilizado pelos adultos quando em interação com crianças pequenas. 84 INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ O “baby-talk” ou fala “manhês” se destaca por suas caracterı́sticas sintáticas (frases curtas e independentes, paradas durante o enunciado, repetição), léxicas (simplificação morfológica, reduplicação, multifuncionalidade das palavras), e prosódicas (tom de voz alto e bastante agudo, entoação exagerada, velocidade de emissão mais lenta, silabação, alongamento de vogais), traços esses que, de acorda com J. Dubois (l978), contém elementos de informação afetiva. A simplificação sintática e léxica do enunciado materno parece ser compensada pela abundância das marcas prosódicas que lhe são imprimidas, como se reconhecendo a mãe que o seu bebê ainda não tem a compreensão verbal de que necessitaria para entender os significados dos seus atos de fala, utiliza uma linguagem expressiva que comporta o afeto dirigido à criança. A palavra-frase “pon::tu\”, localizada na parte final do enunciado em questão, também aparece na sessão de observação analisada acima, em posição idêntica, ou seja, é a última unidade do enunciado produzido durante o 1o turno. De acordo com a análise ali desenvolvida, a palavra-frase “pon::tu \”, que apresenta um alongamento menor, comunica, como todo o enunciado do qual faz parte, a intenção materna de acalmar o bebê, que, naquela situação, encontrava-se em estado de desconforto, pois estava faminto. Na sessão em foco, a finalidade da fala da mãe também é tranqüilizar o bebê, que choraminga em seus braços. Em ambos os casos, os traços prosódicos que marcam a verbalização materna comunicam ao bebê o afeto que lhe é dirigido. O comportamento verbal da mãe, pertencente à seqüência seguinte deste subtópico, contém também a unidade “pontu”, único componente do enunciado. Todavia, se esta unidade é morfologicamente semelhante ao componente final do enunciado anterior (“Nã:o mainha tá aqui:\ pont::tu /”) 85 PAI, MÃE, BEBÊ ela, além de não apresentar em sua emissão um alongamento da primeira sı́laba, é marcada por uma entoação ascendente, traços que a tornam distinta daquela (“pontu /”). Ora, a situação contextual em torno da qual se verifica esta produção, mostra uma variação em relação à precedente. Antes, enquanto a mãe “verificava se o banho do bebê estava preparado, ela respondia aos apelos do bebê (choramingo). Na seqüência posterior, enquanto constata que a banheira ficou pronta, percebendo que o bebê já não choraminga lhe faz uma indagação, empregando a simplificação sintática “pontu /”, que pode ser desdobrada em sentenças como “Você está pronto para o banho?”, ou “Você está bem?” ou ainda “Você está se sentindo melhor?”. Inicialmente, quando as reações do bebê são predominantemente indiferenciadas, as interpretações da mãe se apoiam sobremaneira em identificações pessoais. Neste caso, com certa freqüência, a mãe expressa em enunciados lingüı́sticos a interpretação desenvolvida. Exemplos: 1o ) o bebê pára e retoma a sucção do leite materno: a mãe fala pelo bebê dizendo: “Tô cum fominha mamãezinha \”. 2o ) o bebê vocaliza: a mãe diz: “Sim mainha \ sim \”. Quando o bebê começa a combinar sinais comunicativos (gesto e vocalização, vocalização e sorriso, vocalização, sorriso e olhar, vocalização e entoação) ou a desenvolver ações concretas como pegar e segurar um brinquedo, pegar o sabonete durante o banho, a interpretação materna verbalizada é progressivamente omitida. O comportamento do bebê é, então, seguı́do, de imediato, da resposta materna. Exemplo: Durante o banho, o bebê inclina-se para a frente, estendendo a mão direita, segura o sabonete — ação do bebê. 86 INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ A mãe apresenta uma resposta verbal, falando por ela mesma: “Não senhor \ WILSON NETO \”. Reação do bebê — o bebê mantêm a mão sobre o sabonete voltando o rosto para a mãe e contemplando-a. Reação motriz materna — A mãe tira a mão do bebê do sabonete. Nessa seqüência, verificada quando o bebê tinha a idade de nove meses e três dias, o bebê não é levado à categoria de interlocutor através da atividade interpretativa verbalizada da mãe, como nas passagens anteriores. Aqui, o bebê desempenha ele próprio o papel de interlocutor ativo através das suas ações e reações. O comportamento de um interactante distingue-se claramente do comportamento do outro. Os parceiros da dı́ade têm suas posições marcadas pelo turno que cada um ocupa. Mãe e bebê já não formam a unidade anterior. Mas é já aos seis meses, quando o bebê começa a se organizar em relação ao tempo e ao espaço, que os interactantes começam a se opor, ocupando cada um a posição que lhe é própria, conforme demonstra a seguinte seqüência: A-1 — A mãe reapresenta a mamadeira ao bebê. A-2 — /... / O bebê levanta a mão esquerda para afastar a mamadeira A-1 — A mãe recolhe a mamadeira /... / Nesta etapa, o valor expressivo do comportamento do bebê o torna comparável a um enunciado. O gesto de levantar a mão para afastar a mamadeira, associado à rotação da cabeça no sentido contrário, tem o mesmo valor semântico de uma sentença como “Não, eu não quero”. A ação do bebê mostra como unidades comunicativas antes produzidas isoladas e indiferenciadamente vão, num determinado contexto, combinar-se em estruturas mais complexas semelhantes às estruturas gramaticais das sentenças. Quando o comportamento do bebê adquire um valor ex87 PAI, MÃE, BEBÊ pressivo comparável ao de um enunciado, a relação interativa passa a ter a seguinte organização: Turno 1 — A-1 — ação materna Turno 2 — A-2 — reação do bebê Turno 3 — A-1 — reação materna Turno 4 — A-2 — reação do bebê Para a montagem dessa estrutura são determinados os limites dos turnos e a sua localização, o que implica na determinação dos lugares dos parceiros da dı́ade: já não mais a unidade mãe-bebê, mas um par diferenciado em mãe e bebê. Índice dos signos convencionais e abreviaturas / entonação ascendente \ entonação descendente : alongamento da vogal :: alogamento mais acentuado da vogal (.) pausa inferior a 0,5 segundo pausa superior a 0,5 segundo (..) () descrição de ato de fala /.../ parte de ato de fala não transcrito NETO palavras ou sı́labas pronunciadas enfaticamente sı́labas sublinhadas indicando o reforço do acento Vamu M “manhês” (lı́ngua caracterı́stica das mães dirigindo-se aos seus filhos pequenos) N lı́ngua “normal” (modalidade da lı́ngua empregada pelos adultos entre si) Sobre a Autora Psicanalista. Fez seu mestrado em Lingüı́stica acerca da interação mãe-bebê. 88 A CLÍNICA DO HOLDING Florence Benavides e Claude Boukobza “Podemos ajudar a melhorar as mães que têm nelas a capacidade de dar cuidados suficientemente bons (good enough care) ; Basta se ocupar delas de uma maneira que reconheça a natureza essencial de sua função. Para as mães que não têm isto nelas não é instruindoas que as tornaremos aptas a fazê-lo”. D.W. Winnicott1 Claude Boukobza – Antes de entrar na discussão de alguns casos, eu gostaria de evocar aqui as reflexões teóricas que presidiram a criação da unidade de acolhimento mãescrianças. Partimos em primeiro lugar das análises de Winnicott sobre a relação pais-criança2 . Winnicott se fundamenta sobre uma nota de Freud em “Formulações sobre os dois princı́pios do funcionamento mental”3 . “[...] A utilização de uma ficção deste gênero [uma organização que é inteiramente submetida ao princı́pio do prazer e que negligencia a realidade do mundo exterior] se justifica quando se considera que o bebê — desde que se inclua o cuidado que recebe da mãe — quase realiza um sistema psı́quico deste tipo”4 . É esta estrutura bebê-cuidados maternos que interessa a Winnicott. Segundo ele, nesta fase em que o bebê depende dos cuidados da mãe, há um tipo de complementaridade entre mãe e bebê: e o Eu da mãe supre o da criança, ainda frágil ou inexistente. 89 PAI, MÃE, BEBÊ Winnicott designa pelo termo de holding o conjunto de cuidados dados pela mãe à criança para responder suas necessidades fisiológicas, especificadas segundo sua própria sensibilidade tátil, auditiva, visual, sua sensibilidade à queda, e que se adaptam às mudanças fı́sicas e psicológicas da criança. O aspecto essencial do holding, sublinha ele, é o fato de segurar fisicamente a criança. O centro de gravidade do bebê não se situa no seu próprio corpo mas entre o dele e o da sua mãe. Os cuidados maternos são a continuação da contribuição fisiológica da gestação e quase não se percebem, se tudo vai bem. A criança retira daı́ um sentimento de continuidade de existir. É sobre esta base de continuidade de ser que o potencial inato se desenvolve segundo sua própria linha. Quando as coisas não vão bem, a saber, quando a mãe falha, a criança se dá conta não da carência mas das conseqüências desta carência, quer dizer, ela reage a uma usurpação do seu próprio desenvolvimento. O holding tem então como função essencial evitar para a criança a necessidade de reagir e de interromper por isto a continuidade de existir. Face a rupturas muito intensas, o risco para a criança é a angústia de aniquilação. “Eis, diz Winnicott, como podemos descrever o que ela vive [então]: Partir-se em pedaços tombar numa queda sem fim morrer, morrer, morrer perder toda a esperança de ver o contato se restabelecer”5∗ ∗ “s’en aller en morceaux faire une chute sans fin mourir, mourir, mourir perdre tout espoir de voir le contact se rétablir” no original (N. da T.). 90 A CLÍNICA DO HOLDING Winnicott observa que podemos ajudar as mães que possuem a capacidade de dar cuidados suficientemente bons a fazer melhor: “Basta se ocupar delas de uma forma que reconheça a natureza essencial da sua função”6 Através do nosso trabalho de consulta em psiquiatria infantil, nos pareceu de fato que um certo número de mulheres não conseguia assegurar para suas crianças pequenas este holding, e que era preciso tratar esta incapacidade materna delas próprias ajudarem as suas crianças. Mas como fazê-lo? Percebemos que “falar” não era suficiente, que essas mulheres esperavam outra coisa além das consultas psicoterapêuticas que nós lhes propomos. Tı́nhamos o sentimento de que era preciso assistir, no real da sua vivência cotidiana, o casal mãe-bebê, dar um continente para que a palavra pudesse ter seu efeito. Esta hipótese de inı́cio se mostrou, como veremos, largamente confirmada pela experiência. Hoje, para mim ela encontra eco em certas reflexões de Françoise Dolto:∗ “A mãe é o que ela é. Sem procurar logo aperfeiçoá-la, nem tampouco retirar seu filho, podemos assistı́-la [...] mas não basta de jeito nenhum para uma mãe que acaba de parir, escutá-la; dizê-lo não tem tanta relação com a vivência, a motricidade, o funcional em jogo[...], trata-se de um ‘viver com’ e sobretudo de um ‘fazer com’ para a pessoa que se ocupa desta mãe e deste bebê”7 Falando de uma plantonista de maternidade que tinha ∗ Françoise Dolto criou em Paris um tipo de acolhimento mães crianças — a Maison Verte — com o intuito de receber mulheres do bairro para desfrutarem de um perı́odo do dia da companhia de outras mulheres e crianças, um espaço de jogo para estas e de acolhimento para aquelas.Os profissionais envolvidos (psicólogos, psicanalistas, educadores e outros) não faziam nenhuma intervenção mais direta como psicoterapia mas funcionavam como elementos terceiros nesta relação (N. da T.). 91 PAI, MÃE, BEBÊ sabido maternar — chegando ao ponto de dar-lhe a mamadeira destinada ao seu bebê — uma jovem parturiente que tinha sido ela mesma abandonada por sua mãe no nascimento e cujo leite tinha sido bloqueado após a primeira descida, Dolto acrescenta: “[...] eu devo dizer que pessoalmente eu não teria jamais ousado fazer o que fez esta plantonista... Nós os psicanalistas, escutamos, nós escutamos; pensarı́amos que se ela tivesse chorado bastante sua mãe, teria bastado. Pois bem, tiro meu chapéu para esta plantonista que soube ‘fazer’ o que era preciso, humanamente, tendo compreendido bem mais além e mais profundamente que nós”8 . É então sobre as bases destas referências teóricas que nós propomos o seguinte dispositivo institucional: as mães são acolhidas durante o dia com seu (ou seus) filho(s). Os cuidados à criança são dados, na medida do possı́vel, pelas próprias mães, sempre acompanhadas, assistidas por uma das pessoas da equipe que mediatiza pela palavra um corpo a corpo geralmente provocador de angústia. Se isso é impossı́vel , a mãe é substituı́da por outra pessoa da equipe de modo a assegurar à criança uma continuidade dos cuidados. Poderı́amos chamar este trabalho de “Holding do holding” ou mais elegantemente de clı́nica do holding. Paralelamente ao trabalho de acolhimento, entrevistas com um psicanalista são propostas aos pacientes, cujo objetivo é de permitir-lhes elaborar o que se passa com a criança, o companheiro, assim como sua própria história. Essas entrevistas podem se passar com ou sem a criança. Elas podem ser freqüentes no inı́cio (duas ou três vezes por semana) para se espaçar em seguida. Não se trata geralmente de psicoterapia de longa duração, mas de um trabalho de elaboração de uma crise. De fato, um enquadre analı́tico lhes é proposto, do qual elas se servem segundo suas modalidades próprias, 92 A CLÍNICA DO HOLDING em função do que elas esperam da unidade e do ponto até onde elas estão dispostas a recolocar em questão suas problemáticas pessoais. Os pais são recebidos, seja pontualmente, seja mais regularmente, segundo o que nos parece mais apropriado e o que eles mesmos aceitam ou demandam. É este aspecto do nosso trabalho, a função do holding, que nós desejamos inicialmente interrogar, estando bem claro que não é a única dimensão. É por razões de dissertação que nós a isolamos de um outro componente também importante, que nós chamamos de função terceiro ou função separadora, da qual trataremos num segundo tempo. A função do holding tem um papel determinante no acompanhamento de todas as nossas pacientes. É um pouco a tela de fundo sobre a qual se bordam as diferentes variações. Poderı́amos, para ilustrar, falar de qualquer uma das famı́lias que acompanhamos. Decidimos confrontar dois casos: um onde a função de apoio aparece claramente e nos parece ter tido toda sua eficácia; outro, que será abordado por Florence Benavides, representativo de um trabalho muito mais problemático, que nós fazemos com as mães psicóticas. O acompanhamento da sra. D. começou de uma forma um pouco particular: foi Béatrice Bernard, enfermeira da equipe, que a percebeu atravessando a sala de espera do CMP (Centro Médico Psicológico), contı́guo à unidade. Ela estava lá, entre outras mães, em lágrimas: ela esperava seu filho Kamel, de dois anos e dez meses de idade, que estava em psicoterapia com uma das terapeutas do Centro. Tinha deixado seu bebê de onze meses no seu carrinho no hall de entrada, o mais longe possı́vel dela, mas mesmo assim ao alcance do seu olhar. Béatrice lhe propôs então vir tomar um café na unidade e se reconfortar um pouco ali, ao abrigo do olhar de todos, o que a sra. D. aceitou de bom grado. 93 PAI, MÃE, BEBÊ Diante de um café que ela pede — como a maioria das mães que nós recebemos — “bem quente, com muito leite e muito açúcar”, a sra. D., 24 anos, se apresenta como uma mulher deprimida, cansada, transtornada e exausta pelos seus três filhos: Myriam, cinco anos, Kamel e Mehdi. Seu marido, à frente de uma pequena empresa, é muito tomado por seu trabalho e ela se sente muito só. Nós lhe explicamos o nosso trabalho e lhe propomos retornar, se isto parecer-lhe de alguma ajuda. A sra. D. se agarra a esta oportunidade como alguém que se afoga se apóia numa bóia. Ela chega na unidade esgotada como alguém no final de uma maratona, e parece deixar seus filhos lá como se, em nossa presença, ela se desvencilhasse de toda a responsabilidade em relação a eles e ao mesmo tempo das preocupações da semana. Myriam se mostra como uma menina triste, preocupada, pedindo, sem obtê-la, a atenção de sua mãe, extravasando, em detrimento desta, manifestações de afeto em direção ao primeiro adulto que a acolhe. Ficamos sabendo que ela faz bronquites asmatiformes repetidas, que é freqüentemente hospitalizada e vive praticamente sob tratamento médico permanente. Kamel é um menino oposicionista e inibido, que parou de falar mas que a psicoterapia, em vias de término, ajudou muito. Mehdi não parece (ainda?) ter maiores problemas, se bem que sua mãe mostre um grande desinteresse por ele e o deixe de lado manifestamente. Eu proponho à sra. D. recebê-la regularmente em entrevistas individuais, o que ela aceita de bom grado. Durante a primeira entrevista, Myriam aparece na sala e se deita sobre o divã que está ali. Quando eu digo-lhe que nós sabemos que a situação é difı́cil para ela e que nós temos a intenção de nos ocupar da sua mãe, que não está bem, ela se levanta, me beija e vai brincar alegremente na sala ao lado. 94 A CLÍNICA DO HOLDING Desde então, o trabalho de acolhimento e o que eu penso poder chamar de psicoterapia vão se desenvolver paralelamente, sem que realmente um interfira no outro. No enquadre do acolhimento, a sra. D. regride, se libera das crianças, manifesta cada vez mais sua necessidade de nursing e de reconforto para si mesma. Assim ela nos leva — uma vez que chega de improviso, tremendo, dolente, no fim das forças — a agasalhá-la, para aquecê-la, nos lençóis dos berços dos bebês! Numa segunda-feira, ela nos conta que tinha feito, em sua casa, na presença do marido, uma tentativa de suicı́dio e que havia sido hospitalizada. Após este alerta, pedimos que ela fosse assistida em casa por uma auxiliar familiar e a colaboração com a sra. Vendeange vai se mostrar extremamente preciosa. Nas entrevistas, ela fala de si, da sua própria história: ela sempre fora objeto de brigas violentas entre sua mãe e avó paterna, na casa de quem seus pais viviam e que, diz ela: “não queria que sua mãe tomasse conta dela”. Diz não ter sido espancada, mas ter assistido constantemente a brigas violentas entre os adultos: pai contra mãe, mãe contra avó, pai e avó juntos contra a mãe. “Eu, eu era uma bola entre eles”, diz ela. Quando seus pais se divorciaram, ela escolheu viver com esta avó, que considerava como verdadeira mãe. Quando a avó morreu, ela tinha quinze anos, recusou-se a ir morar com seu pai e foi colocada em abrigos dos quais só tem lembranças de violência, de briga entre as meninas e de onde ela fazia tentativas repetidas de fuga. Desde os 18 anos fugiu para Paris, onde encontrou seu futuro marido, um maghrebino seis anos mais velho que ela, “seguro de si e responsável”, diz ela, que permitiu-lhe escapar de um destino deplorável. Uma vez que este homem teve de partir temporariamente para seu paı́s de origem, para regularizar seus papéis, enquanto ela estava grávida do seu primeiro 95 PAI, MÃE, BEBÊ filho, ela viveu sua gravidez e o nascimento de sua filha sozinha, num hotel mobiliado. Ela ainda vê a cena de ter dado uma palmada na filha pequenininha porque ela chorava e não conseguia acalmá-la. Fala da sua relação atualmente difı́cil com Myriam, geralmente doente e que ela tem que forçar a comer e a tomar os remédios desde que é pequenininha. Bate nela bastante, se sentindo muito culpada e se dá conta que ela está numa impossibilidade de responder às suas demandas que, em conseqüência, se tornam mais e mais insistentes e provocantes. Tem impressão de que a relação com ela se degradou depois do nascimento dos dois meninos, sobre os quais se polarizam os interesses dos pais. Em casa há muitas cenas violentas entre ela e seu marido, a quem ela é entretanto muito apegada; confessa também bater muito nas crianças desde que eles têm 2-3 anos, idade que ela tinha quando começaram a brigar na sua frente, acrescenta. É então que evoca com muita precisão e emoção as cenas de briga entre seu pai e sua mãe, entre sua mãe e sua avó. Um dia a sra. D. chama a unidade de repente: está em plena cena violenta com Myriam, nem uma nem outra conseguem se acalmar e ela tem a impressão que, enfurecida, poderia matá-la. É proposto então que ela deixe as crianças com a auxiliar da famı́lia, presente neste dia na casa, e venha à unidade. Nestes casos é sempre à equipe de acolhimento que ela se dirige, é dela que espera um apoio e uma ajuda imediata, retomando no só-depois estes eventos comigo. É o fato de Myriam ter se precipitado, na saı́da da escola, sobre um bombom que uma outra mãe oferecia ao seu próprio filho, que tinha sido o evento desencadeador da cena. Está consciente do caráter provocador da sua filha em relação a ela e sofre com isto, mas não sabe como ajudá-la e fica com raiva dela. Aceita com alı́vio a sugestão que lhe 96 A CLÍNICA DO HOLDING é feita de colocar Myriam em psicoterapia, por sua própria conta. A partir desta espécie de apogeu de dificuldades, a relação entre mãe e filha vai, claro, com algumas vicissitudes, melhorando. Na sua terapia, a sra. D. continua seguindo o fio de sua própria história. Sua mãe é atualmente casada, tem três outras crianças e liga para ela freqüentemente para contar-lhe detalhadamente as suas dificuldades com seu marido atual ou seus amantes. Ela se dá conta que é depois destes telefonemas que ela briga com seu marido, e que estas irrupções da sua mãe perturbam profundamente sua vida familiar e sua relação conjugal. Pouco a pouco conseguirá não mais falar disso com seu marido e manter sua mãe à distância. Falando das confidências de sua mãe, lhe ocorre uma primeira lembrança traumática: uma agressão sexual que ela viveu em torno dos 14 anos, quando foi visitar sua mãe. Esta disse-lhe: “Você não passa de uma puta, você bem mereceu”, enquanto que seu pai a apoiou e tentou ajudála a superar esta prova. Toda sua vida de adolescente foi profundamente perturbada, até encontrar seu marido. Algum tempo depois, dois meses após a morte de um tio paterno, ela evoca com muita reticência ter sido vı́tima, criança, de manipulações da parte deste último. “Jamais poderei falar disto a meu marido”. De fato ela acabou confidenciando a ele, que escuta com muita ternura e disponibilidade. Este momento constituirá uma reviravolta na relação deles. Tudo parece ir bem agora. A famı́lia consegue até a habitação que sonhavam. Entrevemos o fim do acompanhamento, pelo menos do acolhimento, ainda mais que a equipe tem a impressão que ela se instala na unidade de um modo confortável demais. A mim ela diz: “Só aqui eu sou feliz”. É quando o sr. D. se encarrega de uma segunda empresa, 97 PAI, MÃE, BEBÊ o que o mantém fora de casa praticamente dia e noite. É ele que pede a sua mulher para apoiá-lo. É demais para a sra. D., que se encontra só com seus três filhos neste novo apartamento, no meio das caixas, enquanto que a auxiliar só pode consagrar-lhe um meio turno por semana. A vizinhança parece-lhe hostil, persecutória. Ela cruza de novo os braços, cai seriamente doente, se encontra na impossibilidade de tratar-se por não ter com quem deixar as crianças. Ela então nos pede socorro novamente. Nós só podemos escutar as suas queixas e acompanhá-la neste perı́odo difı́cil, exigindo simplesmente dela que cuide minimamente da sua saúde. Ao final de alguns meses o sr. D. se dá conta de que a carga de trabalho que ele tinha se imposto não era sustentável e que a segunda empresa, longe de ser rentável, só trazia-lhe preocupações. Ele se desfaz dela, o que alivia enormemente sua esposa. O sr. D. constrói então um outro projeto de trabalho que integra sua mulher e ao qual ela sente poder se inserir. A unidade da famı́lia se refaz em torno deste projeto, quando a sra. D. se percebe grávida. Não era, por sinal, a primeira vez que ela nos partilhava este tipo de receio acariciando, como uma menininha que vai fazer uma besteira, a idéia de uma nova gravidez. Mas desta vez não tratava-se de um alarme falso. “Eu sempre pensei em ter quatro crianças, diz ela, mas não é realmente o momento. Eu gostaria tanto de estar grávida, mas eu sei que não suportarei outra criança. Meu marido me diz: ‘você não dá conta de três, quatro então...’ ” Ela hesita, pesa os prós e os contras, tem uma longa conversa com o marido, que a convence de que todos os projetos comuns seriam contrariados e até impossibilitados pela chegada de uma outra criança, sobretudo fazendo-a sentir que ele queria tê-la para ele, sem as crianças. Com este argumento ela resolve fazer 98 A CLÍNICA DO HOLDING um aborto, que enfrenta muito apoiada e encorajada pelo marido. Quando ela volta para casa, Myriam faz a comida e arruma a casa para ajudá-la, Kamel faz palhaçada para alegrá-la: “Ele é capaz de fazer você rir mesmo se você acaba de perder alguém”, me diz ela. Era necessário a renúncia desta nova gravidez, senão desta nova criança, para que ela aceitasse seu próprio destino, diferente do da sua mãe e do que fora traçado pela sua infância? “O problema de minha mãe, eu deixei para trás”, me diz ela antes de sair de férias nesse paı́s onde espera construir seu futuro. “Meu destino é o sol, eu nunca gostei da chuva”, diz ela ainda, que vem de uma região particularmente enfadonha. Com Myriam a relação mudou muito. “Ela não é mais uma menininha, e eu evoluı́. Mesmo quando ela faz bobagens, eu não posso mais bater nela. Nossa casa é um verdadeiro escritório de assistente social. Todo mundo vem procurar ajuda”. No caso da sra. D. a unidade funcionou bem como continente, onde ela podia vir depositar o fardo que constituiam para ela seus filhos e ocupar ela mesma um lugar de criança em sofrimento. Para assegurar à criança o holding de que fala Winnicott, é necessário que a mãe possa consagrar uma parte de suas forças, de sua energia, a alimentar e conter o desenvolvimento da criança. Se ela não consegue, a demanda da criança parece-lhe persecutória. “Elas sugam”, dizia — como muitas mães — a sra. D. que tinha a impressão de estar literalmente esvaziada pelas suas crianças, ela que sentia uma tal plenitude quando as tinha na barriga. O fato de ter se sentido primeiro aliviada, depois sustentada e reconfortada pela equipe, um pouco como a criança que ela não acabou de ser, permitiu-lhe “refazer suas forças”, e, sem muito risco narcı́sico para si mesma, dedicar-se aos seus filhos. É em relação a Mehdi, o bebê, que o processo foi mais 99 PAI, MÃE, BEBÊ operante. Apoiando-se sobre o olhar que a equipe e as outras mães dirigiam ao seu filho, ela pôde, até rapidamente, se interessar por ele, olhar para ele, cuidar, valorizá-lo até investı́-lo como his magesty the baby, e ser, em troca, valorizada como uma mãe completa. Não é a primeira vez que, numa fratria, é geralmente sobre o caçula que o benefı́cio da vinda à unidade se faz sentir mais. Quando tentamos falar dele, percebemos que não há nada a dizer, quer dizer, que tudo vai bem. Quanto ao trabalho que ela fez na elaboração de sua própria história, foi-lhe essencialmente permitido se descolar da imagem de sua mãe e deixar seu marido ocupar ao lado dela um lugar que ele estava de resto pronto a ocupar. * Florence Benavides — Eu vou falar-lhes mais precisamente do trabalho que se faz no acolhimento.∗ ∗ A Unidade de Acolhimento Mãe-Criança funciona no modelo de hospital-dia, recebe mães com seus filhos (quantos ela leve, de 0 a 6 anos). Está situada no prédio de um centro de saúde, ao lado de um serviço de atendimento psicológico para crianças e de um serviço de psiquiatria de adultos. A equipe se reveza em turnos de modo que todos os dias há uma psicanalista e algumas educadoras que acolhem as mães no sentido seja de escutá-las, seja de mediatizar a relação delas com seus filhos em particular e com as outras mulheres e crianças em geral. Todas as mulheres são recebidas com ou sem o pai da criança em consultas com o psicanalista e em alguns casos uma psicoterapia paiscriança é iniciada. A unidade recebe mulheres com problemas de ordem psiquiátrica (psicose, depressão ou distúrbios borderline) ou mulheres isoladas e em dificuldades com seus filhos, dificuldades estas geralmente detectadas pela creche ou pediatra que os encaminha. A proposta é que estas mães possam sair da relação dual conflitante encontrando um outro olhar e que por alguns momentos possam estar ali como mulheres também que podem conversar sobre sua sexualidade, casamento, maternidade, trabalho e também seus sofrimentos e angústias. A freqüência é determinada inicialmente e é variável segundo cada caso. Desta forma as mulheres sempre podem encontrar aquelas mesmas pessoas que as “contêm” na sua função materna (N. da T.). 100 A CLÍNICA DO HOLDING A Unidade Mãe-Crianças de Saint-Denis tem por objetivo propor um enquadre continente e protetor, moderar a angústia materna e permitir à mãe e à criança cujos primeiros encontros são perturbados, encontrar a boa distância, uma distância que lhes assegure que elas possam continuar a se desenvolver juntas e individualmente. O papel das “acolhedoras” é particularmente sutil, pois trata-se de encontrar a justa medida do acompanhamento e da mediação na relação conflitante e ambivalente entre a mãe e sua criança. O “acompanhamento” é o termo que nos parece melhor definir a relação de “estar com”, assemelhando-se a um holding: olhar o bebê com sua mãe, colocar palavras sobre o que ele expressa através de suas atitudes, permitir à mãe expressar suas vivências, estar lá enquanto “ terceiro testemunha”. Sempre se dando conta do que se passa no atual, no hic et nunc, em referência ao “bebê de carne”, a acolhedora está à escuta do bebê em sofrimento na mãe. Neste lugar semelhante a um receptáculo materno, as mães rapidamente deixam “cair a máscara” e se autorizam a regredir. Nosso trabalho também será o de conter, num primeiro tempo, esta regressão na qual as mães se posicionam rapidamente como rivais das suas crianças; e, num segundo tempo, o mais delicado, conduzı́-las a uma posição de adulto, de pais, tendo, como corolário, uma certa aptidão à frustração. Estas “mães em busca delas mesmas”, nós as olhamos, nós as acolhemos, elas e as crianças maltratadas em cada uma delas. Pensamos que elas poderão então se diferenciar progressivamente da criança real, pensar a separação e colocar palavras acerca dos seus afetos, suas representações, em lugar de atuá-las: do ato à cena e ao sentido. 101 PAI, MÃE, BEBÊ É talvez neste movimento entre a função continente e aquela do terceiro que nós poderemos contribuir para a criação de um novo espaço de encontro entre a mãe e sua criança. Eu escolhi falar de um acompanhamento de uma mãe psicótica e seu filho, através de alguns “momentos” que ilustram este tipo de intervenção que nós podemos ter neste tipo de acolhimento. Acolhimento que levanta sempre inúmeras questões, mas onde a função continente do lugar é tomada em destaque quanto à “desintoxicação” das projeções maternas. Neste caso, a demanda vem da psiquiatria de adultos. A sra. V. é hospitalizada após uma crise de agitação aguda em via pública e por problemas de ordem psicótica. Ela é mãe de um garotinho, Jérôme, de nove meses, de quem cuidou até o momento. O pai de Jérôme é presente no dia-a-dia, mesmo dizendo muito claramente que não quer viver sua vida com a sra. V. Os primeiros contatos acontecem quando a sra. V. ainda está hospitalizada. Ela vem nos visitar inicialmente com seu filho. Seu rosto é imóvel, mas com a chegada de outras crianças e outras mães ela se põe a sorrir e pergunta às mães sobre as idades das crianças, seus nomes... Na saı́da do hospital, a sra. V. deve seguir um tratamento quı́mico pesado, que tem como efeito colateral uma lentificação de sua atividade fı́sica e psı́quica. Quando retorna à unidade de acolhimento, Jérôme vem com ela. É um belo bebê, muito vigoroso. A sra. V. deixou sua identidade de “doente psiquiátrica” para reencontrar a de uma mãe e uma mulher. Maquiada, penteada, vestindo roupas coloridas, um sorriso nos lábios, ela parece feliz de estar ali com seu filho. Este último se lança na descoberta dos brinquedos... 102 A CLÍNICA DO HOLDING De inı́cio sua mãe nos fala de sua inquietude quanto às diarréias que Jérôme sofre há alguns dias. “Será devido ao leite?” Um pouco mais tarde ela evoca a separação do seu filho no momento da hospitalização como um momento doloroso e observa que “se Jérôme tem diarréias é porque talvez faltou-lhe carinho durante o tempo em que estivemos separados”, mostrando assim sua preocupação e sua capacidade de “escutar” o que se expressa através de um disfuncionamento somático. Para o almoço, a sra. V. trouxe um potinho de legumes, que ela esquenta; coloca a criança no seu colo e tenta dar-lhe a comida. Mas Jérôme recusa-se a abrir a boca, tranca os dentes, se empina, grita e se debate! Sua mãe, imperturbável, continua tentando, custe o que custar, fazê-lo engolir, aproveitando cada grito para enfiar-lhe uma nova colherada na boca. Esta cena de alimentação forçada torna-se insuportável para ela, para ele... e para nós. Propomos-lhe parar e respeitar a recusa do seu filho, principalmente porque muito freqüentemente as crianças vomitam se forçamos muito. Mas a sra. V. não escuta e continua, cada vez mais irritada. Alguns instantes mais tarde, Jérôme vomita tudo o que sua mãe conseguiu fazê-lo ingerir, fazendo-a fracassar! Nomeamos a dificuldade que representa este momento da refeição para ambos e desdramatizamos a situação. A Sra.V. relaxa e Jérôme, consolado, adormece nos braços da mãe. De fato, esta “seqüência” conflitual onde mãe e criança se defrontam se repetirá a cada refeição. E sempre nos espantaremos com o que expressa então a sra. V.: tal como uma autômata, mantendo-se de maneira muito rı́gida, sem uma palavra e com um rosto fechado e endurecido de onde emana uma violência potencial, ela só se dirige a este bu103 PAI, MÃE, BEBÊ raco, à boca que é preciso preencher. Ela não vê a pessoa, somente este vazio a obturar... Quando alimenta seu filho, ela o aprisiona literalmente nos seus braços, de tal sorte que ele não possa tocar a comida. Jérôme se defende cuspindo a comida, desencadeando a cólera de sua mãe. Às vezes ela lhe propõe uma colherada queimando, sem parecer se dar conta da temperatura, e sem a nossa intervenção, podemos pensar que ela poderia continuar, insensı́vel. Este tempo de alimentação nos deixou freqüentemente embaraçados: que fazer? Não intervir era impossı́vel: Jérôme manifestava sofrimento demais. Substituir a mãe tampouco, pois este tempo era um dos poucos em que ela cuidava do seu filho. A única atitude que pudemos ter foi a de “eu auxiliar”: colocar em palavras este momento tão conflitante, seja explicando as necessidades de uma criança desta idade, seja desdramatizando a cena, às vezes de um modo humorı́stico ou lúdico. Para a sra. V. a unidade de acolhimento representou um espaço continente, assegurador, como um envoltório de maternagem, protegendo-a de um exterior vivenciado como persecutório e agressivo. A função continente da equipe permitiu que algo da realidade da criança, na sua alteridade, pudesse ser ouvido e percebido por sua mãe, através das nossas intervenções cotidianas. Face a toda situação nova, como andar sobre a grama ou ir brincar na piscininha, Jérôme manifesta apreensão e se retém. Trata-se então de imaginar que transição propor. Pode ser um cobertor sobre a grama, sobre o qual Jérôme poderá avançar para se juntar a nós até andar progressivamente na grama. Pode ser também deixá-lo de fralda para entrar na piscina, em resposta à recusa de sua mãe de despı́104 A CLÍNICA DO HOLDING lo para entrar na água, fazendo assim a hipótese de que seria a visão de um corpo nu, sexuado, o que a deixava tão incomodada... Com outra mãe que não queria literalmente carregar sua criança, nossa intervenção foi a de propor-lhe instalar almofadas sob seu braço, estando presentes a fim de que ela mesma pudesse se sentir apoiada enquanto dava a mamadeira ao seu filho... Nesse tipo de acompanhamento muito intenso, a dificuldade reside na continuidade do nosso investimento. Com efeito, quando uma mãe chega, nós a amparamos particularmente, nós a mimamos com a preocupação de restaurar sua função materna. Mas passado o tempo nosso investimento se desloca da mãe para a criança, que utiliza o acolhimento para fazer aquisições e se desenvolver, enquanto que nos sentimos freqüentemente desencorajadas face à atitude de certas mães que regridem e se mantêm numa posição de dependência em relação a nós. São estas as nossas questões de hoje: como acompanhar estas mães, através de suas histórias singulares, a fim de que sejamos um ponto de apoio e não um ponto de ancoramento? Notas: 1. WINNICOTT, D. W. La théorie de la relation parentnourrisson. 1960. In De la Pédiatrie à la Psychanalyse. Paris: Payot, 1969, p. 358-371, Col. Bibliothèque de psychanalyse, 1984, p. 135-143. 2. Ibid 3. FREUD, S. Formulations sur les deux principes du cours des évenements psichiques. In Résultats, idées, problèmes, I. Paris: PUF. Ed. bras.: Formulações sobre os dois princı́pios do funcionamento mental. In E.S.B. vol. XII. RJ: Imago, p. 277-286. 105 PAI, MÃE, BEBÊ 4. Ibid, pp 136-136, nota 2. É a autora que sublinha. Ed. bras.: Ibid, p. 279n. 5. WINNICOTT, D. W. Le bebé et sa mère. Paris: Payot, 1992, p. 121. 6. A propósito desta noção de “se ocupar de” só podemos reenviar ao texto de Winnicott, Cure. In Conversations ordinaires. Paris: Gallimard, coll. Connaissance de l’inconscient, 1986, p.123 onde são desenvolvidos os diferentes aspectos dos cuidados, ao mesmo tempo “cure: soins, cure, traitement, guérison” e “care: soin, interêt, attention”. 7. DOLTO, F. In Naı̂tre ... et ensuite? Atas dos encontros do Hospital Saint-Vincent-de-Paul 17-18 outubro de 1977. Paris: Stock, coll. Les Cahiers du nouveauné, 1978, quarta edição, p. 293-294. 8. Ibid p. 195. 9. FREUD, S. Sobre o narcisismo, uma introdução. In Oeuvres Complètes, vol. XIV, pp. 83-119. Sobre as Autoras Claude Boukobza Psicanalista, membro do Espace Analitique de Paris, atua também como psicanalista na Unidade de Acolhimento MãeBebê, interligado ao setor de psiquiatria de adulto e de crianças em Saint-Denis, França. Florence Benavides Integrante da equipe da Unidade de Acolhimento MãeBebê em Saint-Denis, França. 106 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA DE UM BEBÊ DE PAIS PSICÓTICOS Maria do Carmo Camarotti Resumo Este trabalho apresenta a observação de bebês, como um instrumento preventivo e terapêutico nos casos onde o bebê, precocemente confrontado com a psicose materna, se encontra em situação de risco, no que se refere ao seu desenvolvimento psı́quico. Na mãe psicótica coexistem um intenso desejo de aproximação fusional com o bebê fantası́stico e uma incompreensão e intolerância diante das manifestações pulsionais do bebê real. Bebê de necessidades, que exige da sua mãe quase o impossı́vel para ela: fazer o percurso de uma relação narcı́sica para uma relação objetal. Baseado na observação regular e prolongada do bebê, o presente trabalho trata dos diversos aspectos da relação patológica precocemente instalada entre o bebê observado e seus pais, abordando o penoso caminhar desta criança, aprisionada numa relação fusional patológica com a mãe, rumo ao processo de separação-individuação. Um bebê exposto à psicose materna se encontra em risco no que se refere ao seu desenvolvimento psı́quico, principalmente se ambos, mãe e bebê, não são beneficiados pela presença do pai que os proteja das “forças mortı́feras do processo psicótico” (Myriam DAVID). 107 PAI, MÃE, BEBÊ A intervenção terapêutica que será descrita neste trabalho, junto à famı́lia L., foi realizada em Paris, pela equipe da Unité des Soins Specialisés à Domicile pour Jeunes Enfants. Foi utilizado como instrumento terapêutico a observação psicanalı́tica do bebê, nos diferentes lugares de vida, ou seja, junto aos membros de sua famı́lia de origem, como também junto aos membros da famı́lia substituta. A observação psicanalı́tica constitui um valioso instrumento terapêutico na medida em que a presença do observador (através do seu olhar, da sua escuta e até mesmo da palavra) possibilita aos pais o suporte para o exercı́cio da paternidade e maternidade e, conseqüentemente, ao bebê, um desenvolvimento psı́quico mais sadio. Neste momento, a função do observador é estar atento às várias demandas que cada membro faz em relação ao outro e como reagem às mesmas. Portanto, deve observar o que efetivamente surge, tal como: o que é falado, mas também o que não é dito, os jogos e brincadeiras, bem como a impossibilidade de brincar; como se dão as aproximações, separações, etc. Além disso, se faz extremamente importante captar os movimentos identificatórios e transferenciais que circulam entre os vários membros envolvidos. Se concordamos com Winnicott (1978) que é fundamental para o desenvolvimento psı́quico do bebê estar sob a proteção de uma “mãe suficiente boa”, que pela continuidade e previsibilidade dos seus cuidados possibilita ao filho uma entrada em contato com o mundo satisfatória; se concordarmos que é tarefa da mãe possibilitar ao filho a vivência da “ilusão” (Winnicott 1978) e gradativamente a frustração necessária para que a criança se “ desiluda” e caminhe rumo à individuação, estaremos de acordo também sobre o risco psı́quico que corre o bebê confrontado precocemente com uma mãe psicótica. 108 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA A psicose materna expõe o bebê a modos de interação bastante particulares, já que a mãe psicótica, como bem caracteriza Myriam David (1987), oscila entre um desejo intenso de aproximação fusional, fascinante e angustiante, com seu bebê fantası́stico e uma intolerância em relação às manifestações pulsionais e de desenvolvimento do bebê real. Bebê de necessidades que exige da mãe algo quase impossı́vel para ela: fazer o percurso de uma relação narcı́sica para uma relação objetal. Quando uma mãe apresenta um quadro psicótico, seja de uma psicose puerperal ou seja de uma psicose preexistente à maternidade, posições variadas e coloridas de muito afeto, dividem os profissionais quanto a manter ou não o bebê junto à mãe. O caso que ilustrará o presente trabalho não fugiu a esta regra. Foi nas muitas reuniões com profissionais de até cinco instituições diferentes que se formulou um projeto terapêutico para o bebê Thierry e seus pais. O que sabı́amos na época em que fomos solicitados, foi que estando Thierry com quatro meses, fora encontrado às duas horas da manhã com sua mãe, psicótica delirante, e levado a um hospital pediátrico enquanto a mãe fora internada em psiquiatria. A história deste bebê foi aos poucos sendo conhecida. A mãe de Thierry, psicótica, apresentava episódios delirantes com temas de perseguição, já tendo sofrido várias hospitalizações em decorrência de tentativas de suicı́dio. O pai, com estrutura psicótica aliada a um déficit intelectual, competia com o filho, pedindo mamadeira e solicitando a esposa para os seus cuidados corporais. Há alguns anos o casal expressava o desejo de ter um filho, mas pelo estado avançado do câncer de mama da Sra. L., dois abortos foram provocados por questões terapêuticas. 109 PAI, MÃE, BEBÊ Gatos e cachorros eram criados pelo casal como objetos de compensação. A Sra. L. só se apresentou para a primeira consulta prénatal num estado avançado da gravidez de Thierry, quando não poderia mais ser indicado um aborto profilático. Foi esta, uma gravidez interditada pelo médico e a criança exibida como um troféu, marca do seu desafio à Medicina. Nos primeiros meses de vida da criança, a equipe psiquiátrica deu suporte aos pais e pôde ouvir as queixas da mãe de estar cada vez mais cansada e de que seu bebê sorria menos. O afastamento de uma puericultora que ajudava a mãe, provocou nesta o sentimento de estar sendo rejeitada e reativou suas vivências de abandono e privação afetiva precoce. Tomar uma decisão quanto ao melhor encaminhamento a ser dado à criança não foi fácil, pelo fato de que cada equipe, suporte de projeções contraditórias da mãe, tinha uma representação diferente e ambı́gua da situação. A equipe psiquiátrica de adulto, transferencialmente envolvida com a mãe, se engajou de modo a tentar que a mesma pudesse retomar o filho, atestando o seu investimento nos primeiros meses de Thierry. Mesmo tendo testemunhado a desorganização e incoerência do “holding” e “handling” ao qual o bebê foi exposto nos primeiros tempos de vida. A equipe pediátrica, descrevendo os encontros “caóticos” entre mãe e bebê no hospital, dizia ser impossı́vel que a criança retornasse neste momento aos cuidados dos pais e que solicitaria a intervenção do juiz, caso fosse necessário. Da história dos pais, apreende-se que estes têm um passado marcado por traumas graves de abandono, tendo ambos vivido em diferentes lares substitutos ou instituições. A ausência de uma referência familiar estável constituı́a no 110 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA nosso entender mais um agravante na dificuldade destes pais de cuidarem do filho, assinalando um fator de risco de repetição de descontinuidade de investimento na criança. Os encontros entre as diferentes equipes permitiram que os afetos e as posições contraditórias fossem consideradas e que se buscasse uma solução mais coerente com a situação. Teve-se como meta assegurar para a criança um ambiente suficientemente estável onde pudessem ser preservadas as condições necessárias ao seu desenvolvimento e ao estabelecimento de relações satisfatórias com os pais. Ficou definido que o bebê deveria permanecer sob os cuidados de uma assistente maternal, já que o pai, também bastante comprometido psiquicamente, não poderia assegurar os cuidados do filho. Coube à Unité organizar um plano terapêutico articulado entre a famı́lia que acolheria a criança e os pais. O objetivo era preservar e fazer evoluir a relação pais-filho e acompanhar o desenvolvimento da criança. A equipe designada para cuidar deste caso era constituı́da de uma psicóloga∗ , mais à escuta da criança, e que seria o suporte desta nos diferentes lugares de vida, um enfermeiro psiquiátrico∗∗ mais à escuta dos pais, que seria o ponto de referência da famı́lia, e uma psicanalista∗∗∗ (médica consultante), que não estando atuando diretamente com a famı́lia estava mais isenta aos movimentos transferenciais e funcionava como terceiro na escuta dos profissionais envolvidos com o caso. A proposta terapêutica incluiu a observação psicanalı́tica do bebê no domicı́lio da assistente maternal e nos encontros deste com os pais. O objetivo da observação era acompanhar como Thierry, precocemente exposto à psicose materna, vivendo com ∗ Maria do Carmo Camarotti Michel Dubois ∗∗∗ Françoise Jardin ∗∗ 111 PAI, MÃE, BEBÊ a mãe uma relação fusional e caótica, se constituiria psiquicamente nesta situação particular de uma dupla referência materna (a mãe e a assistente maternal). Conseguiria esta criança aceder a uma relação de objeto total, onde cada uma das mães seria percebida como bom e mau objeto, ou persistiriam sobretudo defesas esquizoparanóides com projeções clivadas? Ficaria Thierry aprisionado e colado ao desejo materno ou se apropriaria do seu desejo, acedendo ao universo simbólico? A observação da criança no domicı́lio da assistente maternal já foi objeto de um outro trabalho e não será tratada neste artigo. Tratarei da observação psicanalı́tica feita nos encontros pais-criança, com especial destaque ao tipo de relação que se estabeleceu entre mãe e bebê, e o percurso desta criança rumo ao processo de separação-individuação. De forma ilustrativa apresentarei a sı́ntese da observação de um encontro mãe-bebê na Unité e alguns aspectos da evolução da criança, que espero possam suscitar um debate sobre as questões práticas e teóricas na escolha de tal procedimento clı́nico. Encontro mãe-bebê na Unité, assegurado pela psicóloga e enfermeiro psiquiátrico Thierry está com 7 meses e 13 dias. O encontro com a mãe acontece na sala de espera da instituição. A Sra. L., toma logo o filho dos braços da assistente maternal∗ e de imediato o entrega, pedindo que esta retire o “manteau” da criança, pois teme lhe fazer mal. Passamos para a “sala dos bebês” e Thierry, novamente nos braços da mãe, fica numa posição transversal sobre ∗ Esta assistente maternal, por exigência da Sra. L., era uma senhora com uma idade avançada, que teoricamente poderia ser sua mãe. 112 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA o corpo desta. Observo que ele é ativo na busca desta posição, mas não fica claro se é ele ou a mãe quem inicia este movimento. Uma vez instalada, a criança permanece sem se mexer, totalmente colada ao corpo da mãe. A Sra. L. olha para o exterior e nos fala do seu passado de criança abandonada. Thierry, com a cabeça voltada para baixo, mantém os punhos fechados, pernas estiradas e o olhar vago. O único contato entre mãe e filho se passa no corpo a corpo, outras trocas são inexistentes neste momento. “Era assim que ele ficava quando estava na minha barriga”, nos diz a mãe. Algum tempo depois, a Sra. L. instala o filho no bebêconforto e ele começa a chorar. Sua mãe o retoma logo em seguida e eu proponho que ela lhe ofereça um brinquedo, instalando-o no tapete. Thierry fica calmo e a mãe pede a Michel (enfermeiro psiquiátrico), que tire fotos do filho. Depois Thierry se vira, olha o espelho, sorri e de repente começa a chorar, mas não faz movimento de verificação e busca da mãe. A Sra. L. se precipita e toma o filho nos braços, numa total ansiedade. Novamente mãe e filho parecem se fundir no corpo a corpo, onde a criança fica praticamente imóvel sobre a barriga da mãe. Por três vezes a Sra. L. me pergunta se o filho adormeceu, pois ela não quer descolá-lo do corpo para verificar. Thierry adormece e logo que é colocado no berço, acorda. A mãe fica desnorteada e se precipita novamente para retomar o filho nos braços. Sugiro que ela tente consolar o filho sem tirá-lo do berço, mas na primeira tentativa ela desiste e mais uma vez Thierry fica colado a sua mãe e pára de chorar. A Sra. L. me pergunta se o filho sente fome e lhe dá a mamadeira. Ele recusa, vira a cabeça e se enrijece. A mãe lhe dá iogurte mas ele recusa após a terceira colher. Como estava combinado, vamos ao parque. Sou solicitada a 113 PAI, MÃE, BEBÊ colocar o “manteau” da criança enquanto Michel é o terapeuta “escolhido” pela Sra. L. para escutar sua história de menina abandonada. No parque, a mãe toma novamente o filho nos braços e após uns vinte minutos o acorda para dar a mamadeira. Depois de algumas tentativas, a criança começa a sugar lentamente, sem vontade, como se comesse para dar prazer e acalmar sua mãe. Meia hora depois ainda não havia terminado a mamadeira que a mãe insistia em lhe dar. Durante a mamada, Thierry permanece deitado com a cabeça posta no braço esquerdo da mãe, pernas estiradas, braços soltos ao longo do corpo, punhos fechados. Não olha nem a mãe nem a mamadeira. Olha o céu, o que está em torno dele, sem contudo demonstrar o menor interesse. A mãe se mostra cansada, diz estar com o braço doendo e refere ser este o lado onde tinha o câncer. A criança começa a escorregar, a mãe não consegue acomodá-la e solicita minha ajuda. No carro, retornando para a casa da assistente maternal, a Sra. L. continua a alimentar o filho e se mostra ferida porque Thierry não terminou a mamadeira. Acha que a assistente maternal vai recriminá-la e diz para o bebê: “Coma pela honra de sua mamãe”. Fala-nos do marido que está hospitalizado (em decorrência de uma tentativa de suicı́dio) e do quanto acha longo esperar uma semana para reencontrar o filho. Ao chegarmos na casa da Sra. G., somos acolhidos pelo marido desta, que fala que Thierry é uma criança tranqüila e que sabe bem reclamar quando está com fome. A Sra. L. beija o filho e nós partimos. No retorno, ela fala do filho mais velho que está com 14 anos e que vive em outra região do paı́s sob os cuidados de uma assistente maternal. 114 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA Evolução da criança sob o ângulo do processo de separação - individuação Durante os dois primeiros anos de acompanhamento de Thierry, ficou evidenciado como este, nas suas manifestações comportamentais e nos jogos, estabeleceu uma distância entre seu corpo e o corpo materno, constituindo um espaço diferenciado. Inicialmente não se podia falar da criança sem se falar da mãe. Ao se encontrarem, fundiam-se num só corpo e todos os que estavam ao seu redor pareciam inexistir, inclusive pai e assistente maternal. Mãe e filho se fechavam num delı́rio fusional, ilustrando o que Joyce McDOUGALL (1987), fala sobre a fantasia primordial de um corpo para dois. Numa busca de continuidade, Thierry tentava reproduzir com a assistente maternal, comportamentos e brincadeiras comuns a ele e sua mãe. A assistente maternal, sentindose invadida pela loucura materna e temendo uma perda de identidade, estabeleceu-se na relação com posições rı́gidas onde se firmava diferente da mãe. “Comigo não. Isto você faz com sua mãe”, dizia à criança, em resposta às solicitações de determinadas brincadeiras. Thierry, me utilizando como ponto de continuidade e como guardiã de seu espaço psı́quico, passou a aproveitar da minha presença, evocando uma ou outra mãe na respectiva ausência, seja através de comportamentos especı́ficos ou brincadeiras próprias a uma ou outra. Fazia-me assim testemunha de suas tentativas de se sentir o mesmo nas diferentes e contraditórias situações em que se encontrava implicado. O pai, utilizando o enfermeiro como figura de identificação, vai pouco a pouco saindo de sua posição de bebê e se firmando no lugar de homem e de pai, podendo colocar alguns limites nas tentativas de “reengolfamento” da mãe 115 PAI, MÃE, BEBÊ em relação à criança. Bem interessantes suas conversas paralelas com o enfermeiro sobre creme de barbear, bebidas preferidas e outros temas que qualificava como “próprios aos homens”. É no episódio da anorexia de Thierry, que o Sr. L. se firma como aquele com quem o filho se alimenta com menos dificuldade. Fato este que o renarcizou, tornando-o cada vez mais seguro na sua função paterna. Uma capacidade lúdica, antes bastante empobrecida na criança, começa a aparecer. Diante do espelho, Thierry busca seus limites corporais e inicia com a mãe jogos de escondeesconde e de pega, numa clara evidência do seu caminhar rumo ao processo de separação - individuação. Começava assim a se constituir psiquicamente como um sujeito diferenciado da mãe e a se dirigir e estabelecer um contato privilegiado com o pai que o acolhia nas suas idas e vindas. A linguagem da criança começou a surgir, testemunhando que o seu processo de constituição do sujeito estava em andamento. Conclusão Thierry foi investido narcisicamente pela mãe, embora seus sentimentos e ações se dirigissem mais ao bebê fantası́stico que ao bebê real. Aprisionado numa relação fusional caótica com a mãe, muitas vezes incluı́do no delı́rio materno e não protegido pelo pai que, bastante comprometido psiquicamente, não se firmava como terceiro, Thierry corria o sério risco de se estruturar de modo patológico. Durante longo tempo esta criança apresentou um contato bastante adesivo com a mãe, persistindo a identificação adesiva sem mediação, ao mesmo tempo em que apresentava uma defesa em relação à proximidade corporal e à apreensão 116 OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA de objetos. Era também preocupante a pobreza dos movimentos pulsionais e a desorganização somatopsı́quica evidenciada pelo espasmo do soluço e anorexia com vômitos. Um núcleo patológico de hipermaturação e hipervigilância, que como refere Pierre BOURDIER (1972), caracteriza a relação entre bebê e mãe psicótica, estava presente em Thierry e era mais um sinal de sofrimento psı́quico desta criança. A intervenção terapêutica precoce, incluindo um ambiente protegido (lar substituto), pôde proporcionar à criança a possibilidade de se constituir posteriormente de forma harmoniosa e aos pais de exercer suas funções materna e paterna de um modo mais adequado. Muito ainda poderia ser dito sobre este bebê e seus pais, assim como sobre as alterações ocorridas no enquadramento terapêutico deste caso. Espero no entanto que o material aqui apresentado possa servir de subsı́dio para reflexão acerca da vulnerabilidade psı́quica de uma criança envolvida precocemente numa relação patológica, e que possa também estimular um debate sobre os modos de intervenção preventiva e terapêutica que visem uma proteção para o desenvolvimento da criança, considerando também a relação desta com os pais. Bibliografia: BOURDIER, P. L’hypermaturation des enfants de parents malades mentaux. Observation clinique et hypothèses. In Revue de Neuro-psiquiatrie Infantile, 1972. DAVID, M.; CASTEX, E. e LEGER, E. M. Danger de la relation précoce entre le nourrisson et sa mére psychotique. In La Psyquiatrie de l’enfant, vol. 24, fasc.1, 1981. 117 PAI, MÃE, BEBÊ DAVID, M. Souffrance du jeune enfant exposé à un état psychotique maternal. In Perspectives psiquiatriques, 6/1, 1987. HAAG, M. A propos des premires applications françaises de l observation régulire et prolongée d’un bébé dans sa famille selon la méthode de Esther Bick. Tiragem privada, vol. 1 -1984. Mc DOUGALL, J. Conferências Brasileiras. Editora Xenon, 1987. WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. RJ: Francisco Alves Editora, 1987. Sobre a Autora Psicoterapeuta do GESTAR – Unidade de Acompanhamento e Estudo Materno-infantil. Membro do Cı́rculo Psicanalı́tico de Pernambuco-CPP. 118 O LUGAR DO PAI E O TRABALHO PSICANALÍTICO COM BEBÊS, OU TRÊS DIMENSÕES DA EXCLUSÃO Cláudia Mascarenhas Fernandes Rohenkohl “E o pai?” “Esta é uma pergunta tipicamente francesa!” Foi assim que obtive resposta sobre a questão do pai num curso sobre psicoterapia mãe-bebê, ministrado por um autor suı́ço conhecido na área de trabalhos sobre o bebê. Esta resposta me fez pensar bastante, e como Lacan me sugere, a verdadeira resposta é aquela que causa equı́voco, surpresa. Não estava esperando-a, muito menos sabia que estava me endereçando a duas faces da mesma moeda da função paterna: a filiação e a transmissão. A primeira rege a perpetuação do pai e a segunda a sua lei. A surpresa provocou também que eu pudesse perceber que o resgate e releitura da obra freudiana sobre a função paterna na psicanálise foi realizado por Lacan. Era possivelmente sobre isto que tratava esta resposta. Freud instaura a questão “o que é um pai?” com a teoria da sedução. O pai é aquele que tem a tarefa de interditar o incesto, porém pode muitas vezes não estar a cargo desta tarefa, mas apesar disto ele, o pai, é o argumento para tal interdição. Ele já encaminhava a questão seguindo a linha de uma busca. Então, a virada na teoria da sedução de Freud também equivale certamente a uma virada na dimensão paterna. A inauguração da 119 PAI, MÃE, BEBÊ psicanálise instaura também o pai da realidade psı́quica: o complexo paterno. Neste ponto Freud relaciona realidade e impossibilidade através do complexo paterno. Este é um dos aspectos inaugurados por Freud. Mas existem outros, que foram muito bem lidos por Lacan. A insatisfação gerada pela instauração do pai da realidade psı́quica leva a uma outra busca e Freud adianta o pai como representante. A morte do pai é que o torna mais presente, sendo a natureza da sua relação ambivalente (entre identificação e canibalismo). Pode-se dizer aqui que uma outra porta se abre sobre o pai: sua morte instaura a lei que será partilhada pela cultura. A partir daı́, de representante para sintoma é um pulo, pois o representante é uma duplicação e o sintoma poderá ser o representante do pai como, por exemplo, o caso Hans. É a busca de Freud que o leva na direção de indicar ser um sintoma um representante paterno. Além de todos estes desdobramentos ainda aponta para um ideal a ser perseguido, pois “a origem das necessidades das massas é um anseio pelo pai que é sentido por todos, da infância em diante...” (1939/1969). “Freud estabelece a questão do pai como essencial para a psicanálise”. O que seria essa questão? O pai da psicanálise busca sua questão, ou melhor, o pai da psicanálise busca; persegue um ideal que se mistura com sua procura em conseguir desvendar a questão do pai. Se esse ideal o fez construir uma teoria, numa ambivalência mortal entre a constatação das suas impossibilidades, do que lhe é inconsciente, e a própria edificação deste ideal como resposta a estas questões, é porque como ele mesmo expõe: “o que projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do nascisismo perdido de sua infância na qual ele era seu próprio ideal” (1914/1969). 120 O LUGAR DO PAI Enfim, este pequeno parágrafo serve para inserir um outro patamar quando se trata da questão do pai para a psicanálise. Lacan foi um pouco mais atrevido ao se distanciar do sentido mais imaginário do pai, campo privilegiado por autores pós-freudianos, e apontou mais dois aspectos a serem implicados na estruturação do sujeito, o pai simbólico e o pai real. Quando este autor relata que a criança não está sozinha no biológico faz ecoar um simbólico. O que reafirma que a inexistência de uma relação puramente simbiótica, pois existindo o simbólico, haverá sempre uma falta a ser significada. Nos casos de autismos e psicoses, pontos que não serão abordados pelo texto, vale a pena citar G. Balbo quando indica que a ausência do unlust paterno, como objeto, conduz o sujeito à psicose ou ao autismo secundário. “O autismo primário se produziria quando originariamente falta para o sujeito uma relação auto-erótica bi-unı́voca entre ele e o que lhe é do outro. Na medida em que unlust paterno é normativo, convém lhe reconhecer uma função fálica, de onde procede a efetividade da castração” (p. 99). Chegou-me para atendimento uma criança de onze meses e sobre ela sua mãe “queixava-se” de insônias horrı́veis, verdadeiro terror noturno, além de outros sinais considerados pela mãe como “nada normais”. Em uma determinada sessão, ele sobe no divã e começa a fazer alguns gestos, que imediatamente são lidos pela mãe com surpresa: “É assim que faz à noite quando não dorme”. O retorno desta surpresa acontece quando intervenho fazendo-se escutar o que a mãe relatava naquele momento: a morte do pai da criança num acidente de carro quando esta tinha quatro meses de idade. Estes dois movimentos de surpresa fizeram com que a mãe pudesse retomar o tema 121 PAI, MÃE, BEBÊ da sua filiação e assim traçar a questão “o que é um pai?”, questão muito bem trabalhada por Philippe Julien: “o que é ter tido um pai?” Está portanto, na medida do engano, achar que o não comparecimento de um homem, que possa carregar as insı́gnias de um pai para aquela criança, exclui sua função, ou seja, estaria no âmbito de um trabalho mãe-bebê. A psicanálise em sua ética revela que sobre a questão “o que é um pai?” não existe resposta decisiva. Proponho que a partir destas impossibilidades de resposta conclusiva, existem três dimensões da exclusão do pai que devem ser ressaltadas. Como se pode ver, todo discurso carrega uma ética: ou melhor, todo discurso tem implicações éticas. Assim, vale lembrar que embutidos pelo discurso de fazer bem, a pedagogia e o sanitarismo apontam e julgam o pai, sua competência, se é suficiente ou não, se é capaz ou não, e além de outros critérios, se participa ou não dos afazeres relativos à criança. Em relação ao “se participa ou não”, este parece ser um critério usual para a denominação mãe-bebê. Bom, como a figura do pai pouco aparece, logo, o trabalho se encontra neste binômio mãe-bebê. Esta é uma primeira hipótese de exclusão a ser contemplada. A segunda, de certa forma, já foi citada. É a relação com a filiação teórica. Acreditando-se que existe uma relação inicialmente simbiótica com a mãe, o pai realmente estaria aı́ já de antemão excluı́do, ou melhor, não aparece ainda na relação. A terceira hipótese a ser considerada, seria o se deixar capturar pela imagem da relação mãe-bebê. Em cada uma destas hipóteses existem dimensões pater122 O LUGAR DO PAI nas exclusas. Na primeira, parece claro que o pai real seria o excluı́do, aquele homem que faz desta determinada mulher, esta que o bebê chama de “mama”, o objeto do seu gozo e desejo, não aparece. Seria este aparecimento possı́vel? Certamente que não! Este enigma resta irredutı́vel tanto para a criança quanto para quem dela se ocupa. Não se trata de investigar uma “participação”, pois a certeza dada por qualquer tipo de exame de paternidade só diminuiria as chances deste alcance: seria filho de um espermatozóide? O pai simbólico seria excluı́do na segunda hipótese. O pai como nome. Esta dimensão da paternidade trata do lugar vazio instaurado pela mãe para a criança. A mãe instaura uma posição terceira entre ela e a criança. Este lugar o homem ocupa da sua forma, poderá se movimentar à sua maneira. A existência da simbiose retira a possibilidade deste lugar vazio, terceiro, a ser instaurado pala mãe (mesmo que muitos, que se utilizam desta hipótese da simbiose, não acreditem assim). Esta mãe, portanto, instaura para o inconsciente da criança um outro lugar além dela, um lugar significante. Este significante Lacan chama de Nome do Pai: é o pai como nome colocado pela mãe. Esta posição instalada pela ida e vinda da mãe, imprime no sujeito um enigma: o que ela quer de mim? A resposta a esta questão vem da própria mãe, não é dada pelo pênis-orgão ou pelo homem-papai, mas pela significação que dá a sua falta. Esta significação reenvia a um lugar simbólico, o nome do pai, inscrito no inconsciente da criança. Vale a pena repensar aqui a noção de risco tratada muitas vezes pelos profissionais que trabalham com o bebê; normalmente esta noção se refere sempre a indicadores médicos ou mesmo sociais. Do ponto de vista da psicanálise, se fosse 123 PAI, MÃE, BEBÊ possı́vel estabelecer alguma noção de risco seria relativa a esta dimensão da paternidade. Melhor dizendo, em situações onde a mãe não pode estabelecer este lugar vazio. A terceira exclusão trata do pai imaginário: onde nesta pintura não está incluı́da a figura do pai. Não está incluı́da não por sua inexistência, mas por uma crença na impossibilidade de um bebê se remeter ao pai como imagem, por ser da criança que se origina esta dimensão imaginária. Por que se duvidar da imagem idealizada deste pai por um bebê? Deste único privador materno para ele? Talvez aı́ a questão importante a ser descrita é, como bem coloca Julien, “como reconhecer que este pai, digno de amor e ódio, nasce somente de minha demanda, e de meus desejos infantis?” Quem trabalha com estes “sujeitos de calças curtas”, tem a noção da sua competência em relação a esta dimensão imaginária. Voltemos ao fragmento de caso citado. Lacan vai se perguntar o que fazer se nenhum homem venha encarnar esta dimensão imaginária. Existia para esta mãe um lugar terceiro, significado pela morte. Disto seu bebê “falava” a seu modo. A ausência desta mãe era presentificada pela morte do pai, a este “o que queres de mim?” estava a morte, que, por sua vez, já faz parte deste real tão impossı́vel de ser simbolizado. O seu bebê era a única prova irredutı́vel deste pai real. Quando Julien esclarece sobre as três dimensões da paternidade, a partir de Lacan, favorece para nós um outro olhar clı́nico relativo a esta questão. É certamente na mudança da minha posição como analista em relação a esta resposta “o que é ter tido um pai?”, ou melhor, se como analista posso suportar que sobre a questão: “o que é um pai?” não existe resposta conclusiva, que se trata de uma busca, como já apontava Freud, está-se se inscrevendo uma determinada filiação. É preciso reconhecer isto, os que trabalham 124 O LUGAR DO PAI com o bebê principalmente, pelas vicissitudes de neste atendimento tratar-se de um falasser competente em seus sinais potencialmente significantes de quem se fala sobre, é este sujeito prestativo, como relata Freud no Entwurf, que apontará esta “importante função secundária da comunicação”. Apesar da questão não ser verificar se o lugar deste Outro primordial é sustentado pela mãe ou pelo pai, como se refere M.C. Laznik, é importante não se restrigir este Outro que dá a sua falta, como tendo a única possibilidade de ser encarnado pela mãe. Pensar a clı́nica com bebês e a função paterna nos serve para indicar a posição do analista nestes atendimentos. Que é não se deixar capturar pelo interjogo imaginário que a cena “mãe-bebê” apresenta. Bibliografia: AUGÉ, Marcel Org. (1989). Le Père. Col. L’espace analitique. Paris: Denoël. Revista Littoral (1984). Du Père, Paris, 11/12, fevereiro. LAZNIK, M.C. Org. (1994). O que a clı́nica do Autismo pode ensinar aos psicanalistas. Salvador: Ágalma. CLERGET, Joel e Marie-Pierre (1989). Places du Père, violence et paternité. Lyon: Presses Universitaires de Lyon. JULIEN, Philippe (1991). Le manteau de Noé, essai sur la paternité. Paris: Desclée de Brouwer. LACAN, J. Seminário A Relação de Objeto (1956-1957). Publicação não comercializável. 125 PAI, MÃE, BEBÊ Sobre a Autora Psicanalista, membro fundador do INFANS, unidade de atendimento ao bebê. Organizadora do volume A clı́nica com o bebê. SP: Editora Casa do Psicólogo, 2000. 126 Bebês de risco PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA Catherine Mathelin “A psicanálise trata do conjunto das conseqüências ligadas ao fato de que o homem fala. Ela tem também a possibilidade ou pretensão de ordenar uma série de fatos clı́nicos provenientes de outros campos”. Ginette Raimbault Há oito anos, quando eu trabalhava com o Dr. Coen em psiquiatria infantil, o Dr. Retbi, médico chefe da equipe de neonatologia e de urgência pediátrica, solicitou o nosso serviço. Fui então enviada para tentar responder a este chamado. Tratava-se de atender uma mãe que colocava um problema muito particular. Com efeito, após três meses de hospitalização de seu bebê nascido prematuramente, esta mãe, na véspera da alta, recusava-se a retomá-lo. Tinham tentado convencê-la, falado com ela, mas de nada adiantou. “Esta criança — dizia ela — estava bem aonde estava”. Compreendemos o desespero dos médicos, que haviam colocado tanto ardor para “consertar” um bebê que agora ela não queria mais, colocando ao mesmo tempo em questão o fundamento dos seus esforços. Esta mãe, para além deles, não questionava a medicina como um todo? Seria talvez louca? Era preciso tratá-la? 129 BEBÊS DE RISCO Certamente escolher esta interpretação da situação teria sido mais fácil e confortável, mas a psicanálise, como sabemos, realmente nunca compactuou com a facilidade ou o conforto. Uma outra leitura do problema foi então proposta à equipe. Se esta mãe não delirava, era preciso admitir que nestes três meses de hospitalização ela havia se deparado com uma impossibilidade de manter um laço entre ela e seu filho. Reconhecer que ela não era louca, era para a equipe aceitar interrogar-se sobre o que havia se passado neste tempo de separação. Se o bebê tinha sido “fı́sicamente” salvo, era evidente que um outro trabalho havia sido perdido, como quando alguém perde o trem e fica na estação. Não era o caso de se “tratar” as mães doentes por terem sido separadas de seus filhos caso por caso, mas de elaborar juntos um projeto para os bebês hospitalizados e suas famı́lias, o que permitiria ao mesmo tempo salvaguardar o desejo de viver dos bebês e a capacidade de amar dos pais. O analista não estava mais lá para reparar os estragos das longas hospitalizações, e sim para “reanimar” a criança trabalhando com os reanimadores, mas num outro registro. Este projeto foi aceito pela equipe e, oito anos depois, nós podemos começar a dele prestar conta. A criança “sujeito” é acolhida por nós não somente como um corpo a fazer funcionar, mas como um rebento do homem portador de uma história que precede em muito o momento da hospitalização, mesmo que esta aconteça no instante do nascimento. Esta história, cuja estadia na neonatologia será apenas um episódio, continuará depois, caso nada venha a interromper o curso. Face ao traumatismo desse encontro com o real, uma 130 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA simbolização deve ser possı́vel para que os pais continuem a imaginar esta criança, para que ela não se torne para eles um pedaço de carne a reanimar, objeto da medicina, mas que permaneça uma criança — sua criança. Para isto o tratamento dos médicos, portadores do desejo de vida, nem sempre é suficiente também, é preciso para viver inscrever-se numa palavra; na falta disso um ser humano morre e se ele inscreve-se numa palavra louca, ele torna-se louco. Duas crianças nascidas com o mesmo peso, com sintomatologia similar, não evoluirão de maneira idêntica, mesmo se elas se beneficiam da mesma qualidade de tratamento. É exatamente esta generalização impossı́vel que nos faz questão. Cada corpo inscrito numa palavra diferente é diferente, e o saber dos médicos, saber que concerne ao corpo em geral, defronta-se com a verdade do corpo particular de cada um. Cada palavra dita não toma o mesmo sentido para cada um, pois cada palavra reenvia a uma outra diferente da primeira. É esta ligação de verdade entre palavra e corpo que o analista vem questionar em um serviço de medicina. Esta verdade é outra que não o saber médico, ela coloca a questão do desejo e da fantasia. Os médicos freqüentemente se espantam: “Nós falamos com os pais, explicamos de que padecem as crianças, mas freqüentemente eles não escutam. Algumas vezes eles nos tranquilizam, afirmando que com certeza não é nada de grave, enquanto acabamos de anunciar-lhes notı́cias muito ruins. Outras, ao contrário, eles estão convencidos de que o filho deles vai morrer, enquanto nós tı́nhamos tentado de tudo para explicar-lhes que não havia com que se preocupar”. É que a hospitalização tem um sentido diferente para uma mãe ou para uma outra. 131 BEBÊS DE RISCO A mãe de Pierre, presa na armadilha da repetição, não podia, com efeito, ouvir os médicos: “É evidente, me confiava ela chorando, minha mãe também teve uma criança morta ao nascer, não importa o que eles digam, Pierre não poderá viver, como eu poderia fazer melhor que minha mãe?” A mãe de Julie, ao contrário, quando sua filha não estava bem, tranquilizava os médicos: “Eu também fui um bebê prematuro, na minha famı́lia todas as meninas são pequenas e nascem antes. Se Julie tivesse sido diferente eu realmente teria ficado surpresa, não teria sido minha filha”. As denegações, os mecanismos de defesa, mas sobretudo o prisma deformante da fantasia, impedem as mães de ouvir a palavra razoável e cientı́fica do médico. Lucie sofria de uma doença de sangue hereditária, mas que não colocava sua vida em perigo. O médico do serviço havia claramente e pacientemente explicado do que se tratava. A mãe havia escutado atentamente, feito perguntas pertinentes e agradecido ao médico. Quando vem à consulta comigo, fala da doença de Lucie da seguinte maneira: “Eu compreendi bem, um bebê vem do pai e da mãe, de uma mistura dos dois, disse o doutor, mas às vezes, no momento da concepção, a mistura não é bem feita. Minha filha herdou tudo do meu marido, daı́ seu problema; penso que a minha parte não foi suficientemente forte e no momento que a fabricamos ela herdou tudo de ruim. Sei que os médicos me escondem a verdade, ela não poderá sobreviver com um sangue desse, eu prefiro não me apegar a ela”. O saber dos médicos tornou-se para ela um saber sobre o recalcado. Esta mãe tinha vivido na sua infância uma história muito difı́cil com um pai considerado pela famı́lia como sendo muito ruim para cuidar dela, um pai tido como 132 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA perigoso; e eis que sua própria filha agora sofria de uma doença transmitida por um outro pai. Como poderia ela sobreviver a esse drama que viria repetir essa maldição da infância? Não é fornecendo uma explicação melhor, ou ainda uma explicação diferente, que o analista permitirá a esta mãe descolar a doença de sua filha da sua fantasia. Trata-se bem mais de tentar ouvir o que a reteve — em função de sua própria história — e permitir-lhe identificar em que impasse do seu desejo o nascimento de sua filha a mergulhou. É somente desta forma que ela poderá entrever como seu passado veio a transformar, à sua revelia, a informação cientı́fica dada pelo médico. E assim ela poderá acolher sua filha de uma outra forma. Este tempo de trabalho sobre a fantasia é o tempo do trabalho com o psicanalista. No nosso projeto é um trabalho sistemático com todos os pais. Não se trata mais de um atendimento sobre prescrição, quando os pais vão mal, quando estão infelizes ou agressivos e isso influi no trabalho dos médicos. Se esse fosse o caso, estarı́amos lá, não para ajudar as famı́lias, mas a medicina. No enquadre do nosso serviço, o funcionamento foi concebido para possibilitar, ao mesmo tempo, o acompanhamento médico e a escuta da famı́lia. Para permitir um trabalho comum de reanimar a criança, e o discurso que a anima. Este trabalho se faz com as mães, mas também, talvez em primeiro lugar, ele se faz em torno da criança, falandolhes delas, da sua famı́lia, dos tratamentos aos quais estão submetidos, das razões da sua hospitalização. Devemos precisar que sempre recebemos os pais, geralmente mais presentes que as mães nos primeiros dias de vida 133 BEBÊS DE RISCO do bebê. Este trabalho é muito especı́fico e nos parece essencial e rico de ensinamentos. Freqüentemente nós nos apoiamos no pai para que um trabalho entre mãe e criança seja possı́vel. O trabalho com as mães a partir daı́ encontra-se consideravelmente modificado, como nós iremos evocar. Quando o pai está ausente, somente nestes casos é que o hospital vai fazer o “ corte” entre a mãe e o bebê. Quando digo “nós”, é preciso atentar que não se trata de uma questão de estilo, de um modo elegante de dizer “eu”. “Nós” se refere a toda a equipe — do médico chefe às auxiliares — que aceitaram arriscar-se no questionamento com um psicanalista, para dar uma nova luz às hospitalizações dos bebês. É esta pesquisa conjunta, cada um no seu lugar e com o maior respeito às diferentes competências, que faz a originalidade desta abordagem. É o mesmo respeito e confiança mútua na dada atenção aos bebês e às suas famı́lias. As mães que acabam de parir, prematuramente ou não, uma criança que lhes é retirada imediatamente, porque os médicos a crêem em perigo, encontram-se submergidas em um sentimento de culpabilidade tão violento que todas as suas referências estão desordenadas. O tempo está em suspenso, e os dias só são contados em função das pesagens do bebê, que continua em gestação sem elas numa incubadora que choca no seu lugar a criança que elas não souberam segurar. Muito freqüentemente as mães nos questionam: “Qual será o dia do seu aniversário? O dia em que ele saiu da minha barriga ou o dia em que sairá da incubadora? Vocês têm sorte, na sua incubadora ele não mexe muito, na minha barriga ele me machucava”. Esta criança, dolorosa para elas e fácil para nós, elas geralmente não conseguem olhar, falar com ela, dar-lhe um 134 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA nome. O que está lá sofrendo é a possibilidade de investimento libidinal da mãe. Como colocar este bebê num lugar de ideal onde a “falicização” seja possı́vel? Como esta criança tão magra, tão sofredora, poderia gerar uma mãe? His magesty the baby, de que falava Freud, para a mãe não parece com uma criança prematura. Ela não se reconhece nessa criança que não pode se reconhecer nela. Espelho quebrado, devaneio impossı́vel, a ilusão e o sonho se chocam com a violência do real, e a criança arrisca-se a ser reduzida a esse puro real se nada de simbólico vier permitir a sua falicização. Esta etapa é indispensável para o bebê e aı́ não se fará um objeto fetiche, prisioneiro da fantasia da mãe, se esta se dirigir a um outro, permitindo por sua vez à criança, ser prometida a um outro ou a uma outra... Se o olhar da mãe se desvia da criança, se a criança muito frágil e ainda muito distante não olha a mãe, o investimento de amor entre elas se torna problemático. Como essa mãe poderá investir essa criança, se ela a sente como um monstro que significa-lhe seu fracasso e sua impotência? A criança que ela considera ainda não nascida, não pode ocupar o lugar de ideal. Por trás dos vidros do serviço, dos vidros das incubadoras — tantos espelhos que nada refletem — as mães têm dificuldade de olhar uma criança que nada lhes envia da sua própria imagem. Esta anulação do nascimento é um dos riscos da hospitalização, e o trabalho com as mães é sempre um trabalho de luto, de perda e de separação. É quando elas podem simbolizar a falta e torna-se então mais fácil para elas descolar a criança do horror do real e projetar sobre ela um futuro possı́vel. O outro em direção a quem se dirige a mãe, se o pai está ausente, é representado apenas pelo serviço que a separou 135 BEBÊS DE RISCO da sua criança. É o serviço que lhe permitirá ao mesmo tempo olhar seu recém-nascido, falar com ele, investı́-lo. É o hospital que estará em posição de ser este outro. Esse trabalho que nós poderı́amos chamar de “reconhecimento” está a cargo de toda a equipe. Pacientemente, dia após dia, a equipe explica à mãe até que ponto se tem necessidade dela. Sua presença para a criança é descrita como indispensável, o serviço não pode substituı́-la. “Mas meu leite secou — queixam-se elas — como ajudálo na incubadora? Eu não sei cuidar dele, são vocês que sabem”. E, dia após dia, os rituais de entrada do serviço, de saı́da da incubadora, são colocados como tentativas de simbolização. De semana a semana, a equipe — que renuncia a se posicionar como “a boa mãe toda poderosa”, a que sabe fazer a criança viver — questiona a mãe, a verdadeira, sobre o que ela sente: “Você que o conhece melhor que todo mundo, como o sente esta manhã? Ajude-nos a compreendê-lo, a saber o que é bom para ele”. Este convite, ou talvez esta autorização a projetar-se sobre a criança, a “antecipar”, permite à mãe “fabricar” seu bebê, ao mesmo tempo em que permite ao bebê “fabricar” sua mãe. Enquanto outro, a equipe tem então uma dupla função: separar a criança da mãe e autorizá-la a tornar-se mãe para seu filho. Esta função é ainda mais acentuada quando o pai está ausente e nenhuma famı́lia está em posição de sustentar a mãe. É este trabalho que permite à mãe manter para seu bebê um projeto vivo. Se o tempo de hospitalização restaura o bebê, deve também permitir à mãe restaurar sua própria imagem, senão à saı́da do serviço ela será incapaz de cuidar do seu bebê. 136 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA É preciso levar as mães a pensarem que, se a criança está viva, elas têm alguma coisa a ver com isso. A maioria das mulheres que nós recebemos no serviço não teriam sido mães sem o progresso da ciência. Seus bebês não teriam vivido, e elas se sabem — melhor que ninguém — portadoras da morte. O hospital, que vem ocupar o lugar de terceiro, pode então proteger a mãe do seu filho e a criança de sua mãe, absorver a violência mortı́fera da fantasia deles. Hoje temos a convicção que a hospitalização não é forçosamente fonte de complicações psicológicas para o bebê mas, pelo contrário, que ela pode permitir, contanto que esteja à escuta, salvar não somente a pele da criança, mas também sua “pele psı́quica”. É nisto que o papel do serviço, além do tratamento, é essencial. Claro que não eram estas as idéias dos primeiros médicos que demandaram a colaboração dos analistas. Seus questionamentos eram mais ligados ao progresso da ciência. Quanto mais as técnicas se aperfeiçoavam, mais as crianças eram salvas ao preço de hospitalizações e lamentáveis para todo mundo: famı́lias, crianças e médicos, e mais os serviços de medicina se interrogavam: “Estas longas hospitalizações, se salvam vidas, não fabricam crianças psicóticas? Não agem sobre o desenvolvimento da criança, sobre o destino das pulsões? Não tornam masoquistas as crianças acostumadas a sofrer? Depressivos ou atrasados os bebês privados das estimulações habituais e estruturantes? Seria preciso se abster, estamos seguros de não estragar querendo fazer o bem?”. Tomada por estas questões difı́ceis, a medicina moderna fez apelo à psicanálise para ser mais “perfeita”, ainda mais sábia, e para identificar os estragos eventuais dos progressos cientı́ficos. 137 BEBÊS DE RISCO Mas trata-se de reparar estragos? Uma mulher de 46 anos, médica, veio à consulta há alguns anos, por causa de uma grave depressão, cujos sintomas tinham aparecido após uma FIV (fertilização in vitro). Estéril, tinha, a pedido do marido, aceito uma doação de óvulo. Método exclusivamente americano na época, e que consistia em comprar, por um alto preço, num banco de óvulos, óvulos de uma mulher desconhecida. O esperma do marido fecundava os óvulos em proveta e se reimplantava na mãe o óvulo que parecesse mais apropriado. Ela se tornava então mãe portadora de uma criança de seu marido e de uma mulher desconhecida. A FIV tinha fracassado, e os médicos atribuı́am este fracasso à violência da depressão na qual ela se encontrava submergida. Mas esta mulher se lembrava muito bem de ter se sentido deprimida antes do seu aborto. Tinham-lhe, na época, aconselhado uma psicoterapia que daria, diziam-lhe, mais chances, no que diz respeito à medicina, de que ficasse grávida na próxima tentativa. Doação de óvulos, doação de esperma, criança de prêmio Nobel comprada a preço de ouro nos Estados Unidos, crianças de 500 gramas que apesar de tudo são mantidas vivas pelo progresso da ciência, todas estas técnicas perturbam tanto os pacientes quanto os médicos. Se a psicanálise pode trazer uma outra luz, ela não pode certamente responder à angústia ou acalmar as inquietudes que estas técnicas despertam, ela pode menos ainda aperfeiçoar os métodos. O que, por outro lado, nos parece pertencer ao seu registro, é a interrogação que propõe à medicina sobre o lugar que está preparado para o sujeito, sobre o lugar dos médicos, sobre a questão da onipotência. 138 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA Com efeito, se a equipe de neonatologia não aceita passar de mão, renunciar o mı́nimo que seja à sua onipotência, a mãe manterá com relação ao seu filho esse sentimento de estranheza tão freqüentemente expressado: “Ele não me reconhecerá ao voltar para casa, eu também não o conhecerei, não fui eu quem cuidou dele”. A mãe de Julien nos explicava que queria comprar uma blusa branca: “para que saindo do serviço, seu filho a tomasse como médica e assim se sentisse tranquilo”? Mas quem é tranquilizada por esta blusa branca, senão a mãe que sente necessidade de trocar de pele com uma outra, com esta que sabe dar a vida? Essas crianças doentes, essas mães feridas, estariam prontas para viver juntas? As mães têm medo das suas pulsões mortı́feras e o hospital, função paterna, mediadora, pode vir para protegê-las disto. Ele vem garantir à mãe que a criança, num primeiro momento, viverá apesar dela, o que atenua sua culpabilidade; e, num segundo tempo, se a mãe é acompanhada, que seu filho viverá graças a ela. Para ocupar esta função e fazer este trabalho a equipe será posta a uma dura prova: não somente deverá renunciar à onipotência mas também terá que recolocar em questão as idéias pré-concebidas sobre o amor idealizado das mamães. O analista sabe da violência e do ódio, pode escutar os desejos de morte das mães e a vigência das pulsões de morte atuando na criança. A maternidade não é um conto de fadas, e o traumatismo da hospitalização nos lembra isto. Esta violência, que também é para ser escutada no serviço, está algumas vezes em primeiro plano. Algumas mães desencadeiam a agressividade, projetando no hospital um lugar 139 BEBÊS DE RISCO monstruoso habitado por bruxas demonı́acas que gozam de seqüestrar e de causar sofrimento às suas crianças. Mas, em todos os casos, a equipe deve identificar que tratam-se aı́ de tentativas de projeção, de distanciamentos através dos quais a mãe tenta desesperadamente se reconhecer enquanto “boa”. Por mais dolorosa que seja esta posição para a equipe, não seria também um meio de se colocar como “terceiro?” No tempo desta separação, vivida de forma agressiva ou não — não parece ser esta a questão — deverá elaborar-se para uma mãe sua maternidade. Freqüentemente as mães passarão por uma modificação psı́quica importante, por ocasião da qual poderá se construir o “instinto maternal”: “Quando eu o vi pela primeira vez eu o achei tão feio que eu não tive vontade nenhuma de tocálo”, nos diz a mãe de Karim. Muito tempo foi necessário para esta mãe investir sua criança como objeto de desejo. A criança falicizada não é geralmente a da incubadora, mas uma criança imaginária que não tem nada a ver com aquela ali, infeliz e sofredora. “Se fosse para dar-lhe uma vida assim — diz a mãe de Sabrina — não valeria realmente a pena”. O instinto maternal não cai do céu, é uma construção de uma história de doçura e de amor que começa bem antes do nascimento, bem antes da concepção, na época em que a mãe, imitando a sua própria mãe, se consolava por ser uma menina brincando de boneca, na época ainda longı́nqua onde sua mãe cuidava dela bebê. Mas hoje esta criança tão pequena, tão doente, tão decepcionante, se parece com a criança imaginária que ela se preparou para amar e para quem ela só podia se imaginar como boa mãe dando-lhe força, saúde e beleza? 140 PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA Face ao bebê doente, a mãe às vezes em pane de desejo, não pode mais se reconhecer como mãe. Antes que uma criança fale podemos tudo imaginar, é isto que torna as crianças tão fáceis de amar. Diante da doença, as mães perdem a imaginação. Pouco a pouco, sejam os pais bons ou maus, recebendo as projeções da mãe, o hospital permite a esta um acesso ao imaginário e à simbolização. Deixaremos o cuidado de concluir a esta mãe de origem árabe que deu à luz, por cesariana, uma menina nascida prematuramente. Era seu primeiro filho. Zora estava no serviço há três dias e sua mãe não queria vê-la; aquela chorava no seu leito na maternidade e — como geralmente ocorre com as mães separadas dos seus bebês — se recuperava muito lentamente do pós-operatório: “É uma menina — dizia ela — ela é pequena demais, eu não quero vê-la”. Quando, três dias depois, eu a recebi, ela me explica que ela própria era a sexta filha e última criança de uma mãe, cujo desespero era o de não ter tido meninos. “Na minha terra é preciso ter meninos, senão a gente não é uma boa esposa. Eu não ousei contar ao meu marido, que ainda está no seu paı́s”; e ela chorava desesperadamente, suas lágrimas e as lágrimas de sua mãe, recusando ver Zora, desviando os olhos quando nós a acompanhamos à incubadora. Dia após dia as enfermeiras apresentavam-lhe sua filha, uma exuberante menininha presente e dada que tinha rapidamente garantido seu lugar no serviço. A cada encontro comigo a mãe de Zora, que sofria cada vez menos com sua ferida no ventre, falava de uma outra ferida. De sua infância, da violência de sua própria mãe, das suas fobias de impulso que paralizavam ela própria, tão convencida estava de que iria matar sua criança. 141 BEBÊS DE RISCO Mais ela falava dela com desespero, mais ela falava à equipe com agressividade e mais ela podia falar de Zora com ternura. Um dia uma enfermeira lhe disse: “Sua filha é bela, mais tarde, como você, ela terá belos filhos”. Esta promessa foi muito importante para esta mãe, que escutou aı́ uma promessa de uma reparação da ferida de sua própria mãe, e tornou-se, devagarzinho, um pouco mais capaz de acolher sua criança, que podia começar a se inscrever sem vergonha na história da famı́lia. É este tempo de elaboração e adoção que o hospital torna possı́vel. O que poderı́amos imaginar do futuro desta mãe e de Zora se elas estivessem estado ao mesmo tempo sós e juntas? Deixando o serviço com Zora no colo, ela passou na minha sala, sem horário marcado: “Só uma palavrinha, me disse ela, diga às enfermeiras que não é para elas ficarem com raiva de mim, eu fiz todo o mal sair, eu o tinha no ventre, agora eu e Zora, a gente vai tentar viver”. Sobre a Autora Psicanalista, membro do Espace Analitique de Paris. Trabalha num serviço de neonatologia em Paris. Publicou vários artigos sobre o trabalho psicanalı́tico com crianças pequenas e bebês. 142 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO QUESTÕES ACERCA DO ATENDIMENTO PAIS-BEBÊ Daniele de Brito Wanderley Intervenção precoce: um breve histórico O trabalho em torno da primeira infância vem tomando uma dimensão crescente. Bowlby1 e Spitz chamaram a atenção para os efeitos da separação precoce pais-criança e seus estudos repercutiram numa reformulação no atendimento coletivo a crianças pequenas na maior parte dos paı́ses do mundo. As creches e orfanatos foram fortemente influenciadas e uma crescente preocupação quanto à formação da personalidade nos primeiros anos de vida começava a se esboçar, bem como um maior interesse na observação das reações infantis. Assim, começou a se falar, por exemplo, em depressão de bebês e estados de privação afetiva. Nos anos 70-80 uma nova onda de estudos, desta vez liderados por americanos como Brazelton2 , Klaus e Kennel3 começa a discutir as conseqüências psı́quicas, para os bebês, de situações de hospitalização precoce. Como conseqüência, serão os berçários que vão sofrer uma tentativa de reformulação: os pais são convidados a deixar o lado de fora dos cuidados intensivos dos hospitais e entrar em relação o mais cedo possı́vel com seus filhos. A partir daı́ se verifica o chamado boom dos bebês: pesquisadores e clı́nicos na Europa e Estados Unidos se unem 143 BEBÊS DE RISCO através de publicações, jornadas e congressos para a divulgação dos novos conhecimentos em relação às competências dos recém-nascidos. A partir do chamado fenômeno da habituação∗ , descobriu-se capacidades surpreendentes. Utilizando-se a sucção concomitante a um estı́mulo, percebeu-se que o bebê parava de sugar depois de determinado tempo e retomava a sucção se algo novo fosse introduzido, o que demonstrava sua discriminação perceptiva. Com outro método utilizado, o de fixação visual, descobriu-se as “preferências” do bebê, através do tempo durante o qual ele consagra sua atenção a um estı́mulo em detrimento de outro. Por exemplo, sabe-se que um bebê prefere olhar para figuras com uma gestalt humana do que para figuras geométricas. Ainda no que se refere à capacidade visual, os bebês se interessam mais em olhar um objeto que mantém a mesma forma de uma figura já vista anteriormente, tendo sido modificado apenas o seu tamanho; o que demonstra sua capacidade de representação centrada no objeto (Milewski, in Mehler, p.93)4 . Também se constatou que apresentando-se duas formas, sendo a segunda com um só traço diferencial da primeira (forma à qual ele estava habituado), o bebê dirige seu olhar em direção a este traço que a diferencia da forma conhecida (Van Giften e Haith, in Melhler, p.93). Quanto à capacidade auditiva, sabe-se a partir de então que os limiares auditivos dos recém-nascidos e dos adultos são quase idênticos. É a modalidade auditiva que predomina até os dez meses de idade, ou seja, ele é mais sensı́vel até esta idade e se interessa mais por um estı́mulo auditivo que por um estı́mulo visual. ∗ Sabe-se que o interesse do bebê aumenta diante de um estı́mulo novo e decresce após um certo tempo de repetição deste estı́mulo; ele se “habitua” e se desinteressa, sendo que sua atenção pode ser retomada com a apresentação de novo estı́mulo (N. da A.). 144 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO As pesquisas de Boysson-Bardies5 na área psicolingüı́stica trazem dados surpreendentes. Ela faz uma revisão em muitos estudos neste campo, especificamente sobre a discriminação fonética e o surgimento da linguagem. A autora afirma que o bebê pode perceber os sons que constituem a lı́ngua — “ele pode não só ouvı́-los, mas também extraı́los, dissecá-los, reconhecê-los, organizá-los e analizá-los”. (p.29). Por exemplo, os bebês de quatro meses mostraram distinguir as sı́labas [ba] das sı́labas [pa]. (p.31). Ela lança mais luz sobre o tão descrito “falar bebê”, também conhecido como o mamanhês ou manhês. Diz ela: “A prosódia natural “força” a escuta dos bebês...As mães o sentem tão bem que amplificam as variações de intonação e brincam com suas vozes quando falam com suas crianças. Graças a estas variações, não somente os bebês não perdem suas capacidades de discriminação, mas estas se encontram reforçadas pelo exagero do ritmo e dos contornos prosódicos. Constatase, por sinal, que os bebês discriminam melhor os contrastes fonéticos quando as frases são lidas por uma mulher encarregada de se dirigir a uma criança, que quando elas são lidas por um adulto se dirigindo a um outro adulto”.(p.40). A clı́nica psicanalı́tica com bebês Muito se fala da prematuridade da raça humana, da dependência incontestável do bebê humano em relação a um Outro que assegure-lhe não só a sobrevivência como também a constituição subjetiva. Mas pouco se sabia do que consistia este aparato de que vem dotado o bebê e que o torna capaz, desde os primeiros dias de vida, de ser um parceiro ativo na interação com seus pais e não mais algo inerte e facilmente moldável. 145 BEBÊS DE RISCO É a partir desta nova concepção de bebê competente, mas nem por isto menos dependente, que se fez necessária uma clı́nica onde o bebê estivesse presente na consulta com seus pais, para que não só algo do discurso pudesse ser escutado, mas também suas manifestações, que se fazem notar por seus sintomas e reações, fossem percebidas e reenviadas aos pais. O que acontece quando muito cedo um bebê que prioritariamente espera sons se vê privado da comunicação com sua mãe, seja por uma hospitalização precoce, seja por uma depressão materna? Que efeitos isso pode acarretar no seu psiquismo? Estas são questões que fizeram com que alguns analistas se debruçassem sobre a clı́nica precoce para ouvir aquilo que, sem ser falado, se faz valer por seus efeitos. Bertrand Cramer e Palácio-Espasa6 indicam a psicoterapia conjunta mãe-bebê sobretudo para o infante, ou seja, a criança de menos de 24 meses para quem a palavra não é ainda o instrumento principal de comunicação e representação. Cramer7 assim define a psiquiatria do bebê: “Reconhecemos depois de algum tempo que os bebês podem apresentar problemas psicológicos. Eles podem, desde os primeiros dias, recusar o seio, evitar a troca de olhares, regurgitar a comida ou ainda apresentar estados de tensão e de agitação: estes ‘sintomas’ são sinais de angústia psicológica que só compreendemos interrogando o mal-estar compartilhado com a mãe. Estes tipos de sintomas... se tornaram objetos de uma nova disciplina: a psiquiatria do bebê”. Ele ressalta a importância do espaço projetivo entre pais e bebê e é aı́ que situa seu trabalho: trata-se para Cramer de decifrar as fantasias que vêm habitar o berço do bebê ou, dito de outro modo, ter acesso às representações em torno da criança, aos conflitos subjacentes à relação dos pais com este filho. 146 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO De um bebê se fala: um caso clı́nico Mãe e filha se estranham Decidi falar-lhes de um tratamento conjunto mãe-bebê (o pai não quis vir a nenhuma das sessões) que apresenta pontos de discussão numa prática interdisciplinar em torno do bebê, considerado com risco de sequela neurológica, bem como a intervenção e o olhar dos profissionais aı́ envolvidos em torno do real do corpo. Contarei um pouco da trajetória desse tratamento, na tentativa de facilitar um espaço ilusório suficientemente consistente para permitir à criança um atravessamento do tão fundamental estádio do espelho. Trata-se de uma menininha de 9 meses, encaminhada pela fisioterapeuta de estimulação precoce que se inquietava, assim como sua mãe, sobre seu desenvolvimento psicomotor. Ela também era sensı́vel à difı́cil história de sua pequena paciente e à interação mãe-filha. Carolina, como vou chamá-la, recusava-se a “sair do lugar”. Ela permanecia sentada em todas as sessões, não se deslocava, não buscava os objetos de seu interesse. Apesar de ser “enfezadinha”, como dizia sua mãe, e ser de pouco sorriso, tinha uma boa comunicação pelo olhar, o que não fazia dela uma criança apática ou desinvestida do outro e dos objetos. Na primeira entrevista, a mãe, que chamarei de Adriana, se queixa que sua filha a estranhou quando do seu retorno de uma viagem de um mês. Ela se mostra ressentida com sua filha, que reagiu com sorrisos ao rever o pai “a quem não é tão apegada assim”. Contrastando com a reação de Carolina, seu irmão gêmeo, Léo, abriu os braços e se derreteu em sorrisos. Em outra sessão a mãe fala que a filha estranha, ao contrário do irmão. O significante estranho surge mais uma 147 BEBÊS DE RISCO vez quando se refere ao seu casamento: casou-se com um estranho, que não sabia direito quem era ou de que gostava em virtude de morar em outra cidade e se verem pouco. Neste primeiro encontro constato que o contato corporal entre ambas se dá com dificuldades. Isto se manifesta inicialmente quando a mãe entra na sala acompanhada da babá que segura o bebê. Quando peço que esta espere lá fora, Adriana toma Carolina nos braços, ela se arqueia para trás e sua mãe a coloca no tapete deitada. O bebê não parece satisfeito e é então levantado pelos braços, ao que reage se jogando para trás novamente. Ela é finalmente colocada sentada no tapete e sua mãe oferece-lhe alguns brinquedos. Carolina se interessa e brinca por alguns minutos. Em algumas ocasiões ela manifesta seu desconforto resmungando, o que não é percebido pela mãe. Nestes momentos me dirijo ao bebê interrogando-o sobre o seu mal-estar. Esta intervenção visava muito mais atingir à mãe que ao bebê, evidentemente. Esperava ver a reação materna diante da demanda de Carolina. Adriana continua a falar sem perceber os sinais da filha, até que esta se lança em direção ao colo materno. A mãe a segura de pé no seu colo, sustentada pelos braços. Carolina se balança, se estica, tropeça, numa dança mal sintonizada. Estas imagens nos falam daquilo que Winnicott assinala como a função de contenção e sustentação do bebê: o holding. Percebe-se que a interação das duas se dá com dificuldades, já que os sinais da criança não são muito percebidos pela mãe e, quando o são, as respostas que esta envia não são muito eficazes para o consolo da criança. Elas parecem se “estranhar” mutuamente. O autor Daniel Stern8 , observando muito atentamente interações pais-bebê, chama a atenção para uma dimensão 148 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO nesta relação que ele nomeia de “accordage affectif ”∗ ; tratase da capacidade do adulto de compartilhar o estado emocional do bebê percebendo seus sinais e demandas e enviandolhe uma resposta com gestos, olhar ou voz; assim, a criança tem a certeza de que ela pode se comunicar com um outro que é capaz de decodificar suas mensagens. Em alguns momentos Carolina e sua mãe se apresentam num descompasso interativo, como se faltasse aı́ uma certa afinação. Em algumas situações coube então a mim posicionar-me como porta-voz das mensagens de Carolina, ora me dirigindo à própria criança, ora apontando a capacidade maternante da mãe — por exemplo, quando esta finalmente a aconchega no colo digo: “Que colo gostoso, hein!”. Neste momento me coloco no lugar do bebê e destaco o lugar de grande Outro real que ocupa a mãe. Desta forma tento captar a atenção da mãe para as demandas de Carolina, ao mesmo tempo em que demarco o enquadre — trata-se de um atendimento que visa a relação e que por isso mesmo não pode perder de vista o bebê. Ouvir o discurso parental é um objetivo, mas não o único; fazer com que o bebê se faça ouvir, ainda que não haja palavras aı́, faz parte da proposta terapêutica. É pela via do discurso materno (e ressalto o materno, pois neste caso o pai “cede” lugar à mãe, dizendo-lhe que parece que é ela que precisa do atendimento, e recusa-se a vir), da possibilidade de vir falar desta criança, do que suscita na história materna e nos sintomas da menina que Carolina começa a sair do lugar. Um lugar que desde a primeira vista se revela fixo, sem deslocamento possı́vel. Carolina nasceu com um problema intestinal, o que a fez submeter-se a várias cirurgias nos primeiros meses de ∗ Que traduzo por sintonia afetiva; através dela ele ressaltava a sintonia da orquestra quando os instrumentos estão afinados entre si e os músicos entrosados uns aos outros (N. da A.). 149 BEBÊS DE RISCO vida. Ainda recém-nascida, fica um mês na UTI neonatal, assim como seu irmão gêmeo, este de alta após 15 dias de hospitalização. Este irmão, tendo contado com a presença da mãe mais precocemente, é descrito como guloso, sorridente e apegado à mãe e, ao contrário de Carolina, não pára quieto e se desenvolve bem. Adriana, inicialmente na casa da mãe, conta com a ajuda dela; instaura-se então uma divisão muito clara: a avó cuida de Carolina e Adriana de Léo. Guloso e demandante, ele é o primeiro a ser alimentado, tendo aproveitado do contato com o seio materno. Quanto a Carolina, que sugava devagar e com pouca força, a avó providenciava uma mamadeira. Adriana se queixa de que só à noite Carolina era sua. Ela se emociona ao falar que para ela só sobrava cuidar da colostomia. Sua famı́lia a vê como sendo forte e a única a poder se deparar com este “cocô”, se queixava: “Eu me controlava, me acostumava a limpar. Era horrı́vel, ninguém queria fazer aquilo. Às vezes era insuportável para mim”. Adriana fala do seu ressentimento em relação às acusações familiares de que ela não gostava muito de Carolina: “Às vezes ela não me queria, era uma coisa com minha mãe...”, se justifica.Continua seu discurso dizendo que a filha não parece gostar de ser ninada, dorme só no berço e não consegue adormecer no colo. Finaliza: “Ela é enfezadinha, não é de sorrir”. Diante da presença da avó que reinvindica a maternagem de Carolina, a mãe fala do seu não-lugar. Ela vai então falar da sua insatisfação, das suas fragilidades, abdicando um pouco deste lugar de Fortaleza que ocupa na famı́lia. 150 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO Em busca do trono perdido ou O momento da alienação O atendimento conjunto permite, por um lado, que Adriana coloque em questão sua presença materna, assim como a faz perceber coisas em Carolina que surgem como surpreendentes e que encantam. O laço mãe-filha se fortalece. Carolina mostra empatia ao sofrimento materno quando diante do discurso da mãe reage em alguns momentos olhando para ela, interrompendo seu brincar para fixar-se no olhar desta, ou quando chora e dá os braços em momentos de maior emoção para sua mãe. Também reage à minha imagem na televisão (dando uma entrevista) e sorrindo, balbuciando, chama a atenção da mãe, que comenta depois, orgulhosa: “Eu nunca ia imaginar que ela lembrasse de você, conhecendo-a tão pouco tempo”. Adriana também vem contar as novas gracinhas de Carolina e, na comparação com o irmão, ressalta traços de diferença, mas não mais de inferioridade: “Ela não é de pegar vários brinquedos de vez, mas explora longamente cada um e adora os bem pequenos” ou “Ela ainda não faz o que ele faz, mas observa atentamente e tenta imitar”. Ou ainda: “Ele é maior, mas ela também briga e sabe se defender”. Esta mãe revela-se uma atenta e interessada observadora e parceira da sua filha, o que sem dúvida contribuiu decisivamente para sua rápida evolução. Adriana começa a se tornar mais ı́ntima e Carolina já não lhe é mais estranha. A mudança para a própria casa e o conseqüente afastamento da avó acontece num momento em que a mãe é muito mais continente e segura para dar-lhe um lugar no desejo materno; fica contente de passear com ela e de perceber que “sua majestade o bebê” — como salientou Freud9 para falar do investimento libidinal dos pais para com um bebê — chama atenção e que além disto retribui sorrisos e tchauzinhos a seus “súditos”. Quando faz um ano a mãe a 151 BEBÊS DE RISCO leva para a neurologista e relata que Carolina ainda não anda, que gostaria muito de vê-la dar este passo. Adriana me conta que parece que Carolina entendeu a mensagem e no dia seguinte começou a andar. Assim, depois de ser demandada, responde com sorrisos, reconhecimento e carinho, o que fortalece o vı́nculo mãe-filha. Carolina deseja o que a mãe deseja dela.É o tempo da alienação no desejo materno, momento necessário e fundamental para ser possı́vel advir um outro momento crucial, o tempo da separação-individuação. A chegada da avó paterna introduz uma novidade na famı́lia: esta passa a ninar os dois netos numa cadeira de balanço animando com cantigas. Adriana percebe que Carolina começa a desfrutar desta experiência, inclusive resistindo a dormir com a mãe quando vê e ouve a avó com o irmão. A mãe se inquieta um pouco com a partida próxima da avó e esta então propõe que a nora aprenda a cantar, o que aterroriza esta mãe e a faz resgatar uma fase importante da sua infância. Diz que nunca gostou de sua voz, que na sala de aula, quando cantavam, mantinha-se calada. Além do mais, justifica: “um dia cantei para ela, mas ela me olhou como quem diz: não é a mesma coisa”. Neste fragmento se vê como as interpretações maternas são feitas em função da maneira como se vê, e suas dificuldades interativas atuais com esta filha refletem mais sua posição subjetiva. É o que Bertrand Cramer10 e Serge Lebovici11 destacaram como sendo a dimensão fantası́stica das interações precoces. Neste momento me dirijo à mãe no sentido de ressaltar a dimensão afetiva que o cantar comporta e ao mesmo tempo cortar um pouco a univocidade da interpretação materna: “ Será que ela com este olhar não podia expressar surpresa ao descobrir sua voz? Para você é a voz artı́stica que você se exige, mas para ela é a voz da mãe”. 152 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO Estamos diante da distinção entre lı́ngua e voz, ou seja, o caráter libidinal da voz que a situa do lado da pulsão. É a voz materna enquanto presença que faz borda no ouvido da criança, instaura a dimensão presença-ausência. Uma voz que quando falta instaura a ausência e faz surgir a demanda de Carolina — ela se estica num apelo para a cantiga da avó. Esta sessão é especialmente rica, pois a mãe pode falar mais da sua infância e pela primeira vez fala da sua relação com a irmã e o modo como os pais lidavam com as duas. Também na sua casa as relações eram marcadamente diferenciadas: o pai era mais apegado à outra enquanto que a mãe era mais “identificada a ela”. Diz que seu pai fazia todas as vontades de Andréa, que ela ganhava tudo no grito. Em outra sessão a mãe vai falar que Carolina está muito voluntariosa, que está sendo estragada pelo pai, que a mima e faz todas as suas vontades com a desculpa de que ela já sofreu muito. Ela se ressente do distanciamento que seu marido tem com Léo. Diz: “Criança precisa de limites, ela está passando por cima de Léo”. No nı́vel das projeções maternas Carolina oscila entre a “estranha ” e a “rival”. Ela evoca sua vivência infantil com sua irmã. Neste momento Carolina-Andréa passa a ameaçar com sua dominação Léo-Adriana. Esta mãe se limita no seu contato com a filha com medo de fazer dela sua irmã, estragada pelo pai. As relações edı́picas são reativadas aı́. Sua mãe (avó) identificando-se a Adriana merece como recompensa uma neta-filha. Léo, dócil, apegado a ela mas que não reclama tanto. Nesse momento de maior aproximação com Carolina, Léo fica mais tempo com a babá, de quem ele exige exclusividade, poupando a mãe de maiores demandas; ele aceita sem maiores protestos a crescente intimidade mãe-filha.Adriana vem em sua defesa temendo o risco dele ser esquecido pelo pai como ela própria o fora. Ela verbaliza 153 BEBÊS DE RISCO este jogo identificatório de modo muito estabelecido: “Carolina é Andréa e Léo sou eu”. Um momento importante é quando Carolina adoece e pára de se alimentar. Ela só chora e dorme. As duas faltam à sessão e 15 dias depois Adriana diz que dengou muito a filha, que ela está descontando os atrasados, mas que ela está ótima agora, mais sorridente e comendo mais que anteriormente. A mãe se permite dengar sua filha sem temer “estragá-la”. Após esse tempo de aproximação tão intensa, é possı́vel para Carolina ir experimentando também outros laços, desfrutando da companhia de outros familiares, o que assegura sua mãe, que temia vê-la muito dependente e exclusivista. Ela passa a ficar bem com as tias, coisa que resistia “enfezadamente” e por outro lado dando tchau à avó e indo pegar sua sacola quando a mãe vinha buscá-la. Ela tinha assegurado um lugar conquistado e podia usufruir do trono que lhe cabia. Da alienação rumo à individuação. O lugar do pai Nas sessões, algo da demanda paterna começa a surgir. Adriana queixa-se de que o marido parece distante e não ajuda; ao mesmo tempo ela começa a se dar conta de que ele exige também sua presença, que demanda sua mulher. Ela percebe que ele estava excluı́do da relação com ela e os filhos e isso continua mesmo à noite, pois os gêmeos estavam acordando e ficando na cama do casal. A partir daı́ ela apela para ajuda, resolve abrir mão um pouco de dar conta de tudo, passa a deixar as crianças também com a avó ou tias e o casal sai da cobrança mútua e inicia um diálogo maior. Adriana toma algumas medidas de ordem prática que a auxiliam no cuidado com os filhos e ele passa a ser 154 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO espontaneamente mais participativo com as crianças e menos agressivo com ela. Este pai que exige seu lugar no desejo da mulher, que a priva do total domı́nio das crianças, permite que um novo tempo se dê, o tempo da separação — tempo em que as crianças se dão conta de que a mãe também lhes falta, que há um pai; momento em que eles passam a “ sair da barra da saia”, como dizia Adriana, para desfrutar de outros espaços, da companhia de outras pessoas diferentes da mãe. A função paterna faz valer seus efeitos. Prematuridade: o bebê, (os médicos) e os pais. Questões acerca da intervenção interdisciplinar precoce A distância corporal sentida de inı́cio pode revelar os primórdios dessa relação, marcada por uma separação precoce (hospitalização em UTI neonatal), em seguida por uma intimidade corporal interrompida quando uma colostomia se interpunha entre o corpo da mãe e o da filha, depois pela presença de um irmão que fazia valer sua demanda e da avó que assegurava os cuidados. Uma intimidade na relação precoce fora interrompida. Catherine Druon12 , psicanalista trabalhando há muitos anos em UTI neonatal, fala de “ preocupação médica primária”, em contraposição ao estado descrito por Winnicott13 de “preocupação materna primária”, ou seja, o estado de hipersensibilidade materna, em que todos os interesses e atenção estão voltados para o bebê, a ponto dele chamar este estado de loucura materna. Os pais destes bebês prematuros viveriam este encontro inicialmente intermediados por aparelhos e monitores, entre medicamentos e exames numa “preocupação médica primária”. Grenier (in Maurel, Chaillou e Raynaud14 ) descreve uma 155 BEBÊS DE RISCO necessidade da mãe de refugiar-se um pouco em casa num perı́odo que ele chama de convalescência, uma tentativa de tentar enfim criar um vı́nculo ı́ntimo com seu filho privado tão precocemente da sua presença, numa complacência total com o bebê, tentando se fazer presente e assegurar-se de uma maternagem que lhe cabe. No caso de Carolina, mais uma vez ela pôde assistir passivamente à maternagem da sua filhinha por outra pessoa. O atraso psicomotor e o olhar a partir da ótica da reabilitação Além da hospitalização precoce e da intervenção médica, o bebê prematuro e sua mãe vão se deparar com outro profissional que se interpõe na intimidade desta interação precoce: é o terapeuta de estimulação precoce. Tenho percebido muito freqüentemente, nas crianças em tratamento de estimulação precoce por muito tempo, um certo “furor de reabilitação” em que estas mães podem se ver mergulhadas, muito em função das suas próprias histórias de maior ou menor flexibilidade diante da aceitação da criança real, em detrimento daquela perfeita, imaginada, mas também em função do olhar do terapeuta sobre seu filho. A depender de como o próprio terapeuta de estimulação perceba, encare e vivencie o atraso psicomotor, o risco de seqüela ou uma lesão neurológica, se posicionando de forma a responder a uma demanda (implı́cita ou explı́cita) de “conserto” do que está falho ou não “conforme o imaginado”, trava-se uma dinâmica em que pouco importa como é o deslocamento deste bebê, como é seu jeitinho único, suas preferências e caracterı́sticas mais individuais.O que vai ser priorizado nesta trı́ade mãe-bebê-terapeuta é a posição correta, os exercı́cios a serem feitos sem perda de tempo, e 156 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO de preferência também em casa, e assim o espaço de constituição de um sujeito vai ficando cada vez mais comprometido. Tenho me perguntado e assistido de perto, junto com médicos, fisioterapeutas e crianças, sobre as marcas do real no corpo destas crianças e as dificuldades de uma subjetivação nestes casos. Assistindo a algumas sessões de fisioterapia com alguns bebês se tem a impressão de estar diante de técnicos do motor e do desenvolvimento que têm um saber sobre este corpo. As mães, quando presentes, vêem seu filho ser manipulado de um lado a outro e palavras são endereçadas no sentido do que não funciona — de hipertonia, das falhas. Algumas delas são muito “cooperativas”, atentas e até têm alguns apetrechos para continuarem em casa os exercı́cios recomendados. A questão não é de se pregar aqui uma oposição à estimulação precoce, dada a sua pertinência em aproveitar o momento de maior plasticidade cerebral para fazer valer seus efeitos no real, o que sem dúvida possibilita até uma maior subjetivação, mas de como estes médicos ou terapeutas se introduzem numa fase tão importante para a relação mãe-filho e que efeitos isto tem na subjetividade da criança. Marie Christine Laznik15 tem desenvolvido nos seus trabalhos a distinção entre a visão e o olhar, partindo do fracasso da instauração do circuito pulsional nas crianças autistas — todos sabemos que o autista recusa o olhar. A partir dos trabalhos de Selma Freiberg com bebês cegos que “olham” suas mães Marie-Christine estabelece o olhar enquanto presença, diferenciando-o da visão como acuidade visual, organicamente determinada. É o olhar do Outro que está aı́ em jogo. Ela desenvolve a leitura do esquema óptico de Bouasse (apresentada por Lacan no Seminário I16 ), aquela experiên157 BEBÊS DE RISCO cia da fı́sica em que obtêm-se, por ação do espelho côncavo, uma imagem ilusória: as flores que se encontravam sob uma caixa se vêem projetadas sobre esta caixa, em cima de um vaso de flores ali colocado, fazendo uma unidade vaso-flores, uma imagem real. A partir desta visão de um todo que na realidade não existe, mas é conseqüência de uma ilusão, Marie-Christine relaciona o vaso com o orgânico do bebê, o corpo enquanto real e as flores como conseqüência de um certo olhar, da ilusão antecipadora dos pais que vêem no bebê um além de sua pura insuficiência orgânica. Ela considera este olhar como necessário e anterior à constituição do estádio do espelho, teorizado por Lacan como sendo aquele momento na constituição da criança em que esta se reconhece enquanto imagem refletida no espelho e se vira para quem a carrega para confirmar, pelo Outro, a imagem do seu corpo, sua identidade. Ora, a depender da “óptica” do terapeuta, este bebê pode ser olhado e falado como o orgânico imperfeito, o “vaso” quebrado. Estes bebês se situam mais do lado da falha que do lado da falicização. Aonde vai parar o trono destes bebês, aquele apontado por Freud como “Sua majestade, o bebê”, a quem são atribuı́das todas as perfeições e negados os defeitos? O bebê das promessas e das ilusões? Como investir este corpo que fere o narcisismo parental? Como se dá o tão fundamental estádio do espelho teorizado por Lacan17 , se o olhar do terapeuta (e da mãe?) mal situado não vê a ilusão do bouquê de flores invertido — tomando a metáfora da experiência óptica de Bouasse, vê apenas o real? Cabe então nos perguntarmos como estas palavras e este olhar de um terceiro em torno do bebê podem dificultar e até comprometer esta construção psı́quica dos pais, esta antecipação das flores — tempo de necessária alienação ao Outro e de constituição da imagem corporal. 158 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO A intervenção dita preventiva no campo da reabilitação pode entravar conseqüências de ordem psicológica, como uma dificuldade na constituição desta imagem do corpo da criança, numa interferência na relação precoce pais-bebê que, interpondo um real do corpo, atropela o desejo dos pais por esta criança e passa por cima do tempo e da subjetividade de cada bebê, numa fase delicada de sua constituição. É um intervir ali onde tudo está começando, e por isso mesmo muito susceptı́vel a impactos que se estenderão por toda a vida. Neste caso pude trabalhar também com a fisioterapeuta∗ que acompanhava o caso, alguém muito sensı́vel aos aspectos emocionais, que atenta e questionando a cada dia sua prática e os impasses que cada caso pode suscitar, pôde suportar a espera do tempo de Carolina para engatinhar sem continuar a insistir em promover para o bebê as posições de “gatas”, posição que ela não aceitava passivamente. Como diz Alfredo Jerusalinsky18 , o analista de crianças se depara com uma preocupação adicional em relação ao atendimento de adultos. É que, para ele, quando os pais não se questionam sobre a constituição subjetiva, esta passa a ser uma preocupação para o analista, visto que é na infância que esta constituição se dá, diferentemente do adulto que já está constituı́do. Este bebê que resiste, que reclama, que mesmo sem choros faz um apelo, e que abre brechas para a reflexão de uma prática. É a partir deles que podemos repensar uma ação precoce. Lembro, contrariamente ao que se passou com Ca∗ Tem sido gratificante acompanhar a trajetória desta profissional que, após fazer cursos voltados para a interdisciplina e seminários de psicanálise, “revolucionou” a prática clı́nica de sua instituição dando imensa importância à subjetividade do bebê e ao lugar dos pais no tratamento de estimulação precoce. (N. da A.). 159 BEBÊS DE RISCO rolina, de um outro bebê que “aceitou”, juntamente com sua mãe, todas as manipulações e indicações médicas, porque sua mãe não podia suportar a idéia de que um dia ele fosse seqüelado e que ela pudesse ser acusada de ser responsável por isto. Diz ela, oito anos mais tarde, quando ele vem para terapia: “Só com um ano de idade comecei a chamá-lo de filho. Fazia o que os médicos mandavam mas não conseguia ter amor por ele”. Neste contexto das incertezas de espera e de dúvida se este bebê poderia de fato ser “Sua majestade” para os pais, o espaço para a escuta e a observação de Carolina nas sessões conjuntas com sua mãe se revelaram valiosos para permitir que a mãe pudesse ver aı́ não a qualidade do tônus, ou as falhas na sua filha, mas admirar-se, como qualquer mãe faz, com as descobertas e gracinhas de cada dia, com a individualidade de Carolina. Assim, este bebê pôde então desfrutar um pouco deste trono que lhe cabia e, quem sabe, do alto do seu Troninho, efetuar trocas simbólicas — do puro cocô ao reinado da princesa “estragada pelo pai e sustentada pelo desejo da mãe”. Bibliografia: 1. BOWLBY, J. (1988) Cuidados maternos e saúde mental. SP: Martins Fontes, 2a Edição. 2. BRAZELTON, T.B. (1988) O desenvolvimento do apego — Uma famı́lia em formação. PoA: Artes Médicas. 3. KLAUS, M. E KENNEL, J. (1992) Pais? bebê — A formação do apego. PoA: Artes Médicas. 4. MEHLER, J. E DUPOUX, E. (1995) Naı̂tre Humain. Paris: Éditions Odile Jacob. 160 EM BUSCA DO TRONO PERDIDO 5. BOYSSON-BARDIES, B. (1996) Comment la parole vient aux enfants. Paris: Éditions Odile Jacob. 6. CRAMER, B. PALÁCIO-ESPASA, F. (1993) La pratique des psychotérapies mères-bébés. Études cliniques et techniques. Paris: PUF. 7. CRAMER, B. (1989) Profession bébé. Paris: Éditions Calmann Levy. 8. STERN, D. (1989) Le monde interpersonnel du Nourrisson. Paris: PUF. 9. FREUD, S (1969) Sobre o narcisismo, uma introdução, in Obras completas, vol. XIV. RJ: Imago, p. 83-125. 10. CRAMER, B. e KREISLER, L. (1981) Sur les bases cliniques de la psychiatrie du nourrisson. In Revista Psiquiatrie de l’enfant no 24, p. 223-263. 11. LEBOVICI, S. (1986) Les interactions fantasmatiques et transmissions intergenerationnelles. UFR de Médicine de Bobigny, cahier no 38. 12. DRUON, C. À l’ecoute du bébe prematuré. 13. WINNICOTT, D. (1988). Preocupação materna primária. In Da pediatria à psicanálise. RJ: Editora Francisco Alves, 3a Edição. 14. GRENIER, A. In CHAILLOU, E.; OLLIVIER, A. E RAYNAUD, D.: Risque de handicap chez un nouveauné — une action médico-psychosociale précoce. Revista Contraste, 2o semestre de 1995. 15. LAZNIK, M.C. L’effet de la parole sur le regard des parents dans la constitution du corps de l’enfant. Artigo não publicado. Estas idéias aparecem também no 161 BEBÊS DE RISCO seu texto: Do fracasso da instauração da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsionalQuando a alienação faz falta. In: O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas. Salvador: Ágalma, 1994 (1a edição), p.196. 16. LACAN, J. (1986) A tópica do imaginário. In: O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud. RJ: Jorge Zahar Editor, 3a edição. p. 89-168. 17. LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos. RJ: J.Z.E., 1998. 18. JERUSALINSKY, A. A educação é terapêutica? Acerca dos três jogos constituintes do sujeito. In: Amarelinhas — revista da Biblioteca Freudiana de Curitiba, no 2, 1995, pp. 9-13. 162 CATÁLOGO DE PUBLICAÇÕES DE ÁGALMA Coleção Discurso Psicanalítico Direção: Ricardo Goldenberg A Feminilidade na Psicanálise e outros ensaios Marcus do Rio Teixeira O que a Psicanálise tem a dizer acerca do devir-mulher, desde os primeiros textos de Freud sobre o Édipo feminino até os estudos contemporâneos, com destaque para a teoria de J. Lacan. Trata ainda da formação do analista, do sintoma social no Brasil e outros temas atuais ISBN 85-85458-01-1 126p. Código P-01 Lacan e a formação do analista no Brasil Angela Baptista do Rio Teixeira, Angela Jesuino Ferretto, Antonio Carlos Rocha, Charles Melman, Ricardo Godenberg. As vicissitudes da formação analítica a partir da chegada do ensino de Lacan ao nosso país, com ênfase tanto nos aspectos clínicos quanto sócio-culturais. Uma análise inteligente e ousada da nossa cultura a partir da teoria lacaniana. Inclui a conferência de Charles Melman, "Casa Grande e Senzala", que discute o laço social no Brasil a partir de uma leitura psicanalítica da obra de Gilberto Freyre. ISBN 85-85458-02-X 66p. Código P-02 60 Anos de Psicanálise - Dos precursores às perspectivas no final do século Denise de Oliveira Lima, org. Emílio Rodrigué, Marialzira Perestrello, Miriam Chnaiderman, Octavio Souza, Syra Tahin Lopes. Relata a história dos precursores da psicanálise no início do século e trata de temas atuais como cultura e psicanálise, a clínica psicanalítica e seus efeitos na pólis. Inclui correspondência inédita de S. Freud para o Brasil, publicada em primeira mão por Ágalma ISBN 85-85458-03-8 100p. Código P-03 Ensaio sobre a moral de Freud Ricardo Goldenberg Discute o problema ético decorrente da experiência analítica. Num estilo ao mesmo tempo rigoroso e fluente, este ensaio levanta questões que concernem não apenas aos praticantes da psicanálise mas também aos leitores provenientes de outros campos, sobretudo da filosofia, com a qual mantém um diálogo vivo e enriquecedor. ISBN 85-85458-04-6 120p. Código P-04 ESGOTADO Sobre o Desejo Masculino Angela Baptista do Rio Teixeira (org.), Ricardo Goldenberg, Fernando Paixão, Ricardo Estacolchic, Silvia Wansztein, Sidnei Goldberg, Marcelo Nova, Antonio Risério, Maria Rita Kehl. Afinal o quê, como e de que maneira os homens desejam? Para tentar responder a questões como estas, Ágalma convidou homens e mulheres provenientes de campos tão diversos como a psicanálise, a poesia, o jornalismo, o rock..., os quais por diferentes vias montam um painel m ultifacetado que, sem ser jamais superficial, permite enxergar de ângulos diversos esse desejo que diz respeito não somente aos homens, mas a quem de uma forma ou de outra com eles lida. ISBN 85-85458-07-0 110p. Código P-05 GOZA! - Capitalismo, globalização e Psicanálise Ricardo Goldenberg (org.), André Soueix, Carlos Cárcova, Charles Melman, Édson Souza, José Arbex, Luiz Carlos dos Santos, Marcus Teixeira, Pierre-C. Cathelineau, Pierre Bruno, Pierre Naveau, Ricardo Estacolchic, Roland Chemana, Sidi Askofaré, Thomaz Abraham. A globalização, mais recente avatar do capitalismo, interage com a Psicanálise numa via de mão dupla; por um lado, as novas relações econômicas e sociais atuam sobre o sujeito, provocando o aparecimento de novos sintomas. Os psicanalistas por sua vez, não cessam de interrogar, a partir da sua clínica, os efeitos do laço social capitalista no sujeito e na pólis. Este volume reúne algumas das contribuições mais representativas desse esforço de teorização acerca da relação entre o sujeito e o objeto na sociedade capitalista. Juntamente com analistas de diversas escolas, profissionais das áreas de Sociologia, Direito, Filosofia e Jornalismo discutem os efeitos do Capitalismo na subjetividade hodierna. ISBN 85-85458-11-9 288p. Código P-06 Clínica Psicanalítica — Artigos e Conferências Charles Melman Co-edição Ágalma/Edufba Este volume reúne textos e conferências realizadas por Charles Melman, colaborador próximo de Lacan e fundador da Association Freudienne Internationale, sobre temas relevantes da clínica psicanalítica: a neurose obsessiva, a paranóia, o homossexualismo, a melancolia, etc. Além destes, aborda também questões referentes à cultura e à sociedade, como o judaísmo e o imaginário no poder contemporâneo. ISBN 85-85458-16-X 208 p. Código P-07 A Psicanálise e seus paradoxos — Seminários Clínicos Ivan Corrêa Co-edição Ágalma/CEF-Recife Valendo-se de sua formação em Psicanálise, Matemá tica e Filosofia, aliada a uma vasta experiência clínica, Ivan Corrêa se propõe estudar as raízes da Psicanálise. Para isso, recorre a autores como Aristóteles, Frege, Russell e Cantor, segundo uma rigorosa posição metodológica que visa situar o estatuto da clínica e da teoria psicanalítica. O leitor habituado ao referencial teórico de Freud e Lacan encontrará nestes Seminários uma releitura dos casos freudianos clássicos e dos elementos fundamentais da teoria lacaniana a partir das proposições lógicas, matemáticas e topológicas implicadas em seus textos. Já o leitor iniciante na teoria psicanalítica terá a oportunidade de conhecer seus pontos cruciais e os elementos da práxis psicanalítica apresentados em um estilo que reúne erudição e clareza. ISBN 85-85458-18-6 120p. Código P-08 Como se chama James Joyce? — A partir do Seminário "Le Sinthome" de J. Lacan Roberto Harari Co-edição Ágalma/Cia de Freud Recentemente traduzido na França e nos EUA, este livro do psicanalista argentino Roberto Harari, autor de vasta obra teórica, propõe uma leitura criativa, rigorosa e didática do Seminário 23. Neste, Lacan produziu seu último e mais notável avanço clínico-conceitual, para o qual valeu-se das contribuições do genial escritor irlandês James Joyce. Este trajeto permite a Harari lançar as bases de uma completa psicanálise pós-joyceana. ISBN 85-85458-20-8 325 p. Código P-09 Próximos Lançamentos: O que os psicanalistas podem aprender com a topologia Aurélio Souza (Org.), Marc Darmon, Juan David Nasio, Isidoro Vegh, Clara Cruglak, Ivan Corrêa e outros. O título deste volume avança e firma posição: não haveria uma topologia da psicanálise ao modo de um corpus teórico que dite o modo de se pensar na clínica, ou a maneira de lê-la. Há sim, topologia clínica, questão que Lacan enuncia na formulação de que "a topologia é a estrutura". Vicissitudes do objeto Marcus do Rio Teixeira Ao definir o objeto da pulsão como inatural, Freud demonstra a inexistência de um objeto adequado ao desejo, à espera do sujeito na natureza. Para Lacan, é o objeto a, cuja perda primordial está no cerne da constituição do sujeito, que causa o desejo. Já o capitalismo contemporâneo apropria-se da tecnociência para produzir objetos feitos em série, materializando o objeto perdido. Os ensaios que compõem este volume discutem a incidência do objeto na sexuação, nos laços sociais e na literatura. Contribuição ao tratamento possível das psicoses: sua diferenciação (título provisório) Maria Lúcia Baltazar A autora, a partir de um caso de "Síndrome de Capgras" e outro de "Folie à deux", vale-se das teorizações do campo freudiano, sobretudo dos esquemas ópticos de Lacan, formulando a hipótese de vários modos de foraclusão. Propõe o caminho da diferenciação das psicoses como contribuição ao seu tratamento e à constituição desta clínica que, a seu ver, não está ainda constituída. Filhinhos de mamãe Ricardo Estacolchic e Sérgio Rodriguez A sexualidade do macho é tão problemática e difícil quanto a das damas. Contudo, para estas últimas é normal, quase decoroso, estar mais ou menos insatisfeitas. Representar o papel viril imaginado como "normal" adquire enorme predomínio sobre o gozo efetivamente vivenciado. O homem assume esse papel com tanta solenidade que se torna um pouco cômico. Os autores deste livro preferiram ressaltar essa veia cômica, ao invés de optar pela seriedade com que o neurótico lida com essa questão. Disso resulta uma obra que se insere naquela que Lacan chamou "a psicanálise divertida". Coleção Psicanálise da Criança Direção: Angela Baptista do Rio Teixeira Coisa de Criança Angela B. do R. Teixeira, Maria Alice Ramos Ferreira, Martine Lerude. Artigos sobre a criança, a mulher analista e a posição feminina. Uma reedição revista e ampliada deste número, em conjunto com o número abaixo, está em preparo, organizada por Graziela Costa Pinto. ESGOTADO o ISSN 0103-7633 N 01 42p. Código R-01 Desenho: Por que não? Denise Lachaud, Eliana Sampaio, Marie-Christine Laznik, Sônia Campos Magalhães. O desenho no tratamento de crianças sob um enfoque lacaniano . Reedição revista e ampliada em preparo ESGOTADO ISSN 0103-7633 No 02 68p. Ilustrado (p&b) Código R-02 O Sujeito, o real do corpo e o casal parental Angela B. do Rio Teixeira (org.), Bernard Vandermersch, Henry Frignet, Lia Freire de Carvalho, Pascale Belot-Fourcade, Tarcísio Matos de Andrade, Valentin Nusinovici, Eliane Pirard VanDieren, Marie-Christine Laznik, Martine Lerude, Nicole De Neuter, Patrick De Neuter, Roland Chemama. A Coleção Psicanálise da Criança reúne neste volume a edição revista e ampliada de dois números que tiveram suas edições esgotadas. Em Psicanálise e Psicossomática a questão diz respeito ao real do corpo, de modo totalmente diverso da conversão histérica. Em Do Pai e da Mãe trata-se da relação do sujeito com o casal parental nos registros real, simbólico e imaginário. Temas que desafiam cotidianamente a teoria e a prática psicanalítica. a 2 EDIÇÃO ISSN 0103-7633 No 03/04/05 244p. Ilustrado (P&B) Código R-03/05 O que a clínica do autismo pode ensinar aos psicanalistas Marie-Christine Laznik (org.), Paul Alerini, Gabriel Balbo, Graciela Cabassu, Fábio Landa, Eliane Pirard-Van Dieren, Denise Stefan, Hector Yankelevich. As originais propostas dos artigos deste volume apostam na clínica do autismo como capaz de revelar toda a riqueza contida na leitura lacaniana da obra de Freud, possibilitando assim desdobramentos metapsicológicos capazes de dar conta das primeiras estruturações do aparelho psíquico. a 2 EDIÇÃO ISSN 0103-7633 No 06 152p. Ilustrado (p&b) Código R-06 O mundo, a gente traça Considerações psicanalíticas acerca do desenho infantil Angela B. do Rio Teixeira (org.), Roland Chemama, Gabriel Balbo, Alain Ditisheim, Jean Périn, Claire Kahn, Claude Dorgeuille. Os autores trazem a abordagem teórica mais atual acerca do desenho no tratamento analítico da criança, possibilitando importantes avanços na sua compreensão enquanto ato simultaneamente enigmático e revelador das relações do pequeno falasser com o mundo que o cerca e o determina. O volume inclui ainda a discussão de diversos casos clínicos amplamente ilustrados. ISSN 0103-7633 No 07 146p. Ilustrado (a cores e p&b) Código R-07 "Mais tarde" é agora! — Ensaios sobre a adolescência Ana Izabel Corrêa (org.), Octave Mannoni (com apresentação de Maud Mannoni), Jean Louis Chassaing, Patrick Delaroche, Isidoro Gurman, Rodolpho Ruffino, Eda Tavares, Bernard Penot e JeanJacques Rassial. A adolescência como momento de passagem, na sua implicação com as drogas, a violência e outros sintomas da sociedade, é tratada de forma coerente e instigante, privilegiando esse sujeito que subitamente ("agora!") é solicitado a dar suas respostas Reedição em preparo ESGOTADO ISSN 0103-7633 No 08 156p. Código R-08 Neurose Infantil versus neurose da Criança — As aventuras e desventuras na busca da subjetividade. Leda Mariza Fischer Bernardino (org.), Alfredo Jerusalinsky, Charles Melman, David Maldavsky, Erik Porge, Eugenia Sokolnicka, Jean-Jaques Rassial, Patrick De Neuter. Interrogarmo-nos sobre a neurose no tempo mesmo da infância, sobre o estatuto do sintoma na economia psíquica de um sujeito ainda em constituição, sobre a gênese do sinthoma em sua versão lacaniana, é imprescindível para acompanhar esses pequenos sujeitos na difícil tarefa de abrir um caminho de subjetividade. Se todos se confrontam com um mesmo e geral Outro social, para alguns há trilhas, para outros muro, para outros ainda buracos, no percurso até o singular. Reedição em preparo ESGOTADO ISSN 0103-7633 No 09 168p. Ilustrado (p&b) Código R-09 Dos contos, em cantos Jandyra Kondera Mengarelli (org.), Angela B. do Rio Teixeira, Agnès Rassial, Eliana Yunes, Fanny Abramovich, Ivan Corrêa, Lucy da Silva Prado, Marcus do Rio Teixeira, Maria Rita Kehl, Dolores Coni Campos, Martine Lerude, Sandra Pereira e Sônia Magalhães. Os artigos que compõem este volume refletem um legítimo interesse em indagar acerca do medo, do estranho, da surpresa, do suspense ingredientes sine-qua-non dos contos infantis. Ao invés de autorizar a caça ao mal-estar, põem em relevo os elementos capazes de suscitá-lo para, então, verificar sua importância. Não duvidamos que o empenho dos autores tenha sido obra de alguma fada, pois que, segundo sua etimologia, é de fatus, discurso, que ela vem. Tratamento e escolarização de crianças com distúrbios globais de desenvolvimento Maria Cristina Kupfer (org.), Angelina Cardoso Cufaro, Béatrice Boudard, Geselda Baratto, Luis Fernando B. Mena, Nicole Le Guiffant, Sandra Pavone, Síglia da Cruz Leão, Sônia Campos Magalhães, V. Mariage, Yara Sayão, Yone Maria Rafaeli, Yves Vanderveken Urge um reordenamento do campo diagnóstico dos distúrbios infantis, cujo eixo seja a constituição do sujeito ou suas falhas, nas formas diversas e singulares de que estas se revestem . Os artigos deste volume são fruto de uma clínica do singular, de praticantes que não recuaram diante da psicose ou do horror do real. ISSN 0103-7633 Nº 11 188p. Código R-11 Quando chega ao final a análise com uma criança? Maria Cristina Vecino de Vidal (org.), Alicia Hartman, Andréa B.P. Bastos, Anne-Marie Braud, Bernard de Goeje, Eduardo A. Vidal, Letícia Nobre, Maria Lucía Silveyra, Silvia Myssior, Vera Vinheiro Na presente publicação, o leitor se depara com uma interrogação dirigida ao analista sobre a dimensão temporal inerente ao tratamento pela psicanálise. No marco da problemática do tempo, se recorta a questão específica do momento de concluir a análise com uma criança. O desenvolvimento teórico dos diferentes autores tem como fundamento a teoria de Freud e de Lacan. ISSN 0103-7633 Nº 12 156p. Ilustrado(p&b) Código R-12 Novos sintomas Ana Marta Meira (org.), Alfredo Jerusalinsky, Anne Marie Hamad, Denise Vincent, Diana Corso, Jean Bergès, Maria Luísa Viviani e Rodolpho Ruffino. Este volume traduz o desafio com o qual os psicanalistas hoje se defrontam em seu trabalho clínico: articular os fundamentos teóricos da psicanálise às diferenciações que a sociedade contemporânea inscreve de forma caleidoscópica, onde a referência simbólica encontra-se fragilizada, e a imaginária exacerbada. ISSN 0103-7633 Nº 13 144p. Código R-13 Próximo Lançamento: Psicanalisar crianças: que desejo é este? Lêda Fischer Bernardino (org.), Alfredo Jerusalinsky, Ana Izabel Corrêa, Angela Vorcaro, Elsa Coriat, Gabriel Balbo, Jean-Jacques Rassial, Maria Cristina Kupfer, Rozenn Le Duault, Silvana Rabello e Sônia Motta. Coleção Dicionário de Psicanálise — Freud & Lacan Direção: Marcus do Rio Teixeira Vol. 1. Claude Dorgeuille e mais 29 autores. Cada verbete é escrito por analista ou um cartel de analistas, incluindo pesquisas criteriosas, discussão dos conceitos e muitas vezes referências a casos clínicos. As conexões da psicanálise com outros campos se fazem presentes através de referências à psiquiatria, lingüística, filosofia, etc. Tradução a cargo de 16 analistas de 5 instituições brasileiras. 2a EDIÇÃO ISBN 85-85458-05-4 324p. Ilustrado (p&b) Código D-01 Vol. 2. Moustapha Safouan, Choula Emerich, Gabriel Balbo, Pierre Arel, Josiane Thomas-Quilichini Prefácio de Roland Chemama Artigos sobre: O grafo de Lacan, "A relação sexual não existe", Real, Representação, Tempo lógico. Inclui índice remissivo e glossário português-alemão-francês com mais de 100 termos do vocabulário psicanalítico. ISBN 85-85458-12-7 148p. Ilustrado (p&b) Código D-02 Coleção Os Libertinos — Clássicos da Literatura Erótica Direção: Eliane Robert Moraes A filosofia na alcova Marquês de Sade (Apresentação de Eliane Robert Moraes) Há 200 anos, em 1795, o vigoroso mercado francês de edições clandestinas lançava um novo título: La philosophie dans le boudoir. O livro não trazia o nome do autor: supostamente impresso em Londres, ele era apresentado como "obra póstuma do autor de Justine". A tradução que Eliane R. Moraes revisa e apresenta neste volume tem uma história digna de Sade. De autor anônimo, provavelmente dos anos 40/50, ela foi descoberta pela organizadora e pela primeira vez é revelada ao grande público. Reedição em preparo ESGOTADO ISBN 85-85458-06-2 229p. Código E-01 Gamiani ou Duas noites de excesso Alfred de Musset Esta novela, que circulou clandestinamente na Europa durante o século passado, é atribuída a Alfred de Musset. Segundo a lenda, Musset teria apostado com alguns amigos que seria capaz de escrever uma novela erótica em três dias sem empregar uma única palavra obscena. ISBN 85-85458-08-9 103p. Código E-02 As Onze Mil Varas Guillaume Apollinaire Obra emblemática do erotismo modernista - escrita por um dos mais importantes autores do modernismo francês, Guillaume Apollinaire - a novela As onze mil varas desafia o leitor a distinguir o riso do pânico. Se o humor é um componente fundamental do livro - a começar pelo título, que faz alusão às onze mil virgens que acompanharam o martírio de Santa Úrsula - sua contrapartida é a perversidade. ISBN 85-85458-14-3 138p. Código E-03 Três filhas da mãe Pierre Louÿs Pierre Louÿs faz parte da lista seleta dos escritores que melhor souberam captar o espírito das transformações culturais na virada do séc. XIX para o séc. XX. Autor de obras consagradas, dentre as quais La femme et le pantin, levada ao cinema por Luís Buñuel, com o título de Esse obscuro objeto do desejo, escreveu também uma vasta obra erótica, que permaneceu inédita até a sua morte. Três filhas da mãe é considerada a sua obra prima nessa categoria. Nela, Pierre Louÿs coloca o seu estilo requintado a serviço de um erotismo desenfreado, narrando o encontro de um jovem com uma prostituta e suas três filhas de 10, 14 e 20 anos. O ritmo vertiginoso da narrativa e a intensidade dos personagens resgatam a melhor tradição dos clássicos libertinos para o início do séc. XX. ISBN 85-85458-17-8 254p. Código E-04 Coleção De Calças Curtas Direção: Daniele Wanderley, com a colaboração de Marie Christine Laznik Esta coleção é um convite a todos que trabalham em torno da primeira infância a melhor observar e refletir sobre uma prática. Um início de diálogo e troca com múltiplos profissionais acerca das intervenções precoces Palavras em torno do berço — Intervenções precoces bebê e família Graciela Cabassu, Marie Christine Laznik, José Roberto Correia, Catherine Mathelin, Florence Benavides, Claude Boukobza, Telma Queiroz, Sílvia Ferreira, Marcio Allain, Maria do Socorro Amorim, Icléia Diniz, Maria do Carmo Camarotti, Cláudia Rohenkohl. O objetivo deste primeiro volume é abordar a clínica com bebês e crianças bem pequenas do modo mais abrangente possível, para que se possa ter uma idéia de quão ampla pode ser nossa atuação, e por outro lado atingir diferentes profissionais: pediatras, psicanalistas, obstetras, psiquiatras, enfermeiras, assistentes sociais, professores, etc. 2a EDIÇÃO ISBN 85-85458-10-0 162p. Código DC-01 Agora eu era o rei — Os entraves da prematuridade Daniele de Brito Wanderley (org.), Anne Frichet, Catherine Druon, Chaterine Mathelin, Elizabeth Chaillou, Annie Maurel Ollivier, Dominique Raynaud, M. Agman, Andréa Diniz, Carla Góes, Marie-Christine Laznik, Yolaine Quiniou. Este volume se propõe, por um lado, a uma reflexão acerca do acompanhamento do bebê prematuro e sua família pelos diversos profissionais envolvidos, e, por outro, a uma apresentação dos diferentes tipos de atuação de psicanalistas em UTIs neonatais. A constatação de que o bebê nascido prematuramente é um bebê de risco tanto do ponto de vista orgânico quanto psicológico, mostra a necessidade de uma atuação psicológica precoce, que permita a elaboração destra crise pelo casal e observe os sinais de sofrimento psíquico do bebê ainda durante a hospitalização. ISBN 85-85458-15-1 168p. Código DC-02 Enquanto o futuro não vem — A Psicanálise na clínica interdisciplinar com bebês Julieta Jerusalinsky Este livro dedica-se a fundamentar a extensão conceitual que o termo estimulação precoce assume na clínica com bebês a partir do corte epistemológico que a psicanálise - sobretudo pela transmissão de Freud e Lacan - produz nesse campo. Por estar fortemente apoiado na experiência em equipe interdisciplinar de estimulação precoce, ele se dirige a todos os profissionais que intervêm com a primeira infância. ISSBN 85-85458-19-4 306 p. Código DC-03 Boi da cara preta — Crianças no hospital Co-edição Ágalma/Edufba Marluce Leitgel Gille (org.), Apache, Graciela Cabassu, Laurence Caubel, C. Epelbaum, Cynthia Chagas, Jean-Paul Dommergues, Bernard Durand, Brigitte Bader-Meunier, Annie GauvainPiquart, Bernard Golse, Simon-Daniel Kipman, Lion Kreisler, Serge Lebovici, Evelyne Pichard-Leandri, Isabelle Thomas, Jaqueline Wendland, Michel Meignier. Este livro visa colocar o problema da hospitalização aos pais e aos profissionais direta ou indiretamente envolvidos com a situação particular e específica da criança que, adoecendo, perde temporariamente o seu ritmo cotidiano, o contato com a família, com a escola e com os amigos para entrar em um ambiente para ela completamente diferente, misterioso e amedrontador: o hospital. Os autores, psicanalistas e profissionais da área de saúde especializados no atendimento a crianças, são reconhecidos mundialmente pela sua atuação nesse setor. ISBN 85-85458-21-6 296p. Código DC-04 Próximos Lançamentos: Espelho, espelho meu — O autismo e os impasses na constituição do sujeito Marie-Christine Laznik Pra que essa boca tão grande? — Questões alimentares na infância Léa Sales (org.) O cravo e a rosa — o pediatra e a psicanálise, um encontro possível? Daniele Wanderley (org.), Alfredo Jerusalinsk, Domingos Infante, Léa Sales, Maria Cristina Kupfer e outros. Coleção Ariadne — Literatura Infantil Direção: Lena Lois A Coleção Ariadne, num retorno ao mundo das bruxas, fadas, bichos, sombras, monstros e príncipes, dirige-se ao infantil que habita em cada um de nós, sejamos ainda crianças ou não mais. Somos assim conduzidos por um único fio, o fio de cada história, e com ele percorremos tantas possibilidades de saídas, que na verdade apontam entradas para outros labirintos.Verdades disfarçadas, que ao desencantar-se revelam o encanto. A cada vez nos é colocada a possibilidade de começar tudode novo, mesmo depois de sermos devorados pelo terrível monstro, mesmo depois de nos apaixonarmos pelo encantado príncipe. Figuras do infantil, que em nós retorna a cada história. Era uma vez... e é ainda. A elefantinha que não queria elefantar Angelina Bulcão Nascimento Este livro nasceu dos porquês e dos pra quês das crianças, que tanto atormentam os adultos. A busca da elefantinha é um retrato da curiosidade infantil sobre os mistérios da vida,e um incentivo às tentativas que cada qual empreende para encontrar sua resposta própria, além dos lugarescomuns. ISBN 85-85458-09-7 32p. Ilustrado Código I-01 Em busca da sombra Suzana Montoro Suzana Montoro, psicóloga e escritora, é autora do livro "O menino das chuvas", publicado pela Editora Studio Nobel e considerado "Altamente Recomendável" pela FNLIJ em 1994. Neste seu novo livro, Suzana narra a relação de uma criança com sua sombra do ponto de vista da personagem infantil, trabalhando com maestria as fantasias préadolescentes. Este livro foi escolhido pela Fundação Nacional do Livro InfantoJuvenil para fazer parte da seleta lista que representou o Brasil na Feira Internacional do Livro Infantil em Bolonha - 2000. ISBN 85-85458-13-5 48p. Ilustrado Código I-02 Nova Coleção Extemporâneos Autores à frente do seu tempo Direção: Sérgio Rivero Esta coleção publicará autores de ficção e/ou teoria cuja obra represente um salto à frente da sua época, não necessariamente pelo seu caráter premonitório, mas pela temática ou pelo avanço em relação à literatura dos seus contemporâneos. Estão previstos o genial utopista do séc. XIX, Charles Fourier e o poeta Henri Michaux. Não encontrando nas livrarias, peça diretamente à editora Ágalma. Rua Agnelo de Brito, 187 Centro Odontomédico Henri Dunant, sala 309 40.170-100 Salvador - Bahia - Brasil Tel: 0 xx (71) 332-8776 Tel/Fax: 0 xx (71) 245-7883 e-mail: [email protected] Visite nosso site: www.agalma.com.br e conheça nossos descontos especiais para o leitor. Esta obra foi composta eletronicamente por Jotabele Informática e impressa pela Empresa Gráfica da Bahia, miolo em papel offset 75g e capa em cartão supremo 250g, para a editora Ágalma em maio de 2003. Os filmes da capa e primeiras páginas foram fornecidos por Homem de Melo & Troia Design.