Para visualizar as primeiras páginas clique aqui

Transcrição

Para visualizar as primeiras páginas clique aqui
c dos autores, 1994,1995,1996.
c Éd. de l’Association Freudienne, 1995.
c Ágalma para a lı́ngua portuguesa, 1997.
1a edição: agosto de 1997
2a edição: maio de 2003
Projeto gráfico da capa e primeiras páginas
Homem de Melo & Troia Design
Editores
Angela B. do Rio Teixeira
Marcus do Rio Teixeira
Direção desta Coleção
Daniele de Brito Wanderley
Organização deste volume
Daniele de Brito Wanderley
Traduções a cargo da organizadora
Revisões a cargo dos editores
Depósito legal
Impresso no Brasil/Printed in Brazil
Todos os direitos reservados
Rua Agnelo de Brito, 187
Centro Odontomédico Henri Dunant, sala 309
40.170-100 Salvador - Bahia, Brasil
Telefax: 0 xx (71) 245-7883 Tel: 0 xx (71) 332-8776
e-mail: [email protected]
site: www.agalma.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
P181
Palavras em torno do berço : intervenções precoces
bebê e famı́lia / Daniele de Brito Wanderley, org. [e
tradução] - Salvador, BA. Ágalma, 1997.
- - (De Calças Curtas, 1)
Inclui bibliografia
ISBN 85-85458-10-0
1. Psicopatologia infantil, 2. Psicanálise infantil.
I. Wanderley, Daniele de Brito, 1969-. II. Série.
97-1163
CDD 618.928917
CDU 159.964.2-053.2
SUMÁRIO
Apresentação da coleção, 07
Daniele de Brito Wanderley
Prefácio ao volume, 15
Daniele de Brito Wanderley
Introdução
Palavras em torno do berço, 21
Graciela Cabassu
Prevenção
Poderı́amos pensar numa prevenção da sı́ndrome autı́stica?, 35
Marie Christine Laznik
Por que uma prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos?, 52
José R. de A. Correia
Uma tentativa de intervenção precoce ou De como introduzir
a questão do sujeito no corpo de um hospital universitário, 58
Telma Queiróz, Márcio Allain, Maria do Socorro Amorim,
José Roberto Correia, Icléia P. Diniz
Pai, mãe, bebê
A interação mãe-bebê: primeiros passos, 77
Sı́lvia Ferreira
A clı́nica do holding, 89
Florence Benavides e Claude Boukobza
Observação terapêutica de um bebê de pais psicóticos, 107
Maria do Carmo Camarotti
O lugar do pai e o trabalho psicanalı́tico com bebês ou Três
dimensões da exclusão, 119
Cláudia F. Rohenkohl
Bebês de risco
Prática analı́tica em neonatologia, 129
Catherine Mathelin
Em busca do trono perdido, 143
Daniele de Brito Wanderley
TÍTULOS ORIGINAIS E
LOCAIS DE PUBLICAÇÃO
“Paroles autour du berceau”. Inédito, 1996.
“Pourrait-on penser à une prévention du syndrome autistique?” In Revue Contraste Enfance et Handicap no 05. Paris:
Autismes, 1996.
“Por que uma prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos?”
In Revista Pediátrica de Pernambuco, Recife, 1994, p. 47-48.
“Uma tentativa de intervenção precoce ou De como introduzir a questão do sujeito no corpo de um hospital universitário”. Inédito, 1996.
“De l’interaction mère-bébé, au dialogue mère et bébé: le
premier pas”. In La Psychanalyse de l’Enfant no 16. Paris:
Éd. de l’Association Freudienne, 1995, p. 69-83.
“La clinique du holding”. In Une relation precoce et les
vicissitudes mères-enfants. St-Denis: Association de Santé
Mental et Culture, 1995.
“Observação terapêutica de um bebê de pais psicóticos”.
Inédito, 1996.
“O lugar do pai e o trabalho psicanalı́tico com bebês ou Três
dimensões da exclusão”. Inédito, 1996.
“Pratique analytique en service de Néonatogie”. In Une
relation precoce..., op. cit., pp. 23-35.
“Em busca do trono perdido”. Inédito, 1996.
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
Daniele de Brito Wanderley
A coleção De Calças Curtas, nome dado por Aurélio Souza ao infante, “o sujeitinho de calças curtas”, surgiu do interesse de algumas pessoas pela abordagem precoce da psicopatologia da criança. Trata-se de uma longa gestação que
se iniciou, para mim, com o contato que tive com crianças e
adolescentes psicóticos, autistas, portadores de alguma deficiência — de causa conhecida ou não — e do caminhar junto
a estas crianças, suas famı́lias e os muitos profissionais envolvidos desde cedo com suas crenças, posturas e motivações
tão diversas.
Uma certa inquietude, para não dizer uma enorme insatisfação, começava a apontar nessa prática que começou há
quase quinze anos. Durante este tempo testemunhei muitos
modelos e abordagens. Se as posições téoricas podem ser divergentes, as práticas, mesmo as mais diferentes, têm pontos
comuns e é em torno destes pontos que decidimos caminhar.
O que se percebe de comum em todas estas pessoas que
se dedicam à psicopatologia na infância? Um desejo, é certo,
anima a todos. Desejo e esperança. Esperança de que algo se
faça, se inscreva, se constitua naquilo que foi, de inı́cio ou em
algum momento da vida da criança, posto em dúvida. Um
projeto “duvidoso”, onde paradoxalmente não se pode tudo
esperar, como num nascimento ordinário, mas sobretudo não
7
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
se pode a tudo renunciar, como se fazia na Antiguidade,
quando crianças diferentes eram abandonadas ou mortas.
E foi rastreando esse desejo nos profissionais que pude
em 1992 ir para Paris, onde encontrei algo que respondia
em parte aos meus questionamentos. Eu me perguntava
o que acontece antes das crianças chegarem até os profissionais. Dei inı́cio então a uma viagem que continua tão
surpreendente e desafiadora quanto no momento em que dei
o primeiro passo. Seguindo minhas motivações, iniciei dois
cursos de especialização, um em psicopatologia do bebê e outro em psiquiatria infantil. A partir daı́ segui meu interesse
sempre vivo pela prática institucional, e mais amplamente
pelo que se chama na França de ação médico-psicossocial
precoce, com sua complexa rede de atendimentos à primeira
infância, exigindo constante reflexão do trabalho realizado.
Então, em 1996, surge um convite, feito pela editora
Ágalma, para que eu dirigisse a coleção De Calças Curtas,
originalmente pensada para se dedicar a temas de puericultura, endereçada aos pais. Nesta ocasião pude colocar minhas restrições, senão meu desinteresse para embarcar neste
projeto, por algumas razões: primeiro em função dos seminários, cursos e consultoria que venho ministrando sobre
o tema da psicopatologia do bebê em hospitais e creches e o
contato freqüente com diferentes profissionais, eles mesmos
pais, que na ocasião da discussão dos mais variados temas
reportam inevitavelmente suas histórias pessoais e particularmente aquelas ligadas à filiação, maternidade e paternidade. O que se torna evidente nesses seminários é a percepção
de que eles não têm caráter terapêutico para esses pais demandantes. Dito de outra forma, não é estudando as dificuldades de sono, alimentação, os problemas digestivos ou
respiratórios das crianças pequenas, sua intrı́nseca relação
com a interação pais-bebê e os conflitos subjacentes a es8
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
ta dinâmica que alguns destes profissionais-pais poderão se
“prevenir” contra tais manifestações nos filhos, numa busca
de melhor preparo para a maternidade e paternidade. Em
suma, não há curso ou livro, ou mesmo terapeuta, que “ensine” a boa forma de cuidar de um bebê. Neste sentido e
apenas neste sentido, a meu ver, a abordagem psicanalı́tica
não pode ser vista como preventiva.
Entretanto falava com Angela do Rio Teixeira,que me fez
o convite, que há muito o que se fazer no campo da atuação
dos profissionais. Há demanda, dúvidas e interesse numa
leitura psicanalı́tica no que ela pode trazer de reflexão em
torno da subjetividade. Muitos de nós estamos interessados em discutir nossas práticas tão isoladas. Surgiu então
a idéia de dedicar esta coleção não mais aos pais mas aos
profissionais da primeira infância, com um enfoque psicanalı́tico, porém voltado para a interdisciplinaridade e com o
objetivo de trilharmos juntos um caminho naquele momento ainda inexistente no Brasil — o campo da intervenção
médico-psicossocial precoce. Ou seja, modos de atendimento interdisciplinares aos bebês e crianças pequenas e seus
pais em dificuldades e/ou sofrimento, estejam eles com demandas formuladas ou não.
Falar em intervenção precoce ou até em prevenção em
psicopatologia infantil não é ter a pretensão de “erradicar”,
como a medicina erradica uma doença, os sintomas infantis. Esta é uma visão contraditória à psicanalise e à própria
realidade subjetiva, desde quando o sintoma faz parte do
sujeito.
A que se propõe então esta atuação?
Falando com Marie Christine Laznik sobre as resistências
e dificuldades no campo da intervenção precoce no Brasil e
particularmente em Salvador — resistência que se faz sentir
9
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
tanto do lado da medicina quanto da própria psicanálise —
e lendo um dos seus textos∗ escrito para pediatras, pude ler
seu voto de que a formulação de Winnicott (de que os pediatras pudessem prevenir doenças mentais), fosse concretizada
no próximo decênio. Eu dizia a ela o quanto esta palavra
“prevenção” podia ser mal ouvida ou mesmo violentamente
rejeitada do vocabulário dos psicanalistas; sem falar, é claro,
na vı́vida preferência que a comunidade médica e a sociedade como um todo refletem, na sua atuação, pela remediação
em detrimento da prevenção∗∗ . Ela respondeu perguntandome como os profissionais poderiam então chamar uma intervenção que, situando-se cedo na vida da criança, possibilitaria a sua constituição subjetiva anteriormente dificultada ou
inexistente — como é o caso das crianças com sinais precoces
de isolamento autı́stico —, senão de prevenção.
Este é então o ponto em torno do qual nos dispomos a
trabalhar: Prevenir o quê? Como? Com quem? Aonde?
Nossos impasses, limites, contribuições, nossas diferenças e
nosso eixo central — o bebê, a criança, o sujeito que não
pode mais ser concebido como uma entidade de domı́nio de
cada profissional de forma tão isolada, sem que isto comporte
riscos quanto à sua subjetivação.
A exemplo desta atuação “despedaçada”, e uso esta palavra pensando na noção de vivência de corpo despedaçado
na psicose, temos a situação atual dos bebês considerados
∗
O texto acima referido não foi publicado, mas Marie Christine retoma
estas idéias no texto “Poderamos pensar numa prevenção da sı́ndrome
autı́stica?” que aparece publicado no nosso primeiro volume Palavras
em torno do berço.
∗∗
Haja visto o número crescente de projetos comunitários, ações do
governo e entidades não governamentais pela questão do menor abandonado, as crianças de rua etc, e a ausência flagrante de uma ação mais
precoce em creches, em orfanatos e lugares de acolhimento na faixa de
zero a seis anos.
10
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
de risco. Desde a concepção, geralmente difı́cil, os futuros
pais são “acompanhados” por médicos que podem quase tudo: fazer ovular, fazer conceber (com ou sem necessidade do
ato sexual, como é o caso do bebê de proveta), fazer parir
uma criança de outro casal (no caso de útero emprestado
ou de aluguel), fazer uma mulher que não pariu amamentar
(com uso de medicamentos), etc. No nascimento, as UTIs
neonatais estão muito bem equipadas e seus médicos são
verdadeiros experts na reanimação. Atualmente salvam crianças no 5o mês de gestação, com até 500 gramas de peso.
E, quando há risco ou mesmo seqüelas detectadas, há todo
um aparato médico que se encarrega de “consertar o estrago”. Somos todos chamados aı́: neuropediatra em primeiro
lugar, oftalmologista, otorrino, gastroenterologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e, quando a coisa está muito “feia” e
os médicos não sabem como consertar, chegam os psicólogos
e psicanalistas, muitos anos depois desta longa história.
Não se trata de fazer uma apologia da anti-medicina ou
de tentar dar um passo para trás, para um tempo anterior ao progresso da ciência ou da tecnologia utilizada atualmente; afinal sabemos o quanto ganhamos com tudo isto (e
não foi pouco!). Mas como cada profissional pode lidar com
questões que não são apenas orgânicas?
A exemplo da medicina da procriação, alguns ginecologistas que trabalham com fertilização assistida trazem revelações surpreendentes da sua prática: dando grande importância à complexidade da problemática da reprodução
humana e seus avatares e levando em consideração o valor
preponderante do desejo inconsciente nesta dinâmica, o Dr.
Jean Reboul, estudando sua clientela, pôde afirmar que “em
quase 5.000 casos de mulheres inférteis cuja infertilidade era
considerada de ordem médica, mais de dois terços destas pacientes engravidaram sem tratamento ou com ajuda de um
11
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
tratamento menor, já utilizado sem efeito”. A Dra. Anne Cabau, também seguindo a mesma ótica de reflexão, diz
que “ em mais de 200 mulheres com infertilidade funcional,
o ı́ndice de gravidez é sensivelmente o mesmo com ou sem
tratamento”1 .
Outros profissionais, questionando um certo não-saber
ao qual são confrontados pela clı́nica, tentaram levantar fatores de risco a nı́vel psicológico que pudesssem intervir no
parto prematuro. Encontraram nestas mulheres acompanhadas um maior ı́ndice de antecedentes de abortos, morte
súbita ou prematuridade, assim como problemas de fertilidade. Também eram mais freqüentes dificuldades psicológicas
atuais, como conflitos conjugais, rupturas com a famı́lia ou
luto e dificuldades psicológicas antigas relativas a lutos e
separações2 .
Não só o campo da obstetrı́cia se vê atravessado por
questionamentos na sua prática cotidiana. Alguns pediatras
têm se perguntado sobre aqueles sintomas que revelam um
lado emocional evidente: as crises de perda de fôlego, os
vômitos psicogênicos, as anorexias infantis, problemas como
encoprese e enurese persistentes, asmas e problemas psicossomáticos diversos que apontam para uma abordagem mais
ampla destes sintomas de manifestação somática.
Outros se vêem sós diante de mães que se encontram
deprimidas, percebendo um impacto desta depressão nos
bebês, seja da ordem de um atraso no desenvolvimento, seja de uma maior ocorrência de sintomas psicossomáticos ou
uma apatia inquietante. Até hoje muitos pediatras hesitam em fazer encaminhamentos precoces, apostando no rumo “natural” do desenvolvimento — “tudo entrará em ordem, com o tempo tudo se arranja”. E assim, transtornos de
linguagem ou quadros de lesão neurológica são tardiamente acompanhados pelos psicólogos e analistas que recebem
12
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
estas famı́lias depois de terem passado por diferentes tratamentos; estão descrentes, cansados e a criança algumas
vezes subjetivamente muito mal. Dessa forma, crianças com
autismo, com déficits sensoriais ou mentais, ficam cada vez
mais fechadas nas suas famı́lias desesperadas, sem um acompanhamento mais interligado entre os vários profissionais.
São estas, dentre muitas outras, as questões que a coleção
De Calças Curtas tentará abordar, com a colaboração de
todos os profissionais que atuam junto à primeira infância.
Nosso primeiro volume, Palavras em torno do berço — intervenções precoces bebê e famı́lia, trata de forma mais ampla
do atendimento ao bebês e seus pais, na clı́nica, no hospital e
outras instituições. O segundo volume, intitulado Agora eu
era o rei — incidências subjetivas da prematuridade, trata
especificamente do bebê que nascendo prematuro, vivencia
desde muito cedo uma separação dos pais e uma hospitalização que comporta sempre maiores ou menores riscos de
vida ou de seqüelas neurológicas. Visamos abordar o percurso dos diferentes profissionais aı́ envolvidos e especificamente
as questões relativas ao olhar dos pais, a constituição da imagem do corpo da criança. Enquanto o futuro não vem – A
psicanálise na clı́nica interdisciplinar com bebês, de Julieta
Jerusalinsky enfoca o trabalho de intervenção precoce com
bebês portadores de transtornos do desenvolvimento. Outros volumes estão em preparo, como Espelho, espelho meu
– O autismo e os impasses na constituição do sujeito (tı́tulo
provisório), de Marie-Christine Laznik e o O cravo e rosa –
O pediatra e o psicanalista, um encontro possı́vel?, por mim
organizado, enfocando temas como psicossomática, transtornos do desenvolvimento, efeitos da depressão materna no
bebê, entre outros. Pretendemos expor a visão do pediatra
e a do psicanalista acerca do sofrimento do bebê. Boi da
cara preta – Crianças no hospital, organizado por Marluce
13
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO
Leitgel-Gille, com artigos de médicos, psiquiatras infantis e
psicanalistas acerca do acompanhamento da criança hospitalizada, está no prelo.
Alguns volumes muito desejados, porém de gestação difı́cil, já foram anunciados aos leitores desde a primeira edição
deste volume mas ainda não foram concluı́dos. São eles: Pra
quê essa boca tão grande?, acerca de transtornos alimentares, e Se esta casa fosse minha, sobre cuidados maternos
substitutivos em espaços coletivos como creches e orfanatos.
Esta coleção, com o intuito de ser escrita por muitas
mãos, e de servir a uma maior comunicação entre os profissionais, se coloca à disposição daqueles que se interessarem
em colaborar, enviando sugestões de temas ou trabalhos neste campo ainda tão árido da intervenção precoce. Será um
enorme prazer participar deste novo tempo tomando conhecimento a cada dia de novos modos de atuação, de vivências
institucionais, da análise de um trabalho que se desenvolve
em cada canto do paı́s, pois se o que nos restringe por um
lado é a falta de recursos, de uma ação polı́tica governamental em torno da primeira infância que sustente um projeto
de ação social mais amplo, o que nos desafia é perceber que
há muito a se construir, e, todos sabemos, o brasileiro sabe
criar e não teme a aridez das nossas terras.
Bibliografia:
1. CHATEL, M. M. Malaise dans la procréation et la
médicine de l’enfantement. Paris: Albin Michel, 1993,
p.109 (ed. bras.: Mal estar na procriação. RJ: Cia de
Freud).
2. ALEXANDRE, B. Prevention de la prematurité et détresse maternelle. UFR de médicine de Bobigny, cahier
no 48, tome I, p. 2
14
PREFÁCIO
Daniele de Brito Wanderley
“Nos pequenos rituais cotidianos, tais como o banho do recémnascido, é freqüente que a avó, uma velha tia, a parteira, mesmo procedimento, declamando diante do bebê os nomes da sua
linhagem, talvez simplesmente para falar com ele, contar-lhe
histórias. Diz-se que estas evocações podem acalmar a criança e
conduzi-la ao sono. A saudação do bebê, a identificação explı́cita
dos seus ancestrais, é considerada como um dever do adulto; por
isso é indispensável procedê-lo diante de uma assembléia... A
saudação resta entretanto indispensável, debulhando os laços de
sangue, regando a criança com sua pertença.
Identificar o outro, nomeá-lo, nomear seus pais, não consiste
somente em definir sua natureza, trata-se também de definilo como estrangeiro a si, reconhecê-lo outro, logo acordar-lhe
existência”1 . Tobie Nathan e Lucien Hounkpatin.
Palavras em torno do berço é o tı́tulo de um seminário de
formação e reflexão da prática profissional coordenado por
Graciela Cabassu em Paris, endereçado a pediatras. Depois de ouvı́-lo tive uma enorme dificuldade em encontrar
outro nome que expressasse tão bem nossos objetivos para
este volume. Ele me pareceu um excelente modo de nomear
o nosso debate para a reflexão, escuta e troca das nossas
experiências, marcada por uma especificidade é certo, mas
permeada por uma leitura psicanalı́tica que abre o espaço
para o questionamento da subjetividade implicada em cada criança, que com seu sintoma e sua dor nos convoca a
atuar... E com palavras!
15
PREFÁCIO
O objetivo deste primeiro volume é abordar a clı́nica com
bebês e crianças bem pequenas do modo mais abrangente
possı́vel, para que se possa ter uma idéia de quão ampla
pode ser nossa atuação, e por outro lado atingir diferentes profissionais: pediatras, psicanalistas, obstetras, psiquiatras, enfermeiras, assistentes sociais, professores, etc.
Palavras em torno do berço é também o tı́tulo do texto
especialmente escrito por Graciela Cabassu para este volume, em que ela discute a questão das palavras proferidas
em torno do nascimento das crianças e o seu efeito na constituição subjetiva. Ela aborda a clı́nica psicanalı́tica com
bebês, a partir de casos clı́nicos de sintomatologia diversa:
a insônia de um garotinho e a significação deste bebê para
sua mãe; a privação afetiva de uma menininha vivendo num
orfanato, o trabalho feito com sua “maternante” e o efeito
desta intervenção na criança.
Seguindo nossa idéia central de uma interlocução com
diferentes profissionais, Marie-Christine Laznik escreve um
texto polêmico, em que aborda com simplicidade o tema
da prevenção da psicopatologia, centrando-se mais particularmente na necessidade de intervenção precoce no autismo
infantil como forma de promover a instauração de estruturas psı́quicas, visando prevenir os déficits cognitivos mais
graves.
José Roberto Correia traz um pequeno texto a propósito
da intervenção precoce e seu percurso de tentar institucionalizar uma prática preventiva em Recife, texto que, espero,
influencie as práticas médicas atuais no que se refere aos
sintomas psı́quicos na primeira infância.
O trabalho institucional desenvolvido no Brasil é também
representado por Telma Queiróz, Márcio Allain, M. Do Socorro Amorim, José Roberto Correia e Icléa Diniz, que escrevem juntos um artigo apresentando o trabalho com a equipe
16
PREFÁCIO
de um hospital universitário em torno da escuta dos sintomas
dos pequenos pacientes e de uma intervenção psicanalı́tica
precoce a partir daı́.
Sı́lvia Ferreira traz o relato de uma observação mãe-bebê
a partir da sua tese de mestrado em lingüı́stica, em que ela
observa especialmente o “diálogo” entre eles, diálogo marcado pelas interpretações maternas acerca das vocalizações do
bebê, que passam a significar o gesto da criança, a dar-lhe
sentido. O lugar do grande Outro materno é aı́ destacado.
O trabalho institucional também ganha destaque com as
intervenções de Claude Boukobza e Florence Benavides num
hospital-dia para mães e seus bebês, uma unidade de acolhimento mãe-criança que recebe pais em dificuldades com
seus filhos. As autoras apresentam o modelo institucional e
discutem também casos e questões pertinentes a esta clı́nica,
especialmente a dinâmica com mães psicóticas e seus bebês.
Maria do Carmo Camarotti traz um texto sobre a observação terapêutica de um bebê e sua interação com a mãe
psicótica, apontando por um lado as questões concernentes
ao trabalho de observação do bebê em famı́lia — método bastante empregado na Europa — e por outro as peculiaridades
da interação mãe-bebê e as incidências no desenvolvimento
deste quando a maternagem se vê atravessada pela psicose.
Cláudia Fernandes Rohenkohl aborda a questão da paternidade na clı́nica com bebês, ponto fundamental e tantas
vezes negligenciado, sendo justamente a checagem do que
estaria em jogo nessa negligência uma das molas mestras do
percurso da autora.
Catherine Mathelin reflete acerca de questões em torno
do bebê dito de risco abordando a prática analı́tica em neonatologia, a especificidade da escuta, o trabalho em equipe,
o acolhimento aos pais e o acompanhamento dos bebês.
17
PREFÁCIO
Finalizando o volume escrevo sobre o atendimento paisbebê, situando a questão da prematuridade com um caso
clı́nico e discutindo algumas questões acerca da prática da
estimulação precoce e as incidências subjetivas no chamado
bebê de risco.
Nota:
1. NATHAN, Tobie e HOUNKPATIN, Lucien (1996). La
parole de la fôret initiale. Paris: Éditions Odile Jacob,
p.23. Os autores são ambos terapeutas em etnopsiquiatria em Paris. Nesse livro os ritos africanos são
retomados particularmente em relação à filiação.
Sobre a Organizadora
Psicanalista, especialização em psicopatologia do bebê
(Universidade Paris XIII) e psiquiatria infantil (Universidade Paris V). Atende bebês e suas famı́lias no Imepp (Intervenção médico-psicossocial precoce) e presta consultoria a
hospitais e creches. Dirige a coleção De Calças Curtas na
editora Ágalma.
18
Introdução
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
Graciela Cabassu
“Palavras em torno do berço” é o tı́tulo que nós demos a um dos nossos seminários endereçados aos pediatras,
psicólogos, puericultores e outros profissionais da pequena
infância no intuito de sensibilizá-los para este poder singular, para esta dimensão de oráculo que reveste a palavra
proferida em torno de um bebê.
Este tı́tulo, foi inspirado na seguinte passagem de B.
This: “Tudo então se esclarecia na vida deste homem que
tomava consciência dos efeitos da palavra, seu destino, à
sua revelia, estando determinado por estas palavras: ‘Ele
não deveria viver’. Ele podia até começar, mas tudo deveria
parar. Ele podia empreender, mas era incapaz de ir até o
fim para concretizar. Era preciso que tudo se desarranjasse, se destruı́sse, parasse. Como viver em tais condições?
O médico havia profetizado o futuro. Esta palavra poderia ter tanta importância? As fadas, é o que se diz, boas
ou más, se curvam sobre os berços para cobrir de dons os
recém-nascidos ou destruı́-los, lançando-lhes uma sorte, uma
palavra depreciativa”1 .
Esta passagem me veio espontaneamente à cabeça num
dia em que me esforçava para transmitir a uma equipe de
reanimadores até que ponto essas conversas de bastidores,
por detrás do bebê e dos seus pais, a estes quase não dirigidas, podiam se mostrar determinantes no futuro, chegando
21
INTRODUÇÃO
algumas vezes ao ponto de nos dar a sensação de que podiam
fixar o destino.
Neste dia tentava avançar na metáfora, e descobri como
esta fábula — como a maioria dos contos, fruto das antigas
tradições orais —, era cheia de ensinamentos para nós: de
fato ela nos diz: doze fadas benevolentes foram convidadas
a fazer seus dons à princesa, uma décima terceira foi esquecida. Despeitada, a fada esquecida irrompe entre a décima
primeira e a décima segunda fada e prediz a morte da criança. A décima segunda fada surge de um canto da sala,
adianta-se para dizer de sua impotência em anular este destino, e que está em seu poder apenas amenizá-lo: “a criança
sobreviverá, mas ao preço de um longo sono”.
Não creio ser necessário ir mais adiante para compreender como freqüentemente, sem o saber, nós profissionais
encarregados do dizer dos pais e da criança, somos confrontados ao dilema de estar no lugar desta décima segunda fada
ou da décima terceira fada esquecida: de fixar ou, ao contrário, de inflectir o destino de uma criança, tal qual podemos perceber no que se passa entre ela e sua mãe desde o
inı́cio da vida, ou antes mesmo do seu nascimento.
Mas terı́amos o direito de nos perguntar, com B. This,
porque, e sobretudo como uma palavra pode tomar tal importância na história de alguém.
Os trabalhos de Winnicott e Lacan, deste em particular
o do estádio do espelho e o do esquema óptico, assim como a
retomada que M.C. Laznik fez deles, me permitiram perceber mais de perto como, no curso da instauração precoce do
aparelho psı́quico, o impacto do discurso sobre a representação inconsciente que a mãe tem do bebê pode modificar
de maneira significativa o curso dos acontecimentos.
22
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
Vejamos como.
“O especular é o limiar do mundo visı́vel”
“O especular é o limiar do mundo visı́vel” nos diz Lacan2 .
Nós podemos tomá-lo ao pé da letra, mas também podemos
interrogar: por quê? Por que o fenômeno especular ganha
uma tal importância, não somente no funcionamento mas
também e sobretudo nas instaurações precoces e fundamentais do psiquismo humano?
No que diz respeito ao que convencionou-se chamar de
prematuridade da raça — para distinguı́-la da prematuridade clı́nica, que suscita tratamentos especı́ficos de neonatologia — o recém-nascido humano atravessa um longo perı́odo
de dependência absoluta: o risco de vida ou de morte não é
uma metáfora, é real. A função do “próximo-que-socorre”,
o Nebensmench de Freud, lugar habitual da mãe, assegura
através dos cuidados indispensáveis à sobrevida, não somente a satisfação das necessidades, mas também e sobretudo a
emergência psı́quica do sujeito, ou seja, seu acesso à linguagem.
Devemos a esta prematuridade da raça, segundo uma
hipótese antropológica muito interessante, a aparição das
funções ditas superiores no lugar do instinto. Do instinto definido como um comportamento geneticamente programado
próprio à uma espécie.
Desprovida de uma tal programação genética, a espécie
humana se apóia, para se construir, num processo de identificação onde o outro, no transitivismo primordial, serve-lhe
ao mesmo tempo de suporte de si mesmo e de alteridade.
O sujeito infans vai de fato se projetar na imagem totalizante de si mesmo que a ele vem do campo do Outro.
23
INTRODUÇÃO
A jubilação que Lacan descreve no estádio do espelho traduz um domı́nio antecipado que se paga com uma dimensão
alienante: pois a imagem especular, i(a), cadinho do eu e
da imagem do corpo do futuro sujeito, se constitui em um
tempo princeps, no olhar do outro, sustentando o lugar do
Outro, do qual ele tira seu poder.
“O precursor do espelho é o rosto da mãe”
É o que nos afirma Winnicott no “Papel do espelho da
mãe e da famı́lia no desenvolvimento da criança” e prossegue: “o que vê o bebê quando olha para o rosto da mãe?
Sugiro que, normalmente, o que o bebê vê é ele mesmo”3 .
Num trabalho notável4 , M.C. Laznik desmonta para nós
a mecânica do espelho: ela nos mostra como a imagem à qual
o sujeito estará um dia em posição de se identificar, assim
como Lacan postula no estádio do espelho, é a princı́pio a
montagem de um real (o corpo da criança) e de uma imagem
(a projeção do desejo da mãe), que se opera no inconsciente
materno.
É a nı́vel desta imagem, a imagem real na montagem do
espelho, que o impacto do discurso se define fundamental:
com efeito esta projeção, feito que ela se traduz clinicamente
pelo que Freud designa como ilusão antecipadora materna,
tem o poder de transformar em linguagem o que não é, senão
num primeiro tempo, puro real, pura descarga no bebê.
Entretanto a noção de especular não deveria induzir em
nós a idéia de que a dinâmica do espelho se reduz a um puro
jogo de imagens visuais: seria esquecer que toda percepção
humana resulta de uma montagem complexa entre um funcionamento orgânico e uma aparelhagem significante, que a
imagem só surge de um enodamento do simbólico e do real.
24
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
Ninguém melhor que G. Balbo, quando nos fala do oroórgão mı́tico que atribui ao recém-nascido, para nos
lembrar até que ponto “no estofo tecido do ouvido e do visto”
é o significante que opera o corte, que organiza o mundo
perceptivo.
lho5∗ ,
A clı́nica
1. As patologias severas: a “cegueira especular” e a “surdez
significante”
O funcionamento da ilusão antecipadora materna sustentada por esta imagem que deve se articular ao real do
corpo da criança, mostra-se muito sensı́vel ao discurso: por
volta do nascimento e nos primeiros meses de vida, durante
os quais tem lugar esta montagem precursora do especular,
as representações do bebê que a mãe carrega à sua revelia
serão determinantes.
As patologias severas são as que nos fornecem os melhores exemplos, a céu aberto, se posso assim dizer, deste tipo
de processo e suas armadilhas.
Assim, no meu trabalho sobre “A boneca sem rosto”6 , retomei a teorização de M.C. Laznik a partir do modelo óptico,
para mostrar como a representação que esta mãe tinha de
um bebê que não a via e que ela não via, havia provocado esta “cegueira” que eu chamo de especular, no sentido em que
aquilo que é visto não obedece ao funcionamento do espelho e não produz a instauração do registro imaginário. Este
parâmetro foi sem dúvida atuante no quadro do autismo
primário desenvolvido por esta criança desde o nascimento.
∗
Orolho traduziria talvez a montagem aı́ expressa de oeil (olho) com
oreille (orelha) (N. da T.)
25
INTRODUÇÃO
Um outro exemplo tirado deste tipo de clı́nica é o do meu
primeiro trabalho sobre Maxime7 , que eu havia intitulado
“Entre escutar e ouvir”, para propor uma distinção análoga
àquela que Lacan estabelece entre olhar e visão. Eu destaco
nesta criança, que apresentava uma sı́ndrome autı́stica secundária, o fato de que a linguagem só foi possı́vel para ela
a partir do momento em que uma interpretação, no curso
do tratamento, fez com que sua mãe pudesse escutá-la: a
singular “surdez significante” desta mãe, que só ouvia barulho no real, a impedia de retomar as vocalizações do bebê e
colocá-las numa cadeia significante.
Mas hoje eu gostaria de demorar-me em duas breves vinhetas clı́nicas, que me permitirão ilustrar como o bebê que
apresenta outros tipos de problemas, desde problemáticas
“cotidianas”, que enchem diariamente os consultórios pediátricos, até problemáticas de tipo carencial, apresentam
também este tipo de funcionamento.
2. A clı́nica do cotidiano: Clément
Clément tem 5 meses quando sua mãe me consulta por
causa de problemas do sono. De fato, desde o nascimento, Clément não somente não dorme a noite inteira, como
também luta permanentemente contra o sono, só conseguindo depois de um exaustivo estado de vigı́lia, adormecer por
breves instantes, antes de acordar berrando.
Duas entrevistas serão suficientes para esclarecer que
Clément, um maravilhoso garotinho nascido à termo após
uma gravidez sem antecedentes, foi concebido para “agradar” ao pai que deseja um filho, enquanto que a jovem mãe
não deseja.
Com efeito, Clément é para a mãe aquele que por sua
existência mesma, vem colocar em risco o equilı́brio recente26
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
mente conquistado pela jovem mulher através do casamento,
que a permitiu fugir do que ela chama “a famı́lia”. Ora, a
chegada de Clément recriou “a famı́lia”. Este significante
a reenvia massivamente a uma vivência de sufocamento, da
qual ela só pode sair por um voto de morte dirigido ao bebê,
fantasia que ela evoca com enorme culpabilidade.
Na segunda entrevista, a tomada de consciência de que
uma famı́lia não teria forçosamente que ser “a famı́lia”, descola Clément deste lugar persecutório e permite-lhe reencontrar o sono, metáfora da morte que era insuportável para a
mãe.
Vemos neste exemplo muito simples, cotidiano e freqüente, como os problemas que estavam quase a provocar na
jovem mãe reações de violência que a assustavam, tinham a
ver com a representação que este bebê tinha no inconsciente
materno.
3. As problemáticas de tipo carencial: Christelle “que fuça
as lixeiras”.
Christelle é uma menininha de 17 meses colocada em
lar de acolhimento para crianças, com a idade de um ano,
após ter sofrido negligências graves da parte de uma mãe
paranóica, que tinha episódios delirantes freqüentes, no curso dos quais a fechava durante horas numa caixa sobre um
balcão.
Christelle inquieta as “maternantes” (auxiliares de puericultura da instituição) pois lhes parece ausente, o olhar fugidio; para adormecer se balança violentamente, assim como
em muitos momentos do dia, só parando de fazê-lo quando
é colocada no colo, momento onde começa “explorações” do
rosto da pessoa que a carrega, introduzindo os dedos dela
na boca, o que provoca a rejeição das “maternantes”.
27
INTRODUÇÃO
Christelle, de vez em quando, resmunga para pedir o
que quer e grita muito, mas só emite poucos sons, nos quais
podemos reconhecer algumas palavras.
Contudo, o sintoma que promove a consulta, é que após
ser alimentada de maneira aparentemente suficiente, Christelle, assim que é colocada no chão, começa a mexer compulsivamente nas lixeiras comendo tudo o que aı́ encontra.
Eu a recebo pela primeira vez com sua maternante, que
me fala da sua perplexidade e do seu desespero por não
poder ajudá-la: tudo foi tentado, da doçura à reclamação,
passando pela vigilância permanente, sem que nada parecesse poder desviar Christelle deste comportamento que os
adultos referentes vivenciam como particularmente ingrato,
haja visto os esforços consideráveis feitos para atenuar as
carências precoces sofridas por esta criança.
Minha primeira observação de Christelle nos braços de
sua maternante induzem em mim a idéia de que, apesar dos
seus 17 meses de idade cronológica, Christelle está “suspensa” nos primeiros meses de sua vida, lá onde seu Outro a
“abandonou”.
Com efeito, tanto a especularidade como a oralidade parecem esboçadas, porém imobilizadas nos primeiros tempos
lógicos de suas evoluções.
Do ponto de vista especular, a exploração que Christelle
faz do rosto do outro, tão mal suportada por suas maternantes, corresponde de fato ao comportamento habitual e
anódino do bebê do primeiro semestre, quando se dedica
através do olhar e do tato à exploração do rosto e em particular de seus orifı́cios, ligados à instauração da imagem
especular.
Do ponto de vista da oralidade, Christelle parece “desligada” de todo investimento libidinal da alimentação: ela não
28
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
recusa nada, mas parece não encontrar mais prazer quando
passivamente se preenche até a saciedade — e continua a se
preencher além da conta, num automatismo que parece não
poder parar.
O conjunto do espaço oral parece desabitado.
Se nós retomamos o que Freud nos ensina sobre a experiência primordial de satisfação, sabemos que no momento
da alimentação, o bebê absorve, ao mesmo tempo que o leite
indispensável para a sobrevivência, um conjunto complexo
de sinais da presença materna, presença no sentido em que
ela implica o desejo da mãe: seu olhar, sua voz, sua capacidade de reagir à postura do bebê atribuindo-lhe um sentido,
de entrar em comunicação com ele. Assim como, quando
acontece a completude gástrica, se produz igualmente o registro simultâneo no bebê da noção de que ele é alguém que
conta para um outro, ou seja, a base mesma da existência
no sentido psı́quico do termo.
Depois de uma carência precoce tal como a que Christelle pôde vivenciar, uma instituição pode estar perpetuando a
mesma carência, apesar da qualidade e quantidade de comida e de cuidados que dispensa, em conseqüência do anonimato no qual as crianças são deixadas. No caso de Christelle,
os cuidados “adaptados para uma criança de 17 meses”, são
inapropriados, pois Christelle apesar da idade não os tem.
Assim, punha-se a mexer nas lixeiras com a barriga cheia,
indı́cio de completude, puro real, não enviando a nenhuma
“completude simbólica”, a nenhum registro da existência.
Por força destas observações, limitei-me a dizer às suas
maternantes que Christelle, apesar da idade, era só um bebezinho e que por causa disto era preciso tratá-la sem levar
em conta sua autonomia, e assim tudo se arranjaria.
29
INTRODUÇÃO
Com efeito, aconselhei que ela não comesse mais na mesa
com as outras crianças, mas no colo, numa relação atenta
e próxima com sua maternante, que colocaria palavras em
tudo o que Christelle “dissesse” durante a refeição. E no
final desta, ela só seria colocada no chão caso expressasse
este desejo. Subentendido: ela ficaria “farta” de troca e de
presença.
Por outro lado, pedi que se mostrassem mais tolerantes
em relação ao seu comportamento de exploração do rosto,
como se ela fosse um bebezinho: era preciso deixá-la fazer,
explicando-lhe que ela também tinha uma boca, olhos, etc,
acompanhando-a diante do espelho.
Depois de ter explicado a Christelle que nós irı́amos nos
ocupar dela como sua mamãe teria gostado de fazer se sua
doença não a tivesse impedido, eu as deixei sair.
Christelle fez progressos estupendos e em alguns meses
recuperou seu nı́vel de desenvolvimento, assim como uma
razoável alegria de viver.
Ainda uma vez, parece-me que posso dizer que minha
intervenção visou modificar a representação que as maternantes tinham de Christelle, de maneira a colocá-las numa
posição suscetı́vel de reenviar-lhe uma imagem que a permitisse retomar sua evolução.
Para concluir
Um melhor conhecimento das primeiras instaurações psı́quicas nos permite apreender a relação existente entre as
representações maternas inconscientes e as respostas que,
muito precocemente, o bebê elabora, assim como o estreito
determinismo que daı́ resulta.
30
PALAVRAS EM TORNO DO BERÇO
Mas ela nos deixa também entrever o campo imenso que
se abre à nossa intervenção.
A metáfora das fadas visa somente sublinhar a importância da posição subjetiva do profissional que escuta e enuncia,
pois em seu discurso haverá um impacto sobre a representação da criança no inconsciente materno, peça-mestra na
construção do psiquismo do sujeito.
Com efeito, se diante do sintoma da criança estamos
vivenciando um fracasso de nossa onipotência terapêutica,
atravessando o quanto há de compreensı́vel de nosso narcisismo profissional, nós provavelmente iremos “deixar ao
acaso” para nos livrarmos do fracasso, redobrando assim a
dificuldade que já vivem os pais para investir a criança.
Se, por outro lado, nos vemos capazes de suportar a incompletude que o mesmo sintoma nos inflige, poderemos
formular um voto — que aceite um lugar possı́vel para a
criança.
Bibliografia:
1. THIS, B. Le père, acte de naissance. Paris: Seuil,
1980.
2. LACAN, J. Le stade du mirroir. In Écrits. Paris:
Seuil, 1966, p. 95.
3. WINNICOTT, D. W. Le rôle du mirroir de la mère et
de la famille dans le devellopement de l’enfant. Paris:
Gallimard, 1990, p. 155. Ed. bras.: “O papel de espelho da mãe e da famı́lia no desenvolvimento infantil”.
In O Brincar e a Realidade. RJ: Imago, 1975, p. 153.
4. LAZNIK, M. C. Il n’y a pas d’absence s’il n’y a pas
déjà présence-Du rôle fondateur du regard de l’autre.
31
INTRODUÇÃO
In La Psychanalyse de l’enfant no 10. Paris: Ed. de
l’AF, 1991.
5. BALBO, G. La langue nous cause. In Psychanalyse de
l’enfant n. 10. Paris: Ed de l’AF, 1991.
6. CABASSU, G. La poupée sans visage. In La clinique
de l’autisme. Paris: Hors ligne, 1993. Ed. bras.: A
boneca sem rosto. In M. C. Laznik, (org.) O que
a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas,
Salvador: Ágalma, 1994.
7. CABASSU, G. Maxime: Entre entendre et ouir. In La
Psychanalyse de l’enfant no 10. Paris: Ed. de l’AF,
1991.
Sobre a Autora
Psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale (Paris), trabalha com crianças e bebês em consultório além de atuar junto à uma creche pública e um
orfanato.
Fundou a Harppe, centro de formação e reflexão da prática profissional em torno da pequena infância.
Ágalma publicou o seu artigo “A boneca sem rosto”, no
volume O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas, da coleção Psicanálise da Criança, organizado por
M.C. Laznik em 1994, reeditado em 1998.
32
Prevenção
PODERÍAMOS PENSAR NUMA
PREVENÇÃO DA SÍNDROME AUTÍSTICA?
Marie Christine Laznik
Uma concepção do autismo que permite aos clı́nicos continuarem inventivos
Do ponto de vista psicanalı́tico, a plena manifestação
de uma sı́ndrome autı́stica pode ser considerada como tradução clı́nica da não-instauração de um certo número de
estruturas psı́quicas que, por sua ausência, só podem desencadear déficits de tipo cognitivo, entre outros. Quando
estes déficits de tipo cognitivo se instalam de maneira irreversı́vel, podemos falar de deficiência. Esta deficiência seria
então a conseqüência de uma não instauração das estruturas psı́quicas, e não o contrário. E podemos sustentar uma
semelhante concepção, admitindo uma multifatorialidade e
deixando de lado o debate, quase estéril, entre psicogênese
e organogênese.
É deste registro propriamente psı́quico que vou tratar,
pois é o único no qual podemos intervir. É aı́ que podemos falar de uma prevenção possı́vel da organização da
sı́ndrome autı́stica. Intervir para que se instaurem as estruturas mesmas que suportam o funcionamento dos processos
de pensamento inconsciente. Intervir do alto da organização
dos déficits cognitivos, pois há verdadeiramente uma psicossomática do autismo: a não-instauração das estruturas
psı́quicas lesa rapidamente o órgão que as suporta1 .
35
PREVENÇÃO
O diálogo incontornável entre psicanalistas e médicos da primeira infância
As crianças para as quais tememos uma evolução autı́stica, geralmente nos são encaminhadas em torno dos dois, três
anos, às vezes até mesmo mais tarde. A prática clı́nica nos
ensina como as instaurações do aparelho psı́quico se fazem
cedo, o que nos faz lamentar não tê-las encontrado mais
cedo, quando o jogo ainda não estava decidido. A partir
do meu interesse pelo que se instaura muito precocemente
no aparelho psı́quico, fui naturalmente conduzida a me interessar pelo diálogo com os médicos da primeira infância
(pediatras e médicos da P.M.I.)∗ . Penso que é sobre este
diálogo que devem ser calcados os nossos esforços no próximo
decênio, se queremos avançar na prevenção de doenças tais
como o autismo. Winnicott não estava errado quando dizia,
da forma provocadora e paradoxal que era a sua: “o papel
essencial do pediatra é de prevenir as doenças mentais, se
ao menos ele o soubesse”.
Consagro, há mais de dois anos, uma parcela do meu
tempo a um trabalho de formação de médicos de P.M.I.∗ ,
para a detecção de problemas precoces graves, estes que aparecem nos primeiros meses da vida do bebê2 . Juntos discutimos também os modos possı́veis de abordagens terapêuticas.
O que me surpreendeu inicialmente foi a receptividade deles para este trabalho. Contaram-me o mal-estar que lhes
colocava a detecção precoce do autismo. Um deles resume
a situação nestes termos: “Há vinte anos, os simpatizantes de Bettelheim nos tinham explicado que o autismo era
unicamente psicogênico, e que era preciso encontrar a causa nos desejos mortı́feros inconscientes dos pais, assim como
∗
Proteção materno infantil (N. da T.).
36
SÍNDROME AUTÍSTICA
nas condutas que daı́ derivavam. Nós conhecı́amos alguns
destes pais, os tı́nhamos visto conduzirem-se muito convenientemente com outras crianças da fratria. Não podı́amos
considerá-los culpados, então nos calamos. Depois, dez anos
mais tarde, nos explicaram que tratava-se de uma doença
orgânica e que não havia nada a fazer, senão tentar reeducar. Nos calamos de novo; ou ainda quisemos tranquilizar,
encontrar para a famı́lia um tempo de ilusão suplementar.
Você nos apresenta uma terceira via: ela permite reintroduzir uma dinâmica de prevenção e isto nos interessa”.
Fazer a prevenção quer dizer intervir no laço pais-criança.
Eu considero que a sı́ndrome autı́stica clássica é uma conseqüência de uma falha no estabelecimento deste laço, sem
o qual nenhum sujeito pode advir. Para afirmar isto não é
necessário supor uma psicogênese na origem dos problemas.
O falso debate entre os partidários de um organicismo e os
partidários de uma psicogênese
As pesquisas genéticas em curso ainda não colocaram em
evidência a anomalia susceptı́vel de dar conta do autismo
enquanto doença hereditária3 . A partir de novas pesquisas,
isolemos talvez, em certos casos de autismo, fatores ditos
de susceptibilidade ou de vulnerabilidade de origem genética.
Mas, atenção! Dizer que um fator de sensibilidade existe
numa criança, novamente sublinha que a aparição ou não
da sı́ndrome dependerá mais ainda das caracterı́sticas do
ambiente. Um ambiente mais favorável permite que as instaurações estruturais possam ao menos acontecer, ou ainda
que a plasticidade cerebral possa encontrar o caminho de
novos enodamentos e de novas articulações. Mas lutamos
contra o relógio, pois certas instaurações estruturais se efetuam mais facilmente em momentos sensı́veis4 . Esperar para
37
PREVENÇÃO
intervir pode então equivaler a uma não-assistência à pessoa
em perigo.
Elementos clı́nico-teóricos para uma detecção precoce —
Que sinais privilegiar no diagnóstico precoce do autismo?
Um certo número de sinais clı́nicos, que permitem pensar
na eventualidade de um prognóstico de evolução autı́stica,
foram repertoriados por diversos autores5 . No meu trabalho
com médicos de P.M.I, privilegio a detecção de dois sinais
maiores: inicialmente o não-olhar entre o bebê e sua mãe,
sobretudo se esta mãe não parece se dar conta disto; e de
outra parte o que eu chamo de fracasso do circuito pulsional completo. Estes dois sinais são relativamente simples
de se observar durante o exame médico, apresentando como
interesse maior o fato de serem a expressão clı́nica destas
instaurações estruturais que fundam o funcionamento mesmo do aparelho psı́quico. Ora, são estas instaurações que
falham, penso eu, no futuro autista.
1. O olhar do Outro primordial como constitutivo do eu e
da imagem do corpo
O não-olhar entre uma mãe e seu filho, sobretudo se
a mãe não se apercebe disto, constitui um dos sinais que
permitem pensar, durante os primeiros meses de vida, na
hipótese de um autismo — as estereotipias e automutilações
só aparecem no segundo ano.
Se este não-olhar mais tarde não evolui necessariamente
para uma sı́ndrome autı́stica caracterizada, é sinal, em todo
caso, de uma dificuldade maior no nı́vel da relação especular
com o outro. Se não intervimos então, o estádio do espelho
38
SÍNDROME AUTÍSTICA
não se constituirá, pelo menos não convenientemente. Nós
todos conhecemos a importância dada por Jacques Lacan a
este tempo particular de reconhecimento pelo Outro da imagem especular, este momento onde a criança se vira para o
adulto que a sustenta, que a carrega e pede-lhe uma confirmação, pelo olhar, do que ele percebe no espelho como uma
assunção de uma imagem, de um domı́nio ainda não conquistado. Se este momento da relação jubilatória à imagem
no espelho é crucial, é porque é ela que vai dar ao bebê seu
sentimento de unidade, sua imagem corporal, base de sua
relação com os outros, seus semelhantes.
Com efeito, o que vem constituir para o bebê mais tarde
a vivência de seu corpo, supõe uma articulação complexa
entre sua realidade orgânica e o que eu chamo a erolhar∗
dos pais. Este olhar não se confunde com a visão. Trata-se
sobretudo de uma forma particular de investimento libidinal, que permite aos pais uma ilusão antecipadora onde eles
percebem o real orgânico do bebê, aureolado pelo que aı́ se
representa, aı́ ele poderá advir. É a ilusão antecipadora, o
His magesty the baby de que Freud falava em 19156 . Mas o
que chamo aqui olhar, é também o que permite à mãe escutar
de inı́cio nos balbucios do bebê, mensagens significantes que
ele fará suas mais tarde. Ver e escutar o que ainda não está
para que um dia possa advir, é o que Winnicott chamava a
loucura necessária das mães.
Descrevi em outros artigos7 , certos modelos que permitem representar como este olhar é o que funda a possibilidade mesma da constituição da imagem do corpo e da relação
com o semelhante, não posso desenvolvê-los de novo aqui.
Certo, eu disse que o não-olhar entre uma criança e sua
mãe(sobretudo quando ela não se apercebe disto) assinala
∗
Èregard no original. Era e olhar: a era do olhar (N. dos E.).
39
PREVENÇÃO
o perigo de problemas precoces na relação com o Outro. O
estádio do espelho corre o risco de não se constituir ou então
de se constituir mal. Mesmo que este sinal possa alertar o
clı́nico, ele só não basta para dar a segurança de que é preciso intervir, se desejamos prevenir um grave problema do
funcionamento mental. Um segundo sinal, observável clinicamente desde os primeiros meses de vida e simples de
ser detectado, permite fazer um prognóstico com uma maior
segurança do perigo de um tal problema, e então acionar
a urgência da intervenção. Trata-se do que vou chamar a
não-instauração do circuito pulsional completo.
Um segundo sinal clı́nico: a não-instauração do circuito pulsional completo
Este sinal clı́nico é razoavelmente simples de ser identificado se, por exemplo, conduzirmos um pouco a consulta de
P.M.I. Mas ele só ganha toda a sua importância no espı́rito
do médico, se este último compreender em que este sinal,
banal em si mesmo, pode constituir o indı́cio do fracasso da
instauração de uma estrutura, que é totalmente central para
o próprio funcionamento do aparelho psı́quico.
Para que possamos falar de fracasso do circuito pulsional completo como sinal clı́nico de uma não-instauração estrutural decisiva em uma criança, é indispensável separar a
satisfação da pulsão da satisfação das necessidades. Quando nos ocupamos da clı́nica do autismo, uma contribuição
interessante de J. Lacan reside na sua leitura do conceito de
pulsão em Freud. Face a um organismo que parece perfeitamente capaz de se manter vivo, esta concepção de pulsão
como não diretamente concernente à sobrevivência enquanto
tal só pode me interessar8
40
SÍNDROME AUTÍSTICA
Separar a pulsão da necessidade
Sabemos que Freud considera a pulsão como um conceito limı́trofe entre o psı́quico e o somático, já que ela é o
representante psı́quico das excitações vindas do interior do
corpo. Ele diz, por sinal, nomeando que a fome e a sede
dela são exemplos9 . A leitura de Lacan visa mostrar que
são vacilações, mas que o fio que conduz Freud a inventar
este conceito é outro. Para Lacan, a fome e a sede reenviam
à questão da necessidade. Por outro lado, ele ressalta que
quando Freud fala de Trieb (da pulsão), não se trata do organismo na sua totalidade: “É o vivo que é concernido aqui?”,
pergunta ele, para responder negativamente10 . Para Lacan,
o que se refere à pulsão não é do registro do orgânico11 . E
ele reserva o termo pulsão, unicamente para as pulsões sexuais parciais. Daı́ todo o registro da necessidade, o registro
freudiano do Ich Triebe, cair fora do campo das verdadeiras
pulsões12 .
Desta vez, a noção de satisfação pulsional vai ser radicalmente separada de toda satisfação de uma necessidade
orgânica. Lacan diz literalmente: “A pulsão alcançando seu
objeto, percebe de algum modo que não é por aı́ que ela se
satisfaz (...), porque nenhum objeto (...) da necessidade pode satisfazer a pulsão (...). Essa bôca que se abre no registro
da pulsão — não é pelo alimento que ela se satisfaz” (p. 153;
Ed. bras.: p. 159).
Mas o que constituiria então a satisfação da pulsão?
Vamos ver aqui, clinicamente, como esta satisfação vai
corresponder a uma finalização de um trajeto em forma de
circuito, trajeto que vem se fechar sobre o seu ponto de
partida. Mesmo se este circuito se apoia sobre a satisfação
orgânica, a satisfação pulsional é de um outro registro. No
seu texto de 191513 , Freud descreve o circuito pulsional par41
PREVENÇÃO
tindo da pulsão escópica e do sadismo-masoquismo. Entretanto, não se trata aı́, para Freud, de estudar as estruturas
das perversões, mas unicamente de identificar as condições
gerais de todo fechamento da pulsão, ou seja, as condições
da satisfação pulsional.
Os três tempos do circuito pulsional
Freud descreve um trajeto pulsional em três tempos. Iremos seguir este trajeto, partindo da pulsão oral, que é a mais
fácil de ser identificada nos primeiros meses de vida.
Num primeiro tempo — que Freud chama de ativo —
o bebê vai em busca do objeto oral (o seio ou a mamadeira) para dele apoderar-se. Este primeiro tempo pulsional é
sempre bem identificado pelos médicos e pelas puericultoras.
Saber se um bebê mama convenientemente é um elemento
central no exame clı́nico da P.M.I.
O segundo tempo do circuito pulsional é também objeto
da atenção particular de um médico já advertido. Ver se o
bebê tem uma boa capacidade auto-erótica, se ele é capaz em
particular de chupar sua mão,seu dedo ou então uma chupeta, faz parte nos nossos dias do exame clı́nico habitual. A
maioria dos médicos de PMI que eu encontrei sabem da importância daquilo que chamamos de experiência alucinatória
de satisfação, intimamente relacionada com o auto-erotismo.
Por outro lado, o que praticamente ninguém pensa, mesmo entre os psicanalistas, é que há, dentro da descrição de
Freud, um terceiro tempo necessário ao fechamento do circuito pulsional, e ao que podemos propriamente chamar de
satisfação pulsional. Neste terceiro tempo a criança vai se
fazer objeto de um novo sujeito. São estes mesmos os termos
de Freud. Quer dizer que a criança se assujeita a um outro14
que vai se tornar o sujeito da pulsão do bebê. Haveria aı́,
42
SÍNDROME AUTÍSTICA
no nascimento mesmo da questão do sujeito no ser humano
a forma radical de uma necessária alienação.
Mas antes de tomar a justa medida do alcance reversor
de uma tal afirmação, vejamos como este terceiro tempo se
apresenta clinicamente.
No registro da pulsão oral, este terceiro tempo, no qual
ninguém pensa, é todavia encontrado na nossa experiência
cotidiana com os bebês e as mães; aliás, não escapou do
olhar de certos publicitários, que nos propõem imagens surpreedentes: nelas vemos um bebê estender um pé apetitoso
em direção à boca de sua mãe que se deleita. Salta aos olhos
o prazer partilhado.
Se tal imagem permite vender melhor as fraldas, ela nos
permite também ter uma representação deste terceiro tempo
do circuito pulsional. É o momento onde o bebê coloca seu
dedo (do pé ou da mão) na boca da mãe, que vai fingir comêlo de maneira muito prazerosa. Este momento particular de
jogo — não se trata aı́ de saciar uma necessidade qualquer
— é pontuado pelos risos maternos, enquanto ela comenta o valor gustativo do que lhe é oferecido pela atribuição
de diversas metáforas gastronômicas onde o açúcar tem um
lugar privilegiado. Tudo isto desperta em geral sorrisos na
criança, o que nos indica que ela buscava justamente se ligar
no gozo deste Outro materno15 .
Vemos aı́ como a passividade do bebê neste terceiro tempo do circuito pulsional é apenas aparente. É muito ativamente que ele vai se fazer comer por este outro sujeito, para
o qual ele se faz, ele próprio, objeto. E nós vimos como este
assujeitamento visa se ligar ao gozo neste Outro. É voluntariamente que o inscrevemos aqui com letra maiúscula. O
bebê vai à caça do gozo na sua mãe, enquanto que ela representa para ele o grande Outro primordial, provedor dos
significantes.
43
PREVENÇÃO
A pulsão não é a necessidade, dissemos. Ela conhece um
aumento constante e não as flutuações próprias da fisiologia
do organismo. A pulsão se satisfaz pelo fato de que este
circuito gira e de que cada um dos tempos tornará a passar
um infinito número de vezes. Nós só podemos estar certos do caráter verdadeiramente pulsional dos dois primeiros
tempos, na medida em que tivermos constatado o terceiro.
O segundo tempo, em particular, pode ser completamente
enganador. Face a um bebê que, num procedimento autocalmante, suga o dedo ou a chupeta, só podemos afirmar
a dimensão auto-erótica se soubermos que o terceiro tempo
do circuito pulsional nele está presente em outros momentos.
Senão, podemos muito bem estar diante de um procedimento no qual a ligação erótica ao Outro está ausente. Se nós
retiramos o termo eros de auto-erotismo, nos encontramos
face ao autismo! Só podemos falar de um verdadeiro autoerotismo se a dimensão de representação do Outro, e mesmo
do seu gozo, se inscreveu sob a forma de traço mnêmico no
aparelho psı́quico da criança16 .
Muitos outros elementos do quadro autı́stico têm aı́ sua
fonte. Citemos em particular as falhas na instauração dos
processos de condensação e deslocamento próprios ao pensamento inconsciente. Ora, este último apresenta não somente formidáveis possibilidades de ligação da excitação psı́quica mas, além disso, é capaz de criar novas ligações, de
criar a complexidade. Sabemos como nas crianças autistas a descarga de excitação se faz no corpo por estereotipias e auto-mutilações, por falta da possibilidade de uma
ligação psı́quica conveniente. Somos, por sinal, incessantemente confrontados a discursos concernentes a déficits ditos
cognitivos, próprios às crianças autistas. É indubitável que
uma não-instauração conveniente da estrutura do pensamento inconsciente leve a este tipo de déficit.
44
SÍNDROME AUTÍSTICA
Mas que relação há entre tais déficits e a falha no circuito pulsional completo? Seria necessário um enquadre mais
abrangente que este artigo para tentar responder convenientemente17 . Observemos aqui simplesmente que, nos primeiros encontros com crianças que apresentam uma sı́ndrome
autı́stica primária, constatamos no plano clı́nico que este terceiro tempo do circuito pulsional está ausente. O movimento
se fazendo somente de um vai-e-vem entre um ir em direção
à comida, e um vir em direção a uma parte do próprio corpo ou em direção a um objeto tendo uma função de pedaço
de corpo18 . Este vai-e-vem não constitui então nenhum fechamento que sobre seu percurso se ligaria a qualquer que
seja de um outro, grande ou pequeno. Como se, justamente, o sistema de defesa consistisse em elidir todos os lugares
psı́quicos onde os traços mnêmicos das representações do
Outro poderiam ser registrados.
O interesse deste traço clı́nico, sendo identificável desde os primeiros meses de vida, bem antes da instalação da
sı́ndrome autı́stica enquanto tal, é permitir um diagnóstico
precoce.
Pouco importa aqui que a causa da não instauração deste
terceiro tempo do circuito pulsional, provenha de uma certa
dificuldade constitutiva da criança que não procura ativamente a ação do Outro (tentar se fazer comer, no caso), ou
então de uma falta de resposta da parte daquele que ocupa o lugar de Outro primordial. Há falha nos dois casos.
Nos dois casos — com uma certa contribuição libidinal da
parte de um psicanalista que saiba trabalhar com a relação
pais-bebê — o circuito pulsional completo pode se restabelecer. Mesmo nas crianças autistas de três ou quatro anos
conseguimos geralmente estabelecer (ou restabelecer), mas
o perı́odo sensı́vel onde a criança entra com uma grande naturalidade no campo dos significantes do Outro e pode deles
45
PREVENÇÃO
se apropriar, já passou. A criança poderá ainda começar a
falar, mas é preciso remar muito mais. No plano clı́nico, é a
ausência da palavra que se percebe mais facilmente, enquanto que o fracasso na instauração da estrutura do pensamento
inconsciente pode passar despercebido. Ela se revelará mais
tarde sob a forma do que chamamos comumente de déficits
cognitivos; razão pela qual a querela entre doença mental
ou déficit cognitivo19 a propósito do autismo me parece um
falso debate. Mesmo que a plasticidade do aparelho psı́quico
permita que suplências possam se fazer, a idade na qual intervimos é um dado central.
Contudo, não é a mesma coisa intervir com uma criança
para tentar atenuar as conseqüências de um déficit cognitivo
já instalado (ou em vias de ser) e intervir para (r)estabelecer
o circuito pulsional completo, cujo não funcionamento causa
este déficit. Volto a lembrar que não se trata de tomarmos
o partido de uma causalidade puramente ambiental para o
autismo. Podem haver fatores congênitos que tornam o bebê
menos apto a se ligar ao gozo do seu Outro primordial. Nos
casos de fracasso da instauração do circuito pulsional completo, não estamos sempre diante de uma mãe muito absorvida por um luto não vivido, ou por uma depressão desconhecida, incapaz de realizar sua tarefa de fazer o papel de
sujeito da pulsão oral do seu filho. Há outras situações, mas
em todo caso a não-resposta de um bebê pode desorganizar
sua mãe. Se as origens do problema podem ser múltiplas,
elas levam a este fracasso da instauração do olhar e da instauração do circuito pulsional.
Estamos aı́ num registro propriamente psı́quico e é apenas neste registro que podemos intervir. É o que proponho
chamar de prevenção possı́vel da organização da sı́ndrome
autı́stica. Intervir para que se instaurem as estruturas mesmas que dão suporte ao funcionamento dos processos de pen46
SÍNDROME AUTÍSTICA
samento inconsciente. Intervir diante da organização de uma
futura deficiência.
O segundo traço clı́nico proposto — o fracasso do circuito
pulsional completo — permite de fato pensar no diagnóstico
diferencial entre psicose e autismo. Com efeito, este terceiro
tempo do circuito pulsional se encontra sempre presente no
bebê que apresentará mais tarde uma psicose infantil. Este
bebê se assujeita facilmente a uma mãe que, em geral, não
resmunga para gozar do objeto que lhe é assim oferecido. O
que é mais problemático para ela é perceber o limite disto.
A alienação real da criança a este Outro primordial assim se
instala muito bem. O que fracassa é sobretudo o outro pólo
da subjetivação do sujeito: a função separadora produzida
pela metáfora paterna. É ela que, na psicose infantil, se
encontraria fora do jogo, foracluı́da. Em caso de perigo de
evolução autı́stica, não é disto que se trata, mas do fracasso
no tempo da própria alienação.
Notas:
1. Ouvi esta idéia de que haveria uma psicossomática
do autismo, sendo proposta por psicanalistas com orientações teóricas muito diferentes, como o Dr. Jean
Bergès e o Dr. René Diatkine.
2. Este trabalho se faz na HARPPE, organismo de formação voltado para médicos e outros interventores da pequena infância. A Harppe foi criada por Annette Yaker
e Graciela Cabassu. Esta última, por sua prática de
analista com crianças autistas, compartilha há muito
tempo meu desejo de poder formar os médicos no diagnóstico precoce, para estarem aptos a intervir o mais
cedo possı́vel.
47
PREVENÇÃO
3. As pesquisas dos últimos anos parecem entretanto confirmar um correlação importante entre o cromossomo
Xq frágil, e a debilidade mental. Um quadro autı́stico
pode certamente vir a se implantar sobre esta debilidade, como às vezes acontece em outros quadros deficitários.
4. É por exemplo o caso da aquisição da palavra.
5. HOUZEL, D. Peut-on endiguer les psychoses infantiles? In M. Soulé (dir), Des Utopies aux Realisations.
Paris: ESF, 1993.
6. FREUD, S. (1914) Pour introduire le narcissisme. tr.
Fr. Denise Berger et Jean Laplanche. Paris: PUF,
1969. Ed. bras.: Sobre o narcisismo, uma introdução.
In E.S.B. vol. XIV. RJ: Imago, 1974.
7. LAZNIK, M. C. (1993): Du ratage de la mise en place
de l’image du corps au ratage de la mise en place du
circuit pulsionnel; quand l’alienation fait défaut. In
La Clinique de L’autisme, son enseignement psychanalitique. Paris: Point Hors Ligne, 1993. Ed. bras.:
Do fracasso da instauração da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsional — Quando a
alienação faz falta. In O que a clı́nica do autismo pode
ensinar aos psicanalistas, Col. Psicanálise da Criança
no 6. Salvador: Ágalma, 1994. (2a edição: 1998)
8. Geneviève Haag, partindo do universo conceitual kleiniano, chega a conclusões concernentes ao fracasso da
criança autista com relação à pulsão que não estão
desconectadas com as que vou trazer aqui. Isto indica
que nas nossas tentativas recı́procas é bem a clı́nica
que conduz a teoria.
48
SÍNDROME AUTÍSTICA
9. FREUD, S. (1915) Pulsion et destin des pulsions. Oeuvres completes, vol xiii tr. Fr. dir. A. Bourguignon, P.
Cotet, J. Laplanche. Paris: PUF, 1988. Ed. bras.: Os
instintos e suas vicissitudes. In E.S.B. vol. XIV. RJ:
Imago, 1974.
10. LACAN, J. (1964) Le Seminaire, livre XI, Les quatre
concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris:
Seuil, p.150. Ed. bras.: O seminário, livro XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ: J.Z.E.,
1979, p. 156.
11. Id, Le Seminaire, op. cit., p. 148. Ed. bras.: O
Seminário..., op. cit., p. 154.
12. Id, Le Seminaire, op. cit., p. 174. Ed. bras.: O
Seminário..., op. cit., p. 181.
13. FREUD, S. (1915) Pulsion et destin des pulsions. Oeuvres completes, vol.xiii tr. fr. dir. A. Bourguignon, P.
Cotet, J. Laplanche. Paris: PUF, 1988. Ed. bras.: Os
instintos e suas vicissitudes. In E.S.B., vol. XIV. RJ:
Imago, 1974.
14. Este outro é alguém de carne e osso, com quem a criança estabelece uma relação da realidade, e ao mesmo
tempo alguém que vai sustentar para a criança o lugar
de grande Outro primordial, este que fala no seu lugar, que fornece-lhe os significantes nos quais ela falará
mais tarde.
15. O gozo levanta uma grande desconfiança nos meios
lacanianos onde sua dimensão estruturante é freqüentemente desconhecida. É entretanto exatamente o que
Lacan diz no Seminário XI: Os quatro conceitos fundamentais de psicanálise, p. 167 (versão francesa). Ed.
bras.: O Seminário..., op. cit., pp 175-176.
49
PREVENÇÃO
16. Aqui só faço retomar o que Freud enuncia desde 1895
no Projeto. Ele aı́ afirma a necessidade de registro dos
traços mnêmicos de representação de desejo ligadas diretamente às experiências vividas com aquele que ele
chama de o próximo assegurador, o que tem a ver com
o que aqui chamamos de Outro primordial. É verdade que mais tarde Freud falará em auto-erotismo
primário, mas esta idéia me parece insustentável à luz
de uma leitura que seja um pouco consistente com sua
própria teoria da pulsão. Mas sobretudo uma tal concepção de auto-erotismo impediria de criar os modelos
operantes para dar conta dos impasses da clı́nica do
autismo.
17. Há hipóteses metapsicológicas que dão conta da ligação entre a instauração da estrutura do pensamento
inconsciente e a estruturação do circuito pulsional. Para esboçar uma resposta digamos que este circuito pulsional, tal como nós podemos identificá-lo clinicamente, suporta o trajeto das representações inconscientes
no aparelho psı́quico. Para poder circular, a função
de representação deve passar pelo pólo alucinatório de
satisfação de desejo, lá onde o bebê encontra inscritos os traços mnêmicos de suas primeiras experiências
com este gozo do Outro. Para aqueles que se interessam pelos fracassos das representações inconscientes, ver Laznik, M.C.: Défenses autistiques et échec
de la mise en place de la fonction de representation.
In La psychanalyse de l’enfant, no 19. Paris: Ed. de
l’Association Freudienne, 1996.
18. Trata-se aı́ do que a escola inglesa denomina de objetos
autı́sticos, que não são justamente objetos no sentido
psicanalı́tico do termo pois, tendo passado por uma
incorporação, eles são vivenciados como partes do eu
50
SÍNDROME AUTÍSTICA
primitivo. Freud chama de um eu-prazer, no sentido
em que só é regido pelo sistema de fuga do desprazer,
um sistema próximo da homeostase, o que é contrário
ao sistema pulsional.
19. A deficiência não sendo nada mais que um déficit que
torna-se irreversı́vel e para o qual nenhuma suplência
eficaz se estabelece.
Sobre a Autora
Psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale (Paris). Trabalha com crianças autistas em consultório e atua no Centre Alfred Binet, no atendimento a
bebês. É autora do livro Vers la parole. Paris: Danöel,
1995. Ed. bras.: SP: Escuta, 1997. Ágalma publicou os
seus seguintes artigos: O patronı́mico de uma criança como
puro traço diferencial. In Desenho: por que não? (1992)
(esgotado, reedição em preparo); Os “nãos” do pai. In Do
Pai e da Mãe (1993) reeditado em O sujeito, o real do corpo e o casal parental (1998); Por uma teoria lacaniana das
pulsões. In Dicionário de Psicanálise — Freud & Lacan,
vol. 1 (1994, 2a edição: 1997); Do fracasso de instauração
da imagem do corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsional, no volume O que a clı́nica do autismo pode
ensinar aos psicanalistas (1994, 2a edição: 1998), do qual
também é organizadora; Os efeitos da palavra sobre o olhar
dos pais, fundador do corpo da criança. In Agora eu era o
rei – Os entraves da prematuridade, nesta mesma coleção.
Uma coletânea intitulada Espelho, espelho meu – O autismo
e os impasses na constituição do sujeito, reunindo alguns
destes e vários outros artigos da autora, dispersos em diversas publicações ou inéditos, está em preparo, organizada
pela diretora desta coleção, Daniele de Brito Wanderley.
51
POR QUE UMA PREVENÇÃO PRECOCE
DOS DISTÚRBIOS PSÍQUICOS?
José Roberto de Almeida Correia
Em agosto de 1991 o Centro Médico Psicopedagógico
Infantil do Hospital Geral Otávio de Freitas (CEMPI) foi
inaugurado para tratar de crianças psicóticas e autistas com
até 12 anos de idade. Neste perı́odo observamos em primeiro
lugar a dificuldade de lidar com estas crianças. A equipe, de
um modo geral muito concernida com o tratamento, teve de
reconsiderar o próprio conceito de resultado, mesmo constatando que há efeitos em todos os casos, sejam eles mais
facilmente identificáveis ou não.
Mas notamos também que o trabalho é muito diferente
dependendo da idade da criança: quanto mais cedo começarmos, maiores são as chances de uma evolução favorável.
Por outro lado, nos chamou a atenção nas versões da
anamnese que ouvı́amos, sobretudo de algumas mães, a referência a um mal-estar muito precoce, algumas vezes até
mesmo após o parto: “Senti uma coisa estranha quando o vi
pela primeira vez”, sic. Em alguns casos, o que é igualmente
preocupante é que tentativas de buscar ajuda precocemente
não tiveram êxito: “Falei com o médico, mas ele me disse
que o bebê era perfeito, depois procurei uma terapia mas me
disseram que ele era muito pequeno, mais tarde me disseram
para esperar que falasse...”. É bem verdade que trata-se de
versões da história clı́nica a posteriori, possivelmente com
52
PSICANÁLISE E PEDIATRIA
reelaborações diversas. Mas podemos admitir que, infelizmente, nossas faculdades ainda não dispensam a necessária
formação e informação sobre o inı́cio do desenvolvimento da
criança e seus possı́veis distúrbios. Quanto aos pediatras, se
é verdade que tranquilizar os pais nunca faz mal, é possı́vel
também que alertar quando for o caso, dignosticar, encaminhar, exija uma série de condições que falta muito para ser
preenchida.
Poderı́amos desejar que o profissional que presta assistência à criança:
1. Além de detectar uma dificuldade psı́quica precoce nas
relações do bebê — acreditamos que a sensibilidade
da maioria dos pediatras pode fazer isso —, seria necessário estar apto a reconhecer com uma certa segurança o distúrbio em causa (importância de uma formação especı́fica das equipes de pediatria).
2. Para os casos com indicação de um acompanhamento
especializado, que se possa dirigir essas crianças com
confiança.
A importância da criação de serviços de prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos deve ser reconhecida. Entretanto não se pode omitir a dificuldade deste trabalho e os
obstáculos institucionais e familiares que se opõem à sua
realização.
É possı́vel prevenir precocemente?
Foi a pergunta que nos fizemos. Constatamos, para citar
o exemplo da França, que este é um ponto em que todos os
especialistas estão de acordo: M. Mannoni, Lebovici, Diatikine, Soulé e G. Ribas, etc, pensam que “se uma mãe e uma
53
PREVENÇÃO
criança estão em disfuncionamento relacional há possibilidades, intervindo com uma ação que permita que as coisas
comecem a caminhar, que a relação volte a ser estabelecida”. Citaremos apenas dois dos mais importantes trabalhos fundamentais neste campo. Eles se desenvolveram independentemente mas curiosamente apresentam pontos em
comum: “O método de observação de bebês”, desenvolvido
por Esther Bick na Tavistock Clinic, aplicado desde 1948,
cuja importânia na formação de profissionais, na pesquisa
e na clı́nica é cada vez mais reconhecida; e o conceito de
“Eu-pele”, de Didier Anzieu (1974), de grande impacto no
meio cientı́fico.
Como organizar esta ação?
Garantir uma formação nesse campo e congregar os pofissionais concernidos são pontos essenciais. Os cursos de
julho e dezembro de 93 e de novembro de 94, promovidos
pelo CEMPI e pela Secretaria de Saúde do Estado sobre a
prevenção precoce tentam alcançar o primeiro objetivo.
Quanto aos profissionais em questão, para começar procuramos os pediatras para falar de nossa preocupação e encontramos grande interesse. Tivemos apoio tanto a nı́vel
institucional quanto aos próprios profissionais. Alguns deles
já se dedicavam há muito à questão, mas sofriam com o isolamento e a falta de suporte teórico e prático para desenvolver
uma ação mais sistematizada.
O que dizer da ação desenvolvida?
Nossa reflexão comum, já aponta para algumas questões
que resumimos:
54
PSICANÁLISE E PEDIATRIA
1. A multidisciplinariedade. Além do que se ouve: “O
pediatra só pensa na criança, o obstetra, na mãe”,
a situação mãe-bebê-famı́lia mobiliza profundamente.
Em caso de sofrimento, é necessário ter a compreensão
adequada para que as transferências maciças da equipe
ou de membros da equipe não levem a esquecer nem a
supervalorizar o lugar do bebê, da mãe e o do pai.
2. O profissional de perinatologia que teve ou tem acesso
a um novo conhecimento às vezes traduz a situação dizendo que é como ver o que não se via antes. Mas esta
ampliação do que é percebido no terreno da clı́nica não
deixa de trazer algumas questões: algumas vezes, dificuldades na própria instituição levam a formulações
aparentemente paradoxais: “Considerar o psı́quico leva a mudanças, as mudanças que estou vendo são verdade?” Por outro lado, como continuar seu trabalho,
levando em conta o conhecimento adquirido sobre a
psique, continuando a ser neonatologista? A que autoriza aquilo que se vê de novo quando não se escolheu
a área “psi” (psiquiatra, psicanalista, psicólogo...), estando claro que tampouco se trata de mudar de profissão? Em outras palavras, o que fazer com esse novo
conhecimento? (vemos que se estabelece uma reflexão
suplementar relacionada com papel, lugar e função na
instituição, que merece desenvolvimento particular).
3. O profissional “psi”, além do enriquecimento originado
nesta reflexão comum, pode pensar que esta interrogação, “o que fazer?”, que possivelmente ocupou lugar
em sua própria formação, leva a distinguir entre ação e
atuação — esta última designando o fato de agir no lugar de colocar em palavras. Procurará levar a considerar em conjunto: a quem é dirigida a demanda? A que
55
PREVENÇÃO
é dirigida ao perinatologista não se articula da mesma
forma da que é dirigida ao “psi”. Também nem sempre as pessoas estão prontas para uma consulta com o
“psi”, mesmo se este encontro é idealizado por outros
profissionais. Em oposição, dirigir ao “psi” pode ser
vivido como sanção e rejeição. Ou, pode tratar-se de
uma demanda inviável (situação impossı́vel).
É necessário que mais equipes de perinatologia possam
conhecer a importância do psı́quico, o que traz respaldo
aos profissionais que já enfrentam resistências importantes
e difı́ceis de serem mobilizadas.
Conclusões
O sentido que quisemos dar a nossa ação é que descrevemos acima. A importância atribuı́da ao aleitamento materno, alojamento conjunto, bebê-canguru, ao trabalho designado de humanização, indicam que o momento é oportuno
para um aprofundamento sobre o nascimento do sujeito e a
prevenção precoce dos distúrbios psı́quicos.
Finalizaremos com a evocação feita por Maud Mannoni,
há cerca de um ano, a respeito do pensamento de Winnicott:
“O verdadeiro domı́nio onde se exerce a psicanálise é o da
pediatria. Em psiquiatria, muitas vezes já é tarde demais”.
Bibliografia:
1. ANZIEU, D. O Eu-pele. São Paulo: Casa do Psicólogo,
286 pp., 1989.
2. BICK, E. Remarques sur l’observation de bébés dans la
formation des analystes. In Journal de la Psychanalyse
de L’Enfant (12)14: 61, 1992.
56
PSICANÁLISE E PEDIATRIA
3. HAAG, G. Une expérience de travail préventif en crèche. CREAI de Bretagne, 61 Rue Jean Guechenno.
35000 Rennes, 79: 100, 1986.
4. RIBAS, D. Autismos infantis: Evolução de uma controvérsia. Conferência proferida na Universidade René
Descartes em 16/06/1993.
Sobre o Autor
Psiquiatra e psicanalista. Coordenador do Centro Médico Psicopedagógico Infantil (CEMPI), em Recife.
57
UMA TENTATIVA DE INTERVENÇÃO
PRECOCE OU... DE COMO INTRODUZIR A
QUESTÃO DO SUJEITO NO CORPO DE UM
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO∗ ...
Telma C. da N. Queiróz, Márcio Allain, Maria do Socorro
B. Amorim, José Roberto de A. Correia, Icléa P. Diniz
Concepção e gestação...
A idéia de intervir precocemente utilizando os conhecimentos da psicanálise é relativamente recente. Uma das
pioneiras nesse campo, e que me inspirou particularmente,
foi Françoise Dolto, que criou em 1979 a “Maison Verte”,
lugar que acolhe crianças de 0 a 3 anos, acompanhadas pelos pais, com a finalidade de socializá-las desde o nascimento
bem como dar apoio aos pais nas dificuldades cotidianas.
Todos sabemos como a chegada de uma criança pequena
transtorna a vida de um casal ou de uma famı́lia, sobretudo
no mundo conturbado em que vivemos. Para Françoise Dolto, a realização de um lugar como a “Maison Verte”, “corresponde a uma necessidade para a população citadina de
hoje” (Dolto, 1981). Era seu desejo que essa experiência se
multiplicasse e se estendesse: “Em meu entender, essa experiência deve continuar e deve mesmo incitar outras equipes
∗
Trabalho realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley da
Universidade Federal da Paraı́ba.
58
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
a se formarem, a fim de que em outros bairros, outras cidades, lugares semelhantes se fundem” (Dolto, 1981). Pensei
então, por que não trazer para João Pessoa a experiência de
Dolto, se existem pessoas verdadeiramente motivadas e interessadas num trabalho dessa ordem, como a continuidade
de nosso trabalho vem confirmando a cada dia que passa.
A gestação dessa idéia durou alguns anos...
O nascimento...
O inı́cio das atividades ocorreu depois que o psicanalista pernambucano José Roberto de Almeida Correia, que há
algum tempo já desenvolvia um trabalho preventivo junto
aos pediatras de diversas maternidades recifenses coordenando um grupo de “Psicanálise e pediatria”, veio convidar
a equipe do serviço de puericultura do Hospital Universitário
Lauro Wanderley para participar de um curso sobre relação
mãe-bebê e intervenção precoce, ministrado pela psicanalista francesa Geneviève Haag. O interesse despertado pelo assunto foi tal que daı́ surgiu a criação de um grupo de estudos
semanal no serviço de puericultura do hospital universitário
e um projeto de pesquisa sobre intervenção precoce.
Pouco depois comecei a atender em regime ambulatorial o par mãe-bebê: consultas terapêuticas e psicoterapias
prolongadas. Progressivamente tomando conhecimento dos
sinais de perturbação precoce a partir do grupo de estudos,
sinais que se manifestam ora no bebê, ora na relação mãefilho, os profissionais do serviço de puericultura passaram
a me enviar os bebês considerados em risco de sofrimento
psı́quico, distinguindo-se assim do trabalho que é feito na
Maison Verte, que não é um lugar para tratamento. Apesar
de ser um trabalho recente, de menos de dois anos, tenho recebido um número relativamente grande de crianças, o que
59
PREVENÇÃO
já me permite tecer algumas considerações quanto à problemática dessa faixa etária.
O trabalho se efetua então em três nı́veis: primeiramente no nı́vel dos profissionais do serviço de puericultura,
médicos, sobretudo pediatras, e para-médicos, enfermeiros,
assistentes sociais, psicólogos, estagiários, estudantes, etc.;
em segundo lugar, no nı́vel da relação mãe-bebê; e por fim,
no nı́vel da construção de um espaço de subjetividade na
instituição.
Apresentação...
Para apresentá-lo aqui hoje para vocês, retomo uma expressão utilizada por Freud quando estava elaborando o “Projeto para uma psicologia cientı́fica”. Ele disse em sua carta
a Fliess no 25, datada de 12 de junho de 1895: “Fazer uma
comunicação disso agora equivaleria a levar ao baile um feto
feminino de seis meses”. Eu diria portanto que apresentando
aqui o meu trabalho estaria sendo conduzida ao baile por um
feto masculino de seis meses. Sabemos hoje, que nesse texto,
Freud, utilizando uma metáfora biológica, descreve propriamente a constituição do sujeito, fornecendo os subsı́dios
teóricos que hoje utilizamos em nosso trabalho preventivo.
Vamos então aos fatos e aos fetos.
Sabe-se hoje (saber que a medicina resiste em aceitar
pelo próprio discurso que preside a formação médica) que é
na relação mãe-bebê que se constitue o aparelho psı́quico da
criança. A palavra da mãe dando sentido ao seu grito, ao
seu desamparo, inscreve-se no corpo do feto-bebê tornandoo sujeito de desejo. Sua palavra cria corpo e cria o corpo: O
corpo da palavra, o corpo do sujeito.
Pode haver no entanto perturbações na mãe, estruturais ou transitórias, que interferem nesse processo de consti60
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
tuição subjetiva. Da mesma forma pode haver perturbações
precoces no bebê que induzem comportamentos “anormais”
na mãe, aprisionando-os num cı́rculo vicioso difı́cil de ser
rompido, onde a introdução de uma terceira pessoa é quase impossı́vel. Essas perturbações podem ser reforçadas ou
atenuadas pelo corpo médico, que sem preparo adequado
se deixa enredar nos jogos transferenciais. Supomos que o
comportamento “anormal” da mãe de Nilton, um dos casos
que relatarei em seguida, foi talvez reforçado por esse olhar
do corpo médico fixado sobre o corpo da medicina, corpo da
ciência, corpo-máquina cujo funcionamento é preciso assegurar a todo custo. Corpo onde a palavra não se inscreve, e
que fala somente por manifestações não verbais. Corpo sem
verbo, sem palavra, sem metáfora.
O sujeito pode não se constituir...
Na conferência de Genebra sobre o sintoma, alguém pergunta a Lacan o que faz com que estejamos desde o nascimento preparados para receber a mensagem simbólica. Através de casos curtos, de uma ou duas entrevistas, faço aqui
a questão inversa: o que faz com que desde o nascimento,
ou mesmo antes, um bebê não esteja preparado para entrar
no simbólico, para receber a mensagem simbólica? Questão
muito discutida atualmente, difı́cil de responder, ainda mais
quando se conhece essa dificuldade das mães de crianças autistas em falar desse perı́odo, a não ser talvez no próprio
momento em que estão mergulhadas nele, o que por si só já
mostra a importância dos atendimentos precoces perinatais.
A menina dos três nomes
Aos 22 dias de nascida, ocasião da primeira entrevista,
chamava-se Marina. Ao descobrir a gravidez, a mãe tentou
61
PREVENÇÃO
abortar tomando medicamentos abortivos. No sexto mês de
gravidez o pai viaja para uma cidade distante, prometendo
uma volta para breve que jamais aconteceu. Ao nascer, diz
a mãe, a criança não chorou, e quando chorou mais tarde
foi bem baixinho. Depois passou a chorar e gritar muito, a
ponto de ficar vermelha e roxa até tomar o choro. Às vezes
dormindo esboçava um sorriso, acordada jamais. Uma avaliação cardiológica foi solicitada, mas no dia marcado para a
consulta, o cardiologista, por algum motivo imprevisto, não
pôde comparecer ao hospital, notı́cia que fez a mãe cair num
enorme pranto. Foi esse pranto que fez com que nesse dia
ela fosse encaminhada para mim. Ela chorava propriamente pela ausência de seu companheiro, que tinha chegado na
região mas não tinha vindo visitá-la. Mas chorando ela repetia: “eu não ligo”. Convidada a voltar, só voltou 7 meses
depois, enviada por um pediatra.
Durante esse perı́odo a criança tinha mudado de nome
duas vezes. Depois de Marina, tinha sido Maria Cláudia e
atualmente se chamava Maria Carolina. Seus sintomas eram
então alarmantes: hipotônica, não sentava, não sustentava
a cabeça, mal se mexia. Parecia um pacote no colo da mãe.
Não olhava para ninguém, quase se percebia apenas o branco
do seu olho. Não respondia ao apelo de nenhum de seus três
nomes. A mãe afirmava no entanto: “passo o dia olhando
para ela e ela para mim”. O pai, sempre distante, de vez
em quando mandava notı́cias, sempre adiando a volta. Ela
continuava esperando e afirmava que com certeza ele viria
vê-las em breve.
Broadway, um herói de “Malhação” — 3 meses
Criança bipotônica do sexo masculino com a pele flácida
e enrugada como a de um velho, não respondia ao apelo de
62
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
seu nome, “não se assustava com nada”, dizia a mãe. Não
fazia quase nenhum movimento. Não quis mamar, chorava para não pegar o peito, freqüentemente vomitava o leite
que bebia, estava desnutrido. Quando alguém o pegava nos
braços, chorava como se estivesse sentindo intensas dores,
calando-se quando era deixado em qualquer lugar e ninguém
o tocava. Parecia desejar apenas que o esquecessem.
Seu pai também tinha viajado durante a gravidez da
companheira. A mãe não esquece as enormes raivas que ele
lhe fazia no inı́cio da gestação. A princı́pio ainda mandava
algum dinheiro, tendo parado completamente depois que a
criança nasceu. Atualmente ela não sabe muito bem o que
fazer da vida. Foi acolhida temporariamente por familiares
do pai da criança, não sabe se volta para o interior onde
moram seus próprios pais ou se fica na cidade morando com
uma tia. Antes da criança nascer trabalhava, mas agora,
com ele, acha que não pode mais. “Ninguém quer ficar com
ele... eu vou fazer o quê?”
Célia, o bebê insaciável, 4 meses
Seu desenvolvimento fı́sico tinha estacionado aos dois
meses. Criança sem tônus, não sustentava a cabeça, não
respondia ao apelo de seu nome, não prestava atenção à
mãe, estava atrasada em seu desenvolvimento geral. Chorava e gritava muito. Era amamentada, mas as mamadas
não eram momentos de apaziguamento da tensão. A mãe
temia sufocá-la com o seio, não parecia encontrar posição
confortável, sentava, levantava, sustentava o bico do seio
na tentativa, dizia ela, de evitar sufocá-la. A criança “tem
muita fome”, dizia a mãe, mas dava o peito “e a fome não
passava, ela ficava agoniada”. Observamos que na realidade
a posição das mamadas era tal que Célia jamais via o rosto
63
PREVENÇÃO
da mãe. Ela “dava o peito”, mas não dava o rosto nem o
olhar.
A mãe de Célia fez um bocado de coisas para ela não
nascer, até “caiu de bicicleta”. O pai tinha rejeitado a criança desde o inı́cio, se dependesse dele ela não teria nascido. Tinha aceitado uma primeira filha, atualmente com três
anos. Era um homem violento. Segundo a mãe, foi em conseqüência de suas pancadas que o segundo filho, um menino,
nasceu morto. O casal tinha se separado e no momento da
consulta Célia e sua mãe estavam morando com uma avó
“adotiva”. Na realidade era uma antiga vizinha, solteira,
que tinha se apegado à mãe de Célia quando criança e que
tinha desejado adotá-la, pois sua verdadeira mãe se preocupava muito com a filha. Criança, a mãe de Célia “vivia
como uma bola, de uma mãe para outra”, o pai tendo morrido muito cedo. Desde o inı́cio achavam que “Célia tinha
alguma coisa na cabeça dela, ou alguma coisa que estava
faltando... é desgovernada, olha por olhar...”
Carolina e sua extrema imobilidade, 13 meses
Criança com hidrocefalia, operada aos cinco meses para
colocação de uma válvula. Quando a gravidez foi descoberta
o pai queria que fosse feito o aborto. A mãe, evangélica,
recusou. A gravidez foi marcada por violências cometidas
por ele contra ela, na intenção de fazê-la abortar: puxava a
cadeira quando ela ia sentar, colocava o pé no meio quando
ela ia subir no ônibus, dava pancadas quando bebia. Em
conseqüência disso teve várias ameaças de aborto durante
toda a gestação. Além disso, no 5o mês de gestação teve
um acidente de moto, depois do qual a criança nunca mais
mexeu no ventre da mãe. Ela terminou por abandonar o
companheiro no 8o mês, voltando para a casa de seus pais.
64
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
“Todo mundo dizia que ela estava morta dentro de mim,
embora o médico dissesse que estava viva”. O pai não quis
reconhecer a filha.
Na casa de seus pais a mãe de Carolina vive muito angustiada. A famı́lia é desunida, chamam sua filha de mongol,
sente-se humilhada e desprezada por todos. Quando há problemas em casa, “me tranco com ela no quarto e peço a Deus
para me ajudar”.
Carolina realmente não se mexe. Movimentar seu corpo,
manifestar vida, corresponde a ser espancada. Sua imobilidade é impressionante. Não mexe com os braços, não pega
em nada. Ela precisa passar por morta. Apenas os olhos
se movimentam muito levemente, e seu olhar se dirige para além das pessoas. Quando alguém se aproxima, ela abre
a boca como se estivesse à espera que lhe enfiem comida.
Parece que as refeições são os únicos momentos em que se
ocupam com ela. Um corpo sem palavra a ser preenchido e
que é realmente bem preenchido: é quase obesa.
*
Na história dessas crianças, vemos no inı́cio de suas vidas gritos aos quais as mães não conseguem dar sentido,
desamparo que não conseguem amparar, seio que não traz
satisfação e que a criança recusa, mamadas que não passam
a fome, ou mesmo a devolução-regurgitação do alimento...
Em seguida, ora o silêncio, a ausência total de demanda, e
mesmo a profunda rejeição do outro, posição muito sugestiva do autismo. A satisfação só ocorre ora no sono, ora
quando esquecidos. São corpos sem demanda, sem palavra,
sem sujeito.
Mães abandonadas pelo pai da criança, seus projetos de
vida desfeitos no momento das gestações, rejeitadas também
65
PREVENÇÃO
pelas próprias famı́lias, vivendo momentos de profunda perturbação narcı́sica. Um certo sentimento de estranheza em
relação à criança é relatado por elas, mostrando que de alguma forma sabem que algo está acontecendo com o filho:
“não chorou quando nasceu, depois chorou bem baixinho, e
dias depois grita a ponto de ficar vermelha e roxa”; “tem
alguma coisa na cabeça dela, olha por olhar, é desgovernada”; “não se assusta com nada”; “gritava demais quando
nasceu”.
Do lado do pai, é a ausência real e simbólica: eles se
afastam, não reconhecem a criança, alguns são muito violentos, abandonam as companheiras. A imagem paterna
inconsistente se dissolve, a função paterna está portanto em
questão.
Uma grande violência atravessa as famı́lias, desde as tentativas de aborto aos espancamentos pelo pai. Parece que
nos próprios cuidados passa esse desejo de morte, consciente durante a gravidez, mascarados após o nascimento (teme
sufocar a filha com o seio, ninguém quer ficar com ela, todos
desprezam e humilham a filha), o que fez com que alguns
teóricos se referissem a essas mães como “mães mortı́feras”.
Aliás, por que não falar também de “pais mortı́feros”?
O sujeito pode se alienar no outro e não mais se separar...
Nilton e sua mãe vieram à consulta pela primeira vez
quando ele tinha um ano e três meses. Filho único, foi uma
criança muito desejada e muito esperada, pois a mãe demorou três anos para engravidar. Oito dias após o nascimento
começou a manifestar sinais de dificuldade respiratória, sendo então hospitalizado. Foi diagnosticada uma pneumonia,
complicação de uma má-formação congênita cardı́aca: comunicação intraventricular. Durante vários dias esteve na
66
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
U.T.I. em risco de vida. O corpo médico chegou a pensar
que ele não sobreviveria. Mas o corpo de Nilton recuperouse muito bem. Pensou-se em operá-lo nos primeiros meses
mas suas chances de sobrevivência eram mı́nimas, de forma
que decidiram aguardar até quando tivesse dois ou três anos
de idade.
Comunicaram então aos pais que a criança necessitaria
certos cuidados especiais, pois era portadora de um defeito
congênito do coração. Deveria absolutamente evitar esforços
fı́sicos, que poderiam provocar dispnéia e hipertensão pulmonar. Veremos como esse diagnóstico, o risco de vida em
permanência e as recomendações seguidas ao pé da letra pela
mãe influenciaram a evolução psı́quica de Nilton.
Cabe aqui citar a seguinte frase de Maud Mannoni:
“Acontece que a criança precocemente perturbada (às vezes
por motivos puramente orgânicos) consegue ‘formar’ uma
mãe ‘anormal’. Essa questão, até o presente, foi muito pouco
aprofundada”(Maud Mannoni, 1982). Foi o que penso que
aconteceu com a mãe de Nilton. Ela passou a ficar constantemente com Nilton nos braços. Ele mamava o tempo todo e
a alimentação permaneceu quase exclusivamente lı́quida até
cerca de dois anos. Quando tentava dar comida sólida ele
se engasgava, vomitava, “começava a ficar roxo”. Somente aos sete meses começou a afastá-lo de seu próprio corpo,
mas colocando-o numa banheira, pois assim não poderia se
mexer muito. Foi depois dessa “separação” que o desmame
se fez aparentemente sem dificuldades: “Ele foi deixando...
acho que o leite foi secando...” Nunca o colocava no chão,
pois ele poderia fazer um esforço fı́sico perigoso. Nunca se
afastava para outro cômodo, nunca deixava de observá-lo.
Também nunca permitia que chorasse por um tempo mais
prolongado, pois ele também “começava logo a ficar roxo”.
Dessa forma estava sempre à disposição da criança, fazia
67
PREVENÇÃO
tudo o que ele queria, “advinhava o que ele precisava” mal
ele manifestava alguma inquietação. Desses cuidados constantes ela não se queixava. Não podia fazer outra coisa na
vida a não ser cuidar de Nilton. Cuidava também um pouco
da casa, mas sempre olhando para ele. Nunca saı́a sem ele.
“Minha vida é isso mesmo, tenho que cuidar dele, não me
queixo...”
Logo se verificou que o desenvolvimento de Nilton não
era igual ao das outras crianças: não sentou na idade habitual, começou a dizer algumas palavras mas depois parou:
“Parece que esquece...”, diz a mãe. Seu vocabulário com a
idade de dois anos e meio resumia-se a três palavras: cocó,
vovó, tchau. Demorou muito a se sustentar em pé, e só veio
começar a andar depois dos dois anos de idade.
Com um ano e três meses uma pediatra do serviço enviou Nilton à consulta mãe-bebê. Num primeiro contato, além
do retardo psicomotor, observamos essa relação de extrema
fusão da mãe com a criança. Mas pude notar que a criança
respondia ao apelo por seu nome e estabelecia uma relação
com o outro através do olhar. Nos encontros subseqüentes,
pouco a pouco comecei a observar certos sinais bem mais inquietantes: movimentos estereotipados com as mãos e com
os dedos, bem como certos sons que eram repetidos infinitamente: ah ah ah ah ah ah ... eh eh eh eh eh... Esses gestos
e sons ele fazia quando via alguém, quando alguém brincava com ele, ou quando via um brinquedo. Quando pegava
os brinquedos jogava todos longe, quebrava, “destrói tudo”,
conta a mãe. Parece que de certa forma tinha começado
aquele jogo que fazem os bebês: jogar fora o brinquedo para
que a mãe o trouxesse de volta diante de uma grande manifestação de júbilo, variação do fort-da. Mas para Nilton não
havia jubilação e sim choro, inquietação, angústia, inten-
68
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
sificação dos movimentos estereotipados. E ele não queria
mais os brinquedos de volta. Uma espécie de fort sem da.
“Sem Dasein”? Além disso, tinha intensas manifestações
agressivas em relação à mãe: mordia-lhe o ombro até feri-la,
arrancava-lhe os cabelos aos montes. Freqüentemente seu
olhar se perdia ao longe. Sua sintomatologia sugeria fortemente a idéia de um quadro de psicose precoce.
Infelizmente, apesar de detectado relativamente cedo,
seu tratamento não pôde continuar com a regularidade necessária para o seu caso. Ele vem ao hospital mais ou menos
de quatro em quatro meses. A famı́lia mora numa cidade do
interior e não tem condições financeiras de fazer esse trajeto
com muita freqüência. A mãe cuida da criança praticamente sozinha, ele “preenche minha vida”. O pai mantém a
casa, e vive sua vida lá fora. Nilton tinha se tornado para
eles esse corpo-máquina que precisava continuar funcionando a todo custo apesar da peça principal estar defeituosa.
Recentemente foi operado, mas a cirurgia não corrigiu totalmente o defeito, ele continua a ter hipertensão pulmonar.
Assim seu corpo continua colado ao corpo da mãe, alienado
no desejo dela, não podendo surgir como sujeito desejante.
Parece que a comunicação entre eles se mantém como se ele
estivesse ainda intraventre...
A atitude da mãe seria a mesma se a criança não tivesse
esse defeito? Questão difı́cil de responder. Penso entretanto
que a atitude dos médicos, não levando em consideração
o corpo da palavra, contribuiu de alguma forma para esse
comportamento da mãe. O olhar médico, fixando-se sobre o
corpo da ciência, induziu nela a fantasia de que separar-se
dele seria matá-lo.
69
PREVENÇÃO
A subjetividade na instituição...
Vemos que nos primeiros casos, ao sentimento de estranheza da mãe, a medicina responde com a procura minuciosa
de uma causa orgânica, deixando de lado o aspecto subjetivo dos sintomas, e reforçando as manipulações puramente
corporais da criança.
No caso de Nilton, o olhar médico também dirigido para
o corpo da ciência não leva em consideração a questão do
sujeito.
Esses casos muito graves seriam tomados normalmente por doenças orgânicas irreversı́veis. Mas essa resposta
médica vai se modificando pouco a pouco, a partir do grupo de estudos com os profissionais da equipe do serviço de
puericultura. Essas mães não teriam vindo consultar se não
tivessem sido encaminhadas pela equipe do serviço de puericultura. Os médicos se dão conta, sem esquecer a especificidade de seu trabalho, que além do risco de morte do corpo
há também o risco de morte do sujeito. E que o único meio
de encontrar o limite ético entre esses dois riscos, é manter
na medicina, como sugere Lacan em seu texto Psicanálise e
Medicina, a descoberta freudiana, que nasceu na medicina
e mesmo do fracasso da medicina diante de certos sintomas, os sintomas histéricos. A psicanálise permite perceber,
através de seu instrumento fundamental que é a palavra,
que além da demanda de cura de um sintoma há uma mensagem simbólica a ser decifrada, que supõe a existência de
um desejo inconsciente e de um sujeito desse desejo.
É o que faz com que uma pediatra, por exemplo, indo além do diagnóstico puramente cientı́fico, além de uma
prescrição puramente medicamentosa, possa descobrir num
caso de eczema grave num bebê de um ano, uma atitude de
profunda rejeição da mãe, que chegava mesmo a amarrá-lo
70
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
enquanto se ocupava das tarefas domésticas. E o que fez
também que outros pediatras nos enviassem essas crianças
das quais falamos agora. Esse olhar que vai além do corpo
da ciência, por si só, pode modificar inteiramente a evolução
dos tratamentos subseqüentes.
Resta no entanto um problema a nı́vel das mães: como
criar a demanda? Entre os cinco casos citados, somente dois
continuam o tratamento. Dificuldades financeiras e sociais
são invocadas. Pertencem a um meio cultural pouco desenvolvido, e são com efeito invadidas pelo real da necessidade.
Mas me parece que, além dessas dificuldades, há uma certa
tendência a se fechar com a criança, “eu me tranco com ela
no quarto...”, a carência material fechando talvez a possibilidade de ver uma outra carência. O fato é que, num outro
caso de um bebê de 5 meses, depois de algumas sessões,
quando o bebê começou a adquirir o tônus, a sustentar a cabeça e fixar o olhar no outro, ela desapareceu, não deu mais
notı́cia. Contudo, esse e outros casos que acompanhamos
nos mostraram como é possı́vel obter modificações rapidamente se a intervenção se faz precocemente.
Bibliografia:
DEBRAY, Rosine. Bebês/Mães em revolta. Tradução de
Leda Mariza Vieira Fischer. Porto Alegre: Artes Médicas,
1988.
ELIACHE, Caroline. À corps et à cris. Paris: Éditions
Odile Jacob, 1994.
FREUD, Sigmund. Publicações pré-psicanalı́ticas e esboços
inéditos. In E.S.B. Rio de Janeiro: Imago Editora,
1987, vol. 1, 2a edição.
71
PREVENÇÃO
HAAG, Geneviève. Uma experiência de trabalho preventivo na creche. Tradução de José Roberto de Almeida
Correia. CREAI de BRETAGNE - Jornadas de abril,
Rennes, 1985.
KESTEMBERG, E. Autrement vu. Paris: PUF, 1981.
MANNONI, Maud De um impossı́vel a outro. Traduzido
por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1985.
LACAN, Jacques. Conferência en Ginebra sobre el sintoma. In Intervenciones y textos, vol. 2. Buenos Aires:
Edicciones Manantial, 1988.
LACAN, Jacques. Psicoanálisis y Medicina. In Intervenciones y textos, vol. 1. Buenos Aires: Ediciones Manancial, 1988.
LACAN, Jacques. Le Séminaire, livre XI – Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris: Éditions
du Seuil, 1973.
LAZNIK, Marie-Christine (Org.). O que a clı́nica do autismo pode ensinar aos psicanalistas. Coleção Psicanálise
da Criança. Salvador: Ágalma-Psicanálise, 1994 (1a
ed.).
LEDOUX, Michel H. Introduction à l’oeuvre de Françoise
Dolto. Paris: Éditions Rivages, 1990.
STOLERU, Serge et MORALÈS, Huet. Psychothérapies
mère-nourrisson. Colection “Le fil rouge”. Paris: PUF,
1989.
72
INTERVENÇÃO PRECOCE NO HOSPITAL
Sobre os Autores
Telma Queiróz
Psicanalista. Atua no Hospital Universitário Lauro Wanderley, na Universidade Federal da Paraı́ba.
José Roberto de A. Correia
Psiquiatra e psicanalista. Coordenador do Centro Médico Psicopedagógico Infantil - CEMPI, em Recife.
Márcio Allain
Neonatologista. Coordenador do Projeto Aconchego do
Hospital Professor Hagamenon Magalhães, em Recife.
Maria do Socorro Amorim
Psiquiatra, psicanalista. Diretora Clı́nica do Centro Médico Psicopedagógico Infantil - CEMPI, em Recife.
Icléia Diniz
Psicóloga, psicoterapeuta.
73
Pai, mãe, bebê
A INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ:
PRIMEIROS PASSOS∗
Sı́lvia Ferreira
Gostaria, inicialmente, de agradecer o convite da Dra.
Marie Christine Laznik para apresentar este trabalho para
os senhores.
Gostaria, também, de dizer de minha alegria e prazer em
estar aqui para falar-lhes sobre A Interação Mãe-bebê.
Gostaria, ainda, de desculpar-me por não dominar ainda
o idioma francês, tendo, portanto, de falar na minha lı́ngua,
o que, no entanto, não me desagrada, pois é uma oportunidade para mostrar-lhes o quão bonita ela é também.
O que eu trago para os senhores é, em função do tempo disponı́vel, uma pequena parte de minha Dissertação de
Mestrado em Lingüı́stica, apresentada na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, sob a orientação do Prof.
Luiz Antonio Marcuschi, Doutor em Filosofia da Linguagem.
A Interação Mãe-bebê: primeiros passos. Este é o tı́tulo
da Dissertação. Com a finalidade de verificar como se iniciam e se desenvolvem as primeiras relações entre parceiros tão
caracteristicamente distintos, acompanhamos durante pouco mais de um ano uma mãe primı́para e o seu bebê, de sexo
∗
Trabalho apresentado na Association Lacanienne de Paris, extraı́do
do Mestrado em Lingüı́stica apresentado na Universidade Federal de
Pernambuco, 1990.
77
PAI, MÃE, BEBÊ
masculino, que, no inı́cio da pesquisa de campo, contava
apenas um mês de vida.
Filmamos quinzenalmente situações em que o bebê era
alimentado pela mãe, situações em que a mãe dava banho
no bebê e situações em que mãe e bebê brincavam.
A observação e análise dos dados assim coletados mostraram:
a) que a mãe dirige-se à criança dialogicamente, atribuindo-lhe turnos, ou seja, um espaço temporal durante o
qual o bebê pode manifestar-se;
b) que a mãe executa um trabalho interpretativo do fluxo comportamental de ambos os participantes da dı́ade
mãe-bebê, num movimento especular, constante e repetido.
Seja, por exemplo, a seguinte seqüência interativa, observada entre a mãe e o bebê, durante uma situação de banho.
O bebê, que está com três meses e cinco dias, encontra-se
dentro da banheira, o banho já foi iniciado, e a uma certa
altura observa-se:
Sessão de observação no 028 - 28/30
Data: 20.08.88
Idade: 0; 3, 5
Tape
Counter
9:74
Turno
28
29
30
Comport.
não-verbal
Tentando mudar
a posição do bebê, retira o braço
direito que apóia
as costas dele.
Atendendo à solicitação do bebê,
deixa-o na posição anterior voltando a apoiar as
suas costas com o
braço direito.
A-1
Fala
M
N
Comport.
não-verbal
Pon:tu\
Pon:tu\
Não \
cai não
cai não
cai não
Comport.
não-verbal
A-2
Mantém-se
rijo
Consola-se
Essa sequência revela a existência de três turnos:
78
Comport.
verbal
Choraminga
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ
a) o primeiro é ocupado pela mãe, que desenvolve uma
atividade ao mesmo tempo em que produz um enunciado;
b) o segundo é “ocupado” pelo bebê que, em resposta ao
comportamento verbal e não-verbal da mãe, choraminga enquanto resiste a mudar de posição;
c) o terceiro é ocupado pela mãe que reage segundo a
interpretação que faz dos sinais do bebê: ela entende
que o bebê se sente inseguro com a retirada do braço
que o apoiava dentro da banheira; por isso, volta a segurá-lo, como antes, ao mesmo tempo em que procura
tranquilizá-lo através do enunciado “Não\ cai não cai
não cai não”.
O choramingo e a rigidez corporal do bebê, assim como
outras manifestações, como as vocalizações, o grito, o sorriso, o olhar, compreendem os sinais comunicativos que ele
expressa na relação com a mãe.
Mas esse comportamento não constitui simples ações ou
reações corporais ou orgânicas uma vez que, sendo desenvolvidas na relação interativa, são transformadas pelo sentido
que lhes é atribuı́do pela mãe, que reage em função da interpretação que ela dá às manifestações infantis.
Essas primeiras manifestações, embora anteriores à emergência da linguagem, por resultarem na adoção de determinadas providências por parte da mãe, funcionam como Atos
de Fala, embora não constituam ainda realizações lingüı́sticas.
Aliás, já dizia Freud em seu Projeto que se a via de descarga utilizada pelo bebê quando ele sente fome ou sede, o
choro, por exemplo, não elimina o acúmulo de tensão no interior do corpo do bebê, ela tem, no entanto, uma função
79
PAI, MÃE, BEBÊ
secundária muito importante: a de comunicar à mãe o seu
desconforto.
Dissemos que a mãe dirige-se ao bebê atribuindo-lhe turnos. Isto significa que a mãe eleva o bebê à categoria de
participante da troca interativa, ou de interlocutor, se considerarmos os sinais produzidos pelo bebê como Atos de Fala.
Sabemos, no entanto, que o bebê pequeno é incapaz de
ocupar o que seria o seu turno, ou seja, de assumir o papel
do outro parceiro no diálogo.
O que se observa é que a mãe assume alternadamente a
posição que cabe a ela, enquanto mãe, e a posição que cabe
ao bebê. Na medida em que assim procede, a mãe está utilizando, na estruturação do diálogo com o seu bebê, um dos
processos constitutivos do diálogo que é a reversibilidade de
papéis: ora ela faz do bebê o ouvinte, ou seja, o destinatário
de sua mensagem, ora ela faz do bebê o falante e ela se torna então a destinatária da mensagem do bebê, à qual ela
atribui um sentido.
Seja a seguinte seqüência interativa ou diálogo em que
a mãe assume alternadamente a posição da mãe e do bebê,
diálogo que ora é alimentado pelas identificações maternas,
ora pelas manifestações explı́citas do bebê.
O bebê, com três meses e quatorze dias, está no “babyrelax”, enquanto a sua mãe ultima os preparativos para a
sua refeição. A mãe aproxima-se do bebê, põe uma fralda
em volta do pescoço dele, e lhe fala em “manhẽs”:
(Turno 1) “Tumá um suquinho...” (v. p. 81)
Quando a mãe se aproxima, o bebê volta a cabeça em sua
direção, os movimentos de braços e pernas se intensificam e
ele vocaliza durante o último ato de fala da mãe. A mãe
interpreta a vocalização do bebê falando por ele:
(Turno 2) “Sim mainha...” (v. abaixo)
80
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ
Em seguida, a mãe dá a mamadeira ao bebê enquanto
lhe fala:
(Turno 3) “Pon:to goto:so...” (v. abaixo)
A mãe responde pelo bebê à pergunta que ela mesma fez:
(Turno 4) “Goto:so sim...” (v. abaixo)
A mãe continua alimentando o diálogo fazendo uma outra pergunta:
(Turno 5) “Goto:so heim” (v. abaixo)
E a mãe responde novamente pelo bebê:
(Turno 6) “Gotosinho mainha” (v. abaixo)
Turno 1 — Mãe — Tumá um suquinho\ Tumá um suquinho
mainha\ Vamu tumá um suquinho mainha\ Vamu mainha
tumá um suquinho\
Turno 2 — Bebê — Sim mainha sim\ Bora tumá o suquinho\
Turno 3 — Mãe — Pon:to goto:so mamãezinha\ goto:so
mamãe\ (ri) goto:so mamãezinha\ é mamãe /
Turno 4 — Bebê — Goto:so sim mainha sim mainha sim
mamãezinha sim
Turno 5 — Mãe — Goto:so heim/
Turno 6 — Bebê — Gotosinho\ gotosinho mainha\
A estrutura desse diálogo é semelhante ao modelo conversacional padrão de trocas. Para “conversar” com o seu
bebê a mãe ora fala ao bebê, ora fala pelo bebê, num movimento contı́nuo e repetido de identificações e interpretações.
Neste movimento especular da mãe para o bebê e do bebê
para a mãe o diálogo se constrói.
Esse diálogo continua se desenvolvendo mesmo quando é
interrompida a refeição, como mostra o quadro seguinte:
Turno 17 — Mãe — Sujou todinho \ tomou banho agora
sujou todinho \
Turno 18 — Bebê — Sujou todinho \ mamãe \
81
PAI, MÃE, BEBÊ
Turno 19 — Mãe — ((Vocalização))
Turno 20 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \
Turno 21 — Mãe — Tão lindo de mamãe \ cadê o menino
de mamãe / menininho de mamãezinha /
Turno 22 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \
Turno 23 — Mãe — Como é lindo de mamãe como é lindo
como é lindo como é lindo como é lindo
Turno 24 — Bebê — Sim mamãe \ sim mamãe \ sim mamãe \
sim mamãe \
Turno 25 — Mãe — ((Vocalização))
Turno 26 — Bebê — Sim mamãe sim \
Turno 27 — Mãe — ((Vocalização))
Turno 28 — Bebê — Sim mamãe sim \ sim mamãezinha
sim \
Turno 29 — Mãe — ((duas vocalizações))
Turno 30 — Bebê — É mamãe \ é \
Turno 31 — Mãe — Diga prá mamãe \ conte prá mamãe \
conte prá mamãezinha \ conte \
Turno 32 — Bebê — ((duas vocalizações))
Turno 33 — Mãe — Conte \ (rindo) conte \
Turno 34 — Bebê — Tá cum sono \ né mainha /
Turno 35 — Mãe — Tumá o restinho do suquinho / bora /
quer não /
Turno 36 — Bebê — Quer não /
/.../
Enquanto o diálogo se mantém, mãe e bebê estão em
contato um com o outro, isto é, em interação. Como a disposição para se comunicar é comum aos dois participantes
da dı́ade, a troca é satisfatória. E embora a mãe detenha o
poder de estruturadora do diálogo, o bebê fornece a ela ele-
82
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ
mentos retroalimentadores do processo comunicativo. Uma
vocalização, por exemplo, no contexto diálogo acima, representa para a mãe uma resposta afirmativa à questão anterior.
Duas vocalizações são interpretadas como um texto através do qual o bebê relata um acontecimento à mãe. O conjunto das manifestações do bebê (olhar e sorriso dirigidos
à mãe, vocalizações e movimentos buco-labiais), associado
às identificações maternas operam como constituintes do
diálogo, que se insere num determinado contexto. E embora a estrutura lingüı́stica desse diálogo seja uma criação
exclusiva da mãe, é a participação do bebê que faz dele uma
co-produção e um texto organizado.
Vejamos uma outra seqüência interativa, estando o bebê
com apenas um mês e doze dias. O bebê está deitado no
colo da mãe na posição “de refeição”. Ele procura alcançar
o mamilo da mãe, enquanto a perna esquerda, que está livre,
se agita.
A mãe ajusta a cabeça do bebê ao seio e acomoda o
mamilo na boca do bebê, que o agarra. A mãe interpreta o
que está ocorrendo dizendo:
“Pontu Pontu (.) Pon: tu\”
O objetivo final dessa seqüência interativa é a amamentação do bebê, que é buscada através da sucção do seio materno. Mãe e filho se integram nessa busca, cuja finalidade
é a satisfação da necessidade do bebê.
O bebê, que parece experimentar um mal-estar associado à tensão causada pela fome, inquieta-se enquanto não
consegue introduzir e manter o mamilo na boca. A mãe interpreta os sinais emitidos pelo bebê (agitação da perna e
procura do mamilo) ao ajudá-lo a acomodar-se (ajustando
a cabeça da criança e deixando o seio livre e à disposição
dele).
83
PAI, MÃE, BEBÊ
Através do seguinte enunciado “Pontu pontu (.) Pon:tu\”,
a mãe interpreta os esforços do bebê assim como os seus
próprios esforços, e, por outro lado, procura acalmar o bebê,
anunciando-lhe que, enfim, ele pode mamar. Isto é indicado
principalmente pelos traços prosódicos que marcam a última
produção. (“Pon:tu\”).
Uma outra seqüência interativa vai mostrar que a mãe
utiliza, com certa freqüência, o mesmo enunciado, na relação com o bebê, principalmente quando ele é ainda muito
pequeno. Vejamos:
O bebê está com um mês e vinte e oito dias. Ele acabou a
refeição e se encontra nos braços da mãe, na posição vertical,
voltado para o ombro esquerdo dela. Ele está sem roupa e
choraminga.
A mãe consola o bebê enquanto verifica se o banho está
pronto. Ela faz isso aproximando-se da banheira e conferindo a temperatura da água, ao mesmo tempo em que fala ao
bebê: “Nã:o mainha tá aqui: \ pon::tu \”.
O bebê parece se acalmar visto que pára de choramingar.
Constatando que o banho está pronto a mãe se volta para o
bebê e indaga: “Pontu /”.
A simplificação léxico-sintática deste enunciado sugere
que ele pode ser desdobrado em sentenças equivalentes às
seguintes, considerando-se naturalmente a situação contextual em que está envolvido: “Não chore” (“Nã:o”); “você
não está sozinho, sua mãe está aqui” (“mainha tá aqui: \”);
“você vai ficar bem” (“pon::tu \”). Por suas caracterı́sticas,
este enunciado, como a maior parte dos atos de fala produzidos pela mãe pode ser distinguido como “baby-talk” (C.
Ferguson, 1977) ou fala “manhês” (A.J. Elliot 1982): tipo de
fala geralmente utilizado pelos adultos quando em interação
com crianças pequenas.
84
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ
O “baby-talk” ou fala “manhês” se destaca por suas caracterı́sticas sintáticas (frases curtas e independentes, paradas durante o enunciado, repetição), léxicas (simplificação
morfológica, reduplicação, multifuncionalidade das palavras),
e prosódicas (tom de voz alto e bastante agudo, entoação
exagerada, velocidade de emissão mais lenta, silabação, alongamento de vogais), traços esses que, de acorda com J. Dubois (l978), contém elementos de informação afetiva. A simplificação sintática e léxica do enunciado materno parece ser
compensada pela abundância das marcas prosódicas que lhe
são imprimidas, como se reconhecendo a mãe que o seu bebê
ainda não tem a compreensão verbal de que necessitaria para entender os significados dos seus atos de fala, utiliza uma
linguagem expressiva que comporta o afeto dirigido à criança.
A palavra-frase “pon::tu\”, localizada na parte final do
enunciado em questão, também aparece na sessão de observação analisada acima, em posição idêntica, ou seja, é a
última unidade do enunciado produzido durante o 1o turno.
De acordo com a análise ali desenvolvida, a palavra-frase
“pon::tu \”, que apresenta um alongamento menor, comunica, como todo o enunciado do qual faz parte, a intenção
materna de acalmar o bebê, que, naquela situação, encontrava-se em estado de desconforto, pois estava faminto. Na
sessão em foco, a finalidade da fala da mãe também é tranqüilizar o bebê, que choraminga em seus braços. Em ambos
os casos, os traços prosódicos que marcam a verbalização
materna comunicam ao bebê o afeto que lhe é dirigido.
O comportamento verbal da mãe, pertencente à seqüência seguinte deste subtópico, contém também a unidade
“pontu”, único componente do enunciado. Todavia, se esta
unidade é morfologicamente semelhante ao componente final
do enunciado anterior (“Nã:o mainha tá aqui:\ pont::tu /”)
85
PAI, MÃE, BEBÊ
ela, além de não apresentar em sua emissão um alongamento
da primeira sı́laba, é marcada por uma entoação ascendente,
traços que a tornam distinta daquela (“pontu /”).
Ora, a situação contextual em torno da qual se verifica esta produção, mostra uma variação em relação à precedente. Antes, enquanto a mãe “verificava se o banho do
bebê estava preparado, ela respondia aos apelos do bebê
(choramingo). Na seqüência posterior, enquanto constata
que a banheira ficou pronta, percebendo que o bebê já não
choraminga lhe faz uma indagação, empregando a simplificação sintática “pontu /”, que pode ser desdobrada em sentenças como “Você está pronto para o banho?”, ou “Você
está bem?” ou ainda “Você está se sentindo melhor?”.
Inicialmente, quando as reações do bebê são predominantemente indiferenciadas, as interpretações da mãe se apoiam
sobremaneira em identificações pessoais. Neste caso, com
certa freqüência, a mãe expressa em enunciados lingüı́sticos
a interpretação desenvolvida. Exemplos:
1o ) o bebê pára e retoma a sucção do leite materno: a
mãe fala pelo bebê dizendo: “Tô cum fominha mamãezinha \”.
2o ) o bebê vocaliza: a mãe diz: “Sim mainha \ sim \”.
Quando o bebê começa a combinar sinais comunicativos
(gesto e vocalização, vocalização e sorriso, vocalização, sorriso e olhar, vocalização e entoação) ou a desenvolver ações
concretas como pegar e segurar um brinquedo, pegar o sabonete durante o banho, a interpretação materna verbalizada
é progressivamente omitida.
O comportamento do bebê é, então, seguı́do, de imediato, da resposta materna. Exemplo:
Durante o banho, o bebê inclina-se para a frente, estendendo a mão direita, segura o sabonete — ação do bebê.
86
INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ
A mãe apresenta uma resposta verbal, falando por ela
mesma: “Não senhor \ WILSON NETO \”.
Reação do bebê — o bebê mantêm a mão sobre o sabonete voltando o rosto para a mãe e contemplando-a.
Reação motriz materna — A mãe tira a mão do bebê do
sabonete.
Nessa seqüência, verificada quando o bebê tinha a idade
de nove meses e três dias, o bebê não é levado à categoria de
interlocutor através da atividade interpretativa verbalizada
da mãe, como nas passagens anteriores. Aqui, o bebê desempenha ele próprio o papel de interlocutor ativo através das
suas ações e reações. O comportamento de um interactante distingue-se claramente do comportamento do outro. Os
parceiros da dı́ade têm suas posições marcadas pelo turno
que cada um ocupa. Mãe e bebê já não formam a unidade
anterior.
Mas é já aos seis meses, quando o bebê começa a se organizar em relação ao tempo e ao espaço, que os interactantes
começam a se opor, ocupando cada um a posição que lhe é
própria, conforme demonstra a seguinte seqüência:
A-1 — A mãe reapresenta a mamadeira ao bebê.
A-2 — /... / O bebê levanta a mão esquerda para afastar
a mamadeira
A-1 — A mãe recolhe a mamadeira /... /
Nesta etapa, o valor expressivo do comportamento do
bebê o torna comparável a um enunciado. O gesto de levantar a mão para afastar a mamadeira, associado à rotação da
cabeça no sentido contrário, tem o mesmo valor semântico
de uma sentença como “Não, eu não quero”. A ação do bebê
mostra como unidades comunicativas antes produzidas isoladas e indiferenciadamente vão, num determinado contexto,
combinar-se em estruturas mais complexas semelhantes às
estruturas gramaticais das sentenças.
Quando o comportamento do bebê adquire um valor ex87
PAI, MÃE, BEBÊ
pressivo comparável ao de um enunciado, a relação interativa
passa a ter a seguinte organização:
Turno 1 — A-1 — ação materna
Turno 2 — A-2 — reação do bebê
Turno 3 — A-1 — reação materna
Turno 4 — A-2 — reação do bebê
Para a montagem dessa estrutura são determinados os
limites dos turnos e a sua localização, o que implica na determinação dos lugares dos parceiros da dı́ade: já não mais a
unidade mãe-bebê, mas um par diferenciado em mãe e bebê.
Índice dos signos convencionais e abreviaturas
/
entonação ascendente
\
entonação descendente
:
alongamento da vogal
::
alogamento mais acentuado da vogal
(.)
pausa inferior a 0,5 segundo
pausa superior a 0,5 segundo
(..)
()
descrição de ato de fala
/.../
parte de ato de fala não transcrito
NETO palavras ou sı́labas pronunciadas enfaticamente
sı́labas sublinhadas indicando o reforço do acento
Vamu
M
“manhês” (lı́ngua caracterı́stica das mães dirigindo-se aos
seus filhos pequenos)
N
lı́ngua “normal” (modalidade da lı́ngua empregada pelos
adultos entre si)
Sobre a Autora
Psicanalista. Fez seu mestrado em Lingüı́stica acerca da
interação mãe-bebê.
88
A CLÍNICA DO HOLDING
Florence Benavides e Claude Boukobza
“Podemos ajudar a melhorar as mães que têm nelas a capacidade
de dar cuidados suficientemente bons (good enough care) ; Basta se
ocupar delas de uma maneira que reconheça a natureza essencial de
sua função. Para as mães que não têm isto nelas não é instruindoas que as tornaremos aptas a fazê-lo”.
D.W. Winnicott1
Claude Boukobza – Antes de entrar na discussão de alguns casos, eu gostaria de evocar aqui as reflexões teóricas
que presidiram a criação da unidade de acolhimento mãescrianças.
Partimos em primeiro lugar das análises de Winnicott sobre a relação pais-criança2 . Winnicott se fundamenta sobre
uma nota de Freud em “Formulações sobre os dois princı́pios
do funcionamento mental”3 .
“[...] A utilização de uma ficção deste gênero [uma organização que é inteiramente submetida ao princı́pio do prazer
e que negligencia a realidade do mundo exterior] se justifica quando se considera que o bebê — desde que se inclua
o cuidado que recebe da mãe — quase realiza um sistema
psı́quico deste tipo”4 .
É esta estrutura bebê-cuidados maternos que interessa a
Winnicott. Segundo ele, nesta fase em que o bebê depende
dos cuidados da mãe, há um tipo de complementaridade
entre mãe e bebê: e o Eu da mãe supre o da criança, ainda
frágil ou inexistente.
89
PAI, MÃE, BEBÊ
Winnicott designa pelo termo de holding o conjunto de
cuidados dados pela mãe à criança para responder suas necessidades fisiológicas, especificadas segundo sua própria sensibilidade tátil, auditiva, visual, sua sensibilidade à queda,
e que se adaptam às mudanças fı́sicas e psicológicas da criança. O aspecto essencial do holding, sublinha ele, é o fato
de segurar fisicamente a criança. O centro de gravidade do
bebê não se situa no seu próprio corpo mas entre o dele e o
da sua mãe.
Os cuidados maternos são a continuação da contribuição
fisiológica da gestação e quase não se percebem, se tudo vai
bem. A criança retira daı́ um sentimento de continuidade
de existir. É sobre esta base de continuidade de ser que o
potencial inato se desenvolve segundo sua própria linha.
Quando as coisas não vão bem, a saber, quando a mãe
falha, a criança se dá conta não da carência mas das conseqüências desta carência, quer dizer, ela reage a uma usurpação do seu próprio desenvolvimento. O holding tem então
como função essencial evitar para a criança a necessidade de
reagir e de interromper por isto a continuidade de existir.
Face a rupturas muito intensas, o risco para a criança é
a angústia de aniquilação.
“Eis, diz Winnicott, como podemos descrever o que ela
vive [então]:
Partir-se em pedaços
tombar numa queda sem fim
morrer, morrer, morrer
perder toda a esperança de ver
o contato se restabelecer”5∗
∗
“s’en aller en morceaux
faire une chute sans fin
mourir, mourir, mourir
perdre tout espoir de voir
le contact se rétablir” no original (N. da T.).
90
A CLÍNICA DO HOLDING
Winnicott observa que podemos ajudar as mães que possuem a capacidade de dar cuidados suficientemente bons a
fazer melhor: “Basta se ocupar delas de uma forma que reconheça a natureza essencial da sua função”6
Através do nosso trabalho de consulta em psiquiatria infantil, nos pareceu de fato que um certo número de mulheres
não conseguia assegurar para suas crianças pequenas este
holding, e que era preciso tratar esta incapacidade materna
delas próprias ajudarem as suas crianças.
Mas como fazê-lo? Percebemos que “falar” não era suficiente, que essas mulheres esperavam outra coisa além das
consultas psicoterapêuticas que nós lhes propomos. Tı́nhamos o sentimento de que era preciso assistir, no real da sua
vivência cotidiana, o casal mãe-bebê, dar um continente para que a palavra pudesse ter seu efeito. Esta hipótese de
inı́cio se mostrou, como veremos, largamente confirmada pela experiência. Hoje, para mim ela encontra eco em certas
reflexões de Françoise Dolto:∗
“A mãe é o que ela é. Sem procurar logo aperfeiçoá-la,
nem tampouco retirar seu filho, podemos assistı́-la [...] mas
não basta de jeito nenhum para uma mãe que acaba de parir,
escutá-la; dizê-lo não tem tanta relação com a vivência, a
motricidade, o funcional em jogo[...], trata-se de um ‘viver
com’ e sobretudo de um ‘fazer com’ para a pessoa que se
ocupa desta mãe e deste bebê”7
Falando de uma plantonista de maternidade que tinha
∗
Françoise Dolto criou em Paris um tipo de acolhimento mães crianças
— a Maison Verte — com o intuito de receber mulheres do bairro para
desfrutarem de um perı́odo do dia da companhia de outras mulheres e
crianças, um espaço de jogo para estas e de acolhimento para aquelas.Os
profissionais envolvidos (psicólogos, psicanalistas, educadores e outros)
não faziam nenhuma intervenção mais direta como psicoterapia mas
funcionavam como elementos terceiros nesta relação (N. da T.).
91
PAI, MÃE, BEBÊ
sabido maternar — chegando ao ponto de dar-lhe a mamadeira destinada ao seu bebê — uma jovem parturiente que
tinha sido ela mesma abandonada por sua mãe no nascimento e cujo leite tinha sido bloqueado após a primeira descida,
Dolto acrescenta:
“[...] eu devo dizer que pessoalmente eu não teria jamais
ousado fazer o que fez esta plantonista... Nós os psicanalistas, escutamos, nós escutamos; pensarı́amos que se ela tivesse chorado bastante sua mãe, teria bastado. Pois bem, tiro
meu chapéu para esta plantonista que soube ‘fazer’ o que
era preciso, humanamente, tendo compreendido bem mais
além e mais profundamente que nós”8 .
É então sobre as bases destas referências teóricas que
nós propomos o seguinte dispositivo institucional: as mães
são acolhidas durante o dia com seu (ou seus) filho(s). Os
cuidados à criança são dados, na medida do possı́vel, pelas
próprias mães, sempre acompanhadas, assistidas por uma
das pessoas da equipe que mediatiza pela palavra um corpo
a corpo geralmente provocador de angústia. Se isso é impossı́vel , a mãe é substituı́da por outra pessoa da equipe de
modo a assegurar à criança uma continuidade dos cuidados.
Poderı́amos chamar este trabalho de “Holding do holding”
ou mais elegantemente de clı́nica do holding.
Paralelamente ao trabalho de acolhimento, entrevistas
com um psicanalista são propostas aos pacientes, cujo objetivo é de permitir-lhes elaborar o que se passa com a criança,
o companheiro, assim como sua própria história. Essas entrevistas podem se passar com ou sem a criança. Elas podem
ser freqüentes no inı́cio (duas ou três vezes por semana) para
se espaçar em seguida. Não se trata geralmente de psicoterapia de longa duração, mas de um trabalho de elaboração de
uma crise. De fato, um enquadre analı́tico lhes é proposto,
do qual elas se servem segundo suas modalidades próprias,
92
A CLÍNICA DO HOLDING
em função do que elas esperam da unidade e do ponto até
onde elas estão dispostas a recolocar em questão suas problemáticas pessoais.
Os pais são recebidos, seja pontualmente, seja mais regularmente, segundo o que nos parece mais apropriado e o
que eles mesmos aceitam ou demandam.
É este aspecto do nosso trabalho, a função do holding,
que nós desejamos inicialmente interrogar, estando bem claro que não é a única dimensão. É por razões de dissertação
que nós a isolamos de um outro componente também importante, que nós chamamos de função terceiro ou função
separadora, da qual trataremos num segundo tempo.
A função do holding tem um papel determinante no acompanhamento de todas as nossas pacientes. É um pouco a tela
de fundo sobre a qual se bordam as diferentes variações. Poderı́amos, para ilustrar, falar de qualquer uma das famı́lias
que acompanhamos. Decidimos confrontar dois casos: um
onde a função de apoio aparece claramente e nos parece ter
tido toda sua eficácia; outro, que será abordado por Florence Benavides, representativo de um trabalho muito mais
problemático, que nós fazemos com as mães psicóticas.
O acompanhamento da sra. D. começou de uma forma
um pouco particular: foi Béatrice Bernard, enfermeira da
equipe, que a percebeu atravessando a sala de espera do
CMP (Centro Médico Psicológico), contı́guo à unidade. Ela
estava lá, entre outras mães, em lágrimas: ela esperava seu
filho Kamel, de dois anos e dez meses de idade, que estava
em psicoterapia com uma das terapeutas do Centro. Tinha
deixado seu bebê de onze meses no seu carrinho no hall de
entrada, o mais longe possı́vel dela, mas mesmo assim ao
alcance do seu olhar. Béatrice lhe propôs então vir tomar
um café na unidade e se reconfortar um pouco ali, ao abrigo
do olhar de todos, o que a sra. D. aceitou de bom grado.
93
PAI, MÃE, BEBÊ
Diante de um café que ela pede — como a maioria das
mães que nós recebemos — “bem quente, com muito leite e
muito açúcar”, a sra. D., 24 anos, se apresenta como uma
mulher deprimida, cansada, transtornada e exausta pelos
seus três filhos: Myriam, cinco anos, Kamel e Mehdi. Seu
marido, à frente de uma pequena empresa, é muito tomado
por seu trabalho e ela se sente muito só. Nós lhe explicamos
o nosso trabalho e lhe propomos retornar, se isto parecer-lhe
de alguma ajuda.
A sra. D. se agarra a esta oportunidade como alguém
que se afoga se apóia numa bóia. Ela chega na unidade esgotada como alguém no final de uma maratona, e parece
deixar seus filhos lá como se, em nossa presença, ela se desvencilhasse de toda a responsabilidade em relação a eles e
ao mesmo tempo das preocupações da semana. Myriam se
mostra como uma menina triste, preocupada, pedindo, sem
obtê-la, a atenção de sua mãe, extravasando, em detrimento
desta, manifestações de afeto em direção ao primeiro adulto
que a acolhe. Ficamos sabendo que ela faz bronquites asmatiformes repetidas, que é freqüentemente hospitalizada e
vive praticamente sob tratamento médico permanente. Kamel é um menino oposicionista e inibido, que parou de falar
mas que a psicoterapia, em vias de término, ajudou muito.
Mehdi não parece (ainda?) ter maiores problemas, se bem
que sua mãe mostre um grande desinteresse por ele e o deixe
de lado manifestamente.
Eu proponho à sra. D. recebê-la regularmente em entrevistas individuais, o que ela aceita de bom grado. Durante a
primeira entrevista, Myriam aparece na sala e se deita sobre
o divã que está ali. Quando eu digo-lhe que nós sabemos
que a situação é difı́cil para ela e que nós temos a intenção
de nos ocupar da sua mãe, que não está bem, ela se levanta,
me beija e vai brincar alegremente na sala ao lado.
94
A CLÍNICA DO HOLDING
Desde então, o trabalho de acolhimento e o que eu penso poder chamar de psicoterapia vão se desenvolver paralelamente, sem que realmente um interfira no outro. No
enquadre do acolhimento, a sra. D. regride, se libera das
crianças, manifesta cada vez mais sua necessidade de nursing e de reconforto para si mesma. Assim ela nos leva —
uma vez que chega de improviso, tremendo, dolente, no fim
das forças — a agasalhá-la, para aquecê-la, nos lençóis dos
berços dos bebês! Numa segunda-feira, ela nos conta que
tinha feito, em sua casa, na presença do marido, uma tentativa de suicı́dio e que havia sido hospitalizada. Após este
alerta, pedimos que ela fosse assistida em casa por uma auxiliar familiar e a colaboração com a sra. Vendeange vai se
mostrar extremamente preciosa.
Nas entrevistas, ela fala de si, da sua própria história:
ela sempre fora objeto de brigas violentas entre sua mãe e
avó paterna, na casa de quem seus pais viviam e que, diz ela:
“não queria que sua mãe tomasse conta dela”. Diz não ter
sido espancada, mas ter assistido constantemente a brigas
violentas entre os adultos: pai contra mãe, mãe contra avó,
pai e avó juntos contra a mãe. “Eu, eu era uma bola entre
eles”, diz ela. Quando seus pais se divorciaram, ela escolheu
viver com esta avó, que considerava como verdadeira mãe.
Quando a avó morreu, ela tinha quinze anos, recusou-se a
ir morar com seu pai e foi colocada em abrigos dos quais
só tem lembranças de violência, de briga entre as meninas
e de onde ela fazia tentativas repetidas de fuga. Desde os
18 anos fugiu para Paris, onde encontrou seu futuro marido, um maghrebino seis anos mais velho que ela, “seguro de
si e responsável”, diz ela, que permitiu-lhe escapar de um
destino deplorável. Uma vez que este homem teve de partir
temporariamente para seu paı́s de origem, para regularizar
seus papéis, enquanto ela estava grávida do seu primeiro
95
PAI, MÃE, BEBÊ
filho, ela viveu sua gravidez e o nascimento de sua filha sozinha, num hotel mobiliado. Ela ainda vê a cena de ter dado
uma palmada na filha pequenininha porque ela chorava e
não conseguia acalmá-la.
Fala da sua relação atualmente difı́cil com Myriam, geralmente doente e que ela tem que forçar a comer e a tomar
os remédios desde que é pequenininha. Bate nela bastante,
se sentindo muito culpada e se dá conta que ela está numa
impossibilidade de responder às suas demandas que, em conseqüência, se tornam mais e mais insistentes e provocantes.
Tem impressão de que a relação com ela se degradou depois
do nascimento dos dois meninos, sobre os quais se polarizam
os interesses dos pais. Em casa há muitas cenas violentas
entre ela e seu marido, a quem ela é entretanto muito apegada; confessa também bater muito nas crianças desde que
eles têm 2-3 anos, idade que ela tinha quando começaram
a brigar na sua frente, acrescenta. É então que evoca com
muita precisão e emoção as cenas de briga entre seu pai e
sua mãe, entre sua mãe e sua avó.
Um dia a sra. D. chama a unidade de repente: está
em plena cena violenta com Myriam, nem uma nem outra
conseguem se acalmar e ela tem a impressão que, enfurecida,
poderia matá-la. É proposto então que ela deixe as crianças
com a auxiliar da famı́lia, presente neste dia na casa, e venha
à unidade. Nestes casos é sempre à equipe de acolhimento
que ela se dirige, é dela que espera um apoio e uma ajuda
imediata, retomando no só-depois estes eventos comigo. É o
fato de Myriam ter se precipitado, na saı́da da escola, sobre
um bombom que uma outra mãe oferecia ao seu próprio
filho, que tinha sido o evento desencadeador da cena.
Está consciente do caráter provocador da sua filha em
relação a ela e sofre com isto, mas não sabe como ajudá-la
e fica com raiva dela. Aceita com alı́vio a sugestão que lhe
96
A CLÍNICA DO HOLDING
é feita de colocar Myriam em psicoterapia, por sua própria
conta. A partir desta espécie de apogeu de dificuldades, a
relação entre mãe e filha vai, claro, com algumas vicissitudes,
melhorando.
Na sua terapia, a sra. D. continua seguindo o fio de sua
própria história. Sua mãe é atualmente casada, tem três outras crianças e liga para ela freqüentemente para contar-lhe
detalhadamente as suas dificuldades com seu marido atual
ou seus amantes. Ela se dá conta que é depois destes telefonemas que ela briga com seu marido, e que estas irrupções
da sua mãe perturbam profundamente sua vida familiar e
sua relação conjugal. Pouco a pouco conseguirá não mais
falar disso com seu marido e manter sua mãe à distância.
Falando das confidências de sua mãe, lhe ocorre uma
primeira lembrança traumática: uma agressão sexual que
ela viveu em torno dos 14 anos, quando foi visitar sua mãe.
Esta disse-lhe: “Você não passa de uma puta, você bem
mereceu”, enquanto que seu pai a apoiou e tentou ajudála a superar esta prova. Toda sua vida de adolescente foi
profundamente perturbada, até encontrar seu marido.
Algum tempo depois, dois meses após a morte de um
tio paterno, ela evoca com muita reticência ter sido vı́tima,
criança, de manipulações da parte deste último. “Jamais
poderei falar disto a meu marido”. De fato ela acabou confidenciando a ele, que escuta com muita ternura e disponibilidade. Este momento constituirá uma reviravolta na relação
deles.
Tudo parece ir bem agora. A famı́lia consegue até a
habitação que sonhavam. Entrevemos o fim do acompanhamento, pelo menos do acolhimento, ainda mais que a equipe
tem a impressão que ela se instala na unidade de um modo
confortável demais. A mim ela diz: “Só aqui eu sou feliz”.
É quando o sr. D. se encarrega de uma segunda empresa,
97
PAI, MÃE, BEBÊ
o que o mantém fora de casa praticamente dia e noite. É
ele que pede a sua mulher para apoiá-lo. É demais para a
sra. D., que se encontra só com seus três filhos neste novo
apartamento, no meio das caixas, enquanto que a auxiliar
só pode consagrar-lhe um meio turno por semana. A vizinhança parece-lhe hostil, persecutória. Ela cruza de novo
os braços, cai seriamente doente, se encontra na impossibilidade de tratar-se por não ter com quem deixar as crianças.
Ela então nos pede socorro novamente. Nós só podemos escutar as suas queixas e acompanhá-la neste perı́odo difı́cil,
exigindo simplesmente dela que cuide minimamente da sua
saúde.
Ao final de alguns meses o sr. D. se dá conta de que
a carga de trabalho que ele tinha se imposto não era sustentável e que a segunda empresa, longe de ser rentável,
só trazia-lhe preocupações. Ele se desfaz dela, o que alivia
enormemente sua esposa. O sr. D. constrói então um outro projeto de trabalho que integra sua mulher e ao qual
ela sente poder se inserir. A unidade da famı́lia se refaz em
torno deste projeto, quando a sra. D. se percebe grávida.
Não era, por sinal, a primeira vez que ela nos partilhava
este tipo de receio acariciando, como uma menininha que
vai fazer uma besteira, a idéia de uma nova gravidez. Mas
desta vez não tratava-se de um alarme falso. “Eu sempre
pensei em ter quatro crianças, diz ela, mas não é realmente
o momento. Eu gostaria tanto de estar grávida, mas eu sei
que não suportarei outra criança. Meu marido me diz: ‘você
não dá conta de três, quatro então...’ ” Ela hesita, pesa os
prós e os contras, tem uma longa conversa com o marido,
que a convence de que todos os projetos comuns seriam contrariados e até impossibilitados pela chegada de uma outra
criança, sobretudo fazendo-a sentir que ele queria tê-la para
ele, sem as crianças. Com este argumento ela resolve fazer
98
A CLÍNICA DO HOLDING
um aborto, que enfrenta muito apoiada e encorajada pelo
marido. Quando ela volta para casa, Myriam faz a comida e
arruma a casa para ajudá-la, Kamel faz palhaçada para alegrá-la: “Ele é capaz de fazer você rir mesmo se você acaba
de perder alguém”, me diz ela.
Era necessário a renúncia desta nova gravidez, senão desta nova criança, para que ela aceitasse seu próprio destino, diferente do da sua mãe e do que fora traçado pela sua
infância? “O problema de minha mãe, eu deixei para trás”,
me diz ela antes de sair de férias nesse paı́s onde espera construir seu futuro. “Meu destino é o sol, eu nunca gostei da
chuva”, diz ela ainda, que vem de uma região particularmente enfadonha. Com Myriam a relação mudou muito. “Ela
não é mais uma menininha, e eu evoluı́. Mesmo quando ela
faz bobagens, eu não posso mais bater nela. Nossa casa é
um verdadeiro escritório de assistente social. Todo mundo
vem procurar ajuda”.
No caso da sra. D. a unidade funcionou bem como continente, onde ela podia vir depositar o fardo que constituiam
para ela seus filhos e ocupar ela mesma um lugar de criança
em sofrimento. Para assegurar à criança o holding de que
fala Winnicott, é necessário que a mãe possa consagrar uma
parte de suas forças, de sua energia, a alimentar e conter o
desenvolvimento da criança. Se ela não consegue, a demanda da criança parece-lhe persecutória. “Elas sugam”, dizia
— como muitas mães — a sra. D. que tinha a impressão
de estar literalmente esvaziada pelas suas crianças, ela que
sentia uma tal plenitude quando as tinha na barriga. O fato de ter se sentido primeiro aliviada, depois sustentada e
reconfortada pela equipe, um pouco como a criança que ela
não acabou de ser, permitiu-lhe “refazer suas forças”, e, sem
muito risco narcı́sico para si mesma, dedicar-se aos seus filhos. É em relação a Mehdi, o bebê, que o processo foi mais
99
PAI, MÃE, BEBÊ
operante. Apoiando-se sobre o olhar que a equipe e as outras mães dirigiam ao seu filho, ela pôde, até rapidamente,
se interessar por ele, olhar para ele, cuidar, valorizá-lo até
investı́-lo como his magesty the baby, e ser, em troca, valorizada como uma mãe completa. Não é a primeira vez que,
numa fratria, é geralmente sobre o caçula que o benefı́cio da
vinda à unidade se faz sentir mais. Quando tentamos falar
dele, percebemos que não há nada a dizer, quer dizer, que
tudo vai bem.
Quanto ao trabalho que ela fez na elaboração de sua
própria história, foi-lhe essencialmente permitido se descolar
da imagem de sua mãe e deixar seu marido ocupar ao lado
dela um lugar que ele estava de resto pronto a ocupar.
*
Florence Benavides — Eu vou falar-lhes mais precisamente do trabalho que se faz no acolhimento.∗
∗
A Unidade de Acolhimento Mãe-Criança funciona no modelo de
hospital-dia, recebe mães com seus filhos (quantos ela leve, de 0 a 6
anos). Está situada no prédio de um centro de saúde, ao lado de um
serviço de atendimento psicológico para crianças e de um serviço de
psiquiatria de adultos. A equipe se reveza em turnos de modo que todos os dias há uma psicanalista e algumas educadoras que acolhem as
mães no sentido seja de escutá-las, seja de mediatizar a relação delas
com seus filhos em particular e com as outras mulheres e crianças em
geral. Todas as mulheres são recebidas com ou sem o pai da criança em
consultas com o psicanalista e em alguns casos uma psicoterapia paiscriança é iniciada. A unidade recebe mulheres com problemas de ordem
psiquiátrica (psicose, depressão ou distúrbios borderline) ou mulheres
isoladas e em dificuldades com seus filhos, dificuldades estas geralmente detectadas pela creche ou pediatra que os encaminha. A proposta
é que estas mães possam sair da relação dual conflitante encontrando um outro olhar e que por alguns momentos possam estar ali como
mulheres também que podem conversar sobre sua sexualidade, casamento, maternidade, trabalho e também seus sofrimentos e angústias.
A freqüência é determinada inicialmente e é variável segundo cada caso. Desta forma as mulheres sempre podem encontrar aquelas mesmas
pessoas que as “contêm” na sua função materna (N. da T.).
100
A CLÍNICA DO HOLDING
A Unidade Mãe-Crianças de Saint-Denis tem por objetivo propor um enquadre continente e protetor, moderar a
angústia materna e permitir à mãe e à criança cujos primeiros encontros são perturbados, encontrar a boa distância,
uma distância que lhes assegure que elas possam continuar
a se desenvolver juntas e individualmente.
O papel das “acolhedoras” é particularmente sutil, pois
trata-se de encontrar a justa medida do acompanhamento
e da mediação na relação conflitante e ambivalente entre a
mãe e sua criança.
O “acompanhamento” é o termo que nos parece melhor
definir a relação de “estar com”, assemelhando-se a um holding: olhar o bebê com sua mãe, colocar palavras sobre o
que ele expressa através de suas atitudes, permitir à mãe
expressar suas vivências, estar lá enquanto “ terceiro testemunha”.
Sempre se dando conta do que se passa no atual, no hic
et nunc, em referência ao “bebê de carne”, a acolhedora está
à escuta do bebê em sofrimento na mãe.
Neste lugar semelhante a um receptáculo materno, as
mães rapidamente deixam “cair a máscara” e se autorizam
a regredir. Nosso trabalho também será o de conter, num
primeiro tempo, esta regressão na qual as mães se posicionam rapidamente como rivais das suas crianças; e, num
segundo tempo, o mais delicado, conduzı́-las a uma posição
de adulto, de pais, tendo, como corolário, uma certa aptidão
à frustração.
Estas “mães em busca delas mesmas”, nós as olhamos,
nós as acolhemos, elas e as crianças maltratadas em cada
uma delas. Pensamos que elas poderão então se diferenciar
progressivamente da criança real, pensar a separação e colocar palavras acerca dos seus afetos, suas representações, em
lugar de atuá-las: do ato à cena e ao sentido.
101
PAI, MÃE, BEBÊ
É talvez neste movimento entre a função continente e
aquela do terceiro que nós poderemos contribuir para a criação de um novo espaço de encontro entre a mãe e sua criança.
Eu escolhi falar de um acompanhamento de uma mãe
psicótica e seu filho, através de alguns “momentos” que ilustram este tipo de intervenção que nós podemos ter neste tipo
de acolhimento. Acolhimento que levanta sempre inúmeras
questões, mas onde a função continente do lugar é tomada
em destaque quanto à “desintoxicação” das projeções maternas.
Neste caso, a demanda vem da psiquiatria de adultos. A
sra. V. é hospitalizada após uma crise de agitação aguda em
via pública e por problemas de ordem psicótica. Ela é mãe
de um garotinho, Jérôme, de nove meses, de quem cuidou
até o momento. O pai de Jérôme é presente no dia-a-dia,
mesmo dizendo muito claramente que não quer viver sua
vida com a sra. V.
Os primeiros contatos acontecem quando a sra. V. ainda
está hospitalizada. Ela vem nos visitar inicialmente com
seu filho. Seu rosto é imóvel, mas com a chegada de outras
crianças e outras mães ela se põe a sorrir e pergunta às mães
sobre as idades das crianças, seus nomes...
Na saı́da do hospital, a sra. V. deve seguir um tratamento quı́mico pesado, que tem como efeito colateral uma
lentificação de sua atividade fı́sica e psı́quica.
Quando retorna à unidade de acolhimento, Jérôme vem
com ela. É um belo bebê, muito vigoroso. A sra. V. deixou
sua identidade de “doente psiquiátrica” para reencontrar a
de uma mãe e uma mulher. Maquiada, penteada, vestindo
roupas coloridas, um sorriso nos lábios, ela parece feliz de
estar ali com seu filho. Este último se lança na descoberta
dos brinquedos...
102
A CLÍNICA DO HOLDING
De inı́cio sua mãe nos fala de sua inquietude quanto às
diarréias que Jérôme sofre há alguns dias. “Será devido ao
leite?” Um pouco mais tarde ela evoca a separação do seu
filho no momento da hospitalização como um momento doloroso e observa que “se Jérôme tem diarréias é porque talvez
faltou-lhe carinho durante o tempo em que estivemos separados”, mostrando assim sua preocupação e sua capacidade de
“escutar” o que se expressa através de um disfuncionamento
somático.
Para o almoço, a sra. V. trouxe um potinho de legumes, que ela esquenta; coloca a criança no seu colo e tenta
dar-lhe a comida. Mas Jérôme recusa-se a abrir a boca,
tranca os dentes, se empina, grita e se debate! Sua mãe, imperturbável, continua tentando, custe o que custar, fazê-lo
engolir, aproveitando cada grito para enfiar-lhe uma nova colherada na boca. Esta cena de alimentação forçada torna-se
insuportável para ela, para ele... e para nós. Propomos-lhe
parar e respeitar a recusa do seu filho, principalmente porque muito freqüentemente as crianças vomitam se forçamos
muito. Mas a sra. V. não escuta e continua, cada vez mais
irritada. Alguns instantes mais tarde, Jérôme vomita tudo
o que sua mãe conseguiu fazê-lo ingerir, fazendo-a fracassar!
Nomeamos a dificuldade que representa este momento
da refeição para ambos e desdramatizamos a situação. A
Sra.V. relaxa e Jérôme, consolado, adormece nos braços da
mãe.
De fato, esta “seqüência” conflitual onde mãe e criança
se defrontam se repetirá a cada refeição. E sempre nos espantaremos com o que expressa então a sra. V.: tal como
uma autômata, mantendo-se de maneira muito rı́gida, sem
uma palavra e com um rosto fechado e endurecido de onde
emana uma violência potencial, ela só se dirige a este bu103
PAI, MÃE, BEBÊ
raco, à boca que é preciso preencher. Ela não vê a pessoa,
somente este vazio a obturar...
Quando alimenta seu filho, ela o aprisiona literalmente
nos seus braços, de tal sorte que ele não possa tocar a comida. Jérôme se defende cuspindo a comida, desencadeando
a cólera de sua mãe. Às vezes ela lhe propõe uma colherada queimando, sem parecer se dar conta da temperatura, e
sem a nossa intervenção, podemos pensar que ela poderia
continuar, insensı́vel.
Este tempo de alimentação nos deixou freqüentemente embaraçados: que fazer? Não intervir era impossı́vel:
Jérôme manifestava sofrimento demais. Substituir a mãe
tampouco, pois este tempo era um dos poucos em que ela
cuidava do seu filho. A única atitude que pudemos ter foi
a de “eu auxiliar”: colocar em palavras este momento tão
conflitante, seja explicando as necessidades de uma criança
desta idade, seja desdramatizando a cena, às vezes de um
modo humorı́stico ou lúdico.
Para a sra. V. a unidade de acolhimento representou
um espaço continente, assegurador, como um envoltório de
maternagem, protegendo-a de um exterior vivenciado como
persecutório e agressivo. A função continente da equipe permitiu que algo da realidade da criança, na sua alteridade,
pudesse ser ouvido e percebido por sua mãe, através das
nossas intervenções cotidianas.
Face a toda situação nova, como andar sobre a grama
ou ir brincar na piscininha, Jérôme manifesta apreensão e
se retém. Trata-se então de imaginar que transição propor.
Pode ser um cobertor sobre a grama, sobre o qual Jérôme
poderá avançar para se juntar a nós até andar progressivamente na grama. Pode ser também deixá-lo de fralda para
entrar na piscina, em resposta à recusa de sua mãe de despı́104
A CLÍNICA DO HOLDING
lo para entrar na água, fazendo assim a hipótese de que seria
a visão de um corpo nu, sexuado, o que a deixava tão incomodada... Com outra mãe que não queria literalmente
carregar sua criança, nossa intervenção foi a de propor-lhe
instalar almofadas sob seu braço, estando presentes a fim de
que ela mesma pudesse se sentir apoiada enquanto dava a
mamadeira ao seu filho...
Nesse tipo de acompanhamento muito intenso, a dificuldade reside na continuidade do nosso investimento. Com
efeito, quando uma mãe chega, nós a amparamos particularmente, nós a mimamos com a preocupação de restaurar sua
função materna. Mas passado o tempo nosso investimento
se desloca da mãe para a criança, que utiliza o acolhimento para fazer aquisições e se desenvolver, enquanto que nos
sentimos freqüentemente desencorajadas face à atitude de
certas mães que regridem e se mantêm numa posição de dependência em relação a nós.
São estas as nossas questões de hoje: como acompanhar
estas mães, através de suas histórias singulares, a fim de que
sejamos um ponto de apoio e não um ponto de ancoramento?
Notas:
1. WINNICOTT, D. W. La théorie de la relation parentnourrisson. 1960. In De la Pédiatrie à la Psychanalyse. Paris: Payot, 1969, p. 358-371, Col. Bibliothèque
de psychanalyse, 1984, p. 135-143.
2. Ibid
3. FREUD, S. Formulations sur les deux principes du
cours des évenements psichiques. In Résultats, idées,
problèmes, I. Paris: PUF. Ed. bras.: Formulações sobre os dois princı́pios do funcionamento mental. In
E.S.B. vol. XII. RJ: Imago, p. 277-286.
105
PAI, MÃE, BEBÊ
4. Ibid, pp 136-136, nota 2. É a autora que sublinha. Ed.
bras.: Ibid, p. 279n.
5. WINNICOTT, D. W. Le bebé et sa mère. Paris: Payot,
1992, p. 121.
6. A propósito desta noção de “se ocupar de” só podemos
reenviar ao texto de Winnicott, Cure. In Conversations ordinaires. Paris: Gallimard, coll. Connaissance
de l’inconscient, 1986, p.123 onde são desenvolvidos
os diferentes aspectos dos cuidados, ao mesmo tempo
“cure: soins, cure, traitement, guérison” e “care: soin,
interêt, attention”.
7. DOLTO, F. In Naı̂tre ... et ensuite? Atas dos encontros do Hospital Saint-Vincent-de-Paul 17-18 outubro
de 1977. Paris: Stock, coll. Les Cahiers du nouveauné, 1978, quarta edição, p. 293-294.
8. Ibid p. 195.
9. FREUD, S. Sobre o narcisismo, uma introdução. In
Oeuvres Complètes, vol. XIV, pp. 83-119.
Sobre as Autoras
Claude Boukobza
Psicanalista, membro do Espace Analitique de Paris, atua
também como psicanalista na Unidade de Acolhimento MãeBebê, interligado ao setor de psiquiatria de adulto e de crianças em Saint-Denis, França.
Florence Benavides
Integrante da equipe da Unidade de Acolhimento MãeBebê em Saint-Denis, França.
106
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA DE UM
BEBÊ DE PAIS PSICÓTICOS
Maria do Carmo Camarotti
Resumo
Este trabalho apresenta a observação de bebês, como
um instrumento preventivo e terapêutico nos casos onde o
bebê, precocemente confrontado com a psicose materna, se
encontra em situação de risco, no que se refere ao seu desenvolvimento psı́quico.
Na mãe psicótica coexistem um intenso desejo de aproximação fusional com o bebê fantası́stico e uma incompreensão e intolerância diante das manifestações pulsionais do
bebê real. Bebê de necessidades, que exige da sua mãe quase o impossı́vel para ela: fazer o percurso de uma relação
narcı́sica para uma relação objetal.
Baseado na observação regular e prolongada do bebê,
o presente trabalho trata dos diversos aspectos da relação
patológica precocemente instalada entre o bebê observado
e seus pais, abordando o penoso caminhar desta criança,
aprisionada numa relação fusional patológica com a mãe,
rumo ao processo de separação-individuação.
Um bebê exposto à psicose materna se encontra em risco no que se refere ao seu desenvolvimento psı́quico, principalmente se ambos, mãe e bebê, não são beneficiados pela
presença do pai que os proteja das “forças mortı́feras do
processo psicótico” (Myriam DAVID).
107
PAI, MÃE, BEBÊ
A intervenção terapêutica que será descrita neste trabalho, junto à famı́lia L., foi realizada em Paris, pela equipe da
Unité des Soins Specialisés à Domicile pour Jeunes Enfants.
Foi utilizado como instrumento terapêutico a observação psicanalı́tica do bebê, nos diferentes lugares de vida, ou seja,
junto aos membros de sua famı́lia de origem, como também
junto aos membros da famı́lia substituta.
A observação psicanalı́tica constitui um valioso instrumento terapêutico na medida em que a presença do observador (através do seu olhar, da sua escuta e até mesmo da
palavra) possibilita aos pais o suporte para o exercı́cio da
paternidade e maternidade e, conseqüentemente, ao bebê,
um desenvolvimento psı́quico mais sadio.
Neste momento, a função do observador é estar atento às
várias demandas que cada membro faz em relação ao outro
e como reagem às mesmas. Portanto, deve observar o que
efetivamente surge, tal como: o que é falado, mas também
o que não é dito, os jogos e brincadeiras, bem como a impossibilidade de brincar; como se dão as aproximações, separações, etc. Além disso, se faz extremamente importante
captar os movimentos identificatórios e transferenciais que
circulam entre os vários membros envolvidos.
Se concordamos com Winnicott (1978) que é fundamental para o desenvolvimento psı́quico do bebê estar sob a proteção de uma “mãe suficiente boa”, que pela continuidade
e previsibilidade dos seus cuidados possibilita ao filho uma
entrada em contato com o mundo satisfatória; se concordarmos que é tarefa da mãe possibilitar ao filho a vivência da
“ilusão” (Winnicott 1978) e gradativamente a frustração necessária para que a criança se “ desiluda” e caminhe rumo
à individuação, estaremos de acordo também sobre o risco psı́quico que corre o bebê confrontado precocemente com
uma mãe psicótica.
108
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA
A psicose materna expõe o bebê a modos de interação
bastante particulares, já que a mãe psicótica, como bem
caracteriza Myriam David (1987), oscila entre um desejo
intenso de aproximação fusional, fascinante e angustiante,
com seu bebê fantası́stico e uma intolerância em relação às
manifestações pulsionais e de desenvolvimento do bebê real.
Bebê de necessidades que exige da mãe algo quase impossı́vel
para ela: fazer o percurso de uma relação narcı́sica para uma
relação objetal.
Quando uma mãe apresenta um quadro psicótico, seja de
uma psicose puerperal ou seja de uma psicose preexistente
à maternidade, posições variadas e coloridas de muito afeto,
dividem os profissionais quanto a manter ou não o bebê junto
à mãe.
O caso que ilustrará o presente trabalho não fugiu a esta regra. Foi nas muitas reuniões com profissionais de até
cinco instituições diferentes que se formulou um projeto terapêutico para o bebê Thierry e seus pais.
O que sabı́amos na época em que fomos solicitados, foi
que estando Thierry com quatro meses, fora encontrado às
duas horas da manhã com sua mãe, psicótica delirante, e
levado a um hospital pediátrico enquanto a mãe fora internada em psiquiatria. A história deste bebê foi aos poucos
sendo conhecida. A mãe de Thierry, psicótica, apresentava
episódios delirantes com temas de perseguição, já tendo sofrido várias hospitalizações em decorrência de tentativas de
suicı́dio. O pai, com estrutura psicótica aliada a um déficit
intelectual, competia com o filho, pedindo mamadeira e solicitando a esposa para os seus cuidados corporais.
Há alguns anos o casal expressava o desejo de ter um
filho, mas pelo estado avançado do câncer de mama da Sra.
L., dois abortos foram provocados por questões terapêuticas.
109
PAI, MÃE, BEBÊ
Gatos e cachorros eram criados pelo casal como objetos de
compensação.
A Sra. L. só se apresentou para a primeira consulta prénatal num estado avançado da gravidez de Thierry, quando
não poderia mais ser indicado um aborto profilático. Foi esta, uma gravidez interditada pelo médico e a criança exibida
como um troféu, marca do seu desafio à Medicina.
Nos primeiros meses de vida da criança, a equipe psiquiátrica deu suporte aos pais e pôde ouvir as queixas da
mãe de estar cada vez mais cansada e de que seu bebê sorria menos. O afastamento de uma puericultora que ajudava
a mãe, provocou nesta o sentimento de estar sendo rejeitada e reativou suas vivências de abandono e privação afetiva
precoce.
Tomar uma decisão quanto ao melhor encaminhamento
a ser dado à criança não foi fácil, pelo fato de que cada
equipe, suporte de projeções contraditórias da mãe, tinha
uma representação diferente e ambı́gua da situação.
A equipe psiquiátrica de adulto, transferencialmente envolvida com a mãe, se engajou de modo a tentar que a mesma pudesse retomar o filho, atestando o seu investimento
nos primeiros meses de Thierry. Mesmo tendo testemunhado a desorganização e incoerência do “holding” e “handling”
ao qual o bebê foi exposto nos primeiros tempos de vida.
A equipe pediátrica, descrevendo os encontros “caóticos”
entre mãe e bebê no hospital, dizia ser impossı́vel que a
criança retornasse neste momento aos cuidados dos pais e
que solicitaria a intervenção do juiz, caso fosse necessário.
Da história dos pais, apreende-se que estes têm um passado marcado por traumas graves de abandono, tendo ambos vivido em diferentes lares substitutos ou instituições.
A ausência de uma referência familiar estável constituı́a no
110
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA
nosso entender mais um agravante na dificuldade destes pais
de cuidarem do filho, assinalando um fator de risco de repetição de descontinuidade de investimento na criança.
Os encontros entre as diferentes equipes permitiram que
os afetos e as posições contraditórias fossem consideradas e
que se buscasse uma solução mais coerente com a situação.
Teve-se como meta assegurar para a criança um ambiente suficientemente estável onde pudessem ser preservadas as
condições necessárias ao seu desenvolvimento e ao estabelecimento de relações satisfatórias com os pais.
Ficou definido que o bebê deveria permanecer sob os cuidados de uma assistente maternal, já que o pai, também
bastante comprometido psiquicamente, não poderia assegurar os cuidados do filho.
Coube à Unité organizar um plano terapêutico articulado
entre a famı́lia que acolheria a criança e os pais. O objetivo
era preservar e fazer evoluir a relação pais-filho e acompanhar o desenvolvimento da criança. A equipe designada para
cuidar deste caso era constituı́da de uma psicóloga∗ , mais à
escuta da criança, e que seria o suporte desta nos diferentes
lugares de vida, um enfermeiro psiquiátrico∗∗ mais à escuta dos pais, que seria o ponto de referência da famı́lia, e
uma psicanalista∗∗∗ (médica consultante), que não estando
atuando diretamente com a famı́lia estava mais isenta aos
movimentos transferenciais e funcionava como terceiro na
escuta dos profissionais envolvidos com o caso. A proposta
terapêutica incluiu a observação psicanalı́tica do bebê no domicı́lio da assistente maternal e nos encontros deste com os
pais. O objetivo da observação era acompanhar como Thierry, precocemente exposto à psicose materna, vivendo com
∗
Maria do Carmo Camarotti
Michel Dubois
∗∗∗
Françoise Jardin
∗∗
111
PAI, MÃE, BEBÊ
a mãe uma relação fusional e caótica, se constituiria psiquicamente nesta situação particular de uma dupla referência
materna (a mãe e a assistente maternal).
Conseguiria esta criança aceder a uma relação de objeto
total, onde cada uma das mães seria percebida como bom
e mau objeto, ou persistiriam sobretudo defesas esquizoparanóides com projeções clivadas? Ficaria Thierry aprisionado e colado ao desejo materno ou se apropriaria do seu
desejo, acedendo ao universo simbólico?
A observação da criança no domicı́lio da assistente maternal já foi objeto de um outro trabalho e não será tratada
neste artigo. Tratarei da observação psicanalı́tica feita nos
encontros pais-criança, com especial destaque ao tipo de relação que se estabeleceu entre mãe e bebê, e o percurso desta
criança rumo ao processo de separação-individuação.
De forma ilustrativa apresentarei a sı́ntese da observação
de um encontro mãe-bebê na Unité e alguns aspectos da
evolução da criança, que espero possam suscitar um debate sobre as questões práticas e teóricas na escolha de tal
procedimento clı́nico.
Encontro mãe-bebê na Unité, assegurado pela psicóloga e enfermeiro psiquiátrico
Thierry está com 7 meses e 13 dias. O encontro com a
mãe acontece na sala de espera da instituição. A Sra. L.,
toma logo o filho dos braços da assistente maternal∗ e de
imediato o entrega, pedindo que esta retire o “manteau” da
criança, pois teme lhe fazer mal.
Passamos para a “sala dos bebês” e Thierry, novamente nos braços da mãe, fica numa posição transversal sobre
∗
Esta assistente maternal, por exigência da Sra. L., era uma senhora
com uma idade avançada, que teoricamente poderia ser sua mãe.
112
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA
o corpo desta. Observo que ele é ativo na busca desta posição, mas não fica claro se é ele ou a mãe quem inicia este
movimento. Uma vez instalada, a criança permanece sem se
mexer, totalmente colada ao corpo da mãe. A Sra. L. olha
para o exterior e nos fala do seu passado de criança abandonada. Thierry, com a cabeça voltada para baixo, mantém os
punhos fechados, pernas estiradas e o olhar vago. O único
contato entre mãe e filho se passa no corpo a corpo, outras
trocas são inexistentes neste momento. “Era assim que ele
ficava quando estava na minha barriga”, nos diz a mãe.
Algum tempo depois, a Sra. L. instala o filho no bebêconforto e ele começa a chorar. Sua mãe o retoma logo em
seguida e eu proponho que ela lhe ofereça um brinquedo,
instalando-o no tapete. Thierry fica calmo e a mãe pede a
Michel (enfermeiro psiquiátrico), que tire fotos do filho.
Depois Thierry se vira, olha o espelho, sorri e de repente
começa a chorar, mas não faz movimento de verificação e
busca da mãe. A Sra. L. se precipita e toma o filho nos
braços, numa total ansiedade.
Novamente mãe e filho parecem se fundir no corpo a corpo, onde a criança fica praticamente imóvel sobre a barriga
da mãe. Por três vezes a Sra. L. me pergunta se o filho
adormeceu, pois ela não quer descolá-lo do corpo para verificar.
Thierry adormece e logo que é colocado no berço, acorda. A mãe fica desnorteada e se precipita novamente para
retomar o filho nos braços. Sugiro que ela tente consolar
o filho sem tirá-lo do berço, mas na primeira tentativa ela
desiste e mais uma vez Thierry fica colado a sua mãe e pára
de chorar. A Sra. L. me pergunta se o filho sente fome e
lhe dá a mamadeira. Ele recusa, vira a cabeça e se enrijece.
A mãe lhe dá iogurte mas ele recusa após a terceira colher.
Como estava combinado, vamos ao parque. Sou solicitada a
113
PAI, MÃE, BEBÊ
colocar o “manteau” da criança enquanto Michel é o terapeuta “escolhido” pela Sra. L. para escutar sua história de
menina abandonada.
No parque, a mãe toma novamente o filho nos braços
e após uns vinte minutos o acorda para dar a mamadeira.
Depois de algumas tentativas, a criança começa a sugar lentamente, sem vontade, como se comesse para dar prazer e
acalmar sua mãe. Meia hora depois ainda não havia terminado a mamadeira que a mãe insistia em lhe dar.
Durante a mamada, Thierry permanece deitado com a
cabeça posta no braço esquerdo da mãe, pernas estiradas,
braços soltos ao longo do corpo, punhos fechados. Não olha
nem a mãe nem a mamadeira. Olha o céu, o que está em
torno dele, sem contudo demonstrar o menor interesse.
A mãe se mostra cansada, diz estar com o braço doendo e
refere ser este o lado onde tinha o câncer. A criança começa a
escorregar, a mãe não consegue acomodá-la e solicita minha
ajuda.
No carro, retornando para a casa da assistente maternal, a Sra. L. continua a alimentar o filho e se mostra ferida
porque Thierry não terminou a mamadeira. Acha que a assistente maternal vai recriminá-la e diz para o bebê: “Coma
pela honra de sua mamãe”. Fala-nos do marido que está hospitalizado (em decorrência de uma tentativa de suicı́dio) e
do quanto acha longo esperar uma semana para reencontrar
o filho.
Ao chegarmos na casa da Sra. G., somos acolhidos pelo
marido desta, que fala que Thierry é uma criança tranqüila
e que sabe bem reclamar quando está com fome. A Sra. L.
beija o filho e nós partimos. No retorno, ela fala do filho
mais velho que está com 14 anos e que vive em outra região
do paı́s sob os cuidados de uma assistente maternal.
114
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA
Evolução da criança sob o ângulo do processo de separação
- individuação
Durante os dois primeiros anos de acompanhamento de
Thierry, ficou evidenciado como este, nas suas manifestações
comportamentais e nos jogos, estabeleceu uma distância entre seu corpo e o corpo materno, constituindo um espaço
diferenciado.
Inicialmente não se podia falar da criança sem se falar da
mãe. Ao se encontrarem, fundiam-se num só corpo e todos
os que estavam ao seu redor pareciam inexistir, inclusive pai
e assistente maternal. Mãe e filho se fechavam num delı́rio
fusional, ilustrando o que Joyce McDOUGALL (1987), fala
sobre a fantasia primordial de um corpo para dois.
Numa busca de continuidade, Thierry tentava reproduzir
com a assistente maternal, comportamentos e brincadeiras
comuns a ele e sua mãe. A assistente maternal, sentindose invadida pela loucura materna e temendo uma perda de
identidade, estabeleceu-se na relação com posições rı́gidas
onde se firmava diferente da mãe. “Comigo não. Isto você
faz com sua mãe”, dizia à criança, em resposta às solicitações
de determinadas brincadeiras.
Thierry, me utilizando como ponto de continuidade e como guardiã de seu espaço psı́quico, passou a aproveitar da
minha presença, evocando uma ou outra mãe na respectiva ausência, seja através de comportamentos especı́ficos ou
brincadeiras próprias a uma ou outra. Fazia-me assim testemunha de suas tentativas de se sentir o mesmo nas diferentes
e contraditórias situações em que se encontrava implicado.
O pai, utilizando o enfermeiro como figura de identificação, vai pouco a pouco saindo de sua posição de bebê e
se firmando no lugar de homem e de pai, podendo colocar
alguns limites nas tentativas de “reengolfamento” da mãe
115
PAI, MÃE, BEBÊ
em relação à criança. Bem interessantes suas conversas paralelas com o enfermeiro sobre creme de barbear, bebidas
preferidas e outros temas que qualificava como “próprios aos
homens”. É no episódio da anorexia de Thierry, que o Sr.
L. se firma como aquele com quem o filho se alimenta com
menos dificuldade. Fato este que o renarcizou, tornando-o
cada vez mais seguro na sua função paterna.
Uma capacidade lúdica, antes bastante empobrecida na
criança, começa a aparecer. Diante do espelho, Thierry busca seus limites corporais e inicia com a mãe jogos de escondeesconde e de pega, numa clara evidência do seu caminhar
rumo ao processo de separação - individuação. Começava
assim a se constituir psiquicamente como um sujeito diferenciado da mãe e a se dirigir e estabelecer um contato privilegiado com o pai que o acolhia nas suas idas e vindas. A
linguagem da criança começou a surgir, testemunhando que
o seu processo de constituição do sujeito estava em andamento.
Conclusão
Thierry foi investido narcisicamente pela mãe, embora
seus sentimentos e ações se dirigissem mais ao bebê fantası́stico que ao bebê real.
Aprisionado numa relação fusional caótica com a mãe,
muitas vezes incluı́do no delı́rio materno e não protegido pelo pai que, bastante comprometido psiquicamente, não se
firmava como terceiro, Thierry corria o sério risco de se estruturar de modo patológico.
Durante longo tempo esta criança apresentou um contato bastante adesivo com a mãe, persistindo a identificação
adesiva sem mediação, ao mesmo tempo em que apresentava
uma defesa em relação à proximidade corporal e à apreensão
116
OBSERVAÇÃO TERAPÊUTICA
de objetos. Era também preocupante a pobreza dos movimentos pulsionais e a desorganização somatopsı́quica evidenciada pelo espasmo do soluço e anorexia com vômitos.
Um núcleo patológico de hipermaturação e hipervigilância, que como refere Pierre BOURDIER (1972), caracteriza
a relação entre bebê e mãe psicótica, estava presente em
Thierry e era mais um sinal de sofrimento psı́quico desta
criança.
A intervenção terapêutica precoce, incluindo um ambiente protegido (lar substituto), pôde proporcionar à criança
a possibilidade de se constituir posteriormente de forma harmoniosa e aos pais de exercer suas funções materna e paterna
de um modo mais adequado.
Muito ainda poderia ser dito sobre este bebê e seus pais,
assim como sobre as alterações ocorridas no enquadramento terapêutico deste caso. Espero no entanto que o material aqui apresentado possa servir de subsı́dio para reflexão
acerca da vulnerabilidade psı́quica de uma criança envolvida
precocemente numa relação patológica, e que possa também
estimular um debate sobre os modos de intervenção preventiva e terapêutica que visem uma proteção para o desenvolvimento da criança, considerando também a relação desta
com os pais.
Bibliografia:
BOURDIER, P. L’hypermaturation des enfants de parents
malades mentaux. Observation clinique et hypothèses.
In Revue de Neuro-psiquiatrie Infantile, 1972.
DAVID, M.; CASTEX, E. e LEGER, E. M. Danger de la
relation précoce entre le nourrisson et sa mére psychotique. In La Psyquiatrie de l’enfant, vol. 24, fasc.1,
1981.
117
PAI, MÃE, BEBÊ
DAVID, M. Souffrance du jeune enfant exposé à un état
psychotique maternal. In Perspectives psiquiatriques,
6/1, 1987.
HAAG, M. A propos des premires applications françaises
de l observation régulire et prolongée d’un bébé dans
sa famille selon la méthode de Esther Bick. Tiragem
privada, vol. 1 -1984.
Mc DOUGALL, J. Conferências Brasileiras. Editora Xenon, 1987.
WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. RJ: Francisco Alves Editora, 1987.
Sobre a Autora
Psicoterapeuta do GESTAR – Unidade de Acompanhamento e Estudo Materno-infantil. Membro do Cı́rculo Psicanalı́tico de Pernambuco-CPP.
118
O LUGAR DO PAI E O TRABALHO
PSICANALÍTICO COM BEBÊS, OU TRÊS
DIMENSÕES DA EXCLUSÃO
Cláudia Mascarenhas Fernandes Rohenkohl
“E o pai?”
“Esta é uma pergunta tipicamente francesa!”
Foi assim que obtive resposta sobre a questão do pai num
curso sobre psicoterapia mãe-bebê, ministrado por um autor suı́ço conhecido na área de trabalhos sobre o bebê. Esta
resposta me fez pensar bastante, e como Lacan me sugere,
a verdadeira resposta é aquela que causa equı́voco, surpresa. Não estava esperando-a, muito menos sabia que estava
me endereçando a duas faces da mesma moeda da função
paterna: a filiação e a transmissão. A primeira rege a perpetuação do pai e a segunda a sua lei. A surpresa provocou
também que eu pudesse perceber que o resgate e releitura
da obra freudiana sobre a função paterna na psicanálise foi
realizado por Lacan. Era possivelmente sobre isto que tratava esta resposta. Freud instaura a questão “o que é um
pai?” com a teoria da sedução. O pai é aquele que tem
a tarefa de interditar o incesto, porém pode muitas vezes
não estar a cargo desta tarefa, mas apesar disto ele, o pai,
é o argumento para tal interdição. Ele já encaminhava a
questão seguindo a linha de uma busca. Então, a virada
na teoria da sedução de Freud também equivale certamente a uma virada na dimensão paterna. A inauguração da
119
PAI, MÃE, BEBÊ
psicanálise instaura também o pai da realidade psı́quica: o
complexo paterno. Neste ponto Freud relaciona realidade
e impossibilidade através do complexo paterno. Este é um
dos aspectos inaugurados por Freud. Mas existem outros,
que foram muito bem lidos por Lacan. A insatisfação gerada pela instauração do pai da realidade psı́quica leva a uma
outra busca e Freud adianta o pai como representante. A
morte do pai é que o torna mais presente, sendo a natureza
da sua relação ambivalente (entre identificação e canibalismo). Pode-se dizer aqui que uma outra porta se abre sobre
o pai: sua morte instaura a lei que será partilhada pela cultura. A partir daı́, de representante para sintoma é um pulo,
pois o representante é uma duplicação e o sintoma poderá
ser o representante do pai como, por exemplo, o caso Hans.
É a busca de Freud que o leva na direção de indicar ser
um sintoma um representante paterno. Além de todos estes
desdobramentos ainda aponta para um ideal a ser perseguido, pois “a origem das necessidades das massas é um anseio
pelo pai que é sentido por todos, da infância em diante...”
(1939/1969).
“Freud estabelece a questão do pai como essencial para
a psicanálise”. O que seria essa questão? O pai da psicanálise busca sua questão, ou melhor, o pai da psicanálise
busca; persegue um ideal que se mistura com sua procura
em conseguir desvendar a questão do pai. Se esse ideal o
fez construir uma teoria, numa ambivalência mortal entre a
constatação das suas impossibilidades, do que lhe é inconsciente, e a própria edificação deste ideal como resposta a estas
questões, é porque como ele mesmo expõe: “o que projeta
diante de si como sendo seu ideal é o substituto do nascisismo perdido de sua infância na qual ele era seu próprio ideal”
(1914/1969).
120
O LUGAR DO PAI
Enfim, este pequeno parágrafo serve para inserir um outro patamar quando se trata da questão do pai para a psicanálise.
Lacan foi um pouco mais atrevido ao se distanciar do
sentido mais imaginário do pai, campo privilegiado por autores pós-freudianos, e apontou mais dois aspectos a serem
implicados na estruturação do sujeito, o pai simbólico e o
pai real.
Quando este autor relata que a criança não está sozinha
no biológico faz ecoar um simbólico. O que reafirma que
a inexistência de uma relação puramente simbiótica, pois
existindo o simbólico, haverá sempre uma falta a ser significada. Nos casos de autismos e psicoses, pontos que não serão
abordados pelo texto, vale a pena citar G. Balbo quando indica que a ausência do unlust paterno, como objeto, conduz
o sujeito à psicose ou ao autismo secundário. “O autismo
primário se produziria quando originariamente falta para o
sujeito uma relação auto-erótica bi-unı́voca entre ele e o que
lhe é do outro. Na medida em que unlust paterno é normativo, convém lhe reconhecer uma função fálica, de onde
procede a efetividade da castração” (p. 99).
Chegou-me para atendimento uma criança de onze meses
e sobre ela sua mãe “queixava-se” de insônias horrı́veis, verdadeiro terror noturno, além de outros sinais considerados
pela mãe como “nada normais”.
Em uma determinada sessão, ele sobe no divã e começa
a fazer alguns gestos, que imediatamente são lidos pela mãe
com surpresa: “É assim que faz à noite quando não dorme”. O retorno desta surpresa acontece quando intervenho
fazendo-se escutar o que a mãe relatava naquele momento:
a morte do pai da criança num acidente de carro quando
esta tinha quatro meses de idade. Estes dois movimentos
de surpresa fizeram com que a mãe pudesse retomar o tema
121
PAI, MÃE, BEBÊ
da sua filiação e assim traçar a questão “o que é um pai?”,
questão muito bem trabalhada por Philippe Julien: “o que
é ter tido um pai?”
Está portanto, na medida do engano, achar que o não
comparecimento de um homem, que possa carregar as insı́gnias de um pai para aquela criança, exclui sua função, ou
seja, estaria no âmbito de um trabalho mãe-bebê.
A psicanálise em sua ética revela que sobre a questão
“o que é um pai?” não existe resposta decisiva. Proponho
que a partir destas impossibilidades de resposta conclusiva,
existem três dimensões da exclusão do pai que devem ser
ressaltadas.
Como se pode ver, todo discurso carrega uma ética: ou
melhor, todo discurso tem implicações éticas. Assim, vale
lembrar que embutidos pelo discurso de fazer bem, a pedagogia e o sanitarismo apontam e julgam o pai, sua competência, se é suficiente ou não, se é capaz ou não, e além de
outros critérios, se participa ou não dos afazeres relativos à
criança.
Em relação ao “se participa ou não”, este parece ser um
critério usual para a denominação mãe-bebê. Bom, como
a figura do pai pouco aparece, logo, o trabalho se encontra
neste binômio mãe-bebê. Esta é uma primeira hipótese de
exclusão a ser contemplada.
A segunda, de certa forma, já foi citada. É a relação com
a filiação teórica. Acreditando-se que existe uma relação
inicialmente simbiótica com a mãe, o pai realmente estaria
aı́ já de antemão excluı́do, ou melhor, não aparece ainda na
relação.
A terceira hipótese a ser considerada, seria o se deixar
capturar pela imagem da relação mãe-bebê.
Em cada uma destas hipóteses existem dimensões pater122
O LUGAR DO PAI
nas exclusas. Na primeira, parece claro que o pai real seria o
excluı́do, aquele homem que faz desta determinada mulher,
esta que o bebê chama de “mama”, o objeto do seu gozo e
desejo, não aparece. Seria este aparecimento possı́vel? Certamente que não! Este enigma resta irredutı́vel tanto para
a criança quanto para quem dela se ocupa. Não se trata de
investigar uma “participação”, pois a certeza dada por qualquer tipo de exame de paternidade só diminuiria as chances
deste alcance: seria filho de um espermatozóide?
O pai simbólico seria excluı́do na segunda hipótese. O
pai como nome. Esta dimensão da paternidade trata do
lugar vazio instaurado pela mãe para a criança. A mãe instaura uma posição terceira entre ela e a criança. Este lugar
o homem ocupa da sua forma, poderá se movimentar à sua
maneira. A existência da simbiose retira a possibilidade deste lugar vazio, terceiro, a ser instaurado pala mãe (mesmo
que muitos, que se utilizam desta hipótese da simbiose, não
acreditem assim).
Esta mãe, portanto, instaura para o inconsciente da criança um outro lugar além dela, um lugar significante. Este
significante Lacan chama de Nome do Pai: é o pai como
nome colocado pela mãe. Esta posição instalada pela ida
e vinda da mãe, imprime no sujeito um enigma: o que ela
quer de mim?
A resposta a esta questão vem da própria mãe, não é
dada pelo pênis-orgão ou pelo homem-papai, mas pela significação que dá a sua falta. Esta significação reenvia a um
lugar simbólico, o nome do pai, inscrito no inconsciente da
criança.
Vale a pena repensar aqui a noção de risco tratada muitas vezes pelos profissionais que trabalham com o bebê; normalmente esta noção se refere sempre a indicadores médicos
ou mesmo sociais. Do ponto de vista da psicanálise, se fosse
123
PAI, MÃE, BEBÊ
possı́vel estabelecer alguma noção de risco seria relativa a esta dimensão da paternidade. Melhor dizendo, em situações
onde a mãe não pode estabelecer este lugar vazio.
A terceira exclusão trata do pai imaginário: onde nesta
pintura não está incluı́da a figura do pai. Não está incluı́da
não por sua inexistência, mas por uma crença na impossibilidade de um bebê se remeter ao pai como imagem, por ser
da criança que se origina esta dimensão imaginária. Por que
se duvidar da imagem idealizada deste pai por um bebê?
Deste único privador materno para ele? Talvez aı́ a questão
importante a ser descrita é, como bem coloca Julien, “como
reconhecer que este pai, digno de amor e ódio, nasce somente de minha demanda, e de meus desejos infantis?” Quem
trabalha com estes “sujeitos de calças curtas”, tem a noção
da sua competência em relação a esta dimensão imaginária.
Voltemos ao fragmento de caso citado. Lacan vai se perguntar o que fazer se nenhum homem venha encarnar esta
dimensão imaginária.
Existia para esta mãe um lugar terceiro, significado pela
morte. Disto seu bebê “falava” a seu modo. A ausência
desta mãe era presentificada pela morte do pai, a este “o
que queres de mim?” estava a morte, que, por sua vez, já
faz parte deste real tão impossı́vel de ser simbolizado. O seu
bebê era a única prova irredutı́vel deste pai real.
Quando Julien esclarece sobre as três dimensões da paternidade, a partir de Lacan, favorece para nós um outro
olhar clı́nico relativo a esta questão. É certamente na mudança da minha posição como analista em relação a esta
resposta “o que é ter tido um pai?”, ou melhor, se como analista posso suportar que sobre a questão: “o que é um pai?”
não existe resposta conclusiva, que se trata de uma busca,
como já apontava Freud, está-se se inscrevendo uma determinada filiação. É preciso reconhecer isto, os que trabalham
124
O LUGAR DO PAI
com o bebê principalmente, pelas vicissitudes de neste atendimento tratar-se de um falasser competente em seus sinais
potencialmente significantes de quem se fala sobre, é este
sujeito prestativo, como relata Freud no Entwurf, que apontará esta “importante função secundária da comunicação”.
Apesar da questão não ser verificar se o lugar deste Outro
primordial é sustentado pela mãe ou pelo pai, como se refere M.C. Laznik, é importante não se restrigir este Outro
que dá a sua falta, como tendo a única possibilidade de ser
encarnado pela mãe. Pensar a clı́nica com bebês e a função
paterna nos serve para indicar a posição do analista nestes
atendimentos. Que é não se deixar capturar pelo interjogo
imaginário que a cena “mãe-bebê” apresenta.
Bibliografia:
AUGÉ, Marcel Org. (1989). Le Père. Col. L’espace analitique. Paris: Denoël.
Revista Littoral (1984). Du Père, Paris, 11/12, fevereiro.
LAZNIK, M.C. Org. (1994). O que a clı́nica do Autismo
pode ensinar aos psicanalistas. Salvador: Ágalma.
CLERGET, Joel e Marie-Pierre (1989). Places du Père,
violence et paternité. Lyon: Presses Universitaires de
Lyon.
JULIEN, Philippe (1991). Le manteau de Noé, essai sur la
paternité. Paris: Desclée de Brouwer.
LACAN, J. Seminário A Relação de Objeto (1956-1957).
Publicação não comercializável.
125
PAI, MÃE, BEBÊ
Sobre a Autora
Psicanalista, membro fundador do INFANS, unidade de
atendimento ao bebê. Organizadora do volume A clı́nica
com o bebê. SP: Editora Casa do Psicólogo, 2000.
126
Bebês de risco
PRÁTICA ANALÍTICA EM
NEONATOLOGIA
Catherine Mathelin
“A psicanálise trata do conjunto das conseqüências ligadas ao fato de que o homem fala. Ela tem também a possibilidade ou pretensão de ordenar uma série de fatos clı́nicos
provenientes de outros campos”.
Ginette Raimbault
Há oito anos, quando eu trabalhava com o Dr. Coen
em psiquiatria infantil, o Dr. Retbi, médico chefe da equipe
de neonatologia e de urgência pediátrica, solicitou o nosso serviço. Fui então enviada para tentar responder a este
chamado.
Tratava-se de atender uma mãe que colocava um problema muito particular.
Com efeito, após três meses de hospitalização de seu
bebê nascido prematuramente, esta mãe, na véspera da alta,
recusava-se a retomá-lo. Tinham tentado convencê-la, falado com ela, mas de nada adiantou. “Esta criança — dizia ela
— estava bem aonde estava”. Compreendemos o desespero
dos médicos, que haviam colocado tanto ardor para “consertar” um bebê que agora ela não queria mais, colocando ao
mesmo tempo em questão o fundamento dos seus esforços.
Esta mãe, para além deles, não questionava a medicina
como um todo? Seria talvez louca? Era preciso tratá-la?
129
BEBÊS DE RISCO
Certamente escolher esta interpretação da situação teria
sido mais fácil e confortável, mas a psicanálise, como sabemos, realmente nunca compactuou com a facilidade ou o
conforto.
Uma outra leitura do problema foi então proposta à equipe. Se esta mãe não delirava, era preciso admitir que nestes
três meses de hospitalização ela havia se deparado com uma
impossibilidade de manter um laço entre ela e seu filho. Reconhecer que ela não era louca, era para a equipe aceitar
interrogar-se sobre o que havia se passado neste tempo de
separação.
Se o bebê tinha sido “fı́sicamente” salvo, era evidente que
um outro trabalho havia sido perdido, como quando alguém
perde o trem e fica na estação.
Não era o caso de se “tratar” as mães doentes por terem
sido separadas de seus filhos caso por caso, mas de elaborar juntos um projeto para os bebês hospitalizados e suas
famı́lias, o que permitiria ao mesmo tempo salvaguardar o
desejo de viver dos bebês e a capacidade de amar dos pais.
O analista não estava mais lá para reparar os estragos das
longas hospitalizações, e sim para “reanimar” a criança trabalhando com os reanimadores, mas num outro registro.
Este projeto foi aceito pela equipe e, oito anos depois,
nós podemos começar a dele prestar conta.
A criança “sujeito” é acolhida por nós não somente como
um corpo a fazer funcionar, mas como um rebento do homem
portador de uma história que precede em muito o momento
da hospitalização, mesmo que esta aconteça no instante do
nascimento. Esta história, cuja estadia na neonatologia será
apenas um episódio, continuará depois, caso nada venha a
interromper o curso.
Face ao traumatismo desse encontro com o real, uma
130
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
simbolização deve ser possı́vel para que os pais continuem a
imaginar esta criança, para que ela não se torne para eles
um pedaço de carne a reanimar, objeto da medicina, mas
que permaneça uma criança — sua criança.
Para isto o tratamento dos médicos, portadores do desejo
de vida, nem sempre é suficiente também, é preciso para viver inscrever-se numa palavra; na falta disso um ser humano
morre e se ele inscreve-se numa palavra louca, ele torna-se
louco.
Duas crianças nascidas com o mesmo peso, com sintomatologia similar, não evoluirão de maneira idêntica, mesmo se
elas se beneficiam da mesma qualidade de tratamento.
É exatamente esta generalização impossı́vel que nos faz
questão. Cada corpo inscrito numa palavra diferente é diferente, e o saber dos médicos, saber que concerne ao corpo
em geral, defronta-se com a verdade do corpo particular de
cada um.
Cada palavra dita não toma o mesmo sentido para cada
um, pois cada palavra reenvia a uma outra diferente da primeira. É esta ligação de verdade entre palavra e corpo que
o analista vem questionar em um serviço de medicina.
Esta verdade é outra que não o saber médico, ela coloca
a questão do desejo e da fantasia. Os médicos freqüentemente se espantam: “Nós falamos com os pais, explicamos
de que padecem as crianças, mas freqüentemente eles não
escutam. Algumas vezes eles nos tranquilizam, afirmando
que com certeza não é nada de grave, enquanto acabamos
de anunciar-lhes notı́cias muito ruins. Outras, ao contrário,
eles estão convencidos de que o filho deles vai morrer, enquanto nós tı́nhamos tentado de tudo para explicar-lhes que
não havia com que se preocupar”. É que a hospitalização
tem um sentido diferente para uma mãe ou para uma outra.
131
BEBÊS DE RISCO
A mãe de Pierre, presa na armadilha da repetição, não
podia, com efeito, ouvir os médicos: “É evidente, me confiava ela chorando, minha mãe também teve uma criança morta
ao nascer, não importa o que eles digam, Pierre não poderá
viver, como eu poderia fazer melhor que minha mãe?”
A mãe de Julie, ao contrário, quando sua filha não estava
bem, tranquilizava os médicos: “Eu também fui um bebê
prematuro, na minha famı́lia todas as meninas são pequenas
e nascem antes. Se Julie tivesse sido diferente eu realmente
teria ficado surpresa, não teria sido minha filha”.
As denegações, os mecanismos de defesa, mas sobretudo
o prisma deformante da fantasia, impedem as mães de ouvir
a palavra razoável e cientı́fica do médico.
Lucie sofria de uma doença de sangue hereditária, mas
que não colocava sua vida em perigo. O médico do serviço
havia claramente e pacientemente explicado do que se tratava.
A mãe havia escutado atentamente, feito perguntas pertinentes e agradecido ao médico. Quando vem à consulta
comigo, fala da doença de Lucie da seguinte maneira: “Eu
compreendi bem, um bebê vem do pai e da mãe, de uma
mistura dos dois, disse o doutor, mas às vezes, no momento da concepção, a mistura não é bem feita. Minha filha
herdou tudo do meu marido, daı́ seu problema; penso que a
minha parte não foi suficientemente forte e no momento que
a fabricamos ela herdou tudo de ruim. Sei que os médicos
me escondem a verdade, ela não poderá sobreviver com um
sangue desse, eu prefiro não me apegar a ela”.
O saber dos médicos tornou-se para ela um saber sobre
o recalcado. Esta mãe tinha vivido na sua infância uma
história muito difı́cil com um pai considerado pela famı́lia
como sendo muito ruim para cuidar dela, um pai tido como
132
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
perigoso; e eis que sua própria filha agora sofria de uma
doença transmitida por um outro pai. Como poderia ela
sobreviver a esse drama que viria repetir essa maldição da
infância?
Não é fornecendo uma explicação melhor, ou ainda uma
explicação diferente, que o analista permitirá a esta mãe descolar a doença de sua filha da sua fantasia. Trata-se bem
mais de tentar ouvir o que a reteve — em função de sua
própria história — e permitir-lhe identificar em que impasse
do seu desejo o nascimento de sua filha a mergulhou. É somente desta forma que ela poderá entrever como seu passado
veio a transformar, à sua revelia, a informação cientı́fica dada pelo médico. E assim ela poderá acolher sua filha de uma
outra forma.
Este tempo de trabalho sobre a fantasia é o tempo do
trabalho com o psicanalista. No nosso projeto é um trabalho sistemático com todos os pais. Não se trata mais de
um atendimento sobre prescrição, quando os pais vão mal,
quando estão infelizes ou agressivos e isso influi no trabalho
dos médicos.
Se esse fosse o caso, estarı́amos lá, não para ajudar as
famı́lias, mas a medicina. No enquadre do nosso serviço,
o funcionamento foi concebido para possibilitar, ao mesmo
tempo, o acompanhamento médico e a escuta da famı́lia.
Para permitir um trabalho comum de reanimar a criança, e
o discurso que a anima.
Este trabalho se faz com as mães, mas também, talvez
em primeiro lugar, ele se faz em torno da criança, falandolhes delas, da sua famı́lia, dos tratamentos aos quais estão
submetidos, das razões da sua hospitalização.
Devemos precisar que sempre recebemos os pais, geralmente mais presentes que as mães nos primeiros dias de vida
133
BEBÊS DE RISCO
do bebê. Este trabalho é muito especı́fico e nos parece essencial e rico de ensinamentos.
Freqüentemente nós nos apoiamos no pai para que um
trabalho entre mãe e criança seja possı́vel. O trabalho com
as mães a partir daı́ encontra-se consideravelmente modificado, como nós iremos evocar.
Quando o pai está ausente, somente nestes casos é que o
hospital vai fazer o “ corte” entre a mãe e o bebê.
Quando digo “nós”, é preciso atentar que não se trata de
uma questão de estilo, de um modo elegante de dizer “eu”.
“Nós” se refere a toda a equipe — do médico chefe às auxiliares — que aceitaram arriscar-se no questionamento com
um psicanalista, para dar uma nova luz às hospitalizações
dos bebês. É esta pesquisa conjunta, cada um no seu lugar
e com o maior respeito às diferentes competências, que faz a
originalidade desta abordagem. É o mesmo respeito e confiança mútua na dada atenção aos bebês e às suas famı́lias.
As mães que acabam de parir, prematuramente ou não,
uma criança que lhes é retirada imediatamente, porque os
médicos a crêem em perigo, encontram-se submergidas em
um sentimento de culpabilidade tão violento que todas as
suas referências estão desordenadas.
O tempo está em suspenso, e os dias só são contados em
função das pesagens do bebê, que continua em gestação sem
elas numa incubadora que choca no seu lugar a criança que
elas não souberam segurar. Muito freqüentemente as mães
nos questionam: “Qual será o dia do seu aniversário? O
dia em que ele saiu da minha barriga ou o dia em que sairá
da incubadora? Vocês têm sorte, na sua incubadora ele não
mexe muito, na minha barriga ele me machucava”.
Esta criança, dolorosa para elas e fácil para nós, elas
geralmente não conseguem olhar, falar com ela, dar-lhe um
134
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
nome. O que está lá sofrendo é a possibilidade de investimento libidinal da mãe. Como colocar este bebê num lugar
de ideal onde a “falicização” seja possı́vel?
Como esta criança tão magra, tão sofredora, poderia gerar uma mãe? His magesty the baby, de que falava Freud,
para a mãe não parece com uma criança prematura. Ela não
se reconhece nessa criança que não pode se reconhecer nela.
Espelho quebrado, devaneio impossı́vel, a ilusão e o sonho se chocam com a violência do real, e a criança arrisca-se
a ser reduzida a esse puro real se nada de simbólico vier
permitir a sua falicização.
Esta etapa é indispensável para o bebê e aı́ não se fará
um objeto fetiche, prisioneiro da fantasia da mãe, se esta
se dirigir a um outro, permitindo por sua vez à criança, ser
prometida a um outro ou a uma outra...
Se o olhar da mãe se desvia da criança, se a criança muito
frágil e ainda muito distante não olha a mãe, o investimento
de amor entre elas se torna problemático. Como essa mãe
poderá investir essa criança, se ela a sente como um monstro
que significa-lhe seu fracasso e sua impotência?
A criança que ela considera ainda não nascida, não pode
ocupar o lugar de ideal. Por trás dos vidros do serviço, dos
vidros das incubadoras — tantos espelhos que nada refletem
— as mães têm dificuldade de olhar uma criança que nada
lhes envia da sua própria imagem. Esta anulação do nascimento é um dos riscos da hospitalização, e o trabalho com
as mães é sempre um trabalho de luto, de perda e de separação. É quando elas podem simbolizar a falta e torna-se
então mais fácil para elas descolar a criança do horror do
real e projetar sobre ela um futuro possı́vel.
O outro em direção a quem se dirige a mãe, se o pai está
ausente, é representado apenas pelo serviço que a separou
135
BEBÊS DE RISCO
da sua criança. É o serviço que lhe permitirá ao mesmo
tempo olhar seu recém-nascido, falar com ele, investı́-lo. É
o hospital que estará em posição de ser este outro. Esse
trabalho que nós poderı́amos chamar de “reconhecimento”
está a cargo de toda a equipe. Pacientemente, dia após dia, a
equipe explica à mãe até que ponto se tem necessidade dela.
Sua presença para a criança é descrita como indispensável,
o serviço não pode substituı́-la.
“Mas meu leite secou — queixam-se elas — como ajudálo na incubadora? Eu não sei cuidar dele, são vocês que
sabem”.
E, dia após dia, os rituais de entrada do serviço, de saı́da
da incubadora, são colocados como tentativas de simbolização. De semana a semana, a equipe — que renuncia a
se posicionar como “a boa mãe toda poderosa”, a que sabe
fazer a criança viver — questiona a mãe, a verdadeira, sobre
o que ela sente: “Você que o conhece melhor que todo mundo, como o sente esta manhã? Ajude-nos a compreendê-lo,
a saber o que é bom para ele”.
Este convite, ou talvez esta autorização a projetar-se sobre a criança, a “antecipar”, permite à mãe “fabricar” seu
bebê, ao mesmo tempo em que permite ao bebê “fabricar”
sua mãe.
Enquanto outro, a equipe tem então uma dupla função:
separar a criança da mãe e autorizá-la a tornar-se mãe para
seu filho. Esta função é ainda mais acentuada quando o pai
está ausente e nenhuma famı́lia está em posição de sustentar
a mãe. É este trabalho que permite à mãe manter para seu
bebê um projeto vivo. Se o tempo de hospitalização restaura
o bebê, deve também permitir à mãe restaurar sua própria
imagem, senão à saı́da do serviço ela será incapaz de cuidar
do seu bebê.
136
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
É preciso levar as mães a pensarem que, se a criança está
viva, elas têm alguma coisa a ver com isso. A maioria das
mulheres que nós recebemos no serviço não teriam sido mães
sem o progresso da ciência. Seus bebês não teriam vivido,
e elas se sabem — melhor que ninguém — portadoras da
morte.
O hospital, que vem ocupar o lugar de terceiro, pode
então proteger a mãe do seu filho e a criança de sua mãe,
absorver a violência mortı́fera da fantasia deles.
Hoje temos a convicção que a hospitalização não é forçosamente fonte de complicações psicológicas para o bebê mas,
pelo contrário, que ela pode permitir, contanto que esteja à
escuta, salvar não somente a pele da criança, mas também
sua “pele psı́quica”. É nisto que o papel do serviço, além do
tratamento, é essencial.
Claro que não eram estas as idéias dos primeiros médicos
que demandaram a colaboração dos analistas. Seus questionamentos eram mais ligados ao progresso da ciência. Quanto
mais as técnicas se aperfeiçoavam, mais as crianças eram salvas ao preço de hospitalizações e lamentáveis para todo mundo: famı́lias, crianças e médicos, e mais os serviços de medicina se interrogavam: “Estas longas hospitalizações, se salvam
vidas, não fabricam crianças psicóticas? Não agem sobre o
desenvolvimento da criança, sobre o destino das pulsões?
Não tornam masoquistas as crianças acostumadas a sofrer?
Depressivos ou atrasados os bebês privados das estimulações
habituais e estruturantes? Seria preciso se abster, estamos
seguros de não estragar querendo fazer o bem?”.
Tomada por estas questões difı́ceis, a medicina moderna
fez apelo à psicanálise para ser mais “perfeita”, ainda mais
sábia, e para identificar os estragos eventuais dos progressos
cientı́ficos.
137
BEBÊS DE RISCO
Mas trata-se de reparar estragos?
Uma mulher de 46 anos, médica, veio à consulta há alguns anos, por causa de uma grave depressão, cujos sintomas tinham aparecido após uma FIV (fertilização in vitro).
Estéril, tinha, a pedido do marido, aceito uma doação de
óvulo. Método exclusivamente americano na época, e que
consistia em comprar, por um alto preço, num banco de
óvulos, óvulos de uma mulher desconhecida. O esperma do
marido fecundava os óvulos em proveta e se reimplantava na
mãe o óvulo que parecesse mais apropriado. Ela se tornava
então mãe portadora de uma criança de seu marido e de uma
mulher desconhecida.
A FIV tinha fracassado, e os médicos atribuı́am este fracasso à violência da depressão na qual ela se encontrava submergida. Mas esta mulher se lembrava muito bem de ter
se sentido deprimida antes do seu aborto. Tinham-lhe, na
época, aconselhado uma psicoterapia que daria, diziam-lhe,
mais chances, no que diz respeito à medicina, de que ficasse
grávida na próxima tentativa.
Doação de óvulos, doação de esperma, criança de prêmio
Nobel comprada a preço de ouro nos Estados Unidos, crianças de 500 gramas que apesar de tudo são mantidas vivas
pelo progresso da ciência, todas estas técnicas perturbam
tanto os pacientes quanto os médicos.
Se a psicanálise pode trazer uma outra luz, ela não pode
certamente responder à angústia ou acalmar as inquietudes
que estas técnicas despertam, ela pode menos ainda aperfeiçoar os métodos.
O que, por outro lado, nos parece pertencer ao seu registro, é a interrogação que propõe à medicina sobre o lugar
que está preparado para o sujeito, sobre o lugar dos médicos,
sobre a questão da onipotência.
138
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
Com efeito, se a equipe de neonatologia não aceita passar de mão, renunciar o mı́nimo que seja à sua onipotência,
a mãe manterá com relação ao seu filho esse sentimento de
estranheza tão freqüentemente expressado: “Ele não me reconhecerá ao voltar para casa, eu também não o conhecerei,
não fui eu quem cuidou dele”.
A mãe de Julien nos explicava que queria comprar uma
blusa branca: “para que saindo do serviço, seu filho a tomasse como médica e assim se sentisse tranquilo”?
Mas quem é tranquilizada por esta blusa branca, senão a
mãe que sente necessidade de trocar de pele com uma outra,
com esta que sabe dar a vida?
Essas crianças doentes, essas mães feridas, estariam prontas para viver juntas? As mães têm medo das suas pulsões
mortı́feras e o hospital, função paterna, mediadora, pode vir
para protegê-las disto.
Ele vem garantir à mãe que a criança, num primeiro momento, viverá apesar dela, o que atenua sua culpabilidade;
e, num segundo tempo, se a mãe é acompanhada, que seu
filho viverá graças a ela.
Para ocupar esta função e fazer este trabalho a equipe
será posta a uma dura prova: não somente deverá renunciar
à onipotência mas também terá que recolocar em questão as
idéias pré-concebidas sobre o amor idealizado das mamães.
O analista sabe da violência e do ódio, pode escutar os
desejos de morte das mães e a vigência das pulsões de morte atuando na criança. A maternidade não é um conto de
fadas, e o traumatismo da hospitalização nos lembra isto.
Esta violência, que também é para ser escutada no serviço,
está algumas vezes em primeiro plano. Algumas mães desencadeiam a agressividade, projetando no hospital um lugar
139
BEBÊS DE RISCO
monstruoso habitado por bruxas demonı́acas que gozam de
seqüestrar e de causar sofrimento às suas crianças.
Mas, em todos os casos, a equipe deve identificar que
tratam-se aı́ de tentativas de projeção, de distanciamentos
através dos quais a mãe tenta desesperadamente se reconhecer enquanto “boa”. Por mais dolorosa que seja esta posição
para a equipe, não seria também um meio de se colocar como
“terceiro?”
No tempo desta separação, vivida de forma agressiva ou
não — não parece ser esta a questão — deverá elaborar-se
para uma mãe sua maternidade.
Freqüentemente as mães passarão por uma modificação
psı́quica importante, por ocasião da qual poderá se construir
o “instinto maternal”: “Quando eu o vi pela primeira vez eu
o achei tão feio que eu não tive vontade nenhuma de tocálo”, nos diz a mãe de Karim. Muito tempo foi necessário
para esta mãe investir sua criança como objeto de desejo.
A criança falicizada não é geralmente a da incubadora, mas
uma criança imaginária que não tem nada a ver com aquela
ali, infeliz e sofredora.
“Se fosse para dar-lhe uma vida assim — diz a mãe de
Sabrina — não valeria realmente a pena”.
O instinto maternal não cai do céu, é uma construção
de uma história de doçura e de amor que começa bem antes
do nascimento, bem antes da concepção, na época em que a
mãe, imitando a sua própria mãe, se consolava por ser uma
menina brincando de boneca, na época ainda longı́nqua onde
sua mãe cuidava dela bebê.
Mas hoje esta criança tão pequena, tão doente, tão decepcionante, se parece com a criança imaginária que ela se
preparou para amar e para quem ela só podia se imaginar
como boa mãe dando-lhe força, saúde e beleza?
140
PRÁTICA ANALÍTICA EM NEONATOLOGIA
Face ao bebê doente, a mãe às vezes em pane de desejo, não pode mais se reconhecer como mãe. Antes que uma
criança fale podemos tudo imaginar, é isto que torna as crianças tão fáceis de amar. Diante da doença, as mães perdem
a imaginação.
Pouco a pouco, sejam os pais bons ou maus, recebendo
as projeções da mãe, o hospital permite a esta um acesso ao
imaginário e à simbolização.
Deixaremos o cuidado de concluir a esta mãe de origem
árabe que deu à luz, por cesariana, uma menina nascida prematuramente. Era seu primeiro filho. Zora estava no serviço
há três dias e sua mãe não queria vê-la; aquela chorava no
seu leito na maternidade e — como geralmente ocorre com
as mães separadas dos seus bebês — se recuperava muito
lentamente do pós-operatório: “É uma menina — dizia ela
— ela é pequena demais, eu não quero vê-la”.
Quando, três dias depois, eu a recebi, ela me explica que
ela própria era a sexta filha e última criança de uma mãe,
cujo desespero era o de não ter tido meninos. “Na minha
terra é preciso ter meninos, senão a gente não é uma boa
esposa. Eu não ousei contar ao meu marido, que ainda está
no seu paı́s”; e ela chorava desesperadamente, suas lágrimas
e as lágrimas de sua mãe, recusando ver Zora, desviando os
olhos quando nós a acompanhamos à incubadora.
Dia após dia as enfermeiras apresentavam-lhe sua filha,
uma exuberante menininha presente e dada que tinha rapidamente garantido seu lugar no serviço. A cada encontro
comigo a mãe de Zora, que sofria cada vez menos com sua
ferida no ventre, falava de uma outra ferida. De sua infância,
da violência de sua própria mãe, das suas fobias de impulso
que paralizavam ela própria, tão convencida estava de que
iria matar sua criança.
141
BEBÊS DE RISCO
Mais ela falava dela com desespero, mais ela falava à
equipe com agressividade e mais ela podia falar de Zora com
ternura. Um dia uma enfermeira lhe disse: “Sua filha é bela,
mais tarde, como você, ela terá belos filhos”.
Esta promessa foi muito importante para esta mãe, que
escutou aı́ uma promessa de uma reparação da ferida de sua
própria mãe, e tornou-se, devagarzinho, um pouco mais capaz de acolher sua criança, que podia começar a se inscrever
sem vergonha na história da famı́lia.
É este tempo de elaboração e adoção que o hospital torna
possı́vel. O que poderı́amos imaginar do futuro desta mãe
e de Zora se elas estivessem estado ao mesmo tempo sós e
juntas? Deixando o serviço com Zora no colo, ela passou
na minha sala, sem horário marcado: “Só uma palavrinha,
me disse ela, diga às enfermeiras que não é para elas ficarem
com raiva de mim, eu fiz todo o mal sair, eu o tinha no
ventre, agora eu e Zora, a gente vai tentar viver”.
Sobre a Autora
Psicanalista, membro do Espace Analitique de Paris. Trabalha num serviço de neonatologia em Paris. Publicou vários
artigos sobre o trabalho psicanalı́tico com crianças pequenas
e bebês.
142
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
QUESTÕES ACERCA DO
ATENDIMENTO PAIS-BEBÊ
Daniele de Brito Wanderley
Intervenção precoce: um breve histórico
O trabalho em torno da primeira infância vem tomando uma dimensão crescente. Bowlby1 e Spitz chamaram a
atenção para os efeitos da separação precoce pais-criança
e seus estudos repercutiram numa reformulação no atendimento coletivo a crianças pequenas na maior parte dos paı́ses
do mundo. As creches e orfanatos foram fortemente influenciadas e uma crescente preocupação quanto à formação
da personalidade nos primeiros anos de vida começava a se
esboçar, bem como um maior interesse na observação das
reações infantis. Assim, começou a se falar, por exemplo,
em depressão de bebês e estados de privação afetiva.
Nos anos 70-80 uma nova onda de estudos, desta vez liderados por americanos como Brazelton2 , Klaus e Kennel3
começa a discutir as conseqüências psı́quicas, para os bebês,
de situações de hospitalização precoce. Como conseqüência,
serão os berçários que vão sofrer uma tentativa de reformulação: os pais são convidados a deixar o lado de fora dos
cuidados intensivos dos hospitais e entrar em relação o mais
cedo possı́vel com seus filhos.
A partir daı́ se verifica o chamado boom dos bebês: pesquisadores e clı́nicos na Europa e Estados Unidos se unem
143
BEBÊS DE RISCO
através de publicações, jornadas e congressos para a divulgação dos novos conhecimentos em relação às competências
dos recém-nascidos. A partir do chamado fenômeno da habituação∗ , descobriu-se capacidades surpreendentes. Utilizando-se a sucção concomitante a um estı́mulo, percebeu-se
que o bebê parava de sugar depois de determinado tempo e
retomava a sucção se algo novo fosse introduzido, o que demonstrava sua discriminação perceptiva. Com outro método
utilizado, o de fixação visual, descobriu-se as “preferências”
do bebê, através do tempo durante o qual ele consagra sua
atenção a um estı́mulo em detrimento de outro. Por exemplo, sabe-se que um bebê prefere olhar para figuras com uma
gestalt humana do que para figuras geométricas.
Ainda no que se refere à capacidade visual, os bebês se
interessam mais em olhar um objeto que mantém a mesma forma de uma figura já vista anteriormente, tendo sido
modificado apenas o seu tamanho; o que demonstra sua capacidade de representação centrada no objeto (Milewski, in
Mehler, p.93)4 . Também se constatou que apresentando-se
duas formas, sendo a segunda com um só traço diferencial da
primeira (forma à qual ele estava habituado), o bebê dirige
seu olhar em direção a este traço que a diferencia da forma
conhecida (Van Giften e Haith, in Melhler, p.93).
Quanto à capacidade auditiva, sabe-se a partir de então
que os limiares auditivos dos recém-nascidos e dos adultos
são quase idênticos. É a modalidade auditiva que predomina
até os dez meses de idade, ou seja, ele é mais sensı́vel até
esta idade e se interessa mais por um estı́mulo auditivo que
por um estı́mulo visual.
∗
Sabe-se que o interesse do bebê aumenta diante de um estı́mulo novo
e decresce após um certo tempo de repetição deste estı́mulo; ele se
“habitua” e se desinteressa, sendo que sua atenção pode ser retomada
com a apresentação de novo estı́mulo (N. da A.).
144
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
As pesquisas de Boysson-Bardies5 na área psicolingüı́stica trazem dados surpreendentes. Ela faz uma revisão em
muitos estudos neste campo, especificamente sobre a discriminação fonética e o surgimento da linguagem. A autora
afirma que o bebê pode perceber os sons que constituem a
lı́ngua — “ele pode não só ouvı́-los, mas também extraı́los, dissecá-los, reconhecê-los, organizá-los e analizá-los”.
(p.29). Por exemplo, os bebês de quatro meses mostraram
distinguir as sı́labas [ba] das sı́labas [pa]. (p.31). Ela lança
mais luz sobre o tão descrito “falar bebê”, também conhecido como o mamanhês ou manhês. Diz ela: “A prosódia
natural “força” a escuta dos bebês...As mães o sentem tão
bem que amplificam as variações de intonação e brincam
com suas vozes quando falam com suas crianças. Graças a
estas variações, não somente os bebês não perdem suas capacidades de discriminação, mas estas se encontram reforçadas
pelo exagero do ritmo e dos contornos prosódicos. Constatase, por sinal, que os bebês discriminam melhor os contrastes
fonéticos quando as frases são lidas por uma mulher encarregada de se dirigir a uma criança, que quando elas são lidas
por um adulto se dirigindo a um outro adulto”.(p.40).
A clı́nica psicanalı́tica com bebês
Muito se fala da prematuridade da raça humana, da dependência incontestável do bebê humano em relação a um
Outro que assegure-lhe não só a sobrevivência como também
a constituição subjetiva. Mas pouco se sabia do que consistia este aparato de que vem dotado o bebê e que o torna
capaz, desde os primeiros dias de vida, de ser um parceiro
ativo na interação com seus pais e não mais algo inerte e
facilmente moldável.
145
BEBÊS DE RISCO
É a partir desta nova concepção de bebê competente, mas
nem por isto menos dependente, que se fez necessária uma
clı́nica onde o bebê estivesse presente na consulta com seus
pais, para que não só algo do discurso pudesse ser escutado,
mas também suas manifestações, que se fazem notar por seus
sintomas e reações, fossem percebidas e reenviadas aos pais.
O que acontece quando muito cedo um bebê que prioritariamente espera sons se vê privado da comunicação com
sua mãe, seja por uma hospitalização precoce, seja por uma
depressão materna? Que efeitos isso pode acarretar no seu
psiquismo? Estas são questões que fizeram com que alguns
analistas se debruçassem sobre a clı́nica precoce para ouvir
aquilo que, sem ser falado, se faz valer por seus efeitos.
Bertrand Cramer e Palácio-Espasa6 indicam a psicoterapia conjunta mãe-bebê sobretudo para o infante, ou seja, a
criança de menos de 24 meses para quem a palavra não é ainda o instrumento principal de comunicação e representação.
Cramer7 assim define a psiquiatria do bebê: “Reconhecemos
depois de algum tempo que os bebês podem apresentar problemas psicológicos. Eles podem, desde os primeiros dias,
recusar o seio, evitar a troca de olhares, regurgitar a comida
ou ainda apresentar estados de tensão e de agitação: estes
‘sintomas’ são sinais de angústia psicológica que só compreendemos interrogando o mal-estar compartilhado com a
mãe. Estes tipos de sintomas... se tornaram objetos de uma
nova disciplina: a psiquiatria do bebê”.
Ele ressalta a importância do espaço projetivo entre pais
e bebê e é aı́ que situa seu trabalho: trata-se para Cramer
de decifrar as fantasias que vêm habitar o berço do bebê ou,
dito de outro modo, ter acesso às representações em torno
da criança, aos conflitos subjacentes à relação dos pais com
este filho.
146
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
De um bebê se fala: um caso clı́nico
Mãe e filha se estranham
Decidi falar-lhes de um tratamento conjunto mãe-bebê
(o pai não quis vir a nenhuma das sessões) que apresenta
pontos de discussão numa prática interdisciplinar em torno do bebê, considerado com risco de sequela neurológica,
bem como a intervenção e o olhar dos profissionais aı́ envolvidos em torno do real do corpo. Contarei um pouco
da trajetória desse tratamento, na tentativa de facilitar um
espaço ilusório suficientemente consistente para permitir à
criança um atravessamento do tão fundamental estádio do
espelho.
Trata-se de uma menininha de 9 meses, encaminhada
pela fisioterapeuta de estimulação precoce que se inquietava,
assim como sua mãe, sobre seu desenvolvimento psicomotor.
Ela também era sensı́vel à difı́cil história de sua pequena
paciente e à interação mãe-filha.
Carolina, como vou chamá-la, recusava-se a “sair do lugar”. Ela permanecia sentada em todas as sessões, não se
deslocava, não buscava os objetos de seu interesse. Apesar
de ser “enfezadinha”, como dizia sua mãe, e ser de pouco
sorriso, tinha uma boa comunicação pelo olhar, o que não
fazia dela uma criança apática ou desinvestida do outro e
dos objetos.
Na primeira entrevista, a mãe, que chamarei de Adriana,
se queixa que sua filha a estranhou quando do seu retorno de
uma viagem de um mês. Ela se mostra ressentida com sua
filha, que reagiu com sorrisos ao rever o pai “a quem não é
tão apegada assim”. Contrastando com a reação de Carolina, seu irmão gêmeo, Léo, abriu os braços e se derreteu em
sorrisos. Em outra sessão a mãe fala que a filha estranha, ao
contrário do irmão. O significante estranho surge mais uma
147
BEBÊS DE RISCO
vez quando se refere ao seu casamento: casou-se com um
estranho, que não sabia direito quem era ou de que gostava
em virtude de morar em outra cidade e se verem pouco.
Neste primeiro encontro constato que o contato corporal entre ambas se dá com dificuldades. Isto se manifesta
inicialmente quando a mãe entra na sala acompanhada da
babá que segura o bebê. Quando peço que esta espere lá
fora, Adriana toma Carolina nos braços, ela se arqueia para
trás e sua mãe a coloca no tapete deitada. O bebê não parece satisfeito e é então levantado pelos braços, ao que reage
se jogando para trás novamente. Ela é finalmente colocada
sentada no tapete e sua mãe oferece-lhe alguns brinquedos.
Carolina se interessa e brinca por alguns minutos.
Em algumas ocasiões ela manifesta seu desconforto resmungando, o que não é percebido pela mãe. Nestes momentos me dirijo ao bebê interrogando-o sobre o seu mal-estar.
Esta intervenção visava muito mais atingir à mãe que ao
bebê, evidentemente. Esperava ver a reação materna diante
da demanda de Carolina. Adriana continua a falar sem perceber os sinais da filha, até que esta se lança em direção ao
colo materno. A mãe a segura de pé no seu colo, sustentada
pelos braços. Carolina se balança, se estica, tropeça, numa
dança mal sintonizada.
Estas imagens nos falam daquilo que Winnicott assinala
como a função de contenção e sustentação do bebê: o holding. Percebe-se que a interação das duas se dá com dificuldades, já que os sinais da criança não são muito percebidos
pela mãe e, quando o são, as respostas que esta envia não
são muito eficazes para o consolo da criança. Elas parecem
se “estranhar” mutuamente.
O autor Daniel Stern8 , observando muito atentamente
interações pais-bebê, chama a atenção para uma dimensão
148
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
nesta relação que ele nomeia de “accordage affectif ”∗ ; tratase da capacidade do adulto de compartilhar o estado emocional do bebê percebendo seus sinais e demandas e enviandolhe uma resposta com gestos, olhar ou voz; assim, a criança
tem a certeza de que ela pode se comunicar com um outro
que é capaz de decodificar suas mensagens. Em alguns momentos Carolina e sua mãe se apresentam num descompasso
interativo, como se faltasse aı́ uma certa afinação.
Em algumas situações coube então a mim posicionar-me
como porta-voz das mensagens de Carolina, ora me dirigindo
à própria criança, ora apontando a capacidade maternante
da mãe — por exemplo, quando esta finalmente a aconchega
no colo digo: “Que colo gostoso, hein!”. Neste momento me
coloco no lugar do bebê e destaco o lugar de grande Outro
real que ocupa a mãe. Desta forma tento captar a atenção
da mãe para as demandas de Carolina, ao mesmo tempo
em que demarco o enquadre — trata-se de um atendimento
que visa a relação e que por isso mesmo não pode perder
de vista o bebê. Ouvir o discurso parental é um objetivo,
mas não o único; fazer com que o bebê se faça ouvir, ainda
que não haja palavras aı́, faz parte da proposta terapêutica.
É pela via do discurso materno (e ressalto o materno, pois
neste caso o pai “cede” lugar à mãe, dizendo-lhe que parece
que é ela que precisa do atendimento, e recusa-se a vir),
da possibilidade de vir falar desta criança, do que suscita
na história materna e nos sintomas da menina que Carolina
começa a sair do lugar. Um lugar que desde a primeira vista
se revela fixo, sem deslocamento possı́vel.
Carolina nasceu com um problema intestinal, o que a
fez submeter-se a várias cirurgias nos primeiros meses de
∗
Que traduzo por sintonia afetiva; através dela ele ressaltava a sintonia
da orquestra quando os instrumentos estão afinados entre si e os músicos
entrosados uns aos outros (N. da A.).
149
BEBÊS DE RISCO
vida. Ainda recém-nascida, fica um mês na UTI neonatal,
assim como seu irmão gêmeo, este de alta após 15 dias de
hospitalização.
Este irmão, tendo contado com a presença da mãe mais
precocemente, é descrito como guloso, sorridente e apegado
à mãe e, ao contrário de Carolina, não pára quieto e se desenvolve bem. Adriana, inicialmente na casa da mãe, conta
com a ajuda dela; instaura-se então uma divisão muito clara: a avó cuida de Carolina e Adriana de Léo. Guloso e
demandante, ele é o primeiro a ser alimentado, tendo aproveitado do contato com o seio materno. Quanto a Carolina,
que sugava devagar e com pouca força, a avó providenciava
uma mamadeira.
Adriana se queixa de que só à noite Carolina era sua.
Ela se emociona ao falar que para ela só sobrava cuidar da
colostomia. Sua famı́lia a vê como sendo forte e a única
a poder se deparar com este “cocô”, se queixava: “Eu me
controlava, me acostumava a limpar. Era horrı́vel, ninguém
queria fazer aquilo. Às vezes era insuportável para mim”.
Adriana fala do seu ressentimento em relação às acusações
familiares de que ela não gostava muito de Carolina: “Às
vezes ela não me queria, era uma coisa com minha mãe...”, se
justifica.Continua seu discurso dizendo que a filha não parece
gostar de ser ninada, dorme só no berço e não consegue
adormecer no colo. Finaliza: “Ela é enfezadinha, não é de
sorrir”.
Diante da presença da avó que reinvindica a maternagem
de Carolina, a mãe fala do seu não-lugar. Ela vai então
falar da sua insatisfação, das suas fragilidades, abdicando
um pouco deste lugar de Fortaleza que ocupa na famı́lia.
150
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
Em busca do trono perdido ou O momento da alienação
O atendimento conjunto permite, por um lado, que Adriana coloque em questão sua presença materna, assim como
a faz perceber coisas em Carolina que surgem como surpreendentes e que encantam. O laço mãe-filha se fortalece.
Carolina mostra empatia ao sofrimento materno quando diante do discurso da mãe reage em alguns momentos olhando
para ela, interrompendo seu brincar para fixar-se no olhar
desta, ou quando chora e dá os braços em momentos de
maior emoção para sua mãe. Também reage à minha imagem na televisão (dando uma entrevista) e sorrindo, balbuciando, chama a atenção da mãe, que comenta depois, orgulhosa: “Eu nunca ia imaginar que ela lembrasse de você,
conhecendo-a tão pouco tempo”. Adriana também vem contar as novas gracinhas de Carolina e, na comparação com o
irmão, ressalta traços de diferença, mas não mais de inferioridade: “Ela não é de pegar vários brinquedos de vez, mas
explora longamente cada um e adora os bem pequenos” ou
“Ela ainda não faz o que ele faz, mas observa atentamente
e tenta imitar”. Ou ainda: “Ele é maior, mas ela também
briga e sabe se defender”. Esta mãe revela-se uma atenta e
interessada observadora e parceira da sua filha, o que sem
dúvida contribuiu decisivamente para sua rápida evolução.
Adriana começa a se tornar mais ı́ntima e Carolina já
não lhe é mais estranha. A mudança para a própria casa e o
conseqüente afastamento da avó acontece num momento em
que a mãe é muito mais continente e segura para dar-lhe um
lugar no desejo materno; fica contente de passear com ela e
de perceber que “sua majestade o bebê” — como salientou
Freud9 para falar do investimento libidinal dos pais para com
um bebê — chama atenção e que além disto retribui sorrisos
e tchauzinhos a seus “súditos”. Quando faz um ano a mãe a
151
BEBÊS DE RISCO
leva para a neurologista e relata que Carolina ainda não anda, que gostaria muito de vê-la dar este passo. Adriana me
conta que parece que Carolina entendeu a mensagem e no dia
seguinte começou a andar. Assim, depois de ser demandada, responde com sorrisos, reconhecimento e carinho, o que
fortalece o vı́nculo mãe-filha. Carolina deseja o que a mãe
deseja dela.É o tempo da alienação no desejo materno, momento necessário e fundamental para ser possı́vel advir um
outro momento crucial, o tempo da separação-individuação.
A chegada da avó paterna introduz uma novidade na
famı́lia: esta passa a ninar os dois netos numa cadeira de
balanço animando com cantigas. Adriana percebe que Carolina começa a desfrutar desta experiência, inclusive resistindo a dormir com a mãe quando vê e ouve a avó com o
irmão. A mãe se inquieta um pouco com a partida próxima
da avó e esta então propõe que a nora aprenda a cantar, o
que aterroriza esta mãe e a faz resgatar uma fase importante
da sua infância. Diz que nunca gostou de sua voz, que na
sala de aula, quando cantavam, mantinha-se calada. Além
do mais, justifica: “um dia cantei para ela, mas ela me olhou
como quem diz: não é a mesma coisa”.
Neste fragmento se vê como as interpretações maternas são feitas em função da maneira como se vê, e suas
dificuldades interativas atuais com esta filha refletem mais
sua posição subjetiva. É o que Bertrand Cramer10 e Serge
Lebovici11 destacaram como sendo a dimensão fantası́stica
das interações precoces. Neste momento me dirijo à mãe no
sentido de ressaltar a dimensão afetiva que o cantar comporta e ao mesmo tempo cortar um pouco a univocidade da
interpretação materna: “ Será que ela com este olhar não
podia expressar surpresa ao descobrir sua voz? Para você é
a voz artı́stica que você se exige, mas para ela é a voz da
mãe”.
152
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
Estamos diante da distinção entre lı́ngua e voz, ou seja,
o caráter libidinal da voz que a situa do lado da pulsão. É a
voz materna enquanto presença que faz borda no ouvido da
criança, instaura a dimensão presença-ausência. Uma voz
que quando falta instaura a ausência e faz surgir a demanda
de Carolina — ela se estica num apelo para a cantiga da avó.
Esta sessão é especialmente rica, pois a mãe pode falar
mais da sua infância e pela primeira vez fala da sua relação
com a irmã e o modo como os pais lidavam com as duas.
Também na sua casa as relações eram marcadamente diferenciadas: o pai era mais apegado à outra enquanto que
a mãe era mais “identificada a ela”. Diz que seu pai fazia
todas as vontades de Andréa, que ela ganhava tudo no grito.
Em outra sessão a mãe vai falar que Carolina está muito
voluntariosa, que está sendo estragada pelo pai, que a mima
e faz todas as suas vontades com a desculpa de que ela já
sofreu muito. Ela se ressente do distanciamento que seu
marido tem com Léo. Diz: “Criança precisa de limites, ela
está passando por cima de Léo”.
No nı́vel das projeções maternas Carolina oscila entre a
“estranha ” e a “rival”. Ela evoca sua vivência infantil com
sua irmã. Neste momento Carolina-Andréa passa a ameaçar
com sua dominação Léo-Adriana. Esta mãe se limita no seu
contato com a filha com medo de fazer dela sua irmã, estragada pelo pai. As relações edı́picas são reativadas aı́. Sua
mãe (avó) identificando-se a Adriana merece como recompensa uma neta-filha. Léo, dócil, apegado a ela mas que
não reclama tanto. Nesse momento de maior aproximação
com Carolina, Léo fica mais tempo com a babá, de quem
ele exige exclusividade, poupando a mãe de maiores demandas; ele aceita sem maiores protestos a crescente intimidade
mãe-filha.Adriana vem em sua defesa temendo o risco dele
ser esquecido pelo pai como ela própria o fora. Ela verbaliza
153
BEBÊS DE RISCO
este jogo identificatório de modo muito estabelecido: “Carolina é Andréa e Léo sou eu”.
Um momento importante é quando Carolina adoece e
pára de se alimentar. Ela só chora e dorme. As duas faltam à sessão e 15 dias depois Adriana diz que dengou muito
a filha, que ela está descontando os atrasados, mas que ela
está ótima agora, mais sorridente e comendo mais que anteriormente. A mãe se permite dengar sua filha sem temer
“estragá-la”.
Após esse tempo de aproximação tão intensa, é possı́vel
para Carolina ir experimentando também outros laços, desfrutando da companhia de outros familiares, o que assegura
sua mãe, que temia vê-la muito dependente e exclusivista.
Ela passa a ficar bem com as tias, coisa que resistia “enfezadamente” e por outro lado dando tchau à avó e indo pegar
sua sacola quando a mãe vinha buscá-la. Ela tinha assegurado um lugar conquistado e podia usufruir do trono que lhe
cabia. Da alienação rumo à individuação.
O lugar do pai
Nas sessões, algo da demanda paterna começa a surgir.
Adriana queixa-se de que o marido parece distante e não
ajuda; ao mesmo tempo ela começa a se dar conta de que
ele exige também sua presença, que demanda sua mulher.
Ela percebe que ele estava excluı́do da relação com ela e os
filhos e isso continua mesmo à noite, pois os gêmeos estavam
acordando e ficando na cama do casal. A partir daı́ ela
apela para ajuda, resolve abrir mão um pouco de dar conta
de tudo, passa a deixar as crianças também com a avó ou
tias e o casal sai da cobrança mútua e inicia um diálogo
maior. Adriana toma algumas medidas de ordem prática
que a auxiliam no cuidado com os filhos e ele passa a ser
154
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
espontaneamente mais participativo com as crianças e menos
agressivo com ela.
Este pai que exige seu lugar no desejo da mulher, que a
priva do total domı́nio das crianças, permite que um novo
tempo se dê, o tempo da separação — tempo em que as
crianças se dão conta de que a mãe também lhes falta, que
há um pai; momento em que eles passam a “ sair da barra da
saia”, como dizia Adriana, para desfrutar de outros espaços,
da companhia de outras pessoas diferentes da mãe. A função
paterna faz valer seus efeitos.
Prematuridade: o bebê, (os médicos) e os pais.
Questões acerca da intervenção interdisciplinar precoce
A distância corporal sentida de inı́cio pode revelar os
primórdios dessa relação, marcada por uma separação precoce (hospitalização em UTI neonatal), em seguida por uma
intimidade corporal interrompida quando uma colostomia se
interpunha entre o corpo da mãe e o da filha, depois pela
presença de um irmão que fazia valer sua demanda e da
avó que assegurava os cuidados. Uma intimidade na relação
precoce fora interrompida.
Catherine Druon12 , psicanalista trabalhando há muitos
anos em UTI neonatal, fala de “ preocupação médica primária”, em contraposição ao estado descrito por Winnicott13 de
“preocupação materna primária”, ou seja, o estado de hipersensibilidade materna, em que todos os interesses e atenção
estão voltados para o bebê, a ponto dele chamar este estado
de loucura materna. Os pais destes bebês prematuros viveriam este encontro inicialmente intermediados por aparelhos
e monitores, entre medicamentos e exames numa “preocupação médica primária”.
Grenier (in Maurel, Chaillou e Raynaud14 ) descreve uma
155
BEBÊS DE RISCO
necessidade da mãe de refugiar-se um pouco em casa num
perı́odo que ele chama de convalescência, uma tentativa de
tentar enfim criar um vı́nculo ı́ntimo com seu filho privado
tão precocemente da sua presença, numa complacência total
com o bebê, tentando se fazer presente e assegurar-se de
uma maternagem que lhe cabe. No caso de Carolina, mais
uma vez ela pôde assistir passivamente à maternagem da sua
filhinha por outra pessoa.
O atraso psicomotor e o olhar a partir da ótica da reabilitação
Além da hospitalização precoce e da intervenção médica,
o bebê prematuro e sua mãe vão se deparar com outro profissional que se interpõe na intimidade desta interação precoce:
é o terapeuta de estimulação precoce.
Tenho percebido muito freqüentemente, nas crianças em
tratamento de estimulação precoce por muito tempo, um
certo “furor de reabilitação” em que estas mães podem se ver
mergulhadas, muito em função das suas próprias histórias de
maior ou menor flexibilidade diante da aceitação da criança
real, em detrimento daquela perfeita, imaginada, mas também em função do olhar do terapeuta sobre seu filho.
A depender de como o próprio terapeuta de estimulação
perceba, encare e vivencie o atraso psicomotor, o risco de
seqüela ou uma lesão neurológica, se posicionando de forma a responder a uma demanda (implı́cita ou explı́cita) de
“conserto” do que está falho ou não “conforme o imaginado”, trava-se uma dinâmica em que pouco importa como é
o deslocamento deste bebê, como é seu jeitinho único, suas preferências e caracterı́sticas mais individuais.O que vai
ser priorizado nesta trı́ade mãe-bebê-terapeuta é a posição
correta, os exercı́cios a serem feitos sem perda de tempo, e
156
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
de preferência também em casa, e assim o espaço de constituição de um sujeito vai ficando cada vez mais comprometido.
Tenho me perguntado e assistido de perto, junto com
médicos, fisioterapeutas e crianças, sobre as marcas do real
no corpo destas crianças e as dificuldades de uma subjetivação nestes casos. Assistindo a algumas sessões de fisioterapia com alguns bebês se tem a impressão de estar diante
de técnicos do motor e do desenvolvimento que têm um saber sobre este corpo. As mães, quando presentes, vêem seu
filho ser manipulado de um lado a outro e palavras são endereçadas no sentido do que não funciona — de hipertonia,
das falhas. Algumas delas são muito “cooperativas”, atentas e até têm alguns apetrechos para continuarem em casa os
exercı́cios recomendados. A questão não é de se pregar aqui
uma oposição à estimulação precoce, dada a sua pertinência
em aproveitar o momento de maior plasticidade cerebral para fazer valer seus efeitos no real, o que sem dúvida possibilita até uma maior subjetivação, mas de como estes médicos
ou terapeutas se introduzem numa fase tão importante para
a relação mãe-filho e que efeitos isto tem na subjetividade
da criança.
Marie Christine Laznik15 tem desenvolvido nos seus trabalhos a distinção entre a visão e o olhar, partindo do fracasso da instauração do circuito pulsional nas crianças autistas
— todos sabemos que o autista recusa o olhar. A partir dos
trabalhos de Selma Freiberg com bebês cegos que “olham”
suas mães Marie-Christine estabelece o olhar enquanto presença, diferenciando-o da visão como acuidade visual, organicamente determinada. É o olhar do Outro que está aı́ em
jogo.
Ela desenvolve a leitura do esquema óptico de Bouasse
(apresentada por Lacan no Seminário I16 ), aquela experiên157
BEBÊS DE RISCO
cia da fı́sica em que obtêm-se, por ação do espelho côncavo,
uma imagem ilusória: as flores que se encontravam sob uma
caixa se vêem projetadas sobre esta caixa, em cima de um
vaso de flores ali colocado, fazendo uma unidade vaso-flores,
uma imagem real. A partir desta visão de um todo que
na realidade não existe, mas é conseqüência de uma ilusão,
Marie-Christine relaciona o vaso com o orgânico do bebê,
o corpo enquanto real e as flores como conseqüência de um
certo olhar, da ilusão antecipadora dos pais que vêem no
bebê um além de sua pura insuficiência orgânica. Ela considera este olhar como necessário e anterior à constituição do
estádio do espelho, teorizado por Lacan como sendo aquele
momento na constituição da criança em que esta se reconhece enquanto imagem refletida no espelho e se vira para
quem a carrega para confirmar, pelo Outro, a imagem do
seu corpo, sua identidade.
Ora, a depender da “óptica” do terapeuta, este bebê pode ser olhado e falado como o orgânico imperfeito, o “vaso”
quebrado. Estes bebês se situam mais do lado da falha que
do lado da falicização. Aonde vai parar o trono destes bebês,
aquele apontado por Freud como “Sua majestade, o bebê”,
a quem são atribuı́das todas as perfeições e negados os defeitos? O bebê das promessas e das ilusões? Como investir
este corpo que fere o narcisismo parental? Como se dá o
tão fundamental estádio do espelho teorizado por Lacan17 ,
se o olhar do terapeuta (e da mãe?) mal situado não vê a
ilusão do bouquê de flores invertido — tomando a metáfora
da experiência óptica de Bouasse, vê apenas o real?
Cabe então nos perguntarmos como estas palavras e este
olhar de um terceiro em torno do bebê podem dificultar
e até comprometer esta construção psı́quica dos pais, esta
antecipação das flores — tempo de necessária alienação ao
Outro e de constituição da imagem corporal.
158
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
A intervenção dita preventiva no campo da reabilitação
pode entravar conseqüências de ordem psicológica, como
uma dificuldade na constituição desta imagem do corpo da
criança, numa interferência na relação precoce pais-bebê que,
interpondo um real do corpo, atropela o desejo dos pais por
esta criança e passa por cima do tempo e da subjetividade
de cada bebê, numa fase delicada de sua constituição. É
um intervir ali onde tudo está começando, e por isso mesmo
muito susceptı́vel a impactos que se estenderão por toda a
vida.
Neste caso pude trabalhar também com a fisioterapeuta∗
que acompanhava o caso, alguém muito sensı́vel aos aspectos
emocionais, que atenta e questionando a cada dia sua prática
e os impasses que cada caso pode suscitar, pôde suportar a
espera do tempo de Carolina para engatinhar sem continuar
a insistir em promover para o bebê as posições de “gatas”,
posição que ela não aceitava passivamente.
Como diz Alfredo Jerusalinsky18 , o analista de crianças
se depara com uma preocupação adicional em relação ao
atendimento de adultos. É que, para ele, quando os pais não
se questionam sobre a constituição subjetiva, esta passa a
ser uma preocupação para o analista, visto que é na infância
que esta constituição se dá, diferentemente do adulto que já
está constituı́do.
Este bebê que resiste, que reclama, que mesmo sem choros faz um apelo, e que abre brechas para a reflexão de uma
prática. É a partir deles que podemos repensar uma ação
precoce. Lembro, contrariamente ao que se passou com Ca∗
Tem sido gratificante acompanhar a trajetória desta profissional que,
após fazer cursos voltados para a interdisciplina e seminários de psicanálise, “revolucionou” a prática clı́nica de sua instituição dando imensa importância à subjetividade do bebê e ao lugar dos pais no tratamento de estimulação precoce. (N. da A.).
159
BEBÊS DE RISCO
rolina, de um outro bebê que “aceitou”, juntamente com sua
mãe, todas as manipulações e indicações médicas, porque
sua mãe não podia suportar a idéia de que um dia ele fosse
seqüelado e que ela pudesse ser acusada de ser responsável
por isto. Diz ela, oito anos mais tarde, quando ele vem para
terapia: “Só com um ano de idade comecei a chamá-lo de
filho. Fazia o que os médicos mandavam mas não conseguia
ter amor por ele”.
Neste contexto das incertezas de espera e de dúvida se
este bebê poderia de fato ser “Sua majestade” para os pais,
o espaço para a escuta e a observação de Carolina nas sessões
conjuntas com sua mãe se revelaram valiosos para permitir
que a mãe pudesse ver aı́ não a qualidade do tônus, ou as
falhas na sua filha, mas admirar-se, como qualquer mãe faz,
com as descobertas e gracinhas de cada dia, com a individualidade de Carolina. Assim, este bebê pôde então desfrutar
um pouco deste trono que lhe cabia e, quem sabe, do alto
do seu Troninho, efetuar trocas simbólicas — do puro cocô
ao reinado da princesa “estragada pelo pai e sustentada pelo
desejo da mãe”.
Bibliografia:
1. BOWLBY, J. (1988) Cuidados maternos e saúde mental. SP: Martins Fontes, 2a Edição.
2. BRAZELTON, T.B. (1988) O desenvolvimento do apego — Uma famı́lia em formação. PoA: Artes Médicas.
3. KLAUS, M. E KENNEL, J. (1992) Pais? bebê — A
formação do apego. PoA: Artes Médicas.
4. MEHLER, J. E DUPOUX, E. (1995) Naı̂tre Humain.
Paris: Éditions Odile Jacob.
160
EM BUSCA DO TRONO PERDIDO
5. BOYSSON-BARDIES, B. (1996) Comment la parole
vient aux enfants. Paris: Éditions Odile Jacob.
6. CRAMER, B. PALÁCIO-ESPASA, F. (1993) La pratique des psychotérapies mères-bébés. Études cliniques
et techniques. Paris: PUF.
7. CRAMER, B. (1989) Profession bébé. Paris: Éditions
Calmann Levy.
8. STERN, D. (1989) Le monde interpersonnel du Nourrisson. Paris: PUF.
9. FREUD, S (1969) Sobre o narcisismo, uma introdução,
in Obras completas, vol. XIV. RJ: Imago, p. 83-125.
10. CRAMER, B. e KREISLER, L. (1981) Sur les bases
cliniques de la psychiatrie du nourrisson. In Revista
Psiquiatrie de l’enfant no 24, p. 223-263.
11. LEBOVICI, S. (1986) Les interactions fantasmatiques
et transmissions intergenerationnelles. UFR de Médicine de Bobigny, cahier no 38.
12. DRUON, C. À l’ecoute du bébe prematuré.
13. WINNICOTT, D. (1988). Preocupação materna primária. In Da pediatria à psicanálise. RJ: Editora
Francisco Alves, 3a Edição.
14. GRENIER, A. In CHAILLOU, E.; OLLIVIER, A. E
RAYNAUD, D.: Risque de handicap chez un nouveauné — une action médico-psychosociale précoce. Revista Contraste, 2o semestre de 1995.
15. LAZNIK, M.C. L’effet de la parole sur le regard des
parents dans la constitution du corps de l’enfant. Artigo não publicado. Estas idéias aparecem também no
161
BEBÊS DE RISCO
seu texto: Do fracasso da instauração da imagem do
corpo ao fracasso da instauração do circuito pulsionalQuando a alienação faz falta. In: O que a clı́nica
do autismo pode ensinar aos psicanalistas. Salvador:
Ágalma, 1994 (1a edição), p.196.
16. LACAN, J. (1986) A tópica do imaginário. In: O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud. RJ:
Jorge Zahar Editor, 3a edição. p. 89-168.
17. LACAN, J. O estádio do espelho como formador da
função do eu. In Escritos. RJ: J.Z.E., 1998.
18. JERUSALINSKY, A. A educação é terapêutica? Acerca dos três jogos constituintes do sujeito. In: Amarelinhas — revista da Biblioteca Freudiana de Curitiba,
no 2, 1995, pp. 9-13.
162
CATÁLOGO DE PUBLICAÇÕES
DE ÁGALMA
Coleção Discurso Psicanalítico
Direção: Ricardo Goldenberg
A Feminilidade na Psicanálise e outros ensaios
Marcus do Rio Teixeira
O que a Psicanálise tem a dizer acerca do devir-mulher,
desde os primeiros textos de Freud sobre o Édipo
feminino até os estudos contemporâneos, com destaque
para a teoria de J. Lacan. Trata ainda da formação do
analista, do sintoma social no Brasil e outros temas atuais
ISBN 85-85458-01-1 126p. Código P-01
Lacan e a formação do analista no Brasil
Angela Baptista do Rio Teixeira, Angela Jesuino Ferretto, Antonio
Carlos Rocha, Charles Melman, Ricardo Godenberg.
As vicissitudes da formação analítica a partir da chegada do
ensino de Lacan ao nosso país, com ênfase tanto nos
aspectos clínicos quanto sócio-culturais. Uma análise
inteligente e ousada da nossa cultura a partir da teoria
lacaniana. Inclui a conferência de Charles Melman, "Casa
Grande e Senzala", que discute o laço social no Brasil a
partir de uma leitura psicanalítica da obra de Gilberto
Freyre.
ISBN 85-85458-02-X 66p. Código P-02
60 Anos de Psicanálise - Dos precursores às
perspectivas no final do século
Denise de Oliveira Lima, org. Emílio Rodrigué, Marialzira
Perestrello, Miriam Chnaiderman, Octavio Souza, Syra Tahin
Lopes.
Relata a história dos precursores da psicanálise no início do
século e trata de temas atuais como cultura e psicanálise, a
clínica psicanalítica e seus efeitos na pólis. Inclui
correspondência inédita de S. Freud para o Brasil,
publicada em primeira mão por Ágalma
ISBN 85-85458-03-8 100p. Código P-03
Ensaio sobre a moral de Freud
Ricardo Goldenberg
Discute o problema ético decorrente da experiência analítica.
Num estilo ao mesmo tempo rigoroso e fluente, este ensaio
levanta questões que concernem não apenas aos praticantes
da psicanálise mas também aos leitores provenientes de
outros campos, sobretudo da filosofia, com a qual mantém
um diálogo vivo e enriquecedor.
ISBN 85-85458-04-6 120p. Código P-04 ESGOTADO
Sobre o Desejo Masculino
Angela Baptista do Rio Teixeira (org.), Ricardo Goldenberg, Fernando
Paixão, Ricardo Estacolchic, Silvia Wansztein, Sidnei Goldberg,
Marcelo Nova, Antonio Risério, Maria Rita Kehl.
Afinal o quê, como e de que maneira os homens desejam?
Para tentar responder a questões como estas, Ágalma
convidou homens e mulheres provenientes de campos tão
diversos como a psicanálise, a poesia, o jornalismo, o rock...,
os quais por diferentes vias montam um painel m ultifacetado
que, sem ser jamais superficial, permite enxergar de ângulos
diversos esse desejo que diz respeito não somente aos
homens, mas a quem de uma forma ou de outra com eles lida.
ISBN 85-85458-07-0 110p. Código P-05
GOZA! - Capitalismo, globalização e Psicanálise
Ricardo Goldenberg (org.), André Soueix, Carlos Cárcova, Charles
Melman, Édson Souza, José Arbex, Luiz Carlos dos Santos, Marcus
Teixeira, Pierre-C. Cathelineau, Pierre Bruno, Pierre Naveau, Ricardo
Estacolchic, Roland Chemana, Sidi Askofaré, Thomaz Abraham.
A globalização, mais recente avatar do capitalismo, interage
com a Psicanálise numa via de mão dupla; por um lado, as
novas relações econômicas e sociais atuam sobre o sujeito,
provocando o aparecimento de novos sintomas. Os
psicanalistas por sua vez, não cessam de interrogar, a partir
da sua clínica, os efeitos do laço social capitalista no sujeito e na pólis.
Este volume reúne algumas das contribuições mais representativas desse esforço de
teorização acerca da relação entre o sujeito e o objeto na sociedade capitalista.
Juntamente com analistas de diversas escolas, profissionais das áreas de Sociologia,
Direito, Filosofia e Jornalismo discutem os efeitos do Capitalismo na subjetividade
hodierna.
ISBN 85-85458-11-9 288p.
Código P-06
Clínica Psicanalítica — Artigos e Conferências
Charles Melman
Co-edição Ágalma/Edufba
Este volume reúne textos e conferências realizadas por
Charles Melman, colaborador próximo de Lacan e fundador
da Association Freudienne Internationale, sobre temas relevantes
da clínica psicanalítica: a neurose obsessiva, a paranóia, o
homossexualismo, a melancolia, etc. Além destes, aborda
também questões referentes à cultura e à sociedade, como
o judaísmo e o imaginário no poder contemporâneo.
ISBN 85-85458-16-X
208 p.
Código P-07
A Psicanálise e seus paradoxos — Seminários Clínicos
Ivan Corrêa
Co-edição Ágalma/CEF-Recife
Valendo-se de sua formação em Psicanálise, Matemá
tica e Filosofia, aliada a uma vasta experiência clínica, Ivan
Corrêa se propõe estudar as raízes da Psicanálise. Para isso,
recorre a autores como Aristóteles, Frege, Russell e Cantor,
segundo uma rigorosa posição metodológica que visa situar
o estatuto da clínica e da teoria psicanalítica. O leitor
habituado ao referencial teórico de Freud e Lacan encontrará nestes Seminários
uma releitura dos casos freudianos clássicos e dos elementos fundamentais da
teoria lacaniana a partir das proposições lógicas, matemáticas e topológicas
implicadas em seus textos. Já o leitor iniciante na teoria psicanalítica terá a
oportunidade de conhecer seus pontos cruciais e os elementos da práxis
psicanalítica apresentados em um estilo que reúne erudição e clareza.
ISBN 85-85458-18-6 120p. Código P-08
Como se chama James Joyce? — A partir do Seminário
"Le Sinthome" de J. Lacan
Roberto Harari
Co-edição Ágalma/Cia de Freud
Recentemente traduzido na França e nos EUA, este livro do
psicanalista argentino Roberto Harari, autor de vasta obra
teórica, propõe uma leitura criativa, rigorosa e didática do
Seminário 23. Neste, Lacan produziu seu último e mais
notável avanço clínico-conceitual, para o qual valeu-se das
contribuições do genial escritor irlandês James Joyce. Este
trajeto permite a Harari lançar as bases de uma completa
psicanálise pós-joyceana.
ISBN 85-85458-20-8 325 p. Código P-09
Próximos Lançamentos:
O que os psicanalistas podem aprender com a topologia
Aurélio Souza (Org.), Marc Darmon, Juan David Nasio, Isidoro Vegh, Clara Cruglak, Ivan
Corrêa e outros.
O título deste volume avança e firma posição: não haveria uma topologia da
psicanálise ao modo de um corpus teórico que dite o modo de se pensar na clínica,
ou a maneira de lê-la. Há sim, topologia clínica, questão que Lacan enuncia na
formulação de que "a topologia é a estrutura".
Vicissitudes do objeto
Marcus do Rio Teixeira
Ao definir o objeto da pulsão como inatural, Freud demonstra a inexistência de um
objeto adequado ao desejo, à espera do sujeito na natureza. Para Lacan, é o objeto a,
cuja perda primordial está no cerne da constituição do sujeito, que causa o desejo. Já
o capitalismo contemporâneo apropria-se da tecnociência para produzir objetos
feitos em série, materializando o objeto perdido. Os ensaios que compõem este
volume discutem a incidência do objeto na sexuação, nos laços sociais e na
literatura.
Contribuição ao tratamento possível das psicoses: sua diferenciação
(título provisório)
Maria Lúcia Baltazar
A autora, a partir de um caso de "Síndrome de Capgras" e outro de "Folie à deux",
vale-se das teorizações do campo freudiano, sobretudo dos esquemas ópticos de
Lacan, formulando a hipótese de vários modos de foraclusão.
Propõe o caminho da diferenciação das psicoses como contribuição ao seu
tratamento e à constituição desta clínica que, a seu ver, não está ainda constituída.
Filhinhos de mamãe
Ricardo Estacolchic e Sérgio Rodriguez
A sexualidade do macho é tão problemática e difícil quanto a das damas. Contudo,
para estas últimas é normal, quase decoroso, estar mais ou menos insatisfeitas.
Representar o papel viril imaginado como "normal" adquire enorme predomínio
sobre o gozo efetivamente vivenciado. O homem assume esse papel com tanta
solenidade que se torna um pouco cômico. Os autores deste livro preferiram
ressaltar essa veia cômica, ao invés de optar pela seriedade com que o neurótico lida
com essa questão. Disso resulta uma obra que se insere naquela que Lacan chamou
"a psicanálise divertida".
Coleção Psicanálise da Criança
Direção: Angela Baptista do Rio Teixeira
Coisa de Criança
Angela B. do R. Teixeira, Maria Alice Ramos Ferreira, Martine
Lerude.
Artigos sobre a criança, a mulher analista e a posição
feminina.
Uma reedição revista e ampliada deste número, em
conjunto com o número abaixo, está em preparo,
organizada por Graziela Costa Pinto.
ESGOTADO
o
ISSN 0103-7633 N 01 42p. Código R-01
Desenho: Por que não?
Denise Lachaud, Eliana Sampaio, Marie-Christine Laznik, Sônia
Campos Magalhães.
O desenho no tratamento de crianças sob um enfoque
lacaniano
.
Reedição revista e ampliada em preparo
ESGOTADO
ISSN 0103-7633 No 02
68p.
Ilustrado (p&b) Código R-02
O Sujeito, o real do corpo e o casal parental
Angela B. do Rio Teixeira (org.), Bernard Vandermersch, Henry
Frignet, Lia Freire de Carvalho, Pascale Belot-Fourcade, Tarcísio
Matos de Andrade, Valentin Nusinovici, Eliane Pirard VanDieren, Marie-Christine Laznik, Martine Lerude, Nicole De
Neuter, Patrick De Neuter, Roland Chemama.
A Coleção Psicanálise da Criança reúne neste volume a
edição revista e ampliada de dois números que tiveram suas
edições esgotadas. Em Psicanálise e Psicossomática a questão
diz respeito ao real do corpo, de modo totalmente diverso
da conversão histérica. Em Do Pai e da Mãe trata-se da
relação do sujeito com o casal parental nos registros real,
simbólico e imaginário. Temas que desafiam
cotidianamente a teoria e a prática psicanalítica.
a
2 EDIÇÃO
ISSN 0103-7633 No 03/04/05 244p. Ilustrado (P&B) Código R-03/05
O que a clínica do autismo pode ensinar aos
psicanalistas
Marie-Christine Laznik (org.), Paul Alerini, Gabriel Balbo,
Graciela Cabassu, Fábio Landa, Eliane Pirard-Van Dieren, Denise
Stefan, Hector Yankelevich.
As originais propostas dos artigos deste volume apostam na
clínica do autismo como capaz de revelar toda a riqueza
contida na leitura lacaniana da obra de Freud, possibilitando
assim desdobramentos metapsicológicos capazes de dar
conta das primeiras estruturações do aparelho psíquico.
a
2 EDIÇÃO
ISSN 0103-7633 No 06 152p. Ilustrado (p&b)
Código R-06
O mundo, a gente traça
Considerações
psicanalíticas acerca do desenho infantil
Angela B. do Rio Teixeira (org.), Roland Chemama, Gabriel
Balbo, Alain Ditisheim, Jean Périn, Claire Kahn, Claude
Dorgeuille.
Os autores trazem a abordagem teórica mais atual acerca
do desenho no tratamento analítico da criança,
possibilitando importantes avanços na sua compreensão
enquanto ato simultaneamente enigmático e revelador
das relações do pequeno falasser com o mundo que o
cerca e o determina. O volume inclui ainda a discussão de
diversos casos clínicos amplamente ilustrados.
ISSN 0103-7633 No 07 146p. Ilustrado (a cores e p&b)
Código R-07
"Mais tarde" é agora! — Ensaios sobre a adolescência
Ana Izabel Corrêa (org.), Octave Mannoni (com apresentação de
Maud Mannoni), Jean Louis Chassaing, Patrick Delaroche, Isidoro
Gurman, Rodolpho Ruffino, Eda Tavares, Bernard Penot e JeanJacques Rassial.
A adolescência como momento de passagem, na sua
implicação com as drogas, a violência e outros sintomas da
sociedade, é tratada de forma coerente e instigante,
privilegiando esse sujeito que subitamente ("agora!") é
solicitado a dar suas respostas
Reedição em preparo
ESGOTADO
ISSN 0103-7633 No 08
156p.
Código R-08
Neurose Infantil versus neurose da Criança — As
aventuras e desventuras na busca da subjetividade.
Leda Mariza Fischer Bernardino (org.), Alfredo Jerusalinsky,
Charles Melman, David Maldavsky, Erik Porge, Eugenia
Sokolnicka, Jean-Jaques Rassial, Patrick De Neuter.
Interrogarmo-nos sobre a neurose no tempo mesmo da
infância, sobre o estatuto do sintoma na economia psíquica
de um sujeito ainda em constituição, sobre a gênese do
sinthoma em sua versão lacaniana, é imprescindível para
acompanhar esses pequenos sujeitos na difícil tarefa de abrir
um caminho de subjetividade. Se todos se confrontam com
um mesmo e geral Outro social, para alguns há trilhas, para
outros muro, para outros ainda buracos, no percurso até o
singular.
Reedição em preparo
ESGOTADO
ISSN 0103-7633 No 09 168p. Ilustrado (p&b)
Código R-09
Dos contos, em cantos
Jandyra Kondera Mengarelli (org.), Angela B. do Rio Teixeira,
Agnès Rassial, Eliana Yunes, Fanny Abramovich, Ivan Corrêa,
Lucy da Silva Prado, Marcus do Rio Teixeira, Maria Rita Kehl,
Dolores Coni Campos, Martine Lerude, Sandra Pereira e Sônia
Magalhães.
Os artigos que compõem este volume refletem um legítimo
interesse em indagar acerca do medo, do estranho, da
surpresa, do suspense ingredientes sine-qua-non dos
contos infantis. Ao invés de autorizar a caça ao mal-estar,
põem em relevo os elementos capazes de suscitá-lo para,
então, verificar sua importância. Não duvidamos que o
empenho dos autores tenha sido obra de alguma fada, pois
que, segundo sua etimologia, é de fatus, discurso, que ela
vem.
Tratamento e escolarização de crianças com distúrbios globais de desenvolvimento
Maria Cristina Kupfer (org.), Angelina Cardoso Cufaro, Béatrice
Boudard, Geselda Baratto, Luis Fernando B. Mena, Nicole Le
Guiffant, Sandra Pavone, Síglia da Cruz Leão, Sônia Campos
Magalhães, V. Mariage, Yara Sayão, Yone Maria Rafaeli, Yves
Vanderveken
Urge um reordenamento do campo diagnóstico dos distúrbios infantis, cujo eixo seja a constituição do sujeito ou suas falhas, nas formas diversas e singulares de que estas se revestem . Os artigos deste volume são fruto de uma clínica do singular, de praticantes que não recuaram diante da psicose ou
do horror do real.
ISSN 0103-7633 Nº 11 188p.
Código R-11
Quando chega ao final a análise com uma criança?
Maria Cristina Vecino de Vidal (org.), Alicia Hartman, Andréa B.P.
Bastos, Anne-Marie Braud, Bernard de Goeje, Eduardo A. Vidal,
Letícia Nobre, Maria Lucía Silveyra, Silvia Myssior, Vera Vinheiro
Na presente publicação, o leitor se depara com uma
interrogação dirigida ao analista sobre a dimensão temporal
inerente ao tratamento pela psicanálise. No marco da
problemática do tempo, se recorta a questão específica do
momento de concluir a análise com uma criança. O
desenvolvimento teórico dos diferentes autores tem como
fundamento a teoria de Freud e de Lacan.
ISSN 0103-7633 Nº 12
156p. Ilustrado(p&b) Código R-12
Novos sintomas
Ana Marta Meira (org.), Alfredo Jerusalinsky, Anne Marie Hamad,
Denise Vincent, Diana Corso, Jean Bergès, Maria Luísa Viviani e
Rodolpho Ruffino.
Este volume traduz o desafio com o qual os psicanalistas hoje
se defrontam em seu trabalho clínico: articular os
fundamentos teóricos da psicanálise às diferenciações que a
sociedade contemporânea inscreve de forma caleidoscópica,
onde a referência simbólica encontra-se fragilizada, e a
imaginária exacerbada.
ISSN 0103-7633 Nº 13
144p.
Código R-13
Próximo Lançamento:
Psicanalisar crianças: que desejo é este?
Lêda Fischer Bernardino (org.), Alfredo Jerusalinsky, Ana Izabel Corrêa,
Angela Vorcaro, Elsa Coriat, Gabriel Balbo, Jean-Jacques Rassial, Maria Cristina Kupfer,
Rozenn Le Duault, Silvana Rabello e Sônia Motta.
Coleção Dicionário de Psicanálise — Freud & Lacan
Direção: Marcus do Rio Teixeira
Vol. 1. Claude Dorgeuille e mais 29 autores.
Cada verbete é escrito por analista ou um cartel de analistas,
incluindo pesquisas criteriosas, discussão dos conceitos e
muitas vezes referências a casos clínicos. As conexões da
psicanálise com outros campos se fazem presentes através
de referências à psiquiatria, lingüística, filosofia, etc.
Tradução a cargo de 16 analistas de 5 instituições brasileiras.
2a EDIÇÃO
ISBN 85-85458-05-4 324p. Ilustrado (p&b) Código D-01
Vol. 2. Moustapha Safouan, Choula Emerich, Gabriel Balbo, Pierre
Arel, Josiane Thomas-Quilichini
Prefácio de Roland Chemama
Artigos sobre: O grafo de Lacan, "A relação sexual não
existe", Real, Representação, Tempo lógico.
Inclui índice remissivo e glossário português-alemão-francês
com mais de 100 termos do vocabulário psicanalítico.
ISBN 85-85458-12-7 148p. Ilustrado (p&b) Código D-02
Coleção Os Libertinos — Clássicos da Literatura Erótica
Direção: Eliane Robert Moraes
A filosofia na alcova
Marquês de Sade (Apresentação de Eliane Robert Moraes)
Há 200 anos, em 1795, o vigoroso mercado francês de
edições clandestinas lançava um novo título: La philosophie
dans le boudoir. O livro não trazia o nome do autor:
supostamente impresso em Londres, ele era apresentado
como "obra póstuma do autor de Justine". A tradução que
Eliane R. Moraes revisa e apresenta neste volume tem uma
história digna de Sade. De autor anônimo, provavelmente
dos anos 40/50, ela foi descoberta pela organizadora e pela
primeira vez é revelada ao grande público.
Reedição em preparo
ESGOTADO
ISBN 85-85458-06-2 229p.
Código E-01
Gamiani ou Duas noites de excesso
Alfred de Musset
Esta novela, que circulou clandestinamente na Europa
durante o século passado, é atribuída a Alfred de Musset.
Segundo a lenda, Musset teria apostado com alguns amigos
que seria capaz de escrever uma novela erótica em três dias
sem empregar uma única palavra obscena.
ISBN 85-85458-08-9 103p.
Código E-02
As Onze Mil Varas
Guillaume Apollinaire
Obra emblemática do erotismo modernista - escrita por um
dos mais importantes autores do modernismo francês,
Guillaume Apollinaire - a novela As onze mil varas desafia o
leitor a distinguir o riso do pânico. Se o humor é um
componente fundamental do livro - a começar pelo título,
que faz alusão às onze mil virgens que acompanharam o
martírio de Santa Úrsula - sua contrapartida é a perversidade.
ISBN 85-85458-14-3 138p. Código E-03
Três filhas da mãe
Pierre Louÿs
Pierre Louÿs faz parte da lista seleta dos escritores que melhor
souberam captar o espírito das transformações culturais na
virada do séc. XIX para o séc. XX. Autor de obras
consagradas, dentre as quais La femme et le pantin, levada ao
cinema por Luís Buñuel, com o título de Esse obscuro objeto do
desejo, escreveu também uma vasta obra erótica, que
permaneceu inédita até a sua morte.
Três filhas da mãe é considerada a sua obra prima nessa categoria. Nela, Pierre Louÿs
coloca o seu estilo requintado a serviço de um erotismo desenfreado, narrando o
encontro de um jovem com uma prostituta e suas três filhas de 10, 14 e 20 anos. O
ritmo vertiginoso da narrativa e a intensidade dos personagens resgatam a melhor
tradição dos clássicos libertinos para o início do séc. XX.
ISBN 85-85458-17-8
254p. Código E-04
Coleção De Calças Curtas
Direção: Daniele Wanderley, com a colaboração de
Marie Christine Laznik
Esta coleção é um convite a todos que trabalham em torno da primeira infância a
melhor observar e refletir sobre uma prática. Um início de diálogo e troca com
múltiplos profissionais acerca das intervenções precoces
Palavras em torno do berço — Intervenções precoces
bebê e família
Graciela Cabassu, Marie Christine Laznik, José Roberto Correia,
Catherine Mathelin, Florence Benavides, Claude Boukobza, Telma
Queiroz, Sílvia Ferreira, Marcio Allain, Maria do Socorro Amorim,
Icléia Diniz, Maria do Carmo Camarotti, Cláudia Rohenkohl.
O objetivo deste primeiro volume é abordar a clínica com
bebês e crianças bem pequenas do modo mais abrangente
possível, para que se possa ter uma idéia de quão ampla pode
ser nossa atuação, e por outro lado atingir diferentes
profissionais: pediatras, psicanalistas, obstetras, psiquiatras,
enfermeiras, assistentes sociais, professores, etc.
2a EDIÇÃO
ISBN 85-85458-10-0 162p.
Código DC-01
Agora eu era o rei — Os entraves da prematuridade
Daniele de Brito Wanderley (org.), Anne Frichet, Catherine Druon,
Chaterine Mathelin, Elizabeth Chaillou, Annie Maurel Ollivier,
Dominique Raynaud, M. Agman, Andréa Diniz, Carla Góes,
Marie-Christine Laznik, Yolaine Quiniou.
Este volume se propõe, por um lado, a uma reflexão acerca
do acompanhamento do bebê prematuro e sua família pelos
diversos profissionais envolvidos, e, por outro, a uma
apresentação dos diferentes tipos de atuação de psicanalistas
em UTIs neonatais. A constatação de que o bebê nascido
prematuramente é um bebê de risco tanto do ponto de vista orgânico quanto
psicológico, mostra a necessidade de uma atuação psicológica precoce, que permita
a elaboração destra crise pelo casal e observe os sinais de sofrimento psíquico do
bebê ainda durante a hospitalização.
ISBN 85-85458-15-1 168p. Código DC-02
Enquanto o futuro não vem — A Psicanálise na clínica
interdisciplinar com bebês
Julieta Jerusalinsky
Este livro dedica-se a fundamentar a extensão conceitual que
o termo estimulação precoce assume na clínica com bebês a partir
do corte epistemológico que a psicanálise - sobretudo pela
transmissão de Freud e Lacan - produz nesse campo. Por
estar fortemente apoiado na experiência em equipe
interdisciplinar de estimulação precoce, ele se dirige a todos os
profissionais que intervêm com a primeira infância.
ISSBN 85-85458-19-4
306 p.
Código DC-03
Boi da cara preta — Crianças no hospital
Co-edição Ágalma/Edufba
Marluce Leitgel Gille (org.), Apache, Graciela Cabassu, Laurence
Caubel, C. Epelbaum, Cynthia Chagas, Jean-Paul Dommergues,
Bernard Durand, Brigitte Bader-Meunier, Annie GauvainPiquart, Bernard Golse, Simon-Daniel Kipman, Lion Kreisler,
Serge Lebovici, Evelyne Pichard-Leandri, Isabelle Thomas,
Jaqueline Wendland, Michel Meignier.
Este livro visa colocar o problema da hospitalização aos pais e aos profissionais
direta ou indiretamente envolvidos com a situação particular e específica da
criança que, adoecendo, perde temporariamente o seu ritmo cotidiano, o contato
com a família, com a escola e com os amigos para entrar em um ambiente para ela
completamente diferente, misterioso e amedrontador: o hospital. Os autores,
psicanalistas e profissionais da área de saúde especializados no atendimento a
crianças, são reconhecidos mundialmente pela sua atuação nesse setor.
ISBN 85-85458-21-6
296p.
Código DC-04
Próximos Lançamentos:
Espelho, espelho meu — O autismo e os impasses na constituição do sujeito
Marie-Christine Laznik
Pra que essa boca tão grande? — Questões alimentares na infância
Léa Sales (org.)
O cravo e a rosa — o pediatra e a psicanálise, um encontro possível?
Daniele Wanderley (org.), Alfredo Jerusalinsk,
Domingos Infante, Léa Sales, Maria Cristina Kupfer e outros.
Coleção Ariadne — Literatura Infantil
Direção: Lena Lois
A Coleção Ariadne, num retorno ao mundo das bruxas, fadas, bichos, sombras,
monstros e príncipes, dirige-se ao infantil que habita em cada um de nós, sejamos
ainda crianças ou não mais. Somos assim conduzidos por um único fio, o fio de
cada história, e com ele percorremos tantas possibilidades de saídas, que na
verdade apontam entradas para outros labirintos.Verdades disfarçadas, que ao
desencantar-se revelam o encanto. A cada vez nos é colocada a possibilidade de
começar tudode novo, mesmo depois de sermos devorados pelo terrível monstro,
mesmo depois de nos apaixonarmos pelo encantado príncipe. Figuras do infantil,
que em nós retorna a cada história. Era uma vez... e é ainda.
A elefantinha que não queria elefantar
Angelina Bulcão Nascimento
Este livro nasceu dos porquês e dos pra quês das crianças,
que tanto atormentam os adultos. A busca da elefantinha é
um retrato da curiosidade infantil sobre os mistérios da
vida,e um incentivo às tentativas que cada qual empreende
para encontrar sua resposta própria, além dos lugarescomuns.
ISBN 85-85458-09-7 32p. Ilustrado Código I-01
Em busca da sombra
Suzana Montoro
Suzana Montoro, psicóloga e escritora, é autora do livro "O
menino das chuvas", publicado pela Editora Studio Nobel e
considerado "Altamente Recomendável" pela FNLIJ em
1994. Neste seu novo livro, Suzana narra a relação de uma
criança com sua sombra do ponto de vista da personagem
infantil, trabalhando com maestria as fantasias préadolescentes.
Este livro foi escolhido pela Fundação Nacional do Livro InfantoJuvenil para fazer parte da seleta lista que representou o Brasil na
Feira Internacional do Livro Infantil em Bolonha - 2000.
ISBN 85-85458-13-5 48p. Ilustrado Código I-02
Nova Coleção
Extemporâneos
Autores à frente do seu tempo
Direção: Sérgio Rivero
Esta coleção publicará autores de ficção e/ou teoria cuja obra represente um salto à
frente da sua época, não necessariamente pelo seu caráter premonitório, mas pela
temática ou pelo avanço em relação à literatura dos seus contemporâneos. Estão
previstos o genial utopista do séc. XIX, Charles Fourier e o poeta Henri Michaux.
Não encontrando nas livrarias, peça diretamente
à editora Ágalma.
Rua Agnelo de Brito, 187
Centro Odontomédico Henri Dunant, sala 309
40.170-100 Salvador - Bahia - Brasil
Tel: 0 xx (71) 332-8776 Tel/Fax: 0 xx (71) 245-7883
e-mail: [email protected]
Visite nosso site: www.agalma.com.br
e conheça nossos descontos especiais para o leitor.
Esta obra foi composta eletronicamente por Jotabele Informática
e impressa pela Empresa Gráfica da Bahia, miolo em papel offset 75g e capa em cartão supremo 250g, para a editora Ágalma
em maio de 2003. Os filmes da capa e primeiras páginas foram
fornecidos por Homem de Melo & Troia Design.

Documentos relacionados