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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS
Grão Chanceler
Dom Washington Cruz, CP
Reitor
Prof. Wolmir Therezio Amado
Editora da PUC Goiás
Pró-reitora da Pós-Graduação e Pesquisa e Presidente do Conselho Editorial
Profa. Milca Severino Pereira
Coordenadora Geral da Editora da PUC Goiás
Profa. Nair Maria Di Oliveira
Conselho Editorial
Edival Lourenço – União Brasileira de Escritores
Getúlio Targino – Presidente da Academia Goiana de Letras
Heloísa Helena de Campos Borges – Presidente da AFLAG
Heloísa Selma Fernandes Capel – UFG
Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Márcia de Alencar Santana – PUC Goiás
Maria Luiza Ribeiro – Presidente da AGL
Regina Lúcia de Araújo – Pesquisadora
Roberto Malheiros – PUC Goiás
Murilo Mendonça Oliveira de Souza
Guido de Oliveira Carvalho
Organizadores
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS
Goiânia, 2016
Extensão Universitária Metodologia e Experiências
© by Murilo Mendonça Oliveira de Souza, Guido de Oliveira Carvalho
Organizadores
Editora da Puc Goiás
Rua Colônia, Qd. 240-C, Lt. 26-29
Chácara C2, Jardim Novo Mundo
Cep. 74.713-200 – Goiânia – Goiás – Brasil
Secretaria e Fax 62 3946-1814 – Revistas 62 3946-1815
Coordenação 62 3946-1816 – Livraria 62 3946-1080
www.pucgoias.edu.br/editora
Comissão Técnica
Biblioteca Central da PUC Goiás
Normalização
Anna Claudia Passani Ferreira
Revisão
Humberto Melo
Editoração Eletrônica e Arte Final de Capa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, GO, Brasil
E96
Extensão universitária: Metodologias e experiências / Organizadores, Murilo Mendonça de Souza, Guido de Oliveira Carvalho. – Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2016.
224 p.: 21 cm
ISBN 978-85-7103-906-3
1. Extensão universitária. I. Souza, Murilo Mendonça de (org.). II. Carvalho,
Guido de Oliveira (org.). III. Título.
CDU:
378.4-044.22
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida,
armazenada em um sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma ou por
qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, microfilmagem, gravação ou outro,
sem escrita permissão do editor.
Impresso no Brasil
SUMÁRIO
7
PREFÁCIO
15
APRESENTAÇÃO
19
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: METODOLOGIAS
PARTICIPATIVAS E CONTRIBUIÇÕES
DO SEMINÁRIO PARA PROJETOS DE EXTENSÃO (SEMPE)
Flávio Pereira Diniz, Dinalva Donizete Ribeiro
47
METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS EM EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: O DIAGNÓSTICO RURAL
PARTICIPATIVO (DRP)
Murilo Mendonça Oliveira de Souza
67
(RE) PENSANDO A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
UMA LEITURA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA EM
EDUCOMUNICAÇÃO NO MUNICÍPIO DE GOIÁS/GO
Robson de Sousa Moraes
91
INCONTORNÁVEL ARTICULAÇÃO: UMA ABORDAGEM
ÉTICA SOBRE O INVESTIGAR E O INTERVIR
NA FORMAÇÃO ACADÊMICA EM SERVIÇO SOCIAL
Thiago F. Sant’anna
105
JUVENTUDE, CONTEMPORANEIDADE E DROGADIÇÃO:
O CRR GOIÁS E SUAS CONTRIBUIÇÕES À TEMÁTICA
PELA VIA DA ATUALIZAÇÃO DE UMA DISCUSSÃO DE VIÉS
PSICANALÍTICO ACERCA DOS ASPECTOS QUE ENVOLVEM
O ABUSO DE DROGAS NA JUVENTUDE
Rosane Castilho
131
A CÂMERA COTIDIANA NA SALA DE AULA:
O CELULAR COMO ALVO DA AÇÃO DIDÁTICA
Euzébio Fernandes de Carvalho
153
INCLUSÃO DIGITAL E POSSIBLIDADES DE ENSINAR/
APRENDER: EXPERIÊNCIAS DE UM PROJETO DE EXTENSÃO COM PESSOAS ADULTAS
Flávia Valéria C. Braga Melo, Diórgenes dos Santos, Junielson D.
Barbosa
165
A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO:
MARCADOR TRIGONOMÉTRICO NA APRENDIZAGEM
DE CONCEITOS E PROPRIEDADES DE TRIGONOMETRIA EM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA
Marcelo Henrique Belonsi, Estela Mara Cruz, Rogério Marques Nunes
185
205
CICLO DE ESTUDOS DE WILLIAM SHAKESPEARE: UM
PROJETO DE EXTENSÃO PARA ESTUDAR ADAPTAÇÕES
CINEMATOGRÁFICAS DA OBRA DO BARDO
Guido de Oliveira Carvalho, Sirlene Antonia Rodrigues Costa
O LETRAMENTO ACADÊMICO E O CURSO DE EXTENSÃO LEITURA DE TEXTOS ACADÊMICOS
Cesar Augusto de Oliveira Casella
PREFÁCIO
Do começo dos anos sessenta para os anos de agora
Carlos Rodrigues Brandão
T
antos anos depois, poucas pessoas recordam que Paulo Freire
começou a sua vida de docente universitário não em algum
curso de graduação ou de pós-graduação (muito raros nos anos
sessenta), mas com um trabalho diretamente ligado à educação de
adultos do mundo urbano e rural. Sua primeira “equipe nordestina” reuniu-se com ele no Serviço de Extensão Universitária (SEC)
da, então, Universidade do Recife, hoje Universidade Federal de
Pernambuco. Assim, foi pela porta da Extensão Universitária (então chamada “Extensão Comunitária”) que este mestre de todas e
todos nós iniciou a sua vida de docente.
Retomo um artigo meu sobre a criação do Sistema Paulo
Freire de Educação para elaborar algo mais desta vivência quase
esquecida de Paulo Freire.
Com uma tese intitulada Educação e atualidade brasileira, Paulo Freire prestou concurso para a docência na então Universidade do
Recife. Logo nos primeiros tempos de sua carreira, ele participou da
criação do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife e ele
foi o seu primeiro diretor. Foi através de seu trabalho junto ao Serviço
de Extensão Cultural da Universidade do Recife, que Paulo Freire e sua
equipe elaboraram um Sistema Paulo Freire de Educação. Assim, foi
como uma atividade de extensão universitária que as primeiras ideias
inovadoras de Paulo Freire sobre a educação foram geradas. O começo dos anos sessenta foi o início de tempos de uma intensa atividade
inovadora no campo do que chamaríamos, hoje, de ação cultural.
7
8|
Diante de um persistente domínio do poder hegemônico
sobre o povo, uma ampla ação de algo mais do que apenas uma
“contracultura” precisava, com urgência, ser criada e colocada
em prática, como uma complexa, integrada e interativa atividade
cultural através da educação e, por consequência, uma multi-ação política através da cultura. Paulo Freire viveu intensamente
o tempo de instauração dos movimentos de cultura popular, junto
com a sua primeira equipe no Nordeste. O que, com frequência,
esquecemos, é que as ideias e propostas originais foram gestadas
a partir do mundo universitário e da extensão universitária no
Nordeste do Brasil.
As experiências que foram inauguradas a partir da passagem de Paulo Freire e sua primeira equipe pelo Serviço de Extensão Comunitária da Universidade do Recife apareceram, pela
primeira vez, por escrito, no número 4 da Revista de Cultura da
Universidade do Recife, com a data de abril/junho de 1963.
Paulo Freire e parte dos integrantes de sua equipe pioneira
publicaram, então, uma série de artigos. Vale a pena relembrar
seus títulos: Conscientização e Alfabetização: uma nova visão do
processo, de Paulo Freire (p. 5-22); Fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire de Educação, de Jarbas Maciel (p. 25 a 58); Educação de adultos e unificação da cultura, de Jomard Muniz de Brito
(p. 61 a 69); Conscientização e alfabetização: uma visão prática do
Sistema Paulo Freire, de Aurenice Cardoso (p. 71 a 79). 1
Em um documento em que a ideia central é a da inevitabilidade do “trânsito” em uma sociedade, como a brasileira, dos
anos sessenta, e em que o homem aparecerá, não através de algum
atributo de sua essência abstrata, mas como um ser que através
1 Na mesma sequência dos quatro artigos originais da equipe de Paulo Freire, foram republicados, no livro, Cultura popular, educação popular – memória dos anos 60, organizado por Osmar Fávero e publicado pela Editora Graal, do Rio de Janeiro, em agosto de
1983. Os quatro artigos saem na parte intitulada: Sistema Paulo Freire, e é justamente
para a palavra “sistema” que quero chamar a atenção de quem me leia agora.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 9
do trabalho, intencionalmente realizado, em um mundo dado de
natureza, cria cultura e, através dela, cria-se a si mesmo como serno-mundo e cria a sua história, é a própria cultura um campo de
ação social transformadora.
Daí, jamais admitirmos que a democratização da cultura
fosse a sua vulgarização ou, por outro lado, a adoção, ao povo, de
algo que formulássemos, nós mesmos, em nossa biblioteca, e que
a ele doássemos.
Foram as nossas mais recentes experiências, de há dois anos,
no Movimento de Cultura Popular do Recife, que nos levaram
ao amadurecimento de posições e convicções a que vínhamos
tendo e alimentando, desde quando, jovens ainda, iniciamos os
nossos contatos com proletários e subproletários, como educadores. Naquele Movimento, coordenávamos o projeto de Educação de Adultos, através do qual lançamos duas instituições
básicas de educação e cultura popular - O Círculo de Cultura e
o Centro de Cultura.2
O texto seguinte, da série de quatro, foi escrito por Jarbas
Maciel. É ele quem discorre com mais dados e fatos sobre o que foi
a experiência de extensão universitária da equipe. Maciel começa
o seu artigo reconhecendo que foi através do “Método de alfabetização de adultos, o Método Paulo Freire”, que toda a iniciativa da
equipe de educadores-autores tornou-se em pouco tempo conhecida. Mas, é a sua versão do que era, então, a própria proposta de
outra extensão cultural (o nome antecedente de extensão universitária) o que importa aqui.
Ela merece ser transcrita, aqui, na íntegra, porque este é um
dos raros momentos em que uma alternativa concreta de realização de ações sociais, com a vocação dos movimentos de cultura
popular dos anos sessenta, aparece associada, não a centros ou
2 CP/EP. p. 111.
10 |
movimentos autônomos e nem ao movimento estudantil, mas à
própria estrutura de uma universidade.
Extensão cultural, para nós que compomos a equipe de trabalho do
prof. Paulo Freire e que estamos mergulhados numa intensa atividade de democratização da cultura no seio do povo, significa algo
mais do que aquilo que lhe é em geral atribuído nos centos universitários da Europa e dos EUA. A extensão é uma dimensão da prérevolução brasileira, desde que ela também - e não só o homem, na
expressão feliz de Gabriel Marcel - é situada e datada. De fato, já não
se pode mais entender no Brasil de hoje, uma universidade voltada
sobre si mesma e para o passado, indiferente aos problemas cruciais
que afligem o povo que ela deve servir. [...] No momento atual que
vive o Nordeste, não teria sentido uma universidade alienada ao
processo de desenvolvimento e, por isso mesmo, inautêntica e marginalizada. Para abri-la, para tirá-la de seu isolamento e inseri-la no
trânsito brasileiro, para desmarginalizá-la, enfim, surge a extensão
cultural, assestando suas baterias sobre os problemas mais urgentes
do nosso hoje e do nosso amanhã. É neste sentido que ela representa uma contradição com a Universidade Brasileira, mas em realidade, reflete, reflete apenas um detalhe de uma contradição maior
responsável pelo próprio processo histórico que estamos vivendo.3
Esta compreensão do que deveria ser o fundamento de uma
extensão cultural e, depois da extensão universitária, veio a ser,
por certo, uma afirmação de identidade e de projetos de ação bastante radical, em um tempo em que, no Brasil, a própria extensão
universitária ensaiava primeiros e incertos passos. Tanto no texto,
em sua sequência, quanto em outros documentos, a equipe pioneira de Paulo Freire exerce uma crítica dirigida a outras iniciativas que, justamente “naqueles anos”, começavam a ser implantadas no Brasil e em toda a América Latina.
O que se propõe não é apenas um serviço estendido às camadas populares um tanto mais ativo e participativo, mas uma
3 MACIEL, Jarbas, Fundamentação teórica do Sistema Paulo Freire de Educação. CP/
EP, p. 127-128, grifos do autor.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 11
radical inversão. O “Serviço de Extensão” deixa de servir, sobretudo, aos interesses da própria universidade através de sua “extensão
além-muros”, e passa a destinar-se a ele, ao povo, colocando-se a
seu serviço. Isto implica estabelecer um diálogo aberto o suficiente para que a condição de vida e os projetos de sua transformação,
tal como vividos e pensados por agentes populares, seja o fundamento de qualquer programa de extensão cultural, a começar pela
própria alfabetização.
Em seu artigo, Jarbas Maciel anuncia a extensão do método
Paulo Freire a todo um Sistema Paulo Freire de educação. Um sistema gerado na universidade, e que deveria desaguar na criação
de uma nova universidade popular. Vejamos como a proposta foi
apresentada.
Foi esse, portanto - e ainda está sendo -, o ponto de partida do
SEC, ao lado de seu esforço em levar a Universidade a agir junto ao povo através de seus Cursos de Extensão nível secundário,
médio e superior, de suas palestras e publicações e, por fim, de
sua “Rádio Universidade”. Todavia o SEC não poderia fazer do
Método de Alfabetização de Adultos do Prof. Paulo Freire sua
única e exclusiva área de interesses e de trabalho. A alfabetização deveria ser - e é - um elo de uma cadeia extensa de etapas,
não mais de um método para alfabetizar, mas de um sistema de
educação integral e fundamental. Vimos surgir, assim, ao lado
do Método Paulo Freire de Alfabetização de Adultos, o Sistema
Paulo Freire de Educação, cujas sucessivas etapas - com exceção
da atual etapa de alfabetização de adultos, começam já agora a
ser formuladas e, algumas delas, aplicadas experimentalmente,
desembocando com toda tranquilidade numa autêntica e coerente Universidade Popular4.
Hoje, quando volta à baila a questão da “universidade popular”, é o momento de recordarmos que já no começo dos anos
sessenta e através de um programa de extensão universitária, a
4 MACIEL, Jarbas, CP/EP, p. 129, grifos do autor.
12 |
equipe de Paulo Freire, pioneiramente, lança a ideia de uma “universidade popular”. A proposta do Sistema Paulo Freire de Educação, a alfabetização de adultos através de seu conhecido Método
Paulo Freire, era apenas um dos primeiros patamares.
Estas eram, de acordo com o artigo de Jarbas Maciel, como
o “sistema” proposto deveria se desdobrar.
Primeira etapa - alfabetização infantil.
Segunda etapa - alfabetização de adultos (em atividade
no SEC, por ocasião da escrita dos textos da equipe pioneira).
Terceira etapa - ciclo primário rápido (também com suas
atividades iniciadas pelo SEC, em uma experiência na
Paraíba, conduzida pelo CEPLAR).
A quarta etapa do Sistema, juntamente com a anterior,
marca o início da experiência de universidade popular propriamente dita, entre nós. Será a extensão cultural, em níveis
popular, secundário, pré-universitário e universitário. Esta é
a fase de trabalho atual do SEC, mas atingindo clientelas da
área urbana recifense, de nível secundário em diante5.
A quinta etapa do Sistema - já esboçada com suficiente
profundidade para permitir a presente extrapolação - desembocará tranquila e coerentemente no Instituto de Ciências do Homem, da Universidade do Recife, com o qual
o SEC trabalhará em íntima colaboração6.
5 MACIEL, Jarbas, CP/EP, p. 131, grifo do autor.
6 Op. cit. p. 131.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 13
Sexta etapa - a criação de um Centro de Estudos Internacionais (CEI), da Universidade do Recife. Este órgão
havia já sido criado e previa uma “intensa transação com
os países subdesenvolvidos num esforço de integração do
chamado Terceiro Mundo”.
Estas seriam as etapas de uma “extensão” de um serviço cultural de uma universidade dos anos sessenta, em direção à criação
de alternativas de um trabalho não apenas “para o povo”, mas “com
o povo”, como, reiteradamente, esta ideia aparece desde o texto
de Paulo Freire. Esta “virada” que em outros momentos aparecerá, também, como uma recriação de cultura, “a partir do povo”, é
construída a partir de fundamentos teóricos bastante conhecidos,
pois desde o seu primeiro documento a respeito, eles retornaram
ao longo de toda a obra escrita e praticada de Paulo Freire.
Mais de cinquenta anos depois, podemos constatar, com
alegria e esperança, que em diferentes recantos do Brasil – de que
a mídia somente noticia com destaque as “crises” – experiências
originadas de pioneiros de uma educação popular surgem nos
mais diversos cenários universitários. A extensão universitária
tem cumprido, aqui, um papel de extrema e crescente importância, como bem podemos ver e compreender ao longo dos artigos
deste livro: Extensão Universitária – metodologia e experiências.
Sempre defendi que no trinômio clássico: docência-pesquisa-extensão, a “extensão universitária”, em primeiro lugar, deveria
mudar o seu nome. Ela nunca deveria ser pensada apenas como
uma “extensão”, como um algo a mais, mesmo com o sentido de
algo que sai da universidade em direção a comunidades de acolhida, de preferência populares. Acho que mais adequado seria o
nome interação ou outro equivalente.
No entanto, seja qual for o termo empregado, que a “extensão” deixe de ser a quase irmã caçula e pobre da “trindade universitária”, e venha a ocupar o lugar que uma universidade, de fato
14 |
vocacionada a ser comunitária, democrática e popular, deveria
assumir. Afinal, é para a sociedade, para o bem-comum (esta expressão esquecida na sociedade capitalista) e para a vida das comunidades, afinal são os lugares da vida de todas as pessoas, que
a extensão universitária, a docência e a pesquisa deveriam servir
antes de qualquer outra coisa.
Em tempos em que cada vez mais se privatiza a universidade e a educação, em que a universidade se vê ameaçada, a
cada dia, a tornar-se uma serva do mundo do mercado e das
empresas do sistema capitalista em sua fase atual, é hora de nos
voltarmos a ideias geradas por Paulo Freire e pelos pioneiros da
educação popular. Assim, a universidade participará do árduo
trabalho de transformação da sociedade brasileira e, por extensão, do mundo.
Que as ideias, as propostas, as práticas e as experiências escritas neste livro sejam um passo a mais neste caminho que estamos sempre reiniciando.
Campinas – São Paulo, abril de 2015.
APRESENTAÇÃO
O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até
aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui
nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se
aperfeiçoa na problematização crítica destas relações.
(Paulo Freire)
A
atividade extensionista representa a ligação mais direta entre
Universidade e Sociedade. No entanto, as ações de extensão
têm sido pouco valorizadas no contexto acadêmico. Esta realidade
decorre, em especial, do entendimento histórico da Extensão Universitária em uma perspectiva assistencialista, o que a situa como
categoria de segunda grandeza no “tripé” (Ensino, Pesquisa e Extensão) que sustenta a Universidade.
Embora a Extensão Universitária tenha sido definida, no âmbito
do I Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades
Públicas Brasileiras, já em 1987, como “processo educativo, cultural e
científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e
viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a sociedade”7,
entendemos que não se modificou a forma das instituições acadêmicas
visualizarem sua imersão na realidade social. Continuamos a promover uma relação unidirecional, na qual os “detentores do conhecimento” (Universidade) ensinam e os “ignorantes” (Sociedade) aprendem.
Sendo entendida de tal forma, a extensão não tem cumprido
sua função no âmbito acadêmico e, menos ainda, no processo de
transformação da realidade concreta. Este processo pouco dialógico passa, ainda, pela carência no debate que envolve a metodologia
7 FORPROEX. Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Documento Final. Extensão Universitária: diretrizes conceituais e políticas,
1987. Disponível em: http://www.renex.org.br/documentos/Encontro-Nacional/
1987-I-Encontro-Nacional-do-FORPROEX.pdf. Acesso em: 10 de março de 2014.
15
16 |
da extensão, que tem sido pautada em uma perspectiva de registro
mecânico das atividades desenvolvidas. É necessário que a forma
pela qual se efetiva a extensão universitária seja repensada a partir
de metodologias críticas e participativas.
A coletânea de textos aqui apresentada tem como origem as
ações de extensão desenvolvidas no âmbito da Universidade Estadual de Goiás (UEG), além de dois textos produzidos por autores
convidados, da Universidade Federal de Goiás (UFG). O objetivo
é o de promover uma reflexão inicial em torno da problemática da
metodologia em extensão universitária e dispor experiências diversas de ação extensionista, possibilitando a construção de novos
caminhos para a Extensão Universitária.
Além do renovador prefácio, produzido por Carlos Rodrigues Brandão, que traz as luzes da perspectiva freireana de
educação e extensão, o livro reúne dez textos que abrangem uma
diversidade de temáticas e áreas do conhecimento, tendo na essencial práxis extensionista a argamassa que lhe fornece unidade.
O capítulo de abertura apresenta uma reflexão que tem
como base o Seminário para Projetos de Extensão (SEMPE), com
debate sobre a emergência de valorização das metodologias participativas nas atividades de extensão universitária.
O capítulo que o segue traz exemplo específico em torno
do mesmo debate, partido de ações extensionistas em escolas no
campo e assentamentos rurais, e apresenta a metodologia “Diagnóstico Rural Participativo (DRP)”.
O terceiro capítulo, considerando discussões levadas a cabo
em projeto de extensão, materializado em programa comunitário
de rádio, analisa a extensão universitária a partir de uma perspectiva popular de sociedade, dialogando, também, sobre a educomunicação e o pensamento latino-americano.
O capítulo quatro permite uma reflexão inicial sobre a questão da ética que envolve as atividades de extensão, tendo como
ponto de partida para análise o Curso de Serviço Social.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 17
O quinto texto que compõe o livro apresenta, de forma
aprofundada e partindo de curso de extensão sobre a temática, o
importante debate que envolve a drogadição.
Os capítulos seis e sete debatem, em diferentes perspectivas, a questão da tecnologia. O primeiro deles discute questões
relacionadas ao uso de celular por alunos em sala de aula, apresentando o “Câmera Cotidiana”, que propõe a produção didática
de vídeos, como possibilidade para utilização deste instrumental.
O segundo, por sua vez, resulta de curso de extensão de inclusão
digital para adultos e também traz reflexão sobre o uso da internet.
O sétimo capítulo trabalha, em contexto escolar, com a produção de material didático para o ensino de trigonometria, tendo,
na perspectiva construtivista, sua base de desenvolvimento.
Os dois capítulos que encerram a coletânea apresentam,
respectivamente, dois projetos de extensão: um ciclo de estudos
acerca da obra de Shakespeare e um curso sobre a leitura de textos
acadêmicos. O primeiro traz reflexões sobre as adaptações da obra
do referido autor para o cinema e, o segundo, aborda questões
relativas à dificuldade de leitura acadêmica.
A partir da diversidade temática e metodológica, esperamos
que o presente livro possa contribuir com discussões a respeito
da Extensão Universitária, tendo como foco a construção de um
processo extensionista popular e dialógico. E que, para além da
formação de sujeitos críticos na Universidade, permita, também,
a transformação da realidade social, política, econômica e cultural
dos espaços, onde a extensão se efetiva cotidianamente.
Os Organizadores
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS
E CONTRIBUIÇÕES DO SEMINÁRIO
PARA PROJETOS DE EXTENSÃO (SEMPE)
Flávio Pereira Diniz
Dinalva Donizete Ribeiro
Introdução
A
s metodologias participativas em extensão universitária estão relacionadas às práticas de pesquisa de intervenção social
que se desenvolveram por meio de diferentes quadros teóricos e
metodológicos, principalmente a partir da década de 1950.
Em se tratando de pesquisa de intervenção social com caráter participativo, podemos afirmar a existência de três tradições:
a europeia, a norte-americana e a latino-americana. No que se refere a esta última e ao caso brasileiro, fomos buscar nos trabalhos
e publicações do Seminário de Metodologias para Projetos de Extensão (SEMPE) a atualização das discussões acerca de como a
extensão universitária tem sido tratada e quais ferramentas têm
sido utilizadas e (re)criadas.
Nos anos de 2011 e 2013 analisamos as publicações das coletâneas originárias das oito edições do SEMPE (compostas pelos trabalhos apresentados pelos principais estudiosos do tema) e
verificamos a hegemonia das experiências orientadas a partir da
pesquisa participante e da pesquisa-ação (BRANDÃO, 1983, 1999
e 2006; THIOLLENT, 2007).
Apesar de haver pontos de intersecção entre ambas, as mesmas não podem ser tratadas como sinônimo, pois apresentam
características e particularidades que as distinguem, ora os seus
pontos norteadores se aproximam ora se diferenciam.
19
20 |
Pesquisa participante e pesquisa-ação
A pesquisa participante de tradição latino-americana se desenvolveu entre os anos de 1970 e 1980. As primeiras elaborações
e experiências desta prática estão relacionadas aos trabalhos de
Orlando Fals Borda (cf. FALS BORDA, 1983) e Paulo Freire (cf.
FREIRE, 1975). O primeiro é considerado pioneiro do que pode
se chamar de uma vertente sociológica da pesquisa participante,
enquanto o segundo desenvolveu suas contribuições numa perspectiva pedagógica (BRANDÃO, 2006).
Brandão (2006), reconhecendo o pioneirismo de Fals Borda e Freire na construção de uma tradição latino-americana de
pesquisa participante nas décadas de 1970 e de 1980, aponta a necessidade de considerar os contextos sociais e políticos daquele
momento histórico. Esta tradição (a latino-americana), por mais
que tenha se referenciado, também, nas tradições europeia e norte-americana, desenvolveu traços específicos, “a começar por sua
vinculação histórica com os movimentos sociais populares e com
seus projetos de transformação social emancipatória” (ibidem,
p. 21). A pesquisa participante “surge mais ou menos ao mesmo
tempo em diferentes lugares, origina-se de diversas práticas sociais, articula diferentes fundamentos teóricos e alternativas metodológicas e destina-se a finalidades desiguais” (ibidem, p. 22).
A pesquisa participante na América Latina toma como um
de seus princípios a crítica à neutralidade e objetividade científica,
típicas da sociologia positivista. Conforme Brandão:
A consequência deste ponto de partida da pesquisa participante
é o de que a confiabilidade de uma ciência não está tanto no
rigor positivo de seu pensamento, mas na contribuição de sua
prática na procura de conhecimentos que tornem o ser humano
não apenas mais instruído e mais sábio, mas igualmente mais
justo, livre, crítico, participativo, corresponsável e solidário.
Toda a ciência social de um modo ou de outro deveria servir à
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 21
política emancipatória e deveria participar da criação de éticas
fundadoras de princípios de justiça social e de fraternidade humana (BRANDÃO, 2006, p. 24-25).
Ainda, segundo este autor:
Um traço comum à direita e à esquerda das inúmeras iniciativas de associação entre pesquisa e ação social situa-se em uma
motivação a tornar as investigações em comunidades populares
em algo mais do que um instrumento de coleta de dados. Em
tornar o trabalho científico de pesquisa de dados uma atividade
também pedagógica e, de certo modo, também assumidamente
político (BRANDÃO, 2006, p. 27).
No caso brasileiro, iniciativas nesta perspectiva mobilizaram
práticas de educação popular ligadas à teologia da libertação e aos
movimentos sociais populares. Tiveram influência também na
criação e organização das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s),
do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). A pesquisa vinculada à ação social
adota uma via de mão dupla: “a participação popular no processo
de investigação” por um lado; e por outro, “a participação da pesquisa no correr das ações populares” (BRANDÃO, 2006, p. 31).
A pesquisa vinculada à ação social na tradição latino-americana partiu de diferentes teorias, propostas metodológicas e experiências práticas. Tal fato trouxe variadas formas de denominação e orientação, originando uma multiplicidade de nomes, tais
como: pesquisa temática; pesquisa participante; pesquisa na ação;
investigação-ação; pesquisa militante, pesquisa-ação; pesquisa
popular; entre outras.
O materialismo dialético-histórico é considerado o paradigma teórico fundador da tradição latino-americana, mas não deve
ser considerado o único. Apesar de sua predominância, devem-se
levar em conta outros paradigmas que tiveram influência nesta
tradição, tais como o funcionalismo-estrutural, a etnometodolo-
22 |
gia, a fenomenologia e o interacionismo simbólico (GABARRÓN;
LANDA, 2006).
Aqui, colocamos em destaque a pesquisa participante e a
pesquisa-ação na América Latina e no Brasil, já que são estas as
vertentes que mais influenciaram (e influenciam) as práticas de
extensão universitária cunhadas numa perspectiva participativa e
transformadora da realidade social.
Uma das principais críticas que habitualmente é feita à pesquisa participante (comum também à pesquisa-ação) está vinculada às suas possíveis inconsistências em relação ao padrão científico convencional, sendo comumente consideradas como práticas
ideologizadas e descompromissadas com o rigor científico e, por
isso, não raro seus resultados são questionados. Em respostas a
estas críticas, Brandão assinala:
Deve-se reconhecer o caráter político e ideológico da atividade científica e pedagógica. A pesquisa participante deve ser
praticada como um ato político claro e assumido. Não existe
neutralidade científica em pesquisa alguma e, menos ainda, em
investigações vinculadas a projetos de ação social. No entanto,
realizar um trabalho de partilha na produção social de conhecimentos não corresponde, em princípio, a pré-ideologizar partidariamente os pressupostos da investigação e a aplicação de
seus resultados (BRANDÃO, 2006, p. 43).
De acordo com este autor, a pesquisa participante agrega
quatro propósitos: objetivo prático (conhecimento das questões
sociais que serão trabalhadas); predisposição educativa (estratégia
dialógica de aprendizagem e formação política); dispositivo para
criação de uma ciência popular (implantação de processos para
a composição de uma saber popular); empoderamento dos movimentos sociais populares (processos de formação, objetivando
uma transformação social emancipatória). O objetivo da pesquisa
participante vai além da busca por melhorias pontuais para deter-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 23
minados grupos sociais, inserindo-se, assim, na luta por significativas mudanças estruturais (ibidem, 2006).
A pesquisa-ação, por sua vez, mesmo que contendo algumas
similitudes em relação à pesquisa participante (principalmente na
crítica e na busca de alternativas às pesquisas convencionais), deve
ser tratada de forma diferenciada em relação àquela. De acordo
com Thiollent (2007, p. 9-10), “a pesquisa-ação, além de participação, supõe uma forma planejada de caráter social, educacional,
técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de
pesquisa participante” e considera que:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
pesquisadores e os participantes representativos da situação ou
do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2007, p. 16).
As experiências com pesquisa-ação no Brasil alcançam diferentes campos: educação, serviço social, comunicação, desenvolvimento rural, organização institucional, difusão de tecnologias,
práticas sindicais, etc. Uma característica que explicita a diferenciação entre a pesquisa-ação e a pesquisa participante está no fato
da primeira “focalizar ações ou transformações específicas que
exigem um direcionamento bastante explicitado” (THIOLLENT,
2007, p. 80).
Os chamados métodos participativos (BROSE, 2001), por
muitas vezes inspirados nos pressupostos e experiências de pesquisa participante e pesquisa-ação, geralmente são aplicados em
organizações públicas, comunidades rurais e urbanas, programas
e projetos de extensão nas mais variadas áreas temáticas, sendo
que as práticas de extensão universitária podem se dar a partir de
diferentes referenciais metodológicos, dos mais tradicionais aos
mais inovadores.
24 |
Porém, é nas metodologias participativas que a extensão
universitária encontra o arcabouço teórico-metodológico mais
propício na busca de processos de interação dialógica entre universidade e sociedade.
Verificam-se experiências com aporte destas metodologias
em diversos campos e temáticas: trabalhos com populações rurais, tanto em comunidades tradicionais como em assentamentos
de reforma agrária a partir de diferentes enfoques e objetivos; assessorias a cooperativas populares nas cidades, como de trabalhos
com catadores de material reciclável; na área da saúde, como em
atividades de prevenção das DST/HIV/AIDS; educação de jovens
e adultos; no setor empresarial; agroindustrial, etc.
Estas metodologias de caráter participativo possuem um
fórum específico para serem expostas, socializadas e debatidas: o Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão
(SEMPE).
O seminário de metodologia para projetos de extensão (SEMPE)
O SEMPE teve sua origem a partir de uma iniciativa da área
de Inovação Tecnológica e Organização Industrial, do Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ).
De acordo com seu Projeto-Base8, sua criação foi estimulada a
partir da constatação de uma demanda por formação na área de
metodologia para projetos de extensão, em particular aquelas de
caráter participativo.
Caracterizado como espaço de debate que pretende extrapolar os limites institucionais do meio acadêmico, a ênfase constatada no SEMPE, desde sua origem, se refere às metodologias
de pesquisa participativa e pesquisa-ação. Suas principais áreas
8 Disponível em: <http://www.itoi.ufrj.br/sempe/index.htm> Acesso em 30.11.2010.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 25
temáticas foram estabelecidas de acordo com o que se considera
como questões sociais relevantes, tais como, por exemplo, saúde,
educação, desenvolvimento rural, geração de trabalho e renda.
Sendo realizado desde 1996, o SEMPE encontrava-se, em
outubro de 2013, em sua oitava edição. Os dois primeiros eventos
foram realizados pela COOPE/UFRJ, em abril de 1996 e dezembro de 1997. Enquanto o primeiro esteve mais restrito à UFRJ, o
segundo contou, também, com a presença de estudantes e professores da Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Pró-Reitores de Extensão e pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), resultando na participação de, aproximadamente, 80 pessoas.
O III SEMPE, realizado em agosto de 1999, na cidade de
São Carlos-SP, foi organizado pela UFSCar, em parceria com a
COPPE/UFRJ e UFF. Contando com professores, estudantes e representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs), de
estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Santa Catarina, entre outros, esta edição alcançou uma participação significativamente maior que as duas anteriores, chegando ao número
de 273 inscritos e com a apresentação de 28 trabalhos. A sistematização dos trabalhos deste seminário foi publicada na coletânea
impressa, intitulada Metodologia e experiências em projetos de extensão (THIOLLENT; ARAÚJO FILHO; SOARES, 2000).
O IV SEMPE, realizado em agosto de 2001, também ocorreu
na cidade de São Carlos-SP. Sua realização contou com a parceria entre a UFSCar, UFRJ e a UNIRIO. Nessa edição, houve a apresentação
de 46 trabalhos, distribuídos em oito sessões temáticas de comunicação, assim organizadas: saúde; direitos humanos, cidadania e etnia;
educação e formação profissional; desenvolvimento local e sustentável; tecnologia e organização do trabalho; comunicação e cultura;
cooperativismo e incubação de cooperativas populares. As metodologias em destaque foram: metodologia participativa/pesquisa-ação;
26 |
metodologias qualitativas e quantitativas; métodos de diagnóstico;
planejamento participativo; pedagogia para o ensino extracurricular; métodos para criação de cooperativas.
O V SEMPE foi realizado na cidade de João Pessoa-PB, em
outubro de 2003, numa parceria entre a UFPB, UFRJ, UFSCar e
UNIRIO. Além das conferências, mesas-redondas, minicursos e
oficinas, as sessões de comunicação oral foram organizadas nas
seguintes temáticas: cultura e artes; educação; direitos humanos e
cidadania; meio ambiente e desenvolvimento sustentável; desenvolvimento local e desenvolvimento de comunidades; tecnologia,
questão agrária e cooperativismos; saúde.
O VI SEMPE foi realizado na cidade de São Carlos, no mês
de agosto de 2008, promovido pela UFSCar. Os trabalhos foram
organizados de acordo com as seguintes áreas temáticas: concepção, gestão e avaliação de projetos de extensão; educação; saúde
e nutrição; capacitação e gestão hospitalar; desenvolvimento local, design e cultura; agricultura; comunicação (ARAÚJO FILHO;
THIOLLENT, 2008).
A sétima edição do SEMPE foi realizada na cidade de Natal-RN, no período de 12 a 15 de abril de 2011. Foram aceitos 112
relatos de experiência para apresentação em oito áreas temáticas,
assim definidas: comunicação; cultura; direitos humanos e justiça;
educação; meio ambiente; saúde; tecnologia e produção; trabalho.
A oitava edição do SEMPE ocorreu em Salvador – BA, de
18 a 20 de agosto de 2013. Os trabalhos aceitos (cuja quantidade
ainda não tivemos acesso) foram apresentados nas seguintes áreas
temáticas: comunicação; cultura; direitos humanos e justiça; educação; meio ambiente; saúde; tecnologia e produção; trabalho.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 27
Quadro 1 – Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão (SEMPE)
1996 – 2011.
Edição/Ano
Local / Organizadores
Anais
I SEMPE/1996
Rio de Janeiro (RJ)
– COPPE/UFRJ
Relatório
II SEMPE/1997
Rio de Janeiro (RJ)
– COPPE/UFRJ
Publicados pela COPPE/UFRJ, em 1998,
sob o título “Extensão Universitária e
Metodologia Participativa”
III SEMPE/1999
São Carlos (SP) –
UFSCar/COOPPE
-UFRJ/UFF
Metodologia e experiências em projetos
de extensão (THIOLLENT; ARAÚJO
FILHO; SOARES, 2000).
IV SEMPE/2001
São Carlos (SP)
– UFSCar/URFJ/
UNIRIO
Extensão Universitária: conceitos, métodos e práticas (THIOLLENT; BRANCO;
GUIMARÃES; ARAÚJO FILHO, 2003).
V SEMPE/2003
João Pessoa (PB) –
UFPB/UFRJ/UFSCar/UNIRIO
http://www.prac.ufpb.br/anais/sempe/
vsempeanais/index.html
VI SEMPE/2008
São Carlos (SP) –
UFSCar
Metodologia para projetos de extensão:
apresentação e discussão (ARAÚJO
FILHO; THIOLLENT, 2008).
VII SEMPE/2011
Natal (RN) –
UFRN
Site do evento:
http://www.sempe.ufrn.br/index.htm
VIII SEMPE/
2013
Salvador - BA
Site do evento:
http://viiisempe.blogspot.com.br/p/
anais.html
Fonte: Seminário de Metodologias para Projetos de Extensão (SEMPE), 1996,
1997, 1999, 2001, 2003, 2008, 2011 e 2013.
28 |
Contribuição teórico-metodológica do SEMPE à extensão universitária
Considerando a amplitude das contribuições do SEMPE e
por consequência a necessidade de definirmos uma amostra que
fosse representativa das discussões originadas deste evento, priorizamos, para análise e reflexão, os textos teóricos em detrimento
dos relatos de experiências.
Dentre as publicações das oito edições, foram selecionados três textos do III SEMPE (THIOLLENT; ARAÚJO FILHO,
SOARES, 2000); três da IV edição (THIOLLENT; BRANCO;
GUIMARÃES; ARAÚJO FILHO, 2003) e duas contribuições do
VI Seminário (ARAÚJO FILHO; THIOLLENT, 2008). A seleção
deste material levou em consideração três critérios: acessibilidade
aos referidos trabalhos; priorização de textos teóricos (relatos de
experiência foram excluídos para fins de amostragem); aleatoriedade (os textos foram selecionados sem definição prévia).
Apesar de considerável diversificação no campo das metodologias participativas, há uma perspectiva hegemônica no SEMPE: a pesquisa-ação. Neste caso, é preciso destacar o pioneirismo
e as contribuições de Thiollent (2000; 2003; 2007; 2008) e sua participação na idealização e criação do evento, sendo perceptível sua
influência nos demais trabalhos que compõem o quatro teóricoconceitual e metodológico de todas as edições do SEMPE.
No III SEMPE, Michel Thiollent apresentou a comunicação
intitulada A metodologia participativa e sua aplicação em projetos de
extensão universitária (THIOLLENT, 2000, p. 19-28), apontando que
A extensão concebida como campo de experimentação permite
um trabalho de grupos universitários com bastante liberdade.
Para se aproximar da complexidade das situações sociais em
que interagem, esses grupos promovem projetos de caráter interdisciplinar. Sua identidade se define por meio de princípios
ou critérios éticos. Entre os principais destacam-se a participa-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 29
ção, o auxílio não-impositivo, a devolução da informação aos
interessados, alguma forma de emancipação ou empowerment9.
As pessoas atendidas não são vistas como simples público-alvo
e sim como atores em suas situações de vida e em suas interações com os grupos universitários (p. 20).
Neste sentido, Thiollent propõe a adoção de metodologias
participativas em contraposição às metodologias convencionais
fundamentadas no positivismo científico, que segundo ele “leva
a práticas educacionais diretivas, impositivas ou unilaterais” (ibidem, p. 23),
Por sua vez, a metodologia participativa capacita os atores, implicando-os na construção do projeto e no seu desenrolar. Com ela,
procura-se obter maior efetividade dos conhecimentos e soluções
aos problemas detectados. Discussões e formas de atuação coletivas potencializam o espírito crítico. Criam-se também condições
que possibilitam a melhor interação entre participantes de camadas populares e da universidade. (THIOLLENT, 2000, p. 23).
Thiollent propõe alguns princípios básicos para a elaboração de projetos de extensão nesta perspectiva: interatividade entre os atores envolvidos; articulação entre os processos de investigação, educação, comunicação e organização; articulação entre
conhecimento, informação e ação; produção de conhecimento e
estimulação de novas pesquisas; envolvimento de metodologias
de pesquisa, educação e comunicação; indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão.
Este trabalho de Thiollent foi composto levando em consideração o tema “Redesenhando a extensão universitária à luz da metodologia participativa” (THIOLLENT; ARAÚJO FILHO, SOARES,
2000). Outros dois artigos compõem este tópico: Elementos para a
competência pragmática de projetos participativos de extensão univer9 Tradução livre: empoderamento.
30 |
sitária (CARNEIRO, 2000, p. 29-42) e Metodologias participativas
para projetos educacionais e tecnológicos (SOARES, 2000, p. 43-54).
No trabalho de Carneiro (2000), consta uma discussão a
respeito da utilização da pesquisa-ação em projetos de extensão
universitária numa perspectiva “lógico-discursiva”, considerando
o “valor pragmático do texto (verbal e não verbal)” (CARNEIRO,
2000, p. 29). Neste sentido, propõe uma abordagem pragmática
de interação pela linguagem, demonstrando suas potencialidades
e apontando suas diretrizes. Segundo o autor:
A adoção da pesquisa-ação em projetos de extensão, planejada e desenvolvida segundo os princípios e critérios das áreas
interdisciplinares da cognição e da linguagem, propicia, efetivamente, a passagem da condição de indivíduos envolvidos
numa situação-problema a sujeitos articulados, que assumem
os rumos das ações no sentido da produção do conhecimento
ou da resolução dos problemas. De acordo com essa dimensão
interativa, a compreensão da linguagem não poderia ficar restrita a um mero instrumento de transmissão de informações,
à representação de um sistema formal e abstrato, gerador das
frases ou representações de significados virtuais desvinculados
de qualquer contexto (CARNEIRO, 2000, p. 39).
É o que o autor denomina de perspectiva interacional da
linguagem no âmbito das ações de extensão universitária, podendo
contribuir para uma maior produtividade e criatividade durante
o processo de interlocução entre os sujeitos envolvidos nestas
ações. Entre outras coisas, as práticas discursivas são consideradas
fundamentais para o êxito dos projetos de extensão.
Já no trabalho de Soares (2000), baseado em princípios da
pesquisa participante, pesquisa-ação e pesquisa operacional qualitativa, propõe-se uma metodologia no contexto da pesquisa
participativa aplicada à pesquisa sociotécnica, denominada provisoriamente de Metodologia para Projetação e Modelagem de
Tecnologia com critérios de Sustentabilidade (MPMTS).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 31
A autora aborda, sinteticamente, a pesquisa participante
e dedica especial atenção à pesquisa-ação, referenciando-se nas
elaborações de Michel Thiollent. Fundamentada neste autor, Soares explicita as fases pertinentes à concepção e organização da
pesquisa: fase exploratória; tema da pesquisa; colocação dos problemas; teoria; hipótese ou diretriz; seminário; campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa; coleta de dados;
aprendizagem; saber formal/informal; plano de ação; divulgação
externa (SOARES, 2000, p. 45-47).
A MPMTS é considerada por sua autora como uma variante
da Soft Systems Methodology (SSM), aliada às diretrizes da metodologia da pesquisa-ação. Segundo Soares:
Essa metodologia deverá ser responsável pela projetação e modelagem de novos artefatos em contextos produtivos regionais,
e abordará o conceito de tecnologia sustentável ou endógena
[...] A metodologia tratará do projeto de inovações tecnológicas
no sentido de que nem tudo que é inovação consistirá necessariamente no que há de mais adiantado em ciência e tecnologia
(SOARES, 2000, p. 48-49).
A autora descreve, esquematicamente, a proposta de abordagem desta metodologia da seguinte maneira:
A MPMTS trata de diversos “mundos”, por exemplo, o mundo
simbólico que permeia o mundo real para coleta de informações; o intermediário para análise de dados e momentos de
reflexão; o mundo ideal para a projetação e modelagem dos
artefatos (produtos e processos); e novamente o mundo intermediário que requer reflexão para adequação do pesquisador
na utilização da linguagem adequada para a negociação do
modelo projetado; e o mundo real novamente utilizando o
processo de negociação para implementação do artefato possível e adequado à situação (SOARES, 2000, p. 50, grifos da
autora).
32 |
Este é o modelo proposto pela autora, que defende a utilização deste método em atividades de extensão universitária, podendo contribuir na identificação de novos problemas, na coleta de
informações, na direção de pesquisas futuras e na ação em novas
temáticas originadas deste processo.
Estes três trabalhos discutidos no III SEMPE trazem reflexões e propostas acerca da aplicação de metodologias participativas em projetos de extensão universitária. A aplicação da pesquisa-ação à extensão, de Thiollent; a perspectiva interacional da
linguagem, de Carneiro; e a MPMTS, de Soares. As duas últimas
reúnem elementos da pesquisa-ação articulados com outros métodos e a proposição de um novo método. O ponto de convergência entre os três trabalhos é a adoção da pesquisa-ação como
referencial norteador.
O IV SEMPE originou a publicação da coletânea Extensão Universitária: conceitos, métodos e práticas (THIOLLENT;
BRANCO; GUIMARÃES; ARAÚJO FILHO, 2003). Dos dez artigos publicados nesta edição, selecionamos três para analisar
como a extensão universitária tem sido tratada na Universidade
e naquele Seminário. São eles: Problematizando a sistematização
dos modelos de extensão e de seus referenciais teóricos (BRANCO;
GUIMARÃES, 2003, p. 29-44); Metodologia participativa e extensão universitária (THIOLLENT, 2003, p. 57-67); “Ferramentas de
linguagem” para metodologias interativas de projetos de extensão
(CARNEIRO, 2003, p. 69-87).
O trabalho de Branco e Guimarães (2003, p. 29-44) resultou
da oficina temática denominada “Referenciais Teóricos e Modelos de Extensão” (ibidem, p. 29), que discutiu o intercâmbio de
experiências no intuito de sistematizar os exemplos com a finalidade de aumentar a comunicação entre os grupos de extensão
(THIOLLENT; ARAÚJO FILHO, SOARES, 2000, p. 315).
Buscou-se trazer à tona as “motivações, as preconcepções,
as metodologias e as dificuldades” em torno das experiências em
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 33
atividades de extensão vividas pelos participantes (BRANCO;
GUIMARÃES, 2003, p. 30). O texto traz, de forma elaborada, as
contribuições provenientes desta atividade do Seminário. Foram
feitas considerações a respeito da discussão de como fazer extensão universitária e, também, quais seus principais entraves. Segundo as autoras:
As metodologias participativas foram apontadas como primordiais para o planejamento, organização, desenvolvimento e avaliação de atividades de extensão, sendo enfatizada a necessidade
de preparação (capacitação) nessa área de conhecimento, bem
como em outras que atendam às especificidades dos projetos [...]
As atividades, também, devem estar orientadas pelos conhecimentos e diretrizes definidas pelas políticas públicas das áreas específicas aos projetos (BRANCO; GUIMARÃES, 2003, p. 33-34).
Notam-se dois aspectos fundamentais, convergentes: a utilização das metodologias participativas nos diferentes processos
de interação entre universidade e sociedade, neste caso levados a
cabo, especificamente, por meio das ações de extensão universitária, e a orientação destas ações na direção das políticas públicas.
Esta vinculação demonstra que o potencial do uso de metodologias participativas em extensão universitária pode contribuir na
sua relação com o desenvolvimento de políticas públicas nas diferentes áreas temáticas previstas.
Entre as dificuldades apontadas, destaca-se a insuficiência
de informações básicas sobre a extensão universitária; o financiamento precário, descontínuo e incerto; e a pequena carga horária
destinada às atividades de extensão nas universidades.
As autoras, ao discutirem sobre a sistematização dos modelos de extensão e seus referenciais teóricos, remetem a documentos do FORPROEX, como o Plano Nacional de Extensão Universitária e a proposta de avaliação da extensão universitária, ainda
em construção naquele momento.
34 |
A sistematização dos modelos de extensão passa, também, pelas questões teórico-metodológicas, de gestão e de planejamento da ação [...] Também, precisam ser considerados: a gestão
acadêmica e administrativa, no que se refere ao Projeto Político-Pedagógico da Universidade, e sua relação com as Políticas
Públicas e aos Agentes Externos, definindo linhas programáticas vocacionadas (BRANCO; GUIMARÃES, 2003, p. 38).
Percebemos, neste trabalho, uma explícita vinculação com
o discurso extensionista do FORPROEX fundamentando a concepção de extensão universitária nele exposta. Vale destacar que,
dentre os trabalhos investigados, este é o primeiro que faz referência direta a questões relacionadas com as políticas públicas. Estas
ocupam um lugar específico na forma de fazer extensão universitária. A vinculação da extensão universitária com as políticas públicas, socialmente prioritárias, é uma das condições constantes
no processo de sistematização de seus possíveis modelos.
O trabalho apresentado por Thiollent no IV SEMPE, Metodologia participativa e extensão universitária (THIOLLENT, 2003,
p. 57-67), traz apontamentos sobre procedimentos de metodologia participativa, indicando como ela está contribuindo naquilo
que o autor denomina como renovação da extensão universitária.
Segundo o autor:
A extensão universitária é conduzida por meio de diversas metodologias, mas a metodologia participativa e a pesquisa-ação
ocupam, tradicionalmente, um lugar importante em projetos
de extensão, compromissada e mobilizadora, especialmente
quando se destina às comunidades externas (THIOLLENT,
2003, p. 58).
O autor enfatiza a pesquisa-ação, historicamente utilizada
como metodologia em projetos de pesquisa, de ensino ou de planejamento (em universidades, movimentos sociais, ONG’s, órgãos
governamentais, empresas etc.), como uma das possíveis formas de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 35
facilitar ou mesmo ampliar a participação nos projetos de extensão universitária, contribuindo para a criação de espaços de interlocução entre comunidade acadêmica e comunidade externa. De
acordo com Thiollent, 2003 (p.61), “nos projetos cuja metodologia
é baseada na pesquisa-ação, a principal transformação que ocorre
no decorrer do processo é a passagem da constatação de fatos observáveis na situação para uma ação transformadora apropriada”.
Thiollent identifica as possíveis modalidades de participação
em projetos participativos: “participação de atores limitada a uma
composição de interesses, como no caso de parcerias; participação
com adesão, envolvimento emocional, consenso; participação de
atores com diálogo permanente e escolhas sempre negociadas” (ibidem, p. 62). Segundo este autor, esta participação pode ter uma intensidade flutuante no decorrer do processo, mas o seu crescimento
é percebido quando ocorre alguma forma de empoderamento por
parte dos grupos interessados: “A participação é viável em termos
metodológicos, técnicos e operacionais e possibilita uma interlocução entre atores, da qual emergem significações nos planos: social,
político, educacional, cultural, etc.” (ibidem, p. 66).
No trabalho “Ferramentas de linguagem” para metodologias
interativas de projetos de extensão (CARNEIRO, 2003, p. 69-87), o
autor retoma e amplia a reflexão a respeito da questão da linguagem nas metodologias participativas em extensão universitária:
Entre as várias metodologias participativas existentes, há em
comum, princípios e critérios que orientam as ações de modo
interativo [...]: métodos condicionados pela situação, com resultado aberto; compartilhamento do sentido e da finalidade por
todos; abordagem da situação a partir de diferentes perspectivas; consenso partilhado em relação aos objetivos e às atividades
[...] as técnicas recorrentes dessas metodologias são basicamente
constituídas pela linguagem [...] resolvemos basear-nos em uma
abordagem metodológica que pressupõe a linguagem como atividade interindividual e de caráter sócio-cognitivo (CARNEIRO,
2003, p. 71).
36 |
O autor argumenta que em razão das metodologias participativas estarem abertas à alteridade, a linguagem constitui-se
como instrumento fundamental para o planejamento, execução
e avaliação de atividades de extensão universitária. O caráter dialógico contido nos pressupostos destas metodologias reforça este
papel reservado à linguagem. Segundo o autor:
Recursos linguísticos e semióticos tornam-se recorrentes de técnicas
de projetos, pelo fato da linguagem humana constituir-se em uma
instância de planejamento interativo. Essencialmente dialógica, ela
se faz pela interpretação e construção de sentidos, implicando, pois,
uma relação intersubjetiva. Os projetos de extensão hoje tendem a
dar lugar a processos de raciocínio argumentativo, em substituição à
tradição lógico-formal, ao permearem o gênero do discurso científico com múltiplas “vozes”, afastando-se, pois, de uma hermenêutica
positivista, reificadora do texto (CARNEIRO, 2003, p. 72).
Em decorrência desta constatação, Carneiro propõe a “síntese
metodológica para projetos de extensão”, denominada por ele como
“metodologia interativa”. “Essa proposição tem como estratégia o
relacionamento conhecimento-ação e por princípio fundamental
a autonomia dos atores no planejamento e no desenvolvimento de
projetos” (ibidem, p. 72-73). Nesta perspectiva, as técnicas e seus
respectivos processos interativos no decorrer de uma determinada
ação de extensão universitária se constituem e se efetivam por meio
da linguagem. Portanto, esta ocupa um lugar fundamental na efetiva interação entre universidade e sociedade (ibidem).
Nas considerações finais desta publicação (THIOLLENT;
BRANCO; GUIMARÃES; ARAÚJO FILHO, 2003) que reuniu trabalhos realizados no IV SEMPE, algumas prioridades (tratadas como
objetivos de trabalho e reflexão para o futuro) foram colocadas:
Ênfase nas metodologias participativas, em particular a de tipo
pesquisa-ação; melhor conhecimento da metodologia de pla
nejamento participativo e planejamento estratégico situacional;
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 37
ênfase nas concepções de extensão de finalidade conscientizadora, emancipatória, popular e mobilizadora; uso de recursos
informacionais e comunicacionais para reforçar a efetividade
das atividades de extensão; acoplamento das metodologias de
pesquisa e de ensino às metodologias de planejamento e de
gestão universitária (THIOLLENT; BRANCO; GUIMARÃES;
ARAÚJO FILHO, 2003, p. 167).
Observa-se que, em todos os trabalhos analisados no âmbito do SEMPE, há a presença hegemônica dos fundamentos da
pesquisa-ação, inspirando a proposição de diferentes métodos de
caráter participativo e fazendo parte da maioria das reflexões. Ao
mesmo tempo, a questão da comunicação e a importância da linguagem (ou do discurso) nas atividades de extensão, na busca de
uma efetiva interatividade entre os diferentes sujeitos envolvidos,
também ocupam lugar de destaque. Por último, verificamos uma
explícita vinculação dos trabalhos do SEMPE aos objetivos formulados no Plano Nacional de Extensão.
Quanto à análise dos trabalhos discutidos no VI SEMPE/
2008, nos apoiamos na coletânea (em formato e-book) Metodologia para projetos de extensão: apresentação e discussão (ARAÚJO
FILHO; THIOLLENT, 2008). Deste, fizemos o recorte dos dois
capítulos iniciais: Avanços da metodologia e da participação na
extensão universitária, de Thiollent (2008, p. 1-7) e Metodologia
Comunicativa-Crítica: avanços metodológicos e produção de conhecimento na extensão universitária, de Mello (2008, p. 8-39).
Este teórico argumenta, em seu trabalho, que a extensão
universitária passou, nos últimos anos, por importantes processos
de estruturação, significando um real avanço em sua consolidação
como prática acadêmica no campo universitário. Ele confere ao
FORPROEX, aos grupos de extensão nas universidades e ao que
ele chama de “melhor compreensão por parte de órgãos do governo”, a responsabilidade por tal avanço. “Na esfera de governo,
de bastante desconhecida, a extensão passou a ser solicitada como
38 |
instrumento de política pública, em projetos e programas sociais,
principalmente voltados para as populações carentes” (THIOLLENT, 2008, p. 1, grifo nosso).
Thiollent, ao mesmo tempo em que reconhece a existência
de avanços no que se refere à metodologia participativa (com ênfase à pesquisa-ação) e sua inserção nas práticas de extensão universitária, também demonstra algumas preocupações. De acordo
com o autor:
Na extensão universitária a referência à metodologia participativa e à pesquisa-ação se tornou também mais frequente.
Aparentemente, a nossa preferência por esse tipo de método, já
declarada no passado, estaria então bem contemplada. No entanto, esse visível ganho de espaço dos métodos participativos
na extensão não significa que sua aplicação sempre esteja correta e amparada em reais contribuições metodológicas. Devemos
ficar atentos a possíveis exageros no discurso da participação,
permeando as justificativas de projetos, sem obrigatoriamente
satisfazer às exigências metodológicas das atividades das pessoas implicadas e dos resultados (THIOLLENT, 2008, p. 3).
Neste sentido, e considerando também a inserção das metodologias participativas nas políticas públicas, o autor continua
suas ponderações:
No contexto autoritário do passado, a pesquisa que dava ênfase na participação tinha uma intencionalidade de oposição
ao sistema, querendo dar voz às pessoas e grupos oprimidos.
No contexto atual, uma vez inserida em políticas públicas, a
participação ocorre em contexto diferente. Ela se torna às vezes
uma condição formal, um requisito a ser satisfeito para atender
a editais de certos programas sociais. Não se trata de “dar voz
e vez” aos grupos carentes, mas de justificar, pela sua presença,
projetos cujos objetivos e recursos adquirem regras de funcionamento próprio, independente dos referidos grupos assistidos
(THIOLLENT, 2008, p. 4).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 39
Para esse autor, se na década de 1990 a preocupação era dar
maior visibilidade às metodologias participativas e suas possíveis
aplicações no campo da extensão universitária (fato este que obteve relativo êxito, contando com a contribuição dos trabalhos do
SEMPE), nos dias atuais a prioridade já é outra, deslocando-se
para os cuidados em relação a prováveis usos inadequados de tais
metodologias, às vezes meramente retóricos e formais.
No passado, sobretudo nas décadas de 1970 e 1980, as pesquisas de caráter participativo, do tipo pesquisa-ação ou pesquisa
participante, colocavam-se no campo da contestação e oposição
aos regimes ditatoriais, com discursos de transformação social e
emancipação das classes sociais subalternas. Além disso, contrapunham-se aos modelos teórico-metodológicos positivistas. Por
este motivo, eram marginalizadas e muitas vezes censuradas. Segundo Thiollent:
Hoje, é diferente, a referência à ação está mais bem aceita, muitas
vezes, explicitamente exigida pelas cláusulas de editais de projetos
de pesquisa institucionalizada. Em vez de requerer engajamento,
a ação de hoje está inserida numa perspectiva empírica, pragmática, de busca de eficácia e eficiência na obtenção de resultados
(THIOLLENT, 2008, p. 5).
Na atualidade, a ênfase não está mais em buscar transformações sociais de caráter radical, contestando a lógica do sistema capitalista e reivindicando sua superação, mas em mudanças
pontuais cada vez mais específicas e circunstanciadas, com ênfase nas políticas públicas de inclusão social, econômica, cultural
etc. Thiollent defende que na pesquisa-ação, em sua perspectiva
crítica, deve-se preocupar em relacionar a ação social com “significações mais amplas de caráter histórico ou existencial e com
fundamentos éticos do conhecimento” (ibidem, p. 6).
Mello (2008), em seu trabalho intitulado Metodologia Comunicativa-Crítica: avanços metodológicos e produção de conheci-
40 |
mento na extensão universitária (2008, p. 8-39), apresenta a proposta da metodologia comunicativa-crítica. Esta metodologia foi
criada pelo Centro Especial e Investigação em Teorias e Práticas
Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de Barcelona/Espanha e é praticada a partir de 2002, pelo Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE) da UFSCar, com o
qual compõe a referida autora:
A metodologia comunicativa-crítica é entendida pelos membros do NIASE como caminho metódico de compreensão e de
ação no mundo. Caminho metódico de estudo cuidadoso da realidade, buscando mirá-la e admirá-la de diversas perspectivas
e, neste caso, caminho feito em diálogo entre pesquisadoras(es)
e participantes da realidade investigada, para movermo-nos no
mundo e transformar a realidade vivida. A teoria dialógica de
Paulo Freire e a teoria da ação comunicativa de Habermas são
as bases de tal metodologia de pesquisa e de ação social e educativa (extensão) (MELLO, 2008, p. 9).
A autora apresenta a metodologia comunicativa-crítica como
uma alternativa de trabalho na relação entre pesquisa e extensão
universitária, ou em suas palavras: “entre produção e difusão de
conhecimento científico” (ibidem, p. 22). A partir de Habermas,
foram destacados os conceitos de mundo da vida e sistema, e de
realidade formada por três mundos (linguagem, ação e comunicação); enquanto que de Freire foram destacados os conceitos de objetividade e subjetividade, intersubjetividade, diálogo e coerência
como fundamentos centrais desta concepção metodológica (ibidem, p. 23). A respeito da investigação científica, a autora coloca:
Com relação ao âmbito da pesquisa, como espaço de produção
do conhecimento científico, rigoroso, a metodologia comunicativa-crítica respeita tanto a dimensão ontológica, como a
epistemológica [...] Por isso, nela se entende que há uma experiência comunicativa entre falante e ouvinte no processo de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 41
investigação. Tal compreensão é aprofundada em dois conceitos
presentes na metodologia de investigação comunicativa-crítica:
o de postura realizativa e o de ruptura do desnível interpretativo
(MELLO, 2008, p. 27, grifos da autora).
A postura realizativa está relacionada à tomada de posição
do investigador frente às questões pesquisadas. Ele não omite sua
opinião diante de determinados temas, chegando, em alguns casos,
a se posicionar diante dos mesmos, porém, em condição de igualdade com os demais atores da pesquisa. O conceito de ruptura do
desnível interpretativo trata do entendimento de que todos os participantes da pesquisa possuem capacidade de interpretar e explicar
suas vivências. No entanto, a autora destaca que existem diferentes
funções de interpretação entre pesquisadores e participantes.
No aspecto operativo da investigação, a autora indica o uso
de técnicas quantitativas, tais como questionários e entrevistas rápidas. Em relação às técnicas qualitativas, considerando a postura
realizativa do pesquisador e a prática de ruptura do pressuposto de
hierarquia interpretativa, são postos como sugestão: “grupo de discussão comunicativo, relatos comunicativos de vida cotidiana, entrevista em profundidade e observações comunicativas” (MELLO,
2008, p. 29).
Para a autora (2008, p. 30):
A principal preocupação com relação às técnicas de coleta de
dados da metodologia comunicativa-crítica é que elas se constituem em espaço de diálogo entre iguais, onde as pretensões
de validade, e não as de poder, estejam na base das relações. As
intepretações são, assim, construídas comunicativamente.
A autora considera que o envolvimento dos sujeitos participantes da investigação na esfera interpretativa eleva o rigor
científico do trabalho, pois pode contribuir na “superação de
fragilidades analíticas produzidas pela parcialidade de visão de
mundo” dos pesquisadores envolvidos (ibidem, p. 30). Não há
42 |
espaço para interpretações hegemônicas (na maioria das vezes,
prevalecendo os especialistas), mas há a busca de uma construção coletiva a partir de processos comunicativos. Ainda, a
autora relaciona a metodologia comunicativa-crítica à extensão
universitária:
Considerando os argumentos, os caminhos e os produtos da
pesquisa comunicativa-crítica, tem-se que a extensão universitária, ligada diretamente ao processo de pesquisa, se dá
como apresentação dos conhecimentos científicos e técnicos
no processo de comunicação entre pesquisadores(as) e participantes, em comunicação e diálogo, para compreender e
analisar determinado problema ou aspecto da realidade vivida
pelo grupo. Posta no diálogo como argumentação, elas serão
comunicativamente analisadas e validadas ou não. Nesta direção, é mais cabível falar-se em ação social, em educação e em
comunicação, que em extensão universitária (MELLO, 2008,
p. 31).
Mello retoma a argumentação de Freire (1975), que considera mais adequada a denominação de comunicação entre
conhecimentos (acadêmico e popular) e não de extensão de conhecimentos. Neste sentido, o diálogo ocupa um lugar central e
potencialmente auxilia na produção de novos conhecimentos.
Por outro lado, a ação social é realizada por participantes e
pesquisadores de forma concomitante à investigação, implicando
numa indissociabilidade entre pesquisa e comunicação. De acordo
com Mello (2008, p. 32):
A difusão de conhecimentos e resultados gerados no processo
de comunicação e de pesquisa ganha aqui outra potencialidade: ela pode ser feita tanto por pesquisadores(as) como por
participantes das pesquisa a outros coletivos cuja temática interessa diretamente, ou a governos que interferem em políticas
públicas.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 43
A metodologia comunicativa-crítica apresenta-se, desta forma, como ferramenta potencialmente geradora de conhecimentos
e ao mesmo tempo difusora dos mesmos em diferentes direções:
da pesquisa, da ação social e no âmbito educativo. O mais importante, a nosso ver, é a perspectiva de indissociabilidade entre
pesquisa e extensão universitária (ou comunicação, conforme sinalizado por Freire).
Considerações finais
O SEMPE constituiu-se, ao longo dos últimos 17 anos, em
um importante espaço de debate e reflexão sobre as diversas possibilidades metodológicas que podem ser aplicadas no âmbito da
extensão universitária. A pequena amostra que retiramos da extensa produção originada das suas oito edições, longe de representar a profundidade das contribuições deste evento, apresenta
algumas concepções e reflexões esclarecedoras sobre o teor do que
é tratado neste Seminário.
Dentre elas, julgamos importante destacar o protagonismo e
o potencial da pesquisa-ação em relação à extensão universitária;
a tendência à consolidação da extensão universitária, como campo de experimentação, como um instrumento de política pública.
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METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS
EM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
O DIAGNÓSTICO RURAL PARTICIPATIVO (DRP)
Murilo Mendonça Oliveira de Souza
Introdução
A
extensão universitária representa a possibilidade de instrumentalizar, dialeticamente, a participação popular no
processo de construção do conhecimento científico-acadêmico
e em sua consequente influência na transformação da realidade concreta. Ao contrário desta perspectiva, no entanto, a ações
extensionistas levadas a cabo, nas universidades brasileiras, foram pautadas, historicamente, no assistencialismo e, nas últimas
décadas, ainda têm aberto espaço para ações que visam trazer
para as universidades, como ressalta Thiollent (2000, p. 19), “[...]
recursos adicionais, por meio da prestação de serviços ou de
cursos pagos”.
No âmbito das instituições de ensino superior no país, com
exceção de alguns guetos, não é possível visualizar, em momento
algum da história, a construção de uma política extensionista que
valorize ações que tenham, na práxis, a sua forma de diálogo/trabalho com a sociedade. Este método de interpretação/intervenção
sobre a realidade cristalizou-se, por sua vez, em metodologias extensionistas positivistas, pouco críticas ou reflexivas, que impuseram o conhecimento científico-acadêmico sobre os conhecimentos históricos dos diferentes grupos sociais.
As metodologias extensionistas se consolidaram, nas universidades e fora delas, em instrumentos unidirecionais de transmissão de conhecimento, como analisou Freire (1979) na crítica
específica ao termo extensão, o qual, segundo este autor, promove
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uma divisão entre aqueles que sabem (universidade) e aqueles que
não sabem (comunidade). Foram construídos, assim, entendimentos enviesados e equivocados sobre a realidade, promovendo políticas públicas inadequadas às demandas cotidianas da sociedade.
E, nesse processo, os sujeitos da extensão têm sido privados de
participar, efetivamente, da reflexão e da ação sobre sua realidade
e seus problemas.
É necessário, em tal contexto, que as práticas extensionistas
sejam pautadas por metodologias participativas, que possibilitem
a construção coletiva e popular do conhecimento e, consequentemente, de estratégias de transformação social. A participação
popular, em termos igualitários, é essencial no desenvolvimento
de ações extensionistas que abram as portas das universidades
para a sociedade. Mais no âmbito dos Movimentos Sociais do
que propriamente nas universidades, metodologias participativas
têm sido amplamente desenvolvidas nas últimas décadas. Estas
não têm, todavia, permitido a participação plena dos sujeitos das
ações extensionistas. Como pensar, neste contexto, metodologias
de extensão que valorizem a participação política plena dos diferentes grupos sociais nas intervenções universitárias?
O presente texto, na intenção de apresentar reflexões sobre tal questão, tem como objetivo discutir as potencialidades
das metodologias participativas de extensão universitária, tendo
como foco o Diagnóstico Rural Participativo (DRP). O debate
apresentado tem como origem experiências de utilização desta
metodologia em escolas no campo e assentamentos rurais nos
estados de Minas Gerais e Goiás. Pensamos tal metodologia, essencialmente, com base em um processo participativo e libertador. Desenvolvemos o texto trabalhando, inicialmente, a ideia/
conceito de participação popular e, em seguida, apresentamos diferentes instrumentos e possibilidades do DRP no fortalecimento
crítico da extensão universitária. Neste sentido, esperamos contribuir com a construção de uma extensão universitária popular.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 49
Participação popular e extensão universitária
A partir da década de 1980, com o processo de redemocratização do país, o termo participação passou a ser utilizado como palavra-chave, especialmente para dar legitimidade às ações realizadas por organizações e instituições políticas e sociais. Assim como
outras, em seu devido tempo, passou a ser utilizada como palavra
mágica. Aquela que serviria para qualquer ocasião e solucionaria
qualquer problema. Esta dinâmica serviu, em primeira instância,
para controlar a participação do povo nas decisões e debates mais
importantes. Este tipo de participação insere-se em um processo
de educação que não é libertador, que submete e domestica, não
permitindo, de acordo com Freire (1979), a apreensão do conhecimento em questão. Educação e participação assumem nova roupagem, mantendo, contudo, a antiga estrutura política e social.
A ideologia dominante objetivou manter a participação do
indivíduo restrita aos grupos baseados em relações sociais primárias, como o local de trabalho, a vizinhança, as paróquias, as cooperativas, as associações profissionais, de modo a criar uma ilusão
de participação política e social (BORDENAVE, 1983). E mesmo
nas organizações locais, muitas vezes, a participação é ilusória.
Por outro lado, não podemos negar que este processo ajudou a
promoveu uma mudança entre as massas populares. Seja qual for
a forma de participação, algumas lideranças populares têm estado mais no cenário político, regional e municipal. E, nos últimos
anos, com as políticas de caráter territorial, também nos territórios, sejam institucionalizados ou não.
Bordenave (1983) classifica a participação de forma geral
em: imposta, voluntária, manipulada e concedida. Na participação
imposta, o indivíduo é obrigado a fazer parte de grupos e realizar
certas atividades consideradas indispensáveis. O voto obrigatório
pode ser considerado um exemplo desta forma de participação.
Na participação voluntária, o grupo é criado pelos próprios parti-
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cipantes, que definem sua própria organização e estabelecem seus
objetivos e métodos de trabalho. São exemplos os sindicatos, as
cooperativas, os partidos políticos, entre outros. Contudo, algumas vezes, esta forma de participação é provocada por agentes
externos, o que constitui a participação manipulada. Neste caso,
os agentes externos ajudam outros a realizarem seus objetivos ou
os manipulam no sentido de atingir seus próprios objetivos, previamente estabelecidos. Tem-se ainda a participação concedida.
Esse é o tipo de participação que ocorre na grande maioria das
atividades de extensão universitária e, especificamente, nas ações
de diagnóstico e planejamento participativo.
Para Gomes et. al. (2001), o conceito de participação, no
âmbito dos processos de diagnósticos e planejamentos participativos, pressupõe divisão de poder no processo decisório, passando
pelo controle das partes sobre a execução e a avaliação dos resultados pretendidos. Ou seja, participar, neste caso, é tomar parte
das decisões e ter parte dos resultados. Isto não é o que ocorre,
cotidianamente, nas atividades de extensão universitária no país.
Nas ações extensionistas desenvolvidas pelas universidades
brasileiras, os sujeitos não tomam parte, assim como aconteceu
historicamente, nem nas decisões nem nos resultados da extensão.
Tais sujeitos, embora existam exceções pontuais10, são tratados,
ainda, como objetos da experimentação acadêmico-científica, e a
extensão universitária visualizada como possibilidade de acesso a
recursos extras para a manutenção institucional.
A extensão tende a ser conduzida principalmente no intuito de
trazer recursos adicionais, por meio de prestação de serviços
ou de cursos pagos. Perde-se de vista, com isso, a perspectiva
de uma extensão ativa, participativa, capaz de contribuir para
estudos, experimentações ou ações coletivas sobre questões sociais de maior relevância. (THIOLLENT, 2000, p. 19).
10Ver a experiência do Seminário para Projetos de Extensão (SEMPE), discutido no
primeiro capítulo deste livro.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 51
A participação nos processos extensionistas, portanto, assumem, na melhor das hipóteses, uma perspectiva concedida. Não
tem permitido, assim, a transformação coletivamente construída
da realidade dos sujeitos da extensão universitária. Pontuais são as
experiências levadas a cabo, no contexto universitário, que abrem
espaço para a participação popular plena. É possível identificar,
por outro lado, uma tentativa de adaptação de metodologias participativas populares, que passam a ser inseridas, pontualmente,
na extensão das universidades brasileiras. As metodologias participativas, recentemente utilizadas no âmbito acadêmico, têm sido
resgatadas, especialmente, dos movimentos sociais, organizações
não governamentais, assim como, de experiências populares de
participação na construção de políticas públicas.
Neste contexto, tem sido apresentada uma infinidade de metodologias e instrumentos participativos para extensão universitária.
Uma grande quantidade de siglas que representam novas metodologias surge a cada dia, e cada grupo defende sua técnica ou metodologia como sendo a mais perfeita e abrangente entre todas as outras
(BROSE, 2001). Destacamos entre estas metodologias, para analisar,
o Diagnóstico Rural Participativo (DRP), instrumento utilizado,
destacadamente, em atividades de diagnóstico e planejamento.
O DRP tem sido utilizado e adaptado para diferentes áreas
do conhecimento. Especialmente na realização de ações extensionistas relacionadas às comunidades rurais, assentamentos, acampamentos rurais, entre outros, esta metodologia participativa tem
representado, em alguns casos, uma perspectiva transformadora
com relação aos instrumentos extensionistas e à promoção da
participação crítica dos sujeitos do processo extensionista.
A seguir, trazemos uma reflexão sobre o DRP e apresentaremos alguns instrumentos, que podem ser utilizados no trabalho
com escolas no campo e comunidades rurais. Adaptados, contudo, tais instrumentos podem ser utilizados em variadas experiências extensionistas, no campo ou na cidade.
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Diagnóstico rural participativo (DRP): alguns instrumentos
utilizados em escolas no campo e assentamentos rurais
As metodologias participativas e sua utilização em atividades
de extensão universitária têm crescido progressivamente no país.
Destacamos, entre a diversidade de metodologias participativas, o
Diagnóstico Rural Participativo (DRP)11. A metodologia propõe,
além da maior rapidez na obtenção de dados importantes para a promoção do desenvolvimento socioeconômico de populações rurais e
urbanas, a participação ativa dos beneficiários envolvidos no processo e uma multidisciplinaridade técnica. O DRP tem sido utilizado,
cada dia mais, por diversas entidades e organizações em processos
de diagnóstico e planejamento rural. Ganhou destaque, entretanto,
com o advento da luta pela terra e o surgimento de uma infinidade
de assentamentos rurais em todo o país, nos quais a metodologia se
tornou quase que de utilização obrigatória para o diagnóstico e planejamento socioeconômico.
Os instrumentos metodológicos do DRP têm sido utilizados, indiscriminadamente, em todo o país, com destaque para os
assentamentos rurais em constituição. A utilização das metodologias participativas, em especial o DRP, representa um verdadeiro
avanço para o processo de participação do povo e, consequentemente, para a construção de sua cidadania e protagonismo. Por
outro lado, acredita-se que as técnicas desta metodologia devem
ser utilizadas de forma criteriosa e realmente participativa. Em
muitos casos, a participação promovida pelo DRP é apenas superficial. Ou seja, apresenta-se sob a forma de participação concedida,
mencionada na seção anterior, onde a comunidade envolvida participa apenas dentro dos parâmetros que já foram anteriormente
definidos pelas equipes técnicas responsáveis pela elaboração das
atividades de extensão.
11 O DRP surgiu do Rapid Rural Appraisal (RRA), desenvolvido por Robert Chambers,
nos Estados Unidos (GOMES et. al., 2001).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 53
Um processo participativo deve proporcionar a oportunidade de autoavaliação do próprio processo e da cultura do grupo a
que pertence, capacidade reflexiva sobre os efeitos de vida cotidianos, capacidade de criar e recriar não somente objetivos materiais,
mas, também, e, fundamentalmente, criar e recriar formas novas de
vida e de convivência social. Embora as técnicas de diagnóstico e
planejamento participativo devam valorizar o processo de obtenção
de informações, é importante que este processo seja, ele mesmo,
um fator de formação e discussão política no seio da comunidade.
Os dados devem ser utilizados, principalmente, pela própria comunidade.
O DRP deve, também, valorizar o processo de execução
das ações extensionistas propostas, mas, de acordo com Pretty
et al. (1995), o DRP precisa respeitar, ainda, as seguintes características: o reconhecimento de que as populações excluídas são
criativas e capazes, devendo os extensionistas agir como facilitadores; uso de técnicas que permitam maior visualização e um
maior compartilhamento das informações, citando-se, como
exemplo, a confecção de mapas e diagramas; a efetiva participação dos agricultores na pesquisa; a obtenção de informações sobre o meio rural a partir do conhecimento das comunidades, de
uma maneira rápida e efetiva.
Para Chambers e Guijt (1995), deve-se aprender a ver o processo como um dos produtos do DRP. Ele deve ser considerado
mais que o simples exercício de diagnóstico e coleta de dados. O
DRP não pode ser considerado apenas um pacote de técnicas para
serem utilizadas acriticamente. Sua principal característica reside
no fato de representar uma metodologia aberta, sobre a qual se
pode construir novos caminhos, conhecimentos e instrumentos.
No sentido de entender algumas das técnicas e sua real possibilidade de diagnosticar e planejar, de forma participativa e emancipatória, são destacados, a seguir, alguns instrumentos, a saber, o
mapeamento participativo e a caminhada transversal.
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Lembramos que, como ressalta Gomes et al. (2001), estes
instrumentos metodológicos não devem ser interpretados como
um pacote fechado, pois sua simples aplicação não torna participativo o processo de levantamento da realidade.
A partir do estudo e da vivência das técnicas, foi possível
analisá-las de forma mais criteriosa, compreendendo suas reais
possibilidades na promoção da educação e da participação popular. A análise foi direcionada para a observação das formas sob as
quais as técnicas são compartilhadas com a comunidade. Entendemos, entretanto, que muitos destes instrumentos são desvirtuados no processo extensionista.
Mapeamento participativo
O processo de representação do espaço geográfico ou do espaço vivido pode se dar em diferentes perspectivas sociais, políticas ou ideológicas. Da mesma forma, tais representações podem
ocorrer a partir de variadas escalas, seja de uma escola, de uma comunidade rural, de um bairro urbano ou de um município. Ainda,
a disponibilidade atual de tecnologias/ferramentas que permitem
uma visualização extremamente detalhada da superfície terrestre
(como, por exemplo, o Google Earth ou o Veículo Aéreo Não Tripulado - VANT) possibilita a identificação de características físicas da
paisagem local e regional com uma elevada qualidade de detalhes.
No Mapeamento Participativo proposto no âmbito do DRP,
embora possam ser utilizadas diferentes ferramentas, é mais importante o processo do que o resultado propriamente dito. Daí
a relevância desta metodologia para a Extensão Universitária.
A percepção do território onde se vive e convive, por parte dos
próprios sujeitos, para além de uma representação, gera, também,
reflexões e diálogos sobre o processo contínuo de formação deste território. Este processo consolida, por sua vez, a emancipação
crítica dos diferentes grupos sociais.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 55
Esta dinâmica é construída a partir da coleta/reflexão de
informações baseadas na percepção e no conhecimento que os
sujeitos e grupos sociais têm do espaço em que vivem. É, portanto, essencial que os elementos responsáveis por fomentar o
mapeamento sejam representativos da realidade, do território, da
comunidade com a qual se realiza o processo de pesquisa participativa. A própria seleção, escolha dos elementos físicos que irão
materializar o mapa devem representar a percepção dos sujeitos.
Assim, na construção do mapa, podem ser utilizados materiais,
como folhas, pedras, gravetos, tijolos, sementes, entre outros.
A construção da equipe, incluindo extensionistas e comunidade, deve ser livre. É, contudo, recomendável que se incentive a
participação diversa em gênero e idade. Comumente, os sujeitos
já definem aqueles que participarão da atividade. Considerando a
equipe extensionista, é importante destacar algumas pessoas que
contribuirão para o desenvolvimento do mapa, dialogando com
os participantes, assim como outras que ficarão responsáveis pelo
registro escrito e pela representação do mapa.
No processo de elaboração do mapa pelo grupo envolvido,
vários questionamentos podem ser feitos. Por exemplo, caso a
atividade esteja sendo desenvolvida em uma comunidade rural,
questões sobre o problema ambiental, questão fundiária, as formas de ocupação da área, os tipos de solo presentes na área, as
potencialidades e limitações, entre várias outras questões. O mais
importante é permitir que a comunidade desenvolva a técnica sem
muita interferência da equipe extensionista. Esta deve apenas fomentar a construção do mapa e o debate sobre as questões geradas
pela atividade.
Ressalta-se a importância da equipe de diagnóstico que deve
estar sempre estimulando a construção do mapa e o debate dos
temas. Os membros da equipe devem anotar, literalmente, as informações repassadas durante o desenvolvimento da técnica. Daí
a importância de uma equipe multidisciplinar que tenha compre-
56 |
ensões diversas da realidade e consiga captar diferentes perspectivas do contexto de cada território e/ou grupo, comunidade.
Em atividade de Mapeamento Participativo, realizada em
2013, com alunos, comunidade e professores de Escolas no Campo, no município de Goiás, tivemos como resultado diferentes
representações do território e, consequentemente, mapas com
características diversas. A atividade de mapeamento foi desenvolvida nas Escolas Municipais Terezinha de Jesus Rocha e Holanda.
Na primeira, o processo de formação do grupo responsável por construir o mapa não teve influência direta da equipe de
extensionistas da universidade. Os próprios professores e alunos
se organizaram e indicaram pessoas da comunidade do entorno
da escola para contribuir com a atividade. Na Escola Municipal
Holanda, por outro lado, alguns professores definiram que uma
turma apenas da escola (nono ano) e alguns funcionários (que
representavam a comunidade) iriam participar da atividade.
No processo de escolha dos materiais para composição do
mapa, foram múltiplos os elementos que atraíram os participantes. Na Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha, foram
coletadas sementes, folhas secas, frutos do cerrado (Jatobá e
Baru, por exemplo), gravetos, entre outros elementos relacionados ao processo produtivo ou ao ambiente natural (Foto 1).
Para a construção do mapa na Escola Municipal Holanda, foram utilizadas, basicamente, pedras de diferentes tamanhos e
folhas de uma árvore que também “forneceu” sombra para a
atividade. Neste caso, destacamos, ainda, que foram utilizados
itens do cotidiano escolar, como folhas de caderno, giz, entre
outros (Foto 2).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 57
Foto 1 – Organização de materiais Foto 2 – Mapa Participativo Escola
para mapeamento participativo na Municipal Holanda, Goiás/GO, 2013.
Escola Municipal Terezinha de Jesus
Rocha, Goiás/GO, 2013.
A discussão/reflexão da realidade territorial, da dinâmica
que orienta o cotidiano do grupo envolvido na atividade deve
ser considerada em todos os momentos, inclusive no processo
de escolha dos materiais que instrumentalizarão a formatação do
mapa. O que leva o grupo a selecionar alguns materiais e outros
não? Qual a representatividade dos materiais escolhidos para a
comunidade?
Para além da construção direta do mapa, é relevante, também, envolver alguns participantes na representação do próprio
mapa, o que resulta em novas visualizações da realidade do grupo.
Nas atividades desenvolvidas nas escolas já citadas, a partir do entendimento do território pelos alunos, foram realizadas, também,
representações do mapa e de realidades particulares suscitadas no
processo de mapeamento. A foto 3, por exemplo, apresenta os jovens desenhando, coletivamente, a representação do mapa construído, participativamente, pelos alunos do nono ano, durante
DRP realizado na Escola Municipal Holanda.
58 |
Foto 3 – Atividade de desenho, com
representação do mapa construído,
Escola Municipal Holanda, Goiás/
GO, 2013.
Croqui 1 – Representação da parcela
de assentamento de uma das participantes do mapeamento, Escola Municipal Holanda, Goiás/GO, 2013.
Os desenhos representativos do mapa são uma oportunidade adicional para que ocorra a produção de conhecimento,
tendo como base geradora a realidade concreta, a dinâmica territorial. Ao mesmo tempo, há a possibilidade de que sejam refletidas particularidades do território representado pelo mapa.
O croqui 1 apresenta uma parcela do Projeto de Assentamento
Holanda, onde são desenvolvidas atividades produtivas relacionadas à pecuária leiteira e à produção de carne suína. No processo
de construção do croqui, várias questões relacionadas à dinâmica
produtiva local foram dispostas por uma aluna do nono ano, da
Escola Municipal Holanda.
Caminhada transversal
A Caminhada Transversal, a exemplo do mapeamento participativo, é um instrumento metodológico do DRP que deve ser
utilizado a partir das demandas concretas da comunidade ou
grupo social com o qual se desenvolve atividades extensionistas.
A proposta consiste em percorrer, coletivamente, determinado trajeto. A utilização da metodologia esteve, a princípio, relacionada à
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 59
comunidade rural, sendo que a caminhada, comumente, abrange
uma área que represente as diversidades de uma agroecossistema
ou de uma comunidade rural. No entanto, nos últimos anos, esta
técnica tem sido utilizada em variados locais e de variadas formas.
Embora a Caminhada Transversal tenha se consolidado a
partir de diagnósticos e atividades extensionistas realizadas com
comunidades rurais, ela tem sido, com bons resultados, utilizada em espaços urbanos, com diagnóstico e reflexão crítica sobre
questões que afetam, também, as áreas urbanas. No município de
Goiás, por exemplo, em trabalho de campo, do Curso de Geografia, da Universidade Estadual de Goiás, realizamos, em 2014,
Caminhada Transversal, congregando estudantes de diferentes
cursos e pessoas da comunidade, no sentido de levantar informações e debater sobre os impactos ambientais que afetam o Rio Vermelho, que atravessa a área urbana deste município.
A caminhada tem sido, ao mesmo tempo, realizada e representada de diferentes formas. Jardim e Pereira (2009), por exemplo, apresentam a ideia da “Cavalgada Transversal”, que permite a
abrangência de área maior na atividade. É essencial, seja qual for
o formato da caminhada, que a equipe seja composta por pessoas
com conhecimentos e vivência diferenciada na comunidade, no
local ou região, onde a metodologia será utilizada. Jovens, mulheres, idosos sempre têm percepções diferenciadas da paisagem
e isto permite um processo mais sólido de representação da realidade concreta, possibilitando, consequentemente, uma maior
quantidade de elementos para o debate e reflexão.
Todo o percurso deve ser representado e anotado. Deve-se
estar atento à paisagem e levantar questões aos participantes que
sejam pertinentes àquele local: problemas ambientais, situação no
passado, realidade presente, perspectivas, potencialidades e limitações. Em alguns casos, esta atividade pode ser útil, também, para coletar amostras de vegetação, solo, etc. Um gravador, desde que haja
autorização prévia dos participantes, pode ser utilizado para que
60 |
os técnicos não se preocupem com as anotações e as informações
sejam mais fidedignas. Podem ser utilizados, também, esquemas
ou desenhos representativos das características geomorfológicas da
área, no sentido de instrumentalizar o debate durante a caminhada.
Entre diferentes atividades extensionistas que desenvolvemos, utilizando a Caminhada Transversal, destacamos duas. A
primeira realizada durante construção de Plano de Desenvolvimento do assentamento rural Paciência, no município de Uberlândia/MG (2007), e outra realizada com alunos, professores e
comunidade da Escola Municipal Olympia Angélica de Lima, situada no Projeto de Assentamento União dos Buritis, no município de Goiás/GO (2013).
Nas duas experiências, que tiveram como objetivo a realização de diagnóstico para ação posterior sobre a realidade, houve
o levantamento quantitativo e qualitativo de informações sobre a
realidade local que permitiram um diálogo e reflexão relevantes.
No Projeto de Assentamento Paciência, além do levantamento
florístico e faunístico, foram identificados e discutidos os principais limitantes ambientais. Durante a própria caminhada, discutiram-se, ainda, possíveis soluções para os problemas ambientais
identificados. Durante esta atividade, especificamente, foi discutida, preliminarmente, a definição de áreas de reserva legal e preservação permanente do assentamento.
A realização desta técnica tornou-se, sem dúvida, um momento extremamente rico, tanto em termos pedagógicos, como
em termos práticos, para coleta de informações. A realização da
caminhada transversal no Projeto de Assentamento Paciência teve
como resultado, em especial, a definição das áreas de reserva legal,
a identificação de áreas de preservação permanente e a eleição de
áreas prioritárias para recuperação ambiental.
Participaram da caminhada, no assentamento, aproximadamente 15 pessoas, incluindo agricultores assentados (jovens,
mulheres, idosos etc.) e representantes da equipe extensionista.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 61
Cada um, com seu conhecimento, colaborou com a identificação
de espécies, vegetais ou animais. Também, na determinação do
uso (medicinal ou alimentar) de cada espécie identificada. Um
dos assentados relatou, durante a caminhada, que “do cerrado a
gente tira desde o alimento até o remédio”.
Figura 1 - Representação da Caminhada Transversal, realizada no Projeto de
Assentamento Paciência, Uberlândia/MG, 2008. Autor: Murilo Mendonça
Oliveira de Souza, 2008.
O registro e a representação da caminhada podem ser organizados, graficamente, (Figura 1), mas, também, a partir de documentação audiovisual. Quanto mais informações forem coletadas
e reflexões levadas a cabo, mais possibilidades de transformação
da realidade social concreta serão apresentadas.
Desenvolvemos, também, a Caminhada Transversal com
alunos da Escola Municipal Olympia Angélica de Lima, do Projeto de Assentamento União dos Buritis, no município de Goiás.
Neste caso, tivemos como objetivo aproximar, reflexivamente, os
estudantes e professores do cotidiano do território que congrega
o espaço escolar. Ao mesmo tempo, a atividade foi pensada em
62 |
uma perspectiva pedagógica. Participaram da caminhada, além
de professores e pessoas do assentamento, aproximadamente 20
estudantes do 7º, 8º e 9º anos.
Na organização da caminhada, é importante que o trajeto a ser percorrido seja coletivamente proposto e previamente
acordado com o grupo. Tendo o trajeto definido, deve-se aproveitar ao máximo as experiências e conhecimentos das pessoas
da comunidade. Nas atividades de caminhada desenvolvidas
nas escolas do campo, normalmente, fazemos algumas paradas para que os participantes, incluindo a equipe extensionista,
possam dialogar com a realidade produtiva da região (Fotos 4
e 5). No caso da Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha,
realizamos uma parada em espaço de produção de leite de um
dos agricultores, momento, este, que permitiu um compartilhamento de conhecimentos sobre o território onde está situada a
escola em questão.
Foto 4 – Agricultor assentado dialogando sobre produção de banana,
com estudantes, durante caminhada
transversal - Escola Municipal Holanda, Goiás/GO, 2013.
Foto 5 – Parada durante caminhada
transversal para diálogo com produtor de leite - Escola Municipal Terezinha de J. Rocha, Goiás/GO, 2013.
Na atividade da Escola Olympia, especificamente, houve
um foco no levantamento de elementos do bioma Cerrado. Como
mostrado do quadro 1, os estudantes, durante a caminhada, no-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 63
mearam animais e plantas representativas do cerrado. Além disso,
os jovens identificaram e definiram, indicando sua importância
alimentar e medicinal, uma variedade de plantas deste bioma.
PLANTAS DO CERRADO
ANIMAIS DO CERRADO
Cajuzinho, pequi, murici,
cagaita, marmelada, mangaba, mamacadela, ananais, baru, ingá, goiabinha
do cerrado, algodãozinho.
Mateiro, tamanduá, veado, tamanduá bandeira, lontra, raposa, anta, capivara, quati, gambá,
tatu, teiú, cobra (jaracuçu, cascavel, cipó, coral,
caninana, jiboia), ema, seriema, gavião, mutum, perdiz, onça preta, jaguatirica, papagaio,
canário da terra, arara, pássaro preto, piau,
giripoca, papa terra, lambari, traíra, jacaré,
jaboti, tilápia (represa).
Quadro 1 – Plantas e animais do Cerrado, citados pelos alunos do 7º ano, da
Escola Municipal Holanda, Goiás/GO, 09 de outubro de 2013.
A representação da caminhada, como já mencionado, quando falamos das atividades nos assentamentos rurais, é central no
processo de discussão posterior à ação metodológica. No caso das
escolas, temos trabalhado com a representação, também, em desenhos (Desenho 1).
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Desenho 1 - Representação da Caminhada Transversal, realizada na Escola
Municipal Olympia Angélica de Lima, Projeto de Assentamento União dos Buritis, Goiás/GO, 2013. Autora: Nathielly O. Silva, 2013.
As representações e informações coletadas durante a atividade são, também, essenciais no sentido de instrumentalizar,
em momento posterior, na “devolução” do conteúdo pesquisado/
dialogado para a comunidade, as reflexões e direcionamento das
ações a serem planejadas a para transformação da realidade concreta. Ao mesmo tempo, o processo do refazer a caminhada estimula, em especial, no caso de jovens e crianças, o reconhecimento
do território cotidiano de vivência. Valores do campo, neste caso,
são identificados como importantes e fortalecidos como elementos significativos da formação de sujeitos críticos e atuantes.
Considerações finais
Uma postura mais dialética diante do trabalho com comunidades rurais nos remete a uma prática profissional e social me-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 65
nos alienada e um pouco mais consistente, tanto em seu processo
como nos resultados obtidos. Para isso, é condição prévia a compreensão da educação como prática social de conscientização e
libertação. Neste sentido, o ponto de partida é que busquemos entender a educação, dialeticamente, como um processo e não como
algo estático e fixo. Este processo deve permitir que estejamos
constantemente “aprendendo e reaprendendo”, “criando e recriando” nosso próprio processo de desenvolvimento e sobrevivência.
No desenvolvimento de atividades extensionistas, no mesmo sentido, devemos entender a relação universidade e sociedade
como momento essencial na transformação social. Por isso, metodologicamente, devemos desenvolver atividades com a comunidade e que possam transformar a realidade social, econômica,
política e ambiental. A extensão universitária somente cumpre
sua função, se desenvolvida de forma crítica e dialética, com a
participação efetiva dos sujeitos de suas ações. Isto somente é possível se tivermos, como base, metodologias que, também, sejam
participativas e libertadoras.
Os instrumentos metodológicos dispostos pelo DRP, destacadamente o Mapeamento Participativo e a Caminhada Transversal, apresentam possibilidades para que a construção do conhecimento e sua utilização na transformação da realidade sejam,
de fato, críticos e emancipadores. Esta metodologia permite a
participação politicamente consciente e democrática dos envolvidos, pois o resultado principal obtido a partir de sua utilização
é o próprio processo. O primeiro resultado da utilização do DRP
são os diálogos, discussões e reflexões geradas durante seu desenvolvimento.
Referências
BORDENAVE, Juan Enrique Diaz. O que é participação. São Paulo:
Brasilense, 1983. (coleção primeiros passos, n. 95).
66 |
BROSE, Markus. Metodologia participativa: uma introdução a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo editorial, 2001.
CHAMBERS, Robert.; GUIJT, Irene. DRP: después de cinco años, em qué
estamos ahora? Revista bosques, arboles y comunidades rurales, Quito,
n. 26, p. 4-14. 1995.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1979.
GOMES, Marcos Affonso Ortiz; SOUZA, Alessandro Vanini Amaral
de; CARVALHO, Ricardo Silveira de. Diagnóstico rápido participativo
(DRP) como mitigador de impactos socioeconômicos negativos em empreendimentos agropecuários. In: BROSE, Markus (Org.). Metodologia
participativa: uma introdução a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo
editorial, 2001. p. 63-78.
JARDIM, Anna Carolina Salgado; PEREIRA, Viviane Santos. Metodologia qualitativa: é possível adequar as técnicas de coleta de dados aos
contextos vividos em campo? In: 47º Congresso da Sociedade Brasileira
de Economia, Administração e Sociologia Rural. Porto Alegre/RS, julho
de 2009.
PRETTY, Jules; GUIJT, Irene; THOMPSON, John; SCOONES, Ian. Participatory learning and action: a trainer’s guide. London: IIED, 1995.
THIOLLENT, Michel. A metodologia participativa e sua aplicação em
projetos de extensão universitária. In: THIOLLENT, Michel; ARAÚJO
FILHO, Targino de; SOARES, Rosa Leonôra Salerno (Orgs.). Metodologia
e experiências em projetos de extensão. Niterói/RJ: EdUFF, 2000. p. 19-28.
(RE) PENSANDO A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
UMA LEITURA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA EM
EDUCOMUNICAÇÃO NO MUNICÍPIO DE GOIÁS/GO
Robson de Sousa Moraes
Introdução: a educomunicação
A
ação extensionista que apresentamos, neste texto, é resultante
do esforço coletivo de construção permanente de um espaço de diálogo entre Universidade e Sociedade. Nesta perspectiva,
organizamos e implementamos, a partir da Universidade Estadual de Goiás/Campus de Goiás e em parceria com a Rádio Treze de Maio, 105,9 FM, um Programa radiofônico (Voz Ativa: a
UEG na Comunidade12), que permite e estimula a discussão de
temas relevantes para o desenvolvimento social, econômico, político e ambiental em suas mais variadas escalas. Tal iniciativa13
busca valorizar, em especial, uma práxis comunicativa, destacando
o aspecto Popular do ato comunicacional, mediado pela reflexão
sugerida pelo Pensamento de Fronteira (GROSFOGUEL, 2010) e
pelas dinâmicas da Filosofia da Liberação (DUSSEL, 2011). Para
12O Voz Ativa conta com a colaboração de vários Docentes da UEG, entre os quais se
destacam: Murilo Mendonça Oliveira de Souza, Leandro Oliveira Lima; Rosivaldo
Pereira de Almeida, César Augusto de Oliveira Casella e Paulo Sérgio Cantanheide
Ferreira. Destaca-se ainda, a alegre e importante presença dos estudantes Bruno César, Tobias Bueno, Amanda de Brito Sá, Liliane de Almeida Pereira e Rodrigo Dias
Azeredo. O Programa vai ao ar toda sexta feira das nove às onze horas da manhã,
transmitido pela Rádio Treze de Maio, uma emissora educativa em funcionamento
na Cidade de Goiás/GO.
13 O Programa Voz Ativa: a UEG na Comunidade, só pôde ser desenvolvido em função
da determinante participação dos Radialistas Delcidério do Carmo e Orlando Silva
Sá, que diante de sua indispensável ajuda técnica e bom humor, contribuíram, ainda,
com o processo de formação dos alunos e de membros da comunidade que passaram
pelo estúdio da Rádio 13 de Maio.
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68 |
isto, é necessário entendermos a comunicação, primordialmente,
como um cimento social, uma argamassa criadora de discursos
que legitimam e orientam as mais diversificadas práticas sociais.
Em nossa contemporaneidade, marcada pela mercadorização de todos os elementos necessários para a reprodução da
vida, o processo de comunicação acaba sendo deturpado pelos
parâmetros da economia de mercado. Neste sentido:
Ela nos une, já que, na sociedade contemporânea, só existimos
na relação com o outro. O monopólio da palavra, porém, descaracteriza o que seria o princípio primeiro da comunicação
– a troca – em prol da manutenção da lógica do capital e das
estruturas (social, econômica e política) vigentes. A comunicação torna-se massiva e os veículos de comunicação de massa,
agentes dessa deturpação dos processos comunicativos. (OLIVEIRA, 2010, p. 2).
A troca, ou seja, a permuta entre produtos de valor de uso
socialmente determinado, resultante do crescente processo de
complexificação da Divisão Social do Trabalho, é substituída
pela comercialização da mercadoria palavra, sendo os monopólios uma das principais características do mercado mundializado. Consumada esta alteração, a palavra e seu alcance, ampliados pelas ondas do rádio, perdem sua autenticidade e capacidade
originária de meramente promover a inter-relação orgânica entre
indivíduos, para se consolidar como forte instrumento de dominação. Em uma estrutura social permeada por abissais desigualdades e de brutal concentração de renda e da riqueza, o discurso
legitimador do status quo ganha dimensão estratégica para a manutenção da ordem.
No intuito de promover um processo de comunicação que
permite, de fato, a troca, entendemos que a Comunicação Popular pode trazer uma real contribuição para o gradual amadurecimento de experiências emancipatórias e libertadoras dos limites
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 69
impostos pela sociedade produtora e consumidora de mercadorias. De acordo com Oliveira (2010), a Comunicação Popular
surge como fruto da insatisfação em relação às desigualdades sociais e, por consequência da ampliação das precárias condições
de vida, intimamente associada e atrelada à falta de liberdade de
expressão, intrínseco aos meios de comunicação de massa. A Comunicação Popular resulta não de um tipo qualquer de mídia,
mas da dinâmica e das demandas dos movimentos populares.
A Comunicação Popular privilegia, especialmente, o processo
educativo, estabelecendo, neste sentido, a ideia de educomunicação como instrumento de ressignificação da linguagem da produção de bens culturais e como forma de organização do poder das
comunidades (SCHAUN, 2002).
Nesse contexto, o processo de comunicação deve ser, a um
só tempo, Popular e Educativo. Especialmente, quando pensamos
na democratização da informação, estas perspectivas se tornam
muito importantes. Este tipo de Comunicação, portanto, visualiza, primordialmente, a transformação social. O ato comunicativo,
em sua dimensão Popular, tem a possibilidade de construir, também, a Autonomia, Autenticidade e a Soberania Popular. Como
indicou Paulo Freire (2005), a Educação, mas, também, a Comunicação, deve dar ao povo Autonomia para pensar e estabelecer
sua consciência como expressão de sua relação com o mundo. No
mesmo sentido, a Comunicação deve libertar o povo das amarras
em que vive entremeado.
Neste horizonte, é relevante pensarmos, também, sobre a
característica social e ideológica assumida por cada tipo de mídia.
A televisão, a internet, o rádio, cada um a seu modo, influenciam
o pensamento e as ações da sociedade de forma geral. Entre estes
meios de comunicação, contudo, o rádio é certamente o que atinge
um público mais específico, tendo, talvez, a maior popularidade.
Especialmente em regiões com maior porcentagem de população
rural, esta mídia assume importância incontestável:
70 |
De pilha, à energia elétrica, grande ou pequeno, o rádio está
nas mãos e nos ouvidos do povo brasileiro. Considerado o meio
de comunicação de massa mais acessível, o rádio está presente
na vida cotidiana, especialmente, nas camadas menos favorecidas, como a população rural. São vários os fatores que fazem
a popularidade desse meio, a começar por sua linguagem oral.
A questão a audição, que privilegia o fazer de outras atividades enquanto se escuta, dá ao rádio a praticidade necessária no
dia a dia. Esse sentido aguça ainda nossas emoções, reflexões
e criatividade, fazendo com que tenhamos com o rádio uma
relação próxima e prazerosa. (OLIVEIRA, 2010, p. 5).
Assim, o acesso ao rádio é facilitado, tornando este um meio
muito acessível e passível de ser utilizado em processos educativos
e culturais, favorecendo a construção de instâncias não formais
de aprendizagem. Outro ponto que sugere o rádio como um instrumento educativo é a compreensão de que o receptor se torna
ativo por meio da apropriação cultural que este faz das mensagens (OLIVEIRA, 2010). Desta forma, a Educação permitida, pelo
rádio, possibilita uma relativa interação, um processo de duas vias,
e não uma simples transferência de conhecimentos. A Educação,
como tanto destacou Paulo Freire, é Comunicação. “A educação é
comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência
de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam
a significação dos significados” (FREIRE, 2005, p. 46).
Uma breve história do rádio: do surgimento à era de ouro
A radiodifusão como um serviço de transmissão regular
apareceu nos Estados Unidos da América, no mês de novembro
de 1920, sendo quase imediatamente seguido pela Inglaterra e
França, com transmissões realizadas em 1922. A KDKA foi a primeira emissora de rádio e suas coberturas jornalísticas obtiveram
um imenso sucesso, alavancando o surgimento de centenas de novos empreendimentos radiofônicos. No ano de 1925, já havia, só
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 71
nos E.U.A., 530 novas emissoras (AZEVEDO, 2002). No Brasil, a
primeira transmissão ocorreu em 7 de setembro de 1922, com um
discurso proferido pelo Presidente da República, Epitácio Pessoa,
durante a Exposição Nacional em homenagem ao centenário da
independência. Com uma estação montada no alto do Corcovado
e com aparelhos espalhados pela cidade do Rio de Janeiro, Petrópolis, São Paulo e Niterói, foi transmitida, também, a ópera “O
Guarani”, de Carlos Gomes. O Brasil dava sinal ao mundo de sua
pretensão à modernidade.
Com o apoio da Academia Brasileira de Ciências, presidida por Henrique Morize, catedrático da Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, o médico e antropólogo Roquete Pinto funda a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, e a 23 de abril do ano de 1923, inicia
suas atividades definidas como Cultural e Educativa. Inicialmente, o rádio era visto como uma espécie de propriedade de governo,
que na ausência de uma lei regulatória, fez com que a polícia efetuasse prisões daqueles que, por força de vontade, fabricavam seus
próprios aparelhos para capturar as ondas oriundas do Corcovado
(ROQUETE-PINTO, 2003). Em 11 de agosto de 1923, a Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, depois de inúmeras conversas com
o Ministro da Justiça e a apresentação de marco regulatório existente em países da Europa, recebe a permissão para transmitir e
inscrever sócios. Em 7 de setembro deste mesmo ano, com o prefixo PRAA e utilizando antenas do Laboratório de Física, da Escola
Politécnica, vai ao ar a primeira emissora de Rádio brasileira.
O novo meio de comunicação despertava intenso debate na
sociedade a respeito de qual deveria ser o a função do Rádio: se educativo, informativo ou simplesmente entretenimento. A adoção do
Decreto Lei 20.047 de 27 de maio de 1931, alterou profundamente
o caráter da radiodifusão no Brasil. Ao exigir a ampliação das potências das antenas, elevou, expressivamente, o custo de operação
e manutenção, de tal forma que somente as emissoras organizadas
em bases comerciais poderiam sobreviver diante da imposição do
72 |
regime varguista. Inicia-se, neste período, uma longa tradição de
centralização de atribuição e renovação de outorga (LOPES, 2011).
Na impossibilidade de cumprir as determinações legais, os
equipamentos da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foram entregues ao Governo Federal, que criou o Serviço de Radiodifusão
Educativa em 1936, tendo Roquete Pinto como seu primeiro diretor. Esta experiência foi antecedida pela Radio Escola Municipal
(prefixo PRD5), a primeira emissora oficial com função unicamente educativa. Criada em 1934, por iniciativa do então Prefeito
do Distrito Federal, Pedro Ernesto, esta Rádio, posteriormente,
passou a ser denominada de Roquete Pinto.
Ainda na década de 1920, surgiu a Rádio Mayrink Veiga.
Apesar de formalmente se apresentar como uma associação, esta
tinha um perfil claramente comercial, sendo financiada por empresas de instalação e importação de receptores. Nos anos de 1930, já
era a Rádio mais ouvida do país (AZEVEDO, 2002). No início dessa
década, havia vinte e nove emissoras brasileiras, com uma programação que basicamente transmitia ópera, notícias e textos instrutivos (MADRIGAL, 2009). Só no estado de São Paulo, contabilizavam-se sessenta mil aparelhos. O Rádio começava a popularizar-se.
As eleições Presidenciais de 1930, a revolução deflagrada
nesse mesmo ano e a guerra constitucionalista, de 1932, tiveram
participação ativa das emissoras de rádio, apresentando-se como
excelentes instrumentos de convencimento ideológico. Cesar Ladeira, locutor da rádio Record em 1933, descreve, assim, sua participação na Revolta Constitucionalista:
O rádio defendeu com energia a trincheira mais perigosa: a da
opinião. Manteve sempre aceso o entusiasmo sagrado da gente
de São Paulo. Foi uma arma manejada com inteligência. Era
preciso servir. Servimos. E os ares desde cedo até de madrugada, encheram-se de afirmações patrióticas, de consciente
entusiasmo, de comunicados e notícias. Combateu-se pelo ar.
(LADEIRA, 1933 apud AZEVEDO, 2002, p. 61)
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 73
O rádio, decididamente, passa a fazer parte das estratégias
políticas no Brasil. Em mensagem enviada ao Congresso Nacional, em 1º de maio de 1937, Getúlio Vargas enfatiza o papel deste
instrumento de comunicação e aconselha a instalação de receptores providos de alto-falantes nos Municípios do país. Nas décadas
de 1930 e 1940, o rádio viveu sua “época de ouro”, abandonando
o caráter elitista de sua programação e renunciando a seu perfil
educativo. A corrida e a disputa pelos anunciantes, a busca pela
elevação da lucratividade, levou a massificação de sua grade de
apresentações reduzindo, expressivamente, a qualidade da mesma.
Em 1942, foi criada a primeira rádio novela, intitulada “Em
busca da felicidade”, escrita pelo cubano, Leandro Blanco, e adaptada
por Gilberto Martins, seguida de “O Direito de nascer”, escrita por
outro cubano (Felix Caignet), de enorme sucesso, ficando três anos
no ar (MAUAD, 2009). As radionovelas impulsionaram as audiências a patamares ainda não verificados. Na mesma década de 1940,
surgem, nos Estados Unidos, as transmissões de Frequência Modulada (FM), com melhor qualidade sonora, porém, com menor amplitude do que as AM (Amplitude Modulada). As primeiras emissoras
em FM começam a operar no Brasil após 1960 como fornecedoras
de música ambiente para assinantes (ORTRIWANO, 1987).
O advento da televisão e sua posterior massificação coloca
em crise o sucesso da experiência radiofônica. Uma consequência
imediata é a reestruturação da programação, tendo como objetivo
sua redução de custos, tornando sua grade mais simples e barata.
A Rádio Bandeirantes de São Paulo, em 1954, apresenta notícias
em toda a sua programação e os serviços de utilidade pública viram o carro-chefe da programação (ORTRIAWANO, 1987). Neste
período, inúmeros profissionais do rádio migraram para a televisão (Chico Anysio, Chacrinha, Mario Lago, Dias Gomes etc...).
Uma das formas adotadas para a sobrevivência da radiodifusão comercial foi a segmentação das emissoras por especialidades
de programação de acordo com o público alvo. Algumas emissoras
74 |
se especializaram na divulgação de alguns gêneros musicais, outras
deram ênfase ao jornalismo, algumas se tornaram divulgadoras de
crenças religiosas. Apesar das mudanças de rumos, o rádio ainda se
mantém como um importante veículo de comunicação de massa.
Segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão
(ABERT), este aparelho está presente em 88,1% das residências em
nosso país, somente perdendo para a televisão que se faz presente em 97% dos lares brasileiros. Ainda segundo a ABERT, o Brasil
possui 9,4 mil emissoras, sendo quase o dobro de emissoras existentes há apenas dez anos. Existem 200 milhões de aparelhos convencionais de rádio, além de 23,9 milhões de receptores em automóveis. Somente no estado de Goiás, há registros de 63 emissoras
FM, 3 de Ondas Curtas, 54 de Ondas Médias e 4 emissoras transmitindo em Ondas Tropicais. Há, ainda, 29 emissoras provisórias
em funcionamento no estado (ABERT, 2012). Apenas 14 emissoras
têm caráter educativo. Com a eclosão das novas tecnologias, 80%
das emissoras transmitem sua programação pela rede mundial de
computadores. O rádio está em plena funcionalidade e se reinventa
diante dos novos tempos.
Repensando a extensão universitária
Desde as primeiras transmissões radiofônicas no Brasil, é
possível perceber a aproximação existente entre as Instituições de
Ensino e o Rádio. A antena que emitiu as primeiras ondas captadas pelos aparelhos receptores, em nosso país, era de propriedade
da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Outro significativo elemento de aproximação entre Rádio e Ensino é o caráter educativo
assumido pelas emissoras em seus primeiros momentos. Apresentar alguns aspectos históricos do conteúdo das Instituições de Ensino Superior, no Brasil, é peça-chave para resgatarmos a essência
do ensino praticado, bem como para a compreensão das formas
de sua relação comunicativa com a sociedade.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 75
A presença do saber acadêmico no continente latino americano é fruto do violento processo de colonização ibérica e, à sua
maneira, objetivava contribuir com o processo civilizatório, desvalorizando e negando uma vasta e milenar experiência humana
nesta parte do planeta. Vinculados aos projetos coloniais, as primeiras Universidades na porção Latina da América foram a Real
Pontifícia Universidade do México e a Universidade de Lima, fundadas em 1551, e a Universidade de Córdoba, fundada em 1621.
Na América portuguesa, o pacto colonial impedia a existência de
vida acadêmica institucional, sendo o ensino limitado a poucos
colégios de orientação religiosa jesuíta. No Brasil, o primeiro curso
superior foi aberto somente depois da Independência. Os cursos
de Direito, em São Paulo e Olinda, são datados de 1827 (PRADO,
1999). Os movimentos de independência, que culminaram com a
estruturação dos Estados Nacionais na América, impulsionaram
amplos questionamentos sobre o papel da educação e a própria
concepção de Universidade até então existentes.
O isolamento medieval da Universidade era duramente criticado pelos estudantes, o sistema de cátedra condenado e o anacronismo erudito entrava em franca contradição com as demandas de uma sociedade cada vez mais urbanizada. Em 21 de junho
de 1918, em meio a uma onda de greves estudantis, foi divulgado
o documento intitulado “la juventud argentina de Córdoba a los
hombres libres de sudamérica”: a carta revelava o excessivo poder
do professorado. Ao lado de reivindicações como a de assistência estudantil e a de Autonomia Universitária, encontra-se a ideia
de Extensão como forma de superação do isolamento acadêmico.
Universidade aberta ao povo era uma das insígnias do movimento
de Reforma Universitária de Córdoba. Em 9 de setembro, com a
renúncia do Reitor desta Universidade, diante da crescente pressão discente, os estudantes tomam a Universidade e através da
pressão política conseguem que suas reivindicações sejam transformadas em projeto de lei e aprovadas, garantindo o sucesso do
76 |
movimento reformador. Os estudantes argentinos foram fonte
inspiradora para dezenas de propostas de reformulação da instituição universitária na América Latina.
A história da Extensão Universitária está intimamente associada aos questionamentos provenientes do Movimento Estudantil
Latino Americano frente às características conservadoras das Instituições de Ensino Superior no continente. As propostas de Reforma Universitária, originadas na Argentina, na segunda década
do século XX, apontavam para a necessidade de alterar as bases
institucionais da Universidade. O Manifesto de Córdoba, de junho
de 1918, indicava o engessamento e as limitações das matrizes europeias do pensamento acadêmico em um meio social completamente distinto do existente no velho continente.
No Brasil, o legado de Córdoba contribui para a ação política dos estudantes. Influenciado pela crescente urbanização e
o surgimento de novas camadas médias urbanas, o movimento
estudantil brasileiro passa a questionar a estrutura de ensino existente no país. Inseridos nas chamadas Reformas de Base, a democratização do acesso e a reformulação da estrutura organizativa das Universidades brasileiras são reivindicadas por vigoroso
movimento. A greve do 1/3 é um marco da ação discente na luta
em defesa de uma Universidade democrática. O avanço da caminhada pela Reforma Universitária é duramente travado pelo golpe militar de 1964. O Decreto Lei nº 252 consolida a concepção
de Extensão Universitária como atividade subordinada e de mera
complementação do Ensino e da Pesquisa, delegando a essa última o sentido de utilidade social da vida acadêmica (BOTOMÉ,
1996). Durante os chamados anos de chumbo, a Extensão Universitária não conseguiu desenvolver-se no país, limitando sua ação
a programas e projetos governamentais de intervenção social de
cunho autoritário e assistencialista.
Com a redemocratização, o debate em torno da Extensão
Universitária é retomado. A criação, em 1987, do Fórum Nacional
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 77
de Pró Reitores de Extensão das Universidades brasileiras apontava a Extensão como expressão do compromisso social da Universidade na busca de soluções mais urgentes da maioria da população, preconizando a indissociabilidade entre o Ensino, Pesquisa e
Extensão, além do caráter interdisciplinar das ações extensionistas e do reconhecimento do saber popular como conhecimento
estruturante da vida em sociedade. O Fórum apontava a necessidade de institucionalização das práticas extensionistas, tanto
na academia como no Ministério da Educação, compreendendo,
como primordial, o financiamento do estado para o pleno desenvolvimento e consolidação de uma Política de Extensão.
Para Serrano (2010, página digital), a “Extensão Universitária
é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a
Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora
entre Universidade e Sociedade”. Segundo o Fórum Nacional de Pró
Reitores de Extensão (1987), “além de instrumentalizadora do processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social”. Apesar dos avanços
expressados no documento de 1987, as Instituições de Ensino Superior vivenciaram, ao longo de sua história recente, diferentes tipos de
entendimento acerca do conceito de extensão, adotando diferentes
abordagens e ferramentas analíticas.
Uma das abordagens mais utilizadas pelas Instituições de
Ensino Superior é a de orientação que se caracteriza, fundamentalmente, pela transmissão vertical do conhecimento. Sua origem
remonta à experiência europeia, em particular à edificação da
Universidade de Bolonha, que apresenta uma prática pedagógica
verticalizada, percebendo a Universidade como local essencial da
elaboração do saber, sendo a extensão uma oportunidade de mera
transmissão do conhecimento por ela produzido. A sociedade seria um receptáculo do saber erudito, garantidora do progresso e
do desenvolvimento social (ROCHA, 2001). Na Inglaterra do século XIX, este momento de contato com a comunidade ocorria
78 |
com participação estudantil, como por exemplo, em campanhas
de saúde pública (SERRANO, 2010). O desconhecimento da cultura adquirida pela população e a vastidão de seu conhecimento
era renegada e desconsiderada. Nesta experiência da relação Universidade – Sociedade, a produção do saber é um monopólio da
academia, não havendo construção coletiva e sim um repasse da
erudição adquirida. É a Instituição de Ensino que, unilateralmente,
define o que vai se conhecer, qual o método e a metodologia aplicada, sem levar em conta o universo de significados que compõem
o cenário da ação. Os sujeitos, nesta perspectiva, são apassivados,
coisificados e reduzidos a condição de objetos. (FREIRE, 2006).
O Movimento Estudantil de Córdoba, em 1918, tece duras
críticas ao modelo vertical-autoritário e preconiza uma nova forma na relação Universidade-Sociedade. Permeada de uma ideologia política de caráter nacionalista, é uma relação preocupada
com as classes menos favorecidas. Os reformadores argentinos
preconizam uma extensão universitária de caráter processual,
vinculada a um amplo processo de transformação da estrutura social e econômica. A militância política de Professores e Estudantes
é o centro gravitacional das propostas oriundas de Córdoba (SADER; GENTILI; ABOITES, 2008). Nesta perspectiva, a concepção de extensão passa a ser orientada pela preocupação com os
problemas nacionais. A construção do saber universitário passa a
ser estabelecido pelas dinâmicas da transformação da sociedade,
procedimento que levaria à própria mudança no fazer acadêmico.
A partir das experiências vivenciadas na Argentina, há uma
tomada de consciência em escala continental, da necessidade de se
pavimentar novos parâmetros na conflituosa relação entre I.E.S e
a sociedade. Diversos grupos político-ideológicos vão se despertar
para a importância da ação extensionista. O trabalho desenvolvido por anarquistas, comunistas, socialistas e liberais positivistas,
vão colocar a Extensão Universitária em novo patamar, abrindo
um novo momento, caracterizado pelo espontaneísmo e no vo-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 79
luntarismo sócio comunitário. Centrada nas atitudes de fundo
ideológico, o voluntarismo não consegue constituir um método
propositivo na investigação e intervenção da realidade, mas avançam expressivamente na capacidade de reconhecimento do outro
como sujeito e produtor de conhecimento (SERRANO, 2010).
Outra prática e abordagem da ação extensionista, pode ser
chamada de sócio-comunitária-institucional. Nesta experiência
os projetos de extensão se realizam através da oferta de cursos
como forma da sociabilização da produção do saber. O monopólio do conhecimento volta a Instituição de Ensino, que propaga
uma ciência dominante, com viés claramente manipulador (NOGUEIRA, apud SERRANO, 2010). No Brasil o Movimento da
Escola Nova e o Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931,
instaura oficialmente essa compreensão sobre a ação extensionista. O “prolongamento” em benefício comunitário, da técnica e da
ciência, seria o grande objetivo a ser alcançado. O sujeito formulador desta proposta não é a Universidade e nem a comunidade,
mas o aparato estatal que percebe nas ações extensionistas uma
possibilidade de aplacar as contradições existentes na sociedade.
Três décadas mais tarde, esse entendimento seria aplicado pelos
governos militares na criação do Projeto Rondon. Abandonando
as preocupações reformadoras de Córdoba e o compromisso social da Extensão embasada pelo voluntarismo sócio comunitário,
neste experimento, a relação Universidade-Sociedade volta a ser
uma conduta conservadora de perfil marcadamente assistencialista (SERRANO, 2010).
No início da década de 1960, alavancado pelo amplo movimento das Reformas de Bases, teve início, na cidade de Recife, um
criativo e inovador movimento de Extensão Cultural, fonte das teorias que viriam a ser conhecidas como método Paulo Freire. Inspirada na Comunicação Dialógica (FREIRE, 2006) e na Pedagogia
do Oprimido (FREIRE, 1987), esta prática extensionista retoma
a necessidade do reconhecimento do outro. No entanto, há de se
80 |
perceber que a voz das sociedades dependentes, majoritariamente
marcada pelo silêncio, não é autêntica, mas claramente identificada
como um eco das vozes metropolitanas colonizadoras e dominantes. Romper com a cultura do silencio e do “diálogo” vertical e unidirecional é uma tarefa fundamental para a busca da emancipação:
O diálogo proposto pelas elites é vertical, forma o educandomassa, impossibilitando-o de se manifestar. Neste suposto diálogo,
ao educando cabe apenas escutar e obedecer. Para passar da
consciência ingênua a consciência crítica, é necessário um longo
percurso, no qual o educando rejeita a hospedagem do opressor
dentro de si, que faz com que ele se considere ignorante e incapaz.
É o caminho de sua autoafirmação enquanto sujeito. (GADOTTI,
1996, p. 84).
O pensamento freireano é a base de uma dinâmica das práticas extensionistas denominadas de acadêmico-institucional.
Prematuramente abortada pelo golpe de 1964, esta perspectiva
recupera sua intervenção nas Universidades brasileiras com o
processo de redemocratização, fornecendo o substrato teórico-interpretativo do I Fórum de Pró Reitores de Extensão, em 1987. No
entanto, a hegemonia neoliberal provoca um novo retroceder nas
práticas e compreensão das ações extensionistas, hoje, claramente
demarcadas como prestação de serviço e assistência. Após a década
de 1990, a concepção e práticas de extensão são sistematicamente sequestradas pelos ideários de matriz neoliberal, que provoca
uma grave crise institucional e de legitimidade nas Universidades
brasileiras, diariamente ameaçadas em sua existência por um catastrófico estrangulamento financeiro. A diversificação das fontes
de arrecadação das Instituições de Ensino Superior, orientados
por Organismos Internacionais, tais como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional, atinge a concepção de Extensão,
adaptando-as à mera prestação de serviços a serem oferecidos e
vendidos em um mercado de elevada competitividade.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 81
Seguindo a risca estas orientações, os governantes brasileiros, em consonância com inúmeras reitorias, começam a praticar
cobranças de taxas como fonte de custear a atividade acadêmica.
Operando com apoio e suporte das estruturas empresariais, as
Instituições de Ensino Superior assimilam os elementos e critérios
da decisão existente no âmbito do mercado (LESSA, 1999). Produto, empreendedorismo e competitividade são facetas da nova
ideologia acadêmica de mercado e a dependência financeira do
estado vista como algo negativo (SOARES, 2007). O mercado é
apresentado como mecanismo regulador da vida social, as incubadoras de empresas e a consultoria de acadêmicos para a estruturação de pequenos negócios e microempresas são incorporadas
como extensão universitária, no reforço da legitimação do dogma
no qual as pessoas e comunidades são, no horizonte do mercado,
responsáveis pela solução de problemas centenários da sociedade.
Esta vertente atesta e convalida a vigente hegemonia da concepção neoliberal nas universidades brasileiras.
As Instituições de Ensino Superior, hoje, são herdeiras de
inúmeras contradições fomentadas por práticas autoritárias, não
raramente paternalistas, clientelistas e dominadas pela ideologia
do mercado, mesclado aos esforços para consolidação de uma
cultura acadêmica, democrática e de qualidade. O debate em
torno da extensão universitária é só um pequeno capítulo diante
da necessidade de uma tomada de consciência, que conduza
a um amplo e franco diálogo estruturador dos passos de nossa
caminhada rica em possibilidades, mas permeado de incertezas,
armadilhas e ciladas.
O sujeito da extensão universitária
A plena organização e consolidação de uma Política de Extensão Universitária pressupõe, obrigatoriamente, uma ampla
discussão em torno do resgate da condição de Sujeito de uma ex-
82 |
pressiva camada da população condenada ao silêncio e ao eco da
voz dominante. Inferiorizado em sua existência e politicamente
subalternizado, cabe às políticas extensionistas a formatação de
um pensamento de fronteira que provoque a comunicação dialógica entre as dimensões da vida social, como forma de costurar a
relação Universidade-Sociedade.
A produção e a reprodução do saber são poderosos mecanismos do exercício do poder e do controle social, integrando uma
Geopolítica do Conhecimento (DUSSEL, 2011). As críticas sociais
e políticas necessitam, obrigatoriamente, de uma revisão epistemológica para além dos comprometimentos eurocêntricos de viés
modernos ou pós-modernos, que possam resultar em opções políticas alternativas que formulem possíveis respostas viáveis às carências materiais de milhões de pessoas em todo o planeta.
O Pensamento de Fronteira é uma tentativa de preparar
uma vertente teórica crítica ao eurocentrismo, sem, no entanto,
cair na abstrata e ineficiente negação de todo o pensamento ocidental. Sua proposta é a de (re)significar as retóricas emancipatórias da modernidade sob a luz da subalternidade dos oprimidos.
A colonização de estruturas societárias em todo o continente foi
e é realizada em nome da razão, da modernidade e do cristianismo. As práticas coloniais produziram uma dinâmica epistêmica
centrada em categorias elaboradas na realidade e nas vivências
do velho continente, elevadas a uma pretensa validade universal
(CASTRO GOMES, 2000).
A assimilação e aceitação inquestionável das matrizes do
pensamento eurocêntrico é o que denominamos de colonialidade
(MIGNOLO, 2005; QUIJANO, 2005), uma forma de continuidade
na descontinuidade, provocada pelos processos políticos independentistas, que separaram, juridicamente, as antigas colônias das velhas metrópoles, criando uma estrutura estatal no novo continente,
ao mesmo tempo em que busca como objetivo político e econômico a adoção de valores da modernidade colonizadora. Como
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reflexo desta atitude, há uma supervalorização do pensamento elaborado na Europa, em alguns casos acompanhados de enorme e
absurda negação das particularidades existentes. Em outras situações, conceitos como sincretismo, hibridismo e a miscigenação são
apresentados para demonstrar a horizontalidade das misturas de
povos como máquina da edificação modernista.
Os movimentos pós-coloniais que resultaram na criação
de novos estados nacionais, não foram capazes de recuperar suas
matrizes epistemológicas, percebidas como atrasadas, superadas
e inferiores à matriz moderna do saber. Nesta perspectiva, promoveram, no interior de seus respectivos estados nacionais, os
mesmos erros e equívocos existentes na raiz do conhecimento
eurocêntrico. A relação metrópole e colônia foram reutilizadas
nas dinâmicas internas a cada estado nacional, respectivamente.
Povos, hábitos, costumes e culturas não condizentes com a modernidade e seu projeto político e epistemológico foram taxados
de atrasados e percebidos como obstáculos a plena realização de
uma nacionalidade abstrata. A ausência de uma administração
colonial não inviabilizou a colonialidade do pensamento. Um dos
mais poderosos instrumentos político – ideológico do século XX
foi a crença em um mundo pós-colonial, originado a partir da
descolonização e do afastamento das antigas metrópoles dos limites territoriais das colônias. Esta perspectiva é a base do raciocínio
terceiro mundista. Saímos, sem sombra de dúvida, de um mundo
caracterizado pelas relações coloniais. No entanto, permanecemos
a viver diante das mesmas matrizes do poder colonial (GROSFOGUEL, 2010). A atual mundialização capitalista, vulgarmente denominada de globalização, é reprodutora e amplificadora de uma
colonialidade em escala global.
Os preconceitos étnicos raciais, os machismos, as homofobias, os fundamentalismos pautados no hierarquizado pensamento ocidental continuam tão atuantes como antes nas formas
de acumulação de capital, bem como na Divisão Internacional
84 |
do Trabalho (QUIJANO, 2007). A mitologia da descolonização do mundo durante o século XX gera uma invisibilidade das
formas de manutenção da colonialidade do momento presente.
A consolidação do atual sistema – mundo (WALLERSTEIN,
2003) estabeleceu discursos fundamentados em categorias,
como a de “identidade nacional”, “Desenvolvimento Nacional”,
“Soberania Nacional”, fabricantes de uma ilusão de independência (GROSFOGUEL, 2010).
O atual mito anglo-europeu advoga a tese de que presenciamos, com o fim dos impérios coloniais e descolonização do planeta, um mundo globalizado desprovido de centro e periferia, subjetivamente apreendido pelas leituras de caráter pós-modernas.
A pós-modernidade é uma contundente crítica às antigas formas de legitimação da sociedade capitalista moderna, em um
contexto, segundo o qual, a própria reprodução socioeconômica
da estrutura societária capitalista necessita de interpretações e
compreensões que neguem as metas narrativas e se concentrem
na constituição das diferenças como condição elementar da produção de novos nichos de mercado. Neste sentido, as leituras
pós-modernas são as expressões contemporâneas da legitimidade de um sistema-mundo produtor, reprodutor e consumidor de
mercadorias.
Repensando a metodologia em extensão universitária
As práticas extensionistas não podem estar desassociadas
do conteúdo das disciplinas ministradas nos diversos cursos de
graduação e pós-graduação existentes no interior das Universidades. Tal qual a Pesquisa, o trabalho de Extensão ainda não se integra ao ensino, mostrando-se fragmentado e desconexo. Sua pouca
disseminação contribui para uma formação profissional distante
das necessidades fundamentais de nosso povo. A necessária aproximação com o Ensino se faz tão imperioso como a eliminação
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do abismo que separa a Extensão da Pesquisa. As ações extensionistas têm o potencial de revelar o contexto da Pesquisa, sendo
que, de forma ativa e participativa, pode descortinar e apresentar
novos temas e problemas, bem como contribuir na indicação da
superação dos mesmos (BEDIM, 2006).
A metodologia de Pesquisa/Extensão nas Universidades
brasileiras, gradativamente, vem apresentando uma inclinação
para além do método positivista, que em seu pretenso empirismo,
enquadrou as diferentes realidades às necessidades preconizadas
pelo método, invertendo a relação necessária para a elaboração do
saber, isto é, parte-se da realidade para o método e não o inverso.
Em inúmeros casos, a complexidade fenomênica não emoldurada
pelo método era, simplesmente, descartada, com sérios prejuízos
ao pleno entendimento da realidade percebida.
Na execução e elaboração de projetos de Extensão, a metodologia necessita ser participativa, para que, de forma consciente,
seja emaranhada uma complexa trama coletiva que envolva diagnóstico, Ensino, Pesquisa, capacitação e comunicação, no intuito
de alcançar um objetivo em comum (THIOLLENT, 2000).
As metodologias de pesquisas participativas devem observar as características da ação extensionista (comunicativa, investigativa, educativa), para sua melhor adequação, além de estar
condizente com o método trabalhado. Segundo Triviños (1987),
o ecletismo teórico e a mistura desregrada de antagônicas correntes do pensamento acabam por revelar nossa fraqueza intelectual. As afinidades ideológicas dos Pesquisadores – Extensionistas não necessitam ser camufladas. O fundamento político é
um dado significante no processo de elaboração do diagnóstico
e na própria intervenção social. O Pesquisador – Extensionista,
na metodologia participante, não é um objeto permeado do mito
da neutralidade científica, que busca um distanciamento quase
higienista na dicotômica relação sujeito – objeto. Pelo contrário, envolve-se, profundamente, nas práticas, hábitos e costumes
86 |
dos grupos sociais que, por sua vez, posicionam-se ativa e criticamente em todos os momentos da prática de Extensão Universitária, sendo, ele próprio, um pesquisador de sua realidade,
promovendo uma mudança epistemológica com fortes impactos
na práxis social.
É a partir desta perspectiva teórica e política que entendemos
e percebemos a possibilidade de construção de uma experiência
em Educomunicação, tendo como entidade parceira a Rádio 13 de
Maio FM (município de Goiás – GO), estabelecendo um diálogo
entre os conhecimentos acadêmicos e os saberes populares. Tal
experiência vivenciada em um processo dialógico permite, além
da discussão de temas importantes para o desenvolvimento da
comunidade local e regional, um processo de formação para
professores e alunos universitários, tirando das gavetas os estudos,
pesquisas e propostas dispostas na universidade, transformandoos em pesquisas coletivas capazes de envolver, diagnosticar e
elaborar conhecimentos condizentes com a realidade existente.
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INCONTORNÁVEL ARTICULAÇÃO: UMA ABORDAGEM
ÉTICA SOBRE O INVESTIGAR E O INTERVIR
NA FORMAÇÃO ACADÊMICA EM SERVIÇO SOCIAL
Thiago F. Sant’anna
Introdução
N
o curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal de Goiás/Campus Cidade de Goiás, as atividades de ensino, de pesquisa e de extensão andam de mãos dadas, de forma a
demarcar a preocupação com a qualidade da formação de graduandas e graduandos. Cada vez menos, existe uma linha nítida a separar a dimensão investigativa da pesquisa e a dimensão interventiva
da extensão. A partir dessa hipótese, as problemáticas levantadas
sobre a pesquisa na vida acadêmica do referido curso estão articuladas com as questões relacionadas com a extensão. O presente
texto trata, justamente, dessa imbricada relação entre pesquisa e extensão, com um viés de aprofundamento na questão da ética.
Como fazer pesquisa e extensão em Serviço Social de forma a considerar princípios éticos? Esta pergunta – que não é fácil
de ser respondida – será o foco deste texto, haja vista que as atividades de pesquisa e de extensão, no âmbito do conhecimento do
Serviço Social, são condições sine qua non para o alargamento dos
horizontes profissionais e científicos atribuídos a essa profissão.
Isso, porque acreditamos que dar relevo à dimensão da investigação e da intervenção nas atividades no serviço social possibilita
superar um sentido atribuído a essa profissão – na qual, muitas
vezes, a atividade dos assistentes sociais é sinônimo de uma atividade meramente pragmática (FRAGA, 2010). De acordo com
a autora, a profissão do/a assistente social é “essencialmente interventiva” e não pode prescindir da realização de pesquisas so91
92 |
bre a realidade que acerca o trabalho entre o assistente social e o
usuário. Meu argumento é o de que, sendo interventivas, não são
somente as atividades de pesquisa que possibilitam a formação
dessa modalidade de profissional – interventivo. São, sobretudo,
as atividades de extensão que pressupõem, inúmeras vezes, as atividades de investigação pautadas pela pesquisa – que permitem
experiências de ensino-aprendizagem interventivas. Articuladas,
a pesquisa e a extensão, ou seja, a formação investigativa e interventiva demanda recusar a prática de solucionar os problemas da
sociedade de forma imediata, sem pensar ou refletir com densidade, e sem, inclusive, experienciar a extensão. Essas reflexões em
torno da dimensão investigativa e extensionista do trabalho do
Assistente Social nas Universidades rebatem na discussão sobre
a natureza da formação para essa profissão, já que Serviço Social,
para alguns, não é considerado uma ciência, apenas operando
instrumentais teórico-metodológicos advindos de áreas externas,
como, por exemplo, a Sociologia. Em outra direção, será possível
ao graduando em Serviço Social encaminhar atividades de ensino-aprendizagem de cunho investigativo e interventivo, isto é, na
pesquisa e na extensão. À/ao graduanda/o em Serviço Social, será
possível ultrapassar a mera repetição de conhecimentos acadêmicos. Mas, de acordo com Fraga (2010, p. 43), isso possibilitará a
construção de um conhecimento científico, já que:
O Serviço Social é uma profissão reconhecida na sociedade na
medida em que é socialmente necessária e exercida por um
grupo social específico, uma categoria profissional que compartilha um sentimento de pertencimento e possui uma identidade profissional.
Se a identidade é um construto social (HALL, 2002), não
há como deixar de ressaltar que o sentimento de pertencimento
à profissão da/o assistente social está ancorado no processo de
ensino-aprendizagem confiado a alunas e alunos, e no trabalho
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 93
que abrange, no seu processo de construção de conhecimento
científico, o forjamento de conceitos específicos à área. Como
trabalho, o Serviço Social atua nas expressões da questão social,
compreendida como as desigualdades resultantes da contradição
básica da sociedade capitalista: a contradição entre capital e trabalho. Por questão social, compreende-se as “múltiplas formas
de pressão social, de invenção e de re-invenção da vida construída no cotidiano” (IAMAMOTO, 2008, p. 28), as “múltiplas expressões coletivas inscritas na vida dos sujeitos” (IAMAMOTO,
2009, p. 343), as quais não se esquiva de tensões entre rebeldia e
consentimento.
Ao nutrirem-se de investigação científica e experiências
extensionistas, estudantes e professores em Serviço Social aprimoram o manuseio de ferramentas metodológicas que lhes possibilitem lançarem mão de pesquisas quantitativas e qualitativas e
experiências de prestação de serviços com a comunidade, na busca de conhecer, com mais fundamentação e densidade, o funcionamento da questão social e a realidade que cerca a experiência
entre o profissional e o usuário. Não há como negar a importância dessas ferramentas, uma vez que o/a assistente social precisa
aprender a “desvendar e problematizar a realidade social” além de
“intervir” nessa realidade. (FRAGA, 2010, p. 46).
Essas considerações confirmam-nos que, ao lado das experiências extensionistas, “a atitude investigativa torna possível a
superação da visão pragmática na ação profissional, centrada na
imediaticidade dos fatos e que privilegia sequências empíricas”
(FRAGA, 2010, p. 47). Logo, não há como negar que o exercício
profissional do/a assistente social é um exercício científico, que
resulta na construção de um saber, tanto para aqueles/as que pensam quanto para os que executam a profissão. É essa atitude investigativa que, segundo Fraga (2010, p. 53), possibilita a “superação
da visão pragmática na ação profissional, centrada na imediaticidade dos fatos e que privilegia sequências empíricas”.
94 |
Tais considerações iniciais nos conduzem a reconhecer o
desafio que é pensar acerca da questão que dá início a esse texto.
Não se trata de uma pergunta fácil de ser respondida. Talvez ela
não tenha mesmo uma resposta do tipo receituária, o que nos restringirá a apontar caminhos, sugerir reflexões.
As reflexões sobre ética e ética profissional no âmbito do
exercício de atividades de pesquisa e de extensão, nos cursos de
formação acadêmica em Serviço Social, ancoram-se em discussões
teóricas amplas e profissionais específicas do trabalho da/o assistente social. As concepções ali construídas estão imbricadas em um
projeto ético-político que preside a regulamentação da profissão,
por meio da qual as/os assistentes sociais passam a ter seu trabalho norteado por um Código de Ética. Ainda há pouco discutidas
em termos de normativas específicas da profissão, as questões da
Ética em pesquisa e, menos ainda, em extensão, têm sido apropriadas nos termos de outras legislações, que não os do Serviço Social.
Discute-se muito sobre a ética profissional no âmbito da profissão,
ao passo que a ética em pesquisa científica e, menos ainda, as atividades extensionistas no Serviço Social, ficam restritas, localmente,
ao interior dos debates e encaminhamentos dos Comitês de Ética
nas universidades, muitas vezes direcionados pelos parâmetros das
ciências da saúde.
Nesse espaço singular, entre as normativas da profissão
e da prática da pesquisa científica, as questões éticas emergem
pautadas nas regulamentações de outras ciências ou disciplinas.
É nesse contexto que, em 1996, o Conselho Nacional de Saúde,
no Brasil, aprovou a Resolução 196, de 10 de outubro de 1996,
que estabelecia as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Posteriormente, entrou
em vigor a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, que atualizou as perspectivas da normativa anterior. Estas normativas
estão ancoradas nos princípios dos principais documentos internacionais por meio das quais emanaram declarações e dire-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 95
trizes sobre pesquisas envolvendo seres humanos: o Código de
Nuremberg (1947), a Declaração de Direitos do Homem (1948),
a Declaração de Helsinque (1964, 1975, 1983 e 1989), o Acordo
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992), dentre outros. Segundo as Resoluções, quatro referenciais básicos da Bioética são incorporados, sob a ótica do indivíduo e da coletividade:
a autonomia, o princípio da não maleficência, a beneficência e
a justiça, na busca por assegurar direitos e deveres que dizem
respeito à comunidade científica, aos sujeitos de pesquisa e ao
Estado. Não há como negar que estas diretrizes têm sido o caminho adequado para que as pesquisas e as atividades extensionistas oriundas das ciências da sociedade pudessem ser apreciadas
com base nos parâmetros ético-político-científicos próprios deste campo de saber.
Um pouco sobre ética em pesquisa e em extensão na formação em
Serviço Social
Para podermos tecer nossas considerações acerca da ética
em pesquisa e extensão, em um curso de graduação em Serviço
Social, torna-se fundamental navegarmos por algumas definições
gerais acerca dos conceitos básicos que encampam esse campo de
discussão. Segundo Vázquez (2003, p. 17),
[...] os homens não só agem moralmente (isto é, enfrentam determinados problemas nas suas relações mútuas, tomam decisões e
realizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo tempo, julgam
ou avaliam de uma ou de outra maneira estas decisões e estes
atos), mas também refletem sobre esse comportamento prático e
o tomam com objeto da sua reflexão e de seu pensamento.
Imaginemos que essa citação de Vázquez se referisse não
aos homens [e mulheres] que vivem em uma sociedade em geral,
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mas que fosse atribuída aos homens [e mulheres] que fazem ciência na Universidade, em particular, nos cursos de Serviço Social.
Poderíamos reler esse trecho na busca por considerar que assistentes sociais fazem pesquisas científicas e executam atividades de
extensão dentro de um enquadramento de normas aceitas como
morais (isto é, comprometidas com um Código de Ética Profissional do Assistente Social), de forma a possibilitar a elaboração de
um saber particular a esse campo de trabalho, para além de reproduzirem uma mera operação técnica da profissão. Fazer pesquisa,
nesse caso, implicaria analisar um objeto de investigação em face
de problematizações oriundas de suas relações com o mundo a
sua volta, a partir de escolhas teórico-metodológicas que possam
se adequar às suas expectativas e às suas condições prévias, de forma a possibilitar conhecer, posteriormente, o trajeto percorrido.
Da mesma forma, executar uma atividade de extensão universitária demanda circunscrever as atividades de prestação de
serviços para a comunidade a um recorte político-ideológico,
bem como a dimensões prático-operativas. Assim, tanto a prática
de investigação no campo da pesquisa quanto da intervenção no
campo da extensão não poderiam estar desvencilhadas de uma
reflexão por parte das/os pesquisadoras/es e extensionistas em
Serviço Social sobre o objeto escolhido, o trajeto percorrido, as
ideologias alicerçadas e os instrumentos selecionados. Que recortes espaço-temporal seriam realizados? Que grupos da comunidade seriam beneficiados? Como a pesquisa e a extensão seriam
delineadas? Que sujeitos seriam escolhidos para a submissão às
pesquisas de campo e quais seriam atendidos pelas atividades
de extensão? Quais instrumentos teórico-metodológicos seriam
operados? Como os sujeitos seriam abordados, em que lugar, em
que circunstâncias? Haveria a possibilidade de este sujeito, uma
vez a pesquisa ou a extensão, iniciadas, recusar a continuidade do
trabalho? Teriam a privacidade e a confidencialidade dos dados
fornecidos pelo sujeito de pesquisa e da comunidade atendida, ga-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 97
rantidos? Em suma, estas são algumas questões que acenam para
reflexões éticas que pesquisadores e extensionistas em Serviço Social poderiam levantar em suas investigações científicas e intervenções extensionistas.
As reflexões aqui levantadas não estão circunscritas a situações concretas ou específicas propriamente ditas, apesar de eu
não deixar de lançar mão de exemplos para substanciar minhas
inquirições. São reflexões de caráter geral e, portanto, passíveis
de serem atribuídas em diversos trabalhos de pesquisa e de extensão em Serviço Social, já que o próprio Vázquez (2003, p. 19)
nos recorda que “os problemas éticos caracterizam-se pela sua
generalidade”, já que a ética é uma “teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerado, porém, na sua
totalidade, diversidade e variedade” (VÁZQUEZ, 2003, p. 21).
Não há, portanto, como deixar de definir, aqui, que entendemos
ética como sendo ancorada na acepção de Vázquez (2003, p. 23),
“a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em
sociedade”. Em um universo como o da academia, a ética seria,
parafraseando Vázquez, uma teoria sobre as condições morais da
pesquisa científica.
No caso da pesquisa e da extensão em Serviço Social, praticada no âmbito acadêmico, a reflexão ética poderia estar associada
às considerações de Barroco (2010, p. 55), para quem esta forma
de pensamento supõe uma “suspensão da cotidianidade” de forma a “sistematizar a crítica da vida cotidiana”; uma forma de “ultrapassar o conformismo”; e uma perspectiva voltada para “elevação aos valores humano-genéricos”. No Serviço Social, a reflexão
ética caracteriza-se por ser um saber ontológico capaz de refletir
sobre o ser na sua totalidade, em direção a “apreender criticamente os fundamentos dos conflitos morais e desvelar o sentido e determinações de suas formas alienadas” (BARROCO, 2010, p. 56);
apreender a “relação entre a singularidade e a universalidade dos
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atos ético-morais”; responder aos “conflitos sociais, resgatando os
valores genéricos” e ampliar a “capacidade de escolha consciente”,
sobretudo, quando se indaga sobre “as possibilidades de realização da liberdade”. Em suma, a ética é uma prática de exercício da
liberdade, estimuladora da criatividade, capaz de fazer do sujeito
ético uma ponte para a constituição de um gênero humano “para
si” (LUKÁCS apud BARROCO, 2010, p. 64).
Submeter projetos de pesquisa e de extensão ao Comitê de Ética
na Universidade Federal de Goiás
Há 4 anos, estou como membro do Comitê de Ética em Pesquisa de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Federal
de Goiás (CEP/UFG). Ali, desenvolvo atividades em formato de
parecerista de projetos de pesquisa que apresentam, em suas propostas metodológicas, o uso de abordagens de pesquisa com sujeitos de pesquisa. O/a leitor/a já deve notar que o destaque dado
à pesquisa é claro. No entanto, em minha opinião, os projetos de
extensão e as atividades daí decorrentes não poderiam prescindir de apreciações do CEP/UFG, haja vista o fato de intervirem,
diretamente, na vida das pessoas da comunidade. O uso da dicotomia investigação para pesquisa e intervenção para extensão foi
proposital até aqui, usada como recurso discursivo voltado para
acentuar a influência das atividades de extensão na vida das pessoas. Dessa forma, ao longo da explanação sobre as atividades ali
desenvolvidas com relação aos projetos de pesquisa, farei algumas
colocações e interrogações sobre como os projetos de extensão,
também, poderiam ser apreciados pelo comitê.
Semanalmente, nos reunimos nas dependências da Reitoria
da UFG a fim de relatarmos e discutirmos projetos de pesquisa
em ciências humanas e sociais que envolvam seres humanos como
sujeitos de pesquisa. Para lá, nos são apresentados projetos de inúmeras áreas de conhecimento dentro do campo das ciências que
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 99
estudam as relações sociais, desde as áreas humanas propriamente
ditas até as áreas da saúde que pesquisam seres humanos.
Nessa perspectiva, um trabalho de pesquisa que se propõe a
aplicar questionário a uma comunidade de ciganos, em Goiânia,
possui tantas preocupações quanto um projeto de odontologia
que vise aplicar teste nas arcadas dentárias de pessoas entre 18 e
45 anos. Em resumo, atividades de pesquisa de campo de aplicação de questionário, entrevistas semiestruturadas, realização de
grupo focal compreendem métodos passíveis de uma reflexão ética pelo/a pesquisador, orientadas pelo parecer de um Comitê de
Ética institucionalizado. Por que uma atividade extensionista que
prevê prestação de serviço à comunidade, por meio de manuseio
de instrumental profissional pertencente ao Serviço Social, não
poderia ter a mesma apreciação que a pesquisa em um Comitê de
Ética? Por que uma atividade de capacitação de agentes de saúde
por extensionistas universitários não poderia ser submetida a
um Comitê de Ética? Por que uma atividade de extensão em um
presídio não poderia oferecer riscos aos re-educandos?
Os projetos de pesquisa em Serviço Social, apresentados ao
CEP/UFG, possuem, na maioria das vezes, uma proposta metodológica marcada por modalidades de investigação passíveis de
oferecerem riscos aos sujeitos de pesquisa. De certa forma, projetos e atividades de extensão possuem métodos de intervenção
passíveis de colocar o sujeito da extensão em algum tipo de risco,
quando não são garantidos princípios como os de confidencialidade ou privacidade. Estariam os projetos de extensão eximidos
dos riscos aos sujeitos da extensão? Teria a comunidade a garantia
do sucesso das atividades de extensão?
À luz das questões éticas, em minha opinião, pesquisadores
e extensionistas precisam refletir eticamente sobre quem é o
sujeito de sua pesquisa e da sua atividade de extensão. Isso, porque
caso o sujeito seja menor de 18 anos, as pesquisas e as atividades
de extensão em Serviço Social deverão seguir orientações éticas
100 |
comprometidas com o resguardo e a proteção destes sujeitos, de
forma a não ferir sua integridade, não produzir constrangimentos
com os sujeitos. Por exemplo, pessoas menores de 18 anos somente podem participar de pesquisas científicas e atividades de extensão universitária no Serviço Social com a devida autorização de
seus pais ou responsáveis.
Outro ponto importante a ser considerado na realização de
pesquisa em Serviço Social é com relação à definição clara dos
critérios de participação, inclusão e exclusão na pesquisa e/ou na
atividade de extensão, além da interrupção da mesma. Os sujeitos
não podem ser submetidos à pesquisa e também não poderiam
participar de uma atividade extensionista sem uma coordenação
planejada na execução do projeto de pesquisa. Além disso, precisam ter garantidos seus direitos de se retirarem da pesquisa ou da
atividade de extensão quando acharem necessário. O pesquisador e o extensionista em Serviço Social, da mesma forma, devem
dar orientações seguras sobre quando a pesquisa e a atividade de
extensão, praticadas com os sujeitos, poderão ser interrompidas.
Em direção semelhante, os projetos de pesquisa e as atividades de extensão universitária em Serviço Social precisam apresentar
uma descrição clara do desenho e metodologias adotados em adequação aos objetivos da pesquisa e da prática da extensão, de forma
a não prejudicar o resultado feito a partir do levantamento de dados,
dos serviços prestados, das metodologias aplicadas e dos instrumentos operados. Um resultado pode vir a ser fracassado caso produza
uma desnecessária dilatação do tempo de exposição dos sujeitos à
pesquisa ou à extensão. Assim, o sujeito precisa ter esclarecimentos
sobre os possíveis riscos decorrentes de sua participação na pesquisa ou na extensão, haja vista que qualquer atividade acadêmica na
comunidade – seja de pesquisa, seja de extensão – pode oferecer
riscos, mesmo que os benefícios colhidos sejam grandiosos.
Seria necessário obter consentimento para que usuários
possam participar de atividades de pesquisa e de extensão uni-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 101
versitária em Serviço Social? Antes de iniciar a coleta de dados
em uma pesquisa em Serviço Social, é comum que o pesquisador
dê esclarecimentos suficientes ao sujeito de pesquisa, bem como
ao Comitê de Ética, sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem tratará de obtê-lo, em que lugar.
Este consentimento pode ser celebrado por meio da assinatura de
um contrato entre o assistente social pesquisador e o sujeito de
pesquisa: o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O TCLE deve informar, em linguagem clara, dados suficientes sobre a pesquisa, como a identificação do pesquisador, os objetivos
e aspectos da metodologia da pesquisa. Este documento, também
deve situar os sujeitos envolvidos na participação voluntária e
os possíveis desconfortos, riscos e benefícios da participação na
pesquisa. Ressalta-se que o documento deve encontrar-se devidamente adaptado para casos em que o sujeito de pesquisa for
menor de 18 anos. Por último, o pesquisador em Serviço Social,
por ser um profissional engajado politicamente, precisa pensar no
tipo de “retorno” dos resultados da pesquisa para os sujeitos de
pesquisa envolvidos.
Seria necessário construir um documento semelhante para
reger a relação entre extensionistas e membros da comunidade?
Com que instrumentos extensionistas se celebraria a participação de
usuários em atividades de extensão universitária? Seria imprescindível um Termo de Participação Livre e Esclarecido (TPLE)? Quais
os limites e as possibilidades de um documento dessa natureza para
que usuários possam participar, com segurança, de atividades de
extensão, oferecidas em curso de graduação em Serviço Social?
Considerações finais: a ética como liame entre a pesquisa e a extensão
na formação em Serviço Social
Penso que as perguntas e as considerações feitas nesse artigo não podem ser imediatamente respondidas, mas acenam para
102 |
os limites e as possibilidades em torno das condições que pesquisadores e extensionistas em Serviço Social terão para construir
suas investigações-intervenções. Assim, respeitar-se-ão aspectos
morais da sociedade, sem cair na aceitação cega e desprovida de
crítica, de normas de comportamento e valores da sociedade burguesa, além de fazer reflexões sobre suas condutas, sem emperrar
o exercício da pesquisa e da extensão. A ética, aqui, não pode ser
tomada como um conjunto de normas que norteia a prática universitária em curso de graduação em Serviço Social. Longe disso,
a ética é uma reflexão sobre a prática, um exercício do pensamento sobre as atividades acadêmicas. A ética é uma abordagem sobre
a experiência na vida. Em incontornável articulação à luz de uma
reflexão ética, pesquisa e extensão, investigação e intervenção,
uma contém e pressupõe a outra. Resultados de pesquisas produzidas por professores/as do curso de Serviço Social poderiam ser
desdobrados em atividades de extensão. Extensionistas do curso
de Serviço Social precisariam empreender outras pesquisas com
o desdobramento de suas atividades de extensão. Provocaríamos,
por fim, o/a leitor/a: seria possível pensar a extensão sem praticar
a pesquisa? Seria possível pensar a pesquisa, sem praticar a extensão? Desafios à vista para a formação em Serviço Social...
Referências
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
BRASIL. Resolução 196/96, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Disponível em: http://www.prppg.ufg.br/pages/14396. Acesso em 07 out. de
2012.
BRASIL. Resolução 466/12, de 12 de dezembro de 2012. Disponível em:
www.prppg.ufg.br Acesso em 09 out. de 2013.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 103
FRAGA, Cristina K. A Atitude Investigativa no trabalho do Assistente Social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 101, p. 40-64, jan./
mar.2010.
HALL, Stuart. A identidade cultura na pós-modernidade. (Trad. Tomaz
Tadeu e Silva & Guacira Lopes Louro). 7 ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
IAMAMOTO, Marilda. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente
social. In: CFESS; ABEPSS. Direitos sociais e competências profissionais.
Brasília, 2009. p. 341-376.
IAMAMOTO, Marilda. O serviço social na contemporaneidade: trabalho
e formação profissional. 15 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 24 ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
JUVENTUDE, CONTEMPORANEIDADE E DROGADIÇÃO:
O CRR GOIÁS E SUAS CONTRIBUIÇÕES À TEMÁTICA
PELA VIA DA ATUALIZAÇÃO DE UMA DISCUSSÃO
DE VIÉS PSICANALÍTICO ACERCA DOS ASPECTOS QUE
ENVOLVEM O ABUSO14 DE DROGAS NA JUVENTUDE
Rosane Castilho
Introdução
A
s discussões que deram forma a este trabalho foram realizadas por pesquisadores15 do grupo de estudos “Juventude,
contemporaneidade e drogadição”, da Universidade Estadual de
Goiás. Tiveram início em 2011, quando da entrada da Unidade
Universitária de Goiás, no programa governamental “Plano integrado de enfrentamento ao crack e outras drogas”, contemplado
pelo edital relativo à Implantação do Centro Regional de Referência para formação permanente dos profissionais que atuam
nas redes de atenção integral à saúde e de assistência social com
usuários de crack e outras drogas e seus familiares. Institucionalmente, o CRR Goiás inscreveu-se como um Projeto Extensionista
da Universidade Estadual de Goiás e realizou-se entre os anos de
2011 e 2012, e cujas reuniões ocorreram sempre às quintas-feiras,
entre 17h e 18h45 horas, no interior do Campus Cidade de Goiás,
contando com docentes dos colegiados de Geografia, Letras, His14O termo “abuso” significa, neste contexto, um padrão mais grave de dependência,
envolvendo complicações clínicas e consequências de ordem psicossocial e/ou legal
ao usuário.
15Dentre eles, as contribuições dos docentes Angela Lapidus, psicóloga de formação,
cuja atuação profissional voltou-se para a questão da aplicabilidade das políticas públicas no campo da saúde, e de Marcelo de Mello, Pós-Doutor em Geografia Urbana,
cujas considerações se mostraram essenciais no encaminhamento da discussão sobre
a temática, sugerindo novos olhares para além dos relativos aos campos da saúde,
educação e sociologia.
105
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tória e Matemática, além dos bolsistas lotados no projeto. Sua reedição chegou a ser aventada pelo grupo, não sendo levada a cabo
em função da mudança institucional da coordenação do Projeto
CRR Goiás, que passou a ser coordenado pela Pró-Reitora de Extensão da UEG.
Cabe-nos informar que a eleição da categoria social juventude como objeto/sujeito das reflexões travadas no Grupo de Estudos, acerca do fenômeno da drogadição, representou um recorte, dado o interesse particular desta pesquisadora em interpretar
os discursos que trabalham a interface entre o abuso das drogas
e a condição de vulnerabilidade, na qual os jovens têm sido, frequentemente, inscritos, aspecto que foi acordado com o grupo anteriormente ao início dos trabalhos.
Neste sentido, o presente trabalho16 propõe-se a realizar uma
atualização das discussões sobre a temática drogadição, abordando aspectos que impactam a constituição do sujeito contemporâneo: o imperativo da imagem, o paradigma do ‘ideal’, a não aceitação da falta como condição humana fundante e a insuficiência das
figuras de autoridade no contexto familiar. Importante comentar
que o ‘espírito dos tempos’ marca, com frequência considerável, a
categoria social juventude por ser esta considerada, entre outras
referências, como uma metáfora da permeabilidade. Neste sentido, os aspectos acima citados nos parecem cruciais para consubstanciar a discussão sobre a adição às drogas, comportamento
observado por um grande número de pesquisadores, como representativo de um sintoma contemporâneo.
As contribuições primeiras a que este trabalho se propõe
são relativas ao enfoque teórico e conceitual, em uma perspectiva
psicanalítica, utilizando quatro eixos referenciais: a contemporaneidade, a família e o esvaziamento de sua condição de autori16Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no V JUBRA (Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira) realizado pela UFPE, em 2012, e cujo teor é
objeto de um capítulo de obra “JUBRA: Territórios Interculturais de Juventude”.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 107
dade, as pulsões e suas possíveis formas de manejo e o processo
de desinvestimento emocional, enquanto condições que se articulam no trabalho sobre a realidade psíquica na adição. A partir
da sua problematização, tecem-se, aos poucos, os fios desta teia,
cujo pressuposto básico é o lugar assumido pelo sujeito diante das
excessivas demandas do mundo contemporâneo.
Uma primeira versão sobre os pressupostos que envolvem
esta discussão foi desenvolvida na obra “Réquiem para um sonho:
entre a psicanálise e a cultura”, publicado por esta autora, em 2007.
Nela, a proposta de abordar a questão, entre outras, da adição às
drogas a partir do filme homônimo, deu-se em função da crença
de que os filmes, como formas de expressão cultural, assumem
importância destacada na formação das mentalidades em sociedades, cujo apelo visual mostra-se um imperativo. Nele, também
se salientou a importância das experiências vividas em determinado contexto sócio-histórico-cultural na formação do sujeito e
na constituição de subjetividades, já que estas impactam a produção de saberes, identidades, crenças e, mais além, impactam
a construção de uma visão de mundo ancorada no que se pode
chamar de “espírito dos tempos”.
Assim, o presente trabalho busca atualizar a discussão sobre
o abuso das drogas, trazendo em seu bojo uma reflexão sobre as
características do cenário contemporâneo e sua contribuição na
construção das subjetividades dos sujeitos marcados, sobretudo,
pela instabilidade e insegurança propiciadas pela ênfase dada à flexibilidade, à pluralidade, à supervalorização do tempo presente e
à fragilidade dos modelos disponíveis, visando contribuir na compreensão dos fatores que envolvem este fenômeno contemporâneo.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de compreender, à luz dos pressupostos psicanalíticos, as estratégias utilizadas pelo sujeito contemporâneo para lidar com o real marcado pela flutuação entre
escassez e excesso, tédio e êxtase, solidão e pertencimento, corporeidade e anulação, examinados pelo prisma de um mal-estar que
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se inscreve com grande força na atualidade. Embora saibamos que
os sujeitos que fazem uso abusivo de drogas não constituem um
grupo homogêneo, diferenciando-se na escolha da droga, nos motivos e padrões de consumo e, ainda, nos perfis psicossocial, econômico, cultural e de gênero, cabe-nos buscar investigar alguns
aspectos potencialmente influenciadores desta conduta que toma
formas de epidemia social na contemporaneidade, atingindo, mais
fortemente, uma categoria social específica: a juventude.
Pistas para investigar a droga como fenômeno social de viés epidêmico
A contemporaneidade e suas vicissitudes
Iniciamos esta breve atualização retomando a ideia de que
o abuso das drogas, visto como patologia social, pode ser pensado
pela via das mudanças observadas a partir da irrupção de novos valores, crenças e sentidos, em um contexto de crise, enlaçado ao crescente valor da individualidade, a exacerbação do narcisismo e de
um hedonismo ressignificado, sugerindo a análise de questões importantes que afetam as escolhas dos sujeitos (CASTILHO, 2011).
Neste contexto, um aspecto que julgamos merecer atenção por influenciar, sobremaneira, as subjetividades, é o poder
das mídias na constituição ou no que poder-se-ia chamar de um
“poderoso processo de intervenção” nas formas de ser, pensar e
agir na atualidade. Neste sentido, aponta-se para uma ferramenta
potente do funcionamento psíquico que se coaduna com a lógica midiática: uma dada modalidade de funcionamento do imaginário que ignora as regras do pensamento crítico, pois o mesmo
“só é convocado a operar quando falha a realização de desejos.”
(KEHL, 2004b, p. 91).
Neste sentido, a lógica midiática, trabalhando na promoção do rebaixamento da capacidade crítica dos sujeitos, promove
a ascensão de um modo de vida alienado, já que, neste modo
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 109
paradigmático de comunicação de massas, há um discurso genérico endereçado a um sujeito igualmente genérico, com as características de um produto feito em série. Assim, o apelo às massas
é destinado àquele que, na tentativa de tornar-se igual, torna-se
ninguém e tem seu prazer realizado por procuração. De certa
forma, pode-se dizer que a lógica televisiva (aqui representada
pela maioria dos programas da televisão aberta, com seu usual
apelo ao entretenimento vazio de conteúdos) convoca o sujeito
a ‘atuar’ sobre seu cotidiano como se vivesse num contexto de
puro entretenimento. Assim, a mídia de massa aplaca a angústia
ao negar a dimensão subjetiva dos sujeitos, transportando-os a
uma “dimensão espetacular”.
Pela proposta de anulação desta capacidade crítica, entregam-se corpo, espírito e ideais na busca por um sentido de pertencimento. Neste sentido, Ianni (2000) nos informa que a televisão “registra e interpreta, seleciona e enfatiza, esquece e sataniza
o que poderia ser a realidade e o imaginário” (p. 149). E vai mais
além: “transforma a realidade, seja em algo encantado seja em
algo escatológico, em geral virtualizando a realidade, em tal escala
que o real aparece como forma espúria do virtual” (idem).
Sob esta ótica, o referencial passível de subsidiar reflexões
sobre a lógica midiática é o do espetáculo. Segundo Debord (1992),
“toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção apresenta uma imensa acumulação de espetáculos” (p. 23). Assim, o que se experiencia, a partir de um modo particular de funcionamento social, que o autor cunhou de ‘Sociedade
do Espetáculo’, passa a ser vivido como representação. Neste sentido, o espetáculo seria uma relação social entre pessoas mediadas
pelas imagens, cuja origem é a condição de alienação: “a abstração
de todo trabalho particular e a abstração geral da produção com
um todo se traduzem perfeitamente no espetáculo.” (idem).
Neste sentido, o autor comunga com outros teóricos contemporâneos (BAUDRILLARD, 2001; FEATHERSTONE, 1997)
110 |
quando associa a vida de consumo à espetacularização da vida: “o
espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente
a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível,
mas não se consegue ver nada além dela” (DEBORD, 1992, p. 30).
Há que se pensar que o tempo presente, caracterizado pela
produção e manutenção das incertezas engendradas pela magnitude das mudanças paradigmáticas e pela ambivalência relativa a
valores e representações sociais, gera, nos sujeitos, a sensação de
um “vazio” que demanda preenchimento. Este mal-estar, encontrando eco na lógica do imaginário, viria a produzir “sujeitos-caricatura”, uma espécie de espectadores de si mesmos.
Neste contexto, o sujeito, distante da condição de protagonista de sua história, rende-se ao modelo caricato das fantasias criadas pela vida de entretenimento proposta pelos ícones
dos massmedia. Na esteira desta discussão, Kehl (2004a) distingue o momento presente de outros períodos da modernidade
a partir da “espetacularização da imagem e seu efeito sobre a
massa dos cidadãos diferenciados, transformados em plateia ou
em uma multidão de consumidores da aparente subjetividade
alheia” (p. 66). Desta forma, a busca da desvitalização da capacidade cognitiva dos sujeitos objetiva produzir, nos mesmos,
uma incapacidade de identificar, em suas experiências cotidianas, mínimos vestígios de significação. Ao contrário, produz-se
um padrão único de representação, a fim de que estes enxerguem em suas vivências - distintas do modelo - apenas fragilidade e fragmentação.
Neste sentido, vale lembrar que a exacerbação dos planos
individuais e privados desvitaliza, tanto as representações coletivas, quanto o lugar do outro como referência simbólica. Sobre este
processo, Birman (2000, p. 188) comenta:
Pelos imperativos da estetização de existência e de inflação do
eu, pode-se fazer a costura entre as interpretações de Debord
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 111
[sociedade do espetáculo] e Lasch [cultura do narcisismo], já
que a exigência de transformar os incertos percalços de uma
vida em obra de arte, evidencia o narcisismo que o indivíduo
deve cultivar [...]. As individualidades se transformam, pois,
tendencialmente, em objetos descartáveis, como qualquer objeto vendido nos supermercados e cantado em prosa e verso
pela retórica da publicidade. Pode-se depreender, com facilidade, que a alteridade e a intersubjetividade são modalidades de
existência que tendem ao silêncio e ao esvaziamento.
Outro aspecto que observamos como relevante é a organização do laço social contemporâneo, já que este se faz enxergar na
atualidade, de acordo com os autores, como forma dominante, no
binômio capitalismo-perversão.
Em trabalho anterior, Castilho (2011) reflete sobre os tempos históricos e seus valores de referência: daí investigar as representações de um tempo “sólido”, no qual a tarefa do traçado
de autoidentificação estava intrinsecamente ligada aos valores
vigentes na cultura e, consequentemente, à confiança nas referências do grupo, que, tendo por base a força das estruturas sociais
no cotidiano dos sujeitos, engendrava um sentido de pertencimento e proteção. E de outro tempo, este nomeado “líquido”17
onde a magnitude das mudanças no quadro de valores e referências promove rupturas nas concepções que sustentam os sujeitos
em sua percepção de segurança, identidade e pertença.
Assim, a consequente desvitalização das instituições como
lugar de garantia dos marcos sociais, promoveu a derrubada das
figuras de autoridade como referências estáveis. Sob este impacto
está a família: instituição de socialização primária, cujas figuras
representativas da condição de autoridade mostram-se, em geral,
desvitalizadas, tanto pela força do discurso anônimo - na sustentação do primado da volatilidade das referências - quanto por cer17Acerca desta terminologia, consultar Bauman (2001).
112 |
ta resistência das figuras parentais em assumir este lugar ditado
pela tradição. É neste cenário que se desvelam as discussões sobre
a drogadição e seus atravessamentos.
A juventude como categoria social
Cremos que a história da juventude pode ser definida como a
história dos modos como esta tem sido pensada e construída historicamente. Assim, é possível deduzir que os conceitos engendrados
no processo histórico têm por objetivo localizar determinados fenômenos sociais, delimitando, inclusive, as bases a partir das quais se
possa construir um discurso sobre a juventude. (CASTILHO, 2009).
Ao longo do século XX, foi possível identificar pressupostos
de distintas correntes de pensamento que defenderiam uma “base
natural” sobre a qual se assentariam as características comuns a
uma faixa populacional específica, denominada “juventude”. Cremos ser necessário, para além dos discursos correntes, analisar
as formas a partir das quais se constroem e se reproduzem estes modelos/categorizações que empobrecem suas perspectivas
de compreensão. Uma investigação mais aprofundada deve, em
nosso entendimento, questionar as implicações impostas por modelos (viés reducionista) e, ainda, apontar para as consequências
sociais do processo de legitimação dos discursos que têm por base
o controle e a regulação social desta população em particular.
Desta forma, não obstante o seu caráter de complexidade,
a juventude tem sido entendida e explicada a partir de distintas
instituições: a família, a escola, a igreja, o Estado, a mídia. A Academia, como lócus relativo à instituição educativa, é reconhecida, socialmente, como um espaço de construção de saberes que,
por seu caráter de cientificidade e por sua suposta neutralidade,
colabora na construção dos elementos que compõem o universo
simbólico que referencia as ideias sobre a temática da juventude.
Porém, há que se comentar que a produção científica também re-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 113
presenta os embates políticos no interior do campo acadêmico,
onde cada pesquisador, ou grupo, luta por posicionar referenciais
específicos, relativos a uma elaboração científica particular em
uma espécie de pódio, onde possa ser admirado e legitimado em
seu campo. Este quantum de exibicionismo, tão facilmente observável no campo acadêmico, influencia as leituras relativas à temática da juventude e, de acordo com Bonder (apud CASTILHO,
2009), “expressam os medos, a inveja, o voyeurismo, a idealização
e a nostalgia dos adultos que se vinculam com este estágio de idade simultaneamente estranho e familiar”. (p. 22).
Ao discutir a temática da drogadição, há que se comentar
que a juventude, independentemente das discussões de viés epidemiológico, é uma categoria social fortemente associada ao abuso
de substâncias psicoativas em função da manutenção de um discurso que a relaciona a “um período de crise” e de incapacidade,
ainda que momentânea, de discriminar e refletir, com profundidade, sobre demandas internas e externas, sendo, assim, classificada
como uma população “frágil”, e assumindo, por conseguinte, o estigma da vulnerabilidade no cenário social. De nossa parte, pensamos ser questionável a “eleição” de uma categoria social específica
para condensar o espírito dos tempos atuais, já que as estratégias
eficazes na metabolização das vertiginosas mudanças que assolam
o cotidiano, ainda estão por ser identificadas, não escapando, a nenhuma categoria social definida sociologicamente, esta sensação
de insegurança generalizada.
A Psicanálise como ferramenta de leitura do real
De acordo com a Teoria Psicanalítica, a constituição do
sujeito passa por sua relação com a família de origem, já que,
desde a tenra infância, o sujeito é afetado pelo cuidado da mãe
(ou de quem faça a sua função), podendo este ser sentido como
continente, afetuoso, intrusivo ou distante. Assim, de acordo
114 |
com esta base teórica, os cuidados recebidos pelo sujeito serão
fundamentais na construção de seu psiquismo, bem como nas
estratégias utilizadas na busca por aquilo que lhe faltou (seja
pela privação, seja pelo excesso). Assim, o cuidador seria, então,
testemunha do desamparo original de um ser, cuja existência
presentifica-se a partir da construção de uma imagem singular,
gerada a partir de seu olhar.
Importante salientar a função estruturante da figura paterna
na interdição da relação fusional mãe-filho, fundante nesta matriz
relacional, encaminhando-o ao mundo da cultura, apresentandolhe a lei e possibilitando a ele o encontro com sua autonomia. Parece simplista apresentar assim estas funções, materna e paterna,
mas não o é pelo fato de que nem sempre aqueles responsáveis
pelos cuidados, afeto e apresentação das regras e normas de conduta, dispõem dos recursos necessários para assumir esta condição de autoridade. Neste sentido, Freud salienta que o desejo mais
intenso e mais importante nos primeiros anos de vida é igualar-se
aos pais, sendo que, posteriormente, pelo contato com a cultura,
o sujeito virá a por em dúvida as qualidades extraordinárias que
chegaram a lhe atribuir, “o que constitui um dos mais necessários,
ainda que dolorosos, resultados do curso de seu desenvolvimento”. (FREUD, 1914, p. 243).
Se, apesar de reconhecer o valor da autonomia como componente de saúde psíquica, Freud (1914) considerou a existência de uma
classe de sujeitos, cujo psiquismo é marcado pela falha nesta tarefa,
por outro lado, salientou que seja possível que este fracasso deva-se
ao grau de hostilidade dirigido aos pais, quando da tarefa de firmarse com certa autonomia, da culpa sentida pelo abandono dos mesmos (que não raramente é incentivada pelos pais) ou até por uma dor
extrema relativa ao processo de separação. Neste contexto, a família,
além de desempenhar um papel primordial na repressão das pulsões18,
18 A pulsão é um conceito-fronteira entre o somático e o psíquico. De acordo com Hanns
(1999), através do termo Trieb, Freud procurou estabelecer uma correspondência en-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 115
na aquisição da língua e na organização inicial das emoções e sentimentos, transmite padrões de comportamento e representações que
perpassam os limites da consciência e racionalidade.
Necessário lembrar que, na contemporaneidade, o movimento de institucionalização (ou terceirização) do cuidado desde
a tenra infância, tem gerado sérias discussões sobre a insuficiência
da família como instituição social responsável pela formação ética
do sujeito. Esta condição de insuficiência possibilita uma “reorganização” dos sistemas de autoridade, que interfere, em maior ou
menor grau, no psiquismo dos sujeitos.
O pressuposto psicanalítico que coloca a infância como
base do psiquismo, apresenta como principal referência, neste
processo, o que Freud (1914) denominou “investimento narcísico”, processo a partir do qual os pais depositam nos filhos toda a
sorte de positivos sentimentos, cujo eco na criança seria o potencial gerador da estima e confiança em si e no mundo. O processo
de “desinvestimento”, observado a partir da perda da valência das
funções de autoridade no interior da família, por sua vez, poderia
ser elencado como a importante referência, para este campo de
saber, nas investigações sobre as patologias psíquicas que eclodem
na atualidade, dentre elas, a drogadição. Sobre o Narcisismo, cabe
ressaltar que foi apenas a partir de 1914 que, adquirindo status de
conceito, possibilitou a primeira reformulação da teoria das pulsões: as pulsões do eu e do objeto.
Estas categorias psicanalíticas são aqui citadas a fim de consubstanciar a reflexão sobre as raízes da formação do eu quando
da experiência relacional inicial do sujeito. Relação esta permeada, segundo este viés, por uma condição de angústia que, por vezes, ao invés de acompanhar o sujeito em sua trajetória, permitintre o mundo das ideias (psíquico) e o mundo dos processos energético-econômicos
(fisiologia). Tendo esbarrado em dificuldades metodológicas e limites impostos pelo
padrão científico, o termo apresenta-se como um conceito obscuro na teoria psicanalítica, tendo sido reelaborado (como teoria pulsional) por diversas vezes.
116 |
do ao mesmo enfrentar as vicissitudes de sua condição humana,
aterroriza-o. Neste sentido, os distintos lutos vividos pelo sujeito
não são percebidos como perdas naturais do fluxo da vida, mas
como a perda da “possibilidade de abertura do sujeito para o outro enquanto tal, de abertura para sua própria realidade interna”
(PRADO, 1999, p. 19).
Ao reconhecer que nem sempre a introjeção dos pais da
infância se solidifica de forma a permitir a escolha de novos caminhos construídos pelo sujeito, cremos que a escolha de um
“destino” ocorre tanto em função das determinações inconscientes, - representações engendradas - quanto da conjuntura à qual o
sujeito se enlaça pela via da realidade. Assim, sob o viés psíquico,
pela identificação desta insuficiência e na tentativa de preencher
sua falta original no outro, haverá uma demanda por completude,
que virá a intervir, em maior ou menor grau, tanto nas bases de
seu relacionamento com o outro e com o mundo, quanto nos objetos que elegerá para “amenizar” o desconforto gerado por esta
sensação de incompletude.
A pulsão, processo psíquico fundamental na discussão da
drogadição, é um conceito complexo, e cabe lembrar que Freud,
ao longo dos textos de metapsicologia, enfatiza seu caráter incômodo intrínseco. A mesma pode ser assim descrita: uma tensão
(estímulo) emitida pela fonte somática que vai ganhando intensidade até se fazer notar pela psique como uma sensação carregada
de afeto. É pela pulsão que o sujeito é provocado para a ação, cujo
objetivo primordial é fazer cessar a tensão, eliminando os estímulos internos desagradáveis através de uma descarga geradora de
prazer e alívio.
Assim, a pulsão, ao se manifestar através do estímulo, cujo
acúmulo é desagradável, pode circular sob o signo do prazer em
formas diversas (pulsões parciais) ligando-se a um órgão específico ou colando-se a um determinado objeto, demandando descarga imediata. Em determinados casos, o afeto preponderante no
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 117
círculo pulsional poderá ser apenas o prazer de descarga quando houver ainda alguma soma de estímulos passíveis de serem
descarregados a tempo de não ultrapassarem determinado limiar,
protegendo o sujeito de uma angústia torturante.
Quanto ao desenvolvimento deste conceito tão caro às discussões sobre a drogadição, faz-se necessário frisar que no texto
Além do princípio do prazer (1920), Freud promove um giro em sua
compreensão sobre o processo, já que não mais entende o princípio do prazer como um mecanismo que leva à descarga que reduz
a zero a energia pulsional: este processo passa a ser vinculado ao
princípio de Nirvana (cujo objetivo é o retorno ao estado inorgânico), própria de uma modalidade específica: a pulsão de morte,
da qual trataremos, especificamente, em um segundo momento.
Assim, neste processo, o princípio da realidade diante da
pressão gerada pelo acúmulo de estímulos exige que o sujeito retenha a realização imediata do desejo, buscando objetos mediatizados. Desta forma, o estado de tensão, em função da demanda
do meio por negociação, transforma-se em indisposição e mal-estar, sendo que o sujeito sente, somaticamente, o estímulo como
pressão e, psiquicamente, como ânsia, ímpeto na direção de um
objeto (nem sempre identificado imediatamente) que lhe permita descarga. Sente-se, simultaneamente, ameaçado pela angústia
e convocado a ir ao encontro do desejo, podendo, de acordo com
os recursos de que dispõe, sucumbir à angústia diante da impossibilidade de encontro do objeto/atividade. Outro caminho poderá
ser vislumbrado ao perseguir o objeto que o atrai como possibilidade na direção do prazer, do encontro com o desejo. Vale lembrar que, segundo a teoria psicanalítica, não há conflito psíquico
sem desejo e não há desejo sem pulsão.
Segundo Freud (1915), a matriz psíquica que decodifica e
regula as pulsões estaria organizada em dois diferentes tipos de
funcionamento, denominados processos primário e secundário.
Assim, a pulsão originada do patamar somático e, portanto, sujei-
118 |
ta à lógica mais imediata de descarga, penetra as esferas psíquicas
pela via dos processos primário e secundário, onde o quantum
energético deverá sujeitar-se à lógica que rege as relações entre as
representações e os afetos (próprias do primeiro), e às palavras, o
simbólico (próprias do segundo).
Desta forma, o processo primário refere-se a um estado,
onde o aparato psíquico restringe-se a dotar os estímulos de imagens (representação) e associá-los aos afetos de prazer ou desprazer. Neste estágio arcaico há pouca ou nenhuma retenção de
energia. Nota-se uma espécie de memória rudimentar que consiste de uma sequência de eventos que se inscrevem no psiquismo
como um ritual que pode ser ativado a partir do estímulo, com o
objetivo de produzir sua descarga. Cada vez que surge aquilo que
poderíamos nomear, aqui, de necessidade, o sistema psíquico é
invadido pela carga pulsional que aciona o arcabouço de imagens
armazenadas que, no passado, conduziu à descarga. Este efeito é
o que pode ser observado na alucinação dos bebês. No entanto,
a alucinação por si só não produz saciedade, ao contrário, gera
frustração como resultado final: daí o surgimento do desejo.
Necessário lembrar que as memórias armazenadas no aparelho psíquico não são evocadas conscientemente pelo sujeito,
são, isto sim, lembranças que o afloram e o invadem, por assim
dizer, involuntariamente. Se há algo a partir do qual se possa pensar analogamente este processo, o estado de desamparo de bebê é
uma referência, por sua vulnerabilidade ou insuficiente proteção,
tanto contra os estímulos sentidos como invasivos, quanto no que
se refere aos recursos para antecipar ou evitar seus efeitos.
Quanto ao encaminhamento da pulsão, sabe-se que o mecanismo que rege o processo primário é reativo. Contudo, ao promover rearranjos, há que se pensar na configuração de um mundo
psíquico singular, cujas marcas prevalecerão no sujeito. Assim, os
limites estreitos do processo primário só serão ultrapassados na medida em que o sujeito puder inibir os excessos de estímulos, criando
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 119
mecanismos para reter, distribuir e conduzir a energia psíquica, permitindo lidar com os estímulos de maneira mais elaborada. Este estado psíquico mais complexo é nomeado por Freud de processo secundário e, nesta modalidade, “as pulsões passam a assumir formas
mais estáveis no âmbito representacional” (HANNS, 1999, p. 91).
Assim, a passagem do processo primário para o secundário poderia ser explicada pela complexidade e abrangência do
aparelho psíquico, ocasionada pela conjunção entre a maturação neuronal e o acúmulo de vivências do sujeito, que a partir de
um quantum de experiências formaria um arcabouço cognitivo e
afetivo, cujos dados estariam sempre disponíveis e em prontidão
para operar e empreender no cotidiano, ações necessárias à manutenção de sua subsistência. A vinculação da pulsão a uma função, finalidade ou meta é que garantirá a produção de um sentido,
sendo que, as funções de conexão presentes nas pulsões desembocarão na maturação das capacidades psíquicas fundamentais:
pensamento, reconhecimento do princípio da realidade, integração. Neste sentido, pode-se dizer que as pulsões de vida estão operando com maior impacto.
Cabe lembrar que a teorização sobre a formação do eu conhece
várias formulações na obra psicanalítica. Uma delas é que a mesma
se dá quando da entrada do sujeito no processo secundário, quando
é possível perceber certa autonomia diante do mundo externo.
Pode-se afirmar, com base nestes pressupostos, que o modelo freudiano de circulação pulsional mostra-se bastante plástico, já que as vivências singulares do sujeito, estando sempre em
atividade, apresentam novas versões e interagem, entre si e com
as pulsões, de modo a reconfigurar o aparelho psíquico. Assim,
demandam-se ações em outros moldes e, estes momentos de redirecionamento, em geral bastante conflituosos, convocam o sujeito
a trabalhar no encontro de novas saídas para o impasse vivido.
Neste sentido, a intervenção do Outro pela via simbólica, a
palavra, própria do processo secundário, pode se configurar em
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um recurso, já que é somente quando o pensamento se conecta à
linguagem que adquire qualidades perceptíveis à consciência. Assim, o conflito psíquico, base da teoria freudiana, sempre se apresentará ao sujeito pelo impasse entre prazer e desprazer, já que o
desejo e o medo arcaico (derivado da experiência primordial de
dor e desamparo) sempre serão uma possibilidade de entrave.
Retomando a cronologia da construção da teoria psicanalítica, observa-se que, até 1920, os conflitos psíquicos ligados ao
medo desenrolam-se no campo de luta entre o prazer (pulsões
sexuais) e o princípio da realidade que barraria a sua imediata satisfação. Freud (1915) afirma que a resistência, seja consciente ou
inconsciente, tem o princípio de prazer como fonte e o evitar do
desprazer como função. Assim, de acordo com o autor, os esforços
“dirigem-se no sentido de conseguir a tolerância desse desprazer
por um apelo ao princípio da realidade” (p. 33).
Mais tarde, ao introduzir a noção de pulsão de morte, Freud
(1920) reformula esta questão, trazendo a ideia de luta de forças entre
as pulsões eróticas integrativas (Eros) e as pulsões destrutivas e desintegradoras (Tânatos). Assim, tanto o desejo e o prazer, quanto medo e
desprazer movem o sujeito, desde o nascimento, com vistas a buscar
uma forma representável aos objetos e, posteriormente, à construção
do pensamento, que tanto deverá servir para evitar o contato intenso
com o desprazer quanto antecipar-se a ele. Desta forma, frente às pulsões ameaçadoras, o aparelho psíquico lançará mão de um recurso,
um mecanismo defensivo que permita bloquear as representações de
objetos externos ameaçadores antes que estes atinjam a consciência.
Instala-se aí o mecanismo do recalque, gerador do sintoma, de onde
a pulsão tende a retornar. Embora a tarefa de defesa contra os estímulos ameaçadores seja comum e razoavelmente natural, o circuito
pulsional (fonte-estímulo-acúmulo-pressão-descarga) desemboca
na satisfação, onde a pulsão entraria em um estado de repouso.
A partir destas proposições, uma das tarefas da psicanálise
caminha no sentido de investigar os recursos que o sujeito lançará
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 121
mão na obtenção da satisfação diante de toda sorte de contingências culturais que se interpõem na consecução de seu objetivo, sendo que um grau de satisfação não significa, absolutamente, um grau
de satisfação plena. Esta satisfação virá, parcialmente, por outras
vias – que não a realização literal do desejo –, que o realimentam.
Assim, conectada a Eros, a pulsão de morte atuaria no sentido do retorno a uma estabilidade. Poderíamos dizer que o que
move o sujeito no cotidiano é a busca do prazer e o evitar da dor.
Porém, para além dos pressupostos do binômio prazer/desprazer,
desvela-se uma determinação maior: a busca do estado de plenitude, onde a descarga definitiva representa a suspensão total da
necessidade e do desejo. Daí a incidência clínica da teoria freudiana, em seu contexto pulsional, no avanço da construção teórica
de temas como o masoquismo, a compulsão à repetição, a destrutividade, tão presentes na discussão sobre a drogadição.
Importante lembrar que Freud nos alertou sobre a inexistência de um estado pulsional puro, seja ele atrelado às pulsões de
vida, seja ele atrelado às pulsões de morte. Portanto, não há como
pensar em pulsões puras, mas em processos psíquicos como movimentos pulsionais fusionados. Dado o seu caráter de complexidade, o autor comentou que esta construção (a teoria das pulsões)
tem, na teoria psicanalítica, um caráter de “mitologia”.
Freud, ainda nos alertou sobre os possíveis métodos para
evitar o sofrimento. Em O mal estar na civilização, comentou a
eficácia do método químico de influência, o caráter ‘amortecedor de preocupações’ a que se prestam, mas advertiu sobre o seu
poder destruidor. Advertiu, ainda, sobre a forma extrema da tarefa de dominar as fontes internas de necessidade: a ocasionada
pelo aniquilamento das pulsões, que levada a êxito, sacrificaria
a vida com um todo, esvaziando o sujeito, exaurindo-o de suas
energias vitais.
O desinvestimento das relações de objeto mostraria, assim,
a partir dos exemplos evocados por Freud, o caráter mimético da
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libido que retornaria ao seu âmbito narcísico, inviabilizando os
arranjos necessários, levando o sujeito a renunciar aos mecanismos de ligação tão necessários à manutenção do processo vital: a
sustentação da atividade psíquica. Neste sentido, o eu confrontado com a dor e a angústia pode, por um lado, ativar seus recursos
no alcance do prazer, no encontro com o seu desejo e, por outro,
pela via de um sofrimento reconhecido como não metabolizável
(negando-se enquanto experiência passível de elaboração), produzir no aparelho psíquico uma brecha, uma fenda, um vácuo.
Nele não há luto possível, há apenas a manifestação do trauma.
Freud descreveu esta relação como conflitual, embora, no
texto de 1929, a tenha reconhecido como estrutural, sendo o conflito gerado por este campo de forças jamais ultrapassado. Assim,
caberia ao sujeito humano a tarefa de gestão interminável de suas
pulsões, reconhecendo seu desamparo original enquanto condição irremediavelmente intrínseca a si.
Pode-se afirmar que teoria freudiana sofreu, no que diz respeito a um destino possível para o desamparo, um giro sobre o
conceito de sublimação: em um primeiro momento, seria o domínio das pulsões sexuais pela via da transformação de seu alvo,
empobrecendo-se de seu conteúdo erótico. Em 1932, Freud apresenta uma mudança neste conceito-chave, que não mais se encontraria em oposição com a sexualidade, mas na transformação das
pulsões a fim de que o erotismo e o trabalho de criação se tornassem possíveis. No bojo desta discussão, pode-se afirmar que “a
gestão do desamparo toma uma direção bem precisa para o sujeito, diferente, pois, da versão freudiana inicial sobre a sublimação”
(BIRMAN, 2000, p. 132).
Assim, embora a relação conflituosa entre pulsão e civilização não seja ultrapassada nos textos freudianos, uma vez que
ela é de ordem estrutural, vale lembrar que o autor sustenta que
o discurso freudiano sobre a modernidade constitui um questionamento do discurso psicanalítico ao afirmar que “o pensamen-
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to psicanalítico colocou a psicanálise à prova do social, o que a
obrigou a se reconstituir sobre novas bases e outros fundamentos”
(BIRMAN, 2000, p. 134). Portanto, ao retomar a condição faltante
do sujeito, Freud convocou-nos a refletir sobre o manejo interminável do conflito humano. Talvez seja esta possível “acomodação
final no indivíduo” que nos permita arriscar respostas subjetivantes, sustentando a condição de sujeito, apesar dos perigos do mundo externo, tão grandemente potencializados.
Em tempos não muito alentadores, onde a ordem cultural insiste em desqualificar os projetos coletivos que ameacem
as respostas estrategicamente construídas, à lógica das relações
fragmentadas, das identidades partidas no espelho, da invisibilidade dos sujeitos, cabe a busca por possíveis saídas, ainda que
demandem grande esforço e não envolvam soluções mágicas e
totais. Mesmo em seus momentos mais realistas quanto ao futuro
da humanidade - Reflexões em tempos de guerra e morte, O mal-estar na civilização, O futuro de uma ilusão - Freud não se furtou à
possibilidade de entrever uma saída, mesmo que de maneira contundente tenha, também, se proposto a explorar a oposição entre
natureza e cultura e seus efeitos no campo relacional humano.
Aproximações deste campo de saber à temática da Drogadição
Pode-se afirmar que, em uma leitura psicanalítica, na droga,
a viagem em busca do prazer dá-se pelo afastamento da realidade, pela “criação” de uma realidade outra, de onde os sujeitos vão
costurando a sua realidade particular. Assim, a busca pelo prazer, nesta modalidade de atuação, parece sinalizar tanto o desejo
quanto sua realização a partir de uma lógica própria de um modelo infantil: o pensamento mágico.
Como já dito, o que, também, parece peculiar na drogadição é a substituição do pensamento e da linguagem pela ação. Observa-se que o abuso das drogas ocorre com sujeitos que parecem
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incapazes de codificar uma tensão sentida em termos verbais e satisfazê-la pela via simbólica, o que possibilitaria uma relação mais
organizada com o meio, embora, em função do princípio da realidade, mostre-se menos satisfatória, já que também responde às
exigências sociais. Na condição de uso abusivo, a busca constante por solucionar demandas internas a partir de objetos externos
gera, por sua ineficiência, frustração e sofrimento e, em função de
seu efeito transitório, a renovação continuada envolve um processo de compulsão que termina por “retirar” do sujeito as condições
de desvencilhamento deste percurso mortífero.
Neste modelo de funcionamento, ao lidar com a angústia,
o processo gira em torno da eleição de objetos imaginários que,
compulsivamente, retornam aos sujeitos, remetendo-os à condição de desamparo sempre que o efeito corporal do objeto droga
se dilui, mantendo, assim, a circularidade do vazio. Desta forma,
a relação simbiótica com o objeto, na droga, embutiria, no limite,
a expressão de um conflito entre dependência e independência.
Há que se pensar que a diferenciação eu/objeto mostra-se
como possibilidade para investigar os aspectos psíquicos e conjunturais dos sujeitos que ‘aderem’ à droga como parceira imprescindível no enfrentamento do cotidiano. Desta forma, ao pensar
numa ‘colagem’, a droga, travestida de fantasia de liberdade, de
descolamento do outro, poderia, aqui, ser incluída na categoria de
sintoma social contemporâneo. Para tanto, esta seria, atualmente,
revestida por estereótipos imaginários a partir dos quais o usuário
é levado a reivindicar, na ordem do imaginário, o lugar de dono
de sua identidade, de seus sentidos e de suas formas de ‘produzir’
uma realidade particular. Há aí, também, um viés para se discutir
o desejo de onipotência como mecanismo de defesa.
Neste sentido, segundo Gurfinkel (1995), a hipótese da drogadição como atividade auto-erótica remonta a uma tentativa do
sujeito de tornar-se independente, de uma não oposição ao desejo, de um controle onipotente do objeto. Talvez algo passível de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 125
estar sempre à mão, disponível ao desejo. Esta metáfora nos remete, invariavelmente, à relação mãe-bebê (ou pelo menos à relação fantasística, fusional entre ambos). Importante comentar que
o autor adverte-nos da necessidade de distinguir o prazer obtido
com o consumo da droga do prazer narcisista de transformar o
objeto em uma parte de si mesmo.
Sendo o objeto-droga um falso objeto, já que não dispõe de
características de independência e exterioridade, seu uso sugere
uma fantasia de onipotência em função dos fenômenos alucinatórios que proporciona. Sendo assim, a droga poderia ser encarada
como um objeto narcísico, em que a captura pelo mesmo (a não
escolha), explicaria esta dinâmica, regada a um profundo desejo
regressivo, onde as angústias persecutórias são diluídas. Assim, alguns pesquisadores (KALINA et al., 1999) articulam a toxicomania a um suposto ‘psiquismo fetal’, remontando-a a um momento
pré-natal do sujeito, onde o estado de nirvana dar-se-ia pela ausência absoluta de demandas, condições estas às quais o adicto
tenderia a retornar. Assim, “o poder sinistro de escravidão está
no sujeito, no objeto ou em algum ‘espaço intermediário’ entre os
dois”. (GURFINKEL, 1995, p. 39).
Desta forma, o desejo narcísico de onipotência é renovado
compulsoriamente na experiência fugaz da droga, onde as fantasias
de onipotência dão suporte ao consumo e este, por sua vez, renovalhe a experiência de onipotência em sua fantasia. Este círculo vicioso
sustentaria a condição de aprisionamento, pois, coincidentemente ou
não, as aquisições próprias da submissão ao princípio da realidade
são, analogamente, as funções psíquicas deficientes na drogadição.
Pensando a relação primeira do sujeito como referência, um
perfil da família do drogadito foi apresentado por Palatnick (apud
PEREIRA, 2004) a partir do relato das mães de usuários. Nele, há
uma aposta no sintoma familiar, onde o sujeito se envolveria em
uma condição de abuso na tentativa inconsciente de denunciar
os conflitos familiares, cuja vivência é angustiante. Neste sentido,
126 |
apresenta o pai como uma figura normalmente ausente, distante ou
omissa diante de suas funções no campo familiar. A mãe, superprotetora, não enxerga o filho como sujeito e está frequentemente colada a ele, ligada a ele, sem, contudo, enxergá-lo. O terceiro elo desta
corrente, o filho, neste contexto, o “eterno problemático”, apresenta
comportamentos desviantes desde a infância, certa letargia relativa
às responsabilidades escolares, bem como uma desobediência frequente à autoridade dos pais. Assim, o autor sustenta que a dependência às drogas é uma resposta direta à insuficiência paterna, bem
com a atenção sufocante (embora vazia) da mãe. Assim,
No adicto, a insuficiência e inadequação das funções parentais, a
falta de um bom e gradual desprendimento da mãe e a carência de
uma figura paterna valorizada, com a qual rivalizar e identificarse, deixam-no prisioneiro num universo narcisista materno [...]
Como saldo desta experiência restaram zonas de silêncio, lacunas,
buracos, nos quais faltam representação de um mundo simbólico
estruturado sobre o eixo da Lei Paterna. (PEREIRA, 2004, p. 334).
Retomando a ideia de regressão, condição trabalhada, aqui,
sob distintos aspectos, há que se pensar que o “prazer” na droga
arrasta consigo os investimentos e as ligações, e esta forneceria, assim, um apoio externo como ramificação de um suporte psíquico
parental falho e que demanda suplência. A experiência da droga,
também análoga à condição do retorno ao zero, parece relativa a
uma ação eficaz da pulsão de morte, que atingindo estruturas do
funcionamento psíquico de forma devastadora, geraria a perda
dos limites do eu por uma regressão ao narcisismo primário, bem
como o desaparecimento dos referenciais a partir do abandono dos
ideais éticos, dos objetivos a alcançar, do próprio sentido da vida.
Uma hipótese a aventar é a de que, na atualidade, a exigência
do prazer imediato, proporcionada pelos mecanismos disponibilizados no aqui e agora, cria a demanda pelo prazer instantâneo,
compulsivo e de caráter autoerógeno. Assim, não haveria lugar
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para a angústia, já que esta apresenta ao sujeito o avesso do êxtase
de excitação, que em grande carga, é sentida como insuportável.
No limite, o fenômeno da drogadição leva-nos a pensar sobre
a relação com a falta – aquilo que demanda suplência – e que, em
determinada estrutura psíquica, provoca um rombo de tal magnitude que o sujeito não se vê em condições de enfrentá-la, buscando
o embuste como forma de proteção. Leva-nos, também, a refletir
sobre o desmantelamento da estruturação de referências, valores
e, por assim dizer, de um ideal, de um projeto de vida identificado
como próprio, permitindo a ação livre de uma compulsão que o leva
a colocar-se, repetitivamente, em uma condição de assujeitamento.
Cremos que uma saída no enfrentamento deste processo
seja permitir ao sujeito reconstruir sua relação com a linguagem,
espaço simbólico por excelência, a fim de que o mesmo encontre, à
sua maneira particular, os recursos necessários para que o luto possa ser autorizado e as perdas serem reconhecidas, vividas e elaboradas como experiências próprias da condição humana. Assim, pensar possibilidades de enfrentamento do fenômeno da drogadição,
complexo e multifacetado, significa pensar possibilidades de equilibrar-se sobre a linha tênue que separa e une êxtase e destruição.
Considerações finais
O trabalho desenvolvido a partir das discussões no Grupo
de Estudos “Juventude, contemporaneidade e drogadição”, permitiram-nos ampliar os horizontes acerca da temática. As reflexões
aqui trabalhadas em torno do abuso de drogas buscaram realizar
um recorte relativo às formas utilizadas pelo sujeito para lidar com o
que chamaríamos de “sofrimento existencial”. Neste sentido, cremos
que há que se pensar neste enfrentamento da angústia, observando
os excessos corporais como tributários de uma inibição da palavra,
pois a dissociação entre corpo e palavra tem sido objeto de inúmeros
debates, envolvendo o amplo leque de patologias contemporâneas.
128 |
Também, poderíamos afirmar que os percursos circulares
aos quais o sujeito se enlaça, na atualidade, inibem movimentos
que promovam o resgate da corporeidade, o que viria a inviabilizar a emergência de uma palavra encarnada, corporificada. Neste
caso, o corpo físico prestar-se-ia apenas a realizar uma modalidade
de prazer, sempre insuficiente em sua função, que, ao impedir a
representação das impressões não nomeadas, abriria espaço ao ato.
Neste sentido, vale salientar que distintos estudos com dependentes de drogas apontam para o uso inicialmente característico da “busca pelo prazer”, mas, dada a complexidade de processo,
observa-se que as razões para o uso/abuso modificam-se e o uso se
transforma em uma forma de suportar a frustração e os conflitos de
toda ordem enfrentados pelos sujeitos. Assim, como abuso pode ser
observado tanto pela frequência de uso quanto pelo tempo de utilização, sugere-se que, para além do estudo sobre a etiologia da farmacodependência, dedicar atenção ao aspecto da psicodependência.
No limite, a face de um fenômeno coletivo marcado, essencialmente, pelo esvaziamento da condição desejante, do apelo ao
Outro, da sujeição a um objeto total adotado como escudo contra
o mal-estar, coloca-nos diante de sujeitos exauridos de recursos
para lidar com as condições de existência que se apresentam. Neste sentido, a psicanálise, como campo de saber, nos mostra que a
condição para o enfrentamento da pulsão é a quebra do registro
narcísico do eu. Tarefa complexa, já que este “estado de narcisismo”, tanto é constitutivo de nosso psiquismo, quanto é considerado um “valor” dos tempos atuais.
Uma possível saída no enfrentamento deste sofrimento existencial, que demanda inigualável quantidade de energia, seria, como
já apontamos, a revitalização das ferramentas do simbólico. Daí a
crença na força terapêutica da palavra, gerando possibilidades de criação de grupos, nos quais o sujeito possa objetivar sua subjetividade e
compartilhar/ressignificar as dores em seus sentidos e significados.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 129
Referências
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Paulo: Vetor, 1999.
A CÂMERA COTIDIANA
NA SALA DE AULA:
O CELULAR COMO ALVO
DA AÇÃO DIDÁTICA
Euzébio Fernandes de Carvalho
Introdução
É
sentido, sabido e compartilhado que os filmes nos conduzem.
Eles suspendem, mesmo que momentaneamente, a nossa
consciência crítica, introduzindo em nós sentidos, perspectivas e
valores (inclusive aqueles que em outras situações desprezaríamos).
A magia dos filmes nos retira da vida para nos devolver a ela algumas horas depois (na maioria das vezes, com sensações, argumentos e informações diferentes e novas).
Nessa direção, o celular poderia, de alguma forma, mobilizar a sedução e o poder do cinema? A câmera que levamos
no bolso, no dia a dia que se repete, pode constituir uma forma
de expressão e de criação cinematográfica? Poderia a magia do
cinema encantar nossas câmeras cotidianas e fazer de nós, professoras e alunas, professores e alunos, criadores cinematográficos? O poder que o cinema exerce em nossas mentes e corações
poderia ser alcançado pelos vídeos de bolso? Assim como o cinema, conseguirá o celular o mesmo espaço no interior das salas
de aula?
Se deslocarmos o foco dessas perguntas dos objetos (o celular, a câmera e o cinema) para as pessoas (que se fabricam e são fabricadas num processo cultural, inserido na história e nas relações
econômico-sociais) há grande possibilidade das respostas serem
positivas. É sobre essas possibilidades que falaremos aqui. Neste
texto, objetivamos mostrar algumas possibilidades de se ensinar e
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132 |
aprender com as câmeras dos celulares que trazemos conosco em
todos os momentos e espaços da vida cotidiana. Especialmente,
no chão da sala de aula, entre os muros e grades das escolas.
Antes de passarmos, pontualmente, para a discussão do vídeo de bolso e de suas potencialidades no interior das relações de
ensino/aprendizagem, é importante caracterizarmos a linguagem
cinematográfica, ressaltando suas especificidades e, a partir delas,
suas potencialidades.
A linguagem cinematográfica
O surgimento da “linguagem cinematográfica” (a partir daqui utilizaremos o termo audiovisual como equivalente) é posterior ao surgimento da “técnica cinematográfica”. Segundo Edgar Morin, entre 1895 e 1910, temos a “[...] fase de descoberta
e definição de uma nova técnica reprodutiva utilizada para fins
espetaculares” por meio de um “puro e simples aparelho de fazer tomadas e projeção de fotografias animadas” (MORIN apud
COSTA, 1987, p. 58-59).
A imagem em movimento foi projetada pela primeira vez
em 28 de dezembro de 1895, em Paris, pelos irmãos Lumière.
Contudo, foi após a intervenção do mágico, Georges Méliès, que
se iniciou uma nova linguagem para a comunicação humana
(COSTA, 1987, p. 58). À nova tecnologia de sua época, o ilusionista acrescentou suas habilidades artísticas e, então, a magia encontrou um novo terreno cultural (e comercial). A partir de então, a
ilusão e o cinematógrafo tornaram-se gêmeos siameses. O sucesso
da nova arte foi tão grande que logo impulsionou a constituição
de verdadeiros parques industriais em diferentes lugares do mundo. Nos EUA, o cinema tornou-se um poderoso produto comercial, movimentando uma riquíssima indústria de entretenimento.
Paulatinamente, a grande quantidade de filmes produzidos
acabou por constituir uma gramática específica para essa arte/
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técnica. O acúmulo de experimentações contribuiu para o nascimento da nova linguagem. Conforme aponta Antônio Costa, na
segunda década do século XX, alguns elementos específicos dessa linguagem já eram de domínio corrente entre os realizadores,
como por exemplo, a articulação de planos por meio da edição; a
variação de ângulo e os movimentos de câmera; a dialética entre
real e fantástico e, talvez, o principal: o desenvolvimento narrativo
(COSTA, 1987, p. 59-60).
O público que participou dos primeiros espetáculos cinematográficos foi atraído por uma curiosidade divertida por fotografias que se movimentavam e por truques de transformação que
aconteciam, magicamente, diante de seus olhos. Para nosso tempo,
contudo, tais filmes, com sua perspectiva frontal, com seus planos
sem articulação e sem variação de ângulo, logo se revelam uma
experiência monótona. Teríamos, então, alguma dificuldade para
nos concentrar sobre o que é mostrado. Por que isso acontece?
Para nós, cinema é algo diferente do que foi para aquelas
pessoas do final do século XIX. Concordando com Edgar Morin, o cinema, como o conhecemos, atualmente, surgiria apenas
na segunda década do breve século XX. É por isso que o autor
usa o termo “cinematógrafo” para o primeiro período e “cinema” para o posterior. Somente a partir de 1910 (um curto, mas
relativo acúmulo de experiências), foi historicamente possível o
surgimento de um “complexo dispositivo expressivo-espetacular capaz de articular uma linguagem própria” (MORIN apud
COSTA, 1987, p. 60).
Em nosso espaço e tempo sociocultural, é isso a que chamamos “cinema”. Contudo, como demonstrado, até ele se constituir, foram necessárias experimentações, realizações e invenções.
O acúmulo histórico desses elementos constituiu, pela primeira vez, e de forma autônoma, certos signos que passaram a ser
utilizados para a comunicação humana: nascia a linguagem cinematográfica.
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Enquadramentos, planos, plano-sequência, encenação, duração, movimento de câmera, ângulo de filmagens, montagem/
edição, narrativa fílmica são os signos de um sistema “que permitem a reversibilidade entre emissor e receptor”, isto é, permitem o
diálogo entre realizadores de cinema e seus espectadores (ODIN,
2006, p. 183). “Uma linguagem é um instrumento intencional de
comunicação e expressão”, nos diz Odin (2006, p. 185). Para o autor, a intencionalidade19 reside não no conteúdo comunicado, mas
no próprio ato de comunicação.
Por isso, ao assistir a um filme, mesmo sozinhos, na sala escura do cinema, diante da TV ou da telinha do celular estamos, sobremaneira, inseridos numa relação dialógica e social! Por isso, nos
emocionamos; por isso, somos afetados pela linguagem audiovisual.
Independente do assunto abordado, do seu impacto em nós, de nossa filiação estética, de nossa empatia ou repulsão, apesar do simples
(e muitas vezes leviano) juízo de valor, o filme nos fala em nossa
humanidade.
Mas, por que o celular?
Ao longo do século XX, o cinema passou a abarcar “produções que mobilizam imagens que têm a ver com diversas matérias
de expressão: os filmes integram cada vez mais imagens filmadas em
vídeo, imagens digitais, etc.” (ODIN, 2006, p. 189). É no interior desse processo que, hoje, podemos falar de cinema por meio do curta
metragem, do vídeo de bolso (pocket film) ou do live cinema, por
exemplo.
Trazendo o cinema para as relações de ensino/aprendizagem, alguns autores defendem que a função educacional do cinema é possibilitar a criação de um mundo mais significativo.
A tecnologia audiovisual possibilita que cada pessoa observe a si
19 E algumas vezes, “a intencionalidade está do lado do destinatário que resolve ler qualquer coisa como linguagem, ou seja, algo que me fala” (ODIN, 2006, p. 185).
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em ação, historicamente. Além disso, ela aumenta a capacidade de
perceber novas imagens, bem como perceber novas dimensões da
realidade física20 e psicológica21.
O progresso científico e o avanço tecnológico do aparelho
celular integraram, de forma simples e acessível, os três elementos
básicos que possibilitaram o surgimento do cinema: a máquina filmadora (a câmera para captação), o suporte físico das imagens (a
película de celulóide)22 e a máquina de projeção. Tudo isso reunido
num pequeno aparelho que pesa menos de 100 gramas e com custo
de acordo com as possibilidades financeiras do interessado. Nos dias
atuais, é possível adquirir um celular do tipo smartphone23 mediano
por, aproximadamente, R$ 900,00. No mercado paralelo, podemos
comprar o mesmo aparelho por metade desse valor. Isso aumentou,
relativamente, o acesso a essa possibilidades audiovisuais.
Por que o smartphone? Pela primeira vez, esse tipo de celular reuniu: 1) tecnologia suficiente para a gravação audiovisual em extensão universal (o que facilitou o compartilhamento de
20 Por exemplo, que o cavalo voa, isto é, que ao correr há momentos em que as quatro
patas estão fora do chão. Há ainda outro elemento fisiológico similar àquele. As imagens permanecem na retina por um tempo mínimo. Assim, a substituição de imagens com a velocidade variando entre 0,20 e 0,10 segundos provoca na retina humana a “fusão” entre uma imagem e a sua sucessora, produzindo a ilusão do movimento.
21 A percepção que as imagens projetadas não são a realidade em si, mas que, além de
representá-la, também a institui. Por conta desse aprendizado psicológico e cultural,
hoje, quando vimos imagens vindas em nossa direção, nos filmes, não saímos correndo da sala de cinema, como aconteceu com os primeiros espectadores. Em salas
3D ainda nos assustamos bastante, desviando dos objetos que nos são lançados.
22 Até bem pouco tempo antes da democratização das câmeras digitais, usávamos a
palavra “filme” para nos referir à película. O filme sensibilizado pela luz era retirado
da máquina fotográfica e levado para ser “revelado” em alguma loja especializada.
“Revelar” o filme, na linguagem comum, significava, portanto, transferir as imagens
da película para o papel fotográfico. Na verdade, a revelação era o processo de fixação
das imagens por meio da utilização de químicos. A passagem dessas imagens para o
papel era chamada de “ampliação”. Na linguagem corrente, contudo, não havia distinção entre “revelação” e “ampliação”.
23 “Smartphone” em oposição aos “featurephone” (celulares comuns, que não possuem
essa quantidade de recursos).
136 |
aparelho para aparelho, por meio da tecnologia Bluetooth, por
exemplo); 2) possibilitou o acesso à internet para socialização dos
arquivos na rede (por meio de up/downloads); 3) algum recurso
de edição de vídeos, mesmo que bastante limitado, por meio de
softwares e aplicativos integrados no próprio celular; 4) tela com
tamanho minimamente confortável para reprodução de vídeos
entre outros elementos.
Uma das dificuldades do uso do cinema em sala de aula é
a discrepância entre o pouco tempo da aula e a duração do filme. Nesse caso, o vídeo de bolso na sala de aula apresenta uma
enorme vantagem sobre o cinema. Geralmente, a duração desses
vídeos não ultrapassa o tempo de cinco minutos. As temáticas,
assuntos e situações condensados nesse pouco tempo de narrativa podem ser associados a outras dinâmicas (como debates e
diálogos) dentro de uma única aula, favorecendo o desenrolar do
currículo escolar. “Atrapalhar o andamento dos conteúdos curriculares” é o argumento que muitos professores e gestores escolares
utilizam contra o uso do cinema na sala de aula.
Por uma função (também) didática do celular
A simples comunicação talvez seja o sentido mais restrito
(e tradicional) vinculado ao celular. Contudo, em nossa década,
o desenvolvimento da tecnologia digital transformou o aparelho,
ampliando suas funções. O celular se tornou, seguramente, uma
das principais fontes de entretenimento da vida contemporânea:
recebe sinal de TV, reproduz arquivos de vídeos, de áudio (gravações de voz e músicas), acessa a internet (conectando-nos às mais
diferentes redes sociais), possui uma infinidade de aplicativos (inclusive, que controlam nosso sono, a quantidade de calorias que
ingerimos, o peso físico, os lugares aonde vamos, as pessoas com
quem falamos...). No celular, temos jogos eletrônicos que antes
somente eram possíveis em consoles específicos. E, por isso, os
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celulares contemporâneos contribuíram para a aposentadoria de
uma série de consoles portáteis, cuja única função era nos distrair
com desafios eletrônicos (como o famoso “game boy”, por exemplo, e sua infinidade de imitações asiáticas, que constituiu o desejo
de consumo de grande parte da população juvenil da década de
1990).
De onipresente aparelho de comunicação portátil, a partir
do final dos anos 2000, o celular também se transformou em forte
instrumento da indústria cultural. E essa tendência só se confirma
nos dias atuais. Por todos esses fatores, o celular se tornou um dos
principais objetos de desejo da população, independente de idade
e geração (como acontecia antes, quando ele era vinculado apenas
ao público juvenil ou aos altos empresários do capital).
O celular virou tema de filme24, transformou desconhecidos
em celebridades (inter)nacionais. Pautou, por várias vezes, desde
as matérias dos mais assistidos jornais televisivos às conversas de
mesa de bar. Expôs intimidades sexuais, destruindo a tranquilidade anônima de seus protagonistas. Produziu microescândalos
e macrodebates públicos, constituindo referências repetidas em
gestos por milhares de pessoas.
O celular é certamente o artefato tecnológico que conseguiu
a maior intimidade com os corpos humanos em toda a nossa história. Tornou-se o principal coadjuvante biônico da “divina comédia humana”. Desgraças alheias e glórias pessoais via Bluetooth
(ficcionais ou não). Boas novas e fofocas por mensagens de texto (pela bagatela diária de R$ 0,50). Registros fotográficos e lixo
eletrônico como se nunca produziu antes na história da humanidade. Giga demandas virtuais por espaço, em cartões cada vez
menores e com cada vez maior capacidade de armazenamento...
Com o celular é possível arquivar a nossa própria vida e, “o que é
mais interessante”, dirão alguns, a dos outros.
24Viva voz, comédia brasileira dirigida por Paulo Morelli, em 2003.
138 |
Por suas consideráveis capacidades de entretenimento, de
socialização e conectividade, o celular acabou se tornando o principal vilão... dentro das escolas. Em alguns estados brasileiros25
, como no caso de Goiás, a partir de 2010, o seu uso foi proibido por lei:
LEI Nº 16.993, DE 10 DE MAIO DE 2010. Dispõe sobre a proibição do uso de telefone celular na sala de aula das escolas da rede
pública estadual de ensino. A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE GOIÁS, nos termos do art. 10 da Constituição Estadual, decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Fica proibido
o uso de telefone celular na sala de aula das escolas da rede pública estadual de ensino. Parágrafo único. Cabe às escolas definirem
as medidas disciplinares aplicáveis aos alunos que infringirem o
disposto no caput. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação. PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, 10 de maio de 2010, 122o da República. ALCIDES RODRIGUES FILHO (D.O. de 14-05-2010).
Sempre é bom ressaltar que a proibição foi motivada pelo
uso e não por causa do aparelho em si. Extraio uma parte do depoimento de uma aluna: “O professor também falou da importância do celular no nosso dia a dia. Isso é legal, pois, hoje, a maioria
das pessoas, principalmente os jovens, o usam de forma errada.
Motivo pelo qual, nas escolas, é proibida a entrada de celular”
(Aluna 4).
Talvez essa lei seja um documento a provar o quanto a concepção de escola, dominante entre nós, está distante dos processos de produção das subjetividades contemporâneas. Na contramão da conectividade que marca o tempo presente, declarando
guerra aos celulares nas salas de aula, a escola torna-se cada vez
mais desconectada de seu contexto histórico-cultural. Comunica
cada vez menos com os indivíduos a que se destina: as crianças
e os adolescentes. É a chamada “geração Z”, “povoada de jovens
25 Alguns exemplos: em Santa Catarina, lei 14.363 de 25/06/2008; na Paraíba, lei 8.949
de 11/2009; em Goiás, lei 16.993 de 10/05/2010 etc.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 139
profundamente envolvidos com mídias digitais e integralmente
conectados à internet. É preciso também pensar em alternativas
práticas, para não dispersá-los rapidamente” (PORTAL TELA
BRASIL, 2013).
Sob a hegemonia dos dabliús (a sigla “WWW”, da “rede
mundial de computadores”, é cada vez mais presente entre nós),
se a escola não reverter seu isolamento surdo e covarde, ela terá
cada vez menos condições de formar pessoas capacitadas para a
produção e para a gestão de informações.
Em tempo de sociedade em rede, conectada virtual e digitalmente, acreditamos ser um dos papeis fundamentais da escola formar pessoas com condições de entender o processo de
produção e circulação da informação. A escola é uma instituição pública voltada para a formação humana e deve se comprometer com a promoção da equidade de oportunidades. Portanto, é sua função primordial criar condições para que as pessoas
possam se posicionar diante da “hegemonia da informação”, de
forma autônoma e independente. Mais que isso: a escola deve
proporcionar condições para que todos os seus alunos avancem
para além da condição de passivos consumidores de informação. A escola precisa criar condições para que o aluno entenda a produção dessas informações, faça a sua crítica e, talvez
o principal, que essas pessoas tornem-se também criadoras de
conteúdo informativo.
Para além da dicotomia do “a favor” modernoso e empolgado versus o “eu sou contra” dos conservadores, a argumentação que constituiremos nas linhas seguintes procura evidenciar
o grande potencial do celular para a produção e a socialização de
conteúdo audiovisual e, portanto, para o seu forte potencial de
ensino/aprendizagem. Nesse sentido, partimos das experiências
vivenciadas no interior do Projeto Circuito Câmera Cotidiana
(doravante, PCCC).
140 |
A câmera cotidiana
Como falamos, aqui, das possibilidades didáticas do celular,
convidamos o leitor a explorar mais uma de suas funções. Procure
em seu aparelho um aplicativo que faça a leitura dos chamados “QR
code”26. Acione o aplicativo27 e dirija a câmera de seu celular para a
imagem ao lado (esse processo o levará ao domínio www.cameracotidiana.com.br)28 . Assista, então, ao vídeo promocional do projeto.
O vídeo distingue as pessoas em dois conjuntos: as que
buscam e as que produzem informação e “fazem a história”, argumenta o narrador infanto-juvenil. No primeiro grupo, estão
a quase totalidade da população: pessoas que somente consomem, passivamente, os conteúdos produzidos por outros. Já o
segundo grupo, será aquele formado pelo PCCC, isto é, pessoas criadoras de conteúdo audiovisual e, por conseguinte, com
condições de se posicionar de forma crítica e autônoma perante
qualquer produção.
A argumentação do vídeo institucional do projeto recai so26 Um QR Code (sigla do inglês Quick Response Code) é um processo mecânico similar
a um link. Ele oferece ao celular ou tablet, de forma automática, uma URL que conduz a navegação pela internet. É uma espécie de código de barras bidimensional. No
processo de produção da imagem QR Code, associamos a ela determinado domínio
na internet. Assim, quando o aplicativo específico de nosso celular a reconhece (a
câmera do celular funciona como um scanner) o código é convertido em texto interativo e somos levados aquele domínio (endereços URLs). No Brasil, desde 2007,
torna-se cada vez mais utilizado em campanhas publicitárias.
27 Se o seu celular não possuir, vá até a loja “Play Store” do Google, por exemplo, e instale um aplicativo para a leitura dos “QR codes”.
28 Se estiver lendo a versão digital desse texto, saberá que basta clicar sobre esse link
para acessar o referido sítio.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 141
bre o poder da câmera do celular: “em muitos lugares, um poder
grande demais”, com clara referência às situações sociais e aos regimes que censuram a ação popular e a livre divulgação de informações na rede mundial de computadores. A câmera do celular
“é tudo o que você precisa para exercitar a sensibilidade do olhar
e fazer poesia, ficção, documentário, experimentação, videoclipe,
arte, televisão, jornalismo...” defende o vídeo institucional com
sua narrativa ágil, colorida, simples e eficiente na apresentação do
projeto (FRACTAL FILMES, 2012, 0’33’’).
Realizado pela Fractal Filmes29, em 2013, o projeto Câmera Cotidiana está em seu segundo ano de realização e se estenderá até 2016, quando objetiva constituir uma rede com mais de
vinte cidades e 75 multiplicadores ensinando produção de vídeo
com tecnologia acessível para mais de 4.500 beneficiados diretos
(FRACTAL FILMES, 2012, 0’44’’).
A cada edição, o projeto é constituído por três etapas. A primeira é o momento da seleção de multiplicadores em escolas públicas e pontos de cultura para a capacitação em forma de imersão
num curso de produção audiovisual. A segunda etapa é a criação
de novos polos com a realização de oficinas locais e produção de
vídeos nas cidades dos multiplicadores. Por fim, a última etapa é
a realização do Festival Câmera Cotidiana, pela internet. Nesse
momento, no sítio do projeto, os vídeos produzidos em todas as
oficinas concorrem entre si. “Os criadores dos vídeos vencedores e
seus respectivos multiplicadores ganham novas oportunidades de
aprendizado em intercâmbios em centros de referência nacional”
na produção de audiovisual (FRACTAL FILMES, 2012, 1’27’’).
29Financiado com recursos do Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura e
da Lei de Incentivo à Cultura, o PCC tem como patrocinadores a Pousada Monjolo
e SAMA Minerações Associadas e conta com o apoio da Lei Goyazes, lei estadual
de Incentivo à cultura, Governo de Goiás. Conta ainda com a colaboração Ciranda
da Arte – Centro de Estudo e Pesquisa Secretaria da Educação do Estado de Goiás,
Caravídeo e Lab Ficticia.
142 |
Figura 1. Cartaz do Projeto Câmera Cotidiana (edição 2013).
A partir desse ponto, traçamos um relato da realização da
oficina do Circuito Câmera Cotidiana, no Campus de Goiás, da
Universidade Estadual de Goiás (UEG).
O celular como alvo da ação didática
Durante o mês de junho de 2013, quarenta e cinco educadores se inscreveram no projeto. Desse total, foram selecionados
quinze, formando uma turma com pessoas oriundas dos municípios de Alto Paraíso, Goiás, Goiânia, Pirenópolis e Trindade. Então, participamos do Curso de Qualificação dos Multiplicadores
entre os dias 29 de julho e 02 de agosto de 2013, na pousada Monjolo, no município de Nerópolis, Goiás.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 143
No mês seguinte, nas tardes dos dias 9, 10 e 11 de setembro,
foi realizada a Oficina Câmera Cotidiana, no laboratório de informática da UEG/Campus Goiás. A oficina contou com a participação de doze pessoas entre discentes da licenciatura em História,
Letras, Geografia e de funcionários técnico-administrativos do
Campus. “Além de formação técnica e conceitual o curso oferece,
também, planejamento pedagógico das oficinas a serem ministradas”, observou uma das alunas participantes30.
O Curso foi planejado para 12h, distribuídas nas três tardes
de atividades. Foi fundamental para o sucesso da tematização dos
conteúdos, a apostila feita pelo Projeto e disponibilizada on-line
no sitio do projeto. Uma versão resumida foi impressa e distribuída para todos os inscritos.
Na esperança de que o relato da nossa experiência possa
estimular outras pessoas na realização de atividades que usem a
câmera do celular, descrevemos o primeiro dia de atividades da
oficina. Como relatou um dos participantes: “fomos para a sala de
informática aprender a editar vídeos. Foi legal, deu medo por não
ter experiência. Nunca tinha feito nada assim, mas é sempre bom
aprender algo novo. Gostei!” (Aluna 4).
De acordo com o nosso planejamento, dedicamos o primeiro dia à apresentação do Projeto por meio do seu “vídeo institucional”, referido antes. Pedimos que ele fosse assistido diretamente
pelo celular depois de compartilhá-lo entre todos os presentes via
Bluetooth. De início, essa metodologia já promove a aproximação
do usuário com o aparelho, otimizando o uso de suas potencialidades31.
30Solicitei a alguns alunos que fizessem uma narrativa por escrito, avaliando o curso.
Uso alguns trechos dessas avaliações no presente texto. Identifico esses relatos por
números.
31Uma ideia para o uso didático na sala de aula é no início do ano letivo quando pedimos a apresentação dos alunos. Em vez de pedir que os alunos se apresentem da
forma tradicional, podemos sugerir a gravação de um vídeo no qual cada um diz seu
nome, idade e interesses, por exemplo. Quando ministrava essa oficina para minha
144 |
Na sequência dessa atividade, discorremos sobre os motivos
para usar a câmera cotidiana32. Depois, identificamos as características do vídeo de bolso (mobile video ou pocket vídeo). O vídeo
de bolso tem se afirmado como um gênero audiovisual entre, por
exemplo, a animação, a aventura, o musical, o documentário, a
ficção etc. O gênero é assim definido na apostila do curso:
A expressão “pocket video” ou “vídeo de bolso” é usada para
nomear um gênero de produção que se popularizou com as chamadas câmeras de mão, celulares e, principalmente, com os sites
de compartilhamento tipo Vimeo e Youtube. É difícil precisar
com clareza as características desse gênero: pode ser ficção ou
não ficção; é feito por profissionais, mas também por amadores,
são publicitários, de arte, de humor, educativos, de protesto, são
até versões moderninhas dos antigos vídeos de aniversário ou
casamento (PROJETO CÂMERA COTIDIANA, 2013, p. 40).
Para ilustrar as potencialidades de produção de vídeos usando
o celular, apresentamos os três vídeos vencedores da edição PCCC
2012: O passo da monotonia (5’10’’), Action Figure Death Note (2’36’’)
e Vou continuar jogando (4’38’’). Na sequência, continuamos a ver
alguns vídeos com o objetivo de estimular a criatividade dos alunos
e mostrar as diversas possibilidades para o uso criativo da câmera
do celular33.
turma de “Estágio em História 1”, de 2013, foi bastante produtivo o emprego dessa
metodologia. Além de divertida por si mesma, tornou-se um forte elemento de criação de vínculo entre os presentes.
32Nesse contexto, exibimos o vídeo feito com celular “Zé Ninguém/Zé Alguém”, produzido pela Casa da Árvore (Goiânia, 2012), no interior do Projeto Telinha de Cinema (da UEG/Campus Laranjeiras). Divertido, esse vídeo apresenta as possibilidades
e algumas dicas para fazer vídeos com o celular.
33 Assistimos aos vídeos: “Bullying” (3’05’’), de 2009, do projeto Telinha de Cinema do Instituto Vivo e Casa da Árvore; o videoclipe “Demonstração”, do músico Toroká (2’13’’), dirigido por Nacho Durán; o filme “O paradoxo da espera do ônibus” (3’), dirigido por Christian Caselli, produzido para uma vídeo-instalação; o filme “On line” (2’26) também do
projeto Telinha de Cinema do Instituto Vivo e Casa da Árvore; o “Reverse Graffiti” (3’22’’),
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 145
A exibição de vídeos, numa espécie de pequena mostra, ao
mesmo tempo em que favorece a construção de uma cultura audiovisual nos alunos, também apresenta as diversas possibilidades
de uso do celular. O momento de assistência de outros vídeos é
muito importante na formação dos alunos para estimular a produção audiovisual. Além de servir de inspiração para produzir
outros vídeos, a mostra também promove a formação cultural dos
alunos, aproximando-os de problemas sociais, questões existenciais, possibilidades estéticas e de realidades culturais diferentes e
distantes das vividas por eles.
Durante a oficina, depois da pequena mostra de filmes, voltamos nossa atenção para o processo de captação, problematizando a
fonte de som, o ângulo da luz, entre outras preocupações básicas que
devemos ter quando fazemos a captação do material audiovisual34.
Um importante elemento da captação das imagens é a estabilização da câmera. Ela é importante para garantir a melhor qualidade
de imagem possível35. Falamos, ainda, sobre os recursos da câmera na mão, sobre o uso do zoom (privilegiar a aproximação/distanciamento mecânico em detrimento do digital). Alertamos para
alguns cuidados para a captação de áudio: proximidade da fonte
produtora, cuidado com o vento, com fontes de ruídos, cuidado
com gravações em ambientes abertos etc.
Depois disso, apresentamos alguns vídeos sobre gêneros
audiovisuais. Priorizamos alguns formatos que podem ser assofilme de alto teor crítico dirigido por Alexandre Orion; “Sequência” (1’22’’), de G Saavedra
e, por fim, exibimos a chamada para o quadro Outro olhar (0’17’’) do telejornal da TV
Brasil, o primeiro programa brasileiro a abrir espaço para os vídeos amadores feitos em
celulares. Nos dias atuais, o vídeo de bolso tem espaço garantido em qualquer programa
televisivo. Recentemente, o Jornal Anhanguera lançou o quadro “Sem noção” em que chama a população para denunciar a falta de bom senso de muitos cidadãos metropolitanos.
34 Exibimos o pequeno filme “Dicas”, produzido pelo sítio Tecmundo que informa sobre produção de vídeo com o celular.
35 Utilizamos um trecho da entrevista concedida por Nacho Durán ao programa CliqueLigue, da tvt.org.br sobre a construção de estabilizadores (stedy cam) caseiros.
146 |
ciados com algumas atividades didáticas dentro da sala de aula.
Como exemplo, apresentamos os gêneros reportagem, a videorreportagem36 e o jornalismo “estilo gonzo”37. Apresentamos também
o movimento “pósTV” e a “Mídia NINJA”.
Finalizando o primeiro dia de oficina, abordamos os
elementos narrativos do cinema, exibindo pequenos materiais didáticos audiovisuais que tematizam o plano-sequência.
Refletimos sobre voz over, a dublagem e o uso de microfones.
Vimos alguns exemplos de captação como o timelapse, stop
motion feita a partir de grafite e utilização de slider de mesa,
por exemplo.
Algo muito positivo na metodologia utilizada e uma potencialidade implícita ao celular é poder praticar tudo o que se discute durante a aula. Nesse sentido, há infinitas possibilidades de
exercícios práticos. No final do primeiro dia de oficina, a nossa
atividade prática foi produzir um plano-sequência com o celular.
Deveríamos “contar” uma história com o celular com o mínimo
de cortes possível e usando os movimentos do celular de forma
criativa e interessante. Os alunos deveriam se organizar em grupo
para isso. Segundo o relato de uma das participantes,
[...] foi um momento de descontrair com os colegas. Foi ótimo,
porque brincamos com aquele momento de fazer o vídeo. Gostei muito. As aulas têm que ser diferentes de vez em quando,
porque senão cansa[m] muito e fica[m] muito chata[s] (Aluna
1)38.
Particularmente, apesar de não acreditar que a aula deva
ser pautada unicamente pela expectativa de diversão dos alunos,
36 Com a exibição do filme “Manual de reportagem” (2’54’’), com Rafinha Bastos.
37 Exibimos um programa especial sobre o personagem Ernesto Varela, criado nos anos
80, por Fernando Meirelles e Marcelo Tas.
38Retirado do Diário de Campo de Estágio de uma aluna do “Estágio em História 1”,
da turma de 2013, que também participou da oficina.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 147
concordo com a observação supracitada. As atividades usando o
celular favorecem a socialização e a interação afetiva entre os alunos. Outras pessoas assim se manifestaram sobre o primeiro dia:
[...] tivemos a oportunidade de conhecer vídeos ganhadores, aprendemos como gravar um vídeo com alta qualidade, tivemos oportunidade de colocar em prática tudo que aprendemos (Aluna 3).
Nesse dia foi surpreendente. Estávamos muito empolgados. Até
fizemos nosso primeiro vídeo. Foi muito bom. As dicas que tivemos nos ajudou a fazer um vídeo melhor (Aluno 1).
Para encerrar e verificar a aprendizagem fomos gravar um vídeo em grupo com um roteiro produzido de última hora, mas
até que as ideias fluíram bem (Aluna 4).
O uso de vídeo na sala de aula estimula a capacidade narrativa dos alunos. A produção de pequenos roteiros estimula a criatividade e a organização lógica de ideias. Apresento um exemplo
de roteiro produzido na oficina:
[vamos] começar filmando a secretária na mesa de uma sala de
computação. Depois a filmagem seguirá para a porta se abrindo
e um aluno entrando, este sendo representado pelo nosso colega [...], a câmera dará um zoom no [...] assinando o livro de
presença da secretaria. Nesse momento, a [...] também minha
colega que está comandando a câmera, se afastará para que eu
(secretária) e [...] fique enquadrado no vídeo. Depois, eu me
retiro da sala, o [...] levanta vai até a porta olha se realmente eu
sai e volta para o computador. Nesse momento, dá um close na
tela do computador entrando no facebook depois vai mudando
a câmera para um cartaz dando um zoom, onde está informando: proibido acessar redes sociais (Aluna 4).
Um gosto de sol
Existe um recurso, em alguns vídeos a que assistimos pela
148 |
internet, que nos mostra trechos de outros episódios, enquanto
são apresentados os créditos do vídeo a que acabamos de assistir.
É este o nosso objetivo nesta sessão.
Apesar da existência da lei que proíbe o uso do celular na
sala de aula, esse aparelho está ao alcance da mão de qualquer
pessoa em idade escolar. Mesmo proibido, o celular está dentro
da sala de aula e é usado. Qualquer visita e observação mais delongada, feita na escola, constatará que é bastante difícil afastar o
celular dos corpos dos estudantes. Então, em vez de cobrir a questão da presença e do uso do celular nas escolas atrás de uma puída
cortina de hipocrisia (travestida em lei), não seria mais produtivo
para todos (escola, professores e alunos) inventar novas formas
de uso para esse tão poderoso aparelhozinho? A mudança de postura em relação à presença do celular nas salas de aula é urgente.
E talvez definidora de novas relações de aprendizagem.
Em vez de ponte para a fuga do aluno, o celular pode potencializar a aprendizagem em qualquer disciplina escolar. Basta
para isso abertura para o diálogo, uma atitude sincera e responsável por parte de todos os envolvidos.
Vejamos o que disseram alguns futuros professores, após
participarem da oficina do Projeto Câmera Cotidiana:
Eu aprendi que com uma câmera de celular podemos fazer
muitas coisas, que para mim o celular não tinha uma boa utilidade, dentro de uma sala de aula [...] É algo muito novo pra
mim que não tenho muito contato com esse mundo virtual...
tentando colocar o vídeo no youtube, fazendo um login e uma
senha para poder ter acesso (Aluna 1).
Percebo que é possível sim utilizar o celular em sala de aula. Tenho
certeza de que os alunos vão gostar bastante dessa oficina. Estão
surgindo várias ideias para todos nós (Aluna 2).
Hoje encerra o projeto e para isso vamos aprender a editar vídeos, cada um com o que já tem, ou gravou ontem. Já comecei
errando, não consegui de forma alguma mandar meu vídeo do
celular para o computador. Ótimo, desisti e fui fazer com a [...]
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 149
e a [...]. Primeiro aprendemos a adicionar os vídeos na barra.
Depois fazer título, alterná-los, acho que é isso mesmo. Assistimos vídeos novos para aprender a fazer animação, adicionar
som. Foi bom, mas estou com medo de chegar no dia do projeto
e não conseguir fazer nada, ainda mais que os alunos são todos
pequenos (Aluna 4).
Há uma música39 da década de 1980 que recentemente emprestou seu nome para o título de um documentário40 sobre alguns
dilemas das escolas brasileiras. O filme apresenta estudantes de diferentes realidades educacionais. Tangencia o fosso produzido na
educação em decorrência da concentração de renda em nossa sociedade. Processo esse que tornou tão distantes as escolas públicas
das particulares. Tal fosso encastelou a elite, protegendo-a na situação de protagonista das principais questões do país. De outro lado,
o fosso solapou o restante da população, condenando-a a trabalhar
por salários minguantes. Convido o leitor a conhecer ambas as criações: veja o filme, ouça a música e venha comigo para construirmos
o fim deste texto (não, necessariamente, nessa mesma ordem).
“Me dê de presente teu bis”
A cada dia, o trabalho do professor é menos valorizado socialmente. As licenciaturas estão em crise em todo o país: vagas
ociosas, cursos sem demandas, formação profissional vazia de
sentido (e de pessoas verdadeiramente interessadas). Nesse cenário, as condições de trabalho se tornam cada vez mais difíceis. As
perdas salariais não compensam os desgastes emocionais enfrentados a cada dia. Indisciplina, violência (verbal e física), desinteresse, desilusão geral... O mal estar da civilização somatizou-se no
39 Pro dia nascer feliz é a sétima faixa do disco “Barão Vermelho 2”, lançado em 1983,
pela Som Livre. A música foi composta por Frejat e Cazuza.
40 Pro dia nascer feliz, dirigido por João Jardim, em 2006.
150 |
útero de sua principal instituição: a escola.
Diante desse cenário escatológico, paradoxalmente, a escola
ainda se mantém como uma das maiores instituições da sociedade
moderna. Tão forte quanto inerte. Tão grande quanto ignorada. Claro que esse maltrato favorece (e enriquece) uma meia dúzia de gente.
Numa sociedade historicamente autoritária como a nossa,
onde o estado de direito e a equidade social são valores distantes
da vida prática, a escola é uma das poucas aliadas que temos para
construir um futuro mais justo e feliz. É sempre preciso lembrar:
ela é descuidada, porque poderosa; maltratada, porque decisiva.
Enfrentemos o dilema da escola no Brasil! Embalados no ritmo,
sigamos empurrados pelos riffs da guitarra da canção jovial.
Não podemos deixar que a “insônia” do nosso tempo faça
“tudo ficar infinito”. Nadar contra a corrente é cansativo, mas
exercita nossos corpos. O enrijecimento também nos traz a consciência corporal da nossa força e potência. O enfrentamento deixa nossos músculos retesados. Prontos, tanto para a luta, quanto
para o amor.
“Nadando contra a corrente” de todos esses processos excludentes, mais que nunca, é a hora de fazermos da aula uma experiência exitosa e substantiva para a formação da criança e do
adolescente: “todo dia é dia”, nos lembra a canção. A escola precisa
fazer sentido na vida dos alunos e o celular é apenas uma das formas de manter a comunicação com essa geração Z.
O nosso lugar de fala (e de existência) é a escola, a partir da
qual levantaremos nossos corpos (“todo o músculo que sente”)
como nos versos esperançosos, cantados por um jovem músico
gay: “agora vam’bora / estamos, meu bem, por um triz / pro dia
nascer feliz / o mundo acordar”.
Referências
COSTA, Antônio. Compreender o cinema. Rio de Janeiro: Globo, 1987.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 151
FRACTAL FILMES. Circuito Câmera Cotidiana [Vídeo institucional
do projeto]. Disponível em www.cameracotidiana.com.br Acessado em
13/10/2013.
ODIN, Roger. A abordagem da linguagem das imagens. In: GARDIES,
René (Org.). Compreender o cinema e as imagens. Lisboa: Edições Texto
e Grafia, 2006.
PROJETO CÂMERA COTIDIANA. Apostila. Goiânia: Fractal Filmes,
2013.
PORTAL Tela Brasil. Disponível em http://www.telabr.com.br/em-salade-aula Acessado em 31/10/2013.
152 |
INCLUSÃO DIGITAL E POSSIBLIDADES DE ENSINAR/
APRENDER: EXPERIÊNCIAS DE UM PROJETO DE EXTENSÃO COM PESSOAS ADULTAS
Flávia Valéria C. Braga Melo,
Diórgenes dos Santos
Junielson Dias Barbosa
Introdução
E
ste texto pretende discutir a questão da exclusão de pessoas,
em geral, especialmente acima dos quarenta anos de idade,
do mundo digital e do mundo do trabalho informatizado. O tema
em questão refere-se ao Projeto de Extensão realizado no Campus de Aparecida de Goiânia, da Universidade Estadual de Goiás
(UEG), no ano de 2013, intitulado “Inclusão Digital e Assessoria de Emprego” para pessoas acima de quarenta anos de idade.
O objetivo foi o de oferecer curso de informática básica, palestras
e assessoria, no intuito de auxiliar o público alvo na recolocação
no mercado de trabalho, visando, assim, a qualificação destas pessoas a fim de que sejam aumentadas as oportunidades de gozar de
melhores condições de vida.
Incialmente, este artigo aborda o mundo do trabalho globalizado e competitivo, além da necessidade do conhecimento sobre informática básica para se obter qualificação profissional. Ao
mesmo tempo, busca-se apresentar as principais dificuldades dos
brasileiros com idade madura para conseguir emprego, quando
esses fazem parte do grupo de trabalhadores sem qualificação.
Haverá, ainda, sob a forma de relato, a descrição de algumas
experiências de ensino e aprendizagem vivenciadas no Projeto
de Extensão, no sentido de expor algumas dificuldades e êxitos
que foram percebidos pelos acadêmicos extensionistas no decorrer das aulas e palestras à comunidade convidada. Assim, o artigo
153
154 |
discorre sobre a execução e trajetória dessas aulas, pelo desejo de
se obter respostas para uma variedade de questões que aguçaram
a curiosidade dos acadêmicos que, mesmo antes do projeto se encerrar, começaram a buscar respostas e novas discussões.
Novas tecnologias e exclusão digital
Há, no país, um significativo número de pessoas sem acesso
digital. Apesar de a pesquisa não ser recente, mas apenas para termos uma ideia, de acordo com divulgação da UNESCO (2008),
mais da metade dos brasileiros (54,4%) nunca havia usado um
computador. Menos de 20% tinha o equipamento em casa e
apenas 14,5% dos domicílios com computador estavam ligados
à rede mundial. Estes são os dados apresentados pela Pesquisa
sobre o Uso Domiciliar das Tecnologias de Informação e Comunicação – a chamada TIC Domicílios – realizada pelo Instituto
Ipsos Opinion, a pedido do Comitê Gestor da Internet (CGI) em
2005 e 2006.
Promover e tornar acessíveis as novas tecnologias representa um dos objetivos da Organização das Nações Unidas (ONU),
para o desenvolvimento e bem-estar dos povos no século XXI.
A ONU estabeleceu oito metas (até o ano de 2015) que visam
erradicar a pobreza extrema e amenizar problemas sociais graves,
como fome, incidência de doenças, analfabetismo, dentre outros.
Assim, a inclusão digital faz parte do oitavo objetivo estabelecido
como Meta para o Milênio, que é: “avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, previsível e não
discriminatório [...], tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial de informação e de comunicações.” (ONU,
2013, página digital).
A acessibilidade na internet é uma das formas de garantir
a cidadania das pessoas. De acordo com o Programa Nacional de
Inclusão Social (BRASIL, 2013, página digital),
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 155
[...] a inclusão digital é um dos caminhos para atingir a inclusão
social. Por meio dela, as camadas mais carentes da população podem se beneficiar com novas ferramentas para obter e disseminar
conhecimento, além de ter acesso ao lazer, à cultura e melhores
oportunidades no mercado de trabalho.
De acordo com Viana (2009), a informatização dos serviços
sociais é uma consequência crescente do capitalismo em expansão.
Assim, a informatização amplia a camada de trabalhadores que
já passaram pelo processo de inclusão digital, que exige cada vez
mais a incorporação do saber técnico no processo produtivo, embora esteja contribuindo para a produção de mais-valor capitalista.
De acordo com Cantú (2003), para alcançar a qualificação
por meio da educação profissionalizante, o Brasil tem se apoiado
no engajamento institucional de algumas entidades públicas e privadas, visando uma efetiva oferta de formação profissional, com
o intuito de desenvolver a massa de trabalhadores aptos às novas
tecnologias e demandas organizacionais.
Ainda, a autora explica que a preocupação com a qualificação profissional faz parte do sindicalismo brasileiro desde os
anos 1990. Dentre elas, estão elencadas: formação continuada
para trabalhadores desempregados; iniciativas de reciclagem de
trabalhadores; cursos técnicos para filhos e associados abertos à
comunidade; cursos de formação profissional para a população
adulta de baixa renda; alfabetização de jovens e adultos e, ainda,
formação profissional de dirigentes.
Para fazer comparação entre o tempo de escolaridade dos
brasileiros e o acesso digital, tem-se o levantamento do IBGE
(2010) que aponta que o nível de instrução dos usuários da Internet foi, acentuadamente, mais elevado que o das pessoas que
não utilizaram esta rede. O número médio de anos de estudo dos
usuários da Internet foi de 10,7 anos, enquanto o das pessoas que
não utilizaram esta rede ficou em 5,6 anos. Observa-se, portanto,
que quanto maior o tempo de escolaridade dos brasileiros, maior
156 |
o acesso à internet. Logo, a escolaridade de uma pessoa está intrinsecamente vinculada ao conhecimento, habilitação para o
mercado de trabalho, capacidade de dominar as ferramentas da
informática e o aumento da perspectiva de vida do indivíduo em
relação ao futuro.
Embora certas dificuldades de trabalho e qualificação profissional façam parte daquelas pessoas consideradas maduras,
numa faixa etária acima de quarenta anos de idade, um estudo
realizado pelo Ministério da Previdência (BRASIL, 2008) observou que o emprego com carteira assinada aumentou nas duas
pontas: entre os mais jovens e os que têm acima de 50 anos. O
levantamento sugere que houve uma mudança no comportamento das empresas: em 2007, houve um crescimento do número de
jovens que conseguiram o primeiro emprego e de trabalhadores
com mais de cinquenta anos que voltaram ao mercado de trabalho formal. Entre as pessoas que tinham entre dezesseis e dezenove anos, foram contratados quase 1,9 milhão de jovens, um
aumento de 20,54% em relação a 2006. Entre os trabalhadores
com mais de cinquenta anos, o maior crescimento foi na faixa dos
cinquenta e cinco aos cinquenta e nove anos: mais de 2,1 milhões
de pessoas conseguiram emprego, 11% acima do ano anterior.
Isto aponta que há mais vagas de emprego no Brasil para pessoas
mais maduras do que antes. Este levantamento sugere, portanto, que é possível aumentar esse percentual de pessoas adultas e
não mais consideradas jovens, no mercado de trabalho, se estas
pessoas fossem mais qualificadas. E, ainda, supõe que boa parte
destas pessoas encontra-se fora do mercado em decorrência de
fatores, como: idade, baixa escolaridade, exclusão digital, longo
período de desemprego e dificuldades financeiras em procurar
qualificação profissional.
Segundo o IBGE (2010), a maioria dos profissionais brasileiros tem entre vinte e cinco a quarenta e nove anos de idade, o
que compõe 62,5% dos trabalhadores no país. A pesquisa revelou,
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 157
também, que o mercado brasileiro registrou aumento de profissionais com cinquenta anos ou mais, representando um grupo de
21,5 % do total de pessoas que trabalham.
Segundo Malaquias (2003), hoje, “navegar” é imprescindível, sobretudo, dominar as tecnologias de informação. Sem embargos, informação é poder. O analfabetismo digital é um grande
fator de exclusão, que resulta em sérias implicações sociais, políticas, jurídicas e econômicas. Logo, a inserção de um público,
que até certo ponto possui pouca ou nenhuma afinidade com o
mundo virtual, é algo que atualmente se faz extremamente necessário, para sua integração junto à sociedade em nível pessoal
e profissional.
As pessoas da terceira idade necessitam de um tempo
maior e seguem um ritmo mais lento para aprender a manipular
e assimilar os mecanismos de funcionamento desses artefatos
(KACHAR, 2003). Sendo assim, ao propiciarmos um ambiente
amigável, onde possam se sentir seguros, permitimos que eles
se familiarizem e consigam ampliar seus horizontes, com relação a este novo mundo. Ainda, segundo Kachar (2003), o uso
dessa ferramenta permite a pessoas com mais idade, uma melhora das condições de interação social e estímulo à atividade
mental.
Malaquias (2003) afirma que nosso país não pode perder
essa chance histórica e singular que é a de se desenvolver, concomitantemente, com o desenrolar da revolução da Informática.
De forma que se faz necessário, consequentemente, que seja dada
a oportunidade de acesso aos brasileiros à educação, visando a
inclusão digital, no sentido que de só assim haverá o exercício
democrático da cidadania plena. É a partir desta perspectiva que
desenvolvemos o projeto de extensão, aqui apresentado, assim
como, discutimos e refletimos, criticamente, sobre a inclusão
digital entre adultos. A seguir, são dispostas informações mais
especificadas sobre o projeto.
158 |
Descrição sobre a experiência do projeto de extensão
O avanço da tecnologia cresce a cada dia e a ausência desse
conhecimento nos deixa alheios ao mundo digital e globalizado.
Segundo Carreazo (2010), a tecnologia é uma necessidade absoluta; dela não podemos escapar. Ela tem um papel muito grande
na maioria dos aspectos de nossas vidas. Em outras palavras, ela
responde a maioria dos problemas da humanidade. A importância
da tecnologia está, de forma geral, apontando para maior conforto
de utilização em qualquer forma. Ela, comumente, orienta para a
facilidade na vida.
Nesse sentido, o conhecimento da informática se tornou
algo indispensável, tanto para atender às necessidades do mercado de trabalho, quanto para atender às necessidades pessoais.
Porém, a falta do conhecimento da informática na educação fez
com que parte da população brasileira chegasse à fase adulta ou
madura, sem ao menos “tocar” em um computador. Pensando
neste desafio, na tentativa de inserir pelo menos uma pequena
parte desta população no mundo da tecnologia, o projeto foi
planejado.
Inicialmente, é importante descrever algumas informações
relevantes sobre o Projeto de Extensão “Inclusão Digital e Assessoria de Emprego”. Com a finalidade de promover inclusão digital
e assessoria de emprego para pessoas a partir de quarenta anos de
idade, ele possui a participação de 11 acadêmicos extensionistas,
pertencentes aos cursos de Administração de Empresas e Ciências Contábeis do Campus de Aparecida de Goiânia e assiste um
total de 18 pessoas da comunidade, com apenas duas desistências
ao longo do semestre. Iniciado em setembro de 2013, o projeto
ocorre duas vezes na semana, com carga horária de 2h/a por dia,
no período vespertino. Os encontros são intercalados: uma aula
de informática básica e na outra ocorre uma assessoria de emprego (com palestras sobre empregabilidade, dicas e noções de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 159
como procurar emprego e nele se manter). Por esse motivo, os
acadêmicos extensionistas dividem-se em duas equipes e fazem
revezamento entre as aulas, embora boa parte desses alunos tenha
optado pela participação e atuação nos dois encontros semanais,
situação gerada pelo envolvimento ativo deles no projeto e pela
percepção da necessidade da presença de um grupo maior de monitores para alcançar a demanda dos aprendizes.
São os próprios acadêmicos que, na condição de monitores,
fazem a pesquisa bibliográfica, elaboram as aulas, criam os slides,
organizam teatros e dinâmicas motivacionais e preparam o lanche
nos intervalos das aulas (a intenção do café com biscoitos é de
promover um ambiente mais acolhedor para aliviar a tensão no
momento do aprendizado).
Observou-se, durante as aulas que já foram ministradas,
uma grande dificuldade entre as pessoas que estão aprendendo
informática básica: muitas delas não sabiam sequer ligar um computador e chegaram a relatar que nunca haviam feito isso anteriormente. Foram detectadas algumas dificuldades consideradas
simples, tais como: manusear o mouse, posicionar as mãos no teclado, minimizar ou fechar um arquivo que esteja sendo utilizado,
etc. A necessidade de acompanhamento destas pessoas de forma
individualizada era e ainda continua sendo constante. Dentre os
membros da comunidade que participam do projeto, estão pessoas com idade acima de sessenta anos, que embora possuam muita dificuldade, não demonstram resistência em aprender. E por
isso, para alcançar a aprendizagem de todos, os monitores realizam sucessivas pausas até que todos confirmem que conseguiram
executar a atividade sugerida e, ainda, algumas atividades ficam
pendentes para a próxima aula.
Todavia, o declínio de algumas atividades não inviabiliza a apropriação e o domínio do recurso tecnológico, mas exige
um contexto educacional específico que atenda às condições de
aprender sobre a máquina e por meio dela explorar outras possi-
160 |
bilidades de desenvolvimento do indivíduo. As pesquisas sobre a
aprendizagem e utilização do computador, por idosos, no Brasil,
são ainda escassas, por isso a metodologia de ensino e aprendizagem específica, para eles, apresenta muitos aspectos ainda a serem
estudados (KACHAR, 2003).
As pessoas com uma maior idade, como é o caso de nossos
alunos, apresentam uma maior dificuldade com relação ao manuseio, visualização e memorização das informações que dizem
respeito ao computador. Porém, o ambiente que é proporcionado
durante as aulas permite uma interação entre os alunos e o estabelecimento de uma amizade entre eles e os tutores. Assim sendo, as
dificuldades que foram apresentadas ao longo do tempo acabaram
diminuídas ou até sanadas.
Entretanto, alguns autores salientam a necessidade de se
planificar propostas metodológicas direcionadas para a população idosa, tendo em atenção o seu processo cognitivo, o ritmo
que é mais lento, os recursos que se tornam mais limitados e as
restrições sensoriais próprias do envelhecimento. Mais especificamente, no que concerne ao ensino das TIC (Tecnologias da
Informação e Comunicação) a idosos, é necessário promover um
ambiente de aprendizagem próprio para os indivíduos em questão, que passa pela criação de uma interação com a máquina de
acordo com as suas necessidades e condições físicas (PEREIRA;
NEVES, 2011).
Foi criado um ambiente onde podemos corroborar para a
diminuição das dificuldades dos alunos e também foi elaborada
uma metodologia de ensino participativa e com uma interação
aluno-professor muito grande, de modo que conseguimos trazer
uma segurança aos alunos, para apresentarem suas dificuldades
e aceitarem nosso auxilio. Observou-se que, durante o semestre,
a assiduidade e envolvimento dos acadêmicos, no projeto, foram
acima do esperado. Dentre alguns relatos feitos pelos alunos monitores, podemos mencionar:
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 161
[...] fui um dos primeiros acadêmicos a fazer a inscrição neste
projeto, confesso que me inscrevi com muita insegurança pois
sempre fui tímido, calado, nunca fui de interagir com pessoas
que não conhecia. [...] posso afirmar que este projeto também
mudou a minha vida, no sentido de me ajudar a falar em púbico,
hoje consigo falar com segurança com as pessoas que estão
olhando para mim. [...] Me sinto honrado de fazer parte deste
projeto, fico realizado de ver estas pessoas com o sorriso no
rosto pela satisfação de aprender algo novo, isso não tem preço,
este projeto da professora me fez perceber que podemos mudar
o mundo algum dia. (Relato do acadêmico JFP no dia 13 de
dezembro de 2013, atua como monitor do Projeto de Extensão
Inclusão Digital e Assessoria de Emprego).
O projeto de extensão – Inclusão Digital é uma experiência que levarei comigo para a vida toda. Não sabíamos que ajudar as pessoas é tão bom, o mais legal é que são coisas simples que modificam
a vida das pessoas. [...] O projeto ajudou os acadêmicos da universidade a se desenvolverem na apresentação em público e no diálogo com as pessoas. E, sem contar que ajudamos a população que
nunca nem teve contato com o computador a manuseá-lo apesar
das dificuldades por ser o primeiro contato com o mesmo. Mais
que no final deu tudo certo e os alunos adoram sentar em frente
o computador e usá-lo. Foi uma coisa tão interessante, que nunca
tinha vivenciado. No percorrer das aulas criamos muito afeto e
carinho uns pelos outros, isso foi incrível a relação entre aluno e
professor em sala de aula motiva nós acadêmicos participantes do
projeto e aos alunos da região que estão aprendendo de forma básica a mexer e manusear um computador. [...]. (Relato da acadêmica LX no dia 15 de dezembro de 2013, atua como monitora do
Projeto de Extensão Inclusão Digital e Assessoria de Emprego).
Em adição, a utilização de computadores e das tecnologias
de informação e comunicação a eles agregados abrem uma nova
perspectiva de resgate e inclusão social, por contribuírem para o
aumento da autoestima das pessoas idosas, pois, além de ampliar
os horizontes da comunicação, aumenta sua interação social e independência, como também a legitimação do idoso como cidadão crítico e reflexivo. (SALES; XAVIER; BAYER, 2003).
Com o projeto, pretendia-se trazer um novo leque de informações aos alunos que, agora, têm um maior conhecimento sobre
162 |
essas novas tecnologias e podem se inserir de uma maneira mais
acentuada nesse novo ambiente. Permite-se, assim, um aumento
da interação social com os demais usuários da rede, pois se tornaram mais independentes com relação ao manuseio da máquina.
Assim, possibilitando às pessoas que fazem parte de uma
faixa etária mais madura, meios de se familiarizam com as novas
tecnologias, estima-se que consigam acompanhá-las. Podemos,
então, demonstrar esses mecanismos de uma forma participativa e
acolhedora, transformando e dando novos horizontes aos alunos.
Considerações finais
Embora o desemprego seja um fator preocupante para todas
as faixas etárias, ele é mais grave entre as pessoas que já passaram
dos 40 anos de idade. Entretanto, adequadamente preparadas, as
pessoas desempregadas que se encontram no universo da faixa
etária proposta, certamente terão reduzido o tempo de desemprego. É sabido que sem a devida qualificação, elas possuem um tempo maior que aquelas consideradas jovens para conseguir um novo
trabalho. Por este motivo, é que emerge a necessidade de viabilizar,
o mais rápido possível, oportunidade de trabalho a essas pessoas.
É indubitável que, mesmo em proporção pequena, este projeto esteja alcançando essa possibilidade. Por isso é que a extensão numa
Instituição de Ensino Superior é considerada um de seus pilares.
Tem-se observado maior autonomia dos alunos inscritos,
não somente no uso do computador, como também no manuseio
de caixas eletrônicos, celulares e outros aparelhos eletrônicos. Assim, a experiência do projeto faz-se satisfatória. Essa autonomia
é libertadora, gera sentimento de pertencimento à sociedade em
sua era pós-moderna e torna a ação extensionista relevante.
Os relatos deixados neste texto não são conclusivos, por
isso, ficam as considerações de que a inclusão digital é necessária
e viável e, principalmente, desejada por aqueles que não se sentem
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 163
aptos a manusear uma simples operação num computador. Por
isso, fica, aqui, a descrição de alguns relatos e discussões, como
possibilidade de reflexões, sugestões, mudanças e retomadas de
posições.
Referências
BRASIL. Ministério da Previdência. 2008. Disponível em: http://www.
mpas.gov.br/buscaGeral.php. Acesso em: 15 abr. 2013.
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gov.br/sobre/educacao/acesso-a-bibliotecas-publicas-na-rede. Acesso
em 01 mai. 2013.
CANTÚ, Margarete. Qualificação profissional, inserção, reinserção e
permanência no mercado de trabalho: os egressos do programa Integrar.
UFRS: 2003. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/2057/000363361.pdf?sequence=1. Acesso em: 02 mai. 2013.
CARREAZO, Diana Isabel. A importância da tecnologia em nossas vidas.
2010. Disponível em: <http://looscarvalho.blogspot.com.br/2010/10/
importancia-da-tecnologia-em-nossa-vida.html >. Acesso em: 05 dez
2013.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=987. Acesso em: 19 abr. 2013.
KACHAR, Vitória. Terceira idade e Informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003.
MALAQUIAS, Bruno Pires. O analfabetismo digital. Disponível em:
<http://www.ibdi.org.br/site/artigos.php?id=159>. 2003. Acesso em: 05
dez 2013.
164 |
ONU. Organização das Nações Unidas. Disponível em: http://www.onu.
org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-desenvolvimento/.
Acesso em: 21 mai. 2013.
PEREIRA, Cláudia; NEVES, Rui. Os idosos e as TIC – competências
de comunicação e qualidade de vida. Revista Kairós Gerontologia, São
Paulo, v. 14, n. 1, p. 05-26, mar. 2011.
SALES, Márcia Barros; XAVIER, André; BAYER, J. Metáfora e dinâmicas de grupo em oficina de internet para idosos. In: Conferência Ibero-Americana www/Internet. Algarve/Portugal, 2003, p. 175-178.
UNESCO. Tecnologia, informação e inclusão. 2008. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001585/158502por.pdf. Acesso
em: 15 out. 2013.
VIANA, Nildo. O capitalismo na era da acumulação integral. Aparecida,
SP: Editora Santuário, 2009.
A UTILIZAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO: MARCADOR
TRIGONOMÉTRICO NA APRENDIZAGEM DE CONCEITOS
E PROPRIEDADES DE TRIGONOMETRIA
EM ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA41
Marcelo Henrique Belonsi
Estela Mara Cruz
Rogério Marques Nunes
Introdução
P
ara facilitar a compreensão dos conceitos, muitas vezes faz-se
importante levar em consideração a necessidade de utilização
de tais conceitos no desenvolvimento científico natural, entender
sua aplicação no cotidiano, compreendendo seu papel histórico
na evolução da humanidade.
Assim, as teorias são construídas, em geral, a partir de conceitos já presentes nas teorias existentes, segundo Boyer (2010, p.
193) que, em seu livro, cita uma frase que Issac Newton escreveu a
seu contemporâneo Robert Hooke “[...] se eu enxerguei mais longe que Descartes é porque me sustentei sobre ombros de gigantes”.
Newton associa o seu desenvolvimento e as descobertas teóricas
graças às teorias e conceitos pré-existentes à sua época.
Nesse sentido, busca-se refinar as técnicas e/ou ferramentas
metodológicas com a finalidade de que o estudante sinta a necessidade e o prazer de assimilar e dominar os conteúdos e técnicas
relacionados, traçando um paralelo com nossas necessidades fisiológicas, assim buscamos nos alimentar para garantir as necessidades energéticas diárias para manutenção da sobrevivência. Nesse
mesmo sentido, deseja-se que os alunos busquem pelos meios de
41 Este artigo foi produzido a partir dos resultados de experimentação de projeto de
extensão desenvolvido no ano de 2012 junto à Pró Reitoria de Extensão da Universidade Estadual de Goiás.
165
166 |
alimentar os anseios da construção do autoconhecimento. Dessa
forma, os operadores da educação devem estar numa contínua e
crescente busca de novos e aprimorados recursos facilitadores necessários ao aprendizado.
Na teoria piagetiana, o sujeito (aluno) é um ser ativo que
estabelece relação de troca com o meio-objeto (físico, pessoa, conhecimento) num sistema de relações vivenciadas e significativas,
uma vez que este é resultado de ações do indivíduo sobre o meio
em que vive, adquirindo significação ao ser humano quando o conhecimento é inserido em uma estrutura, denominando-se a isto
de assimilação (PIAGET, 1999).
Nessa perspectiva, a aprendizagem desse sujeito ativo exige sempre atividades organizadoras na interação estabelecida entre ele e o conteúdo a ser aprendido, além de estar vinculada sua
aprendizagem ao grau de desenvolvimento já alcançado. Na busca
da excelência no processo de ensino-aprendizagem, esta é uma temática fundamental em padrões de ensino nos dias atuais; sabe-se
que este é um processo de aprimoramento. Assim sendo, deve ser
tratado de forma contínua, gradativa e permanente. Dessa forma,
busca-se contribuir para com as metodologias já desenvolvidas e
amplamente disseminadas no que diz respeito ao tema abordado.
Por outro lado, a matemática, quando tratada de forma contextualizada e por meio de ferramentas e/ou materiais didáticos
adequados, torna-se prazerosa e eficiente, pois possibilita a experimentação e a estruturação do pensamento lógico, garantindo
o aparecimento dos elementos esseciais de uma aprendizagem
de qualidade, pois, segundo Freire (1996, p. 52): “Ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
própria produção ou a construção”.
Nessa direção, cabe ao professor, enquanto organizador e
facilitador da aprendizagem, buscar alternativas e meios diferentes de ensino, propiciando uma readequação das práticas pedagógicas, de forma a superar as dificuldades de aprendizagem apre-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 167
sentadas pelos alunos.
Diante disso, a assimilação do conteúdo, por parte do aprendiz,
dá-se em melhor qualidade e intensidade quando o aprendiz se
coloca em uma posição de protagonista no processo de ensinoaprendizagem. Dessa forma, este processo, além de estar vinculado
ao grau de aprendizado já alcançado, propicia sempre uma atividade
de interação entre o aprendiz e o conteúdo a ser compreendido.
Intensionando-se buscar as condições para que o aprendiz
seja um sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem, contrastando com a condição passiva, ou como sujeito coadjuvante neste processo, este trabalho busca promover um material didático,
com fins de manipulação e experimentação, estimulante necessário para que o aprendiz sinta disposição e interesse pelo conteúdo
de trigonometria a ser abordado:
Os professores devem promover a educação participativa. Os
alunos devem ser estimulados de todas as maneiras a deixarem de ser espectadores passivos que se sentam em suas carteiras e ouvem inerte a transmissão do conhecimento. Esse
tipo de passividade esmaga a criatividade, a liberdade e o espírito empreendedor (CURY, 2007, p. 62).
Corroborando com o exposto, projeta-se este material como
um meio facilitador na aquisição e assimilação dos conceitos e/
ou propriedades inerentes ao conteúdo de trigonometria, pois foi
pensado de forma em que este seja capaz de lidar com o aspecto
analógico da marcação de ângulos e não apenas de representação
discretas dos mesmos, desdobrando-se na continuidade das funções seno e cosseno, facilitando, assim, a visualização por meio
da manipulação experimental, e, enquanto ferramenta, tornando
possível a visualização e organização do raciocínio lógico abstrato, tanto na contextualização da resolução de problemas, quanto
na resolução de exercícios de fixação.
Um pouco de história
168 |
A Trigonometria, assim como outras áreas da matemática,
não foi criada por uma só pessoa ou por um só povo. Não se sabe,
precisamente, ou sabe-se muito pouco sobre sua origem. Alguns
livros atribuem os primeiros relatos associados aos conteúdos trigonométricos à matemática grega.
A origem do aparecimento dos tratados envolvendo trigonometria é incerta. No entanto, as primeiras evidências de seu desenvolvimento remonta aos séculos IV e V a.C. Tais evidências podem ser
observadas e constatadas nos trabalhos desenvolvidos, principalmente, pelos egípcios e babilônicos, quando estes se dispuseram a resolver
seus problemas relacionados à Astronomia, Agrimensura e Navegações. Nesse mesmo sentido, podem-se encontrar problemas envolvendo a cotangente no Papiro Rhind42 (Figura 1) e, também, uma notável
tábua de secantes representada em escrita cuneiforme babilônica, impressa na tableta, denominada Plimpton 32243 (Figura 2).
42 Papiro de Rhind ou papiro de Ahmes é um documento egípcio de cerca de 1650 a.C.,
quando um escriba, de nome Ahmes, detalha a solução de 85 problemas de aritmética, frações, cálculo de áreas, volumes, progressões, repartições proporcionais, regra
de três simples, equações lineares, trigonometria básica e geometria. É um dos mais
famosos antigos documentos matemáticos que chegaram aos dias de hoje, juntamente com o Papiro de Moscou. O nome Rhind é devido ao escocês Alexander Henry
Rhind que o adquiriu em 1858. Fonte: UL, 2013.
43Plimpton 322 é uma tableta de argila em escrita cuneiforme com registros da matemática babilônica. De aproximadamente meio milhão de tabletas de argila babilônicas escavadas desde o início do Século XIX, milhares são de natureza matemática.
Provavelmente o mais famoso destes exemplos de matemática babilônica seja a tableta Plimpton 322, referindo-se ao fato de ter o número 322 na coleção G.A. Plimpton
da Columbia University. Esta tableta, que se acredita ter sido escrita no Século XVIII
a.C., possui uma tabela de 4 colunas e 15 linhas de números em escrita cuneiforme
do período. Fonte: UBC, 2013.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 169
Figura 1 – Papirus Rhind.
Fonte: UL, 2013.
Figura 2 – Tableta Plimpton 322.
Fonte: UBC, 2013.
Por outro lado, a palavra trigonometria (do grego: trigos =
triângulo; metria = medida) significa medida das partes de um
triângulo. Dessa forma, pode-se perceber, por meio de relatos encontrados, que a trigonometria teve seu surgimento motivado por
problemas relacionados à Astronomia, tendo como foco os problemas relacionados à esfera temporal, bem como relatos que nos
mostram que alguns conceitos trigonométricos se fizeram necessários na resolução de problemas relacionados à Navegação e a Geografia. A princípio era feito um estudo da trigonometria esférica,
que estuda triângulos esféricos, isto é, os triângulos sobre a superfície de uma esfera.
É possível observar nos triângulos da trigonometria plana
que os lados são segmentos, diferente da trigonometria esférica,
onde eles são definidos por arcos. Assim, devido ao desenvolvimento da Mecânica e da Física, tornou-se necessário desenvolver partes da trigonometria plana, tendo sido esta a forma que
a trigonometria plana passou ao primeiro plano dos estudos da
Matemática.
170 |
Nesse sentido, encontram-se, também, relatos de que Euclides44 deixou sua contribuição ao desenvolvimento da trigonometria em seu tratado intitulado Os fenômenos. Neste tratado,
acredita-se que Euclides discorreu sobre a Geometria esférica
para fins de utilização dos astrônomos da época. Da mesma forma, percebem-se contribuições à trigonometria com Teodósio,
em seu livro sobre a esfera, bem como por Aristarco45, em seu
livro sobre as distâncias do sol e da lua e, posteriormente, com
os tratados de Apolônio46, donde se pode observar inúmeros estudos relevantes, dentre eles a apresentação de uma aproximação
melhor do valor da constante π (pi) em relação ao apresentado
por Arquimedes.
Por outro lado, uma boa parte dos autores considera Hi47
parco como sendo o fundador da astronomia científica e pai da
trigonometria, isso se deve ao fato de ter sido, ele o primeiro a
construir uma tabela trigonométrica, com valores de uma série de
ângulos, utilizando a idéia pioneira de Hipsicles48.
44Euclides de Alexandria foi um dos mais proeminentes matemáticos da Antiguidade.
É conhecido pelo seu tratado matemático - Os Elementos - que é a obra matemática
mais duradoura de todos os tempos, utilizada até os dias de hoje. Fonte: USP, 2012.
45Aristarco de Samos, astrônomo grego (310 a.C. – 230 a.C.) foi o primeiro cientista a
propor que a Terra gira em torno do Sol (sistema heliocêntrico) e que a Terra possui
movimento de rotação. Apenas uma obra sua é conhecida: Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua. Fonte: SOMATEMÁTICA, 2013.
46Apolônio de Perga (262 a.C. – 190 a.C.) nascido em Perga, cidade da Anatólia, atual
Turquia. Sua vocação para a Geometria foi digna de nota. Ele usava modelos geométricos para explicar a teoria planetária e deve-se a ele o modelo matemático favorito
da antiguidade para representação do movimento dos planetas. Fonte: USP, 2012.
47Hiparco de Nicéia, em grego Hipparkhos (190 a.C. – 120 a.C.), foi um astrônomo,
construtor, cartógrafo e matemático grego da escola de Alexandria nascido em 190
a.C. em Nicéia, na Bitínia, hoje Iznik, na Turquia. Viveu em Alexandria, sendo um
dos grandes representantes da Escola Alexandrina, do ponto de vista da contribuição
para a mecânica. Fonte: USP, 2012.
48Hipsicles de Alexandria (240 a.C. – 170 a.C) astrônomo e geômetra grego nascido
em Alexandria, Egito, especialista em estudos de sólidos regulares e suposto autor de
uma obra de astronomia, De ascensionibus. Fonte: USP, 2012.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 171
O que se sabe sobre Hiparco de Nicéia é devido a Ptolomeu49,
o qual menciona, em seus trabalhos, vários resultados de Hiparco
sobre Trigonometria e Astronomia. Outra fonte de informação sobre Hiparco aparece em algumas descrições de trabalhos de autores
gregos. Provavelmente, a divisão do círculo em 360° tenha sido originada por Hiparco através da sua tabela de cordas, inspirado no trabalho de Hipsicles que, baseado na Astronomia babilônica, dividiu
o dia em 360 partes. Logo após, tivemos a contribuição de Menelau50
de Alexandria com o livro Geometria Esférica e Cláudio Ptolomeu
em seu tratado sobre astronomia, denominado Almagesto.
Os árabes beneficiaram-se do desenvolvimento da trigonometria grega e hindu, porém deixaram, também, contribuições no
sentido de seu desenvolvimento e aprimoramento, quando estes
introduziram os conceitos associados à tangente, cotangente, secante e cossecante, no sentido de facilitar seus os cálculos.
Um elemento curioso é a forma de surgimento da representação da palavra seno para a palavra meia-corda. Esta última
utilizada pelos gregos em seus tratados sobre a trigonometria. Os
árabes traduziram inúmeros textos de trigonometria do sânscrito.
Assim, a partir do nome “ardha-jiva”, ou simplesmente “jiva” que
significava “meia-corda” foi transliterada pelos árabes por “jiba”,
como na língua árabe era comum escrever apenas as consoantes,
deixando que o leitor introduzisse mentalmente as vogais. Diante
disso, os árabes registraram em seus transcritos a palavra “jiba”
49Cláudio Ptolomeu ou Ptolomeu (90 - 168) nasceu em Ptolemaida Hermia, no Egito,
Ptolomeu foi o último dos grandes sábios gregos e procurou sintetizar o trabalho de alguns estudiosos da época. Fonte: E-BIOGRAFIAS/PORTAL DAS BIOGRAFIAS, 2013.
50Menelau de Alexandria (70 – 130) astrônomo e geômetra nascido em Alexandria,
Egito, que não só continuou os trabalhos de Hiparco em trigonometria, mas demonstrou interessantíssimo teorema, que leva o seu nome. Ardente defensor da geometria clássica e criador do tradicional teorema de Menelau, escreveu várias obras
de trigonometria e geometria. Suas principais obras foram Cordas em círculo, em
seis volumes, Elementos de geometria, com vários teoremas, e Sphaera, em três livros
sobre esféricos. Fonte: UFCG, 2013.
172 |
como “jb”, tendo esta sido entendida pelos tradutores em latim
pela palavra árabe “jaib” e, assim sendo traduzida pela palavra “sinus”, que em latim significa “baía” ou “enseada”.
A função tangente era conhecida como função sombra, a
qual continha conceitos associados às sombras projetadas por
uma vara colocada na vertical (Figura 3). A variação na elevação
do Sol causava uma variação no ângulo que os raios solares formavam com a vara e, portanto, modificava o tamanho da sombra.
Figura 3 - Ilustração de uma formação de sombra e penumbra a partir dos raios
solares. Organização: Marcelo H. Belonsi, 2013.
Em decorrência disso, a tangente e a cotangente tiveram sua
origem um pouco diferente daquelas relacionadas ao seno e cosseno. Diferentemente do que muitos pensam, a tangente e cotangente não originaram da decorrência direta entre as razões, entre
as funções seno e cosseno. Estas surgiram, assim como muitos
outros conceitos, como uma forma de solução a um problema ou
para justificarem algum conceito natural. Foram conceitos desen-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 173
volvidos juntos e não foram primeiramente associados a ângulos,
sendo importantes para o cálculo do comprimento da sombra
produzida por um objeto. Tal fenômeno também foi de suma importância na construção do relógio de sol. Tales de Mileto51 usou
os comprimentos das sombras para calcular as alturas das pirâmides através da semelhança de triângulos.
O ciclo trigonométrico (círculo trigonométrico)
Por círculo trigonométrico ou ciclo trigonométrico entende-se, de forma resumida, uma circunferência, cujo raio é unitário
(Figura 4). É possível observar uma divisão do plano em quatro
regiões denominadas quadrantes e representadas pelos algarismos romanos I, II, III e IV. Dessa forma, podemos observar, na
figura 4, a ilustração dos quatro quadrantes:
51 Tales de Mileto foi o primeiro matemático grego, nascido por volta do ano 640 e falecido
em 550 a.c., em Mileto, cidade da Ásia Menor. Tales foi incluído entre os sete sábios
da antiguidade. Estrangeiro rico e respeitável, o famoso Tales durante a sua estadia no
Egito estudou Astronomia e Geometria. Fonte: Instituto de Educação – Universidade
de Lisboa.
174 |
Figura 5 - Ciclo trigonométrico.
Figura 4 - Ciclo trigonométrico.
Organizador: Marcelo H. Belonsi, Organizador: Marcelo H. Belonsi,
2013.
2013.
Uma questão advinda dos estudantes quando se deparam
com o ciclo trigonométrico é a razão de trabalhar com um circulo
de raio unitário, muitas vezes indagando sobre o porquê de não
trabalhar com círculos de raio diferentes do unitário. Bem, a resposta é bem simples, conforme veremos sua justificativa a partir
da ilustração na figura 5: consideremos dois círculos concêntricos
de raios OA e OA’, respectivamente. Assim, projetando-se os pontos A e A’ sobre o eixo das abscissas, encontra-se os pontos B e B’,
respectivamente. A partir da construção realizada identificam-se
dois triângulos,
. Vejamos:
De acordo com a construção ilustrada na figura 5, é possível concluir que os triângulos e são semelhantes, critério de
semelhança (AAA). Logo, de acordo com a definição de semelhança de triângulos (ROCHA, 2012), escreve-se:
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 175
Dessa última equação, podemos escrever:
Por outro lado, de acordo com a definição de cosseno de um
ângulo em triângulos retângulos, podemos escrever que:
Dessa forma, o valor do cosseno de um ângulo é sempre o
mesmo, independentemente do comprimento do raio da circunferência. Então, para facilitar os cálculos, toma-se para o circulo
trigonométrico a circunferência de raio unitário.
A construção do marcador trigonométrico
Antes de adentramos no tocante ao desenvolvimento propriamente dito, vale esclarecer o processo de elaboração e contrução do protótipo do material didático para fins de sua utilização
como ferramental de auxílio ao estudos de trigonometria. Assim,
para o desenvolvimento das ações práticas, foi necessário procedermos a elaboração e confecção de um material didático para fins
de estímulo e facilitador do estudo do conteúdo de trigonometria.
Tal material foi denominado Marcador Trigonométrico. Assim,
este vislumbra ser um ferramental facilitador na compreenção dos
conceitos e propriedades inerentes aos conteúdos trigonométricos.
Dessa forma, para desenvolver tal ferramenta, utilizou-se
um circulo, em madeira, com diâmtero igual a 30 cm, onde realizou-se um furo em seu centro, conforme podemos observar na
176 |
figura 6. Construiu-se, também, três varetas, onde, uma serviria
como ponteiro marcador do ângulo e as outras duas como identificador dos valores do seno e cosseno (Figura 7).
Figura 6 - Bandeja de metal cir- Figura 7 - Pseudo marcador trigonomécular.
trico.
Organizador: Marcelo H. Belonsi, Organizador: Marcelo H. Belonsi, 2013.
2013
Vale ressaltar que a presente construção teve por finalidade
auxiliar na construção do material didático em estrutura metálica, permeando seu manuseio e otimizando seu potencial didático.
Por motivos de melhor visualização, suprimiu-se a haste de identificação do valor do seno. De acordo como foi construído (Figura 8), ao se deslocar o ponteiro marcador de ângulo, de forma a
aumentar ou diminuir o ângulo, θ (téta), a vareta, em vermelho,
tende sempre a se manter na posição vertical. Dessa forma, é possível identificar o valor do cosseno, de um certo ângulo, sobre o
eixo horizontal, graduado com alguns valores pré-estabelecidos
entre 0 (zero) e 1 (um).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 177
Figura 8 - Foto do protótipo do marcador trigonométrico em madeira.
Organizador: Marcelo H. Belonsi, 2013.
Para estabelecer as marcações, usou-se o fato de que o ciclo
trigonométrico está dividido em quatro quadrantes e, da mesma
forma, o medidor trigonométrico, também, estará dividido em
quatro quadrantes (Figura 8). Como, a partir da construção o
medidor trigonométrico possui raio 15 cm, e, convencionalmente
utiliza-se o raio do ciclo trigonométrico de medida igual a 1 (uma
unidade). Dessa forma, estabeleceu-se uma relação no sentido de
unitarizar52 a unidade de medida do medidor trigonométrico. Assim, para uma melhor visualização, estabeleceram-se marcações
essenciais no sentido de facilitar a leitura e a determinação de alguns valores de arcos notáveis. Marcações essas que se fazem possível por meio de uma regra de três, simples.
Na figura 8, é possível observar a imagem de uma graduação
angular com marcação de 1 em 1 grau, iniciando em 00 (ou 0 rad)
até 3600 no sentido anti-horário. Após esse breve relato sobre a elaboração e construção do marcador trigonométrico faz-se necessá52 Unitarizar é o processo no qual se dá para a transformação de uma grandeza finita
em um intervalo de norma unitária.
178 |
rio, agora, transcrever um registro da aplicação do Marcador trigonométrico em uma escola de Ensino Básico município de Goiás.
Aplicação em sala de aula
Na oportunidade, vale dizer que tal instrumento foi aplicado
a duas turmas de matemática do segundo ano do ensino médio,
em momento ímpar, específico, onde se deu o início do desenvolvimento do conteúdo de trigonometria, conforme programado
no plano de curso do professor titular das turmas, momento este,
que se fez propício à aplicação do marcador trigonométrico por se
tratar de um momento onde não existe qualquer tipo de vício ou
espúrio advindo de uma forma metodológica de ensino-aprendizagem, diferente da que hora é apresentada.
Vale dizer que tal aplicação se deu por um período de duas
horas aulas, sendo a mesma iniciada por um breve diálogo histórico do surgimento da trigonometria, assim como foi levantado no
inicio deste trabalho, bem como uma breve revisão do conteúdo de
trigonometria em triângulos retângulos, conteúdo este tratado no
ensino fundamental. Dessa forma, em um segundo momento foi
apresentado o marcador trigonométrico aos alunos e então foi abordado o conteúdo de trigonometria com o material didático, na expectativa de que sua utilização despertasse nos educandos um estimulo à aprendizagem, facilitando, assim, a assimilação do conteúdo.
No sentido de melhor operacionalização do trabalho, solicitou-se dos aprendizes a organizarem-se em grupos de cinco
pessoas, onde cada grupo recebeu uma apostila, contendo uma
breve história do surgimento da trigonometria e algumas atividades para serem resolvidas, além de um Marcador trigonométrico com fins de manipulação para resolução das atividades
propostas.
Cada grupo se organizou de forma que seus membros pudessem fazer as manipulações necessárias no Marcador trigonométri-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 179
co, tendo como princípio transcender a compreensão da trigonometria por meio do exercício da manipulação via material didático.
Dessa forma, cada grupo, a seu contento, pode utilizar o
Marcador trigonométrico, com a finalidade direta ou indireta à
obtenção das respostas e soluções das atividades propostas, atividades estas que versavam sobre a determinação de ângulos, senos,
cossenos e tangentes de ângulos, esboço de gráficos, identificação
e prospecção de propriedades fundamentais, bem como resolução de exercícios e problemas de aplicações clássicos em provas
de concursos diversos. Vale ressaltar que o material possibilitou o
estudo dos conteúdos das funções trigonométricas inversas, evidenciando que, devido ao tempo escasso disponibilizado, tornouse exímio o tratamento de tal propriedade de conteúdo.
Nesse contexto, é importante ressaltar que tal metodologia
propiciou a observação e identificação de elementos de aprendizagem que, inicialmente, não foram objetos centrais de estudo, contudo, forneceram elementos importantes quanto à qualificação da
utilização do marcador trigonométrico. Dessa forma, a partir da
subdivisão dos aprendizes (em grupos) e da escolha (a critério do
próprio grupo) dos sujeitos responsáveis pela manipulação, com
fins de utilização do marcador trigonométrico, tornou-se evidente
e fundamental para a aprendizagem, pois se percebeu, de forma
não registral, mas, de forma observativa, o fato de que os aprendizes que tiveram maior contato com o material didático tiveram,
também, maior assimilação e um nível de compreensão de conteúdo mais apurado em relação aos aprendizes que não tiveram
ou tiveram pouco contato com o Marcador trigonométrico. Isso
se deve ao fato da posição de sujeito ativo ou passivo - como cada
aprendiz se portou frente ao estudo.
É importante destacar, ainda, a dificuldade inicial, por parte
dos estudantes, na manipulação efetivamente produtiva, ou seja,
manipulação em que o aprendiz consegue inferir a equalização do
conteúdo trabalhado no sentido de obter os elementos de solução
180 |
das atividades. Porém, tornou-se evidente a facilidade de resolução das atividades a partir do instante em que o grupo, em especial o aprendiz, adquiria, com o passar do tempo, as habilidades
manipulativas do Marcador trigonométrico.
Um indicativo que evidencia de forma qualitativa a aprendizagem pode ser expresso no comentário de um integrante da
experimentação, comentário este que se sucedeu de uma afirmação de que se fosse possível tal utilização, o quantitativo numérico da nota ocorreria na sua totalidade. Vale dizer que tal comentário foi corroborado pelos demais integrantes, participantes da
experimentação.
Outro fato que vale incorporar a este tópico de resultado, e
que não podemos caracterizá-los como quantitativo, mas que elucida a qualidade da utilização de materiais didáticos de uma forma geral e, em particular do marcador trigonométrico, foi a oportunidade de alguns integrantes recorrerem, de forma espontânea,
ao regente da experimentação, buscando retomar a manipulação
do Marcador trigonométrico, pois perceberam a correlação direta
da real necessidade da manipulação para com a assimilação da
compreensão dos conceitos trabalhados.
Nesse momento, tornou-se evidente a importância do Marcador trigonométrico, pois despertou o interesse desses alunos na busca pela compreensão do conteúdo, ora intrínseco à aprendizagem.
No sentido de corroborar com tais resultados e, inferirmos
a viabilidade e a necessidade do desenvolvimento de tal material
didático, realizou-se uma pequena aplicação (aula piloto) do referido material, envolvendo discentes do primeiro ano, de graduação em Matemática, da Universidade Estadual de Goiás, no âmbito do Campus de Goiás.
Percebeu-se, por meio de comentários e considerações feitas pelos discentes, que o material didático tornou possível, por
parte do discente, a compreensão e assimilação do conceito da
função cosseno, no tocante ao seu estudo direto, tal como: domí-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 181
nio, imagem e gráfico; bem como da compreensão do conceito e
elementos fundamentais da sua função inversa.
Tais comentários estiveram sempre no sentido de que tal
ferramenta lhes proporcionou uma visão clara e fácil da função
cosseno e sua inversa. De forma que a compreensão e a resolução
dos exercícios tornaram-se menos difíceis e, apesar das dificuldades, os discentes se sentiram mais atraídos para resolvê-los. Externaram, ainda, não com estas palavras, mas com este significado,
que o material possui um potencial de motivação lúdica para com
o ensino-aprendizagem dos conceitos da função cosseno.
Isso evidencia uma forma de tratamento do estudo das funções trigonométricas que vem ao encontro com a facilitação da
aprendizagem por meio de um material de manipulação capaz
de inserir o aluno como protagonista de seu aprendizado. Como
meio de obtermos uma forma não meramente de percepção dos
proponentes autores deste trabalho, inferiu-se aos participantes
sobre sua avaliação quanto à aprendizagem da trigonometria por
meio do Marcador trigonométrico, obtendo um quantitativo de
respostas de 69% para o conceito ótimo, 19% e 12% para o conceito bom e regular, respectivamente, o que demonstra uma aprovação de forma satisfatória por pelo menos 88% dos participantes
pesquisados, como pode ser evidenciado no Gráfico 1:
182 |
Gráfico 1 - Resultados da autoavaliação realizada pelo público participante da
atividade de extensão.
Organizador: Marcelo H. Belonsi, 2013.
Considerações finais
O presente trabalho desenvolvido junto à Pró Reitoria de
Extensão da Universidade Estadual de Goiás possibilitou a elaboração e o desenvolvimento de um material didático que objetiva
auxiliar e facilitar a compreensão, por parte dos discentes, em relação ao estudo da trigonometria. Este conteúdo, geralmente, é
tratado de forma abstrata, tonificado apenas por representações
geométricas, com fins de ilustração didática, voltado a auxiliar
e facilitar a compreensão dos conceitos relacionados. Todavia,
percebe-se que tais elementos de ilustração são caracterizados de
forma discretizadas. Aludindo à concepção do processo de construção das representações geométricas dos aprendizes, de forma
manipulável, teve seu cume com o desenvolvimento e a aplicação
do marcador trigonométrico junto aos alunos da Escola de Educação Básica.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 183
Espera-se, ainda, realizar a elaboração e produção de um
manual de orientações de utilização e sugestões de atividades com
fins de facilitação e apoio pedagógico aos professores quanto ao
ensino-aprendizagem da trigonometria durante as aulas expositivasdialogadas.
Outro ponto que devemos explicitar se refere à aplicação da
ferramenta didática em sala de aula. Aplicação esta, que, além do
viés da credibilidade e da sustentabilidade, possibilitou os meios
necessários para propiciar descobertas dos meios de utilização
mais adequados aos estudos dos conteúdos de trigonometria.
Porém, percebe-se que esse material didático atenderá aos
anseios de aprendizagem devido ao fato de ser um ferramental
manipulável, propício a experimentações.
É fato que o estudante possui uma visível dificuldade no tratamento de questões e aplicações do conteúdo de trigonometria.
Assim, espera-se que este trabalho possa auxiliar no resgate do
tratamento do referido estudo.
Dessa forma, encorajamos os leitores a serem colaboradores, desenvolvendo esta ferrramenta didática, buscando refazer as
experiências, dando continuidade e aprimoramento ao marcador
trigonométrico como material didático, visando o desenvolvimento de todo o potencial primazmente projetado, propiciando,
assim, um produto motivador e estimulante da aprendizagem do
conteúdo de trigonometria.
Referências
BOYER, Carl B.. História da Matemática. 3 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2010.
CURY, Augusto. Treinando a emoção para ser feliz. Rio de Janeiro: Sextante, 2007.
184 |
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Tradução Maria Alice M.
D’Amorim e Paulo Sérgio L. Silva. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
ROCHA, Silvia. Semelhança de triângulos. 2012. Disponível em: <http://
cmup.fc.up.pt/cmup/mecs/Geometria/semelhanca%20de%20triangulos.pdf>. Acesso em: 22 de Ago. de 2012.
USP. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SÃO PAULO. E-cálculo. Disponível em: <http://ecalculo.if.usp.br/historia>. Acesso em 16 de abril
de 2012.
UFCG. UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE. Biografias – Menelau de Alexandria. Disponível em: <ww.dec.ufcg.edu.br/
biografias/MenelauA.html>. Acesso em: 17 de abril de 2012.
UBC. University of British Columbia. Mathematics Department. Disponível em: http://www.math.ubc.ca/~cass/courses/m446-03/pl322/
pl322.html. Acesso em: 10 de abril de 2013.
UL. Universidade de Lisboa. Departamento de Educação. Disponível
em: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/rhind/inicio.htm. Acesso em: 10 de abril de 2013.
CICLO DE ESTUDOS DE WILLIAM SHAKESPEARE: UM
PROJETO DE EXTENSÃO PARA ESTUDAR ADAPTAÇÕES
CINEMATOGRÁFICAS DA OBRA DO BARDO
Guido de Oliveira Carvalho
Sirlene Antonia Rodrigues Costa
Introdução
D
iversos críticos se referem às obras de Shakespeare como
sendo um grande tesouro cultural deixado para a humanidade (veja, por exemplo, HELIODORA, 2004; LÍSIAS, 2007;
LEÃO, 2009: RESENDE, 2009). Para alguns, uma afirmação que
denota certa dose de exagero. Para outros, estudiosos e amantes
da arte, a afirmação procede. O que se sabe é que, em seu tempo
e em tempo atuais, a poesia e a dramaturgia de Skakespeare influenciaram e continuam influenciando gerações após gerações
mundo afora.
Tendo isto em mente, em 2006 decidimos promover um
evento de extensão voltado para a apresentação da vida e obra
do dramaturgo, por meio, principalmente, de adaptações cinematográficas de suas obras. Uma vez que o curso de Letras da UEG
conta com duas licenciaturas – Português e Inglês –, e em uma
delas, a Literatura Inglesa e Norte-Americana são estudadas, consideramos pertinente tal estudo. Assim, o Ciclo de Estudos sobre
William Shakespeare se propôs a fornecer aos alunos da UEG-Itapuranga e à comunidade atendida por ela um momento para
entrar em contato, de maneira mais profunda, com a obra de um
autor tão conhecido mundialmente.
Nas próximas seções, apresentaremos aspectos sobre a importância de Shakespeare para a cultura, o conceito de adaptações, como o evento ocorreu e seus resultados.
185
186 |
A biografia e a importância de Shakespeare
Em seu tempo, William Shakespeare soube cativar com
maestria toda uma sociedade complexa e heterogênea que compunha a Inglaterra do século XVI, no período renascentista, mais
especificamente no período do reinado de Elisabeth I. Nota-se
que o dramaturgo desenvolveu, sabiamente, uma habilidade singular para dialogar, por meio da arte, com os mais diversos interlocutores: políticos influentes, pessoas da alta sociedade inglesa,
críticos, escritores, poetas e pessoas comuns, simples e humildes,
que lotavam os teatros ingleses para assistirem aos desfechos dramáticos e inusitados das suas peças trágicas. Ou rirem das trapalhadas dos personagens que saltitavam em suas peças cômicas.
Ou ainda, e também, para se contagiarem com a poesia tecida
em seus sonetos.
Para a Heliodora (2004, p. 241),
Shakespeare foi, acima de tudo, um homem de seu tempo, e eu,
aliás, sempre tive a maior convicção de que ele só continua vivo
para nós exatamente por ter sempre concentrado sua atenção,
bem como sua imaginação, no mundo em que vivia – e o viveu
tão profundamente que alcançou, por assim dizer, a essência
daquilo que continua a caracterizar o ser humano até hoje.
Segundo nos informa Galvão (2011), é comum as peças de
Shakespeare serem reencenadas todos os anos na Inglaterra. O
autor apresentou a informação por ocasião do lançamento de um
dos livros sobre o dramaturgo, As Guerras de Shakespeare, de Ron
Rosenbaum, mais um a compor a extensa bibliografia de estudo
do autor. Puhl (2003, p. 11) ressalta, ainda, que “Shakespeare foi
um dos maiores representantes da arte que conseguiu levar aos
palcos e à Literatura temas que se transformaram em universais.”
Foi irônico, dramático, extrovertido, um escritor que, literalmen-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 187
te, brincou com temáticas que compõem os sentimentos e as emoções diversamente antagônicos, presentes na essência de homens
e mulheres de antes e de agora. Enalteceu e platonizou o amor
romântico, transgrediu fronteiras de tempo e espaço. Relatou sobre as diversas formas de disputas, de interesses que entranham
as relações humanas. Discorreu sobre os mais diversos conceitos
de valores, crenças e comportamentos, dos mais nobres aos mais
criticados. Foi dinâmico e atemporal. Tudo isso faz com que, até
hoje, Shakespeare seja tão diversamente referenciado por escritores e poetas de todo o mundo.
Em tempos atuais, William Shakespeare continua exercendo sua influência em produções culturais, como cinema, literatura, teatro, novelas e quadrinhos, como veremos na próxima seção.
Adaptações das peças para outras mídias
Nos primórdios do cinema, quando ainda não havia som,
a literatura já chamava a atenção para adaptações. Contudo, nesse período inicial, a crítica cobrava fidelidade dessas adaptações
(NUNES, 2006; FEITOSA, 2008). Com o passar o tempo, uma
nova visão passa a vigorar: a de que a adaptação é uma tradução
intersemiótica, ou seja, a “tradução de um determinado sistema
de signos para outro sistema semiótico” (DINIZ, 1998, p. 313).
Desta forma, evidenciam-se as diferenças entre o teatro e o cinema: enquanto no primeiro predomina a linguagem verbal, no
segundo predomina a linguagem visual. A adaptação é, pois, um
processo de reescrita que, embora possa ser associado ao textofonte a qualquer momento (BERTIN, 2008), apresenta transformações de linguagem em que o diretor deve escolher aquilo que
considera importante no texto-fonte para se adequar à sua obra
cinematográfica (NUNES, 2006).
De acordo com Magnani (2012), com informações baseadas
no site “Revista Monet”, Shakespeare é o escritor com mais textos
188 |
adaptados para obras cinematográficas. As adaptações totalizaram
891 (entre filmes, curta-metragens e documentários), enquanto o
segundo colocado, Anton Chekhov alcança o número de 342, ou
seja, menos da metade. Leão (2009) informa que a primeira adaptação da obra de Shakespeare para o cinema ocorreu em 1907, na
França, com direção de George Méliès. Trata-se de La Mort de
Jules César, um filme de 8 minutos. Como já apontado, desta data
em diante, mais de 800 obras cinematográficas já vieram à luz.
Tal informação comprova o interesse mundial no que
Shakespeare tinha a dizer, mesmo passados quatro séculos de seu
nascimento. Segundo Puhl (2003, p. 30),
O Cinema percebeu que não existem tantas ideias originais e
decidiu não fazer rodeios e levar às telas paixões e conflitos
universais. Este fato confirma que existem mais possibilidades entre Shakespeare e a sétima-arte do que mostra a sua vã
filmografia. Nenhuma outra dramaturgia se mostrou tão moderna e eterna num pleonasmo que entra em cartaz a cada nova
temporada.
A esse respeito, Mendes (2011, p. 107-108) acrescenta, ainda, que “todas essas adaptações demonstram a pluralidade de
leituras das peças de Shakespeare e a flexibilidade do cinema em
tratar a dramaturgia do autor inglês.”
Além do cinema, outras mídias também se interessaram
pelo bardo: a literatura, a televisão e os quadrinhos, para citar alguns exemplos.
Na literatura, Vieira (2007) nos conta que Machado de Assis tinha o hábito de recorrer a Shakespeare em suas obras. Como
exemplo, o autor cita que a peça Otelo se faz presente nas histórias
A mão e a luva, Helena e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Outro exemplo é a abertura do conto A cartomante, em que Machado
cita Hamlet. Veira (2007) destaca, ainda, que em Quincas Borba, o
romancista utiliza-se de uma estratégia narrativa em que mescla o
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 189
trágico e o cômico, como é característico de Shakespeare. Araújo
(2012) cita outra obra literária, o Manifesto Antropófago, no qual há
um trocadilho com a frase “ser ou não ser” (to be or not to be), transformando-a em “tupi or not tupi”. O manifesto foi lançado em 1928,
pelo Movimento Pau-Brasil, do qual fazia parte Oswald de Andrade.
Leão (2009) relata, ainda, que o conto La Memoria de Shakespeare,
de Jorge Luis Borges traz a história de um pesquisador que perde sua
própria memória e identidade ao embarcar na memória do poeta.
A televisão, também, produziu seu quinhão nas adaptações
das peças. Resende (2009) informa que a TV Globo adaptou Romeu e Julieta e Hamlet para o programa Caso Especial. A primeira, com a ação transposta para Minas Gerais ao invés de Veneza,
foi ao ar em 24 de dezembro de 1980, dirigida por Walter George
Dust, com direção de Paulo Afonso Grisolli. Nos papéis principais,
Fábio Júnior e Lucélia Santos. A segunda foi ao ar em 9 de março
de 1983, com roteiro de Aguinaldo Silva e direção de Paulo Afonso
Grisolli. O cenário muda da ilha de Capri para o Rio de Janeiro e o
contexto militar original é transferido para uma escola de samba.
No elenco: Roberto Bonfim, Júlia Lemmertz e Milton Ribeiro.
Nas novelas, Suave Veneno (1999) foi influenciada por Rei
Lear, enquanto o tema de Romeu e Julieta (o amor de dois jovens
de família rivais) perpassa O Rei do Gado (1996-1997) e Pedra sobre
Pedra (1992), para citar algumas. Essas novelas foram exibidas pela
Rede Globo, que também apresentou uma obra livremente inspirada
em A Megera Domada: O Cravo e a Rosa, exibida entre 2000 e 2001.
Ainda na televisão, quando a obra O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, foi adaptado por Guel Arraes para um
microseriado, em 2000, havia a inserção de um trecho em que o
pagamento de uma dívida seria através de “uma tira de couro”,
todavia quando ela é cobrada, a solução é a mesma de O mercador
de Veneza, ou seja, o sangue não pode ser tirado (PAULA, 2009).
De acordo com Scott (2010), Shakespeare é bem popular no
mundo dos quadrinhos americanos. Por exemplo, na série Clas-
190 |
sics Illustrated, publicada pela editora americana Gilbert Company por um longo período desde os anos 1950, algumas obras de
Shakespeare foram adaptadas para os quadrinhos: Sonho de uma
noite de verão, Júlio César, Hamlet, Romeu e Julieta e Macbeth.
Essas adaptações foram publicadas no Brasil pela Editora Brasil
-América (EBAL) em três edições da série Edição Maravilhosa:
no. 60, em 1952, com adaptações de três peças de Shakespeare:
Hamlet, Macbeth e Romeu e Julieta; no. 161, em 1957, com uma
adaptação de Sonho de uma Noite de Verão; e no. 192, em 1961,
com uma segunda versão de Romeu e Julieta.
A série Ken Parker faz menção às obras de Shakespeare em
dois momentos. A edição 33, publicado pela Editora Vecchi em julho
de 1981, mostra um trecho de Romeu e Julieta, enquanto a edição
especial Um Príncipe para Norma, publicado pela CLUQ em 2000,
apresenta uma trupe de atores que encena Hamlet. A obra Sandman,
de Neil Gaiman, edição 19 (Editora Globo, junho de 1991), traz uma
interpretação toda particular da obra do bardo em relação ao senhor
dos Sonhos, Morfeus.
Os quadrinhos Disney também tiveram sua cota de adaptação da obra do bardo. Em “Mickey Shakespeare”, publicado em
Mickey 387 (Editora Abril, dezembro de 1984), o famoso personagem Disney protagoniza uma história em que citações famosas
de Shakespeare são colocadas nas falas dos personagens durante
toda a história. Em Grandes Clássicos da Literatura Disney edição
3, publicada em junho de 2010 pela Editora Abril, são apresentadas adaptações de três obras: Hamlet, Otelo e A Megera Domada.
A edição 38 da mesma série, lançada em março de 2011, traz
adaptações das peças Romeu e Julieta, O Mercador de Veneza e Sonho de uma Noite de Verão. Como se trata de quadrinhos voltados
para o público infanto-juvenil o final sanguinolento das tragédias
foi modificado.
Tal modificação do final também ocorre com a adaptação
de Romeu e Julieta feita por Maurício de Sousa. A peça virou um
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 191
musical com os personagens da Turma da Mônica em 1978. Logo
em seguida vieram os quadrinhos nas edições de Mônica e Cebolinha publicados pela Editora Abril. A adaptação em quadrinhos
teve boa repercussão e já foi republicada ao longo dos anos por
outras duas editoras: Globo e Panini. Os personagens de Romeu
e Julieta são interpretados pelos garotos e garotas do bairro do
Limoeiro. Assim, Mônica é Julieta, Cebolinha é Romeu, Cascão é
Frei Cascão, Magali é Amagali, entre outros personagens. Na história, Mônica se recusa a ter um final triste e o modifica de modo
que os dois enamorados acabem juntos.
Há também adaptações com uma aproximação mais fidedigna aos quadrinhos. A série Shakespeare em Quadrinhos, publicada pela Editora Nemo entre 2011 e 2013 apresenta seis adaptações da obra do bardo: Romeu e Julieta, Sonho de uma Noite de
Verão, Otelo, A Tempestade, Macbeth e Rei Lear. A série Classics
Illustrated, publicada pela Editora Abril, trouxe na edição 2 (dezembro de 1990) uma adaptação da peça Hamlet realizada por
Tom Mandrake e Steven Grant. Shakespeare foi adaptado também
para o formato mangá: a série Shakespeare em Mangá teve cinco
edições publicadas: Hamlet, Romeu e Julieta, A Tempestade, Ricardo III e Sonho de uma Noite de Verão.
Com tantas adaptações para outras mídias, optamos pelas adaptações cinematográficas para a divulgação da obra de Shakespeare.
Objetivo do evento
O Ciclo de Estudos sobre William Shakespeare teve como
propósito promover, com alunos do Curso de Letras da UEG-Itapuranga e a comunidade local, estudos sobre a vida e a obra do
famoso dramaturgo inglês Willian Shakespeare.
Atrelados a este objetivo maior, o evento teve, ainda, outras metas específicas, como de exibir filmes baseados na obra
do autor, promover a prática da pesquisa literária e possibilitar
192 |
discussões acadêmicas acerca da contextualização sociocultural e
politico que o envolveram.
A realização do evento
O Ciclo de Estudos sobre William Shakespeare consistiu de
um projeto ligado à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Estadual de Goiás, no período de maio a novembro de 2006, coordenado por nós, autores deste artigo, na época, docentes do curso de
Letras da Universidade, Unidade de Itapuranga, e ministrados por
acadêmicos do 1º ao 4º ano do curso de Letras, daquela Unidade
Universitária.
Como o propósito do projeto era desenvolver estudos sobre
a vida e a obra do dramaturgo, tornou-se necessária a realização
de atividades acadêmicas bastante diversificadas, envolvendo desde pesquisas, leituras, produções de textos, exibições e debates de
filmes baseadas em algumas obras de Shakespeare.
Para tanto, foram realizados oito encontros presenciais, previamente agendados, com a presença de acadêmicos da Unidade
Universitária, do curso de Letras e de outros cursos da Instituição,
professores e pessoas da comunidade. Ao todo, estiveram envolvidas no projeto 73 pessoas, entre os coordenadores, palestrantes,
debatedores dos filmes e ouvintes. É importante ressaltar que as
palestras e os debates foram conduzidos por acadêmicos do curso
de Letras, sob a orientação dos coordenadores do projeto.
Os encontros foram realizados aos sábados, no período vespertino, nas dependências da UEG-Itapuranga, e consistiu basicamente em três atividades em cada encontro. Primeiro era realizada uma palestra, por cerca de 50 minutos, ministrada por dois
acadêmicos, detalhando um determinado aspecto da vida e obra
de Shakespeare, contextualizando o dramaturgo e sua produção.
Em seguida, era projetado um filme baseado na obra do autor.
Durante os oito encontros, foram exibidos os filmes: Hamlet, A
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 193
Megera Domada, Ricardo III, Othelo, Macbeth, Sonho de Uma
Noite de Verão, Muito Barulho Por Nada e Shakespeare Apaixonado. Após a exibição do filme, outros três acadêmicos promoviam
um seminário, debatendo as ideias e as características da obra de
Shakespeare presentes no filme.
Dentre as temáticas discutidas nas palestras estão a vida e a
obra de Shakespeare, as peças trágicas, cômicas e históricas e os sonetos escritos pelo autor, as características do teatro elisabetano e a
influência de Shakespeare na Literatura Inglesa e na cultura mundial.
Como se tratou de um evento cultural, não houve avaliação
de seus participantes, exceto no que tange à presença, uma vez que
os ouvintes receberam certificados de acordo com o número de
horas-aula que estiveram efetivamente presentes nos encontros. Cada encontro correspondeu a 5 horas-aula, totalizando, para
aqueles que participaram de todos os encontros, 40 horas-aula.
Filmes exibidos no evento
Shakespeare apaixonado (Shakespeare in love) – lançado
em 1998, o filme foi escrito por Marc Norman e Tom Stoppard,
com direção de John Madden. No elenco: Joseph Fiennes, Gwyneth Paltrow, Judi Dench, Geoffrey Rush, Tom Wilkinson e Imelda
Staunton. O filme narra o momento da vida de Shakespeare em
que ele está prestes a escrever Romeu e Julieta. Contudo, um bloqueio criativo o coloca em dificuldades: é quando ele conhece e se
apaixona por Lady Viola, o que o inspira a escrever a peça. A partir daí, o filme traça um paralelo entre o desenvolvimento da paixão de Shakespeare e Lady Viola e o surgimento da peça Romeu e
Julieta em um divertido jogo de metalinguagem, em que sobram
referências ao teatro elisabetano, autores da época, contexto histórico e menções a outras peças do bardo. Por conta dessas referências, o filme serviu para fazermos uma introdução a Shakespeare,
suas obras, seu teatro e seu contexto histórico-social, como sugere
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Scheidt (2006), pois segundo ela, o filme derruba o mito de inacessível que alguns podem ter com relação ao bardo.
O mercador de Veneza (The Merchant of Venice) – esta
adaptação roteirizada e dirigida por Michal Radford foi lançada
em 2004. O elenco teve nomes como: Al Pacino, Jeremy Irons, Joseph Fiennes, Lynn Collins e Zuleikha Robinson. Esta tragicomédia ocorre na cidade de Veneza, no século XVI. Bassânio pede ao
amigo, Antonio, ajuda financeira para cortejar sua amada, Portia.
Contudo, Antonio está sem acesso a seu dinheiro no momento.
Ele, então, pede um empréstimo ao judeu Shylock, que concorda,
desde que ao final de três meses, se o empréstimo não for pago,
Antonio terá que lhe ceder um pedaço de sua carne. Infelizmente,
Antonio perde todo seu dinheiro e o caso vai parar na corte, onde
Portia, disfarçada de advogado, o defende: assim, Shylock pode
retirar a libra de carne que deseja, contudo sem derramar uma
gota de sangue. Como tal ação seria impossível, Shylock acaba
preso por atentar contra a vida de um Veneziano e, sua riqueza,
confiscada. Peça apresentada, inicialmente, em 1596.
Othelo – filme lançado em 1995, com roteiro e direção de
Oliver Park e elenco constituído de Laurence Fishburne, Irène Jacob, Kenneth Branagh e Nathaniel Parker. É uma história de amor,
ciúme, preconceito e inveja. Iago, invejoso da promoção de Cássio
por Otelo, arquiteta um plano de vingança em que induz o mouro a pensar que Desdemôna, sua fiel esposa, tem um caso com
Cássio. Como resultado, Otelo mata Desdêmona e, ao descobrir
a verdade, mata Iago e comete suicídio. A peça foi apresentada,
inicialmente, em 1603.
Ricardo III (Richard III) – roteirizado por Ian McKellen
e Richard Loncraine, este filme foi lançado em 1995. A direção é
de Richard Loncraine. O elenco é constituído por Ian McKellen,
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 195
Annete Bening, Jim Broadbent, Robert Downey Jr., Kristin Scott
Thomas, Maggie Smith, Adrian Dunbar e Dominic West. O ambiente original da história é transposto para a Inglaterra dos anos
30, mas mantém o retrato do vilão Ricardo III, deformado fisicamente e sem caráter. Ambicioso e desejoso de se apossar da coroa,
o vilão não hesita em matar adversários e familiares para chegar
ao poder. Esta peça histórica foi apresentada entre 1592 e 1593.
Muito barulho por nada (Much Ado about Nothing) –
adaptado e dirigido por Kenneth Branagh, o filme foi lançado
em 1993. No elenco, além do próprio diretor, Emma Thompson,
Denzel Washington, Robert Sean Leonard, Kate Beckinsale, Keanu Reeves e Michael Keaton. A história cômica gira em torno de
dois casais: Benedito e Beatriz, Cláudio e Hero. A chegada de Dom
Pedro à casa de Leonato, pai de Hero, dá início a ação. Benedito e
Beatriz são pessoas céticas e aparentemente se odeiam. Dom Pedro e os amigos decidem juntar os dois e, assim, dizem a Benedito
que Beatriz o ama e, em outra ocasião, informam à Beatriz que
Benedito a ama. Estimulados pela brincadeira, os dois acabam se
entregando ao amor que sentem um pelo outro. Enquanto isso, o
irmão bastardo de Dom Pedro, Dom João, interfere no relacionamento de Cláudio e Hero, fazendo o primeiro acreditar que Hero
não é uma mulher honrada. Assim, Cláudio ofende Hero em público. Ela, então, finge a própria morte. Quando Cláudio descobre
a verdade, que Hero era uma pessoa correta, aceita se redimir do
mal feito, casando-se com uma prima de Hero, que, na verdade, é a
própria disfarçada, com a intenção de lhe ensinar uma lição. Dom
João é preso e a história acaba com os casais juntos e felizes. A primeira apresentação da peça data, provavelmente, de 1598 e 1599.
Henrique V (Henry V) – outra adaptação de Kenneth
Branagh, lançada em 1989. O elenco: Kenneth Branagh, Emma
Thompson, Paul Scofield, Derek Jacobi, Ian Holm, Alec McCow-
196 |
en, Judi Dench e Christian Bale. Esta obra histórica conta um período da vida do reinado de Henrique V, um dos mais famosos
monarcas ingleses, o momento em que ele invade a França. São
representadas duas batalhas, as de Harfleur e Azincourt, em 1415,
sendo que na segunda, Henrique V profere um famoso discurso
para incitar os homens à batalha. A peça foi representada em 1599.
A megera domada (The taming of the shrew) – dirigido
por Franco Zeffirelli e roteirizado por Paul Dehn, o filme foi lançado em 1967, contando em seu elenco com nomes famosos do
cinema: Elizabeth Taylor, Richard Burton, Natash Pyne e Michael
Hordern. A comédia narra os problemas de Bianca, que deseja se
casar. Contudo, seu pai, Batista, estabeleceu que ela só se casaria
após sua irmã, Catarina, ter feito o mesmo. Ocorre que Catarina
tem um gênio forte, o que afasta qualquer pretendente. A situação
muda quando chega à cidade Petrucchio. Também de gênio forte,
ele decide casar e domar Catarina. Para realizar tal objetivo, ele
utiliza vários truques, como tratar Catarina ora bem, ora mal. No
final, o intento é conseguido e Bianca pode se juntar a seu amado,
Lucêncio. A peça foi apresentada, inicialmente em 1596.
Hamlet – filme lançado em 1990, com direção de Franco
Zeffirelli e roteiro do diretor e de Christopher De Vore, estrelado
por Mel Gibson, Glenn Close, Alan Bates, Paul Scofield, Ian Holm
e Helena Bonham Carter. Trata-se das transposições, para a tela,
da clássica história em que Hamlet, filho do rei da Dinamarca, que
descobre, através do fantasma do pai, que este fora morto por seu
tio, que se casou com Gertrude, a mãe de Hamlet. A partir daí,
o príncipe tenta realizar sua vingança. Porém, seu objetivo é retardado por suas dúvidas pessoais sobre o acontecido e em como
proceder para se vingar. A peça foi, originalmente, apresentada
entre 1599 e 1601.
Avaliação do evento
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 197
Ao final do evento, distribuímos um questionário aos presentes para que eles pudessem apontar os pontos positivos, os
pontos negativos e fazer sugestões para outras edições do ciclo de
estudos. Trinta e seis pessoas responderam. A seguir, apresentamos os pontos positivos e comentários a respeito deles.
Tabela 1 – Pontos positivos do evento
Pontos positivos
Número de menções
Apresentação dos alunos
23
Contribuição do evento para ampliação do conhecimento
18
Coordenação e planejamento do evento
17
Uso de handout durante as apresentações
14
Uso (e escolha) dos filmes
12
Planejamento de datas e horários
12
Participação do público nas discussões
11
Como pudemos perceber através da tabela, os objetivos do ciclo de estudo foram alcançados. 18 respondentes informaram que
houve contribuição para que seus conhecimentos fossem ampliados:
No decorrer dos eventos, a maioria das apresentações foram
boas, pois nos ajudou a ter mais conhecimentos sobre Shakespeare, visto que no 3º. ano temos a disciplina de Literatura Inglesa. (Acadêmico 23)
198 |
A maioria das apresentações foi ótima. Serviram muito para
mim, visto que este ano têm a disciplina de Literatura Inglesa,
o ciclo de estudos serviu como base e instrução, facilitou meu
desempenho nesta disciplina. (Acadêmico 25)
A proposta de convidar os acadêmicos para participar, ativamente, do evento, fazendo pesquisas e apresentando-as, também, foi bem recebida:
Os pontos positivos sem dúvida são muitos: começando pelo
esforço dos colegas que se apresentaram muito bem, mostrando que estudaram e dando a perceber que todos somos capazes
quando queremos. (Acadêmico 18)
As apresentações foram boas, pois mesmo com o nervosismo
dos alunos, todos conseguiram transmitir o conteúdo de forma
objetiva. (Acadêmico 30)
Outro objetivo do evento, o de atrair interesse para a literatura pela projeção dos filmes, realizou-se, efetivamente, como
comprovam as falas dos acadêmicos:
O uso de filmes no ciclo de estudos dinamiza e atrai a todos,
atentamente. (Acadêmico 3)
Os filmes escolhidos foram bons para ampliar meus conhecimentos, pois fizemos um estudo mais aprofundado sobre
Shakespeare com ótimas discussões. (Acadêmico 11)
Os outros pontos positivos apresentados servem para destacar que a preocupação com a boa condução de um evento, com
detalhes (como uso de handouts para conduzir as discussões) e a
busca pela efetiva participação dos envolvidos fazem diferença na
realização bem sucedida de um projeto de extensão como esse.
Tabela 2 – Pontos negativos do evento
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 199
Pontos negativos
Número de menções
O filme Ricardo III
11
Algumas apresentações deixaram a desejar
6
Pouca participação do público nas discussões
5
Falta de apostilas em alguns encontros
5
Conversas paralelas durante os encontros
5
Filmes legendados
4
Falta de intervalo
4
Horário inadequado
4
Henrique V
2
Poucas vagas
2
Alguns filmes chatos
2
Discussões superficiais
2
Otelo
1
A Megera Domada
1
Os pontos negativos destacados pelos acadêmicos que responderam ao questionário apresentam, em primeiro lugar, uma
questão de gosto, como a preferência por filmes dublados, a escolha de alguns filmes, e o repúdio ao filme Ricardo III. Contudo, segundo Lísias (2007), as peças históricas nunca foram as preferidas
do público. Em segundo lugar, convém destacar problemas que,
inevitavelmente, aparecem em um evento de tal porte: nem todas
as apresentações acadêmicas, horários e discussões agradaram.
Os participantes reconhecem a importância da participação
do público (5 relataram como ponto negativo a pouca participação do público nas discussões e 5 destacaram as conversas parale-
200 |
las que atrapalharam os encontros) e a boa preparação (5 apontaram que a falta de apostila foi um descuido dos apresentadores):
Alguns alunos deixaram a desejar em suas apresentações e apenas leram seus resumos. (Acadêmico 9)
Houve apresentações em que não ganhamos apostilas. Alguns
alunos mostravam insegurança quando apresentavam, pode ser
que estavam nervosos. Outros somente leram e não olhavam
para nós. (Acadêmico 23)
No meu modo de ver as aulas seriam mais interessantes (com
filmes dublados), pois com legenda muitas vezes os atores conversam rápido e a gente não consegue acompanhar perdendo
detalhes importantes. (Acadêmico 33)
Um dos pontos negativos é o atraso e as conversas paralelas.
Embora as conversas tenham sido cortadas pelos coordenadores do evento, muitas ainda insistiam em permanecê-las. (Acadêmico 31)
O festival foi ótimo, mas por não ter um intervalo, se torna
exaustivo. (Acadêmico 12)
Tabela 3 – Sugestões apresentadas
Sugestões
Número de menções
Mais vagas
14
Que todos os cursos participem
7
Retirar o filme Ricardo III da programação
5
Fazer intervalo
4
Fazer o ciclo de estudo com outros autores famosos
2
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 201
Preparar melhor alunos apresentadores do evento
2
Usar datashow nas apresentações
2
Assistir os filmes em círculo
1
Apresentar filmes dublados
1
Lanche no final dos encontros
1
Prosseguir com o horário de sábado
1
Prosseguir com os mesmos coordenadores
1
Colocar um aluno para participar da coordenação do
evento
1
Apostila com todo o conteúdo das apresentações
1
Quanto ao tópico das sugestões, evidencia-se que o filme
Ricardo III, realmente, não agradou aos participantes: 5 participantes sugeriam retirá-lo da programação. As demais sugestões
são importantes a serem analisadas para outras possíveis edições
de um evento dessa natureza.
Considerações finais
Este projeto de extensão mostrou-se vitorioso em divulgar
cultura e em contar com a participação dedicada dos alunos que
mostrarem seu espírito acadêmico ao produzirem pesquisas valiosas para a realização do Ciclo de Estudos. Como pudemos ver na
seção de avaliação do evento, a ideia de divulgar a obra de Shakespeare através dos filmes foi bem recebida. Os filmes atraíram a
atenção dos alunos e as discussões envolverem os presentes em sua
maioria. Os participantes, em especial aqueles que fizeram apresentações, tomaram para si um papel ativo no evento e na meta
de ampliar os conhecimentos literários e da obra de Shakespeare.
Consideramos o evento bem sucedido e sugerimos que ele seja
realizado por professores e alunos desta ou de outras instituições.
202 |
Referências
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n. 2, maio/ago 2012. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_
publicacoes_pgs/Em%20Tese%2018/18-2/SE%C3%87%C3%83O%20VARIA/TEXTO%202%20CARLA.pdf. Acesso em 15 jun 2014.
BERTIN, Marilese Rezende. “Traduções”, adaptações, apropriações:
reescrituras das peças Hamlet, Romeu e Julieta e Otelo, de William
Shakespeare. 2008. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês). Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-31072009-153332/pt-br.php. Acesso em 15 jun 2014.
DINIZ, Thaís Flores Nogueira. Tradução intersemiótica: do texto para
a tela. Cadernos de Tradução, Universidade Federal de Santa Catarina,
v. 1, n. 3, 1998, p. 313-338. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/
index.php/traducao/article/view/5390/4934. Acesso em 15 jun 2014.
FEITOSA, Agnes Bessa Silva. Reescrevendo Shakespeare no cinema: de
a megera domada a 10 coisas que eu odeio em você. 2008. Dissertação
(Mestrado em Linguística Aplicada) – Universidade Estadual do Ceará.
Disponível em: http://www.uece.br/posla/dmdocuments/agnesbessasilva.pdf. Acesso em 15 jun, 2014.
GALVÃO, Walnice Nogueira. As guerras de Shakespeare. Cult,
n.161, outubro de 2011. Disponível em http://revistacult.uol.com.br/
home/2011/09/de-um-hamlet-a-outro/. Acesso em 15 jun 2014.
HELIODORA, Bárbara. Reflexões shakespearianas. Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.
LISIAS, Ricardo. Shakespeare: o fundador de tradições. Caderno Entrelivros, Duetto Editora, agosto de 2007, p. 14-21.
LEÃO, Liana de Camargo. Apaixonados por Shakespeare: fato e ficção
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 203
nas múltiplas faces do bardo. In: CAMATI, Anna Stegh; MIRANDA,
Célia Arns de (Orgs.). Shakespeare sob múltiplos olhares. Curitiba: Ed.
Solar do Rosário, 2009, p. 23-57.
MAGNANI, Gustavo. Os 20 escritores mais adaptados de todos os tempos. 2012. Disponível em: http://literatortura.com/2012/07/os-20-escritores-mais-adaptados-de-todos-os-tempos/. Acesso em 15 jun 2014.
MENDES, Luciana Neves. A representação das personagens femininas
principais e a megera domada de William Shakespeare em duas adaptações para o cinema e a televisão. 2011. Dissertação (Mestrado em
Linguística Aplicada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.letras.ufrj.br/linguisticaaplicada/site/dissert/
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NUNES, Glória Elena Pereira. Leituras de Shakespeare: da palavra à
imagem. 2006. Tese (Doutorado em Literatura Comparada) – Universidade Federal Fluminense.
PAULA, Elisângela Aparecida Zaboroski de. Shakespeare, Suassuna e
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PUHL, Paula Regina. A discursividade no filme Hamlet: uma interpretação hermenêutica. 2003. Tese (Doutorado em Comunicação Social)
– PUCRS. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/puhl-paula-tesediscursividade-no-filme-hamlet.pdf. Acesso em 15 jun 2014.
RESENDE, Aimara da Cunha. Shakespeare na televisão brasileira. In:
CAMATI, Anna Stegh; MIRANDA, Célia Arns de (Orgs.). Shakespeare
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204 |
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VIEIRA, Alessandra Mara. A presença de Shakespeare na obra de Machado de Assis: a construção das dimensões trágica e cômica Em
Quincas Borba. 2007. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários)
– UFMG. Disponível em: http://www.santoandre.sp.gov.br/pesquisa/
ebooks/355498.PDF. Acesso em 15 jun 2014.
O LETRAMENTO ACADÊMICO E O CURSO
DE EXTENSÃO LEITURA DE TEXTOS ACADÊMICOS
Cesar Augusto de Oliveira Casella
Achar a porta que esqueceram de fechar.
O beco com saída. A porta sem chave. A vida.
(LEMINSKI, 2013, p. 23)
O letramento acadêmico
O
ingresso do aluno na universidade é, também, o seu ingresso
em uma rede de discursos científicos, com suas formas próprias de produção e seus meios típicos de divulgação, ou seja, o
ingresso na universidade é o ingresso no Letramento Acadêmico.
No entanto, o conceito de Letramento Acadêmico não deve levar
a entender, apressadamente, que haveria a necessidade de uma espécie de alfabetização do ensino superior para o alunado novo. Os
alunos ingressantes são sujeitos letrados que trazem consigo concepções de leitura e de escrita que foram construídas ao longo de
seus estudos, nos ensinos fundamental e médio. E estas concepções e conhecimentos têm de ser mobilizados quando do ingresso
no universo acadêmico.
O que ocorre, como alerta Oliveira (2009, p. 3), é que “nem
sempre, essas concepções são suficientes para que eles se engajem
de modo imediato nas práticas letradas do domínio acadêmico”.
Nesse novo contexto, os alunos ingressantes são “obrigados a ler
e produzir textos que não lhes foram ensinados ou apresentados
de forma sistemática nas séries anteriores” (OLIVEIRA, 2009, p.
3). As práticas sociais de leitura e escrita mudam, não são mais as
mesmas do costume do aluno, não são mais as que ele aprendeu
na sua vida escolar pregressa.
205
206 |
O que indicaria – na perspectiva do modelo ideológico de
letramento – que a leitura e escrita devem ser entendidas como
práticas sociais e não como meras habilidades técnicas e neutras.
Assim, conforme escreve Eliane Feitoza Oliveira (2009, p. 4), “o
letramento não se desvincula do contexto cultural e social no
qual é construído, bem como do significado que as pessoas atribuem à escrita e das relações de poder que regem os seus usos”.
A união de tantos fatores resulta em “letramentos múltiplos, que
variam de comunidade para comunidade, por conta das condições socioeconômicas, culturais e políticas que as influenciam”
(OLIVEIRA, 2009, p. 4).
Assim, a prática de leitura de textos acadêmicos, de artigos
científicos, resenhas, ensaios e outros, é específica e precisa ser
ensinada aos alunos ingressantes. Porém, este é um ensino que
não deve ser entendido como transmissão de normas e regras de
redação e dicas de leitura, ou seja, este não é um ensino de habilidades técnicas. Compreende-se – também a partir do modelo
ideológico de letramento – que a universidade é formada por diversas práticas sociais que envolvem sujeitos letrados, professores e alunos, e que nestas práticas e nesta interação se revelam
as relações de uso e poder da escrita. Estas relações devem ser
explicitadas para os alunos, visando levá-los a interagir – e a se
engajar – conscientemente com o universo discursivo acadêmico. De modo que
O letramento acadêmico pode ser visto como um processo
de desenvolvimento de habilidades e conhecimentos sobre as
formas de interagir com a escrita para os fins específicos desse
domínio, sem, contudo, desconsiderar, nessas interações com a
escrita, a história de letramento dos alunos. (OLIVEIRA, 2009,
p. 5)
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 207
O quadro do letramento dos alunos egressos do ensino médio
Antes de relatar a nossa experiência de letramento acadêmico com uma turma extensionista, em um curso intitulado Leitura
de textos acadêmicos, ministrado no Campus de Goiás da Universidade Estadual de Goiás (UEG/Campus Goiás), gostaríamos de
tentar traçar um quadro do letramento médio dos alunos ingressantes neste campus.
Para isto, utilizaremos os dados sobre alfabetismo funcional,
divulgados pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM), uma entidade
sem fins lucrativos, vinculada ao Instituto Brasileiro de Opinião e
Estatística (IBOPE), e os dados de desempenho no ensino médio,
divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a partir do Sistema de Avaliação
da Educação Básica (SAEB).
Os dados do IPM nos permitem olhar, com amplitude, para
a sociedade brasileira e suas carências de letramento, enquanto os
dados do INEP são mais focalizados, direcionados para o ensinoaprendizagem de língua portuguesa.
O IPM utiliza o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf),
um índice que pretende revelar os níveis de alfabetismo funcional
da população brasileira adulta e que tem por objetivo principal,
como se lê em sua página na internet, “fornecer informações qualificadas sobre as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade”, visando “fomentar o debate público, estimular iniciativas da sociedade civil,
subsidiar a formulação de políticas públicas nas áreas de educação
e cultura, além de colaborar para o monitoramento do desempenho das mesmas”. Ele foi criado em 2001 e é bienal. Abaixo, podese ver uma tabela (Tabela 1) que mostra a evolução do indicador
nestes dez anos de pesquisas.
208 |
Tabela 1 - Evolução do Indicador de Alfabetismo Funcional População de 15 a
64 anos (em %)
2001
2002
2002
2003
2003
2004
2004
2011
2007 2009
2005
2012
Analfabeto
12
13
12
11
9
7
6
Rudimentar
27
26
26
26
25
21
21
Básico
34
36
37
38
38
47
47
Pleno
26
25
25
26
28
25
26
39
38
37
34
27
27
61
62
63
66
73
73
Analfabetos funcionais
39
(Analfabeto e Rudimentar)
Alfabetizados funcional61
mente (Básico e Pleno)
Adaptado de INAF BRASIL 2001 a 2011 (www.ipm.org.br)
Segundo a análise do próprio IPM, também publicada em
sua página na internet, esses dados mostram que o Brasil avançou
nos níveis iniciais de alfabetismo, já que o índice de analfabetos
funcionais, que inclui os analfabetos e os alfabetizados rudimentarmente, caiu de 39% para 27%. Note-se que houve uma redução
pela metade do percentual de analfabetos, ainda que o índice atual
continue alto – e longe dos índices dos países chamados ‘desenvolvidos’ – e que – triste cálculo – em números absolutos, represente
algo como 12 milhões de brasileiros.
O avanço registrado ocorreu em função da universalização
do acesso à escola e do aumento do número de anos de estudo.
Entretanto, o país, segundo o sítio eletrônico do IPM: “não conseguiu progressos visíveis no alcance do pleno domínio de habilidades que são hoje condição imprescindível para a inserção plena
na sociedade letrada”. Vê-se, na tabela 1, que apenas 26% dos brasileiros adultos são plenamente alfabetizados.
A chave de leitura dos níveis, também publicada na página
eletrônica do IPM, indica que os alfabetizados em nível pleno são
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 209
aqueles que não possuem nenhuma restrição em compreender e
interpretar textos, eles – segundo esta chave de leitura dos níveis
– “leem textos mais longos, analisam e relacionam suas partes,
comparam e avaliam informações, distinguem fato de opinião,
realizam inferências e sínteses”. Os alfabetizados em nível básico,
por sua vez, são aqueles – também segundo a chave de leitura dos
níveis – que “leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo com pequenas inferências”. Assim,
grosso modo, apenas um em cada quatro brasileiros adultos é
capaz de, efetivamente, ler um texto longo, compreendendo-o e
interpretando-o, utilizando-se dele para reflexão e informação. A
tabela 2 relaciona os níveis de alfabetismo/analfabetismo com a
escolarização.
Tabela 2 - Níveis de alfabetismo da população de 15 a 64 anos por escolaridade
(em %)
Níveis
Analfabeto
Rudimentar
Básico
Pleno
Alfabetizado
Funcionalmente
(Analfabeto e
Rudimentar)
Funcionalmente Alfabetizado (Básico
e Pleno)
Ensino
Fundamental I
Ensino Fundamental II
Ensino Médio Ensino Superior
20012002
30
44
22
5
21
44
32
3
20012002
1
26
51
22
1
25
59
15
20012002
0
10
42
49
73
65
27
26
27
35
73
74
2011
2011
0
8
57
35
20012002
0
2
21
76
10
8
2
4
90
92
98
96
2011
Adaptado de INAF BRASIL 2001 a 2011 (www.ipm.org.br)
2011
0
4
34
62
210 |
Assim, relativamente ao que nos interessa – os índices do
ensino médio que representam os percentuais dos possíveis alunos ingressantes na universidade e na teia textual e discursiva da
Academia – podemos ver que, em 2011, apenas 35% dos brasileiros com esta escolaridade, isto é, com o ensino médio completo,
podem ser considerados plenamente alfabetizados e que 57% deles apresentam uma alfabetização básica.
Lembremos, a partir da chave de leitura do IPM, que os alfabetizados de nível básico não conseguem ler textos mais longos,
não conseguem analisar e relacionar suas partes, nem comparar
e avaliar as informações trazidas na leitura. Eles não conseguem
distinguir ‘fato’ de ‘opinião’ e não conseguem realizar inferências
e sínteses. Pensemos em quantas destas ações são a base da leitura acadêmica: ler textos longos, analisar e relacionar partes de um
texto, comparar e avaliar informações na leitura, inferir e sintetizar.
Note-se que os números melhoram bastante quando se trata
do nível superior: 62% dos brasileiros com esta escolaridade são
plenamente alfabetizados. Infelizmente, somente uma pequena
parte da população adulta brasileira possui o ensino superior.
Também, há que se notar – ainda que não possamos
desdobrar as consequências do fato, aqui neste trabalho – que as
noções que embasam o conceito de letramento ideológico não
coincidem com os níveis do INAF, ou seja, a teoria do letramento
não opera integralmente, ou pacificamente, com as categorias de
alfabetizado funcional, alfabetizado pleno, etc.
De todo modo, queremos chamar a atenção para o fato de
que a maioria dos alunos ingressantes na universidade não apresenta um letramento pleno, isto é, a maioria dos alunos egressos
do ensino médio, estatisticamente falando, não domina plenamente as práticas de leitura e escrita esperadas para o seu nível, a
maioria não domina – nem na leitura, nem na escrita – os gêneros
textuais e as práticas discursivas esperadas para a sua escolarização. E isto tem de ser levado em conta quando do letramento aca-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 211
dêmico, tem de ser problematizado e inserido como componente
social e cultural no novo engajamento discursivo exigido na esfera
universitária.
Podemos completar estes dados com os números referentes
ao desempenho dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB).
Segundo o sítio eletrônico do INEP, o SAEB oferece aos
pesquisadores dados e indicadores que ajudam na compreensão
do estado atual do ensino-aprendizagem nesta etapa educacional.
O SAEB é constituído por três avaliações de larga escala: 1.
A Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB); 2. A Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), também conhecida como Prova Brasil; 3. A Avaliação Nacional da Alfabetização
(ANA). Bianualmente são realizadas a ANEB e a ANRESC, anualmente se realiza a ANA.
Centraremos o nosso foco nos dados da ANRESC/Prova
Brasil, a qual, segundo a página eletrônica do INEP, é “uma avaliação censitária envolvendo os alunos da 4ª série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino Fundamental das escolas públicas das redes
municipais, estaduais e federal, com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas”.
O SAEB nos permite montar os resultados em um recorte,
por região e por estado, no caso do Ensino Médio. Separamos os
dados referentes às regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte, aos Estados de Goiás, São Paulo e Acre, visando contrastar as diferentes
realidades brasileiras. Nosso recorte se volta para os índices referentes ao Ensino Médio, para as notas referentes à Língua Portuguesa e para o ano de 2011:
212 |
Tabela 3 - Comparativo das notas SAEB: Ensino Médio – Língua Portuguesa
– 2011
Dependência
administrativa
localização
Estadual Rural
Região
Centro
-Oeste
244,6
Estado Região Estado Região Estado
Goiás Sudeste São Paulo Norte Acre
261,4
244,4
237,3
241,5
247,7
Estadual Urbana
265,2
262,8
269,7
272,6
250,8
253,4
Estadual Total
264,5
262,7
269,3
272,1
249,9
252,7
Federal
332,0
-
324,3
-
320,5
-
Pública
264,8
262,7
269,7
272,1
250,1
252,7
Privada
307,7
304,0
317,4
317,2
301,4
287,2
Total
272,0
269,2
276,9
278,6
254,2
254,7
Fonte: INEP (http://sistemasprovabrasil2.inep.gov.br/resultados/)
Para a leitura da tabela 3, é preciso que recorramos à Escala
de Desempenho de Língua Portuguesa, disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/saeb/escalas-da-avaliacao.
O nível mais baixo, entre 150-175 pontos, indica que os alunos apenas “localizam informações explícitas em fragmentos de
textos narrativos simples”. Entre 250 e 300, os alunos estão aptos
a, por exemplo, inferir “o sentido de palavras de uso cotidiano em
provérbios, notícias de jornal” e o “sentido em textos narrativos
simples (relatos jornalísticos, histórias e poemas)”, também estão
aptos a identificar a “informação implícita em textos narrativos
simples” e a estabelecer “relações entre tese e argumentos em pequenos textos jornalísticos de baixa complexidade”.
Todas as regiões e estados tabulados acima encontram-se
neste nível. É um nível médio, com viés para baixo, se considerarmos que a escala é qualitativa e tem como nível máximo a pontuação de 375 para cima. Neste último nível, segundo a Escala de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 213
Desempenho de Língua disponível na página eletrônica no INEP,
além de todas as competências e habilidades dos níveis anteriores,
os alunos mostram-se aptos, por exemplo, a reconhecer “diferentes formas de tratar a informação em texto sobre o mesmo tema
em função das condições de sua produção e daquelas em que será
recebido”, a estabelecer “relações entre tese e argumentos em textos mais longos e complexos” e a identificar “efeitos de ironia ou
humor em textos variados como poemas e cartuns”.
Cremos que é possível dizer, com base nos índices acima,
que não existem grandes diferenças entre os estados e as regiões
colocados em contraste. Assim, o problema no ensino-aprendizagem de língua portuguesa é partilhado por estados tão diferentes
quanto São Paulo, Goiás e Acre.
E, para atentarmos apenas para um único elemento, dado o
espaço de que dispomos aqui, observe-se que o aluno brasileiro,
oriundo do Ensino Médio, na média, não é capaz de ler textos
longos. É o que mostram os dados do INAF, em que vemos 57% de
alfabetizados básicos, os que só lidam bem com textos de média
extensão, e os da Prova Brasil, que mostra uma média de 267,6
para o aluno brasileiro, portanto na mesma faixa dos índices da
Tabela 3. São estes alunos, que ao ingressarem na Universidade,
terão de ler livros de teoria em suas áreas específicas, muitos artigos científicos, resenhas críticas, etc. O que não significa que os
alunos ingressantes na universidade não saibam ler.
O curso de extensão Leitura de textos acadêmicos
Cientes da necessidade de letrar, academicamente, os alunos ingressados na UEG/Campus Goiás, desenvolvemos um curso voltado para a leitura de artigos científicos. O curso, intitulado
Leitura de textos acadêmicos, teve como objetivos específicos: 1.
Mostrar que o artigo científico é um tipo de texto ligado ao discurso científico; 2. Mostrar a importância dos elementos para-tex-
214 |
tuais para este tipo de texto; 3. Mostrar como se estabelece a coesão e a coerência em um texto científico; 4. Explicitar as relações
entre o discurso que se veicula e o texto que se constrói.
Estes objetivos específicos se abrigavam dentro de um objetivo geral: Auxiliar na melhora da leitura de textos acadêmicos,
especificamente de artigos científicos, por parte dos alunos dos
cursos do Campus Goiás.
Assim, explicita-se que o público-alvo eram os alunos do
Campus. Foram abertas vinte vagas exclusivas para eles, mais dez
voltadas para a comunidade, pensando-se nos alunos egressos. Houve onze inscrições, todas de alunos do Campus, do curso de Letras.
O curso teve 32 (trinta e duas) horas/aula, em 8 (oito) encontros de 4 (quatro) horas/aula. Os encontros foram às Sextas-feiras,
das 8h30 às 12h30, entre 13 de setembro de 2013 e 22 de novembro
de 2013. Neste período, tivemos uma aula expositiva inicial e fizemos a leitura de 3 (três) artigos científicos. A escolha dos artigos
foi debatida com os alunos e tentou seguir o interesse acadêmico
dos mesmos. Apresentamos, a seguir, a lista de textos trabalhados:
Tabela 4 - Textos lidos no curso Leitura de textos acadêmicos
BERTOLUCI, K. N. Letramento acadêmico: leitura(s) em um curso de
pedagogia. Revista Ao Pé da Letra, Americana/SP, v. 11.2, p. 105-124, 2009.
MAZIERO, E.; NIEDERAUER, S. H. Literatura infanto juvenil: dos contos
de fadas às narrativas contemporâneas. Disc. Scientia, Série: Artes, Letras e
Comunicação, Santa Maria/RS, v. 10, n. 1, p. 111-128, 2009.
SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, n. 25, p. 5-17. Janeiro-Abril, 2004.
Relatamos que os encontros foram ricos em debates e discussões sobre os temas trazidos por cada um dos textos escolhidos. Buscou-se, mais do que ensinar técnicas de reconhecimento
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da estrutura textual do artigo científico ou instrumentais congêneres, fazer ver, aos participantes, a espessura histórica e discursiva dos textos, a intertextualidade, a filiação ao gênero. Buscou-se,
ainda, dar voz aos alunos, partindo-se sempre das interpretações e
questionamentos destes quando da discussão dos artigos.
Ao término do curso, apresentamos um questionário de avaliação a ser preenchido pelos participantes. Este questionário de avaliação se compôs de 12 assertivas que deveriam ser julgadas de 0
(zero) a 10 (dez), sendo que 0 (zero) representaria total discordância
e 10 (dez) representaria total concordância com a assertiva em análise. Além disto, havia espaço para comentários específicos. Não se
pediu a identificação do aluno, obviamente, para que este se sentisse
à vontade em seu julgamento. Oito alunos responderam o questionário, o que representa 72,73% do total de participantes do curso.
Trazemos, abaixo, a descrição das assertivas e seus resultados brutos:
1. A primeira assertiva era ‘O curso é relevante para a formação acadêmica’. Houve unanimidade em marcar a
nota 10 (dez), isto é, houve total concordância com a
assertiva.
2. A segunda assertiva era ‘A Unidade Goiás ofereceu todas as condições para a execução do curso’. Houve três
marcações 10 (dez), duas marcações 9 (nove), uma marcação 8 (oito), uma 7 (sete) e uma 2 (dois).
3. A terceira assertiva era ‘A duração do curso foi adequada’. Houve três marcações 10 (dez), quatro marcações 9
(nove) e uma marcação 8 (oito).
4. A quarta assertiva era ‘A quantidade de alunos foi adequada’. Houve sete marcações 10 (dez) e uma marcação
9 (nove).
5. A quinta assertiva era ‘A quantidade de textos lidos e debatidos foi adequada’. Houve cinco marcações 10 (dez),
duas marcações 9 (nove) e uma marcação 8 (oito).
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6. A sexta assertiva era ‘Houve um aprofundamento nos
temas tratados’. Houve cinco marcações 10 (dez) e três
marcações 9 (nove).
7. A sétima assertiva era ‘O professor que ministrou o
curso demonstrou um domínio suficiente dos assuntos
abordados’. Houve oito marcações 10 (dez), isto é, total
concordância.
8. A oitava assertiva era ‘Houve uma sequência no desenvolvimento dos temas, facilitando o entendimento por
parte dos alunos’. Houve oito marcações 10 (dez).
9. A nona assertiva era ‘As técnicas de ensino utilizadas
foram adequadas aos objetivos propostos’. Houve sete
marcações 10 (dez) e uma marcação 9 (nove).
10.A décima assertiva era ‘Depois do curso, a leitura de artigos científicos ficou mais fácil’. Houve seis marcações
10 (dez) e duas marcações 9 (nove).
11.A undécima assertiva era ‘Depois do curso, o interesse
por artigos científicos aumentou’. Houve três marcações
10 (dez) e cinco marcações 9 (nove).
12.A duodécima assertiva era ‘ O curso deveria ser oferecido de novo’. Houve sete marcações 10 (dez) e uma marcação 9 (nove).
Houve, além disto, três manifestações por escrito, na parte
de comentários específicos. Duas foram manifestações de elogio
ao curso e uma foi uma sugestão de que se faça um curso de produção de textos.
Para o que nos interessa, aqui, separamos três das assertivas,
que dizem respeito ao engajamento do participante ao discurso
científico. Partimos do pressuposto, exposto na primeira parte
deste trabalho, de que o Letramento Acadêmico deve incluir a assunção e o conhecimento do discurso científico. Cremos, fortemente, que o problema de leitura e da escrita, no nível acadêmico,
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA METODOLOGIA E EXPERIÊNCIAS | 217
deve-se, principalmente, ao desengajamento e à falta de compreensão daquilo a que se está vinculando. As três assertivas selecionadas tratam da percepção que o participante tem do auxílio que
o curso pode prestar neste sentido.
Pensamos que ao responderem que o curso foi relevante
para a formação acadêmica, os participantes estão refletindo sobre a leitura de artigos científicos e a sua validade no âmbito da
inserção na chamada ‘vida acadêmica’. Assim, demonstram que é
pertinente estudar os aspectos históricos e discursivos que envolvem a leitura de artigos científicos.
Ao responderem que, após o curso, a leitura de artigos
científicos ficou mais fácil, cremos que os participantes estão refletindo sobre a possibilidade de apreender os modos de leitura
exigidos pela universidade. O que se presume, com as respostas
dadas, é que os alunos se conscientizaram de que podem se letrar
academicamente.
Cremos que a diminuição na concordância total, ainda que
não seja drástica, reflete uma pequena insegurança no engajamento ao discurso científico. Pensamos que este é um ponto a ser
melhor trabalhado para a execução de novas edições do curso.
Considerações finais
Há, obviamente, muitos pontos fracos que deixamos de fora
deste breve relato. O número reduzido de participantes no curso
é um deles, a título de exemplificação. Outro é a pequena quantidade de textos lidos. Por fim, sabemos que o universo pesquisado
é pequeno, não permitindo um bom tratamento quantitativo, e
sabemos, também, que a metodologia pode deixar a descoberto
o pesquisador.
No entanto, a opção por dar um tom positivo ao relato foi
algo consciente. Tentamos registrar as nossas preocupações com o
tema e o quão gratificante foi partilhar leituras e ver crescer o in-
218 |
teresse e o engajamento crítico ao discurso científico. O curso de
extensão, por sua estrutura e pelo modo como foi encarado pelos
participantes, permitiu uma integração que não é a da sala de aula
e nem a da relação pesquisador-pesquisados.
Resta, ao final, agradecer aos alunos participantes do curso
a oportunidade de ouvi-los – interpretando, criticando, desabafando... – e de refletir sobre o letramento acadêmico.
Foto 1. Participantes do curso Leitura de textos acadêmicos.
Referências
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Saeb. Disponível em: <portal.inep.
gov.br/web/saeb/aneb-e-anresc>. Acesso em: 30/09/2013.
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INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (IPM). Instituto Paulo Montenegro e Ação Educativa mostram evolução do alfabetismo funcional na
última década. Disponível em: <www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.01.00.00&ver=por>. Acesso em 16/10/2013.
INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (IPM). O que é o Inaf. Disponível em: <www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.00.00.00&ver=por >. Acesso em 16/10/2013.
LEMINSKI, P. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
OLIVEIRA, E. F. Letramento acadêmico: principais abordagens sobre a
escrita dos alunos no ensino superior. Comunicação apresentada no II
Encontro Memorial do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS)
da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Mariana/MG, Novembro de 2009. Disponível em: www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/l113.
pdf. Acesso em 15/10/2013.
Autores
César Augusto de Oliveira Casella
Professor do Curso de Licenciatura em Letras, da Universidade Estadual de Goiás/Campus Goiás. Doutorando em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
E-mail: [email protected]
Dinalva Donizete Ribeiro
Professora da Escola de Agronomia/Setor de Desenvolvimento Rural,
da Universidade Federal de Goiás, Setor de Desenvolvimento Rural.
Doutora em Geografia Agrária.
E-mail: [email protected].
Diórgenes dos Santos
Acadêmico do Curso de Administração de Empresas, da Universidade
Estadual de Goiás/Campus de Aparecida de Goiânia.
Estela Mara Cruz
Professora do Ensino Básico no Colégio Marista/Unidade de Uberlândia/MG.
E-mail: [email protected]
Euzébio Fernandes de Carvalho
Professor de Didáticas, Práticas e Estágios em História, da Universidade
Estadual de Goiás/Campus de Goiás. Mestre em história. Pesquisador
do grupo de pesquisa Didática da História e Educação Histórica Diretório CNPq dos Grupos de Pesquisa no Brasil.
E-mail: [email protected]
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Flávia Valéria C. Braga Melo
Professora de Sociologia da Universidade Estadual de Goiás/Campus de
Aparecida de Goiânia. Mestre em Ciências da Religião.
E-mail: [email protected]
Flávio Pereira Diniz
Técnico em Assuntos Educacionais, da Universidade Federal de Goiás.
Mestre em Sociologia.
E-mail: [email protected]
Guido de Oliveira Carvalho
Professor do Curso de Licenciatura em Letras, da Universidade Estadual de Goiás/ Campus Goiás. Mestre em Letras.
E-mail: [email protected]
Junielson Dias Barbosa
Acadêmico do Curso de Administração de Empresas, da Universidade
Estadual de Goiás/Campus de Aparecida de Goiânia.
Marcelo Henrique Belonsi
Professor do Curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade
Estadual de Goiás/Campus Morrinhos. Doutorando em
E-mail: [email protected]
Murilo Mendonça Oliveira de Souza
Professor do Curso de Licenciatura Plena em Geografia e do Mestrado
em Recursos Naturais do Cerrado (RENAC), da Universidade Estadual
de Goiás. Doutor em Geografia.
E-mail: [email protected]
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Robson de Sousa Moraes
Professor do Curso de Licenciatura Plena em Geografia, da Universidade Estadual de Goiás/Campus de Goiás. Mestre em Geografia.
E-mail: [email protected]
Rogério Marques Nunes
Graduado pelo Curso de Licenciatura Plena em Matemática, da Universidade Estadual de Goiás/Campus Goiás.
E-mail: [email protected]
Rosane Castilho
Professora de Psicologia da Educação da Universidade Estadual de Goiás.
Doutora em Educação.
E-mail: [email protected]
Sirlene Antonia Rodrigues Costa
Professora de Linguística e Língua Portuguesa, na Universidade Estadual de Goiás/ UNUCSEH. Mestre em Letras.
E-mail: [email protected]
Thiago F. Sant’anna
Professor do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Goiás/Regional Cidade de Goiás e do Programa de
Pós-graduação em Artes e Cultura Visual. Doutor em História.
E-mail: [email protected]
Os textos conferem com os originais, sob responsabilidade dos autores.
ESTA PUBLICAÇÃO FOI ELABORADA PELA EDITORA DA PUC GOIÁS
E IMPRESSA NA DIVISÃO GRÁFICA E EDITORIAL DA
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