A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO SOB A NOVA
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A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO SOB A NOVA
A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO SOB A NOVA SISTEMÁTICA DO DIVÓRCIO INTRODUZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66 DE 13/07/2010 Daniel Gusman Ribeiro do Vale1 [email protected] Donizete Delorenzo Ribeiro do Valle2 [email protected] RESUMO O presente artigo tem por objetivo a análise e consequências decorrentes da introdução da Emenda Constitucional nº 66 de 13 de Julho de 2010, abordando, principalmente, com relação às divergências na doutrina e na jurisprudência nacional, quanto ao fim ou não do instituto da separação no nosso ordenamento jurídico. O ponto principal da referida emenda foi agilizar os processos de dissolução do matrimônio com a menor intervenção estatal na vida privada dos cônjuges, desvinculando as influências religiosas na legislação brasileira, destacando o caráter laico do Estado em prol do interesse social. Trata-se uma Emenda Constitucional, revestida de norma constitucional de eficácia plena, e que por isso, não requer a edição de qualquer ato normativo, de categoria infraconstitucional, para produção de efeitos imediatos. A abordagem do trabalho adota a pesquisa bibliográfica, dados do censo do IBGE e os procedimentos envolvidos, bem como a legislação em vigor e as jurisprudências atuais adotadas pelos diversos tribunais do país. Com a introdução da referida Emenda Constitucional observou-se a redução drástica do número de separações e o aumento acentuado do número de divórcios a partir do ano de 2010.. Embora o sentido da alteração do diploma legal seria acabar com o instituto da separação, a qual não é mais averbada pelos cartórios do Brasil, tal procedimento ainda sobrevive nos juízos pátrios, de maneira esparsa, por resistências dos setores mais conservadores da sociedade brasileira. 1 2 Aluno do 10º Período do Curso de Direito da Fundação Educacional Guaxupé - UNIFEG Mestre em Direito e Professor de Direito Civil da Fundação Educacional Guaxupé - UNIFEG PALAVRAS-CHAVE Emenda Constitucional nº 66/2010, separação judicial, divórcio direto. 1 AS ALTERAÇÕES PROVOCADAS PELA EC Nº 66/2010 1.1 OBJETIVO DA EC nº 66/2010 O intuito principal dos legisladores, ao aprovarem a EC n. 66/2010, foi tornar o procedimento de dissolução do matrimônio um processo mais simples, desburocratizando de forma a excluir distinções irrelevantes entre o vínculo e a sociedade conjugal. Outrossim, procurou reduzir a interferência do Estado na vida pessoal do cidadão, admitindo a possibilidade do divórcio consensual pela via cartorária. Entre as medidas adotadas duas são relevantes: a eliminação da necessidade da separação judicial anterior ao divórcio e a extinção de prazos para a separação de fato. Esses dois aspectos serão analisados separadamente a seguir. 1.1.1 Extinção da Separação Judicial A separação judicial dissolvia apenas a sociedade conjugal, contudo o vínculo ainda continuava, pondo fim apenas a alguns deveres decorrentes do casamento, como já foi visto anteriormente. Com a promulgação da EC nº 66/2010 desapareceu do ordenamento jurídico pátrio o instituto da separação judicial e por consequência, toda a legislação que a regulava. Esse é o entendimento de grande parte dos doutrinadores, que argumentam que a legislação infraconstitucional não pode se sobrepor à própria Constituição Federal, a qual retirou de seu bojo a separação judicial com as alterações provocadas pela nova emenda. Com a nova redação houve uma revogação tácita com a retirada do termo “separação judicial”. Entre os autores que defendem o fim da separação judicial estão Maria Berenice Dias, Maria Luiz Póvoa Cruz, Rodrigo da Cunha Pereira, Fábia Maschietto, Caetano Lagrastra Neto, Flávio Tartuce e José Fernando Simão.3 Rodrigo da Cunha Pereira pondera que: “A interpretação da legislação infraconstitucional deve ser compatível com a Constituição Federal. Vê-se, portanto, mais uma razão da desnecessidade de se manter o instituto da separação judicial, pois, ainda que se admitisse a sua sobrevivência, a norma constitucional permite que os cônjuges atinjam seu 4 objetivo com muito mais simplicidade e vantagem”. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais incorporou a novidade, com expressivo numero de decisões neste sentido: 3 CUNHA, Bruno de Oliveira. Divórcio e separação judicial: a emenda constitucional 66 de 2010. Trabalho de Monografia para conclusão do curso de direito do Centro Universitário de Brasília. Brasília. 2012. p. 32. 4 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora GZ. 2010. p. 29. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - DIVÓRCIO DIRETO - NÃO COMPROVAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE FATO POR MAIS DE 2 (DOIS) ANOS - CF, ART. 226, § 6º, COM A REDAÇÃO DADA PELA EC N. 66/2010 - REVOGAÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL - INOCORRÊNCIA - NORMAS LEGAIS ORDINÁRIAS COMPATÍVEIS COM A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. 1. O § 6º do art. 226 da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda n. 66/2010, ao dispensar o requisito de "prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos" para a obtenção do divórcio, não revogou a legislação civil. 2. Regramento ordinário preservado pela nova ordem constitucional, porquanto se mantém perfeitamente compatível com a modificação feita pela Emenda n. 66. 3. Recurso provido, para julgar improcedente o pedido inicial. V.V. - APELAÇÃO CÍVEL - DIVÓRCIO DIRETO – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº66/2010 - NOVA REDAÇÃO DO §6º, DO ART. 226, DA CR/88 - REQUISITOS - PRÉVIA SEPARAÇÃO JUDICIAL OU DE FATO - SUPRESSÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. A Emenda Constitucional nº66/2010 conferiu nova redação ao §6º, do art. 226, da Constituição da República, suprimindo a exigência de prévia separação judicial, por mais de um ano, ou comprovada separação de fato, por mais de dois anos, para fins de divórcio. (TJMG - Apelação Cível 1.0028.12.000151-7/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/04/2013, publicação da súmula em 24/04/2013). 5 EMENTA: AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - SOBREVINDA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 66/10 - ABOLIÇÃO DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO - NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA - ALCANCE A AÇÕES EM ANDAMENTO, INCLUSIVE EM GRAU DE RECURSO ADAPTAÇÃO DO PEDIDO À NOVA ORDEM - OPORTUNIDADE CONCEDIDA ÀS PARTES - ASSENTIMENTO EXPRESSO DE AMBAS QUANTO AO DIVÓRCIO- APROVEITAMENTO PROCESSUAL DIVÓRCIO DECRETADO. PENSÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA PELO GENITOR À FILHA MENOR -VALOR - BINÔMIO 'NECESSIDADEPOSSIBILIDADE' - FIXAÇÃO - ANÁLISE DO CASO CONCRETO. PARTILHA DE BENS - REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL VEÍCULO E "PLACA DE TAXI" - INSTRUMENTOS DE PROFISSÃO INCOMUNICABILIDADE - ART. 1.659, V, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS DESPROVIDOS. - Com a sobrevinda da Emenda Constitucional n. 66/10, a conferir nova redação ao parágrafo 6º do art. 226 da Constituição, o instituto da separação foi abolido da ordem jurídica brasileira, passando o divórcio a figurar como única ação para dissolução do casamento. Nesse contexto, e considerando se tratar a Emenda de norma de aplicação imediata, com alcance a todas as ações em andamento, inclusive aquelas em grau de recurso, oportuniza-se às partes a conversão do processo de separação em ação de divórcio, a fim de se evitar a extinção do processo sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, em prestígio aos Princípios da Efetividade, Economia e Celeridade processuais. No caso dos autos, manifestado assentimento 5 BRASI. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0028.12.000151-7/001. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=15&tot alLinhas=66&paginaNumero=15&linhasPorPagina=1&palavras=separa%E7%E3o%20judicial%20apos %20ec%20n.66/2010&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegisla tiva=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisa Palavras=Pesquisar&> Acessado em: 19.04.2014. expresso por ambas as partes, decreta-se, desde já, o divórcio, em conformidade com o novo comando constitucional. - O parágrafo 1º, do artigo 1.694, do Código Civil de 2002, estabelece que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades da reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao prudente critério do juiz arbitrar o valor da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto. - No regime da comunhão parcial de bens, por força do que dispõe o art. 1.659, V, do Cód igo Civil, não se comunicam entre os cônjuges os instrumentos de profissão de cada um, em cujo âmbito se incluem o veículo utilizado pelo varão como meio de trabalho e a expressão pecuniária da permissão administrativa que detém para exploração da atividade de taxista ("placa de taxi"), sob pena de se inviabilizar o desempenho da sua atividade laborativa, em prejuízo do seu próprio sustento e da sua filha menor, a quem presta alimentos. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.09.735393-2/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2013, publicação da súmula em 25/04/2013) . 6 Outros Tribunais de Justiça como do Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina, Bahia e Rondônia concedem o divórcio independentemente de prazos. No Rio Grande do Sul, apesar de algumas resistências iniciais, consolidou-se o entendimento prestigiando a mudança, passando a ser reconhecida inclusive monocraticamente.7 Contudo, alguns doutrinadores consideram a supressão de menção à separação judicial na Constituição Federal não justifica o fim de tal instituto, facultando ao casal o procedimento a ser adotado conforme a situação fática. Gilberto Schäfer aduz que: “Retirar do Texto Constitucional não significa revogação, especialmente quando a matéria está regulada no plano ordinário. E este é justamente o ponto pelo qual não se demonstra a existência de uma revogação”. 8 No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ainda há divergências quanto a esse entendimento, havendo decisões nos dois sentidos: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO DIRETO. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010. O entendimento da Corte é pacífico no sentido de que o divórcio pode ser requerido pela parte interessada, independente de prévio tempo de separação de fato ou judicial. Precedentes jurisprudenciais. APELAÇÃO PROVIDA. EM MONOCRÁTICA. (Apelação Cível Nº 70052886066, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 27/01/2014) Comarca de Origem: Comarca de Barra do Ribeiro Data de Julgamento: 27/01/2014 Publicação: Diário da Justiça do dia 29/01/2014 6 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0024.09.735393-2/001. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&total Linhas=10&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=div%F3rcio%20e%20separa%E7%E3o%2 0judicial%20E%20impossibilidade%20jur%EDdica%20pedido&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro =true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20re fer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&> Acessado em: 19.04.2014. 7 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 51 e 52 8 SCHÄFER, Gilberto. A Emenda constitucional n. 66 e o divórcio no brasil. citado por DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 30. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO. CABIMENTO, AINDA QUE PENDENTE DISCUSSÃO ACERCA DA PARTILHA DE BENS E DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. Com o advento da EC n° 66/2010, a decretação do divórcio (para o que é prescindível a concordância da parte contrária) independe de transcurso de prazo pré-estabelecido ou de providência judicial anterior (separação fática do casal por mais de dois anos ou após ano da separação judicial), bem como de antecedente partilha de bens do casal (art. 1.581 do CC) e de discussão pendente acerca da obrigação alimentar. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70048252712, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 28/06/2012) Comarca de Origem: Comarca de Porto Alegre Data de Julgamento: 28/06/2012 Publicação: Diário da Justiça do dia 03/07/2012. 9 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERMANÊNCIA DA SEPARAÇÃO, APÓS A EC 66/2010 QUE RETIROU REQUISITO TEMPORAL PARA O DIVÓRCIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA LIMINAR DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. O entendimento majoritário da Corte é no sentido da permanência do instituto da separação judicial, mesmo após a EC 66/2010, que retirou os requisitos temporais para concessão do divórcio. Súmula 39 do TJRS. Demonstrada verossimilhança da alegação de necessidade e o potencial risco de dano de difícil reparação à subsistência da agravante, deve ser deferido o pedido de alimentos provisórios em antecipação de tutela liminar. PARCIALMENTE PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) - DECISÃO MONOCRÁTICA - (Agravo de Instrumento Nº 70049258817, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/06/2012) Comarca de Origem: Alvorada Data de Julgamento: 01/06/2012 Publicação: Diário da Justiça do dia 05/06/2012 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL CONSENSUAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010. NOVA REDAÇÃO DADA AO ART. 226, § 6°, DA CF/88 QUE ELIMINA OS REQUISITOS À DECRETAÇÃO DO DIVÓRCIO. INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL QUE NÃO FOI SUPRIMIDO DO ORDENAMENTO JURÍDICO. REQUISITOS TEMPORAIS PARA SUA DECRETAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. Persistindo no ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, e não mais subsistindo com o advento da EC n° 66/2010 os requisitos temporais (separação de fato por mais de dois anos ou da separação judicial por mais de um ano) para a decretação do divórcio, não se afigura razoável, por conseguinte, exigir das partes para a decretação da separação judicial (cujas consequências jurídicas são mais brandas do que as do divórcio) o preenchimento dos requisitos estampados no CC, quais sejam, de um ano de separação de fato para a separação litigiosa (art. 1.572, §1º) e de um ano de casamento para a consensual (art. 1.574, caput). Entendimento pacificado no 4º Grupo Cível. APELAÇÃO PROVIDA, EM MONOCRÁTICA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 9 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Cv. nº 70052886066 e nº 70048252712. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=div%F3rcio+e+separa%E7%E3o+judicial+e+ec+n.+66%2F2010&tb=ju risnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%2 8TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica% 7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=&ini=0> Acessado em: 19.04.2014. 70047937933, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 28/05/2012) Comarca de Origem: Ibirubá Data de Julgamento: 28/05/2012 Publicação: Diário da Justiça do dia 30/05/2012. 10 Regina Beatriz Tavares Silva aduz que o Supremo Tribunal Federal, em venerando acórdão, cuja decisão foi proferida a mais de um ano após a EC nº 66/2010, considerou vigente o instituto da separação em nosso ordenamento jurídico (2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 22.11.2011) e o Superior Tribunal de Justiça, em relevante acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi, faz referência à desnecessidade dos requisitos temporais na obtenção do divórcio e não à supressão da separação judicial como instituto jurídico em nosso Direito (Corte Especial, Sentença estrangeira contestada n. 5.302 – EX [2010/0069865-9], julgado em 12.05.2011).11 1.1.2 A Eliminação de Requisitos Temporais A EC nº 66/2010 suprimiu a necessidade do lapso temporal para decretação do divórcio (dois anos de separação de fato ou um ano de separação judicial), não sendo mais necessário comprovar a ruptura da convivência do casal. Esta foi a segunda grande mudança observada com o advento da referida emenda. Como aduzem Pablo Stolze Galiano e Rodolfo Pamplona Filho “O divórcio passa a caracterizar-se, portanto, como um simples direito potestativo a ser exercido por qualquer dos cônjuges, independendo da fluência de prazo de separação de fato ou de qualquer outra circunstância indicativa da falência da vida em comum”. 12 Esta alteração, apesar das duras críticas que sofre dos setores da sociedade defensores da família, permitiu a concessão do divórcio, sem a observação dos prazos antes determinados. Também não há mais que se falar em divórcio direto ou indireto, tornando inútil tais denominações, pois o divórcio indireto deixou de existir, restando apenas o divórcio direto, doravante denominado apenas de divórcio. 1.2 MODIFICAÇÃO LITERAL DA CONSTITUIÇÃO A Constituição Federal de 1988 sofreu uma alteração na redação do § 6º do art. 226, a partir da EC n. 66/2010, e, pela singeleza de seu texto, não deu margens ao legislador criar retrocessos ou entraves burocráticos por meio de legislações complementares. 10 ______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ap. Cv. nº 70052886066 e nº 70048252712. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=div%F3rcio+e+separa%E7%E3o+judicial+e+ec+n.+66%2F2010&tb=ju risnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%2 8TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica% 7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=&ini=0> Acessado em: 19.04.2014. 11 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Divórcio e separação após a EC n. 66/2010. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p.178. 12 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. 2. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 63. Apesar dos vários aplausos e algumas críticas, o novo texto legal deu ensejo a várias interpretações. Como observa Maria Berenice Dias: “Posições favoráveis e contrárias floresceram. Surgiram opiniões de todos os lados. Conclusão, ninguém sabia o que fazer! Os notários e registradores estavam temerosos de aplicar as novas regras por receio de descumprirem a lei. A grande maioria dos juízes, no entanto, optou por acabar com os processos que tramitavam há longos anos, sem qualquer resultado prático, a 13 não ser o desejo de vingança de um par.” As questões essenciais ao divórcio estão contempladas no Código Civil de 2002, contudo, as normas relativas à separação foram revogadas em virtude de incompatibilidade com o texto constitucional “o casamento se dissolve pelo divórcio”. Apesar de algumas resistências “a doutrina amplamente majoritária sustenta, com razão, que acabou a separação judicial e, com ela, a exigência de prazos e a identificação de causas para a concessão do divórcio”.14 Afirma Paulo Lôbo apud Maria Berenice Dias: “O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de aberto confronto com valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal”.15 Embora ainda exista o instituto da separação pelo fato de haver casais que se encontram nessas condições, a mesma não vem sendo mais ultimada, pois a única modalidade aceita para buscar o fim do casamento é o divórcio. Não há mais que se falar algumas expressões como separação judicial ou extrajudicial, muito menos em separação sanção, separação remédio ou separação ruptura. Também deixa de subsistir a distinção entre divórcio direto e indireto. Não é mais necessário o implemento de prazos ou imposição de culpa e desapareceu toda e qualquer restrição para a concessão do divórcio. Lembra Maria Berenice Dias que: A partir da EC 66/2010, a única modalidade de buscar o fim do casamento é o divórcio, que não mais exige a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a motivos, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda. Via de consequência, não subsiste sequer a necessidade 16 do decurso de um ano do casamento para obtenção do divórcio (CC 1.574). 2 O INSTITUTO DA SEPARAÇÃO E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 Com a promulgação da EC n. 66/2010, criou-se a ideia que deixa de existir no ordenamento jurídico o instituto da separação judicial e, consequentemente, toda legislação do Código Civil com relação teve artigos tacitamente revogados (1.571 ao 1.578, e 1.580 do CC/02). O art. 1.571 faz referência ao instituto da separação, os arts. 13 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 43. 14 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 44. 15 LÔBO apud DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 43. 16 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 48. 1.572 a 1.578, que tratam da separação judicial e o art. 1.580 que dispõe sobre o divórcio indireto. Contudo, na prática isso não ocorreu. Embora não sendo mais decretada a separação judicial por impossibilidade jurídica do pedido, a mesma ainda persiste na legislação infraconstitucional pelo fato que muitos casais ainda se encontram nesta situação por terem se separado antes da introdução da EC n. 66/2010. A tese de que a separação judicial não foi revogada pela EC n. 66/2010, vem ganhando cada vez mais força nos tribunais brasileiros, sendo que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu a Súmula 39 com seu entendimento sobre o tema: “A Emenda Constitucional 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, dispensados, porém, os requisitos de um ano de separação de fato (quando litigioso o pedido) ou de um ano de casamento (quando consensual)”. Referência: Incidente de Prevenção ou Composição de Divergência em Apelação Cível nº 70045892452, julgado em 05.04.2012. Sessão do 4º Grupo Cível. Disponibilização DJ nº 4820, de 27.04.2012, Capital, 2º Grau, p. 210. 17 Esse entendimento fica claro em decisões do mesmo tribunal, conforme se observa em acórdão de 2011, com votos unânimes de acordo com o relator: APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE CONVERSÃO EM DIVORCIO. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010. NOVA REDAÇÃO AO § 6º DO ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL (ART. 1.580 DO CÓDIGO CIVIL). REQUISITOS PRESERVADOS, POR ORA. 1. A aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, ao dar nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, efetivamente suprimiu, do texto constitucional, o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos . 2. Não houve, porém, automática revogação da legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. Para que isso ocorra, indispensável seja modificado o Código Civil, que, por ora, preserva em pleno vigor os dispositivos atinentes à separação judicial e ao divórcio. Inteligência do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42). NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70039476221, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, JULGADO EM 13/01/2011).18 17 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Súmula n.39. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site/jurisprudencia/sumulas/sumulas_do_tribunal_de_justica/> Acessado em: 19.04.2014. 18 ______. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70039476221. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_acordaos.php?Numero_Processo=70039476221&cod e=4363&entrancia=2&id_comarca=700&nomecomarca=Tribunal%20de%20Justi%E7a&orgao=TRIBU NAL%20DE%20JUSTI%C7A%20-%208.%20CAMARA%20CIVEL> Acessado em: 19.04.2014. 2.1 O FIM DA CULPA Antes da EC n. 66/2010, quando os cônjuges buscavam a separação era necessário comprovar a “ruptura da vida em comum a mais de um ano” ou “atribuir ao outro a culpa pelo fim da união” (artigo 1.572 do CC/02). Depois de decretada a separação, ainda era preciso aguardar o lapso temporal de um ano e voltar à juízo para conversão da mesma em divórcio (artigo 1.580, § 1º do CC/02). A necessidade de imputar ao outro a prática de ato que importe em grave violação dos deveres do casamento (artigo 1.566 do CC/02) e torne insuportável a vida em comum (artigo 1.572 do CC/02), caracterizava-se por uma conduta desonrosa, a qual possibilitava a denominada “separação sanção”, pelo seu caráter punitivo. O cônjuge “inocente” poderia propor a ação contra o outro, considerado “culpado” demonstrando os motivos do pedido de separação de acordo com o rol constante no artigo 1.573 do CC/02 os quais são: Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a 19 impossibilidade da vida em comum. Esta situação impunha a intromissão do Estado na intimidade do casal, expondo a privacidade e a intimidade das pessoas perante terceiros, o que afronta o princípio da dignidade da pessoa humana. A obrigação de revelar a intimidade do outro ao juiz, na presença de um promotor, para que determinasse a culpa, é notadamente inconstitucional nos termos da Constituição Federal de 1988. Com muita clareza afirma Maria Berenice Dias: “Não tem sentido averiguar a culpa, com motivação de ordem íntima, psíquica, quando a conduta pode ser apenas sintoma do fim”20. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho são enfáticos ao afirmar que: “Resta claro que, se o único fundamento para a decretação do divórcio é a falência afetiva da relação, afigura-se inteiramente desnecessária a análise da culpa”21. Apesar de banidos os questionamentos da culpa sobre as causa da dissolução do casamento, não exclui a possibilidade da pretensão indenizatória promovida pelo cônjuge que sofreu danos. Isto se deve porque ofensas físicas ou morais, que importem em danos materiais, estéticos ou até mesmo morais, são passíveis de ação indenizatória por parte da vítima, podendo inclusive correr nas varas cíveis sob segredo de justiça, se requerido pelas partes envolvidas. No entanto é necessária comprovar o dano, a culpa e o nexo causal, elementos esses imprescindíveis para a propositura da ação de indenização. 19 BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil: de 2002 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 19/04/2014. 20 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2 ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 64. 21 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. 2. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 94. A jurisprudência atual tem afastado a possibilidade de indenização por dano moral pelo simples fato do descumprimento do dever de fidelidade. Neste sentido tem algumas decisões dos tribunais pátrios: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO ENTRE EX-MARIDO E AMANTE. INEXISTENTE ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. 1. A traição, por si só, bem como as conseqüências dela oriundas, não geram o dever de indenizar. 2. A doutrina e a jurisprudência reconhecem a indenização por abalo moral entre cônjuges ou conviventes quando há cometimento de ilícito penal um contra o outro, mas não quando apenas há infração aos deveres matrimoniais. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70044272532, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 28/09/2011) Tipo de Processo: Apelação Cível - Número: 70044272532 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS Órgão Julgador: Nona Câmara Cível Comarca de Origem: Santa Maria Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira Data de Julgamento: 28/09/2011 22 Publicação: Diário da Justiça do dia 30/09/2011. EMENTA: AÇÃO DE DIVÓRCIO - PARTILHA - MEAÇÃO DE DÍVIDAS - IMPOSSIBILIDADE - SENTIMENTO DE TRAIÇÃO - DANO MORAL AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO - DEVER DE INDENIZAR INEXISTÊNCIA - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO "IN SPECIE". - A infidelidade, por si só, não gera direito à indenização por danos morais. - As desilusões e os aborrecimentos no restrito campo dos sentimentos não são suficientes para gerar indenização por abalo moral. - Não tendo o réu comprovado de forma segura a existência de dívida contraída na constância do casamento, inviável a pretensão de meação deste alegado passivo entre o casal. (TJMG - Apelação Cível 1.0702.11.0233724/001, Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/02/2014, publicação da súmula em 10/02/2014) Súmula: NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO Comarca de Origem: Uberlândia Data de Julgamento: 04/02/2014 23 Data da publicação da súmula: 10/02/2014. O Código Civil de 2002 dispõe em seu artigo 1.704 que o cônjuge “culpado” perde o direito à pensão alimentícia plena, fixando o juiz o valor indispensável à sua sobrevivência, isto não tiver parentes em condições de prestá-la, nem aptidão para o trabalho, contudo, sem se ater a condição social anterior do casal. 22 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível – nº: 70044272532. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=dano+moral+e+infidelidade&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3AT ribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3r d%25C3%25A3o|TipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica|TipoDecisao%3Anull%29&requiredfields =&as_q=> Acessado em: 19.04.2014. 23 ______. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível – nº: 1.0702.11.023372-4/001. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=2&total Linhas=32&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=infidelidade%20e%20dano%20moral&pes quisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lup a%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&> Acessado em: 19.04.2014. A legislação garante os alimentos indispensáveis ao cônjuge “culpado” em observância aos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, que não estão vinculados à culpa. Seria desumano condenar o antigo cônjuge a passar fome ou qualquer tipo de necessidade em decorrência de conduta desonrosa ou grave descumprimento do dever conjugal. Outra consequência sanção decorrente da culpa é a perda do direito de utilizar o sobrenome do outro cônjuge como prescreve o artigo 1.578 do CC/02: Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano grave reconhecido na decisão judicial. § 1o O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro. 24 § 2o Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado. É evidente que essas consequências decorrentes da culpa devem permanecer no ordenamento jurídico pátrio, pois a eliminação desses efeitos poderiam trazer consequências extremamente danosas e esdrúxulas como exemplo o homem traído ter de alimentar plenamente sua ex-mulher, beneficiando inclusive seu amante, ou de uma mulher abusada pelo marido ter que sustentá-lo, mantendo seu status-quo anterior a dissolução do casamento. O mesmo ocorre com relação ao nome, pois haveria violação do princípio da dignidade da pessoa humana se o cônjuge desrespeitado tivesse seu sobrenome atrelado ao outro que o desrespeitou pelo resto da vida.25 Como observa Pablo Stolze “a culpa não deverá ser critério preponderante na regulação judicial desse direito, podendo qualquer dos cônjuges, mediante procedimento judicial, a todo tempo, retornar o seu nome de solteiro”.26 3 RELEVÃNCIA SOCIAL Com a promulgação da EC n. 66/2010 houve um expressivo aumento nos números de divórcio e uma drástica redução no número de separações perante um crescimento linear e uniforme dos casamentos. 24 BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil: de 2002 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 20.04.2014. 25 TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Divórcio e separação após a EC n. 66/2010. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 78. 26 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. 2. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 114. Para ilustrar tal situação foram analisados os dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quanto aos números de casamentos, separações e divórcios no Brasil e em Minas Gerais no período de 2008 a 2012. Esses dados, após tabulados, geram gráficos interessantes, os quais possibilitam algumas deduções, conforme segue adiante: ANO CASAMENTOS BRASIL SEPARAÇÕES MINAS GERAIS BRASIL MINAS GERAIS DIVÓRCIOS BRASIL MINAS GERAIS 2008 959.901 105.504 14.623 2.082 37.703 3.662 2009 935.116 103.884 14.509 2.074 37.963 3.947 2010 977.620 109.832 9.470 1.256 63.358 7.138 2011 1.026.736 113.767 599 56 80.184 9.599 2012 1.041.440 116.228 248 22 78.949 9.245 Tabela 1: Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - tabela de dados adaptada pelo autor. 1.500.000 1.000.000 CASAMENTOS BRASIL 500.000 CASAMENTOS MINAS GERAIS 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 1 - elaborado pelo autor conforme dados fornecidos pelo IBGE. 100.000 50.000 SEPARAÇÕES BRASIL DIVÓRCIOS BRASIL 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 2 - elaborado pelo autor conforme dados fornecidos pelo IBGE. 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 - SEPARAÇÕES EM MG DIVÓRCIOS EM MG 2008 2009 2010 2011 2012 Gráfico 3 - elaborado pelo autor conforme dados fornecidos pelo IBGE. Anual MINAS GERAIS BRASIL Variação Casamento Separações Divórcios Casamento Separações Divórcios 2008 - 2009 -2,58% -0,78% 0,69% -1,54% -0,38% 7,78% 2009 - 2010 4,55% -34,73% 66,89% 5,73% -39,44% 80,85% 2010 - 2011 5,02% -93,67% 26,56% 3,58% -95,54% 34,48% 2011 - 2012 1,43% -58,60% -1,54% 2,16% -60,71% -3,69% Tabela 2: Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - adaptada pelo autor. 27 De acordo com matéria veiculada pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP) em 06/02/2014, o número total de divórcios e conversões de separações em divórcio no Estado de São Paulo evoluiu da seguinte forma: Divórcios e Conversões de Separações em Divórcio no Estado de São Paulo ANO NÚMERO 2007 6.358 2008 7.403 2009 7.693 2010 13.700 2011 17.534 2012 16.554 2013 17.569 Fonte: Colégio Notarial do Brasil – tabela adaptado pelo autor Os cartórios de notas do estado de São Paulo lavraram 17.569 divórcios em 2013, um aumento de 6,13% em relação a 2012, quando foram realizados 16.554 atos, de acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP). Os cartórios de notas passaram a lavrar escrituras de divórcio em 2007, com a aprovação da Lei 11.441/07, que desburocratizou o procedimento e permitiu a realização de divórcios consensuais em cartório. De 2007 até agora, foram 87.215 processos de divórcio que deixaram de ingressar no Poder Judiciário paulista porque foram resolvidos consensualmente em cartório, perante um tabelião de notas. “No Judiciário, esses processos poderiam levar meses, mas, hoje, em cartórios de notas, podem ser resolvidos até no mesmo dia, dependendo da complexidade do caso e da documentação envolvida”, explica Mateus Brandão Machado. 28 Fica evidente a explosão dos números de divórcios a partir do ano de 2010, com a promulgação da EC n. 66/2010, onde se observa um aumento de 66,89 % no Brasil e de 80,85 % no Estado de Minas Gerais. A mesma tendência foi observada nos outros estados da União. 27 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Registro civil. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2012/default_xls.shtm> Acessado em: 20.04.2014. 28 Colégio Notarial do Brasil – Seção: São Paulo. Press release pulicado em 06.02.2014. Disponível em: < http://www.cnbsp.org.br/SalaImprensa.aspx> Acessado em: 21.04.2014. Por outro lado, nota-se a drástica redução do número de separações a partir do ano de 2010, enquanto que o número de casamento mantém um crescimento anual proporcional ao aumento populacional. As alterações provocadas pela EC n. 66/2010 veio de encontro com os anseios da população, atendendo uma demanda reprimida, que começa a se estabilizar a partir do ano de 2012, demonstrando dessa forma a relevância social da nova legislação na dissolução do casamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa alteração da norma constitucional inovou e atendeu aos anseios de todos, principalmente não só por agilizar o processo de divórcio, mas também por desvincular o Estado da ingerência no âmbito íntimo e pessoal, resultando num significativo avanço no ordenamento jurídico pátrio. Antes dessa inovação era necessária prévia separação judicial, com observância de requisitos temporais para a concessão do divórcio. Há divergências na doutrina quanto ao fim do instituto da separação. Enquanto alguns doutrinadores admitem que a alteração constitucional, além de eliminar os requisitos prévios para a concessão do divórcio, também revogou a separação judicial e a separação extrajudicial, outros entendem que o referido instituto não foi revogado, tendo sido banido do nosso ordenamento jurídico apenas os lapsos temporais previstos no § 6º do art. 226 da CF/88 antes da Emenda 66/2010. O fundamento utilizado para a manutenção da separação judicial, apesar de não haver mais a previsão desse instituto no art. 226, § 6º da CF/88, é que tal instituto ainda está previsto nas normas infraconstitucionais. A emenda constitucional não dispôs de forma expressa sobre a revogação do instituto da separação judicial. Segundo a Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 2º, § 1º, o qual prescreve que ao se criar uma lei, esta revogará a lei anterior desde que de forma expressa, ou nos casos em que a nova lei for incompatível com a anterior ou quando aquela regular inteiramente a matéria tratada por esta. Como não ocorreu nenhum dos três casos acima em relação à EC 66/2010, essa apenas deixou de se referir aos lapsos temporais que antes eram necessários para a concessão do divórcio, por isso, admite-se que persiste no nosso ordenamento jurídico o instituto da separação judicial. Com isso, a conclusão que se chega é que a inovação constitucional trazida pela referida emenda apenas eliminou a separação judicial e de fato, exclusivamente, como requisito prévio para a concessão do divórcio, possibilitando a opção pelo divórcio direto. Desse modo, permanece em nosso ordenamento jurídico a separação judicial e extrajudicial, sendo apenas uma opção ao casal que não deseja o divórcio; podendo, posteriormente, serem convertidas em divórcio normalmente. Os tabeliães aderiram à alteração provocada pela EC n.66/2010, orientando os cônjuges que procuram a via cartorária e os órgãos representativos dos serviços notariais pelo fim do instituto da separação judicial. As escrituras de separação em fase de elaboração não podem mais serem lavradas, caso os cônjuges não aceitem o divórcio. A persistência da figura da separação na legislação nacional se pauta numa justificativa conservadora, de conteúdo moral religioso, caracterizando um retrocesso desprovido de conteúdo jurídico. Ao manter essa inoportuna “via de mão dupla” deixará de prevalecer o exercício de direito da liberdade de escolha, ferindo o respeito à dignidade humana. O único procedimento adequado para a dissolução do casamento é o divórcio, de maneira rápida e direta, sem qualquer interferência do Estado, não havendo que se falar em culpa ou prazos com intuito meramente protelatório. O alcance da mudança está diretamente relacionado com a extinção da separação judicial, acabando assim com a possibilidade de questionamentos a respeito das causa do fim do matrimônio, extirpando prazos e apuração de culpa no âmbito do Direito das Famílias, a qual cabe ser discutida em sede de responsabilização no Direito Civil. Por fim, o aspecto mais importante e significativo da alteração constitucional provocada pela EC n. 66/2010 foi o fim da injustificável interferência estatal na vida privada e na esfera íntima dos cônjuges. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGRICAS BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código civil: de 2002 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acessado em: 24/12/2013. CUNHA, Bruno de Oliveira. Divórcio e separação judicial: a emenda constitucional 66 de 2010. Trabalho de Monografia para conclusão do curso de direito do Centro Universitário de Brasília. Brasília. 2012. DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!: comentários à emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010. 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. O novo divórcio. 2. ed. ver. atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Divórcio: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora GZ. 2010. TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Divórcio e separação após a EC n. 66/2010. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
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