PARTILHA EXTRAJUDICIAL DE BENS: A possibilidade de

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PARTILHA EXTRAJUDICIAL DE BENS: A possibilidade de
PARTILHA EXTRAJUDICIAL DE BENS: A possibilidade de partilha extrajudicial
posterior ao divórcio judicial.
Leandro Augusto Neves Corrêa1
Com o advento da Lei 11.441/072, muitos foram os questionamentos acerca de sua
aplicabilidade nos procedimentos consensuais do Inventário, da Separação e do Divórcio.
Mas somente com a prática diária nas serventias extrajudiciais que algumas situações
se apresentaram.
Dentre tais situações destaca-se a indagação quanto à possibilidade de partilha, em
tabelionato de notas, de bens não aventados em divórcio judicial. Aponta-se o seguinte
exemplo: um casal, com filhos menores, procura o cartório de notas para lavrar escritura
pública de partilha de bens, em razão do fim da sociedade conjugal, após realizado o divórcio
em juízo.
Surge a discussão: cabe ao notário lavrar tal escritura? E o menor envolvido? Haveria
interesse do menor a ser resguardado?
Para dirimir tais questionamentos sustenta-se, no presente estudo, uma interpretação
teleológica da Lei 11.441/07.
O aludido texto normativo trouxe para o universo jurídico algumas inovações a fim de
desafogar o Poder Judiciário, dando aos tabeliães prerrogativas para homologar inventários,
partilhas, separações e divórcios por via de escritura pública.
Há em todas as esferas da sociedade um entendimento de que é necessária a
desburocratização do Estado, não há que se falar em intervenção estatal nas relações
individuais, sendo, então, as novidades da aludida lei coerentes com esse clamor público.
É notório o crescimento da autonomia do privado, fazendo com que cada vez menos o
Estado intervenha em questões ontologicamente privadas. Ao mesmo tempo, a supracitada lei
adotou as cautelas necessárias para a tutela daqueles que não tem capacidade de acordar,
dispor ou transigir com seus direitos. Para tanto, limitou o universo de atuação dos cartórios
de notas.
A professora Maria Luiza Póvoa Cruz, pontua com precisão:
A Lei 11.441/2007, ao possibilitar que os processos necessários de separação,
divórcio e inventário possam ser efetuados sob a forma extrajudicial, de forma
rápida, sem maiores constrangimentos para o casal (no caso da separação e
divórcio), como também para os herdeiros do de cujus, no inventário, coaduna com
a justiça coexistencial, priorizando a autonomia das partes e atendendo a
instrumentalidade e efetividade do processo contemporâneo. 3
Assim, conclui-se que o legislador brasileiro intentou deixar com o indivíduo a
responsabilidade de tutelar aquilo que lhe cabe. Ao Estado somente aquilo que é da
coletividade, deixando o restante para que as partes pactuem de forma livre. Não obstante,
1
Leandro Augusto Neves Correa, assessor jurídico de serventia extrajudicial, instrutor de notas do Recivil, pós
graduado em Direito Notarial e Registral na FMC.
2
Altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a
realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa.
3
CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Separação, divórcio e inventário por via administrativa. 2. ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2008, p. 05.
1
sendo sempre preservada a segurança jurídica dos atos, haja vista a produção das escrituras
públicas.
O divórcio, nos termos do art. 1.571, CC/02, é uma das causas de dissolução da
sociedade conjugal, sendo o único a extinguir o vínculo conjugal (não adentrando à seara da
existência, ou não, de separação após EC/66)
Em artigo subsequente aos últimos apontados, o Código Civil apresenta: “Art. 1.581.
O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”
Coaduna com tal dispositivo legal a súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça: “O
divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens.”
Essa construção foi consolidada não somente para o divórcio, mas também para a
separação4.
Assim, observa-se que a dissolução da sociedade conjugal se dará independentemente
de partilha de bens. Corroborando com tal texto legal, o Código de Processo Civil em seu art.
1.121, caput e § 1º, apresenta os requisitos para a Separação Consensual, analogicamente
utilizados para o procedimento do Divórcio:
Art. 1.121. A petição, instruída com a certidão de casamento e o contrato
antenupcial se houve, conterá:
I – a descrição dos bens do casal e a respectiva partilha;
II – o acordo relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas;
III – o valor da contribuição para criar e educar os filhos;
IV – a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir bens suficientes
para se manter.
§ 1º. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta, depois de
homologada a separação consensual, na forma estabelecida neste Livro, Título I,
Capítulo IX. [...]
Percebe-se, no inciso I, a necessidade da partilha e, ao mesmo tempo, no parágrafo
primeiro, a desconsideração de tal necessidade, caso não seja intenção do casal proceder na
partilha de bens; apresenta, ainda, o rito a ser seguido na futura partilha.
Portanto, de todos os requisitos apresentados nos incisos acima transcritos, o único
passível de deliberação futura é a partilha dos bens. Assim, somente a questão dos bens é
disponível aos cônjuges postegar no tempo, quiçá nunca fazê-la.
A norma, no entanto, é bem clara quanto à obrigatória disposição a respeito da guarda
dos menores e dos alimentos, direitos indisponíveis mantidos sob a tutela jurisdicional do
Estado, coadunando com os ditames do art. 227 da Constituição da República de 1988.5
O art. 1.574 do Código Civil pátrio apresenta limitações ao direito das partes, dando
ao magistrado, no caso da separação judicial, o poder de recusar a homologação da separação
caso entenda que não estão sendo preservados interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.
4
“[...] a redação do citado art. 1.581 demonstra que o sistema adotado pelo novo diploma é o de que a divisão de
bens, na separação judicial, não pode ser obrigatória, como de resto vem entendendo a jurisprudência mais
atualizada. Ora, se o divórcio pode ser realizado sem partilha prévia de bens, não há motivo para que a separação
judicial também não o possa”. GONÇALVES, Carlos Roberto. 7. ed. Direito Civil Brasileiro: Direito de
Família. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 215.
5
Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
2
Portanto depreende-se que tais quesitos (guarda e alimentos) são inerentes aos
procedimentos da separação/divórcio em juízo, não havendo como dispor posteriormente ou
diferentemente dos moldes legais. Há que se salientar que são direitos condicionantes a
própria existência digna do indivíduo.
Retornando ao ponto de partida do presente trabalho, entende-se mais correto não
haver nada que obste a posterior partilha dos bens do ex-casal (já divorciado), diante acordo
entre as partes, feita em cartório de notas por meio de escritura pública, independentemente de
haver filhos comuns menores de idade.
O Ilustre professor Rolf Madaleno apresenta as seguintes afirmações:
Pelo art. 1.124-A do CPC o acesso ao divórcio extrajudicial é restrito aos casais sem
filhos menores ou incapazes. Embora assim ordene a lei, não há como vetar o
divórcio administrativo se, por intermédio de outras demandas, ou por distintos
acordos judiciais o casal já encaminhou a solução dos interesses indisponíveis dos
seus filhos menores ou incapazes.(grifo nosso)6
Partindo para uma análise do que diz Madaleno, temos que o casal poderá proceder ao
divórcio extrajudicial se, de alguma forma, já decidiu sobre os interesses indisponíveis dos
menores. Imaginemos: na separação judicial se estabelece todos os critérios quanto aos
menores (guarda, alimentos, etc). Diante disso, no que se depreende das colocações do
professor Rolf Madaleno, poderia se partir para o divórcio extrajudicial em escritura pública.
Ora, se podemos proceder o Divórcio, porque não a simples sobrepartilha de bens?
“Quem pode o mais, pode o menos”7. Se nos termos do divórcio judicial todos os interesses
dos menores foram preservados, havendo, inclusive a chancela do membro do parquet, seria,
nos termos do entendimento do Ilustre jurista, inatacável a possibilidade da partilha dos bens
ocorrer em tabelionato de notas.
Da mesma forma, Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra, no volume de Direito de
Família, orienta:
Em princípio, pois, a existência de filhos menores ou incapazes impede a dissolução
do casamento mediante escritura pública, devendo ser observado o procedimento
judicial, mais demorado. [...] Todavia, se o pacto não versar sobre eventuais direitos
dos filhos, que são indisponíveis, o casal poderá deliberar a separação ou o divórcio
por meio de escritura pública. Assim, fraciona-se a dissolução do casamento. Em
sede administrativa, por meio de escritura pública, serão ajustados os interesses
recíprocos de caráter disponível do casal, como a partilha de bens e o uso do nome,
extinguindo-se a união conjugal. E, na via judicial, serão resolvidas as questões
atinentes à guarda e visita dos filhos incapazes, bem como aos alimentos a eles
devidos, além de outras eventuais divergências. (grifo nosso) 8
Denota-se que o entendimento é afeito ao anterior. Assim, a partilha de bens, mesmo
na existência dos menores, poderia ser feita extrajudicialmente, acautelando o direito dos
incapazes em juízo.
6
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 340-341.
No entendimento de Carlos Maximiliano, “In eo quod plus est semper inest et minus: ‘Quem pode o
mais, pode o menos’ (Literalmente: ‘Aquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos’.
‘No âmbito do mais sempre se compreende também o menos’)”. MAXIMILIANO, Carlos. 18. ed. Rio
de Janeiro: Forense. 2000, p. 245.
8
GONÇALVES, op. cit. p. 211.
3
7
Corroborando com a doutrina apresentada, em interpretação sistemática do
ordenamento pátrio chegamos a conclusão semelhante.
O art. 1.121, § 1º, CPC, diz que caso a partilha não ocorra nos termos da sepação, farse-á aquela posteriormente nos termos do Livro IV, Título I, Capítulo IX do Código de
Processo Civil, o capítulo do Inventário e Partilha.
A resolução de número 35 do Conselho Nacional de Justiça, de 24 de abril de 2007,
que regula a aplicação da Lei 11.441/07, aponta para o mesmo entendimento ao dispor em seu
art. 39 que: “A partilha em escritura pública de separação e divórcio consensuais far-se-á
conforme as regras da partilha em inventário extrajudicial, no que couber”. Restando ao art.
25, a mesma Resolução do CNJ, que trata do inventário extrajudicial, apresentar a
possibilidade de sobrepartilha de bens.
Para tal partilha extrajudicial não há nenhuma vedação legal, nem mesmo qualquer
orientação contrária no que tange à existência de filhos menores do ex-casal.
Ademais, atentemos para que o patrimônio amealhado na constância do casamento é
dos cônjuges. Não há que se falar que os bens do casal são de interesse dos menores, haja
vista que o casal poderá dispor dos mesmos da forma que bem entender, sem qualquer
outorga dos filhos. Como já destacado, os direitos indisponíveis dos menores, na dissolução
da sociedade conjugal, são os de guarda e de alimentos, tendo em vista que não se pode
sonegar-lhes o Poder Familiar e o direito a alimentos, condições primárias para a vida digna
do menor.
Obviamente, qualquer direito hereditário dos menores não deve ser verificado neste
momento. Os bens de pessoas vivas não afetam aos seus possíveis herdeiros, sob pena de se
proceder no pacta corvina (pacto sucessório).
Ressalta-se que, diferentemente do inventário extrajudicial, a presença de menor na
separação/divórcio não deve obstar a partilha de bens. No inventário, o menor, elemento
impeditivo da lavratura da escritura, tem interesse direto nos bens partilhados, sendo ele
herdeiro do de cujus por “cabeça” ou por representação, o que não ocorre na partilha em razão
da dissolução da sociedade conjugal.
Portanto, o ordenamento pátrio visou tutelar alguns direitos indisponíveis e deixar para
que o particular decida livremente sobre outros. Desta forma não cabe ao Estado intervir na
partilha de bens do casal, podendo a mesma ser procedida em tabelionato de notas,
independentemente de homologação judicial, mesmo tendo sido processado divórcio judicial
prévio, sendo a escritura meio hábil para registros imobiliários e outras questões acerca dos
bens.
Enfim, tomando como referências a intenção do legislador brasileiro ao elaborar a Lei
11.441/07 e o evidente processo de Desjudicialização das relações jurídicas, outro não poderia
ser o entendimento do presente trabalho senão o da simplicidade dos procedimentos e
desafogamento do Poder Judiciário, retirando da máquina judiciária relações privadas
desprovidas de conflitos.
Conclui-se, portanto, que na partilha de bens do casal com filhos menores, não há que
se resguardar direitos do menor, haja vista sem havê-los. Soma-se o fato de que os bens são de
disposição livre do casal, não interessando ao menor a forma com que seus pais dispõem do
patrimônio que lhes cabem. Tampouco compete ao Estado interferir na gestão patrimonial do
4
casal, seja porque não há interesse maior aí envolvido, seja pela nova sistemática adotada pelo
ordenamento pátrio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Separação, divórcio e inventário por via administrativa. 2.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. 7. ed. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São
Paulo: Saraiva, 2010.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MAXIMILIANO, Carlos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000.
5

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