considerações sobre a nova lei do divórcio

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considerações sobre a nova lei do divórcio
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A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010: CONSIDERAÇÕES SOBRE A
NOVA LEI DO DIVÓRCIO
Juliana Akemi Kodami1
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo traçar algumas considerações
acerca do novo procedimento adotado para a dissolução do casamento. Com o
advento da Emenda Constitucional n° 66/2010, modificou-se a redação do art.
226, §6°, da Constituição Federal, a seguir transcrito: “O casamento civil pode
ser dissolvido pelo divórcio”. Esta alteração causou um considerável impacto
no Direito de Família, na medida em que possibilita a dissolução da sociedade
conjugal extinguindo-se os prazos de prévia separação para a propositura da
ação de divórcio. Sem olvidar da evolução trazida introduzida por esta emenda,
verifica-se o surgimento de diversas interpretações advindas desta redação, as
quais serão a abordadas no decorrer do trabalho.
Palavras- chave: Família. Poder. Constituição Federal.
ABSTRACT: The scope of this work is to draw some considerations about the
new procedure adopted for the dissolution of marriage. With the advent of
Constitutional Amendment n° 66/2010, has changed the wording of art. 226, § 6
of the Federal Constitution and is reproduced below: "Civil marriage may be
dissolved by divorce." This change has caused a considerable impact on family
law, insofar as possible the dissolution of the marriage being terminated prior
separation of the deadlines for the filing of divorce. Without forgetting the
evolution brought introduced by this amendment, there is the emergence of
different interpretations came up with this wording, which will be addressed in
the course of work.
Key-Words: Family. Power. Constitucional Amendment.
1 INTRODUÇÃO
O divórcio fora introduzido no sistema jurídico brasileiro em
1977 pela Emenda Constitucional n° 9, de 28 de junho de 1977, a qual conferiu
nova redação ao art. 175, §1°, da Constituição de 1969, devendo ser
regulamentado por lei ordinário. Assim, o divórcio somente passou a ser
aplicado no Brasil com a sua regulamentação pela Lei n° 6515/1977.
Anteriormente à edição desta lei somente era permitido o desquite, o qual
extinguia a sociedade conjugal, mas não o casamento, não sendo possivel,
pois, contrair novo matrimônio.
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A introdução do divórcio no sistema jurídico, ensina Traldi
“marcou o término do princípio da indissolubilidade do casamento. Na época
representou uma grande evolução ao permitir novo casamento”.
Desde a edição da Lei n° 6515/1977 vinha sendo feita a
distinção entre “terminar” e “dissolver” o casamento. Segundo Cunha “foi
necessário este 'jogo' de palavras para dar alguma coerência ao incoerente e
inútil instituto da separação judicial”. Esta assertiva baseia-se no fato de que
dissolver ou terminar o casamento possuem o mesmo sentido, ou seja, o
casamento acabou. A diferença primordial residia no fato de que somente
quem se divorciou é que poderia se casar novamente.
Ocorre que desde a aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional nº 28 de 2009, em julho de 2010, transformada na Emenda
Constitucional n° 66/2010, a qual alterou o artigo 226, §6º, da Constituição
Federal, o Direito de Família pátrio sofreu a maior revolução deste século.
A redação original do supracitado dispositivo legal assim
previa:
§6°. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após
prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais
de dois anos.
Da leitura do supracitado dispositivo extraem-se os requisitos
necessários para a propositura da ação antes da EC n° 66/2010: a prévia
separação judicial, homologada por sentença transitada em julgado há mais de
1 (um) ano; ou, a separação de fato, devidamente comprovada, por mais de 2
(dois) anos.
A partir do advento da EC n° 66/2010, a redação ficou assim:
§6°. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. À primeira vista a
alteração parece ser simples, todavia, acarretará profundas mudanças no
Direito de Família, que serão devidamente abordadas.
A primeira e grande mudança concerne refere-se à separação
judicial. Como sabido, o casamento é composto por dois elementos: a
sociedade conjugal e o vínculo conjugal.
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Anteriormente à EC n° 28/2009 a sociedade conjugal era
extinta através da separação judicial, que poderia ocorrer de duas formas:
a) separação judicial litigiosa: prevista no art. 1572, caput e parágrafos do CC,
existia a possibilidade da discussão acerca da culpa pelo fim do casamento;
b) separação judicial consensual: art. 1574 e seguintes do CC, tinha como
requisito a necessidade dos cônjuges estarem casados há pelo menos 1 (um)
ano.
Com o advento desta EC ficou definitivamente excluído do
sistema jurídico a separação judicial. A partir desta mudança e do
desaparecimento
do
instituto
da
separação
judicial,
o
divórcio,
concomitantemente com a morte ou invalidade, será a maneira de se por termo
ao casamento (aí incluídos o vínculo e a sociedade conjugal).
O divórcio poderá ocorrer de duas maneiras: consensual ou
litigiosa. Independente da forma, não mais existe como requisito qualquer
prazo de casamento ou de separação de fato.
Assim sendo, na hipótese de se encontrarem de acordo,
podem os cônjuges propor ação de divórcio consensual ou lavrar escritura
Pública.
Caso não haja acordo, qualquer um dos cônjuges poderá
propor ação de divórcio litigioso. Entretanto, o réu não terá qualquer tipo de
defesa a alegar em seu favor. Não pode discutir a culpa do cônjuge autor da
ação, prazos de casamento ou de separação de fato, eis que tais fatores se
tornaram irrelevantes com a mudança constitucional.
Por fim, há de se salientar que a EC n° 66/2010 não aboliu com
a noção de sociedade conjugal, a qual permanece intacta no sistema. Ao
contraírem o matrimônio, surgem para os nubentes a sociedade conjugal e o
vínculo conjugal. Porém, se outrora era possível se terminar com a sociedade,
mas manter o vínculo, hoje, a sociedade e o vínculo conjugal terminam
simultaneamente com o divórcio.
Como salienta Simão (2010, p. 3): “a PEC não altera o conceito
ou a existência de uma sociedade conjugal, mas muda apenas a forma de sua
extinção”.
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2 O INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL
O dúplice sistema para extinguir o vínculo legal do casamento
encontra suas raízes e justificativas em especial numa moral religiosa, não
mais tendo razão de existir em um Estado laico. A tendência evolutiva dos
ordenamentos jurídicos ocidentais, assinala Pereira, “é que o Estado interfira
cada vez menos na vida privada e na intimidade dos cidadãos. Se não há
intervenção do Estado na forma e no modo de as pessoas se casarem, por que
ele interfere tanto quando o casamento termina?”
O valor que orientava a sustentação deste antiquado e
ultrapassado sistema, consistia na preservação da família. Imaginava-se que
caso o Estado dificultasse o divórcio, e os cônjuges apenas se separassem,
estes poderiam se arrepender e restabelecer o vínculo conjugal. Mas, é sabido
que o que verdadeiramente sustenta o laço conjugal é o desejo, e não fórmulas
jurídicas.
O pensamento era de que criando entraves e aumentando a
burocracia, estaria se desestimulando o término do casamento, permitindo a
reflexão, a reconciliação de casais que passaram por crises, contribuindo,
assim, para a manutenção da família.
Neste sentido é o pensamento de Pereira (2010, p. 2) que
apresenta um argumento esclarecedor:
É preciso separar o “joio do trigo”, para usar uma linguagem
bíblica, isto é, se separarmos as razões jurídicas das razões e
motivações religiosas, veremos claramente que não faz sentido
a manutenção do instituto da separação judicial em nosso
ordenamento jurídico. Ele significa mais gastos financeiros,
mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento
do Judiciário, na medida em que siginifica mais processos
desnecessários.
Ou seja, verifica-se claramente a inutilidade desta dualidade no
sistema de dissolução do casamento, nao havendo razão de existir, pois além
de ilógico, este sistema ainda representa uma maior onerosidade (tanto
financeira quanto emocinal).
Desta maneira, não existe razão, nem sentido na manutenção
do instituto da separação judicial, sendo que tal motivo que impulsionou o
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Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a apresentar uma PEC, com
vistas a dar nova redação ao art. 226, §6º, da CF. Tal PEC fora transformada,
em julho de 2010, na Emenda Constitucional n° 66, que veio a alterar a
redação do supracitado dispositivo legal, como já assinalado.
Assim sendo, a nova redação conferida ao art. 226, §6º, da
Magna Carta extinguiu com qualquer prazo para a propositura do divórcio
(judicial ou administrativo), da mesma forma que suprimiu a prévia separação
como requisito para o divórcio.
Considerando estas modificações, constata-se que houve a
extinção do instituto da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio. Esta
afirmação baseia-se na interpretação do texto constitucional, ainda que exista
alguma oposição de alguns em relação ao fim do instituto.
Portanto, o novo texto constitucional suprimiu a prévia
separação como requisito para o divórcio, bem como eliminou
qualquer prazo para se propor o divócio, seja judicial ou
administrativo (Lei n° 11.441/2007). Tendo suprimido tais
prazos e o requisito da prévia separação para o divórcio, a
Constituição joga por terra aquilo que a melhor doutrina e a
mais consistente jurisprudência já vinha reafirmando há muitos
anos, a discussão da culpa pelo fim do casamento, aliás, um
grande sinal de atraso do ordenamento jurídico brasileiro. É
possível que haja alguma resistência de alguns em entender
que a separação judicial foi extinta de nossa organização
jurídica. Mas, para estas possíveis resistências, basta lembrar
os mais elementares preceitos que sustentam a ciência
jurídica: a interpretação da norma deve estar contextualizada,
inclusive historicamente. O argumento finalístico é que a
Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo
normativo a única referência que se fazia à separação judicial.
Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o
requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial
ao divórcio por conversão. (PEREIRA, 2010, p. 3).
Ou seja, tendo em vista que fora suprimido do texto
constitucional o termo separação judicial, não há como este se manter na
legislação infraconstitucional. Isso ocorre, pois, como sabido, a Constituição
Federal é a lei maior em nosso ordenamento jurídico, sendo que as legislações
infraconstitucionais que forem incompatíveis com seus preceitos não produzem
efeitos. Este é o entendimento do STF, ao julgar Recurso Especial, em 2007:
“O conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no
campo da não-recepção”.
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Outrossim,
é
de
se
verificar
que
“toda
legislação
infraconstitucional deve apresentar compatibilidade e nunca conflito com o
texto constitucional”. Assim, para o citado autor:
[...] estão automaticamente revogados os artigos 1.571, III,
1.572, 1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.577 e 1.578 do Código
Civil. Da mesma forma, e pelo mesmo motivo, os artigos da Lei
nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) e da Lei nº 10.406/2002
(Divórcio por Escritura Pública), bem como os artigos adiante
mencionados deverão ser lidos desconsiderando-se a
expressão "separação judicial", à exceção daqueles que já
detinham este estado civil anteriormente a EC nº 66/2010,
mantendo seus efeitos para os demais aspectos: 10, I, 25, 27,
I, 792, 793, 980, 1.562, 1.571, § 2º, 1.580, 1.583, 1.683, 1.775
e 1.831. (PEREIRA, 2010, p. 8).
Além disso, como se estes argumentos acerca da extinção do
instituto da separação judicial não fossem suficientes, mister se faz ter em
mente qual o intuito do legislador ao criar a norma. Esta pretensão pode ser
verificada na exposição de motivos da Emenda Constitucional n° 66/2010, a
qual foi transcrita abaixo, e que contextualiza e exprime o real e verdadeiro
sentido do novel texto do dispositivo constitucional.
Como corolário do sistema jurídico vigente, constata-se que o
instituto da separação judicial perdeu muito da sua relevância,
pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio necessário para a
sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto
possível revela-se natural para os cônjuges desavindos,
inclusive sob o aspecto econômico, na medida em que lhes
resolve em definitivo a sociedade e o vínculo conjugal. Com
efeito, se é verdade que não se sustenta a diferenciação,
quanto aos prazos, entre a separação judicial e a separação de
fato, tendo em vista a obtenção do divórcio, é verdade ainda
mais cristalina que o próprio instituto da separação não se
sustenta mais no ordenamento jurídico pátrio. De fato, deve-se
ter em mente que o antigo desquite, hoje separação judicial, foi
mantido no direito brasileiro possível a adoção do divórcio entre
nós. Tratou-se de uma fórmula que agradasse àqueles
frontalmente contrários à dissolução do vínculo matrimonial, e
que, portanto, contentavam- se com a possibilidade de pôr
termo, apenas e tão-somente, à sociedade conjugal.
Hoje, contudo, resta claro que a necessidade da separação dos
cônjuges, seja judicial ou de fato, como pressuposto para o
divórcio apenas protrai a solução definitiva de um casamento
malsucedido. Deve-se sublinhar que a necessidade de dois
processos judiciais distintos apenas redunda em gastos
maiores e também em maiores dissabores para os envolvidos,
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obrigados que se vêem a conviver por mais tempo com o
assunto penoso da separação - penoso, inclusive, para toda a
família, principalmente para os filhos. Não menos importante é
a constatação prática de que apenas uma parcela realmente
ínfima das separações reverte para a reconciliação do casal.
Destarte, constata-se que a nova redação dada ao art. 226,
§6º, da CF, pôs fim com todos os prazos para o divórcio, assim como extinguiu
o instituto da separação judicial do ordenamento jurídico pátrio. Todavia,
existem algumas situações transitórias que devem ser consideradas e que
serão melhor explicitadas a seguir.
3 AS AÇÕES DE SEPARAÇÃO EM CURSO
Considerando o fato de que a partir da EC n° 66/2010
extinguiu-se o instituto da separação judicial, surge a questão de se saber o
que acontece com as ações que se encontravam em curso quando do início da
sua vigência?
Simão (2010) afirma que as ações de separação judicial que se
encontrarem em curso devem ser extintas sem resolução do mérito, dada a
impossibilidade jurídica do pedido, salvo no caso de haver sentença prolatada.
Em outros termos: todas ações de separação judicial em curso
deverão ser extintas, por entender que o pedido não é mais juridicamente
possível. Já Pereira (2010, p. 2) sustenta que:
Os processos judiciais em andamento, sejam os consensuais
ou litigiosos, ou os extrajudiciais, isto é, os administrativos (Lei
n° 11.441/2007), deverão readequar seu objeto e objetivos às
novas disposições legais vigentes, sob pena de arquivamento.
De igual forma entende Dias (2010, p. 1):
É necessário alertar que a novidade atinge as ações em
andamento. Todos os processos de separação perderam o
objeto por impossibilidade jurídica do pedido (CPC 267, inc.
VI). Não podem seguir tramitando demandas que buscam uma
resposta não mais contemplada no ordenamento jurídico. No
entanto, como a pretensão do autor, ao propor a ação, era pôr
um fim ao casamento, e a única forma disponível no sistema
legal pretérito era a prévia separação judicial, no momento em
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que tal instituto deixa de existir, ao invés de extinguir a ação
cabe transformá-la em ação de divórcio. Eventualmente cabe
continuar sendo objeto de discussão as demandas cumuladas,
como alimentos, guarda, partilha de bens, etc. Mas o divórcio
cabe ser decretado de imediato. [...]
Como o pedido de separação tornou-se juridicamente
impossível, ocorreu a superveniência de fato extintivo ao direito
objeto da ação, o que precisa ser reconhecido de ofício pelo
juiz (CPC 462). Deste modo sequer há a necessidade de a
alteração ser requerida pelas partes. Somente na hipótese de
haver expressa oposição de ambos os separandos à
concessão do divórcio deve o juiz decretar a extinção do
processo.
Ou seja, para estes doutrinadores as ações de separação
judicial que se encontram em curso quando do início da vigência da EC n°
66/2010, devem ser transformadas em divórcio, a fim de se amoldar às novas
regras vigentes. Caso contrário, tais ações deverão ser arquivadas.
Assim sendo, entende-se que, em virtude do princípio da
razoabilidade e da efetividade, o magistrado deve analisar o caso concreto e
conceder as partes oportunidade de manifestarem sua vontade e adaptarem
(ou não) seu pedido, postulando o divórcio ao invés da separação.
4 O ESTADO CIVIL DOS SEPARADOS JUDICIALMENTE
Outra questão a ser analisada é a que se refere ao estado civil
das pessoas que já se encontravam separadas judicialmente quando do início
da vigência da EC n° 66/2010.
No caso de pessoas previamente separadas judicialmente (por
sentença ou por escritura pública), resta evidente que estas não estão
automaticamente divorciadas, já que seu estado civil não se alterou com a
aprovação da PEC do Divórcio. Desta maneira, estas pessoas deverão propor
ação de conversão de separação em divórcio a fim de extinguirem o vínculo
conjugal.
Para tais casos, a ação de conversão de separação em
divórcio pesiste, sendo que somente o prazo de 1 (um) ano para a conversão,
anteriormente previsto no caput do art. 1580 do CC, não mais existe.
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No mesmo sentido Pereira (2010) afirma que o estado civil
destas pessoas continua sendo o mesmo, já que é impossível simplesmente
transformá-los em divorciados.
Desta maneira, complementa o citado autor:
Portanto,
o
estado
civil
“separado
judicialmente/administrativamente” continua existindo para
aqueles que já o detinham quando o novo texto constitucional
entrou em vigor. É uma situação transitória, pois, com o passar
do tempo, naturalmente deixará de existir. Caso queiram
transformá-lo em estado civil de divorciado poderão,
excepcionalmente, converter tal separação em divórcio ou
simplesmente propor Ação de Divórcio, o que na prática tem o
mesmo resultado. São exceções, necessárias e justificáveis,
para compatibilizar com o respeito aos princípios
constitucionais da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Neste
mesmo raciocínio poderão ainda usar a faculdade que lhes
oferecia o art. 1577 e a Lei n° 11.441/2007: restabelecerem a
sociedade conjugal. (Pereira, 2010, p. 4).
Assim sendo, conclui-se, pois, que as pessoas que já se
encontravam separadas judicialmente quando do início da vigência da EC n°
66/2010 assim continuarão, e virtude da observância da coisa julgada e do ato
jurídico perfeito. Tais pessoas somente terão o estado civil de divorciadas,
quando proporem a conversão desta separação em divórcio, pois nestas
hipóteses esta ação ainda subsiste no sistema jurídico. De igual forma poderão
restabelecer a sociedade conjugal.
5 A QUESTÃO DA CULPA
Em virtude da mudança introduzida pela denominada PEC do
Divórcio surge uma outra questão importante, a saber: acabou-se com a culpa
no Direito de Família? A resposta deste questionamento depende do alcance
da pergunta.
A culpa acabou acabou para fins de se impedir o fim do vínculo
conjugal. Após a EC n° 66/2010 não há mais a possibilidade de se discutir a
culpa como modo de se procrastinar a decisão que põe termo ao casamento.
Assim, o divórcio é concedido e o processo não admite debates em torno do
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motivo do fim do casamento, tendo, desaparecido o debate em torno da culpa
neste tocante.
Entretanto, é de se observar que isso não significa que a culpa
não poderá mais ser debatida nas ações de direito de família, já que em ação
autonôma de alimentos ou eventual ação indenizatória o cônjuge vítima poderá
debater esta culpa.
Neste sentido Simão (2010, p. 02) afirma que:
Não se trata de permitir irresponsabilidade do cônjuge. Só que
a partir da emenda constitucional, a culpa será debatida no
locus adequado em que surtirá efeitos: a ação autonôma de
alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo
cônjuge que sofreu danos morais, materiais ou estéticos.
Desta maneira, a culpa para fins de alimentos (art. 1694, §2°,
CC) ainda subsiste, mas este redutor está restrito à este âmbito, não se
admitindo de maneira nenhuma que se condicione a concessão do divórcio
este fator.
6 A FACILITAÇÃO DO DIVÓRCIO. SERIA O FIM DA FAMÍLIA?
Após o advento da EC n° 66/2010, o processo do divórcio fora
facilitado. Assim, agora o divórcio pode ser obido de três maneiras: divórcio
consensual; divórcio litigioso, e, divórcio extrajudicial, a seguir explicitadas.
O procedimento do divórcio consensual será o previsto nos
artigos 1120 a 1124 do Código de Processo Civil, como previsto no artigo 40 da
lei n° 6515/1977, obviamente desconsiderando-se o contido nos incisos I e III
deste dispositivo legal. Tais incisos fazem referência à comprovação da
separação de fato e produção de prova testemunhal.
Para o divórcio litigioso observar-se-á o procedimento comum
ordinário, nos moldes do artigo 40, §3°, da Lei n° 6515/1977. Todavia, Assis
(2010), afirma que as provas a serem produzidas ficam adstritas às seguintes
questões: cabimento e quantum da pensão de alimentos; a guarda dos filhos,
se unilateral ou compartilhada; existência e partilha de bens comuns. Na
hipótese dos bens, os cônjuges podem optar pelo procedimento autônomo de
partilha posteriormente ao divórcio.
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Por fim, para o divórcio extrajudicial seguir-se-á ao previsto no
artigo 1124-A do CPC, acrescentado pela Lei n° 11441/2007, excetuando-se o
que se refere a separação consensual.
Como se pode perceber houve uma facilitação do divórcio,
tendo em vista a eliminação do instituto da separação judicial, bem como da
eliminação de prazos para a propositura da ação, e também não mais se
discute acerca de eventual culpa pelo fim do casamento.
Neste contexto, tendo em vista esta alteração surge o
questionamento de se saber qual é a vantagem desta mudança? A vantagem,
para Simão, é evidente:
O divórcio ocorrerá de maneira célere e em um único ato (seja
uma decisão judicial ou escritura pública nos casos admitidos
pela Lei 11.441/07) o casamento estará desfeito e os antigos
cônjuges podem, agora, divorciados, buscar, em uma nova
união ou casamento, a felicidade que buscaram outrora na
relação que se dissolve. (Simão, 2010, p. 3).
Ou seja, a facilitação do divórcio representa uma economia de
tempo, dinheiro, um menor desgaste emocional. Via de consequência,
representará um menor sobrecarregamento do Judiciário, ao passo que
diminuirá o número de ações.
Neste sentido Dias (2010) elenca as vantagens desta
mudança: a significativa economia de tempo, dinheiro e desgaste emocional
não só dos cônjuges, mas principalmente de sua prole. Além, é óbvio, da
relevante diminuição de processos no âmbito do Poder Judiciário.
Viegas (2010 , n. p) também propugna as vantagens deste
modificação, ao asseverar que:
[...] A PEC do divórcio veio para amenizar o sofrimento e o
desgaste daqueles cônjuges que desejam colocar fim ao
casamento, exercendo deste modo plenamente a autonomia de
sua vontade, por vezes limitada por prazos, processos
desnecessários e imposiçãos de culpas inócuas sem maior
relevância para a dissolução do vínculo matrimonial.
Ora, resta, pois, evidente as vantagens desta alteração, que
veio somente para se ajustar à nova realidade social. Não existiam mais razões
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para a manutenção do arcaico sistema dúplice de dissolução do casamento,
que mantinha o casal vinculado contra sua vontade, pelas razões já
satisfatoriamente assinaladas.
É certo que existem vozes que advertem que com esta
alteração caminha-se para o fim da instituição família. Mas essa assertiva é
totalmente infundada, eis que como sabido, a instituição família não acaba, ela
se transforma, se modifica, se renova com o decorrer do tempo. Assim, em
consonância com esta nova realidade, o legislador sensatamente introduziu
esta alteração.
De outro giro, surgem correntes que tem receio de que ocorra a
banalização do casamento. Entretanto, se analisarmos o contexto em que
surgiu esta alteração, perceberemos que esta veio para atender aos anseios e
as efetivas necessidades dos casais que estavam se separando. Como sabido,
o texto constitucional, em seu art. 226, caput, afirma que: “a família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”. Não interessa de que maneira a
família é constituída: se pelo casamento, pela união estável ou se é
monoparental. Todas estas entidades familiares gozam de proteção estatal,
inclusive a que está se dissolvendo.
A família atual já não apresenta as mesmas características do
século passado, logo, necessário se faz que a lei acompanhe esta evolução,
objetivando oferecer real efetividade à proteção da instituição.
Além disso, devemos considerar que também constitui dever
do Estado:
[...] assegurar as condições necessárias para o pleno exercício
da autonomia de vontade das pessoas, que, escolhendo pôr
fim ao casamento, devem ter a liberdade de fazê-lo sem
imposições externas, preservando deste modo a sua
privacidade e o direito de ser feliz. (Viegas, 2010, n.p).
Assim sendo, deve o Estado interferir cada vez menos na vida
privada das pessoas, respeitando sua autonomia de vontade, deixando de
impor aos casais a obrigatoriedade de manter vínculos não desejados.
CONCLUSÃO
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O presente estudo buscou fomentar a discussão acerca de
questões práticas, vivenciadas no dia-a-dia da práxis jurídica, relativas à nova
ordem introduzida pela EC n° 66/2010. Apesar de não se constituir em assunto
inédito, a questão ainda suscita muitas dúvidas e críticas, as quais serão
resolvidas com o decorrer do tempo e da sabedoria jurídica.
Conclui-se que a EC n° 66/2010, ao facilitar o divórcio,
representou um marco na evolução do Direito de Família pátrio, amoldando-se
à nova realidade social.
Esta alteração beneficiará muitos casais que decidirem por um
fim no casamento, ao facilitar o trâmite processual do divórcio, e ao reduzir os
custos financeiros da formalização deste, pois com um único processo
extinguir-se-ão o vínculo e a sociedade conjugal. Ademais, representa,
igualmente, um menor desgaste emocional, ao passo que evitará que
processos se arrastem por anos, sem falar da economia de tempo.
Por fim, há de se ressaltar a contribuição para a agilidade e a
instrumentalidade dos processos, de forma que ocorrerá uma significativa
redução no volume de processos, o que, acabará por naão sobrecarregar o
Poder Judiciário com inúmeras ações, podendo os magistrados dar maior
atenção aos casos que exigem soluções rápidas.
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família? Disponível em: <http://www.ibdfam.br/?artigos&artigo=656>. Acesso
em: 12 out. 2010.

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