O município de Campo Grande, Rosário Congro
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O município de Campo Grande, Rosário Congro
ROSÁRIO CONGRO (1884-1963) ROSÁRIO CONGRO O primeiro historiador de Campo Grande. Eurípedes Barsanulfo Pereira Do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul Em 1918 Campo Grande era uma pequena cidade com cerca de nove mil habitantes e estava mergulhada numa situação peculiar. A Assembléia Legislativa do Estado anulara as eleições municipais aqui realizadas em dois de novembro de 1917, surgindo, então, uma dualidade de poderes, que tantos prejuízos trouxe à sua ordem jurídica e administrativa. O lamentável conflito entre concidadãos ameaçava seriamente o curso natural da vida do Município, já àquele tempo despontando como importante pólo de desenvolvimento do sul do Estado de Mato Grosso. Dom Francisco de Aquino Corrêa, então Presidente do Estado, por meio do Ato nº 329, de 14 de agosto do mesmo ano, põe termo a essa anomalia institucional, nomeando Rosário Congro para Intendente, cargo que ocupou no período de cinco de setembro de 1918 a sete de setembro de 1919. Rosário Congro era Deputado Estadual por Corumbá, onde residia desde 1910, tendo iniciado a carreira pública como Vereador naquela cidade, em 1914. Nascido na Capital do Estado de São Paulo, em 11 de setembro de 1884, filho de pais italianos, passou sua infância e adolescência em Sorocaba. Após se casar com Judith Varejão, em Laguna, Santa Catarina, foi morar na Cidade Branca, onde abriu a Casa Ceres, especializada em vinhos estrangeiros. Moral ilibada, inteligência brilhante, portador de invejável cultura, às custas de ingentes esforços de autodidata, os quais permitiram-lhe tornar-se advogado provisionado, fizeram-no logo, com sua talentosa oratória, granjear a simpatia de todos, tanto nas lides jurídicas quanto políticas. Daí o sucesso entre seus pares, até mesmo de legendas opostas, que não tardou em transcender os limites do legislativo estadual. Essas virtudes certamente o credenciaram a Dom Aquino, que não poderia prescindir, naquela altura, de um elemento isento para confiar a delicada missão de apaziguar ânimos litigantes e colocar a casa em ordem. 6 Quando tomou posse, Rosário Congro encontrou a Intendência de Campo Grande endividada, e as únicas obras públicas realizadas, até então, eram a casa da Câmara Municipal, o Matadouro Público, três a quatro pontes de madeira e três de alvenaria, sobre os córregos existentes. No relatório final de sua Administração, encaminhado ao Presidente do Estado, e publicado em 1920, salienta que quase tudo, na cidade, pertencia à iniciativa privada. Muito havia o que fazer e de imediato lhe pareceu clara a impossibilidade de executálo por inteiro no tempo limitado de uma administração de cunho transitório. Logo planejou e passou a providenciar os seguintes serviços: estudo acurado do Município e suas riquezas, para a tributação justa e eqüitativa dos impostos; delimitação da zona urbana, suburbana e rural; nivelamento geral do perímetro urbano, base para as construções, passeios e todos os melhoramentos da urbe; estudos e projeto para o abastecimento de água potável canalizada; estudos e projeto para um serviço de fossas biológicas; elaboração de um Código de Posturas, em substituição ao existente, que estava arcaico; reforma e ampliação do matadouro; construção do cemitério; construção do Paço Municipal; extinção dos formigueiros; construção de um jardim público (atual Praça Dr. Ari Coelho de Oliveira); criação do serviço de remoção do lixo; melhoramento e aumento da iluminação pública; arborização da cidade; numeração e colocação de placas oficiais nos prédios urbanos; criação de escolas primárias. Com cerca de três meses de trabalho advém a primeira grande dificuldade: a gripe espanhola atinge o Município em novembro de 1918, alastra-se rapidamente, acometendo também vários elementos de seu pequeno corpo médico. O Intendente determina a notificação de todos os casos, para providenciar medicamentos e outros recursos, disponibilizando a escola municipal que acabara de reconstruir, como precário hospital, para internar pacientes, contando com a dedicação incansável do Dr. José Gentil da Silva, delegado de higiene, que se desdobrou no atendimento aos doentes, até em suas próprias casas. Mais de dois mil casos foram registrados, com trinta e seis óbitos no perímetro urbano. No setor da saúde e higiene, importantes medidas foram tomadas. O Município doa à Sociedade Beneficente de Campo Grande o terreno para a construção da Santa Casa de Misericórdia, 7 por meio do despacho de sete de agosto de 1919, assinado por Rosário Congro. Pelo Ato n.º 3, de 3 de outubro de 1918, cria o Serviço Veterinário de inspeção para atuar no matadouro municipal. E, em 15 de janeiro do ano seguinte, fazendo concorrência pública, providencia o seu arrendamento, com a necessária reforma e ampliação, dentro das condições higiênicas exigidas. Em 19 de fevereiro de 1919, por meio de concorrência pública, assina contrato de terceirização do serviço de remoção de lixo da cidade. Àquela época, a cidade se debatia com a proliferação dos formigueiros, e por aqui soava alto a assertiva do naturalista SaintHilaire (1779-1853): “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil!”. Rosário Congro, no Relatório já mencionado, escreve: “É um problema importantíssimo, este das formigas. Muros há, de alvenaria, abatidos pelo trabalho subterrâneo, constante e imperceptível destes terríveis himenópteros, e na desfolhagem noturna dos arbustos, desde a delicada roseira à robusta árvore da manga, não há medida que lhes ponha obstáculo. Adquiri duas boas máquinas para a extinção de formigueiros, delas se utilizando os interessados, a cuja disposição se acham.” Na área da instrução, além de recuperar a escola municipal existente, cuidou de construir mais duas. Providenciou a continuidade da subvenção financeira ao Instituto Pestalozzi, famosa escola particular de nossos primeiros tempos, que se transformaria depois no Colégio Dom Bosco; e estatuiu subvenção mensal à Escola Republicana, outro estabelecimento particular de ensino daquela época. Concedeu à Sociedade Organizadora da Biblioteca Pública, liderada pelo Dr. José Jayme Ferreira de Vasconcellos, um terreno para a construção do prédio. Por meio do Ato n.° 6, de 31 de outubro de 1918, orçou a receita e fixou a despesa para o exercício de 1919. Intensificou a cobrança dos impostos atrasados, logrando, desde logo, saldar as dívidas pendentes da Intendência, de tal modo que entregou ao sucessor as finanças perfeitamente equilibradas. Preocupou-se também com a formação religiosa da comunidade. Participou dos esforços para dotar a cidade de uma novo templo, aproximadamente no mesmo local e em substituição à igrejinha construída por José Antônio Pereira, logo após a fundação do 8 arraial. A partir de bela planta presenteada a Rosário Congro, pelo Dr. Henrique Florence, Secretário de Obras Públicas do Estado, a Igreja Matriz de Santo Antônio acabou sendo erguida, pouco tempo depois, pela autoridade eclesiástica local, com a ajuda de uma comissão liderada por Bernardo Franco Baís. Em sua breve passagem pela Administração Municipal de Campo Grande, Rosário Congro demonstrou sempre, nas diversas providências que tomou, preocupação com a postura do povo perante os antepassados. Exemplo disso transparece em trecho de seu “Relatório”, quando trata da questão do cemitério, escrevendo: “Sem preocupações filosóficas e nem pensando na ‘conveniência’ que possam os mortos de ficarem longe ou perto dos vivos, sou, no entanto, dos que pensam que a cultura moral de um povo mede-se pelo respeito à memória dos que se foram desta vida e reflete-se, por certo, nas necrópoles. Nas cidades bem organizadas elas prendem, e muito, a atenção dos poderes públicos, são continuamente visitadas, não são relegadas, como coisa perigosa e desprezível, para o seio das capoeiras, onde a voracidade dos tatus encontra pasto, e não encerram somente a verdade eterna do nada, mas também verdadeiros monumentos de arte, que constituem a admiração de todos. A mansão de nossos mortos está mal situada: parece que houve mesmo o propósito de escondê-la dos olhos dos vivos, quando ela só nos poderia lembrar a fragilidade dos destinos humanos, o que longe está de ser pernicioso.” Como se não bastassem as medidas administrativas e as obras realizadas, percebendo a ausência de uma referência histórica, tão salutar para a construção da cidadania, escreveu, ele mesmo, a partir de testemunhos dos moradores mais antigos e de entrevistas com descendentes diretos de José Antônio Pereira, o primeiro relato histórico sobre a fundação de Campo Grande, fazendo publicar o livro “O Município de Campo Grande – Estado de Matto Grosso”, em 1919. Nessa obra descreve a chegada e fixação do mineiro, em região completamente desabitada do então chamado “Campo Grande”; a escolha da confluência dos riachos, posteriormente denominados “Prosa” e “Segredo” para a construção do primeiro rancho; as intempéries enfrentadas, como a nuvem de gafanhotos que destruiu a primeira roça; e o esforço de ir comprar carne bovina do morador mais próximo, a doze léguas de distância. Narra, em tons coloridos, os primeiros dias daqueles 9 desbravadores que vieram da longínqua Monte Alegre de Minas: “Bem fácil é imaginar a tristeza que aquelas almas envolvia, quando as sombras da noite desciam sobre a terra. Um fogo no terreiro, sons plangentes de uma viola tangida com sentimento, uma cantiga dolente repassada de infinita saudade, depois... a nostalgia, o silêncio profundo do deserto! E, cortadas de quando em vez pelo rugido do jaguar, como eram longas as noites, sem o canto do galo anunciando o clarear do dia, e vazias as manhãs, sem o mugir do gado!” Comenta, também, o regresso de José Antônio Pereira a Minas Gerais para ir buscar a família, deixando seu rancho e sua lavoura entregues a João Nepomuceno: “Nepomuceno era caboclo de Camapuã, um arraial que morria, situado na antiga Fazenda Imperial do mesmo nome, nas cabeceiras do Coxim, e que ali aparecera, ‘de muda’ para Miranda, quebrando a monotonia do ermo com dois carros de bois que o peso da carga fazia chiar nos eixos.” Com o Ato n.º 14, de 25 de agosto de 1919, instituiu o dia 26 como feriado municipal, em comemoração à emancipação política do Município, verificada em 26 de agosto de 1899, em virtude da Resolução Legislativa n.º 225. A administração de Rosário Congro “durou pouco mais que as rosas de Malherbe”, escreveu seu genro e biógrafo Licurgo de Oliveira Bastos (1904-1990); e a diretriz que a norteou pode ser perfeitamente identificada nas palavras proferidas por ocasião da solenidade de posse do Intendente que o sucedeu: “O homem público honesto, exposto embora a todas as injustiças, coloca acima de tudo o interesse da coletividade, de que faz apanágio, e este se manifesta em todos os ramos da pública administração, desde o estudo dos problemas econômicos e o aproveitamento, cada vez maior, das fontes de receita, até a boa aplicação do dinheiro do povo, com a iniciativa de medidas de utilidade geral e a realização de melhoramentos materiais que tragam não só o embelezamento urbano, que tanto recomenda uma cidade, como o conforto aos seus habitantes.” Difícil, reconhece, ter agradado a todos, principalmente pelo fato de vir em cumprimento de uma missão: “Não me cabe analisar a constitucionalidade ou não da minha presença na administração deste Município, mas devo dizê-lo, com toda a franqueza, ter sido esse o móvel de muitos descontentamentos que se refletiam até 10 em lamentáveis descortesias e que causaram não pequenos entraves à marcha dos negócios públicos. Não era no entanto um intruso, e sim um enviado do Governo.” Um acontecimento auspicioso, logo no início de sua permanência no comando administrativo da cidade, foi a composição do Hino de Campo Grande pelo Dr. Trajano Balduíno de Souza, em 7 de setembro de l918. Um ano após, coroando de sucesso a pequena interinidade, dá posse a Antonio Norberto de Almeida, o novo Intendente do Município, em obediência ao Decreto n.º 485 de 24 de abril de 1919. Outro fato marcante em sua vida, que certamente a tornou indelevelmente ligada à Cidade Morena, foi o nascimento de seu filho Stênio Congro, em 25 de agosto de 1919. Após deixar Campo Grande, transferiu-se para Três Lagoas onde fixou residência definitiva. Foi Prefeito daquela cidade por duas vezes e Deputado Estadual por mais três legislaturas. Virtuoso escritor, tanto na prosa como no verso, ocupou a Cadeira número 40 da Academia Mato-Grossense de Letras, tendo como patrono o Pe. Armindo Maria de Oliveira. Historiador, foi membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Presidiu o Tribunal de Contas de Mato Grosso. Publicou: “Inaiá” (1940), “Torre de Marfim” (1948), “Sombras do Ocaso” (1953), “Antes de Raposo Tavares” (1954), “Colunas Partidas” (1955), “Outras Ruínas” (1957), “Últimos Caminhos” (1963); e, como obras póstumas: “Poesias - Coletânea” (1984) e “Prosa - Coletânea” (1984). Sua verve, como orador, pode ser depreendida da oração de paraninfo aos formandos do Colégio Dom Bosco de Campo Grande no ano de 1941, inserta em sua Coletânea de Prosas. A alma do estóico emerge no poema: 11 SOMENTE A DOR Toda a ilusão um desengano traz e a cada luz a escuridão se opõe! É sempre efêmera a Alegria, e a Mágoa, somente, permanece. Onde, pois, a Felicidade? A procurá-la, em vão, vamos do berço ao túmulo! Para que o mundo um paraíso fosse, a Dor bastava que não existisse. Mas, na verdade, necessária é. Mesmo insolúvel, é o problema exato! - na Dor encontro a perfeição que busco! 12 O estro do vate é perceptível no soneto: ÚL TIMOS C AMINHOS ÚLTIMOS CAMINHOS Não me falte, Senhor, o vosso amparo da vida nestes últimos caminhos. São ásperas veredas que deparo, de pedras soltas e cruéis espinhos. Não brilha o sol que o dia torna claro e enche de luz e de canções os ninhos. As vozes múrmuras que escuto, raro não são da humana gente os escarninhos. Num torvamento, a dúvida me prende. A alma, sombria, amargurada sinto, O passo dúbio, o olhar que não se estende... Mas se me arrastam da velhice os anos, de uma outra aurora o páramo pressinto onde não medra a flor dos desenganos. Rosário Congro não acumulou bens materiais. Nos derradeiros anos de sua vida faltou-lhe a visão física, o que limitou sua produção literária. Faleceu em 11 de outubro de 1963, na cidade de Três Lagoas, aos 79 anos de idade, deixando vasta descendência. “Rosário Congro: O interventor que se tranformou no primeiro historiador de Campo Grande”. Personalidades - Série Campo Grande Ano III - 2001. ARCA-FUNCESP. S. Excia. Revma. Dom FRANCISCO DE AQUINO CORRÊA, Presidente do Estado DEPUTADO ROSÁRIO CONGRO, Intendente Geral do Município O texto do presente opúsculo, que se destina a um registro histórico do Município de Campo Grande e a rápidas consultas sobre os seus elementos de riqueza, tornando, ao mesmo tempo, conhecido o seu notável e vertiginoso progresso, foi escrito pelo Intendente-Geral, com os dados oficiais e particulares que pôde obter. Figuram nele diversos tópicos transcritos do “Memorial descritivo”, valioso documento existente, em original, nos arquivos da Câmara, em o qual o dr. Themístocles Paes de Souza Brazil, abalizado engenheiro militar, descreveu os serviços técnicos e mais observações científicas realizados em 1910, quando mediu e demarcou as terras reservadas para patrimônio da cidade. Estão eles indicados por um asterisco (*). Os assinalados com dois asteriscos (**) pertencem a um trabalho inédito do ilustre dr. Arlindo de Andrade, cuja nímia gentileza permitiu a sua transcrição. O MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE HISTÓRICO Em 1872, a quase deserta região meridional da então província de Mato Grosso compreendia, apenas na vastidão dos seus trezentos mil quilômetros quadrados, aproximadamente, as vilas de Miranda, outrora presídio do mesmo nome, fundado em 1797, e Santana do Paranaíba, além das povoações de Nioaque e Coxim. A invasão paraguaia, levando às poucas e longínquas fazendas, como por toda parte, o saque, o incêndio, a morte, os horrores da guerra, em fúria selvagem, devastara grande parte do imenso distrito de Miranda, dando lugar a que nas suas planícies e nos seus montes e nos seus rios, se realizasse a dolorosa trajetória da coluna de heróis e de mártires comandada pelo coronel Camisão e, nos Dourados, o sacrifício homérico de Antônio João. Expulso o invasor do solo sagrado da pátria, morto Solano Lopez, o tirano, acuado nas cordilheiras de Aquidabã, voltavam, para a reconstrução dos seus penates os que, conseguindo escapar à sanha do inimigo sanguissedento, se haviam refugiado nas alturas da serra de Maracaju. Foi então que José Antônio Pereira, velho sertanista mineiro, já sexagenário1, deixando o seu arraial de Monte Alegre, nas proximidades de Uberaba, se fez com destino a Mato Grosso com seus filhos Antônio Luíz e Joaquim e quatro “camaradas”, em busca de terras devolutas para lavoura e criação. 1. José Antônio Pereira estava com 47 anos de idade quando empreendeu sua primeira viagem para o “Campo Grande da Vacaria”. (Nota do editor). 18 Pelo entardecer de 21 de junho de 1872, chegava a pequena comitiva à confluência dos córregos mais tarde denominados “Prosa” e “Segredo”, no lugar onde está situado hoje o matadouro municipal, ponto escolhido para o pouso daquele dia e depois definitivamente adotado. ANTÔNIO LUIZ PEREIRA vindo em 1872 com seu pai José Antônio Pereira, fundador de Campo Grande Em breve ali se ergueu a morada dos intrépidos viajores: um pequeno rancho coberto com palmas de “uacury”, célula primordial que foi da progressista cidade de hoje, mui justamente chamada – a Pérola do Sul. Não tardou a derrubada pelas imediações, o fumo da queimada 19 em pouco se elevou e, em tempo curto, tremulavam, à viração constante, as flâmulas verdes e promissoras da primeira roça. Por entre o milharal, outros cereais cresciam, num viço que atestava a feracidade extraordinária do solo. O primeiro contratempo, porém, não se fez esperar: extensa e escura nuvem de gafanhotões, pousando, dera cabo da luxuriante plantação, mas o espírito forte, inquebrantável de José Antônio Pereira, caldeado nas vicissitudes da vida, não se abateu ante a destruição produzida pelos terríveis insetos. Distava doze léguas o morador mais próximo, proprietário de uma fazenda que a invasão inimiga fizera abandonar por alguns anos, tornando-a tapera, o gado perdido, internado nas selvas, volvido feroz. Era ali que ia suprir-se Pereira da sua principal alimentação, que era a carne dos vacuns bravios comprados a 15$000 e abatidos a tiros, em verdadeiras caçadas. Com a carne, para cuja conservação a secagem substituía a absoluta carência de sal, a caça, que era abundante, o mel recolhido nas matas e morangas e abóboras, não atingidas pela praga dos ortópteros, constituíram o passadio daqueles valentes sertanejos. Bem fácil é imaginar a tristeza que aquelas almas envolvia, quando as sombras da noite desciam sobre a terra. Um fogo no terreiro, sons plangentes de uma viola tangida com sentimento, uma cantiga dolente repassada de infinita saudade, depois... a nostalgia, o silêncio profundo do deserto! E, cortadas de quando em vez pelo rugido do jaguar, como eram longas as noites, sem o canto do galo anunciando o clarear do dia, e vazias as manhãs, sem o mugir do gado! No ano seguinte, José Antônio Pereira regressou a Monte Alegre, deixando o seu rancho e a sua lavoura incipiente entregues a João Nepomuceno, com quem se associara. Nepomuceno era caboclo de Camapuã, um arraial que morria, situado na antiga fazenda imperial do mesmo nome, nas cabeceiras do Coxim, e que ali aparecera, “de muda” para Miranda, quebrando a monotonia do ermo com dois carros-de-bois que o peso da carga fazia chiar nos eixos. Só em 1875 voltou José Antônio, trazendo sua família compos- 20 ta de sua mulher Maria Carolina de Oliveira, seus filhos Antônio Luíz, Joaquim Antônio, Francisca, Persiliana, Constança, Anna, Rita, Maria Nazareth e três tutelados, e mais as de Manoel Gonçalves Martins, João Pereira Martins, Antônio Ferreira e Joaquim Olivério de Sousa, além de muitos agregados. Em busca não mais do desconhecido, mas de uma região habitada apenas por tribos selvagens e animais ferozes, se pôs a caminho a caravana dos modernos bandeirantes, dos audazes pioneiros da civilização em tão belas porém incultas paragens. Dr. MANOEL PEREIRA DA SILVA COELHO Juiz de Direito da Comarca 21 Compunha-se ela de 62 pessoas ao todo, com seis2 pesados “carros mineiros”, nos quais vinha não pequena provisão de tudo quanto pudessem necessitar, além de sementes diversas e mudas de cana-de-açúcar, café e outras plantas, devidamente acondicionadas. Era seu guia, por mais curtos caminhos, o prático Luíz Pinto Gamaiães, cuiabano, então residente em Uberaba, e seis longos meses foram consumidos nessa penosa e arriscada empresa, verdadeira cruzada em marcha para a solidão. Dr. J. JAYME FERREIRA DE VASCONCELLOS Promotor Público da Comarca 2. Antônio Luiz Pereira afirmava aos seus descendentes que foram onze “carros mineiros”. (Nota do editor). Partida para um rodeio 23 Ao transpor a comitiva as águas do Paranaíba, muitos dos seus membros foram acometidos de “matadera”, uma febre “malina”, aniquiladora até a morte, endêmica naqueles sítios. Esta desagradável ocorrência obrigou José Antônio à demora de um mês e meio na vila de Santana. Espírito eminentemente religioso e fervoroso devoto do taumaturgo de Pádua, o velho mineiro, a despeito da aplicação de “raizadas” aos enfermos, no que era experimentado, concentrou-se um momento e, cheio de fé, balbuciou a piedosa promessa de erigir, no ponto do seu destino, uma capela em glorificação a Santo Antônio. Fundos sulcos de simpatia deixou José Antônio Pereira entre os habitantes de Santana, dos quais conquistara estima e gratidão, pelas curas desinteressadas que ali fizera, quando, sem que tivesse perdido um só dos seus doentes, se pôs de novo a caminho dos admiráveis campos de Maracaju. A 14 de agosto chegou o comboio dos destemidos viageiros ao termo da sua jornada, não mais encontrando Nepomuceno, que fora substituído, na posse das benfeitorias realizadas, por Manoel Vieira de Souza, chegado meses antes em busca, também, de terras devolutas, e a quem tudo vendera por 300$000. Não tardou que pela margem direita do córrego depois chamado “Prosa”, se alinhassem os ranchos dos novos moradores. Os dias corriam felizes para aqueles abnegados povoadores do sertão, longe dos centros populosos onde a civilização oferece todo o conforto da vida moderna, mas onde a flor do mal viceja enganadora. A cornucópia de Ceres espalhava pelos habitantes do povoado nascente os abundantes frutos da gleba feracíssima. À noite, em volta ao fogo no terreiro, contentes do trabalho, espoucavam eles em canto e riso e danças, em alegria, enfim, aos sons cadenciados das violas, pandeiros e concertinas, o que constituía um regalo para os pacíficos “coroados”, atentos espectadores por entre os ramos da mata fronteira, na margem oposta, e que se punham em fuga ao serem pressentidos. *** 24 Corria o ano de 1879 e era chegada a vez de José Antônio Pereira cumprir o seu voto. Preparados os esteios, de rígida aroeira, e sob a invocação de Santo Antônio do Campo Grande, em referência às vastas campinas vizinhas, levantou-se em breve a capela, construída de taipa e coberta de palmas, bem como o tosco e alto cruzeiro que ainda se ostenta no adro. Não descansou, porém, enquanto a não viu coberta de telhas de barro, indo ele mesmo buscá-las ao abandonado Camapuã, distante trinta e cinco léguas, das ruínas de um templo centenário ali erigido pelos jesuítas, em época remota. Tempo depois o padre Julião Urquia, vigário de Miranda, sagrando-a, celebrava o sacrifício da primeira missa ouvida sob o seu teto, e nela realizava o batismo de muitas crianças nascidas no arraial e também o consórcio de Antônio Luíz Pereira com D. Anna Luíza Pereira, filha de Manoel Vieira de Souza. Para comemorar tão auspicioso acontecimento se fazia necessário, imprescindível mesmo, que um festivo repique elevasse aos céus, em hosanas, os seus metálicos sons. Um recipiente de ferro batido, então, suspenso a uma trave, tangido por improvisado sacristão, acordou os ecos em alegre bimbalhar... José Antônio dotou a ermida, logo depois, de um pequeno sino mandado adquirir em Corumbá, e a gente boa e simples do povoado, ao toque do sagrado bronze, reunia-se para as rezas em coro, cantadas a Deus. Em 1888, recebia a capela um outro sino, dádiva de João Pereira Martins, e são os que ainda hoje, vibrando, chamam os crentes à oração do dia. Amiudadamente, o velho cura de Miranda, de Nioaque depois, visitava a povoação, realizando casamentos, batizados e festividades religiosas. Os córregos, àquele tempo, tiveram também as suas pitorescas denominações: – originaram-se elas, para o que rola as suas águas, em pequenos saltos, das elevações de leste, na loquacidade dos moradores, reunidos amiúde à sua margem, “ferrados na prosa” em costumado e aprazível ponto, sob a copa enorme de 25 uma figueira brava, e, para o que tem as suas cabeceiras nos espigões do norte, por não ter João Pereira Martins “guardado segredo” de ocultos intuitos de Joaquim Olivério, revelação que Igreja atual, construída em 1879 por José Antônio Pereira, fundador da cidade teve no lugarejo a retumbância de seu primeiro escândalo. No local da atual praça municipal, construiu-se naquele mesmo ano o irregular cercado do pequeno cemitério, mais tarde ampliado e transferido por José Antônio, verdadeiro patriarca, para a encosta de Oeste, onde ainda existe, em abandono, e do qual se descortina o belo panorama da cidade. Nesse modesto campo-santo, tomado pela capoeira, jaz, esquecida, a cova rasa de José Antônio Pereira, falecido a 8 de janeiro de 19103. A enorme extensão das terras não ocupadas, a sua ótima qualidade para cultura e criação e, sobretudo, o clima ameníssimo, elementos seguros de prosperidade, fizeram a atração de inúmeras pessoas, vindas não só de Minas, como de São Paulo, Rio Grande do Sul e outras províncias. Nos afamados campos da Vacaria, paragem formosíssima, expandida em chapadões ondulantes – grandes tablados onde campearia a sociedade rude dos vaqueiros, como diria Euclides 3. José Antônio Pereira faleceu a 11 de janeiro de 1900. (Nota do editor). 26 da Cunha, já habitava a fazenda “Passatempo”, de sua propriedade, o mineiro Inácio Barbosa, venerando tronco da numerosa família Barbosa, tão conhecida em todo o Estado pelos extensos domínios que possui. Com a formação das fazendas, essencialmente pastoris, o povoado desenvolveu-se, tornando-se em pouco o centro comercial da riquíssima região, para ele afluindo gente de toda a casta, agenciadores de múltiplos negócios e comerciantes em todos os ramos, que se localizaram, estabelecendo-se uma consi- Um magestoso Hereford. Campos da Vacaria derável corrente comercial com o Triângulo Mineiro, principalmente com a importante praça de Uberaba. Como disse o dr. Trajano Balduíno de Souza em primoroso artigo, “tornou-se o lugar preferido dos boiadeiros, dos viajantes, dos negociantes de toda a espécie, pela sua colocação próxima aos centros produtores do gado, pela amenidade do seu clima, pela sua surpreendente fertilidade, e daí a grande fama de riqueza que irradiou-se por todo o país, tornando-se o lugar quase fantástico, onde, dizia-se, o dinheiro corria a rodos, tendo havido de fato grande acúmulo de capitais trazidos pelos boiadeiros. Essa fama de riqueza atraiu além de grande número de homens prestimosos que vieram se consagrar ao seu trabalho honesto, também um grande número de bandidos e desocupados que se exercitavam na prática dos mais hediondos crimes, por contarem com a impunidade, visto não haver aqui uma organização regular de autoridades que pudessem reprimi-los. Rodeio na Fazenda “Horizonte”, do Sr. Eugenio Silverio Pereira Rodeio na Fazenda “Memória”, do Sr. Barnabé Barbosa 29 De muito sangue humano está esta terra saturada, mortos uns para se experimentar uma arma comprada de novo, outros para serem roubados e outros pelo desenfreio das mais violentas e desordenadas paixões brutais”. Por Lei n. 792, de 23 de novembro de 1889 foi criado o distrito de paz de Campo Grande, sendo nomeados seu primeiro juiz de paz, Bernardo Franco Baís e seu primeiro subdelegado de polícia o velho José Antônio Pereira, que teve como suplente Vicente Ferreira da Silva, o caçador, como era conhecido. O casamento civil foi feito pelo juizado de paz de Nioaque até o fim de 1893, verificando-se a 5 de janeiro de 1894 o registro do primeiro enlace realizado pelo juiz de paz da paróquia. Em 1899, pela Resolução n. 225, de 26 de agosto, foi a freguesia elevada a vila e criado o seu município, que ficou incorporado à comarca de Miranda por desanexação do seu território da de Nioaque, à qual pertencia. Este território, vastíssimo, de 105.000 quilômetros quadrados, está hoje reduzido a 60.000 pelos desmembramentos que sofreu com as recentes criações dos municípios de Ponta Porã e Três Lagoas. Foi seu primeiro intendente, por nomeação do governo do Estado, o cidadão Francisco Mestre, tendo lugar a 2 de novembro de 1902, para o triênio de 1903-05, a primeira eleição municipal realizada em Campo Grande, sendo eleitos: intendente Bernardo Franco Baís, que não exerceu o mandato, 1° vice-intendente Francisco Mestre, a quem coube o exercício, e 2° vice-intendente Antônio Francisco de Almeida. O conselho de vereadores da primeira legislatura ficou composto dos cidadãos Joaquim José de Santana, João Correia Leite, Manoel Inácio de Souza, José Vieira Damas e João Antunes da Silva. Embora o mandato desta câmara tivesse sido iniciado a 1° de janeiro de 1903, só a 23 de janeiro de 1905 reuniu-se ela para as primeiras deliberações, nada se tendo feito até então. Na memorável sessão daquele dia fixaram os ilustres licurgos, na Resolução n. 1, o subsídio do intendente, que foi computado em 84$000 por mês, e criaram, com o Projeto n. 2, o funcio- Criação de carneiros na Fazenda “Alegre”, situada nas admiráveis planícies do Brilhante Propriedade do Sr. Julio Cezar de Araújo Cavalhada, Fazenda “Paraíso”, do Sr. Martinho C. Nogueira 32 nalismo, composto do secretário, procurador, porteiro, fiscal, aferidor e dois agentes fiscais para a arrecadação dos impostos, que só em 1909 foram regularmente criados, entrando em execução uma lei orçamentária que calculava a receita em 9:595$000. Os vencimentos anuais destes empregados ficaram assim determinados: secretário 750$000, fiscal 360$000, porteiro 180$000, procurador e agentes fiscais 15% sobre as importâncias arrecadadas e o aferidor 2%. Em sessão igualmente importante, realizada no dia seguinte, o vereador Jerônimo José de Santana “deixando a cadeira da presidência, que é ocupada pelo sr. João Correia Leite, faz longas considerações e manda à mesa o seguinte projeto: A Câmara Municipal da vila de Campo Grande atendendo ao grande atraso e prejuízo ao comércio desta vila causado pelas mascateações de mercadorias introduzidas de fora, que são vendidas por preços exorbitantes a câmbio de gado que são transportados para fora do Estado, cortando assim os meios circulantes por completo no Município, e o único recurso com que os habitantes do mesmo poderiam solverem os seus compromissos. Assim pois a mesma Câmara resolve desde já criar e pôr em execução o imposto de quatro contos de réis anual a todos aqueles que mascatearem dentro deste Município.” O mesmo esforçado vereador apresentou um outro projeto criando o Código de Posturas, que foi devidamente aprovado e convertido em lei. Encerrava ele inteligentes disposições, como a proibição da devastação das matas e seu corte nas cabeceiras dos córregos, ainda que estivessem em terreno próprio, o que, lamentavelmente, não se obedeceu. Outras eram bem curiosas, como se vê: “Artigo 7. É proibido obstruir as ruas com materiais para construção, exceto as pessoas que fizerem obra, os quais devem nas noites escuras ter um lampião aceso a fim de evitar-se desastres.” “Artigo 11. Todas as pessoas não vacinadas são obrigadas a ir à Câmara Municipal nos dias que forem por esta designados, a fim de se vacinarem, levando para o mesmo fim filhos, curatelados, tutelados, fâmulos, escravos e em geral qualquer Na magnifica região do Brilhante, um rodeio Marcação, Fazenda “Horizonte”, do Sr. Eugenio Silvério Pereira 35 pessoa que esteja em seu poder ou guarda. Os infratores serão punidos com 10$000 de multa ou quatro dias de prisão, sendo além disto compelidos a vacinarem o seu dependente.” “Artigo 29. É expressamente proibido comprar objetos de qualquer natureza ou valor que seja a criados, fâmulos, ou filhos família, sem autorização dos amos, pais ou tutores, bem como a pessoas suspeitas.” “Artigo 43. Quando se der qualquer incêndio desta vila e arrabaldes, os sacristãos das igrejas são obrigados a dar sinal dele nos sinos das mesmas, sob pena de pagarem a multa de 10$000 ou quatro dias de prisão.” “Artigo 44. É também proibido: 1° consentir nas tavernas ou casas de bebidas ajuntamento de pessoas que não estejam comprando. 2° vender bebidas alcoólicas aos que já estiverem embriagados ou trouxerem consigo armas ofensivas.” “Artigo 45. É expressamente proibido: fazer sambas, cateretês, ou outros quaisquer brinquedos que produzam estrondo ou vozeria dentro da vila.” “Artigo 46. É proibido o uso de armas ofensivas como sejam espingardas, clavinotes, pistolas, garruchas, revólveres, espadas, floretes, punhais, navalhas, facas de ponta, canivetes grandes, estoques, sovelas e cacetes, assim como qualquer outro instrumento ofensivo de qualquer denominação que seja.” A 11 de janeiro do ano seguinte (1906) verificou-se uma revisão completa das posturas, tomando a nova lei o n. 5 e é a que ainda vigora, a despeito dos seus artigos 31 e 32 que dizem assim: “Todos que quiserem servir-se de água canalizada pelo rego existente, serão obrigados a fazer pequenos regos até suas casas, tendo o cuidado de fazer bicas e tapar por cima quando atravessarem ruas ou praças”. “Ninguém poderá proibir que passe por seus quintais a água que é destinada ao seu vizinho e nem lavar nela cousa alguma imunda que possa prejudicar o vizinho”. O referido rego, que descia ao longo da atual Rua 15 de Novembro, não mais existe, e quando a municipalidade desviou a preciosa linfa, aterrando o seu antigo leito, muitos e bem enérgicos foram os protestos que o seu ato ocasionou. Residência da Fazenda “Alegrete”, do Sr. Antonio Barbosa 37 O atual edifício da Câmara Municipal foi construído em 1910, e antes disso as reuniões dos vereadores tinham lugar em uma sala da residência de Antônio Norberto de Almeida. Além de Francisco Mestre, exerceram o cargo de intendente do município, nos períodos subseqüentes, Manoel Inácio de Souza, João Carlos Sebastião, resignatário após uma gestão de um mês e meio, Antônio Norberto de Almeida, José Santiago e Sebastião Lima e, por substituição legal e temporária, Apulcro Brasil, Nilo Javari Barém, Enoque Vieira de Almeida e Fernando Novais. Foram primeiros suplentes do juiz de direito, José Alves Quito, João Carlos Martins e Salatiel José Ferreira. A presidência da Câmara, desde a fundação do município, foi exercida por Jerônimo José de Santana, João Alves Pereira, Clemente Pereira, Sebastião Lima, Amando de Oliveira, José Vieira Damas, José da Silva Nobre e dr. César Galvão. Por Decreto n. 392, de 29 de dezembro de 1914, o governo do Estado anulou as eleições municipais realizadas a 2 de novembro do mesmo ano, nomeando intendente provisório o cidadão João Clímaco Vidal, que foi o detentor do cargo até 17 de fevereiro seguinte, data em que tomou posse o coronel Sebastião Lima, eleito a 31 de janeiro. Em fins de 1909, determinada pela então presidente do Estado, coronel Pedro Celestino, se fez a medição e demarcação das terras reservadas para o rocio da futurosa localidade, cuja área era de três mil e seiscentos hectares. Este trabalho foi executado pelo engenheiro militar dr. Themístocles Paes de Souza Brazil, que encontrou, dentro dos limites previamente designados, “circunscrevendo o mais estreitamente as cabeceiras que afluem para os dois córregos que regam o povoado, a fim de que ele não ficasse privado da água necessária à sua manutenção e higiene”, a área de seis mil quinhentos e quatro hectares, trinta e quatro ares e setenta e nove metros quadrados. O excesso verificado, de dois mil novecentos e quatro hectares, trinta e quatro ares e setenta e nove metros quadrados, que veio aumentar consideravelmente o patrimônio da vila, foi também concedido, como se depreende do seguinte despacho tele- Fazenda “Lagoinha”, Sr. Clemente Pereira 39 gráfico, via Aquidauana, datado de 14 de março de 1910 e dirigido ao então intendente municipal: “Desde que seja devoluto o excesso área medida rocio, governo acederá desejo municipalidade. Saudações – Pedro Celestino”. Por Lei sob n. 549, de 20 de julho de 1910, foi criada a comarca e instalada, por força do Decreto n. 277, de 16 de março de 1911, no dia 2 de maio seguinte, sendo seu primeiro juiz de direito o dr. Arlindo de Andrade Gomes, que foi substituído pelo dr. Vicente Miguel de Abreu e este, por sua vez, pelo dr. Manuel Pereira da Silva Coelho. Foi seu primeiro promotor público o sr. Tobias de Santana, e seus substitutos, por ordem, os drs. Henrique Silva, Aprígio Gomes, Brasílio Ranóia, Humberto Coutinho, Aristides Campos e Jaime Ferreira de Vasconcelos. Seus primeiros tabeliães foram Francisco Pereira Lima, antigo notário do termo, e Eliéser Carlos de Oliveira, pouco depois substituído por Eduardo dos Santos Pereira. Criada a paróquia eclesiástica de Campo Grande, foi nomeado seu vigário o cônego José Joaquim de Miranda, que assumiu a sua direção a 10 de outubro de 1912. A vida que levava este sacerdote, discordante dos sãos princípios da Igreja, valeu-lhe a suspensão de ordens, sendo nomeado seu sucessor o padre Mariano João Alves, que tomou posse do vigariato a 3 de junho de 1913, mas da matriz somente a 30 de julho, por ter-se oposto à sua entrega o rebelado cônego, atitude que só terminou com a intervenção dos mais conspícuos cidadãos da vila. O cônego Miranda usava comumente o traje civil, só envergando a batina quando celebrava; era um partidário ardoroso e jamais deixara de trazer à cinta o clássico 44. Foi assassinado na manhã de 16 de julho de 1916, época de grande efervescência política, sendo encontrados sob seu leito sete armas de guerra e dois mil cartuchos de Mauser! A 22 de junho de 1913 e sob a direção do dr. Arlindo de Andrade, saía à luz em Campo Grande O Estado de Matto Grosso, órgão quinzenal depois semanal, o primeiro jornal que se publicou na localidade. Um rodeio, na Fazenda do Sr. Julio Cezar de Araújo Em marcha para Barretos 41 A noite de 13 de agosto de 1913 ficou tristemente gravada nos anais da cidade, com a verificação de um gravíssimo conflito provocado pela própria polícia, quando se realizava uma função no circo João Gomes, e do qual saíram mortos o importante e acatado negociante da praça José Alves de Mendonça, o vereador municipal Germano Pereira da Silva e duas praças do destacamento policial, além de muitos feridos, entre eles Gil de Vasconcelos, Fernando Pedroso do Vale, Adelino Pedroso, Benedito de Oliveira, João de Sousa, Carlos Anconi e três praças. No dia seguinte o povo, armado, sob uma indignação geral, ouvindo-se imprecações em toda a parte, preparava-se para atacar o quartel da polícia, evitando talvez outro morticínio a presença de uma companhia do exército, então já existente em Campo Grande, sob o comando do tenente Gaudie Ley. Os policiais, às ordens do tenente Espíndola, dois dias depois abandonaram a vila. Transferindo sua sede de Aquidauana, onde se achava instalado desde a sua organização em 1909, chegava a Campo Grande no dia 8 de março de 1914 o 5° Regimento de Artilharia Montada, sob o comando do major João Batista Martins Pereira, trazendo 172 soldados além dos oficiais major Arquimínio Pinto Armando Pereira, cap. m. dr. Júlio Mário de Castro Pinto, 1.° tenente Pedro Jorge de Carvalho, 2.os tenentes Manuel de Oliveira Braga, Oto Feio da Silveira e Hipólito Pais de Campos. O seu material foi transportado em cinqüenta carretas, postas, pelo comércio local, à disposição do seu comandante. No dia 28 de maio de 1914 atingiam Campo Grande os trilhos da Noroeste, da seção de Porto Esperança, ouvindo os seus habitantes, pela primeira vez ali, o silvo da locomotiva. O Estado de Mato Grosso assim se exprimiu sobre o notável acontecimento: “O povo parecia haver cansado de esperá-la todo mês, toda semana, todo dia. Mas, afinal chegou. Uma locomotiva já desceu a encosta e acordou os habitantes, a silvar. Outras têm vindo, alegremente, na faina ciclópica da grande obra nacional. Todo mundo alegrouse nesse bendito rincão brasileiro. Fazenda “Bandeira” Na Fazenda “Bela Vista”, do Sr. Laucídio Coelho 43 Aos operários cobertos de poeira, misturam-se os habitantes da cidade. São gregos, italianos, japoneses, portugueses e brasileiros de toda casta. No local da futura estação, grupos de famílias, rapazes, velhos e crianças, irmanam-se com os homens que fazem o caminho do progresso”. A 10 de junho do mesmo ano foi traiçoeiramente assassinado o coronel Amando de Oliveira, presidente da Câmara, cidadão geralmente estimado e a quem o progresso local muito devia, sendo o seu enterramento, no dia imediato, por notável coincidência, o primeiro verificado no atual cemitério, cujo vasto terreno fora por ele mesmo doado à municipalidade. No dia 31 de agosto, ainda daquele ano, realizou-se, nas proximidades do córrego Taveira, que passou a chamar-se Ligação, a junção dos trilhos da Estrada de Ferro das seções opostas de Campo Grande e Rio Pardo. “Encontravam-se no local os drs. Carlos Euler, Assis Ribeiro, Lisânias Leite, Bittencourt Sampaio, Martins Costa, Oscar Guimarães, Canguçu e muitas outras pessoas gradas. Ao enfrentarem-se, as duas turmas romperam em vivas e gritos, continuando o resto do serviço entre uma alegria estrondosa. Ao estrugir dos foguetes foram colocados os dois últimos trilhos, cortados pela turma do Rio Pardo. O dr. Oscar Guimarães batizou à champanhe os dois pedaços de ferro que, pousando acima da corrente límpida do córrego da ligação, acabaram com a distância da nossa terra. O dr. Martins Costa apertou os parafusos. Em seguida a máquina 14, dos serviços do Rio Pardo, atravessou o pontilhão recém-acabado”. A 14 de outubro seguinte teve lugar a inauguração oficial da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, datando da sua chegada o extraordinário desenvolvimento, o vertiginoso progresso da localidade. A comitiva, que foi recebida em Rio Pardo pelos srs. José Santiago, intendente municipal, dr. Silva Coelho, juiz de direito, José Pais de Faria, Pedro Romualdo e Miguel Garcia, chega- Fazenda “Alegre”, do Sr. Júlio Cezar de Araújo Vaca da raça holandesa Holstein, propriedade do Sr. Domingos Barbosa Martins 45 va a Campo Grande, no trem inaugural, pelas dez horas da manhã, sendo festivamente acolhida. Compunha-se ela do dr. Carlos Euler representando o ministro da Viação, coronel José Bevilácqua representando o ministro da Guerra, senador Antônio Azeredo, general Caetano de Albuquerque, deputado A. de Mavignier, drs. Firmo Dutra, Emílio Amarante, Hilário Adrião, e dos srs. C.S. Rutlindg representante do Times, Dario de Mendonça do Jornal do Commercio, Macedo Soares do Imparcial, Silvino Cardoso da Epoca e outras. No salão principal da Câmara, realizou-se uma sessão solene, orando o dr. Silva Coelho que saudou os representantes do Governo em nome do município, respondendo-lhe o senador Azeredo em frases altamente patrióticas. Em substituição à Ordem, semanário que se publicava em Campo Grande desde setembro de 1916, a 11 de março de 1917 surgia o Correio do Sul, de propriedade do sr. Antero Paes de Barros e a 13 de junho seguinte O Sul, semanário também, fundado pelo deputado federal dr. Aníbal de Toledo. No dia 1° de janeiro de 1918 foi inaugurada a iluminação pública elétrica, por concessão do município à firma A. Veronese & Irmão, sendo a segunda localidade do Estado que entrou no gozo de tão grande melhoramento. Por Lei n. 772, de 16 de julho de 1918, foi a vila elevada à categoria de cidade, realizando-se a 7 de setembro seguinte grandes festas comemorativas. Perdurando desde 1° de janeiro desse ano, em virtude de conflito político, uma dualidade de Câmara e de juízes de paz, o que vinha causando à vida administrativa e jurídica do município os mais sérios entraves e a mais prejudicial das situações, teve por bem a Assembléia Legislativa do Estado pôr termo à grave anomalia reinante, anulando as eleições realizadas a 2 de novembro do ano anterior e autorizando o presidente do Estado a nomear o intendente-geral e juízes de paz de Campo Grande, aquele com poderes para exercer também atos do Poder Legislativo ficando, assim, inteiramente cassada a autonomia do município. Tem o n. 768 e é de 9 de julho de 1918 a lei que determi- Reprodutor da raça Zebu, Fazenda do Sr. Gomes Sandy Reprodutor da raça Zebu, Fazenda “Mimosa”, do Sr. Severino Roberto Mendes 47 nou a intervenção estadual no município, recaindo a nomeação para intendente, por Ato n. 329, de 14 de agosto do mesmo ano, no deputado estadual Rosário Congro, cuja posse realizou-se a 5 de setembro, e a de juízes de paz nos cidadãos Antônio Benjamim Correia da Costa, Leopoldo Gonçalves dos Santos e João Coelho, sendo seus suplentes João Pedro de Souza, Manuel Joaquim de Morais e Cândido da Costa Lima, não tendo este último prestado o compromisso legal. Por Decreto n. 485, de 24 de abril de 1919, foi designado o dia 3 de agosto para a realização das eleições reconstituintes dos poderes do município e sua conseqüente volta à vida constitucional. A 21 de abril de 1919, mandado construir pela “Sociedade Organizadora da Biblioteca Pública de Campo Grande”, fundada a 27 de outubro do ano anterior pelo dr. Jaime Ferreira de Vasconcelos, tiveram começo, em terreno concedido pela intendência municipal, as obras do respectivo edifício. A 1° de junho de 1919 foi solenemente lançada a pedra fundamental da Santa Casa de Misericórdia e a 24 de agosto a do belíssimo templo destinado à nova matriz. Em 1909 existiam na vila e seu rocio, conforme dados oficiais, 196 fogos com a população de 1.200 almas. Atualmente, um decênio depois, tem a cidade, somente no perímetro urbano, 550 prédios e uma população de 5.000 habitantes, sendo calculada, a da zona suburbana, em 4.000 e a do município em 40.000. Grande e operosa é a população estrangeira, destacando-se as colônias síria, italiana e portuguesa, que se dedicam ao seu intenso comércio, e a japonesa, vinda empregada na construção da ferrovia e agora dedicada, nas redondezas da cidade, à pequena agricultura, abastecendo diariamente o mercado consumidor. A despeito da dificultosa situação geral criada pela grande guerra e da falta de materiais, vindos de longe por preços fabulosos, foi verdadeiramente febricitante o crescimento da urbs, notando-se ainda, continuadamente, dezenas de prédios em construção. Muitos são os serviços públicos em execução, entre eles o Magnífico reprodutor da raça Shorthorn ou Durham, Fazenda “Bandeira” Reprodutor da raça Shorthorn ou Durham, Fazenda “Bandeira” 49 ajardinamento da praça principal, que será um magnífico logradouro, cogitando-se também do abastecimento de água canalizada, de fácil realização e que constitui a obra pública de importância máxima, à qual está visceralmente ligado o grandioso porvir da “Pérola do Sul”. Assentada em terreno ligeiramente inclinado, pelos 20°27’15” de latitude Sul e 11°36’55” de longitude Oeste do meridiano do Rio de Janeiro, e com a altitude de 735 m. na forquilha formada pelos seus dois córregos, segundo o “Memorial descritivo” do dr. Themístocles Brazil, existente no arquivo da Câmara Municipal, a bela cidade serrana, gema preciosa engastada no veludo verde das suas admiráveis rechãs, apresenta, vista dos planos elevados de oeste e do sul, o mais risonho aspecto no claro matiz do casario extenso e no róseo ondulado dos seus telhados novos. Situação geográfica A cidade de Campo Grande acha-se situada a 20°27’15” de latitude Sul e 11°36’55” de longitude Oeste do meridiano do Rio de Janeiro. Altitude sobre o nível do mar A cidade está colocada a 735 metros acima do nível do mar, na confluência dos dois córregos que a banham, segundo a verificação feita pelo Dr. Themístocles Brazil. A cota, porém, da Estrada de Ferro, assinalada na respectiva estação, acusa 573 m. Superfície A área do município, que era de 105.000 km², quando foi criado, é calculada presentemente em 60.000, por terem sido desanexadas, para a formação dos municípios de Ponta Porã e Três Lagoas, grandes extensões do seu vasto território. 49 ajardinamento da praça principal, que será um magnífico logradouro, cogitando-se também do abastecimento de água canalizada, de fácil realização e que constitui a obra pública de importância máxima, à qual está visceralmente ligado o grandioso porvir da “Pérola do Sul”. Assentada em terreno ligeiramente inclinado, pelos 20°27’15” de latitude Sul e 11°36’55” de longitude Oeste do meridiano do Rio de Janeiro, e com a altitude de 735 m. na forquilha formada pelos seus dois córregos, segundo o “Memorial descritivo” do dr. Themístocles Brazil, existente no arquivo da Câmara Municipal, a bela cidade serrana, gema preciosa engastada no veludo verde das suas admiráveis rechãs, apresenta, vista dos planos elevados de oeste e do sul, o mais risonho aspecto no claro matiz do casario extenso e no róseo ondulado dos seus telhados novos. Situação geográfica A cidade de Campo Grande acha-se situada a 20°27’15” de latitude Sul e 11°36’55” de longitude Oeste do meridiano do Rio de Janeiro. Altitude sobre o nível do mar A cidade está colocada a 735 metros acima do nível do mar, na confluência dos dois córregos que a banham, segundo a verificação feita pelo Dr. Themístocles Brazil. A cota, porém, da Estrada de Ferro, assinalada na respectiva estação, acusa 573 m. Superfície A área do município, que era de 105.000 km², quando foi criado, é calculada presentemente em 60.000, por terem sido desanexadas, para a formação dos municípios de Ponta Porã e Três Lagoas, grandes extensões do seu vasto território. Reprodutor da raça holandesa Holstein, propriedade do Sr. Domingos Barbosa Martins Mestiços crioulos com Duroc Jersey 51 Superfície e divisão do rocio A área do rocio é de 6.504 hectares, 34 ares e 79m², assim dividida: zona urbana, 222 hectares; zona suburbana, 1.314 hectares; zona rústica, 4.968 hectares, 34 ares e 79m². Limites do município Ao norte com o de Coxim pela serra de São Domingos; ao sul, com os de Nioaque e Ponta Porã pelos rios Brilhante e Ivinhema; a este, com os Estados do Paraná e São Paulo e município de Três Lagoas, pelos rios Paraná e Pardo, e a oeste com o município de Aquidauana, pelos rios Aquidauana e Cachoeirão. P opulação É de 40.000 habitantes a população do município e de 9.000 a da sua sede, sendo 5.000 no perímetro urbano e 4.000 no suburbano. Clima (*) Goza a cidade de Campo Grande da amenidade de um clima temperado peculiar às altas latitudes da zona tórrida, em altitudes médias e longe das influências dos mares. Assim é que o termômetro não acusa grandes subidas no verão e nem maiores descidas no inverno, mudando a temperatura gradualmente, sem quedas abruptas. A pressão barométrica oscila pouco em torno de 702 mm. Observa-se aí o mesmo fato que nas baixas latitudes: o ano é dividido em duas estações bem acentuadas, a da seca e a das chuvas, o que permite uma previsão mais ou menos segura das condições materiais e concorre sobremodo para a regularização da vida e do trabalho. Como vento dominante, sopra diariamente uma brisa de leste, que nas horas de maior calor vem amenizar a temperatura ambiente e trazer o ar purificado através de vasto trajeto pelos Poland China e Duroc Jersey. Fazenda “Bandeira” Crioulos com Duroc Jersey 53 campos do oriente. Estas condições climáticas permitem desde logo se afirmar a salubridade invejável da cidade e município de Campo Grande, atestada na diminuta porcentagem dos óbitos por moléstia. Salubridade É ótima, não existindo moléstias endêmicas e nem epidêmicas. (**) Campo Grande não está no “Inferno Central”, como o ilustre dr. Belisário Pena considera o interior. Aspecto físico (*) Corta o município o vasto planalto da serra de Maracaju, que se estende de sul a norte. A estreita faixa de terra, cerca de seiscentos metros, que medeia entre as primeiras cabeceiras dos córregos Segredo e Ceroula, nas cercanias da cidade, constitui nesse ponto o divisor das águas das duas enormes bacias dos grandes caudais que forma o rio da Prata. É de notar o grande contraste que se observa entre as duas bacias adjacentes. Enquanto uma, a do Paraná, apresenta lindos campos descobertos matizando o solo de uma belíssima suavidade topográfica, sulcado caprichosamente pela vegetação marginal, elevada, dos veios de água, a outra, a do rio Paraguai, ostenta uma vegetação compacta de cerrado, cobrindo por completo o terreno um tanto acidentado, elevando aqui e além pequenos morros como que para romper a monotonia da paisagem. A bacia do Paraná inclina as suas terras suavemente para leste, ao mesmo tempo que a do Paraguai assenta o seu leito no fundo de enorme depressão, cercada por gigantesca muralha de grés já esboroada em muitos lugares, permitindo a formação de rampas que facilitam o acesso ao planalto. Na Fazenda do Sr. Porfirio Ferreira de Britto 55 Formação geológica (*) A rocha dominante é o grés ferruginoso que forma vasto alicerce de grande espessura, constituindo o subsolo, que se estende para oeste indo terminar em corte abrupto a não grande distância, onde começa a imensa depressão que constitui a bacia do rio Paraguai. Por sobre este grande estrato gressoso acha-se uma camada, de espessura variável, de argila vermelha protegida, ora por camadas de húmus nos lugares onde as circunstâncias mesológicas foram favoráveis, determinando exuberância na vegetação, formando magníficas matas, ora por verdadeiros bancos de areia onde a vegetação se aniquila, formando o cerrado característico do planalto central do Brasil. É de notar que estes bancos se encontram sempre nos lugares elevados, onde a forma do terreno não favorece o desmonte pelos meios meteóricos. Em um ou outro lugar e nos pequenos vales de erosão, vêemse aflorações de pequeninos filões de xistos argilosos. As ocorrências destas rochas, apesar de não virem acompanhadas do calcário, dão indício da formação geológica devoniana. Além do grés, que se apresenta com modalidades nas suas propriedades físicas, principalmente na dureza, oferecendo, como pedra de construção, qualidades desejáveis, da areia e da argila, de nenhum outro material se pode dispor. O calcário falta em absoluto. Orografia O município de Campo Grande é cortado pela serra de Maracaju, de sul a norte, sendo seus contrafortes principais o das Correntes, a oeste, à margem do Aquidauana, formando um subplatô semeado de morros, e o de São Domingos, ao norte, nos limites com o município de Coxim. Na Fazenda do Sr. Gomes Sandy 57 Hidrografia (**) Um dos grandes rios, o Paraná, francamente navegável na seção alta de Sete Quedas a Jupiá, banha o território do município desde o Ivinhema à foz do rio Pardo. O Brilhante, que lhe serve de extremo sul, nasce na chapada de São Roque e vai, com o Vacaria, formar o Ivinhema. O Vacaria desce o planalto, cortando, com o Brilhante, os melhores campos do sul e nasce a três quilômetros deste. Inúmeros ribeirões cortam o vale do Vacaria e são: Piau, Esteios, Taquaruçu, São Roque, Desbarrancado, pela margem esquerda; Beltrão, Serrote, Passatempo, Caçada Grande, pela direita. Correm para o Brilhante o Jenipapo, Carrapato, Araras e muitos outros, secundários. O Ivinhema recebe o Papagaio, São Bento e Samambaia. O rio Pardo é formado de grandes afluentes; nasce vinte léguas ao norte de Campo Grande, com o nome de Capim Branco, e toma o de Pardo depois da junção do Pinhé. Engrossa as suas águas o rio Botas, que tem a sua nascente quatro léguas ao norte da cidade, tem um curso de vinte e duas léguas e foi marginado pela estrada de ferro. O Anhanduí-Guaçu, que nasce nas proximidades da cidade, dirige-se para o sul, numa grande curvatura e depois recurva-se para este. É o principal afluente do Pardo. ele recebe ainda pela margem esquerda os ribeirões Lontra, Lontrinha e Anhanduí Mirim, todos de importante volume de água, e ainda o Santa Luzia, pela margem direita. Na vertente do Paraguai, o rio Aquidauana é o principal, recebendo o Cachoeirão, Salobra, Jatobá, Angico e muitos outros ribeirões encachoeirados que descem da serra de Maracaju. Nasce o Aquidauana no contraforte de São Domingos como os ribeirões Barreiro, São João e Fala Verdade, abundantes de água. Um rodeio na Fazenda “Bebedouro”, a afamada região da Vacaria, propriedade do Sr. Manoel Conegundes Nogueira 59 Hidrografia do rocio (*) É precisamente na cidade, no extremo sul da zona urbana, que se dá a confluência dos córregos Prosa e Segredo. Eles fornecem em concorrência as primeiras águas do Anhanduí, principal afluente do rio Pardo, tributário do Paraná. O Prosa, que traz as suas águas das pequenas elevações de leste, dirige-se precisamente para oeste com um percurso de 7.800 m. quase em linha reta, despenhando-se aqui e ali em degraus de rocha gressosa, formando pequeninos saltos, dos quais o mais importante tem 5 metros de alto, vencendo deste modo a diferença de nível de 112 m. que medeia entre a sua origem e foz. O leito, de puramente arenoso nas origens, se transforma, apresentando-se em um e outro lugar ora lajeado pelo grés, ora argiloso. A sua verdadeira cabeceira, ou cabeceira mestra, é conhecida pelo nome Desbarrancado, pelo aspecto que apresenta o seu leito devido ao desmonte produzido pelas águas. Recebe pela margem direita três pequenos afluentes, sendo que o mais baixo oferece maior importância, determinando pela sua confluência a forquilha conhecida por pontal do Prosa, encerrando excelentes terras em grande parte cultivadas. O Segredo nasce nas elevações do norte e dirige-se a S.S.O. com traçado sensivelmente retilíneo, atingindo o desenvolvimento de 10.000m. com um desnível de 113 m. Recebe pela margem direita duas pequenas cabeceiras, uma menor, que tem origem na Lagoa da Cruz, a outra, pouco maior, denominada Olhos d’Água, também derivada de uma pequena lagoa. Pela margem esquerda, apenas uma cabeceira contribui com as suas águas, e é a denominada Cabeceira do Jacinto. Tanto o Prosa como o Segredo têm os seus leques cobertos de exuberante mata já em grande parte grosseiramente destruída o que vem sobremodo influir na diminuição das águas. Determinados os volumes de água de ambos, foram encontrados os seguintes números: Um rodeio na Fazenda “Alegrete”, região da Vacaria, propriedade do Sr. Antonio Barbosa 61 valor este que, reduzido ao dia, orça em 53.654.400 litros. Se adotar-se o número 310 litros por habitante, número adotado em Nova Iorque, teremos que os dois córregos poderão abastecer uma população de cerca de 170.000 habitantes. Quedas-d’água Não possui o município quedas-d’água notáveis: entretanto, as existentes, algumas de força motriz considerável, podem ser a base segura de uma indústria poderosa. Salienta-se a cachoeira do Jatobá, afluente do Aquidauana, com uma força aproximada de oito mil cavalos. Minerais Sobre minerais, até agora, nada se descobriu no município que constitua propriamente riqueza. Matas e madeiras (**) As mais extensas e abundantes de madeiras estão na zona da Aroeira, à margem esquerda do Ivinhema e sobre o Paraná. Na encosta da serra, a região de maiores florestas é a da Congonha, nas nascentes do Aquidauana. A região do morro Canastrão possui também matas ininterruptas desde as vertentes do Cachoeirinha. Os campos da Vacaria são ponteados de pequenas matas, capões de madeiras boas, assim como as inúmeras cabeceiras dos rios. 63 Ao norte da cidade ficam as matas do Caçador, do Rincão e do Rochedo. Abundam as boas madeiras de cedro-rosa e branco, castelo, bálsamo, louro, guatambu, aroeira, ipê, pau-marfim, peroba, vinhático e outras. É pequena a família das palmeiras: a mais notável pelo tamanho é a baguaçu de folhas enormes, planta inaproveitada ainda, tendo sido explorada no Maranhão, ultimamente, para a extração do óleo dos seus abundantes frutos. Nas matas úmidas vivem a guariroba, palmito, jerivá, bocajá e pequenas espécies ornamentais. Na serra cresce, majestoso, o jequitibá. Campos e pastagens (**) Mato Grosso possui dos mais belos campos do Brasil e estes pertencem a Campo Grande. Nenhum campo nativo pode avantajar-se aos da extensíssima região da Vacaria, na sua altitude média de 600 metros, umidade natural e riqueza do solo. Estão agora passando pela transformação do pisoteio, notando-se já, nas zonas do Brilhante, Esperança, Lajeado e Passatempo, lindos campos gramados, de uma pastagem fina, apetecida pelo gado, e que nada ficam a dever aos afamados do Rio Grande e Uruguai. A isto deve-se acrescentar os inúmeros córregos abundantes, privilégio da campanha serrana, e lagoas perenes. Predominam nos campos do município o capim-branco e o mimoso, e estão sendo introduzidos o gordura e o jaraguá. Na fazenda da Brazil Land, a mais importante do Estado, além do gordura e o jaraguá, planta-se agora o ceilão, o rodes, a graminha e experimenta-se a alfafa e o sorgo. John Moore & Co., nas proximidades da cidade, estão fazendo, igualmente, pastagens de gordura, jaraguá, rodes e sorgo, como também o coronel A. Reveilleau, na sua propriedade denominada Santa Alda. Um gigante da mata, medindo, na base, 17 metros de circunferência, na chácara do Sr. Manoel Pereira da Silva Fazenda “Capão Bonito”, da Brazil Land. Vê-se na gravura um belo cavalo importado, mestiço árabe e escandinavo 66 O rodes e o jaraguá encontram nas terras de Campo Grande condições muito favoráveis ao seu desenvolvimento, e a formação racional das pastagens, no município, tem tomado notável incremento. P ecuária Este importantíssimo ramo da riqueza nacional constitui a opulência do município e nele encontra campo imenso e propício a um fácil desenvolvimento, que atingirá, dentro pouco tempo, a assombrosas proporções. Despovoadas ainda as suas admiráveis planuras, pois para tão vasto território a população bovina é apenas de 700.000 cabeças e a eqüina de 80.000, intensifica-se agora, vertiginosamente, o povoamento dos campos, bem como o melhoramento dos rebanhos pela cruza com raças de eleição. A Comp. Frigorífica Pastoril, a Comp. Viação S. Paulo e Matto Grosso e outros grandes proprietários começam a povoar seus desertos latifúndios, e entrou no seu início o desaparecimento das enormes fazendas de dez, doze, quinze léguas e mais, habitadas apenas por 500 cabeças! A mais povoada, presentemente, é a Capão Bonito, da Brazil Land, com 40.000. Data de 1750 a introdução das primeiras reses na então capitania de Mato Grosso. Conduzidas de São Paulo e Minas, elas eram originárias da raça alentejana trazida pelos portugueses e, facilmente aclimatadas, constituíram a raça crioula que, em número reduzido, habitava, na região, as poucas e distantes fazendas. Com o povoamento, desde 1875, das terras que hoje formam o rico município de Campo Grande, intenso foi o comércio que se estabeleceu com Uberaba, até a chegada da Estrada de Ferro, vinda de São Paulo, e do Triângulo Mineiro se fez larga importação do zebu, predominando por isso, na atualidade, o cruzamento com a raça indiana. Mas a poderosa empresa americana Brazil Land Cattle and Packing Co. já importou, não só para o refinamento dos seus rebanhos como para a venda de reprodutores, cerca de 1.500 Reprodutor da raça indiana, propriedade do Sr. José Fernandes Barros Moreira Magnífico reprodutor Poland China, Fazenda “Capão Bonito” Reprodutor da raça Hereford, da “Brazil Land” 69 espécimes das raças Hereford e Shorthorn ou Durham, como lindos cavalos Hackney e Norfolk-trotter e suínos das raças Duroc Jersey e Poland China. Vêem-se ali as mais belas figuras zootécnicas. A firma inglesa John Moore & Comp. que está empregando fortes capitais na aquisição de novas terras, montou próximo à cidade, na fazenda Bandeira, de sua propriedade, uma cabana para a venda de reprodutores. O governo da União projeta fundar no município uma fazenda modelo de criação. A exportação atual, por ano, é de 80 a 100.000 bovinos. É ainda reduzida a criação de suínos e lanígeros. Diariamente afluem os compradores de gado e de terras, entre estes muitos ingleses e americanos-do-norte, e não está longe o estabelecimento de frigoríficos em Campo Grande, centro de toda a grande e magnífica zona pastoril do sul mato-grossense. Reprodutor da raça Hereford, Fazenda “Capão Bonito” 70 P ropriedades rurais O município conta para mais de 600 propriedades rurais, citando-se, entre as maiores de 10.000 hectares, as seguintes: 70 P ropriedades rurais O município conta para mais de 600 propriedades rurais, citando-se, entre as maiores de 10.000 hectares, as seguintes: “Soberano”, soberbo reprodutor da raça Hackney, primeiro prêmio na Exposição de Palermo, Buenos Aires de 1912. Fazenda “Capão Bonito” Reprodutor Durhan, sem trato, em pleno campo da Fazenda “Bandeira” Magníficos mestiços Durhan com vacas crioulas. Fazenda “Bandeira”, de John Moore & Co. 73 Entre estes grandes proprietários, destacam-se: Domingos Barbosa Martins com um território de mais de 100 léguas; A Cattle Land cujas fazendas reunidas como estão representam cerca de 45 léguas; a Comp. Viação S. Paulo e Matto Grosso, 35 léguas; Bernardo Baís, 25 léguas; Cel. A. Reveilleau, 15 léguas; Lucinda Pereira da Rosa, 15 léguas; Joaquim da Mota Coelho, 12 léguas; João Pinto de Almeida, 12 léguas; Porfírio de Brito, 12 léguas; Laucídio Coelho, 12 léguas; Comp. Frigorífica Pastoril, 10 léguas. 74 A fazenda Capão Bonito Pela sua colocação, área, método com que está organizada e população bovina dos seus admiráveis campos, pode ser considerada a primus inter pares das fazendas do Estado de Mato Grosso, merecendo, por isso, especial menção. Pertencente à poderosa Brazil Land Cattle and Packing Co., como Durhan e Hereford, produtos da Fazenda “Capão Bonito” Durhan e Hereford, produtos da Fazenda “Capão Bonito” as demais limítrofes denominadas São Roque, Anhanduí, Bálsamo, Passatempo, Lajeado e Piau, formando, reunidas, uma área de 158.873 hectares, ou cerca de 45 léguas, ela é o escol e nela reside a administração e, por tal motivo, subentende-se sob a única denominação de Capão Bonito toda a imensa propriedade rural Fazenda “Capão Bonito”, da Brazil Land 76 que elas, de fato, constituem. Partindo da cidade de Campo Grande, depois de percorridas dez léguas, em rápido e macio Ford, através das mais belas rechãs, planícies infinitas ligeiramente onduladas, marchetadas de anefados rebanhos, ponteadas de pequenos e luxuriantes bosques, cortadas por abundantes ribeiros, compondo maravilhosos cenários, chegase ao Lajeado, onde uma linfa cristalina desliza sobre pedras, à sombra das ramagens da mata e onde, pesados, maciços, os “cara branca” estacionam plácidos e ruminantes, nas horas quentes do dia. Começam aí os extensos domínios da Brazil Land no município de Campo Grande e até a sede da fazenda, distante ainda seis léguas, as magníficas manadas correm saltitantes ou apenas levantam a cabeça, atentas, ao fonfonar do auto. Transposto o rio Vacaria pela grande ponte de madeira, mandada construir pela importante empresa, chega-se à confortável e aprazível vivenda onde o sr. James Burr, o diretor, cavalheiro do mais fino Nos campos da “Brazil Land”, reprodutores Durham trato, a todos acolhe sorridente e solícito. Fronteiro à esplêndida morada, um dilatado horizonte se desenrola, confundindo-se o verde claro dos campos com o claro azul das alturas. Nessa larga esplanada, devidamente separadas, estão as plantações racionais de aveia, alfafa, sorgo, rodes, graminha, gordura e jaraguá, que em breve tempo estarão disseminadas pela vastidão da grande estância. Nos campos da Vacaria Uma plantação de jaraguá 78 Na parte oposta, um amplo pomar se estende, cortado por águas cantantes, onde se ostentam as mais vigorosas mangueiras e onde o fruto de oiro dos laranjais carregadíssimos, sobressai no fundo escuro da folhagem. A laranja, em Capão Bonito, é de todo o ano, pois vive ali uma espécie cujo fruto reverdece, mantendo sempre o mesmo sabor, extraordinariamente doce. Muitas outras árvores frutíferas vicejam naquele horto, e os abacaxis, saborosos e grandes, são como os afamados do Pará. O bananal, o canavial e os canteiros de hortaliça variada e abundante, são igualmente apreciáveis. Tudo muito limpo, bem cuidado, frondoso e ameno, sob o chilrear dos inúmeros bandos alados, torna aquele recanto verdadeiramente delicioso. Ao longe aloirece um campo de jaraguá e, numa suave encosta, puxados, cada um por quatro animais, movem-se os arados, que revolvem a terra para a sementeira promissora e para o plantio de tubérculos destinados à alimentação dos suínos. Em chiqueiros cimentados, servidos de água corrente, engordam magníficos exemplares da raça nacional “canastrão”, bem como outros, cruzados com as raças Poland China e Duroc Jersey. Soltas em grande cercado, e bem alimentadas, vivem as fartas criadeiras seguidas de numerosos bacorinhos, que são vendidos, a bom preço. Em estábulos perfeitamente limpos, jazem bem nutridas vacas Nos campos da “Brazil Land”, reprodutores Hereford Rodeio na Fazenda “Capão Bonito”, vendo-se no primeiro plano diversos reprodutores da raça Hereford 80 Shorthorn e, na sua cavalariça especial, “Soberano”, o admirável Hachney, primeiro prêmio na Exposição de Buenos Aires em 1912, ostenta a imponência do seu porte, aguardando a época do ano em que é chamado a transmitir, pois é excelente raceur, os característicos Poland China. “Capão Bonito” Mestiça Duroc Jersey com Poland China. “Capão Bonito” da sua raça nobre, originária das paragens nevadas da Escandinávia. Em espaçosos mangueiros mugem, reunidos, os mais belos produtos zootécnicos da fazenda: novilhos e novilhas legítimos Um importantissimo grupo de cinqüenta reprodutores Hereford. Campos da Brazil Land Um belo grupo das raças Hereford e Shorthorn. Fazenda “Capão Bonito”, da Brazil Land 83 Hereford e Durham, e mestiços destas duas afamadas raças com vacas crioulas, espertos e desenvolvidos animais que são. Construídos em diversos retiros, funcionam, quando necessário, os banheiros carrapaticidas. Povoam as campinas de Capão Bonito cerca de quarenta mil bovinos e, nas longas excursões através das mesmas, somente num retiro ainda podem ser vistos alguns touros indianos, tendo sido espalhados pelas planuras, introduzidos nos rebanhos crioulos mais de mil reprodutores Hereford e Shorthorn, raças de corte, de carne excelente, principalmente a primeira, mais conhecida e apreciada em todo o mundo pela sua precocidade, peso vivo e rendimento de carne, além da sua rusticidade, que a torna mais resistente. Que valor terão estes rebanhos, dentro de cinco anos, assim refinados? Novilhas da raça Durhan, produtos da Fazenda “Capão Bonito” A exigência dos mercados consumidores cresce dia a dia. A preferência e o melhor preço serão, sem dúvida, o seu corolário. Esta é a magnífica propriedade rural em a qual a Brazil Land Cattle and Packing Co. empregou quantia aproximada a cinco mil contos de réis, e que muito vem contribuindo para o desenvolvimento da pecuária moderna no município de Campo Grande. Vacas da raça Shorthorn. “Capão Bonito” Banheiro carrapaticida. Fazenda “Capão Bonito”, da Brazil Land 86 Valor das terras O valor oficial das terras devolutas, pertencentes ao Estado, ainda existentes no município, em grandes extensões, principalmente na região do Ivinhema e Paraná, é na atualidade, de 3$000 por hectare. Na vasta e riquíssima zona da Vacaria, constituída dos mais belos campos, a mais propícia à indústria pastoril, já sem área alguma devoluta, tem sido negociados, ultimamente, grandes trechos à razão de quarenta contos de réis e mais por légua de 3.600 hectares. Novilhas da raça Shorthorn, 12 meses. Produtos da Fazenda “Capão Bonito” Estradas de rodagem O município está ligado ao de Coxim pela estrada de rodagem que serve o distrito de Jaraguari e passa pelo varadouro de São Domingos; ao de Nioaque pela do Brilhante e outras e ao de Ponta Porã por uma linha regular de automóveis que, correndo pelo planalto, serve também o distrito de Entre Rios e as inúmeras fazendas estabelecidas nas afamadas regiões pastoris da Vacaria e do Brilhante. Muitas outras estradas cortam o seu território em todas as direções. 86 Valor das terras O valor oficial das terras devolutas, pertencentes ao Estado, ainda existentes no município, em grandes extensões, principalmente na região do Ivinhema e Paraná, é na atualidade, de 3$000 por hectare. Na vasta e riquíssima zona da Vacaria, constituída dos mais belos campos, a mais propícia à indústria pastoril, já sem área alguma devoluta, tem sido negociados, ultimamente, grandes trechos à razão de quarenta contos de réis e mais por légua de 3.600 hectares. Novilhas da raça Shorthorn, 12 meses. Produtos da Fazenda “Capão Bonito” Estradas de rodagem O município está ligado ao de Coxim pela estrada de rodagem que serve o distrito de Jaraguari e passa pelo varadouro de São Domingos; ao de Nioaque pela do Brilhante e outras e ao de Ponta Porã por uma linha regular de automóveis que, correndo pelo planalto, serve também o distrito de Entre Rios e as inúmeras fazendas estabelecidas nas afamadas regiões pastoris da Vacaria e do Brilhante. Muitas outras estradas cortam o seu território em todas as direções. Reprodutores Norfolk-trotter. Fazenda “Capão Bonito” da Brazil Land 88 Estrada de ferro Corta o município a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que tem no seu território dez estações e o põe em rápida comunicação com os municípios de Três Lagoas e Aquidauana. A cidade é sede de uma residência de engenharia e a sua estação, de primeira classe. Navegação Dentro dos limites do município, os rios Paraná, Ivinhema e Brilhante, este até o porto Iguaçu, distante nove quilômetros de Entre Rios, são francamente navegáveis, existindo uma carreira de vapores da Comp. Viação S. Paulo-Matto Grosso, de Jupiá, no alto Paraná, onde recebem as cargas transportadas pela Estrada de Ferro Noroeste, até Iguaçu. Povoações Tem o município três futurosas povoações e são elas: Entre Rios, distante trinta léguas da sede, na zona da Vacaria; Jaraguari, distante nove léguas, verdadeiro celeiro da cidade, e Rio Pardo, à margem da ferrovia. Criação do distrito de paz O distrito de paz de Campo Grande foi criado por Lei n. 792, de 23 de novembro de 1889. Criação do município Por Lei n. 225, de 26 de agosto de 1899, foi a então freguesia de Campo Grande elevada à categoria de vila e criado o município. Biblioteca Pública Correio 89 Criação e instalação da comarca Por Lei n. 549, de 20 de julho de 1910, foi criada a comarca, e instalada a 2 de maio de 1911 em virtude do Decreto n. 277, de 16 de março do mesmo ano. Elevação a cidade A vila de Campo Grande foi elevada à categoria de cidade por Lei n. 772, de 16 de julho de 1918. Câmara Municipal A cidade Das admiráveis planuras elevadas que cercam pequena bacia, se avista em depressão o fundo ligeiramente ondulado dos pequenos vales por onde correm dois pequeninos córregos, serpenteando, ora no interior de densa mata, já em grande parte destruída pelo impiedoso machado, ora em clareiras e cortando quintais de habitações. Servida pela Estrada de Ferro Noroeste, aí assenta a cidade de Campo Grande, em terreno suavemente inclinado, apresentando um aspecto belíssimo ao viajanteque chega aos planos de oeste, pela estrada de Aquidauana e Vacaria, ou do sul, pela estrada do Porto 15 de Novembro, do rio Paraná. O seu traçado, em tabuleiro de xadrez, apresenta vinte ruas Planta da Cidade 92 longas, largas e retilíneas, três praças e duas avenidas, uma destas, a Avenida Afonso Pena, com 54 metros de largura e 1.440 de comprimento. A sua construção, moderna, apresenta lindos prédios, destacandose os palacetes dos sr.s Benjamim Correia da Costa, B. Baís, José Damas, Júlio Anffé, Soter França, os edifícios da casa Vasquez & Cia., do estabelecimento “A Moda”, dos hotéis “Globo” e “Oeste”, da “Casa Paulista”, da “Pharmacia Royal”, da abastada firma Candia & Moliterno, da Câmara municipal e muitos outros. Estão, igualmente, em construção a igreja matriz, um lindo templo de feição moderna, o Hospital de Caridade, a igreja Evangélica e a Biblioteca Pública. Estação da Estrada de Ferro Noroeste É iluminada a luz elétrica e intenso é o seu comércio, circulando pelas suas extensas artérias, em grande número, os carros de praça e os velozes autos e caminhões. É sede do 5.° Regimento de Artilharia Montada e também, pela reorganização do Exército, em vigor, da 5.ª Brigada Estratégica, o que, entretanto, não se efetivou ainda. Nela tem residência, também, o 2.° Batalhão da Força Pública do Estado. Possui um regular número de escolas públicas e particulares, entre estas, uma bem freqüentada, mantida pela colônia japonesa. Funciona, ainda, na cidade, o Instituto Pestalozzi, internato e externato, magnífico estabelecimento de ensino primário e secundário para ambos os sexos. O importante estabelecimento “A MODA” (fachada) O importante estabelecimento “A MODA” (parte interna) 95 O governo do Estado cogita da construção de um grupo escolar, já projetado, e da criação de uma escola normal. A sua imprensa compõe-se de dois semanários: O Sul e O Correio do Sul. Conta seis médicos, três farmácias, quatro dentistas, oito engenheiros e agrimensores, dez advogados, seis construtores de obras, doze olarias (uma a vapor), uma fábrica de mosaicos, duas serrarias, uma fábrica de gelo, uma cervejaria, duas bandas musicais, sete hotéis, quatro bares e bilhares, alfaiatarias, modas, salões de barbeiro, um cinema permanente, importantes casas comerciais como Candia & Moliterno, Vasquez & Cia., Sadalla & Saad, Neder & Irmão, Vidal & Comp., Calarge & Irmãos e mais uma centena de estabelecimentos em todos os ramos de negócio. O Banco Nacional do Comércio mantém na praça uma agência, cogitando o Banco do Brasil de igual medida. De todas as estações da Noroeste, a sua é que apre senta movimento e rendas maiores. É cada vez mais crescente o número de construções de novos edifícios, inúmeros já iniciados, e outros denotados pelos montes de pedras, tijolos e outros materiais que se vêem por todos os recantos. (*) Ponto estratégico importante, dominando com possível equidistância toda a parte mais importante da fronteira sul, além de oferecer todos os elementos necessários à manutenção das forças e salubridade para o gado eqüino, será necessariamente o ponto de onde irradiarão os ramais de estrada de ferro que, chegando normalmente às fronteiras, venham, à feição das saídas táticas, permitir que as tropas estejam dentro de reduzido tempo estabelecendo os seus primeiros contatos com as forças adversárias, obstando-lhes o passo invasor. Como não bastasse a condição estratégica de Campo Grande para determinar o traçado ferroviário para a fronteira, ainda o terreno está como que a pedir a sua construção, oferecendo o leito quase preparado pela natureza, no divisor das águas Paraná-Paraguai, que, em planuras admiráveis, descreve, com a direção S.O. e um desenvolvimento de cerca de 250 km, um gracioso arco de círculo. Nesse trajeto os grandes movimentos de terra e as obras de arte, que mais encarecem o custo quilométrico, faltam por completo. Matriz, em construção 98 Vencidos estes 250 quilômetros achar-se-ão os extremos dos trilhos a iguais distâncias de Bela Vista e de Ponta Porã, indicando assim a bifurcação necessária. O ramal de Ponta Porã, de cerca de 80 km de extensão, conserva Hotel do Globo “Casa Paulista” de VIDAL & DAMAS a mesma facilidade de construção, são ainda planuras de campos a vencer. Quanto ao de Bela Vista, embora a extensão retilínea seja sensivelmente a mesma que a de Ponta Porã, necessitará entretanto de maior desenvolvimento, a fim de poder vencer o tombo da serra 99 Maracaju, o maior acidente que se oferece e que não apresenta maiores dificuldades. Mas, não só a estes ramais Campo Grande se impõe como entroncamento, senão também a um outro que seguindo aproximadamente em direção geral a meridiana local, irá ter à vila de Coxim e posteriormente a Cuiabá, aproveitando-se a estrutura e forma dos terrenos elevados do planalto de Maracaju. Pela sua situação geográfica, no centro de vastíssima região a mais propícia para a indústria pastoril, está destinada a ser o maior empório do sul de Mato Grosso. CASA VASQUEZ & COMP. Ruas e praças Contém a cidade de Campo Grande vinte ruas longas, largas e retilíneas, quatro praças, uma em ajardinamento e duas avenidas, destas, a Avenida Afonso Pena, em formação, com 1.440 metros de comprimento e 54 de largura. Pomares e jardins (**) Além das silvestres como a guabiroba, guabira, pitanga, murta, guabiju, pitomba, jabuticaba, sepotá, coroa-de-frade e outras, algumas de valor, há em Campo Grande belos pomares onde vicejam 99 Maracaju, o maior acidente que se oferece e que não apresenta maiores dificuldades. Mas, não só a estes ramais Campo Grande se impõe como entroncamento, senão também a um outro que seguindo aproximadamente em direção geral a meridiana local, irá ter à vila de Coxim e posteriormente a Cuiabá, aproveitando-se a estrutura e forma dos terrenos elevados do planalto de Maracaju. Pela sua situação geográfica, no centro de vastíssima região a mais propícia para a indústria pastoril, está destinada a ser o maior empório do sul de Mato Grosso. CASA VASQUEZ & COMP. Ruas e praças Contém a cidade de Campo Grande vinte ruas longas, largas e retilíneas, quatro praças, uma em ajardinamento e duas avenidas, destas, a Avenida Afonso Pena, em formação, com 1.440 metros de comprimento e 54 de largura. Pomares e jardins (**) Além das silvestres como a guabiroba, guabira, pitanga, murta, guabiju, pitomba, jabuticaba, sepotá, coroa-de-frade e outras, algumas de valor, há em Campo Grande belos pomares onde vicejam 100 laranjeiras, mangueiras, pessegueiros, figueiras, romeiras e muitas outras frutas. A cidade, onde não é uma lenda o reverdecimento da laranja, foi traçada sacrificando velhos laranjais que douravam a paisagem em todas as estações. Na fazenda Lagoinha, há laranjeiras com quarenta anos de vida. Entre outras, a chácara do dr. Arlindo de Andrade, onde se cultiva cento e cinqüenta variedades de roseiras, as mais finas flores e as mais belas árvores ornamentais, possui diversas frutas européias, encontradas em São Paulo e Rio Grande do Sul. Enxertos de maçãs e pêras têm ali perfeito desenvolvimento, floração abundante e frutificação regular. As ameixas do Japão e os morangos frutificam como no Rio Grande. Os caquis dão extraordinariamente e o pessegueiro está em terra própria. A uva dá com abundância e espécies finas, americanas, sempre enxertadas, produzem muito, como também o marmelo, abacate, ananás, jacas, sapotis, abricós, etc. Número de prédios Possui a cidade 550 prédios de construção moderna, notandose entre eles vários palacetes. Iluminação pública A iluminação é elétrica e fornecida pela Empresa de eletricidade A. Veronese & Irmão, mediante contrato estabelecido com a municipalidade. Linhas telefônicas O serviço telefônico da cidade é feito pela Empresa Telefônica de Campo Grande. Do seu contrato com a municipalidade faz parte a extensão de suas linhas por todo o município. Macieira, com dois anos na chácara do Dr. Arlindo de Andrade 102 Instrução Funcionam no município quatro escolas municipais, seis estaduais e muitas particulares, entre estas a Escola Japonesa. Entre as casas de ensino da cidade, destacam-se a Escola Republicana e o Instituto Pestalozzi, internato e externato para ambos os sexos, grandemente acreditado em todo o Estado. Comércio É intenso o seu comércio, possuindo a praça importantes firmas como Candia & Moliterno, Vasquez & Comp., Sadalla & Saad, Vidal & Cia., Calarge & Irmãos e outras, e uma agência do Banco Nacional do Comércio. Chácara do Dr. Arlindo de Andrade Indústria É incipiente ainda a indústria mecânica no município. Funcionam algumas serrarias e olarias a vapor, duas máquinas de descascar arroz, moagem de café, fabricação de massas, etc. Muitos são os engenhos para o fabrico do álcool e aguardente. A indústria pastoril constitui a sua grande riqueza. Palacete do coronel Antonio Benjamin Correa da Costa Uma residência Usina elétrica (interior) 105 L avoura Cultiva-se em regular escala a cana-de-açúcar, milho, feijão, arroz, mandioca e outros vegetais. Experiências feitas para a cultura do trigo e aveia deram ótimos resultados. Exportação Gado bovino, couros e crinas. Rendas federais Durante o exercício de 1918 a coletoria federal de Campo Grande arrecadou a importância de 56:900$000. A arrecadação feita, somente no primeiro semestre do exercício de 1919, foi a seguinte: Palacete do coronel Antonio Benjamin Correa da Costa Uma residência Usina elétrica (interior) 105 L avoura Cultiva-se em regular escala a cana-de-açúcar, milho, feijão, arroz, mandioca e outros vegetais. Experiências feitas para a cultura do trigo e aveia deram ótimos resultados. Exportação Gado bovino, couros e crinas. Rendas federais Durante o exercício de 1918 a coletoria federal de Campo Grande arrecadou a importância de 56:900$000. A arrecadação feita, somente no primeiro semestre do exercício de 1919, foi a seguinte: Instituto “Pestalozzi” - Diretor e Corpo docente 107 Rendas estaduais Coletoria Estadual de Campo Grande, quadro comparativo da arrecadação dos exercícios de 1916, 1917 e 1918, no período de 1.° de janeiro a 31 de dezembro. Arrecadação durante o 1.° semestre do exercício de 1919: 108 Rendas municipais A renda do município, que em 1909 alcançou 9:595$000, foi orçada, em 1913, em 45:000$000, tendo-se arrecadado 82:986$743. Nos últimos cinco anos teve ela o seguinte desenvolvimento: 1914 1915 1916 1917 1918 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 100:000$000 119:500$000 147:400$000 136:300$000 143:000$000 Situação financeira Para o orçamento de 1919 foi a receita do município calculada em 200:000$000 e o exercício de 1918 foi encerrado sem dívida alguma alguma. Lei orçamentária Capítulo I Da receita 109 110 Capítulo II Da despesa . 111