Os pecados da tribo - José J. Veiga Professor: Edna Eloi O romance

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Os pecados da tribo - José J. Veiga Professor: Edna Eloi O romance
Os pecados da tribo - José J. Veiga
Professor: Edna Eloi
O romance Os pecados da tribo, de José J. Veiga, foi publicado em 1976 e enquadra-se na categoria "o romance da sátira
política surrealista".
Os pecados da tribo cria uma comunidade fantasiosa interpretada correntemente como uma alegoria do regime militar sob
o qual foi gerido. O enredo cai na descrição de um regime totalitário e a reação de um homem em busca de sua humanidade, o
indivíduo contra a ditadura instaurada.
A construção de uma realidade alegórica atinge maior porporção nesse romance, cuja ação se passa totalmente em
comunidades imaginárias. A Tribo, localizada em nosso futuro próximo, é uma espécie de comunidade pós-apocalíptica (embora
não haja menção a nenhuma hecatombe, guerra ou desastre), bastante primitiva, onde indícios de nossa civilização fazem-se notar
através de relíquias antigas e prédios submersos na densa vegetação.
O narrador de Os pecados da tribo é um rapaz não nomeado, cujo irmão, Rudêncio, é corrompido pelo poder, e conta a
história de sua comunidade em forma de um diário (embora não datado). Como não tem acesso aos eventos que se passam no
palácio, principalmente com o golpe de estado do Uiua, um animal que fala e demonstra inteligência e liderança, o leitor cúmplice
não tem acesso à verdadeira natureza dos eventos que presencia. Deste modo, sem acesso a uma possível causalidade regente do
comportamento de toda a cidade, somos postos diante de ações sem nenhum sentido, como no capítulo "Fazemos o que nos
mandam", quando o narrador e um grupo de pessoas cavam, sob pressão, e sem nenhuma finalidade, um imenso buraco no chão.
É o exercício do poder pelo poder.
A sociedade de Os pecados da tribo vive em um futuro indeterminado de nosso mundo, do que há indícios constantes,
como os restos do que fora um aeroporto, para o narrador um "tabuleiro" onde pousavam "naus celestes" nos "tempos antigos". Na
Tribo, as escavações revelam objetos dos “antigos”, verdadeiros enigmas a serem decifrados.
COMENTÁRIO
José J. Veiga é conhecido como um autorficcionista, de histórias aparentemente fantasiosas e distantes, tanto no tempo
quanto no espaço, da nossa realidade. Mas que, quando observadas mais de perto, vemos muito de nós mesmos e da nossa
sociedade dentro das suas fantasias.
Em Os Pecados da Tribo, Veiga imagina uma pequena sociedade, não se sabe se do futuro ou do passado, nem em que
lugar ela exista, usando como narrador da história um dos personagens, cujo nome não é mencionado.
A tribo tem um ar de cidade pequena, como um sopro de um mundo primeiro e natural. Existe harmonia em um clima
enigmático de pessoas que têm as suas portas para outra dimensão; dimensões essas que, por serem narradas, e não presenciadas,
se comportam de um jeito diferente na percepção das emoções de quem lê. Na leitura da obra, se conhece a escrita como um
código carregado de sentimentos. Por meio dessa leitura somos apresentados aos dias e costumes de pessoas, e ficamos
encantados com uma cultura que não é sequer real.
Para desequilibrar o correr da vida na tribo, começam a surgir acontecimentos que tiram o sossego dos seus moradores. Os
homens do topo da hierarquia ficam com pensamentos distorcidos e passam a exercer uma repressão intensa sobre os moradores
da tribo sem motivo aparente, simplesmente porque podem fazê-lo.
O personagem narrador da história não é apenas mais um dos habitantes da tribo, mas sim, um homem que para e vê com
olhos sensíveis o que acontece na sua vivência como ser humano, sem se deixar corromper pelas ideias que tentam penetrar em
sua cabeça. Os pecados da tribo cria uma comunidade fantasiosa interpretada correntemente como uma alegoria do regime militar
sob o qual foi gerido. O enredo cai na descrição de um regime totalitário e a reação de um homem em busca de sua humanidade, o
indivíduo contra a ditadura instaurada.
É uma narrativa que deixa o leitor imerso em uma tribo imaginária, que lhe tira de uma realidade para colocar em outra, e
dentro dessa outra, acaba se encontrando dentro da que acabou de sair.
OS PECADOS DA TRIBO E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA: A ALEGORIA EM JOSÉ J VEIGA
Priscila Merizzio
(Nota da autora: esta reflexão sobre a obra Os pecados da tribo e os gêneros literários foi, a princípio,
um projeto de pesquisa. Isto justifica a linguagem talvez exacerbadamente técnica e também hesitante em
dizer meus próprios pensamentos sem o respaldo de algum teórico. De qualquer modo, optei, mesmo assim,
manter citações e a coluna vertebral do texto com os ossos da linguagem acadêmica de pesquisa, assim como
as aproximações e debate teórico, correndo todos os riscos de tornar o ensaio entediante.)
Parte-se da premissa que José J Veiga realiza em Os pecados da tribo uma alegoria com a ditadura militar brasileira, posto
que o livro foi lançando em 1976, em meio ao período que marcava a ditadura no Brasil. Embora existam recortes deste
pressuposto em muitos livros de José J Veiga (Sombra de Reis Barbudos, de 1972 e A hora dos ruminantes, de 1966, por
exemplo), definiu-se Os pecados da tribo por ser ela, talvez, a mais representativa de toda a obra do autor. Arrisca-se pensar que a
censura levou José J Veiga a narrar um mundo próprio, paralelo, infinitamente rico em sua ficção, que não se limita em dar conta
de uma realidade proibida imposta com censura à liberdade de expressão na ditadura militar brasileira, que durou entre 1964 e
1985, mas que narra o próprio homem com suas relações consigo, com os outros e com o mundo, construindo em Os pecados da
tribo a realidade de forma alegórica, segundo a definição de Tzvetan Todorov (1970). O gênero fantástico tornou-se um modo de
pensar e refletir a realidade por meio da alegoria tornando-se um campo de exploração e de crítica das próprias possibilidades da
literatura. Também cabe frisar constantamente que José J Veiga não limita as suas obras a uma literatura de ideologia, mas que
constrói para o homem em sua narrativa uma realidade mais livre, ampla, despida de preconceitos e isenta da normatização e
padronização das identidades sociais. A alma de cada indivíduo não deve usar uniformes e ser tratada meramente por números de
registros e, sim, apreciada e respeitada por suas particularidades e potenciais distintos, nua, despida, límpida.
Em Os pecados da tribo o narrador protagonista relata acontecimentos na cidade em que reside, em uma crescente
sensação de perplexo que se inicia no primeiro capítulo e segue tomando forma e maior proporção ao longo da narrativa, tendo
seu ápice no 13º capítulo, intitulado “Fazemos o que nos mandam” (VEIGA, 1976, p. 53-56). Neste capítulo a alegoria com a
ditadura militar brasileira torna-se evidente quando o narrador protagonista ilustra diretamente os desmandes sem finalidades
específicas das autoridades que vigiavam a cidade. Foi ordenado, bem cedo da manhã, ao narrador personagem e seus colegas que
se pusessem em forma para escutar as instruções de abrirem um buraco circular ao longo do dia. O narrador personagem e seus
colegas recusaram prontamente a proposta alegando terem outros afazeres programados, mas foram severamente reprimidos e
obrigados a cavar o buraco pois, do contrário, ficou claro pelo tom de ameaça dos homens que davam as ordens, sacolejando seus
chicotes no ar, as severas punições que eles receberiam caso ousassem desobedecer.
- Não viemos perguntar se podem ou não. Esse buraco tem que ser aberto hoje. Antes do pôr do sol ele tem que estar
furado e desentulhado. É ordem de cima, entenderam? As ferramentas estão naquelas duas carroças. Quando eu der um apito, todo
mundo corre para as carroças. Quando eu der dois apitos, quero ver todo mundo cavando (VEIGA, 1976, p. 54).
Enquanto eles cavavam interruptamente o buraco debaixo do sol quente, os homens que davam as ordens observavam
através das sombras das árvores, fumando cigarros tranquilamente. Ao meio-dia, foi servida dentro do buraco uma cuia de papa
para os que cavavam comessem depressa. Enquanto isso, os homens que davam as ordens comeram frangos assados à sombra das
árvores. O narrador personagem, que tentava atacar com a picareta uma parte onde o chão parecia mais duro, tentou mudar de
lugar para investir em uma terra mais fofa, mas “um dos homens do berrante percebeu a manobra e me ameaçou com o chicote do
birro de boi (...) O jeito era eu fazer das tripas o coração e continuar cavando o meu mau pedaço” (VEIGA, 1976, p. 55). O
narrador personagem seguiu sentindo muita dificuldade até o final do dia. Da mesma forma que os homens chegaram dando
ordens, “foram embora cantando uma música marcial” (VEIGA, 1976, p. 56). O narrador personagem fecha este capítulo ainda
surpreso sobre a ordem sem finalidade precisa: “Hoje muitos aqui acham que tudo não passou de um divertimento de segundos
escalões desocupados, e que se tivéssemos resistido eles teriam ido embora desapontados. Mas quem ia resistir? Mandaram,
cavamos.” (VEIGA, 1976, p. 56).
Os parágrafos acima ilustram as possíveis alegorias com a ditadura militar brasileira. Tzvetan Todorov (1970),
em Introdução à Literatura Fantástica, apresenta várias definições para o significado de alegoria. A seguir, uma explanação do
autor que demonstra a aproximação alegórica da obra de José J Veigacom a ditadura militar do Brasil:
A ideia que se fazia de alegoria na Antiguidade nos permitirá ir mais adiante. Quintiliano descreve: “Uma metáfora
contínua se desenvolve na alegoria”. Em outros termos, uma metáfora isolada indica apenas uma maneira figurada de falar; mas se
a metáfora é contínua, seguida, revela a intenção segura de falar também de outra coisa além do objeto primeiro do enunciado.
Esta definição é preciosa por ser formal, indica o meio pelo qual se pode identificar a alegoria. Se, por exemplo, fala-se
inicialmente do Estado como de um navio, depois do chefe de Estado, chamando-o capitão, podemos dizer que a imagística
marítima fornece uma alegoria do Estado (TODOROV, 1970, p. 70).
O nono capítulo de Os pecados da tribo, intitulado “Não quero ser Uxala” (VEIGA, 1976, p. 37-40), demonstra a definição
de Todorov na alegoria do livro de José J Veiga com a situação política da época em que o livro foi escrito e lançado. Nesta parte
do livro, Rudêncio, irmão do narrador personagem, o convida em tom de intimação a participar de um grupo secreto (VEIGA,
1976, p. 45). Rudêncio tentou impelir o narrador personagem a participar do grupo e assinar os papéis concordando com os termos
sem sequer saber do que se tratava (VEIGA, 1976, p. 46) e dizia imperativo que ingressar no grupo seria a atitude mais sensata.
Aconselhou-o a pensar muito bem antes de recusar a proposta, que se não entrasse por bem, entraria compulsoriamente, pois seu
nome já estava na lista. Disse que o narrador personagem seria um bom comandante de quadra embora não tivesse visão e
conhecimentos requeridos por viver à margem das pressões da conjuntura que eles atravessavam (VEIGA, 1976, p. 46). O
narrador personagem negou alegando não querer participar de um grupo de natureza desconhecida e despistou defendendo não ter
aptidão para este tipo de função, que preferia manter a vida como sempre manteve até então (VEIGA, 1976, p. 47).
Cada quadra é comandada por um Uxala. Quatro quadras forma um quadrante, comandado por um Quaxala. Quatro
quadrantes forma um oitão, comandado por um Torquatro. Quatro oitãos formam um trixante, comandando por um Trinxala, e
assim por diante. Não é bem bolado (VEIGA, 1976, p. 46)?
A explicação de Rudêncio sobre o funcionamento hierárquico do grupo é uma alegoria com a ditadura militar no Brasil,
onde o país foi liderado por diferentes escalas de autoridades, com os cargos dentro dos quartéis militares e também as autoridades
locais que se organizavam em bairros, cidades, estados e país.
No oitavo capítulo do livro, intitulado “Cai Umahla, sobe Umahla (p. 31-35). Rudêncio e o narrador personagem estão
retornando de uma tarde de pescaria quando surge a figura do turunxa (VEIGA, 1976, p. 33), que faz alusão a soldados militares.
Rudêncio é avisado pelo turunxa que seu sogro é o novo Umahla da cidade e que o antigo havia sido evaporado. “Evaporado.
Todo mundo já sabe. Por isso é que estamos mantendo vigilância nos pontos estratégicos até a situação esfriar (...) A situação
ainda é confusa.” (VEIGA, 1976, pg. 34).
Em diversos trechos e capítulos de Os pecados da tribo é possível identificar alegorias sincrônicas entre a obra que o autor
publicou e o regime militar. Por exemplo: 1) no capítulo dois, intitulado “A ordem é fumigar tudo” (p. 7-9), o narrador
personagem dialoga com um funcionário do palácio que está interditando o prédio da Casa do Couro . O funcionário explica
agressivo que não deixam que em seu departamento causa alguma fique remota, que cortam o mal pela raiz e que o motivo de
fechamento do prédio era os ratos. O narrador personagem viu o papel que o funcionário carregava: “Era a comunicação de um
inspetor sanitário ao seu chefe. Dizia que na última reunião da Casa do Couro tinham sido ouvidos chiados de ratos debaixo do
assoalho” (VEIGA, 1976, p. 8). Para justificar sua aproximação temerosa com o funcionário antes de iniciar a conversa, o
narrador personagem explica que: “quando aparecem funcionários todo mundo some, como se eles sofressem de alguma doença
feia” (VEIGA, 1976, p. 8). 2) No quarto capítulo, intitulado “As naus celestes” (p. 15-18) o narrador personagem percebe uma
alteração de comportamento em seu irmão, Rudêncio, exibindo o clima de desconfiança e perigo iminente entre os moradores da
cidade “Há quem diga que Rudêncio é perigoso porque conta coisas ao Caincara, seu sogro, que as conta ao Umahla. Não
acredito. Rudêncio pode ser indiferente, ou insensível; mas não é espião; isto é, não parece ser (VEIGA, 1976, p. 17)”.
As coisas são na verdade mais complexas: pela hesitação a que dá a vida, a literatura fantástica coloca precisamente em
questão a existência de uma oposição irredutível entre o real e o irreal. Mas para negar uma oposição, é preciso em primeiro lugar
conhecer seus termos; para cumprir um sacrifício, é preciso saber o que sacrificar. Assim explica a impressão ambígua que deixa a
literatura fantástica: de um lado ela representa a quinta-essência da literatura, na medida em que o questionamento do limite entre
real e irreal, característico de toda a literatura, é seu centro explícito. Por outro lado, entretanto, não é senão uma propedêutica à
literatura: combatendo a metafísica da linguagem cotidiana, ela lhe dá vida; ela deve partir da linguagem mesmo que seja para
recusá-la (TODOROV, 1970, p. 176).
Para compreender a alegoria de José J Veiga e a utilização do gênero fantástico, é válido citar Tzvetan Todorov (1970, p.
18) que, em Introdução à Literatura Fantástica, inicia as explicações sobre o gênero fantástico e suas distinções e afirma no
primeiro capítulo do livro que “sem o que manejamos um sistema não explícito e ficamos no domínio da fé, quando não das
superstições”. Ele afirma ainda que a literatura trata de uma realidade ideal e que ela existe como um esforço de dizer o que
linguagem comum não consegue abarcar com suas limitações cotidianas e práticas (TODOROV, 1970, p.27). Mais adiante
Todorov diz que a hesitação do leitor diante dos acontecimentos que se apresentam em um texto e não condizem às condições das
leis da natureza é a primeira condição do fantástico (1970, p. 37). O autor fornece também uma definição sucinta da representação
da literatura fantástica:
No final das contas, a história fantástica pode se caracterizar ou não por tal composição, por tal “estilo”; mas sem
“acontecimentos estranhos”, o fantástico não pode nem mesmo aparecer. O fantástico não consiste, certamente, nestes
acontecimentos, mas estes são para ele uma condição necessária (...) Seria possível delimitar o problema de um outro modo,
partindo das funções que o fantástico tem dentro da obra. Convém perguntar: qual é a contribuição dos elementos fantásticos para
uma obra? Uma vez colocado deste ponto de vista funcional, pode-se chegar a três respostas. Primeiramente o fantástico produz
um efeito particular sobre o leitor – medo, ou horror, ou simplesmente curiosidade -, que os outros gêneros ou formas literárias
não podem provocar. Em segundo lugar, o fantástico serve à narração, mantém o suspense: a presença de elementos fantásticos
permite à intriga uma organização particularmente fechada. Finalmente, o fantástico tem uma função à primeira vista tautológica:
permite descrever um universo fantástico, e este universo nem por isto tem qualquer realidade fora da linguagem: a descrição e o
descrito não são de natureza diferente (TODOROV, 1970, P. 100-101).
O gênero textual fantástico é exibido com exatidão no 14º capítulo, intitulado “Um bicho estranho no palácio” (p. 57-60).
O narrador personagem descreve a chegada de um bicho exótico na cidade e, após a explicação de Rudêncio, investiga com alguns
moradores da cidade. As respostas são controversas e pouco se sabe sobre a origem do bicho. “Um rapaz dos Armazéns Proibidos
me garantiu que é uma montagem de vários bichos feita numa fazenda experimental a mando do Umahla, só para ver o que
resultava” (VEIGA, 1976, p. 57-58). As pessoas não aceitam com naturalidade a existência do bicho e para elas sua natureza é
estranha. Sua chegada é tida pelos moradores da cidade e também pelo narrador personagem como um acontecimento
sobrenatural.
Rudêncio anda empolgado com um bichinho que o Umahla arranjou, comprou ou ganhou, um bicho que ainda não entendi
direito de que família é. Rudêncio diz que é uma mistura de quadrúpede com bípede, tem rabo e pelo mas não é macaco. Tem
orelhas grandes e unhas pontudas, mas a cara é bem de gente. Não fala mas escuta e parece entender as pessoas. É brincalhão e
muito manso, e tem sido o ai-jesus do pessoal do palácio. De vez em quando o Umahla deixa Rudêncio levar o bichinho para
distrair as crianças em casa, mas só por algumas horas; o bicho não pode dormir fora do palácio. Rudêncio diz que qualquer dia dá
uma fugida rápida e traz ele aqui para eu conhecer e fazer amizade (VEIGA, 1976, p. 57).
Todorov (1970), no nono capítulo de Introdução à Literatura Fantástica, discorre brevemente o estranhamento que o bicho
causa entre os personagens da narrativa:
Todo texto em que entra é uma narrativa, pois o acontecimento sobrenatural modifica primeiro um equilíbrio prévio (...)
Quer seja no interior da vida social ou da narrativa, a intervenção do elemento sobrenatural constitui sempre uma ruptura de regras
preestabelecidas e nela encontra justificação (TODOROV, 1970, P. 174).
O narrador personagem conta que de tanto escutar as histórias de Rudêncio sente-se familiarizado com o bicho como se
convivesse com ele diariamente e fosse parte da família. Além de já ter um nome, uiua, Rudêncio descreve os avanços na
personalidade do bicho; que faz as mesmas refeições que as pessoas, toma banho e se seca sozinho, as músicas que ouve assovia,
“antipatiza com certas pessoas e simpatiza com outras a ponto de se tornar inconveniente” (VEIGA, 1976, p. 58). A relação de
Umahla com o uiua é no mínimo extravagante.
O uiua adora o Umahla e gosta de ficar no colo dele nas reuniões importantes, e quando a reunião é demorada ele dorme
com a cabecinha encostada no peito do Umahla. Nessas ocasiões os Caincaras baixam a voz para não acordá-lo (VEIGA, 1976, p.
58).
No 15º capítulo, intitulado “A Consulesa está tranqüila” (p. 61-65), o narrador personagem visita seu vizinho Manlio, que
está muito curioso para conhecer o uiua. Inclusive promete ao velho que levará o bicho para ele conhecê-lo. Após várias
especulações Manlio manifesta com tons de mistério seu parecer sobre a situação de uiua no palácio: “- Sei não – disse ele
pensativo. – Acho muita coragem do Umahla dar intimidade a um bicho exótico. Ele pode estar brincando com fogo”. (VEIGA,
1976, p. 64).
A partir da chegada do bicho exótico no 14º capítulo e a reação de estranhamento é que se discute o gênero de Os pecados
da tribo. Como os acontecimentos sobrenaturais não são recebidos em um primeiro momento com naturalidade pelos personagens
especula-se que José J Veiga transita entre os gênerosRealismo Mágico, Fantástico e Maravilhoso. Para desenvolver esta
argumentação dos gêneros em Os pecados da tribo, Todorov (1970) explica em Introdução à Literatura Fantástica, no terceiro
capítulo, “O Estranho e o Maravilhoso” (p. 47-63):
Passemos agora para o outro lado desta linha média que chamamos o fantástico. Estamos no fantástico-maravilhoso, ou em
outros termos, na classe das narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam por uma aceitação do sobrenatural.
Estas são as narrativas mais próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de permanecer sem explicação, nãoracionalizado, sugere-nos a existência do sobrenatural. O limite entre os dois será então incerto; entretanto, a presença ou a
ausência de certos detalhes permitirá sempre decidir (TODOROV, 1970, p. 58).
Tzvetan Todorov (1970) explica também a alegoria entre Os pecados da tribo e a ditadura militar brasileira no décimo e
último capítulo, intitulado “Literatura e Fantástico” (p. 165-183):
Tomemos por exemplo os temas do tu: o incesto, o homossexualismo, o amor a vários, a necrofilia, uma sensualidade
excessiva... Tem-se a impressão de ler uma lista de temas proibidos, estabelecida por alguma censura: cada um destes temas foi,
de fato, muitas vezes, proibido, e pode sê-lo ainda hoje (...) Mais do que um simples pretexto, o fantástico é um meio de combate
contra uma e outra censura (...) Se a rede dos temas do tu depende diretamente dos tabus, logo da censura, o mesmo acontece com
os temas do eu, se bem que de maneira menos direta (TODOROV, 1970, p. 167).
A citação acima demonstra que a obra de José J Veiga tem sua dinâmica ficcional construída com discurso subliminar
repleta de vínculos com a ditadura militar do Brasil. Parte-se da hipótese que José J Veiga utilizou-se do gênero fantástico também
para expressar com mais segurança sua opinião aos acontecimentos da época que censuravam a liberdade de expressão. Todorov
(1970) esclarece ainda que a “introdução de elementos sobrenaturais é um recurso para evitar esta condenação” (p. 168), o que
reverbera o pensamento de que não José J Veiga, bem como muitos escritores utilizam o gênero textual fantástico para escrever
sobre temáticas que lhes deixam desconfortáveis por alguma razão. Em Os pecados da tribo a presença da linguagem mascarada,
também como despiste é evidente - em uma época de intensa repressão e severos castigos, dizer o que se pensava era colocar a
própria vida em risco, os escritores tiveram que utilizar vários recursos linguísticos, com peripécias verbais que diziam o
impostamente indizível.
No capítulo doze de Os pecados da tribo, intitulado “O enterro das cairas” (49-52), o narrador personagem relata que
costumava pescar cairas, uma espécie de bichos pequenos e leitosos que vivem no lago e que surgem uns meninos oferecendo
cairas enormes e quase sem leite, que eles haviam descoberto em um lugar secreto, no brejo, após a várzea. Nem mesmo o
narrador personagem sabe por que deveria ser proibido pescar cairas, ainda mais cairas muito diferentes das que todos estavam
acostumados, mas de alguma forma havia chegado em um momento, que se iniciou no primeiro capítulo, onde gradativamente
todos os prazeres do narrador personagem e das pessoas à sua volta eram conquistados às escondidas, sempre temerosos que à
espreita houvesse alguma autoridade (geralmente turunxas) para lhes repreender, dizer que o que estavam fazendo era errado e
que se não parassem seriam barbaramente punidos.
- É melhor não dizer nada. Quanto mais falar, mais encalacrado fica – disse o turunxa
- Por que vou me encalacrar?
- Tão inocente! O que foi que eu fiz para me encalacrar.
- Pegar turunxa não é proibido.
O turunxa titubeou, pensei que ia desistir. Eles não conhecem leis e, para se garantir inventam proibições. Geralmente
acertam porque quase tudo é proibido hoje (VEIGA, 1976, p. 52).
Existe uma aproximação entre o exemplo do capítulo acima e o trecho de Introdução à Literatura Fantástica onde
Todorov (1970) especula as funções do sobrenatural na literatura.
Já respondemos uma vez a esta pergunta: à parte as alegorias, em que elemento sobrenatural visa quando muito a ilustrar
uma ideia, tínhamos distinguido três funções. Uma função pragmática: o sobrenatural emociona, assusta ou simplesmente mantém
em suspense leitor. Uma função semântica: o sobrenatural constitui uma manifestação, é uma autodesignação. Enfim, uma função
sintática: ele entra, dissemos, no desenvolvimento da narrativa. Esta terceira função está ligada, mais diretamente do que as duas
outras, à totalidade da obra literária (TODOROV, 1970, P. 171);
William Spindler (1993), em Magic Realism: a typology, debate o Realismo Mágico e suas várias concepções. Os pecados
da tribo de José J Veiga enquadra-se no Realismo Mágico e duas de suas vertentes, o Realismo Metafísico e o Realismo
Antropológico.
(...) o escritor de textos realistas mágicos compactua com a realidade objetiva e tenta descobrir o mistério que existe nos
objetos, na vida e nos atos humanos, sem lançar mão de elementos fantásticos: “o principal (no realismo mágico) não é a criação
de seres ou mundos imaginados, mas o descobrimento da misteriosa relação que existe entre o homem e sua circunstância (...) Ao
invés de criar um texto em que os princípios da lógica são rejeitados e as leis da natureza revertidas, as narrativas mágicorealistas, em sua visão, dão aos acontecimentos reais uma ilusão de irrealidade (SPINDLER, 1993, p. 4)
A partir desta definição introdutória acerca de Realismo Mágico Spindler (1993) cita vários exemplos no decorrer
do artigo e define vários tipos de realismo mágico. Identificou-se na obra de José J Veiga o Realismo Mágico Metafísico,
especialmente no décimo capítulo, com a chegada do uiua no palácio e a descrição de Rudêncio ao animal:
Essa forma de Realismo Mágico (Realismo Metafísico) corresponde às idéias de Roh e à definição original do termo.
Exemplos desse tipo de Realismo Mágico, consequentemente, são comuns na pintura, na qual perspectivas deslocadas, ângulos
incomuns, ou inocentes retratos de objetos reais como se fossem de brinquedo produzem um efeito “mágico” (SPINDLER, 1993,
p. 6).
No sexto capítulo de Os pecados da tribo, intitulado “O estranho povo da várzea” (p. 23-26), o narrador personagem é
indagado por seu irmão Rudêncio sobre a existência de um povo na várzea, que ficou sabendo que eles comiam estrume de
cavalo. O narrador personagem ficou intrigado por Rudêncio estar na tentativa de capturar um povo apenas por comer estrume de
cavalo e comentou o caso com sua mãe, que lembrou de uma conversa com o pai de Rudêncio e do narrador personagem, onde ele
disse que “em uma de suas viagens a Altamata conheceu uma tribo que comia estrume de cavalo para não matar a fome, mas
como meio de entrar em comunicação com o mundo invisível” (VEIGA, 1976, p. 24). O narrador personagem comentou o caso
com Rudêncio que, mais tarde, noticiou que ele e seus homens haviam dizimado o povo da várzea e os que conseguiram escapar
foram caçados, apanhados e depois evaporados (p. 25). Este capítulo se aproxima com a definição de Spindler (1993) para
Realismo Mágico Antropológico:
Neste tipo de Realismo Mágico o narrador normalmente tem “duas vozes”. Às vezes ele/ela retrata acontecimentos
de um ponto de vista racional (o componente “realista”) e às vezes do ponto de vista do crente em magia (elemento
mágico). Essa antinomia é resolvida pelo autor quando adota ou se refere aos mitos e histórico cultural (o “inconsciente coletivo”) de um grupo
étnico ou social (SPINDLER, 1993, p. 7).
Também seria possível aprofundar-se na alegoria entre o povo da várzea comer estrume de cavalo com o consumo de
substâncias que foram consideras ilegais na época da ditadura. Muitos que vivenciaram a época ditatorial do Brasil “faziam a
cabeça” e mantinham um comportamento sexual libertário como forma de protesto e fuga daquela realidade dura imposta a
coronhada na existência das pessoas, roubando-lhes não apenas o direito de ir e vir físico como tentando insistentemente imporlhes suas ideias no livre arbítrio da consciência.
Seymour Menton (1998) em Historia Verdadeira Del Realismo Mágico, relata que iniciou um projeto com o propósito de
documentar a existência do Realismo Mágico como uma importante tendência na pintura alemã, francesa, italiana, holandesa e
estadunidense, mas que interrompeu os estudos para se dedicar a outra pesquisa. Seu retorno ao Realismo Mágico acontece
quando um grupo de investigadores, a maioria residente em Bruxelas, sob a orientação de Jean Weisgerber publica em
francês Le rèalisme magique. Roman, peinture et cinéma (p. 10).
De cierta manera, el tomo bega me cerró el camino porque coincide com mi punto de vista de que el realismo mágico es
uma tendencia universal y no fue engendrado por el suelo americano (...) contiene ensayos dedicados a varios países, incluso
Polonia, Hungría, Canadá y sobre todo Bélgica (Johan Daisne y Hubert Lampo) (MENTON, 1998, p. 10).
Menton (1998) explica detalhadamente seu retorno às pesquisas ao Realismo Mágico citando autores que para ele são
importantes, publicações e estudos (p. 11-12) até que inicia o desenvolvimento de suas concepções particulares das definições
iniciais de Realismo Mágico:
Vários criticos literarios, sobre todo los que se dejan guiar más por la teoría que por las obras, han confundindo el realismo
mágico con lo fantástico; otros, junto con muchos críticos de arte, han confundido el realismo mágico con surrealismo; y muchos
latinoamericanistas han confundido el realismo mágico con lo real maravilhoso (MENTON, 1998, p. 12).
Ao longo de Historia Verdadera Del Realismo Mágico, Menton (1998) realiza análises de contos de vários autores
(André Schwarz-Bart, Borges, Gabriel García Márquez e Truman Capote, por exemplo) na argumentação de sua definição para
Realismo Mágico.
Os pecados da tribo é uma obra cínica, lúcida, bem-humorada e de articulação “limpa”. José J Veiga não se perde em
digressões descritivas e deixa ao leitor o trabalho de construir o universo da obra e por isso constrói uma narrativa riquíssima para
ser pensada, analisada, escarafunchada, refletida – e sentida: aos que vivenciaram esta época atroz onde os direitos humanos
foram claramente desrespeitados em nome de uma força econômica do país. E aos que, como eu, escutaram diversas versões dos
fatos (ora sentada no colo dos avôs militares rígidos e disciplinadores ora sentada no colo do tio poeta, jornalista e sonhador).
http://www.revistazunai.com/ensaios/priscila_merizzio_pecadosdatribo.htm
Trecho escolhido
Fazemos o que nos mandam
Dizemos que aqui não acontece nada, mas às vezes acontecem coisas incompreensíveis. Como ontem, por exemplo.
Ainda não tínhamos acabado de comer a papa da manhã, chegaram uns homens no descampado aí em frente, tocaram o berrante
e todo mundo atendeu correndo. Os homens nos puseram em forma na beira da estrada e explicaram o motivo da convocação.
Era para abrirmos um buraco circular na dimensão já marcada com umas estacas. Olhando por alto, calculei o diâmetro numas
cinco braças.
Procuramos fazer corpo mole, imagine abrir um buraco tão espaçoso assim de uma hora para outra, com o sol já
começando a queimar forte. Edualdo Obelardo for o primeiro a falar. Disse que não contassem com ele porque já tinha o dia
todo tomado por outro trabalho importante no sítio. Eu aproveitei a deixa e disse que não contassem comigo também, eu tinha
ficado de ver o meu irmão num assunto importante que ia me ocupar o dia inteiro.
Um senhor que plantava mangarito num terreno perto do nosso começou a dizer que ele também não ia ter tempo, e antes
de explicar o motivo o chefe dos homens do berrante mandou-o calar e disse enérgico:
- Não viemos perguntar se podem ou não. Esse buraco tem que ser aberto hoje. Antes do pôr do sol ele tem que estar
furado e desentulhado. É ordem de cima, entenderam? As ferramentas estão naquelas duas carroças. Quando eu der um apito,
todo mundo corre para as carroças. Quando eu der dois apitos, quero ver todo mundo cavando.
Não é costume discutir ordens aqui em nosso território, e muito menos agora. Enquanto o novo Umahla não se acostumar
no cargo, temos que ter muito cuidado. Pensei em perguntar qual a fundura do buraco, olhei para o chefe e achei melhor não
abrir a boca. Os outros devem ter sentido a mesma coisa porque ninguém fez a pergunta.
0 chefe deu um prazo para nos prepararmos, quem estava fumando jogou o cigarro fora, quem estava suando nas mãos
tratou de secá-las com um punhado de terra, e quando ouvimos o primeiro apito corremos para as carroças, com certo atropelo
porque muitos não sabiam qual carroça escolher e ficaram hesitando entre uma e outra, atrapalhando o trânsito; mas no fim
cada um se equipou com uma pá ou uma picareta conforme calhou pegar primeiro, a pressa não deixava escolher. Ao segundo
apito já estivamos quebrando o chão com afinco, ninguém queria ser anotado como sabotador ou coisa parecida, se isso
acontecesse aí sim, começaríamos a ver estrelas.
Enquanto uns furavam com picaretas e outros retiravam com as pás a terra já solta, os homens do berrante andavam em
volta da marcação fiscalizando, criticando, dando palpites, como se entendessem muito do assunto.
Por azar ataquei uma parte onde o chão parecia mais duro, cada golpe de picareta que eu dava encontrava forte
resistência, e a força aplicada voltava em forma de vibração que me abalava os músculos e os ossos, e quando a picareta
conseguia penetrar ficava presa no chão duro e só saia com muito esforço meu.
Tentei mudar para um lugar mais fofo, um dos homens do berrante percebeu a manobra e me ameaçou com o chicote de
birro de boi, que todos eles boleavam para nos amedrontar, aquilo quando pega o lombo de raspão chega a arrancar pedaço, e
quando, pega em cheio levanta imediatamente no lugar uma corda da grossura de um dedo grande. 0 jeito era fazer das tripas
coração e continuar cavando o meu mau pedaço.
Comparada com o que dizem do tempo antigo, a vida aqui não é ruim, mas tem os seus momentos bem duros
principalmente depois que evaporaram o velho Umahla. Antes a gente ainda tinha certas pequenas regalias, quando havia
abusos dos de cima uma queixa na Casa do Couro às vezes, dava resultado; agora não há a quem se queixar.
Enquanto a picareta subia, descia, emperrava, subia de novo, pensei no convite de Rudêncio para me alistar na brigada
que ele estava formando, e achei que talvez devesse aceitar. Nessa tal brigada de elite pelo menos eu não teria de manejar
picareta. Mas manejaria o quê? Não. Enquanto Rudêncio não me dissesse qual seria a função da tal brigada, melhor era ficar de
fora. Fugir da caldeira para cair na fogueira não é solução. Aqui pelo menos ainda sou um pouco senhor de mim e sei que não
vou fazer coisas que me tirem o sono. Antes o cansaço do que o remorso.
Vendo que o meu setor não estava progredindo, um dos homens se agachou, na beira do buraco para fiscalizar o meu
trabalho. Fiz de conta que não estava sendo observado e continuei a luta com o terreno duro. Depois de algum tempo ele me
tocou com o chicote dobrado e perguntou por que eu estava atrasado. Expliquei que o terreno ali era muito duro e ainda grudava
na picareta, como ele podia ver. uro, é? Pois vai ficar mole num instante. Vou fumar um cigarro na sombra daquela árvore. Se
quando eu voltar você não tiver igualado com os outros, vai levar umas lambadas disto aqui disse ele, e esfregou o chicote
dobrado no meu nariz.
Não encontro explicação para o que aconteceu. Eu não estava fazendo corpo mole, o terreno era duro mesmo; mas
quando o homem voltou para verificar o resultado da ameaça a minha parte já estava rente com a dos outros, se é que não estava
um pouquinho mais funda. Mesmo assim o homem boleou o chicote e mandou uma lambada que só não me pegou em cheio no
ombro porque recuei em tempo, já adivinhando a maldade. Mas a ponta do chicote me acertou o braço esquerdo de raspão, e o
lugar ainda está inchado e dolorido. Marquei bem a cara do homem; se eu resolver entrar para a brigada de Rudêncio, vou
ajustar essa conta.
Trabalhamos sem descanso até o meio do dia, quando, nos foi servida uma cuia de papa dentro do buraco mesmo,
enquanto os homens do berrante comiam frango assado sentados debaixo das árvores. De lá mesmo eles nos mandaram pôr as
cuias na beira do buraco e retomar o trabalho. Só quando começou a faltar luz dentro do buraco, que já tinha a fundura de um
homem em pé, apitaram o sinal de parar.
Saímos do buraco subindo nas costas uns dos outros, e os que saíram primeiro deram as mãos aos últimos. Um dos
homens do berrante deitou na beira do buraco, mediu a fundura com um metro de carpinteiro e gritou para o lado:
- Anote aí. Um metro e oitenta.
Depois eles nos mandaram recolher as ferramentas nas carroças, acomodaram se em cima como puderam e foram embora
cantando, uma música marcial. Nós ficamos ali com as mãos inchadas e cheias de bolhas, o corpo doendo, e aquele buraco
enorme quase na nossa porta.
Hoje muitos aqui acham que tudo não passou de um divertimento de segundos escalões desocupados, e que se tivéssemos
resistido eles teriam ido embora desapontados. Mas quem ia resistir? Mandaram, cavamos.
REFERÊNCIAS
DANTAS, Gregório. José J. Veiga e o romance brasileiro pós-64. Tese (Doutorando em História e Teoria Literária),
UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2005.
FUENTE, José Luis de La. Reseña Seymour Menton. História verdadera del Realismo Mágico. Universidad de Valladolid,
Fondo de Cultura Econômica. México, 1998.
REVISTA BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA. Porto Alegre: Associação Brasileira de Literatura Comparada
(Abralic). N.7, 2005.
SEYMOUR, Menton. Historia Verdadera Del Realismo Mágico.
SPINDLER, William. MagicRealism: a typology. Universidade de Essex, Inglaterra: 1993. Tradução Fábio Lucas Pierini.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 2003

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