2014 – Julho / Agosto / Setembro
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2014 – Julho / Agosto / Setembro
anacosta revista médica Julho | Agosto | Setembro Revista Trimestral do Hospital Ana Costa - 2014 19.3 Revista Médica ISSN 1677-194X ANA COSTA Órgão Científico Oficial do Hospital Ana Costa Conselho Editorial Revista Médica Dr. Airton Zogaib Rodrigues, Santos - SP - Brasil Dr. André Vicente Guimarães, Santos - SP - Brasil Dr. Celso Afonso Gonçalves, Santos - SP - Brasil Dr. Evaldo Stanislau A. de Araújo, Santos - SP - Brasil Dr. Everson Artifon, Santos - SP - Brasil Dr. Luiz Alberto Oliveira Dallan, São Paulo - SP - Brasil Dr. Rider Nogueira de Brito Filho, Santos - SP - Brasil Dr. Rogério Aparecido Dedivitis, Santos - SP - Brasil Dr. Waldimir Carollo dos Santos, Santos - SP - Brasil Dr. Woite Antônio Bertoni Meloni, Santos - SP - Brasil Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa Rua Pedro Américo, 60 - Campo Grande, Santos/SP, Brasil e-mail: [email protected] www.anacosta.com.br Periodicidade: trimestral Tiragem: 500 exemplares Jornalista Responsável: Lucinaira Souza (Mtb: 40.248) Produção Gráfica: Comunicação e Marketing do Hospital Ana Costa A Revista Médica Ana Costa é distribuída gratuitamente para os membros do Corpo Clínico do Hospital Ana Costa, para bibliotecas e faculdades das áreas de saúde cadastradas. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos dessa revista, desde que citada a fonte. Revista Médica Ana Costa / Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A. v. 19, n. 3 (julho / agosto / setembro 2014). Santos: Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa S.A., 2014. 23 p. :il. Periodicidade trimestral ISSN 1677 194X 1.Ciências Médicas. 2. Medicina CDD 610 CDU 616 Normas de Publicação A Revista Médica Ana Costa é publicada trimestralmente pelo Hospital Ana Costa e aceita artigos na área de saúde. Artigos de caráter comercial não serão aceitos. Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes categorias: a) artigos originais - trabalhos resultantes de pesquisa científica, apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, incluem análise descritiva e ou inferências de dados próprios. Sua estrutura deverá conter os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências; b) artigos de revisão - têm por objetivo resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Apresenta síntese e análise crítica da literatura levantada e não pode ser confundido com artigo de atualização; c) artigos de atualização - destinados a relatar informações geralmente atuais sobre tema de interesse para determinada especialidade, uma nova técnica ou método, por exemplo, e que têm características distintas de um artigo de revisão, visto que não apresentam análise crítica da literatura; d) relato de caso - relata casos de uma determinada situação médica especialmente rara, descrevendo seus aspectos, história, condutas, etc, incluindo breve revisão da literatura, descrição do caso e discussão pertinente. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo e idade. Pode ser realizado em humano ou animal. c) indicação da instituição em que cada autor está afiliado, acompanhada do respectivo endereço; d) nome do departamento e da instituição no qual foi realizado; e) indicação do autor responsável para troca de correspondência (nome completo, endereço, telefones de contato e e-mail); f) quando houver, indicar as fontes de auxílio à pesquisa; g) se extraído de dissertação ou tese, indicar título, ano e instituição onde foi apresentada; EXEMPLOS h) se apresentado em reunião científica, indicar nome do evento, local e data de realização. Livros RESUMO - Todos os artigos submetidos deverão ter resumo em português e em inglês, com um mínimo de 150 e no máximo de 250 palavras. Para os artigos originais os resumos devem ser estruturados destacando: objetivos, métodos básicos adotados (informando local, população e amostragem da pesquisa), resultados e conclusões mais relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Para as demais categorias, o formato dos resumos deve ser o narrativo, mas com as mesmas informações. Capítulo de Livros Discussão: deve explorar adequada e objetivamente os resultados, discutidos à luz de outras observações já registradas na literatura. A primeira página deverá conter: b) nome completo de todos os autores; Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 68 - 91, jul / ago / set 2014 Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: Vogelstein B, Kinzler KW, editors. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; 2002. p.93-113. Dissertações e Teses Silva LCB. Aspectos da fotoestimulação intermitente em pacientes com epilepsia: Teófilo Otoni [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas; 2000. Attenhofer Jost CH, Connolly HM, O'Leary PW, Warnes CA, Tajik AJ, Seward JB. Left heart lesions in patients with Ebstein anomaly. Mayo Clin Proc. 2005; 80(3):3618. Trabalhos de Congressos, Simpósios, Encontros, Seminários e outros APRESENTAÇÃO DO MANUSCRITO a) título do artigo (em português e em inglês); Adolfi M. A terapia familiar. Lisboa: Editorial Veja; 1982. Artigos de periódicos TERMOS DE INDEXAÇÃO - Deverão acompanhar o resumo, um mínimo de 3 e o máximo de 5 palavraschave descritoras do conteúdo do trabalho, utilizando os descritores em Ciência da Saúde - DeCS - da Bireme. Resultados: sempre que possível, os resultados devem ser apresentados em tabelas ou figuras, elaboradas de forma a serem auto-explicativas, e com análise estatística. Evitar repetir dados no texto. Tabelas, quadros e figuras devem ser limitadas a 5 no conjunto e numerados consecutiva e independentemente, com algarismos arábicos de acordo com a ordem de menção dos dados, e devem vir em folhas individuais e separadas, com indicação de sua localização no texto. O autor responsabiliza-se pela qualidade de desenhos, ilustrações e gráficos, que devem permitir redução sem perda de definição. Sugere-se impressão de alta qualidade. Ilustrações coloridas não são publicadas, a não ser que sejam custeadas pelos autores. PÁGINA DE TÍTULO A exatidão das referências é de responsabilidade dos autores. Citações bibliográficas no texto: deverão ser colocadas em ordem numérica, em algarismos arábicos, sobrescrito, após a citação e devem constar da lista de referências. SUBMISSÃO DOS ARTIGOS A submissão dos artigos à Revista Médica Ana Costa implica transferência dos direitos autorais da publicação. Os trabalhos submetidos devem ser originais e acompanhados por uma declaração dos autores de que o trabalho não será publicado em qualquer outra revista no formato impresso ou eletrônico. Os trabalhos serão avaliados por pelo menos dois revisores, em procedimento sigiloso quanto a identidade tanto do(s) autor(es) quanto dos revisores. Todo trabalho que envolva estudo em seres humanos deverá apresentar a carta de aprovação de Comitê de Ética e Pesquisa registrado no CONEP. Caso haja utilização de ilustrações, fotografias e tabelas devem ser de boa qualidade e marcadas no verso somente com o número da figura e o título do trabalho. As legendas devem ser impressas em folhas separadas. Modelo da carta de submissão Título do Artigo: Considerando a aceitação do trabalho acima, o(s) autor(es) abaixo assinado(s) transfere(m) para a Revista Médica Ana Costa, todos os direitos autorais do artigo mencionado, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial em outro meio de divulgação. Declara(m) que o presente trabalho é original, sendo que seu conteúdo não foi ou está sendo considerado para publicação em outro periódico, quer no formato impresso ou eletrônico. Data: Assinatura (s) Os originais deverão ser enviados para o Hospital Ana Costa - Divisão de Ensino, rua Pedro Américo, 60 - 10º andar, CEP 11075-905, Santos/SP, Brasil. Enviar os manuscritos à Revista Médica Ana Costa em duas cópias, impressos em papel sulfite A4, preparados em espaço duplo, com fonte Times New Roman, tamanho 12. Após as correções sugeridas pelos revisores, a forma definitiva do trabalho deverá ser encaminhada em uma via impressa e em disquete 3 ½” ou em CD-ROM. Os originais não serão devolvidos. primeiros autores seguido de et al. As abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão estar de acordo com o Index Medicus. ESTRUTURA DO TEXTO Introdução: deve conter revisão da literatura atualizada e pertinente ao tema, adequada à apresentação do problema e que destaque sua relevância. Não deve ser extensa, a não ser em manuscritos submetidos como Artigo de Revisão. Metodologia: deve conter descrição clara e sucinta, acompanhada da correspondente citação bibliográfica, dos seguintes itens: · procedimentos adotados; Harnden P, Joffe JK, Jones WG, editors. Germ cell tumours V. Proceedings of the 5th Gern Cell Tumour Conference; 2001 Sep 13-15; Leeds, UK. New York: Springer; 2002. Material eletrônico Periódicos eletrônicos, artigos Sabbatini RME. A história da terapia por choque em psiquiatria. Cérebro & Mente [periódico online] dez. 1997/fev. 1998 [Acesso em 12 ago. 2000]; (4). Disponível em: · universo e amostra; http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock.htm · instrumentos de medida e, se aplicável, método de validação, Monografia em um meio eletrônico · tratamento estatístico. Conclusão: apresentar as conclusões relevantes, considerando os objetivos do trabalho, e indicar formas de continuidade do estudo. Se incluídas na seção Discussão, não devem ser repetidas. Agradecimentos: podem ser registrados agradecimentos, em parágrafo não superior a três linhas, dirigidos a instituições ou indivíduos que prestaram efetiva colaboração para o trabalho. Referências: devem ser numeradas consecutivamente na ordem em que foram mencionadas a primeira vez no texto, baseadas no estilo Vancouver. A ordem de citação no texto obedecerá esta numeração. Nas referências com 2 até o limite de 6 autores, citam-se todos os autores; acima de 6 autores, citam-se os 6 São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Entendendo o meio ambiente [monografia online]. São Paulo; 1999. [Acesso em: 8 mar. 1999]; v.1. Disponível em: http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual.htm Anexos e/ou Apêndices: incluir apenas quando imprescindíveis à compreensão do texto. Caberá à Comissão Editorial julgar a necessidade de sua publicação. Abreviaturas e Siglas: deverão ser utilizadas de forma padronizada, restringindo-se apenas àquelas usadas convencionalmente ou sancionadas pelo uso, acompanhadas do significado por extenso quando da primeira citação no texto. Não devem ser usadas no título e no resumo. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 68 - 91, jul / ago / set 2014 Índice / Contents Artigo Original Sintomatologia e do tratamento empregado em crianças com diagnóstico de Coqueluche.............................32 Symptoms and treatment employed in children diagnosed with whooping cough André Horcajo Agostinetti e Paulo Sergio Ciola Perfil de pacientes com câncer criticamente enfermos em UTI..........................................................................35 Profile of critically ill cancer patients in ICU Natasha Crepo Nahon, Ana Paula de Carvalho Odoni Rocha, Rebeca Maria Lopes Grezos eSueli Monterroso Cruz Epilepsia – o que sabe a população geral sobre esse tema?.................................................................................38 Epilepsy – what does the general population know about this subject? Melissa Vieira Franco, André Knudsen Santana, Carina Verissimo Mendes e Yára Dadalti Fragoso Artigo de Revisão Lesões císticas do pâncreas...................................................................................................................................40 The cystic pancreatic lesions Marco Antonio Buch Cunha, Lubia Bonini Daniel, Flavia Gerbi Azevedo, Renato Brassolotto Bello, Luciana Cleaver Aun, Osmar Silvio Garcia de Oliveira, Carlos Kioshi Furuya Junior, Ricardo Sato Uemura, Katia Ferreira Guenaga, Dayse Pereira da Silva Aparicio e Everson Luiz de Almeida Artifon Carcinomatose meníngea......................................................................................................................................45 Meningeal Carcinomatosis Sureya Maria de Almeida David Gibelli e Sueli Monterroso da Cruz Relato de Caso Seguimento e gravidez no pós-esvaziamento uterino devido à mola hidatiforme....................................48 Follow up and pregnancy after emptying of the uterus owing to hydatidiform mole Daniel Machado e João Henrique Araújo Fernandes Drusas da cabeça do nervo óptico e membrana epirretiniana.....................................................................51 Drusen of the optic nerve head and epiretinal membrane Felipe Alves Utyama, Celso Afonso Gonçalves e Marcos Alonso Garcia Tuberculose geniturinária................................................................................................................................54 Tuberculosis of the testis Felipe Camargo Bestane, André Luiz Farinhas Tomé, Mohamad Dib Salah Ali e Fernando Lievana Mangolin Síndrome de Steven Johnson pesadelo oftalmológico................................................................................56 Stevens Johnson Syndrome – ophthalmologic nightmare Lucas Holdack, Luciana Garcia Iervolino, Celso Afonso Gonçalves, Marcos Alonso Garcia e Érika Alessandra Galembeck Silvino Rodrigues Morte materna por influenza H1N1..................................................................................................................60 Maternal death from H1N1 influenza in Santos - SP, in 2013 Marion Curado da Silva e Pia Ceraldi A importância do diagnóstico precoce para o tratamento específico da leucemia promielocítica aguda...................................................................................................................63 The importance of early diagnosis or specific treatment of acute promyelocytic leukemia Suellen Nastri Castro e Letícia Medeiros Abscesso cerebral em paciente portador de endocardite de valva protética.............................................65 Brain abscess in patients with prosthetic valve endocarditis Amanda Evelyn Andrade Rocha e Rodolfo Leite Arantes Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 68 - 91, jul / ago / set 2014 Artigo Original Perfil dos pacientes internados com tromboembolismo pulmonar: Peculiaridades do diagnóstico em pacientes idosos Profile of patients hospitalized with pulmonar embolism: Peculiarities of diagnosis in particular age groups Maria Patrícia Seko Taguchi1 Rodolfo Leite Arantes2 RESUMO Introdução: Apesar das medidas para prevenção de trombose venosa, o tromboembolismo pulmonar ainda é causa frequente de internação, representando alto índice de morbimortalidade e com maior prevalência na população de idosos. Objetivo: Identificar as principais características e fatores predisponentes ao tromboembolismo pulmonar, analisando possíveis peculiaridades entre adultos com mais de 65 anos. Métodos: Estudo retrospectivo realizado por meio de análise de prontuários. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, internados na unidade intensiva cardiológica do Hospital Ana Costa no período de maio de 2012 a julho de 2013. O diagnóstico foi confirmado através de tomografia computadorizada de tórax. Os pacientes, todos adultos, foram divididos entre dois grupos: pacientes com menos de 65 anos e com mais de 65 anos. Resultados: Foram analisados 24 prontuários de pacientes com tromboembolismo pulmonar, sendo a maioria composta de pacientes com idade superior a 65 anos (66,6%). Dentre estes últimos, as comorbidades mais prevalentes foram hipertensão (68,75%), obesidade (25%) e história de fratura nos últimos três dias (25%). Na população mais jovem, observamos que 50% eram compostos de obesos e com prevalência de hipertensão de 37,5%. A maior parte dos pacientes apresentou dispneia à admissão hospitalar, principalmente os com idade menor a 65 anos (100% destes contra 62,5% do outro grupo). Nos pacientes com idade superior a 65 anos, 37,5% apresentaram dor em membro inferior e 25% tiveram alteração do nível de consciência como parte do quadro clinico inicial, sintoma ausente nos pacientes mais jovens. ABSTRACT Introduction: Despite strategies to avoid venous thrombosis, pulmonary embolism is still an important cause of hospitalization, representing high morbidity and mortality levels especially in elderly patients. Aim: To identify the main characteristics and risk factors leading to pulmonary embolism, analyzing possible peculiarities in patients above 65 years old. Methods: Retrospective study performed by analysis of patients medical records. We included patients diagnosed with pulmonary embolism in the Intensive Care Cardiologic Unit of Hospital Ana Costa from May, 2012 to July, 2013. The diagnosis was confirmed by chest tomography. The patients were divided in two groups: aged of 65 years or more and 65 years old and less. Results: We studied medical records from 24 patients diagnosed with pulmonary embolism. The majority was composed of patients with 65 years old or more (66.6%). In the elderly group, the more prevalent comorbidities were hypertension (68.75%), obesity (25%) and history of bone fracture in the last 30 days (25%). Between the younger group, 50% were obese and 35.7% had hypertension. 100% of patients with less than 65 years old presented with dyspnea to hospital admission, against 62.5% of the other group. Key words: Pulmonary Embolism. Venous Thrombosis. Dysphnea. Descritores: Tromboembolismo Pulmonar. Trombose Venosa. Dispneia. Introdução A incidência anual de tromboembolismo pulmonar varia de acordo com a literatura, contudo, não há como discordar do impacto desta condição na morbidade e mortalidade populacional. Dados colhidos nos Estados Unidos estimam que o tromboembolismo pulmonar seja responsável por aproximadamente 200 a 300.000 internações por ano1. Houve decréscimo na incidência de tromboembolismo pulmonar entre homens e mulhres de todas as faixas etárias nos últimos 15 anos. Em contrapartida, a incidência de trombose venosa mantém-se praticamente inalterada em homens, havendo um aumento de episódios em mulheres idosas durante mesmo período2. Nos EUA, o TEP representa ainda 33,9% de causa de morte e os idosos representam a maior parte dessa estatística, reforçando estudos que afirmam que a incidência de trombose venosa e embolia pulmonar aumentam exponencialmente com a idade2-4. Há intensa discussão acerca das causas da elevada incidência de casos de trombose venosa e tromboembolismo. Envelhecimento populacional, profilaxia inadequada, aumento da exposição a fatores de risco como cirurgias são alguns fatores que contribuem com a importância estatística da trombose venosa4,5. Com o intuito de atuar sobre os fatores de risco e instituir profilaxia adequada para pacientes com alto risco de trombose na população atendida neste hospital, procuramos identificar as principais características dos pacientes internados com diagnóstico de tromboembolismo pulmonar no Hospital Ana Costa. 1) Residente de Cardiologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil 2) Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Cardiologista do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Instituição: Serviço de Cardiologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 – Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em:/2014; publicado online em :/2014 68 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 68 - 69, jul / ago / set 2014 Métodos Discussão Estudo retrospectivo por meio de análise de prontuários de pacientes admitidos na Unidade de Terapia Intensiva Cardiológica do Hospital Ana Costa no período de maio de 2012 a julho de 2013. Foi incluído um total de 24 pacientes, todos adultos, que foram divididos entre maiores de 65 anos e menores de 65 anos. Todos os pacientes haviam recebido o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar (unilateral ou bilateral), confirmado por tomografia computadorizada de tórax. Resultados Dentre os 24 prontuários analisados, 20,8% eram do sexo masculino e 79,2% do sexo feminino. Houve prevalência de idosos com idade maior que 65 anos (66,6%) sobre adultos com menos de 65 anos (33,3%). Em relação às comorbidades, 58,3% dos pacientes eram portadores de hipertensão arterial sistêmica, com maior prevalência dessa patologia condição no grupo de pacientes com mais de 65 anos (68,75%). A obesidade foi a segunda comorbidade mais prevalente, presente em 33,3% de todos os pacientes e em 50% dos pacientes com idade menos que 65 anos. 16,6% dos pacientes tinham história de fratura nos últimos 30 dias da internação hospitalar, sendo todos com mais de 65 anos. Aproximadamente um quarto (16,6%) dos pacientes tinha diabetes melitus e presença de arritmia prévia foi identificada em 12,5% de toda a amostra em estudo, com igual prevalência nos dois grupos – Tabela 1. Comorbidades Total % % nos pacientes <65 % nos pacientes >65 (N) Total anos anos Hipertensão 14 58,3% 37,5% 68,75% Obesidade 8 33,3% 50% 25% Diabetes 4 16,6% 25% 12,5% Arritmia 3 12,5% 12,5% 12,5% Fratura nos últimos 30 4 16,6% 0 25% dias Tabela 1 – Comorbidades dos pacientes em estudo Na análise de dados de anamnese e exame físico, identificamos que a maioria dos pacientes apresentou dispneia à admissão (83,3%), sendo o sintoma mais prevalente em ambos os grupos. Dor em membro(s) inferior(es) estava presente em 29,1% dos pacientes, predominantemente nos pacientes com mais de 65 anos (em 37,5% destes). Alteração de nível de consciência foi outro achado com prevalência importante entre pacientes com idade superior a 65 anos (25%), enquanto nenhum paciente com menos de 65 anos teve esta apresentação. Dentre os pacientes com menos de 65 anos, metade apresentou-se com dor torácica e sincope foi outro achado significativo, com prevalência de 25% Tabela 2. Sinais/Sintomas Total % % nos pacientes <65 % nos pacientes >65 (N) Total anos anos Dispnéia 20 83,3% 100% 62,5% Dor em membro(s) 7 29,1% 12,5% 37,5% Dor torácica 5 20,8% 50% 6,25% Alteração de nível de 4 16,6% 0 25% 2 8,33% 25% 0 São vários os fatores de risco relacionados a trombose venosa e tromboembolismo pulmonar. Dentre os fatores de risco independentes estão incluídos procedimentos cirúrgicos, neoplasia, trombose venosa superficial, imobilização6. Idade avançada foi incluída em um estudo como sendo fator de risco independente para trombose em leito venoso7. Nos pacientes com idade avançada, pode haver algumas peculiaridades referentes ao quadro clínico, além do fato de a população idosa acumular mais comorbidades que podem mascarar sinais e sintomas de trombose venosa e tromboembolismo. Em um estudo, por exemplo, dados clínicos como taquicardia, hemoptise, presença de neoplasia não puderam ser relacionados como sendo preditores de tromboembolismo pulmonar em pacientes com mais de 75 anos8. Outro estudo que comparou pacientes com mais e menos de 70 anos com trombose venosa em membros inferiores concluiu que o grupo com idade mais avançada não apresentou sinais típicos como dor ou edema em membro afetado, ao contrário do grupo com pacientes mais jovens, o que pode causar retardo no diagnóstico de trombose venosa9. Outros fatores de risco independentes não devem ser, contudo, esquecidos. Além do mais, mesmo havendo diferenças entre apresentação clínica de acordo com faixa etária, os critérios de Wells e Genebra para probabilidade de tromboembolismo pulmonar são aplicáveis a todas as faixas etárias. Referências 1. Anderson FA Jr, Wheeler HB, Goldberg RJ, Hosmer DW, Patwardhan NA, Jovanovic B, Forcier A, Dalen JE. A population-based perspective of the hospital incidence and case-fatality rates of deep vein thrombosis and pulmonary embolism: the Worcester DVT Study. Arch Inter Med. 1991;151:9338. 2. Silverstein MD, Heit JA, Mohr DN, Petterson TM, O'Fallon WM, Melton LJ III. Trends in the incidence of deep vein thrombosis and pulmonary embolism: a 25year population-based study. Arch Int Med. 1998;158:585-93. 3. Naess IA, Christiansen SC, Romunstad P Cannegieter SC, Rosendaal FR, Hammerstrom J. Incidence and mortality of venous thrombosis: a populationbased study. J Thromb Haemost. 2007;5:692-9. 4. Rosendaal FR. Thrombosis in the young: epidemiology and risk factors, a focus in venous thrombosis. Thromb Haemost. 1997;78:1-6. 5. Blatzer DW, Raskob GE, Murray CK, Bumpus LJ, Piatt DS. Underuse of venous thromboembolism prophylaxis for general surgery patients in the community Arch Int Med. 1998;158:1909-12. 6. Heit JA, Silverstein MD, Mohr DN, Melton J III. Risk factors for deep vein thrombosis and Pulmonary Embolism Arch Int Med. 2000;160:809-15. 7. Cogo A, Bernardi E, Prandoni P, Girolami B, Noventa F, Simioni P, Girolami A. Acquired risk factors for deep-vein thrombosis in symptomatic outpatients. Arch Int Med. 1994;154:164-8. 8. Le Gal G, Righini M, Roy PM, Meyer G, Aujesky D, Perrier A, Bounameaux H. Differential value of risk factors and clinical signs for diagnosing pulmonary embolism according to age. J Thromb Haemost. 2005;3:2457-64. 9. Piazza G, Seddinghzadeh A, Goldhaber SZ. Deep-Vein thrombosis in the elderly. Clin Appl Thromb Hemost. 2008;14:393-8. 10. Righini M, Le Gal G, Perrier A, Bounameaux H. The challenge of diagnosing pulmonary embolism in the elderly patients: Influence of age on commonly used diagnostic tests and strategies. J Am Geriatr Soc. 2005;53:1039-45. inferior(es) consciência Síncope Tabela 2 – Apresentação clínica dos pacientes com tromboembolismo pulmonar. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 68 - 69, jul / ago / set 2014 69 Artigo Original Perfil dos doentes internados em uma UTI geral Profile of patients admitted in a general ICU Beatriz Myuki Kinjo1, Airton Zogaib Rodrigues2 RESUMO ABSTRACT Objetivo: conhecer o perfil dos pacientes internados em uma unidade de terapia intensiva. Métodos: Este trabalho consiste no estudo de 100 doentes internados na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Ana Costa em Santos/SP, no período de março a abril de 2011 onde foram analisados: sexo, faixa etária, motivo da internação, tempo de permanência na UTI, doenças associadas, procedência da internação, procedimentos e operações realizadas durante a permanência na UTI, transfusão sangüínea, uso de antibioticoterapia, evolução clínica, causas de óbito e dia da semana do óbito. Resultados: Dos 100 doentes estudados, 62% eram do sexo masculino. Houve maior prevalência de doentes acima dos 60 anos. Dentre os motivos que levaram à internação na UTI, 73% eram clínicos. O principal motivo de internação eram pacientes provenientes do centro cirúrgico para monitorização de pósoperatório. A média de permanência na UTI foi de aproximadamente 7,33 dias. A mortalidade total na UTI foi de 35%, sendo que a provável causa mais encontrada foi de choque séptico. Conclusão: Os doentes internados são, na sua maioria, do sexo masculino, acima de 60 anos de idade, com indicação de internação por motivos clínicos, com permanência em torno de dois dias, com comorbidades, sendo as principais a hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus e óbito em 35% dos casos tratados, a maioria por causa infecciosa. Objective: To identify the profile of patients admitted in a general intensive care unit. Methods: This article consists of a survey of 100 patients admitted in the Intensive Care Unit of Ana Costa Hospital in Santos/SP, in the period from March to April, 2011. The following aspects were analyzed: gender, age, cause of admission, length of stay, associate illness, procedures and operations carried out, blood transfusion, antibiotic use, clinical evolution, causes and day of the week of death. Results: Of the 100 admitted patients, 62% were men. It had greater prevalence of sick people above of the 60 years. Amongst reasons that had led to the admittance in the ICU, 73% were clinical problems. The main reason for admission was patients from the operating room for postoperative monitoring. The length of stay in the ICU was of approximately 7.33 days. General mortality in the ICU was 35%, being septic shock the leading cause in the majority of patients. Conclusion: The patients admitted in this ICU are in its majority: men, above 60 years old, admitted with clinical problems, with 2 days of length of stay, associated illness, the main ones being hypertension and diabetes mellitus and mortality of 35% of the treated cases, for infectious disease. Key words: Intensive Care Unit. Morbidity. Mortality. Descritores: Unidade de Terapia Intensiva. Morbidade. Mortalidade. Introdução A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) tem sido denominada corretamente como o “hospital do hospital”1. É uma unidade de internação dotada de espaço suficiente, material e equipamentos adequados e pessoal especializado, destinada ao atendimento de doentes graves e selecionados2.Tem como importância a observação clínica contínua do doente, com o objetivo da preservação da vida do mesmo. O intuito da nossa pesquisa foi de analisar o perfil de doentes internados e tratados em uma UTI de um hospital geral. Métodos Trata-se de estudo retrospectivo de 100 doentes internados na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Ana Costa em Santos/SP, de março a abril de 2011, agrupados em fichas individuais protocoladas, analisando: sexo, faixa etária, motivo de internação, tempo de permanência na UTI, doenças associadas, procedência da internação, procedimentos e operações realizadas durante a permanência na UTI, transfusão sangüínea, uso de antibioticoterapia, evolução clínica, causas, procedência, tempo de permanência, dia da semana e horário dos óbitos. Resultados Dos 100 doentes internados na UTI, 62 (62%) eram do sexo masculino e 38 (38%) eram do sexo feminino. Cinquenta e sete (57%) doentes tinham idade maior ou igual a 60 anos e 43 (43%) doentes tinham idade menor do que 60 anos. 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Cirurgião do Hospital Ana Costa, Santos/SP Instituição: Serviço de Terapia Intensiva do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 - 10º andar, 11075-905 Santos/SP, Brasil. [email protected] Recebido em: 30/10/2013; aceito para publicação em: /2014; publicado online em: /2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 70 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 70 - 74, jul / ago / set 2014 Dentre os motivos de internação, 73 (73%) doentes foram internados por motivos clínicos e 27 (27%) foram internados por motivos cirúrgicos. Na Tabela 1, podemos observar os motivos de internação na UTI; sendo que, os mais freqüentes foram: pósoperatório imediato (24 doentes – 24%), insuficiência respiratória aguda (19 doentes – 19%) e Choque séptico (14 doentes –14%). comorbidades apresentadas pelos doentes, sendo as mais prevalentes: hipertensão arterial sistêmica 48 (48 %) doentes e diabetes mellitus 33 (33%) doentes. Tabela 4 – Principais comorbidades dos doentes internados na UTI. Tabela 1 – Motivos mais freqüentes dos doentes internados. Na Tabela 2, relatamos os motivos dos pós operatórios imediatos, de acordo com sistemas envolvidos, de internação na UTI; sendo que, os mais freqüentes foram: cirurgias ortopédicas (oito doentes), cirurgias gastrointestinais (oito doentes) e cirurgias neurológicas (sete doentes). Em relação à procedência das internações dos 100 doentes, 33 (33%) procederam da enfermaria, 25 (25%) da admissão, 24 (24%) do centro cirúrgico, 9 (9%) outros hospitais, 3 (3%) da UTI cardiólogica e seis (6%) de outros. Na Tabela 5, estão descritos os procedimentos realizados na UTI, sendo que em média, houve 3,37 procedimentos por paciente; assim, podemos citar o uso de sonda vesical em 80 (80%) doentes, sonda nasogástrica em 55 (55%) doentes e ventilação mecânica em 46 (46%) doentes. Tabela 2 – Motivos dos pós operatórios imediatos mais freqüentes dos doentes internados na UTI. Na Tabela 3, verificamos o tempo de permanência, em dias, dos doentes na UTI; sendo que a permanência de até dois dias foi a mais encontrada (36 doentes – 40,4%), seguida de três a quatro dias (20 doentes – 22,5%) e, por fim, de cinco a 10 dias (21 doentes – 23,6%). Tabela 5 – Procedimentos realizados em doentes internados na UTI. Durante a permanência na UTI, 27 (27%) doentes foram operados. Sendo que 9 (9%) dos doentes foram submetidos à toracocentese, sete (7%) à traqueostomia e 4 (4%) à drenagem de hematoma cerebral. Na Tabela 6, listam as operações realizadas durante a internação. Tabela 3 – Permanência, em dias, na UTI. Dos 100 doentes; 92 (92%) apresentaram doenças associadas e 8 (8%) não as tiveram. Na Tabela 4, estão as principais Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 70 - 74, jul / ago / set 2014 71 Na Tabela 9, estão descritas as prováveis causas de morte dos doentes tratados; dentre estas, as mais prevalentes foram: choque séptico em 12 (%) doentes, insuficiência respiratória em oito doentes e insuficiência de múltiplos órgãos em sete doentes. Tabela 9 – Causas de óbito em 35 doentes internados na UTI. Tabela 6 – Operações realizadas em doentes internados na UTI. A Tabela 10 mostra a porcentagem de óbito dos motivos mais prevalentes de internação. Quanto à transfusão sangüínea, dos 100 doentes, 29 (29%) realizaram-na durante a internação. Já em relação ao uso de antibióticos, dos 100 doentes, 87 (87%), fizeram-no. Na Tabela 7, temos as classes de antibióticos utilizados na UTI; destas, as mais usuais foram: cefalosporinas em 61 (61%) doentes, carbapenêmicos em 34 (34%) doentes e glicopeptídeos em 30 (30%) doentes. Tabela 10 – Motivo de internação e prevalência dos óbitos. A distribuição dos óbitos ocorridos, conforme os dias da semana estão listados na Tabela 11abaixo, sendo que o dia da semana mais prevalente foi sexta feira com nove (25,71%) óbitos. Tabela 7 – Classes de antibióticos utilizados em doentes internados na UTI . Avaliando-se a evolução clínica dos 100 doentes internados na UTI, 65 (65%) destes tiveram alta hospitalar e 35 (35%) doentes evoluíram a óbito. Dos que evoluíram a óbito, 20 (57,14%) doentes eram do sexo masculino e 15 (42,86%), do sexo feminino, sendo que 26 (74,28%) doentes possuíam idade superior ou igual a 60 anos – Tabela 8. Tabela 11 – Distribuição dos óbitos nos dias da semana. Em relação ao horário dos óbitos, a maior incidência ocorreu entre 8 e 10h – Tabela 12. Tabela 8 - Óbitos de acordo com sexo e faixa etária. 72 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 70 - 74, jul / ago / set 2014 Discussão Tabela 12 – Distribuição dos óbitos de acordo com o horário. Já em relação ao tempo de permanência na UTI, a maior mortalidade ocorreu nos pacientes que permaneceram somente 1 dia, com 9 (25,71%) óbitos, seguido dos que permaneceram dois dias, com oito (22,85%) óbitos. Segue na Tabela 13 abaixo. Tabela 13 – Tempo de permanência e número de óbitos Em relação à procedência dos óbitos, o maior número ocorreu nos pacientes provenientes da enfermaria, com 19 (54,28%) óbitos, seguido dos provenientes do centro cirúrgico e de outros hospitais, ambos com 5 (14,28%) óbitos. Porém, se compararmos o número de óbitos relativos em relação a cada local de procedência, verificamos que dos 33 pacientes provenientes da enfermaria, 19 (57,57%) foram a óbito, dos nove pacientes provenientes de outros hospitais, cinco (55,55%) foram a óbito, enquanto que, dos 24 pacientes provenientes do centro cirúrgico, apresentaram cinco (20,83%) óbitos – Tabela 14. Foram utilizados os dados da UTI geral do Hospital Ana Costa, durante o período de março a abril de 2011, sendo abordados 100 doentes. Dados da literatura apontam ligeiro predomínio do sexo masculino entre os pacientes de UTI4. Nossa casuística incluiu, de fato, maior número de homens (62 – 62%) que mulheres (38 – 38%). Porcentagens elevadas de atendimento de pacientes com idade acima de 50 anos têm sido relatadas em publicações relacionadas com UTI. Hernández et al.5 verificaram em 513 pacientes de hospital geral, em Cuba, que o grupo mais afetado era o de 60 a 74 anos. Medeiros et al.6, por sua vez, mencionam que 33,7% de 1320 internações em UTI geral de hospital, no Rio de Janeiro, tinham mais de 60 anos e Souza et al.7 referem média de idade acima de 50 anos para um grupo de 316 pacientes atendidos em UTI, em período de seis meses. Em nossa casuística, a maioria dos doentes internados eram idosos com idade igual ou maior a 60 anos (57 doentes - 57%). É habitual que o tempo de internação em UTI seja curto, sendo citadas, na literatura, permanências de duração de 1 dia e de 2 a 4 dias4; contudo, há internações de mais de cinco dias (42 - 42%) em nosso estudo. A permanência na UTI depende de vários fatores, como, por exemplo, a natureza da doença básica e as exigências terapêuticas decorrentes das complicações4. Nossa média de permanência foi de aproximadamente 7,33 dias. Observamos que a maioria dos doentes permaneceu internada por menos de sete dias. Houve predomínio de internação por motivos clínicos em 73 (73%) doentes, em relação aos cirúrgicos em 27 (27%) doentes. Em geral, as UTIs têm um percentual maior de pacientes cirúrgicos³. A UTI do hospital estudado caracteriza-se por ser uma unidade mista com doenças clínicas e também em pós-operatórios de diversas especialidades cirúrgicas. Quanto à evolução clínica, 65 (65%) doentes obtiveram alta hospitalar e três (35%) evoluíram a óbito. Paiva et al.4 apresentaram a evolução para óbito, considerando os principais diagnósticos dos pacientes admitidos na UTI. A insuficiência respiratória aguda e o choque séptico foram as condições clínicas em que se registraram as mais altas porcentagens de evolução dos casos para óbito, como observada em nosso estudo, o que traduz a real casuística da literatura estudada. A mortalidade, em nosso trabalho, foi de 57,71% (20) no sexo masculino e 42,85% (15) no sexo feminino; assim como Paiva et al.4 relata em seu trabalho uma mortalidade maior no sexo masculino. Observamos também, que os doentes com média de internação inferior ou igual a sete dias teve maior índice de óbito (26 doentes 74,28%), dentre estes, 9 (25,71%) permaneceram somente 1 dia. Em relação aos dias da semana com maior mortalidade encontrase sexta-feira com cerca de 25,71% dos óbitos ocorridos e o horário de maior incidência foi das 8 às 10h com sete (20%) óbitos. Verificamos também que o maior número de óbitos ocorreu nos pacientes com menor tempo de internação, sendo nove (25,71%) óbitos com permanência de somente um dia, seguido de oito (22,85%) óbitos com permanência de dois dias. Conclusão Os doentes internados nessa UTI são na sua maioria do sexo masculino, acima de 60 anos de idade, procedentes da enfermaria, com indicação por motivos clínicos, cuja permanência é em torno de dois dias, com comorbidades, e óbito em 35% dos casos tratados, a maioria por causa infecciosa e provenientes da enfermaria. Referências Tabela 14 – Procedência e número de óbitos. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 70 - 74, jul / ago / set 2014 1. Berk JL, Sampliner JE. Manual de Tratamento Intensivo. 3ª ed. Rio de Janeiro. Medsi; 1991. p.21. 73 2. López M, Tratamento Intensivo. 2ª ed. Rio de Janeiro.Guanabara Koogan; p. 2-6 3. Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. Perfil epidemiológico de 16 anos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev Saúde Públ. 2002;36(6):728-33. 4. Paiva SAR, Matai O, Resende NO, Campana AO. Análise de uma população de doentes atendidos em unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter Int. 2002;14(2):73-80. 5. Hernández JFR, Galende MLQ, Rodriguez RR. Morbimortalidad en cuidados intensivos. Estudio de dos años. Rev Cub Med. 1990;29:323-36. 6. Medeiros MS, Melek I, Dusilek COL. Análise epidemiológica de 1320 internamentos em UTI geral. Livro de Resumos do V Congresso Brasileiro de Clínica Médica 1999.p.188. 7. Souza KZ, Alves MP, Castro CS. Análise das internações na UTI do HCSL (Hospital das Clínicas Samuel Libâneo). Livro de Resumos do V Congresso Brasileiro de Clínica Médica 1999. p.102. 74 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 70 - 74, jul / ago / set 2014 Relato de Caso Amniorrexe prematura Premature rupture of membranes 1, André Barbieri Alves Ferreira 2 João Henrique Araújo Fernandes RESUMO Introdução: Amnniorrexe prematura é uma condição que acomete 5% das gestantes, sendo associada a um terço de todos os trabalhos de parto prematuros. Relato de caso: A paciente foi diagnosticada com amniorrexe prematura com idade gestacional de 21 semanas, permanecendo com rotura de membranas ovulares por 35 dias, realizando controles laboratoriais e métodos de imagem semanalmente. Foi realizado parto cesárea com idade gestacional de 26 sem. 6/7, até o risco de infecção e outras complicações serem maiores que o beneficio. Apesar de tanto tempo em amniorrexe o recém-nascido nasceu vivo e a mãe encontra-se em bom estado geral. Considerações: O presente relato de caso é uma demonstração de uma situação delicada na decisão do bem-estar fetal e materno tentando o melhor momento para resolução do caso nas melhores condições independente da idade gestacional. ABSTRACT Introduction: Premature rupture of membranes is a condition that affects 5% of the pregnant which can be associated to one third of all premature women in labor. Case report: The patient was diagnosed with premature rupture of membranes with 21 weeks of gestational age, remaining with membranes rupture for 35 days, making laboratory control and image methods in a weekly basis. For this case, the cesarean is made until the risk of infection or if another complications are greater than the benefits of it. Although a long time in rupture, the newborn was born alive and the mother presents a good physical condition. Considerations: The present report is a demonstration of a very delicate situation of a decision between the fetal and maternal well-being, trying to find the best resolution of the case in the best possible condition regardless the gestational age. Key words: Premature Rupture of Membranes. Fetal Death Amniotic Fluid Index. Descritores: Amniorrexe Prematura. Óbito Fetal. Índice de Líquido Amniótico. Introdução Amniorrexe prematura é definida consensualmente como a rotura espontânea das membranas coriônica e amniótica comprovadamente antes do inicio do trabalho de parto, independentemente da idade gestacional, podendo ocorrer no período de termo (> 37 semanas) e no pré-termo (< 37 semanas), em uma incidência de 1:20 gestações1. A RPM pré-termo, em idade gestacional inferior a 37 semanas, responde por 20 a 40% destes casos e está envolvida na gênese de 30 a 40% dos partos prematuros2,3. Quando se trata de gestação a termo ou perto do termo (34 semanas em diante)2,4, o feto já completou as principais etapas de sua maturação e a resolução da gestação, espontânea ou terapêutica, não implica alto risco neonatal4. Quando ocorre no termo 90% dos casos evoluem para parto em até 24 horas. Já no pré- termo o período de latência (período normal – 12- 24 horas), é inversamente proporcional à idade gestacional. A evidência da relação estreita entre processos infecciosos e/ou inflamatórios e a ocorrência de rotura prematura pré-termo das membranas amnióticas parece bem fundamentada por diversos trabalhos, em que nem sempre é possível determinar se a rotura das membranas ovulares levou ao processo infeccioso ou se foi este último o fator causal determinante da amniorrexe no pré-termo5,6. As causas de amniorrexe são: infecção materna, infecção intra-uterina, incompetência istmo cervical, gestação múltipla, polidrâmnio, tabagismo, história prévia de amniorrexe, história familiar de amniorrexe. Uma vez diagnosticada a rotura prematura de membranas ovulares, há a necessidade da discussão da necessidade do uso de antibioticoprofilaxia, uso de corticoides, tocolitos e os métodos de para diagnosticar infecção e a época ideal para do parto. Na ausência de corioamnionite e sofrimento fetal o trabalho de parto espontâneo pode ser aguardado por 24 a 48 horas, e após este período deve-se iniciar a indução de acordo com as condições cervicais8. Uma conduta importante no acompanhamento de trabalho de parto com rotura prematura de membranas ovulares é a monitorização cardíaca fetal sistemática, devido aos maiores riscos de compressão do polo cefálico e de cordão, bem como propiciar um numero menor de toques vaginais, diminuindo o risco de infecção. Profilaxia intraparto contra GBS deve ser administrada, exceto se uma cultura recente , isto é , com menos de 5 semanas for negativa9. Conduta nas gestações entre 26 e 34 semanas deve ser priorizada porque permite um tempo maior para amadurecimento fetal e ganho de peso, salvo os casos de maturidade pulmonar comprovada, presença de sofrimento fetal ou corioamnionite, nos quais a interrupção faz-se necessária9. Quanto à conduta nas gestações abaixo de 26 semanas, não há consenso nestes casos, os beneficios e riscos devem ser 1) Residente do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos / SP Instituição: Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Av. Gal. Francisco Glicerio, 121, ap. 204, 11065-401 Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 2014; publicado online em: 2014. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 75 - 76, jul / ago / set 2014 75 abordados individualmente8,9. Se por um lado a intervenção imediata pode levar a óbito fetal pela inviabilidade fetal e maior morbidade, por outro a conduta conservadora também não da garantia de que a parto ocorrerá quando a viabilidade tiver sido alcançada. Os agravos decorrentes da manutenção da gestação incluem o risco elevado de infecção, descolamento placentário, hipoplasia pulmonar, hemorragias puerperais e óbitos fetais intraútero. Assim, quando a conduta conservadora está indicada , o repouso e a cuidadosa monitorização materno-fetal são necessários, bem como avaliações frequentes da vitalidade fetal , rastreamento de infecções e a utilização de terapias com corticoesteroides, antibióticos e uterolíticos. Relato de caso Gestante, de 32 anos, VG IIPN IIA não apresentou intercorrência no pré- natal até 21 semanas 3/7. Procurou o Serviço da Ginecologia e Obstetrícia com história de perda de líquido. Foi constatada, através do exame especular, saída de líquido claro com grumos, não apresentando dilatação do colo uterino. Foi internada com hipótese diagnóstica de amniorrexe prematura. A ultra-sonografia obstétrica revelou oligoâmnio (índice do líquido amniótico = 3,5 cm). Foi solicitado exame de hemograma , PCR, urina do tipo I com bacterioscopia para controle, sem alterações. Após três dias, a ultra-sonografia obstétrica com Doppler revelou oligoamnio severo (índice de líquido amniótico = 2,8). Recebeu alta hospitalar após quatro dias, orientada sobre os riscos e problemas devido à amniorrexe prematura, para realização de controle semanal com hemograma, PCR e ultra-sonografia. Retornou após 35 dias, referindo perda de grande quantidade de líquido e com ultra-som obstétrico com perfil biofísico fetal 2/8, ILA zero. Realizo outro ultra-som no dia seguinte, evidenciando movimentos fetais ausentes, ILA zero, perfil biofísico fetal 04/08, com exame de Doppler normal e idade gestacional de 26 sem 6/7. Foi realizada cesariana no dia seguinte, onde o recém-nascido nasceu vivo e foi para UTI neonatal e a paciente, após dois dias de internação, acabou recebendo alta hospitalar em bom estado geral, orientada a retornar para acompanhamento. entre eles independente da idade gestacional. Referências 1. Zugaib M, Bittar RE. Protocolos assistenciais da Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da USP. São Paulo: Atheneu; 1996 2. Merenstein GB, Weisman LE. Premature rupture of the membranes: neonatal consequences. Semin Perinatol. 1996;20:375-80. 3. Ernest JM. Neonatal consequences of preterm PROM. Clin Obstet Gynecol. 1998;41:827-31. 4. Amniorrexe prematura. In: Santos LC, Porto AMF, Carvalho MA, Guimarães V. Obstetrícia: diagnóstico e tratamento. 1ª ed. Rio de Janeiro: Medsi; 1998. pp.307-18. 5. Mercer BM. Preterm premature rupture of the membrane. Obstet Gynecol. 2003;101:178-93. 6. Furman B, Shoham-Vardi I, Bashiri A, Erez O, Mazor M. Clinical significance and outcome of preterm prelabor rupture of membranes: population-band study. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2000;92:209-16. 7. Andrews WW, Sibai BM, Thom EA, Dudley D, Ernest JM, McNellis D, Leveno KJ, Wapner R, Moawad A, O'Sullivan MJ, Caritis SN, Iams JD, Langer O, Miodovnik M, Dombrowski M; National Institute of Child Health & Human Development Maternal-Fetal Medicine Units Network. Randomized clinical trial of metronidazole plus erythromycin to prevent spontaneous preterm delivery in fetal fibronectin-positive women. Obstet Gynecol. 2003;101(5 Pt 1):847-55. 8. Goldenberg RL, Mwatha A, Read JS, Adeniyi-Jones S, Sinkala M, Msmanga G, Martinson F, Hoffman I, Fawzi W, Valentine M, Emel L, Brown E, Mudenda V, Taha TE; Hptn024 Team. The HPTN 024 Study: the efficacy of antibiotics to prevent chorioamnionitis and preterm birth. Am J Obstet Gynecol. 2006;194(3):650-61. 9. Naylor CS, Gregory K, Hobel C. Premature rupture of the membranes: an evidence-based approach to clinical care. Am J Perinatol. 2001;18:397-413. 10. Mercer BM. Preterm premature rupture of the membranes. Obstet Gynecol. 2003;101:178-93. Discussão A amniorrexe prematura é um dos problemas obstétricos mais comuns, além da prematuridade a principal complicação é a infecção, tanto materna como fetal. As causas são: infecção materna, infecção intra-uterina, incompetência istmo cervical , gestação múltipla, polidrâmnio, tabagismo, história prévia de amniorrexe, história familiar de amniorrexe1. As condutas a serem tomadas são dependentes da idade gestacional, podendo ser expectante ou resolutiva. Neste relato, a paciente apresentou amniorrexe prematura com idade gestacional < 26 semanas, sendo uma época que não há consenso, sendo necessário abordagem individual dos benefícios e riscos. Nesse caso, optou-se por controle semanal por exames laboratoriais (hemograma e PCR) e exame de imagem (ultrasonografia) para verificar infecções, quantificar o líquido amniótico e os parâmetros fetais até o momento que necessitasse de intervenção cirúrgica, devido à descompensação dos parâmetros ocasionando risco materno e fetal. Hoje em dia, diante dos grandes avanços tecnológicos na área de cuidados intensivos neonatais, torna-se cada vez mais freqüente a sobrevivência de recém-nascidos com idades gestacionais mais tenras, como o ocorrido no caso relatado, bem como com pesos ao nascimento mais baixos. A melhor conduta foi expectante, até o momento de desequilíbrio entre os parâmetros indicando necessidade de uma conduta resolutiva. Muitos estudos demonstraram benefícios na conduta conservadora até 34 semanas e controvérsia em qual melhor época após essa data entre 34 semanas e 37 semanas. Concluindo-se que o risco-benefício do estado geral materno e fetal é de extrema importância, sendo necessário fazer um balanço 76 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 75 - 76, jul / ago / set 2014 Relato de Caso Rabdomiossarcoma paratesticular Raratesticular rhabdomyosarcoma RESUMO Introdução: Os rabdomiossarcomas paratesticulares são tumores raros do tecido mesenquimal localizados no epidídimo, túnica vaginal ou cordão espermático. Na maioria das vezes, apresentam-se como uma massa intraescrotal indolor e usualmente ocorrem antes da segunda década de vida. O tratamento preconizado é baseado na ressecção radical do tumor primário, podendo associar à quimioterapia adjuvante, radioterapia e linfadenectomia retroperitoneal. Relato e caso: Trata-se de um homem de 20 anos, com história de aumento indolor testicular e perda ponderal progressiva. Os exames complementares evidenciaram lesão de origem paratesticular, sem alterações dos marcadores tumores (alfa-fetoproteína e beta-HCG). Após exames complementares e diagnóstico de lesão expansiva retroperitoneal associada, o paciente foi encaminhado ao serviço de Oncologia e programado quimioterapia, porém, devido gravidade do caso, paciente evolui para óbito dois meses após o diagnóstico. ABSTRACT Fernando Lievana Mangolin1 Mohamad Dib Salah Ali1 Andre Luiz Farinhas Tomé2 2 Walter Fernandes Correa 3 Woite Antonio Betoni Meloni 4 Maurício Costa Bestane Introduction: The paratesticular rhabdomyosarcomas are rare tumors of mesenchymal tissue located in the epididymis, spermatic cordor tunica vaginalis. In most cases, present as painless mass intraescrotal and usually occur before the second decade of life. The treatment is based on the radical resection of the primary tumor and may involve adjuvant c h e m o t h e r a p y, r a d i o t h e r a p y a n d r e t r o p e r i t o n e lymphadenectomy. Case report: We report the case of a man of 20 years with a history of painless testicular enlargement and progressive weight loss. Additional examinations revealed lesion of paratesticular origin, without changes in tumor markers (alpha-fetoprotein and beta-HCG). After additional tests and diagnosis of associated retroperitoneal mass lesion, the patient was referred to the oncology service and scheduled chemotherapy, however, due to severity of the case, the patient progresses to death two months after the diagnosis. Key words: Rhabdomyosarcoma. Testicular Neoplasms. Descritores: Rabdomiossarcoma. Neoplasias testiculares. Introdução O rabdomiossarcoma é o tumor de tecido sólido mais frequente na infância e na adolescência, representando cerca de 5% a 10 % de todos os tumores malignos das crianças1. A incidência anual é de 4,5 por milhão de indivíduos brancos e de 1,3 por milhão em crianças negras. É mais comum em homens, em uma proporção de 3:12. Com uma incidência de 13% a 25%no trato genitourinário3, cerca de 7% a 10% originam-se especificamente do cordão espermático distal. Esses são denominados rabdomiossarcomas paratesticulares, cuja incidência anual é de aproximadamente um por 20 milhões de homens4. O rabdomiossarcoma paratesticular pode ser originado no tecido mesenquimal do cordão espermático, epidídimo, testículo e túnica vaginal, correspondendo a 7% de todos rabdomiossarcomas. A localização superficial do rabdomiossarcoma paratesticular determina um prognóstico mais favorável, devido ao diagnóstico mais precoce e à possibilidade de ressecção cirúrgica completa. Acredita-se que esse tumor possa ter sua origem a partir do mesênquima indiferenciado que mantém a capacidade de diferenciação rabdomioblástica ou a partir do tecido muscular embrionário posicionado inadequadamente durante os estágios iniciais do desenvolvimento tecidual. O subtipo mais comum é o embrionário (80%), com melhor prognóstico que o subtipo alveolar (20%). As metástases linfáticas desenvolvem-se em 28% a 40% dos casos para as regiões paraórtica, ilíaca e inguinal5. A disseminação hematogênica é mais freqüente para pulmão, fígado, ossos e medula óssea, e representa 20% da apresentação inicial6. Até a primeira metade do século passado, o prognóstico era obscuro para todos os casos de rabdomiossarcoma. Não havia relato, até 1951, de caso com sobrevida em longo termo, bem como de tratamento específico para a doença7. Com o advento da radioterapia, quimioterapia e a melhora das técnicas cirúrgicas, diversos estudos multicêntricos realizados na década de 1970 alcançaram taxas de sobrevida de 70% a 80% para os casos de rabdomiossarcoma e de até 90% para os paratesticulares8. Relato de caso Paciente masculino de 20 anos, caucasiano, compareceu ao serviço médico com queixa de aumento progressivo e rápido do volume testicular à direita, indolor, iniciado havia um mês. Referia, ainda, perda ponderal de 6Kg, além de astenia e aumento do volume abdominal. Apresentava, ao exame físico, massa palpável em flanco direito e testículo direito volumoso e de consistência endurecida, com cordão espermático espessado – Figura 1. Foram requisitados exames bioquímicos e de imagem de acordo com os sinais clínicos apresentados pelo paciente. Alfa-fetoproteína e 1. Residente de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2. Assistente do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 3. Assistente e Preceptor do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 4. Chefe do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Fernando Lievana Mangolin, Rua Major Santos Silva, 74, 31b, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 2014; publicado online em: 2014. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 77 - 79, jul / ago / set 2014 77 Beta-HCG apresentaram níveis séricos dentro da normalidade. O estudo ultra-sonográfico com Doppler de testículos evidenciava testículo direito de ecotextura heterogênea, aumentada e hipovascularizada, com massa peritesticular de contornos irregulares, heterogênea, medindo 9 x 11cm. A tomografia computadorizada de abdome confirmou a presença de massa em retroperitônio de origem aparentemente linfonodal – Figura 2. Foi submetido à exploração por inguinotomia, com clampeamento do cordão espermático, exteriorização da massa testicular e orquiectomia – Figura 3. O exame anatomopatológico revelou a presença de rabdomiossarcoma paratesticular, confirmado pelo estudo imunoistoquímico. O estadiamento por imagem não demonstrou metástase à distância ou comprometimento (TNM X). Após diagnóstico e estadiamento, foi encaminhado ao Serviço de Oncologia para iniciar quimioterapia, como preconizado pela literatura, porém, evolui rapidamente para quadro de caquexia, não respondendo ao suporte clínico, com evolução para óbito dois meses após inicio dos sintomas. Figura 1 – Aumento indolor testicular à direita. Figura 2 – Tomografia computadorizada de abdome com massa retroperitoneal. Figura 3 – Testículo e cordão espermático direito. 76 Discussão O rabdomiossarcoma paratesticular (RP) é uma neoplasia rara originária das alterações embriológicas dos tecidos do cordão espermático, epidídimo, túnica vaginal e tecido conjuntivo9. Tem sido observado, em 80% das vezes, antes dos 21 anos, tendo dois picos de incidência: aos quatro anos e entre os 11 e 16 anos. Ocorre um predomínio nas primeiras décadas, sendo infrequente em adultos. Cerca de 70% dos casos ocorre na primeira década de vida5. Pode ser dividido em três grupos histológicos: alveolar, pleomórfico e embrionário, sendo este o mais comum em 97% dos casos. Os subtipos alveolar e pleomórfico têm incidência em adultos e piores prognósticos5,10. Nos achados clínicos, apresenta-se como tumefação indolor da região inguinal ou massa intra-escrotal, sendo difícil sua diferenciação de um tumor de testículo9, além de sintomas decorrentes das metástases, como: adenomegalia inguinal, fadiga, anorexia e perda de peso11. Em outras situações, há a presença de hidrocele, hérnias ou epididimite que podem ocultar a presença do tumor4. A dor é encontrada em 7% dos casos5. Diagnósticos diferenciais consistem em torção testicular, hidrocele e epididimite11. Em 17% dos casos, o diagnóstico ocorre após duas semanas de início dos sintomas, 26% após um mês e 57% entre dois e 12 meses12. O RP pode disseminar-se por via linfática e/ou hematogênica. A extensão linfática é mais comum para região paraórtica, paracaval e ilíaca. A região inguinal é menos frequente, devido à rara invasão de pele e tecido subcutâneo pelo tumor9. Em diferentes estudos, o envolvimento das cadeias para-aórtico e para-cava variam de 26% a 71%. No momento do diagnóstico, cerca de 20% já possuem metástases para os pulmões e ossos14. Os sítios de metástases à distância são: ossos, medula óssea, fígado, cérebro e pulmões1,9. Há relatos de envolvimento de veia cava inferior por disseminação 12 e uma apresentação de metástase testicular contralateral de RP 13. A investigação ultrassonográfica é indicada em crianças com qualquer massa intra-escrotal, devendo ser realizada inclusive contralateral à lesão. O ultrassom escrotal é o método de imagem mais usado no início da investigação das massas paratesticulares. Em 1989, essa entidade foi descrita como uma lesão hipoecogênica, associada ou sem hidrocele14, caracterizando uma maior diferenciação de invasão no epidídimo do que no testículo8. É possível caracterizar o padrão sólido do tumor, medir seu tamanho e definir o envolvimento testicular, sendo um exame de grande utilidade, apesar da ausência de um padrão ultrassonográfico específico, devido à semelhança de imagem com outras entidades, como o tumor adenoide ou leiomioma12. A tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética de abdômen e pelve são métodos difundidos, com acurácia de 81% a 91% para a pesquisa de envolvimento linfonodal. Radiografia de tórax, cintilografia óssea e biópsia de medula óssea são outros exames utilizados no estadiamento de doença metastática15. A confirmação histológica é imprescindível, já que 12% a 22% das lesões paratesticulares são malignas8. Biópsias ou manipulação transescrotal, porém, são contra-indicadas, devido ao risco de contaminação por rotura tumoral, podendo alterar o estádio de uma categoria de baixo risco para uma de alto risco, com implicações terapêuticas16. Microscopicamente, o achado diagnóstico é a presença de rabdomioblastos17. Tipos histológicos desfavoráveis apresentam estruturas ativas alargadas com hipercromatismo nuclear difuso e pleomorfismo ou células monomórficas redondas, com uma distribuição regular de tamanho e características citológicas similares distribuídas no tumor. O grupo de histologia favorável apresenta tumores de células embrionárias, refletindo a célula primitiva e todas as outras configurações celulares que não Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 77 - 79, jul / ago / set 2014 pertencem ao grupo desfavorável17. O estadiamento pode ser feito pelo sistema TNM18 ou pela classificação Intergroup Rhabdomyosarcoma Study (IRS) – Tabela 110. Os sistemas de estadiamento TNM e IRS complementam-se e ambos são usados nos esquemas mais recentes para avaliação prognóstica e terapêutica de rabdomiossarcoma, estratificando os pacientes em grupos conforme o prognóstico, geralmente usados como base para a seleção de terapêutica dirigida ao paciente18. frequentes na infância e adolescência. Em virtude do rápido crescimento da lesão e da possibilidade de disseminação metastática, a avaliação deve ser rápida e seguida da intervenção agressiva, representada pela exploração cirúrgica por via inguinal para acesso à gônada associado à complementação com quimioterapia, sendo esta a melhor conduta terapêutica, de acordo com a literatura atualmente, com melhores resultados na sobrevida. Referências O tratamento inicial preconizado é a orquiectomia radical por inguinotomia e campleamento prévio do pedículo vascular testicular independente do estádio4. Em pacientes com estádio I (IRS), deve-se considerar o tratamento com poliquimioterapia sistêmica. Já em pacientes com os estádios II, III e IV, aconselha-se a linfadenectomia retroperitoneal seguida de poliquimioterapia e radioterapia10. A quimioterapia deve ser utilizada em todos os pacientes. Vários esquemas de quimioterapia são utilizados. O grupo germânico utiliza vincristina, dactinomicina, ciclofosfamida e doxorrubicina (VACA); enquanto o grupo italiano utiliza vincristina, dactinomicina e ciclofosfamida18. A radioterapia adjuvante deve ser aplicada em situações de envolvimento ganglionar confirmado ou doença residual microscópica associado com a quimioterapia4. A dissecção linfonodal retroperitoneal é controversa19. Estudos propõem sua realização de rotina em pacientes com mais de 10 anos ou com imagem sugestiva de comprometimento linfonodal. Em pacientes com menos de 10 anos com imagem negativa, a quimioterapia pode curar um possível comprometimento linfonodal microscópico18. De acordo com o IRS, a linfadenectomia retroperitonial não foi realizada quando não havia evidência de envolvimento ganglionar pela tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética4. Nesse estudo, apenas 14% dos pacientes sem evidências radiológicas de comprometimento ganglionar por imagem apresentavam metástases à linfadenectomia retroperitoneal, enquanto que 94% dos exames de imagem comprovando envolvimento linfonodal apresentavam metástase linfática à linfadenectomia retroperitoneal2. A realização de hemiescrotectomia é recomendada nos rabdomiossarcomas com invasão da bolsa escrotal, nos tumores testiculares submetidos à biópsia da massa por via escrotal, na doença residual palpável e presença de margens positivas20 A sobrevida está em torno de 80% a 90%, principalmente nos casos de doença localizada, estádio I e II11,16. Entretanto, nos estádios III e IV, a taxa de sobrevida livre de doença em cinco anos está em torno de 62,5% e 37,5%, respectivamente4. Os principais fatores de melhor prognóstico são tumores menores que 5cm e idade menor de 10 anos2-4,9,11,17,18. Os fatores de pior prognóstico são tumores maiores que 5 cm, idade maior de 10 anos e o subtipo alveolar. Aproximadamente, 60% dos rabdomiossarcomas paratesticulares são diagnosticados no estádio I (IRS)8. Os rabdomiossarcomas paratesticulares são tumores raros, mais Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 77 - 79, jul / ago / set 2014 1. Rodary C, Rey A, Olive D, Flamant F, Quintana E, Brunat-Mentigny M, Otten J, Voute PA. Prognostic factors in 281 children with nonmetastatic rhabdomyosarcoma at diagnosis. Med Pediatric Oncol. 1988; 16(2):71-7. 2. Shapiro E, Strother D. Pediatric genitourinary rhabdomyosarcoma. J Urol. 1992;148(2):1761-8. 3. Maurer HM, Beltangady M, Gehan EA, Crist W, Hammond D, Hays DM, Heyn R, Lawrence W, Newton W, Ortega J. The intergroup rhabdomyosarcoma study I: a final report. Cancer.1988; 61(2):209-20. 4. Ferrari A, Casanova M, Massimino M, Luksch R, Piva L, Fossati-Bellani F. The management of paratesticular rhabdomyosarcoma: a single institutional experience with 44 consecutive children. J Urol. 1998;159(3):1031-4. 5. Stewart R, Martelli H, Oberlin O, Rey A, Bouvet N, Spicer RD, Godzinski J, Stevens MCG. Treatment of children with nonmetastatic paratesticular rhadbomyosarcoma : Results of the Malignant Mesenchymal Tumor Studies (MMT 84 and MMT 89) of the Internacional Society of Pediatric Oncology. J Clin Oncol. 2003; 51:793-8. 6. Björn O, Kaefer M, Engun AS, Davis MM. Contralateral testicular Metastasis in paratesticular rhabdomyosarcoma. J Urol. 2000;164:1709-10. 7. Campbell M. Tumor of the urogenital tract. In: Campbell M, ed. Clinical pediatric urology. Philadelphia: WB Saunders; 1951. pp. 693-744. 8. Wiener ES, Lawrence W, Hays D, Lobe TE, Andrassy R, Donaldson S, Crist W, Newton W, Johnson J, Gehan E. Retroperitoneal node biopsy in paratesticular rhabdomyosarcoma. Pediatr Surg.1994;29 (2):171-8; discussion 178. 9. Radouane B, El Fenni J, Chaouir S, Amil T, Hanine A, Ben Ameur M. Paratesticular rhabdomyosarcoma: a case report. J Radiol. 2004;85(6 Pt 1):779-81. 10. Nadal JIM, Campuzano P, Manzanera JL, Queralt JM. Rabdomiosarcoma paratesticular. Actas Urol Esp. 2004;28:245-8. 11. Kaya E, Atakan IF, Kaplan M, Bilgi S. Paratesticular rhabdomyosarcoma in a 2-year-old boy. Int Urol Nephrol. 2003;35:63-4. 12. Ferrari A, Casanova M, Massimino M, Luksch R, Piva L. The management of paratesticular rhabdomyosarcoma: a single institutional experience with 44 consecutive children. J Urol. 1998;159:1031-4. 13. Shimada H, Newton WA Jr, Soule EH, Beltangady MS, Maurer HM. Pathology of fatal rhabdomyosarcoma: report from Intergroup Rhabdomyosarcoma Study (IRS I and IRS II). Cancer. 1987;59(3):459-65. 79 Relato de Caso Metástase de câncer de mama para papila duodenal major Metastasis of breast cancer to major duodenal papilla RESUMO Lubia Bonini Daniel1 Marco Antonio Buch Cunha1 Dayse da Silva Pereira Aparício2 2 Osmar Sílvio Garcia Oliveira 2 Kátia Ferreira Guenaga Luciana Cleaver Aun2 2 Renato Brassolotto Bello Carlos Kiyoshi Furuya Junior2 2 Ricardo Sato Uemura 2 Flávia Gerbi Azevedo 2 Márcio Correia Cazzamatta 3 Everson Luiz de Almeida Artifon ABSTRACT A metástase é uma causa frequente do tumor da papila duodenal e de colestase. Relatamos um caso de icterícia obstrutiva devido a um carcinoma de mama metastático com a papila duodenal, onde avaliamos o tratamento paliativo e curativo que a endoscopia intervencionista pode oferecer. Metastasis is a frequent cause of tumor of duodenal papilla and cholestasis. We report a case of obstructive jaundice due to metastatic breast carcinoma with duodenal papilla, which evaluated the palliative and curative interventional endoscopy can offer. Descritores: Carcinoma de Mama Metastático. Papila Duodenal. Icterícia Obstrutiva. Key words: Metastatic Breast Carcinoma. Papilla Duodenal. Obstructive Jaundice. Introdução Aproximadamente 30% dos pacientes com câncer de mama irão desenvolver metástase. Cada tipo histológico (intraductal ou lobular) tem uma predileção por diferentes órgãos. Em carcinomas lobulares, metástases geralmente envolvem o osso, mas apenas em 15 % dos casos outros locais são observadas, tais como órgãos gastrointestinais1,2. Nesses casos, as metástases ocorrem principalmente no cólon (42%), estômago (37%) e intestino delgado (16 %), com metástases raras para a região justapapilar1,3. Neste relato, apresentamos um caso de obstrução biliar devido ao câncer de mama metastático à papila duodenal. via biliar intra e extra-hepática (15 mm) foi notada. A papilotomia foi feita e um stent de plástico 10 x 9 cm e foi colocado no ducto biliar comum. O exame histológico mostrou carcinoma, com infiltração na mucosa duodenal. O estudo imunoistoquímico demonstrou ser fortemente positivo para receptores de estrógeno (100%) e dos receptores de progesterona (20%) – Figura 2, confirmando a metástase de carcinoma lobular da mama para a papila duodenal. A ultra-sonografia endoscópica (EUS) demonstrou infiltração da lesão até que a camada muscular da parede duodenal – Figura 3, sem linfonodos regionais suspeitos. Devido à natureza invasiva da lesão, o tratamento paliativo foi oferecido com a substituição da prótese plástica para uma metálica. A paciente apresentou melhora significativa da síndrome colestática e dor abdominal. Relato de caso Paciente de 63 anos, do sexo feminino, com carcinoma lobular invasivo de mama diagnosticado em dezembro de 2010 submetida à mastectomia modificada e quimioterapia adjuvante para metástases ósseas para a coluna lombar, em dezembro de 2011. Em agosto de 2012, apresentava dor abdominal e síndrome de colestase. A avaliação laboratorial revelou bilirrubina totais 7,94 mg / dl , bilirrubina direta de 7,0 mg/dl , fosfatase alcalina 500 U/L e Gama glutamiltransferase de 781 U/L. Associada com tais resultados, uma dilatação de 15mm da árvore biliar intra e extrahepática foi observada por ultra-sonografia abdominal. A paciente foi submetida à colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE ), onde a papila encontrava-se edemaciada, friável e com sangramento ,além de áreas de necrose – Figura1. Dilatação da Figura 1 – Tumor em papila duodenal. 1) Estagiária de endoscopia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Médico assistente do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa/SP. 3) Chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Ana Costa/SP. Instituição: Serviço de Endoscopia do Hospital Ana Costa, Santos Correspondência: Rua Pedro Américo, 60 - 11075-400 Santos, SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: /2014; publicado online em: /2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 80 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 80 - 81, jul / ago / set 2014 Referências Figura 2 – As células tumorais com receptores de estrogênio e progesterona à imunoistoquímica. Figura 3 – Infiltração tumoral da camada muscular à EUS. 1. Sastre-Garau X, Jouve M, Asselain B. Infiltrating lobular carcinoma of the breast: Clinicopathologic analysis of 975 cases with reference to data on conservative therapy and metastatic patterns. 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Gastrointest Endosc.1999;49(3 Pt1):349-57. 8. Bassan M, Bourke M. Endoscopic ampullectomy: a practiceal guide. J Interv Gastroenterol. 2012;2(1):23-30. Epub 2012 Jan 1. 9. Baille J, Am J Gastroenterol. 2005;100(11):2379-81. 10. Yoon SM, Kim MH, Kim MJ. Local early stage cancer in ampullary adenoma: surgery or endoscopic papillectomy. Gastrointest Endosc. 2007;66(4):701-7. Discussão As neoplasias malignas que afetam a papila duodenal são raras. O adenocarcinoma é o tipo histológico em quase todos os casos, mas, ocasionalmente, outros tipos histológicos, tais como tumores carcinóides de células escamosas e carcinoma mucinoso pode ser encontrado4. Nesse contexto, as metástases de tumor de mama a papila duodenal são um evento muito raro, com apenas três casos relatados na literatura mundial, tudo devido ao carcinoma lobular de mama. A sensibilidade do diagnóstico histopatológico depende do aparecimento do tumor, 88% dos tumores ulcerados, 64% para o tipo vegetativo e 50% para intramural tumores4-6. A avaliação imunohistoquímica desempenha um papel fundamental para indicar o tipo histológico do tumor, uma vez que as metástases do carcinoma lobular da mama para o trato gastrointestinal têm um aspecto endoscópico, radiológico e histológico semelhante ao de adenocarcinoma fracamente diferenciado, com células em anel de sinete. Portanto, é muito importante para diferenciar esses tipos de doenças malignas, uma vez que cada um deles tem um prognóstico e tratamento diferente3. A ultra-sonografia endoscópica (EUS) e ultra-sonografia endoscópica intraductal (UDI) com sondas de alta freqüência (2030 MHz) são os métodos escolhidos para avaliar otumor,linfonodos e estadiamento (itens T e N) e este último tem uma sensibilidade de 100 % para o diagnóstico do grau de invasão local. Alguns autores recomendam, para lesões inferiores a 10mm, sem nenhum aspecto endoscópico de malignidade, a ressecção endoscópica do tumor8,9. Papilectomia endoscópica está indicada apenas para tumores in situ ou adenomas com displasia de alto grau, como observado na classificação T1sm, em 10,7% das papilectomiasde tumor linfático de invasão vascular e em 17,9 % das com envolvimento ductal10. Em casos de tumores invasivos, duodenopancreatectomia é o tratamento de escolha. Embora as metástases de carcinomas da mama sejam frequentes para o trato gastrointestinal , neoplasias da região justapapilar devem ser suspeitadas, especialmente em fase inicial, uma vez que a ressecção curativa pode ser oferecida. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 80 - 81, jul / ago / set 2014 81 Relato de Caso Apendicite recorrente em adolescente de 14 anos Recurrent appendicitis in a 14-year-old teenager Matheus Romualdo Clarindo Silva1 Messias Elias Neto2 RESUMO Introdução: A apendicite aguda é a afeccção mais comum do apêndice cecal e apresenta-se como um quadro de dor em quadrante inferior direito de rápida evolução, acompanhada, por vezes, de anorexia, vômitos e febre, sendo bem característica e de fácil diagnóstico quando comparada a outras doenças do apêndice cecal. Com isso, diante de um quadro abdominal de dor de longa duração em quadrante inferior direito, faz-se necessário ter como diagnósticos diferenciais a apendicite recorrente e a apendicite crônica que, por vezes, são afecções subdiagnosticadas por não apresentarem sinais e sintomas abdominais tão intensos, além de intercalarem períodos em que há melhora da dor abdominal e aparente resolução do quadro, retardando o diagnóstico e tratamento preciso. Relato de caso: Apresentamos o caso de um adolescente de 14 anos com dor recorrente em quadrante inferior direito com início há 4 semanas procurando por algumas vezes o serviço de saúde, ocasiões em que foi medicado e liberado para casa. Retornou referindo novo episódio de dor abdominal, febre e um episódio de vômito há 3 dias. Considerações finais: Apesar de ainda serem vistas como patologias controversas, o caso descrito ilustra como a falta de conhecimento médico em relação a essas afecções do apêndice cecal retarda o diagnóstico e tratamento desses pacientes. ABSTRACT Introduction: The acute appendicitis is the most common affection of the vermiform appendix, coming up with pain in right lower quadrant with fast progress, along with anorexia, vomit and fever, being a typical and easily diagnosed when compared to other pathologic conditions from the vermiform appendix. However, in face to a clinical presentation of abdominal pain of long lasting in right lower quadrant, it´s required to have chronic and recurrent appendicitis as differential diagnosis, in spite of being misdiagnosed for their uncharacteristically abdominal presentation, also interleaving periods of abdominal pain relief and apparent clinical resolution, slowing down the diagnosis and necessary management. Case report: We report the case of a 14-year-old teenager with recurrent pain in the right lower quadrant that started four weeks ago. He had searched health services for a few times, being medicated and sent back home. He returned referring new episode of abdominal pain, fever and one episode of vomiting 3 days before. Final comments: In spite of still being seen as controversial diseases, this case illustrates how the lack of physician knowledge amongst vermiform appendix affections delays the diagnosis and treatment of these patients. Key words: Chronic Appendicits. Recurrent Appendicitis. Acute Appedicitis. Descritores: Apendicite Crônica. Apendicite Recorrente. Apendicite Aguda Introdução A apendicite crônica e a apendicite recorrente são doenças vistas como incertas e controversas ao aventar-se os diagnósticos diferenciais de dor localizada em quadrante inferior direito do abdome. De fato, a apendicite aguda é a doença mais comum do apêndice cecal, sendo seu diagnóstico primariamente clínico, realizado em função dos sinais e sintomas mais frequentes. Sua etiologia está associada à obstrução da luz apendicular, ocorrendo com maior frequência crianças em idade escolar, adolescentes e adultos jovens1. A apendicite crônica e a recorrente são, por sua vez, entidades distintas da apendicite aguda e suas eitologias ainda não estão bem definidas. Algums autores sugerem que a dor recorrente no quadrante inferior direito dá-se devido à obstrução incompleta da luz do apêndice ou a desproporção na produção de muco2. O critério para diagnóstico de apendicite recorrente é definido por: apresentação de crises recorrentes de dor em quadrante inferior direito do abdômen – com ou sem outros sintomas e sinais sugestivos de apendicite aguda – que culminam em apendicectomia com melhora da dor após a cirurgia. A histopatologia demonstra processo inflamatório agudo do apêndice3. O critério para o diagnóstico de apendicite crônica constitui-se na dor crônica, com duração acima de um mês, em quadrante inferior direito, pelo achado cirúrgico e histopatológico de processo inflamatório crônico com ou sem fibrose e pela melhora dos sintomas após apendicectomia3. Uma revisão de literatura estimou que a incidência de apendicite recorrente e apendicite crônica é de 10% e 1%, respectivamente, dentre todos os casos de apendicite5; outra revisão com 205 pacientes operados revela uma incidência de 10% de apendicites 1) Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Preceptor de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Correspondência: Rua Dr. Oswaldo Cruz, 172 ap. 13 - 11045-100, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 2014; publicado online em: 2014. 82 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 82 - 84, jul / ago / set 2014 recorrentes e de 1,5% de apendicites crônicas4 e idade média entre 40 e 45 anos3. Relato de caso Paciente do sexo masculino de 14 anos de idade, admitido no Hospital Ana Costa apresentando quadro de dor abdominal em quadrante inferior direito do abdome, de moderada intensidade, há três dias. Referia um episódio de vômito e um episódio de febre aferida (38o C) nesse período. Quando questionado sobre as características da dor, o paciente referiu início de desconforto abdominal no mesmo local e inapetência havia cerca de quatro semanas com períodos de melhora, não procurando auxílio médico. Há 15 dias sentiu novamente dor abdominal, procurando atendimento médico, sendo medicado e liberado para casa com melhora do quadro alguns dias depois. Seu exame físico não possuía alterações, exceto pelo exame abdominal que encontravase plano, flácido, doloroso a palpação superficial e profunda de fossa ilíaca direita, presença de massa palpável e dolorosa em mesma região, ruídos hidro-aéreos presentes e descompressão brusca negativa. Exames laboratoriais: hemograma sem alterações; urina I sem alterações; PCR 57,3. Indicou-se apendicectomia, realizada poucas horas após a internação. No intra-operatório, identificou-se apêndice cecal inflamado, bloqueado e firmemente aderido às estruturas adjacentes, sendo feita suspeita de apendicite crônica devido à história e aos achados intra-operatórios. O apêndice cecal foi enviado para a Anatomia Patológica, no qual foi evidenciado processo inflamatório agudo. Com base no quadro clínico, achado intra-operatório, estudo anatomopatológico e na melhora dos sintomas após apendicectomia, ficou definido diagnóstico de apendicite recorrente. Figura 1 – Apêndice cecal aderido ao ceco. Figura 2 – Apêndice cecal após apendicectomia. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 82 - 84, jul / ago / set 2014 Discussão Nas primeiras décadas do século 20, o diagnóstico de apendicite crônica era rotineiramente utilizado para explicar situações de dor abdominal crônica ou recorrente, justificando a apendicectomia4. Em 1940, uma revisão de 385 pacientes com dor abdominal crônica ou recorrente e submetidos à apendicectomia, 255 tinham história clínica incompatível com apendicite; desses, apenas dois foram curados e 60 relataram piora ou não alteração do quadro. Dos 130 pacientes com história clínica compatível com apendicite aguda ou recorrente, 92% tiveram cura ou melhora do quadro no pósoperatório. Concluiu-se que a falta de conhecimento tanto da fisiopatologia quanto dos aspectos clínicos da apendicite crônica e da apendicite recorrente resultava em malefício para o doente no pós-operatório4; desde então a existência da apendicite crônica e recorrente foi questionada, tornando seu diagnóstico controverso5. Apesar da dúvida em torno da existência da apendicite crônica e da apendicite recorrente como entidades clínicas, vários autores continuaram a publicar sobre o tema; em1986, com objetivo de determinar a incidência dessas patologias, um estudo retrospectivo com 205 pacientes - com idade média de 24 anos, sendo 140 homens e 65 mulheres submetidos à apendicectomia – avaliando história clínica e exame histopatológico resultou em: 1,5% dos casos como apendicite crônica devido sinais de inflamação crônica ao exame histopatológico;10% dos casos como apendicite recorrente devido a exame histopatológico com inflamação aguda e história clínica de dor recorrente; 10% dos casos apendice sem alterações (apendicectomia branca)4. Em sua conclusão o autor reforça a existência tanto da apendicite crônica quanto da recorrente apesar da controvérsia em torno do assunto6. Buscando entender um pouco mais sobre a fisiopatologia da apendicite crônica e recorrente realizou-se, em 2008, um estudo retrospectivo que tinha como objetivo relacionar algumas variáveis como idade, coproestase e fecalito com a ocorrência de apendicite crônica e recorrente em 427 pacientes submetidos a apendicectomia. Os autores concluíram que a coproestase e a idade podem estar relacionadas com a ocorrência dessas patologias, respectivamente (P = 0.0032) e (P = 0.0077); já o fecalito não tem qualquer significância estatística2. Em 2001, um artigo de revisão de literatura e apresentação de casuística, avaliou retrospectivamente dez pacientes, com distribuição similar quanto ao sexo, todos submetidos a apendicectomia, sendo seis pacientes com diagnóstico apendicite recorrente e quatro com diagnóstico de apendicite crônica, mostrando uma idade média entre os pacientes de 42 anos e o tempo médio entre o início dos sintomas e a resolução cirúrgica de 22,7 meses. Os autores também relacionaram em seu trabalho os diagnósticos iniciais dos doentes (gastroenterites, aderências pélvicas, diverticulite, doença de Crohn, sub oclusão intestinal e dor abdominal a esclarecer) e os resultados dos exames anatomopatológicos, reforçando as caracerísticas histopatológicas tanto da apendicite recorrente quanto da apendicite crônica3. Assim como descrito na literatura, o caso apresentado demostra a inespecificidade dos sinais e sintomas que geralmente são apresentados pelos pacientes com apendicite recorrente ou mesmo apedicite crônica7. É evidente a importância de uma anamnese bem feita, com especial atenção às características semiológicas da dor referida pelo paciente, principalmente no que diz respeito à recorrência da dor referida em quadrante inferior direito de abdome; ressaltamos também a ausência da dor migratória para fossa ilíaca direita, um dos sinais mais característicos da apendicite aguda1 – fazendo com que médicos menos experientes ou mesmo desconhecedores das dessas outras afecções do apêndice cecal não suspeitem do acometimento desse órgão.Outro ponto importante é a apresentação de leucograma normal, como no caso apresentado, sendo que algumas vezes pode existir discreta alteração desse exame7. Quanto ao tratamento, o uso de medicações como analgésicos ou 83 mesmo antibióticos, como no caso descrito, podem melhorar transitoriamente os sintomas3, retardando o diagnóstico e tratamento efetivo desses pacientes, fazendo com que procurem várias vezes os serviços de saúde sem encontrar solução adequada. Isso prolonga o sofrimento desses doentes que, segundo a literatura, podem levar meses ou anos até o diagnóstico e resolução cirúrgica3, sendo desta maneira, a apendicectomia o melhor tratamento para esses pacientes3,5,6. Apesar de ainda serem vistas como controversas e ainda não terem suas etiologias bem esclarecidas2 – necessitando de mais estudos para esse fim – a apendicite recorrente e apendicite crônica são doenças distintas e bem caracterizadas sendo, porém, pouco incidentes6. Alguns autores3,5 defendem sua importância e chamam a atenção da necessidade de uma maior produção de informação e divulgação do tema. Apendicite recorrente e apendicite crônica não devem ser vistas como diagnósticos duvidosos ou incertos, mas sim como parte do repertório de diagnósticos diferenciais nos casos de dor de longa duração no quadrante inferior direito do abdome3. Referências 1. Brenner AS, Santin J, Virmond NF, Boursheid T, Valarini R, Rydygier R. Apendicectomia em pacientes com idade superior a 40 anos: análise dos resultados de 217 casos. Rev Bras Colo-proctol. [serial on the Internet]. 2006 June [cited 2013 Dec 22] ; 26( 2 ): 128-132. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010198802006000200003&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S010198802006000200003. 2. Sgourakis G, Sotiropoulos GC, Molmenti EP, Eibl C, Bonticous S, Moege J et al. Are acute exacerbations of chronic inflammatory appendicitis triggered by coprostasis and/or coproliths? World J Gastroenterol. 2008;14(20):3179-3182. Available from: URL: h t t p : / / w w w. w j g n e t . c o m / 1 0 0 7 - 9 3 2 7 / 1 4 / 3 1 7 9 . a s p DOI: http://dx.doi.org/10.3748/wjg.14.3179 3. Rocha JJR, Aprilli F, Feres O, Garcia R, Joviliano OFD. Apendicite crônica e apendicite recorrente: Artigo de revisão e apresentação de casuística. Acta Cir Bras. [serial on the Internet]. 2001 [cited 2013 Dec 22]; 1 6 ( S u p p l 1 ) : 7 8 - 8 1 . A v a i l a b l e f r o m : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010286502001000500022&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S010286502001000500022 4. Alvarez W. When should one operate for "chronic appendicitis" JAMA. 1940;114:1301. 5. Hawes AS, Whalen GH. Recurrent and chronic appendicitis: the other inflammatory conditions of the appendix. Am Surg.1994;60:217. 6. Crabbe MM, Norwood SH, Robertson HD, Silva JS. Recurrent and chronic appendicitis. Surg Gynecol Obstet. 1986;163:11-3. 7. Lai DH, Chuang CH, Yu JC, Hsieh CB, Wu HS, Lin CH. Chronic or recurrent appendicitis?. Rev Esp Enf Dig (Madrid). 2007;99(10):613-5. 84 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 82 - 84, jul / ago / set 2014 Relato de Caso Neoplasia gástrica e tuberculose peritoneal Gastric cancer and peritoneal tuberculosis Maria Lopes Grezos1, Sueli Monterroso da Cruz 2 RESUMO O peritônio é sítio frequente de envolvimento abdominal pela tuberculose. Geralmente, a suspeita pode ser feita a partir de um exame de imagem, como tomografia computadorizada ou videolaparoscopia. Alguns sinais tomográficos são bastante indicativos de tuberculose peritoneal e permitem pressupor o seu diagnóstico, que é confirmado por exames laboratoriais e biópsia por meio da laparoscopia. A carcinomatose peritoneal é o seu principal diagnóstico diferencial. Nesse trabalho, relatase um caso de paciente portadora de neoplasia gástrica cursando com suspeita de carcinomatose peritoneal, porém, após exames de elucidação diagnóstica, foi confirmada a tuberculose peritoneal, sendo iniciado tratamento padrão para tuberculose, com boa resposta. Descritores: Tuberculose Peritoneal. Câncer Gástrico. Peritôneo. ABSTRACT The peritoneum is a frequent site of involvement by abdominal tuberculosis. Generally, the suspicion can be made ? from an imaging such as computed tomography or laparoscopy. Some tomography signs are quite indicative of peritoneal tuberculosis and allow assuming your diagnosis is confirmed by laboratory tests and biopsy atrvés laparoscopy. The peritoneal carcinomatosis is the main differential diagnosis. In this work, we report a case of a patient with cancer gátrica attending with suspected peritoneal carcinomatosis, but after exams laboratory diagnosis was confirmed peritoneal tuberculosis, starting the standard treatment for tuberculosis with good response. Key words: Peritoneal Tuberculosis. Gastric Cancer. Peritoneum. Introdução Relato de caso A incidência da tuberculose vem aumentando em todo o mundo, tanto em pacientes imunodeprimidos, quanto nos imunocompetentes, principalmente a partir da década de 80 e, hoje, pode ser considerada um problema de saúde pública¹. No Brasil, segundo dados do Datasus, as taxas de incidência de 1990 a 2004 mostram uma leve tendência à redução, enquanto o número absoluto de novos casos mantém-se relativamente estável. Nas regiões Norte e Nordeste, estão os estados com as piores taxas, sendo ultrapassada apenas pelo Estado do Rio de Janeiro. A tuberculose peritoneal é classificada como: tuberculose peritoneal úmida, quando associada à ascite, tuberculose peritoneal seca, na ausência de ascite e ainda necrose caseosa. A forma seca é muito rara². A tuberculose peritoneal pode envolver diversas estruturas, como trato gastrointestinal e geniturinário, órgãos sólidos (fígado, baço, pâncreas), a vesicula biliar e aorta abdominal e seus ramos, o peritoneo ou linfonodos, havendo sobreposição dessas formas³. A tomografia computadorizada tem sido utilizada como método de escolha não invasivo na suspeita de doença peritoneal4. Entretanto, especificamente, em relação aos achados de imagem, a tuberculose peritoneal pode mimetizar uma série de doenças, por exemplo, a carcinomatose peritoneal. Alguns aspectos de imagem podem ajudar o radiologista a estabelecer um diagnóstico com razoável precisão, orientando na sua confirmação e conduta. Paciente feminina, 65 anos, com antecedente pessoal de dislipidemia e glaucoma, portadora de neoplasia gástrica operada em agosto de 2012, T4N0MO EC IIb, em programação de tratamento quimioterápico adjuvante evolui com ascite e derrame pleural bilateral, maior à direita, piora clínica, astenia e perda de peso. Submetida à paracentese e toracocentese diagnóstica com pesquisa de citologia oncótica e cell block, que resultaram negativas para o diagnóstico de neoplasia. Entretanto, evoluiu com anorexia, perda de peso e refez o derrame pleural e ascite, com massa anexial à esquerda ao exame físico e à tomografia de abdome, que não evidenciava outras alterações. Foi iniciada quimioterapia na suspeita de progressão de doença. Concomitantemente, prosseguiu-se com a investigação, submetendo-se-a à biópsia pleural e biópsia de implante peritoneal obtido por videolaparoscopia diagnóstica na suspeita de carcinomatose peritoneal. As biópsias resultaram negativas para neoplasia, porém, em implante peritoneal com peritonite crônica granulomatosa, quando foi aventada possibilidade de tuberculose. Realizada revisão de lâmina, confirmou-se a hipótese diagnóstica de tuberculose peritoneal. Foi solicitado PPD, que resultou em reator forte. Iniciou tratamento padrão para tuberculose com RIPE (Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamida e Etambutol), evoluindo com melhora clínica, ganho de peso, sem recidiva de serosite. 1) Estagiária de Oncologia Hospital Ana Costa, Santos/SP. 2) Oncologista Clínica, Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Oncologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Pedro Américo, 60, Santos, SP. E-mail: [email protected] Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em /2014; publicado online em: /2014. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 85 - 86, jul / ago / set 2014 85 Discussão O peritôneo é um local incomum da tuberculose extra-pulmonar, causada pelo Mycobacterium tuberculosis . Comumente, a tuberculose peritoneal desenvolve-se a partir da reativação de focos latentes no peritôneo e, mais raramente, por disseminação transmural ou contiguidade com a cavidade peritoneal. Os sinais e sintomas são inespecíficos, podendo apresentar-se como dor abdominal, distensão, febre, perda de peso, fraqueza, sudorese e sendo o principal achado a ascite6. O diagnóstico deve ser investigado em todos os pacientes com ascite linfocítica inexplicável, com gradiente soro-albumina <1,1g/dl. O padrão-ouro é o crescimento da cultura de Mycobacterium em líquido ascítico ou biópsia peritoneal7. Por isso, havendo disponibilidade no serviço, a laparoscopia com biópsia dirigida tem se mostrado o melhor meio para um rápido e específico diagnóstico8. Normalmente, no peritôneo, podemos encontrar linfonodomegalia ou múltiplos nódulos esbranquiçados. A biópsia pode revelar granulomas caseosos em 100% pacientes e é positivo para bacilos BAAR em até 74% 9. O câncer gástrico é uma das principais causas de morte no mundo. No Brasil, as estimativas para o ano de 2012 apontaram para 12670 casos novos, com risco estimado de 13 casos novos a cada 100mil homens e 7 a cada 100mil mulheres10. O câncer gástrico geralmente se apresenta com sintomas pouco específicos e vagos. Dentre os sintomas mais frequentes estão: perda de peso, fadiga, anorexia, sensação de plenitude gástrica, epigastralgia, disfagia, náuseas, desconforto abdominal e melena. Nenhum sintoma é específico, sendo motivo do atraso no diagnóstico e facilmente confundido com outras doenças. Na doença avançada, o tumor pode apresentar-se com ascite, hepatomegalia, icterícia, massa palpável abdominal e carcinomatose peritoneal. Na carcinomatose peritoneal, observam-se com mais frequência: espessamento multinodular do peritôneo, linfonodomegalia homogênea e retroperitoneal, nódulos hepáticos ou omental cake, caracterizada por espessamento e densificação da gordura omental, formando massa e presente em até 40% dos casos11. O sinal tomográfico mais comum para diferenciar a tuberculose peritoneal da carcinomatose peritoneal é que, na primeira, é liso e regular e, na segunda, assume aspecto nodular e irregular11. Os sítios neoplásicos primários mais comuns de disseminação peritoneal são os tumores do trato gastrointestinal (estômago, cólon, apêndice, vesícula biliar e pâncreas), ovário, mama, pulmão e útero12 que constituem diagnóstico diferencial de tuberculose peritoneal. Pelo menos dois estudos procuraram diferenciar a tuberculose peritoneal da carcinomatose peritoneal por intermédio da tomografia. Esses estudos demonstram sinais mais específicos para sugerir diagnóstico de tuberculose peritoneal que são os macronódulos mesentéricos e anormalidades esplênicas, incluindo esplenomegalia e calcificações. Por outro lado, o achado mais sugestivo de carcinomatose peritoneal é o espessamento irregular do omento13. Diagnóstico diferencial de tuberculose peritoneal inclui outras doenças granulomatosas como a sarcoidose e amiloidose sistêmica, processos infecciosos como peritonites e formas malignas, como o linfoma, o mesotelioma e a carcinomatose peritoneal13. Este último é um desafio para a equipe médica, sendo o diagnóstico confirmado apenas por intermédio de procedimentos invasivos, como a peritonioscopia ou a laparotomia exploradora. O risco maior de tuberculose peritoneal é em pacientes portadores de hepatopatia crônica, infecção por HIV, diabetes mellitus, tratamento com interferon, em diálise peritoneal contínua e imunodeprimidos em geral. É importante observar que os marcadores tumorais, por exemplo, o CA125, podem estar muito elevados também na tuberculose peritoneal, como já descrito na literatura14. 5 86 O tratamento da tuberculose peritoneal segue os mesmos princípios de seleção e regimes utilizados no tratamento da tuberculose pulmonar. A febre geralmente se resolve em uma semana após o início do tratamento antituberculoso. Mais de 90% dos pacientes tiveram melhora da ascite abdominal dentro de algumas semanas. Durante a investigação de possível progressão de doença tumoral, realizado diagnóstico de tuberculose peritoneal a partir de videolaparoscopia com biópsia, mostrando a importância dessa ferramenta. A tuberculose peritoneal é de difícil diagnóstico e deve ser sempre lembrada como diagnóstico diferencial em pacientes imunossuprimidos ou imunocompetentes com quadro arrastado de ascite inexplicável. Referências 1. Jadvar H, Mindelzun RE, Oncott EW, Levitt DB. Still the great mimicker: abddominal tuberculosis. AJR Am J Roentgenol. 1997;68:1455-60. 2. Hoshi S. A case of dry form tuberculos peritonitis with difficult differencial diagnosis from pseudomyxoma peritonei. Jap J Gastroenterol. 1991;88:2681-5. 3. Zissin R, Gayer G, Chowers M, Shapiro-Feinberg M, Kots E, Hertz M. Computerized tomography findings of abdmoninal tuberculosis: report of 19 cases. Isr Med Assoc J. 2001;3:414-8. 4. Suri S, Gupta S, Suri R. Computed tomography in abdominal tuberculosis. Br J Radiol. 1999;72:92-8. 5. Mehta JB, Dutt A, Harvill L, Matheus KM. Epidemiology of extrapulmonary tuberculosis. A comparative analysis with pre-AIDS. Chest. 1991;99(5):1134-8. 6. Marshall JB. Tuberculosis of the gastrointestinal tract end peritoneum. Am J Gastroenterol. 1993;88(7):989-99. 7. Sanai FM, Bzeizi KY. Systemic review: tuberculos peritonitis presenting features, diagnostic strategies and treatment. Aliment Pharmacol Ther. 2005;22:685-700. 8. Kapoor VK. Abdominal tuberculosis. Postgrade Med J.1998;74(874):45967. 9. Manohar A, Simjee AE, Haffejee AA, PeHengell KE. Symptoms and investigative findings in 145 patients with tuberculos peritonitis diagnosed by peritoneoscopy and biopsy over a five year periodi. Gut. 1990;31(10):11302. 10. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. (internet). Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2011[cited 2011 dez15]. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/estimativa20122111.pdf 11. Rodriguez E, Pombo F. Peritoneal tuberculosis versus peritoneal carcinomatosis: distinction basead on CT findings. J Comput Assist Tomogr.1996;20:269-72. 12. Ha HK, Jung JL, Lee MS, Suh BK, Kim AY. CT differentiation of tubercolos peritonitis and peritoneal carcinomatosis. AJR Am J Roentgenol. 1996;167:743-8. 13. Pikhardt PJ, Bhalla S. Unusuall nonneoplastic peritoneal and subperitoneal conditions: CT findings. Radiographics. 2005;25:719-30. 14. Wu JF, Li HJ, Lee PI, Ni YH, Yu SC, Chang MH. Tuberculos peritonitis mimicking peritonitis carcinomatosis: a case report. Eur J Pediatr. 2003;162:853-5. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 85 - 86, jul / ago / set 2014 Relato de Caso Esclerodermia e afecções pulmonares Scleroderma and lung disease Andressa Del Buono Vanni1 Waldimir Carollo dos Santos2 RESUMO Introdução: A esclerodermia é um estado inflamatório crônico do tecido conjuntivo, de etiologia desconhecida. O envolvimento pulmonar é mais comum do que outras desordens do tecido conjuntivo. As complicações pulmonares são as causas mais frequentes de morte em pacientes com esclerodermia e a doença pulmonar vascular tem particularmente um efeito negativo no prognóstico. Relato de caso: O presente relato descreve o caso de um extenso acometimento pulmonar, presença de hipertensão arterial pulmonar e as complicações pulmonares da doença. A paciente foi internada com quadro de dispnéia e febre. No segundo dia de internação, evoluiu com piora do quadro respiratório, sendo transferida para UTI. Como antecedente pessoal paciente apresentava esclerodermia, fibrose pulmonar e hipertensão arterial pulmonar. Descritores: Esclerodermia. Doença Pulmonar. Envolvimento Pulmonar. Hipertensão Pulmonar. Doença intersticial Introdução A esclerodermia (esclerose sistêmica progressiva) é um estado inflamatório crônico do tecido conjuntivo. Caracterizada por apresentar alterações vasculares ao nível dos vasos de pequeno e médio calibre, é de instalação insidiosa e evolução progressiva. É uma colagenose de etiologia desconhecida (caráter auto-imune), cosmopolita, cuja incidência varia de 0,6 a 19,1/milhões de habitantes, sendo mais frequente no sexo feminino (2 a 8: 1), sem predileção por grupos raciais e atingindo maior incidência entre a quinta e sexta década de vida1. O envolvimento pulmonar é mais comum do que outras desordens do tecido conjuntivo e é visto em torno de 80 -90% dos pacientes2. O envolvimento pulmonar pode estar na forma de doença do parênquima (pneumonia intersticial não específica), pneumonia intersticial específica, pneumonia aspirativa; doença vascular (hipertensão arterial pulmonar, hemorragia pulmonar); doença das vias aéreas (bronquiolite, doença pulmonar obstrutiva); doença pleural (pleurite); ou inclassificável (pneumotórax espontâneo, câncer de pulmão associada à cicatriz)3. A diferenciação entre doença intersticial pulmonar, hipertensão arterial pulmonar e outras causas de dispneia em pacientes com esclerodermia pode ser clinicamente difícil. Os sintomas respiratórios podem não ser específicos e o estágio inicial da ABSTRACT Introduction: Scleroderma is a chronic inflammation of the connective tissue of unknown etiology. Pulmonary involvement is more common than in other connective tissue disorders. Pulmonary complications are the most frequent causes of death in patients with scleroderma and pulmonary vascular disease have a particularly negative effect on prognosis. Case report: This is the case of an extensive pulmonary involvement, presence of pulmonary hypertension and pulmonary complications of the disease. The patient was admitted with dyspnea and fever. On the second day of hospitalization, she evolved with worsening respiratory symptoms being transferred to UTI. As a patient s history had scleroderma, pulmonary fibrosis and pulmonary hypertension. Key words: Scleroderma. Lung Disease. Pulmonary Involvement. Pulmonary Hypertension. Interstitial Lung Disease. fibrose pulmonar passar despercebido4. As complicações pulmonares são as causas mais frequentes de morte em pacientes com esclerodermia5,6 e a doença pulmonar vascular tem particularmente um efeito negativo no prognóstico7. Relato de caso Paciente de 39 anos, do sexo feminino, proveniente do Maranhão, residente em Santos foi internada no Serviço de Pneumologia do Hospital Ana Costa, com queixa de febre (38ºC) e dispnéia havia três dias. A tomografia computadorizada de tórax mostrou mínimo derrame pleural bilateral e opacidades broncopneumônicas de padrão misto. No segundo dia de internação, foi transferida para a UTI, devido à piora da dispnéia, com prescrição de Meropenem 1g IV 8/8h, Vancomicina 1g IV 12/12h e Moxifloxacino 400mg IV 1x/dia. Apresentou melhora do quadro, recebendo alta para enfermaria. Havia sido diagnosticada esclerodermia aos 19 anos, sendo a primeira manifestação o fenômeno de Raynaud. Realizava acompanhamento anualmente e fazia uso de Nifedipino 10mg 1x/dia, corticóide e D-penicilamina 300mg 1x/dia. Aos 29 anos, refere aparecimento de fibrose pulmonar em TC de controle, passando a fazer uso somente de ciclofosfamida, sendo suspensa a medicação devido à cistite hemorrágica. A partir daí, começou a usar Azatioprina e fazer TC de tórax de controle anualmente e 1) Residente de Clínica Médica 2) Chefe do Serviço de Pneumologia e Preceptor de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP. Instituição: Serviço de Pneumologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua José de Albuquerque Medeiros,738 ap. 20, São Paulo/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em:/2014; publicado online em :/2014 Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 87 - 88, jul / ago / set 2014 87 prova de função pulmonar. Após cinco anos, passou a usar somente Anlodipino 5mg 1 x/dia. Como houve manifestação da fibrose pulmonar e piora da função pulmonar, começou o uso de Micofenolato de sódio 500mg VO 12/12h. Fez uso da medicação por dois anos e realizava TC de tórax e prova de função pulmonar a cada três meses. Nesse período, não apresentou manifestação da doença, sendo suspensa a medicação. Após quatro anos, apresentou alteração na prova de função pulmonar (FVC: 44%, DLCO: 25%) e hipertensão artéria pulmonar (pressão sistólica máxima em artéria pulmonar estimada em 46mmHg). Reiniciou o uso de Micofenolato de sódio 1000mg de 12/12h. Em fevereiro de 2013, paciente refere dispnéia súbita e dor torácica à esquerda, após, dois dias antes, dor de forte intensidade em membro inferior esquerdo. Foi realizado TC de toráx com diagnóstico de TEP, sendo medicada com Enoxaparina sódica dose plena e Varfarina, com melhora dos sintomas. Desde então, usa de forma contínua Micofenolato de sódio 720mg de 12/12h, Varfarina 5mg ao dia e Anlodipino 5mg ao dia. systemic sclerosis and their relationship to outcome. Am J Respir Crit Care Med. 2002;165:1581- 6. 4. Latsi PL, Wells AU. Evaluation and management of alveolitis and intersticial lung disease in scleroderma. Curr Opin Rheumatol. 2003;15:74855. 5. Minai OA, Dweik RA, Arroliga AC. Manifestations of scleroderma pulmonar disease. Clin Chest Med. 1998;19(4):713-31. 6. Arroliga AC, Podell DN, Matthay RA. Pulmonary manifestations of scleroderma. J Thorac Imaging. 1992;7(2):30-45. 7. Koh ET, Lee P, Gladman DD, Abu-Shakra M. Pulmonary hypertension in systemic sclerosis: an analysis of 17 patients. Br J Rheumatol. 1996; 35(10):989-93. 8. Von Mohalen CA, Tan EM. Autoantibodies in the diagnosis of systemic rheumatic diseases. 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O quadro pulmonar esclerodérmico completa-se com cor pulmonale progressivo e hipertensão pulmonar secundária1,9. A hipertensão pulmonar ocorre em 10% a 40% dos casos (com ou sem fibrose), em geral associada à pneumofibrose e ao cor pulmonale, sobretudo em pacientes acometidos pela forma ESP limitada, com longo tempo de evolução1. A avaliação radiológica convencional se revela positiva em 20% a 53% dos pacientes. Inicialmente, revela infiltrado reticulonodular fino nas bases, evoluindo para infiltrados nodulares densos e áreas císticas subpleurais, configurando a imagem clássica de pulmão em favo de mel1. O faveolamento, como a fibrose pulmonar idiopática, afeta negativamente a sobrevivência. É recomendado que a tomografia deva ser realizada na fase precoce da doença e deve ser repetida periodicamente, pelo menos uma vez por ano, a fim de detectar as alterações parenquimatosas antes das significativas alterações fibróticas10, como no caso descrito, onde a paciente fez o diagnóstico de fibrose pulmonar em um exame realizado para controle da doença. A sobrevivência diminui significativamente após envolvimento pulmonar em pacientes com esclerodermia. PAH é o fator mais importante que reduz a sobrevivência. Aparecimento da doença em paciente jovem e aparência de favo de mel na tomografia são também indicativos de mau prognóstico. Ecocardiograma, testes de função pulmonar e TCAR devem ser realizados nas fases iniciais da doença e devem ser repetidos regularmente para diagnosticar alterações pulmonares intersticiais, PAH antes do aparecimento do envolvimento pulmonar vascular irreversível10. Referências 1. Moreira C, Carvalho MAP. Noções prática de reumatologia. Belo Horizonte: Health; 1996. 2. Du Bois RM. Mechanisms of scleroderma- induced lung disease. Proc Am Thorac Soc. 2007;4:434-8. 3. Bouros D, Wells AU, Nicholson AG, Colby TV, Polychronopoulos V, Pantelidis P. Histopathologic substes of fibrosing alveolitis in parients with 88 Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 87 - 88, jul / ago / set 2014 Relato de Caso Fasciíte necrosante fatal em paciente com psoríase universal Fatal necrotizing fasciitis in a patient with universal psoriasis Camila Mendes Cardoso Coelho1 Danilo Abrantes Coelho2 RESUMO Fasciíte necrosante é um infecção bacteriana destrutiva e rapidamente progressiva do tecido subcutâneo e fáscia superficial, associada a alta taxa de mortalidade. É relatado o caso de um paciente adulto de 52 anos, com quadro de psoríase universal que apresentou infecção grave, com necrose extensa e rapidamente progressiva do tecido celular subcutâneo e fáscia muscular, associado à gangrena de pele e choque séptico refratário. Apesar do tratamento com desbridamento cirúrgico amplo e antibioticoterapia, o paciente evoluiu para óbito. Esta descrição enfoca a necessidade de diagnóstico precoce e tratamento combinado para abordagem dessa grave infecção. ABSTRACT Necrotizing fasciitis is a destructive and quickly progressive bacterial infection of the subcutaneous layer and superficial fascia, associated with high mortality rates. The case reported is a 52 years adult patient, with universal psoriasis, that developed an extensive and progressive necrosis of the subcutaneous cellular tissue and muscle fascia, with skin gangrene e toxicshock syndrome. Despite the treatment with wide surgical debridement and antibiotic therapy, the patient died. This description emphasizes the need of early diagnosis and combined treatment for the approach of this serious infection. Key words: Necrotizing Fasciitis. Necrotizing Fasciitis/ Diagnosis. Necrotizing Fasciitis/ Treatment. Descritores: Fasciíte Necrosante. Fasciíte Necrosante/Diagnóstico. Fasciíte Necrosante/Tratamento . Introdução Relato de caso A fasciíte necrosante é uma infecção bacteriana do tecido subcutâneo e fáscia superficial, que pode poupar pele e musculatura, com rápida progressão e alta taxa de mortalidade1,2. Sua incidência não está bem estabelecida, mas o Center for Disease Control (CDC) estima 500 a 1500 novos casos por ano nos EUA3. No Brasil, não há dados suficientes. O Streptococcus hemolítico do grupo A e o Staphyloccus aureus são as bactérias mais frequentemente isoladas. Outros microrganismos anaeróbios e aeróbios como Bacteroides, Clostridium, Peptostreptococcus, Enterobacteriaceae, coliformes, Proteus, Pseudomonas e Klebsiella também são causadores da infecção1. Os fatores de risco incluem doenças crônicas, imunossupressão, úlceras isquêmicas, varicela em crianças, psoríase e traumas cutâneos penetrantes ou fechados1,3. O diagnóstico é eminentemente clínico e o tratamento baseia-se no desbridamento cirúrgico de toda área necrótica, associado à antibioticoterapia de amplo espectro. É relatado um caso de fasciíte necrosante em região coxofemoral direita em um paciente com psoríase universal. Paciente do gênero masculino, 52 anos, com antecedente de psoríase universal e hipertensão arterial, foi admitido com queixa de lesão em região coxofemoral direta, dor local e febre há dois dias. Ao exame, apresentava-se em regular estado geral, corado, desidratado, afebril, acianótico e eupnéico, com flogose intensa em região coxofemoral direta, com saída de secreção purulenta, de odor fétido e dor refratária à morfina. Exames laboratoriais da internação mostravam leucocitose de 17000, com 5 metamielócitos, 27 bastões, PCR = 594,6 e creatinina sérica de 4,1. Foram colhidas hemoculturas, realizada reposição volêmica e introduzidos antibióticos Ceftriaxone (1 g 12/12horas) e Clindamicina (600mg 6/6 horas). Dez horas depois da admissão, paciente evoluiu com insuficiência respiratória aguda, cianose central, tempo de enchimento capilar aumentado, oligúria e hipotensão. Quando avaliada lesão cutânea, a mesma já se havia estendido para região de flanco e fossa ilíaca direita e região lombar direita, com aparecimento de lesões bolhosas, hematoma e descamação superficial da pele. O paciente foi transferido para unidade de terapia intensiva, onde sofreu intubação orotraqueal, expansão volêmica com cristalóides e foram introduzidos antibióticos de amplo espectro Meropenem (1g 12/12horas) e 1) Residente de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. 2) Chefe do serviço de Hemodiálise e Nefrologia do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Professor titular da cadeira de Nefrologia da Faculdade de Ciências Médicas de Santos Instituição: Serviço de Clínica Médica do Hospital Ana Costa, Santos/SP, Brasil. Correspondência: Rua Hércules Florence, s/n compl. B05 – 11070-905, Santos/SP, Brasil. E-mail: [email protected] Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Recebido em: 31/10/2013; aceito para publicação em: 2014; publicado online em: 2014. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 89 - 91, jul / ago / set 2014 89 Linezolida (600mg 12/12 horas). Foi realizado o diagnóstico de fasciíte necrosante, sendo submetido a desbridamento cirúrgico de tecido necrótico e drenagem escalonada. Após uma hora, permaneceu com instabilidade hemodinâmica, sendo iniciada noradrenalina (30ml/h). Em 23 minutos, entrou em assistolia, sendo realizadas manobras de ressuscitação durante 20 minutos, sem sucesso. Em hemocultura, foi isolado Streptococcus pyogenes. A Figura 1 mostra a dimensão da área acometida pela necrose. Figura 1 – Extensão da área de necrose. Discussão A fasciíte necrosante é uma infecção rara do tecido mole, que tem alta morbimortalidade. Desde 1990, a taxa de mortalidade global é em torno de 30%. Foi classificada, por meio de estudos bacteriológicos por Giuliano et al., em tipo I e tipo II. No primeiro caso, é caracterizada por flora polimicrobiana, que envolve uma espécie de anaeróbio obrigatório, em combinação com um ou mais organismos anaeróbios facultativos e enterobactérias. O tipo II é também conhecido como gangrena estreptocócica, onde se isola apenas o Streptococcus pyogenes ou em associação com Staphylococcus aureus4. O paciente relatado apresentou, portanto, fasciíte necrosante tipo II, porém, esse diagnóstico só foi possível após crescimento de culturas, o que leva alguns dias, Portanto, esse fato é indiferente para a escolha do tratamento inicial, sendo uma classificação mais teórica, sem impacto na conduta, apenas para epidemiologia da instituição. A infecção é mais provável de ocorrer em indivíduos imunocomprometidos, que sofreram trauma, usuários de droga injetáveis, alcoólatras e portadores de afecções cutâneas, como psoríase presente no caso em questão, queimados e portadores de doenças crônicas, principalmente diabetes mellitus1,3,5. Para o diagnóstico, é necessário um alto grau de suspeição6. Clinicamente se inicia com área eritematosa, dolorosa e localizada, que em dias ou horas evolui para cianose local e formação de bolhas. Na fase inicial, pode ser difícil distinguir com celulite, pois a lesão da pele pode não ter relação com a magnitude da necrose adjacente1. A dor intensa e desproporcional e leucocitose são indícios da patologia, bem como a presença de crepitação à palpação2. Os métodos de imagem são pouco específicos e não são necessários para a abordagem terapêutica cirúrgica. Eles são úteis nos casos de dúvida diagnóstica, sendo a ressonância magnética considerada superior aos demais métodos3. O padrão-ouro para o diagnóstico é a biópsia da fáscia. 90 As complicações ocorrem em aproximadamente metade dos pacientes, e se apresentam como choque tóxico estreptocócico, coagulopatia, insuficiência renal aguda, alterações hepáticas e síndrome da angústia respiratória do adulto1. O tratamento é baseado no desbridamento cirúrgico tão logo feito o diagnóstico, associado à antibioticoterapia parenteral de amplo espectro, com cobertura para gram positivo, gram-negativo e anaeróbios. A Sociedade Americana de Doenças Infecciosas indicou recentemente a associação de ampicilina-sulbactam, clindamicina e ciprofloxacino como esquema para infecções comunitárias. Nas infecções nosocomiais, indica-se a utilização de carbapenêmicos a anaerobicida, sempre de acordo com o perfil de sensibilidade das bactérias mais prevalentes na instituição3. O uso de imunoglobulina venosa é defendido por alguns autores, devido à redução na mortalidade. O mecanismo provável é a neutralização de superantígenos e deve ser considerada nos casos de hipotensão com celulite de causa desconhecida, pacientes com fasciíte necrosante tipo II e pacientes toxêmicos com cultura positiva para Streptococcus pyogenes em qualquer sítio1,3. Oxigênio hiperbárico é sugerido como método complementar para o tratamento, baseando-se no fato de que alta taxa de oxigênio resulta em aumento das células fagocitárias nas bordas da lesão. Entretanto, a falta de estudos controlados e randomizados geram dúvidas sobre sua real eficácia6. O prognóstico varia de acordo com idade do paciente, comorbidades e gravidade da síndrome séptica. Sabe-se que em pacientes mais jovens a mortalidade é menor quando comparado com pacientes com idade acima de 70 anos. O diagnóstico precoce e o rápido tratamento são essenciais para a redução da morbimortalidade. No caso apresentado, devido ao viés de confusão diagnóstica pela lesão cutânea pré-existente do paciente, a abordagem cirúrgica foi retardada até o momento que a doença já havia avançado, e o paciente apresentava complicações importantes, o que reduziram seu prognóstico. Referências 1. Costa IMC, Pontes JSP, Cabral ALSV, Amorim JF. Fasciite necrosante: revisão com enfoque nos aspectos dermatológicos. An Dermatol. 2004;79(2):211-24. 2. Stevens DL. Streptococcal toxic-shock syndrome: spectrum of disease, pathogenis, and new concepts in treatment. Emerg Infect Dis. 1995;1(3):6978. Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 89 - 91, jul / ago / set 2014 3. Soares TH, Penna JFM, Penna LG, Machado JA, Andrade IF, Almeida RC et al. Diagnóstico e tratamento da fasciíte necrosante: relato de dois casos. Rev Méd Minas Gerais. 2008;118(2):136-40. 4. Takeda M, Higashi Y, Shoji T, Hiraide T, Mario H. Necrotizing fasciitis caused by a primary appendicocutaneous fistula. Surg Today. 2012;42(8):781-4. 5. Chong AH, Burrows NP. Fatal group A Streptocaccal necrotizing fasciitis and toxic-shoch syndrome in a patient with psoriasis and chronic renal impairment. Australas J Dermatol. 2002;43(3):194-8. 6. Frota JD, Drews C, Leães P, Blacher C, Tostes F, Delatorre N et al. Postoperative necrotizing fasciitis of the torax in cardiac surgery. Arq Bras Cardiol. 2011;76(3):245-54. 7. Lamagni TL, Neal S, Keshishian JM, Powell D, Potz N, Pebody R et al. Predictors of death after severe streptococcus pyogenes infection. Emerg Infect Dis. 2009 Aug. Disp em: wwwnc.cdc.gov/eid/article/15/8/09026_article.htm Revista Médica Ana Costa, v. 19, n. 3, p. 89 - 91, jul / ago / set 2014 91 Sua saúde em boas mãos www.anacosta.com.br