a sociedade cruz vermelha e sua contratação direta

Transcrição

a sociedade cruz vermelha e sua contratação direta
A SOCIEDADE CRUZ VERMELHA E SUA CONTRATAÇÃO DIRETA
(PARECER)
Ivan Barbosa Rigolin
Sociedade Cruz Vermelha Brasileira – Contratação
direta pela Administração pública – Celebração de
convênios de cooperação – Viabilidade jurídica das
duas hipóteses. 1. Vista a documentação apresentada e
compulsados os fatos históricos respectivos, estão
presentes os três requisitos legais para a contratação
direta, por inexigibilidade de licitação, da sociedade civil
Cruz Vermelha Brasileira, de modo que juridicamente é
lícita essa pactuação. 2. Do mesmo modo, e sabida a
natureza toda diversa do contrato que os convênios
público-particulares
de
cooperação
ostentam,
é
igualmente possível, do plano jurídico, a celebração de
convênios de cooperação entre aquela sociedade civil e
os entes integrantes da Administração pública brasileira.
Honra-nos o ilustre sr. Presidente Nacional da sociedade
civil Cruz Vermelha Brasileira, dr. Walmir Moreira Serra, com uma consulta sobre
tema de interesse imediato daquela prestigiosíssima instituição.
2
O ponto central da questão é saber se aquela Cruz
Vermelha Brasileira, dadas as suas características particulares, e dentro da área
própria de seu objeto social, pode ou não ser contratada diretamente pelos entes
integrantes da Administração pública brasileira, sem licitação, e também o saber se
pode ou não celebrar convênios de cooperação, igualmente sem licitação, com os
entes públicos brasileiros.
Juntando farto material institucional que adequadamente
ilustra a história, a natureza e as realizações da entidade não apenas em nosso país
mas em todo o mundo, pede-nos fundamentado e circunstanciado parecer que
responda as indagações, ao qual passamos desde logo.
Os serviços de saúde pública no Brasil
I – A consulta versa sobre dois bem distintos temas de
direito administrativo, ambos revestidos de monumental importância nos dias que
correm em face do número de vezes em que são utilizados pelos entes da
Administração pública brasileira: contratos administrativos de serviços o primeiro, e
convênios de cooperação ou colaboração o segundo, ambos celebrados sem
licitação.
O
volume
de
ocorrências
tanto
de
contratos
administrativos celebrados diretamente quanto de convênios, igualmente diretos e
sem intermediação de procedimentos licitatórios, é assustador, quase espantoso no
dia-a-dia no conjunto das dezenas de milhares de entidades e de órgãos públicos em
nosso país.
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Ambos são celebrados geralmente entre o poder público e
um ente particular, podendo esse ente ser uma empresa paraestatal, que pertence ao
poder público apesar de instituída e regida por normas de direito privado, e apenas
algumas injunções publicísticas. Não é essa entretanto a regra mais disseminada,
porém a do contrato ou do convênio entre de um lado o poder público e de outro
uma entidade privada, particular.
E o motivo disso é simples: o poder público ao contratar
ou conveniar com particulares visa deles obter a agilidade de procedimentos, a
presteza nas soluções e a inegável eficiência que sempre contrapõe a iniciativa
privada e o poder público, engessado permanentemente por normas legais e por
infinitos regramentos procedimentais tremendamente burocráticos e por isso mesmo
emperrados, sujeitos a mil incidentes, contratempos e intercorrências que não raro
multiplicam desanimadoramente os planejamentos governamentais e todos os prazos
previstos, a ponto de desencorajar o funcionário mais eficiente, e em seguida o
cidadão mais otimista. Visando minimizar um tal estado de coisas é que o poder
público lança mão da colaboração privada.
Quanto aos objetos, tanto de contratos quanto de
convênios,
variam indefinidamente de alfa a ômega, sem restrição nem limite
conhecidos além do desempenho de funções privativas do Estado como o são a
magistratura, o ministério público, os tribunais de contas, a diplomacia, a tributação
e o fisco, ou a polícia judiciária entre poucas outras mais. Exclusivamente para tais
funções - que literalmente se contam nos dedos – não se admite senão o próprio
poder público a prestá-las, jamais cabendo imaginar um particular contratado ou
conveniado pelo Estado para exercer aquelas atribuições.
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Em todo o mais porém,
que não sejam atribuições
exclusivas ou privativas do Estado, a figura do particular sempre pode estar presente
na prestação de serviços públicos ou de utilidade pública, tanto através de contratos
administrativos, licitados ou diretos, quanto de convênios de colaboração – e aqui,
como ser verá na seqüência, a licitação não faz qualquer sentido.
II – O objeto fundamentalíssimo da sociedade civil Cruz
Vermelha, e não apenas o seu capítulo brasileiro como o de toda a organização
internacional, é a prestação de serviços de saúde. Ao desavisado causa até mesmo
alguma surpresa imaginar que a entidade, conhecida pela generalidade da população
do planeta há mais de um século, presta e desenvolve outros serviços que não os
relativos a saúde, ainda que correlatos, mas ela o faz. E quanto à saúde a
Constituição brasileira no art. 194 a incluiu dentre as três prestações do sistema
nacional de seguridade social, sendo as outras duas a previdência social e a
assistência social.
Mais importante que isso, estabeleceu a Carta que
“Art. 196 A saúde é direito de todos e
dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e
recuperação.
Art. 197 São de relevância pública as
ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros
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e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
(Destaque nosso).
Desse modo se percebe que a prestação dos serviços de
saúde, ainda que constituam um dever incontornável do Estado e um direito
inalienável do cidadão, não é “atividade exclusiva de Estado”, tal qual é a
diplomacia ou a magistratura, serviços esses cuja execução jamais pode ser
terceirizada.
A execução dos serviços de saúde pode ser, por expressa
disposição constitucional, art. 197, a significar que o constituinte sabe perfeitamente
que o Estado, por seus meios próprios, não tem a menor condição de se desincumbir
dos serviços de saúde devidos à população brasileira. Assim, permitiu em letra
expressa a Carta de 1.988 que fossem terceirizados tais serviços, ou seja contratados
da iniciativa privada, das entidades particulares que por objeto social prestam tais
serviços.
Uma coisa é a Carta estabelecer a responsabilidade do
poder público por manter com qualidade e suficiência os serviços de saúde à
população, e outra coisa, bem diversa, é executar fisicamente esses serviços, o que
pode ser entregue a entes particulares. Assim, caso a iniciativa privada não se
interesse por prestar esse serviço, explorando-o e, seu nome como atividade
econômica, então somente restará ao poder público assumi-lo de um modo ou de
outro, como puder, para oferecer a respectiva prestação ao povo.
Não se concebe apenas que a população seja privada dos
serviços de saúde, e, em tal contexto, de duas uma: ou o poder público presta o
serviço diretamente por seus organismos ou encontra quem o preste adequadamente
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à população - sob supervisão e gerenciamento superior pelo poder público sem
dúvida, porém prestado por terceiros, particulares.
A terceirização dos serviços de saúde à população desde
longa data é no Brasil, portanto,
o fato mais natural e corriqueiro da prática
administrativa, sendo mesmo raros
os entes públicos, integrantes da federação
brasileira, que se predispõem a encarar diretamente um desafio de tamanha monta e
magnitude, sem auxílio e apoio nas entidades da iniciativa privada.
Sobre o instituto da inexigibilidade de licitação
III – A regra da contratação de particulares pelo poder
público para a prestação de serviços é a prévia licitação porque a Constituição assim
o afirma, sendo a contratação direta uma exceção que depende de lei que a descreva
e tipifique. Diz a Carta de 1.988:
“Art. 37 (...)
XXI
–
ressalvados
os
casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e
alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos ermos da lei, o qual somente
permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;”
(Destaque nosso).
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É de ver assim que a regra é de fato a licitação, e que a
contratação direta é a exceção, sempre na forma explícita da lei.
Em outro momento, art. 22,
a Carta informa que
“Compete privativamente à União legislar sobre (...) XXVII – normas gerais de
licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas
diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios”.
Baseada nessa norma a União editou a Lei nº 8.666, de
21 de junho de 1.993, que dispôs sobre as normas gerias de licitações, imponíveis
por expressa ordem constitucional à União, aos Estados-membros, ao Distrito
Federal e aos Municípios brasileiros, espraiando-se pelas suas autarquias e
fundações públicas e também, enquanto ainda inexistir a lei anunciada no art. 173, §
1º, pelas empresas estatais federais, estaduais, distritais e municipais, e por fim pelas
empresas de origem particular que se achem sob controle do poder público.
É nessa lei nacional das licitações e dos contratos
administrativos que se haverá de encontrar fundamento, se existir, para a contratação
direta, sem licitação, de empresas particulares prestadoras dos mais diversos e
variados serviços de saúde.
IV – A Lei nº 8.666/93 separa as exclusões de licitação,
para contratações pretendidas pela Administração, em três categorias:
a) licitações dispensadas pela própria lei, como no art.
17, que é aplicável apenas à União segundo hoje pacificamente se aceita em face de
uma medida liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal já em 3 de novembro
de 1.993, na ADIn nº 927-3 – RS, e ainda em vigor;
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b) licitações dispensáveis pelo ente que contrata, por este
entender e demonstrar que o caso concreto se enquadra n’alguma hipótese (algum
inciso) do art. 24, e
c)
licitações inexigíveis a juízo também do ente que
contrata, por, na forma do art. 25 da lei, faltar elemento que permita comparar
propostas, ou seja sempre que se patentear inviabilidade de competição, quer seja
essa inviabilidade física ou material, quer seja técnico-jurídica, ou formal jurídica.
O caso presente não envolve, a nosso ver, nem as
licitações dispensadas nem as dispensáveis, porque a contratação da entidade
consulente não se enquadra em nenhum dispositivo dos arts. 17 ou 24 da lei de
licitações, mas atinge apenas as inexigíveis. Reza a Lei nº 8.666/93:
“Art. 13 Para os efeitos desta Lei,
consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os
trabalhos relativos a: I – estudos técnicos, planejamentos e projetos
básicos ou executivos; (...) IV – fiscalização, supervisão ou
gerenciamento de obras ou serviços;
(...) V – treinamento e
aperfeiçoamento de pessoal; (...)
Art. 25 É inexigível a licitação quando
houver inviabilidade de competição, em especial: (...) II – para a
contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei,
de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória
especialização,
vedada
a
inexigibilidade
para
publicidade e divulgação;” (Os destaques são nossos).
serviços
de
9
V – O fundamento da inexigibilidade de licitação vem já
expresso e explicado no próprio caput do art. 25: inexigível é a licitação sempre que
a competição entre interessados para a entrega do objeto for impossível, inviável,
irrealizável, ou de algum modo inconcebível ou infactível, a tal ponto que autoridade
alguma poderá exigi-la, seja a autoridade administrativa
que contrata, seja a
autoridade fiscalizadora, seja qualquer outra existente.
Ao passo que a licitação dispensável sempre pode ser
realizada, a técnica da lei de licitações nos remete ao raciocínio de que a licitação
inexigível nem tem como ser viabilizada em face da singularidade da execução do
objeto, cada executor o executando de uma maneira totalmente díspar da execução
alheia, numa fatura muito pessoal e particular.
Como se anunciou acima, a inviabilidade de competição
pode dar-se por dois motivos fundamentais, friamente considerados: o primeiro é
porque existe impossibilidade material de competição, quando, por exemplo, o
objeto pretendido é um equipamento ou um material único, como um quadro, um
instrumento musical de autor célebre do passado, uma escultura conhecida e
cultuada, ou uma outra obra de arte indiscutivelmente identificada. Nesse caso a
competição é materialmente inviável porque somente existe uma peça em vista como
objeto.
O segundo caso é o da licitação que materialmente
poderia ser realizada porque mais de um fornecedor materialmente pode atender o
objeto desejado,porem o impedimento é de ordem técnica, ou jurídica, sabendo-se
que cada fornecedor realiza e oferece um trabalho que nada com o do outro, cada
qual se revelando inconfundível, inigualável,porque portador da marca pessoal,
quando não personalíssima, do seu executante.
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A essa marca pessoal e inconfundível, fora de qualquer
“linha de produção” ou montagem em série se costuma atribuir a qualidade da
singularidade do objeto, qualidade essa que muita vez nem o próprio autor repete
idêntica.
Assim, se contém característica singular e inconfundível,
somente este traço do objeto pretendido pela Administração já impediria colocá-lo,
fosse qual fosse, em licitação, na medida em que não se comparam coisas desiguais,
nem se fazem competir objetos diferentes, porque lhes falta um denominador comum
que sirva de referência comparativa.
Nessa tônica, um poema de Gonçalves Dias não pode ser
tido como mais adequado que uma estátua de Brecheret simplesmente porque, apesar
de constituírem obras de arte, são realidades por completo diversas, sem traço em
comum, como o são um projeto arquitetônico de Niemeyer e um projeto
arquitetônico de Le Corbusier, ainda que ambos sejam projetos de arquitetura,
informados pelos mesmos cânones e pelas mesmas balizas técnicas e científicas. A
marca indelével de cada autor as separa, no resultado final, como se foram obras
opostas ou antagônicas.
Trata-se de serviços de mesma natureza, porém de
concepção, molde, fatura e realização que podem situar-se em patamares
diametralmente opostos.
VI - E – importantíssimo para o que aqui interessa focar
– ainda que diversos outros arquitesos existam no mercado que pudessem conceber
projetos ilustres e notáveis sobre a mesma idéia básica, cada um realiza trabalho
absolutamente único, inconfundível, incomparável.
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Ninguém seja grosseiro ou primitivo ao ponto de
pretender que, porque existem diversos possíveis prestadores do serviço intelectual,
artístico ou singular por qualquer outra combinação de características, que esse
mesmo trabalho exigiria licitação. Jamais, em tempo algum, isso é verdade!
Tivemos ensejo de, em conjunto com Gina Copola,
escrever artigo – Serviço singular não se licita.
A jurisprudência – em que
elencamos inúmeros serviços que a Administração pública simplesmente não deve
licitar, pela singularidade de que sempre se revestem na realização por cada autor.
Assim foi escrito:
“No ramo do direito público é o caso de
uma lei orgânica (de qualquer órgão, seja um Município, um
organismo específico, uma entidade
autônoma);
um plano de
cargos e vencimentos, ou de empregos e salários, com suas
carreiras e suas possibilidades de evolução funcional; projetos de
leis organizacionais; estatutos de toda ordem; regimentos internos
de casas legislativas ou de órgãos ou entidades diversas; projetos de
criação de autarquias, fundações, empresas estatais; regulamentos
de entidades variadas; projetos de reformas administrativas nos
mais variados entes públicos; pareceres, levantamentos e perícias
jurídicas;
avaliações jurídicas; levantamentos e arrazoados
jurídicos; treinamentos de pessoal sobre temas jurídicos, ou
juridicamente,
relevantes
e
especializados;
elaboração
encomendada de livros, artigos, estudos ou resenhas jurídicas,
assessorias e consultorias especializadas, patrocínio de causas
judiciais e condução de causas administrativas pouco comuns ou
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circunstancialmente melindrosas, tudo isso e
mais uma imensa
plêiade de trabalhos de índole e complexidade semelhante, todos são
trabalhos dotados de necessária e inafastável singularidade na
execução. Não são frutos de linhas de montagem, nem de produção
prévia ou seriada.” (1).
O ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos
Mário da Silva Velloso, Relator, teve ensejo de assim se pronunciar sobre esse exato
enfoque do tema no Recurso de Habeas Corpus nº 72.830 - RO, 2ª Turma, DJ de
16/2/96, p. 2.999, em que o objeto era a discussão sobre a licitude um contratado
trabalho advocatício:
“Acrescente-se que a contratação de
advogado dispensa licitação, dado que a matéria exige, inclusive,
especialização, certo que se trata de trabalho intelectual, impossível
de ser aferido em termos de preço mais baixo. Nesta linha, o
trabalho de um medido operador. Imagine-se a abertura de licitação
para a contratação de um médico cirurgião para realizar delicada
cirurgia num servidor. Esse absurdo somente seria admissível
numa sociedade que não sabe conceituar valores. O mesmo pode
ser dito em relação ao advogado, que tem por missão defender
interesses do Estado, que tem missão a defesa da res publica.” (fls.
172 do acórdão , com destaque nosso).
1
Publicado em Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, fev./11, assunto 167; Fórum
de Contratação e Gestão Pública, Ed. Forum, MG, fev./11, p. 44.
13
A jurisprudência colacionada a este artigo é copiosíssima
– e para isso o artigo foi escrito -, sempre na direção de que serviços singulares não
têm como ser logicamente licitados, porque são essencialmente incomparáveis entre
si, o que impossibilita o recíproco cotejo em certames licitatórios. Nenhum objeto
singular é melhor que outro, porque realidades diferentes não têm como ser
cotejadas entre si.
VII - Pode ocorrer, sem embargo de todo o até aqui
exposto, de um daqueles trabalhos, inobstante toda a recomendação que o seu autor
merecia e detinha, não agradar plenamente a quem o contratou. E outro, em seguida
contratado, também deixar algo a desejar. E um terceiro, e um quarto.
Não se estará diante de situação agradável por certo – se
é que algo assim um dia aconteceu -, porém uma certeza a entidade contratante pode
ter e ostentar: nenhum dos trabalhos é vulgar, corriqueiro, correntio ou encontradiço
pronto no mercado, ou em prateleiras do comércio. Cada qual deles terá sido
inquestionavelmente um produto artesanal, de elaboração autoral e confecção
peculiar e particularizada, que em geral, reitere-se, nem o autor repetiria idêntica.
Nem por isso,entretanto, se deve tentar licitar o ilicitável,
o singular, o inimitável – o incomparável. Com efeito, se licitar é comparar
propostas, onde tal comparação não for viável então licitação não poderá existir.
A doutrina e a jurisprudência do TCU sobre inexigibilidade de licitação
VIII - É copiosa a doutrina sobre a questão da
inexigibilidade de licitação em nossa literatura jurídica. Um tema tão apaixonante
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sempre seduziu os estudiosos e os maiores juristas, e o sentido da sua orientação se
revela bastante uniforme, como se passa a ver.
Celso Antônio Bandeira de Mello apreendeu exatamente
o sentido da singularidade
que a lei empresta a certos serviços técnicos
especializados, e nessa direção escreveu:
“Em suma a singularidade é relevante e
um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de
interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade
administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o
estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a
contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa,
atributos estes que são
precisamente os que a Administração
reputa convenientes e necessita para a satisfação do interesse
público em causa.
Embora
outros,
talvez
até
muitos,
pudessem desempenhar a mesma atividade científica, técnica ou
artística, cada qual o faria à sua moda, de acordo com os próprios
critérios, sensibilidade, juízos, interpretações e conclusões, parciais
ou
finais,
e
tais
fatores
individualizadores
repercutirão
necessariamente quanto à maior ou menor satisfação do interesse
público. Bem por isso não é indiferente que seja prestados pelo
sujeito “A” ou pelos sujeitos “B” ou “C”, ainda que todos esses
fossem pessoas de excelente reputação.”
(In Curso de direito
administrativo, 12ª ed. Malheiros, SP, 2.000, p. 478. Grifamos).
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O excelso doutrinador se revela particularmente sensível
à impossibilidade de a Administração pública estandardizar ou padronizar exigências
culturais, intelectuais, técnicas, científicas, artísticas, ou em uma palavra
humanísticas, para o fim de comparar prestadores diferentes de serviços na mesma
medida diferentes.
IX - Já dissemos em artigo de autoria conjunta com
Mauro Roberto Gomes de Mattos (2) que o muito eminente publicista Eros Roberto
Grau, então professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e
também ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, dentre tantos que escreveram
sobre o tema das inexigibilidades de licitação em contratação de serviços foi um dos
poucos capazes de sintetizar tão brilhantemente a verdade de que a singularidade
está na pessoa do prestador e não no serviço que se lhe propõe, ao escrever em
artigo:
“Serviços singulares são os executados
segundo características próprias do executor. Correta, portanto, a
observação de que singulares são os serviços porque apenas podem
ser prestados, de certa maneira e com determinado grau de
confiabilidade, por um determinado profissional ou empresa. Por
isso mesmo é que a singularidade do serviço está contida no bojo
da notória especialização.” (Grifamos. Do artigo Inexigibilidade de
2
Artigo “Serviço singular”: todo serviço privativo de advogado é singular – A jurisprudência, in
Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, ago/08, assunto 112; Fórum de Contratação
e Gestão Pública, jul/08, p. 7; Jurídica de Administração Pública, jul/08, p. 16; Boletim de
Licitações e Contratos, Governet, set/08, p. 844; IOB de Direito Administrativo, set/08, p. 51;
BLC, ed. NDJ, SP, nov/08, p. 1.059; Revista Zênite de Licitações e Contratos, out/08, p. 993;
Revista Prática Jurídica, da ed. Consulex, fev/09, p. 6.
16
licitação – Serviços técnico-profissionais especializados - Notória
especialização, in RDP 99/70).
E prossegue o mestre nesse mesmo artigo a revelar a
percuciência e o discernimento que depois o conduziriam ao cargo de Ministro da
mais alta corte de justiça do país:
“Ser singular o serviço, isso não
significa seja ele necessariamente o único. Outros podem realizá-lo,
embora não o possam realizar do mesmo modo e com o mesmo
estilo de um determinado profissional ou de uma determinada
empresa.
7 – A escolha desse profissional ou dessa
empresa, o qual ou a qual será contratada sem licitação – pois o caso
é de inexigibilidade de licitação – incumbe à Administração. (...)
8 – Ora, quem delibera, concluindo que
determinado profissional ou determinada empresa singularizará o
serviço, em última instância pela segurança que inspira na
Administração, é a própria Administração.” (Idem, ibidem, com o
último grifo original).
Resta claríssima na lição do ex-Ministro do STF que não
é propriamente a espécie, a natureza, a complexidade, a raridade ou o volume do
serviço que determina a sua singularidade, mas a forma como é executado pelo
prestador – isso sim. E, uma vez avaliada pela Administração a qualidade peculiar
do prestador que escolha, então jamais será o caso de licitar o que já foi eleito pela
sua excelência.
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E no mesmo sentido Lúcia Valle Figueiredo já ensinara
que
“Se
capacitados,
mas
com
há
dois,
qualidades
ou
mais,
peculiares,
altamente
lícito
é
à
Administração, exercer seu critério discricionário para realizar a
escolha mais compatível com seus desideratos” (In Direitos dos
licitantes, 4ª ed. Malheiros, SP, 1.994, p. 32. Destaque nosso.)
Outro a se manifestar, ainda que sinteticamente,sobre a
questão da inexigibilidade foi Marçal Justen Filho, que se referiu
à natureza
personalíssima da execução do serviços singulares pelo prestador – característica
essa que a já se referiu nesta resenha:
“A singularidade do serviço indica que a
execução do serviço retrata uma atividade personalíssima, o que
inviabiliza uma comparação de modo objetivo. Em tais casos, a
subjetividade inerente à execução da prestação torna inviável a
seleção segundo critérios de economicidade, vantajosidade, etc.” (In
Comentários à lei de licitações , 4ª ed. Dialética, SP, 1.995, p. 171,
com grifo original).
Facílimo é ver, com Marçal Justen Filho,
que algo
personalíssimo não pode ser comparado com nada já existente ou mesmo que se
aguarda que venha a existir, e se se tratar de serviço a ser obtido pela Administração
pública então a idéia de licitação não fará qualquer sentido.
X –
Jessé Torres Pereira Júnior, em seus exaustivos
Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública, espanca a
18
grosseira idéia de que apenas porque existe mais de um possível fornecedor do
serviço pretendido pela Administração a licitação é obrigatória, ensinando que
“a Lei descreve hipóteses ilustrativas e
admite que de outras, não previstas, possa decorrer a inviabilidade
de competição, de forma a configurar a inexigibilidade; mas as
hipóteses relacionadas na lei, pelo só fato de constarem da lei,
caracterizam a inexigibilidade, independentemente de, no caso
concreto, ser ou não viável a competição;” (Destacamos, da p. 295
da 5ª ed. Renovar, RJ, 2.002).
Não é porque existe uma pluralidade de fornecedores,
portanto, que se exige sempre licitação. Um serviço singular pelas suas
características e pelas do prestador notoriamente especializado em seu ofício, só em
si, tornam inexigível a licitação.
É também o que concluiu o muito saudoso Diógenes
Gasparini nesta passagem, discorrendo sobre a notória especialização do prestador,
que se exige para a contratação por inexigibilidade de licitação neste caso de
serviço:
“A notória especialização não deve ser
confundida com um único prestador, pois, se assim fosse,
o
fundamento da inexigibilidade seria outro, isto é, o caput do art. 25
do referido diploma legal. Por outro lado, cremos que a notória
especialização há de ser entendida em relação ao vulto do contrato
que se quer firmar. Não cabe, por conseguinte, exigir maior rigor
para a consagração desse reconhecimento. Destarte, se o vulto do
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contrato for de convite, é a pessoa assim reconhecida na localidade;
se de tomada de preços, é o inscrito no registro cadastral; se de
concorrência, é o assim reconhecido no país.” (In Direito
administrativo, 13ª ed. Saraiva, SP, 2.007, p. 555).
Essa curiosa e única posição de proporcionalizar a noção
de notória especialização com relação à modalidade de licitação utilizável se fosse o
caso de licitar favorece a consulente Cruz Vermelha, que como se verá adiante atua
em 186 países há mais de um século e meio, e é reconhecida em todo o mundo como
a mais importante e conhecida prestadora de serviços humanitários de saúde que
existe, sempre a primeira entidade a comparecer para atender populações em guerras,
conflitos, calamidades, emergências de toda natureza e quaisquer outras convulsões
da ordem que espoucam em virtualmente todos os países existentes.
XI – Flávio Amaral Garcia é outro publicista que
emprestou seu discernimento a elucidar este assunto do que seja serviço singular, e
relatou:
“Mas não é qualquer serviço, sendo
necessário que seja serviço técnico enumerado no art. 13 da Lei seja
singular. A singularidade do serviço envolve a noção de algo
incomum, que escapa de padrões preconcebidos. As características
intrínsecas do objeto contratado não possibilitam a sua comparação,
eis que não se trata de um serviço padrão ou, como se diz, de
prateleira, disponível no mercado. (...)
Sob outro ângulo, não esta dúvida que
contratação desta natureza revela um espaço de discricionariedade
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inerente ao exercício das competências do administrador público.
Desde que essa escolha seja orientada pelo parâmetro da
razoabilidade não cabe aos órgãos de controle se imiscuírem nos
limites de atuação privativa do administrador.” (In Licitações e
contratos administrativos – Casos polêmicos, 3ª ed. Lumen Juris,
RJ, 2.010, p. 50. Negrito original e itálico nosso).
Ora, se isso é verdade, neste caso da Cruz Vermelha que
“padrão preconcebido” se pode imaginar para os serviços humanitários que presta,
se os presta em 186 países há mais de um século e meio, e se a cruz vermelha que a
simboliza em ambulâncias, uniformes, bandeiras e edificações desde logo que o
local flagelado já está sendo assistido em serviços de saúde, como qualquer criança
diante de uma televisão, ao divisar aquela insígnia, reconhece ?
Será comum um padrão assim de reconhecimento ?
Acaso alguma outra entidade em todo o mundo desfruta do mesmo reconhecimento?
XII - José dos Santos Carvalho Filho, citando Eros
Roberto Grau, discorre sobre a natureza singular dos contratos que podem ser
contratados diretamente por inexigibilidade de licitação, e o ensinamento de ambos é
o mesmo até aqui desfilado por outros mestres, o seguinte:
“Serviços singulares são os executados
segundo características próprias do executor. Correta, portanto,a
observação de que “singulares são os serviços porque apenas podem
ser prestados,
de certa maneira e com determinado grau de
confiabilidade, por um determinado profissional ou empresa. Por
isso mesmo é que a singularidade do serviço está contida no bojo
21
da notória especialização.”
(In Direito administrativo, 10ª ed.
Lumen Juris, RJ, 2.003, p. 214).
Confundem-se para o autor e para o ex-Ministro do STF
Eros Grau, portanto, as noções de serviço singular e prestador singular. Uma contém
a outra, de modo indissociável na medida em que uma pessoa física ou jurídica que
se especialize fortemente no campo de sua especialidade singulariza todo serviço
que preste na mesma área.
Dentro de sua especialidade, não existe serviço vulgar ou
corriqueiro se for prestado por um especialista notório no respectivo campo, como já
enfatizáramos em artigo, deste modo:
“Move-nos a profunda indignação que o
maltrato dessa expressão encontra, com freqüência desanimadora,
no dizer comum dos profissionais das áreas jurídicas, que em grande
numero parece não se aperceber do alcance jurídico da expressão,
quando não na própria doutrina do direito, assaz de vezes,
tremendamente vacilante e insegura quanto a algo que não é tão
difícil enxergar.
Para que não pareça que apenas os
profissionais do direito enfrentam o problema, adentremos outras
carreiras profissionais como a engenharia, a medicina, a
odontologia, a arquitetura, a matemática ou a física, que como
profissões privativas de universitários habilitados, bem ilustram este
impasse.
22
Alguém, mesmo que jamais tenha ouvido
falar em natureza singular de algum serviço – bastando que fale
português e que saiba o que essa expressão significa – negará que o
serviço de um cirurgião tem natureza singular ? Alguém, que não
médico cirurgião, se disporia, ocasionalmente e por alguma
circunstância que se permite imaginar, a substituir o facultativo na
mesa cirúrgica, e a realizar o seu trabalho ?
Outro cirurgião se disporia – alguém
dirá. É certo, porém o resultado da operação poderá ser o mesmo ?
Alguém o pode garantir ?
Não para as duas questões. Um
odontólogo acaso realiza, mesmo que queira, exatamente o mesmo
trabalho – seja qual for -, idêntico ao do seu colega vizinho ?
Nunca.
Um engenheiro, mesmo que o quisesse,
conseguiria
desenvolver projetos de construções habitacionais,
comerciais ou industriais de forma idêntica à de um colega de
escola, formado na mesma classe, sob os mesmos mestres e o
mesmo sistema didático ?
Jamais, a não ser que se tratasse da
mesma pessoa.
Um arquiteto poderia ser igual, em seu
mister profissional, a qualquer outro, nas suas criações urbanísticas
e paisagísticas ?
acaso,
Cada trabalho que conceba ou execute não detém,
características
pessoais
ou
mesmo
personalíssimas,
inimitáveis, inigualáveis em sua fatura, e desse modo insuscetíveis
23
de
estandardização ?
Jamais à primeira questão, e sempre à
segunda.
Um matemático ou um físico pode,
algum dia pôde ou um dia poderá ser profissional de mesmos
resultados que outro de mesma profissão, ainda que trabalhando
diariamente lado a lado ?
Pode ser padronizada a produção
intelectual de algum desses profissionais ?
A resposta é despicienda.” (3)
Com todo efeito e para concluir este tópico e relacionar a
doutrina com o objeto da consulta, a notória especialidade de uma sociedade civil e
filantrópica internacional prestadora de serviços de saúde em todo o mundo, mais
conhecida que os governos dos países aos quais acorre em situações as mais graves e
emergenciais, distingue imediatamente essa sociedade dentre tantas outras de
mesmo objeto que possam existir.
A característica de notabilidade absoluta, onipresente e
oniabarcante, e que preenche todos os espaços conhecidos na mídia internacional
que a sociedade Cruz Vermelha detém há mais de um século e meio e que a inscreve
no panteão das mais respeitadas sociedades filantrópicas de que se tem notícia na
história moderna, singularizam de tal modo os serviços que presta que nessa questão
a sociedade poderia servir de modelo ou paradigma de serviço singular, para quem
precisasse compreender a idéia.
3
Artigo citado, de autoria conjunta com Mauro Roberto Gomes de Mattos.
24
O tópico seguinte informará melhor sobre este aspecto da
imagem que desfruta a consulente.
XIII - Quanto à jurisprudência do Tribunal de Contas da
União, algumas decisões daquele mais alto colegiado de contas do país dão conta
exatamente de que a inviabilidade de competição não é apenas material mas também
técnico-jurídica como é na hipótese de contratação da Cruz Vermelha pela
Administração pública.
São exemplos as seguintes decisões do TCU, em excertos
dos acórdãos:
“A inviabilidade de competição, a que
alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da
convergência de dois fatores: a natureza singular dos serviços – o
que, de per se, não exclui a pluralidade de prestadores – e a notória
especialização do contratado.” (TCU, AC 1302-32/04-P, Classe:
V, Rel. Min. Benjamin Zymler. Grifamos)
“Tanto é assim que, se se verificar que o
serviço é singular e insere-se entre os serviços técnicos
especializados arrolados no art. 13 da Lei, mesmo se houver mais de
uma empresa ou pessoa com notória especialização que possa
prestá-lo, indicando ser possível uma eventual competição entre tais
empresas ou pessoas, a Administração poderá, com fulcro no art.
25, II, da Lei nº 8.666/1993, contratar diretamente um deles,
estando legalmente afastada a licitação.” (TCU, DC 0695-37/01-P,
Classe: III, Rel. Min. Valmir Campelo, Sessão: 5.9.2001 – Consulta)
(Grifamos).
25
O Tribunal de Contas da União evidencia desse modo o
seu entendimento de que não é a exclusividade de fornecedor a única hipótese de
lícita de contratação direta de uma pessoa jurídica notoriamente especializada para
um serviço que preste de modo singular – tudo exatamente como no caso da
sociedade Cruz Vermelha está plenamente configurado.
E esse foi também o pensamento do Ministro Carlos
Átila, do mesmo TCU, que no proc. TC-010.578-95, in BLC 3/96, p. 122/34, assim
pontificou:
“Note-se que o adjetivo ‘singular’ não
significa necessariamente ‘único’. (...) A meu ver, quando a lei fala
de serviço singular não se refere a ‘único’ e sim a invulgar, especial,
raro, extraordinário,diferente, distinto, notável.
(...) Se singular
significasse único seria o mesmo que exclusivo, e, portanto, o
dispositivo seria inútil, pois que estaria redundando o inciso I
imediatamente anterior. (...)
Ressalvadas sempre as hipóteses de
interpretações flagrantemente abusivas, defendo assim a tese de que
se devem preservar margens flexíveis para que o gestor exerça esse
poder discricionário que a lei lhe outorga.” (O inclinado é nosso).
Observa-se que o Tribunal de Contas da União ressalva
com absoluta distinção que o serviço pode ser singular ainda que existam inúmeros
prestadores no mercado e na praça. Interessa perquirir a qualificação do prestador e a
necessidade que a Administração tem daquele serviço em particular, no qual se
notabilizou o prestador.
26
E, se o gestor tem margens razoáveis de escolha, então
decerto e naturalmente pode escolher uma sociedade civil sem fim lucrativo que
presta serviço ao mundo inteiro há um século e meio e cujo nome é sinônimo de
honorabilidade e de confiabilidade.
A Cruz Vermelha internacional e a Cruz Vermelha Brasileira
XIV – Vista a doutrina sobre a inexigibilidade de
licitação para contratos de serviços singulares, e conhecida a posição do Tribunal de
Contas da União sobre esse mesmo tema, resta agora expor algumas características
que interessa focar da consulente, a Cruz Vermelha Brasileira.
Discorrer sobre a sociedade civil da Cruz Vermelha,
como se fora uma nova entidade surgida no mercado em busca de consolidar seu
nome e conquistar clientela, soa quase como uma sonora brincadeira, um saboroso
chiste, tão despropositada parece a idéia. Mas, por evidente, nada disso se pretende
aqui. Procura-se apenas demonstrar a adequação das características da entidade às
regras hipotéticas da lei de licitações, para com isso e corolariamente demonstrar que
poderá ser contratada diretamente pelo poder público, com
inexigibilidade de
licitação.
Com todo efeito, falar da sociedade da Cruz Vermelha é
tarefa ao um só tempo marcadamente fácil e sumamente honrosa. Um profissional de
vendas não desejaria outro produto para oferecer a seus clientes.
27
Recordemos algumas características da sociedade Cruz
Vermelha Brasileira e a internacional – e por vezes é árduo separar a organização
internacional da sua seção brasileira:
- no Brasil é sociedade civil sem fins lucrativos fundada
em 1.908 com base nas Convenções de Genebra,das quais o Brasil é signatário;
- a Cruz Vermelha Brasileira foi reconhecida de utilidade
pública internacional (Decreto nº 9.620, de 13 de junho de 1.912), figurando como
fundador Oswaldo Cruz, à ocasião da epidemia de febre amarela no país;
- tanto a sociedade Brasileira quanto todas as sociedades
que existem institucionalizadas e formalizadas por todo o mundo têm em comum
por finalidade social desenvolver projetos, pesquisas, estudos e cursos sobre
problemas relativos às questões sociais mais urgentes, destacando-se programas e
projetos relativos à saúde comunitária e gestão de desastre; desenvolvimento
comunitário sustentável; voluntariado e juventude, e programas comunitários
integrados;
- suas origens internacionais remontam a 1.863, quando
foi formalmente constituída na Conferência Diplomática de Genebra, tida como
marco inaugural do Direito Internacional Humanitário através da assinatura da I
Convenção de Genebra;
-
a
organização
internacional
resultante
daquela
Convenção implementou e conduziu uma ação até então inédita em matéria de
assistência e proteção à sociedade civil e as os feridos de guerra em conflitos
armados. Um antecedente deste evento, entretanto, foi um encarniçado conflito em
Piemonte, na Itália, deflagrado em 1.858, ocasião em que se destacou a entidade em
28
conjunto com o Crescente Vermelho no socorro aos flagelados e na debelação dos
efeitos daquele conflito;
- a entidade tem assento permanente nas Convenções de
Genebra de 1.949;
- a organização é pacificamente considerada a maior
organização humanitária do planeta, com função de proteger e assistir as
populações vulneráveis na garantia de seus direitos em casos de conflitos,
calamidades naturais e sociais com suas conseqüências diretas e indiretas;
- está presente em 186 (cento e oitenta e seis) países, nos
cinco continentes, como instituição formalmente organizada e permanentemente
ativa;
- no Brasil encontra-se instalada em 17 (dezessete)
Estados, formalmente constituída e com atuação permanente.
XV – Apenas na área específica da saúde, de acordo
com sua publicidade institucional a entidade brasileira desenvolve as seguintes
atividades: a) PACS - Programa Agentes Comunitários de Saúde; b) PSF –
Programa Saúde da Família; c) PSB – Programa de Saúde bucal; d) Programa Saúde
Coletiva; e) Projeto Centro de Especialidades; f) Plano de combate à dengue e outra
s endemias; g) Programa saúde mental; h) Centro de Atendimento Psicossocial; i)
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel às Urgências; j) Unidade de pronto
atendimento 24 hs.; k) Farmácia popular; l) Programa de humanização do
atendimento hospitalar; m) Programa de fortalecimento e apoio na humanização do
atendimento psiquiátrico no âmbito da reintegração social do usuário; n) Gestão
hospitalar; o) Sistema de gestão de qualidade; p) Processo de educação permanente
29
em saúde; q) Diagnósticos em gestão hospitalar; r) Boas práticas em gestão
financeira; s) Gestão de suprimentos e acompanhamento de fornecedores; t) sistema
de normas e documentos hospitalares; u) Gestão social e compromisso humano; v)
Planejamento estratégico e desenvolvimento por processos; x) Monitoramento
permanente.
Trata-se portanto de
um volume respeitabilíssimo de
programas e projetos exclusivamente voltados ao campo da saúde, dentre os quais
diversos se voltam à gestão e ao monitoramento de serviços hospitalares.
Sempre de acordo com sua publicidade oficial, a
entidade presta no país além disso, e dentre outros como anuncia, inúmeros outros
serviços direta ou indiretamente vinculados à saúde e a práticas de bem-estar social e
coletivo, como projetos nas áreas de educação, esporte e cultura (16 projetos
institucionais); ação social (10 projetos); meio ambiente (10 projetos), e prevenção
de desastres (8 projetos).
Promove ações e trabalhos de gestão, segurança
alimentar, economia solidária, segurança pública, direitos humanos e assistência
social, gestão logística, educação continuada na indústria e no comércio.
Ocupa postos-chaves da administração direta e indireta
de organizações públicas e privadas, atuando na gestão de unidades hospitalares,
sendo que o Município de Ubatuba, SP, é o mais recente exemplo de eficiência
nesse específico trabalho, face a um recente contrato celebrado.
XVI
–
Resta
sumamente
difícil,
se
não for
completamente impossível, divisar em qualquer parte do mundo e em qualquer país,
que seja mais ou que seja menos institucionalizado, outra entidade que reúna os
30
predicados da sociedade Cruz Vermelha. No Brasil não seria diferente, com a Cruz
vermelha Brasileira que já conta mais de um século de fundação.
É presença indelével e marcante em todos os Jogos
Olímpicos que se realizam, constituindo justificado orgulho, e garantia de segurança,
em todos os países que os realizam.
É sempre a primeira instituição a socorrer populações
flageladas e sacrificadas em todos os incessantes conflitos que se deflagram no
planeta, com inteira neutralidade política ou ideológica em todas as áreas em que
atua a cada momento e conforme cada específica necessidade, ou cada conjunto
local de premências que se verifica tanto nas conflagrações sociais ou políticas
quanto em desastres e calamidades naturais que a todo tempo se verificam.
A cruz vermelha do seu logotipo, que se transformou em
universal símbolo de ajuda humanitária e que talvez seja a mais conhecida marca de
alguma espécie de serviço dentre os que o ser humano presta a seus semelhantes, a
todo tempo funciona como a segurança de que já estamos sendo atendidos, e a
tranqüilidade que uma constatação assim de pronto acarreta.
As guerras que não cessam e que se sucedem e se
acumulam com uma regularidade desesperadora, apenas o confirmam, sem exceção
de uma só – e é fastidioso recordar quais guerras estão a desenrolar-se neste mesmo
momento, nas quais, em todas as quais, está presente a sociedade Cruz Vermelha.
Os sites que a entidade mantém na internet dão conta de
uma pletora monumental de ações sociais e de serviços de saúde que presta e que
mantém em prol de um universo indeterminado e indeterminável de pessoas e de
beneficiários.
31
Como, por fim, qualificar com alguma originalidade ou
ineditismo uma entidade que invariavelmente aparece nas redes noticiárias como um
repentino bálsamo descido das alturas ora cá, ora acolá,
para acudir os mais
desesperados dentre os desesperados, e os necessitados dentre os necessitados, e
lhes resgatar, na sua undécima hora, algum sopro de esperança ?
Não se está a exagerar. Estas palavras apenas repisam o
que todos sabem, seja o de que a sociedade da Cruz Vermelha não tem similar na
face da Terra neste extraordinário mister que há século e meio abraçou.
Da inexigibilidade de licitação para a contratação dos serviços da Cruz
Vermelha
XVII – O objetivo primordial da consulente ao pedir este
parecer, dentre os inúmeros trabalhos de sua especialidade nas áreas que acima
foram indicadas, e segundo a sua informação, concentra-se em saber da viabilidade
jurídica de contratar com o poder público o gerenciamento dos serviços de saúde
mantidos pelas Administrações locais, em destaque os existentes nos Municípios, a
cargo das Prefeituras.
Trata-se de, quanto à área-fim, organizar, disciplinar,
regrar, sistematizar e manter os serviços hospitalares e ambulatoriais locais,
provendo todas as especialidades oferecidas e mesmo sugerindo a implantação de
outras ainda inexistentes. No tocante à área-meio, implantar as rotinas e as regras de
administração dos prédios e das instalações, e dos serviços que a isso são afetos,
32
como a administração de materiais, equipamentos, suprimentos, e respectivos
fornecedores.
Contempla-se
ainda
neste
escopo
o
permanente
treinamento e aperfeiçoamento de todo o pessoal envolvido, desde médicos,
paramédicos, pessoal especializado e pessoal de serviços gerais, em prol do seu mais
adequado desempenho profissional.
Nesse sentido é invariavelmente necessário conceber
implementar diversos planejamentos e implementar vários projetos dentro do
contratos firmados, em função das peculiaridades existentes em cada diferente local
de trabalho, tudo para instrumentalizar as atividades de treinamento do pessoal,
considerando-se tanto o quadro local de operadores quanto o da própria Cruz
Vermelha, já que de ambos se exige contínuo aperfeiçoamento funcional.
Observa-se
que
todos
esses
trabalhos
estão
expressamente previstos na lei de licitações, art. 13, como serviços técnicos
profissionais especializados, figurando no inc. IV (gerenciamento de serviços), no
inc. VI (treinamento e aperfeiçoamento de pessoal), e ainda no inc. I (planejamentos
e projetos), todos daquele art. 13 da Lei nº 8.666/93.
Assim sendo, de acordo com já transcrita lei nacional de
licitações e contratos administrativos, art. 25, inc. II, para que aqueles serviços
técnicos profissionais especializados
possam ser diretamente contratados pela
Administração pública, com inexigibilidade de licitação,
será preciso que a) o
contratando seja notoriamente especializado na especialidade, e b) o serviço objeto
do contrato tenha natureza singular.
33
XVIII -
Quanto à notória especialização da Cruz
Vermelha Brasileira, que é o capítulo brasileiro da Cruz Vermelha internacional e
que está formalmente implantada desde 1.908 como foi visto, parece ser um tema
que poderia ser pulado, passando-se ao assunto seguinte – mas vai merecer duas
palavras.
Com todo efeito, simplesmente não existe nenhuma
organização prestadora de serviços humanitários de saúde, não apenas no Brasil mas
em todo o mundo, que detenha a mesma notoriedade da Cruz Vermelha. Nenhuma
sociedade ou associação de saúde é mais conhecida na face da Terra pela
generalidade dos habitantes do planeta, nem mais prestigiada em todos os países
existentes, que a consulente.
A Cruz Vermelha, tanto no Brasil quanto em qualquer
canto da Terra, mais do que uma que simples sociedade civil há mais de um século e
meio transformou-se na primeira referência mundial no assunto em que concentra
suas atividades e sua razão de existir, sejam a saúde e assistência, em particular a
populações flageladas e vitimadas por conflitos ou perturbações de toda natureza,
quer humanas quer naturais, dentre as graves e as gravíssimas, praticamente sem
nenhuma exceção conhecida.
Seus procedimentos e sua obra nesse sentido em verdade
ensinam o trabalho às demais entidades de mesmo objetivo, como o modelo a
seguir, como a meta de excelência a realizar, como o ideal a perseguir.
Pelo que todos sabem sem nenhuma novidade, se alguma
entidade de objeto congênere se aproximar do que realiza a Cruz Vermelha, então
será uma boa entidade.
Estes fatos são incontestáveis, e dificilmente alguém
34
esperdiçaria seu tempo em contestar ou contra-argumentar ante esta solar evidência,
de todos sabida.
Não existe muito a discorrer, portanto, quanto à notória
especialização da sociedade Cruz Vermelha em organização e prestação de serviços
de saúde. Sendo nesse campo, reconhecidamente, a mais notória organização em
todo o mundo, nada mais se precisa aduzir quanto a este ponto.
XIX – A propósito da singularidade dos serviços que a
sociedade civil Cruz Vermelha Brasileira presta, ainda que este tema comporte mais
dilação também não resta difícil demonstrá-la para atender a necessidade presente.
Uma entidade como a Cruz Vermelha,por tudo o que dela
se conhece e que ela corrobora a cada dia que passa nas suas atuações por todo o
mundo e também no Brasil, singulariza todo trabalho que efetua.
Não pode existir um trabalho de organização e de
gerenciamento de serviços locais de saúde que seja sequer parecido com outro, se
prestados por duas entidades diferentes, eis que terão métodos distintos de trabalho,
assim como concepções diversas de trabalho, e que com isso, e por decorrência
disso, adotem políticas operacionais únicas e inconfundíveis.
Que o trabalho da Cruz Vermelha não é nem pode ser o
mesmo desenvolvido por nenhuma outra entidade no país e no mundo parece
indiscutível. Ocorre que nenhuma sociedade presta o mesmo serviço que outra,
mesmo sem se envolver a consulente.
Observe-se que o objeto de tais referidos contratos não é
o de manter limpo um hospital, ou de manter atendentes uniformizadas no pronto-
35
socorro, nem de manter a sala de cirurgia equipada e asséptica; tudo isso em
conjunto constituirá talvez um centésimo do objeto total de um único contrato de
gerenciamento dos serviços de saúde que um hospital municipal, ou um complexo de
hospitais, preste à sua população.
Organizar e gerenciar os serviços de saúde de um
Município pequeno ou médio, ou de apenas parte dos serviços totais dentro desse
Município, constitui uma gigantesca operação estratégica de concepção, de filosofia
de trabalho, planejamento de métodos de trabalho e de táticas de ataque às
necessidades, de operacionalização em média e em grande escala de procedimentos
como triagens, diagnósticos, atendimentos emergenciais e urgentes – com toda a
estrutura médica e paramédica exigida -, centros de recuperação, centenas de leitos
atendidos durante as 24 horas do dia, tudo atendido por um monumental conjunto de
equipamentos sempre atualizados, e de recursos materiais e humanos de toda ordem.
Quem trava conhecimento do trabalho da Cruz Vermelha
em campos de guerra, entre bombardeios e explosões, montando hospitais em tendas
no deserto ou na selva, implantando centros cirúrgicos em pântanos e escarpas de
montanhas, com absoluta certeza se dá conta nesse mesmo instante que não se trata
de uma improvisada cooperativa médica reunida às pressas para vender planos de
assistência em grupo.
O serviço da Cruz Vermelha é similar em todo o mundo e
não poderia ser diverso no Brasil, a diferença constituindo em que nosso país feliz e
tradicionalmente não é assolado por guerras, terremotos, furacões nem cataclismas
de diversa ordem, de modo que nem todos os atendimentos heróicos e de grande
bravura prestados alhures nem sempre – afortunadamente, repita-se – têm lugar no
Brasil.
36
Mas a técnica de atuação que se enxerga nas filmagens
do exterior, a seriedade no ataque ao trabalho urgente e imprescindível, a
compenetração da entidade quanto ao que fazer, e a convicção absoluta sobre os
métodos de trabalho, tudo isso se transmitiu ao longo do último século, desde 1.908,
ao trabalho que a entidade realiza em nosso país.
Todo o know-how, ou mais adequadamente o savoirfaire adquirido desde a fundação da entidade ao meio do século XIX vem sendo
transmitido e repassado ao Brasil desde os tempos de Oswaldo Cruz no Rio de
Janeiro, e se hoje o país desfruta de relativa tranqüilidade tanto institucional quanto
de eventos naturais, nunca é demais lembrar que no início do século XX o panorama
era bem outro, tumultuado por guerras, epidemias, pragas, insalubridades de toda
ordem e gênero, tudo aliado a superstições generalizadas da população, como a
respeito das antipaticíssimas vacinas e campanhas sanitárias – e a Cruz Vermelha
sempre manteve firme e decidida atuação naqueles eventos.
Instabilidades políticas e institucionais nunca turbaram
nem tisnaram a sua firmeza no combate a doenças e endemias que assolaram, e ainda
assolam, nosso país, como nenhuma outra entidade, nem de longe, realizou parecido.
Evidentemente toda uma longa tradição de educação
sanitária, de incremento da medicina social, de políticas educacionais sanitárias e de
formação de vastos contingentes de profissionais da saúde e de seus serviços
auxiliares consolidou um patrimônio social e cultural indissolúvel,
que jamais se
perde nem se dilui por mais que o tempo corra, e por mais que cambiem os costumes
e os hábitos da população.
37
O lastro de realizações da entidade consulente não tem
paralelo na história da moderna medicina social do Brasil e do mundo, nem na
resenha do atendimento a contingentes populacionais indetermináveis em volume e
em variedade.
XX – Se é verdade isso acima afirmado, alguém acaso
pretenderá similarizar a ação da Cruz Vermelha Brasileira na organização e na
mantença, que não se admite seja menos que excelente – de serviços locais de saúde,
nas comunidades brasileiras ?
Será preciso gastar muita tinta para evidenciar que uma
entidade como a consulente, que nos honra com o pedido deste parecer, fará serviço
que nenhuma outra congênere será capaz de realizar ?
Será preciso insistir sobre a qualidade singular do
serviço de quem tem um século de e meio da mais gloriosa tradição em perto de,
hoje, duzentos países do globo ?
Alguém pretenderá que o serviço de concepção e
organização sanitária da sociedade da Cruz Vermelha possa ser corriqueiro, vulgar,
encontradiço
pronto no mercado,
ou por outro lado que seja desprovido de
requintes de cuidado e de atenções extremamente particularizadas, a cada novo
acordo de trabalho, e a cada novo ajuste de metas ?
Com franqueza, não se atina como uma desconsideração
tamanha possa perpassar a idéia de qualquer pessoa medianamente consciente do
mundo em que habita.
38
Os dados relativos à entidade são tão eloqüentes no
singularizar toda a sua atuação por onde quer que seja, e os monumentais e
heróicos serviços que presta – geralmente entre bombardeios aéreos, minas e
granadas, canhonaços e rajadas de metralhadoras – que resta também bastante árduo
querer, em sã consciência, emparelhar os seus trabalhos com os prestados por outras
instituições de saúde, por mais respeitáveis e consideráveis.
A entidade toda é completamente singular em todo o
mundo, e não é diferente no Brasil, reitere-se. Sua atuação, no dizer de um grande
mestre do direito brasileiro, revela-se incotejável com a de qualquer outra de mesmo
objeto social.
E, num quadro assim, não se imagina que a sociedade da
Cruz Vermelha gerenciar um grande hospital, com todos os seus milhares de
serviços e
subserviços, e de particularidades operacionais, e de complexos
procedimentais que se multiplicam em feixes sem fim, seja o mesmo, ou quase o
mesmo, que qualquer outra entidade gerenciar aqueles mesmos serviços !
A grosseria dessa idéia seria de um primitivismo tão
rudimentar que não se concebe senão nas mentes mais rústicas que se possam
divisar. Nada seria mais tosco, e isto se proclama com todo o respeito devido a todas
as sérias instituições de saúde e de medicina social do país e do estrangeiro.
É que secular tradição de excelência não se confunde
com uma grande estrutura montada ontem e por melhores que sejam os seus
predicados, pois que o tempo ainda não a testou.
Um ente de mais de século e meio de atuação simultânea
e ininterrupta em quase duzentos países, aclamada em todo o planeta como a mais
39
desejável de se ter por perto, não é comum, não é usual no mercado, não é
montadora de linhas de produção em massa para um gosto indeterminado e sem
contorno ou definição. Será tudo, menos comum.
E seu trabalho, por mais que óbvio, será tudo no planeta,
menos comum.
XXI – A doutrina que fora acima colacionada ajusta-se a
este momento deste parecer.
Quando Celso Antônio Bandeira de Mello referiu que
“Em suma a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular
quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório atendimento da
necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o
estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade,”, significa o que se vem
insistindo em afirmar, seja que a marca particular da entidade consulente, sabida à
exaustão em todo o mundo, singulariza de tal modo o seu trabalho que se torna
impossível compará-lo com o de qualquer outra entidade, tornando inexigível a
licitação para sua contratação pelo poder público (4).
“Por isso mesmo é que a singularidade do serviço está
contida no bojo da notória especialização” – é o que concluiu Eros Roberto Grau,
em lição que calha aqui com rigorosa perfeição para o caso da entidade que nos
consulta, notoriamente especializada como é nos serviços de saúde que presta por
toda a superfície do planeta há mais de século e meio. (5)
4
5
Do excerto transcrito ao início, de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Artigo citado ao início.
40
“Se há dois, ou mais, altamente capacitados, mas com
qualidades peculiares, lícito é à Administração, exercer seu critério discricionário
para realizar a escolha mais compatível com seus desideratos”, afirmou no mesmo
sentido Lúcia Valle Figueiredo, e seu mote também se ajusta ao caso presente com
rigor, a indicar que o poder público pode sempre eleger a entidade que desfruta de
especialização absolutamente inconteste não apenas em nosso país para contratação
direta sem possível comparação, do plano técnico jurídico, com qualquer outra
entidade congênere em objeto social. (6)
“A singularidade do serviço indica que a execução do
serviço retrata uma atividade personalíssima, o que inviabiliza uma comparação de
modo objetivo.” Agora é Marçal Justen Filho quem aduz sua conclusão na mesma
exata direção dos juristas anteriores, sempre no sentido de que não cabe licitar
serviço singularizado pela particularíssima qualidade do prestador, como neste caso
se cuida com relação à sociedade Cruz Vermelha. (7)
“As características intrínsecas do objeto contratado não
possibilitam a sua comparação, eis que não se trata de um serviço padrão ou, como
se diz, de prateleira, disponível no mercado” – foi, por fim, o que apropriadamente
ensinou Flávio Amaral Garcia na obra citada neste parecer. Ninguém por certo
haverá de comparar as características do serviço prestado pela sociedade Cruz
Vermelha com outro de mesma natureza, prestado por outrem, e aí reside a chave da
inexigibilidade de licitação para um tão singular desempenho profissional.
Não é preciso ir além. A inteira doutrina brasileira trilha
a mesma senda dos autores citados nesta peça, querendo univocamente significar que
6
Obra citada.
41
se o ente é tão especializado que seu serviço somente por isso seja único, então não
caberá cogitar em licitação para a sua contratação.
Sobre os convênios de colaboração público-particular, e sua ilicitabilidade
em qualquer hipótese
XXII – Se a contratação da entidade consulente, como se
pretende ter restado claro, pode ser diretamente realizada pelo poder público através
da jurídica inexigibilidade de licitação, agora o assunto deve ser outro.
Outra freqüentíssima modalidade de ajuste entre a
Administração pública e entes particulares, não de natureza contratual, não com
interesses antagônicos quanto ao objeto como nos contratos, é o convênio, palavra
que pode vir acompanhada da expressão “de cooperação”, ou “de colaboração”, ou
desacompanhada.
Neste caso os interesses das partes convenentes são
convergentes, unívocos, unidirecionados, homogêneos, paritários, e repartidos
segundo os termos do instrumento de convênio que seja celebrado. Não existe
disputa – como existe no contrato – quanto a preço, condições, vantagens, regalias
ou prerrogativas, porque não teriam nenhum sentido lógico.
Os convênios em verdade podem ter mais de duas partes,
sendo tri ou pluripartites, assim como pode celebrar-se convênio exclusivamente
entre entes estatais, de mesmo nível ou de níveis diferentes. Podem assinar
7
Na obra citada.
42
convênios um ente público e um paraestatal, ou mais de um entes paraestatais, ou
entes paraestatais e particulares, portanto em qualquer possível combinação.
O objeto dos convênios é as partes realizarem algo de
interesse comum com repartição de encargos, ou seja cada qual realizando alguma
coisa, fazendo uma parte, para atingir o fim de interesse recíproco. É o caso de um
convênio de saúde para combater a dengue em determinada região de um Estado. O
Estado convenia então com algum particular e fixa no instrumento o que cabe a cada
parte realizar. Ou, de outro modo, convenia com a União e com Municípios da
região assolada, direta e imediatamente interessados, cada uma de quais pessoas
fornecendo alguma coisa e realizando alguma coisa, conforme o pacto.
Não se trata propriamente, e esta é uma fundamental
característica dos convênios em oposição aos contratos, de obrigações de parte a
parte, porque juridicamente uma obrigação alguém somente assume por força de lei,
que salvo exceção expressa se impõe a todos, ou de contrato, que as partes por
vontade própria assinam justamente para se obrigarem uma perante a outra. Nada
disso ocorre em convênios.
Os convênios representam espécies de “obrigações
morais”, expressão escrita de propósito entre aspas para significar que de fato não
são obrigações jurídicas como são os contratos, porém meros compromissos morais,
ou, em outras palavras, protocolos de intenções formalmente pactuados.
Expressam a intenção que as partes têm de em conjunto,
cada qual se responsabilizando por uma parte, realizarem algo único que interessa a
todas. Algo como “se continuar sendo possível, se doravante nada impedir, é isto o
43
que faremos”. Fossem contratos, então após assinados informariam o que as partes
estariam obrigadas a fazer, com execução e penalidade à que não fizesse.
Nesse sentido se tem como certo que os interesses das
partes nos contratos são, ao menos quanto ao objeto, conflitantes, nada do que
ocorre nos convênios, com seus interesses convergentes postos no papel para as
partes tentarem realizá-los – se nada atrapalhar (8).
Num contrato o contratante obriga alguém a lhe dar ou a
lhe fazer alguma coisa, mediante pagamento; a parte que descumprir essa obrigação
será executada judicialmente pela outra, e se for o poder público o contratante, ainda
aplicará as penalidades legais e contratuais ao contratado.
Num convênio as partes pactuam, se nada depois as
impedir, trabalhar em conjunto para ambas realizarem um só objeto, como, no
exemplo acima, combater a dengue na região paulista do vale do rio Ribeira. Por
esse instrumento de convênio a União empresta máquinas, o Estado dá dinheiro e
homens, e alguns Municípios da região realizam o trabalho de campo. Cada qual
presta contas do que recebeu e do que fez aos demais convenentes.
Se algum Município recebeu equipamentos e dinheiro
mas por motivos vários não pôde nada executar, então simplesmente devolve o
dinheiro e os equipamentos e se retira do convênio, sem sofrer penalidade alguma
8
Se o conflito de interesses nos contratos ainda não estiver claro, exemplifique-se com situações como a do
empregado, contratado pela CLT, que visa ganhar do contratante todo o dinheiro e as vantagens que puder
açambarcar, contrapondo-se ao interesse do empregador, que é o de obter o melhor trabalho possível do seu
empregado, pagando-se o menor salário que possa; ou o do vendedor, que tenta arrancar do comprador o
maior preço que conseguir pela coisa em comércio, opondo-se ao interesse do comprador que é o de pagar o
menor valor que conseguir, se possível zero. É da essência de todo contrato a) a oposição de interesses
quanto ao objeto, e b) a obrigação recíproca entre as partes. E nada disso contém o convênio.
44
nem gerar qualquer outra conseqüência jurídica senão a sua exclusão do convênio.
Diferente seria para esse ente se houvesse contratado alguma coisa.
XXIII – Os convênios constam, mencionados na lei de
licitações, que sobre isso reza:
“Art. 116
Aplicam-se as disposições
desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros
instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da
Administração.”
E o artigo segue longamente por seis parágrafos, um com
seis incisos e outro com três, e pela sua extensão não será transcrito.
Quando se lê o caput a primeira impressão que se tem,
antes de se ler o resto do artigo, é a de que se devem licitar os convênios, porque
afinal a regra dos contratos é a licitação, salvo se e quando a lei excluir essa
obrigação (Constituição, art. 37, inc. XXI; e Lei nº 8.666/93, arts. 17, 24 e 25).
Essa primeira impressão – que de fato é apenas
impressão e nada contém de real em direito – se desfaz à medida em que se lê o
artigo.
Com efeito, as poucas regras que a lei impõe aos
convênios – e não apenas convênios, porque a lei também menciona acordos, ajustes
e outros instrumentos congêneres, que não se sabe exatamente quais e quantos são são tão genéricas, abstratas, subjetivas, etéreas e preceptivas que ao fim e ao cabo
nada têm com as regras do contrato, aquelas constantes dos arts. 54 até 80, que são
45
objetivas, precisas, concretas, definidas, materiais, substantivas, além de detalhadas
e minuciosas, e muito numerosas.
As regras de contratos da lei de licitações constituem um
roteiro seguro e claro do assunto, porém as do art. 116, que mencionam convênios,
acordos e outros ajustes, não são roteiro algum de nada, dando a impressão de que
o legislador escreveu o artigo apenas para não ser acusado de não ter falado sobre o
assunto.
Trata-se de um artigo que funciona como a pedra na sopa
do conhecido chiste popular cunhado sobre a inutilidade de certas coisas que o ser
humano inventa, e segundo o qual “com a pedrinha ou sem a pedrinha a sopa é
rigorosamente a mesma”. Com todo respeito, com art. 116 ou sem esse dispositivo a
lei de licitações segue sendo rigorosamente a mesma, juridicamente sem um
miligrama de diferença.
Já disséramos em matéria publicada e sempre dizemos
que a expressão “no que couber” é muito cômoda ao legislador e muito incômoda ao
aplicador. Somente transfere de um para outro o problema, nunca resolvido, de
saber o que da lei cabe aplicar e o que não cabe aplicar a determinado assunto
secundário, o que o legislador não sabe porque se soubesse escreveria. Talvez nesses
momentos imagine que o aplicador haja de ser um iluminado que devidamente o
saiba.
Quando a lei se transforma em jogo de azar, ou em
loteria de adivinhação, algo nela não anda bem.
XXIV – Os convênios nada têm com licitação.
46
Nenhum convênio sequer tem como ser licitado, porque
essa idéia não faz nem jamais faria nenhum sentido.
Lendo-se todo o art. 116 da lei nº 8.666/93 fica evidente
isso acima afirmado, porque nada ali escrito conduz direta ou indiretamente, nem de
longe ou remotamente, ao instituto da licitação. São como se disse preceitos amplos,
genéricos e vagos, dando uma leve orientação sobre, de resto,o que todos na
Administração pública já sabiam, sabem e praticam há décadas no país quanto aos
convênios que já eram celebrados muitos antes de surgir a lei atual de licitações.
Em nada inovou essa Lei nº 8.666/93 quanto a convênios,
pois que o assunto da mesma lei não é esse, mas licitação e contrato tão-somente. E
nem poderia ser, pois que na Constituição em momento nenhum existem “regras
gerais de convênios”, e somente se existissem é que a União poderia legislar
dispondo sobre normas nacionais sobre esse tema, as quais então poderia impor a
todos os entes federados.
Nada disso existe, de modo que cada Município, o
Distrito Federal, cada Estado e a União, cada um dos entes federados disciplina para
o seu âmbito próprio e exclusivo sobre matéria de convênios, sem obediência
necessária senão às suas regras exclusivas.
É evidente que a União tem normas próprias sobre o
assunto, válidas apenas para a União, como recentemente editou o Decreto nº 6.170,
de 25 de julho de 2.007, que reza:
“Art. 1o Este Decreto regulamenta os
convênios, contratos de repasse e termos de cooperação celebrados
pelos órgãos e entidades da administração pública federal com
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órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a
execução de programas, projetos e atividades de interesse recíproco
que envolvam a transferência de recursos oriundos do Orçamento
Fiscal e da Seguridade Social da União.
§ 1º Para os efeitos deste Decreto,
considera-se: I - convênio - acordo, ajuste ou qualquer outro
instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de
dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social
da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da
administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado,
órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou
municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins
lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo
a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou
evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação” (Os
destaques são nossos).
Observa-se assim a despreocupação máxima da União
quanto à forma escrita do convênio, ou seja o seu instrumento formal. Qualquer
instrumento pode ser utilizado, e portanto fica evidente que não se precisa seguir a
regra da forma do contrato.
Essa já era a orientação da Instrução Normativa nº 1, de
15 de janeiro de 1.997, depois atualizada por diversas outras, e cuja matéria foi após
consolidada pela Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de 2.008, sempre
com a mesma orientação.
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E tanto a União reconhece que não precisa ser licitado o
convênio que editou mais recentemente o seu Manual da legislação federal sobre
convênios da União, de 2.009, que no Capítulo I contém um tópico denominado
“Chamamento público (art. 5º da Portaria Interministerial nº 127/2008)” de onde se
lê (p. 17):
“O órgão responsável pelo repasse
voluntário de verbas federais pode optar por condicionar a
transferência a processo seletivo, no qual serão eleitas as propostas
consideradas mais adequadas para a aplicação dos recursos do
Orçamento da União. (...)
O
chamamento
público
não
é
procedimento obrigatório para todo e qualquer convênio ou
contrato de repasse. Pode ocorrer ou não, e tal decisão compete às
autoridades responsáveis pela concepção e gestão de cada programa
federal.” (Negrito nosso, que abrange duas palavras em negrito
original).
Jamais o Manual federal de convênios menciona
licitação, apenas informando que se quiser a autoridade federal poderá realizar um
chamamento público de interessados, para analisar as respectivas propostas que
acaso forem apresentadas por interessados, porém sempre de modo discricionário e
jamais preconizado ou disciplinado na lei de licitações.
Licitação é um corpo absolutamente estranho em questão
de convênios, reitere-se para encerrar este tópico.
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XXV - Em se tratando de Municípios, cada qual deles
celebra o convênio que bem quiser com a entidade pública ou privada que eleger por
sua conveniência, jamais licitando porque não faz sentido, com base apenas no seu
interesse próprio, peculiar e localizado, e na forma admitida pela respectiva Lei
Orgânica.
O Supremo Tribunal Federal tem decidido há mais de
quarenta anos, e praticamente sumulada, a regra de que o Executivo – de qualquer
nível – não precisa de autorização legislativa pra celebrar convênios, sendo essa
uma matéria inscrita no âmbito de discricionariedade de que desfruta o Poder
Executivo, cabendo portanto apenas a esse Poder decidir se convenia ou não, com
quem e quando quiser, a respeito do objeto que lhe parecer conveniente no
momento.
Leis orgânicas municipais existem que ainda exigem lei
autorizadora de cada convênio que o Executivo pretenda celebrar, e sobre artigos
assim, absolutamente inconstitucionais e contra os quais já triunfamos em diversas
ações diretas de inconstitucionalidade, costumamos afirmar, como blague, que a
liminar é deferida por telefone, e a possibilidade de êxito quanto ao mérito gira em
torno de não menos que cem por cento. (9)
Publicamos um artigo denominado Desmitificando os
convênios, que assim se inicia:
“I – Os convênios de cooperação que o
poder público celebra com particulares, ou mesmo entre órgãos
9
Um só caso: o acórdão TJSP nº 00833216, na ADIn nº 994.04.0011483 na nova numeração do
TJSP), publicado em DOE 12/9/2005.
50
públicos, são francamente mal compreendidos pela Administração,
em geral superestimados e – acredite-se – temidos mesmo, e isso se
dá antes por desconhecimento das regras que o conformam que por
serem de fato de perigosa ou de arriscada celebração, como são
arriscados, considerando-se fiscalização dos Tribunais de Contas,
certos contratos celebrados sem licitação.
Nada disso é merecido entretanto, e
nenhum timor reverencialis deveria cercar a celebração do
utilíssimo instituto jurídico do convênio, há longas décadas
solidamente estabelecido no direito brasileiro como um dos
principais instrumentos. É certo que, apesar das cautelas
extraordinárias que quase sempre os acompanham, os convênios são
assaz de vezes celebrados, mas o que nos parece é que poderiam ser
multiplicadas essas ofensivas governamentais, vez que a sua
utilidade instrumental é, ainda, pouco e insuficientemente
explorada.” (10).
Assim exatamente nos parece.
A sociedade Cruz Vermelha pode ser convenente de
qualquer órgão público brasileiro, jamais de maneira licitada porque sem sentido,
10
Publicado em Fórum de Contratação e Gestão Púbica, jul./06, p. 7.427; Gazeta Juris, 2ª
quinzena/ago/06, p. 285; Boletim de Administração Pública Municipal, set/06, assunto 78; Revista
Zênite de Licitações e Contratos, ago/06, p. 673; Jurídica de Administração Municipal, out/06, p.
1; Revista Governet, Boletim de Transferências Voluntárias, dez/06, p. 714; BDM, out./07, p. 741.
51
apenas bastando se observarem as regras que cada ente federado haja instituído
sobre o tema para o âmbito próprio.
Essas mencionadas regras são, dentro da indispensável
observância dos princípios de administração (Constituição, art. 37), dentre os quais
sobretudo um prévio plano de aplicação dos recursos públicos e de uma rigorosa
prestação de contas, as mais elásticas e flexíveis que se possam imaginar.
Virtualmente quase tudo admitido em direito pode ser
objeto de um convênio público-privado de cooperação.
Um gerenciamento de serviços de saúde, celebrado com
a sociedade Cruz Vermelha Brasileira, é meta que, sem hesitação e por excelência,
se inscreve entre os objetos possíveis.
Conclusão
É possível, após tanta dissertação, concluir em poucas
palavras, e em final resumo de tudo quanto foi explanado, que
a) a sociedade civil Cruz Vermelha Brasileira detém
todos os requisitos de notoriedade profissional no campo de sua atuação, do mesmo
modo como a entidade-mãe, universalmente considerada, porventura os detém em
todo o mundo. Sua renomada no Brasil, como a da entidade de origem fora do
Brasil, é tamanha que nem sombra de hesitação pode turvar esta certeza;
b) vista a sua atuação generalizadamente reconhecida
como notável, daí decorre a característica de inteira singularidade em seu trabalho,
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qualidade essa que empresta indelevelmente à sua atuação profissional há mais de
um século apenas no Brasil;
c) como conseqüência da conjunção desses dois fatores,
combinados à presença do terceiro requisito à contratação direta pelo poder público
com inexigibilidade de licitação - que é a previsão dos contratos de gerenciamento
de serviços (que podem ser de saúde) no art. 13 da lei nacional de licitações e
contratos administrativos -, que o qualifica como serviço técnico profissional
especializado;
d) é de concluir que a sociedade civil Cruz Vermelha
juridicamente pode ser contratada diretamente pelos entes e os órgãos públicos
brasileiros de todo nível e de toda natureza, com base no art. 25, inc. II, da Lei nº
8.666, de 1.993. A justificativa indicará a existência dos três fatores em combinação;
e) considerando-se a natureza dos convênios de
cooperação público-privados, e sua natural e essencial ilicitabilidade em qualquer
caso, e considerando ainda as já descritas qualidades e características da mesma
sociedade civil consulente, juridicamente pode o poder público brasileiro com ela
celebrar convênios de cooperação, e muito especialmente os de gerenciamento ou
administração de serviços locais de saúde, área de sua primordial especialidade.
É nosso parecer.

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