Ivanilda Figueiredo
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Ivanilda Figueiredo
O ACESSO À JUSTIÇA E A TEORIA DA CAPACIDADE (SEN E NUSBAUM). Ivanilda Figueiredo e Ana Maria Breta Barros O que chamamos de Acesso à Justiça? É aparentemente simples para a maioria das pessoas responder à questão colocada acima. Contudo, a pergunta não é tão óbvia quanto parece ser. Na expressão acesso à justiça, acesso deve ser entendido em seu sentido comum, ou seja, como o direito de obter ou fazer uso de ou aproveitar-se de algo. O problema da expressão mencionada é a palavra justiça, em um ponto específico: o que é justiça? Mais do que isso, a questão é o que valoramos como ruim ou bom acesso à justiça: In theory, “equal justice under law” is difficult to oppose. In practice, however, it begins to unravel at key points, beginning with what we mean by “justice”. In most discussions, “equal justice” implies equal access to justice system. The underlying assumption is that social justice is available through procedural justice. But that, of course, is a dubious preposition. Those who receive their “day in court” do not feel 1 that “justice has been done” and with reason. As questão apontadas por Deborah Rhode correspondem ao nosso ponto principal. É necessário esclarecer que não se está falando de justiça como o poder judiciário. Está-se falando sobre justiça relacionada à efetividade de direitos. Para esclarecer esse ponto de vista, é preciso antes explicar alguns conceitos de justiça. Primeiramente, quando o objeto de estudo é a justiça, pode-se dialogar com diferentes filósofos, desde os gregos. Há livros e livros sobre o assunto. Mas, como este não é o objetivo deste texto, iremos somente apresentar um breve dialogo com Rawls a partir de nosso marco teórico que é a teoria da capacidade. Sabe-se que este caminho é audacioso (e talvez perogoso), mas é coerente com o objeto deste trabalho. Não pretendemos analisar em profundidade a teoria de Rawls, mas tão somente os pontos convergentes ( e algumas vezes divergentes) com a teoria 1 RODE, Debora L. Access to Justice, New York: Oxford University Press, 2004, p. 7 das capacidades. A teoria de Rawls será mais explorada em um futuro trabalho e a teoria das capacidades será melhor explanada ao longo do texto. O conceito de justica como equidade defendido por Rawls é constante no diálogo de Nussbaum e Sem. Nussbaum afirma compatilhar algumas idéias da versãoe contratualista de Rawls e que a teoria das capacidades é em alguma medida um extensão ou complemento da mesma.2 Mesmo acreditando que Amartya Sem não concorda com Nussbasum neste ponto, é inegável a contribuição de Rawls para a abordagem das capacidades e mesmo o autor não nega isso. Na nossa percepção, a abordagem das capacidades resolve, em alguma medida, algumas das contradições presentes nos trabalhos de Rawls, principalmente no que se refere a reiterada afirmação da preponderância entre os dois princípios3: “The first principle is prior to the second; also, in the second principle fair equality of opportunity is prior to the difference principle.”4 A passagem transcrita a seguir representa um exemplo dessa contradição: in asserting of the basic rights and liberties, we suppose reasonably favorable conditions to obtain. That is, we suppose historical, economic and social conditions to be such that, provided the political will exist, effective political institutions can be established to give 5 adequate scope for the exercise of those freedoms. Pela sentença transcrita, é possível imaginar que talvez Rawls irá fazer algumas concessões sobre a preponderância dos princípios e que irá considerar a importância de condições materiais no primeiro princípio. Contudo, ele nega isso quando afirma: these conditions mean that the barriers to constitutional government (if such there are) spring largely from the political culture and existing effective interests, and not from, for instance a lack of economic means, or education, or the many skills needed to run a democratic regim.6 2 NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of Justice: disability, nationality and species membership. London: Harvard University Press, 2007, p. 69 3 each person has the same indefeasible claim to fully adequate scheme of equal basic liberties, which scheme is compatible with the same scheme of liberties for all; and social and economic inequalities are to satisfy two conditions: first, they are to be attached to offices and positions open to all under conditions of fair equality of oportunity; and second, they are to be greatest benefit of the least-advantage members of society.” RAWLS, John. Justice as Fairness. Cambridge: Harvard University, 2001,p. 4 RAWLS, John. Justice as Fairness. Cambridge: Harvard University, 2001, p. 43. 5 RAWLS, John. Justice as Fairness. Cambridge: Harvard University, 2001, p. 47 6 RAWLS, John. Justice as Fairness. Cambridge: Harvard University, 2001, p. 47 A concepção de justiça de Rawls pressupõe um ponto de partida onde todos estão em condições semelhantes. Contudo, não existem sociedades contemporâneas com essas características. Rawls, contudo, têm consciência deste fato, que também foi apontado por muitos de seus críticos. Em razão disso, Rawls sempre tenta responder a crítica sem contudo abrir mão da precedência entre os princípios, o que em nossa visão, torna-se um ponto de incongruência. Veja-se a nota de rodapé 07 da parte II de Justice as Fairness: “This principle (the first one) may be preceded by a lexical prior principle requiring that basic needs to be met, as least insofar as their being met is necessary condition for citizens to understand and to be able fruitfully to exercise the basic rights and liberties”7 A partir desse trecho, não é possível inferir a admissão de necessidades básicas para possibilitar a realização do primeiro princípio? O último ponto é a suposição de Rawls de que pessoas na situação inicial de equidade têm, como conseqüência, um comportamento voltado para a cooperação e isso constitui uma sociedade com individuos que cooperam entre si. Contudo, indivíduos que não podem agir de maneira a cooperativa ( como indivíduos com graves deficiências8) são, reconhece Rawls9, um problema não resolvido. Os quatro pontos destacados são os pontos que entendemos que a abordagem das capacidades pode contribuir para a teoria de Rawls, uma vez que: • Não existe um ponto de partida eqüitativo em nossas complexas sociedades; • Muitos direitos sociais precisam ser garantidos para colocar as pessoas em lugares semelhantes; • 7 Muitos indivíduos não podem ser membros cooperadores da sociedade; Na minha dissertação, utilizei com receio este exemplo pensando que poderia não ter entendido corretamente a teoria de Rawls. Contudo, recentemente percebi que este exemplo foi utilizado por Nussbaum (Frontiers.... p. 289) o que afastou meu receio. Minha dissertação foi publicada sob o título: Políticas Públicas e realização dos direitos sociais. 8 Veja Frontiers of Justice, Marta Nussbaum. Neste trabalho, a autora destaca essa questão. 9 “Important here is the use conception of the citizens as a cooperating member of society over a complete life, which enables us to ignore differences in capabilities and endowments above the minimum. That conception directs us to restore, or in appropriate way to make good m our capabilities when by illness and accident we fall below the minimum and are unable to play our part in society.” Fairness , 177 Neste caso, o autor ve o dever de outros cidadãos de manter essas pessoas • Muitos indivíduos não querem cooperar com a sociedade (como aqueles indivíduos que optam por não votar ou aqueles que preferem isolar-se) A teoria da abordagem das capacidades, principalmente se centramos atenção na obra de Sen, é extremamente preocupada com a liberdade dos indivíduos. Assim, é possível em uma sociedade existirem pessoas extremamente envolvidas com questões relacionadas ao interesse público ou pessoas que não podem ou não querem se envolver. Estamos basicamente falando do que as pessoas podem ou querem fazer com os mesmos instrumentos. Mais do que isso, o ponto de partida eqüitativo não está presente na abordagem das capacidades e os direitos sociais são expostos como essenciais para as pessoas desfrutarem a liberdade. Nussbaum não está preocupada, em seus trabalhos recentes, em explorar uma comparação entre a abordagem das capacidades e outras teorias de justiça. Na verdade, ela afirma: “the primary task of my argument will be to move beyond the merely comparative use of capabilities to the construction of a normative political proposal that is a partial theory of justice.”10 Seu principal objetivo é explicar o que são capacidades e compor uma lista com as capacidades humanas centrais. Esses dois pontos serão abordados no próximo tópico. Agora, ela aceita sinceramente um acordo com a visão de Sen sobre a abordagem da capacidade e os argumentos utilizados para dar suporte a isso11, portanto, tentamos trazer abaixo uma visão sobre justiça que entendemos ser capaz de unir as considerações de Sen e Nussbaum sobre a abordagem das capacidades. Esperamos não estar transmitido uma concepção equivocada das teorias normativas desses autores. Mas como uma versão similar em inglês desse trabalho foi apresentada por Ivanilda Figueiredo em congresso internacional destinado ao debate da teoria destes autores, acredita- 10 NUSSBAUM, Martha C. Women and Human Development. Cambridge: Cambridge th University Press, 8 printing, 2005, p. 6. 11 NUSSBAUM, Martha C. Women and Human Development. Cambridge: Cambridge th University Press, 8 printing, 2005, p. 12. se que não incorremos nesse erro.12 Rawls concentra-se na equidade.13 Sen e Nussbaum, na liberdade. A justiça na abordagem das capacidades é baseada em instrumentos que dão aos indivíduos liberdade de escolher o estilo de vida que eles valorizam.14 Veja-se: “The freedom to lead different types of life is reflected in the persons’ capability set. The capability of a person depends on a variety of factors, including personal characteristics and social arrangements. A full accounting of individual freedom must, of course, go beyond the capabilities of personal living and pay attention to the persons other objectives, but human capabilities constitute an important part of individual freedom.”15Não se trata de uma justiça construída em um contrato imaginário; não é construída numa sociedade utópica ou fictícia. Amartya Sem apresenta uma parábola no começo do capítulo sobre justiça em Desenvolvimento como Liberdade e a decisão mais justa precisa ser encontrada com todos os elementos apresentados previamente.16 Justiça é tratada como instrumento para as pessoas construirem capacidades e alcançarem a liberdade. E para Sen, é moldada de acordo com a sociedade e é utilizada em consonância com a forma como as pessoas lidam com ela e a entendem.17 Acreditamos que a definição de justiça trazida por Teresa Pelpes pode ser descrita como uma resumida definição da nossa perspectiva de justiça relacionada com a visão de Sen sobre capacidade. “I want to suggest a redefinition of justice that allows human flourishing and empowers people to live well”18. Apesar de considerar o estudo da autora audacioso, não concordamos com a forma como foi desenvolvido. 12 Human Development and Capability Association Conference 2008, New Delhi. www.capacbilityapproach.com 13 Sabemos que Raws também prioriza a liberdade. Mas liberdade em Rawls é um conceito com components normativos, diferente, portanto, do conceito de liberdade em Sen. Contudo, não entendermos ser necessário descrever a diferença neste em detalhes nesse momento. Veja SEN, Amartya. Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 64. 14 SEN, Amartya. Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 15 SEN, Amartya. Capabiltity and Well-Being. In SEN, Amartya e NUSSBAUM, Martha. The Quality of Life. New York: Clarendon/Oxford, 2005, p. 33 16 SEN, Amartya. Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press, 1999, p.54-5. 17 In the next chapter we will explore better the concepts of functionings, capabilities and we’ll talk about rights and list. 18 PHELPS, Teresa. Narrative capability: telling stories in the search for justice. Netherlands: Spring, 2006, 106. Considerando que esta é a nossa visão de justiça, o que pode é acesso à justiça? É um direito? Onde está estabelecido? Essas questões podem ajudarnos a solucionar muitos problemas desde a falta de acesso à justiça à falta de realização de direitos. Em um dos mais orogulhoso sistemas judiciais, o Judiciário dos Estados Unidos, este é um grande problema da atualidade. Nos filmes americanos, indivíduos ingressam com ações contra grandes corporações ou contra o governo e obtém, ao final, sucesso. Tem-se, então, a impressão de que todos os cidadãos americanos possuem as mesmas possibilidades de acesso à justiça. Isso, contudo, não é verdade. A falta de acesso à justiça existe tanto aqui quanto em inúmeros outros países, principalmente para os indivíduos vulneráveis19: Less than 1 percent of lawyers are in legal aid practice, which works out to about one lawyer for every 1400 poor or near-poor persons in the United States. (…) the US recognizes no right to legal assistance for civil matters and courts have exercised their discretion to appoint 20 counsel in only a narrow category of cases. Muitos autores retrodecem à Declaração de Independencia dos Estados Unidos ou à Declaração dos Direitos do Homem para falar sobre acesso à justiça ou qualquer outro direito humano. Contudo, está claro que nesses documentos acesso à justiça não possui um conteúdo substancial e nem mesmo inclui a existência de advogados dativos. Inexistindo assistência judiciária, como um indivíduo pode ter acesso ao Judiciário e então chegar à justiça? Pode ele fazer como nos filmes americanos e passar toda a sua vida brigando sozinho nos tribunais ou conformar-se com a injustiça. Não é por falta de bravura que as pessoas escolhem a segunda opção. É uma questão de sobrevivência. Essa é a razão para Garth e Cappelletti atribuir como primeira onda de acesso à justiça a extensão de assistência judiciária à população pobre (advogados dativos e isenção de taxas). Ambos os autores, em um trabalho que hoje é clássico sobre acesso à justiça, percebem três estágios que o Judiciário deve passar: assistência legal 19 Apesar de haver duas emendas que pretendem garantir um julgamento justo - quinta emenda (due process) e décima quarta emenda (proteção igual) – as pessoas vulneráveis são ainda desprotegidas em varias situações. 20 RODE, Debora L. Access to Justice, New York: Oxford University Press, 2004, p gratuita, proteção dos interesses difusos e abordagem de acesso à justiça (justiça informal, reformas legais...)21 Não há dúvidas de que as três ondas apontadas pelos autores representam avanços. Estados liberais clássicos não tinham na agenda preocupações sobre diferenças entre litigants no acesso ao sistema. De acordo com CAPPELLETTI, o primeiro estado a reconhecer o direito à igualdade no acesso à justiça foi a Áustria (1895)22. Contudo, ainda hoje muitos paises não reconhecem esse direito de forma apropriada. E estudos como aquele contribuem para sedimentar a importância da advocacia de interesse público (como é chamado internacionalmente), ou da assitência judiciária gratuíta (como é conhecido no Brasil). Contudo, apesar da grande contribuição dos autores e de sua demonstração de que acesso à justiça é o direito humano mais importante para um moderno e igualitário sistema judicial que pretende garantir e não só proclamar direitos, eles estão somente tratando de acesso ao judiciário. E, como falamos anteriormente, não é este o significado de acesso à justiça que trabalhamos. Kim Economides apresenta uma outra crítica, afirmando que a terceira onda de Garth e Cappelletti valoriza em demasia a paz social e esquece a justiça. Muitos procedimentos informais podem oferecer soluções satisfatórias mas isto não garante a justiça. Ora, a lei não deve trazer a paz mas a espada. Um exemplo real do Brasil demonstra a razão de concordarmos com o autor. Desde 1995, com o objetivo de tornar os processos judiciais mais céleres, foram instituídos juizados especiais com competência para o julgamento de casos de menos complexidade. No direito penal, casos de menor complexidade são aqueles envolvendo crimes de menor potencial ofensivo. Dentro deste conceito, estão inseridos os crimes de ameaça e de lesão corporal. Em razão da criação de juizados especiais criminais, muitos casos de violência doméstica foram julgados por este juizados. Assim, muitos autores foram condenados a doar cestas básicas para instituições voltadas para o atendimento de pessoas pobres. Os processos foram finalizados rapidamente e aparentemente 21 GARTH and CAPPELLETTI, Acesso à Justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, 2002 (reimpresso), p. 12. 22 CAPPELLETTI, m. Social and Political Aspects of Civil Procedure – reforms and Trends in Werstern and Eastern Europe In Mich L. Review, v. 69, 1971, p. 847, 854-55 e nota 38. trouxeram a resolução do conflito, a paz. Contudo, fica a questão: a justiça foi alcançada? Kant de Lima, Burgos e Amorin23, analisando essas cortes, afirmam que a celeridade saiu vitoriosa no impasse com a segurança jurídica. 24 Além disso, Economides afirma que, mais do que olhar para consumidores, precisamos olhar para aqueles que prestam a justiça. É necessário pensar sobre conhecimento jurídico, ensino jurídico e acesso a posições estratégicas no sistema judicial. Em um país como o Brasil, em que existem mais de mil faculdades de direito mas poucas – menos de cem – recomendadas pela OAB, um alto índice de reprovações na prova da OAB e corrida por empregos públicos (a maioria para o judiciário) os argumentos do autor são pertinentes, contudo ainda insuficientes. Outros autores brasileiros, Grinover, Cintra e Dinamarco afirmam o seguinte: acesso à justiça significa admissão do processo (sem a exigência de pagamento); devido processo legal; justiça nas decisões, expressa em padrões justos de analise de evidências e utilidade das decisões (dar o direito na medida certa a quem merece). Observe-se que esses autores estão mais ligados ao procedimento do que os demais autores. Contudo, a concepção apresentada é a visão dos autores com uma perspectiva social e é comum (com pequenas diferenças) em vários autores que ensinam direito processual. Uma expressão mais adequada para acesso à justiça no modo como aqui abordado é acesso a direitos. Acesso à justiça não significa somente acesso a um procedimento judicial mesmo porque consiste em um processo social. Por essa razão, nossa visão de acesso a justiça é intimamente relacionada à visão do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que entende o acesso à justiça como uma das alternativas para a efetividade de direitos. De acordo com o PNUD, “access to justice is, therefore, much more than improving an individual’s access to courts, or guaranteeing legal representation. 23 AMORIM, Maria Stella; KANT DE LIMA, Roberto; BURGOS, Marcelo Baumann. Juizados Especiais Criminais. Sistema Judicial e Sociedade no Brasil. (Special Criminal Courts: judicial system and society in Brazil). 1. ed. Niterói: Intertexto, 2003. v. 1. 229 p. 24 AMORIM, Maria Stella; KANT DE LIMA, Roberto; BURGOS, Marcelo Baumann. Juizados Especiais Criminais. Sistema Judicial e Sociedade no Brasil. (Special Criminal Courts: judicial system and society in Brazil). 1. ed. Niterói: Intertexto, 2003. v. 1., po. 36 It must be defined in terms of ensuring that legal and judicial outcomes are just and equitable.” Para se falar em acesso à justiça, é preciso: 1) Proteção legal: envolve o desenvolvimento de competências que asseguram o reconhecimento de direitos de pessoas desamparadas, dentro do objetivo do sistema de justiça, dando intrumentos para remediar os mecanismos tradicionais e formais (a) Ratificação de tratados e sua implementação pela lei interna; (b) implementação das normas constitucionais; (c) legislação nacional regulamentos e (d) ordens implementação administrativas; de e (e) normas, normas costumeiras 2) Consciência de normas: desenvolvimento de capacidades e efetiva disseminação de informação para ajudar pessoas desamparadas a entender o seguinte: (a) o direito de buscar reparação através do sistema judicial; (b) as varias instituições encarregadas de proteger seu acesso à justiça; e (c) o que deve ser feito para iniciar procedimentos judiciais. A linha do PNUD em relação ao acesso à informação fornece uma oportunidade de desenvolver capacidades e estratégias para promove a consciências de normas. 3) Assistência judicial, desenvolvimento de capacidades ( desde a habilidade técnica a representação) necessárias para as pessoas iniciarem e prosseguirem em procedimentos judiciais. Assistência judicial pode envolver advogados ( como no caso de defensorias públicas ou representação pro bono); e paralegais com conhecimento sobre leis e direitos ou os dois; 4) Julgamento, desenvolvimento de capacidades de identificar a forma mais adequada de reforma ou compensação. As formas de julgamento podem ser reguladas por lei, como nos tribunais e outros semelhantes e na jurisdição administrativa ou por sistemas legais tradicionais; 5) Execução, desenvolvimento de competências para executar ordens e decisões, sejam elas do sistema formal ou tradicional. É importante dar apoio a capacidades para fazer cumprir as decisões dos tribunais e para instituir procedimentos contra ações ou determinações arbitrárias. 6) Supervisão da sociedade civil, desenvolvimento de capacidades de controle social pela sociedade civil, de maneira a fortalecer o controle do sistema judicial; 7) Adoção de orientaçãa baseado na demanda e foco nas necessidades de informação dos pobres e grupos desamparados para responder problemas específicos. A perspectiva do PNUD é mais próxima da nossa visão, mas entendemos que acesso à justiça envolve também outros elementos: a) educação cívica; b) educação em direitos humanos para todos (cidadãos, ativistas, policiais); c) campanhas para incentivar os indivíduos a utilizar o sistema judiciário ao invés de tradicionais subterfúgios; d) descentralização da justiça para possibilitar que pessoas que vivem em locais isolados possam usufruir do sistema; e) sistemas judiciais e policias dignos de confiança; f) decisões audaciosas que demonstrem a possibilidade de parte mais vulnerável ser favorecida no processo; g) independência do judiciário e da polícia; h) desmistificação dos procedimentos judiciais e; i) publicidade e transparência para construir a confiança da população. Essa ampla perspectiva nos fez focar nossa analise empírica (que está em andamento) em um tipo de decisão arrojada: sentenças que reconhecem direitos sociais. Nesses casos, o Estado (Poder Judiciário) está decidindo em desfavor do próprio Estado ( Poder Executivo). E ainda, em muitos casos no Brasil, o próprio Estado (Ministério Público) é o autor da ação. Isso pode ser considerado revolucionário porque permite às pessoas tomar consciência de que podem influenciar políticas públicas. Alguns autores podem contestar essa afirmação argumentando que em Estado Democráticos as pessoas já possuem tal consciência através das eleições. Contudo, nos casos mencionados as pessoas não se sentem tão afastadas quanto nas eleições nas quais as propostas políticas se apresentam mais inefaveis. Outro ponto de convergência de nossa perspectiva com a do PNUD: em alguns países, o ativismo judicial pode criar instrumentos no direito interno através de normas constitucionais ou internacionais. O papel do judiciário em garantir direitos econômicos, sociais e culturais na Índia, África do Sul e Bangladesh demonstra como o judiciário pode ser um instrumento a favor dos fracos. A legitimidade do ativismo judicial depende de como as decisões podem ser justificadas por normas constitucionais e internacionais aceitas e pode ser enfraquecida caso se perceba que o judiciário está ultrapassando os limites de sua competência e invadindo a competência do legislativo. É importante deixar claro que não defendemos um governo por juizes. Nós inclusive acreditamos que esse processo de interferência judicial pode se dar de modo temporário como forma de historicamente se construir o respeito a tais direitos dentro de uma sociedade que não os valorava da forma devida, como a brasileira. Mas, se esse tipo de governo se converter numa ameaça a democracia. São inúmeras as discussões sobre os limites dessa atividade judicial. Discuti-los, contudo, não é nosso propósito neste trabalho. Com o objetivo de ir mais fundo na discussão, nós tentamos demonstrar uma ainda preliminary definição de acesso à justiça. A acessibilidade pressupõe a existência de pessoas (ou sujeito de direitos), capazes de acionar o Judiciário ( com suporte de uma educação crítica) sem qualquer obstáculo relacionado a renda/pagamento ou mesmo obstáculo pessoal (como opressão dos empregadores, companheiros de trabalho ou comunidade) com informação e conhecimento sobre direitos, boa representação judicial (advogado gratuito, se necessário) um rápido e justo desfecho e um Judiciário capacitado a assegurar a efetividade de direitos difusos, sociais e individuais. Acesso a justiça indissociável? e abordagem das capacidades: uma conexão Para discutir a relação entre a abordagem das capacidades e acesso à justiça é preciso tratar de direitos na teoria das capacidades. Todos os exemplos de capacidades presentes nos trabalhos de Sen têm relação com direitos. Nussbaum reafirma esse ponto: The capability theory, include many of the entlitments that are also stressed in the human rights movement: political liberties, freedom of association, the free choice of occupation, and a variety of economic and social rights. And capabilities, like human rights, supply a moral and humanly rich set of goals for development, in place of the “wealth 25 and poverty of the economists”, as Marx so nicely put it. O exemplo do reconhecimento de direito de votos para mulheres, direito este que encontrou resistências e mesmo condido não podia ser exercido por muitas mulheres, apresentado por Nussbaum, demonstra como a abordagem das capacidades pode auxiliar a linguamge dos direitos. A afirmação da autora demonstra que a realização de direitos depende do envolvimento ativo do governo e das instituições ( it “involves material and institutional support”). Neste contexto, quanto mais próxima e mais ativa for a participação da população na efetividade dos direitos, maior será a possibilidade de realização das capacidades individuais. Vê-se, portanto, a importância do acesso à justiça para a teoria das capacidades. Amartya Sen, em Desenvolvimento como Liberdade, fala sobre a retórica dos direitos humanos. É preciso concordar com o autor. Percebe-se hoje que há uma ampla disseminação de um discurso retórico e vazio sobre direitos humanos que contribui para minar sua força (dos direitos humanos). Acreditamos que as formulações da teoria das capacidades podem contribuir para qualificar a discussão (e práticas) sobre direitos humanos. “The capabilities approach, as should by now be evident, is closely alied to human rights approach. Indeed I regard is as species of human rights approach.”26 Acesso à justice é um dos meios – não o único – para se alcançar isso. Ter consciência de direitos é um importante passo para as pessoas aprenderem sobre capacidades, não só como indivíduos, mas também como membros de uma sociedade onde eles podem exigir direitos. Já está demonstrado que o simples reconhecimento de direitos (principalmente através de um simples discurso retórico) não permite a consciência de direitos. É 25 NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of Justice: disability, nationality and species membership. London: Harvard University Press, 2007, p. ** 26 NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of Justice: disability, nationality and species membership. London: Havard University Press, 2007, p. 284 preciso atestar a validade dos direitos, sua existência concreta. O acesso à justiça é uma forma de demonstrar a concretização de direitos aos cidadãos. The capabilities approach insists throughout on the material aspects of all the human goods, by directing our attention to what people are actually able to do and to be.”27 Capacidade está diretamente ligada ao poder de melhorar a vida e também ao poder de decisão, possibilitando a construção de respeito próprio e a integração com a sociedade. O acesso à justiça torna possível lutar por isso. Neste momento, gostaríamos de apresentar um ponto de divergência com a maioria dos autores brasileiros da atualidade e enfatizar a importância das ações individuais para o alcance desse objetivo. Hoje, são reforçados e aclamados os benefícios de ações coletivas, geralmente em detrimento de ações individuais. Ações coletivas contribuem para a realização de muitos direitos e muitas mudanças sociais se concretizaram em razão dessas ações. Por outro lado, é preciso ter em mente que o uso indiscriminado dessas ações tornas as pessoas, principalmente as vulneráveis, dependentes das instituições que movem essas ações. Como o processo neste caso não é individual pode causar uma maior alienação das pessoas, que passam a esperar por soluções. O problema reside ainda no fato de que instituições como o Ministério Público, por exemplo, são preocupadas com as grandes mudanças e grandes causas. Para os indivíduos, contudo, pequenas causas na perspectiva das instituições podem representar sua maior reivindicação. Como se sabe, no Brasil, desde a Constituição de 1988, o Ministério Público teve ampliadas suas atribuições e também seu poder. A instituição, além de ser titular de ações penais, é também legitimada para propor ações em defesa de interesses difusos e coletivos. A maioria das ações coletivas no Brasil são propostas pelo Ministério Público e é preciso dizer que os promotores de justiça utilizam amplamente e de maneira coerente seu poder em defesa dos desamparados. Contudo, muito ainda precisa ser feito e, como 27 NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of Justice: disability, nationality and species membership. London: Havard University Press, 2007, p. 289-290 falado acima, em sua maioria os casos não tratam de desejos e expectativas individuais, e sim da proteção da coletividade. Ainda seguindo a Constituição, cabe à Defensoria Pública a defesa daqueles que não podem custear um advogado. Mesmo existindo defensoria em 27 Estados e a Defensoria da União, a demanda por defensores públicos pelos pobres ainda não é atendida. Mesmo havendo essa carência e uma instituição com legitimidade para propositura de ações coletivas, em 2007 foi promulgada uma lei tornando também parte legítima para impetrar ações coletivas a Defensoria Pública. Essa nova lei pode impulsionar a propositura de ações coletivas. Contudo, é possível vislumbrar que em muitos casos a defensoria irá privilegiar as “grandes causas” em detrimento de pequenas questões, em âmbito individual, que contribuem para a consciência de direitos dos cidadãos e proporcionam uma resposta direta aos anseios dos indivíduos. Contudo, como afirma Mehrotra: We suggested above that simple functionings such as literacy and numeracy might be impossible to achieve without the complex one of being able to take part in the life of the community. The capability set must include the freedom, and in fact, the realized functioning of participation. However, participation by whom? The capability approach as currently formulated – is so focus in the individual capabilities and functionings that it tends to ignore the powerlessness 28 of the poor individual to realize those functionings , even a distant government was willing and able to finance/provide services which are the basis of key functionings. In fact, and individuals functioning of participation rarely amounts to more than voting in elections once every five years. A poor individuals ability to participate more than 29 once in five is limited by her powerlessness. O acesso à justice possibilita a ampliação da participação dos indivíduos, antes restrita à eleição, somente. Para isso se tornar real, é preciso no entanto um cabedal de direitos capaz de minorar as limitações impostas pela pobreza e pela vulnerabilidade. Nós não vamos tão fundo quanto Mahortra que afirma“democracy at the macro level rarely translates into power 28 We believe this critics can be minored if we look deeply at the concepts of “achieving selfrespect” and “being socially integrated” brought by capability approach. 29 MEHROTRA, Santosh. Democracy, decentralization and access to basic services an elaboration on Sens capability approach In COMIN, Flavio, QZILBASH, Mozaffar and ALKIRE, Sabina. The Capability Approach: concepts, measures and applications. New York: Cambridge, 2008, p. 388. for the poor”30. No entanto, o autor parece trabalhar com a prática e a teoria dos direitos e marca um ponto de crucial importância para o acesso à justiça. Como se segue: 31 The state is incapable of delivering these services effectively as long as it operates vertically. Inter-sectoral action is best triggered through ‘voice’ at local level, with village-level planning. This synergy between interventions across sectors is likely to an added benefit to the effective delivery of pressure on local-leve functionaries to respond to local needs and demands, instead of delivering services merely based on resource allocation determined at a higher burocratic level of 32 decision-making. Concordamos com o autor. Isso não quer dizer que as ações coletivas não têm importância. Nossa intenção é acentuar que o melhoramento da capacidade dos individuos rejeita o salvacionismo33 e no Brasil, atualmente, muitas pessoas têm direitos reconhecidos sem nem mesmo saber como isso ocorreu. Se o direito é negado ou mesmo adiado, muitas pessoas nem sabem como recorrer e, como falamos acima, alguns direitos são individuais e intransferíveis. É preciso, portanto, haver uma cultura judicial e uma real possibilidade de ações voltadas para esses interesses, individuais. Considerações Finais Como esse trabalho é um analise preliminar de uma pesquisa que ainda está em curso, ainda não é possível se falar em conclusões. Nosso objetivo é desenvolver as ideais trabalhadas no texto, tanto através de uma pesquisa teórica quanto empírica, que envolverá o estudo do acesso à justiça 30 We think the elections of H. Chavez (Venezuela), E. Morales (Bolivia) and Lula (Brazil) represent one change of perspective and the ascension of the clamor for politics more concerned with the social questions. And in Brazil, despite some political problems (corruption…) the macro political is more focus in the social since Lula’s elections and poverty is in decreasing. 31 The author was talking about basic needs. 32 MEHROTRA, Santosh. Democracy, decentralization and access to basic services an elaboration on Sens capability approach In COMIN, Flavio, QZILBASH, Mozaffar and ALKIRE, Sabina. The Capability Approach: concepts, measures and applications. New York: Cambridge, 2008p. 389. 33 We lead a research about the access to justice in IBSA (India, Brazil and South Africa) countries, but it’s still at the beginning. Then, so far we are comfortable to talk only a respect of Brazil. no Brasil, Índia e África do Sul. Neste momento, desejamos submeter essas idéias preliminares para promover um debate público. Referência Bibliográficas AMORIM, Maria Stella; KANT DE LIMA, Roberto; BURGOS, Marcelo Baumann. Juizados Especiais Criminais. Sistema Judicial e Sociedade no Brasil. (Special Criminal Courts: judicial system and society in Brazil). 1. ed. Niterói: Intertexto, 2003. v. 1. 229 p. CAPPELLETTI, m. Social and Political Aspects of Civil Procedure – reforms and Trends in Werstern and Eastern Europe In Mich L. Review, v. 69, 1971, p. 847-862. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, 2002 (reimpresso), 120p. (The book is published in English as Access to Justice, but the version used was the translated). MEHROTRA, Santosh. Democracy, decentralization and access to basic services an elaboration on Sens capability approach In COMIN, Flavio, QZILBASH, Mozaffar and ALKIRE, Sabina. The Capability Approach: concepts, measures and applications. New York: Cambridge, 2008, p. 385-420. NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of Justice: disability, nationality and species membership. London: Havard University Press, 2007, 497p. ________. Women and Human Development. University Press, 8th printing, 2005, 312p. Cambridge: Cambridge PHELPS, Teresa. Narrative capability: telling stories in the search for justice. Netherlands: Spring, 2006, pp. 105-120. RAWLS, John. Justice as Fairness. Cambridge: Harvard University, 2001, 214p. RODE, Debora L. Access to Justice, New York: Oxford University Press, 2004, p SALDANHA, Nelson. Ética e História. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 17. SALDANHA, Nelson. 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