Sugestão de Políticas para Inclusão Cultural dos

Transcrição

Sugestão de Políticas para Inclusão Cultural dos
Sugestão de políticas para a inclusão cultural dos portadores de deficiência visual
PG&A Consultoria e Serviços SS Ltda.
DCMC0701 – 24 de Setembro de 2007
Objetivo
Este documento tem como objetivo apresentar uma sugestão de política para promoção
da inclusão cultural dos portadores de deficiência visual na sociedade brasileira. Foi
elaborado pela PG&A Consultoria e Serviços SS Ltda, para ser utilizado pelo Ministério
da Cultura em debates e estudos internos ou inter ministeriais. Por se tratar de
contribuição voluntária para a promoção da cidadania das pessoas portadoras de
necessidades especiais, a PG&A autoriza a sua divulgação ampla, pedindo apenas que
seja citada como fonte.
1.1. Resumo executivo
Neste trabalho apresentamos nossa visão sobre uma política que venha a promover
a inclusão social das pessoas portadoras de deficiêncioa visual, principalmente no
cenário cultural, através da regulamentação de dispositivos para que as mesmas
tenham acesso a produtos literários, educacionais, profissionais ou de literatura, a
um custo equivalente ao praticado para os demais consummidores videntes. Esse
acesso se daria através da impressão desses materiais em Braille ou ainda da
disponibilização dos mesmos em formato eletrônico para ser lido em computador
(através de sintetizadores de voz) através de arquivos enviados aos usuários ou
disponibilizados pela Internet através de acesso a sites dedicados e com acesso
controlado. Para propiciar a identificação dos usuários com direito a receber esses
arquivos ou fazer esses acessos, propomos ainda a criação de uma identificação
nacional para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
Pensar Globalmente
Segundo a nossa concepção, a definição de uma ação política específica deve ser
precedida de uma reflexão sobre como situar essa determinada ação em um contexto
global. Sem essa reflexão, corremos o risco de apontarmos para ações descoordenadas
e cuja consequência se perca no varejo de nossas vidas e emoções diárias, sem
promover o necessário conjunto de mudanças de atitude, com caráter duradouro, e com
potencial de mudança efetiva nas vidas das pessoas.
Pensar a questão da inclusão social das pessoas portadoras de necessidades especiais
demanda a reflexão sobre princípios como os que citamos nos pontos a seguir.
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1.2.
Assistencialismo x Promoção Social
A sociedade brasileira possui ainda características culturais de origem judaico cristã
que tendem a encarar os fatos ligados à inserção social das pessoas portadoras de
necessidades especiais em um contexto psicologicamente ligado ao culpa e
caridade (caridade como um instrumento de espiação de culpas difusas). A imagem
do cego plantado em uma esquina, de óculos escuros e segurando uma canequinha
para recolher moedas de esmola ainda povoa o imaginário arquetípico da grande
maioria das pessoas. E este não é apenas um fenômeno brasileiro, mas algo
evidente em países em desenvolvimento. Nesse contexto, quando se definem
políticas para a inclusão social desses cidadãos, deve-se ter em mente que existem
sempre duas formas de se encarar o desafio; o primeiro é o de se considerar que a
inserção social dessas pessoas deve ser feita através de dispositivos
assistencialistas onde recursos são destinados para instituições e organizações que
assumem uma espécie de “tutela” desses cidadãos, tratando os mesmos como uma
clientela de seus serviços. Nesse cenário abre-se espaço para a ocorrência de uma
série de desvios de finalidade, tais como, má administração de verbas, promoção
pessoal de determinados líderes, utilização eleitoreira desses recursos e outros. Tão
nefasto como esses desvios e talvez até pior, porém, é o fato de que uma política de
cunho assistencialista sempre tende a se configurar como um instrumento de
construção, consolidação e perpetuação da dominação entre um e outro grupo
social. No caso específico dos trabalhos destinados a portadores de deficiência
visual, podemos exemplificar de várias formas. Vejamos, por exemplo, o caso da
geração de material literário em Braille. Quem decide o que os deficientes visuais
vão poder ler ou não, são as pessoas que dirigem os aparelhos sociais ou de Estado
que possuem os recursos para a transcrição, adaptação e impressão em Braille.
Assim sendo, a formação cultural desses cidadãos pode ficar fortemente limitada por
essa disponibilidade ou ainda cerceada pela censura explícita ou não que
porventura venha a ser feita, veladamente ou não, por essas instituições e órgãos.
Por outro lado, se pensarmos em uma política de promoção social, estaremos
encarando os mesmos fatos sob óptica totalmente diversa. Neste caso, a estratégia
não seria a de se evoluir mecanismos de injeção de recursos financeiros em
entidades e órgãos que se proponham a tutelar uma pretensa “clientela”, mas sim a
de se criar políticas e dispositivos de incentivo ou de disponibilização de informação,
em formato acessível aos portadores de deficiência visual e com um custo
compatível e acessível a esses usuários. Outra estratégia dessa política de
promoção social deve ser a de capacitar esses usuários bem como seus familiares,
as escolas nas quais eles estudarão, as empresas nas quais eles trabalharão, enfim,
as pessoas com quem eles se relacionarão, com informação, e recursos de
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conhecimento e tecnologia 1 que facilitem o acesso à informação e cultura e
consequentemente a inserção social desses portadores de necessidades especiais
na sociedade, seja trabalhando, seja estudando, seja consumindo e produzindo
cultura.
1.3. Obrigação x Motivação
Existem duas maneiras de se fazer um jumento subir até o topo de uma colina: a
primeira delas é ficar batendo e empurrando a pobre criatura ladeira acima,
dispendendo para isso uma energia enorme e correndo o risco de levar um coice. A
segunda é oferecer uma cenoura para esse jumento quando ele estiver na parte de
baixo da colina e acenar com a possibilidade de ele ter mais se for voluntariamente
para o topo da mesma.
De forma semelhante, podemos tentar obrigar a sociedade e os portadores de
deficiência visual a estabelecerem um relacionamento com algum viés de inclusão
social ou podemos motivar a sociedade a acolher esses cidadãos de forma
produtiva, bem como motivar os portadores de necessidades especiais a
participarem da sociedade, estudando, trabalhando, consumindo produtos culturais e
produzindo cultura.
1.4. Característica Multidisciplinar do fato cultural
A questão de como tratar o conhecimento, no Brasil, ainda é fortemente influenciada
pela postura positivista das missões européias que deram origem às nossas
universidades. Essa postura epistemológica trata o conhecimento humano (e
consequentemente a questão cultural) de forma departamentalizada, como se fosse
possível a adição aritmética de diversas cátedras para a formação de um
determinado conhecimento. Como esse tipo de ideologia permeia toda a sociedade
brasileira, também a estrutura formal de governo se ressente desse tipo de
estruturação. Desta forma, temos vários ministérios que se dedicam a temas
principais, como por exemplo, cultura, educação, saúde, ciência e tecnologia,
fazenda, planejamento, justiça, trabalho, etc., etc.
Ao tratarmos a questão da inclusão social do portador de deficiência visual, sob a
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Conceito de tecnologia: Neste texto estamos adotando o conceito de tecnologia, conforme
elaborado por Marshall Mc Luhan - ""Todos os meios (de tecnologia) são prolongamentos de
alguma faculdade humana - psíquica ou física. A roda é um prolongamento do pé... o livro é um
prolongamento do olho... a roupa é um prolongamento da pele... e …os circuitos elétricos, um
prolongamento do sistema nervoso central.“
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óptica do fato cultural, não podemos prescindir de uma mobilização que inclua, pelo
menos:
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O Ministério da Cultura: devido ao caráter específico dos interesses ligados à
produção cultural, seja ela literária, musical, ligada às artes cênicas, ao
cinema, à Internet e outros meios, tanto no universo do consumo como da
produção.
O Ministério da Justiça: pois a inclusão social do portador de deficiência
visual é um assunto ligado diretamente à promoção da cidadania e ao
respeito aos direitos dos cidadãos. Dessa forma, esse Ministério deve definir
as formas de classificar legalmente a pessoa portadora de necessidades
especiais, as formas de identificar essa pessoa e habilitá-la às isenções ou
prerrogativas que a lei venha a regulamentar de outras questões correlatas.
O Ministério da Educação: pois a inclusão social do portador de deficiência
visual passa necessariamente pelo aparelhamento correto do sistema
educacional no sentido de capacitar professores especializados, criar centros
de produção e adaptação de material didático, criar centros de excelência no
desenvolvimento e utilização de tecnologias adaptativas e promover políticas
e atividades de formação destinados à sociedade em geral, para que as
pessoas, instituições, empresas, etc., venham a adquirir a competência
necessária para bem utilizar as capacidades produtivas e criativas dos
portadores de necessidades especiais.
O Ministério da Ciência e Tecnologia: para definir políticas específicas de
promoção ao desenvolvimento e utilização de tecnologias adaptativas
necessárias ao processo de inclusão social dos portadores de deficiência
visual.
O Ministério da Fazenda: para a regulamentação de dispositivos de isenção
de impostos para a fabricação, comercialização e importação de recursos
destinados especificamente para portadores de deficiência visual ou de
recursos não específicos a essa população mas que estejam sendo utilizados
especificamente para fins educacionais, de trabalho ou culturais, no
atendimento a essa população.
O Ministério do Trabalho: no sentido de regulamentar dispositivos de apoio e
incentivo à profissionalização e empregabilidade das pessoas portadoras de
deficiência visual.
O Ministério da Saúde: no sentido de incentivar políticas de prevenção que
possam diminuir a incidência de casos de deficiência visual e de promover a
pesquisa médica relativa à questão.
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Características a serem levadas em conta no processo de inclusão social, sob o
ponto de vista cultural, do portador de deficiência visual
A maior parte da informação que circula na sociedade atual se baseia em formatos que
pressupõem a utilização do sentido da visão. Assim sendo, da mesma forma que o
maior problema a ser equacionado para a inclusão do portador de deficiência física que
se utiliza de cadeira de roda para sua locomoção, é o acesso às ruas, aos veículos de
transporte público e aos edifícios, a maior barreira a ser equacionada para a inclusão
social do portador de deficiência visual é o acesso à informação escrita e visual silenciosa.
Devido à grande quantidade de informação visual que existe nas obras e produtos
culturais, às vezes é necessário, inclusive, um certo nível de adaptação para que os
portadores de deficiência visual possam se tornar consumidores dessa informação. A
literatura, porém, em sua maior parte, não exige um alto grau de adaptação
demandando apenas que a sua reprodução seja disponibilizada, "mediante o sistema
Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários", conforme
previsto no artigo 46, parte I-d da Lei de Direito Autoral - Lei no. 9610 de 19/02/1998.
"Lei do direito autoral
- integra.pdf"
Agir Localmente
Depois de se refletir sobre o contexto global em que queremos situar a definição de
ações políticas para promover a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência
visual, chega o momento de elaborar e situar ações concretas a serem implantadas
localmente para se trabalhar essa promoção social.
Listamos, a seguir, pontos que entendemos ser um bom começo para uma ação
concreta.
1.5. O que já existe de legislação
Com relação à questão da disponibilização de obras literárias, para qualquer
finalidade (educacional, recreacional, cultural e profissional), temos a própria Lei do
Direito Autoral, citada e anexada no item 3 acima, que em seu artigo 46 assegura o
direito de acesso à literatura através da transcrição em Braille ou da disponibilização
em qualquer outro formato que seja acessível a essa população usuária, conforme
texto literal a seguir:
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"Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
...
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes
visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema
Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;"
Assim sendo, as editoras deveriam disponibilizar o produto literário, quando
requisitado pelo consumidor portador de deficiência visual, em formato Braille, ou em
formato eletrônico codificado e legível por algum software específico ou ainda em
formato aberto, sendo que neste caso o portador de deficiência usuário deveria ser
responsável para que o material não fosse reproduzido, distribuído ou
disponibilizado abertamente para usuários videntes.
Ainda como forma de propiciar a inclusão social desse usuário, o preço a ser
cobrado pelo envio do material para o cego, seja em Braille ou em formato digital,
deve ser o mesmo que o cobrado pelo produto impresso, na lista de varejo da
editora.
1.6. O que ainda precisa ser regulamentado
A disponibilização do produto literário em formato digital pode trazer o risco de
divulgação não autorizada da obra, fora da população de portadores de deficiência
visual. Para evitar essa divulgação indevida, o arquivo deveria ser enviado de forma
nominal à pessoa usuária que houvesse comprado o mesmo. Para facilitar esse
envio, deve haver uma identificação legal da pessoa portadora de deficiência visual,
classificando a mesma como "legalmente cega", para que ela possa exercer o direito
de pedir o envio da obra nesse formato. Essa prática já é utilizada em outros países,
como no Canadá, por exemplo.
1.7. Dispositivos legais a serem criados adicionalmente - Criação de
identificação legal para o usuário com necessidades especiais
Conforme dito no item anterior seria necessária a criação de uma carteira de
identidade do portador de deficiência. Esse documento deve atestar as categorias
de deficiência nas quais o portador de enquadra, para que o mesmos possa fazer
uso de suas prerrogativas legais no acesso físico aos locais, no acesso à educação,
cultura e informação e no acesso ao trabalho. Essa identificação deve ser criada e
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regulamentada pelos órgãos competentes, porém a mesma poderia ser discutida e
formatada no âmbito dos Ministérios da Justiça, Saúde, Educação, Cultura,
Esportes, Trabalho e Fazenda (esta última para o caso de isenções em impostos de
importação, por exemplo). Pode ser necessário o concurso de algum outro Ministério
ou órgão para a regulamentação desse dispositivo.
Observações Finais
Este documento é preliminar e certamente não pretende esgotar o assunto aqui
proposto. Nossa intenção foi a de fornecer subsídios para que comecemos a pensar a
política de inclusão social e cultural das pessoas portadoras de deficiência de uma
forma não assistencialista (pensar globalmente) e a de propor algumas ações imediatas
para começarmos a mudar o quadro de exclusão a que os portadores de deficiência
visual estão submetidos, quando se trata do acesso à informação e aos produtos
culturais literários.
Certamente a sociedade brasileira possui um longo caminho pela frente, até fazer valer
os direitos (humanos) de inclusão das pessoas portadoras de deficiência. Porém, como
dizia o "poeta", toda viagem, por maior que seja, começará sempre pelo primeiro passo.
PG&A Consultoria e Serviços
Marrey L. Peres Jr., Engenheiro
Lucília M. S. Giordano, Cientista Social
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