A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima
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A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima Reginaldo Gomes de Oliveira São Paulo 2003 Reginaldo Gomes de Oliveira A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima Tese apresentada ao Programa de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História. Orientadora: Professora Dra. Marlene Suano São Paulo, 2003 2 Para minha avó materna, Lucinda Amélia Bezerra (in memoriam) com quem aprendi as primeiras letras. 3 FICHA CATALOGRÁFICA OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. São Paulo, Universidade de São Paulo/ Reginaldo Gomes de Oliveira. São Paulo. Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 2003. xv, 405 pp.: il., mapas e fotos. Fontes e Bibliografia pp. 327-358 1. Roraima. 2. Amazônia Contemporânea. 3. História Cultural. 4. História das Representações Políticas. 5. Geopolítica. 6. Relações Interétnicas. 7. Etno-história. I. Teses. II. Título. CAPA – Coletânea de fotos (da direita para esquerda) Cachoeira na região de Uiramutã, Monumento ao Garimpeiro, Cruzamento das avenidas Santos Dumont e Ville Roy, jovem índio de Roraima. Fotos do Guia Turismo em Roraima 2000. Boa Vista/RR. Publicação do Instituto FECOR. Abril de 2000. Montagem em Scan pelo autor. 4 Agradecimentos O presente trabalho encerra uma fase de vida repleta de satisfações, saudades, inquietações, conquistas e percalços. Nesse percurso muitas pessoas foram importantes e a elas expresso meu reconhecimento. Ao apoio financeiro da CAPES, através de bolsa do Programa de Incentivo a Capacitação e Desenvolvimento Tecnológico (PICDT), para a concretização deste trabalho. Ao Reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), através da PróReitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, que me proporcionou o afastamento integral das atividades de docência. Aos funcionários e professores do Centro de Ciências Sociais e Geociências, do Departamento de História da UFRR, pela convivência e incentivos que viabilizaram a realização desta tarefa. Aos funcionários e professores do Departamento de História, do Núcleo de Estudos de História Oral e da Coordenação de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), pela forma carinhosa que me acolheram. Pelas várias oportunidades de diálogos com os professores Ulpiano T. Bezerra de Menezes, Maria Helena R. Capelato, José Carlos S. Bom Meihy, Maria Aparecida de Aquino (DH/USP), Dominique T. Gallois (DA/USP) e Francisco Carlos T. Silva (DH/UFRJ), cujas discussões e sugestões durante o curso foram esclarecedoras para o trabalho. A todos os funcionários de Bibliotecas pela atenção especial, indicação e localização dos documentos. O acolhimento na Biblioteca e Arquivo da Fundação S.O.S Mata Atlântica e do Instituto SocioAmbiental também foi significativo. Os senhores Jerônimo Pereira da Silva (Coordenador do Conselho Indígena de Roraima), Martinho Alves de Andrade Júnior (Administrador Regional da FUNAI/RR) e 5 Artur Nobre Mendes (Secretário Técnico do PPTAL-Brasília/DF) foram solícitos e suas contribuições encurtaram o caminho da pesquisa. Aos membros da Banca de Qualificação Professores Ulysses Telles Guariba Neto e Marcos Antonio Silva (DH/USP), com observações críticas e sugestões ajudaram a definir, com maior precisão, a forma e o conteúdo do trabalho. Essa tese deve muito aos amigos pela colaboração e afeto. Minha gratidão a Claudia Alves, Déborah Freitas, Heloisa Marques, Maria Helena Oyama, Sonia Lobato, Maria Helena Bezzi (in memoriam), Antônio Lobo Stevens, Lourival Néto, Paulo Silva, Ricardo Vagner Oliveira e Roberto Ramos, que contribuíram de várias formas e cada uma à sua maneira para que o projeto se realizasse. A leitura e sugestões de Júlio Galharte foram valiosas. Aos membros da Banca de Defesa Professores Dalmo de Abreu Dallari (FD/USP), Ulysses Telles Guariba Neto, Lincol Ferreira Secco (DH/USP) e Paulo Henrique Martinez (convidado), com observações críticas e sugestões para estudos futuros. Marlene Suano (DH/USP), orientadora e amiga, acompanhou este trabalho lendo-o inúmeras vezes com paciência inesgotável. Durante todo esse percurso manteve diálogo, fez sugestões, mais do que isso, em sua convivência tomei mais gosto pela história. Um agradecimento particular aos meus pais, Paulino e Delzira, de quem tenho recebido nestes anos de tantos esforços, seu carinho, apoio e compreensão. Compartilho com eles as alegrias do final; aos queridos irmãos, Rinaldo, Ranieri e Richard (in memoriam) e irmãs, Rosângela, Rossinete e Rosanir, com quem compartilho a vida; aos demais familiares pela demonstração de afeto. 6 SUMÁRIO Lista de Mapas, Figuras, Fotos e Quadros 09 Lista de Abreviaturas 11 INTRODUÇÃO 18 CAPÍTULO 1 RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do XVI ao XIX 35 1.1 Amazônia Setentrional, perspectivas históricas dos séculos XVI e XVII 36 1.2 Rio Branco, a expansão política e econômica portuguesa com o Maranhão e Grão-Pará 58 1.3 A construção da Amazônia brasileira, séculos XVIII e XIX 1.4 As Tropas de Resgates e as Aldeias Missionárias na conquista da rota fluvial e povoamento 75 1.5 Forte São Joaquim e a consolidação da conquista do Rio Branco 90 1.6 A reação indígena contra o Estado português e a denominada “Praia do Sangue” 96 1.7 As fazendas na bacia do Rio Branco 101 1.8 Roraima no Império 109 CAPÍTULO 2 RORAIMA no século XX: perspectivas históricas, culturais, e políticas 69 118 2.1 O retorno das expedições científicas ao Rio Branco 128 2.2 2.3 O retorno do mito “El Dorado” A Igreja Católica de Roraima e a causa indígena 131 139 7 2.4 Organização e reação indígena 2.5 Ação do Estado, organização e reação da sociedade nãoindígena 166 2.6 Povoamento e meios de comunicação CAPÍTULO 3 A gênese do Estado: do Território Federal à Constituição Federal 150 171 175 3.1 Rio Branco, a criação do Território Federal 3.2 Os municípios e as áreas indígenas: desencontros dos caminhos da memória 208 3.3 A Constituição Federal de 1988 219 3.4 A criação do Estado de Roraima 230 CAPÍTULO 4 A primeira década do novo Estado 177 239 4.1 Os legisladores estaduais e suas propostas 241 4.2 Os novos municípios 263 CAPÍTULO 5 Um laboratório de História Social a céu aberto: lideranças e suas ações 276 5.1 As lideranças e seus projetos 278 5.2 Questões emanentes 283 CAPÍTULO 6 Considerações Finais 6.1 Ruptura da monoconsciência indígena 6.2 O Estado proprietário 6.3 Soluções possíveis?/ Possíveis destinos? 325 326 331 335 8 FONTES E BIBLIOGRAFIA 347 MAPAS, FIGURAS, FOTOS E QUADROS Mapa 01 - Forte de São Joaquim 93 Mapa 02 - Antigos e Novos Fortes na Amazônia, século XVIII 95 Mapa 03 - Migração Indígena, século XVIII 99 Mapa 04 - Territórios atribuídos ao Brasil e à Grã-Bretanha, em 1904 113 Mapa 05 - Geopolítica de Roraima, em 1995 269 Mapa 06 - Áreas Indígenas em Roraima, em 1993 270 Mapa 07 - Projeto Calha Norte 296 FIGURA Figura 01 - Vista aérea do Rio Branco 74 Figura 02 - Maloca Macu 89 Figura 03 - Forte São Joaquim e Povoamento 92 Figura 04 - Bacia do Rio Branco: cenas de trabalho indígena 115 Figura 05 - Escola em Boa Vista, professores e alunos 126 Figura 06 - Seminário de Educação Indígena 164 Figura 07 - Reivindicação indígena 165 Figura 08 - Reivindicação dos não-indígenas 170 Figura 09 - Vista aérea de Boa Vista 187 FOTO Foto 1 Foto 2 - Município de Alto Alegre Município de Bonfim 213 213 Foto 3 - Município de Caracaraí 214 9 Foto 4 - Município do Mucajaí 215 Foto 5 - Município de Normandia 215 Foto 6 - Município de São João da Baliza 216 Foto 7 - Município de São Luiz do Anauá 217 Foto 8 - Município de Amajari 264 Foto 9 - Município de Cantá 265 Foto 10 - Município de Caroebe 265 Foto 11 - Município de Iracema 266 Foto 12 - Município de Pacaraima 266 Foto 13 - Município de Rorainópolis 267 Foto 14 - Município de Uiramutã 268 Quadro Demonstrativo Quadro 01 - Estado de Roraima. Estimativa da população indígena 154 Quadro 02 - Roraima, população residente 201 Quadro 03 - Roraima, população rural e urbana: importância relativa (%) 1940/1950/1960/1970/1980/1991 201 Quadro 04- Terras da União em Roraima 206 Quadro 05 - População do Estado de Roraima 260 Quadro 06 - Eleitorado de Roraima entre 1990 a 2001 271 Quadro 07 - Distribuição do Eleitorado por municípios 272 Quadro 08 – Distribuição do Eleitorado no Estado 272 Quadro 09 – Organização Não-Governamental Indígena (ligadas ao CIR) 278 Quadro 10 - Organização Não-Governamental Indígena (não ligadas ao CIR) 279 Quadro 11 - Organização Não-Governamental Não-Indígena (a favor do índio) 279 10 Quadro 12 - Organização Não-Governamental Nacional 279 Quadro 13 - Organização Não-Governamental Internacional 280 Quadro 14 - Igreja ou Instituição Religiosa 280 Quadro 15 - Área Federal 281 Quadro 16 - Representantes da sociedade roraimense 283 Quadro 17 - Terras indígenas em Roraima 332 ABREVIATURAS ABA : Associação Brasileira de Antropólogos. ADCT : Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. AMBTEC : Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima. BID : Banco Interamericano de Desenvolvimento. BIRD : Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. BN : Jornal Brasil Norte (Boa Vista/RR). CAPH/USP : Centro de Apoio à Pesquisa em História da Universidade de São Paulo. CEDI : Centro Ecumênico de Documentação e Informação. CIDR : Centro de Informação Diocese de Roraima. CIMI : Conselho Indigenista Missionário. CIR : Conselho Indígena de Roraima. CNBB : Conselho Nacional dos Bispos do Brasil. COIAB : Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. CPI : Comissão Parlamentar de Inquérito. CSN : Conselho de Segurança Nacional. DNPM : Departamento Nacional de Produção Mineral. DOU : Diário Oficial da União. EMBRAPA : Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 11 FBV (grifo nosso) FLONA : Jornal Folha de Boa Vista (Boa Vista/RR) FOIRN : Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. FUNAI : Fundação Nacional do Índio. GTA : Grupo de Trabalho Amazônico. IBAMA : Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico. INCRA : Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. INPA : Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. ISA : Instituto SocioAmbiental. JB : Jornal do Brasil MEAF : Ministério Especial de Assuntos Fundiários. MEVA : Missionários Evangélicos da Amazônia. MINTER : Ministério do Interior. MMA : Ministério do Meio Ambiente. NDI : Núcleo de Direito Indígena. OAB : Ordem dos Advogados do Brasil. OD (grifo nosso) OIT : Jornal O Diário (Boa Vista/RR) ONG : Organização Não-Governamental. ONU : Organização das Nações Unidas. OPAN : Operação Anchieta. PCN : Projeto Calha Norte. PND : Plano Nacional de Desenvolvimento. PUC/SP : Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. RBG : Royal Botanical Gardens. SADEN : Secretaria de Assessoramento de Defesa Nacional. SAE : Secretaria de Assuntos Estratégicos. SEBRAE : Serviço de Apoio ao Micro e Pequenas Empresas. : Floresta Nacional. : Organização Internacional do Trabalho. 12 SEPLAN/RR : Secretaria de Planejamento do Governo de Roraima. SIPAM : Sistema de Proteção da Amazônia. SIVAM : Sistema de Vigilância da Amazônia. SPI : Serviço de Proteção ao Índio. SUDAM : Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia. SUFRAMA : Superintendência da Zona Franca de Manaus. UFRR : Universidade Federal de Roraima. UNESCO : Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. WWF : Fundo Mundial para a Natureza. ZFM : Zona Franca de Manaus. 13 RESUMO O Estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, apresenta um relevo acidentado e localiza-se entre ambientes com problemáticas ecológicas distintas: serra, lavrado e floresta. Existe nessa região uma multiplicidade social e cultural indígena e não-indígena em que as relações se mostram marcadas por violências culturais, políticas, sociais, extorsão econômica e deterioração ambiental. Roraima foi transformado de Território Federal em Estado da União com a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988. A partir da década de 1980, com o processo de “Abertura Política” e as manifestações sociais vinculadas ao movimento das “Diretas Já”, surgiu no Estado uma discussão sobre cidadania, direitos civis, demarcação de reservas indígenas e implantação de novos municípios, com a participação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) indígenas e não-indígenas, como também de instituições governamentais. O objetivo deste trabalho é analisar como essa sociedade roraimense incorporou essas transformações sócio-culturais e políticas, caracterizadas por inovações previstas na nova Carta Magna brasileira, por mudanças de posturas e concepções não apenas em relação à infra-estrutura do novo Estado mas pelas exigências de novos comportamentos da população local frente à presença do índio (pró-tradição e pró-nacional), o qual tem reivindicado o reconhecimento de seus direitos (Arts. 231 e 232 da CF/88 e art. 173 da CE/91), respeitando o tratamento diferente entre os índios e não-índios tanto na construção da nova sociedade como na formação do Estado de Roraima. Ao se analisar os confrontos estabelecidos dentro da pluralidade sóciocultural e geopolítica de Roraima, não se destaca um certo e um errado, mas o que atende ao movimento de construção do conhecimento e do exercício da cidadania, conseqüente à busca de valores permanentes no contexto sócio14 cultural e na nova ordem institucional surgida com a Constituição Federal de 1988 e, depois, com a Constituição Estadual de 1991. Nesse sentido, considerou-se fundamental a publicação na imprensa local das idéias dos atores sociais e sujeitos políticos de Roraima que se constituíram como uma de nossas fontes. Analisamos suas visões e posturas associadas às novas formas de relações e vivências, identificando os conflitos presentes entre os vários segmentos sociais roraimenses. Esses discursos veiculados na imprensa, justamente por serem ideológicos, mostraram-se importantes na compreensão dos dois projetos, o da cultura “branca”, de integração nacional, e o das nações indígenas, divididas inelutavelmente entre a manutenção de seu estatuto original e a integração nacional, nas últimas décadas da história de Roraima. Esse confronto da história “branca” com a história nativa que, ao mesmo tempo, mesclou-se e dividiu-se etnicamente, por interferência da administração econômica do Estado, pela ação religiosa da Igreja, gerando conflitos entre o cristianismo e as religiões tribais e, também, pela ação educativa “branca” que perduram na história do tempo presente roraimense. Dessa maneira, as conseqüências advindas de tal confronto, que historicamente favoreceu o poder do Estado “branco”, mostra-se em uma situação de verdadeiro “laboratório” para entendermos a formação tanto de Roraima como do Brasil contemporâneo. PALAVRAS-CHAVE: Roraima; Amazônia Contemporânea; História Cultural; História das Representações Políticas; Geopolítica; Relações Interétnicas. 15 ABSTRACT Sharing borders with Venezuela and Guyana, the State of Roraima presents an uneven topography as it is located among areas with distinctive ecological problems such as hills, valleys and forests. There exists a social and cultural multiplicity involving indigenous and non-indigenous people, with the relationships being marked by cultural violence, political and social problems, economic extortion, and environmental deterioration. In 1988, along with the Brazilian Federal Constitution, Roraima was transformed from a Federal territory into a Union State. At the beginning of the 1980's, a discussion regarding citizenship, civil laws, demarcating of Indian reserves and the establishment of municipal districts came about as a result of the "Political Opening" process and social manifestations associated with the movement for direct elections during the colonel years. Along with this, there was the participation of non-governmental organizations (indigenous and nonindigenous) as well as governmental institutions. This work intends to analyze how the Roraima society incorporated those socio-cultural and political transformations characterized by the innovations in the new 1988 Brazilian Charter. The changing conceptions and postures not only related to the new State's infrastructure, but also the demands of the local population's behavior regarding the presence of the Indian, now demanding the recognition of the indigenous right for the construction of the new society. Analyzing the confrontations established inside the socio-cultural and geopolitical plurality of Roraima, there does not appear to be a right and a wrong side. Consequently, in the search of permanent values in the socio-cultural context and in the new institution order, there is an increase in knowledge and the exercise of citizenship. 16 In that sense, it was considered fundamental the local press publication of the social and political ideas of roraimense citizens as one of our sources. We analyzed their visions and postures associated with the new form of relationships and existences, identifying the existing conflicts among the several segments social roraimenses. Those speeches published in the press, because of their ideological connotations, are very important for the understanding of the last two decades of the history of Roraima. A history of the present time roraimense as a true "laboratory" for our fundamental understanding of the establishment and process of the mentality and of political institutions in Roraima and in contemporary Brazil. Key Words: Roraima, Contemporary Amazon, Cultural history, History of the Political Representations, Geopolitical, Interethnic relationships. 17 Introdução ... a posse da terra gerou o poder e a propriedade gerou o Estado. DALLARI, 2002:55 Este trabalho tem por finalidade apresentar investigações sobre o mundo amazônico no qual o atual Estado de Roraima vem sendo sedimentado. Ele surgiu da ansiedade peculiar em si de lançar um olhar histórico-cultural e sóciopolítico do século XVI ao século XX sobre o Estado supracitado. O mesmo foi desenvolvido por meio de estudos, depoimentos e pesquisas realizadas em livros, revistas, jornais e outros documentos ligados ao contexto histórico ou sócio-político-econômico e cultural de Roraima. Sua divisão abrange os seguintes passos: metodologia e fontes usadas no processo de investigação, ênfase na trajetória histórica e sócio-política do século XVI ao XIX; as perspectivas históricas, culturais e política de Roraima no século XX; a gênese do Estado, as lideranças sociais e suas ações e enfoques finais. O estudo justifica-se pela possibilidade de reinterpretar as contradições envolvendo o Estado, os índios e os não-índios e de revisar importantes questões, como o desenvolvimento e as estratégias políticas na condução dessa situação de conflito, das forças constituintes do Estado e das ONGs indígenas e não-indígenas. Essa questão se dá não só em Roraima, mas em várias regiões do Brasil contemporâneo, que após a Constituição Federal de 1988 se abriram num espaço de novas reordenações políticas e econômicas na construção da cidadania, influenciadas pelo processo de redemocratização do país. De início, é importante ressaltar que, embora promova uma discussão a respeito do comportamento das diferentes formas de representação e organização na formação do Estado e da sociedade roraimense, a nossa 18 investigação não privilegia o estudo mais complexo de suas organizações internas (índios e não-índios), mas sua trajetória na construção do Estado e da sociedade local entre 1988 a 2002, quando Roraima se transforma em Estado Federado, vivenciando suas três primeiras legislaturas. Nesse processo de construção, tanto do Estado como da sociedade, como momento “histórico imediato”, os representantes do Estado e da sociedade local ampliaram seu poder, possibilitado pelo exercício democrático do novo tempo. Trata-se, portanto, de uma realidade histórica interagindo na experiência de vida que implica no reconhecimento de si mesmo como objeto e sujeito da história. “Ela quer se elaborar a partir desses arquivos vivos que são os homens” (LACOUTURE, 1993:217). Assim sendo, estuda-se aqui o tempo presente e um momento emerso da multiplicidade sócio-cultural em conflito, que abrange uma população indígena (constituída por diferentes etnias), uma população não-indígena (formada por fazendeiros, empresários produtores, pequenos agricultores, garimpeiros, militares, religiosos, políticos, administradores, funcionários públicos, entre outros grupos brancos e já mestiçados, mas com titulatura de brancos) e considerável massa de mestiços que, via de regra, se identificam como brancos. Nesse espaço de tempo (1998 a 2002), investigou-se Relatórios do Grupo de Trabalhos Amazônicos (GTA) e de outros grupos que abriram debates em Seminários e Fóruns no tratamento dessa questão indígena na Amazônia Legal. Apesar dos resultados apresentarem sugestões com certos avanços nas reflexões políticas e sociais, direcionadas para processos produtivos auto-sustentáveis, os depoimentos dos participantes índios e não-índios ainda se mostravam presos às dificuldades financeiras e aos problemas conceituais e metodológicos, ditados pelas regras técnicas de um mercado local mundializado. 19 Por isso, ao interpretarmos o significado da contemporaneidade roraimense, seguimos os caminhos indicados por certo viés da historiografia francesa associada à história imediata, social, cultural e política, como também de historiadores que enfatizando a importância da cultura na ação social, preocupados em recuperar as experiências da vida contemporânea1. Tudo isto aponta formas de interpretação histórica que marcaram o aparecimento de uma nova visão formulada pela percepção de que, em uma determinada realidade social, a população experimenta suas situações cotidianas e relações “instantâneas em sua apreensão, simultânea em sua produção do fazer a história imediata” (LACOUTURE, 1993:214). Esse domínio “imediatista”, ligado a um objeto de estudo bastante recente, coloca o historiador e seu campo de pesquisa, como “arquivos humanos”. Esse novo enfoque, no processo histórico, voltado sobretudo para o nosso campo de estudo em Roraima, mostrou indícios significativos entre as situações sócio-culturais e as relações políticas e econômicas, no processo de formação do Estado. Tal como a percebemos, essas situações aparecem determinadas por diferentes necessidades e interesses que se mesclaram em antagonismos, inseridos em um dinamismo de apreensão simultânea. E, em seguida, observamos que essas “situações e relações não param de se mexer, recusando um verdadeiro enquadramento, bem como uma acomodação satisfatória” (LACOUTURE, 1993:222). Jean Lacouture (1993) sugere que o historiador desse processo do tempo presente, como é o caso citado acima, seja, ao mesmo tempo, um “coletor” de situações e “produtor de efeitos”, ou seja, o pesquisador é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da história. Portanto, podemos dizer que, para o historiador 1. Como Edward H. Carr (1996) que exprime certa preocupação em termos de desenvolvimento humano numa abordagem mais ampla da história. Nessa linha de ação temos também as obras de THOMPSON (1998) que desmistificam a história e mostram que o uso de entrevistas, como fonte oral, pode ser utilizado juntamente com as fontes tradicionais da história, na construção de uma memória mais democrática do passado. 20 contemporâneo, é muito mais difícil situar e entender a realidade de seu próprio tempo do que a do século XVIII, por exemplo. Desse modo, os “efeitos” reveladores dos conflitos sócio-culturais e políticos podem ser analisados como “bibliotecas vivas”, o que torna um desafio para se escrever a história de hoje. Essa percepção histórica associada à contemporaneidade, com caminhos teóricometodológicos dividindo-se em muitas direções, fez com que nossas experiências locais contribuíssem para as descobertas da pesquisa, mesclando a relação “sujeito-objeto” desse dinamismo da história contemporânea. Outra possibilidade de análise que condiz com o estudo em questão é de Roger Chartier (1988), que propõe levar-se em consideração as experiências humanas, em que os estudiosos buscam seus argumentos teóricos. O autor apresentou reflexões que apontaram para concepções mais sensíveis às desigualdades sócio-culturais, tomando como ponto central da apreensão histórica a cultura de um determinado contexto social. Tal apreensão se dá por meio das lutas e suas formas de organizações e representações sócio-culturais, cujos mecanismos de atuação contribuem para o entendimento da concepção e do mundo social investigado. Nesse contexto, acreditamos que “as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros (...). Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competição” (CHARTIER, 1988:17). Todos esses aspectos deram origem a um conjunto de situações problemáticas na história atual, em que a História de Roraima não é a exceção e que permitiu a inclusão de novos instrumentos da vida cotidiana suscitados pelas diferentes práticas sócio-culturais e do novo enfoque teórico-metodológico no processo da História Contemporânea. Após a década de 1980, intensificaram-se trabalhos de historiadores que retomaram aspectos do domínio tradicional da história e deram novos enfoques metodológicos no campo historiográfico, 21 incluindo os “novos objetos” que foram definindo a denominada História Nova (LE GOFF, 1993:44). Essa nova concepção historiográfica de exploração aberta das experiências da cultura humana propõe um diálogo mais próximo com as outras áreas do conhecimento científico. Nesse sentido, as representações mentais ganharam importância nessa mediação da história nova, ampliando condições ao aprendizado e conhecimento histórico. Essa orientação de pesquisa histórica, em diálogo com as outras áreas das ciências humanas, influencia determinados estudos que, nesse modelo, escolhem um procedimento teórico-metodológico adequado ao seu corpus documentário (ARIÈS, 1993:161). Há quem considere que o historiador não precisa fazer uma “escolha definitiva” entre as estratégias interpretativas para conduzir a sua pesquisa (HUNT, 1992:21). Embora existam muitas diferenças, tanto nas tendências teóricas como nas metodológicas, a ênfase na história da cultura está no exame minucioso dos documentos (textos, imagens, práticas sociais, etc.) e da abertura crítica diante do que será mostrado por esse exame. Assim, tanto Chartier (1988) quanto Hunt (1992) enfatizam a importância do significado e dinamismo sócio-cultural revelando e recuperando as expressões e interpretações do passado-presente no processo contemporâneo da história cultural. Na verdade, eles apresentaram uma linha de pesquisa que expõe um campo novo de apreensão histórica, intimamente relacionada num diálogo com as outras áreas do conhecimento humano. Nesse sentido, os autores mostraram que as concepções das quais partimos não são apenas teorias, mas também novos problemas da nossa história contemporânea que devem ser recuperados nos movimentos históricos do tempo presente. Tais contribuições historiográficas reiteram nossa crença na necessidade de estudos mais aprofundados do contexto contemporâneo da história de Roraima, 22 que vivencia múltiplas organizações e formas de representações sociais e políticas (indígenas e não-indígenas), entre práticas e apropriações de novos paradigmas da cultura política na criação desse novo Estado amazônico. Essa temática intrigante remete à questão do conceito de nação que foi pensado, sobretudo, em meio às efervescências da Revolução Francesa, como um “conceito político territorial, cuja base era a existência de uma lei comum e de um corpus de cidadania...” (SALIBA, 1993:310). Tal lei de caráter universal proporcionaria aos indivíduos uma unidade mais ampla que propiciaria benefícios comuns a todos os cidadãos. No entanto, percebe-se que existe um prejuízo, em termo de direitos, com relação aos índios que perderiam sua identidade específica relativa a cada grupo indígena. A isto se contrapôs a uma outra interpretação da nação, fruto de reflexões contemporâneas, pelas diferentes correntes da história e da antropologia, de nação pensada pela memória cultural. Tal concepção formula uma unidade mais ampla à qual o coletivo, como fonte de valor e conduta, desfrutaria de muitas coisas em coesão: terra e cosmo (ANDERSON, 1989; CANETTI, 1995; SALIBA, 1993; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000; VIVEIROS DE CASTRO, 1998). Nesse contexto, de caráter peculiar e de um povo organizado culturalmente em uma relação de parentesco com a terra interligada ao cosmo, revivificada nos mitos e ritos da coletividade e da memória, estão as etnias indígenas. Existem autores, entre eles Berta Becker (1994), que se esforçam por mostrar esse conceito partindo da idéia “Nação & Região” num cenário de fragmentação contemporânea: O conceito de Região é bem mais antigo, mas foi redefinido com a formação do Estado Territorial Moderno. Corresponde à territorialização do Estado-Nação: a nação se concretiza em combinações diferenciadas de frações de classes e de grupos no território nacional, constituindo sociedades locais variadas. E a Região passa a ser esta dimensão territorializada do Estado-Nação (BECKER, 1994:103). 23 Considerando o posicionamento dos pensadores anteriormente mencionados e as temáticas pesquisadas nos capítulos, em função de suas especificidades, apresentam recortes entre os séculos XVI até o início do XXI. Assim, o tempo geo-histórico, geo-político e as relações etno-históricas do nosso estudo estão marcados por três momentos: o primeiro conjunto de problemas diz respeito aos séculos XVI e XVII que registraram os primeiros contatos entre índios e europeus nessa região das Américas, sob o poderio da Coroa da Espanha e depois de Portugal com os séculos XVIII e XIX dentro de um conjunto de problemas sócio-políticos, econômicos e fundiários; o segundo relaciona-se aos impactos sociais, culturais, políticos, econômicos, relativos à construção do espaço social roraimense com a criação do Território Federal do Rio Branco e a transformação em Estado Federado; o terceiro se liga às questões sociais e étnicas relativas aos conflitos envolvendo o Estado/União, os índios e os nãoíndios no século XX e começo do XXI, que registraram diferentes momentos de modelos desenvolvimentistas para a região, definindo objetivos na geopolítica administrativa e defesa da região pelo governo local e governo Federal. Procura-se, também, desvendar o processo político vivido pela sociedade local (índios e não-índios), atrelada a diversas esferas governamentais do poder central. Como tais esferas fizeram da região Território Federal (Constituição Federal de 1937, no período conhecido como Estado Novo) e, 45 anos depois, Estado Federado, por meio da Constituição brasileira de 1988 (durante o processo de redemocratização do país). Além disso, deseja-se avaliar o conflito das forças constituintes do Estado de Roraima frente a questões da terra e dos confrontos envolvendo o Estado/União, os índios e os brancos, no decorrer das duas últimas décadas do século XX e como tal assunto vem sendo tratado na esfera do Estado e pela sociedade roraimense (índios e não-índios). 24 Nesse sentido, nosso recorte abrange até a segunda metade dos anos de 1990, quando houve, de forma mais intensa, a comunicação rodoviária nacional e internacional na região, o movimento de imigração não-indígenas e indígenas, o posicionamento dos líderes e representantes da sociedade local (índios e nãoíndios), com a marcante presença do índio pró-tradição (vinculada à Diocese de Roraima) e do índio pró-nacional (ligado ao Estado), que reivindicaram direitos segundo os princípios da Constituição brasileira/88 e da Estadual/91. Almeja-se que esta pesquisa venha abrir caminho para que novos estudos sejam realizados neste foco histórico do Brasil setentrional e que não fiquem só em caracterização e análises, mas busquem soluções efetivas em escala abrangente; levando, desta forma, este trabalho a contribuir um pouco mais com o desenvolvimento histórico deste Estado. Fontes e Métodos Um dos elementos de desvelamento desse processo histórico contemporâneo de Roraima em expansão e intimamente vinculado ao pensamento nacional será um exame da imagem do índio e do não-índio como texto narrativo, incorporado nas múltiplas explicações em forma de documento escrito e entre outras publicações sobre o tema em estudo. Para situar essa visão do índio e branco na trajetória histórica, a partir do século XVI até o XX, buscar-se-á, nas fontes escritas, evidências de dados portadores desses aspectos registrados pelos viajantes, expedições exploratórias, referentes tanto ao processo histórico de Roraima como associados às narrativas presentes nos diferentes interesses com a terra que estão representados na cultura e na consciência indígena e não-indígena roraimense. 25 Por outro lado, constituem nossa base documental, todos os textos produzidos e veiculados na região nesse período que faz referência à questão proposta que é analisar a formação desse Estado e da sociedade nacional local (multicultural), indicando aspectos que podem ter provocado o conflito das forças constituintes e a questão da terra entre Estado e União, os índios e a sociedade local. Trata-se de entender a política integracionista, que deu, pela primeira vez, com a Constituição brasileira de 1934 sendo reiterado com a de 1988, o status jurídico ao índio. Daí, os territórios das nações indígenas poderiam ser utilizados como usufruto, em seus benefícios. Contudo, tais normas jurídicas que tratam dos direitos dos índios geraram entre as famílias indígenas (pró-tradição e prónacional) e a sociedade nacional local, violentos conflitos e distintas posturas políticas em relação a essa situação de reivindicação de direitos que ganharam proporções nacionais e internacionais. Diante de tal diversidade, nesse contexto sócio-cultural, devemos fazer um balanço dos dez anos da transformação de Território Federal em Estado da União, ao longo desse processo de redemocratização do sistema político brasileiro, tanto na estrutura do Estado como do país, com o fim de compreender qual é a dinâmica social do índio e do não-índio nesse processo político e econômico que foi reordenando a construção de Roraima. Como exemplo, identificamos, nos programas de desenvolvimentos para Roraima, discutidos nos fóruns em Boa Vista, ações voltadas para incentivos fiscais, tributários e de créditos beneficiando empresários decididos a investir no Estado. Dessa forma, percebemos como o poder executivo estadual teve grande 26 influência nos fóruns em favor da elite, sem se comprometer com uma política indigenista2. Essa problemática ganhou novos significados políticos e se destacou como importante tema de debates em fóruns realizados por distintas organizações (oficiais e não-governamentais) locais, nacionais e internacionais. Tais debates produziram documentos3 que buscamos em algumas bibliotecas, arquivos de órgãos oficiais e não-governamentais, na imprensa local e em sites na internet envolvidos com essa questão social, cultural e ambiental amazônica. Nesses documentos, buscar-se-á dados para a compreensão dos discursos dos representantes das organizações governamentais e não-governamentais, como fontes que aproximem as múltiplas concepções e a plural experiência de vida da população roraimense. Para estudar tal questão, reexaminar-se-á todos os dados de algumas propostas e documentos relacionados às políticas públicas, sociais e ambientais, que procuraram incorporar em seus conteúdos os elementos dessa tendência contemporânea. Essas propostas, de interesse do governo federal para a Amazônia tendo o apoio de ONGs nacionais e internacionais, apresentaram objetivos vinculados aos interesses do Grupo dos Sete4 na questão dos povos indígenas e das florestas tropicais do Brasil. Citamos algumas: 2. Alguns conceitos relacionados ao histórico da situação do índio aparecem com freqüência no objeto da pesquisa como: Indigenista, segundo estudos antropológicos, significa política de atuação adotada pelo governo ou organização não-governamental em relação aos índios. Indigenismo, conjunto de idéias e valores favoráveis em relação ao índio dentro da política Indigenista. 3. Relatórios, projetos, dossiês, anais, artigos, notas, pareceres, cartas abertas, discursos, revistas, boletins, jornais, sites (Internet), entre outras publicações sobre o tema em estudo. Esse material foi levantado, entre 1998 a 2002, na Biblioteca da Universidade Federal de Roraima, Biblioteca Pública de Roraima, Biblioteca Pública do Amazonas, do Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Biblioteca da Universidade de São Paulo e no Centro de Apoio à Pesquisa em História (CAPH/USP), Biblioteca da PUC/SP, Biblioteca do Centro Cultural São Paulo. Coletamos informações na Secretaria de Planejamento de Roraima, Coordenadoria de Turismo de Roraima, Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social (RR), Fundação Nacional do Índio em Roraima, Diocese de Roraima, Conselho Indígena de Roraima, Grupo de Trabalho Amazônico, Instituto SocioAmbiental (SP), Fundação S. 0 . S. Mata Atlântica (SP). 4. G-7, representa os sete países mais ricos do mundo e lidera políticas públicas sociais e ambientais no planeta: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. O interesse pelas florestas 27 a) Proposta Preliminar para um Programa Piloto para a Conservação da Floresta Amazônica. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Brasileira. Brasília-DF: Editor IBAMA, novembro de 1990; b) Projeto Piloto para o Programa de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Brasília-DF: FUNAI, 1992; c) Projeto do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras: projetos demonstrativos – PD/A. Governo do Brasil, Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Comunidade Européia. Brasília-DF, dezembro de 1992; d) Projeto Piloto Ambiental de Desenvolvimento Auto-Sustentado para a Área Indígena Raposa Serra do Sol. PPTAL5. Brasília-DF: FUNAI, abril de 1994. e) Pilot Program to Conserve the Brazilian Rain Forest: Indigenous Lands Project. World Bank. Washington-USA/World Bank, June 6,1995; f) Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia. Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia. IBAMA. Brasília-DF: IBAMA, jan/1996; g) Projeto de “Capacitação em questões Indígenas”. PPTAL. Brasília-DF: PPTAL, 1997. tropicais do Brasil surgiu durante uma reunião do G-7, em julho de 1990 em Houston, na qual a cúpula do G-7 e os representantes do Brasil desencadearam entendimentos para propostas ambientais e sociais em parcerias: Governo do Brasil, a Comissão das Comunidades Européias e o Banco Mundial. 5. PPTAL, termo que passou a identificar o projeto do “Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais para toda a Amazônia Legal”. A Comissão do PPTAL, composta por representantes nacionais e internacionais ligados ao G-7 e o governo federal tem sede em Brasília-DF, analisa os interesses em jogo e dá o parecer aprovando ou não os projetos elaborados com propostas de desenvolvimento social e ambiental que são de responsabilidades do PPTAL. 28 h) Projeto de “Gestão Integrada do Estado de Roraima”. Governo de Roraima/Secretaria de Planejamento. Boa Vista-RR: SEPLAN, setembro de 1997. Esse universo de fontes apresentavam metas de interesse única e exclusivamente voltadas para o ambiente como se este estivesse apartado da questão social. No entanto, depois, surgiram Relatórios de Avaliação dessas fontes com preocupação tanto ambiental quanto social. Estudaremos alguns: a) Relatório Anual com o título: “Políticas Públicas para a Amazônia”. Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais (IEA). Brasília-DF, janeiro. 1993; b) Relatório da Segunda Reunião dos Participantes do “Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”. Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Belém/Pará, 67.julho.1995. c) Relatório com sugestões para um Projeto Integrado de “Proteção das Terras Indígenas e Populações Indígenas na Amazônia Legal”. Oficina de Trabalho/FUNAI/GTZ6. Brasília-DF, setembro.1995. d) Report of the International Advisory Group (IAG) of the G7 Pilot Programme to Conserve The Brazilian Rainforest (PPG7), Eighth Meeting. Brazil: Brasília-DF, 7-8.July.1997. Relatório do Grupo Assessor Internacional para acompanhar e orientar a implementação dos programas governamentais voltados para questões ambientais e questões indígenas. Entre essas fontes, circularam também outras informações (anais, dossiês, carta aberta, atas, jornais de Roraima, boletins informativos, revistas, etc.) revelando a posição dos atores sociais e sujeitos políticos envolvidos nas propostas de políticas públicas para a Amazônia: 6. GTZ, German Agency for Technical Cooperation. Os participantes desse evento (representantes indígenas, da sociedade nacional, de órgãos oficiais e não-governamentais nacionais e internacionais) estabeleceram sugestões de possível cooperação em Projetos Integrados na Amazônia Legal, com apoio de Cooperação Técnica alemã. 29 a) Anais do Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para a Amazônia. Belém/Pará: FASE/IBASE, fevereiro. 1993. O documento apresentou discussões para melhor compreensão do “Programa Piloto” (PPG7) direcionado para os problemas sociais e ambientais amazônicos; b) Ofício n. 541/DAF/97, de 22 de julho de 1997. Políticas Indigenistas e Demarcação de Terras Indígenas com a contratação de ONGs sem licitação. FALEIROS, Áureo Araújo. Dossiê. Brasília-DF: FUNAI, 22.julho.1997. O documento apresentou anexos (Memorando n. 181/PPTAL/97) relacionados à complexa realidade dos direitos dos índios e de suas terras; c) Carta Aberta dos Índios de Roraima sobre “Demarcação de Terras Indígenas”. Boa Vista/RR, janeiro. 1981. Assembléia Geral dos Tuxauas, na região do Surumu/RR; d) Carta Aberta. “Posição do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)”. Brasília-DF: GTA, 27.agosto.1991. “Programa Piloto” (PPG7) para a proteção das florestas tropicais do Brasil, especialmente, associadas à idéia de uma transformação sócio-cultural e ambiental amazônica; e) The Indian Declaration Against The Pilot Plan. “A Conference about the Pilot Plan was held in Luxemburg, 8-9.June.1991”. (It was promoted by Action, Third World Solidarity and mediated by allies of Earth International). Foi apresentada, pelos representantes indígenas do Brasil, no referido evento; f) Declaração “Desafios para o sucesso do Programa Piloto” (PPG7). Documento elaborado durante o “Terceiro Encontro dos Participantes do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”. Bonn/Alemanha, 10-12.setembro.1996; g) Resolução n. 68, de 1993, publicada no DOU, Brasília-DF, 30 de agosto de 1993, p. 12823, do Senado Federal/Brasil. O documento fez um breve relato da autorização do “acordo-quadro” entre o Brasil e o BIRD relativo ao PPG7; h) Atas da Assembléia Geral dos Tuxauas, realizadas na região do Surumu/RR, em janeiro de 1981/82/85. Fazem referência aos temas conflitantes entre índios e não-índios: demarcação de terras, reorientação educacional dos jovens, propostas de desenvolvimento sustentável em terras indígenas, o problema do alcoolismo e da prostituição entre outras medidas políticas para o 30 reconhecimento da organização social e cultural do índio diferenciado do nacional. Coletar-se-á, nas fontes escritas, referências às múltiplas relações culturais e interesses políticos no contexto da gestão do novo Estado, a questão central em torno da qual se organiza a nossa análise, num diálogo entre história, cultura, política, direito, economia e sociedade, evidenciando a formação de Roraima como Estado da União. Tal questão, não apenas pode oferecer possibilidades de apreensão do aspecto cultural e social na história contemporânea como, também, elucidar disputas geopolíticas e econômicas do novo Estado. A utilização do material publicado pela mídia roraimense (jornais, rádio, televisão, entre 1980/90), como um dos vieses de nossas fontes, evidencia situações em que as vozes do Estado e da população (indígena e não-indígena) oferecem suas idéias à análise e, por sua participação no debate, podemos melhor compreender o universo do Estado em formação. Os jornais locais de maior circulação na capital Boa Vista são: Folha de Boa Vista (FBV) que é de propriedade da Editora Boa Vista Ltda (do empresário e fazendeiro Getúlio Cruz) e o Brasil Norte (BN) que é vinculado ao governo do Estado. A Crítica de Manaus é o mais conhecido jornal regional, além dos nacionais como o Jornal do Brasil (JB), O Globo, O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo, que ampliam a discussão do conflito local por meio da publicação de textos dos editores, dos jornalistas e dos líderes e representantes da política e da sociedade local e nacional. Grande parte das publicações analisadas foi retirada do jornal FBV, motivamos as nossas escolhas por esse jornal, pela sua proposta de tentar democratizar o registro das opiniões nos artigos, entrevistas que apresenta diariamente ao leitor dessa região. A edição do jornal FBV é composta por dois cadernos: 31 Caderno 1 Pág. Capa Opinião Política Política Cidade Cidade Cidade Variedades Social Geral Editais Polícia 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 Caderno 2 Pág. Capa Política Indicador Classificados Classificados Classificados Classificados Classificados Classificados Brasil Esporte Nacional Esporte Local 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 Site: www.folhabv.com.br As seções e conteúdos analisados foram dos textos publicados7 no jornal Folha de Boa Vista (FBV) no seguinte período: Componentes Seções Analisadas Jornal Publicado Demarcação de terras, conflito de terras, cidadania, autonomia, identidade étnica, autodesenvolvimento, Funai, Diocese de Roraima, Assembléias e Conselhos Indígenas, soberania nacional, Igreja, Ongs, entidades (CIMI), tutela, “royalties”, dizimação, resistências, território, reservas indígenas, municípios, eleições, empresários e entidades do comércio, governo de Roraima, Prefeito de Boa Vista, OAB/RR, Assembléia Legislativa, prefeitos, Constituição Federal/88 Editorial e matéria assinada, artigos, reportagem, entrevista e geral. 1992 – Outubro 1996 - Novembro 1997 – Ago/Nov/Dez 1998 - Abr/Maio Jun/Dez 1999 – Jan/Fev/Nov/Dez 2000 - Jan/Fev/Ago/Set Out/Nov/Dez 2001 – Jan/Fev/Abr/Nov 2002 - Jan/Fev/Dez As mudanças e transformações tanto sociais como políticas nessa região foram veiculadas nesse jornal que defendeu ora o não-índio, ora o índio, ora o Estado. Em geral, os textos registraram as experiências da imprensa local vividas de forma dialética e vistas com preocupação por parte dos intelectuais, escritores, jornalistas, editores, entre outros, que expressaram diferentes leituras acerca do conflito fundiário, valores culturais, políticos e sobre a situação em questão no Estado de Roraima. 7. Além dos textos do jornal FBV, utilizamos outros textos que foram elaborados pelos jornais locais “Brasil Norte” (BN) em janeiro/99/00, em dezembro/01/02; pelo jornal “O Diário de Roraima” (OD), em agosto/97; pelo “Jornal do Brasil” (JB), em junho/99, pelo “O Estado de São Paulo”, maio/03; dando cobertura dos acontecimentos locais, referentes ao conflito fundiário e exploração dos recursos naturais. 32 Durante o mês de setembro de 2000, realizou-se entrevistas com o Administrador Regional da FUNAI/RR e com o Coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), nessa ocasião, as informações sobre essa temática política, econômica e sócio-cultural, sem uma efetiva definição fundiária, mostrou-se confusa e esparsa. Apesar das organizações indígenas participarem dos fóruns de discussões que buscam alternativas e soluções para essa questão em Roraima, seus representantes não deixaram claros os fundamentos e os recursos para implementação de programas8 indígenas em parcerias governamentais e não-governamentais, que almejam por meio dos projetos a melhoria social e exploração ambiental9. Desse modo, o presente trabalho foi dividido em seis capítulos. No primeiro capítulo, procuramos analisar as políticas governamentais vinculadas às idéias de expansão da fronteira e defesa da terra ocupada a partir, principalmente, das representações e suas atuações políticas administrativas nas transformações sócio-culturais da região, iniciadas no século XVI indo até o XIX. No segundo, discutimos as perspectivas históricas, culturais e políticas na montagem e na organização espacial e social da região, no século XX. No terceiro, procuramos mostrar, a gênese do Estado: do Território Federal ao Estado Federado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, depois, com a instalação político-administrativa com a promulgação da Constituição Estadual de 1991. O principal enfoque está voltado tanto para os textos constitucionais, relacionados à problemática político-administrativa e sócio-cultural (índios e não-índios), como para o conflito fundiário. O quarto capítulo, analisa os dez anos do Estado de 8. Propostas na área da educação, saúde, agricultura, piscicultura, pecuária, entre outros. Nos procedimentos do Projeto “Ambiental e Desenvolvimento Sustentável”, para a reserva indígena Raposa Serra do Sol, determinou para a região de serra a “recuperação ambiental concomitante a mineração no curso médio do igarapé Capim e imediações de sua confluência com o rio Maú, produzindo 1.500 quilates por ano ao final do terceiro ano do projeto”. PPTAL-FUNAI, Brasília-DF, abril de 1994. Por divergências políticas, econômicas e culturais, entre os representantes governamentais (locais, nacionais, internacionais) esse projeto não foi aplicado. 9. 33 Roraima, por meio das ações do executivo estadual e suas propostas para melhorar a vida da sociedade roraimense (índios e não-índios), a partir de 1991, com a instalação do Estado. O quinto, analisa a participação dos representantes e lideranças indígenas e não-indígenas e os seus projetos na questão fundiária, por intermédio da imprensa local. O sexto, apresenta nossas considerações finais sobre o levantamento de dados referentes ao nosso estudo, a ruptura da monoconsciência indígena (pró-tradição e pró-nacional) e a morfologia sóciocultural do novo Estado. Cumpre, assim, examinar algumas lacunas que marcaram esse processo histórico de Roraima. Tal estrutura instituiu, nas últimas décadas do século XX, novas idéias de direitos constitucionais, incorporando fundamentos de transformação do conteúdo ideológico de concepção do Estado e da sociedade local. É nossa intenção, nesta pesquisa, entender como o aparelho de Estado recém-criado, por exemplo, lida com as questões acima apontadas. Além disso, observar-se-á como se dão as relações atuais entre Estado, índios, brancos e terra, de acordo com os pressupostos de dois textos constitucionais: a Constituição Federal de 1988 e a Constituição Estadual de 1991. Cabe ressaltar que, em se tratando de um processo histórico do tempo presente, é impossível detectar, com maior precisão, as fontes teóricas esclarecedoras dessas práticas e suas respectivas representações e formas de organizações em Roraima, de suas atuações intergovernamentais e dos setores da sociedade, na formação do novo Estado. 34 CAPÍTULO 1 RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do século XVI ao XIX A região de Roraima possui cerca de 230 mil quilômetros quadrados, com diversificado ecossistema na bacia do Rio Branco, é uma área maior do que a do Estado do Paraná e muitos países da Europa. Afigura-se entre terra com relevo acidentado e terra plana, situando-se acima da linha do equador (Hemisfério Norte), entre florestas amazônicas e as primeiras elevações do sistema orográfico das Guianas. Desse modo, seu espaço geográfico apresenta uma grande diversidade: floresta, savana, serras, rios, lagos, cachoeiras, fauna, etnias indígenas, homens da sociedade nacional que habitam distintos povoados ribeirinhos e povoados esparsos das terras firmes. O Rio Branco é considerado o mais importante afluente da margem esquerda do Rio Negro que, junto com o Rio Solimões, forma o Rio Amazonas desaguando no Atlântico. A bacia do Rio Branco é o divisor de águas entre as bacias dos rios Orinoco (Venezuela), Essequibo (Guiana) e Amazonas (Brasil). Em Roraima, existem áreas de rica tradição indígena e outras de plural manifestação não-indígena. As regiões de savana, de serras e de florestas, incontestavelmente, expressam formas de sociabilidade com traços semelhantes ao modo de ser da vida amazônica. Essas áreas, porém, convivem à sua maneira e, no campo das relações sócio-culturais, algumas foram ampliadas, outras modificadas e muitas desapareceram no processo de povoamento ou colonização “civilizada”10 iniciada no século XVI, alongando-se até o nosso tempo presente, início do século XXI. Esse processo histórico, de formação sócio-cultural e 10. Estamos nos referindo ao conjunto de aspectos da cultura ocidental, das características de uma sociedade com o indivíduo bem-educado, cortês, civil, urbano, como elementos peculiares à vida intelectual, artística, moral e material, fruto de concepção da sociedade européia do século XIX. 35 política do Estado, será o objeto de nossa reflexão nesse primeiro capítulo que tratará do momento da expansão. Para compreendermos tal questão, o contato entre índios e brancos acirrando a luta pela posse dessa terra, conduziremos nossas reflexões para os acontecimentos da primeira fase colonial européia, a partir do século XVI. 1.1. Amazônia Setentrional11, perspectivas históricas dos séculos XVI e XVII Entre os séculos XVI e XVII devemos considerar as múltiplas tensões sociais e culturais que se fizeram presentes nas diferentes transformações do sistema político com aspirações de expansão territorial da cultura ocidental, cultivadas pelas monarquias ibéricas e pelas elites tanto da nobreza como da burguesia européia que disputavam a partilha do poder estatal e o monopólio do comércio no Atlântico. Esse período foi definido pelo abandono dos barcos a remo (as galeras) que circulavam no Mediterrâneo, para os navios atlânticos, para a navegação que se tornou à vela no mar aberto. Tais mudanças, alteraram o sistema político e econômico dominante na Europa, que, baseado no acúmulo de divisas e metais preciosos pelo Estado, por meio de um comércio exterior de caráter protecionista, resultou na disputa marítima entre as forças imperialistas em jogo, com as duas monarquias rivais impondo uma divisão do oceano e das terras “descobertas” no Novo Mundo. Assim, o Papa Alexandre VI expediu uma Bula, a 04 de maio de 1493, atribuindo ao Rei espanhol o domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, já descobertas ou que se viessem a descobrirem situadas a ocidente de uma linha meridiana traçada de pólo a pólo e que passasse cem léguas a oeste de qualquer 11. Terras da Amazônia Legal que estão localizadas na parte norte, hoje, fazem parte do Estado de Roraima (Extremo Norte brasileiro). No século XVI, deu-se início ao processo civilizador dos nativos dessa região amazônica, sendo inseridos nos problemas do mundo moderno capitalista. 36 das ilhas dos Açores e Cabo Verde. No entanto, o Monarca português (D. João II) recusou-se a aceitá-la e essa questão tornou-se um dos dilemas entre os reinos ibéricos, com concessões e recuos diplomáticos, na tentativa de aumentarem o poder no Atlântico. Para solucionar o embate entre as duas monarquias competidoras do mundo ultramarino foi assinado, em 07 de junho de 1494, o Tratado de Tordesilhas12. Esse acordo foi considerado um marco histórico nesse processo da partilha política e econômica de competição internacional crescente, na rota oceânica e nas terras que foram divulgadas pela expedição de Colombo. O referido Tratado, demarcando o litoral brasileiro por meio do meridiano que passa por Belém (ao Norte) e Laguna (ao Sul), deu ao Império português domínio de quase toda a bacia do Atlântico afro-brasileiro e parte de terra firme que ficava ao Leste da linha meridional (o Brasil só foi ocupado pelos portugueses seis anos depois, a partir de 1500). O final do século XV e todo o transcurso do XVI ofereceram ao Império português enormes possibilidades internacionais de expansão. Lisboa era considerada como um importante centro de renovações de conhecimentos e valores políticos e econômicos. Estava ligada à Índia e ao Extremo Oriente sem interrupção de comunicação pela rota oceânica, usada para exploração de especiarias asiáticas, e impunha-se ao domínio do Atlântico Sul, aos ancoradouros da costa afro-brasileira. Por sua vez, o Império espanhol desfrutava da expansão e conquista do mercado e matérias-primas (minerais e vegetais) no Atlântico Norte. Nessa perspectiva, a expansão dos reinos ibéricos se fez sob o signo do capitalismo comercial. Esses colonizadores tinham como meta fornecer ao mercado europeu 12. Esse Tratado alterou a linha divisória dos territórios “descobertos” e explorados pelos espanhóis e portugueses, que fora promulgada pela Bula Inter Coetera de 1493. Com o Tratado de Tordesilhas o limite foi ampliado para 370 léguas. 37 produtos exóticos e tropicais de valor comercial, principalmente os metais nobres, as pedras preciosas e os “paus de tinta” (pau-brasil, diferentes raízes e frutos usados na tintura pelos índios). Apesar da diversificação dos produtos tropicais comercializados pelos portugueses, as duas nações ibéricas constituíram instrumentos colonizadores semelhantes na Amazônia: aldeamentos e escravização indígena. Essa ação envolveu tanto o processo de povoamento como o de organização de uma economia complementar voltada para o mercado das metrópoles. A europeização do mundo amazônico aconteceu com a descoberta da rota fluvial interligada ao Rio Amazonas (com entradas pelo Oceano Pacífico, Atlântico e Mar do Caribe). Até o início do século XVI, o Rio Amazonas mal figurava na cartografia de expansão do homem europeu. A sistemática navegação fluvial/marítima entre o Rio Amazonas e o Atlântico foi de fundamental importância para as trocas e contatos entre os índios e os europeus. Na história do Brasil, quando se fala em região amazônica, são logo lembradas as Entradas e Bandeiras, ignorando-se todo esse dinamismo político e econômico internacional do século XVI, ligado ao Tratado de Tordesilhas e à União Ibérica13, por exemplo. Existe uma ausência ou um embate de paradigmas na historiografia brasileira, o que se relaciona às pendências fronteiriças entre os portugueses e as outras nações européias (Espanha, França, Holanda e Inglaterra) na Amazônia setentrional. Em geral, os documentos apenas relatam os feitos corajosos dos homens do Brasil colonial que abriram os caminhos do interior, criando novas formas de vida política e econômica, ampliando o espaço físico da terra portuguesa no Novo Mundo. Nesse processo histórico, as “entradas” e “bandeiras” com que se 13. Relativo ao período histórico entre 1580 até 1640, quando da morte do cardeal Dom Henrique (1580), rei de Portugal, sem deixar herdeiros diretos, o reino português passou para o poder de Felipe II, rei de Espanha. A união entre as duas Coroas (portuguesa e espanhola) ampliou o poder político ibérico nas terras do Novo Mundo e despertou reação agressiva entre as outras nações européias, que disputavam o comércio internacional. 38 procurava “desbravar” as zonas ignoradas do sertão aproximando a Amazônia do litoral, tornaram-se estratégias importantes tanto na busca de novas riquezas como na captura dos indígenas. Assim, do ponto de vista da política expansionista, do conhecimento dos pioneiros “desbravadores” servindo os interesses do poder colonial, os bandeirantes foram considerados “ícones autênticos” dos exploradores portugueses e paulistas (que vieram em busca de ouro no Mato Grosso e se fixaram no sul da bacia amazônica) favorecendo a penetração e a conquista do “Rio-Mar”, o Amazonas pela Coroa Lusa. Nessa perspectiva, o século XVI é visto como um período rico de relatos ou informações difundidas por viajantes e cronistas, que tinham como base essa curiosidade do homem europeu, e as sucessivas visões que circundavam a cultura e a natureza do Novo Mundo, atraindo homens em busca do metal aurífero na terra luso-americana. As primeiras notícias sobre essa região amazônica foram divulgadas em documentos que relatavam as viagens de aventureiros, militares, missionários, naturalistas, cronistas, geólogos, que procuravam atualizar seus conhecimentos científicos e cartográficos, percorrendo essas terras do Novo Mundo com viagens sistemáticas após os anos iniciais do século XVI. As obras configuradas por esses homens engendraram uma história de múltiplos pontos de vista do mundo natural e de seus habitantes indígenas. Desse modo, a região foi divulgada pela primeira vez, sob o olhar da expedição do espanhol Francisco Orellana, ocorrida entre 1539 e 1542. O explorador espanhol buscava notícias que confirmassem a existência da Terra da Canela (o país do Príncipe El Dorado) ou da Cidade de Manoa14. Orellana foi o 14. Mito que se fez presente no imaginário do homem europeu do século XVI, explicando a existência de uma cidade (com palácios cravejados de pedras preciosas, ruas e rios cobertos de ouro) governada por um príncipe que cobria todo o corpo de ouro (IBGE, 1981). Em outra publicação, o mito (El Dorado – homem de ouro) se refere ao príncipe inca, filho caçula de Huayanacapa, que conseguiu escapar dos espanhóis Francisco 39 descobridor da rota fluvial integrada ao Rio Amazonas, percorrendo o rio desde a cabeceira até sua foz no Atlântico. A expedição de Orellana navegou por diferentes labirintos aquáticos entre rios e igapós, pretendendo elaborar uma carta topográfica com o mapa preciso da viagem, mas não descobriu qual dos rios navegados teria ligação com o caminho que o levaria para Manoa. Sem entender direito a língua dos índios, o chefe da expedição nunca tinha certeza do melhor caminho fluvial a ser seguido. Ao encontrar o rio de águas pretas, os homens de Orellana o denominaram de Negro. Gaspar Carvajal (1542), o cronista que fez os relatos da expedição de Orellana, descreveu com detalhes a existência de densas populações indígenas ao longo das margens do rio, dando notícias também da sofisticação de suas cerâmicas. Essa notícia envolvendo a região amazônica com o mito branco El Dorado atraiu imigrantes/aventureiros de nações européias que visavam não só a participação nesse mercado expansionista, mas derrubar o poderio econômico e marítimo internacional mantido pela Espanha no Atlântico Norte. Nesse percurso fluvial, um outro mito do imaginário europeu foi difundido por Orellana: o seu encontro com as “mulheres guerreiras”, as Pizarro, Diego Almagro e outros durante a conquista do Império do Peru. Esse príncipe partiu protegido por um batalhão de guerreiros, de diferentes etnias indígenas, abrindo caminho pela floresta amazônica em direção ao mar do Caribe. Nessa região intransponível, entre as bacias do Amazonas, do Orinoco e do Essequibo, o príncipe inca fundou o Império da Guiana à beira de um lago salgado com duzentas léguas de comprimento. Esse Império seguiu as mesmas regras governamentais do antigo Império do Peru. Todo ano, durante um ritual mítico, o corpo do príncipe inca era coberto de ouro e, num cerimonial de revitalização dos súditos indígenas, era mergulhado em um lago para depois emergir (cf. MANTHORNE, 1996). A confirmação do mito e da existência de tal lago, nessa região setentrional da Amazônia, foi descrita pela expedição do inglês Walter Raleigh de 1594 a 1596, na publicação “The Discovery of the Large, Rich and Bewtiful Empire of Guyana”. Essa publicação teve diversas reimpressões e no ano de 1597 foi simultaneamente traduzida para o francês, holandês e italiano, tornando-se o primeiro best-seller internacional da cultura européia (cf. RALEIGH, Walter. O Caminho de Eldorado, adaptação e notas de E. San Martin, 2002). De acordo com as citações de Sir Raleigh, o caminho para o El Dorado conduzia para as planícies que circundavam as montanhas entre os rios Essequibo e Orinoco. Os registros faziam referência à região da bacia do Rio Branco (Roraima) como o possível lago denominado Parimé. No século XVIII, com a entrada dos portugueses na região, tal lago não foi encontrado, porém, depararam-se com um rio de nome Parimé. 40 amazonas, caracterizadas como cruéis e sanguinárias, que teriam acumulado grande fortuna em pratos de ouro trazidos do El Dorado. Ao final do século XVI e começo do XVII, com o aumento da posse de terras no Novo Mundo e dos bens do poder real, tanto da Espanha como de Portugal, gerou intensas disputas pelo poder crescente e valioso mercado de exportação, em face de sua extensão do mar mediterrâneo para o mar aberto do Atlântico (dominado ao Norte pelos espanhóis e ao Sul pelos portugueses). Desse modo, os Estados-Nações em formação no velho mundo europeu, voltaram-se para a exploração mercantilista na região amazônica. Contudo, vários fatores dificultaram a conquista e a ocupação da terra amazônica (não só pelos espanhóis, como pelos seus inimigos ingleses, franceses e holandeses), entre os quais: a) a variedade lingüística indígena dificultando o entendimento entre os intérpretes; b) a imprecisão das informações cartográficas; c) as Cordilheiras dos Andes e o sistema Parimo-Guiano, formando uma espécie de muralha; d) o clima úmido e quente no vale, frio nas montanhas e o aumento do calor com a proximidade da imaginária linha do Equador; e) as diferentes bacias dos rios Orinoco, Essequibo e Branco com movimentação de suas águas controladas pelas duas estações: seca (período de verão entre outubro e abril) e chuva (período de inverno entre maio e setembro). Além disso, no período chuvoso, a correnteza dos rios fica mais forte, as praias desaparecem por conta da cheia do rio, as margens ficam cobertas por mata cerrada, os barcos parecem mais pesados e os remadores cansados dificilmente enxergam um lugar tranqüilo para ancorar. Havia o pavor sobre as doenças desconhecidas que dizimavam tripulações das expedições. 41 A idéia de medo ou temor dos mistérios da Amazônia surgiu no período após a “Era dos Descobrimentos”. Depois da divulgação das notas de viagens de Sir Raleigh (1596), houve rumores de que muitos homens europeus morreram de “febrões misteriosos” e “constipações tropicais”. Outros, perderam a vida em combate com os índios, principalmente contra os guerreiros do grupo lingüístico Karib que eram considerados canibais. Além disso, as savanas estavam cheias de viveiros de “vermes constipantes” e serpentes de “peçonha sem remédio”. Em alguns locais, beber daquela água era suicídio porque causava “infecções com o mais aflitivo corrimento” (SAN MARTIN, 2002:67/69). Nesse sentido, os serviços de um guia indígena conhecedor da região era imprescindível para sobreviver nessa empreitada. Tais boatos coincidiram com o momento da implantação de estratégias para o controle territorial no Novo Mundo. Os holandeses e ingleses apareceram nesse cenário amazônico fazendo alianças comerciais com os índios, usando mecanismos políticos distintos dos espanhóis e portugueses que impunham a cultura e a religião, construindo uma sociedade amazônica com o trabalho escravo do índio. Nesse processo de colonização e disputa geopolítica, os protestantes holandeses e ingleses ofereciam “guarda militar” aos nativos, justamente contra as tentativas ibéricas de “escravizar e eliminar os hábitos e costumes dos índios em nome do cristianismo” (SAN MARTIN, 2002:13), percebidos claramente como mecanismos de conquista da terra pelos reinos ibéricos católicos. Nessa vivência de confronto político-cultural, as incursões sociais e trocas comerciais na região eram quase exclusivamente indígenas por toda a primeira metade do século XVI. Diferentes famílias do grupo lingüístico Arawak (Wapixana) e do grupo Karib (Makuxi e outras pequenas etnias), que fugiam da 42 colonização espanhola e depois dos portugueses, realizavam pactos inter-tribais e trocas, havendo também guerras entre si na disputa do território. O processo da “mundialização” sócio-econômica indígena, nessa fase histórica da região, encontrava-se sob a égide dos índios denominados “Caribes”15 que monopolizavam as relações inter-tribais e que: (...) desenvolveram, a partir do médio curso do Orinoco, uma enorme atividade comercial e, em muitos casos, verdadeiras conquistas. Navegadores incansáveis, eles já tinham alcançado não só os rios Caura, Paragua e Caroni, mas também o alto Orinoco, o rio Uraricoera, o Tacutu e Rupununi, (...) A partir do rio Orinoco, os Caribes deixavam o curso do Caura, desembocavam no Rio Paragua e, deste, penetravam nos rios Uraricoera e Branco. Pode-se supor que, em alguns casos, realizadas as trocas e os pactos inter-tribais que tinham motivado aquela viagem, voltavam atrás; ou, na maioria das vezes, prosseguiam a pé no “lavrado”, até chegarem no rio Tacutu, e depois deste, no Essequibo. Daí tornavase fácil voltar ao Orinoco (CIDR, 1989: 5). O modo tradicional de apropriação do espaço coletivo, auxiliado pela relação mítica de parentesco com o ciclo da natureza (VIVEIROS DE CASTRO, 1998), usado pelas etnias indígenas, era redimensionando e até reconstruído pelo coletivo de uma identidade única como os denominados “Caribes”. No processo das relações inter-tribais, os “Caribes” transformaram em território de seu domínio as vastas regiões pertencentes às bacias dos rios Orinoco (Venezuela), Essequibo (Guiana) e Branco (Brasil), dentro de um processo ecossistêmico distinto do modo de apropriação do mundo natural pelo branco, de modelo econômico e interesse individualista na relação com a terra. Na visão do índio, essa área territorial amazônica definida pela interrelação entre os seres vivos e o ambiente, respeitando-se o espaço de tempo durante o qual ocorrem os fenômenos naturais relativos aos períodos cíclicos (chuvas, verão, caça, pesca, colheita, etc.), existia como se fosse totalmente uma imensa maloca. A unidade habitacional indígena era mudada de lugar seguindo o ciclo da 15 Somente no século XIX, com auxilio dos textos antropológicos, o termo Karib ou “Caribes” passou a denominar de modo claro o grupo lingüístico e não o grupo étnico, como era difundido de maneira confusa nos textos etno-históricos referentes aos relatos dos viajantes e dos cronistas da fase colonial (CIDR, 1989; REIS, 1989). 43 natureza, desvinculado da idéia de posse de um determinado espaço físico para fixação e exploração, concepção esta da cultura do branco, que delimitou áreas territoriais particulares para usufruto dos espanhóis, portugueses, holandeses, ingleses, entre outros grupos da cultura européia. De acordo com o olhar dos primeiros brancos, os distintos habitantes da Amazônia eram denominados de “índios” e constituíam dois grandes grupos sociais: os caçadores-coletores, que eram nômades; e os agricultores que, com uma organização social mais complexa, eram fixos à terra. O conjunto de idéias do olhar cultural ocidental não alcançou, contudo, o sentido da dimensão simbólica e social indígena, que era distinto da dimensão simbólica e social ocidental. Desse modo, o povo ameríndio se diferenciava de tudo o que o europeu conhecia sobre organização social e cultural: Os espíritos xapiripê dançam para os xamãs desde os primórdios e assim o fazem até hoje. Eles parecem seres humanos, mas são tão minúsculos quanto partículas cintilantes de poeira. (...) Os espíritos são tão numerosos porque são as imagens dos animais da floresta. Todos na floresta têm uma imagem utupê: quem anda no chão, quem anda nas árvores, quem tem asas, quem mora na água (...). São essas imagens que os xamãs invocam e fazem descer para virar espíritos xapiripê. Essas imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não podem vê-los, só os xamãs. Mas não são imagens dos animais que conhecemos agora; são imagens dos pais desses animais, são imagens de nossos antepassados. Nos primórdios, quando a floresta ainda era jovem, nossos antepassados eram humanos com nomes de animais, e acabaram virando caça. São eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram, e são elas que agora dançam para nós como espíritos xapiripê. Esses antepassados são muito antigos. Viraram caça há muito tempo, mas seus fantasmas permanecem aqui (KOPENAWA YANOMAMI, 1998: 08)16. Esse pensamento simbólico, retirado de um depoimento do índio Yanomami, de final do século XX, foi mitificado por meio da narrativa oral ao longo dos séculos passados. Essa narrativa explica a forma de representar e apreender o mundo natural do índio e faz aparecer um conhecimento que não se 16. Davi Kopenawa Yanomami, em depoimento recolhido, traduzido e editado por Bruce Albert. Os Yanomami são caçadores-agricultores e ocupam a região do interflúvio Orinoco-Amazonas (Rio Branco e Negro). São cerca de 9.500 no Brasil e 12.600 na Venezuela. Segundo Davi Yanomami, o xamanismo, enquanto intermediação ritual com todas as formas de alteridade que ameaçam a comunidade humana e a ordem do mundo, é o centro de gravidade de sua cosmologia e filosofia social. 44 restringe ao pensamento cartesiano. Tais imagens do pensamento mítico indígena só poderão ser compreendidas recorrendo-se a esse princípio de representações. Nesse sentido, podemos arriscar em dizer que, tanto no século XVI como no século XX, para o índio não existe o conceito de direitos individuais e propriedade como corriqueiros na cultura ocidental. Existe uma complexa organização social e uma relação de parentesco com o espaço geográfico (terra, fauna, flora), recriado no cotidiano indígena que dá significado a tudo o que acontece entre a esfera humana e a natural (DIEGUES, 2001:54/57). Essa organização social do índio é explicada por meio das narrativas e dos rituais míticos conectando o mundo sócio-cultural ao mundo cosmológico. Sobre os primeiros encontros dos europeus (espanhóis, holandeses e ingleses) com essas etnias indígenas amazônicas nos séculos XVI e XVII as fontes na historiografia brasileira são escassas, mas os poucos documentos revelaram a incontestável confiança e audácia desses europeus enfiando-se durante meses na selva amazônica, apenas com pequenos barcos e botes a remo, enquanto grande parte da tripulação aguardava no navio ancorado na “costa selvagem”17. Dentre os hábitos indígenas relatados pelo olhar dos primeiros exploradores europeus, o de maior impacto foi a notícia sobre a antropofagia. Alguns viajantes acreditavam terem chegado ao tão almejado “paraíso perdido” e outros de terem desembarcado numa terra demoníaca, habitada por “bestasferas”. Passou-se a questionar se a Amazônia era o “imaginário Paraíso ou o Inferno” (LEITE, 1996:35). Após o contato dos índios com as expedições de Colombo e Cabral, as boas impressões sobre as riquezas das terras do Novo Mundo divulgadas por esses viajantes, suscitaram no mundo europeu idéias sobre o “mito do paraíso terrestre” (PERRONE-MOISÉS, 1996). O mais impressionante, aos seus olhos, era essa “gente idílica e sadia em sua nudez” (LEITE, 1996). 17. MARTIN, Expressão que identificava o Nordeste da América do Sul banhada pelo Mar Caribe, nessa época (SAN 2002). 45 Esse tema necessita de maiores estudos, mas existem observações de viajantes europeus (especialmente franceses) do século XVI, na disputa da terra ameríndia, apontando para uma visão etno-histórica, condenando os hábitos culturais e morais dos índios (incesto, preguiça, luxúria, canibalismo, entre outros)18. Nesses documentos, há uma discordância da visão paradisíaca divulgada pelos primeiros viajantes católicos (espanhóis/portugueses), pois os novos relatos (viajantes protestantes) deram ênfase ao hábito antropofágico do índio, contrariando a idéia de que o índio vivia em um cenário semelhante ao dos “primeiros dias da criação”. Essa divergência político-religiosa foi usada pelos protestantes para desautorizar os católicos (papa-hóstia), igualando-os aos antropófagos e solidificando sua reivindicação na posse da vida do índio e da terra conquistada (PERRONE-MOISÉS, 1996:86/90; LEITE, 1996:35-36). Essa estratégia político-religiosa na disputa do domínio colonizador europeu enfrentou outros “poderes” de um sistema que fundamentava as relações indígenas. Na área amazônica do mundo indígena também ocorria mudança e disputa pelo poder e posse do território. Essa área do Rio Branco recebeu múltiplas etnias indígenas nos últimos milênios que instituíram seus espaços sócio-culturais e os variaram de acordo com os diferentes modelos de adaptação ambiental, “sem causar danos irreparáveis” à natureza circundante (MEGGERS, 1987). Com a chegada de novas famílias indígenas gerou uma série de lutas entre as próprias etnias indígenas pela posse da terra e do monopólio nas trocas comerciais entre essas etnias. Entretanto a maioria dos documentos, que registraram essas primeiras explorações dos recursos naturais pelos europeus em fins do século XVI, deu poucas notícias sobre esses primeiros confrontos interétnicos amazônicos. Ora 18. Considerações extraídas de estudos sobre esses documentos do século XVI relatando as circunstâncias das viagens e as características gerais dos relatos resultantes (cf. PERRONE-MOISÉS, 1996:86; LEITE, 1996:34). 46 descrevem os acontecimentos sob a visão fantasiosa dos viajantes e ora na visão dos “desbravadores do sertão”, não deixando clareza sobre o embate entre índios e não-índios na formação do processo histórico associado à idéia de conquista e expropriação da terra que era habitada pelos índios. Outros estudiosos19 da região deram uma interpretação de “efeitos” sobre a paisagem natural do lugar, construindo um mundo praticamente desabitado e desconhecido, fazendo referência às densas florestas “virgens” formadas por montanhas, vales, cachoeiras e rios sem fim. Apresentaram cartografias com detalhes sobre riquezas minerais e destacaram a abundância de madeira, de frutas típicas (cacau, caju, banana, buriti, açaí, etc.) e peixes de variados tamanhos (pirarucu, tucunaré, curimatá, pescada, etc.). Percebe-se um silêncio sobre um dos mais lucrativos “produtos” encontrados pelo colonizador nesse mundo natural: a “caça ao índio”, seguida pela apropriação de suas terras e a busca pelo ouro. Nessa marcha do tempo, criando novas forças e relações sociais, a sabedoria dos povos indígenas foi se misturando ao saber dos povos nãoindígenas que chegavam nessa região. Junto com as transformações da natureza, a cada época, os confrontos sociais e culturais, as reações de admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender a nova ordem aceleraramse: Nos primeiros tempos, os brancos viviam como nós na floresta e seus ancestrais eram pouco numerosos. Omama (herói cultural) transmitiu também a eles suas palavras, mas não o escutaram. Pensaram que eram mentiras e puseram-se a procurar minerais e petróleo por toda parte, todas essas coisas perigosas que Omama quisera ocultar sob a terra e a água porque seu calor é perigoso. Mas os brancos as encontraram e pensaram fazer com elas ferramentas, máquinas, carros e aviões. Eles se tornaram eufóricos e se disseram: “Nós somos os únicos a ser tão engenhosos, só nós sabemos realmente fabricar as mercadorias e as máquinas!”. Foi nesse momento que eles perderam realmente toda sabedoria. Primeiro estragaram sua própria terra antes de ir trabalhar nas dos outros para aumentar suas 19. Um exemplo que mostra bem essa questão está no texto da “Carta de Caminha”, mas os relatos de Sir Raleigh (1595/96), de Carvajal (1542) descreveram a existência de riquezas naturais (minérios, madeiras, entre outros produtos tropicais). Os textos de Humboldt (1825) ou de Bastide (1980) enfatizaram a riqueza da fauna e da flora amazônica, como também os relatos sobre os feitos dos desbravadores das “terras virgens” apontadas por Serrão (1968), entre outros que propagaram uma visão econômica dessa natureza amazônica “intocável”. 47 mercadorias sem parar. (...) Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto. Algumas cidades são belas, mas seu barulho não pára nunca. (...) Há muito barulho e gente por toda parte. O espírito se torna obscuro e emaranhado, não se pode mais pensar direito. (...) O pensamento desses brancos está obstruído, é por isso que eles maltratam a terra, desbravando-a por toda parte, e a cavam até debaixo de suas casas. (...) Nós, nós queremos que a floresta permaneça como é, sempre. Queremos viver nela com boa saúde e que continuem a viver nela os espíritos xapiripê, a caça e os peixes. Cultivamos apenas as plantas que nos alimentam, não queremos fábricas, nem buracos na terra, nem rios sujos (KOPENAWA YANOMAMI, 1999:20). A concepção de periculosidade ou da não necessidade daquilo que está “escondido”, por desígnio divino, mostra a posição etnocêntrica do homem em relação à criação do mundo. Esse mundo, que fora criado por ele e para seu bemestar, deveria ser mantido igual para sempre. Por outro lado, o artificialismo do branco é visto como negativo, com capacidade de embotar sua percepção e seu raciocínio, embora ele não seja visto como ruim por natureza: ele foi pretensioso e sua criação agora o sufoca. Torna-se, portanto, clara, a profundidade da diferença entre as sociedades indígenas e a sociedade européia que, nos séculos XVI-XVII, via o nascimento do capital. Tratou-se de um confronto cultural de pensamento políticoeconômico entre homens com distintas relações não só culturais, mas de critérios no usufruto dos recursos naturais do seu meio ambiente. Por exemplo, a organização da maloca20 é distinta da organização do Aldeamento de estrutura urbana européia. Na visão do índio, a “casa de morada” e o meio-ambiente fazem parte do mesmo ciclo natural. Tanto a maloca como a terra são renovadas pela própria natureza, enquanto que para o homem branco o 20. Há uma discussão sobre os dois conceitos: Aldeia, representa uma pequena povoação indígena dirigida por missionários ou índio “civilizado”. É uma organização semelhante a um pequeno núcleo urbano europeu, inferior à Vila. Maloca, representa uma unidade habitacional indígena tradicional dirigida pelos índios, é uma organização comunitária e espacial distinta da Aldeia. Na Maloca a “casa” representa uma unidade comum para o grupo indígena, que vivencia sua própria organização cultural, enquanto que na Aldeia a “casa” representa a unidade, com princípios organizacionais e unificadores sócio-culturais da família indígena, que vivencia hábitos “civilizados”. Em Roraima, os termos Maloca e Aldeia são utilizados como sinônimos, em decorrência do processo “civilizador” do índio. Antigas Malocas, por meio dos contatos com a sociedade nacional e local, transformaram-se em Aldeamentos, Vilas, Municípios, enquanto que o índio tornava-se cidadão brasileiro nato. Esse processo é percebido desde o período colonial, chegando até os nossos dias (2003). 48 sentido de renovação da residência e da propriedade territorial passa pelo viés da tecnociência, da economia e do status social. A introdução do indígena nesse universo de inclusão do Capital em que o equilíbrio dependia de extenuante prática comercial, que o tinha como simples títere, deu espaço a conflitos alheios à sua história. Nesse processo, a bacia do Rio Branco mostra, ainda hoje, essas diferentes formas de olhar o sócio-cultural, o ambiental e as maneiras no usufruto dos recursos naturais, como também a produção de conhecimentos relacionados à percepção e à cultura desses seres humanos. No centro de tais conflitos, no fim do século XVI e durante o século XVII, a etnia Makuxi, que estava em constante guerra com a etnia Wapixana, começou a ganhar espaço e aumentar o poder dos grupos “Caribe” no monopólio comercial da rede dos negócios entre as bacias dos rios Branco e Essequibo, expandindo também para a região do Rio Negro com os índios Manao que monopolizavam as relações inter-tribais na região do Negro com extensão para o Amazonas (CIDR, 1989; REIS, 1989). Os holandeses já haviam se instalado na região, por volta de 1581, estabelecendo uma feitoria numa área denominada Pomeroon Coast, hoje República Cooperativista da Guiana. Ali, os holandeses iniciaram uma exploração comercial com os índios por meio de troca, tanto de tabaco como de algodão e os “paus-de-tinta” obtidos dos indígenas, consolidando a exploração desse comércio e a circulação de manufaturados europeus (BOXER, 1961:7). Aproveitando a boa relação de amizade com os índios, o holandês alargou um pouco mais tal comércio e, a partir da ação dos indígenas, organizaram a política mercantil em toda a região do Rio Branco, do Negro, do Amazonas, etc. Pode-se dizer que, utilizando estratégias de cooptação, o campo de poder holandês penetrou no interior da selva, por meio dos rios navegáveis ou das trilhas na 49 selva/savana, a fim de intensificar e expandir tanto a rota comercial como o aumento dos lucros. A inexistência de uma estrutura de poder intermediária facilitou para os holandeses investirem numa política comercial, apoiada numa rede de domínio “capitalista”, sobre as populações indígenas dos rios Orinoco, Essequibo, Branco, Negro e Amazonas. Esse controle do poder branco sobre essa região de paisagem complexa, intercalada por serras, savanas e florestas, plena de rotas para longas e perigosas caminhadas até os rios navegáveis tornou possível o gerenciamento das relações indígenas, em favor do holandês, que souberam se aproveitar das fragmentações interétnicas. Nesse contexto, de exploração econômica e alianças culturais, o habitante holandês fez do mercado de trocas a sua arma de dominação colonizadora. Desse modo, as diferentes etnias indígenas se articulavam numa estrutura política de poder pelo comércio, que se dava por meio dos casamentos e estreitavam os laços entre os índios. Tal processo político, enfraquecendo as alianças intertribais, acentuou consideravelmente as disputas, incentivando as guerras ligadas à posse de terra e o aprisionamento de índios derrotados nesses confrontos, que eram traficados como escravos. Dentro desse jogo de força exercido pelo Estado holandês, para fazer valer o direito político e econômico sobre o universo do índio, existiam grupos indígenas que fugiam para o interior da região e lutavam pelo direito de preservar a sua organização sócio-cultural. Tais grupos, contudo, acabavam “seduzidos” pelas alianças inter-tribais e integravam-se nessa rede de poder comercial tornando-se um membro dessa coletividade de representação da rota holandesa amazônica (CIDR, 1989:5/8). Difundindo novos hábitos e comandando o fluxo de manufaturados nessa complexa paisagem, os holandeses consolidaram sua presença na Amazônia com 50 a construção de um forte (denominado Kijkoveral) no ponto de junção dos rios Cuyuni e Mazaruni na região do Essequibo, no início do século XVII, sob a liderança de Groenewagen (DREYFUS, 1993: 21)21. Esses empreendimentos na fase do colonialismo, estabelecendo mudanças geopolíticas e sócio-culturais indígenas na Guiana Ocidental, foram estratégias significativas de conquista pelos primeiros europeus nas terras dos ameríndios. Esse poder branco favoreceu a fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais em 1621, oficializando o comércio de escravos tanto africanos como indígenas. Os mercadores holandeses diversificavam seus negócios e ampliavam os tratados de paz e comércio entre os índios, os quais desenvolviam inter-relações não apenas entre as diferentes etnias que habitavam a região, mas também com particulares espanhóis na troca dos manufaturados. As distâncias e o tempo para o percurso, o transporte de mercadorias, de escravos índios e, naturalmente, dos grandes lucros, formavam novas polarizações nas relações comerciais na região. Assim, tendo a base de seu poder na foz do Essequibo e com saída para o mar Caribe/Atlântico Norte, os holandeses controlavam a demanda que incidia sobre canoas, madeiras, tinturas (especialmente o urucu usado na indústria têxtil européia), redes, gomas e escravos índios. Nessa troca conjunta em favor do branco, os índios recebiam armas de fogo, facas, machados, anzóis, além de “espelhos e contas de coral ou vidro que eram disputados pelas mulheres” (FARAGE, 1991:89). Foi com base nessa forma de coalizões, que os holandeses introduziram a diferença no processo colonizador europeu: nunca buscaram converter ou “aldear” as etnias indígenas. Nessa conjuntura, entre choques de 21. Groenewagen, desertor dos estabelecimentos espanhóis, colocou-se a serviço de seus compatriotas. Casado com uma índia Karinya, teve um filho, o qual foi encarregado do posto holandês no Demerara. Diferentemente das concubinas, às quais os outros europeus só atribuíam um status inferior, as mulheres índias eram freqüentemente consideradas (mesmo se não o fossem legitimamente) como as esposas dos holandeses, para grande escândalo dos espanhóis, que se queixavam à Corte da Espanha (Reclamação de 1637) das relações privilegiadas com afins indígenas (cf. DREYFUS, id.:37). 51 interesses políticos e econômicos, eles visavam vantagens financeiras, sendo indulgentes com os interesses culturais do índio em um nível por eles considerado superficial de manifestações religiosas e de manutenção lingüística. Desse modo, o homem colonizador deu início a novos modelos de relações político-econômicas com o indígena. Essas relações transcodificavam estruturas sociais, culturais e políticas seguindo modalidades de aproximação das semelhanças e das diferenças entre os dois mundos (Velho e Novo) em confronto e seus respectivos valores sócio-culturais e religiosos. Essa escolha e estratégia, que caracterizaram a ocupação e exploração holandesa na bacia do Rio Essequibo com extensão para a do Rio Branco, eram vistas com preocupação pelos espanhóis (e, mais tarde, pelos portugueses) que reconheciam o poder de atuação das nações do norte no trato e alianças com os ameríndios. Tanto no contexto das guerras tribais e do apresamento22 indígena para os holandeses estabelecidos na bacia do Essequibo, quanto no contato para a colonização e as tentativas dos espanhóis na bacia do Orinoco de se instalarem na bacia do Rio Branco, observamos o forte aparato militar nas estratégias de consolidação tanto comerciais por meio da cooperação indígena; como de segurança na posse da terra por meio da construção dos postos ou feitorias. Dessa maneira, esses pioneiros brancos teceram nessas regiões uma rede flutuante de significados sócio-políticos e culturais (religiosos e comerciais), permitindo várias interpretações e negociações da sociedade e ambiente indígena, dependendo da contextualização e do interesse europeu em questão. Por volta de 1621, um frade franciscano, que desenvolveu trabalho missionário nessa região, denunciou ao Conselho das Índias o comportamento não cristão e o aumento das violências praticadas pelos espanhóis aos índios 22. O apresamento no contexto holandês (cf. pp. 32-3, acima) significava “seduzir” os índios para integrar-se à rede comercial. Já na realidade espanhola, o apresamento era a prisão do índio fugido da aldeia, transformado em escravo. 52 (BOXER, 1961:191). O referido frade reconheceu que nesse contexto de disputa política, econômica e religiosa entre os colonizadores europeus, os protestantes (holandeses) eram beneficiados pela diferença de procedimentos: ambos (católico e protestante) encaminhavam o ameríndio à reconstrução da identidade cristã ocidental, mas o holandês não usava o aldeamento e nem escravizava o índio, que eram os pilares (aldeamento/escravização) de dominação indígena pelos espanhóis. Dentro dessa estrutura básica de povoamento e comércio, a partir do século XVI até o XVIII, os postos holandeses, como um importante setor de tráfico tanto dos produtos comerciais como de escravos índios, eram lugares que desencadeavam agressivas disputas entre brancos e índios. Os Aldeamentos espanhóis ou encomiendas23, como lugar de “civilização” dos índios tornando-os súditos da Coroa ibérica, eram lugares de exploração compulsória do trabalho indígena por meio das trocas comerciais. Ao longo desse período, grandes porções de terras do Novo Mundo ocupadas por indígenas tornaram-se objeto de exploração lucrativa, estimulando a imigração de novos grupos europeus (CAMPOS, 1991; MAURO, 1998). Nesse empreendimento, a população indígena era utilizada ora como colaboradora no contato com outras etnias indígenas, ampliando o mercado consumidor, ora como produto comercial aumentando o capital. Essa ordem colonizadora fez surgir, na época, campanhas contra essa histórica situação do índio colonizado. Entre as mais conhecidas estão as movidas por Bartolomé de Las Casas e outros intelectuais humanistas que ficaram impressionados com essa brutal violência contra o índio, empregada pelo europeu no Novo Mundo. Tal 23. Por esse regime de poder político e econômico, o Estado espanhol transferiu aos colonos habitantes da bacia do Orinoco (e para as outras regiões) a cobrança de tributos que os súditos da Coroa, os índios deviam pagar. Tal cobrança poderia ser em prestação de serviços, abrindo-se mecanismos de poder econômico para a escravização do índio. O “encomendeiro” ficava obrigado a proteger e cristianizar ou “civilizar” o índio (cf. NOVAIS, 1971:47). 53 oscilação perturbava ainda mais a já frágil compreensão que o indígena tinha do processo a que era submetido e tornava as cicatrizes ainda mais insuturáveis. Nesse embate pelo poder de monopólio e de privilégios, o Império Ibérico articulava-se entre alianças com mercadores e nobres numa trama de troca de serviços que garantissem os interesses comuns (expansão comercial e armazenamento de ouro e prata) e o estabelecimento do Estado suficientemente forte para proteger a terra conquistada. O Brasil português, na virada do século XVI para o XVII, assentou suas raízes na América do Sul ampliando e aproximando o seu território da costa amazônica. A “União Ibérica”, com duração de sessenta anos, foi um fator importante na construção do Brasil português na Amazônia, pois facilitou aos portugueses a penetração e a conquista de terras espanholas na região Norte, desrespeitando o Tratado de Tordesilhas, um dos primeiros instrumentos normativos sobre as terras em litígio no Novo Mundo. Contudo, não era fácil estabelecer com exatidão um território para iniciar a ocupação e a exploração econômica, viabilizando o enriquecimento fácil, para se impor ao domínio mercantil e partilhar dos privilégios concedidos pela Coroa. A desigualdade foi uma das marcas dessa sociedade ibérica unificada pela dinastia dos Habsburgo que, dentro do quadro da qualificação social e política, estabelecia os privilégios e as prerrogativas do indivíduo detentor de terras e do monopólio comercial. Nessa busca, que levava em conta a conquista dos territórios no Novo Mundo, o Brasil português, visto em dimensão “atlântica”, transformou-se no objeto de interesse entre diferentes homens do “Velho Mundo”, na partilha das terras e dos índios para o trabalho. Porém, esses fatores e a fragilidade das economias ibéricas foram decisivos para aproximarem os interesses de ambos os 54 impérios católicos sobre as terras e o poder em expansão marítima (CAMPOS, 1991:27). Favorecidos por esses acontecimentos, o Brasil português se estendeu, pela costa, entre a bacia do Amazonas até a bacia do Prata, criou novos aglomerados urbanos e ativou os lucros financeiros por meio de linhas de expansões comerciais, especialmente relacionados ao açúcar e pau-brasil. Os portugueses precisavam de prata e ouro para os seus negócios com as Índias e para a manutenção administrativa da terra Luso-brasileira. O colonizador português não tinha capital e nem contingente suficiente para empreender esses objetivos dos primeiros anos da exploração e do povoamento. Esses fatores influenciaram a vida do homem português que não deixou de buscar pistas concretas sobre os tesouros existentes na selva. O fato é que os acontecimentos decorrentes da União Ibérica, do desenrolar da expansão ultramarina, do enfraquecimento das fronteiras políticas entre as duas nações ibéricas, da crescente importância da economia, do surgimento de novos mercados com a introdução do sistema capitalista foram eixos básicos que abriram caminhos para que os portugueses se articulassem e procurassem condições para ampliar não somente o espaço geopolítico da Terra do Pau-brasil em direção à Amazônia, mas a efetiva ocupação desse complexo universo que ganhava distintos contornos simbólicos e culturais no imaginário do Império Ibérico Cristão. Aos olhos da sequiosa sociedade européia, inquieta pelas notícias de organização sócio-política do Novo Mundo divulgadas pelos documentos produzidos pelos viajantes estudiosos da região, os índios eram considerados como os “selvagens” que viviam sem roupas, “sem lei, sem fé, sem rei”24. No entanto, existiam informações sobre o diversificado mercado indígena que era 24. Referência à célebre fórmula cronista quinhentista de Pero de Magalhães Gandavo (cf. FAUSTO, 1999). 55 explorado pelos holandeses no possível lugar do mito El Dorado, apresentando possibilidade de exploração auríferas. Assim, esse espaço amazônico era disputado tanto pelo favorecimento comercial inter-tribal como pela possibilidade de mineração, apresentando-se aos olhos dos portugueses como um “sonhado” e fascinante lugar de enriquecimento fácil. Tal aspiração era decorrente da busca da riqueza pelas expedições das Entradas, das Bandeiras e dos Resgates25 portadoras dessas notícias amazônicas. A Amazônia apareceu, então, como um cenário de diferentes representações de interesses políticos e valores econômicos que formou o centro de disputas nos séculos XVI e XVII, fazendo surgir uma nova ordem internacional por meio dos múltiplos contatos entre as sociedades colonizadoras e os índios, que se estenderam, também, aos séculos XVIII e XIX. Além desses conflitos interétnicos, havia também uma genérica modalidade de escravização indígena pelos portugueses que, por meio das “guerras justas” diversificavam o empreendimento e a circulação da “fé cristã” entre os índios. As etnias indígenas que impedissem a entrada dos representantes do Brasil português e a pregação do Evangelho seriam aprisionadas por esse sistema de guerra e seus integrantes se tornariam escravos legítimos. O Resgate foi utilizado como um outro instrumento português contra as etnias indígenas, na dominação de escravização sistemática do índio, por meio da compra de prisioneiros de guerra entre as próprias etnias indígenas (MONTEIRO, 1994). Tais procedimentos favoreceram a efetiva consolidação da sociedade luso-brasileira sobre o desenraizamento do índio e apropriação de suas terras. Nesse processo de caça ao índio, usurpação de suas terras e busca por tesouros no imaginário dos colonizadores europeus, o índio pertencia ou ao grupo do “bom selvagem” ou do “mau selvagem”, sendo todos considerados 25. O apresamento ou apropriação direta do cativo indígena, fugido do Aldeamento, era mecanismo da Tropa de Resgate (cf. MONTEIRO, 1994:107). 56 sem organização social e sem governo. Em geral, era destacada a imagem do “selvagem canibal” violento, sem história, carente de “civilização” (LEITE, 1996; VIVEIROS DE CASTRO, 1988). A insistência de políticas do Estado português para povoar o Maranhão, desde 1617, gerou a imigração de degredados e uma rearticulação de interesses que se firmou em pactos entre homens da burguesia mercantil, da nobreza e o monarca ibérico para facilitar a viagem de casais das ilhas da Madeira e dos Açores tanto para as terras do Maranhão como do Grão-Pará. Os representantes da elite portuguesa necessitavam garantir não apenas a ocupação e defesa, mas o direito de exploração comercial e poder no denominado mundo pagão, por gente de sua confiança. Beneficiados pela União Ibérica, as expedições portuguesas penetraram o território espanhol e alargaram suas fronteiras na Amazônia, aproximando-a das estruturas político-administrativa do litoral brasileiro. Após a Restauração da Coroa de Portugal (1640), o Brasil português soube catalisar esforços para expulsar os espanhóis e holandeses entre outros “corsários” de nações européias que se faziam presentes nessa região da Amazônia em litígio. O enérgico e bem sucedido propósito português, impulsionado pelos acontecimentos que levaram à desintegração da união nas Coroas, acirrou os ressentimentos mútuos entre espanhóis e portugueses, decorrentes de questões européias, como o orgulho nacional, o sentimento anti-semítico e a teoria monopolística de império. O pensamento político do homem ocidental dos séculos XVI e XVII não aceitava o outro que era diferente da cultura do civilizado ocidental. Assim, os colonizadores da Amazônia, originários de sociedades do “Ancien Régime”. Tal modelo transformava a natureza e o nativo em patrimônio de riqueza, base do Estado colonizador na Amazônia. 57 Apenas no século XX é que a Antropologia disponibilizou dados e reflexões sobre os povos primitivos em geral e as organizações indígenas amazônicas em particular que se contrapõem à orientação de “selvagens”: A evidência lacônica proporcionada por Orellana, que em 1541-2 viajou rio abaixo até o estuário, e ainda mais a existência de tradições orais nativas, cuja extrema complexidade, composição artificial e tom místico sugerem que devam ser atribuídos a escolas de sábios e a homens instruídos, constituem testemunhos em favor de um nível muito mais elevado de organização religiosa, social e política do que jamais fora observado antes. (...) Esses documentos antigos (...) são os restos de uma civilização genuína, comum a toda a bacia Amazônica (...) (LÉVI-STRAUSS, 1973: 271-2). Essa preocupação com a população tradicional (entre ela o índio) apontada por Lévi-Strauss (1973), no texto acima, é uma visão oposta ao olhar dominante dos colonizadores. Nesse sentido, esse antigo território da bacia do Rio Branco, após inúmeras explorações com resultados desconhecidos pela sociedade local26, além de se tornar palco de confrontos entre brancos e índios, foi alvo de incansáveis interpretações teóricas e interesses na exploração do ouro e riquezas biológicas. 1.2. Rio Branco, a expansão política e econômica portuguesa com o Maranhão e Grão-Pará Após a Restauração, os espanhóis aspiravam o recuo dos povoados portugueses até a denominada linha de Tordesilhas. Mas, utilizando-se da política Uti Possidetis27 os portugueses conquistaram a rota fluvial do Rio Amazonas e ocuparam pontos estratégicos do seu território, ampliando as fronteiras do Brasil português na virada do século XVII para o XVIII. 26. Sobre essa fase histórica da região, temos notícias de uma vasta documentação de difícil acesso, porque está distribuída em diferentes arquivos científicos e literários. Encontram-se não apenas em Manaus, Belém, São Luis, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, mas também em Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Itália, França, Estados Unidos. Todos os documentos estão merecendo uma análise e metodologia apropriada para entendermos esse processo na história de Roraima no século XXI. 27. Segundo o Tratado de Madri (1750) tinha o direito ao território o povo que o povoara, que o conquistara dos índios habitantes da região. 58 Havia diferenças nas estratégias colonizadoras da região: enquanto as nações européias (fora da Península Ibérica) fomentavam as disputas dos mercados numa linha de expansão do capitalismo, por meio dos produtos manufaturados, a Coroa portuguesa mantinha sua política dentro do antigo sistema mercantil. Assim, o cacau, por exemplo, foi o produto que monopolizou a comercialização no Estado do Grão-Pará, a exemplo do lucro monopolista do açúcar em Pernambuco (NOVAIS, 1971:57). O modelo de colonização comercial dos impérios europeus, estabelecendo projeto “modernizador” nas áreas ultramarinas, não reformou o essencial na forma de relações vividas na esfera do universo indígena da região do Rio Branco. Embora o esquema de “patronagem”, que monopolizara um produto que se ajustava aos interesses dos lucros da Coroa de Portugal (e conseqüente monopólio do universo indígena), os portugueses enfrentavam dificuldades na expansão amazônica em direção ao Rio Branco. Dessa maneira, a implantação do Estado do Maranhão e Grão-Pará se constituiu numa peça de poder legislativo importante para a conquista amazônica. A relação político-administrativa do “Brasil Filipino”, delineando um novo modelo de Estado, não sacrificou o alargamento geopolítico aspirado pelos representantes da Monarquia portuguesa na Amazônia. No entanto, interesses portugueses perceberam, quase imediatamente, a impossibilidade de implantar uma administração efetiva que atendesse o Estado do Brasil colonial. Os recursos financeiros e humanos para a defesa de uma longa costa contra os ataques dos “piratas estrangeiros”, a política religiosa de assimilação dos indígenas e a necessidade de “impor a voz” do Governador-Geral numa comunicação eficaz mostraram as vantagens de se optar por dois governos no Brasil português, alternativa que asseguraria um certo monopólio da navegação marítima/fluvial, do jogo político e da extensão do comércio nas bacias fluviais da Amazônia. 59 Então, por carta régia de 13 de julho de 1623, Felipe III redesenhou o mapa do Brasil português, fortalecendo a região norte com a criação de uma capitania destinada a ser um Estado de um novo Governo: o governo do Maranhão foi “desanexado do Estado do Brasil, sem dependência do governo deste” (SERRÃO, 1968: 166). As imensas fronteiras do Maranhão e Grão-Pará ganharam autonomia com a sua unidade administrativa ligada diretamente à Lisboa. Em razão da direção dos ventos e das correntes marinhas que diminuíam o tempo de viagem, esse Estado tinha mais facilidade de comunicação com Lisboa do que com Salvador ou com o Rio de Janeiro. São Luís do Maranhão, de onde os franceses tinham sido expulsos em 1615, tornou-se a sede principal. Contudo, o povoado sobrevivia de reduzidos recursos e da espera de homens investidores no desenvolvimento da região. Apesar disso, ganhou importância nas estratégias militares de ocupação das fronteiras, na efetivação do novo Estado do Brasil colonial, que teve o seu florescimento no decorrer do século XVIII, com o chamado período pombalino. Assim, com a implantação do Estado do Maranhão e Grão-Pará abriramse possibilidades para que o Brasil português, agora senhor da entrada do Rio Amazonas no Atlântico, fosse mais longe no embate com as outras nações européias pela partilha amazônica. O Estado português mostrava-se cada vez mais capaz de resistir e de, sozinho, encontrar mecanismos políticos e econômicos necessários para o povoamento e a montagem de novos empreendimentos na Amazônia. Essa nova fase de conquista e integração da Amazônia ao poder português iniciou o processo de expansão e soberania portuguesa na rota comercial amazônica dos séculos XVIII e XIX. Portanto, ao consolidar a expansão territorial para a Amazônia no começo do século XVII, o governo colonial procurou ajustar estratégias político- 60 administrativas de defesa e ocupação dos novos territórios conquistados. Apesar da fragilidade do poder governamental do Maranhão e Grão-Pará, pela instabilidade da administração pública que ora se encontrava em São Luiz e ora estava em Belém, desenrolada pela falta de pessoal habilitado, o governo português instalou, ao mesmo tempo, novas extensões administrativas na bacia amazônica, impondo soberania e condições do maior lucro possível dos recursos naturais dos rios Amazonas, Solimões e Negro. Além disso, tentavam bloquear o avanço dos espanhóis, holandeses, ingleses, franceses instalados na costa caribenha, concentrando o poder na capital da Capitania do Rio Negro, num primeiro momento em Barcelos28. Os outros pequenos núcleos urbanos, na busca de consolidar a ocupação e competitividade econômica, conduziam suas práticas de forma lenta, tanto em relação aos lucros como na subordinação do mundo natural e indígena a critérios ecossistêmicos opostos ao modo de vida do branco. A complexidade das relações, nesse quadro administrativo amazônico sob o poder do governo do Maranhão e Grão-Pará, devido à distância do poder central e dificuldades de comunicação, diversificou o campo de possibilidades de formação e interação desses núcleos políticos, que empobrecia e enfraquecia o novo Estado português amazônico. No processo político administrativo, posterior ao Tratado de Madri (1750), de fomento dos núcleos urbanos ribeirinhos, os documentos que revelaram esse avanço português, com a nomeação dos administradores para os novos centros urbanos amazônicos, nada propunham para a região do Rio Branco. As notícias de efetivação da conquista portuguesa na Amazônia são datadas de 1616, 28. A Carta régia de 3 de março de 1755 criou a Capitania de São José do Rio Negro. No entanto, existe uma outra de 18 de julho que fala em Capitania de São José, localizada perto da boca do Rio Javari, onde seria instalada a capital. Contudo, uma vez esta estabelecida em Barcelos, a Capitania voltou a ter o nome de São José do Rio Negro. Mais tarde essa capital foi transferida para o povoado denominado “Lugar da Barra” no baixo Rio Negro, próximo ao entroncamento com o Rio Solimões. Em fins do século XIX, esse povoado transformou-se na capital do Estado do Amazonas, Manaus (cf. REIS, 1989). 61 apontando para a fundação do Forte Militar em Belém do Pará e a instalação de postos de comércio na região (BOXER, 196:164). Em decorrência da diversidade lingüística indígena, as explicações e parcas informações cartográficas nem sempre eram entendidas pelos intérpretes (índios) que auxiliavam as investigações e os contatos do Estado português. Dessa forma, à margem das negociações políticas, religiosas e explorações comerciais desenvolvidas por holandeses e espanhóis na Amazônia, os portugueses radicados na região se viam numa capitania incipiente e localizada na porta de uma paisagem complexa (desembocadura do Amazonas no Atlântico), de difícil navegação e comunicação. Os poucos dados que dispomos e a construção imaginária do colonizador do Brasil português na conquista da Amazônia deixaram dúvidas sobre a presença de Aldeamentos e postos militares portugueses nos dois primeiros séculos de colonização na bacia do Rio Branco. Observou-se que, em 1624, havia uma população de 300 indivíduos brancos, composta em sua grande maioria por funcionários coloniais, militares e missionários, com quatro fortalezas e nove Aldeamentos indígenas que asseguravam certo domínio da posse portuguesa nesse território amazônico (SERRÃO, 1968:167). Apesar do crescimento urbano e da terra mostrar-se fértil, da disponibilidade da mão-de-obra indígena para os diversos trabalhos, faltava o homem português com capital para estimular a economia dessa complexa paisagem de rios sem fim e diversificada etnia e cultura indígena. Com o entusiasmo ufanista da administração colonial, na prática, o Estado do Maranhão e Grão-Pará, no seu isolamento geopolítico, convivia com as tensões sociais e as crises financeiras que impediam a chegada de novos colonos. Além disso, o açúcar e o tabaco, como produção base da região, não conseguiam entrar no mercado de exportação liderado pelas capitanias do litoral nordestino brasileiro. Outros obstáculos eram os altos custos financeiros para investimentos 62 tanto na região como na mão-de-obra escrava negra, que eram mais altos do que em Pernambuco ou na Bahia, além da pesada política fiscal imposta pela Coroa. Em conseqüência dessa difícil situação social e econômica, iniciaram-se atividades extrativistas no vale amazônico, que foram as grandes geradoras de recursos necessários para a sobrevivência desse Estado amazônico, com o cacau e o algodão normatizados como moeda de troca. Nesse sentido, a “civilização” da Amazônia, como a do Brasil, já se iniciou dentro dessa estrutura monopolista do sistema colonial, do domínio da rota fluvial/marítima e exploração social e econômica, que propiciassem capital para a Coroa. Desse modo, com a introdução de uma política econômica com base no extrativismo29 o Grão-Pará ganhou destaque no alargamento da fronteira amazônica portuguesa. No jogo de legitimidade e construção desse Estado, a Coroa de Portugal, após a epopéia da Restauração 30, ampliou o poder administrativo na Amazônia. Contrariando os interesses da orientação anterior, essa reformulação social no âmbito da política para a Amazônia concedeu, aos representantes das ordens missionárias, participações junto às autoridades civis na condução da vida dos moradores e dos índios na região. Assim, em 1693, uma nova estrutura político-administrativa dividiu o Maranhão e Grão-Pará em províncias missionárias entre as diversas ordens religiosas da Igreja Católica. Nesse contexto, tornava-se fundamental, para o êxito da reformulação do poder administrativo, um pacto de lealdade com o 29. Os produtos obtidos por extração, as chamadas “drogas do sertão”, consistiam em uma gama variada de frutos e raízes silvestres, principalmente cacau, baunilha, salsaparrilha, urucu, cravo, andiroba, almíscar, âmbar, gengibre e piaçava; havia, além disso, a pesca e a viração de tartarugas, cuja produção se voltava em grande parte para o consumo interno da colônia. Tal mercado ganhou maior proporção de lucros a partir da virada do século XVII para o XVIII, especialmente, após as reformas pombalinas para a Amazônia. Em 1751, sob o governo do meio-irmão do Marquês de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, decretos e instruções régias foram programadas para intensificar as demarcações fronteiriças e tirar o poder político e econômico dos religiosos sobre os índios (REIS, 1989). 30. Em 1640, Lisboa viveu uma revolução que originou a sua independência. Foi conduzida pelo duque de Bragança, proclamado rei de Portugal, dando início à nova dinastia portuguesa com o título de D. João IV. A grande maioria dos portugueses, não só do Brasil, como de qualquer outra parte, recebeu com entusiasmo a notícia da queda do regime espanhol ibérico (cf. BOXER, 1961). 63 Estado português, para adquirir não só os recursos como garantir a manutenção dos interesses da Coroa necessários ao seu avanço amazônico. Mas os administradores locais, distantes do olhar fiscalizador do poder central, defendiam seus próprios interesses. Relatos da época denunciaram que os missionários da Ordem do Carmo, responsáveis pelo território dos Rios Negro e Solimões, melhoraram suas finanças após essa reforma do Estado português. Além disso, eles não tinham um projeto próprio administrativo referente aos índios. Numa ação permeada pelo interesse político-econômico e religioso, as missões carmelitas tornaram-se provedoras de mão-de-obra indígena para os moradores brancos. Ampliando a crise entre as tarefas evangélicas e as tarefas comerciais, os missionários individualmente acabavam se envolvendo não apenas nas disputas de poder sobre as rotas comerciais como também no tráfico clandestino de escravos indígenas (REIS, 1989; FARGE, 1991; CIDR, 1989). Nessa realidade, tornando frágil a política administrativa que misturava poder político, poder espiritual com poder dos negócios, evidenciou-se o surgimento de acusações sobre duvidosas ações de religiosos e colonos administradores na Amazônia. Além do considerável poder econômico, os missionários e colonos eram acusados de atuarem como empresários do Estado português, detendo o monopólio dos negócios nos Aldeamentos, nos fortes e da mão-de-obra indígena, misturando “leis de Deus” com “estilo de vida” em proveito próprio. Essa atuação dos católicos portugueses contrastava com o procedimento dos protestantes holandeses que se instalaram na região da Guiana e mantinham monopólio mercantil com os nativos, dando aparente liberdade sócio-cultural ao indígena (REIS,1989; CIDR, 1989). Preocupado em proteger o ameaçado Estado do Grão-Pará e Maranhão, com permanente presença de franceses, holandeses, ingleses, o governo 64 português retomou o processo de reorganização e defesa das terras amazônicas. Os representantes da Coroa portuguesa empreenderam esforços na construção de fortes, em pontos geográficos importantes, para impedir a fixação dos espanhóis, holandeses e ingleses nessa região. Nesse sentido, no transcurso do século XVII, os portugueses colocaram em prática a estratégia de reorganização administrativa militar, edificando em alguns pontos da Amazônia pequenos fortes marcando sua posse territorial31. O Estado português, cujas finanças eram sempre deficitárias, diversificava suas alianças para legislar sobre essa terra de complexo contexto político-cultural e sofisticada dispersão geográfica. Contudo, não há registros claros sobre essas alianças ou dos encontros entre os portugueses e índios nos séculos XVI a XVII nessa região. A historiografia brasileira, de acordo com a visão tradicional da história, traçou uma narrativa apoiada no olhar interpretativo dos viajantes e nas concepções associadas à dicotomia “selvagem-civilizado” (LEITE, 1996). Temos notícias sobre as guerras nativas32 que produziram tanto mão-deobra como recursos financeiros para o poder administrativo do Brasil português (MONTEIRO, 1994). Dentre essas condições, destacou-se o aumento de poder político dos Makuxi, de filiação lingüística Karib e aliados dos holandeses (no Essequibo), que impuseram seu poder administrativo sobre os Wapixana, de filiação lingüística Arawak e que recebiam apoio dos portugueses, instalados no Forte de São José do Rio Negro (REIS, 1989; CIDR, 1989). De certo modo, parte da história de Roraima, nos três primeiros séculos de contato entre europeus e índios, está associada à história de Portugal e sua disputa por terras que se localizavam além do chamado Meridiano de 31. Em Belém com o Forte do Presépio ou do Castelo (1616), na região do Grão-Pará com a Fortaleza do Gurupá (1623) e com os Fortes de Santarém (1697) e de Óbidos (1697), na região do Rio Negro com a Fortaleza de São José do Rio Negro (1669), na região de Macapá com a Fortaleza de São José de Macapá (1688) (cf. MANSUY-DINIZ SILVA, 1998). 32. O grupo indígena derrotado na guerra, movida pelos indígenas aliados aos portugueses, tornava-se escravo solucionando o suprimento de mão-de-obra. 65 Tordesilhas, tornando violento o conflito nessa região, cujas florestas e savanas eram habitadas por incalculável número de índios que se constituíram em aliados dos holandeses, detentores de extensa rota comercial, ou foram aldeados pelos espanhóis. A documentação histórica desse período (séculos XVI e XVII) não nos permite vislumbrar como o índio percebia esse processo de encontro étnico33, já que os europeus se auto-representavam como os primeiros habitantes civilizadores da região. Contudo, em nossa atualidade, existem narrativas indígenas com dados sobre a consciência do índio nesse processo de mudança do mundo natural amazônico: Os brancos são engenhosos, têm muitas máquinas e mercadorias, mas não têm nenhuma sabedoria. Não pensam mais no que eram seus ancestrais quando foram criados. Nos primeiros tempos, eles eram como nós, mas esqueceram todas as suas antigas palavras. Mais tarde, atravessaram as águas e vieram em nossa direção. Depois, repetem que descobriram esta terra. Só compreendi isso quando comecei a compreender sua língua. Mas nós, os habitantes da floresta, habitamos aqui há longuíssimo tempo, desde que Omama34 nos criou. No começo das coisas, aqui só havia habitantes da floresta, seres humanos35. Os brancos clamam hoje: “Nós descobrimos a terra do Brasil!”. Isso não passa de uma mentira. Ela existe desde sempre e Omama nos criou com ela. Nossos ancestrais a conheciam desde sempre. Ela não foi descoberta pelos brancos! Muitos outros povos, como os Makuxi, os Wapixana, os Waiwai, os Waimiri-Atroari, os Xavante, os Kayapó e os Guarani ali viviam também. Mas, apesar disso, os brancos continuam a mentir para si mesmos pensando que descobriram esta terra! (KOPENAWA YANOMAMI, 1999:18). Após quinhentos anos de história na Amazônia colonial, tanto os brancos como os índios ainda disputam formas de apropriação do espaço social e dos recursos naturais. Na concepção do índio, interpretada por Davi Yanomami, no texto acima, além de serem pretensiosos, os brancos são dotados de imaginação, de comportamento indiferente em relação ao homem-ciclo da natureza, que se 33. Existem registros de narrativas indígenas, transcritas no século XVIII, em alemão, inglês, holandês, entre outras línguas européias descrevendo tradições e parte da memória cultural do índio amazônico, mas são interpretações feitas pelo europeu. 34. Omama é identificado como o herói cultural, o civilizador Yanomami. 35. A autodesignação dos Yanomami – yanomae thëpë – significa antes de tudo “seres humanos”, e se aplica também aos outros índios, opondo-se aos animais, aos seres sobrenaturais e, em certa medida, aos nãoíndios (napëpë) (cf. KOPENAWA YANOMAMI, 1999). 66 relacionavam como iguais no período da criação. Assim como eles não entendiam as etnias indígenas, estas nunca os entendiam e nem sua formação histórica. Na concepção da história do branco o “descobrimento” é real e efetivo e não apenas a cultura indígena detém o direito de ser etnocêntrica (cf. texto acima, p. 48). As idéias de conquista, aplicadas nessa região após o século XVI, mantendo a coesão do interesse político, econômico e assegurando a obediência ao Estado e proprietários de terras, presentes na história amazônica, mostram o mundo atual tomando forma, definindo lugares e características indígenas e nãoindígenas, situadas em um tempo das origens, mas referidas no tempo presente. Na virada dos séculos XVII-XVIII, os portugueses foram adentrando pelo interior do Rio Branco e expandindo a estrutura administrativa da colônia muito além da linha do Equador. Nesse processo, o índio não poderia ter direitos porque sua cultura não era reconhecida pelo português e as relações entre índio e europeu ganharam novos enfoques após a conquista: Os brancos foram criados em nossa floresta por Omama mas ele os expulsou porque temia sua falta de sabedoria e porque eram perigosos para nós. Ele lhes deu uma terra, muito longe daqui, pois queria nos proteger de suas epidemias e de suas armas. Foi por isso que os afastou. Mas esses ancestrais dos brancos falaram a seus filhos dessa floresta e suas palavras se propagaram por muito tempo. Eles se lembraram: “É verdade! Havia lá, ao longe, uma outra terra muito bela!”, e voltaram para nós. Na margem desta terra do Brasil aonde eles chegaram viviam outros índios. Esses brancos eram pouco numerosos e começaram a mentir: “Nós, os brancos, somos bons e generosos! Damos presentes e alimentos! Vamos viver ao seu lado nesta terra com vocês! Seremos seus amigos!”. Era com essas mesmas mentiras que tentavam nos enganar desde que também chegaram a nós. Depois dessas primeiras palavras de mentira, eles foram embora e falaram entre si. Depois voltaram muito numerosos. No começo, sem casa nesta terra, ainda mostravam amizade pelos índios. Tinham visto a beleza desta floresta e queriam se estabelecer aqui. Mas desde que se instalaram realmente, desde que construíram suas habitações e abriram suas plantações, desde que começaram a criar gado e a cavar a terra para procurar ouro, esqueceram sua amizade. Começaram a matar as gentes da floresta que viviam perto deles. Nos primeiros tempos, os seres humanos eram muito numerosos nesta terra. É o que dizem nossos mais velhos. Não havia doenças perigosas, sarampo, gripes, malária. Estávamos sozinhos, não havia garimpeiros para queimar o ouro, fábricas para produzir ferro e gasolina, carros e aviões (KOPENAWA YANOMAMI, 1999:19). 67 O discurso do índio Davi Yanomami sobre o processo civilizador do branco no Novo Mundo, que também teve influência de idéias da cultura ocidental/nacional, expõe tanto o pensamento do branco que julgava o índio inferior (como animais) como também do índio que pensava o mesmo do branco. Contudo, apesar de julgar os brancos “sem sabedoria”, o índio acredita que o branco é seu igual, como “humano”. Nesse percurso historiográfico, observamos alguns vestígios sobre essa construção da nova ordem social e cultural amazônica, iniciada no século XVI com forte presença da concepção portuguesa, como o desaparecimento de etnias indígenas provocadas não só pelas guerras inter-tribais, como, também, pelo processo de conquista e povoamento europeu da região. Sabe-se que o destemido homem português caçou e escravizou o índio, buscou ouro e drogas no sertão amazônico, aprendeu novos hábitos alimentares para sobreviver nesse ambiente hostil ao seu modo de vida europeu. Todavia, nunca chegou a descobrir as trilhas condutoras aos veios auríferos, ao popular El Dorado e sua cidade com uma monumental arquitetura cravejada de pedras preciosas. O comércio extrativista foi seu único tesouro, proporcionando a sobrevivência, mas a caça ao índio foi o mais lucrativo. Os Aldeamentos e as tropas de Resgates, devidamente licenciados pelas autoridades régias de Portugal, forneceram mão-de-obra indígena para os trabalhos agrícolas, industriais, serviços públicos e domésticos, além da venda de índios como escravos no mercado: “essa gente toda se alimentava da caça, da pesca e dos produtos naturais, que os índios ensinavam a aproveitar em vinhos saborosos” (REIS, 1989:130). Ainda sob esse aspecto, datando do século XVI ao XVII, seria oportuno passarmos a examinar alguns pontos evidentes: 68 a) longa trajetória de desenraizamento cultural, mesmo quando sem conflito direto: caso holandês/relações comerciais (pp. 39/41); b) o contato, na região, com o branco, é esquizofrênico por natureza: o holandês não interfere fisicamente, mas manipula alianças e desestrutura as relações intertribais (pp. 46-7); o espanhol interfere fisicamente, aldeando, cristianizando, mudando a língua e desestrutura a cultura em seu todo. São dois tipos diferentes de interferência e, conseqüentemente, palco onde se digladiavam forças infinitamente superior à sua capacidade de resposta em um “tempo” que se acelerava em mudanças de todo tipo; c) a Igreja Católica participa ao lado do poder branco: provedora de mão-de-obra (pp. 37-8); d) pressões brancas sobre os índios em territórios distantes repercutiam na região (pp. 42/45). 1.3. A construção da Amazônia brasileira, séculos XVIII e XIX No século XVIII, as concepções acerca dos índios como “selvagens” ou gente sem história começaram a mudar36. Tais mudanças partiram de estudos e questionamentos da natureza humana (Rousseau) e do relacionamento estadoindivíduo (Hobbes) e, assim, acabou-se vendo o indígena como parte da história natural. (DESCOLA, 1999:108-9). Essa concepção é redutora por excelência e pavimenta o caminho para a crença na possibilidade de transformação do indígena em “civilizado”. Sedimenta, também, a incompreensão do universo social e cultural indígena e, portanto, não alteraram as relações entre europeus e índios na Amazônia, que, no século XVIII, ainda, identificavam o índio relacionado ao ambiente natural, fora 36. Na Europa do século XVI e XVII, as concepções sobre o índio eram de “idílico” ou canibal. A partir do século XVIII, surgiram outros conceitos que influenciaram novos olhares sobre o índio. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em sua obra “O Contrato Social”, elaborou modelos de sociedades exaltando valores da vida natural e reprovando o comportamento da sociedade “civilizada”, caracterizando o governo como exercício da vontade geral, criando a idéia da soberania popular. As concepções de Thomas Hobbes (1588-1679), em sua obra “Leviatã”, defendendo que, embora vivendo em sociedade, o homem não possuía o instinto natural de sociabilidade (homo homini lupus). Os pensamentos de Hobbes e Rousseau incentivaram teorias sobre direitos, sociedade e Estado, modificando as diretrizes políticas e econômicas européias dos séculos XVIII e XIX. 69 da visão sistematizada da vida “civilizada” (ausência de Estado e sem Lei) e devendo a ela ser incorporado. Diante do conquistador europeu, transferindo seu poder de governar e dar ordem no conturbado universo indígena, as etnias indígenas, que formavam a grande maioria da população, foram consideradas propriedades do Estado, junto com as terras conquistadas. Nesse contexto, o índio é reificado, ou seja, visto como uma coisa pertencente ao Estado: o que é confirmado pelo sistema de apresamento do índio e sua comercialização como escravo. Na segunda década do século XVIII, o colonizador português deu início à posse da vida indígena e da terra na bacia do Rio Branco. O interesse português pela floresta e pelos campos amazônicos decorria das notícias sobre a possibilidade de mineração, da prática mercantil holandesa, do incalculável número de índios, que supria de escravos o mercado colonial português, estimulando o desejo de expansão e fixação da fronteira. Todavia, o número reduzido de homens brancos e o déficit financeiro da Monarquia ibérica dificultavam o empreendimento português. Nessa época, a colônia portuguesa na Amazônia, representada pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão, tinha legislação indigenista que proibia a escravização do índio, mas, ao mesmo tempo, fazia uso do trabalho escravo do índio justificando-se com parâmetros de “civilização”: o índio vivendo em coletividade e sem domínio sobre o outro, precisava ser introduzido na ordem da sociabilidade.37 Podemos dizer que, nessa ação do Estado português, as idéias do índio, seus sentimentos ou desejos, não estavam na ordem de preocupações da legislação colonial. Nesse princípio indigenista do Estado português, percebemos que, a partir do século XVIII, a região do Rio Branco tornou-se o caminho aberto para o 37. Referimo-nos aos textos de historiadores (REIS, 1989) e de antropólogos (FARAGE, 1991), que estudaram a legislação indigenista portuguesa na Amazônia do século XVIII. 70 apresamento do índio e aplicabilidade da política integracionista. Esse projeto do Estado Luso-brasileiro, que tirou do índio o direito à terra e destruiu sua organização cultural, travestindo-o de branco, acabou por submetê-lo às leis régias para que desfrutasse e “vivesse debaixo das justas e humanas leis que regem os povos” (MARÉS, 1999:54). Tal concepção colonial com relação ao índio chegou aos nossos dias atuais, apesar da Constituição Federal de 1988 ter rompido formalmente essa prática política de integração indígena na sociedade nacional. Auxiliando esse processo colonizador, os missionários empreendiam, em nome da fé e do Estado, imposições de hábitos cristãos aos índios para que gozassem dos direitos civis. No embate pelas terras amazônicas, o modelo de fé cristã, tanto da Igreja Católica quanto da Igreja Reformada por Lutero e Calvino, modificaram as interpretações do homem índio segundo o interesse colonizador. Nesse ínterim, a Coroa portuguesa instituiu Aldeamentos missionários, na região do Rio Branco, com o auxílio da Ordem do Carmo, visando a ocupação da terra e a propagação da “fé cristã”, intensificando as disputas políticas e econômicas entre as nações européias (Espanha, Holanda, Inglaterra, França). Nesse processo de construção da Amazônia portuguesa, ampliaram-se as expedições das tropas de resgates e as informações cartográficas de integração do Rio Amazonas com as rotas dos rios Negro e Branco. Favorecidos por esses mecanismos, os navegadores portugueses foram conquistando a região, lutando contra os denominados “aventureiros” espanhóis, instalados no Orinoco e Alto Amazonas, e os “hereges” holandeses, ingleses e franceses que se instalavam na Amazônia, a partir da costa caribenha (CIDR, 1989). Enquanto isso, os portugueses permaneciam ancorados entre a boca do Atlântico, no Grão-Pará (Belém) e o Forte de São José do Rio Negro (Manaus). Nesse cenário de luta pelo monopólio territorial e comercial amazônico, no início do século XVIII, o 71 Brasil português se colocava em vantagem sobre as outras colônias européias por usufruir o poder sobre a rota marítima do Atlântico integrada à rota fluvial da Amazônia. Estudos etno-históricos sobre os índios da região do Rio Branco descreveram os primeiros contatos entre portugueses e índios na segunda metade do século XVIII, especificamente a partir da edificação do Forte São Joaquim em 1775, da introdução do gado por Lobo D’Almada e dos novos Aldeamentos, também no final do século XVIII. Os vários estudos, tanto os desenvolvidos pelo cronista Ribeiro Sampaio (1777) como os elaborados por Joaquim Nabuco (1903), empenhados em justificar a antigüidade portuguesa na posse da região do Rio Branco38, descrevem como principal apoio documental os relatos divulgados pela viagem portuguesa de Pedro Teixeira (1639) durante exploração no Rio Negro. Embora se acredite na expedição de Pedro Teixeira (NABUCO, 1941; REIS, 1989; ANDRADE, 2001) que teria chegado ao Rio Branco via Rio Negro, os documentos sobre ela são escassos. Não restam dúvidas que a ausência de informações mais detalhadas nos relatos do padre Acuña39 sobre o Rio Branco dificultava a legitimação da posse portuguesa sobre a região a partir da expedição de Pedro Teixeira. Essa questão litigiosa sempre se apresentou como um grande desafio geopolítico para os portugueses do século XVIII, que se empenhavam em buscar conhecimentos cartográficos com relação à rota fluvial entre o Grão-Pará e o Essequibo, no percurso do Rio Amazonas e seus afluentes: Negro e Branco. Contudo, tais vagos conhecimentos geográficos só foram ampliados com as informações passadas pelo desertor holandês Nicolas Horstman, que, ao ser preso e levado ao 38. Sobre essa problemática de demarcação das fronteiras brasileiras na fase colonial, o Ouvidor Ribeiro de Sampaio, respondendo às alegações espanholas de posse do Rio Branco na década de 70 do século XVIII, reuniu provas da soberania portuguesa na área. Do mesmo modo procedeu Joaquim Nabuco, como defensor do direito brasileiro frente às pretensões inglesas à mesma área no início do século XX (cf. NABUCO, 1941; REIS, 1989; FARAGE, 1991; ANDRADE, 2001). 39. Cristóbal de Acuña foi o cronista que divulgou a viagem de Pedro Teixeira. 72 Grão-Pará (século XVIII), foi longamente interrogado sobre o percurso amazônico atravessado (HORSTMAN, 1911:167/171). O depoimento de Horstman se transformou no primeiro documento escrito, de 1739/41, com informações detalhadas sobre a rota fluvial do Amazonas, via Negro e Branco ao Essequibo. Com isso, os portugueses ampliaram tanto os conhecimentos cartográficos como os esclarecimentos sobre uma expedição de prospecção mineralógica na região do Alto Essequibo, chefiada pelo referido holandês. Tais informações descritas por Horstman foram divulgadas na Europa pelo viajante francês Charles Marie de La Condamine40 (1745) que navegou pelo Rio Amazonas, transformando o depoimento de Horstman em instrumento básico para a cartografia do século XVIII (REIS, 1989). Assim, após várias incursões do Brasil português na região do Rio Negro, os exploradores luso-brasileiros expandiram sua posse para a região do Rio Branco. Esse rio é o mais importante eixo fluvial de penetração na Amazônia Setentrional, com extensão de 584 km a partir da junção do Rio Tacutu com o Rio Uraricoera e correndo de norte para o sul em direção ao Rio Negro, afluente do Amazonas. É um rio de difícil navegação por conta das inúmeras cachoeiras e/ou corredeiras. No período de seca (verão) é impossível trafegar com embarcações de maior porte até o seu porto principal que está em Caracaraí. O explorador Hamilton Rice, geógrafo inglês que desenvolveu estudos durante uma viagem pela Guiana Brasileira, efetuada em 1924-25, descreveu a importância de maior reconhecimento das rotas fluviais decorrentes das dificuldades na comunicação do Amazonas com seus afluentes. A expedição de Rice tinha como objetivo detalhar a cartografia da bacia do Rio Branco e, sobretudo, da região dos rios Uraricoera e Tacutu (o suposto lugar referente 40. La Condamine esteve na região amazônica em 1743 e a percorreu de Oeste a Leste. Comissionado pela Academia das Ciências de Paris, tinha como finalidade medir os graus terrestres. Após essa experiência, ele registrou tudo numa publicação feita em Paris com o título “Relation abregée d’um Voyage dans-l’interieur de l’Amerique Meridionale”, em 1745. 73 ao El Dorado), um ambiente amazônico que ainda apresentava curiosidades fluviais ao homem navegador do início do século XX. FIGURA 01 Vista aérea do Rio Branco. Expedição Rice (1924/30). (Foto: RICE, 1978). Nesse aspecto, os rios que se localizam ao sul da linha do Equador no período de chuvas (inverno) são de fácil navegação, mas os rios que estão ao norte da linha do Equador vivem o período de seca (verão), dificultando a navegação por conta dessa movimentação da rota fluvial entre os diferentes fenômenos vividos ao mesmo tempo. Tais informações41 nem sempre eram compreendidas ou conhecidas pelo homem branco do século XVIII. 41. Os relatos sobre essa paisagem “selvagem” entre floresta, montanha e savana, desenhada por diferentes caminhos aquáticos e inexplorados pelo homem “branco”, despertou em variados autores originais e criativos textos. “The Lost World” de Arthur C. Doyle (1987) como o mais popular dá notícias da existência de dinossauros nessa região de Roraima. A notícia dos dinossauros na Amazônia é outro polêmico assunto e pouco estudado. Cf. SCHWARTZMAN, 1997. Após o acelerado processo de urbanização amazônica, na virada dos séculos XX/XXI, os vestígios de nossa pré-história estão desaparecendo. Tal processo, segundo a visão do índio, acontece porque o “branco” rompeu sua relação de parentesco com os ancestrais que habitavam essa terra desde os primeiros tempos. Nesse processo histórico de comercialização da terra, o “branco” esqueceu as antigas palavras que ainda se fazem presentes na memória cultural do índio. (KRENAK, 1999; KOPENAWA YANOMAMI, 1988 e 1999). 74 Essa paisagem da bacia do Rio Branco era vista como fonte potencial de lucro, funcionando como o principal caminho de poder sobre as distintas incursões de negócios entre os índios e os colonizadores: as trocas de manufaturados e tráfico de escravos índios, com possibilidades de encontrar o ouro e as pedras preciosas (REIS, 1989; CIDR, 1989). Esse caminho das águas foi o principal responsável pela transformação desse lugar, que era percorrido com intimidade pelas etnias indígenas e considerado pelos pioneiros brancos, até a primeira metade do século XX, como um universo aquático e de terra firme envolvidos com figuras do medo (índios canibais, mulheres guerreiras, monstros das águas e das florestas, etc.), do desconhecido que também se misturou com a visão de riqueza fácil. O caminho das águas entre diversificada fauna e flora, que apresentou uma infinidade de elementos da biodiversidade, ora visíveis e ora invisíveis, foram mesclados no movimento da sua trama social e cultural ao longo de seu processo histórico. 1.4. As Tropas de Resgates e as Aldeias Missionárias na conquista da rota fluvial e povoamento O papel dos povos indígenas na consolidação do Brasil português amazônico é pouco estudado pela nossa historiografia. Em geral, a história oficial brasileira registra o deslumbramento europeu pelo mundo natural amazônico e a dificuldade que os portugueses/brasileiros tiveram em dominar o índio, civilizálo e colocá-lo em regimes de trabalho. Existem poucas referências na produção literária colonial sobre o processo de mudança da “mística e selvagem” Amazônia que ganhou aspectos “civilizados” com as alterações geopolíticas, comerciais e culturais introduzidas pelo colonizador europeu nos três primeiros séculos de competição política e expansão dos mercados ultramarinos. Essas potências expansionistas européias 75 se fixavam na “terra brava” e mudavam as diferentes formas de vida presente na região, segundo os seus próprios interesses. Foi neste contexto que os mecanismos políticos de instalação dos postos comerciais, militares e os aldeamentos missionários foram se transformando em vilas, povoados, capitanias, províncias, municípios e estados do Brasil português e depois do Brasil republicano com o final do século XIX. No decorrer do século XVIII, entre os diferentes interesses em jogo, na posse da vida indígena e da terra amazônica, o governador do Grão-Pará, João da Maia da Gama, recebeu notícias que na região do Rio Negro próxima ao Rio Branco havia um território dos índios Manao. Eram conhecidos como índios canibais e com práticas de incesto. Tinham um chefe de nome Ajuricaba42, o qual carregava na sua canoa uma bandeira da Holanda. Esses índios enfrentavam os portugueses, lançando-se sobre as missões do Rio Negro e tomando como prisioneiros os índios aldeados pelo português. De acordo com as notícias, esses violentos43 índios de comportamento “herege” possuíam armamento e eram aliados dos holandeses da região do Essequibo, na denominada Costa Selvagem44, mantendo com eles um intenso comércio de escravos indígenas e produtos tropicais. Os registros portugueses, buscando interpretações da organização cultural dos Manao, identificavam relações de “vassalagem” dos Manao sobre os outros grupos indígenas, derrotados nas guerras tribais (REIS, 1989:93). As normas de comportamento do índio estão concebidas na coletividade e vinculadas ao 42. Segundo as narrativas, Ajuricaba era um valente guerreiro, filho de Huiuiebéu um dos maiores tuxauas dos índios Manao, neto de Caboquena, que votava o mais decidido ódio aos portugueses. 43. No embate com índios inimigos, os Manao esmagavam-nos completamente, exigindo dos dominados relações de “vassalagem” (REIS, 1989:93). 44. Termo que denominava a costa amazônica no mar caribenho em permanente confronto social e mercantilista (grupos espanhóis, holandeses, ingleses, franceses, alemães disputavam o poder sobre a rota Atlântico Norte). 76 mundo natural, sem uma explicação política, jurídica e “visível”. Essa forma de vida era interpretada pelo português como semelhante à sociedade feudal. A narrativa desses acontecimentos denunciando a etnia Manao como obstáculo para a penetração missionária portuguesa e a evangelização católica no Rio Branco, constituía-se em um conjunto jurídico-político favorável a um combate militar contra os Manao, por sua vez armados pelos holandeses. Nesse sentido, essa situação envolvendo holandeses, índios Manao e portugueses, necessitava de soluções e a encontrada foi a de se pedir autorização e recursos financeiros do Reino para uma guerra “justa” contra os Manao. Era sabido que o Estado Grão-Pará não contava com o auxílio de tropa e nem armamento para uma guerra. A ordem real era favorável à solução de guerra, mas o rei alegou falta de verbas, transferindo a realização efetiva da guerra para os moradores do GrãoPará. Para o rei, os moradores eram “tão interessados nos lucros do Certões que contribuiriam para a sua defença” (FARAGE, 1991:63). A declaração de guerra foi resolvida pelo governador local, com a anuência da Junta das Missões45. Assim, os obstáculos e problemas que colocavam em risco a riqueza de possibilidades comerciais foram resolvidos: Ajuricaba foi preso e enviado para Belém. Entretanto, durante o percurso da viagem, provocou uma rebelião na canoa que conduzia os índios presos, mas o motim foi logo reprimido de maneira violenta. Não mais suportando o jugo português e o peso dos ferros que o prendiam, Ajuricaba atirou-se na água e sumiu (REIS, 1989:98). A falta de documentação mais explícita, bem como estudos históricos sobre o povoamento português na região dos Manao, chefiados por Ajuricaba, faz perdurar lacunas sobre o confronto entre as tropas portuguesas, chefiadas 45. Uma comissão que foi convocada pelo governador do Grão-Pará dividindo a responsabilidade da guerra “justa”, pois, em Portugal tinham-se dúvidas da justiça da campanha. Faziam parte dessa comissão autoridades civis e religiosas e das presentes, foi registrado que apenas o reitor do colégio dos Jesuítas votou contra e o bispo, dando o seu voto, posteriormente, recomendou o feito. Sobre essa questão e os critérios da guerra, falta documentação mais explícita e estudos históricos aprofundados sobre as guerras “justas” contra os índios amazônicos (cf. REIS, 1989:97). 77 pelo capitão Belchior Mendes de Morais, contra Ajuricaba e sua gente, por volta de 1723. Após esse episódio com os índios Manao, a rota fluvial em direção ao Rio Branco ficou livre e os povoados e aldeamentos começaram a render lucros para os portugueses. Desse modo, os Carmelitas passaram a reunir em Aldeamentos índios Manao e foram ampliando as relações amistosas com os índios Wapixana e organizando novas aldeias em direção à bacia do Essequibo via Rio Branco. Tendo como aliados os índios Wapixana, os representantes do Estado português mantiveram-se na bacia do Rio Branco (de fronteiras não demarcadas), que era território disputado por grupos antagônicos de europeus46, e instalaram fazendas e aldeias na região. Durante a segunda metade do século XVIII, no decorrer desses confrontos europeus pela posse da terra, foram divulgadas também notícias de insurreições entre as diferentes etnias indígenas dos troncos lingüísticos Arawak e Karib47. Os grupos Arawak eram os mais representativos, com maior poder de organização, considerada superior à dos Tupi-Guarani e dos Karib e mantendo poder governamental sobre os indígenas da região (bacia dos rios: Orinoco, Essequibo e Branco). Eram também excelentes guerreiros e usavam a estratégia de extinguir os grupos inimigos, matando os homens e incorporando as mulheres dos vencidos ao seu grupo48. Os grupos Karib eram identificados como experientes navegadores e guerreiros. Eles penetravam os diferentes rios entre as bacias do Orinoco (Venezuela) e do Branco (Brasil), desenvolvendo novas estratégias militares e alianças inter-tribais, buscando derrubar o monopólio dos 46. Auxiliados pelos soldados das tropas de resgates e índios aldeados, os portugueses tentavam ocupar terras na região do Rio Tacutu e Uraricoera; os holandeses monopolizavam o comércio na região do Rupununi; os espanhóis instalavam fortes e aldeias nas margens do Uraricoera; além dos ingleses, franceses e alemães que sempre rondavam a denominada “Costa Selvagem” ou o Rio Amazonas. 47. Da família linguística Arawak identifica-se a etnia Wapixana e da família Karib temos o Makuxi. Haviam, também, outros grupos: Paraviana, Sapará, Maku, Waiká, etc. (cf. DINIZ, 1972; CIDR, 1989; FARAGE, 1991; SANTILLI, 1994) . 48. Cf. Textos de historiadores (REIS, 1989) e etno-hsitóricos (CIDR, 1989 e 1990; FARAGE, 1991). 78 Arawak. Esses confrontos inter-tribais receberam apoio dos colonizadores europeus, que delineavam a ocupação e a defesa da terra aproveitando-se desse conflito entre os próprios índios49. Seguindo esse modelo de expansão e ocupação do Brasil português na área do Rio Branco, com uma percepção de mundo que misturava evangelização com o mercado de negócios, os missionários da Ordem do Carmo entraram também na parceria e comercialização com os holandeses da área do Rio Essequibo por intermédio dos índios. Esses índios percorriam com facilidade os rios Orinoco, Caroni, Demerara, Essequibo, Rupununi, Tacutu, Uraricoera, Branco, Negro, Solimões e Amazonas, ora em canoas, ora caminhando até alcançarem o mar Caribe e o oceano Atlântico (o mais importante elo marítimo de expansão européia no Novo Mundo). Nesse contexto de tensões sociais e competição de mercado, prevaleceu o domínio do branco nas terras e negociações amazônicas, o sistema de alianças e o papel das ordens religiosas foram significativos não só na evangelização como no processo de escravização indígena, garantindo tanto a prestação de serviços aos colonizadores europeus como o produto para o comércio. Essas ações políticas e religiosas na disputa do monopólio e privilégios, nos mais variados setores do Estado português de política expansionista, criaram um clima favorável ao contrabando fazendo crescer a rede comercial em proveito próprio. Nesse sentido, existem registros da primeira metade do século XVIII que denunciavam as atividades do frei carmelita Jerônimo Coelho, que atuava como grande “empresário” em parceria com Francisco Ferreira, chefe de tropas de resgate de índios. Nesse empreendimento, Frei Jerônimo aglutinava populações indígenas na aldeia Aracary, na região entre o Rio Negro e a bacia do Rio Branco, vendendo índios recrutados como escravos, desrespeitando o princípio de 49. Id., ibid. 79 “descimento” da legislação indigenista que considerava escravo apenas os índios aprisionados nas “guerras justas” ou rebelados nos “resgates” (SWEET, 1974, II:659). Dessa forma, o aldeamento de Aracary ancorava nessa pequeníssima base local, uma organicidade programática, mais em razão dos interesses do religioso Carmelita que a lealdade e aliança com o Serviço Real em favor do Estado português. Assim, longe do poder central e do olhar fiscalizador, Frei Jerônimo instituiu na missão uma empresa de coleta de cacau, fabrico de canoas, tecidos e manteiga de tartaruga. Aumentou o seu próprio poder político-religioso e econômico, articulando-se com seu sócio Francisco Ferreira e expandiu a rede de negócios entre os rios Negro, Branco e Essequibo, tornando-se elo das alianças comerciais com os protestantes holandeses (SWEET, id.,ibid.). Monopolizando os negócios na região, por volta de 1750, Frei Jerônimo exerceu atividades religiosas junto com o Frei José de Magdalena, no aldeamento de Muriuá que mais tarde transformou-se na cidade de Barcelos (1755). Por conseguinte, as negociações comerciais foram intensificadas com os descimentos indígenas (atuação do processo de cooptação do índio), tanto para as missões como para as fazendas pertencentes aos Carmelitas na região do Grão-Pará (FARAGE, 1991:61). Nessa ação de atração do índio pelo colonizador, os próprios missionários ou representantes do Estado português (brancos ou índios “civilizados”) convenciam os índios a se deslocarem de suas terras de origem e se estabelecerem nos Aldeamentos constituídos pelos religiosos ou civis50. No desenrolar desses acontecimentos, as incursões portuguesas foram intensificadas tanto nas rotas fluviais da bacia do Rio Branco como nas da bacia do Amazonas. Nesse processo, foram registradas notícias sobre a diminuição das etnias indígenas sob o domínio das potências rivais (Espanha e Holanda) 50. Cf. Textos que analisaram essa fase histórico-antropológica amazônica: CIDR, 1989; FARAGE, 1991. 80 motivadas pela estratégia e domínio português na região. Nesse sentido, a conquista portuguesa no Rio Branco foi marcada pelo pavor que se espalhou entre a população indígena, decorrência da repercussão de suas estratégias na escravização e comercialização indígena, buscando riqueza fácil. Observando a atuação portuguesa na região entre os rios Branco, Orinoco e Essequibo, espanhóis e holandeses denunciavam que os portugueses não zelavam pela evangelização missionária, visando a “civilização” e a fé cristã aos índios, mas eram movidos unicamente pela ambição pessoal (CIDR, 1989; REIS, 1989). Essas denúncias, implicando em maiores conflitos nas relações com os índios que estavam rejeitando qualquer contato com os brancos, eram resultantes das violências aplicadas pelos portugueses. Tais acusações foram levadas pelo comandante da colônia holandesa do Essequibo, em 1746, à Companhia das Índias Ocidentais. A explicação para tal situação, discórdia entre os brancos e o pavor51 entre os índios, era evidenciada na disputa geopolítica e no embate comercial que impulsionavam as experiências de domínio europeu nesse trecho da Amazônia. Dessa maneira, a colonização portuguesa tornou-se tirânica e o Estado tendeu a ser impotente na legislação da política indigenista. Esses representantes das nações européias, longe de suas metrópoles, envolviam-se em violentas lutas, não só entre si, mas também contra as populações indígenas amazônicas, conciliando os interesses de evangelização com os negócios de mercado. Favorecido por todo esse mecanismo de alianças e negociações, as tropas de Lourenço Belfort, exemplo de liderança isolada, muito comum no período, conduziram da região do Rio Branco para fazendas de suas propriedades no Rio Mearim (Maranhão) uma população de mais de mil índios. 51. No cruel processo de escravização indígena pelos portugueses e espanhóis, aliado às doenças, os índios viam-se obrigados a assumir nova identidade cultural dentro do novo contexto social europeu (MONTEIRO, 1994:105). 81 Nessa articulação lucrativa de Belfort, não temos registro do número do contingente indígena que foi destinado aos membros da expedição, aos serviços da “Fazenda Real” e do Colégio da Companhia de Jesus, além dos moradores dos distintos povoados ribeirinhos. Nessa perspectiva, não encontramos com nitidez reflexões históricas sobre o desalojamento paulatino do domínio holandês na Amazônia setentrional. Apesar dessas lacunas, temos notícias sobre medidas políticas administrativas que o Estado português tomou a partir da segunda metade do século XVIII, momento em que os portugueses constituíram condições histórico-políticas 52 vantajosas para anularem as presenças tanto holandesa como espanhola na Amazônia setentrional. Entre essas medidas tomadas pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão estava a que conduzia explorações de reconhecimento do Rio Amazonas e seus afluentes, evidenciando-se estratégias políticas e postos/ancoradouros para as incursões portuguesas na Amazônia, efetivando a posse da terra. Após o ano de 1750, ficou bem evidenciada a necessidade de uma medida que resolvesse a questão fronteiriça na Amazônia. A Coroa portuguesa precisava documentar sua presença na região, obtendo títulos de propriedade com base na posse da terra conquistada. A política dos Aldeamentos transfigurando os índios em brancos, instituindo-os como súditos da Coroa, comprovando a ocupação portuguesa, nem sempre funcionou. Os índios sentiam-se estranhos nesse exercício de cidadania portuguesa/brasileira, rebelavam-se e fugiam para o interior da floresta (sua morada e parente natural). As comissões mistas (espanhóis e portugueses) responsáveis pelos estudos e demarcação dos limites e os militares que acompanhavam o reconhecimento dos direitos entre as duas nações ibéricas, 52. Com o acordo entre Portugal e Espanha, através do Tratado de 1750, o português foi beneficiado com a posse dos povoados criados além do Meridiano de Tordesilhas, instituídos pelo uti possidetis. 82 entravam, constantemente, em discórdia ou envolviam-se em lutas por não aprovarem determinados marcos, limitando as fronteiras. Em conseqüência, o rei português ordenou ao Governo do Grão-Pará toda a severidade contra os missionários ou colonos (responsáveis pelas aldeias) que se mostravam infiéis a Portugal: pessoas competentes e fiéis ao rei deviam ser envidas para traçarem o mapa dos rios em que penetravam para, em seguida, tomarem posse da terra (REIS, 1989). Assim, a instalação da Capitania de São José do Rio Negro com capital em Barcelos53, como um elo dessa rede de expansão político-administrativa, favorecia uma melhor compreensão tanto dos “mistérios” da selva e sua cartografia aquática como dos “selvagens” habitantes da região, além da presença do Estado português. Nessa nova Capitania, os representantes de Portugal organizaram as expedições de reconhecimento das rotas fluviais de passagens tanto para a bacia do Rio Branco como para as do Rio Essequibo e do Rio Orinoco, garantindo o controle da aproximação dos colonizadores das nações rivais (espanhóis e holandeses). Desse modo, a Reforma Indigenista para o Estado do Grão-Pará e Maranhão feita pelo ministério do Marquês de Pombal, no século XVIII, assinalou princípios num esforço de monopolizar ou revigorar a política econômica amazônica, em favor dos interesses da Coroa portuguesa, que estava sendo prejudicada por esses entendimentos diplomático-jurídicos em relação à posse e usufruto das terras. Um dos pressupostos da Reforma do Marquês tinha como meta povoar a região amazônica no Rio Negro com expansão até o Rio Branco, contando, para isso com o apoio de seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o 53. Antiga aldeia missionária fundada pelos carmelitas foi transformada em vila e capital com o nome de Barcelos. Tal mudança política e denominação eram um cumprimento ao programa governamental que se traçara para renomear todas as povoações da Amazônia recorrendo-se aos nomes das vilas da Casa dos Bragranças. Tais ordens e procedimentos de fundação da Capitania estavam contidos na Carta Régia de 3 de março de 1755 e nas Instruções posteriores (cf. REIS, 1989:119). 83 governador e capitão-mor do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Em 1757, Mendonça Furtado nomeou seu sobrinho, o Coronel de Infantaria Joaquim de Melo e Povoas para governar a Capitania de São José do Rio Negro. No entanto, a instalação desse novo sistema administrativo na Amazônia não foi bem aceito pelos antigos administradores (civis degredados, militares e religiosos), envolvidos no tráfico de escravos índios e no contrabando de produtos tropicais amazônicos, privilegiando seus próprios interesses. Mendonça Furtado fez valer a soberania do Real Serviço de Sua Majestade, regulando as instruções político-econômicas e estabelecendo condições para a “civilização” do índio, buscando mecanismos políticos/diplomáticos para garantir a soberania de Portugal, que estava enfraquecida pelo jogo de interesses dos antigos administradores dos povoados ou aldeias, ambiciosos de poder estatal e riqueza fácil. A trama de negociações, alianças políticas e administrativas constituídas por comerciantes da elite de Belém e São Luiz, que também estavam interessados nas drogas do sertão, era definida no financiamento das viagens de “coletores” que, com a conivência de administradores corruptos, permitiam que esses viajantes comercializassem escravos indígenas (MONTEIRO, 1994:112). Essas expedições com os “coletores” representavam o poder estatal e, à revelia, vivendo no interior amazônico, coordenavam o abastecimento da mão-de-obra indígena (REIS, 1989; MONTEIRO, 1994). A Reforma Indigenista do Marquês de Pombal (Lei de 7/6/1755) criou mecanismo de poder sobre o índio aldeado que, por meio do Regimento do Diretório, seria administrado por um índio “livre” e “súdito” do Rei de Portugal, denominado “Principal”. Esse novo administrador do Aldeamento substituiria o missionário que se tornaria apenas o capelão dos índios aldeados. Assim, o índio “livre” era o índio “civilizado” e protegido pelo Estado português. Com essa 84 medida, a Reforma pombalina retirou o poder tutelar dos missionários sobre os Aldeamentos e seria auxiliado pelo “Principal” que exercia entre os índios distintas funções políticas em favor do Estado português (cf. CIDR, 1989; REIS, 1989; FARAGE,1991). Dando continuidade às reformas administrativas e políticas, Mendonça Furtado normatizou e aplicou um conjunto de medidas relativas à vida do índio na região: retirou a administração das aldeias da mão dos missionários, concedeu “liberdade” aos índios aldeados. Em alguns povoados, o índio “civilizado” exercia as funções políticas (administrador, juiz ordinário, vereador das câmaras, entre outras). Assim, em maio de 1757, Mendonça Furtado regularizou a situação do índio “livre”, criando o Regimento do Diretório. Nessa concepção, revelando um novo modelo de prática ilegal contra a vida e a terra do índio amazônico, o governo português impôs um novo sistema político administrativo: os antigos Aldeamentos ou missões seriam governados pelo índio “livre” que auxiliaria o vigário na “civilização” indígena, tornado-os aptos para os serviços régios, civis, militares e religiosos, transformando os Aldeamentos em vilas e povoados (CIDR, 1989; REIS, 1989; FARAGE, 1991). Embora tenha havido certa mudança nas leis sobre as etnias indígenas na bacia do Rio Branco, o Estado português não contribuiu para que o índio fosse reconhecido como um cidadão étnico diferenciado do europeu. As idéias contidas na Reforma pombalina faziam referência à ordem para que fosse destruído todo o vestígio da cultura “não-civilizada” presente nesse mundo natural em transformação urbana integrada ao distante reino ibérico. A partir disso, podemos dizer que, nesse contexto, o índio saiu do controle missionário e não foi devolvido ao seu estatuto anterior. Apenas foi mudado o tipo de molde segundo os parâmetros de interesse do colonizador, de visão etnocêntrica, predominando a negação da cultura diferente, numa tentativa de eliminá-la. 85 Segundo os novos princípios enunciados, cabia aos missionários “civilizar” os índios habitantes dos aglomerados populacionais ribeirinhos, conforme o Real Serviço de Sua Majestade (representado pelo poder público das Capitanias e do Estado do Grão-Pará) continuando o índio “cristianizado” a ser introduzido nas diferentes prestações de serviços do Estado e dos moradores colonos. Essa reforma pombalina, que redirecionou a dinâmica sócio-cultural, geopolítica e comercial estava apoiada em um modelo político de poder colonizador com flexibilidade suficiente para a incorporação da iniciativa privada, tendo em vista a possibilidade do aumento da receita fiscal do Estado português. Os missionários Carmelitas e Franciscanos, entre outras Ordens católicas, cederam às novas medidas que tornavam o missionário em capelão do povoado, mas os religiosos jesuítas não aceitaram perder o poder político-administrativo das aldeias para um “Principal” e, auxiliados pelos índios aldeados, tomaram-se de hostilidades contra o Estado português. O Marquês de Pombal criou novas ordens régias e a lei de 03 de setembro de 1758 expulsou de Portugal e suas Colônias a Ordem Jesuíta. Os índios rebelados abandonaram as aldeias e fugiram para o interior da região amazônica (REIS, 1989:117). Tais reformas em relação à “civilidade” ou “liberdade” do índio deixavam dúvidas em certos segmentos da sociedade colonial amazônica, pois era sabido que as ordens régias e instruções políticas estavam sempre no âmago dos interesses do momento do poder público amazônico (REIS, 1989). Assim, no processo de civilização do índio se expandia nesse território, transfigurava-se em súdito e, conseqüentemente, ocupava o cargo de “Principal”. Como trabalhava em favor do Estado português, o índio não via sentido nas suas funções, originando fuga ou abandono do cargo e aldeia para o interior da floresta, pois lá, ele tinha alimento mais farto, além do prazer de conviver com os parentes, contrariando as 86 instruções das cartas e leis régias54. Para o português/brasileiro, morador dos vilarejos ou povoados ribeirinhos, o índio “livre” na figura do “Principal” não estava qualificado para tais cargos ou funções a serviço do Rei, porque era analfabeto na língua e cultura portuguesa. Nesse processo de expansão portuguesa, o retorno das tropas de Resgates e os novos Aldeamentos representavam mecanismos políticos necessários à defesa da terra e soberania de Portugal. Desse modo, podemos expor que a conquista da região pelos portugueses foi favorecida, tanto pelas novas informações cartográficas da rota fluvial, como pelos novos mecanismos sociais, políticos, jurídicos e sua complexa parceria comercial, com o apoio dos representantes do Estado nas diferentes localidades ribeirinhas que mantinham uma mão-de-obra indígena ainda farta, apesar das deserções para a selva. Com relação à política indigenista, a legislação sobre as etnias indígenas que vigorou até meados do século XVIII classificava os índios em duas categorias: os livres e os escravos. As etnias consideradas “livres” eram as dos índios que se encontravam nas aldeias missionárias, enquanto consideradas “escravas” eram aqueles rebelados e aprisionados pelo que se denominou de “guerras justas” ou apresamento indígena pelas tropas de “resgates”. Nesse processo dos Aldeamentos, a estrutura de sobrevivência do branco apoiada na desestruturação da cultura do índio, com ausência de escrita, organização social e estatal, facilitou ao Estado português montar os seus mecanismos políticos de imposição na expansão de seus domínios, fazendo uso da força de “coerção” sobre o direito da terra e do índio. 54. Cf. textos de autores que analisaram legislações indigenistas, do século XVIII, na Amazônia: 1989; FARAGE, 1991. REIS, 87 Apesar das mudanças de mentalidade política e social pelo europeu55, no século XVIII e começo do XIX, reconhecendo novas formas estruturais do Estado-Nação e da sociedade, o ameríndio ainda era observado pelo habitante europeu do mundo amazônico como incapacitado de fixar-se nos elementos e regras de sociabilidade transferidas da Europa para os Aldeamentos, que impunham normas educacionais e profissionalizantes, encaminhando o índio para um mercado de trabalho, que o índio não compreendia. Diante do histórico dessa situação, podemos dizer que durante os séculos XVIII e XIX, a história da Amazônia setentrional, como de toda a América Latina, confundiu-se com a própria história das ordens religiosas e do poder do Estado colonizador, com ênfase na evangelização, na posse e na segurança da terra. À vista de tal quadro social “conquistador/civilizador” o índio era parte da terra, um bem a mais a ser explorado. Mágica e dadivosa terra, que já trazia os braços para explorá-la, a mão-de-obra representada na figura do índio, o mais importante “produto” da terra amazônica. Tal desejo alentava o processo de imigração para a região no século XVIII, onde, após as reformas do Marquês de Pombal, sustentavam-se aspirações europeizadas e aristocráticas na competição por poder político e recursos econômicos extraídos da Amazônia. Dessa maneira, multiplicou-se o número de particulares e religiosos que, auxiliados pelas tropas de resgates, aventuraram-se neste contexto de enfrentamentos e posse da vida humana e da terra amazônica. Tal realidade em construção ainda perdura e influi nas relações contemporâneas. Não é difícil entender a razão dos conflitos, da posse da terra amazônica e da vida humana como parte integrante na construção do Estado Luso-brasileiro, na bacia do Rio Branco. A forma como o Estado moderno passou a ser 55. Mudanças provocadas pela difusão das idéias (iluministas, positivistas, materialistas, evolucionistas, entre outras) que deram novas interpretações políticas e sociais, exaltando conceitos como os de liberdade, igualdade, dominação, forças de produção, etc. 88 concebido, individualista de concepção burguesa, em oposição à coletividade não compreendida do índio, de relação coesa entre terra e cosmo, não reconhecida e nem incluída no sistema de direito estatal, obrigando o índio a integrar-se no Estado, como propriedade, foi uma das principais razões dos conflitos. FIGURA 02 Maloca Macu exatamente acima do desfiladeiro de Toquiximauaíte, na margem esquerda do Rio Parima. Expedição Rice (1924/87). (Legenda e Foto: RICE,1978). A maloca, ainda, apresenta quase as mesmas características das malocas edificadas nos séculos passados (grifo nosso). Isto quer dizer que o projeto integracionista do Estado, por meio dos Aldeamentos, do ponto de vista dos índios aldeados era um cruel processo de escravização e morte. Na seqüência, os índios cooptados na aspiração civilizadora, enquanto prática de cidadania, foram vivendo uma cruel realidade de discriminação e preconceito na figura do “caboclo” ou “brasileiro nato”. Nesse contexto do Rio Branco em construção, a “nova sociedade local” (brancos) 89 expropriou o índio de tudo que lhe era essencial - identidade e terra – postulando que estaria convertido em cidadão e protegido por um Estado justo56. Nesse cenário de tensões e competições entre “brancos” e índios, o contexto sócio-cultural da maloca foi se urbanizando, influenciado pela aspiração “civilizadora”. Tratava-se de grande perda, embora o establishment político o visse como “ganho”. 1.5. Forte São Joaquim e a consolidação da conquista do Rio Branco Após a guerra entre os portugueses e os índios Manao, que deu início às constantes revoltas entre as diferentes etnias indígenas, bem como a presença de Aldeamentos da Coroa espanhola, estabelecidas após o Tratado de Madri, em 1774, o diversificado comércio dos holandeses na bacia do rio Branco, atingindo os rios Amazonas e Solimões, significou obstáculos para o Brasil português efetivar o seu pleno domínio nessa região. Por sua vez, na busca de alternativas para a mudança política em favor da Coroa portuguesa na disputa por terras, durante a segunda metade do século XVIII, o missionário da região do Rio Negro, Frei José de Magdalena 57, fez um relato ao governador do Grão-Pará, solicitando atenção especial para a região do Rio Branco. O referido religioso alertava sobre a constante presença holandesa na região do Rio Branco, dominando os negócios de trocas e o tráfico de escravos índios. Dessa forma, a multiplicação de alianças, que aumentava o poder políticoeconômico holandês, deveria ser combatida de forma enérgica para que eles não 56. Promessas fundadas nos ideais liberais experimentadas nos primórdios do Estado Moderno, firmando-se nos direitos humanos, no reconhecimento da liberdade e da igualdade para todos, expressões máximas da dinâmica social francesa de final do século XVIII. 57. O Frei José de Magdalena tinha como auxiliar o missionário carmelita Frei Jerônimo Coelho, o qual fazia tráfico de escravos índios e parceria comercial com os holandeses na bacia do Rio Branco, monopolizando esse comércio clandestino nas regiões dos rios Branco, Negro, Amazonas e Solimões (cf. Nosso comentário nas pp. 60/62). 90 se tornassem os “Senhores” das terras dos rios Branco e Negro. Nesse jogo de interesse e estratégia individual de cada administrador dos aldeamentos missionários, era perceptível o desejo de aumentar seu poder de barganha e influência no poder central. Nessa barganha, poderiam até estabelecer alianças pontuais com os competidores inimigos na busca de uma meta imediata comum. No entanto, dificilmente buscavam formar uma aliança ampla, porque prevalecia a conduta individualista e não de política central bem definida. Diante dessas notícias, o governo do Estado do Grão-Pará ampliou o poder político da Capitania de São José do Rio Negro58, em 1775, com uma extensão administrativa militar na bacia do Rio Branco. Efetivou tal proposta construindo um forte, no ponto de encontro dos rios Tacutu e Uraricoera59, sendo que na construção do Forte60 (1775 e 1776), denominado de São Joaquim, a mão-de-obra foi fornecida pelo vizinho Aldeamento São Felipe localizado no Rio Tacutu. Parte do armamento do Forte foi trazido do Grão-Pará e outra parte foi tomada aos espanhóis durante confrontos entre soldados espanhóis habitantes do Rio Branco que foram expulsos pelos portugueses61. A estratégia portuguesa, com pretensão expansionista, buscava não só ocupar militarmente, mas também utilizar as etnias indígenas como “fronteiras vivas” e defensoras dos sertões amazônicos (FARAGE, 1991). Um dos fatores de maior preocupação para essa empreitada portuguesa era o de legalizar o povoamento na região, trazendo para sua esfera índios que tinham um bom 58. O pequeno aglomerado urbano que foi se desenvolvendo ao redor do Forte de São José do Rio Negro (1669) que sempre esteve isolado do Grão-Pará, após a tomada de decisão do governador, a pequena Capitania, unificada ao poder Monárquico, direcionou-se para conquistar o Rio Branco com a instalação do Forte, Aldeamentos e Fazendas, antes da conclusão dos trabalhos das Comissões de Demarcações das fronteiras amazônicas. 59. O Rio Tacutu faz ligação com a bacia do Essequibo habitada por holandeses e o Rio Uraricoera faz ligação com a bacia do Orinoco habitada por espanhóis. 60. Desempenhando uma frágil presença militar e administrativa portuguesa, o Forte se manteve até o final do século XIX. 61. Em fins do século XVII, os espanhóis disputavam essa região com os holandeses. Na primeira metade do século XVIII, os espanhóis fundaram nessa região os povoados de Santa Rosa e São João Batista e uma pequena fortificação, cujos objetivos eram o de firmar o domínio comercial e a soberania espanhola no Rio Branco. 91 relacionamento com holandeses e ingleses, evidenciado na comercialização dos produtos manufaturados holandeses que eram trocados tanto por escravos índios como as drogas do sertão. FIGURA 03 Forte São Joaquim e Povoação de Santa Maria 1. Prospecto da Fortaleza de São Joaquim, Rio Branco, feito por Alexandre Rodrigues Ferreira, em sua viagem entre os anos de 1783 e 1792. (Prancha: Ferreira, A.R. 1971. Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá: 1783-1792. Iconografia vol.1.Geografia-Antropologia. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro). Apud BARBOSA, Reinaldo et alii, 1997:198. 2. Povoação de Santa Maria, Rio Branco, desenho de Alexandre Rodrigues Ferreira, feito em sua viagem entre os anos de 1783 e 1792. (Prancha: Ferreira, A.R. 1971. Iconografia vol.1.Geografia-Antropologia. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro). Apud BARBOSA, Reinaldo et alii, 1997:198. 92 MAPA 01 Forte São Joaquim e Aldeamentos na bacia do Rio Branco, século XVIII (FARAGE, 1991). 93 Tal ação indígena, aliada aos holandeses, fez parte das preocupações do Ouvidor da Capitania do Rio Negro, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio. Durante uma expedição exploratória ao vale do Rio Branco, buscando reunir provas da soberania da Coroa de Portugal na região, o Ouvidor Ribeiro de Sampaio registrou sua impressão sobre a cultura indígena e as grandes vantagens dos recursos minerais na região sendo que, para o Estado usufruir desses produtos da natureza, ele reafirmava a importância de uma fortaleza nesse território como um dos marcos da presença do Brasil português. Essa representação militar administrativa a serviço da Coroa portuguesa favoreceria sobretudo a Capitania do Rio Negro, mas, também, em menor medida a do Grão-Pará. Posteriormente à instalação do Forte São Joaquim, o governo do Brasil português voltou sua preocupação para os mecanismos políticos educacionais que deveriam “civilizar” os índios aldeados que, assim, unificados pela língua portuguesa, em substituição às diferenças lingüísticas62 (dos próprios índios e das demais dos colonizadores europeus) serviriam para dar a impressão de mudar a concepção de índio como “objeto” para a do índio como “fronteira ou muralha viva”63 contra os interesses não-portugueses. Nesse sentido, as nações rivais de Portugal/Brasil presentes nessa região amazônica protestaram e acirraram a competição política e religiosa entre protestantes e católicos pelo monopólio tanto da terra como da vida humana nativa. Os representantes do ministério de Pombal sabiam da existência das vastas terras desconhecidas pelo Estado do Grão-Pará, que faziam fronteiras com colônias ocupadas por holandeses, franceses, ingleses e espanhóis na Amazônia e, 62. Entre as distintas famílias indígenas do tronco lingüístico Karib, a etnia Makuxi, intermediando o comércio de trocas com os holandeses, comunicava-se também com os espanhóis e, depois, com os portugueses. A etnia Wapixana (grupo de língua Arawak) auxiliava os portugueses nos contatos inter-tribais e comunicavam-se com o holandês/ingleses. 63. “Fronteiras Vivas”, esse conceito de termo corrente na Antropologia, fez-se presente pela primeira vez na Geografia Social (cf. VALLOUX, 1914). 94 no contexto referente à demarcação das fronteiras, eram necessários normatizar instruções régias e civilizar o índio na língua portuguesa para confirmar politicamente a soberania Luso-brasileira. MAPA 02 Localização das antigas e das novas unidades militares (no século XVIII). Os trabalhos das comissões que determinavam os limites entre Portugal e Espanha eram sempre interrompidos por falta de clareza nos documentos (relatórios, memoriais, acervos cartográficos), além dos constantes conflitos armados entre soldados espanhóis e portugueses dificultando a obra de reconhecimento das terras amazônicas (MANSUY-DINIZ SILVA, 1998:484). Desse modo, o governo português reforçou seu poderio político e econômico com a posse da terra e a ampliação da rede de fortes nos principais rios da Amazônia. Além disso, incentivou a imigração branca para as regiões escassas de população “civilizada”64. Assim, o Estado monárquico desenvolveu 64. Nesse processo de invasão da região e rebatizando tudo com nome português, as etnias indígenas eram consideradas “brancas” quando aldeadas e batizadas com nome português e sendo tomadas como aliadas 95 mecanismos de exploração comercial e colonial, efetivando, por meio dessas medidas régias, a presença portuguesa na Amazônia, com expansão política e militar. Entre costumes “selvagens” mesclados aos hábitos europeus, eliminando parte da memória cultural indígena e agregando parte da cultura ocidental, índios e brancos, cada um a seu modo, foram aumentando a violência dos contatos, redefinindo lugares e o papel destes sob o domínio do Estado, protagonista de conflitos pela terra. Essa realidade dual (ser ou não ser índio/branco) assumiu novas configurações na bacia do Rio Branco, dificultando a imposição geopolítica portuguesa na região, constituindo-se em várias reformulações de estratégias portuguesas para fixar os índios em aldeamentos, fazendas ou vilas sob o comando do Forte São Joaquim. 1.6. A reação indígena contra o Estado português e a denominada “Praia do Sangue” A entrada administrativa militar portuguesa e (compartilhando com os administradores dos aldeamentos) a luta pela partilha política e econômica no Rio Branco incitaram as tensões entre índios e não-índios, por negar a aqueles o direito de convivência diferenciada da organização européia. À mercê dos interesses políticos e econômicos, os pioneiros brancos implantaram as novas formas de poder social e de direitos que foram legitimados por instâncias do Estado, tornando o índio sua propriedade65. importantes no povoamento e nos contatos com os outros grupos indígenas (rebeldes ou isolados, “selvagens”) e na formalização da posse da terra. 65. Fazemos referência às Reformas Indigenistas do Marquês de Pombal (século XVIII) que tornou o índio tutelado pelo Estado. Tal direito do Estado sobre o índio perdurou até o século XX fazendo-se presente nas Reformas Indigenistas do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em 1910 e da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) que substituiu o SPI (Lei 5.371 de 05.12.67). O índio tornou-se cidadão diferenciado do nacional, somente, com a Constituição Federal de 1988 que reconheceu a cultural e o direito de posse da terra habitada pelo índio. 96 Essa proposta governamental, por meio dos resgates e aldeamentos, fazia tábula rasa das diferenças sociais e culturais de cada etnia indígena e, para tornar essa população “cortês” ou escrava, desenvolveu rivalidades e fortaleceu o desejo dos índios de combater o domínio do governo português. Essas ações e medidas envolvendo brancos e índios criaram novas tensões. Tais crises do processo “civilizador” deram origem a uma série de movimentos conspiratórios dos índios contra o Estado português. Em geral, todas as formas de vida na bacia do Rio Branco experimentaram um impressionante desgaste ao longo desse processo colonial vinculado à experiência etnocêntrica da cultura ocidental. Ignoramos, todavia, as circunstâncias de tal contexto em guerra entre índios e não-índios no plano colonial português, por conta da escassez de documentos históricos sobre essa situação colonial do século XVIII na bacia do Rio Branco. Há, no entanto, alguns registros etno-históricos que dão conta da reação indígena contra o processo de evangelização católica (aldeamentos/povoados) e o fortalecimento do capitalismo monárquico pelos portugueses (CIDR, 1989; FARAGE, 1991). Esses documentos fazem referência, também, a índios rebelados presos no Forte e que o motivo de tais revoltas era o não cumprimento, por parte do índio, das instruções régias na “civilidade” indígena (Id., ibid.). Nesse embate, o colonizador português incitava guerras entre os próprios índios, que vinham se envolvendo em lutas pelo monopólio comercial holandês, entre famílias do tronco Arawak e Karib, as etnias Wapixana, Makuxi, Sapará, Paraviana e outros grupos menores que foram seduzidos por este processo de aldeamento. Nesse contexto, o número reduzido de brancos não impedia as deserções dos índios que fugiam das aldeias missionárias e povoados, deslocando-se para o interior da selva/lavrado ou para os núcleos de comercialização holandesa. 97 Assim, os portugueses estavam sempre recomeçando o trabalho de “atração” dos índios para o aldeamento. Nesse processo, os índios tentavam se organizar em suas etnias e os portugueses tentavam “civilizá-los” ou “escravizá-los”, tornando-os mercadorias lucrativas. Na conjuntura colonial de confronto das aspirações e dos interesses, os portugueses implementaram políticas indigenistas duras contra os índios aldeados. Mas o efeito da política que buscava controlar a rebeldia indígena não foi a esperada pelo colonizador português. Em 1790, os poucos documentos relatam uma sangrenta batalha entre índios e tropas portuguesas (Id., ibid.). Por motivos desconhecidos, um “Principal”66 Makuxi, denominado Parajuijamari, matou um soldado que o conduzira do aldeamento vizinho ao Forte para o Aldeamento São Martinho67. Quando retornou para o aldeamento residente, junto ao Forte, ali matou também o soldado administrador dessa unidade militar. Esse gesto do índio Makuxi desencadeou um efeito multiplicador e os índios aldeados se organizaram e emboscaram mais dois soldados, depois disso todos os índios fugiram para a região de serra. Ao ter conhecimento dessa rebelião, uma tropa partiu para o Rio Branco com ordens do governo da Capitania do Rio Negro, Lobo D’Almada, para capturar os fugitivos e forçá-los a retornar aos aldeamentos. Essa operação fechou o cerco sobre o território Makuxi e, com a morte de Parajuijamari, durante uma “resistência armada” contra as tropas portuguesas, desencadearam-se inúmeras revoltas indígenas ao longo dos anos 90 do século XVIII (CIDR, 1989; FARAGE, 1919). As denúncias feitas pelos índios sobre a falta de cumprimento dos pactos realizados entre os colonizadores e os índios aldeados não eram reconhecidos pelas autoridades régias, que tinham como meta a ordem social e soberania 66. 67. Cf. Comentários feitos acima, pp. 84/87. Para melhor compreensão desse contexto consultar Mapa 01, p. 93. 98 portuguesa na região. Nesse contexto de guerra, as margens do Rio Branco se tornaram palco de batalhas e os índios foram quase completamente dizimados. Foi nessa época que se registrou a mais conhecida de todas as rebeliões, a denominada “Revolta da Praia do Sangue”, quando as povoações ao longo do Rio Branco, com exceção da N. S. do Carmo, foram destruídas na luta dos índios contra os soldados do Brasil português (IBGE, 1954 e 1957). MAPA 03 Migrações das Etnias Indígenas no século XVIII (FARAGE, 1991). 99 Muito pouco se sabe sobre os empreendimentos nos povoados/aldeias, das revoltas indígenas, das rotas seguidas pelos manufaturados, das estratégias militares portuguesas e das políticas culturais na alteração da vida e da paisagem nestas terras amazônicas. Apesar disso, observamos que até hoje esse processo de colonização é ensinado, nas escolas de Roraima, sob o ponto de vista da historiografia brasileira tradicional68, como a “conquista” e povoamento pelos colonizadores portugueses. Essa historiografia exalta a figura dos “heróis pioneiros” que desbravaram as selvas e afastaram outros grupos europeus. Nos diferentes relatos de cronistas que acompanharam as expedições colonizadoras na região, não há notícias detalhadas sobre essas etnias presentes no Rio Branco. As denominações são confusas, como os “Caribes” também chamados de “Canibais”, aparecendo como supostos “Caripunas” que negociavam com os Makuxi e holandeses na bacia do Rio Essequibo. A própria legislação indigenista de Pombal não enuncia com clareza a função do índio aldeado: ele é “livre” e usufrui o exercício de cidadania, mas, ao mesmo tempo, não tem direito de propriedade, ao contrário, ele é propriedade do Estado. Dentro dessas controvérsias na história da situação do índio, não só de Roraima como do Brasil, acreditamos na possibilidade de algumas áreas das ciências humanas reunirem-se para estudar e propiciar alternativas para essa questão: estudos de antropólogos, juristas, cientistas políticos e sociais, entre outros, poderão auxiliar no entendimento desse processo histórico. A partir dessa questão, seria necessário entender quando e como ocorreram a conversão e Aldeamento dos Makuxi e de outras etnias, que em períodos anteriores travavam intensas relações com holandeses. Não existem 68. A historiografia de Roraima, em geral, é deficitária no trato dessa questão étnica na região, desde o século XVI aos nossos dias, século XXI. Uns dos problemas são, ainda, as poucas pesquisas por historiadores. 100 estudos a respeito dessa situação interétnicas, pois desconhecemos a presença de documentos a tal situação colonial em arquivos holandeses69. No contexto da transfiguração do índio em branco e de uma série de episódios dramáticos de resistência indígena, o caráter autoritário de atuação do Estado português apaziguou as revoltas dos aldeados. Assim, diferentes famílias Makuxi (Karib) não só assumiram a cultura do Brasil português, como também os pactos de paz com os Wapixana (Arawak) por meio de casamentos e trocas comerciais. Em algumas malocas os índios passaram a denominarem-se como “Makuxi-Wapixana” (cf. OLIVEIRA, 1991:21). Tais amalgamentos empanam a identidade indígena e reforçam o poder do Estado sobre o índio que, transformado em “branco”, perde-se nos desvãos da sociedade que se propôs “integrá-lo”. 1.7. As Fazendas na bacia do Rio Branco A conquista da bacia do Rio Branco pela Coroa de Portugal desenvolveuse com a introdução sistemática do gado no final do século XVIII, momento da fundação das primeiras fazendas particulares que integravam a região ao Império português. Essa nova dinâmica colonizadora por meio da pecuária apareceu como uma solução para o programa de exploração e expansão comercial executada por Manoel Sá Gama Lobo d’Almada, Governador da Capitania de São José do Rio Negro: Explorando o vale do Rio Branco, por ordem do governo em 1787, Lobo d’Almada percebera o valor daquelas campinas verdejantes que se estendem até os contrafortes 69. Um pouco da etno-história dessa região, das transformações ocorridas no período colonial, já foi divulgada por estudiosos da antropologia e da história social, considerando os problemas interétnicos e o poder da cultura branca sobre o índio. Contudo, não apresentam de modo claro às formas de governo indígenas no processo de trocas comerciais entre os próprios índios e desses com os europeus, nos séculos XVI e XVII. Além disso, não há referências detalhadas sobre a repressão exercida pelo Estado português, no século XVIII, na política de assimilação das famílias indígenas associadas aos holandeses ou espanhóis na região do Rio Branco (cf. DINIZ, 1972; RICE, 1978; REIS, 1989; CIDR, 1989 e 1990; FARAGE, 1991; SANTILLI, 1994 e 1997). 101 guianos. (...) mostrando a conveniência do estabelecimento de fazendas de criação (REIS, 1989:144). De fato, com o reconhecimento da posse portuguesa na área do Rio Branco, pelo Tratado de Madri (1750), a implantação das fazendas nos campos dessa região atendia um dos programas governamentais do Brasil português de valorização econômica da terra, garantindo-lhe a ocupação, alimento e a defesa: As carnes secas com que se poderiam fornecer as diferentes povoações da Capitania em que há trabalhos públicos, como são as fábricas de anil, aonde a falta do necessário sustento embaraça o seu maior programa, (...) cresceriam as rendas reais com os dízimos do gado (REIS, id., ibid.). Esse caráter de exploração mercantil e povoamento incorporou novas forças sociais (religiosas, civis e militares) apoiadas no trabalho indígena. A liberação do poder sobre a força do trabalho indígena, dividido entre o Estado e os militares, estendeu-se aos missionários e aos moradores colonos. Isso fez surgir uma variação nessa rede de poder político-administrativo, nos serviços e negócios (agricultura e pecuária) da nova política econômica e de fixação do homem colonizador no vale do Rio Branco. A europeização do Rio Branco deuse, então, com a colonização firmada na cultura pastoril (SOUZA, 1969). Esse vale amazônico, uma vez integrado ao Brasil português, tornou-se logo um fecundo lugar de contato entre índios e não-índios. O processo “civilizador” português, acentuado pela violência contra os índios, recorreu ao escravismo e ao tráfico de índios como o eixo em torno do qual se estruturou a vida nessa região que se abria para o grupo comercial pecuário e agricultor. É importante ressaltar, neste ponto, os inúmeros grupos indígenas ilustrados no Mapa 03 (acima, p.81) que foram amplamente usados como mão-deobra nos distintos serviços da cultura do gado. Podemos afirmar que nesse processo a cultura do gado foi um mecanismo importante para o Brasil português redefinir a geopolítica frente às outras nações européias envolvidas em litígios na bacia do Rio Branco, o desejo de tutela sobre essa porção de terra amazônica e 102 seus habitantes índios pela monarquia portuguesa se fez, também, com apoio dos outros mecanismos: a unidade militar/religiosa e a escravização do índio. Embora as ordens religiosas, via Pombal, tenham perdido o papel de comerciantes de índios, elas não perderam sua capacidade de desestruturar a cultura indígena, pelo viés não só religioso quanto de certas práticas cotidianas, interferindo na cultura material. O projeto do gado se concretizou com a posse do gado bovino deixado pelos espanhóis expulsos, em 1793, das margens do Rio Solimões, em Tefé 70 (REIS, 1989:145), e rebanhos trazidos do nordeste brasileiro, região que vivia dificuldades com a seca. Assim, o Coronel Lobo d’Almada fundou na região uma das primeiras fazendas particulares, denominada São Bento. Seguindo o mesmo modelo, o próprio comandante do Forte São Joaquim, Sá Sarmento, instalou uma fazenda (São Marcos) nas proximidades do Forte. Ao mesmo tempo, um rico morador do Rio Negro, o capitão José Antonio Évora, instalou também uma fazenda denominada São José (SOUZA, 1969). Estas três fazendas particulares constituíram o cenário que facilitaria o desenvolvimento da cultura do gado, contribuindo ainda para o fortalecimento do poderio português. Contudo, esse poder político, fornecendo aos fazendeiros um poder maior de barganha, não serviu para que obtivessem autonomia financeira, pois dependiam do mercado da Capitania do Rio Negro, de um eficiente transporte fluvial, da mão-de-obra indígena que executava diferentes serviços, de negociações e alianças para obter certo equilíbrio sócio-cultural entre colonos, religiosos e índios. Esse “pacto social” como uma fórmula política e econômica, de uma imperiosa necessidade de expansão amazônica e soberania portuguesa, colocava 70. Embora a Ordem Religiosa espanhola continuasse, até os anos de 1950, ainda recebendo jovens noviças européias que ensinavam “bordados” às índias (Ref. Irmã Dolores, madre da Ordem no Brasil, Casa S. Francisco, J. Bonfiglioli, São Paulo, inf. Pessoal). 103 as sedes das fazendas num imenso território com baixa população branca que se organizava com privilégios do grupo dominante juridicamente definido. Com recursos financeiros incipientes, essa pequena burguesia agropecuarista mantinha a condição escrava dos trabalhadores índios que desenvolviam a agricultura de subsistência e uma pecuária de limitada relevância para o mercado da região. Um outro fator importante nesse processo “civilizador” foi a não necessidade de mão-de-obra abundante. Nesse sentido, a presença do escravo negro não deu caráter especial no empreendimento do Estado português nessa região amazônica. Os relatos dos pioneiros brancos deram notícias, também, com o início da ocupação pela sociedade “civilizada”, da falta de mulheres brancas na bacia do Rio Branco. A administração colonial do Grão-Pará precisava instalar povoamentos nessa nova fronteira sempre ameaçada de invasão por “corsários estrangeiros” que rondavam essa terra. Desse modo, as relações amorosas com as índias, a poligamia do homem branco, a mestiçagem, era uma alternativa nesse processo de alargamento da fronteira e sua ocupação, em relações que se foram regularizando pouco a pouco, pela influência dos missionários católicos, e que chegaram até a casamentos. A partir de 1793, quando se efetivou o programa de povoamento do Rio Branco, após a instalação das “Fazendas Reais”71 e dos Serviços de Extrativismo e Roças, o Estado português buscou novas medidas regenciais que pudessem fortalecer a frágil relação política administrativa do Rio Branco. Dessa forma, o Estado colonizador voltou seus interesses para o incentivo da imigração 71. Essas fazendas eram de particulares, mas ficaram conhecidas na região como “Fazendas Reais” e depois “Nacionais”. Estavam localizadas na confluência dos rios formadores do Rio Branco: o Rio Tacutu (fronteira com a Guiana) e o Rio Uraricoera (fronteira com a Venezuela). Para os portugueses esse era um ponto importante na redefinição geopolítica de ocupação e defesa da terra amazônica em favor do Estado português. 104 (brasileiro, cristão-novo e degredado)72 e da política de casamentos com nativos. Nesse processo, o Estado português abria possibilidades para que o índio saísse da condição de escravo73 e estreitasse os laços familiares na consolidação dessa região amazônica, fortalecendo as “fronteiras vivas” e reorganizando o sistema sócio-cultural e geopolítico do Brasil português. Essa política reformista foi elaborada por Lobo d’Almada, cumprindo determinações recebidas do governador do Grão-Pará, general Pereira Caldas, que buscava proteger os interesses do Brasil português. Em relação à política indigenista para o Rio Branco foram estabelecidas as seguintes medidas: a) persuadir os índios das vantagens do sistema de vida português e, por isso, “sustentá-los, vesti-los, não os fatigar”, etc.; b) dar o que se promete e pagá-los “prontamente e sem usura”; c) deixar que cultivem as próprias roças e alimentarem-se segundo seus próprios costumes; d) não obrigá-los a trabalhos forçados; e) não “arrancar” os filhotes e mulheres das famílias índias; f) favorecer os casamentos entre soldados e índias, até incentivando-os com donativos de vacas (CIDR, 1989:20). A partir de tais medidas indigenistas, podemos considerar que nesse processo de instituição do espaço social, o pioneiro branco foi organizando as relações sociais, nas quais o fazendeiro e seus empregados (não-índios e índios) acabavam se tornando membros de uma mesma família por meio de casamentos ou relações de compadrio. Assim, de acordo com os critérios políticos 72. “Brasileiro” era o termo que identificava os mercadores de pau-brasil (no século XVI) e mais tarde os filhos de europeus e “mestiços” de europeus nascidos no Brasil colonial; “Cristão-Novo” era o termo que identificava os lusitanos (judeus) convertidos ao catolicismo; “Degredado” eram os lusitanos condenados por diferentes crimes e desterrados. 73. Em 1757, com base na Reforma Indigenista do Marquês de Pombal, o governador do Grão-Pará, Mendonça Furtado, normatizou medidas relativas à vida do índio, criando o Regimento do Diretório. Tal regularização tornava o índio “livre” (considerado branco) sob a proteção do Estado, sendo encaminhado para diferentes serviços do Estado e dos moradores do povoado (REIS, 1989). 105 regulamentados pelo Estado Luso-brasileiro, o fazendeiro74 era o chefe dessa “família portuguesa/brasileira”, era o senhor da terra e de seus familiares trabalhadores da terra. Esses novos donos da terra traziam parentes ou amigos, formando uma corrente migratória e constituindo-se na sociedade local, onde um indivíduo estava conectado ao outro por laços familiares ou de compadrio. Diante disso, é preciso considerar também o contexto em que se foi construindo essa região do norte brasileiro. Isto é, precisa-se verificar o contexto em que a história cultural do Rio Branco está inserida, pois evidenciou a presença de diferentes famílias indígenas que se uniram ao branco e deram uma raça mestiça de vaqueiros e domadores do lavrado amazônico. Dessa forma, iniciouse um processo que mostrou, por exemplo, o trabalho de “mulheres silenciosas” e um pouco “selvagens”, indígenas de pouca fala e muita coragem, resistentes ao serviço na casa de fazenda e na roça. Os homens índios, por seu lado, galopavam a cavalo atrás do gado, nômades malgrado a ligação estreita com a terra. Nesse cenário da fazenda, homens e mulheres indígenas se identificavam como “brancos” desbravadores da região75. A chegada do médico, do professor, do juiz, de novos missionários, militares e comerciantes, entre outros atores sociais presentes nessas relações, fez surgir uma nova ordem sócio-cultural no final do século XIX e começo do XX. Nessa reformulação, expandiram-se os laços de parentescos que se aglomeravam ao redor da casa principal da fazenda. Nessa perspectiva, a sede da fazenda se transformou em vila. A partir das ampliações entre as relações sociais e familiares 74. Esses pioneiros brancos eram ao mesmo tempo: comandante do Forte São Joaquim e fazendeiro, proprietários de postos comerciais e fazendeiros, ou funcionários públicos e fazendeiros. Em geral, esses militares, comerciantes e funcionários públicos proprietários de terras eram descendentes de portugueses e foram dando origem a denominada “elite tradicional” da bacia Rio Branco. Exemplificando essa situação social, temos o capitão Inácio de Magalhães (1830) comandante do Forte e proprietário da Fazenda Boa Vista, o capitão Bento Brasil (1852) também comandante do Forte e fazendeiro, os quais originaram as denominadas “tradicionais famílias”: Magalhães e Brasil. 75. Considerações apoiadas no texto “Brasil terra de contrastes” de BASTIDE, 1980:87, que fez referência ao trabalho escravo do índio (id.:21) e, apesar de reconhecer a organização social do índio, Roger Bastide exalta a integração no processo de mestiçagem: “surgiu uma saborosa mistura de duas civilizações, a do português e a do índio (...) a Amazônia mestiça” (id.:45). 106 foi renovado o papel do chefe familiar. Nesse aspecto, deu-se abertura para a presença de novas lideranças na vila, surgiu uma nova arrumação no lugar social e outras alianças foram realizadas, resultando na divisão do poder político e administrativo com o fazendeiro76. O Estado português representado no Grão-Pará, não chegou a ser beneficiado pelos negócios econômicos da região do Rio Branco, apesar dos incentivos agropecuários decorrentes da política de desenvolvimento do Marquês de Pombal, a fragilidade nas transações comerciais eram constantes e sempre dependiam da intermediação da Capitania do Rio Negro (depois Estado do Amazonas). Essa prática política e sócio-econômica foi uma das características que se fez notar em outras estruturas regionais da política e da econômica do Brasil português: a dependência metropolitana. As relações entre o Estado colonizador e as aldeias, os povoados e as fazendas ao longo do Rio Branco eram debilitadas pela dificuldade de comunicação fluvial e pela distância até o Grão-Pará. Nesse contexto, avançou-se muito pouco na política de expansão e ocupação para a região, que não conseguiu estabilizar uma produção econômica. A pecuária não chegou a firmar uma política de mercado monopolista que garantisse participação nos privilégios concedidos pelo Estado colonizador aos moradores fazendeiros, que instituíam a enfraquecida sociedade burguesa, que mostrava interesse em fixar residência na região do Rio Branco. Distante das articulações financeiras em torno da cultura do café, favorecendo o olhar de exploração econômica para as regiões do eixo centro sul do Brasil português, a região do Rio Branco permaneceu em seu estado letárgico durante quase todo o desenrolar do século XIX. Nesse sentido, parece que o 76. Nessa fase da Primeira República (1889-1930), tanto o fazendeiro como as demais autoridades civis eram popularmente denominadas de “coronéis”. Esses líderes da elite local controlavam os privilégios da política do favor ou mais conhecido como coronelismo sustentando a “frágil” elite no poder estatal. Essa ação da elite urbana atingiu as diferentes regiões do Brasil republicano. 107 Estado colonizador abandonou o habitante dessa parte amazônica deixando-o entregue à própria sorte. A pequena sociedade moradora do Rio Branco, com seus poucos recursos financeiros, investiu na criação do gado e na agricultura com auxílio da força de trabalho de índios e não-índios, os quais recebiam o pagamento dos serviços prestados num sistema denominado de Quarta. Com a falta de moedas ou capital na região, essa prática de salário foi comum até o século XX. Assim, o regime de “sorte ou de Quarta foi o mais usado” e por meio dessa modalidade de contrato, “um quarto das crias nascidas durante o ano pertencia ao vaqueiro” (DINIZ, 1972:37). Essa prestação de serviços e as formas de pagamento nessa longínqua terra da Amazônia despertavam dúvidas entre os interessados patrões e trabalhadores, em relação à valorização dos serviços e a deliberação de verbas justas que pudessem atender as necessidades da população menos favorecida. Na verdade, a população indígena era explorada em sua força de trabalho, os patrões tiravam proveito impondo regimes e contratos de trabalho em perverso mecanismo de exploração. Os salários modestos (quando havia) eram apresentados sempre com grandes descontos, sem clareza de critério normativo, tornando o índio constantemente um credor (RICE, 1978:32). Nesse processo de expansão colonial em direção à bacia do Rio Branco, os critérios que definiram a legalidade da terra em favor do português/brasileiro foram a ocupação e as benfeitorias. A situação legal das fazendas particulares era apenas de posse, motivo que, na segunda metade do século XX, gerou novos conflitos em relação ao novo processo de ocupação da terra entre os colonos, os fazendeiros e os índios. Na verdade, durante os anos do século XIX e início do século XX, o governo português, e depois o brasileiro, fizeram pouco mais do 108 que repelir as incursões estrangeiras a seu território e tentar efetivar sua posse nas fronteiras constantemente ameaçadas. 1.8. Roraima no Império Para que possamos melhor compreender as mudanças na Amazônia e no Brasil nos fins do século XVIII e no decorrer do XIX, necessário se faz analisarmos essas transformações conectadas aos acontecimentos na América do Norte, que adquiria condições para sua autonomia, como também para alguns países da Europa que assistia às transformações importantes em sua estrutura política, social e econômica77. Desse modo, as tensões e lutas, ocorridas nesse espaço brasileiro, alteraram o sistema colonial na América Latina. No Brasil, após a Proclamação da Independência em 1822, a diversificada sociedade brasileira do centro Sul apoiava D. Pedro I na tentativa de preservar a unidade brasileira, mas as províncias do Norte e Nordeste que mantinham ligações diretas com Lisboa, rebelavam-se. A notícia da independência não foi recebida com agrado pelas tropas e pelos comerciantes portugueses do Grão-Pará e Maranhão. Desencadeou-se, nessa região, uma resistência das juntas governistas, controladas por latifundiários e comerciantes portugueses, mais interessadas em manter os laços com a Coroa de Portugal do que se submeter ao governo Imperial do Rio de Janeiro. Para impor o reconhecimento da independência e manter sob sua tutela esse imenso território, D. Pedro I contou com o auxílio financeiro da Inglaterra, que não 77. Em fins do século XVII e durante o século XVIII, a Inglaterra industrializou-se e expandiu seus mercados e círculos sociais de influência política internacional. Seguindo estratégias semelhantes, a França impregnada dos ideais liberais, tendo a burguesia que disputava o aumento de poder no comércio internacional, buscava derrubar o monopólio britânico. Essas duas nações européias que agitavam os espíritos americanos latinos admiradores do eurocentrismo, competiam o poderio político mercantil sobre as terras do Novo Mundo que eram dominadas pelos reinos ibéricos. A França invadiu Portugal e a Corte portuguesa veio para o Brasil (1808) tornando-o “Reino Unido” em 1815. Em 1822, com a Proclamação da Independência do Brasil tornandoo Império, D. Pedro I empenhou-se em manter unidas as províncias brasileiras. Tal modelo político se repetiu na 1ª República com a criação do Estado Federal e a troca da figura do Imperador pela figura do Presidente. 109 gostaria de perder seu vantajoso mercado nas terras brasileiras, e contratou tropas mercenárias para assegurar o domínio político sobre todas as províncias. Assim, após o estabelecimento da ordem provocada pelos conflitos político-sociais entre os moradores da Amazônia (Belém e Manaus), os representantes régios do Império brasileiro, em agosto de 1823, as autoridades civis e militares (representando a sociedade da Província do Pará) num ato solene, prestaram juramento de fidelidade e adesão a D. Pedro I. Os poucos documentos78 sobre esses acontecimentos na Amazônia, deram notícias também que os moradores da Província do Amazonas (civis, militares, comerciantes, colonos, etc.), em novembro de 1823, reconheceram solenemente a Independência política do Brasil e juraram obediência ao Imperador D. Pedro I. A Constituição de 1824 procurou garantir ampla liberdade79, mas a organização do Brasil Monárquico, de representação limitada pelos critérios políticos e sociais, estabelecia a igualdade de todos perante a lei e na prática a maioria da população permanecia escravizada. Isto aconteceu, porque a elite europeizada mantinha a ordem estabelecida no sistema colonial preservando seus próprios interesses econômicos e políticos. Diante dessas circunstâncias, vários movimentos insurrecionais liderados por brasileiros, das classes baixas, descontentes com o Império de D. Pedro I foram violentamente combatidos, de forma a ser conservada tanto a unidade territorial como o poder régio. No Pará, o movimento mais conhecido foi o da Cabanagem, com agitações e revoltas entre 1835 a 1840 (REIS, 1989). Apesar dessas transformações estruturais no Estado português/brasileiro, ao longo do século XIX, o ambiente social e econômico na condução da vida na 78. Ofícios, Circulares, Instruções Régias dirigidas aos habitantes do Grão-Pará e Capitania do Rio Negro informando sobre a Proclamação da Independência e a instituição do novo Império do Brasil, com datas entre janeiro a novembro de 1823 (cf. REIS, 1989:149/156). 79. Inspirada na “Declaração dos Direitos do Homem”, elaborada pelos revolucionários franceses (agosto de 1789), não se referiu ao índio ou negro (cf. MARÉS, 1999). 110 região do Rio Branco não chegou a ter mudanças significativas. Registrou-se um fluxo migratório de pessoas e de novos rebanhos bovinos ocupando os campos da região. O governo monárquico do Brasil Imperial (de D. Pedro I e D. Pedro II) não encontrou ressonâncias consideráveis para uma eficaz mudança das condições internas, firmando uma autonomia econômica nesta região. A economia do Rio Branco continuava com base na lavoura e criação de gado, com um precário comércio que dependia do mercado externo ligado a Manaus80. Na realidade, nessa fase do Brasil imperial, os conflitos entre índios e brancos ficaram mais distantes do poder governamental concentrado no Rio de Janeiro. Conforme o regime monárquico transplantado da Europa, propagava-se que o índio estava integrado como cidadão. Na prática, essa nova ordem estatal era apenas teórica: o índio “integrado” continuava discriminado na figura do “caboclo” e os rebelados reafirmavam sua etnicidade no interior da selva desconhecida pelo branco. Apesar de ter recebido especial atenção da Província do Pará, em razão da distancia e precária comunicação, até os anos de 1850, a Província do Amazonas permaneceu relativamente isolada tanto de Belém como de Boa Vista do Rio Branco. No entanto, entre 1850 e 1870, medidas do governo imperial alteraram essa situação de isolamento com a introdução da navegação a vapor na bacia do Rio Amazonas e da abertura do porto de Manaus para a navegação internacional. Tal medida da Coroa brasileira fazia parte da meta de consolidação tanto da unidade monárquica quanto do reconhecimento do território amazônico. Contudo, essa região amazônica (especificamente Belém e Manaus) teve seu apogeu no cenário comercial internacional no final do Império e início da 80. Em 1852, a capital da Capitania do Rio Negro (Lugar da Barra), tornou-se capital da Província do Amazonas e, em 1856, uma lei provincial mudou o nome dessa capital para Manaus. 111 República com o denominado ciclo da borracha81. A borracha da Amazônia foi divulgada para os europeus no século XVIII, quando a expedição de La Condamine (1743) descreveu sua aplicação pelos índios amazônicos nos diversos fins: na fabricação de utensílios de uso cotidiano, como sapatos e garrafas ou no revestimento de tecidos. Esse produto tropical chamou a atenção de cientistas e empresários pela qualidade de impermeabilização e elasticidade. Desse modo, a borracha tornou-se o produto industrial de expressivo avanço na produção de bens dos mais modernos, com diferentes formas de consumo associado à idéia de “civilização” e “progresso” (REIS, 1989; DAOU, 2000). Porém, nem esse curto ciclo da borracha em fins do século XIX e início do século XX, que deu certo poder político e econômico ao Amazonas, conseguiu tirar a região do Rio Branco desse estado desalentado no processo “civilizatório” e de integração amazônica. A sociedade do Rio Branco continuava envolvida nos conflitos de terras, sempre em litígio. No final do século XIX, o governo do Brasil Imperial observou com preocupação essa situação fronteiriça da Amazônia que se fragmentava com a reconstrução das repúblicas espanholas e da passagem das terras da Guiana para o poder britânico (por volta de 1803). A área de fronteira em litígio no Essequibo foi neutralizada com a assinatura de um acordo em 1842, entre o Brasil e a Grã-Bretanha, que não abdicou de seus direitos sobre a região alegando que as terras herdadas dos holandeses iriam até onde se estendiam suas alianças com os índios. Ao contrário dos portugueses, que usava o índio como fronteira viva, para provar a posse da terra (Tratado de Madri), o direito de posse da terra, pelos ingleses, era reclamado com base na relação comercial tribal. Em 1904, essa questão foi resolvida por um 81. O apogeu da borracha aconteceu entre 1880-1910 atraindo empresários estrangeiros (ingleses, franceses, americanos, libaneses e também portugueses e brasileiros) e ampliando tanto a disputa pelas terras de seringueiras quanto a complexidade da sociedade amazônica de comportamento individualista (DAOU, 2000). 112 acordo diplomático entre Brasil e Inglaterra e tendo como árbitro o rei italiano que reconheceu e delimitou a posse inglesa na região (NABUCO, 1941). Atendendo as mudanças administrativas do Brasil Imperial, uma lei da Província do Amazonas, em 1858, ampliou a divisão de governo do Rio Branco elevando o aglomerado populacional ao redor da Fazenda Boa Vista para Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, edificando uma paróquia. Mas a presença da Igreja, na condução da vida social e religiosa no Rio Branco, exerceu pouca influência na modificação dessa estrutura social e política do século XIX. MAPA 04 Territórios atribuídos ao Brasil e à Grã-Bretanha em 1904 (J. Nabuco, 1941) 113 Diante do exposto, podemos dizer que a formação social na construção desse núcleo urbano de Boa Vista, em grande parte, só foi possível com o auxílio do índio. A população indígena foi coagida a incorporar-se no projeto de cidadania (com mudança da aldeia em núcleo urbano), mas na prática continuava escravizada e tutelada pelo Estado. O pioneiro branco não encontrou os sonhados veios auríferos e, para sobreviver, transformou os campos da região em colônia agro-pecuária e lançou no mercado produtos extrativistas. Contudo, a documentação82 que registrou a origem da cidade dá pouco esclarecimento sobre essa dinâmica entre índios “civilizados” e “não-civilizados” e os brancos que se faziam presentes na antiga Freguesia de Nossa Senhora do Carmo. A pequena burguesia, constituída por fazendeiros, comerciantes e funcionários do Estado, interessados na preservação de seus privilégios, esboçava critérios políticos e socio-econômicos para estabelecer a representação limitada da elite local, mantendo distante a população inculta, composta de mestiços (brancos e índios) e “caboclos” (índios) vivendo na pobreza. Calculava-se que na bacia do Rio Branco, aproximadamente 80% da população era indígena. Por causa do pouco contato com as regiões de serra, onde habita a maioria dos índios, não sabemos ao certo o total dessa população indígena no século XIX. Tal contexto social e cultural foi descrito pelo francês Henri Coudreau (1887) que desenvolveu estudos nessa região e comentou, surpreso, sobre o grande número de Makuxi. De acordo com essa informação, essa etnia indígena parecia ser a mais expressiva do Rio Branco, contando entre três a quatro mil índios convivendo com uma população branca que não chegava a mil habitantes. Ao final do século XIX, a inexistência de estrutura política administrativa na região do Rio Branco ainda persistia. Dos cinco povoados, apenas o de Nossa 82. A Lei nº 92, de 9 de novembro de 1858, designou as províncias do Amazonas e estabeleceu que a sede da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo deveria ser no lugar chamado Boa Vista, localizado acima das cachoeiras do Rio Branco. Tal lugar era o aglomerado urbano que se formou na fazenda Boa Vista, fundada em 1830, de propriedade de um oficial português do Forte São Joaquim, Inácio Lopes de Magalhães. 114 Senhora do Carmo sobreviveu com o nome de Boa Vista. Nessa época, a unidade militar (São Joaquim) não desempenhava mais nenhuma função de defesa geopolítica. As fazendas espalhadas no imenso território do Rio Branco dependiam dos índios como única mão-de-obra para os serviços domésticos e trabalho braçal. O atendimento religioso continuava incerto, sendo realizado pelos franciscanos que visitavam Boa Vista e algumas malocas (COUDREAU, 1887:257). FIGURA 04 Região do Rio Branco: cenas do trabalho indígena Expedição Rice (1924/110.1 e 128.1). (Legenda e Foto: RICE, 1978). Índia Macu ralando mandioca, um dos principais produtos alimentícios indígena. Essa é uma das fases do preparo da farinha. 115 Com a instituição da República, a redivisão do território brasileiro foi discutida e aprovada na primeira Constituição Republicana de 1891, que criou o Estado Federal, impôs a forma federativa de governo, para assegurar a ordem política num território tão vasto e heterogêneo. Contudo, todos os direitos estaduais estavam instaurados e vinculados ao poder central: unidade territorial, política e de direitos (SOUZA, 1971). Nesse sentido, a Monarquia influiu até mesmo na “mudança” do novo sistema de governo brasileiro: “entregaram o poder Executivo a um só homem, o Presidente da República, (...) um verdadeiro ‘monarca eletivo’.” (DALLARI, 1986:32). Em relação à política indigenista, a idéia constituinte do Brasil republicano traduzia, no integracionismo, a absorção da cultura indígena, sendo omissa nessa questão do índio. No entanto, tal questão foi levantada durante a discussão pela Assembléia constituinte, mas na prática o Estado brasileiro continuava desprezando essa questão (MARÉS, 1999:56-7). Sem perder o apoio da elite política e econômica, o governo republicano por Decreto Lei de 1906 criou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) que foi efetivado em 1910, sendo dirigido por um militar de espírito humanista, o marechal Cândido Rondon. Em 27 de junho de 1928, foi aprovado o decreto (n. 5484) legislativo do índio. Todavia, mesmo com esse conjunto de normas protetoras indígenas, as relações entre Estado, sociedade nacional e índio não mudaram. Esse caráter ambíguo (oligárquico e liberal) parece ser uma das características sempre presente no processo de formação social e democrática brasileira, que apoiado num projeto que aspirava unidade territorial e dualidade social (brancos e índios) de regime representativo democrático, não abriu caminho para o reconhecimento diferenciado da cultura indígena. Embora, 116 teoricamente, o índio estivesse integrado à sociedade nacional no quadro social de Roraima, ele era olhado como “caboclo” de propriedade do Estado. Nesse jogo econômico e disputa política de participação do poder estatal, embora o quadro teórico liberal difundisse a equivalência dos direitos entre os brasileiros e todos os Estados federados, na prática (semelhante aos acontecimentos vividos com a Constituição de 1824 e 1891), revelava a supremacia dos representantes da elite política e econômica do Brasil. Nesse caso, os Estados mais fortes (São Paulo e Minas Gerais) formavam o grupo de controle dos privilégios e sustentação do governo federal. Vale lembrar que, no interior desse embate político, as elites militares disputavam contra as elites econômicas a participação no governo republicano, cujos temas segurança nacional e desenvolvimento econômico barganhavam recursos e partilha no poder central (SOUZA, 1971:163). Sabemos, contudo, que a construção desse Estado amazônico passou por mais de quatrocentos anos de injusta supremacia de brancos sobre índios que implacavelmente desconstruiu a cultura indígena. Identificamos que nesse processo de aculturação, Makunaima83, o herói cultural das famílias indígenas de filiação lingüística Karib, como os Makuxi, por exemplo, foi dando lugar ao Deus-Cristão das potências européias que disputavam a região. Nessa perspectiva, o Aldeamento, um lugar criado pelo Estado dentro de uma política de proteção, transfigurava os índios em “brancos” enfatizando a integração na sociedade nacional e destruindo seus direitos territoriais. 83.Makunaima (em Roraima, diz-se Makunáima) termo de origem Karib. Os ancestrais indígenas revivificavam, em alguns momentos da festa/ritual, a figura do herói e por meio da narrativa mítica explicavam os seus feitos sobre os primeiros tempos. Para o Makuxi, de nosso tempo atual, Makunaima é a própria criação, é o próprio momento em que todas as coisas passaram a existir em coesão: terra e cosmo. O Monte Roraima, representa na memória cultural dessas etnias, de origem Karib, a morada do herói (cf. OLIVEIRA, 1991:15). 117 CAPÍTULO 2 RORAIMA no século XX: perspectivas históricas, culturais e políticas Nos primeiros anos do século XX, o panorama político e econômico no Rio Branco não apresentava grandes mudanças. A pequena elite local, cuja maioria era descendente dos “pioneiros brancos”, não fazia oposição ao poder federal, pois era fiel e passiva aos seus objetivos pessoais, como sempre acontecera antes dos períodos sucessórios. Isolada, tanto geograficamente quanto do jogo das forças de poder na capital, Rio de Janeiro, essa elite atrelava-se ao mercado internacional, comercializando com os ingleses (habitantes da Guiana) e com os espanhóis (habitantes da Venezuela). O município de Boa Vista do Rio Branco, nascido com a Constituição de 1891, transformou-se no núcleo político, administrativo e militar de maior relevância na região. Por outro lado, continuava subordinado ao Estado do Amazonas, não firmando tomadas de decisões de nível local, as quais eram definidas em Manaus. No entanto, dentro do jogo “democrático” da Primeira República (1889-1930), disputado sob a hegemonia dos representantes das regiões economicamente mais fortes, o Estado do Amazonas ficava de fora e aguardava as grandes decisões e partilha dos privilégios no poder central, apoiadas na política de favor ou do coronelismo (SOUZA, 1971; ABRUCIO, 1998). Essa estrutura do Brasil republicano herdou da monarquia84 o jogo de poder político e econômico centralizado no representante do Estado-Nação firmado na unidade federativa e na política autoritária. Inseridos na cultura do individualismo e da vontade política coronelista, os habitantes desse contexto urbano, que surgiram do aglomerado de pessoas instaladas na sede da fazenda 84. O Estado, representado pelo imperador (Pedro I e II), controlava a unidade territorial exercendo poder de mando sobre as províncias com apoio da elite política e econômica, detentora de grandes propriedades. 118 Boa Vista, esperavam exercer a cidadania nesse lugar de infra-estrutura precária, sem estradas, sendo fluvial a única via de comunicação com Manaus (via Rio Branco e Negro). A energia elétrica era um sonho distante e as políticas que pudessem impulsionar o desenvolvimento a partir da utilização dos recursos locais, o projeto de incentivo agro-pastoril e agro-florestal, mostravam-se frágeis e não chegavam a produzir o suficiente para colocar a região no mercado amazônico. A maior parte da produção era de subsistência local, com pouca exportação para Manaus. Todavia, foi reiterada a aspiração “civilizadora”85 da elite boavistense: viver em um espaço urbano diferente das precárias ruas localizadas em zona plana, de baixa altitude. Essa elite era composta por descendentes de brancos e mestiços 86 vivendo entre uma grande massa de “caboclos” (índios “civilizados”), nas proximidades do porto, denominado Rampa do Cimento, à margem direita do Rio Branco, com três ruas paralelas próximas da paróquia Nossa Senhora do Carmo. A topografia da zona urbana boavistense poderia ser definida como uma grande superfície plana com sulcos formados por igarapés e pequenos lagos. Nessa infra-estrutura urbana, do Brasil republicano, não se podia conceber dispositivo cultural próprio de coletividade não reconhecida em sua individualidade e pseudamente integrada na unidade nacional87. O processo histórico de construção dessa região brasileira, que foi eliminando o que era diferente, por meio do integracionismo, (índios e europeus rivais: holandeses, espanhóis, ingleses), transformou tudo em língua e cultura portuguesa. Portanto, a massa 85. Por meio dos relatos de uso da História Oral, é voz corrente entre os habitantes de Boa Vista que a elite local sempre “sonhou” em transformar esse pequeno núcleo urbano (Boa Vista) em capital moderna e de fácil comunicação com as grandes metrópoles nacionais e internacionais. Tal desejo, alimentado pela busca dos veios auríferos divulgados pelo El Dorado, permanece no tempo contemporâneo. 86.Estamos nos referindo aos habitantes descendentes de europeus nascidos no Brasil que se mesclaram ao negro e ao índio nas regiões centro-sul e nordeste brasileiro e chegaram nessa região no final do século XIX e na primeira metade do XX. Entre esses mestiços imigrantes estavam, também, os descendentes da bacia do Rio Branco (mistura do branco com o índio). 87. Cf. A Constituição republicana brasileira de 1891 que é omissa nessa questão do índio e não abandonou a idéia integracionista (MARÉS, 1999:57). 119 indígena, vista sem organização estatal e social, foi usurpada pelo próprio Estado que havia propagado direitos iguais para todos, e proposto o exercício de cidadania ao índio “livre”88. Nessa empreitada de unificação federativa, caboclos (índios civilizados/integrados) sob coerção social do Estado e brancos (privilegiados pelo Estado) foram recriando os espaços e a teia social nacional, formando a paisagem urbana e social roraimense. Essa relação do Estado brasileiro com os índios, denominados “caboclos” pela sociedade nacional, ganhou um novo conjunto de normas por meio da instalação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em 1910, um órgão federal sob a direção do Marechal Rondon que, numa visão na época considerada humanista, trataria da política indigenista (COUTINHO, 1975). Não podemos, porém, nos esquecer que o SPI nasceu como SPILTN: Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais, órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Os objetivos últimos eram a aculturação gradual e a capacitação do indígena como camponês (ARRUTI, 1995:57-8). Deve-se ao SPI e à política rondoniana a idéia de transitoriedade da situação do índio, de “isolado” a “integrado” para o que se introduziu no Código Civil Brasileiro, em 1916, a figura da “tutela”. No artigo 5º do referido Código dispõe que: “as pessoas menores de 16 anos são absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente os atos da vida civil.” No inciso III do artigo seguinte (6º) considera que “as pessoas maiores de 16 anos e menores de 21 são relativamente incapazes a certos atos ou maneiras de os exercer”. Do ponto de vista jurídico, os índios deveriam ser “tutelados” por serem, como os menores, de relativa incapacidade por seus atos e por não conhecerem o código nacional de conduta, sendo necessário o Estado protegê-los. 88. Cf. acima, Capítulo 1, pp. 86/89. 120 O órgão federal responsável pelos índios (SPI) envolveu-se, nos anos de 1950, numa rede de corrupção roubando a terra do índio em favor da propriedade privada, dos novos titulares integrantes da oligarquia local e tornando-se instrumento de opressão (SOUZA FILHO, 1994; MONTEIRO, 1994; MARÉS, 1999). Nessa fase inicial do século XX, aos poucos, ou de repente, conforme as estratégias e interesses dos representantes do executivo federal, as etnias indígenas foram desaparecendo, famílias de índios foram integrando-se pelo processo de “pacificação” e outras famílias indígenas fugiram para o interior da região. Entre os séculos XVIII e o XX (momento de conquista e povoamento lusobrasileiro), calcula-se um total superior a 50% das etnias indígenas89 que sumiram nesse processo de construção dessa região amazônica. Não se sabe quantos índios morreram, não só para defender suas terras e famílias nas lutas contra os colonizadores, como também nos conflitos entre as próprias etnias cooptadas por religiosos e comerciantes e levadas a participar de competições mortais que não eram suas. O discurso de integração do índio na sociedade nacional, assumindo proporções ambíguas (regime tutelar ou amalgamados pelos cruzamentos) desencadeou reações de estudiosos, especialmente antropólogos, que chamavam a atenção para o massacre desses povos tribais amazônicos. A questão da territorialidade desses povos, cuja forma de divisão da terra é ancestral e respeita os limites da cosmovisão indígena, agora ocupada e povoada pelo Estado, ganhou novas interpretações com a instalação do SPI/local. Esse primeiro órgão federal criado para gerenciar uma política indigenista, deu continuidade à ação integracionista da fase Imperial e não reconheceu as 89. Não há censo das etnias indígenas dessa região amazônica, os dados levantados pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e outros órgãos ou entidades não governamentais, interessados na causa do índio do Rio Branco/Roraima, apresentam dados aproximados e nem sempre concordam com o total estipulado. 121 especificidades culturais do índio (SOUZA FILHO , 1994; SANTOS, 1994a). Apesar disso, surgiram discussões sobre o falso discurso da integração nacional: qual seria a categoria do índio no quadro social nacional? Para alguns representantes do Estado, o índio “ganhava civilidade” segundo sua “proximidade” com os hábitos da “cultura nacional” (MARÉS, 1999). Evidencia-se nesse discurso o poder de coerção do Estado eliminando a “diferença” cultural, reconhecendo todas as distintas etnias como brasileiros. Apesar disso, algumas famílias, tanto as isoladas ou integradas, reconheciam-se como índios, guardando parte da memória cultural que era revivificada no encontro com o parente “arredio ou isolado”90. O jovem índio, condicionado à política integracionista partia para Boa Vista em busca de estudos que o qualificassem para o mercado urbano. Esse jovem, quando regressava à maloca para visitar os parentes revivifica relações lingüísticas e culturais independentes do meio urbano em que vivia como “cidadão brasileiro”. Diante disso, o discurso de integração compulsória do índio na sociedade nacional, propagando que ele desfruta das benesses estatais e dos direitos civis, não é totalmente verdadeira. Na prática cotidiana, observou-se que no processo de relação entre Estado e índio, com existência de uma “invisível” cultura na cultura nacional, alguns “caboclos” passaram a reivindicar os seus direitos étnicos e outros romperam a relação com os parentes “isolados”, assumindo a identidade nacional. Os que assumiram a cultura branca, no exercício do dia-a-dia, continuavam sem definição étnica: não eram índios porque não se reconheciam como tais e não eram brasileiros porque nasceram índios (Makuxi, Wapixana, 90. Esses termos deram caráter ambíguo nas representações e nas relações entre o Estado e os indígenas. Percebe-se que as noções de isolamento ou integração dos índios, as intervenções dos recém-contactos com índios amazônicos estimularam discussões no campo da Antropologia e nos movimentos sociais em favor dos povos tribais, fortalecendo a noção de etnicidade, permitindo aos grupos indígenas reconstruírem suas organizações culturais diferenciadas da cultura nacional (cf. GALLOIS, 1994:121/132). 122 Wai Wai, etc.) e, em geral, eram discriminados ou não eram reconhecidos pela sociedade branca local. Contudo, do ponto de vista jurídico todo índio é reconhecido como brasileiro e está contemplado pelas leis do país, que desde a Constituição do Império (1824) inseriu os índios e os outros brasileiros como cidadãos brasileiros porque nasceram no território nacional. Ainda nesse período (primeira metade do século XX), apareceram notícias sobre a educação formal, a partir de professores desvinculados das carreiras eclesiásticas, desenvolvendo um ensino elementar para os filhos dos moradores colonos (brancos e mestiços) e dos índios “civilizados” (caboclos). Essa nova atribuição, no processo de colonização brasileira, dada ao papel do professor “leigo” na formação da sociedade roraimense, buscou efetivar a unificação cultural, eliminando os visíveis elementos “selvagens”91 na relação social local, ainda existentes. No contexto da oralidade são comuns as histórias sobre a coragem e honradez dos primeiros mestres como o Sargento João Capistrano da Silva Mota, Alfredo Venâncio de Souza Cruz92 e Diomedes Pinto Souto Maior. Esses homens, desde o final do século XIX, souberam aplicar um projeto de aprendizado ávido por mudanças numa região longínqua e carente de políticas educacionais (SOUZA, 1969:38). Eram imigrantes representantes do poder político estatal, com atuações no processo educacional e tinham como meta transformar a região num único corpo social rio-branquense. Esses professores leigos discursavam e valorizavam a diversidade93 de hábitos na cultura nacional local, 91. Fora do convívio urbano-patriótico, na maloca o índio praticava a língua e suas próprias manifestações culturais. 92. João Capistrano da Silva Mota (popular Coronel Mota) foi o primeiro prefeito de Boa Vista, quando da instalação do município em 1890, subordinado ao Estado do Amazonas. Alfredo Venâncio de Souza Cruz foi o sucessor do “Coronel Mota”. 93. Descendentes de diferentes grupos indígenas pertencentes ao tronco lingüístico Karib ou Arawak. Esse processo educacional unificador da língua e cultura luso-brasileira, eliminou a identidade do índio. Na visão antropológica, o uso do próprio termo “índio” é generalizador, pois unifica as diferenças étnicas. 123 mas enfatizavam a necessidade de “civilizar” as crianças e jovens indígenas, profissionalizando-as para o convívio no núcleo urbano. No entanto, colocam-se em questão os temas da identidade e etnicidade presentes nesses discursos educacionais, que preconizavam o respeito à diferença cultural dentro de uma prática pedagógica de desconstrução da identidade do índio em favor da construção de identidade nacional. Verificou-se, nessas propostas do aprendizado das “primeiras letras”, que a problemática indígena, como elemento cultural distinto e de difícil compreensão pela sociedade nacional local, não fazia parte das preocupações que eram cristalizadas na escola (OLIVEIRA, 1991). Porém, na prática, fora da escola, apegava-se ao índio como mão-de-obra escrava no trato da terra e nos serviços domésticos. Nessa relação ambígua, as múltiplas diferenças (indígenas e nãoindígenas) presentes nesse processo humano e social, numa parte “invisível” das relações de poder sobre o outro, eram apresentadas como inexistentes na prática pedagógica da escola roraimense. O aprendizado era estruturado em torno do reconhecimento de um sistema de valores culturais e identitários próprios a um estilo de vida “civilizado”. Contudo, no cotidiano de atuação dessa metodologia autoritária, surgiam caboclos (índios “civilizados”) que, na medida do possível, resistiam ao assédio da dependência do Estado e das perdas culturais, enquanto outros integravam a dinâmica social nacional. Os documentos94 que relatam essa temática não estipulam o total de índios e não identificam as etnias que assumiram a cultura européia95 dentro dessa política sistemática de assimilação forçada e de desenraizamento cultural (CIDR, 1989). 94. Fazemos referência aos Relatórios e Informativos da Diocese de Roraima, aos programas da escola indígena sob a responsabilidade da Missão do Surumu. Além desses, existem os Relatórios e Programas referentes às escolas indígenas e não-indígenas tuteladas pelo Estado, através da Secretaria de Educação de Roraima. 95. Estamos nos referindo às etnias indígenas do tronco lingüístico Karib e Arawak, que no confronto cultural e na política do contato (índios, holandeses, espanhóis, ingleses, portugueses, franceses, etc.), de atuação 124 Desta forma, o que esses primeiros professores convencionaram como ensino voltado para questões sócio-culturais do Brasil não passou de cópia de modelos pedagógicos dos missionários que “civilizavam” os índios nos Aldeamentos: cantigas para o ensino da tabuada, da soletração, narrativas orais sobre heróis, fadas, príncipes e santos, sem se esquecer das histórias e lendas dos mistérios amazônicos. Em tudo era geralmente exaltado o “amor e respeito ao próximo”, assim como a “honestidade e obediência aos superiores” (OLIVEIRA, 1991). Esse aprendizado, ministrado por professores não religiosos, assumindo certos significados numa educação de prática sistemática, que visava à unidade territorial e a europeização do lugar, perdurou até bem pouco tempo e não há evidências de que já tenha sido totalmente superado, e, certamente, mereceria um estudo específico. Com o mesmo propósito, os missionários das ordens religiosas (carmelitas, capuchinhos, franciscanos e outros) desenvolviam projetos para escolas, instaladas em regime de internato, com objetivo de ampliar o comportamento “de boas maneiras”, por meio de escolas primárias para as crianças indígenas. Nessa prática pedagógica, O SPI (Serviço de Proteção ao Índio) desenvolvia, também, atividades educacionais e profissionalizantes junto aos índios, que eram classificados, pela política indigenista, em: “selvagens” e “civilizados”, havendo, também, os “semi-civilizados”. Todos deveriam adaptar-se nos costumes da civilização para “torná-los úteis ao engrandecimento da Pátria e ao bem da família” (cf . CIDR, 1989:31). Para inserir a bacia do Rio Branco no mundo da cultura nacional, os beneditinos, sob a orientação do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, transformaram esse lugar construindo igrejas, hospitais e colégios, como o São José na cidade de Boa Vista (em 1924). Fundaram, na região do Rio Surumu protecionista e estratégias eliminadoras da cultura indígena, foram envolvidas nas relações de dominação, no decorrer dos últimos séculos. 125 (1911-1912), um posto missionário e depois um internato misto para jovens e escola para crianças indígenas, almejando colocar em prática a política educacional pleiteada pelo governo brasileiro (CIDR, 1989). Figura 05 Cidade de Boa Vista. Escola dirigida por religiosos beneditinos. A maioria das crianças é mestiça (branco com índio). Expedição Rice (1924/96.2). (Legenda e Foto: Rice, 1978). No entanto, durante a prática pedagógica dos religiosos beneditinos, podese observar que, de maneira sutil, foram sendo introduzidas concepções humanistas implicando em discussões, por parte dos índios, de conteúdos culturais diferentes do nacional referentes aos direitos humanos. Tal prática era, também, aplicada pelos indigenistas do SPI que começaram a atuar nessa região, com maior intensidade a partir dos anos de 1920 (CIDR, 1989, OLIVEIRA, 1991; LIMA, 1993). O maior contingente indígena habitante do Surumu é o Makuxi e o local é considerado como importante ponto de passagem para as fazendas e os garimpos. Assim sendo, esse processo “civilizador” que introduzia o índio na sociedade nacional, desenvolvido pelos religiosos católicos, ganhou força, especialmente nessa região do Surumu, a partir de 1915, após a atuação do SPI 126 (Serviço de Proteção ao Índio), quando o governo federal elaborou estratégias indigenistas para a região do Rio Branco (DINIZ, 1972; CIDR, 1989; SANTILLI, 1994). Isto significou que a inserção inexorável das etnias indígenas da bacia do Rio Branco na sociedade nacional abriu caminho à força e transformou tanto a terra como a vida social e cultural. Tal processo retomou a antiga medida intervencionista pombalina, valorizando a importância dos hábitos europeus e dos intercasamentos. Essa estratégia assimilacionista do Brasil português era um dos modos de assegurar o povoamento e a soberania portuguesa/brasileira nestes vastos campos. Portanto, é possível dizer que a estratégia de integração do índio desestruturou sua cultura no plano de miscigenação96 brasileira. O Estado conduziu parte dos moradores (índios e não-índios) para as regiões “desabitadas” em constante litígio e, aos poucos, foi domesticando os hostis e transformando malocas em núcleos urbanos/municípios. Essa ação tinha como meta salvaguardar o interesse do Estado, a propriedade e a defesa do território brasileiro. Até certo ponto, o grande reabilitador desse processo era o estabelecimento das alianças e o incentivo dos laços de parentesco com os índios, que eram introduzidos na “civilização” pela cultura do gado. Roger Bastide exaltou essa união entre índio e branco quando analisou o universo da fazenda amazônica, como uma “saborosa mistura” que “deu uma raça mestiça de vaqueiros e domadores do espaço” (BASTIDE, 1980:87). Mesmo assim, esse autor reconheceu a escravização do índio na lida com o gado. Tais contrastes e conflitos sócio-culturais, relativos ao distanciamento econômico entre a elite e a massa social do Rio Branco, eram esfacelados no 96. É comum em Roraima falar da miscigenação branco com negro, como o imigrante de outras regiões do Brasil. Não fazem referência ao mestiço de índio com branco que, em geral, é identificado como “caboclo” ou índio “civilizado”. 127 convívio na “Grande Família”97. Nesse processo, ocorriam barganhas políticas, alianças de amizades, casamentos e compadrio, possibilitando soluções alternativas e normatizações de questões de direitos civis entre índios e nãoíndios. É sabido que tal modalidade política de integração do índio na sociedade nacional foi tradicionalmente estabelecida e construída por uma elite “monocultural”, desde a fase colonial, inspirada no espírito de liberdade e igualdade previstas na Constituição e nas suas leis98 que foram sendo elaboradas na estruturação do Estado português/brasileiro e atravessaram o sistema político do Brasil contemporâneo, até o começo do século XXI. 2.1. O retorno das expedições científicas ao Rio Branco No início do século XX, registrou-se a presença de novas expedições de naturalistas que buscavam detalhar informações sobre essa região amazônica99 de fronteiras indefinidas. Eram novas expedições voltadas para interpretações desse 97. No processo de construção do território amazônico, a Reforma pombalina (século XVIII) incentivou o casamento entre brancos e índios, reunindo em um único grupo os diferentes grupos culturais, garantindo a ocupação e a defesa da terra em nome de Portugal/Brasil, como se todos fossem uma grande família portuguesa/brasileira. Após a Constituição de 1891, o poder central, preocupado com a unificação federativa, recorreu a essa política unificadora das diferenças sociais e culturais. Assim, os distintos grupos presentes na bacia do Rio Branco e outras regiões do Brasil, foram unidos na relação de poder estatal (patriarcal) com a sociedade nacional, onde a concepção de família mascarou os conflitos culturais e de posse da terra, como filhos da nação brasileira, que teoricamente estão irmanados, representando uma “grande família” brasileira defensora da soberania nacional (OLIVEIRA, 1991). 98. Referimo-nos aqui: a) às medidas régias políticas, sociais e econômicas promulgadas por D. João VI após a instalação (no Rio de Janeiro) da família Real em 1808, que transformou o Brasil em “Reino Unido” (1815); b) a Constituição de 1824 e as medidas régias do Brasil Imperial (decretadas por D. Pedro I e II) na unificação e defesa das províncias; c) a Constituição de 1891, (governo do Marechal Deodoro) estabelecendo a unidade federada e a defesa soberana do novo Estado-Nação; d) a Constituição de 1937 e as medidas do governo federal (Getúlio Vargas) oferecendo possibilidades do povo brasileiro participar de um sistema político voltado para o povoamento dos “espaços sociais vazios” (criação dos Territórios Federais) e defesa da soberania nacional; e) a Constituição de 1988 (governo de José Sarney) também apresentou fundamentos semelhantes oferecendo possibilidades de reconstrução da sociedade e de um sistema político mais justo e democrático para todo cidadão brasileiro (esses objetivos fizeram parte também da Agenda Política do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, na gestão de seus dois mandatos consecutivos: janeiro de 1995 a dezembro de 2002). 99. Alexander von Humboldt estudou o “mundo selvagem” da bacia do Oricono até a fronteira do Brasil, entre 1799 a 1804, e suas contribuições foram significativas para o avanço no campo da História Natural (cf. HUMBOLDT, 1825). Nesse sentido, os dados levantados por Robert Schomburgk entre 1838-39, por Henri Coudreau em 1887 e Joaquim Nabuco em 1904, com minuciosos estudos sobre a região do Rio Branco, forneceram parâmetros voltados para as questões políticas, econômicas e jurídicas relativas à posse dessas terras e direito tutelar sobre as etnias indígenas em favor do Estado (Brasil, Guiana ou Venezuela). 128 universo natural amazônico, cujo objeto principal era o índio, uma fonte de referência semelhante a um “arquivo vivo” (LACOUTURE, 1993), com um extraordinário acúmulo de conhecimentos impressos na memória cultural. No entanto, toda essa memória dos velhos índios não era reconhecida pelo Estado e sociedade local, pois o índio continuava sendo olhado como “povo natural”, incapaz de “desprender-se” sozinho do seu “habitat” (DESCOLA, 1999:112-3). Essa nova onda de idéias naturalistas, influenciada pelo pensamento iluminista, mesclada com concepções românticas do mundo natural, além das contribuições etnográficas, despertaram o interesse por novos aspectos do mundo amazônico. Tal interesse, representado por estudos científicos, que marcaram as antigas e as novas expedições exploratórias, reapareceu como bandeira do conhecimento dos elementos naturais, camuflando sutis desejos de posse ou domínio da terra e dos atributos culturais indígenas. Desse período registramos algumas: a) entre 1911 e 1912, Theodor Koch-Grümberg, etnologista e geógrafo alemão, estudou os rios Branco, Uraricoera, Araracá e penetrou na bacia do Rio Orinoco pelo Merevari, explorando a região da Serra dos Imeniaris, no extremo noroeste de Roraima. Essa expedição estudou a cultura do índio revelando sua variação lingüística e organização familiar, registrou diferenças étnicas numa coleção fotográfica; b) Em 1924, a expedição do geógrafo inglês Hamilton Rice100, reafirmou que Boa Vista era o único núcleo populacional do Rio Branco que podia ser denominado de “Vila”. A presença de militares (em grande parte soldados) chamou a atenção de Rice porque numa região onde a “autoridade judicial” parecia ser “exercida à revelia”101, uma força “semi-oficial” era quase inoperante (RICE, 1978:25). A expedição de Rice contava com especialistas em solos, como geólogo e topógrafo e fotógrafo (por terra e aéreo), permitindo minuciosos estudos minerais; 100. Hamilton Rice era membro da “American Geographical Society” e no regresso para Nova York, após as pesquisas nessa região amazônica, ele fundou um “sindicato” voltado para a exploração de minérios na bacia do Rio Branco que, em troca do direito à exploração do solo e subsolo, obrigava-se a construir uma estrada de ferro ligando Manaus a Boa Vista. (SOUZA, 1969:54). Tal proposta não foi levada em consideração pelo governador do Amazonas, Sr. Rego Monteiro. 101. Para Rice, a autoridade local deixava ao acaso a problemática política e jurídica envolvendo brancos e índios, negligenciava contestações contra o poder “coronelista” do representante estatal. 129 c) na década de 1920, a expedição chefiada pelo General Rondon, designada também para efetuar estudos de reconhecimento na região (1927), com o propósito de demarcar as novas fronteiras com a Guiana e a Venezuela. Rondon chegou à região do Rio Branco e entrou em contato com os inspetores do Serviço de Proteção do Índio102 (SPI/local) fazendo graves denúncias de violências e abusos sexuais das índias por parte dos “brancos”. Tais denúncias foram baseadas nos relatos das lideranças das etnias Makuxi, Taurepang e Wapixana, feitos ao General. Retomando essa questão do interesse branco pelo mundo natural amazônico, podemos observar, que de modo geral, essas expedições avançaram nas questões relacionadas aos entendimentos dessa realidade natural e seu habitante, o índio. Surgiram concepções e metáforas que tentaram explicar a relação cotidiana indígena, associando terra e cosmo, mitos e ritos. No entanto, o que mais impressionou essas expedições foi a beleza natural da região, atraindo diferentes europeus e brasileiros que aqui chegaram e buscaram “transformar o outro em si mesmo”103. Apesar da existência de um grande número de textos sobre o índio e seu habitat natural, na verdade, tornou-se difícil ao branco o entendimento das questões políticas e jurídicas referentes ao outro (índio) que se mostrou diferente de tudo que ele havia encontrado. Assim, eliminando o que não compreendia, o português/brasileiro abriu o caminho da política integracionista, com um discurso liberal propagador do reconhecimento do índio “livre” (civilizado) e declarando-o apto ao direito de usufruir da sociedade nacional. O universo indígena foi identificado pelo europeu e brasileiro como parte de uma terra que cumpre dominar. Os índios apresentaram aos brancos suas 102. SPI – Serviço de Proteção ao Índio, um órgão federal criado em 1916 para oferecer assistência aos povos indígenas. Em 1968, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) substituiu esse órgão. 103. Essa visão de cunho antropológico foi desenvolvida por Lévi-Strauss (1991), no livro Histoire de lynx, no qual ele considera o encontro entre brancos e índios como um “trágico mal entendido”: de um lado os ameríndios e o seu habitat natural aberto ao Outro (o branco) que se apossou do ameríndio transfigurando-o em branco. Apud. PERRONE-MOISÉS, 1999: 348-9. Dentro desse contexto, todos os povos desenvolvem concepções e metodologias para entender o Outro e o mundo. 130 organizações sociais sem Estado (CLASTRES, 1990), modos de produção, formas de conhecimento e cosmologia, constituídos em princípios de troca coletiva (homem ciclos da natureza), que não foram respeitados. 2.2. O retorno ao mito “El Dorado” As expedições de reconhecimento da região amazônica, durante os séculos XVIII-XIX, regressaram no século XX e difundiram informações cartográficas e indícios de riquezas minerais. Essas informações mescladas às notícias sobre o canibalismo indígena, à hostilidade do ambiente natural ao mundo do branco, entre outras questões políticas e econômicas, ampliaram a disputa por terras amazônicas e não se constituíram em obstáculos insuperáveis para novas investidas imigratórias nessa região. Por volta da década de 1930, divulgaram-se notícias sobre abundância de ouro e diamantes nessa região amazônica, nas fronteiras de Roraima com a Venezuela e de Roraima com a Guiana. A partir disso, grupos de comerciantes e fazendeiros investiram na mineração, como também chegaram garimpeiros de várias regiões brasileiras buscando riqueza sem esforço. A maior parte da mão-de-obra nessa empreitada, sobretudo os carregadores de mercadorias a partir do núcleo urbano de apoio do Surumu, era indígena. “Em 1943, a produção de ouro e diamantes representou cerca de 59,6% do valor total da produção de Roraima. A pecuária contribuiu com apenas 26,8% deste total” (BARROS, 1995:56). Nessa “invisível” guerra de poder econômico, de posse e usufruto das áreas de mineração, essa região do Rio Branco viveu um momento de intensa atividade ligada a viagens de garimpeiros em variadas localidades de seu território. Na disputa pelo metal aurífero, os diferentes homens, com interesses comuns, percorreram os afluentes e nascentes, mapeando as antigas trilhas conectadas 131 entre terra e água, que haviam sido exploradas por missionários, militares e cientistas, nos divisores de águas com o Essequibo e com o Orinoco. O índio, como parte dessa região em disputa, servia de guia e, nesse contexto da pluralidade étnica e lingüística indígena, o branco (europeu e brasileiro) perdia-se entre as diversas informações cartográficas que apontavam rotas fluviais e trilhas, tanto na orientação territorial como na prática garimpeira (RICE, 1978). Por outro lado, por meio da leitura natural do índio, esse vasto território era visto como um velho amigo, um parente e, ao mesmo tempo, como abrigo. No entanto, para o branco, toda aquela área era sinônimo de incompreensão. Como essas visões diferenciadas, acrescidas à oposição entre interesses coletivos (do índio) e particulares (do branco), estruturaram a relação de poder do “eu” sobre o “outro”? Do ponto de vista histórico, não encontramos estudos amazônicos que mostrem com maior clareza esse processo o qual foi a unificação dessa região à cultura nacional, mas podemos dizer que parte dessa questão está fundada no modo de relação envolvendo Estado, índios e sociedade nacional, na modalidade de conduzir propostas políticas e econômicas sem reconhecer as diferenças, privilegiando o interesse individualista e a propriedade privada. Nessa perspectiva, desde 1930, a maneira como foi conduzida a prática da mineração na bacia do Rio Branco, com grandes contingentes de garimpeiros e mineradoras, não deixou registro da exata quantidade de ouro e diamantes que foi extraído dessa região. Tal prática se estendeu entre as décadas de 1940 a 1950, quando se registrou uma diminuição do fluxo de garimpeiros na região. A partir de 1943, com a instalação do Território Federal do Rio Branco 104, a responsabilidade da mineração passou para o governo local, mas os dados 104. Após a Constituição brasileira de 1937, durante o governo Vargas, foram criados os Territórios Federais, entre eles o do Rio Branco que será o assunto do próximo capítulo. 132 continuaram imprecisos. Entretanto, levantamentos do IBGE registraram uma produção de diamantes em 1947 de 19.029 quilates105 e em 1950 um total de 13.719 quilates. Em relação ao ouro, não encontramos registros. Segundo o IBGE, a dificuldade no registro da mineração aurífera decorre da sonegação de informações pelos empresários do ramo e da clandestinidade da garimpagem. Às vezes, ocorre também a conivência das autoridades locais. Entre as décadas de 1960-70 a mineração continuou gradativamente e teve novo impulso, especificamente a produção de ouro, no final da década de 1980 e início de 1990. Apesar do registro dessa prática de mineração em Roraima, a sociedade local não tem conhecimento claro sobre a mineração e os registros das implicações ambientais e sócio-culturais causadas nessa região com a instalação e operação de mineradoras que parecem preocupadas apenas com seus lucros e não com o bem-estar da sociedade local. Novamente, o IBGE registrou dados aproximados de 12.871 quilates de diamantes, em 1986 e de 104 quilogramas de ouro, também, em 1986. Em 1990, a produção de diamantes foi 100.000 quilates e a de ouro foi 5.646 quilogramas, também, no mesmo ano. Tornou-se voz corrente em Roraima que toda essa atividade garimpeira, especialmente do ouro, com investimentos de empresas mineradoras privilegiadas pelo poder político e econômico, não deixou lucros para o desenvolvimento da região, ao contrário, aumentou os bolsões de miséria. Foi intensificado, nessa região, o contato com os índios, que foram desaparecendo por enfermidades ou foram abandonando a região, migrando para Boa Vista, engrossando a periferia urbana como mão-de-obra disponível e maior dependência do governo estadual (CIDR, 1989 e 1990; FERRI, 1990; EUSEBI, 1991). Sobre essas implicações citadas, pouco foi discutido pelas autoridades governamentais e não-governamentais responsáveis por esse modelo de 105. A comercialização do diamante é em quilates e um quilate equivale a 200 miligramas de peso. 133 desenvolvimento na Amazônia. A sociedade local (índios e não-índios) desconhece o resultado de tal processo desenvolvimentista de exploração de minérios. Tudo parece ser apenas uma mera transferência de matéria-prima que não traz desenvolvimento para Roraima, pois não a torna auto-sustentável nem melhora as condições de vida para sua população. Apesar da falta de informações concretas sobre essa temática, a partir de 1975, foi divulgado o mapeamento mineral das terras de Roraima procedido pelo Projeto Radam-Brasil. Esse mapeamento revelou que a reserva indígena Yanomami, por exemplo, possuía ouro, urânio, cassiterita e estanho. Após a divulgação dessa notícia, no final de seu governo, o presidente José Sarney franqueou à iniciativa privada o direito de minerar, abrindo uma incontrolável exploração mineral na região de Roraima (EUSEBI, 1991:43/46). Essa ação do governo federal recebeu o apoio político e institucional do governador nomeado para Roraima, Romero Jucá Filho (ex-presidente da FUNAI) que governou o Estado de outubro de 1988 até abril de 1990106, durante a fase final de transição de ex-Território Federal para Estado Federado. Na ocasião, foram divulgadas para o Brasil e para o mundo a descoberta de novas jazidas de ouro na região norte e oeste do novo Estado. Propagou-se por meio da imprensa que 50 mil garimpeiros107 haviam chegado a Roraima, buscando confirmação sobre a existência desse imenso solo aurífero na bacia do Rio Branco. Desse modo, entre os anos de 1987 até 1990, a capital de Roraima foi considerada a “cidade do ouro”. O movimento migratório na busca do ouro provocou violentas tensões sociais, culturais e econômicas na vida do homem 106. Nessa data, Romero Jucá deixou o governo para concorrer às eleições que elegeriam o primeiro governador do Estado. Na disputa do segundo turno, Romero Jucá (PDS) obteve 44,89% dos votos, perdendo para Ottomar Pinto (PTB) que foi eleito com 50,33%. 107. Grande parte dessa massa social era constituída de homens com idade entre 15 e 30 anos, analfabetos e desempregados, aventureiros, traficantes, bandoleiros, criminosos, pistoleiros, prostitutas (os), entre outros. Assim como os índios, os garimpeiros eram também explorados e vítimas das desigualdades sociais. 134 roraimense. O Aeroporto Internacional de Boa Vista recebeu um grande fluxo de pequenas aeronaves que se deslocavam para os garimpos espalhados em várias localidades da região. Não há informações nítidas sobre o total de pistas de pouso clandestinas, nesse período. Várias mudanças ocorreram: o comércio foi ampliado; houve maior investimento nos materiais utilizados na prática do garimpo, os pontos e escritórios de negociação aurífera ganharam ruas inteiras, conhecidas como “Ruas do Ouro”. Além do grande aumento demográfico, a cidade de Boa Vista viveu o seu maior período de inflação, com as transações comerciais negociadas no peso de ouro como unidade monetária. A mídia nacional divulgou que somente a região de Roraima que faz fronteira com a Venezuela (área da reserva Yanomami) possuía reservas de bilhões de dólares só em ouro e cassiterita, a matéria-prima do estanho e outros bilhões em diamantes, cobre, prata, bismuto, zinco, nióbio, molibdênio e minerais radiativos: O direito de exploração de toda esta riqueza está requerido por 21 grupos, que reúnem das mais importantes empresas mundiais de mineração aos maiores pilantras brasileiros. A população é pequena e primitiva: 7 mil índios (Yanomami) e 45 mil garimpeiros, que invadiram a região nos últimos 2 anos, vindos dos mais diversos pontos do Brasil. De agosto de 1987 até agora, este país produziu 25 toneladas de ouro, qualquer coisa em torno de 300 bilhões de dólares, mais do que faturou a Votorantin, a 96ª maior empresa brasileira. Um PIB per capita de US$ 5.769, sem contar a produção local de bens e serviços. O ouro é a moeda e, nas relações de troca com os países vizinhos, se vive aqui um período de deflação: as coisas custam cada vez menos. Culturalmente, é um país muito estranho: convivem uma civilização comunista da idade da pedra e as últimas aventuras capitalistas do final do século 20, que empregam rudimentares sistemas de recuperação de ouro e o que há de mais moderno em termos de tecnologia de transporte aéreo e comunicações. Com base na Constituição, e para poder mandar no seu próprio nariz, Roraima quer a transferência, do governo federal para o governo estadual, de todos os títulos de requerimentos de áreas minerais na região do Projeto Meridiano 62º. A partir daí, os idealizadores do projeto pretendem fazer o que acham que o governo federal devia ter feito: regularizar a atuação dos garimpeiros que já estão na área, transformando-os em cooperativas ou pequenas e médias empresas mineradoras, com prioridade para as que atuam no estado; disciplinar a atividade de mineração em moldes modernos; e pagar aos índios 10% de royalties sobre o total do minério retirado de suas terras (JB, 25/06/89, p. 14, 1º caderno). 135 Para o jornalista, João Sant’Ana do Jornal do Brasil, essa situação conflitante entre índios, mineiros e empresários em Roraima, na fronteira com a Venezuela, foi decorrente da “ausência de governo”. Tal fato possibilitou o surgimento de um “país independente” em plena Amazônia Legal, a oeste do meridiano 62º, no Estado de Roraima. João afirmou que reinou um clima de “faroeste”, no qual prevaleceu o poder econômico e os interesses individuais de governos e organizações não-governamentais (locais, nacionais, internacionais). O jornalista denunciou que não houve respeito por parte do órgão responsável por essa problemática que seria o Ministério das Minas e Energia. Contudo, tal Ministério pareceu omisso e de acordo com as notícias veiculadas na mídia local/nacional, com apelos para que esse órgão federal “fizesse alguma coisa”, sob alegação de que “faltavam recursos e o setor estava sempre no déficit”. A Constituição Federal de 1988, no art. 231, § 3º, dispõe: O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. Assim, ao estabelecer princípios sobre essa questão, a autorização de exploração mineral em terras indígenas deveria ser submetida, caso a caso, à decisão do Congresso, sendo necessário ouvir os índios. Contudo, transcorridos os últimos anos do século XX, ainda não tinham sido decididos (em legislação ordinária) critérios específicos para que essa exploração pudesse ser efetivada de maneira eficaz, atendendo às necessidades da população roraimense (índios e não-índios). Em vez disso, novamente a região de Roraima foi transformada num campo de “guerra” entre as forças de poder político e econômico. No meio desse fogo cruzado, estavam os índios que não têm na sua cultura a prática de circulação do capital. Segundo o texto do jornalista acima citado, o governo estadual solicitou ao governo federal, com base na Constituição Federal/88, “transferência dos títulos 136 de requerimentos de áreas minerais na região do Projeto Meridiano 62°”. Em agosto de 1987, o projeto produziu “25 toneladas de ouro”, cerca de “300 bilhões de dólares”. Habitavam na região 7 mil índios Yanomami e 45 mil garimpeiros. Essa área do projeto estava inserida numa área contínua de 54.691 km² delimitada para os índios Yanomami, que estavam em litígio com os municípios de Boa Vista, Alto Alegre, Mucajaí e Cararcaraí, que tinham parte de seus territórios dentro da reserva108. Diante da situação de complexa trama de interesses político e econômico, o governo estadual pretendia “regularizar a atividade de mineração, criar cooperativas ou médias empresas mineradoras, pagar aos Yanomami 10% de royalties do total do minério extraído de suas terras”. Uma dúvida surgiu: como o governo estadual iria garantir tais direitos aos índios e dar apoio político e institucional à invasão dos garimpeiros? Sabe-se pela mídia local que as mineradoras e garimpeiros não receberam autorização do Congresso Nacional. No entanto, soube-se que os governos federal e estadual liberaram uma “franquia” para as mineradoras sem autorização dos Yanomami para essa exploração em suas terras. O governador, ex-presidente da Funai, em 1988, assinou o decreto que dividiu a “área contínua dos Yanomami109 em 19 ilhas”, reduzindo 70% da referida área (cf. EUSEBI, 1990:45), favorecendo as mineradoras. Na ampliação da disputa de poder político e econômico, viabilizada pelas agências financeiras e organismos políticos associados ao G-7110 e pela pressão das organizações ambientalistas internacionais, a equipe administrativa do governo brasileiro retomou o assunto da mineração em Roraima. Assim, em 108. Essa questão envolvendo os limites dos territórios municipais e das reservas indígenas será tratada no capítulo 4 e retomada no 5. Os comentários feitos aqui tiveram como referência fontes da Funai de 1993. 109. Yanomami, etnia de tronco lingüístico não identificado, habitando mais de 200 aldeias e subdivididos em quatro grupos lingüísticos: Yanã, Yanomã, Yanomamé, Sanumá. 110. Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão (cf. Introdução, Nota 4, p. 27). 137 1990, por ordem do Presidente Fernando Collor, o garimpo entrou em desarticulação, com bombardeamento de dezenas de pistas de pouso pela polícia federal, quando foi desmontada, na capital Boa Vista, toda a estrutura dos comerciantes do garimpo: compra e vendas do ouro, de maquinário, serviços de vôo, entre outros. No entanto, de forma lenta e clandestina o garimpo continuou. No decorrer do ano 2000, novos focos de exploração de minério (ouro) nas terras Yanomami111 foram divulgados pela mídia local/nacional. Tanto no passado como no presente, os representantes em favor dos direitos do índio acusavam as autoridades do poder público como “co-responsáveis” por essa situação violenta envolvendo as etnias indígenas e garimpeiros. Em alguns casos, torna-se evidente a omissão, impotência e conivência estatal: Durante reunião do colegiado do Núcleo Interinstitucional da Saúde Indígena (NISI), no dia 14/setembro passado, o presidente da URIHI (Ong de Saúde Yanomami), Cláudio Esteves fez denúncias ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Presidente da FUNAI Glênio Alvarez e ao Administrador Regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade Júnior, sobre a crescente escalada de violência entre os Yanomami, incitada pelos garimpeiros que fornecem armas e munições aos grupos rivais. Há índios que tentam reagir contra o garimpo e são assassinados. Há também ameaças dos garimpeiros contra a equipe de saúde. (...) O Antropólogo responsável pela URIHI disse que há na região cerca de 400 garimpeiros atuando na região Yanomami. Afirmou que cerca de uma hora de caminhada da aldeia Wathë-u, localizada a menos de 20 quilômetros do 4º Pelotão Especial de Fronteira do Exército e do Posto da FUNAI, em Surucucu, há pista de pouso. Há divergências sobre o garimpo entre índios Yanomami orientados e manipulados por garimpeiros. Os Yanomami que recebem os presentes apóiam a exploração do ouro (FBV, 20/09/00, p. 7). Neste cenário de defesa tanto da etnia indígena (cidadão étnico) como da sociedade nacional local (cidadão brasileiro), os órgãos federais responsáveis possuem duplicidade na função. Como primeiro habitante da terra em disputa, com reconhecimento de direitos pela Constituição Federal de 1988, o índio não consegue compreender porque o branco criou normas indigenistas que não cumpre. Nesse embate, o não-índio também está amparado pela referida 111. Esse assunto será retomado no Capítulo 4. 138 Constituição e denuncia que os órgãos federais não fazem cumprir as leis existentes dando assim uma solução para os impasses inserindo o Estado, os índios e os não-índios, transformando esse panorama negativo de Roraima. Contudo, esse conflito envolvendo direitos de propriedade e respeito cultural, após a Constituição de 88, não deixou claro para a sociedade nacional local que a figura do “caboclo”112 tinha mudado e ganhou o reconhecimento diferenciado do nacional e direitos na participação, no poder político e econômico, na distribuição da riqueza, especificamente, a posse e usufruto da terra. Na mídia local, surgiram debates que tentaram esclarecer tal problemática relativa aos direitos dos índios. 2.3. A Igreja Católica de Roraima e a causa indígena Após três séculos de “conquista” e de “civilidade” portuguesa/brasileira na bacia do Rio Branco, não sabemos ao certo o número de etnias ou o total da população indígena sobrevivente desse tirânico processo colonizador, mas não chegam a quarenta mil indivíduos, em nosso tempo presente. O Estado, apoiado pela Igreja Católica, instituiu canais de influência e transformação da cultura indígena em cristão nacional. Os Aldeamentos e as escolas indígenas, pouco a pouco, foram transmutando o índio em branco/cidadão comum, eliminando progressivamente os mitos, os ritos e a língua da cultura indígena. A política indigenista do Brasil monárquico incentivava a escravização do índio e organizava tropas armadas para caçá-los em nome da defesa e povoamento das terras já ocupadas pelos índios. A união entre a Igreja e a Coroa, que compartilhavam do poder sobre os Aldeamentos e os índios, foi rompida, em 112. Em Roraima, após a Constituição Federal de 1988, o caboclo transfigurou-se, novamente, e ganhou status de cidadão étnico reatando os laços de parentesco com a terra, reconhecidos nos artigos 231 e 232 da referida Constituição. Trataremos desse assunto no próximo item e, também, no Capítulo 3. 139 1758, pela Reforma Indigenista do Marquês de Pombal113, que tirou o poder temporal dos missionários sobre os índios aldeados. Tal ação, diminuindo o poder político-religioso dos missionários católicos sobre a população indígena, era causada pela mudança evangelizadora da Igreja que passou a disputar com o Estado o poder político-econômico da aldeia. Em 1759, o Marquês expulsou a Ordem Jesuíta do Brasil, ameaçadora da política pombalina, e os missionários das diferentes ordens católicas na Amazônia tornaram-se apenas os catequizadores dos Aldeamentos, que tinham como administrador um “principal”114, o índio súdito do rei e representante do interesse da Monarquia em sua própria terra. No entanto, nesse processo de pacificação do índio pelos religiosos católicos, observa-se no cotidiano prático que eles foram ganhando participação tanto no poder político estatal como nas discussões de políticas indigenistas, ao longo do século XX. A partir de 1911, com o apoio do Estado, os missionários beneditinos fundaram uma escola profissionalizante indígena à beira do Rio Surumu. Nessa missão do Surumu, em função da política humanista adotada, a profissionalização dos índios gerou discussões entre religiosos e índios aldeados, cujo tema central era o destino dos índios de Roraima. A Constituição de 1891 não fez referencia ao índio, mas na reorganização do Estado federativo com os olhos voltados para as fronteiras, os constituintes pensaram nos índios (fronteiras vivas) e, em 1910, criaram o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) com visão humanista dos índios, sob a chefia do Marechal Rondon. Dessa forma, o papel da Igreja continuava atrelado às normas pombalinas: função única de catequizar o índio, deixando de fora as questões políticas indigenistas que eram funções do Estado, que tinha o apoio do índio na figura do “Principal”. No entanto, não sabemos como e porque a Igreja Católica de Roraima foi assumindo parte nesse jogo de poder político indígena na região. 113. 114. Cf. Capítulo 1, item 1.4. Cf. Capítulo 1, p. 86/89. 140 Foi nesse período, que se acirraram as disputas pelo controle de certas áreas de atuação política sobre os índios. Mas foi com a Missão Consolata, na segunda metade do século XX, que o movimento dos índios teve maior solidariedade em favor de sua causa. Os religiosos da Consolata deram continuidade aos projetos dos beneditinos e ampliaram os programas (educação, saúde, agricultura, pecuária, religião) estabelecendo novos convênios com o Governo do Território Federal do Rio Branco. Desse modo, os convênios estabelecidos entre Igreja e Estado na condução de uma política indigenista voltada para qualificar os índios e integrálos à sociedade nacional local marcaram, na primeira metade do século XX, disputas entre o SPI e a Igreja Católica de Roraima, representada, inicialmente, pela Ordem Beneditina. Os inspetores do SPI local passaram a ver os missionários beneditinos como concorrentes no processo de poder político econômico da intervenção legisladora dos povos indígenas. Nessa competição de poder sobre a população indígena, os inspetores denunciavam que o educandário católico para meninas na cidade de Boa Vista era mais uma casa de escravização de menores, pois eram obrigadas a serviços pesados por horas a fio (CIDR, 1989:32). Essas duas instituições desenvolveram projetos de intervenção local junto a vários grupos indígenas na área da saúde, educação, atividades agrícolas, formando quadros de pessoal especializado para o mercado local. No entanto, os ataques entre os representantes das duas instituições tornaram-se acirrados, especificamente, em relação às escolas e aos internatos indígenas. Os missionários não se entendiam com as lideranças políticas da região que apoiavam o SPI. Nesse cenário de denúncias e ameaças, a opinião pública de Boa Vista, influenciada pelos discursos dos inspetores do SPI, que alertavam para a 141 necessidade de transformar esses “selvagens” em “civilizados”, engrossava os conflitos entre civis e religiosos115. Nesse contexto, as pressões dos inspetores do SPI visavam barganhar uma parte das vultosas verbas governamentais que eram destinadas à Prelazia do Rio Branco, no apoio e assistência educacional do índio. Para alcançar tal objetivo, a inspetoria tinha resolvido transformar o sanatório “General Rondon” em um instituto para menores indígenas. Contudo, essa transformação do sanatório para instituto de menores indígenas não aconteceu. Apesar dos inspetores do SPI manterem boas relações com a elite e as lideranças políticas de Boa Vista, enfrentavam problemas financeiros e inquéritos sobre escândalos de violências sexuais envolvendo funcionários do SPI e adolescentes indígenas (CIDR, 1989). A partir de 1949, o Instituto Missionário da Consolata, originário de Turim, na Itália, assumiu o trabalho religioso que vinha sendo exercido pelos beneditinos e a nova ordem religiosa alargou os projetos de evangelização católica e escolas para os índios e os não-índios. O ginásio Euclides da Cunha, como exemplo, foi fundado em 1950, com quatro salas de aula e um total de 120 alunos, oferecendo curso ginasial, em regime de externato misto para os filhos da sociedade roraimense. Em fins da década de 1960 e começo de 1970, surgiram, no Brasil, movimentos populares e de esquerda em busca de liberdade cultural e direito do exercício de cidadania116. Eles enfrentaram, porém, dificuldades para romper o cativeiro político, ideológico e, também, espiritual. Foi um período de embates entre a classe civil, militar e religiosa brasileira, de ruptura entre setores da Igreja 115. Essa temática não está devidamente documentada, merecendo maiores estudos. Porém, é corrente entre relatos e entrevistas de uso da História Oral que esses conflitos políticos e religiosos na primeira metade do século XX foram marcados por violentos confrontos entre representantes religiosos, representantes governamentais e da sociedade local. De maneira sutil, Rice (1978) fez referência a essa disputa do poder local incorporando grupos civis, militares e religiosos, durante exploração de reconhecimento na região, em 1924. 116. Movimentos estes bastantes ligados ao genérico ideais e práticas das propostas marxistas-leninistas, dos movimentos de guerrilha na América Latina, da revolução cubana, dos comportamentos de contracultura, do maio francês (1968), do pós-64 brasileiro, das representações e organizações sociais de postura nacionalista, etc. 142 Católica e do Estado, que abriu uma discussão envolvendo os grandes proprietários de terra e a grande massa de trabalhadores do campo, expulsa das áreas rurais e que aumentou os bolsões de miséria nas periferias urbanas (MARTINS, 1989). Nesse período de crise, aconteciam conflitos envolvendo tanto disputas político-ideológicas quanto embates entre escalões diversos (grupos políticos, intelectuais, missionários católicos). Foram conflitos envolvendo diferentes segmentos sociais, em geral, pertencentes às classes médias intelectualizadas (artistas, jornalistas, professores, estudantes, etc.), partidos de esquerda, esferas do movimento estudantil, do operário, do camponês e parte da Igreja Católica compromissada com a Pastoral da Terra e Teologia da Libertação. Toda essa movimentação social e política, no campo e na cidade, possibilitaram a participação dos movimentos indígenas que também se organizavam. Nesse embate político e sócio-cultural, os representantes católicos (defensores da teologia da libertação) denunciavam a opressão tanto do homem camponês como do índio na sociedade nacional. Os índios, que teoricamente estavam tutelados117, na prática, continuavam marginalizados e vistos como um grupo social “não-civilizado”, em vias de extinção. Do ponto de vista jurídico, o índio que não solicitar ao juízo competente a sua liberação do regime tutelar, preenchendo um conjunto de requisitos, de idade mínima de 21 anos, não estará habilitado para o exercício de cidadania civil. Todo esse processo que considera o índio capaz de exercer os atos da vida civil é denominado de emancipação. Tal termo, que para certos segmentos da sociedade tinha o caráter unicista da cultura nacional, abriu novas discussões: 117. Buscando definir uma política indigenista que não alternasse, de acordo com o interesse do momento, entre “paternalismo” e “integracionismo” , a FUNAI ganhou nova função que foi estabelecida pela lei n. 6001 (19.12.73), identificada como Estatuto do Índio. 143 Indígena é no Brasil de hoje, essencialmente, aquela parcela da população que apresenta problemas de inadaptação à sociedade brasileira, em suas diversas variantes, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou meras lealdades que a vinculam a uma tradição précolombiana (RIBEIRO, 1979:254). A ironia do antropólogo situa com precisão a que levou o “caminhar rumo ao nacional” de grande parcela de nossos indígenas. Nessa situação de contato a estrutura de poder do Estado forçou a destribalização desses povos indígenas. Em Roraima, esses acontecimentos adversos associados ao processo de políticas indigenistas, envolvendo os missionários católicos, as lideranças políticas e os representantes da sociedade local, repercutiram em variadas posturas entre esses representantes. Observou-se, no interior desses posicionamentos, insuficiência teórica e presença de concepções preconceituosas, em razão dos antigos problemas interpretativos da cultura do índio, que não foram resolvidos ao longo do processo de integração indígena na sociedade nacional, camuflando essa problemática da posse da terra e da cultura do índio com tratamento diferente do nacional e parecendo não existir. No bojo dessas discussões, surgiram outros conceitos como o de “necessidades das sociedades”, o de “direitos” que se apoiavam em regras universais. Algumas lideranças católicas e indígenas resolveram apelar para os fundamentos nos direitos internacionais e autóctones elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e no de modelo de desenvolvimento chamado de “auto-sustentável”118. Preocupados em legalizar a situação dos índios e de suas terras, buscando propagar esperança na superação das desigualdades sociais e econômicas, essas lideranças reconheceram os limites e as ações políticas e culturais de cada grupo, em um amplo processo democrático (CASTORIADES & COHN-BENDIT, 1981). 118. Esse tema será abordado no Capítulo 4, item 4.3. 144 Nessa região amazônica, onde emergiam preocupações latifundiárias, tensões culturais e políticas entre índios e não-índios, esses novos conceitos ampliavam as confusas interpretações entre as lideranças dos índios, da Igreja Católica, do Estado e da sociedade local que, num discurso liberal, preconizavam a participação de todos os habitantes da região, na política governamental. Foi nesse período (final de 1960 e decorrer de 1970) que apareceram referências da realização de encontros entre os líderes indígenas (Makuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó), na escola da missão de Surumu119, com apoio da Igreja Católica, pela busca de direitos da identidade étnica, numa reestruturação da sua própria cultura no contexto nacional (CIDR, 1989). Os índios passaram a mostrar, por meio de suas reivindicações, que o momento político era outro, que o período da “sujeição” do índio ao branco era uma situação do passado. Nesses debates, as lideranças e os missionários procuravam anular a imagem do índio como o “não civilizado” ou em vias de extinção, duas representações que caracterizaram a compreensão das etnias indígenas pelo senso comum. Os índios apresentaram modelos de necessidades distintas do modelo capitalista/nacional, com base na exploração agrícola e pecuária. No modelo indígena, o centro das necessidades era o reconhecimento da cultura: os ritos, os mitos que organizavam o social satisfazendo formas de necessidades da vida coletiva e de parentesco com a terra. Contudo, surgiram índios que, na relação de pacificação/integração na sociedade nacional local, na introdução das necessidades econômicas do sistema capitalista, abandonaram essas formas sócio-culturais coletivas e de parentesco 119. Por meio dos cursos profissionalizantes e discussões sobre o papel do índio na sociedade local, os índios que freqüentavam a missão do Surumu ganhavam certos entendimentos sobre “liberdade” identitária e cultura indígena. Nessa região, os líderes indígenas realizavam encontros para discutirem sobre a problemática situação do índio, no processo de integração na sociedade nacional, especialmente as questões relacionadas à terra, alcoolismo e prostituição. As reuniões recebiam apoio dos missionários católicos e leigos vinculado ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário) defensores dos direitos dos índios como primeiros habitantes da região (CIDR, 1989 e 1990). 145 com a terra. Eles apresentaram um modelo indígena vinculado a uma rede de interesses (individual/coletivo), com um conjunto de necessidades, no qual o econômico tornou-se o centro. Diante dessa nova postura, as reações dos índios em busca de direitos e desenvolvimento com apoio dos missionários católicos, sem respaldo jurídico nacional, não eram aceitas pelo Estado e nem pela sociedade local durante essa fase de condução política para um sistema democrático. A política indigenista e o conflito entre reivindicações de direitos e desenvolvimento, presentes na contemporânea história local, não se desvinculou da herança cultural de não saber lidar com o outro que é diferente, “eliminando o que incomoda” (VERHELST, 1992) na realização do interesse estatal em jogo. Desta forma, outra vez, o exercício de direito por coerção social, que garantiram os princípios de usurpação da terra amazônica (e do índio como parte dela) pelos europeus no século XVI e legalizada (como direito de posse) em favor dos portugueses com o Tratado de Tordesilhas (1750), aqui interpretado como extinção dos direitos do índio sobre a terra e sua organização sócio-cultural, parece perdurar no início do século XXI em Roraima. Para o exercício do direito por índios e brasileiros, na busca de solucionar o impasse de identidade e da propriedade, o desafio deverá ser o de fundamentar modelos de reconhecimento dessas mudanças e das novas necessidades sociais em Roraima, diante do novo tempo: quem é e quem não é índio? Como usufruir os recursos da terra respeitando-se os direitos de concepções individuais e coletivas? Sem respostas e uma efetiva solução para os impasses, as etnias indígenas, com o apoio da Diocese de Roraima120, a partir da segunda metade dos anos 70, 120. A Diocese foi instalada na segunda metade dos anos de 1970, tendo como primeiro Bispo Diocesano D. Aldo Mongiano (da Missão Consolata), momento de maior discussão da causa indígena e ampliação da solidariedade aos índios, tanto pela Diocese como por instituições oficias e não-governamentais (nacionais e internacionais). 146 registraram nos seus encontros (reuniões ou assembléias indígenas no Surumu) reações de descontentamento com relação aos seguintes pontos: a) à questão do direito de usufruto e posse da terra; b) o processo educacional do governo local que eliminava os atributos da cultura do índio; c) o não reconhecimento de seus direitos sociais e culturais, com base no processo etno-histórico amazônico, com organização social diferenciada (ausência de Estado) e primeiros habitantes (a terra era ao mesmo tempo abrigo e parente). Neste horizonte de conscientização identitária do índio, as figuras do tuxaua121 e dos líderes122 indígenas ganharam força política como novas formas de representação e organização sócio-cultural que passaram a conduzir e alterar a nova ordem política e organização da vida na maloca. Mesmo assim, o sentimento de insatisfação tem se mostrado muito forte entre os índios que não vêm encontrando apoio governamental para solucionar esse conflito entre índios e não-índios, com as mudanças ocorridas nas últimas décadas do século XX. Durante a realização de Assembléias Indígenas, na missão Surumu, com o apoio da Diocese de Roraima, destacamos alguns conteúdos desse novo momento: O Tuxaua Laurindo, Makuxi da Maloca Cantagalo, afirmou: Meu avô dizia que, desde o começo da maloca do Limão até o Monte Roraima, a terra é dos índios. Como é que, então, tem muitas fazendas? Eles sabem que a terra é nossa. Tem muitos cajueiros no pé da serra da Memória, e foram os meus avós que plantaram (CIDR, 1990:57). O Tuxaua Chico Ernesto, Wapixana da Maloca do Livramento, disse: Temos o problema da terra; somos poucos, mas temos que segurar o que é nosso. A FUNAI prometeu muitas vezes a demarcação das terras, mas é só papo furado. Os gaúchos chegam, cercam muita terra e querem sempre mais, provocando brigas. Os velhos tuxauas falam do tempo de Rondon, que deu para eles uma farda e uma corneta. Rondon dividiu as terras entre os índios (CIDR, 1990:57). 121. De acordo com as narrativas de alguns velhos Makuxi e Wapixana, o termo “Tuxaua” foi criado pelos missionários da Guiana e para outros foi pelo General Rondon, que ao nomear o líder indígena deu uma farda militar e uma trombeta. Hoje o Tuxaua identifica o chefe da maloca e é eleito pela comunidade indígena. Antes do contato com o “branco”, a maloca era governada por um “conselho de anciãos”. 122. Jovens índios, instruídos no ensino formal, que foram se destacando como auxiliares dos tuxauas nas articulações políticas entre a maloca e o Estado ou entre a maloca e as organizações oficiais e não-governamentais nacionais e internacionais. 147 Os índios não concordam com a política desenvolvida pela Funai que não consegue proteger os direitos dos índios e nem expulsar os brancos das áreas demarcadas para as etnias indígenas. Ao interpretar o momento presente, o índio faz uso da memória cultural tribal que é, ao mesmo tempo, o documento histórico sobre o passado e o presente, “desde o começo a terra é do índio” dizia o avô. Fizeram denúncias sobre cobranças de impostos e taxas da propriedade, mas a Funai alertou que o índio não paga imposto: O Tuxaua Severino, Makuxi da Maloca de São Jorge, comentou que: Os fazendeiros cercaram as terras e nós mesmos permitimos isso. Antes o SPI defendia as terras dos índios, depois chegaram os brancos dizendo que o SPI não existia mais e ocuparam as nossas terras. Meu pai não deixou entrar ninguém e foi cadastrar a nossa terra. Depois chegou o IBRA e disse que devíamos pagar e eu paguei. Depois chegou o INCRA e foi a mesma coisa. Paguei quatro vezes nestes quatro anos. Por fim veio a FUNAI. O delegado me nomeou tuxaua e disse que o índio não devia pagar nada, porque a terra é nossa ( CIDR, 1990:58). Esse texto, publicado pelo Centro de Informação da Diocese de Roraima, nos mostra como o indígena ainda não consegue entender o Estado brasileiro e a necessidade de mantê-lo com taxas, inclusive sobre a propriedade. Ou seja, embora ser cobrado, neste caso, justifica que a posse da terra lhe é reconhecida, a leitura indígena é incapaz de compreender sua realidade inserida no processo social nacional, o que provoca sofrimento. Por outro lado, a FUNAI não legalizou a terra e nem expulsou os invasores das áreas reivindicadas pelos índios. Assim, é possível considerar que os mecanismos políticos e jurídicos do Estado, na dominação do índio e da terra, passam pela coerção, capital e conhecimento que transformam a cultura e dividem as famílias indígenas: O Tuxaua Alcides, Wapixana da Maloca da Barata, afirmou: Também na minha maloca as pessoas não estão unidas, mas acredito que, continuando o nosso trabalho, todas irão entender. Muitos pedem para trabalhar para os brancos. Eu sou contra, porque no lugar de defender o que é nosso, vamos aumentar o dinheiro do bolso dos brancos (C IDR, 1990: 55). O Tuxaua Jacó, Makuxi da Maloca do Arai, argumentou que: Muitas das nossas filhas casam com civilizados e depois nos tratam como bichos. Um dia fui na casa de um 148 civilizado, pai do meu genro. Fui com meu genro para pedir-lhe um empréstimo. Ele nem me convidou para entrar, deixou-me debaixo de chuva. Quando soube que era eu ainda disse: - Ah!, pensava fosse gente mas é só um caboclo. Por isso que eu digo às minhas filhas que não casem com civilizados (CIDR, 1990:55). Os textos acima evidenciam a consciência político-econômica do índio que faz denúncias sobre a ruptura de sua própria estrutura organizacional, motivo de sofrimento ao pensar nos parentes integrados. Desta forma, “muitos trabalham para o branco”, aspiram desfrutar das benesses da vida do branco que o vê como “bicho” e, aparentemente, recusa relações de dependência. No conjunto de necessidades123 do índio, utiliza-se dois caminhos: necessidades “coletivas” ou necessidades “individuais/privadas”. Por meio dessas Assembléias Indígenas, em geral realizados na missão do Surumu, a Diocese de Roraima reordenou sua política indigenista e buscou apoio nacional e internacional para resolver essa problemática indígena. Para os missionários católicos, os índios e os não-índios podem conviver em consenso numa mesma região. No entanto, em razão da indefinição fundiária e de uma política econômica privilegiando a elite social, a história do tempo presente roraimense é definida por violentos confrontos envolvendo Estado, índios e nãoíndios na disputa de propriedade da terra e no usufruto dos recursos ambientais. Em meio aos sentimentos de insatisfação, é voz corrente na sociedade local indagar por que o pensamento humanista da Diocese de Roraima, que optou radicalmente a favor do reconhecimento identitário e da terra do índio, abandonou a massa populacional pobre, habitando os bolsões de miséria da periferia de Boa Vista, abrindo caminho para as missões protestantes. Tal questão, evidentemente, merece tratamento autônomo, não possível no presente trabalho. 123. O conceito faz parte da proposta de desenvolvimento sustentável de exploração ambiental em prol da coletividade, que satisfaz “as necessidades do presente sem comprometer as das gerações futuras” (cf. WCED. Our Common Future. 1987). 149 2.4. Organização e reação indígena O processo histórico e jurídico revelou o regime tutelar indígena desde o século XIX, com as normas expressas na lei de 27.10.1831, dando ao Estado o poder de proteção dessa população. Assim, o Estado delegou por intermédio de um órgão federal (primeiro o SPI e depois a FUNAI) o direito de defesa e assistência ao índio. Após as modificações nas relações políticas e sociais, entre segmentos da sociedade nacional, geradas pelo movimento em favor da massa trabalhadora (urbana e rural) nos anos de 1960, setores vanguardistas da Igreja Católica e leigos vinculados ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário)124 iniciaram campanhas de solidariedade em favor do índio e da sua terra, acentuando o preconceito e a não aceitação no contexto local: quem é e quem não é “branco”? Quem é o dono da terra? Desse modo, diante da possibilidade de modificação da política indigenista, na qual o Estado não consegue aceitar as diferenças entre índios e brancos, colocando todos os habitantes de Roraima como iguais, negando a diversidade cultural, o índio aventurou-se a discutir a sua inserção na sociedade nacional local, definindo-se pela etnicidade e não pelo nome genérico “índio”. Assim, no final da década de 1960, começaram, sem solidez, uma organização e uma reação indígenas contra o programa governamental de não reconhecimento do índio. Por meio do processo educacional, alguns missionários e líderes indígenas tornaram-se interlocutores dessas questões, referentes aos direitos dos índios, que tinham interesse em romper com o poder estatal e o domínio branco: 124. O CIMI é um órgão anexo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que é a instância máxima da Igreja Católica no Brasil. Atuam no CIMI todos aqueles que exercem atividades de forma direta junto aos índios pela Igreja Católica. A “bandeira” do CIMI é a “defesa das terras e a autodeterminação” (cf. SUESS, 1989:30). 150 A partir de 1968, por iniciativa dos padres da Consolata, os tuxauas de algumas regiões começaram a reunir-se. A ocasião era dada pelos cursos de instrução religiosa que os padres desenvolviam, geralmente, na missão de Surumu, onde funciona o internato. Estas reuniões anuais davam aos tuxauas a oportunidade de encontrarem-se e, fora das palestras dos padres, discutirem os problemas das malocas (CIDR , 1990:43). Essa iniciativa dos índios foi influenciada pelos movimentos sociais que vinham acontecendo dentro e fora do país. As reuniões indígenas no Surumu foram o marco desencadeador de significativos confrontos culturais e políticos entre os próprios índios e de suas relações com segmentos da sociedade roraimense. Entres os movimentos que instigaram as reivindicações dos índios estavam os de atuação das esquerdas (intelectuais nacionalistas, dos operários e camponeses) que buscavam uma identidade nacional de interesse comum, inspirados nas manifestações culturais e populares, e nas revisões sócio-políticas defendidas por intelectuais que apontavam novos caminhos em defesa da liberdade e justiça social. Por isso, as reuniões dos tuxauas e líderes indígenas com discussões voltadas para a questão da identidade étnica, fomentando reações contra o não reconhecimento da cultura do índio pelo branco, ganharam força política após a solidariedade da Diocese de Roraima, em fins dos anos 70. Assim sendo, no desenrolar dessas reuniões, ampliaram-se os argumentos humanitários de defesa da cultura e do direito da terra para usufruto das nações indígenas que ganharam novos adeptos: Em 1977 a situação mudou sensivelmente. Naquele ano os padres convidaram pessoas do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e modificou-se a metodologia da reunião: foi deixado todo o tempo para que os tuxauas apresentassem, livremente, problemas, sugestões, etc. Para sublinhar e reforçar a mudança, naquele ano a FUNAI e a polícia federal interviram para proibir a continuação da reunião. Mas a idéia de reuniões diferentes já estava lançada e não era possível voltar atrás. Em 1978, seja por medo de atritos com a FUNAI, seja por divisões internas, os padres não organizaram a reunião anual dos tuxauas. Recomeçou-se em 1979 e continuam a ser realizadas, todos os anos, no mês de janeiro, na missão de Surumu. Participam tuxauas e secretários das malocas Makuxi, Wapixana, Taurepang e Ingarikó. Ultimamente são coordenados pelos próprios tuxauas e servem para traçar linhas comuns de ação e procurar, juntos, soluções aos problemas que as 151 comunidades indígenas estão enfrentando. Além destas reuniões gerais, nestes últimos anos, realizaram-se também encontros regionais, para a solução de problemas relativos à região ou em preparação para a assembléia geral (CIDR, id., ibid.). A FUNAI, órgão federal responsável pela política indigenista, teoricamente, atua no projeto de proteção e emancipação do índio. O texto publicado pela Diocese de Roraima, anteriormente citado, forneceu indícios sobre o papel desse órgão em Roraima, com apoio da polícia federal teve, no evento indígena mencionado, uma reação opressora, proibindo as reuniões dos índios do Surumu, que diferentemente dos demais, não seguiam o programa de emancipação. Na década de 1980, realizando assembléias e reuniões, elegendo diretorias, registrando estatutos em cartórios, as etnias indígenas de Roraima foram se apropriando de novas formas de representação política. Ao mesmo tempo, acirraram-se as disputas pelo poder de controlar as novas representações indígenas, pelo direito de interferir em determinados assuntos como educação e demarcação de terras. Nesse ínterim, surgiram novos líderes e novas possibilidades de alianças e encaminhamento de reivindicações junto a órgãos do governo e entidades de apoio ao índio: Na reunião geral de 1983 participaram cerca de 250 índios, entre os quais 72 tuxauas. Nesta, conseguiu-se dar um passo à frente na organização da defesa contra a invasão dos brancos: foi decidido, seguindo o exemplo das malocas das serras, organizar, em cada região, um “Conselho das Comunidades” formados por alguns tuxauas da respectiva área. Este conselho tem a tarefa de coordenar as atividades das várias malocas e, em ocasião de brigas ou problemas com os brancos, apoiar as comunidades para resolverem juntos todas as questões. Nos meses sucessivos à reunião, foram formados conselhos nas regiões de Surumu, Cotingo, Normandia, Taiano e Serra da Lua. No contexto das reuniões dos tuxauas, além dos conselhos, nasceram novas estratégias indígenas perante a invasão: as cantinas e os projetos125 de gado para as comunidades dos índios (CIDR, 1990:44). 125. As cantinas, chefiadas pelo tuxaua, comercializavam por meio de trocas, vendas e compras de produtos para os índios na maloca. Essas cantinas substituíram os pequenos comércios de propriedade dos fazendeiros que exploravam o trabalho do índio na troca de produtos. O preço dos produtos era decidido pelo fazendeiro e o índio estava sempre na dependência econômica. O projeto de criação de gado comunitário coordenado pelos índios desenvolveu-se com base na experiência da cantina. Com apoio da Diocese de Roraima e 152 A partir da referida década, as etnias indígenas foram, paulatinamente, ganhando espaço na mídia local, nacional e internacional, realizando campanhas de defesa da identidade étnica e denúncias das ameaças contra os direitos dos índios diferenciados da sociedade nacional local. Contando com ajuda da Diocese de Roraima, os índios promoveram encontros com a finalidade de redescobrirem a sua identidade e os seus direitos étnicos (Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang, Yanomami, Wai Wai), fazendo valer a memória cultural que registrou a vivência dos ancestrais instalados há milhares de anos sobre o solo amazônico e organizados em sociedades estruturadas, sendo revitalizada nos contatos com os parentes “isolados”, habitando o interior da região. Nessa retomada de consciência identitária, o índio não buscava apenas uma nova continuidade étnica, mas o “reconhecimento da diferença cultural” que afirma a sua própria identidade (SEMPRINI, 1999:14). Apesar dessas articulações organizacionais e de representação entre os índios, com relação ao percentual da população indígena em Roraima, não há um registro recenseador indígena. A dificuldade de um censo indígena decorre da idéia de que a figura do índio pertence ao nosso passado e porque boa parte dos indígenas recenseados se vêem como brancos. Nessa confusa realidade e identidade indígena, existem, também, os grupos isolados ou recém-contactados, que fugiram ou que não foram envolvidos no processo de “pacificação”. O termo “mestiço” (branco com índio) não é usado nessa região, quando isso acontece faz referência ao mestiço imigrante de outras regiões do país. Os poucos levantamentos feitos sobre os índios apresentam variação numérica entre os órgãos. No entanto, fala-se de uma população aproximada de 25 mil pessoas, distribuídas em diversas etnias. As principais são: Ingarikó, tendo o Conselho Indígena como responsável pelo projeto, os índios receberam ajuda financeira do exterior e executaram o projeto do gado ganhando certa autonomia econômica, gerando disputas com o fazendeiro na posse da terra (CIDR, 1990:44-7). 153 Maiongong, Makuxi, Taurepang, Wai Wai, Waimiri-Atroari, Wapixana, Yanomami, entre outros grupos menores, não documentados. Patrícia Ferri (1990) apresentou um estudo sobre essa temática em Roraima e identificou uma população aproximada de 37 mil índios, distribuídos entre as oito etnias. O ISA (Instituto Socioambiental), uma organização nãogovernamental, voltada para essas questões da população indígena no Brasil, apontou alguns dados estimativos sobre o total de índios de cada etnia mais conhecida no Estado: Etnia Roraima e vizinhos População (Estados e Países) Ingarikó Censo/estimativa Roraima Maiongong/Ye’kuana Makuxi Taurepang/Pemon Wai Wai Wapixana Waimiri Atroari Yanomami Ano Guiana Venezuela Roraima Venezuela Roraima Guiana Roraima Venezuela Roraima/Amazonas/Pará Roraima Guiana Roraima/Amazonas Roraima/Amazonas Venezuela 1.000 4.000 728 180 3.662 15.000 7.500 200 20.607 1.366 5.000 4.000 611 9.975 15.193 1994 1990 1992 1990 1992 1994 1990 1989 1992 1994 1994 1990 1994 1988 1992 Quadro Demonstrativo 01 Estado de Roraima. Censo/Estimativa da População Indígena Fonte: CEDI/Instituto SocioAmbiental, novembro de 1994. O período de 1975 a 2000 foi assinalado por violentos embates entre o Estado e a Igreja Católica na disputa de poder sobre o índio. Por sua vez, o índio se organizava em Assembléias e Conselhos, ganhando apoio de ONGs nacionais e internacionais, solidárias a sua causa. A Igreja, representada pela Diocese de Roraima, adotou novas normas com base nas instruções da Declaração universal 154 dos direitos humanos, das normas internacionais enunciadas pela Convenção de Genebra Nº 107 da OIT (1957), das revisões parciais da Convenção Nº 169 126 (1991) e das recomendações relativas às populações “aborígenes e tribais”, além de outros instrumentos internacionais referentes à discriminação dos povos indígenas, que foram elaborados entre os anos de 1950 e 1980. Essa política indigenista do governo do Território, que visava o processo de segregacionismo, passou a disputar, com a Diocese de Roraima, o controle nesse processo pelo qual o índio era absorvido na cultura nacional. Nessa tarefa indigenista, a FUNAI desempenhou papel ambíguo, não se diferenciando da função do SPI, que na teoria tinha visão humanista e na prática tornou-se instrumento opressor do índio. Algumas vezes, junto com a Diocese de Roraima, a FUNAI apoiara e financiara formas comunitárias de criação de gado nas malocas, visando a autonomia dos índios. Em outros momentos, junto ao governo local, ampliou o número de postos indígenas nas malocas e a instalação de escolas indígenas (com professores brancos) mantidas pelo governo, visando qualificação profissional indígena para o mercado roraimense. Mas, em geral, o índio enfrentava dificuldades na condução desses projetos, tanto por conta dos programas assistencialistas do governo (local/federal) como pelos conflitos na disputa de terra com o fazendeiro e mineradoras, que olhavam o índio como posseiro/grileiro 127. A solução das dificuldades esbarra na revisão constitucional e elaboração do Estatuto Indígena que tramita no Congresso Nacional desde a última década do século XX, geradora da manutenção ideológica integracionista que não o reconhece como organização social diferenciada do quadro social nacional. 126. Convenção da Organização Internacional do Trabalho referente aos Povos Indígenas e Tribais nos países independentes. A Convenção contou com o apoio da Organização das Nações Unidas e do Instituto indigenista interamericano (cf. BARBOSA, 2000). 127. Esse tema será tratado no Capítulo 3 e retomado no Capítulo 4. 155 Ressalta-se que as etnias indígenas de Roraima iniciaram o movimento de reconhecimento étnico cultural desde a década de 1960 e tiveram que esperar até o final dos anos de 1980, momento da promulgação da nova Constituição Federal, para, na teoria, ganhar o reconhecimento de sua organização social e cultural enunciados nos artigos 231 e 232. Nessa realidade concreta, o índio emprega elementos de sua cultura em suas práticas cotidianas, que o branco julgava que já fossem extintos. Além dessas questões, a migração do índio para a cidade de Boa Vista preocupou as organizações indígenas. As constantes secas reduzindo a pesca e a caça, a baixa produtividade da roça, causando insatisfação e muita pobreza, a invasão das mineradoras em áreas dos índios, levaram grande contingente indígena para a capital Boa Vista. Vivendo nesse ambiente estranho que é a cidade, os índios reclamavam que a sociedade branca não oferecia melhores condições para trabalhos estáveis128. Diante dessas dificuldades, as lideranças indígenas, por meio do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e outras ONGs indígenas, buscavam dar apoio aos “parentes”129 que migraram para a capital, faziam denúncias sobre os conflitos entre o Estado, os índios e não-índios envolvendo questões referentes aos garimpos e violências várias (alcoolismo, prostituição)130. Essa população indígena que chega à Boa Vista nem sempre procura a FUNAI ou o CIR (Conselho Indígena de Roraima) ou APIR (Associação dos Povos Indígenas de Roraima) que são os órgãos e as duas maiores entidades nãogovernamentais que dão apoio ao índio. Durante uma das várias entrevistas 128. A máquina de fazer política do Estado, envolvida nas barganhas eleitoreiras, oferecia funções ou atividades no serviço público, por meio de projetos das secretarias e pago por comissão, visando à captação de votos na eleição de 1990. 129. Parente é um termo usado pelo índio para identificar a relação familiar entre os próprios índios. Essa relação de parentesco envolve os distintos troncos lingüísticos porque todos descendem dos mesmos ancestrais possuidores de vínculos de parentesco com a terra (mitos e ritos unificando o mundo cósmico e o terreno). 130. Essas considerações são baseadas em nossas entrevistas junto ao CIR e a FUNAI/RR , durante o ano de 2000, e notícias veiculadas na mídia local, nesse mesmo período. 156 concedidas à mídia local, o administrador da FUNAI/RR, Walter Blós, comentou que, em muitos casos, o índio que abandona a maloca e chega à Boa Vista não se vê como índio, já que fala português e tem hábitos distintos da maloca. Sobre essa mesma questão, o Coordenador do CIR, Jerônimo Pereira, afirmou que o índio quando chega à cidade tem vergonha de identificar-se como índio por causa do preconceito “branco” contra o índio 131. Segundo o Coordenador do CIR existe uma grande dificuldade de vencer esse forte preconceito e conquistar seus direitos como prevê a Constituição Federal de 1988 e a Estadual de 1991. Essa questão constitucional tornou-se um outro impasse político-jurídico, na relação do Estado com os índios, que não compreendem o porquê da Constituição Estadual (1991) que no artigo 173 reconheceu os “Direitos dos Índios”, conforme os enunciados nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal (1988), e não são aplicados: por que o Estado/União conserva a política de domínio sobre o índio e suas terras? Os direitos dos índios enunciados nos referidos artigos constitucionais, o processo educacional indígena (da Igreja, da FUNAI e do Governo de Roraima) e a demarcação das terras tornaram-se temas polêmicos dentro das organizações indígenas e das esferas do governo e da sociedade roraimense132. Durante os encontros dos índios133 aconteceram descompassos interpretativos das normas e divergências de interesses em jogo e não se conseguia avançar no fortalecimento da Assembléia Indígena, que começou a se fragmentar com as famílias indígenas divididas: algumas apoiavam o programa emancipatório do governo, outras defendiam o resgate de etnicidade diferenciada do nacional. 131. Esse tema será retomado no Capítulo 4. Os artigos constitucionais, a tentativa de aplicabilidade dos artigos e a questão fundiária serão retomados nos capítulos 3 e 4. 133. A região do Surumu, como o lugar politizador e multicultural indígena, deu início as reuniões dos líderes e representantes dos índios de Roraima e inspirou a organização de conselhos e assembléias nas malocas das distintas regiões (serras, florestas e lavrados). 132. 157 Nesse processo de politização do índio, foi implantada uma Associação Geral dos Tuxauas (chefes indígenas) vinculada à Diocese de Roraima. Essa associação, com estrutura e organização semelhante às associações da cultura ocidental, constituiu-se em importante instrumento de representação política do índio, estimulando entre as etnias indígenas a formação de associações e reorganizações de escolas bilíngües. Tal associação dos Tuxauas desenvolveu, ao mesmo tempo, uma reordenação na formação de professores índios e buscou alternativas para reativar a identidade étnica, principalmente entre os jovens que tinham vergonha de se identificarem como índios. Rearticulando uma política indigenista mais próxima dos anseios dos índios, essa associação dos tuxauas foi a responsável pela fundação do Conselho Indígena de Roraima (CIR)134 e demais associações: Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIR), Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR), Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), entre outras pequenas organizações indígenas na região. No começo desse processo de representação e organização indígena, todos os índios estavam vinculados aos missionários católicos. Todavia, com a entrada dos missionários protestantes (Missão Evangélica da Amazônia - MEVA), da instalação da Diocese de Roraima (final de 1970) assumindo postura radical em favor da etnicidade e da terra do índio diferenciado do nacional, da função ambígua da FUNAI (ora em favor do índio e ora contra), dos programas assistencialistas do governo (federal/local), as famílias indígenas ficaram divididas: índios defensores da Diocese (pró-tradição), índios a favor do Estado e sociedade nacional local (pró-nacional). 134. O CIR é composto pelos seguintes órgãos: (I) Assembléia Geral; (II) Coordenação Geral; (III) Conselhos Regionais; (IV) Coordenação Aplicada. A Assembléia Geral do CIR se tornou o órgão máximo de decisões e suas decisões serão tomadas sempre pela maioria simples de seus membros presentes na reunião. O CIR deverá intermediar os entendimentos entre índios e não-índios na sociedade local (cf. “Estatuto Social do CIR”, Boa Vista/RR: CIR, 1992). 158 Passado mais de quatrocentos anos, manteve-se um conflito entre os índios: apoiar ou não os colonizadores. Entre os séculos XVI e XVII, os holandeses tentavam seduzir os índios para ficarem ao seu lado, atuando na rota comercial. No século XVIII, os portugueses, por meio dos Aldeamentos, tentavam civilizar o índio e tomar posse de sua terra. Assim, esse processo dilacerador da cultura dos índios, que os divide entre si, perdura até o início do século XXI. No entanto, apesar das divisões internas entre as próprias etnias indígenas135, todos os tuxauas e líderes dos índios de Roraima concordavam que essa discussão estava vinculada a um movimento social, político, antropológico e jurídico mais amplo. Os índios de Roraima, seguros de sua memória cultural e organização social (interpretadas pela cultura nacional como “ausência de Estado e sem organização social”, portanto, sem existência) e diante do jogo de interesses entre esferas do governo estadual e federal, cobram das autoridades responsáveis pelo reconhecimento de seus direitos étnicos, posturas mais definidas em relação ao conflito. No auge dessas articulações e reivindicações, os povos indígenas, que desde a Constituição do Império foram considerados cidadãos brasileiros porque nasceram no território do Brasil, tendo documento de registro nacional ou não, procuram alternativas para uma convivência mais pacífica, embora, as possíveis soluções se restrinjam às teorias: O líder indígena e presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, está convencido que o atual presidente da FUNAI, Carlos Frederico Marés, apesar dos laços profissionais e amizade com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), vai ouvir as duas correntes de pensamento indígena sobre o relacionamento entre índios e não-índios. Marés deve vir a Roraima ainda este mês. Lauro conversou com o Presidente da FUNAI, no final do ano passado, durante o encontro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), em 135. Essa divisão interna dentro das próprias famílias indígenas, sejam elas Makuxi (Karib), Wapinaxa (Arawak) ou qualquer outra, foram comentadas na primeira parte desse trabalho (XVI-XVII), no Capítulo 1, e serão retomadas no Capítulo 5. 159 Manaus (Am) e expôs seu ponto de vista sobre o processo de demarcação Raposa/Serra do Sol. Lauro ressaltou que o presidente da FUNAI não pode conduzir os destinos dos índios de Roraima ouvindo só as sugestões das lideranças do CIR que tem posições mais radicais que as lideranças da SODIUR. Para o CIR a demarcação é em área única e expulsão dos não-índios da reserva; para a SODIUR a demarcação é em ilhas e busca de conciliação entre os direitos dos índios e dos não-índios (FBV, 15 e 16/01/00, p. 7). A posição do presidente da SODIUR (Sociedade de Defesa dos Povos Indígenas Unidos de Roraima) mostra outra visão do índio de Roraima diante das mudanças políticas e econômicas envolvendo o Estado, a sociedade local e o índio, na virada do terceiro milênio. Após a Constituição Federal de 1988, o representante da FUNAI apresenta-se como um defensor dos direitos do índio (cf. arts. 231 e 232), que reconheceram o tratamento diferente entre índio e nãoíndio. Contudo, contrariando esse princípio constitucional, existem famílias indígenas integradas na sociedade nacional local que não desejam usufruir desse direito diferenciado. Esse posicionamento indígena ampliou os conflitos entre os próprios índios e atende aos interesses de certos setores da sociedade local e governamental na condução do interesse político e econômico sobre as terras dos índios como propriedade privada. Outro questionamento que tem gerado polêmica: quem é e quem não é índio em Roraima: O procurador da FUNAI/Local, advogado Wilson Précoma, pediu à Polícia Federal que investigue suposta emissão ilegal de registro de indígena para o vice-prefeito eleito de Pacaraima, Francisco Roberto do Nascimento, que não teria esse direito por não ser índio. Ele pede que o vice-prefeito responda por falsidade ideológica e que o administrador regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade Júnior, seja responsabilizado também, mas por crime de responsabilidade. Para Précoma, Francisco Roberto não é reconhecido pelas lideranças indígenas e não tem vivência entre os índios. Ao contrário, é uma pessoa de destaque na sociedade nacional/local, brilhante jogador de futebol, conhecido como “Chico do Baré”, e depois, conhecido como o Chico Roberto do Banco do Brasil, por ter trabalhado nesta instituição financeira. Para o procurador da FUNAI, a forma como são concedidos os registros para índios pode abrir precedentes para quem não é índio e tem propriedades em áreas pretendidas pela FUNAI para permanecerem nas reservas indígenas (FBV, 06/11/00, p. 4). 160 Essa polêmica reavivou o sentimento de racismo por parte da sociedade “branca” que entre os difusos interesses enxergava a presença física do índio como uma ameaça à sua posição no espaço social de Roraima. Essa questão, que parece ter trazido uma crise de identidade local, colocou em dúvida os critérios que legalizam a identidade étnica: O administrador regional da FUNAI, Martinho Alves de Andrade Júnior, respondeu ao procurador do próprio órgão que o registro emitido para Francisco Roberto obedeceu a critérios legais. “Para ser índio é preciso de duas questões básicas. A primeira é se reconhecer como índio. E a segunda é a comunidade o reconhecer como indígena.” Para Martinho Andrade, além de Chico Roberto se reconhecer como índio, a FUNAI tem uma declaração do tuxaua, que é o representante da comunidade, atestando que o vice-prefeito eleito é índio. Para o administrador regional, o tuxaua responde pela comunidade. Para ele é complicado o questionamento sobre quem é ou não índio. Há casos em que a comunidade apontou uma pessoa como índio, e a pessoa negou que era índio (FBV, 06/11/00, p. 4). Esse questionamento dos representantes da FUNAI/RR apontou para antigos mecanismos de dominação cultural “branca” sobre os índios. Fica difícil para a sociedade local (índios e não-índios) entender os mecanismos de poder que legitimam, em um processo democrático, tanto a defesa do território como a proteção de uma cultura étnica diferenciada da nacional: Francisco Roberto, vice-prefeito de Pacaraima, mostrou documentos comprovando sua descendência e o registro foi concedido em 1º de setembro, numa ação itinerante realizada em Pacaraima. Para Chico Roberto, “O Estatuto do índio diz que até a terceira geração é considerada indígena”. Contesta também a afirmação de Wilson Précoma sobre a falta de vivência indígena, e afirma ter vivido na região de Surumu onde estudou inclusive com alguns dos atuais tuxauas da região. Ficou por lá até os 15 anos de idade e veio para Boa Vista, onde passou a trabalhar no Banco do Brasil, estudar e nunca perdeu contato com os índios da região. Para Chico Roberto se o procurador da FUNAI não aceita o documento, vai ter que provar que ele não é índio (FBV, 09/11/00, p. 4). Essa discussão necessita de maiores aprofundamentos para que a sociedade local possa superar a visão etnocêntrica européia e revisar o seu próprio papel no processo histórico, sua própria vida e destino, descobrindo 161 nesse processo a cidadania ou identidade étnica136. O desafio parece ser o de amadurecer as ideais constitucionais e não o de expropriar o índio que deseja reatar relações de parentesco com a terra, resgatando o direito originário. Preocupados com uma educação indígena voltada para conteúdos programáticos relacionados à organização sócio-cultural e lingüística indígena, os líderes da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR) promoveram também um Seminário para discutir essa formação dos professores, que ensinam nas escolas da rede pública (instaladas nas malocas) e são mantidas pela Divisão de Educação Indígena (DEI/SEC) do governo estadual: No II Seminário de Educação Indígena, na Maloca Canauanin, com participação de professores do Chile, Quito, Mato Grosso e Venezuela, o professor Enilton André, Coordenador da OPIR, disse que os professores indígenas encontram dificuldades para realizar o vestibular tradicional. Uma delas é a diferença entre os critérios do vestibular e a formação dos índios que freqüentam cursos de formação diferenciada (Magistério Indígena). A legislação permite e garante ao índio uma formação diferenciada. Para o coordenador a UFRR (Universidade Federal de Roraima) não tem professores especializados na formação diferenciada para o índio, a OPIR deverá participar da seleção de professores para o curso superior, um dos critérios é o comprometimento com a causa indígena. Além do curso de Pedagogia voltado para a formação específica do índio, já há propostas para formação nas áreas de agronomia, saúde, veterinária, direito e economia (FBV, 15/09/00, p. 10). Durante essa discussão, foi analisada uma proposta de Curso Superior de Pedagogia Indígena e para alcançar esse objetivo buscaram parceria com a Universidade Federal de Roraima (UFRR). Os representantes das organizações indígenas exigiam um curso diferenciado da pedagogia dos brancos e para enriquecer tal tema, assegurando um compromisso em favor do índio, ampliaram os debates: Cerca de 400 professores indígenas que participaram do II Seminário de Educação Indígena decidiram fazer parceria com a Universidade Federal de Roraima ( UFRR) para implantação do Curso Superior de Pedagogia Indígena. O evento foi promovido pela OPIR, na Maloca Canauanin, município do Cantá. O tema principal foi discutir o ingresso de professores indígenas no ensino de terceiro grau. Foi criada uma Comissão conjunta, 136. Embora a etnia possa ser estabelecida por simples mapeamento de DNA, o “pertencimento” duplo (reconhecer-se e ser reconhecido) é a base de qualquer identidade, apesar de que ele possa tornar-se mecanismo politicamente manipulado para fins de exclusões e/ou inclusões sociais. 162 entre representantes da OPIR, UFRR, FUNAI e outras entidades parceiras, para elaboração de um projeto de criação do Curso Superior de Pedagogia Indígena. A Comissão tem até dezembro para apresentar o projeto que será analisado pela coordenação da OPIR. O Coordenador da OPIR, professor Enilton André, esclareceu que a preocupação dos professores indígenas não está restrita ao curso de Pedagogia, mas às demais áreas de estudos. “Queremos formação de qualidade em todos os níveis de ensino.” Para o coordenador, esta é a primeira vez que se discute no Brasil uma formação superior diferenciada para professores índios (FBV, 18/09/00, p. 11). Nessa linha de ação, a Organização de Professores Indígenas de Roraima (OPIR) continuou as discussões para formular uma proposta viável ao desejo de melhorar a formação dos professores que atuam nas malocas indígenas. Tais reformulações educacionais para os índios tinham como subsídios os fundamentos da Constituição de 1988, que prevê não só o reconhecimento da organização sócio-cultural dos índios como também um tratamento diferenciado para as etnias indígenas: Reunidas num II Seminário de Educação Indígena de Roraima, na Maloca do Canauanin, no Município do Cantá, as lideranças indígenas disseram que não querem somente o curso de Magistério como teto para os professores lecionarem em áreas indígenas. O coordenador da OPIR, Prof. Enilton André disse que o objetivo do Seminário foi discutir a formação universitária do professor índio. Existem 426 professores índios nas escolas das malocas de Roraima. A OPIR tem procurado habilitar os professores indígenas para pesquisar a sua própria história, discutir alternativas sociais e econômicas auto-sustentáveis para as comunidades indígenas (FBV, 19/09/00, p. 10). As discussões sobre essa proposta pedagógica das organizações indígenas, que por meio da educação desejam reorganizar/resgatar sua própria etnicidade, continuam por mais dois anos137. Elas esbarraram em normas do MEC (Ministério da Educação e Cultura) que tem dificuldades jurídicas na condução dessa questão, apesar dos cursos fundamentais e cursos médios em pedagogia já funcionarem diferenciados do nacional. 137. No primeiro semestre de 2003 o curso Superior Indígena foi implantado na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Após a realização de um vestibular específico, deu-se início a primeira turma. Esse tema será retomado no Capítulo 5. 163 FIGURA 06 II Seminário de Educação Indígena de Roraima, realizado durante Assembléia Indígena. O tema principal foi a “formação superior de professores indígenas”. Foto: Folha de Boa Vista, 19/09/00, p.10. Aproveitando o evento indígena de discussão educacional, o governador de Roraima pronunciou-se afirmando que: Pretende criar um Instituto Superior de Ensino para preparar o professor para as escolas de Roraima. Durante o encerramento do II Seminário de Educação Indígena de Roraima, na Maloca Canauanin, no Cantá, o Governador disse aos participantes do Seminário que o Estado tem interesse na formação do professor índio e que a OPIR está convidada a fazer parte da equipe que está discutindo a formação do Instituto. O instituto tem a coordenação de uma equipe da França em convênio com o Instituto Francês. Para Neudo Campos, os índios terão papel importante na formação do Instituto e afirmou que terão vagas em cursos diferenciados. O governador disse que “Sou Macuxi, nasci aqui, e não vou sair daqui. Mas sei que tenho esse compromisso com a preparação do futuro de Roraima, que está na educação, uma educação de qualidade, que prepare o nosso aluno de forma a que ele pense no futuro de Roraima” (FBV, 19/09/00, p. 10). Apesar de algumas alterações nos mecanismos do sistema político estadual em favor do índio, percebeu-se o comportamento ambíguo do executivo estadual por meio de seu discurso: “Sou Makuxi...”. Essa fala, sustentada na relação de domínio, com mecanismo estratégico da “máquina” de fazer política, mascarava o conflito (índios e não-índios) e o interesse de ordem política e econômica. Ao 164 apropriar-se da identidade Makuxi (maior contingente étnico no Estado, cf. Quadro 01, acima, p. 136), no sentido amplo de “ser índio”, o governador nega aos demais grupos étnicos a possibilidade de convivência plural, num mesmo território, de sistemas políticos jurídicos diversos, já que privilegia a etnia majoritária. O discurso do governador de Roraima nos mostra, justamente, a manipulação do “pertencimento” mencionado no texto acima. Em forma muito resumida e simplificada, podemos dizer que, aos olhos da sociedade nacional local, tornou-se difícil compreender a transição entre a prática de pacificação indígena (eliminação da identidade do índio) por uma política de reconhecimento sócio-cultural indígena. Dentro do histórico da situação dos índios, aos olhos das lideranças indígenas, não ficou claro porque as terras não são demarcadas e porque também são disputadas pelo governo de Roraima. FIGURA 07 Os índios reivindicam homologação da Reserva Raposa/Serra do Sol em área única. Manifestação na Maloca Maturuca. Foto: Folha de Boa Vista, 28/12/98, p.04. 165 Um número crescente de perguntas sem respostas vai ampliando esse contexto: quem está conduzindo o interesse na omissão do governo federal e estadual e quais são as forças políticas que protegem os omissos? Por que os projetos de segurança para a Amazônia, a presença do Exército e da Polícia Federal não conseguem impedir que as mineradoras se instalem nas terras indígenas e nelas permaneçam? 2.5. Ação do Estado, organização e reação da sociedade não-indígena A luta dos índios contra o totalitarismo “branco” e a defesa de seus direitos dentro do Estado roraimense foram os elementos centrais de inquietação da elite social e política local, nas duas últimas décadas do século XX. Tais elementos, com propostas de redefinição territorial, assumindo diversificadas posturas dos habitantes de Roraima (índios e não-índios), ligados a diferentes relações culturais e econômicas com a terra, aglutinaram determinados setores da sociedade não-indígena de Roraima em torno de um ideal político comum à oposição ao movimento em favor do índio, que estava, cada vez mais, ocupando espaços na mídia e nas discussões teóricas. Nesse panorama social de encontros interculturais, com diferentes concepções econômicas de posse da terra, a sociedade roraimense, por meio de suas lideranças e representantes políticos, mostrou reações contrárias em relação às propostas138 de posse e uso dos recursos naturais pelos índios, que foram 138. As ONGs indígenas vinculadas ao Conselho Indígena de Roraima defendem uma política de reconhecimento e respeito da cultura e da língua indígena (pró-tradição). A tomada de consciência da identidade étnica denotou o fortalecimento prioritário na demarcação das terras indígenas em área única e da expulsão dos não-índios da reserva demarcada. Ao contrário dessas ONGs, existem ONGs indígenas não vinculadas ao Conselho Indígena de Roraima que defendem a demarcação das terras indígenas em ilhas e o respeito à posse dos nãoíndios na região, como também parcerias em projetos de desenvolvimento governamental (pró-nacional). Além disso, mais de 70% das terras do Estado pertencem ao domínio da União como: IBAMA, INCRA, EXÉRCITO, FUNAI. Nesse contexto de indefinição fundiária, nem o Estado e nem a sociedade local conseguem atrair verbas para seus projetos seja na área social, econômica ou cultural. Esse assunto será retomado no próximo capítulo, item 3.2. 166 identificados como “bode expiatório” das atuais condições políticas econômicas do habitante de Roraima. Para a elite social local139, essa condição de pobreza no Estado, desencadeada pela indefinição latifundiária causou o impedimento da não exploração dos recursos naturais, privou a região de um desenvolvimento que melhorasse o orçamento estatal e a distribuição de renda social local. Mediante a disputa, a questão étnica transformou-se no tema polêmico entre o Estado e a sociedade de Roraima. Tal problemática étnica, que se fez presente em vários momentos do processo histórico da região, nutre, no seu interior, tensões sociais no gerenciamento da diferença cultural, nos mecanismos de partilha política e econômica de um novo espaço de poder policêntrico, que o movimento de redemocratização do país, nas duas últimas décadas do século XX, colocou como desafio à sociedade roraimense do tempo presente. Conjuntamente ao movimento de reação dos índios em favor de seus direitos, o fortalecimento de oposição liderado pela sociedade não-indígena unificou interesses do governo estadual e dos setores representativos da sociedade roraimense. Instrumentalizados com as benesses da máquina de fazer política governamental, esses representantes conduzindo o monopólio e o poder da política local, apontaram propostas alternativas de desenvolvimento e buscaram recursos para definir a questão fundiária de Roraima, mas sem sucesso: Ao assumir o seu segundo mandato o Governador de Roraima, Neudo Campos (PPB), afirmou, durante o discurso de posse, que irá devolver o emprego aos que foram demitidos do Estado e dar àqueles que não o tinham, só que na iniciativa privada. (...) que vai buscar investimentos para trazer indústrias de outros estados para que se instalem em Roraima e reforçou que vai privatizar principalmente a CODESAIMA (Companhia de Desenvolvimento de Roraima). (...) vai fechar, definitivamente, os órgãos que representam uma sobrecarga demasiado pesada para dar prioridade aos seguintes setores: Educação, Saúde, Segurança, Bem-Estar e adotar políticas de estímulos à Agricultura, Indústria, 139. Esse grupo social de poder político e econômico, partilhando dos privilégios da esfera governamental, é constituído por descendestes dos pioneiros “brancos” e de novos grupos imigratórios que chegaram após os anos de 1970: nordestinos, sulistas, do centro-oeste, sudeste. Grande parte desse novo contingente tem escolaridade universitária, são micro-empresários, profissionais liberais ou fazendeiros. 167 Comércio e Turismo. (...) Para alcançar essas metas, o governador disse que a infraestrutura básica como o asfaltamento da BR-174 e a energia de Guri (Venezuela) são essenciais. (...) o comércio roraimense precisa romper as divisas em direção a República da Guiana. (...) a bancada federal apresentou emenda de R$ 18 milhões para que o 6º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) pavimente a BR-401, do quilômetro 100 até Normandia. “Precisamos conquistar e nos integrar com a Guiana, Paramaribo e Guiana Francesa”, afirmou. A questão indígena é colocada por Neudo Campos como um dos empecilhos, principalmente a demarcação da Raposa/Serra do Sol, em área única e a desapropriação das propriedades da reserva São Marcos. As demarcações, segundo ele, estão sendo tratadas pelo Governo na esfera judicial “para que não se cometam os exageros praticados de forma unilateral quando da demarcação da reserva Yanomami” (FBV, 04/01/99, p.03). A mistificação do interesse relevante para o desenvolvimento do Estado e o bem-estar da sociedade local é flagrante, principalmente, no momento de explicação das propostas governamentais pelo Executivo local, registrados no texto acima. Os discursos do governador mudam segundo a platéia (índios e nãoíndios), utilizando idéias e justificativas, cujo traço comum não revela o desejo, economicista e eleitoreiro, da posse e exploração da terra em nome do povo e do interesse de Roraima. Essa abordagem etno-histórica marcada pela defesa da definição fundiária e redefinição geopolítica em Roraima foi também o principal enfoque no discurso de posse dos Deputados Estaduais, nesta 3ª administração Legislativa do Estado140. O Deputado do PFL, Iradilson Sampaio, fez um caloroso discurso em nome dos deputados que se reelegeram, tecendo elogios sobre a imagem dos “bravos pioneiros colonizadores” e comentando que a demarcação em área contínua da Raposa Serra do Sol maculava os acontecimentos do “processo histórico do recente passado”. Segundo o parlamentar, o governo federal deveria reorientar a problemática fundiária no Estado, adotando um programa inspirado nas reivindicações do povo roraimense, principalmente nos setores econômicos, segurança e descentralização estatal. 140. Representantes políticos, eleitos no pleito eleitoral de 1998, tomaram posse no dia primeiro de janeiro de 1999, para o período de 1999-2002, prometendo resolver a questão fundiária. Nos Capítulos 4 e 5 esse tema será retomado. 168 Com o objetivo de auxiliar no acompanhamento do caso em questão (Raposa/Serra do Sol) foi criada uma Comissão da OAB/Local (Ordem dos Advogados do Brasil), tendo como presidente Silvino Lopes, e mais os membros Hitler Lucena e Alcides Lima. Em depoimento oferecido à comissão, o rizicultor Paulo César Quartiero disse: Estamos aqui em Roraima gerando emprego e pagando todos os impostos durante 21 anos de trabalho e vem um arrastão da FUNAI que não dá nenhuma chance de individualidade e particularidades do Estado (FBV, 07/01/99, p. 04). Mediante tal situação, para a FUNAI, a posse de um território pelo índio é condição coletiva à sobrevivência étnica, inclusive ao que diz respeito ao sepultamento dos parentes, pois a terra está coesa aos seus ritos e mitos de fé. Para o não-índio que está na região há 21 anos e paga imposto a relação com a terra é de negócios, de propriedade, onde a terra de sepultamento de seus familiares pode ser trocada de dono na relação comercial de domínio governamental. A respeito do processo de demarcação da reserva indígena da Raposa/Serra do Sol, o advogado Hitler Lucena fez o seguinte comentário: A demarcação foi feita de “cima para baixo” porque seria uma imposição de países como Inglaterra e Estados Unidos. Essa demarcação sempre teve um aparato de entidades ambientalistas e organizações anglo-americanas (FBV, 07/01/99, p. 05). Isso significa que se desloca, portanto, a responsabilidade de opção, atribuindo-as às forças estrangeiras e não as decisões “nossas”. Entretanto, surgiram manifestações populares coordenadas por representantes políticos e dos setores econômicos, com discursos proferidos de forma simplista, reduziam a problemática social, política e econômica do Estado a esse conflito entre minoria indígena e maioria não-indígena. A reação da sociedade não-indígena habitante de Roraima revela-se como um sintoma do tempo presente e indicador da necessidade de uma mudança não só teórica, mas prática desse sistema político, social e econômico de grande 169 importância para a derrocada da cultura paternalista estatal, que impede a concretização do que diz a lei maior. Apesar da retórica do respeito ao pluralismo sócio-cultural e reconhecimento do direito de posse da terra pelo índio, é visível a forma de “apartheid”, que mantém distante da partilha política estatal os índios contrários ao processo “aceitável”141 de integração na sociedade nacional. FIGURA 08 Manifestação por não-índios contra a demarcação Raposa/Serra do Sol, na praça do Centro Cívico, em Boa Vista. Protesto de empresários com distribuição de carne e arroz para os populares. Foto: Folha de Boa Vista, 08/01/99, p. 05. Diante do que já foi exposto, podemos considerar que essa diferença cultural do índio, na formação da sociedade brasileira, assumiu formas confusas numa situação de mistura racial que tradicionalmente foi incorporada nos discursos governamentais de “espírito igualitário”. Nesse processo, tal como no 141. Estamos falando sobre o processo de “civilização” que introduzia o índio na sociedade como “brasileiro-nato”. Apesar do processo apresentar o índio como um membro natural da sociedade nacional, essa convivência entre “brancos” e índios mostrou-se não salutar aos povos indígenas. 170 passado, em que o Estado e a sociedade não aceitam o outro que é diferente, o índio deverá perder seu referencial étnico, abandonando a idéia de reivindicação identitária cultural diferenciada que gerou, nos últimos vinte anos do século XX, violentos conflitos sociais e incertezas políticas econômicas no processo de formação do Estado, da normatização dos direitos e do exercício democrático. Desta maneira, o êxodo rural indígena reforçou a seguinte idéia de alguns segmentos da sociedade local: “há muita terra para pouco índio”, sem compreender o processo de migração indígena para o centro urbano, os discursos e propostas de solução desse conflito tornaram-se incompreensíveis: como grupos sociais, políticos, religiosos que atuam na sociedade local trabalham os fundamentos constituintes previstos para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária? 2.6. Povoamento e meios de comunicação Paralelo às mudanças sócio-culturais e políticas na região do Rio Branco, no campo da comunicação, os serviços de correios e telégrafos se fazem presentes nessa região desde o final do século XIX, quando da instalação do município de Boa Vista. Hoje, a agência principal dos Correios (EBCT – empresa brasileira de correios e telégrafos)142 está localizada na praça do Centro Cívico (a praça que aglomera as edificações de poder estatal e religioso). A Companhia Telefônica de Roraima (CTR), que inaugurou os serviços de telefonia, foi criada em 1966. Em 1972, a Lei Federal 5.792 (11/julho/1972) incorporou a Companhia no Sistema Nacional de Telecomunicações (Telebrás), sendo denominada de Telaima (Telecomunicações de Roraima Sociedade Anônima). 142. Até a década de 1970, a figura do operador de telégrafo era fundamental nesse processo de telecomunicações em Roraima. O Telex foi um serviço muito utilizado nesse sistema de transmissão e recepção de mensagens escritas. 171 Mas foi o rádio que exerceu grande importância no processo histórico de comunicação na bacia do Rio Branco. A primeira emissora de radiodifusão sonora de Boa Vista surgiu na década de 1950. Era a Rádio Difusora de Roraima, com capacidade de 1 KW, que levava ao ar programas musicais, sentimentais, educativos, noticiosos e outros. Acompanhavam-se, ainda, pelo rádio143, as notícias do mundo através da “Hora do Brasil” e da BBC de Londres. Até o início da década de 1970, o meio de transporte mais importante que ligava Roraima às outras regiões do Brasil eram transportes fluviais, que percorriam o caminho das águas (Branco, Negro, Amazonas, Atlântico). No trecho entre Manaus e Boa Vista eram utilizadas as balsas e pequenas embarcações por causa das cachoeiras e corredeiras que dificultavam a navegação. Esse traçado acidentado da rede hídrica roraimense não permite navegação de embarcações de grande porte e, em conseqüência, o único porto fluvial existente na região está localizado em Caracaraí e está em más condições. Durante o período das cheias, pequenas embarcações chegam até Boa Vista, no “Porto do Cimento”. A comunicação por meio de transportes aéreos para Boa Vista tiveram início nos anos de 1920. Nesse período, foram registrados os primeiros vôos realizados por missões militares. Contudo, o maior destaque ficou para o hidroavião da expedição de Alexander Hamilton Rice, que em 1924 sobrevoara a região efetuando estudos de reconhecimento. Essa expedição exploratória popularizou, em Roraima, a primeira foto aérea da pequena cidade de Boa Vista com suas três principais ruas paralelas ao Rio Branco (Figura 09). 143. Hoje, o rádio continua a ter importância no Estado, mas a estação de TV Roraima (Canal 4. funcionando desde 1974 e oficialmente inaugurado em 1975) vem ampliando sua influência sobre a maneira de ser e viver do morador da bacia do Rio Branco. Até o ano de 1987, a TV Roraima foi a única estação de televisão na região a retransmitir quase toda a programação da Rede Amazônica e Rede Globo. Hoje, operam: TV Boa Vista (Rede Manchete), TV Tropical (Rede Tropical e SBT), TV Caburaí (Rede Bandeirantes), TV Diamante (Rede Record), TV Makuxi (universitária-TVE) (cf. Ambtec, 1993:158). 172 Os registros sobre os primeiros vôos comerciais entre Boa Vista e Manaus e para os países vizinhos (Boa Vista/Georgetown, na Guiana; Boa Vista/Caracas, na Venezuela) são dos anos de 1970. Nesse contexto aéreo, a empresa Cruzeiro do Sul que foi substituída pela Varig144 estabeleceu vôos regulares ligando Boa Vista as outras regiões do Brasil. Ainda nos anos de 1970, foi inaugurada a rodovia BR-174145 ligando Boa Vista a Manaus e Caracas, construída na direção norte e sul de Roraima e seguindo a rota fluvial do Rio Branco. Para ligar o município de Boa Vista à Guiana foi construída a BR-401. Não existe uma rede ferroviária na Região, mas a partir da construção das rodovias federais foi possível conectar diferentes estradas e caminhos estaduais criando um sistema rodoviário que aumentou o fluxo de transporte e pessoas nessa região. É importante acrescentar que o governo de Roraima buscou integrar-se na malha viária nacional, com propósito de aumentar as benesses da população branca e dos negócios comerciais. Sem clareza nos objetivos de desenvolvimento para a Amazônia, desde o governo militar do pós-1964 através do PAEG (Programa de Ação e Estratégia do Governo) e do PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) enfatizava a necessidade de correntes imigratórias no povoamento de regiões fronteiriças “desabitadas”, estabelecendo a integração e a soberania nacional. Dentro desse enfoque, o plano econômico seguia a meta da integração dos mercados (regionais/nacionais) aproveitando as hidrovias e as rodovias, favorecendo a comunicação e a segurança do país (cf. FREITAS, 1991:71/76). 144. No final da década de 1980 e começo de 1990, as empresas aéreas Transbrasil e Vasp tentaram operar nessa linha comercial roraimense sem sucesso. A Varig continua até o atual momento (2003) como a única empresa monopolizadora do transporte de passageiros de Boa Vista. Apesar disso, existe um fluxo de pequenos aviões tanto de particulares como de empresas de táxi-aéreo na região. 145. Essa rodovia federal, com 1.000 km em território brasileiro e 800 km em terras venezuelanas, liga Boa Vista à cidade portuária da Venezuela, Puerto Ordaz, em conexão com os países caribenhos, Estados Unidos e Europa. 173 Tais medidas serviram para, além de assegurar a conquista e a defesa, fomentar as atividades agro-industriais (fábrica de rações e indústrias processadoras de alimentos e refrigerantes) explorando as matérias primas da região. Serviram, também, para o levantamento de dados relativos aos problemas fundiários, promover uma política de colonização (novas correntes imigratórias) que organizasse e mantivesse os antigos e os novos núcleos agrícolas (que produzem milho, arroz, feijão, banana, mandioca, soja, etc.) sem esquecer a pecuária que auxiliou na unificação da cultura luso-brasileira. Essa ação do governo de Roraima em parceria com o governo federal, ampliando a rede viária estadual/federal com o objetivo de revalorizar a terra e consolidar a meta geopolítica de integração e soberania nacional (com o auxílio e modernização das comunicações e dos transportes) favoreceu a incorporação dos novos contingentes imigratórios (não-indígenas e indígenas) que foram reabsorvidos num espaço social mais homogêneo. Tal ação política de tradição coronelista, fortalecedora do poder governamental frente às lideranças e elite social local, deu continuidade à estrutura agrária arcaica por meio dos novos assentamentos agrícolas. Alguns desses assentamentos tinham irrigação mecanizada, para o cultivo de grãos, sendo a soja e o milho os líderes dessa produção. Após o exposto, pode-se dizer que o índio era como joguete indefeso de uma estrutura social poderosa que o manipulava em função de seus interesses. Ora era visto como parte da natureza (séculos XVI-XVII), ora como propriedade associada à terra e, portanto, escravizado a quem a explorava economicamente (séculos XVIII-XIX). Desde o início do século XX até 1988, o índio era observado como parte integrante do todo nacional e, de 1990 ao início do século XXI, para alguns segmentos sociais como empecilho ao “desenvolvimento”. 174 CAPÍTULO 3 A gênese do Estado: do Território Federal à Constituição Federal de 1988 O cenário brasileiro dos anos de 1920 até os iniciais de 1940 apresentou bruscas mudanças na sua trajetória político-social: o Tenentismo, a formação da Aliança Liberal, o movimento Revolucionário e o golpe de Estado, todos defensores de um conjunto de propostas de transformações sociais empenhados na disputa do poder central do Brasil. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro delimitou suas fronteiras em expansão e construiu o seu território, restando porém a necessidade de sua ocupação efetiva. Na ocasião, o Brasil, teoricamente uma federação, funcionava na prática como uma república unitária, na qual os Estados fracos estavam praticamente à mercê do governo federal (SOUZA, 1971). Tal governo tinha no seu interior uma combinação de aspectos progressistas, industriais, liberais, conservadores e militares, integrando instrumentos políticos que resultaram em novas medidas sócio-políticas e governamentais para a região amazônica. Na segunda metade da década de 1930, a equipe de poder administrativo do Presidente do Estado Novo defendia o controle sobre o território brasileiro e, especificamente, aquele relacionado à Amazônia. A instabilidade política e as crises financeiras internacionais causadas pelo início da II Guerra Mundial (os interesses e as relações de dependência na Era Vargas entre os grupos financeiros e a burguesia do café) impulsionaram a retomada de discussões sobre as fronteiras amazônicas. Estabeleceram-se, portanto, novos mecanismos nesse projeto político, oriundos, também, do desejo dos representantes intelectuais de construir uma 175 identidade nacional. As bases desse projeto eram “integração racial e reforço da unidade territorial” (CAPELATO, 1998). Além disso, os políticos aspiravam justificar a ocupação e a integração das terras “desabitadas”, as quais eram já tradicionalmente ocupadas por outras etnias (DIEGUES, 2001). Esse modelo unificador de tendência política e econômica trouxe à tona antigo conflito em relação ao território e às fronteiras nacionais. Essas terras eram vistas como possíveis espaços de exploração capitalista estrangeira, que estava aliada a grupos nacionais. Difunde-se a necessidade de unificação tanto da sociedade brasileira quanto do seu território e a compatibilização dos interesses em prol do desenvolvimento e da soberania nacional, sob a égide do governo federal: O nacionalismo brasileiro, de caráter sociológico positivista, forneceu instrumental para explicar e apontar soluções para os problemas de natureza racial/étnica e de ordem material relacionada ao desenvolvimento econômico. Nos anos 30, as teses raciais foram associadas a um projeto de tentativa de recuperação do homem do campo, que se dirigia para a cidade em virtude do grande êxodo rural ocorrido no período. No discurso nacionalista, a figura do caboclo, sertanejo, jeca-tatu, caiçara, caipira, variantes da imagem do elemento rural (...), até então depreciado, passou a ser visto como cerne e vigor da raça (CAPELATO, 1998:216-7). O texto acima utiliza idéias marcantes do conflito amazônico, como os problemas étnicos enfrentados pelo Estado-Nação e pelos representantes da elite política e econômica, especificamente, pelos líderes do município de Boa Vista do Rio Branco. Estes tentavam soluções para uma sociedade (índios e nãoíndios) cujos interesses e posições ideológicas eram encaminhados segundo o desejo do momento e nem sempre respeitavam as normas oficiais do país em relação à situação e ao reconhecimento do direito territorial do índio. Nessa construção da sociedade e do Estado no governo Vargas, Capelato (1998) apontou para uma das preocupações do projeto do Estado Novo com os problemas da etnicidade e do desenvolvimento. Tal projeto tinha como um de seus objetivos a recuperação do homem do campo/natureza, fixando-o na região 176 de fronteira e valorizando elementos da cultura rural. Boa Vista do Rio Branco, que na década de 1930 era município do Amazonas, constituiu-se em importante pilar da construção da nova identidade nacional “coletiva”. O projeto do Estado Novo, com discurso nacionalista, valorizou a figura do “caboclo” que nesse município nada mais era do que o “índio pacificado”, transformado em peça fundamental na defesa da fronteira nacional. Esse projeto fortalecia a urgente “necessidade de se criar um Estado forte”, sempre ameaçado por interesses de grupos internacionais associados com corruptos locais/nacionais (LAUERHASS, JR., 1986:83-84). Com base nessas aspirações, a criação de novos Territórios Federais iria garantir tanto o povoamento das áreas “desabitadas”, quanto o controle do Estado brasileiro de suas áreas fronteiriças, um dilema recorrente desde o século XVIII. 3.1. Rio Branco, a criação do Território Federal O Estado Novo usou o discurso propagandístico da “Segurança Nacional”, mostrando interesse na redivisão e ocupação do território amazônico. Esse discurso apontou para a necessidade de povoamento e colonização desse território brasileiro e revelou, em nome do Brasil, interesses pessoais alojados no próprio poder central: O Estado que nasce em 1930 e se configura ao longo da década deixa de representar diretamente os interesses de qualquer setor da sociedade. (...) O Estado encontrará condições de abrir-se a todos os tipos de pressões sem se subordinar exclusivamente aos objetivos imediatos de qualquer delas. (...) O governo assume o papel de árbitro das diferentes disputas locais, embora dependa das novas oligarquias que se vão formando ou sobem ao poder, sobretudo nas regiões mais atrasadas (FAUSTO, 1971, 253-254). Nesse contexto de interesse do Estado pela integração nacional, apareceu o medo do governo brasileiro de perder a Amazônia para estrangeiros que clandestinamente exploravam a região. Esse medo tinha como base as supostas 177 informações de colaboração indígena e conivência das autoridades corruptas locais com os grupos internacionais. A Amazônia estaria perdendo sua riqueza vegetal e mineral (FERREIRA, 1994:100-101). Assim, podemos dizer que se fundamentou a idéia constituída pela “união perpétua e indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Territórios em Estados Unidos do Brasil”146, buscando-se novas armas teóricas e legitimidade jurídica no programa de povoamento e defesa fronteiriça brasileira. Para isso, a criação dos Territórios Federais147 foi considerada como peça importante nesse mosaico sócio-político brasileiro da terceira década do século XX. O governo precisou rever seus mecanismos políticos para conservar unificado o imenso corpo físico e cultural da Nação brasileira. Essa proposta tinha como apoio os princípios enunciados na Constituição Federal de 1937, que propagava fundamentos de interesses voltados para a ocupação e a defesa do território nacional. Tais questões subjacentes à problemática de regulamentar e instaurar a unidade brasileira fez parte, também, do antigo e sutil objetivo militar-administrativo proposto pelo programa governamental do período colonial e que se estendeu até a Primeira República na incorporação da bacia do Rio Branco: uma imigração “branca”, que estabeleceu procedimentos de “civilidade”, eliminando qualquer vestígio indígena/“nãocivilizado”. Contudo, tal proposta tinha como apoio a mão-de-obra do índio, que participaria da construção de um espaço social direcionado para defender a terra em favor do Estado Luso-brasileiro. 146. Esse enunciado, previsto no artigo primeiro da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, não previa a criação de novos Territórios Federais (na época só existia o Território do Acre). Mas, como foi usado o plural (Territórios), revelou-se a constante preocupação dos constituintes em manter a forma de governo controlando por meio da ocupação o território unificado, que desde o século XIX vivia conflitos nas suas fronteiras sempre em litígio. Tal preocupação do governo Vargas se fez presente, também, nos governos coloniais (Constituição de 1824 e a unificação das províncias) e da Primeira República (Constituição de 1891 e a unificação dos Estados) (cf. FREITAS, 1991; MARÉS, 1999). 147. A noção de Território Federal, com administração controlada pelo poder governamental central, surgiu com a incorporação do “Estado Independente do Acre”, após negociações diplomáticas com a Bolívia. Isso fez aumentar a expansão territorial do país e a defesa de uma longínqua fronteira, dando subsídios políticos e jurídicos para que o presidente do Estado Novo repensasse a divisão geopolítica do Brasil (cf. FREITAS, 1991). 178 Desse modo, a idéia de ocupação dos espaços amazônicos “vazios” ou “desabitados” determinava a antiga concepção dos conquistadores ibéricos: índio e terra estavam coesos na visão de mundo natural/selvagem, que deveria ser apossado e cristianizado. O Estado mostrou um discurso elitista em relação ao trabalho do índio, ora exaltando-o como “civilizado” e ora considerando-o como um canibal/“selvagem”. Nessa experiência de amor e ódio do Estado com relação ao índio, protegendo-o ou escravizando-o, a Constituição do Brasil de 1934 definia no Art. 129 princípios de direitos para os índios: Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934. Apud. MARÉS, 1999:66). Esta Constituição identificava o índio como “silvícola” (sem Estado, sem organização sócio-cultural), concedendo-lhe o direito de posse da terra, vista como “abrigo” fixo148 e destinada ao uso exclusivo dos índios. Nesse texto constituinte, o índio não era visto como um elemento étnico distinto, mas como um “habitante da selva”, que teria a posse da terra desde que dela não saísse. Tendo a posse e não a propriedade, o índio não possuía o direito efetivo à terra. Ele era considerado “hóspede” do Estado proprietário e era usado como “fronteira viva”, como guardião do território nacional. A Constituição brasileira de 1937 forneceu ao governo Vargas instrumentos de poder político que permitiram a centralização do governo e a implantação do projeto de integração nacional. A relação político-jurídica entre o Estado e os índios não foi alterada nessa Constituição, pois conservou no artigo 154 a mesma redação constitucional posterior. 148. A faixa de terra habitada pelo índio não é igual ao território circundante da fazenda, pois a idéia de espaço-social do índio é distinta do espaço-social do branco. Daí o Estado prendera o índio, na forma da lei e no interesse da soberania da Nação, fixando-o numa faixa de terra limitada. 179 Durante o governo militar, em 1967, quando foi extinto o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), o governo federal incluiu entre os bens da União as “terras ocupadas pelos Silvícolas” (cf. MARÉS, 1999) e criou a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) para gerenciar as questões indígenas. Essas características ambíguas na relação política entre Estado e índio marcaram as propostas para o planejamento de políticas públicas e a criação dos Territórios Federais durante a gestão do Estado Novo149, conforme a perspectiva de metas do Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional, de 1939. A organização e a prática desse plano definiram formas para promover a ocupação e a defesa do território nacional, respeitando os princípios da Constituição de 1937. Não faremos uma discussão comparativa sobre o entendimento de “Território” de domínio federal ou de domínio estadual no Brasil e em outros países, embora tenhamos conhecimento de Constituições de Estados com organizações federadas sem uma rigidez nas alianças das unidades federativas, como o modelo norte-Americano. Na Argentina, por exemplo, a figura do “Território”, governado sob o poder Central em concordância com o Senado, teve representação num curto estágio pelo qual passaram algumas regiões, antes de se transformarem em províncias (TEMER, 1975). Nesse sentido, os problemas do município de Boa Vista do Rio Branco foram transferidos do Estado do Amazonas para o poder central instalado no Rio de Janeiro. O Presidente Getúlio Vargas, em 1943, assinou o Decreto Lei n. 149. As idéias que serviram de base ao Estado Novo já tinham animado discussões teóricas politicamente representadas em imagens, gestos e ritos, durante a “Semana de Arte Moderna” realizada por artistas brasileiros, no Teatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922. Na referida “Semana”, iniciou-se um discurso ideológico e um movimento de reconstrução da identidade brasileira, da busca de uma “cor nacional” que simbolizasse o povo brasileiro. As escolhidas foram: o “verde” das florestas e o “amarelo” simbolizando as riquezas da “mãe pátria”, especialmente o ouro. Figuras populares (caipira, caboclo e índio) foram exaltadas como elementos da cultura nacional. Nesse sentido, tal discurso ideológico e imagens idealizadas da figura do índio, também, foram usados e glorificados no Estado Novo. As figuras populares e indígenas foram cantadas por meio do “canto orfeônico”, disciplina obrigatória nas escolas públicas até os anos 50, unificando as diferentes vozes em “coro nacional”. 180 5.812, criando os territórios do Amapá, Rio Branco, Guaporé (Rondônia), Iguaçu e Ponta Porã, os dois últimos extintos pela Constituição de 1946 (CAVALCANTE, 2000). Essa medida governamental resultou na criação do Território Federal do Rio Branco em 13 de setembro de 1943, assim denominado graças ao curso d’água que banha a cidade de Boa Vista. No entanto, em decorrência da coincidência toponímica entre esse Território e a capital do Acre, em 13 de setembro de 1962, o seu nome foi mudado para Roraima150. A proposta de instauração do Território Federal, do presidente Getúlio Vargas, considerou vital para o desenvolvimento econômico o povoamento que recuperaria e integraria o índio à sociedade nacional. Assim sendo, a ordem geopolítica e a exploração dos “sertões” do Rio Branco, como base para fixar o “civilizado” nessa terra distante e hostil, favoreceria a integração e a defesa dessa fronteira que definiria o território nacional. O presidente prometia que todos os brasileiros participariam dessa nova ação estrutural do sistema político do Estado Novo. Afirmava o governo: “todos são iguais; o que vem do povo brasileiro é bom”. Esses foram os lemas dos projetos educacionais que partiam do tom patriótico ordenando a unificação cultural brasileira sob a “batuta” do poder central (cf. OLIVEIRA, 1991:36-7). Sob essa perspectiva, o governo do Território Federal do Rio Branco reativou, na virada dos anos de 1940 para 1950, programas de desenvolvimento tanto urbano como rural: as novas construções públicas, a reforma urbanística, incentivos ao comércio e à agropecuária. Essas propostas faziam parte das metas governamentais instituídas no planejamento das políticas públicas, que foram apoiadas na Constituição Federal de 1937. Observou-se, no conteúdo político 150. Roraima é o nome do monte mais expressivo da região, localizado na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. A troca do nome se deu por causa dos transtornos causados no envio, muitas vezes para o lugar errado, de correspondências ou cargas com destino ao Rio Branco (capital ou Território?), como também do embarque de passageiros, em Manaus, com destino ao Rio Branco, que, chegando à localidade descobriam frustrados que estavam no “Rio Branco” errado (cf. OLIVEIRA, 1991:9). 181 dessas propostas, a idéia de “conquista” e defesa dos limites fronteiriços da nação brasileira. Para implementação dessa ação, o governo do Território Federal recrutou, para os trabalhos rurais e de mineração, toda a população indígena que ainda se fazia presente nesse contexto amazônico151. Com isso, novas estratégias foram formuladas para a caça ao índio. Os ideólogos do Estado Novo e o próprio governo federal demonstraram interesse na valorização da imagem do índio, que atuaria como uma defesa da fronteira amazônica. O discurso político da administração era favorável aos índios, mas na prática não o era. O Estado via o índio como mão-de-obra sempre disponível, tomando como justificativa a defesa do Estado e dos valores nacionais. Nesse caso, as instruções de defesa da terra eram mais destacadas do que um efetivo desenvolvimento sócio-ambiental dessa região fronteiriça que pudesse beneficiar a população local. Acompanhando esse pensamento, podemos dizer que a formação do Território Federal do Rio Branco firmou-se em três pressupostos: a) defesa da terra; b) povoamento; c) civilizar o índio. O projeto político do Estado Novo de transformar o índio naquele que é ideal e forte152, possibilitou, teoricamente, a valorização do índio como elemento importante da construção e delimitação dessa fronteira amazônica. Contudo, o projeto não reconhecia o próprio direito indígena, ligado à noção de “família étnica” ou de “coletividade indígena”, que deveria ser abandonada ou eliminada. 151. As primeiras notícias sobre a abundância em ouro e diamantes foram divulgadas na década de 1930. Durante a fase de criação do Território Federal, a região contava com um grande contingente de garimpeiros que, auxiliados pelo trabalho do índio, desenvolviam a mineração. Como exemplo, no ano de 1943, a produção de ouro e diamantes representou cerca de 59,6% do valor total da produção, enquanto que a pecuária contribuiu com 26,8% desse total. Esse tema foi abordado no Capítulo 2, no item 2.2. 152. Na imagem idealizada pelo romantismo brasileiro, veiculada durante o século XIX, o índio era visto como herói, modificado e “civilizado”, nos personagens de José de Alencar e Gonçalves Dias. 182 Assim, as diretrizes da política indigenista do SPI pareceu atuar de forma expressiva na transformação do índio em branco, auxiliando e legitimando a proposta de unidade nacional, que fez parte dos fundamentos e das justificativas dos projetos de ação da era Vargas, tanto da política federal como da local. Essa sistematização e eliminação da figura do índio na região foram peças fundamentais na aplicabilidade da fórmula do projeto pedagógico para o território nacional: Nesse contexto de preocupações com a formação da nova identidade política, a educação foi considerada como elemento prioritário para a introdução de valores criados para conformar a identidade nacional coletiva (...) A composição dos livros didáticos passou a ser orientada pelos objetivos estabelecidos pelo novo regime em relação ao papel da educação (...) (CAPELATO, 1998:218). Na visão do projeto pedagógico, que associava ao índio valores patrióticos, o essencial era diminuir as diferenças culturais integrando todos (índios e nãoíndios) ao projeto de unidade nacional de concepção humanista em que os sinais da Segunda Guerra Mundial conduziam novos posicionamentos nas relações internacionais, alterando o cotidiano nacional e cobrando uma posição do governo Vargas, dadas as circunstâncias do momento. Posteriormente, a Constituição brasileira de 1946, enunciando ideais democráticos, manteve, em parte, a situação do Estado Novo, embora tenha feito certas mudanças, como eleições livres e garantias individuais (DEUS & BERCITO, 1999:69). Do ponto de vista jurídico, o direito do índio seguia as mesmas orientações constitucionais passadas (1934, 1937, 1946) e, na prática, a memória histórica do índio era folclorizada ou idealizada na figura do hospitaleiro, do “caboclo” usado como mão-de-obra disponível para todos os serviços. Caracterizado pela absoluta centralização do poder e tendo os Estados Unidos como referência, o projeto do governo brasileiro, oscilava entre desenvolvimento e nacionalismo. O avanço da industrialização nacional esboçou 183 novo padrão de comportamento dos grupos sociais e dos diversos movimentos políticos que atravessaram o governo Vargas até Kubitschek (RODRIGUES, 1996). No conjunto de mobilização política e aspiração de desenvolvimento econômico, as metas para a Amazônia continuavam presas ao programa de integração e soberania nacional (povoamento e defesa da terra). Tudo isso criava condições ao Estado para a política de embranquecimento do índio, a qual redimensionava a destruição cultural indígena, que estava sendo incorporada no projeto sóciocultural dos Estados ocidentais. Esse modelo político, econômico e jurídico do Estado em relação ao índio se fazia presente desde a reforma do Marquês de Pombal no século XVIII (cf. Capítulo 1). O Marquês não conseguiu ver ou entender o modelo de organização tribal, interpretado na época como não-civilizado ou sujeito sem direito. Assim posto, podemos considerar que a cultura e concepção do pensamento burguês na formação do Estado, que é defensor da propriedade e direito individual, não têm mecanismos para o reconhecimento de direitos próprios de coletividade, nesse caso, do índio. Na política de estruturação do Estado, os governadores dos Territórios eram nomeados pelo Presidente da República, que atendia às indicações políticas segundo os interesses da elite social e econômica. Nesse jogo da nova ordem político-administrativa, quando havia desentendimentos entre os aliados federais (Congresso Nacional) e os do Rio Branco, o governador do Território era exonerado e o “padrinho político” indicava outro para ocupar o lugar. Nunca as diferenças foram tão evidentes entre os governadores e os governados, pois os governadores indicados eram estranhos à região e passavam pouco tempo no Rio Branco, fundamentalmente peças do jogo político federal. Mais uma vez, na gestão do Território Federal, o governo central e o seu representante na administração pública local, recorreram ao antigo projeto 184 facilitador da modernização do lugar com técnicas reformistas para melhorar a vida dos não-índios: A caminhada indígena se tornou extremamente sofrida e marcada por um sem número de acontecimentos violentos. Sem dúvida, que o branco pioneiro, que chegou a Roraima, lutou e sofreu para sobreviver. Mas, muitas vitórias do branco foram alcançadas à custa do índio. (...) os índios denunciaram a situação de injustiça e a opressão em que viviam ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), sem nunca melhorar a situação indígena (CIDR, 1990:5). O texto acima, foi elaborado por pesquisadores católicos do Centro de Informação da Diocese de Roraima 153, denunciou o drama vivido pelo índio dos anos 20 até os iniciais dos 60, quando o silêncio escondeu a situação real: o “fazendeiro começa a cercar as terras, ocupando, progressivamente, a terra indígena” (CIDR, id.:8). Dessa maneira, o relacionamento entre fazendeiro e índio revelava uma relação entre senhor e servo e não entre patrão e empregado, isto é, nenhum direito trabalhista é observado para os índios (id. ibid.:10). Nesse sentido, o projeto do período de Território Federal, preocupado mais com o controle de poder sobre a terra, redimensionou a ocupação por meio da implantação de novos núcleos agrícolas154, com apoio local na figura do governador. Este buscou dar uma nova urbanização à capital do Território, com o objetivo de enfatizar o caráter “branco” da cidade. Assim, em 1945, o traçado primitivo da cidade (em área mais elevada e livre das enchentes) foi aumentado e estruturado segundo critérios urbanísticos. O planejamento seguiu um projeto semelhante ao que foi realizado posteriormente no centro urbano de Goiânia ou de Brasília. Tendo como base o Rio Branco, o novo planejamento ganhou forma 153. São Boletins (mimiografados) publicados pela Missão Consolata sobre as atividades realizadas com os índios de Roraima. Entre 1979-81 foram publicados um total de 16 Boletins e no período de 1982-83 um total de 3. Nesse último período, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) iniciou a publicação (esporádica) de Boletins e Carta Aberta (mimiografados) sobre as atividades realizadas nas Assembléias indígenas de Roraima. 154. O governo e os colonos estavam envolvidos em projetos de combate à saúva e ao cupim, mas, contavam com instalação de máquinas de beneficiamento do arroz e de um aviamento para farinha de mandioca. A prática de mineração nos anos quarenta era intensa, no entanto, não aparece oficializada nos projetos governamentais (cf. pp. 128/139). 185 de um leque, com a implantação de avenidas radiais iniciadas na ampla praça circular do Centro Cívico, por sua vez cortadas por ruas circulares155. Essa operação urbanística estendeu-se por toda a década de 1950 e dividiu a cidade em cinco bairros: Centro, Porto da Olaria, Rói-Couro, Caxangá e Ipase. Nessa década, a circulação interna seguia a mesma tradição cultural anterior: a pequena população caminhava a pé ou era conduzida pelos poucos carros de aluguel e bicicletas; a carga era transportada por cavalos ou carro de boi (OLIVEIRA, 1991:26). A nova feição urbana ajudava a romper com o habitat “silvícola”. Com as reformas urbanísticas e a tentativa de “embranquecer o índio”, algumas famílias Makuxi, Taurepang e Ingarikó demonstraram resistência à integração na sociedade nacional, e ficaram temerosas com relação às ações violentas dos brancos, deslocando-se para o interior das regiões de lavrados ou serras. Nesse sentido, o governo tinha o apoio do SPI local de intervenção na esfera cultural do índio que era inserido na cultura urbana. Como não existem, na realidade indígena, documentos escritos, pois as famílias de índios estratificam seu passado/presente de acordo com a consciência mítica registrada na memória corrente das tribos da região, não temos dados sobre o número total de famílias e quais as etnias que foram integradas ou que estão em vias de integração na sociedade nacional, como também daquelas que buscam direitos originários (terra, língua, tradições sociais e culturais). 155. Projeto do engenheiro Darci Aleixo Deregusson e implantado pelo governador do Rio Branco, Ene Garcez, em 1945. 186 FIGURA 09 Vista aérea de Boa Vista do Rio Branco, em 1924. Expedição Rice (1924/41). (Legenda e Foto: RICE, 1978) Vista aérea de Boa Vista, com as transformações após a década de 1960-70. Fotos: D. Nogueira Admitindo o apoio da sociedade local, o governo do Território Federal fortaleceu as alianças políticas com a elite social rio-branquense. É importante dizer que a distribuição de cargos públicos foi um dos principais elos das alianças no domínio governamental, privilegiando segmentos sociais coniventes com o 187 projeto. Nesse jogo político e econômico, comandado pelo governo local, muitas famílias indígenas demonstraram uma capacidade de incorporar elementos da cultura nacional, que vão dos aspectos lingüísticos, da saúde, da habitação, da educação, sem um total rompimento com as raízes culturais, quando os seus efeitos começaram a se manifestar nas reuniões dos tuxauas no Surumu, em fins da década de 1960, em pleno sistema político do governo militar. Novas intervenções físicas no espaço construído voltariam a se apresentar nos anos de 1960, para marcar a presença do Estado central na Amazônia. Assim, o plano urbano da cidade de Boa Vista foi aumentado, sendo suas ruas ampliadas e asfaltadas e as praças gramadas e arborizadas. Contabilizou-se, nesse período, um total de novecentos carros nacionais, oitocentas motocicletas importadas e alguns Mini-Mokes156, bem como muitas bicicletas. Nas décadas de 1960 e 1970, o Território Federal de Roraima viveu a euforia das novas imigrações (cf. p. 175), atraídas pelas obras do governo local em parceria com o federal na renovação de infra-estruturas e construção de rodovias federais e estaduais, dos novos núcleos de assentamentos157, das construções militares (unidades administrativas e vilas) e civis (unidades residenciais). O governo local e o central, em ações conjuntas ou paralelas, receberam apoio da FUNAI, que substituiu o SPI em 1968, desenvolvendo uma política de emancipação do índio e controlando as malocas para garantir a “civilização” de seus membros. À medida que essa situação ia mais e mais se consolidando, a elite local barganhava os privilégios na esfera do governo e não participava nas definições dos rumos da União. Nesse sentido, a burocracia central de interesse desenvolvimentista passou a alterar o cenário local após a instauração do regime militar de 1964. A construção de caminhos terrestres capazes de assegurar o contato fácil e permanente de Roraima com o restante do país, promovendo o aproveitamento dos potenciais econômicos da região, tornou-se prioritário no plano desenvolvimentista para essa região amazônica. 156. Mini-Moke era um pequeno veículo australiano com tração dianteira, que podia flutuar nos rios e igarapés. No final dos anos 60, com o movimento revolucionário na ex-colônia britânica, famílias inglesas (brancas) conseguiram fugir da Guiana nesses pequenos veículos e chegar até Boa Vista (cf. OLIVEIRA, 1991:26). 157. O projeto de colonização era dirigido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que promoveu uma intensa propaganda para atrair colonos para essa região amazônica, distribuindo terras para as famílias que desejavam povoar essa região. 188 A ordem era integrar o espaço físico e unificar a cultura: estradas cortando lavrados e florestas ligando a cidade de Boa Vista a malocas e núcleos agrícolas, com outras estradas e vias vicinais. No entanto, por falta de clareza na execução dessa rede viária, algumas estradas eram interrompidas no meio da floresta por esbarrarem em reservas indígenas, a BR-210 sendo um exemplo. Esse projeto político e econômico criou mais tensão158 entre colonos e índios159 na disputa por terras e competição por recursos entre os diferentes projetos agrícolas e pecuários, controlados pelo Estado. Homens e máquinas abriram os caminhos da integração e inauguraram o “milagre” da nova conquista amazônica. O governo reconhecia a presença dos índios integrados ou em vias de integração nas áreas das novas colônias agrícolas. Para o Estado, a terra destinada para exploração agrícola e pecuária, como colônia agrícola, poderia incorporar o trabalho e a convivência de índios e não-índios, na tentativa de torná-los pequenos empreendedores. O projeto traçado no papel possibilitava a incorporação dessa região ao território nacional. Dessa maneira, o índio era compulsoriamente incluído no projeto e, se protestasse, seria “considerado obstáculo ao progresso de Roraima e de toda a Nação” (CIDR, 1990:8). Alguns líderes indígenas, principalmente os das etnias Wapixana e Makuxi, manifestaram o desejo de se urbanizarem, levando essa aspiração “civilizadora” aos demais parentes. De outro lado, sem deixar a relação de parentesco com a terra, outros líderes indígenas (Wapixana, Makuxi, Ingarikó, Taurepang) contrapropuseram-se à forma do projeto de integracionista 158. A fronteira do Brasil com a Guiana vivia em alerta, pois os habitantes da colônia inglesa lutavam pela independência. Além disso, havia, também, momentos conflitantes entre brasileiros e venezuelanos por conta da mineração de ouro em regiões de fronteiras entre os dois países, nos anos 60 e 70. 159. Em fins dos anos 60, os índios começaram a organizar-se em Assembléias com o apoio da Igreja Católica de Roraima, e surgiram, além disso, os confrontos armados na disputa pela terra entre fazendeiros e índios. A partir dessa época, os índios começaram o projeto de criação comunitária de gado e roças mecanizadas (CIDR, 1989:51). 189 do governo federal, defendida pelos parentes e começaram a organizar-se em Assembléias reivindicando os direitos de primeiros habitantes da região. Esse desacordo entre as famílias indígenas sinalizou ao Estado nacional o fortalecimento da política tutelar, de incorporação do índio na cultura nacional. Tal política reativou o conflito interno indígena após 400 anos de envolvimento compulsório nos problemas comuns sobre posse da terra e identidade cultural (indígena/nacional). Os ideólogos governistas, por meio do projeto que alterou o traçado urbanístico, desejavam apagar as marcas da antiga fazenda Boa Vista. Reinstalaram a infra-estrutura governamental, programaram o corredor de exportação e importação, que era de grande valia para ligar Roraima à esfera comercial nacional e internacional. Nessa situação, o conflito interno indígena e o embate entre índios e não-índios (fazendeiros, políticos) disseminaram violências e incertezas na solução do conflito. É importante lembrar que, após a instauração do governo militar, os três Territórios Federais passaram ao comando das Forças Armadas: Amapá era governado pela Marinha, Rondônia pelo Exército e Roraima pela Aeronáutica, com tudo disposto para que se tornassem áreas de segurança máxima nacional, deixando de fora uma proposta política e econômica favorável ao campo social local. Assim, com a instauração do governo militar, o novo grupo de coalizão governista (local/federal) procurou sustentação política para a execução dos programas econômicos. Em 1972, novas metas foram implantadas com o I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) que previa a execução do Programa Corredores de Transportes. Nele, seria montado um complexo integrado de rodovias, ferrovias e portos, que funcionariam como “Corredores de Exportação” (MARQUES, 1972:40). Além do PND, foi criado, também, o PIN (Programa de Integração Nacional), cujos lemas eram “Desenvolvimento com 190 segurança” e “Integração Nacional”. A bandeira dessa campanha política do governo federal foi baseada no slogan: “Há terra para todos na Amazônia” (KOHLHEPP, 1984). Essa campanha atraiu para os assentamentos agrícolas de Roraima, um grande contingente de nordestinos que fugiam da seca, cujo ápice aconteceu em fins dos anos 70. Essa intenção política e econômica do governo militar denominada como “alternativa para a reforma agrária” (KOHLHEPP, 1979), transferiu para as terras da Amazônia Legal os problemas sociais não resolvidos de outras regiões do país. Ao implementar-se esse modelo de desenvolvimento econômico, ampliaram-se os conflitos já existentes em Roraima. As estratégias contidas no planejamento do PIN (Programa de Integração Nacional), disponibilizando o território amazônico como pólo de desenvolvimento, incentivaram atividades para integrar todo o território nacional por meio de grandes projetos de exploração econômica, da colonização liderada pelo INCRA, promovendo a expansão da rede de transporte e comunicação. Nesse programa, a rodovia Transamazônica160 foi um dos projetos mais expressivos do governo central para a Amazônia (cf. HABERT, 1996:20). Na época (1970-85), a FUNAI emancipava o índio que abandonava a maloca migrando para a capital (Boa Vista), deixando a terra que era disputada por fazendeiros e por índios que buscavam os direitos à etnicidade: Para os índios, é só com a mudança de gestão das fazendas e a conseqüente nova relação que vai se instaurando com os fazendeiros que a questão da terra torna-se tal, isto é, até que o fazendeiro não cerque a terra e não impeça a caça e a pesca, o problema não é percebido. Para os fazendeiros, só a partir das novas pretensões dos índios e da categoria de sujeitos que estes vão, cada dia mais, assumindo. Assim, começa-se a falar de demarcação das terras indígenas e o problema começa a preocupar os fazendeiros, com reações diferentes segundo a geração à qual pertencem (CIDR, 1990:35). 160. A Rodovia Transamazônica, cujas obras foram iniciadas em setembro de 1970, era a mais extensa das conexões rodoviárias nacionais de interligação amazônica. Horizontalmente, ela ligaria a cidade de João Pessoa, na Paraíba, às estradas do Acre, até atingir as fronteiras com o Peru. Tal projeto não foi concluído e a rodovia foi engolida pela floresta sem ligação com lugar nenhum, tornando-se um dos exemplos de grandes projetos não efetivados. 191 Essa reação reivindicatória dos índios com relação à terra surgiu no final dos anos 60, na região do Surumu (cf. Cap. 2, pp. 132-33). Nessa época, o governo do Território Federal negou a existência de conflito fundiário entre índios e fazendeiros, pois, segundo sua visão, todos viviam numa relação de compadrio ou de trocas de serviços sem delimitação rígida entre a fronteira das propriedades e das relações sócio-culturais. As sedes das fazendas e Malocas conviviam sem atritos fundiários, os índios circulavam sem obstáculos pelas terras, cultivavam roças, caçavam e chegavam aos rios e lagos para usufruírem da água e da pesca. Com a chegada dos novos fazendeiros (paulistas, paranaenses, gaúchos), nos anos 70, evidenciou-se a mudança no gerenciamento das fazendas, com o fechamento da circulação indígena pelas terras cercadas. Os novos empresários da agropecuária, sem entender o conjunto de significações culturais do índio nessa região, inauguraram uma nova fase de embates envolvendo índios, nãoíndios e o Estado. Após o bloqueio com cerca, o índio foi proibido de transitar pela terra que originariamente lhe pertencia e a única solução para as etnias indígenas parecia ser a de integração no projeto social nacional. Para o governo, os índios dividiram-se em dois grupos: os que buscavam emancipação (pró-nacional) e os que buscavam direito étnico (pró-tradição); o primeiro era digno de sedução do Estado, visto como um cidadão brasileiro e o segundo, representava um problema. A FUNAI tinha uma relação paternalista e autoritária com os índios, haja vista que o indigenismo oficial tinha por fim a transformação de todo índio em branco: Qualquer que seja a forma assumida localmente pelo conflito, a FUNAI, com poucas exceções, parte do pressuposto que o culpado é sempre o índio e, por isso, é ele que tem que demonstrar a sua inocência e não o fazendeiro. Chega-se ao absurdo de que é o índio a invadir as terras do fazendeiro, (...) O advogado da FUNAI obrigou os índios a assinarem um documento onde reconheciam, de fato, serem os invasores (CIDR, id.:17). Os fazendeiros tinham proposto ao governo deslocar os índios para as terras ao norte de Roraima, mas todas as áreas pretendidas (pelos índios) foram 192 invadidas por novos imigrantes fazendeiros e empresários da agro-indústria, posseiros (pequenos agricultores/comerciantes) ou pelo Estado por meio dos projetos/assentamentos do INCRA. Assim, novas propostas pediam a transferência do índio para o interior da mata (CIDR, 1990:35). Tal idéia foi rejeitada pelos índios, que buscavam identidade cultural indígena e passaram a exigir da FUNAI um posicionamento em relação à demarcação das reservas indígenas. Os índios tinham respaldo jurídico, mas existia uma lacuna na orientação da matéria acompanhada pela legislação ordinária (desde a Constituição brasileira de 1934) referente aos direitos indígenas. Esses dispositivos constitucionais dependem de legislações regulamentadoras garantindo o exercício jurídico do índio. A FUNAI não apresentava uma solução de cunho coletivo para as etnias e para os postos indígenas administrados por ela. Em todo o Território Federal de Roraima, esses postos desenvolviam atividades de dependência do índio, pois a política indigenista do Estado acreditava que ele deixaria de ser índio e se amalgaria no sistema nacional, tornando-se capaz de exercer os direitos da vida civil (MARÉS, 1999). Diante de tais impasses, no decorrer do projeto governamental, tornou-se necessário implementar órgãos gestores para garantir a aplicabilidade desse programa na Amazônia. Desse modo, o presidente da República, marechal Castelo Branco, criou instituições e órgãos oficiais para auxiliar na tarefa políticoadministrativa da região, visando o seu progresso de cunho capitalista. Tal visão de desenvolvimento amazônico tinha como meta garantir a “segurança nacional” e integrar todo o território brasileiro. O objetivo do governo federal era o de construir um Brasil que se tornaria uma “Grande Potência” até o final do século XX (HABERT, 1996), já que era visto por ele como um país próspero e pacífico. 193 Assim, promoveu-se um grande projeto de exploração econômica, de colonização e de integração da região amazônica à rede viária nacional. Para o sucesso do projeto nacional, firmando a presença do Estado nessa região, o índio, identificado como incapaz de produzir qualquer excedente, deveria ser “libertado” dessa forma “atrasada” de subsistência se tornado um aliado do Estado nacional, na instituição da nova necessidade econômica e política de um “Brasil Grande” e fraterno. Essa retomada governamental contribuiu para a instalação do Banco da Amazônia S. A. (BASA), em substituição ao Banco de Crédito da Amazônia (BCA), pela lei 5.122 (28.09.66); a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), pela lei 5.173 (27.10.66); e, por fim, a Zona Franca de Manaus, pelo decreto-lei de 28.02.67, com sua respectiva superintendência, a SUFRAMA. Além desses órgãos, pela lei 5.174 (27.10.66), foram criados novos incentivos para expansão dos negócios, isenções e deduções tributárias para investimentos na região amazônica (cf. COSTA SOBRINHO, 2001:23). As parcerias entre o governo central e o de Roraima foram aos poucos criando estratégias para a convivência entre o governo militar e a base políticoeconômica local, promovendo uma melhor integração com a expansão das redes de transporte e comunicações. A pequena burguesia roraimense necessitava reorganizar o sistema de alianças mantenedoras do sistema político do Brasil após 1964. Para consolidar e organizar o poder administrativo roraimense, as principais intenções governamentais (federal/local) de desenvolvimento para a região estavam apoiadas nas seguintes metas: a) propagandas do governo gerenciadas pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reorganizando as novas correntes imigratórias de diferentes regiões brasileiras; 194 b) reativação dos assentamentos que foram abandonados pelos colonos161 e implementação de novos núcleos agrícolas; c) instituição de diretrizes162 que favorecessem a permanência do colono no núcleo agrícola; d) facilitar comunicação, por meio de estradas, com o projeto rodovia Transamazônica e Perimetral Norte163. Construir a região em espaço social “civilizado” era, também, parte dos objetivos contidos no programa da Secretaria Geral do Território Federal que não eram diferentes do Plano Nacional de Desenvolvimento e do Plano de Integração Nacional: a ocupação das terras promovendo a integração e defesa territorial, tratando de fazer do índio um aliado e, ao mesmo tempo, um “brasileiro-nato”. Entre os anos de 1964 a 1985, o governo de Roraima e o governo brasileiro centralizaram ações e planejamentos voltados para ocupar as áreas de fronteira, com imigrantes brancos, e para desenvolver a agricultura e a pecuária, na tentativa de integrar essa região à federação brasileira. O INCRA era o órgão federal que conduzia o programa. Por meio dessa política governamental foram instalados, entre 1982 a 1991, seis municípios164. Para tanto, o governo ofereceu os seguintes incentivos ao migrante colono e ao índio emancipado: apoio financeiro, doação de ferramentas agrícolas, sementes e mudas, assistência técnica por parte de agrônomos e veterinários, assistência médica e hospitalar, transporte gratuito para a produção chegar ao 161. Com a década de 1960, as atividades no garimpo clandestino (ouro e diamante) entravam em decadência, mas as novas construções urbanas (obras de infra-estrutura), aberturas de estradas e rodovias, os novos núcleos agrícolas e incentivos financeiros abriram outras oportunidades de trabalhos na região. 162. O programa econômico, com base para a exploração agrícola, preconizava a construção de estradas vicinais, usinas hidrelétricas, exploração mineral e florestal, criando um clima de “progresso” e satisfação pessoal. 163. A Perimetral Norte (BR-210) atravessaria toda Amazônia brasileira de leste a oeste, percorrendo 4.650 km em plena selva para estabelecer nova ligação entre o oceano Atlântico e a fronteira do Acre no Peru, dando cobertura a todos os acessos às regiões de fronteira com as Guianas, Venezuela, Colômbia e Peru, cruzando a BR-174 interligada a BR-401 (em Roraima). A Perimetral Norte partiria de Macapá, capital do Estado do Amapá, cruzando os Estados do Pará, Roraima, Amazonas até o Acre. Esse projeto não foi efetivado, ficando toda a área construída dentro do Estado de Roraima, ao leste em litígio com a reserva Wai Wai e a oeste com a reserva Yanomami. 164. Esse tema será tratado no item 3.3, abaixo. 195 distante mercado consumidor. Esses e outros benefícios eram fundamentais para garantir a fixação do homem branco e do índio “civilizado” na terra que ainda era considerada “selvagem”. Esse modelo de unidade, seja de assentamentos ou de conservação, reacendeu antigos conflitos fundiários entre índios e não-índios, pois as áreas ditas “desabitadas” ou “intocadas” eram já tradicionalmente ocupadas por índios considerados “isolados/selvagens”, como os WaimiriAtroari. O índio, no século XVIII, era visto como um animal selvagem. Todavia alguns índios aderiram à cultura do gado introduzida no Rio Branco, deixaram de ser considerados “não-civilizados”. Esse pensamento de desvalorização da cultura do índio, reapareceu, no final do século XIX e por todo o século XX, na idéia de parques nacionais concebidos pelo Estado e demarcados em imensas áreas de terra “desabitada ou selvagem” para preservação da vida em seu habitat natural (DIEGUES, 2001). As correntes migratórias dos anos 70 (em grande parte militares e funcionários públicos com graduação universitária) chegavam na capital Boa Vista com objetivos de desenvolverem atividades ou ocuparem cargos nas áreas da administração e da segurança de Roraima. Além disso, nesse mesmo período, continuavam chegando os imigrantes (especialmente, grupos de nordestinos e sulistas) em busca dos assentamentos agrícolas. Integrando essa nova onda imigratória, chegaram também muitos ingleses que fugiam do processo revolucionário na Guiana165. 165. Em 1964, a fronteira brasileira com a ex-Guiana Inglesa viveu um conflito em razão da revolução entre os ingleses habitantes da Guiana e o Império Britânico. Os ingleses defensores da autonomia estatal entraram em luta contra a Grã-Bretanha, transformando a Guiana em um Estado independente. Em 1968, surgiram novos incidentes na reorganização do espaço social e da política interna, na qual os habitantes “nativos” (maioria negros) expulsaram do poder administrativo a elite britânica local (branca). Muitas famílias fugiram para Roraima, depois se deslocaram para outras regiões do Brasil, dos Estados Unidos, Canadá e Europa. 196 A nova dinâmica sócio-cultural, com imigrantes166 de diferentes experiências culturais, ampliou o grupo social de oposição ao índio. Esse grupo encarnou a concepção burguesa clássica de que o Estado nacional e o direito privado não tinham lugar para o direito coletivo do índio que, deveria ser eliminado dando lugar ao exercício de direito do “cidadão livre” (MARÉS, 1999). O governo (local/federal) buscava compatibilizar os diferentes interesses políticos e econômicos das elites tradicionais167 locais, dos missionários, dos administradores da FUNAI e dos líderes indígenas. Teria que possibilitar a participação de todos na esfera governamental da região, aglutinando os interesses da nova forma de representação (setores da sociedade constituída por representantes do comércio, da agro-pecuária, dos militares, dos políticos e dos religiosos). Para eliminar esses conflitos fundiários no Estado foram tomadas as primeiras iniciativas governamentais, com a elaboração e implantação de uma política de divisão de terras mais abrangente: o Projeto Fundiário Boa Vista 168 de 1972, foi criado para nortear uma política agrária e solucionar a questão das terras em Roraima. Tal objetivo não foi alcançado e os técnicos responsáveis pelo setor esperavam que o tema fosse retomado com a instalação do Estado em 1991 (cf. Fundação AMBTEC, 1994). Nessa época, apesar do frágil avanço econômico, os 166. Os militares que chegavam e atendiam as instruções para a defesa da fronteira nacional em conflito, a elite civil que chegava e atendia a emergência tecnoburocrática com as novas instituições e órgãos governamentais instalados em Boa Vista, as famílias britânicas que chegavam fugindo dos conflitos armados na Guiana (o Estado Independente e desestruturado em sua vivência política, social e econômica). Do ponto de vista teórico, a presença física desses grupos sociais e suas vivências e interesses diferentes em Roraima, em fins dos anos 60 e começo dos 70, aumentavam a difícil experiência sócio-cultural (entre índios e não-índios) que estava em curso. 167. Os descendentes dos pioneiros brancos. 168. Tal projeto tinha por finalidade transferir para Roraima o gerenciamento das terras da União. O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fora criado pelo poder federal em 1970 e era o órgão responsável pelas terras dessa região. 197 conflitos entre índios e não-índios na disputa das terras aumentaram e ganharam repercussão nacional e internacional169. Esse projeto não ofereceu uma solução ao desafio existente: um mosaico sócio-cultural e diferentes interesses econômicos no usufruto da terra. Sem avanços concretos nessa questão, em 1976, o referido projeto sofreu novas mudanças e foi denominado Projeto Fundiário Roraima. Ele estava subordinado à Coordenadoria Regional do Extremo Norte, com sede em Manaus, que detinha o poder jurídico sobre toda a região do então Território Federal de Roraima. Com uma frágil atuação decorrente da distância do foro de decisões e da precariedade entre as comunicações internas e externas (como no recente passado), esse projeto também não solucionou os impasses fundiários. Tal situação não aconteceu só em Roraima mas também em outras regiões brasileiras que viviam em conflito fundiário, causado pelos movimentos sociais, ocorridos na fase de transição política, iniciada nos anos 70. Nesse sentido, a partir da década de 1970, com o processo de redemocratização do país, o Estado nacional percebeu que as etnias indígenas haviam crescido e se organizado, pressionando, por meio de movimentos políticos, o reconhecimento de seus próprios direitos originários e de organização cultural distinta da nacional. Com a publicação do Estatuto do Índio em 1973, as organizações indígenas de Roraima começaram a pensar na possibilidade de demarcação de suas terras, entrando em litígio com os fazendeiros. Estes, por sua vez, organizados em Cooperativa dos Pecuaristas, protestaram contra as 169. Cf. Comentários nossos e nota do Jornal do Brasil (25/06/89) no Capítulo 3, pp. 130/133. Campanhas em prol dos índios contra a permanência de mineradoras e garimpeiros em terras indígenas pela Diocese de Roraima com apoio de ONGs nacionais e internacionais, entre 1987-90. Relatório da ONG FOEI (Friends of the Earth, em 14/04/91) de apoio ao projeto do Programa Piloto (PPTAL) do governo brasileiro em parceria com o G-7, para a Amazônia Legal. “Declaração Indígena”, em Luxemburgo/Bélgica, durante a Conferência sobre o Programa Piloto (PPTAL) do governo brasileiro em pareceria com o G-7, para as florestas amazônicas, em 9/06/91. “Briefing on the G-7 Pilot Programme for Brazil”. Relatório da ONG OXFAM, em 12/07/91. 198 reivindicações dos índios e solicitaram ao governo uma redefinição fundiária, salvaguardando os seus próprios negócios com a terra: Se excluirmos as fazendas históricas que obtiveram títulos de propriedade ainda na época da Colônia (Grão-Pará) ou do Estado Republicano do Amazonas, o restante das fazendas ou está sem nenhum reconhecimento oficial, ou tem apenas título de posse e não de propriedade. Nestes casos, sendo difícil a transição de um dono para outro, os fazendeiros que querem vender (ou comprar), agem da seguinte maneira: vendem ao comprador as “benfeitorias” (barracos, árvores frutíferas, cercados, curral, etc.) e, com isso, o novo dono adquire, automaticamente, o uso da terra. Assim os índios vêem mudar de “patrão” a terra que, no fim das contas, reconhecem como “própria”. E, claramente, o novo dono, talvez, nem sabia que havia índios nas terras “compradas” (CIDR, 1990: 8). Nesse quadro, acentuando a imagem de um aparente processo “civilizatório” de Roraima, tornaram a emergir os dois grandes focos de atritos na sociedade local: os conflitos entre identidades/culturas e a indefinição fundiária. A derrota do governo e da elite nacional local nesse processo se dava pela quase agregação das etnias indígenas na sociedade brasileira. O governo do Território Federal acreditava que os enfrentamentos étnicos seriam dissolvidos no contexto social roraimense estreitamente inserido na herança histórica, que obrigava o índio a abandonar sua própria identidade étnica, assumindo a nacionalidade brasileira e a tutela do governo: O tuxaua Bento, Wapixana, da maloca de Araçá denunciou: “chegou um fazendeiro e disse que ele tinha muito dinheiro no banco e podia matar qualquer índio como se mata cachorro.” (...) a superioridade dos brancos compõe-se do elemento principal da sociedade dos brancos: aquele que tem dinheiro domina. É o dinheiro que permite aos brancos dominarem os índios. Esta ideologia acaba envolvendo também o índio: é por meio do dinheiro que o branco convence o índio a trabalhar para ele e assim consegue dividir a maloca (CIDR, 1990:55). No que se refere ao registro acima, é perceptível a repetição com que é imposta ao índio a noção de que tudo tem um valor econômico. O índio seria então como uma propriedade, uma parte da terra, integrado à sua fauna. Em outro momento, na medida que os grupos indígenas eram considerados semelhantes aos pequenos produtores pobres - os posseiros - a questão fundiária 199 teve equívocos constitucionais quanto à regulamentação da matéria, que foram herdados das normas de organização do poder brasileiro. Nesse jogo de poder, os incentivos governamentais foram aplicados às necessidades das correntes imigratórias e aos negócios da agropecuária. Nessa tradição monocultural, o governo local foi buscar alianças políticas e jurídicas para a transformação do espaço social, criando novos municípios, com vistas à retomada da “pacificação” dos índios170 e apoio aos migrantes colonos com a instalação de novos núcleos urbanos. O principal objetivo desse planejamento governamental era fixar o homem branco na região. Todavia, com as precárias condições dos núcleos agrícolas e a dificuldade de transporte para colocar no mercado consumidor os seus produtos171 os imigrantes colonos abandonavam a atividade agrária. Esses núcleos estavam constantemente recebendo novas famílias de colonos “brancos”, que chegavam em busca de melhores condições de vida, seduzidos pelas propagandas governamentais. Sem conseguirem firmar uma autonomia econômica, essas levas imigratórias, isoladas geograficamente, formavam uma outra corrente migratória interna. Instalavam-se em outras áreas de assentamento com melhores condições de infra-estrutura ou migravam para a capital, engrossando os bolsões de miséria na periferia urbana de Boa Vista. Entre os anos de 1960 até os de 1980, essas estratégias políticas do governo Federal em parceria com os governadores172 de Roraima, tornaram perceptíveis as reformas na região por meio do planejamento infra-estrutural urbano e do programa viário, abrindo conexões entre as estradas e as rodovias. Essas reformas possibilitariam a melhoria dos serviços públicos e do transporte 170. 171 O processo de “civilização” do índio estava constantemente voltando ao ponto zero. Devido à longa distância entre o núcleo agrícola e o mercado, muitas vezes os produtos pereciam no local. 172. Entre os governadores construtores estavam: o Coronel Hélio da Costa Campos, o Coronel Fernando Ramos Pereira e o Brigadeiro Ottomar de Souza Pinto. 200 da produção agrícola, reduzindo os custos e o tempo em relação ao sistema fluvial, oferecendo ao homem do capital oportunidade de investimentos para acelerar o desenvolvimento econômico de Roraima. ANO 1940 1950 1960 1970 1980 1991 TOTAL 10.541 18.116 28.304 40.885 79.159 217.583173 Quadro Demonstrativo 02 Estado de Roraima: população residente Fonte: IBGE. Censo do Estado do Amazonas 1940. Censos Roraima (vários anos). Ano Pop. Urbana. (%) Pop. Rural (%) Total 1940 1950 1960 1970 1980 1991 11,06 28,33 32,70 42,97 61,57 64,63 88,94 71,67 67,30 57,03 38,43 35,37 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Quadro Demonstrativo 03 Estado de Roraima. População Rural e Urbana: importância relativa (%) 1940/ 1950/ 1960/ 1970/ 1980/ 1991 Fonte: IBGE. Censo Estado do Amazonas (1940). Censo Roraima (vários anos). Apud BARROS, 1995. Embora não claramente definidas, nem nas leis nem nos programas, as medidas políticas e econômicas governamentais beneficiavam a elite local, enquanto a massa populacional e, inserida nela, o índio ficava de fora. Observamos que, nos anos 70, Roraima contava com um total de 40.883 habitantes residentes e, em 1980174, o total aumentou para de 79.159, sendo que 61,57% desses habitantes estavam concentrados na capital Boa Vista. 173. O Censo faz referência à população branca e, como já foi dito, não há um recenseamento sobre as etnias indígenas: Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang, Yanomami, Mayongong, Wai Wai, Waimiri-Atroari, entre outras menores. No entanto, há alguns dados levantados por pesquisadores, da FUNAI e de ONGs comentados no Capítulo 2, pp. 135-136 e demonstrados no Quadro 01. De acordo com o Censo acima, do total de 217.583 habitantes no Estado, 122.600 eram residentes na capital Boa Vista (IBGE, vários Censos). 174. Até 1980, o Território Federal de Roraima contava apenas com dois municípios: a capital Boa Vista e Caracaraí como cidade-porto que recebe os transportes fluviais de carga destinados à capital. O transporte entre 201 Ao longo do processo de conquista e colonização dessa região amazônica, verificamos três diferentes posturas indígenas. Algumas famílias dos grupos indígenas (Yanomami, Wai Wai, Ingarikó, Waimiri-Atroari) preservaram sua tradição cultural (organização social, língua, mitos, ritos), representante da sua relação com o mundo natural. Já outras famílias indígenas dos grupos (Makuxi, Wapixana, Tauerpang) e também dos mesmos grupos étnicos anteriores optaram por romper com o passado cultural, não mais vendo a terra como um ente familiar e sim como um referencial para o comércio. O terceiro contingente de famílias indígenas (Maiongong e, também, dos mesmos grupos étnicos citados), por um lado conservou parte da memória dos velhos de forte relação com a terra mas, igualmente, em menor grau passou a vê-la como fonte possível de comercialização. Nessa história contemporânea das relações entre as famílias indígenas, divididas pelo novo tempo de relações político-sociais com o Estado, a tradicional guerra e troca tribal, parte constituinte da cultura original, apareceram como ações conflitantes entre os grupos indígenas. O conflito interno entre as famílias indígenas já estava presente no século XVIII, quando a administração portuguesa, por meio dos Aldeamentos e Fortes, impôs novas formas políticas e culturais dividindo as famílias Wapixana, Makuxi, Sapará, Paravilhana e outras que se deslocaram para os núcleos de comercialização holandesa, ou fugiram dos brancos indo para o interior da selva ou tentaram ser iguais aos brancos, “civilizando-se”. Esse processo desencadeador de significativos confrontos políticos e culturais entre as famílias indígenas instigou novos conflitos de identidade e questionamentos ligados aos direitos indígenas nos últimos trinta anos do século Caracaraí e Boa Vista é feito por estrada, por causa das cachoeiras e/ou corredeiras no trecho do Rio Branco entre os dois municípios dificultando a navegação de embarcações de maior porte. Após a abertura da BR-174, o fluxo de transportes, mercadorias e pessoas aumentou. 202 XX, dividindo as próprias famílias e aumentando os seus sofrimentos em relação à identidade cultural. Os índios indagavam o intérprete (FUNAI) e o julgador (Poder Judiciário) e não conseguiam entender o que dizia o texto constitucional e os equívocos na sua aplicabilidade. Para o índio, o final da década de 1980 se apresentou como um novo tempo, distinto das cruéis e desumanas ações do antigo SPI (Serviço de Proteção ao Índio), que nem sempre aplicava a política indigenista em favor do índio: O SPI, a partir de 1950, iniciou um processo de decadência administrativa, fruto de corrupção, uso indevido das terras indígenas e suas utilidades, venda de “atestados de inexistência de índios”, que possibilitavam o extermínio e legitimavam a usurpação das terras, tornando-se um instrumento de opressão do Estado contra as populações indígenas, exatamente o contrário dos objetivos para os quais fora criado quarenta anos antes (MARÉS, 1999:58). A situação de desmando e injustiça, geradas pela agência indigenista oficial, permitiram a aplicação de mecanismos opressores ao índio, em desrespeito à legislação então vigente e, na maior parte das vezes, não era considerada a existência indígena. Entre os anos 40 até os iniciais dos 80, a política indigenista punia com normas do Direito Penal o índio que reagia contra esse projeto social nacional. Na realidade, quando não havia “entendimento oficial, doutrinário ou jurisprudencial discordante”, na aplicação de pena ao índio, o Direito “se mantinha em um silêncio envergonhado” (SOUZA FILHO, 1994:164). A leitura político-jurídica estabeleceu novos entendimentos sobre o índio contra a emancipação, que ganhara força após a troca do SPI pela FUNAI (1968). Nesse sentido, a política indigenista do Estado ganhou, também, algumas alterações após a elaboração do Estatuto do Índio, criado com a Lei n. 6001, de 19 de dezembro de 1973, ainda em vigor175. 175. Desde a década de 90 está tramitando no Congresso Nacional o novo Estatuto do Índio. 203 Esse Estatuto apresentou um conjunto de regras para o entendimento das diversas organizações sócio-culturais dos índios, de suas crenças e línguas indígenas, indicando um tratamento diferente de acordo com o seu grau de emancipação, na tentativa de romper com o projeto de integração indígena na sociedade nacional. Contudo, sem apoio constitucional e legalização pelo Poder Judiciário, as normas desse Estatuto eram aplicadas pelo juiz segundo o princípio do “grau de integração” do índio na sociedade nacional. Assim, ofereceu subsídios para a compreensão do próprio termo que identifica a população tribal e previa, no artigo 4º, uma classificação de três categorias indígenas: a) isolados (famílias que vivem na maloca sem contato com branco, preservando a cultura original); b) em vias de integração (famílias que vivem na maloca ou no centro urbano, recém contactadas e com aspiração a “civilização”); c) integrados (famílias que assumiram a cultura nacional, vivem nos centros urbanos e não desejam ser identificadas como indígenas). Tal classificação não foi alterada após a Constituição Federal de 1988 e todos são reconhecidos pelo termo genérico de “índios”. Quando os “índios” são incorporados na sociedade nacional exercem os mesmo direitos civis, ainda que conservem suas próprias organizações sócio-culturais (cf. SOUZA FILHO, 1994:153/168; MARÉS, 1999:53/78). De qualquer maneira, é patente a concepção de marginalidade em que é visto, pelos dirigentes, o índio que preserva sua cultura: isolado. 204 Como nos programas176 anteriores do poder central, novamente, a proposta governamental de cunho político e econômico para a Amazônia, na gestão dos presidentes militares, tinha, também, o interesse voltado para a “ocupação” e a defesa da terra “desabitada”. Na tentativa de estabilizar a crise econômica, um dos objetivos governista era o expurgo dos sujeitos políticos e atores sociais corruptos com medidas duras para o “fechamento de todas as torneiras de recursos para o clientelismo”177 (ABRUCIO, 1998:60). Além disso, os governos militares, em nome da ordem e defesa da nação, apoiaram campanhas contra a “ameaça comunista”. Assim sendo, as reuniões realizadas pelos tuxauas e líderes indígenas na missão Surumu eram também consideradas como “ameaça” ao projeto de emancipação indígena. A FUNAI, que olhava tais encontros como “subversão” antipatriótica, definiu uma linha de ação em que deveriam ser ignorados os tuxauas e líderes indígenas e proibiu as reuniões (id., ibid.). Esse conflito entre índios e não-índios, envolvendo a organização do poder público local, ganhou mais complexidade com o surgimento do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Esse órgão federal, criado pelo Decreto-Lei n. 1.110 de 1970, tornou-se responsável pelas terras em Roraima. Em parceria com o governo, estadual esse órgão gerencia os projetos de colonização/assentamento, sendo auxiliado pelas prefeituras dos municípios estaduais. Nessa realidade fundiária, existem algumas áreas destinadas a particulares, algumas possuindo títulos e outras esperando uma definição competente e 176. Esses programas eram voltados para os núcleos agrícolas, criados para garantir a posse da terra pelo Estado que gerenciava tudo por meio do INCRA. Como não apresentavam infra-estrutura adequada, tais núcleos eram, em geral, abandonados. Contudo, alguns, sobreviveram desenvolvendo criação de animais (porco, carneiro, galinha) e lavoura de subsistência. 177. Um exemplo de “fechamento das torneiras” é a extinção do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1967, causada por escândalos relacionados à corrupção, pelo uso indevido das terras indígenas, possibilitando usurpação de legitimidade (ocupação de boa-fé) em favor dos não-índios (cf. MARÉS, 1999:58). 205 registro oficial. Além disso, existem as terras sob domínio de outras instituições federais: sob jurisdição da FUNAI estão as áreas reivindicadas para as reservas indígenas, enquanto as que estão sob jurisdição do Exército aquelas destinadas a se tornarem áreas de defesa das fronteiras, com fortificações e construções militares. As terras demarcadas como unidades de conservação e preservação ecológica, como também os parques nacionais, são gerenciadas pelo IBAMA. As normas que reconheciam a reivindicação das terras, envolvendo índios, não-índios e instituições governamentais em Roraima foram, na maior parte, elaboradas após os anos 80, principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, não dispomos do percentual da divisão de terras entre os segmentos sociais já citados, entre 1970-80178. Porém, no início dos anos 90, foi divulgado o seguinte percentual das áreas sob tais entes: Órgão Percentual Área (ha) INCRA 28,02 6.447.052,5 FUNAI 39,40 9.067.438,4 EXÉRCITO 2,85 656.000,0 IBAMA 2,11 487.000,0 DEVOLUTAS 5,41 TOTAL 77,79 16.657.490,9 Quadro Demonstrativo 04 Terras sob o domínio da União em Roraima. Fonte: Ambtec, 1993. Diante dessa situação fundiária, o Executivo estadual disputa com o federal o aumento do percentual de terras estaduais que somam um pouco mais de 10% de sua área territorial total. 178. Esse período foi de tensões sociais crescentes por causa da organização dos índios ligados à Diocese de Roraima, dos programas para o desenvolvimento e integração da Amazônia Legal ao território nacional (PND e o PIN, p. 187) que atraíram contingentes que fugiam da seca e do desemprego, como também, burocratas, militares e civis, os quais foram inseridos numa situação sócio-cultural e fundiária desconhecida. 206 A situação do índio, sem uma efetiva garantia de direito como primeiro habitante, permitiu ao executivo estadual dar a tal situação uma importância política. Os interesses dos índios eram regulados segundo os interesses do próprio governo e da elite local e disso se tinha clara consciência: No começo de 1982, com a presença de autoridades civis e religiosas, foi inaugurada uma agência do Bamerindus em Boa Vista. Parecia ser um banco a mais no meio dos muitos que já funcionam em Boa Vista, mas não foi bem assim. O Bamerindus começou a comprar as terras localizadas às margens das estradas BR-174 e BR-401. Assim chega também em Roraima esta maneira de usar a terra: o investimento imobiliário. Além do que, o banco poderá realizar investimentos concretos nas propriedades, bem como servir de testa-de-ferro para outros capitalistas do sul do país. Quilômetros de cercados já foram construídos para delimitar estas terras e instalaram placas proibindo a entrada de estranhos. No começo de 1983, essa privatização de terras já incluía parte da área dos índios Wapixana da região do Taiano e fica difícil prever o que acontecerá no futuro (CIDR, 1989:78). Contudo, a percepção do grupo de pesquisadores do Centro de Informação da Diocese de Roraima, que delineava a consciência dos problemas pendentes da década de 80, não atingiu políticos e governantes. Os mesmos problemas chegaram até os anos 90, e de novo sem voz e sem vez, o índio continuou perdendo seu território à exploração imobiliária do capital, nesse projeto econômico voltado para a privatização da terra. Ao buscar recursos para projetos de exploração agro-florestal e agropecuária, o governo, apregoando benefícios para todos, não abria mão das terras que poderiam dar lucros ao Estado/União, introduzindo um processo de especulação, de concentração fundiária e invasão por grupos de exploração de minérios: Desde 1983, com a promulgação do Decreto n. 88.985, pelo então presidente Figueiredo, abrindo as terras indígenas à mineração179, as pressões contra os índios têm evoluído de forma crescente, embora com variações de táticas por parte dos setores envolvidos. “De um lado, as empresas de mineração tentam ganhar no papel a legalização das áreas de pesquisa de lavra como condição de segurança para seus investimentos de capital. De 179. O projeto Radam-Brasil de aerofotometria divulgou, em 1975, notícias dando existência de minérios preciosos (ouro, urânio, cassiterita) na área territorial reivindicada pelos índios Yanomami. Em 1983, com o Decreto do Presidente João Figueiredo, regulamentando mineração branca em terras indígenas, grandes grupos de mineração foram estimulados para atividades de exploração nas terras de Roraima. Em 1988, essa atividade extrativa mineral, em terras consideradas indígenas, ganhou força com autorização do Presidente José Sarney, em parceria com o governo de Roraima (Romero Jucá). 207 outro, os empresários do garimpeiro fomentam invasões e intrusões de garimpeiros em várias áreas indígenas, buscando por meio do fato consumado, antecipar-se às empresas. Entre os dois tipos de invasores estão os índios, acossados e desinformados, sujeitos a manobras de cooptação e forçados a negociar em condições extremamente desiguais” (Dossiê CEDI-CONAGE, 1988. Apud ROCHA, 1994:218). Semelhante aos acontecimentos do passado, os invasores saqueavam as terras dos índios em busca do ouro e diamantes, e, no processo, destruíam ou dividiam as famílias (a favor ou contra o branco) forçando-os ao trabalho em prol de projeto econômico alheio. Esse modelo de desenvolvimento foi acentuado após 1985, quando garimpeiros atuaram em diversas áreas180 de Roraima. O governo local, em parceria com o federal, deu um novo arranjo geopolítico a Roraima no início da década de 80. Novas áreas territoriais de municípios181 foram instaladas, embora contestadas pelas etnias indígenas (cf. Mapas 05 e 06, abaixo pp.250-251), que aguardavam pela legalização de seus direitos como primeiros habitantes. Essa dramática realidade experimentada pelo índio, que era expulso da terra onde sempre viveu, foi novamente ignorada na cristalização da divisão política, exclusivamente branca, da terra de Roraima. 3.2. Os municípios e as áreas indígenas: desencontros dos caminhos da memória A Constituição Federal de 1988 já encontra em curso um amplo processo de reorganização política do Território Federal de Roraima. De fato, desde 1982, o governo local, por meio de negociações com as elites políticas, econômicas e o governo central, tomara medidas para fortalecer alianças geopolíticas 180. 181. Território dos Yanomami, dos Makuxi, dos Ingarikó, dos Wapixana, dos Wai Wai, entre outros. Esse tema será retomado abaixo, no item 3.2. 208 aumentando o poder de barganha do executivo roraimense, privilegiado pelo trajeto da redemocratização brasileira. Tais medidas se cristalizaram na Lei Federal n. 7.009 de 1º de julho de 1982 que instalara seis municípios: Mucajaí, São Luís do Anauá, São João da Baliza (com terras desmembradas de Caracaraí), Normandia, Bonfim e Alto Alegre (com terras desmembradas de Boa Vista). A partir desse desmembramento das imensas terras pertencentes aos municípios de Boa Vista e Caracarai, dentro de um sistema governamental de controle tanto administrativo como geopolítico, o governo de Roraima ampliou o seu poder formando coalizões com os governos e os representantes políticos dos novos municípios. Essa estratégia política governamental, com características da antiga prática cultural coronelística, assegurou ao executivo do Território Federal e seus aliados políticos, poder de atuação conjunta tanto na esfera das relações locais como na esfera Federal. Esse modelo político roraimense, aparentemente descentralizado, foi adotado não só nessa região amazônica mas também em outras regiões brasileiras. Isso possibilitou uma ilusória participação dos municípios e da sociedade local (índios e não-índios) nas políticas públicas e administrativas do governo. Contudo, o projeto político de criação de novos municípios pelo governo entrou em choque com as reivindicações de demarcação de áreas indígenas pelos índios ligados à Igreja Católica. As instituições governamentais (local e central) passaram a disputar entre si e com os índios as mesmas áreas territoriais. Em 1983, o Bispo Diocesano escrevera uma carta aos católicos de Roraima pedindo para que olhassem essa situação indígena e convidara os fiéis para uma avaliação das injustiças de que os índios eram vítimas. Embora tenham decorrido quase dez anos, a situação não fora alterada e a carta do Bispo foi 209 reimpressa em 1990, momento de grande tensão envolvendo o Estado, empresas mineradoras e índios que tiveram suas terras invadidas por um grande contingente de garimpeiros (cf. Cap. 2, item 2.2). Diante do quadro de violência e perseguição aos índios, o Bispo Diocesano, novamente, fazia um convite aos fiéis para refletirem sobre essa questão da terra e da angústia do índio: Têm acontecido coisas de difícil explicação. Em áreas indígenas continua-se incentivando a fazenda fazer benfeitorias e proíbe-se muitas vezes o índio de atuar. Na Maloca do Temerém um fazendeiro tocou fogo na residência do índio. O mesmo aconteceu no Mudubim e Xeriqui. As providências tomadas para moderar estes excessos foram quase nulas e pelo contrário por uma ação de defesa realizada pelos índios da Barata, para se proteger das ameaças do fazendeiro, foi logo aprisionado o Tuxaua e mantido quinze dias incomunicável, alegando imaginária emboscada (Carta Pastoral sobre os índios, 1983, Apud, CIDR: 1990: 83). Abria-se, assim, discussão sobre o amplo confronto de interesses pelas terras de Roraima, com a União, o Estado, os índios e os não-índios (fazendeiros e empresários da agro-indústria, comerciantes) disputando as mesmas áreas, com objetivos diversos. Entre 1980 a 1982, a FUNAI tinha sido pressionada pelos índios ligados ao CIR (Conselho Indígena de Roraima) e à Diocese de Roraima e, com isso, formalizou a situação jurídica com a demarcação de pequenas áreas indígenas182 (ilhas) dentro dos territórios que não estavam envolvidos em grandes conflitos. A FUNAI havia prometido pagar indenização das benfeitorias existentes, mas não cumpriu o combinado e os índios não aceitaram a presença de brancos nas áreas demarcadas. Assim, eles retiraram os marcos colocados pelos técnicos da FUNAI que delimitavam o terreno (CIDR, 1990). A confusão foi ampliada: a FUNAI não se entendia com a Igreja Católica, os índios e os não-índios reagiam contra os decretos de delimitação da FUNAI, o governo do Estado criava municípios e o 182. Área Indígena Mangueira, Ponta da Serra, Araçá e Manoá-Pium, com grande contingente Makuxi, localizadas dentro de terras que eram de posse (ocupação de boa-fé) (cf. CIDR, 1989:78). 210 Federal projetava parques nacionais e programas de exploração do ecoturismo. Essa situação perdura até o nosso momento (2003) na Justiça Federal. Esse modelo, envolvido em processo de impedimento ou ameaça, intensificou a tal ponto a confusão fundiária em Roraima, que, após 1991, as áreas de fronteiras internacionais (Guiana e Venezuela) reivindicadas pelos índios e o governo local ganharam novos adeptos na disputa, com a entrada do Exército na construção de Pelotões de Fronteira, por meio da implantação do Projeto Calha Norte do governo federal. Os textos constitucionais (Federal/Estadual) e os vários desencontros envolvendo os interesses políticos e econômicos dos habitantes de Roraima, não eram percebidos – ou, mesmo, escamoteados, que, apesar deles, o território é reprogramado, à feição branca, em novas divisões políticas. 3.2.1. Boa Vista, capital de Roraima Com uma área de aproximadamente 230 mil quilômetros quadrados, o Estado de Roraima e sua população, um total de 217.538 habitantes (IBGE, 1991), foram redistribuídos em novo contexto político. No entanto, o maior contingente de moradores se encontram na capital Boa Vista, com um total estimado em 122.600 residentes (id., ibid.). Desse contingente urbano faltam dados sobre o total de índios e quais as etnias que migraram para Boa Vista, onde fizeram documentos de cidadão brasileiro e disputaram empregos, abandonando a maloca e a sua própria identidade étnica. Em 1980 a população de Boa Vista possuía aproximadamente 44 mil habitantes. Em fins de 1991, como capital do novo Estado, o número aproximado de habitantes passou para 123 mil, concentrando o maior número da população do Estado. Esse salto de 300% mostra, de forma tristemente concreta, como a capital se tornou o palco dos descaminhos governamentais do Estado de 211 Roraima. Contudo, não temos notícias de recenseamento dos índios concentrados nos bairros periféricos da capital ou nos bolsões de miséria urbana, embora saibamos que seu contingente aumenta, com grupos vindos até do exterior: Os “ingleses”, como são chamados os índios vindos da República Cooperativista da Guiana, representam para a sociedade boavistense a nova mão-de-obra barata. São explorados e discriminados. “Não sabem nem falar português”, comenta muita gente. Aceitam qualquer tipo de trabalho. Muitos acabam sendo presos. Parecem repetir a mesma triste história dos “parentes” brasileiros que moram na cidade (FERRI, 1990:39). Também Wapixana ou Makuxi, residentes nas terras que delimitam a fronteira entre o Brasil e a Guiana, aviltados em seus direitos étnicos, fogem dos conflitos com os não-índios pela posse do território da maloca e buscam melhores condições de vida na capital do Estado, onde estão situados nas camadas mais baixas da sociedade. Essa situação do índio na capital do Estado, entre 1988-91, gerou, outra vez, a necessidade de criação de novas alianças mediadoras entre índios e nãoíndios no contexto urbano: Em todo caso, nunca os brancos conseguiram colocar-se como únicos mediadores das trocas e, onde o fizeram, introduziram a monetarização que “degradou” o sistema. Os índios continuaram a relacionar-se entre si, mas utilizando as novas mercadorias dos brancos junto a seus produtos tradicionais. Contudo, sendo agora as mercadorias de origens culturais diferentes (indígenas e branca), à atribuição de valor tradicional, misturouse ao valor dos brancos, isto é, o dinheiro. Isso acontece mesmo quando o dinheiro não entra diretamente na troca (CIDR, 1989: 81). As duas maiores organizações indígenas ligadas à Diocese de Roraima, o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e APIR (Associação dos Povos Indígenas de Roraima), tentam impor-se como mediadoras entre os índios que migraram para Boa Vista. Mas, por causa do preconceito que essas ongs indígenas encontram na cidade, em geral, o índio foge dessa solidariedade. 212 Assim, o contato entre índios e não-índios nos outros municípios não são diferentes do que ocorre na capital Boa Vista, embora ocorram variações localizadas, em função de problemas específicos. 3.2.2 – Alto Alegre Foto 1183: Corredeiras no Rio Mucajai, entre Alto Alegre e Mucajai. A cidade surgiu em 1953, a partir de um pequeno aglomerado de moradias da colônia agrícola Coronel Mota. Em 1977, o povoado foi transformado em vila e, em 1982, com a Lei Federal n. 7.009 foi criado o município de Alto Alegre. Sua área territorial é de 26.109,70 km². Parte de seu território está dentro da reserva indígena Yanomami. Distância de Boa Vista: 80 km. Em 1991, a população184 era estimada em 11.211 habitantes, sendo 3.356 moradores urbanos (IBGE, 1991). 3.2.3 – Bonfim Foto 2: Avenida central da cidade de Bonfim. A cidade, que fica na fronteira com a Guiana, surgiu no final do século XIX. É a porta rodoviária (BR-401) entre Brasil e Guiana. Tornou-se município 183. A partir daqui, todas as fotos que ilustram os Municípios são do Instituto Fecor de Pesquisa e Desenvolvimento. Boa Vista/RR. Abril de 2000. 184. O censo do IBGE (1991) não fez referência à população indígena. 213 em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009. Na década de 1960, fora instalado o Primeiro Pelotão Especial de Fronteira, aumentando o contingente militar na região. Possui uma área territorial de 8.131 km², 21% da qual (1.756,73 km²) é indígena. Distância de Boa Vista: 124 km. Em 1991, o total de habitantes era de 5.436, sendo que 1.221 eram moradores urbanos (IBGE, 1991). 3.2.4 – Caracarai Foto 3: Avenida Central de Caracarai. A pequena “cidade porto” surgiu como um lugar de descanso para tropas de gado que saíam do antigo município de Moura 185, o qual deu origem ao Território Federal do Rio Branco e depois Roraima. As primeiras habitações datam do início do século XIX. Em maio de 1955, pela Lei 2.495, fora transformada em município. Sua área territorial é de 47.623,6 km², da qual 7.638,06 km² são dos índios Yanomami. Distância de Boa Vista: 134 km. Em 1991, a população era de aproximadamente 8.773 habitantes, sendo 5.139 moradores urbanos (IBGE, 1991). 185. Faltam estudos sobre esse importante município na consolidação do Estado português nessa região do Rio Branco. O nome de Freguesia de Moura aparece no século XIX, no Decreto n. 132 de 09 de julho de 1865. Nesse Decreto, o território de Moura foi desmembrado, tendo seu limite abaixo das cachoeiras do Rio Branco, dando origem ao território da nova Freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Boa Vista), com limite a partir dessa área das cachoeiras até a fronteira com a Venezuela e Guiana, na época indefinidas. 214 3.2.5 – Mucajaí Foto 4: Vista parcial do município de Mucajaí. A cidade surgiu com a instalação de uma unidade do 6º Batalhão de Engenharia e Construção nas margens do Rio Mucajaí, para construir a BR-174 que ligaria Boa Vista ao Porto de Caracaraí, em meados da década de 1970. Na época, já havia um pequeno núcleo comercial e de repouso, conhecido como colônia agrícola Fernando Costa, criada em 1951. Com a chegada do 6º BEC, dos operários e seus familiares, o vilarejo aumentou o número de moradias e foi transformado em município em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009. Possui área territorial de 9.740 km² e uma parte dessa área está na reserva indígena Yanomami. Distância de Boa Vista: 52 km. Em 1991, a população era de 11.272 habitantes, sendo que 5.222 eram moradores urbanos (IBGE, 1991). 3.2.6 – Normandia Foto 5: Entrada da cidade de Normandia. Contam os antigos moradores que o pequeno núcleo urbano recebeu esse nome em homenagem a um grupo de condenados liderados por Henri Charriére (Pappillon). Ele teria escapado de uma prisão de segurança máxima na ilha do 215 Diabo, no litoral norte da Guiana Francesa, conseguindo chegar nessa região. Resolveu fixar residência no local, dando-lhe o nome de Normandia. O povoado foi transformado em município em julho de 1982 pela Lei Federal n. 7.009. Sua área territorial é de 7.007,9 km², sendo que 6.913,58 km² são de área indígena Raposa Serra do Sol, correspondendo a 98,65% do total. Distância de Boa Vista: 183 km. Em 1991, a população era estimada em 5.223 habitantes, sendo 1.146 moradores urbanos (IBGE, 1991). 3.2.7 – São João da Baliza Foto 6: BR-210 (Perimetral Norte) atravessa o ponto central da cidade. O povoado surgiu nos primeiros anos da década de 1980, com a abertura da BR-210 (Perimetral Norte). Em julho de 1982 foi transformado em município pela Lei Federal n. 7.009. Sua área territorial é de 4.324,70 km², desse total 1.797,56 km² são de área indígena Wai Wai. Distância de Boa Vista: 327 km. Em 1991, a população era de 6.328 habitantes, sendo que 2.309 eram moradores urbanos (IBGE, 1991). 216 3.2.8 – São Luiz do Anauá Foto 7: Uma das praças da cidade de São Luiz do Anauá. O vilarejo surgiu com o projeto político e econômico do governo brasileiro de ocupação e integração da Amazônia Legal, com a expansão das fronteiras agrícolas nacionais e a construção da BR-210. O lugar faria parte da nova transamazônica de integração do Atlântico (Macapá) ao Peru, como corredor de importação/exportação já que atravessaria os Estados do Pará, Roraima, Amazonas e Acre. Esse projeto não foi efetivado e toda a área construída está no Estado de Roraima. A vila foi transformada em município, em julho de 1982, através da Lei Federal n. 7.009. Sua área territorial é de 1.533,9 km², sendo 23,94 km² de área indígena Wai Wai, que corresponde a 1,56 do total. Distância de Boa Vista: 305 km. Em 1991, a população tinha um total de 3.778, sendo que 2.268 eram moradores urbanos (IBGE, 1991). 3.2.9. O uso da terra nesses municípios De maneira geral, historicamente, a década de 80 e o começo de 90 iniciou um novo tempo na vida dos habitantes de Roraima e instaurou-se um novo espaço social, com a criação de seis novos municípios, como vimos acima. Todavia, a política econômica no uso da terra continuou centrada na exploração agro-pecuária. Entre 1975 a 1980 o Estado totalizava acima de 300.000 cabeças de gado, momento em que muitas fazendas de gado começaram a modernizar os mecanismos para corte. Nesse período, todos os oito municípios desenvolveram 217 “pastos cultivados e suplementação alimentar, e intensos tratos sanitários” (BARROS, 1995). Os Municípios de Boa Vista, Alto Alegre, Bonfim e Normandia concentram o maior número de pastagem natural e criatório de gado. Os outros municípios, por se localizarem em áreas de floresta, desenvolveram a pecuária com pastos plantados e ampliaram o desmatamento para a produção agrícola. Até o início dos anos 90, a produção agrícola nesses municípios era concentrada no arroz, mandioca, milho, feijão e banana. Nesse período, os incentivos fiscais da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) em Roraima, além de quase inexistente, atenderam grupos de fazendeiros remanescentes dos pioneiros e setores do comércio em Boa Vista (id., ibid.). O órgão Federal competente para o exercício da legislação indigenista, que vigorou até o final dos anos 80, pós-Constituição Federal, não conseguiu proteger e nem dar aos índios os direitos assegurados por lei. Ao contrário, em alguns momentos, esse órgão responsável por essa política indigenista, como o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) ou a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), foi opressor ou deixou os índios serem escravizados, como mão-de-obra sempre disponível e barata, como fronteiras vivas na defesa dos interesses do Estado (Roraima/União), segregando-os pelo modelo pedagógico de espírito unificador nacional. Nessa conjuntura corporativista e nacionalista, as etnias indígenas de Roraima começaram a última década do século XX acreditando estar, finalmente, munidas de instrumentos legais, no âmbito tanto Federal quanto Estadual, para encaminhar questões há 400 anos pendentes. No passado, o Estado e o branco disputavam o poder de propriedade sobre o índio e a terra “selvagem”, hoje, o índio e o branco disputam o poder de propriedade sobre a terra que é da União. Nesse percurso, existem muitos pontos 218 contraditórios merecendo estudos jurídicos, em relação aos textos da Constituição Federal de 1988 e da Constituição Estadual de 1991, referentes à política indigenista. As etnias indígenas de Roraima estão cada vez mais se organizando, especificamente após a promulgação das referidas Constituições. Observamos as formas de representações e organizações entre as línguas e culturas das oito etnias186 mais conhecidas. Notamos que essas etnias se dividem: ou se associam ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), em busca da identidade étnica e dos direitos coletivos, ou se ligam ao Estado, em busca da brasilidade e dos direitos privados/civis. Essas questões serão tratadas no próximo capítulo (4). 3.3. A Constituição Federal de 1988, seus conteúdos e rumos Ao lançar mão de nosso principal documento, a Carta Magna, devemos ver como o próprio encaminhamento dos títulos, seus capítulos e menções neles existentes sobre os índios, já nos preparam para o real significado do Capítulo 8 do Título 8, onde eles serão efetivamente tratados em detalhe. Essa Constituição do Brasil, que entrou em sua segunda década, compreende 9 títulos187 num total de 33 capítulos que deverão condicionar e orientar a aplicabilidade de todas as suas normas, bem como as atividades legislativas, executivas e judiciárias, enunciadas em um total de 250 artigos. Observamos que os artigos (1º a 4º) do Título I que tratam dos Princípios Fundamentais constituintes da nação, como um “Estado Democrático de Direito”, mencionam genericamente a “pessoa humana”, “nação”, “sociedade livre”, “justa e solidária”, “o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” e, na clara intenção de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e 186. 187. Wapixana, Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Maiongong, Wai Wai, Waimiri-Atroari e Yanomami. Além dos 83 artigos dispostos no Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias e das Emendas. 219 regionais” (art. 3, III), revela o patente conhecimento de tal quadro. Claro está que o ordenamento jurídico brasileiro garante aos índios a proteção das leis do país, sujeitos a regulamentação especial com o objetivo de reconhecer medidas jurídicas adequadas em defesa de seus direitos de povos indígenas. De qualquer forma, é interessante notar que “povos” são mencionados, na Carta Magna, apenas como estrangeiros (art. 4º); ou seja, os princípios de igualdade, “autodeterminação dos povos” (art. 4º, III), regem apenas as “relações internacionais” e não as internas, uma vez que os povos indígenas não são reconhecidos como tal. Os artigos (5º a 17) do Título II, que determinaram os Direitos e Garantias Fundamentais, apresentam a igualdade de todos perante a lei. O Capítulo I, desse título, dispõe dos “Direitos e deveres individuais e coletivos”. É importante notar que os nascidos no Brasil são brasileiros e, desse modo, a cidadania, o “Direito Coletivo do Índio” estão assegurados como membros da sociedade organizada pelo Estado. Da mesma forma, o Capítulo II (Título II), em seus artigos 6º e 7º, que versa sobre os “Direitos Sociais e do Trabalho” deixa implícito que medidas jurídicas apropriadas devem garantir aos índios, segundo suas culturas, o cumprimento de seus direitos perante a lei. O artigo 8º, do referido Capítulo e Título, que trata da organização do “Direito Coletivo do Trabalho” apresenta a organização sindical e os interesses coletivos dos trabalhadores associados. Há de se observar que tais dispositivos constitucionais devem ser aplicados também aos índios, ressalvando-se, no entanto, as suas particularidades sócio-culturais em relação aos demais brasileiros. O artigo 12 do Capítulo III, Título II, que discorre sobre a “nacionalidade” é um ato declaratório do reconhecimento do índio como “brasileiro nato”, uma vez que nasceram em território brasileiro. 220 Os índios foram colocados também nas regras gerais dos artigos (18 a 43) referentes à “Organização do Estado”, dispostos no Título III, necessitando de um ordenamento jurídico em relação a presença de uma organização políticoadministrativa indígena diversa da nacional. Existe uma orientação no Capítulo II do referido título, que tem por assunto a União, no artigo 20, ao tratar sobre o assunto terra, os legisladores se recordaram de inserir que a propriedade das terras “tradicionalmente ocupadas pelos índios” é da União (inciso XI). A seguir, no mesmo título e capítulo, no artigo 22, determina-se a competência da União para legislar sobre as “populações indígenas” (inciso XIV), bem como sobre naturalizações (inciso XIII), emigração, imigração, extradição e expulsão de estrangeiros (inciso XV). A inserção das populações indígenas (XIV), emblematicamente situadas entre naturalizações (XIII) e expulsões (XV) deve orientar e preparar nossa percepção para o que ainda deve ser esclarecido e regulamentado, assegurando ao índio o exercício de seus direitos perante a ação do Estado. Assim é que, nos 91 artigos do Título IV (arts. 44 a 135), apenas três deles tratam de medidas jurídicas específicas aos índios, ao estabelecerem a competência exclusiva do Congresso Nacional em relação à “exploração” (sic) das terras indígenas (art. 49, XVI). A competência processante no julgo das “disputas sobre direitos indígenas” é dada aos juízes federais (art. 109, XI) e a defesa dos “direitos e interesses das populações indígenas” é realizada pelo Ministério Público (art. 129, V). Os artigos (136 a 144) do Título V que versam sobre a “Defesa do Estado e das instituições democráticas” garantem a aplicação das normas de direito comum a todos os brasileiros. É claro que o bom senso em defesa do direito do índio dita limites prudentes à ação jurídica brasileira. 221 Tais orientações constitucionais devem ser apreciadas no ordenamento jurídico referente aos índios no cumprimento dos artigos (145 a 169) do Título VI que tratam da “Tributação e do Orçamento”. O indígena não tem direito tributário. Ao expressar competências legais nos 22 artigos do Título VII (170 a 192) a Constituição Federal orienta direito comum para todos os brasileiros, proporcionando aos índios, igualmente, o pleno exercício dos direitos nacionais. No entanto, há orientação legal específica as populações indígenas referentes a proteção de suas terras e observações para a exploração de seus recursos minerais188. De maneira geral, a problemática do índio brasileiro caracterizada por visões ideais, fruto do processo histórico e das condições de vida na comunhão nacional, necessita de legislação ordinária, pois existe inequívoca manifestação de reconhecimento do potencial perigo de ações em terras indígenas. No Capítulo III, do referido título, onde são expostos princípios da “política agrícola e fundiária e da reforma agrária” (arts. 184 a 191), as normas constitucionais orientadoras da matéria indígena, apesar de serem contempladas de forma comum aos demais brasileiros, aguardam ordenamento jurídico complementar em face as suas especificidades culturais, sujeitas ao regime tutelar, quando o povo indígena ainda não for emancipado. Do mesmo modo, para não ocorrer erros interpretativos das normas sobre o direito do índio, os artigos (193 a 232) do Título VIII, da “Ordem Social”, precisam de regulamentação ordinária para o entendimento e o exercício comum dos índios e não índios. 188. Art. 176, § 1º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. 222 O Capítulo III, desse título estabelece os princípios da “Educação, da Cultura e do Desporto” (arts. 205 a 217) e, na Seção I – “Da Educação”, somente o artigo 210 que fixa o conteúdo mínimo do ensino fundamental insere normas referentes aos índios. No parágrafo 2º, desse artigo, é assegurado ao índio, além do português, a “utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”. No mesmo capítulo, na Seção II – “Da Cultura”, em conformidade com o artigo 215, § 1º, é assegurado proteção às “manifestações das culturas populares, indígenas” e dos de outros grupos. A partir dos capítulos IV, V, VI até o VII, os textos constitucionais foram expostos de modo a considerar as orientações legais comuns a todos os brasileiros. Vê-se, assim, que as populações indígenas, marginalmente contempladas ao longo do texto constitucional, o são quase sempre em função de suas terras e conseqüente “exploração” das mesmas. Chegamos, assim, à discussão do Capítulo que trata exclusivamente das populações indígenas, dispostos nos dois últimos artigos do Título VIII – Da Ordem Social, que é, também, o último da Constituição, o Capítulo VIII: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua 223 população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o dispositivo no art. 174, §§ 3º e 4º.189 Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Em tais artigos é fundamental termos consciência de certos pontos nodais e analisá-los em função das expectativas de direito por eles gerados e dos descaminhos provocados por tais expectativas. 3.3.1. Expectativas de direito O enunciado sistemático do direito do índio, orientado no artigo 231, é o resultado de um assunto discutido amplamente pela Comissão Constituinte que contou com participações de antropólogos e juristas, além de outros profissionais envolvidos nessa questão. Equívocos sobre conceitos e interpretações retratando a realidade indígena, com aplicação de normas jurídicas observando e assegurando os valores sócio-culturais e as tradições desses povos, são perceptíveis e compreensíveis decorrentes da complexidade no ordenamento jurídico e político do índio e dos demais cidadãos do país. Se não bastasse, a própria trajetória do índio dentro da nação brasileira – ora escravo, ora “isolado”, 189. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 3º O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da Lei. “Compete à União:”...(XXV) estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa. 224 ora “integrado” - sempre manipulado – estruturou diferenças, significativas nesse contexto, por demais graves para serem ignoradas. Assim, tratar de “índios”, genericamente, responde a interesses do Estado nacional, e causa conflitos insolúveis, como veremos a seguir: a) a expressão “habitadas em caráter permanente”, enunciada no teor do § 1º, e o termo “terras tradicionalmente ocupadas” (§ 2º) esbarram na diferente concepção de “tradição” e de “tempo” conforme percebidas na cultura branca dominante e nas indígenas. Nesse sentido, revelam uma diferença interpretativa em relação à tradição indígena que é semi-nômade, fundada no ciclo da natureza e em situações políticas inter-tribais. A relação do índio com a terra, incorporada na dialética entre homem-mundo natural e seus conseqüentes deslocamento pelo território ficam anulados pela definição de uma “permanência” inexistente. Ao índio deve-se garantir, sobretudo, a circulação, já que obrigá-lo a uma fixação alheia à sua cultura é, obviamente, contribuir para o conflito. Ora, a segunda parte do parágrafo primeiro revela o conhecimento de tais necessidades, anuladas, juridicamente, pelo termo “permanente” ali usado no conceito branco, enquanto que, para o índio, sua permanência na terra significa seu direito básico de circular por vastas áreas. O contexto sócio-espacial indígena marca os caminhos da memória contextualizados por seus deslocamentos cíclicos (que refazem a relação homem-natureza) pontuados em distintos lugares do seu território, de dimensões não acessíveis aos critérios sócio-espaciais do branco. O fazendeiro de Roraima, por exemplo, que habita uma área de lavrado há 50 anos, não entende a chegada das famílias indígenas, dos remanescentes das antigas nações habitantes daquele lugar, retornando ao ponto inicial dos seus deslocamentos cíclicos iniciados há bem mais de 500 anos. A “posse”, para o índio, não é, portanto, a imobilidade que caracteriza a ação de posse do branco. Por outro lado, dentro da cultura jurídica dos estados ocidentais, a posse difere radicalmente da propriedade e, ao índio, original e inegável ocupante destas terras, oferece-se a posse permanente, com proibição de qualquer negociação comercial ou seu usufruto por não-índio; b) o dito “ouvidas as comunidades afetadas” e a palavra “participação”, entre os enunciados que definem o § 3º, que orienta normas de exploração da terra, são, na forma da lei, favoráveis ao Estado, pois essa redação constitucional não foi normatizada em função do índio mas sim de quem “os ouve” e, claramente, decide. Aos índios é negada a faculdade de decisão sobre o mais importante elemento constituinte de sua cultura, a terra; c) a expressão “são inalienáveis e indisponíveis”, disposta no enunciado do § 4º, significa a responsabilidade do Estado na política indígena em comunhão com o 225 projeto social nacional. Assim, a “inalienabilidade” e “indisponibilidade”, além da “não prescrição” de tais direitos, que aparentemente dão ao índio sua eterna segurança, não admite, em princípio, que o índio nunca poderá vender ou trocar sua terra. Ou seja, caso o índio for inexoravelmente empurrado rumo à cidadania nacional e, quando atingi-la, com direito a voto, ao alistamento militar, a estudo, a viver “civilizado”, ele não perderá seus direitos originais, impenhoráveis os seus bens; d) o § 5º estabelece nada mais, nada menos do que algo absolutamente banal e corrente em relação a todos os cidadãos de um país e não apenas a minorias étnicas: a remoção de populações em eminência de catástrofes ou epidemias e seu retorno passado o perigo; e) no início do texto do § 6º, o termo “são nulos e extintos” os atos de povoamento e de poder político-econômico branco em terras destinadas aos índios, ainda não adquiriram existência real para as nações indígenas. A marginalização do índio encontra apoio no próprio texto constitucional do referido parágrafo, quando é especificado, além de qualquer dúvida, que tal será “ressalvado” diante de “relevante interesse público da União”. No final desse parágrafo, o texto constitucional não assegura o pagamento de indenização, pela União, ao branco invasor, a não ser aquela referente às benfeitorias feitas na “ocupação de boa-fé”. Tal dispositivo, que em princípio parece privilegiar o branco, na realidade assume, mesmo que não claramente, as responsabilidades do Estado na indução de ocupações de terras “virgens”, algo que, como estamos vendo, vem se repetindo há mais de 400 anos. Ao mencionar “boa-fé”, princípio claramente de ordem moral e de foro íntimo, o texto constitucional abre caminho para solicitações baseadas em pretensões impossíveis de serem contestadas em mais de 90% dos casos190. Tais ocupações, ocorridas ao longo dos últimos 100 anos, deram-se de maneira claramente ilegal, sem títulos de qualquer natureza e, muitas vezes, em terra sabidamente indígena. Se um dos princípios do Código Civil é que “não é dado ignorar a lei”, dar abertura, na Carta Magna, as indenizações provenientes de “ocupação de boa-fé” a quem a ignora é, salvo melhor juízo, o Estado ignorando suas próprias leis. Não demarcando as terras indígenas e não criando mecanismos de real vigilância sobre elas, a União se oferece como palco à reprodução de situações de conflitos insolúveis. Em termos claros: o poder público convida o branco a ocupar terras “virgens” que não o são, sem mostrar-lhe as fronteiras das possibilidades legais. Tais ocupações têm a brecha constitucional de serem consideradas “de boa-fé” e 190. As fazendas instaladas em Roraima no período colonial (séculos XVIII-XIX) possuem títulos dados pelo Governo do Grão-Pará ou do Estado do Amazonas (período republicano). Assim, as demais fazendas instaladas na região, nos últimos 100 anos, aguardam decisão fundiária e não têm reconhecimento oficial, possuindo apenas título de posse e não de propriedade (cf. ALMEIDA & MOURÃO, 1976:75 e comentários nas pp. 179/81). 226 a União deve pagar por elas. Se não bastasse tal quadro surrealista, o branco, na maior parte das vezes, recusa-se a aceitar as indenizações da União e o círculo vicioso se mantém. Os casos de maiores evidências nos enfrentamentos estão relacionados às reservas indígenas Raposa/Serra do Sol, Yanomami, WaimiriAtroari e Wai Wai. 3.3.2. Os descaminhos provocados por tais expectativas de direito A questão indígena em Roraima, hoje, está intimamente ligada não só ao reconhecimento da cidadania étnica como às demarcações das terras indígenas. Essa questão exige um exercício de compreensão desses enunciados geradores de expectativas de direito do índio e do não-índio, após a promulgação da Carta Magna de 1988. As expectativas de direito geradas pela Carta Magna iludem não apenas o índio como o branco, sobretudo porque o poder público também as têm. O gráfico abaixo procura expor quão intrincadas são as expectativas, relacionadas sobretudo à questão fundiária. Participantes do Conflito Índios CIR193 e ONGs Indígenas Manutenção de direito indígena ONGs indígena contrárias ao CIR Manutenção de direito à integração nacional União191 Brancos Posseiros Fazendeiros Mineradoras Setores empresariais e comerciais Estado192 OAB/RR Políticos e Lideranças sociais 191. Como proprietária. Estado de Roraima como “mediador” com partido tomado. 193. Conselho Indígena de Roraima ligado à Diocese local. 192. 227 O texto constitucional elaborado, entre 1987-88, por constituintes que se imaginavam de perfil humanista, capazes de dar ao país a sonhada democracia nacional, gerou expectativas de direito provocadoras do aprofundamento dos canais de desencontro entre as próprias famílias indígenas e entre os índios e os brancos, além dos já existentes entre o Estado e a União. Os índios não são ouvidos (direito garantido no art. 231, §3º) e enfrentam-se com mineradoras e garimpeiros em terras consideradas áreas indígenas, ali estabelecidos sem o aval do Congresso Nacional (id., ibid.). Esses diferentes grupos sociais e representantes governamentais aguardam diretrizes do setor jurídico que, junto ao Estado/União deverá regulamentar medidas legais do direito dos índios, esclarecendo o direito à diferença de sua “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e os “direitos originários” de posse da terra. Inclusive, diante dos novos tempos, a posse da terra pela nação indígena, de cunho coletivo e dinâmico, que deverá ser fixada em caráter perpétuo, não fora tratada em pormenores jurídicos para sua aplicabilidade. Tal conflito é experimentado tanto no contexto rural como urbano de Roraima. Uma das mais sérias polêmicas geradas por esses postulados jurídicos é o caso194 da reserva São Marcos (antiga fazenda particular do século XVIII), que desde 1916 era administrada pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) como se fosse uma área indígena. Com a Portaria n. 1.149, de 22/11/80, a FUNAI legalizou o território da fazenda, demarcando-o como área para usufruto exclusivo dos índios. No entanto, foi questionado pelos brancos habitantes de São Marcos se essa ação era justa, pois essa reserva continha 50 fazendas de 194. Na mesma época (1979-82), surgiram, também outros casos envolvendo conflitos entre as delimitações das terras pertencentes ao município de Normandia com as pertencentes à reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Além dessa, a confusão fundiária envolveu as delimitações das terras pertencentes ao município de Boa Vista com as da reserva indígena Yanomami. Esse tema foi mencionado no item 3.2 e será retomado no Capítulo 4. 228 pecuaristas, agrovila, importante posto comercial e de segurança denominado vila do BV-8 (transformado no município de Pacaraima, em 1995), etc. Toda essa estrutura branca seria desmontada? Os argumentos abordados nos textos constitucionais, legais e reguladores sobre ocupação da terra tradicional pelo índio, deram espaços para parâmetros antropológicos discutíveis. Os problemas de interpretação da necessidade da produção física e cultural do índio, conforme seus usos, costumes e tradições, ampliaram os interesses da posse da terra entre o Estado (Roraima/União) e os segmentos da sociedade roraimense. Conforme a Lei Maior todos serão contemplados. No que se refere ao termo “posseiro” criou-se na região uma nova situação relacionada ao conflito fundiário, onde os povos indígenas passaram a ser vistos como grileiros. O índio que espera a concretização de seus direitos não é mais olhado como primeiro habitante, mas como usurpador da terra alheia. Some-se a isso, como mais elementos de desacertos, os projetos desenvolvimentistas (assentamentos, agro-pecuária, agro-indústria, mineradoras, com grau e formas de intrusamento nos territórios indígenas) cada vez mais agressivos, com interesses voltados para os recursos de valor econômico existentes nas terras em litígio, que generalizaram a crise com cooptação de algumas lideranças e famílias indígenas. A desfiguração que o Estado e segmentos da sociedade nacional fazem da Lei Magna amplia a confusão conceitual jurídica, política e econômica onde ninguém abre mão de sua pretensa propriedade: nem mesmo o poder público. A leitura dos recentes dispositivos constitucionais cristalizadores desse conflito, os fundamentos do Estatuto do índio em relação à própria conceituação de índio e sua organização cultural (cf. SOUZA FILHO, 1994; MARÉS, 1999, citados acima, pp. 184/187), nos indicam que a Lei Magna adota princípios cujas características distinguem a população indígena da sociedade nacional. O índio é 229 culturalmente diferente, mas é assegurada a sua cidadania nacional. O índio, integrado ou em vias de integração ou o “isolado” (estabelecido no contexto da memória cultural), que deseja ter reconhecido o direito de exercer a cidadania brasileira (possuir documentos, prestar serviço militar, etc.) tem, em princípio, assegurados tais direitos na Carta Magna, sem perder a sua identidade indígena. No entanto, pode-se observar que o índio só perderá a identidade racial quando ele solicitar juridicamente, junto ao órgão competente, a sua emancipação. 3.4 A criação do Estado de Roraima O Estado de Roraima foi criado, pela Constituição Federal de 1988, dentro de princípios e de regras que deveriam normatizar a nova função da máquina burocrática do Executivo estadual e as interações entre os poderes da esfera Estadual em parceria com a esfera Federal. Nesse sentido, essa Constituição brasileira, que favoreceu o projeto político de redemocratização do Brasil, transformou o Território Federal de Roraima em Estado da União e, também, fez surgir a idéia de entidade guardiã da fronteira nacional. O governo Federal continuou indicando os governadores durante a fase de transição de Território Federal para Estado, até dezembro de 1990. A nova situação institucional procurou dar fundamentos às linhas estruturais de governabilidade, sobretudo a partir do governador eleito para o período entre 1991 e 1994, respeitando o enunciado do parágrafo primeiro do artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988, referentes às mudanças geopolíticas: Art. 14. Os Territórios Federais de Roraima e do Amapá são transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos. § 1º A instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos Governadores eleitos em 1990. 230 § 2º Aplicam-se à transformação e instalação dos Estados de Roraima e Amapá as normas e os critérios seguidos na criação do Estado de Rondônia, respeitando o disposto na Constituição e neste Ato. § 3º O Presidente da República, até quarenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, encaminhará à apreciação do Senado Federal os nomes dos Governadores dos Estados de Roraima e do Amapá que exercerão o Poder Executivo até a instalação dos novos Estados com a posse dos Governadores eleitos. § 4º Enquanto não concretizada a transformação em Estados, nos termos deste artigo, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá serão beneficiados pela transferência de recursos prevista nos arts. 159195, I, a, da Constituição, e 34196, § 2º, II, deste Ato. Procurando agir dentro da nova ordem política de estruturação do poder administrativo do novo Estado, o governador197 e o seu vice estabeleceram, por medida provisória, a estrutura do poder Executivo de Roraima. Do mesmo modo, usando prerrogativas constitucionais, instalaram-se o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Os componentes dos dois Tribunais foram designados pelo governador, que nomeou, também, o Procurador-Geral de Justiça para o Ministério Público Federal. Em dezembro de 1991, a Assembléia Legislativa promulgou a primeira Constituição do Estado de Roraima. Os constituintes que elaboraram os textos asseguraram aos índios direitos diferentes daqueles pertinentes à sociedade nacional, tanto na Constituição Federal quanto na Estadual, acreditando, salvo melhor juízo, que tais enunciados constitucionais fossem dispostos de forma clara para que o Estado/União os cumprissem, na forma da lei. A Constituição Estadual de 1991 acabou corporificando grande parte das expectativas e dos desencontros de direito presentes na Carta Magna, como veremos abaixo. 195. Art. 159. A União entregará: (I) do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e sete por cento na seguinte forma: (a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; 196. Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores. (§ 2º) O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios obedecerão às seguintes determinações: (II) o percentual relativo ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal será acrescido de um ponto percentual no exercício, até 1992, inclusive, atingindo em 1993 o percentual estabelecido no art. 159, I, a; 197. Ottomar de Souza Pinto e o vice Antônio Airton Oliveira Dias. 231 Essa Constituição roraimense compreende 7 títulos198 num total de 27 capítulos enunciando os fundamentos e os objetivos que deverão orientar as funções do legislativo, executivo e judiciário, determinados sistematicamente em um total de 184 artigos. Ao definir os artigos (1º a 3º) o Título I refere-se aos Princípios Fundamentais de formação do Estado como “unidade inseparável” da União e aos objetivos para “incentivar o intercâmbio sócio-econômico, cultural, político e ambiental, no âmbito dos Estados da Amazônia Legal” (art. 3º, III). Semelhante ao disposto na Constituição Federal (88), trata genericamente do Estado, da sociedade livre, justa e solidária, do desenvolvimento regional e do bem comum de todos, reconhecendo a crise do quadro não só brasileiro como roraimense. Do mesmo modo que a Lei Magna, os povos indígenas são reconhecidos na comunhão nacional, como habilitados para o exercício da vida civil. Nesse sentido, no Título II, que menciona os princípios dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, o Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) apresenta todos os habitantes do Estado como “iguais perante a Lei” (art. 4º) e, seguindo os mesmos rumos da Carta Magna (arts. 5º a 17), incorporou os índios nesses princípios. O Capítulo II (Título II), que no artigo 5º trata dos “Direitos Sociais” 199, também reitera, em parte, a forma disposta na Constituição Federal (Título VIII – Da Ordem Social) onde o povo indígena tem os mesmos direitos, objetivando à melhoria de sua condição de vida, como orienta os dispositivos do referido artigo. Nenhum dos 24 artigos do Título III (arts. 6º a 29) estabelece ordenamento específico para as populações indígenas. O referido título define a 198. Além de 17 artigos dispostos nos Atos das Disposições Constitucionais. Os direitos sociais, nesse artigo da Constituição do Estado, foram definidos como: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. 199. 232 “Organização do Estado”, dos “Municípios” e da “Administração Pública” e, nesse caso, a organização de uma administração indígena deverá ter as mesmas orientações da nacional, repetindo, assim, os dispostos no Título III da Constituição Federal referentes, também, à “Organização do Estado”, já comentada. O Capítulo I (arts. 6º a 14), do título acima, no artigo 11 (inciso XI) estabeleceu ao Estado competência para “proteger e conservar as florestas, a fauna, a flora e os campos gerais e lavrados”, privilegiando a produção “agropecuária e industrial” (id., inciso XII) e também combatendo a pobreza e a marginalização, estabelecendo políticas de “integração social dos setores desfavorecidos” (id., inciso XIV). Os princípios propostos nesse capítulo fazem, também, referência genérica das populações indígenas, como pessoas nascidas no território do Brasil. Os artigos (30 a 103) do Título IV que versam sobre os fundamentos da “Organização dos Poderes” (Legislativo, Executivo e Judiciário) e das instituições democráticas, legisladoras de princípios e regras que envolvem o cotidiano de todos os habitantes de Roraima, incluem aí uma alusão aos povos indígenas, acatando grande parte dos dispostos no Título IV (Organização dos Poderes) da Constituição Federal, que mencionou de modo específico os índios em apenas três200 dos 91 artigos do referido título da Lei Magna. Os artigos (104 a 116) do Título V que contempla princípios da “Tributação e do Orçamento” tem como base a Carta Magna e Leis Complementares federais e, assim sendo, incluem genericamente as populações indígenas em seus dispositivos tanto nos fundamentais para o Estado como nos demais municípios roraimenses. Isso é comprovado na Seção VI (Capítulo I, Título V) que trata da “Política de Incentivos” com metas de apoio aos 200. Constituição Federal de 1988, Título IV, artigo 49 (inciso XVI), artigo 109 (inciso XI) e artigo 129 (inciso V), já comentados. 233 “estabelecimentos de micro e pequeno porte dos setores agropecuários, agroindustrial, comercial e da prestação de serviços” (art. 110), não regulamentando medidas adequadas em tal política os índios e suas terras. Nos 16 artigos do próximo Título VI (arts. 111 a 132) que enuncia princípios da “Ordem Econômica e Financeira”, nem em seu Capítulo III (Das Políticas Agrícolas, Fundiária, Pesqueira e Mineraria) observa fundamentos e valores necessários ao desenvolvimento das populações indígenas. A Constituição Estadual foi formulada de modo a reiterar a idéia de cautela nas ações em terras indígenas, em conformidade com Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) da Lei Magna, mas nada acresce para resolver a questão. Essas Constituintes (Federal/Estadual), como resultado de um equilíbrio de forças e de interesses, necessitam de uma análise jurídica dos conflitos internos as Constituintes e externos a elas, para que todos os brasileiros tenham maior garantia e defesa mais eficazes perante a lei. Assim, chegamos aos últimos capítulos e artigos (133 a 184) dispostos no Título VII que aborda fundamentos da “Ordem Social”. Semelhante aos enunciados da Constituição Federal, esse título confirmou os princípios observados no Título VIII (Da Ordem Social) da Carta Magna. Essa comprovação ficou evidenciada quando da fixação de paradigmas constitucionais referentes aos povos indígenas estarem inseridos abaixo de capítulos que enunciam fundamentos “Da Seguridade Social”, com princípios específicos à assistência social “Da Família, Da Criança, Do Adolescente e do Idoso”, sendo acrescido os “Portadores de Deficiência”. Esse título foi o único que considerou as nações indígenas, apresentando-as no Capítulo VII (Dos Indígenas, Art. 173)201. 201. Seguido de Capítulos que tratam “Da Defesa do Consumidor” (Cap. VIII), “Da Segurança Pública” (Cap. IX), “Da Política Habitacional” (Cap. X), “Do Sistema de Transporte” (Cap. XI) e “Da Comunicação Social” (Cap. XII), os quais incorporam os índios em comunhão nacional. 234 Assim, o único artigo que referencia o índio juridicamente é o de nº. 173. Art. 173. O Estado e os Municípios promoverão e incentivarão a proteção aos índios em conformidade com o que dispõe a Constituição Federal. Parágrafo único. Será assegurada à população indígena promoção à integração sócioeconômica de suas comunidades, mediante programas de auto-sustentação considerando as especificidades ambientais, culturais e tecnológicas do grupo ou comunidade envolvida. A novidade que parece assumir tal descompasso normativo aos direitos dos índios se observa nos termos “população” e “índios”. Essas complexas nomeações e conceituações aumentaram as confusões, pois há algumas divergências nas interpretações entre os estudiosos que tentam elucidar tais termos, relevantes para a tomada de decisões no âmbito do universo indígena. Não abriremos uma discussão sobre os dois termos. No entanto, os estudos etnológicos definem o “índio” como o indivíduo nascido na etnia indígena, designando desse modo o nativo do Novo Mundo desde o século XV. Esse nativo compartilha de um conjunto de traços e elementos básicos, que são comuns a todos indígenas e os diferenciam entre si e, também, da sociedade branca. A língua, como exemplo, é um dos aspectos da diversificação cultural indígena. Já o temo “população” aparece nos estudos fazendo referência ao conjunto de indivíduos habitantes de determinado lugar, região, país. Designa, em geral, sociedades organizadas em Estado mas, quando se referem à população indígena ou tribal dão tratamento de categoria particular e inserida no Estado branco, município ou região de controle estatal. A sociedade branca tolhe, portanto, ao termo “população indígena”, a idéia de organização sócio-cultural do índio: são apenas números dentro do universo mais vasto da sociedade nacional. Os textos constitucionais (Federal e Estadual) instituíram uma nova idéia tanto de Direito como de Estado (o Estado Democrático) e incorporaram princípios de transformações da situação existente. Esses textos inovaram por demonstrarem certo interesse em incluírem os índios como grupos culturais 235 distintos da sociedade nacional. No entanto, as concepções jurídicas que lhes servem de fundamento não apresentaram orientações jurídicas específicas sobre o “Direito Coletivo” ou o “Direito Originário”, absolutamente vitais para a questão indígena. Na literatura jurídica (cf. MELLO, 1984; SIDOU, 1990; NUNES, 1995) encontramos referências sobre “Direitos Coletivos”, no plural, mas referindo-se às garantias dispostas na Constituição Federal (88) em conformidade com o artigo 5º202 que trata genericamente de princípios do “Direito Coletivo do Trabalho” (o mesmo que “Direito Sindical”), relacionado com as associações de empregados e empregadores. Quando citam “Direito dos Povos” estão usando os mesmos princípios universais dos “Direitos Humanos”203 e dos “Direitos Fundamentais”204, sem que nenhum desses conteúdos jurídicos revelem concepções de “Direito Coletivo” ou “Direito Originário” dos índios. A real questão subjacente às dificuldades de se definir os direitos indígenas é a idéia de identidade coletiva. A cultura branca nacional, de caráter segregacionista não dispõe, no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico), de mecanismos para o recenseamento de cidadania coletiva. O índio identificado como parte de famílias indígenas integradas, em vias de integração ou isoladas (em distintos modos de vida “tradicional” num contexto de desenvolvimento econômico e de mobilidade crescente) são conduzidos inexoravelmente à cidadania brasileira. 202. Art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:...” dispostos em 77 incisos. 203. Direitos com base na história e Declaração aprovada por Assembléias Constituintes após a Revolução Francesa (1789,1793 e 1795). Inspirados na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 1776. São direitos considerados inerentes ao homem como ser social, independentemente de sua raça, sexo, idade e religião, que lançam os fundamentos teóricos das modernas democracias liberais e socialdemocratas. Assim, os Direitos Humanos são reivindicações de liberdade e igualdade para todos os seres humanos (cf. SIDOU, 1990). 204. Cf. Constituição Federal de 1988, artigos 1º a 4º: “Dos Princípios Fundamentais”. Artigos 5º a 17: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. 236 A reflexão sobre identidade ou direito coletivo inseridos no contexto da cultura ocidental vem recebendo crescente atenção por parte dos estudiosos que apontam, justamente, a negação do princípio de igualdade do cidadão, dentro dos princípios de direito ocidentais: O fator crítico parece ser o desenvolvimento ou não de idéias – além da reapropriação da auto-estima da identidade coletiva da minoria – de constituir uma comunidade não só diferente, mas essencialmente separada da sociedade da maioria; ou pior ainda, encarregada de uma “tarefa” religiosamente sancionada contra esta sociedade. (...) Depende do diálogo entre as várias culturas coabitando o mesmo espaço decidir quais tendências se tornarão predominantes. (...) Atribuir direitos coletivos especiais a grupos culturais ou biologicamente fechados, quaisquer as justificativas, não condiz facilmente com a cidadania que, no sentido ocidental do conceito, nega privilégios grupais e reconhece como cidadão só o indivíduo destituído de (ou ao menos fazendo abstração de) suas identidades comunitárias (DEMANT, 2003:380). Assim, essa nova idéia identitária conduzindo formalmente à cidadania coletiva a nossa minoria indígena, não pode ser construída tendo-se em mente as normas e instâncias atuais da cultura branca, que necessitaria de profundas alterações: A expressão Política Identitária tornou-se moeda corrente nos Estados Unidos. Ela significa as reivindicações de determinadas minorias para que sua especificidade e sua identidade sejam reconhecidas e leis sejam criadas, podendo ir da simples concessão de direitos ou privilégios especiais até a concessão de formas de autonomia política e governamental (SEMPRINI, 1999:56). Nesse sentido, a inclusão do direito comunitário indígena no contexto de Roraima, comprovadamente fracassou durante a década de 1990 porque tal direito ainda não tem um ordenamento jurídico e os interesses da prática política do Brasil não incorporam formas de autodeterminação distinta da forma nacional branca. Além desses conflitos, que envolvem interesses econômicos em relação ao território indígena, há outros envolvendo questões ideológicas associadas à “Segurança Nacional”. A divisão das opiniões na sociedade roraimense se 237 estabelece entre os que querem a defesa do território nacional contra estrangeiros e se opõem à demarcação de terras indígenas em área única e aqueles que defendem os princípios da lei que assegura os direitos de demarcação de terras aos índios. Com isso, tanto os interesses políticos e econômicos que atuam no Estado como o desejo de ver aplicado os direitos indígenas aumentaram os conflitos, que chegaram ao seu ápice com a criação de novos municípios, tratada no item 3.2 (acima) e, também, será retomada no Capítulo 4. Nesse novo momento político em que há a busca do modelo “civilizatório”, das “virtudes cristãs” e das motivações econômicas mundiais, os índios do Território Federal do Roraima viram distanciar-se, principalmente com a instalação do Estado Federado em 1991, a possibilidade de manutenção de sua cultura, em função de projetos governamentais voltados exclusivamente para o branco. 238 CAPÍTULO 4 A primeira década do novo Estado Os direitos constitucionais enunciados nos artigos 1º e 3º do Título I (Dos Princípios Fundamentais) da Constituição Federal de 1988 e reiterados pela Constituição Estadual de Roraima de 1991 (cf. Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4), eram, sem dúvida, os principais orientadores para a atuação dos governantes, tanto de Roraima quanto do Brasil, referentes às legislaturas205 da década de 1990 até dezembro de 2002 e, como tal, deveriam ter sido aproveitados. O despertar do novo Estado de Roraima vê os pequenos campos de pouso no meio da floresta roraimense bombardeados pelo governo federal, que acabava com o sonho do El Dorado dos garimpeiros e empresas mineradoras que viviam o “boom” do ouro em áreas indígenas. Em 1991, a população do Estado era de 217.583 habitantes (IBGE, 1991) e boa parte dela era envolvida direta ou indiretamente com os garimpos. Nesse referido ano, Roraima enfrentava dificuldades em manter os colonos nos assentamentos pela carência de infra-estrutura tanto econômica como social. A capital Boa Vista recebia os colonos que abandonavam os lotes e aumentavam a miséria urbana, necessitando de investimentos e ampliação da infra-estrutura para atender cerca de 122.600 habitantes (IBGE, 1991). Não existe um censo sobre as famílias indígenas que migraram, também, para Boa Vista fugindo dos confrontos (índios, fazendeiros, garimpeiros, empresários) nas áreas das malocas. 205. Em Roraima, a primeira é referente ao período de janeiro 1991 a dezembro de 1994; a segunda, de janeiro de 1995 a dezembro de 1998; a terceira, de janeiro de 1999 a dezembro de 2002. Os representantes do executivo estadual foram: Brigadeiro Ottomar de Souza Pinto e engenheiro Neudo Campos nas duas últimas legislaturas. Na Presidência da República tivemos Fernando Collor de Melo e, depois do Impeachment, Itamar Franco até 1994, nas duas últimas Fernando Henrique Cardoso. 239 Para mudar essa situação, novas medidas governamentais foram tomadas no ano de 1992, tendo por fim o fortalecimento do poder local, em parceria com o federal, na solução do conflito envolvendo o Estado, índios e não-índios. No dia 8 de setembro de 1992, o governo federal editou a Instrução Normativa nº 3, com novos preceitos legais, considerados por técnicos governistas como um ágil e eficiente mecanismo para normatizar a situação fundiária em Roraima. Contudo, o instrumento governamental, que visava a solução equilibrada na estruturação do novo espaço social roraimense, também enfrentou dificuldades para sua aplicação. Considerando a localização geográfica roraimense, com limites fronteiriços internacionais, tornou-se difícil o recurso cabível na legalização das terras estaduais. A Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima (AMBTEC), embora mesclando informações e normas, apontava dados da atual situação das terras em Roraima, lançando dúvidas sobre a solução fundiária, pois mais de 76% do território é de propriedade da União, sendo administrado por órgãos federais impedidos de abrir mão da jurisdição sobre esse território (cf. Cap. 4, p. 201): Segundo o Inciso II, do Artigo 20206, e do Parágrafo 2° da Constituição Federal, e conforme o Artigo 1° da Lei 6.634, de 2 de maio de 1979, todas as terras localizadas em faixa de fronteira, numa largura de 150 km, são propriedades da União. Igualmente são patrimônio federal as terras que margeiam rios e igarapés. Além disso, também são propriedades da União todas as terras que tenham sido registradas em seu nome, durante os 19 anos de vigência do Decreto-Lei 1.164/71. Dessa forma, mais de 76 por cento das terras de Roraima pertencem, legalmente, ao patrimônio da União, estando elas sob jurisdição da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, do Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e do Ministério do Exercito (AMBTEC, 1993: 35). Some-se a isso que as terras habitadas pelas diferentes etnias indígenas são de propriedade da União. 206. Art. 20. São bens da União ...(II) as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, ...(§ 2º) A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. 240 Em meio a esses problemas, contudo, a última década do século XX dava esperanças aos habitantes de Roraima, com a inauguração do novo governo, que prometia respeitar os direitos constitucionais, vistos como propiciadores oficiais de soluções. Para alguns estudiosos, essa Constituição Federal garante a construção de uma sociedade mais justa, pois respeita os direitos da população indígena: “é a mais democrática de todas que o Brasil já teve, e se inscreve na linha das Constituições democráticas européias elaboradas depois da Segunda Guerra Mundial, das quais, aliás, sofreu bastante influência” (DALLARI, 2001:49). No entanto, essas Constituições (Federal e Estadual) provocaram situações violentas e discussões sobre legalidade e injustiça, na relação entre Estado, índios e não-índios, em função de suas incoerências de base, como apontado acima, às págs. 187. Como implantar a Constituição Estadual de 1991? As referidas incoerências de base não são percebidas e nem discutidas pela sociedade e o poder público é omisso frente a elas. Na fase final de transição política – previamente às Constituições, os governadores indicados para Roraima tinham ganho certa autonomia e controle sobre as bases políticas e as bancadas federais. Tal situação desagregadora de coalizão política nacional fortalecendo a local ganhou força após a Constituição Federal de 1988 e o modelo unificador do federalismo foi se tornando frágil em conseqüência da democratização do novo sistema político do Brasil dos anos 90 (ABRUCIO, 1998). 4.1. Os legisladores estaduais e suas propostas No pleito eleitoral de 1990, somente 68.720 dos 86.226 eleitores habilitados em Roraima votaram e elegeram o primeiro governador do Estado. A abstenção representou um total de 20,3%. Os resultados das votações para governador no primeiro turno foram: Ottomar de Souza Pinto (PTB) com 27.143 241 (39,49%), Romero Jucá Filho (PDS) com 22.349 (32,58%), Getúlio Alberto de Souza Cruz (PSDB) com 8.407 (12,23%), Neudo Ribeiro Campos (PRN) com 3.025 (4,40%), Roberto Dragon da Silva (PT) com 1.195 (1,73%), Belgerac Vilela Batista (PSC) com 659 (0,95%). No segundo turno, Ottomar Pinto207 foi eleito com 32.506 votos (50,33%), ultrapassando Romero Jucá que obteve 28.993 votos (44,89%) (Fundação Ambtec, 1993:271). Após a instalação do aparato institucional e organizacional das diversas esferas do poder governamental estadual, o governador tomou posse em 1º de janeiro de 1991 e em dezembro do mesmo ano a Constituição Estadual foi promulgada. Essa Constituição enunciou dispositivos gerais da administração pública, no seu artigo 19, encaminhando ao executivo estadual o cumprimento dos “princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”. A primeira legislatura da Assembléia Legislativa de Roraima ganhou o reforço de 24 deputados estaduais eleitos nesse pleito de 1990. Do total de deputados estaduais eleitos, apenas 30% era nascido em Roraima, enquanto que do total da bancada federal208 (deputados e senadores) nenhum era nascido em Roraima, embora todos se dissessem empenhados em concretizar o grande anseio da sociedade roraimense: soluções para os conflitos fundiários entre índios e não-índios. Não que se deva considerar o local de nascimento como credencial para empenho político. Estes dados, contudo, apontam para uma situação de 207. O pernambucano Ottomar de Souza Pinto fez parte, também, do grupo dos governadores militares indicados para o Território Federal de Roraima pela Aeronáutica no período de 1964 até 1985. Como governador nomeado pelo presidente do Brasil, o Brigadeiro Ottomar assumiu o Governo do Território Federal em abril de 1979, substituindo o Coronel Fernando Ramos Pereira. Com as mudanças políticas no cenário brasileiro decorrente das eleições de 1982, a abertura política acelerando o fim do governo militar, o movimento “Diretas Já”, apontaram Roraima como o novo campo político propulsor ao federalismo. Nesse sentido, ex-governadores do ex-Território Federal, retornaram para Roraima e estabeleceram alianças com as elites locais, instituíram “currais” eleitorais, estratégias para usufruto da “máquina pública” na política local e no controle da bancada federal, entre outros mecanismos da política de troca de favores propícios aos interesses pessoais e à estruturação de poder da nova base política roraimense, favorecida pela redemocratização brasileira. 208. Entre os Deputados Federais eleitos no pleito de 1990, Tereza Jucá (PDS, esposa de Romero Jucá, ex-governador), concorreu às eleições municipais de 1992, sendo a primeira mulher eleita para governar Boa Vista, tomando posse em 1º de janeiro de 1993, para o período de 1993-96, assumindo na Câmara dos Deputados o seu suplente, Luciano Castro. 242 configuração dos destinos roraimenses a pessoas de recente e parcial vivência dos problemas da terra e da sociedade que representam. No decorrer dos quatro anos de mandato, observou-se que o governo estadual esqueceu os dispositivos constitucionais e voltou sua atenção para a questão fundiária, reivindicando a transferência das terras da União para o poder do Estado de Roraima, alimentando os debates entre os representantes dos setores governamentais e econômicos na busca de recursos para ampliar os negócios da agropecuária e da agroindústria, melhorando a situação dos não-índios, especialmente os da área comercial e empresarial. Com relação aos índios, o governo em parceria com a FUNAI continuou o projeto pedagógico de intervenção “civilizadora” para “educar” o índio segundo a idealização do Estado. Foram instaladas escolas em todas as malocas indígenas com a finalidade de emancipar todas as crianças e conduzir o índio à sociedade nacional local: (...) são escolas multi-séries, isto é, agregam alunos de diferente nível escolar numa única sala. (...) Freqüentemente o ensino só vai até a 4ª série do 1º grau. Quando existem fazendas na área, também os filhos dos fazendeiros freqüentam a escola da aldeia. A programação escolar é imposta pelo governo e tem conteúdos típicos de cultura européia (história da Grécia e de Roma antiga, por exemplo). A língua falada é o português e não é reconhecido o uso da língua indígena (FERRI, 1990:47). Nesse processo governamental, a FUNAI local viveu uma duplicidade na sua atuação política, ora apoiando o governo estadual no projeto de integração do índio na cultura nacional e ora apoiando o Conselho Indígena de Roraima (CIR) na tentativa de legalizar os direitos constitucionais dos índios. O projeto pedagógico antes mencionado queria eliminar a figura do índio seminômade e sem escrita. O sistema educacional do governo transformou-se em sistema de combate à língua e ao processo próprio de aprendizagem indígena, provocando cisão entre os líderes e tuxauas das malocas. Na prática, o projeto do executivo estadual não era coerente entre a fala (quando afirmava o exercício das 243 funções de um Estado democrático) e a aplicabilidade do projeto que cumpria funções de um Estado ainda autoritário e marcadamente homogeneizado. Para efetivar tal proposta governamental, utilizou-se a idéia oriunda do projeto político gerado no Estado Novo, que apresentava o índio na ótica idealizada do herói209, visando integrá-lo na sociedade “civilizada” e, ao mesmo tempo, com a eliminação dos traços culturais do índio em Roraima, usurpar os seus direitos constitucionais negociando a questão da terra com a figura do emancipado o qual não entendia que a emancipação cancela definitivamente tal direito: Nunca os políticos e os governantes de Roraima se preocuparam com as peculiaridades e as diferenças das populações indígenas que passam por um processo de integração. Só se quer utilizar a força de trabalho que os índios oferecem em troca de garantias mínimas de sobrevivência. Políticos e governadores se preocupam apenas com o potencial eleitoral dos índios. Presentes, subornos, ameaças, politicagem e cachaça entram nas malocas e nos bairros pobres de Boa Vista todas as vezes que se aproxima um pleito eleitoral (FERRI, 1990:78). O texto acima mostra a consciência quanto à atuação dos políticos dentro e fora da maloca, usando o índio segundo os interesses do momento eleitoral. Essa estrutura do poder estatal não propicia a superação dos problemas que envolvem índios (pró-tradição e pró-nacional) e não-índios. Tal situação pode ser compreendida a partir da identificação da ideologia emancipacionista que orienta a tutela do índio por meio de órgãos assistencialistas de apoio ao governo: Enquanto isso, a ASTER e LBA desenvolviam as suas ações integracionistas, sobretudo nas malocas indígenas localizadas perto de Boa Vista. Em particular a LBA não esconde as suas finalidades e a sua campanha de documentação para os índios, comprova-as claramente: um índio com carteira de identidade, título de eleitor, CPF, etc., está já “integrado” e em nada difere, segundo este órgão, de qualquer outro morador de Roraima. Além do mais, no tribunal o juiz da comarca local considera oficialmente “emancipados” os índios que possuem esses documentos (CIDR, 1990:5). 209. Nessa visão a figura do índio é colocada no passado, na figura romântica do nativo viril que auxiliou os colonizadores luso-brasileiros na conquista e defesa do território nacional. Nessa perspectiva, hoje, o índio é identificado como emancipado e brasileiro-nato. O índio “isolado” é visto como parte da terra “selvagem”, necessitando “civilizá-la” instalando e modernizando o novo espaço social. 244 Esse texto denuncia, claramente, os mecanismos da eliminação do índio pelo projeto de emancipação, que foi rejeitado pelas famílias indígenas as quais se organizaram e integraram o Conselho Indígena de Roraima (CIR) na virada dos anos 80 para os 90. Até o final dessa primeira legislatura (1994), os ideólogos do governo federal e do estadual envolvidos na solução do conflito da transferência legal das questões da alçada federal para o poder estadual, não haviam resolvido tal conflito que perdura até o início do século XXI. No bojo dessa questão, podemos considerar três aspectos que dificultaram o entendimento entre a esfera de poder governamental (estadual e federal) e a sociedade local (índios e não-índios): a) a visão cultural e de parentesco com a terra experimentada pelo índio210, como valorização da organização social, onde predomina a solidariedade coletiva e que emprega, independente do poder governamental, formas de autogestão; b) a forte relação capitalista de exploração e de monopólio da terra experimentada pelo “branco” e famílias indígenas integradas ao projeto social nacional, como um valor comercial, onde predomina o interesse pessoal, um modelo político econômico que reifica a terra; c) a importância dada à defesa da terra, privilegiando o interesse da soberania do Estado-Nação segundo as estratégias políticas do governo federal em parceria com o estadual, os quais propagam discursos com possibilidades do exercício democrático pela sociedade local e na prática usam a cultura do coronelismo. O Estado e a sociedade local (indígenas e não-indígenas) eram de opinião que a impossibilidade de demarcação e titulação das terras impediam a entrada de recursos para o desenvolvimento e a consolidação política do novo Estado. Tal questão foi amplamente debatida por técnicos e representantes governamentais quando da discussão da “Reforma Constitucional”, em fins de 1993. Todavia, sem uma coesão dos interesses em jogo entre o grupo representativo do Estado, 210. De acordo com o Estatuto do Índio de 1973, essa visão citada acima seria do índio considerado “isolado”, sem contato com o branco, pois a visão mítica do índio com a terra foi sendo eliminada da cultura do índio em “vias de integração” e dos “integrados” na sociedade nacional. Dentro desses dois últimos grupos de índios surgiu um outro grupo que busca resgatar a identidade étnica, por meio da memória cultural preservada pelos parentes “isolados”. 245 dos índios e dos não-índios, a equipe do governo estadual não alcançou um ponto conciliador dos interesses e nem conseguiu superar o impasse fundiário 211 que continuou. Desse modo, parece que o primeiro legislador observou apenas o enunciado do parágrafo primeiro212 do artigo 14 do ADCTC/88 (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cf. acima, p.212), pois propagou o exercício democrático e justiça para todos, mas, na prática, deu continuidade à dominação política e econômica. Assim, o executivo estadual em parceria com o federal, não fez referência aos direitos constitucionais dos índios, tratados na Constituição Federal (88) e na Constituição Estadual (91) (cf. acima, pp. 205-206 e 216). Além desses artigos, não foram respeitados os dispostos no art. 67 do ADCT213, que enunciou: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Ou seja, reconheceu a posse da terra pelo índio e deu limite entre 1988-1993 para concluir toda a demarcação das reservas indígenas, o que não aconteceu. Contudo, nesse contexto da situação do índio de Roraima posterior às organizações e às reivindicações em prol do reconhecimento dos direitos constitucionais dos índios, o CIR (Conselho Indígena de Roraima), OPIR (Organização do Professores Indígenas de Roraima), APIR (Associação dos Povos Indígenas de Roraima), OMIR (Organização das Mulheres Indígenas de Roraima), entre outras pequenas organizações indígenas na região, recebendo ajuda da Diocese de Roraima, conseguiram introduzir nas escolas indígenas um modelo pedagógico diferenciado do nacional, valendo-se do reconhecimento do direito à educação bilíngüe (português-indígena) lhes está garantido pela 211. Esse tema será tratado no próximo capítulo. O Parágrafo Primeiro do Art. 14 do ADCT, da Constituição Federal de 1988, enunciou que “a instalação dos Estados dar-se-á com a posse dos governadores eleitos em 1990”. 213. Dos 83 artigos dispostos no ADCT da CF (88), apenas o artigo 67 mencionou dispositivos específicos aos direitos dos índios e a União não cumpriu tal direito criado pela sua Lei Magna. 212. 246 Constituição Federal de 1988, no Capítulo III – Da Educação (art. 210, cf. Cap. 3, item 3.3). Essa realidade dual (português-indígena) de um ensino comum com valores da cultura nacional e regional, formados segundo a tradição cultural ocidental, dando chance ao índio de vivenciar a sua própria experiência cultural, funciona ainda, contudo, sob o mesmo modelo pedagógico para integrar o índio ao projeto social nacional, com conteúdos de base nacional, sem considerar as especificidades regionais. Nesse processo de dominação sobre o outro, as mediações estabelecidas entre o governo estadual e o federal privilegiando interesses econômicos em nome do povo e da soberania nacional, beneficiaram a elite e a pequena burguesia, pois o projeto político definiu como núcleo central de suas estratégias a “civilização” da região para integrá-la ao nacional: a) a modernização urbana de Boa Vista; b) a construção das rodovias: BR-174 (ligando Manaus até Caracas/Venezuela, passando por Boa Vista), BR-401 (interligada com a BR-174, liga Boa Vista a fronteira da Guiana) e BR-210 que se popularizou como Perimetral Norte. Além dessas, a construção de pontes e novas estradas estaduais e as estradas vicinais, instaurando uma ampla rede viária em Roraima; c) a elaboração e a instalação, em parceria com o Incra, de vários projetos de assentamento agrícola ao longo das rodovias, principalmente na Perimetral Norte e nas denominadas vicinais; d) o aumento de serviços/cargos em Boa Vista, controlados pelo poder da máquina burocrática governamental, conseqüência das correntes imigratórias; e) o fluxo de garimpeiros que tornou evidente os problemas associados às áreas indígenas214; f) os movimentos de reações indígenas e não-indígenas, após a Constituição Federal de 1988, influenciadas pelas pressões de grupos ambientalistas (nacionais e internacionais) com perspectivas de pôr fim a essa situação conflitante entre os 214. Tema tratado no Capítulo 2, nos itens: 2.2 e 2.3. 247 habitantes roraimenses (índios e não-índios) com vistas ao desenvolvimento sustentável como ponto de partida. As controvérsias políticas, culturais e jurídicas referentes à essa questão, envolvendo Estado, índios e sociedade nacional local, apontaram para a necessidade de redefinir-se a posse da terra e o papel do índio no Estado. Contudo, às vezes a terra é entendida como propriedade individual e às vezes como usufruto coletivo. Tais características enunciadas nos textos constitucionais da cultura escrita reorganizando elementos da memória de uma cultura não ligada às concepções de tempo “brancas”, com registros de terras gerenciados pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e direitos de posse conduzidos pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é estranha aos índios, gerando mais confusão e sofrimento àquele que procura os direitos originários (cf. Capítulo 2, p. 129/131). O novo governador215 revelou certa preocupação com as pressões das diferentes formas de representações (indígenas e não-indígenas) que reivindicavam normas constituintes216 favoráveis aos direitos e exercício democrático. Esses direitos são enunciados nos artigos 1º e 3º do Título I (Dos Princípios Fundamentais) da Constituição brasileira de 1988 e reiterados pela Constituição Estadual de 1991, cobrando da administração pública obediência aos “princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade217”, na esfera pública 215. O segundo governador eleito no pleito eleitoral de 1994 (Neudo Campos, PPB) e o seu vice (Airton Antônio Soligo Cascavel), para o período de 1995-98, ganhou a eleição com o apoio do governador Brigadeiro Ottomar Pinto (PTB), mas por divergências tanto políticas como de interesses pessoais no usufruto da “máquina burocrática estatal”, após a posse do novo executivo estadual, houve um rompimento nas relações entre Neudo e seu padrinho político (Ottomar), os quais passaram a liderar grupos opositores na disputa de poder sobre a base política local e a bancada federal. O Brigadeiro Ottomar Pinto foi eleito Prefeito Municipal de Boa Vista, no pleito municipal de 1996, para o período de 1997-2000. Nas eleições municipais de 2000, o Brigadeiro tentou reelegerse, mas perdeu para Tereza Jucá (PSDB) que foi novamente eleita para governar Boa Vista, tomando posse em 1º de janeiro de 2001, com término do mandato em dezembro de 2004. 216. Constituição Federal de 1988 e Constituição Estadual de 1991, assegurando princípios (Arts. 1º e 3º) para o governo adotar como programa democrático, na construção de uma sociedade justa e solidária. 217. Cf. Seção I, do Capítulo VII – Da Administração Pública, no seu Art. 37. A administraçõa pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ... Os 248 roraimense. Houve, assim, uma tentativa de coibir os conflitos do Estado de Roraima, oriundos da política coronelista, que não respeitava as normas democráticas apontadas nas referidas Constituições. Mas, no segundo pleito eleitoral do novo Estado, realizado em 1994, não houve significativas mudanças na renovação da bancada dos deputados eleitos para a Assembléia Legislativa Estadual (a maioria foi reeleita), apesar de terem sido reduzidos para 17218 o número de deputados diplomados. Das duas vagas para o Senado Federal, uma foi ocupada por Romero Jucá 219 (PFL) e a outra por Marluce Pinto (PMDB), que conquistou sua reeleição. Dessa maneira, ao tomar posse em janeiro de 1995, o governador elaborou metas para o seu programa enunciando as seguintes idéias: a) valorização do ser humano e oferecimento de possibilidades para o exercício democrático, no seu período de comando estadual. Para tanto, atribuiu prioridade para questões sociais tanto das etnias indígenas como dos milhares de imigrantes que haviam chegado em Boa Vista após 1985, aumentando os bolsões de pobreza na periferia da capital do Estado; b) programas sociais (saúde, educação, habitação, agropecuária e agroindustriais), na melhoria da qualidade de vida dos índios e dos não-índios, como indivíduos pertencentes à sociedade nacional local; c) transformar Roraima no corredor de importação e exportação, na busca de autonomia econômica, consolidando o transporte rodoviário pela BR-174 na construção de uma ponte sobre o Rio Branco, no trecho próximo de Caracaraí, que é realizado por balsa220, além de uma proposta que viabilize a importação de enunciados foram distribuídas de I a XXI incisos e, também, entre dez parágrafos, normatizando os princípios da administração pública (cf. Constituição Federal de 1988). Tal dispositivo desse artigo foi reiterado pela Constituição Estadual de 1991, no art. 19. 218. Na primeira legislatura tomaram posse 24 deputados estaduais, mas por questões de interpretações das normas eleitorais, na segunda legislatura foram diplomados somente 17, enquanto aguardavam-se uma definição do processo e os cabíveis recursos relativos ao número de deputados para a ALE/RR, que tramitava no Tribunal Regional Eleitoral/RR. 219. Romero Jucá, pernambucano, ex-presidente da FUNAI, ex-governador do Território Federal de Roraima, indicado pelo poder político central, no período de transição para estado (durante a segunda metade da década de 1980). A Senadora Marluce Pinto (esposa do Brigadeiro Ottomar Pinto) faz parte do grupo político opositor tanto ao Senador Jucá quanto ao governador Neudo Campos. 220. Tal ponte sobre esse trecho próximo de Caracaraí foi inaugurada em outubro de 2000, durante o segundo mandato do governador Neudo Campos, custando ao governo federal um valor de R$ 23,8 milhões. Cf. FBV, 31/10/00. 249 energia elétrica da Central Hidrelétrica da Macágua, do complexo de GURI, na Venezuela. As idéias contidas no programa do executivo estadual fundiam-se num confuso jogo político e econômico que integrava princípios democráticos, “programas sociais para melhorar a qualidade de vida dos índios e dos nãoíndios”, demonstrando certa preocupação com a massa popular atribuindo prioridade para os bolsões de miséria na periferia da capital surgidos com os fluxos imigratórios (nordestinos, sulistas e índios). Para resolver esses problemas, melhorando a vida dos habitantes de Roraima, o governo se valeria da compra de energia elétrica da Venezuela, privilegiando o setor agroindustrial, que alimentaria as pretendidas exportações. Contudo, o principal recurso para tal ação do governador provê do poder central, pois o grande afluxo de verbas na região continua sendo gerado pelo funcionalismo público que, evidentemente não comporta o trabalho indígena. Para o administrador regional da Funai, Walter Blós, no centro urbano de Boa Vista e demais municípios de Roraima estão espalhados cerca de 11 mil índios. Os índios chegam em busca de outras oportunidades que não sejam plantar e fazer peças artesanais. Walter Blós diz que a responsabilidade por esta população indígena não é só da Funai, mas das organizações indígenas como o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e APIR (Associação dos Povos Indígenas de Roraima). Para o administrador, quando a Funai foi criada era um órgão de integração do índio na sociedade nacional. A Constituição de 1988 mudou isto e o papel da Funai é de assistir e garantir os direitos dos índios. Ele comenta que a maioria dos índios que chegam na cidade não procura a Funai. O índio que está fora da maloca não se vê como índio, ele fala português e não se reconhece índio. Esse comportamento foi constatado pelo Coordenador do CIR, Jerônimo Pereira da Silva, o qual comenta que o índio quando chega à cidade tem vergonha de identificar-se como índio. Sem emprego e um lugar decente para morar, muitos índios entram nas drogas e as índias se prostituem para conseguir dinheiro. Há em Roraima um forte preconceito com a cultura do índio (FBV, 30/12/1997, p. 05). Assim, o índio que abandonou a maloca apresenta não só a falta de uma nítida política indigenista governamental como as incoerências dos fundamentos dos direitos constitucionais do índio221, dentro do contexto político-social do 221. Tema tratado no Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4. 250 Estado. A FUNAI e as duas maiores ONGs indígenas (CIR e APIR) não possuem dados exatos sobre as etnias indígenas que deixaram as malocas e se envolveram com drogas e prostituição no centro urbano de Boa Vista e demais municípios de Roraima. Na última matéria da FBV, fica claro que o projeto político do Estado não parece disposto a resolver o sofrimento do índio que, desprovido de instituições políticas em favor de sua própria identidade, submeteu-se ao submundo urbano. Das três idéias centrais do programa proposto pela segunda legislatura estadual, somente a construção da ponte sobre o Rio Branco e a importação da energia elétrica de GURI/Venezuela foram efetivadas: a primeira, como facilitadora do transporte rodoviário entre Manaus e Caracas passando por Boa Vista; a segunda, resolvendo o problema enérgico de Roraima com possibilidade de atrair investimentos para a agroindústria. No entanto, no decorrer da gestão governamental a região não foi transformada em corredor importador/exportador e as melhores condições de vida de seus habitantes não foram efetivadas. Contudo, foi nessas inter-relações de circunstâncias que o executivo estadual222 reelegeu-se e conseguiu seu segundo mandato numa acirrada disputa com os opositores. Dentro dessa rede de lealdade submetida ao domínio de patronagem e após os resultados da eleição de 1998, o governador e o seu vice 223 tomaram posse no dia primeiro de janeiro de 1999. Como outra peça importante na engrenagem de atuação política nessa terceira legislatura do novo Estado, a 222. O governador Neudo Campos (PPB) e seu vice Flamarion Portela (PSL) ganharam as eleições no pleito eleitoral de 1998, para o período de 1999-2002. 223. Com apoio de Neudo Campos, Flamarion Portela foi eleito governador de Roraima, no pleito eleitoral de 2002, para o período de 2003-06, depois de ter disputado o segundo turno com Ottomar Pinto (PTB). Essa característica particular na política local conectada com a bancada federal, no que se refere ao cargo de governador de Roraima, parece firmar-se a continuidade do poder governamental que é passado entre o atual governador e seu afilhado político, candidato a sucessor, na condução do poder. O Brigadeiro Ottomar, primeiro governador, passou o cargo para seu afilhado Neudo que ficou no cargo por duas legislaturas, e, por sua vez, passou para o seu afilhado Flamarion, a quarta legislatura estadual. 251 Assembléia Legislativa Estadual passou a contar novamente com um total de 24 parlamentares, aumentando para 42% o percentual de parlamentares nascidos em Roraima. Desse total, onze deputados foram eleitos pela primeira vez, cinco pela segunda vez, seis pela terceira vez e dois que retornaram após uma frustrada candidatura para reeleição, em 1994. Durante o discurso de posse, o governador retomou o tema referente a uma administração pública voltada para ações sociais que favorecessem a todos os habitantes do Estado: (...) Vou à luta em busca dos investimentos para que as indústrias aqui se instalem. Vou assumir o ônus de atitudes pouco populares, mas extremamente necessárias. (...) Será um governo orientado para a busca do bem-estar das pessoas mais carentes. Bem-estar representado, por exemplo, por um eficiente sistema de atendimento à Saúde. Bem-estar representado também por uma boa educação que o Estado deve proporcionar às nossas crianças (BN, 02/01/99, p. 03). O executivo estadual afirma que vai “em busca dos investimentos para indústrias que se instalem” no Estado, como se o Estado não estivesse envolvido em graves conflitos fundiários. Ao fazer referência sobre a massa pobre da sociedade que vive na periferia de Boa Vista, o governo não cita o contingente indígena que divide com o migrante pobre esses bolsões de miséria. O direito ao “bem-estar” e a “boa educação”, comum como direito a todos os habitantes de Roraima, não cita como será a participação do índio (integrado, em vias de integração ou em busca da identidade étnica). Isso significa que, ao falar de “nossas crianças”, supõe-se que as crianças indígenas tenham desaparecido no processo de integração na sociedade nacional, abandonando o direito à etnicidade indígena. Em seu discurso, o governador mascara sua responsabilidade na condução de proposta eficaz para melhores condições de vida da sociedade e autonomia do Estado e, ao citar os fundamentos constitucionais no seu programa político, promete: 252 (...) Transformar Roraima num estado pujante, cheio de oportunidades para o seu povo é tudo o que quero. O tempo em que isso vai se tornar uma realidade, infelizmente, não depende só de mim. Vocês mesmos são testemunhas de que nosso trabalho sofre interferências da crise internacional e nacional. Aliás, a recente demissão de funcionários que tivemos que fazer neste final de ano foi uma prova disso. Os cortes na folha de pagamentos foram uma exigência do Governo Federal para que nos enquadrássemos nas novas regras do ajuste fiscal. (...) Vou trabalhar cada dia deste governo para devolver a renda daqueles que perderam seu emprego e dar emprego àqueles que não tinham, não no Governo, mas na iniciativa privada produtiva (BN. id, ibid). No discurso do governo estadual, há fortes promessas para um futuro diferente em meio a um presente em crise, com o governo federal pedindo ao estadual que enxugasse a máquina pública. No entanto, o amanhã promissor não contará com a ajuda do Estado, já que ele transferiu para a iniciativa privada a responsabilidade de empregar os roraimenses: (...) Informo que o problema fundiário e a grave questão das demarcações de reservas indígenas no nosso estado, especialmente a gleba São Marcos e a pretensa reserva Raposa Serra do Sol, estão sendo tratadas por este Governo não mais na esfera administrativa, mas sim, para fazer valer a decisão do sentimento do povo de Roraima, na área judicial. (...) vou ter que bater na porta dos investidores e industriais para mostrar a todos a ótima opção que Roraima representa; vou usar de todos os argumentos; vou ser o maior vendedor deste estado; vou trabalhar duro, e podem estar certos, nossas chances são muitas! Conheço bem este País e sei o que cada estado tem para oferecer (BN. id, ibid., grifos nossos). O executivo estadual, ao se referir à política indigenista de cumprimento aos textos constitucionais, deixa claro, de maneira pouco velada, sua não aceitação das demarcações das terras em questão. Para tanto, privilegiando o Estado dentro de um ilusório cenário democrático, o governo reorganizou as alianças com as bases locais e a bancada federal contra o índio que não deseja ser emancipado. A política indigenista, em especial aquela desenvolvida com base nos direitos constitucionais, não aparece nos conteúdos de enfoque dos representantes governamentais, dos setores políticos e econômicos da sociedade local, das organizações indígenas vinculadas ao Estado (pró-nacional). As 253 manifestações dos índios ligados ao CIR (Conselho Indígena de Roraima, pró-tradição), contudo, são claras: Assembléia Geral das lideranças do Conselho Indígena de Roraima (CIR) reuniu cerca de 800 índios e aproximadamente 150 tuxauas na Maloca Pium, a 130 quilômetros ao norte de Boa Vista, no Município de Alto Alegre. Definindo a política indígena para o ano 2000, um dos pontos principais defendidos pelas lideranças do CIR é a demarcação da Raposa/Serra do Sol. Na área da política partidária, eles decidiram que os coordenadores do CIR não podem se candidatar a nenhum cargo eletivo nas eleições no período em que durar o mandato da diretoria. Os índios vão aumentar a pressão para o Governo Federal homologar a reserva em área única e também pressionar a Funai na demarcação de todas as terras indígenas em Roraima. As lideranças indígenas não vão aceitar nenhuma imposição de projetos elaborados (Governo, Funai, ONGs) e executados nas áreas indígenas sem a consulta dos índios. Será criada uma Comissão do CIR e da FNS (Fundação Nacional de Saúde) para discutir projetos de saúde. Na educação, uma política educacional diferenciada no ensino público. Há escolas indígenas que estão na Divisão do Interior e eles propõem que todas sejam repassadas para a Divisão de Educação Indígena da Secretaria de Educação. As lideranças querem que as comunidades façam a indicação dos professores índios para as escolas. O CIR não vai mais aceitar pesquisas científicas dentro das reservas sem autorização das ONGs indígenas e da comunidade envolvida (FBV, 11/02/99, p. 3). Inserida na mesma questão indigenista, a Diocese de Roraima, as lideranças do CIR, o executivo estadual e representantes da política local/federal registraram suas divergências em relação à política indigenista. A principal questão é que as lideranças e representantes das ONGs indígenas ligadas ao CIR reivindicaram a posse da terra com base na Constituição (Federal/Estadual), enquanto que as lideranças e representantes das ONGs indígenas associadas ao Estado reivindicam a posse da terra dentro da visão de propriedade privada, sem fazer referência aos artigos constitucionais dos direitos indígenas. As lideranças e representantes do Estado e da sociedade local (governo estadual, prefeitos, senadores, deputados estaduais/federais, vereadores, dos setores da economia/empresarial, etc.) reivindicaram a posse da terra respeitando-se o processo de colonização pelo Estado que conquistou a terra e que tem a tutela do índio. 254 O Estado adotou medidas para favorecer os seus suportes políticos, semelhantes aos que vinham sendo usados durante a fase de transição governamental (1985-90) e, com apoio da FUNAI, intervinha em quase todas as malocas e assumia a gestão financeira para os índios aliados ao projeto eleitoreiro. Ainda que os juristas de Roraima achassem que o sistema jurídico deveria contemplar a regulamentação das questões indígenas a omissão persistiu: Foi no curso das últimas eleições que emergiu, com clareza, a atitude do governo perante as malocas indígenas. Em três anos de atividades o governador Ottomar de Souza Pinto conseguiu que 30% dos índios tornassem-se eleitores e apoiassem suas escolhas eleitorais. Começa, assim, também nas malocas, o “carnaval” das campanhas eleitorais, realizadas com presentes e ameaças, viagens contínuas de políticos e cabos eleitorais, etc. (...) Os vários políticos tentavam ganhar os votos dos índios e, mesmo que a Funai tenha proibido os comícios nas malocas, estas foram continuamente invadidas (CIDR, 1990:15). Esse particularismo, nos últimos anos do século XX, não permitiu aos índios um fortalecimento em prol de seus próprios direitos étnicos e acabou por dividir as famílias indígenas que se reconheciam no projeto governamental de integração nacional. Uma parcela dos índios que desejarem integração é alvo dos interesses eleitoreiros, enquanto outra, que busca direitos originários, rebelam-se contra o poder executivo local. Nesse quadro, a política educacional tornou-se outro ponto de discórdia entre as distintas formas de representação e lideranças. O Estado, por meio da Divisão de Educação Indígena, mantém escolas nas malocas com ensino diferenciado das escolas para os não-índios, ministrando aulas em português e também na língua indígena. Contudo, existem também escolas nas malocas que estão vinculadas à Divisão do Interior, que são mantidas, também, pelo Estado, com ensino igual para índios e não-índios, sem fazer referência à língua e cultura do índio. Na briga pela mudança do modelo pedagógico ministrado nas escolas indígenas, as divergências internas entre as famílias indígenas persistiram: os 255 representantes do CIR (Conselho Indígena de Roraima) que reivindicavam identidade étnica desejavam que todas as escolas indígenas fossem administradas pela Divisão de Educação Indígena, com ensino diferenciado dos não-índios, enquanto que os representantes das ONGs contrários ao CIR, que estavam em processo de integração ou integrados na sociedade nacionais local, não queriam tratamento diferenciado na política educacional. O poder governamental, juntamente com a elite local, estabeleceu mecanismos de poder sobre os “seus eleitores” que eram trazidos de diferentes pontos da região, urbana e/ou rural, estreitamente vigiados, cada qual munido de sua cédula de voto, até o local de votação e, em seguida, o candidato eleito oferecia uma festa para todos com churrasco e bebidas, para celebrar a vitória. Nessa disputa, o índio não associado ao CIR entrou na política local, como candidato (vereador, prefeito, deputado estadual) e registrou o seu discurso contra a identidade étnica e tratamento diferenciado do cidadão brasileiro: O líder indígena Jonas de Souza Marcolino, integrante da SODIUR (Sociedade de Defesa dos Povos Indígenas Unidos de Roraima), eleito vereador (PSL) na primeira eleição do município, favorável ao entendimento entre brancos e índios, coloca seu nome como candidato a vice-prefeito, numa chapa que deverá ser encabeçada pelo vereador João Valdêr (PSL). Jonas destaca a “atenção especial” do Governo de Roraima para a sede do Município de Pacaraima e vilas (malocas), em especial a do Contão, onde há projetos de parcerias. Faz crítica ao atual executivo municipal que se mostra ausente e as ações de desenvolvimento em Pacaraima são do Estado ou exclusivamente com recursos federais. Como líder indígena, Jonas pensa diferente das lideranças do CIR (Conselho Indígena de Roraima) e TWM (ONG do povos Taurepang, Wapixana, Wai Wai, Waimiri-Atroari, Makuxi, Mayongon). Para ele é uma ironia, lideranças radicais lançarem candidaturas a prefeito e para a Câmara Municipal. Jonas discorda da idéia do CIR de que a sede do Município de Pacaraima deve ser indenizada e os não-índios retirados da área São Marcos e Raposa Serra do Sol. Para Jonas é possível a convivência entre brancos e índios (FVB, 06/01/00, p. 7). A situação de o índio está, ao mesmo tempo, ligado à relação coletiva e à idéia de ver-se como “civilizado” continua mantendo-o em posição ambígua. O índio oscila entre o protecionismo estatal, marcado pela ideologia de “unificação”, de defesa da terra em favor do Estado e da sociedade nacional, e na 256 sua própria vivência na diversidade e especificidade cultural. As ongs indígenas não vinculadas ao CIR participam na política local, fortalecem o Estado e as bases políticas, contra os parentes que desejam direitos constitucionais: Em Roraima não existe só a opinião do CIR e da Igreja Católica. A SODIUR (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima) defende demarcação em ilhas e parcerias com o governo federal, estadual e municipal, para que os índios encontrem o caminho do desenvolvimento. O presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, disse que ouviu denúncias de outras lideranças indígenas e outros Estados de que as ONGs pressionam pela demarcação e depois abandonam as comunidades, atendendo somente os interesses externos. Em Roraima o CIR trabalha para massacrar outras ONGs indígenas e lideranças, com tentativa de implantar um “perigoso domínio único, um espaço de governo ditatorial” (FBV, 29/12/99, p. 7). Em diferentes momentos da década de 90, essa temática da demarcação em ilhas opondo-se à área contínua, que faz parte do projeto da FUNAI/CIR/Diocese de Roraima, tornou-se a questão central que atravessou a maior parte das reflexões e preocupações dos habitantes de Roraima, discutidos nos distintos fóruns da região. Os textos publicados e divulgados pela mídia local contribuíram para a divulgação, denúncia e crítica, informando e formando grande parte da sociedade de Roraima sobre essa histórica situação fundiária da caminhada dos povos indígenas, divididos na busca por direitos originários e emancipação, mas esquecendo-se que todos querem, basicamente, melhores condições de vida. A questão fundiária marcou os discursos de posse dos governadores e deputados estaduais por toda a década de 90. Durante a posse dos parlamentares da Assembléia legislativa do Estado (ALE), em janeiro de 1999, o deputado Iradilson Sampaio (PFL), por exemplo, falou em nome dos reeleitos e fez um pronunciamento acalorado em favor do “branco”: A demarcação em área contínua Raposa Serra do Sol nos dá a impressão de que o manto da ignorância obscureceu os fatos históricos e presentes. A imagem dos bravos pioneiros colonizadores é propositadamente denegrida, como se fossem especuladores de terra. Na atual política adotada pelo Governo Federal, nas demarcações de reservas, abandona-se quem produz e revigoram-se imagens obsoletas e preconceituosas contra o homem do 257 interior. É como se fossem eles sonegadores de esperanças. Roraima espera que o Brasil e o Governo Federal tenham a coragem e o discernimento político de reorientarem tudo o que até hoje foi feito, estão para fazer, em termo de demarcações. É simplismo e ingenuidade, talvez má-fé, imaginar combater a miséria, a fome e as doenças que campeiam nas comunidades indígenas, reservando a elas apenas grandes áreas (FBV, 04/01/99, p. 05). Essas idéias representam a visão da quase totalidade da Assembléia Legislativa do Estado que, sem uma ampla análise dos direitos indígenas previstos na Constituição Federal/88 e na Estadual/91, abordou a questão da posse da terra baseando-se em uma unilateralidade histórica que não pode ser senão prejudicial aos interesses gerais. De fato, o acirramento do partidarismo pró e contra as demarcações, obscurecem razões sérias presentes nos dois pólos de argumentações: A Comissão mista da ALE formada por deputados estaduais e produtores rurais deverá ouvir o procurador-geral do Estado e lideranças indígenas na busca de soluções para os problemas econômicos e sociais decorrentes da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O ex-prefeito de Normandia, deputado Gelb Pereira (PDT) comentou: “Há uma pressão internacional (G7) contra o Brasil, os índios e a ecologia são usados pelos interesses econômicos estrangeiros” (FBV, 07/01/99, p. 3). Uma delas – não há que ignorá-la – é a da ingestão estrangeira, muitas vezes motivada por internacional “boa vontade” mas, de qualquer forma, igualmente mal informada de nosso processo histórico e, quase sempre, inaceitavelmente desinteressada pelo elemento “branco” da contenda. Ou seja, concepções de “bandido” e “mocinho”, que servem para resolver culpas passadas de nações amigas, não podem intervir em nossa realidade, independentemente de qualquer fantasma de pretensão econômica. Coerentes com sua unilateralidade, os representantes da ALE tomaram algumas medidas na tentativa de reverterem a decisão do Ministério da Justiça que assinou a Portaria n. 820 (dez/98) demarcando a Raposa Serra do Sol. Nesse sentido, as formas de representação e lideranças são inerentemente frágeis e negociadas entre os envolvidos na partilha do poder político e posse da terra. 258 Na visão dominante está a ideologia integracionista, na qual as reivindicações pelo reconhecimento dos direitos constitucionais dos índios eram reguladas pelo governo estadual segundo os interesses políticos e econômicos em favor do Estado. Assim, o Estado, apesar de sua Constituição reconhecer os direitos indígenas, tem sido o algoz da situação dos índios: O prefeito de Boa Vista, Ottomar Pinto (PTB), afirmou que se Brasília não ouvir as reivindicações de Roraima é preciso usar da violência para contestar a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Para o prefeito a demarcação obedece a pretensões de ONGs internacionais para “congelar” as áreas mais ricas em minérios do mundo. É uma “orquestração” de entidades anti-nacionais para tomar a Amazônia e o Exército do Brasil não tem como confrontar as nações como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Lembrou o tempo em que foi Governador de Roraima, há seis anos, que conseguiu reunir forças políticas e convencer o então Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, a “engavetar a demarcação Raposa/Serra do Sol.” Para o prefeito a demarcação em área única é legal porque obedece à lei, porém ele entende que não é legítima porque vai impedir o desenvolvimento de Roraima (FBV, 08/01/99, p.3, grifo nosso). É, assim, visível a concepção de que grupos internacionais manipulam os índios desprotegidos do Estado, dos grupos que se encontram isolados sem o controle da FUNAI, usufruindo ilegalmente dos recursos naturais que devem ser explorados pelo Estado. Tal posição consolida ainda mais o ideal da tutela sobre o índio e suas terras, que devem ser geridas pelo branco, em defesa do interesse nacional (cf. Cap. 3, item 3.1). A terceira legislatura do novo Estado esbarrou em divergências conceituais presentes nas propostas de desenvolvimento, nos constantes conflitos jurídicopolíticos e violentos embates armados entre índios e não-índios que disputavam a posse de uma mesma terra, em uma luta acirrada, uns pela demarcação de reservas indígenas e outros pela municipalização das mesmas áreas. Os projetos de assentamento de colonos, gerenciados pelo INCRA, em parceria com o governo estadual, continuavam apresentando dificuldades na manutenção dos assentados. Apesar de o projeto político governamental incentivar apoio financeiro para a permanência do colono na terra “brava”, o 259 abandono era constante em decorrência da precariedade das estradas e rodovias224, além das longas distâncias e da falta de transporte para o escoamento dos produtos (arroz, milho, feijão, banana, soja, etc.) no mercado. O Projeto de Assentamento na região do Jatapu, por exemplo, ao Sul do Estado e próximo à reserva indígena Wai Wai, fora criado em setembro de 1983 para atender cerca de três mil famílias de imigrantes, com uma área de 230.800 hectares. Cada família receberia um lote aproximado de 60 hectares. Em 1991, após a retomada desses assentamentos com a instalação do Estado, havia um total de 1.091 famílias assentadas e habitando as terras do Município de são João da Baliza, não atingindo, portanto, o objetivo inicial. A proximidade com a reserva gerou conflitos e a maioria dos brancos não se adaptou ao local, sobretudo em vista à proibição de mineração. Esse projeto de ação do governo estadual de acordo com as prioridades do federal, no povoamento e defesa da terra não extinguiu o conflito entre o governo central, o estadual e a sociedade local (índios e não-índios), criado pela diversidade de interesses na posse e no usufruto da terra que é de propriedade da União. Ano TOTAL 1991 1996 1997 1998 1999 2000 2001 217.583 247.13 254.499 260.7.05 266.922 324.152 337.237 Quadro Demonstrativo 05 População do Estado de Roraima (IBGE, 2001) 224. A BR-174 está completamente asfaltada, mas a sua “capa de asfalto” é muito precária existindo vários buracos ao longo de seu trecho, como também falta de sinalização. Em outubro de 2000, foi concluída a construção da ponte sobre o Rio Branco, na cidade de Caracaraí, substituindo a travessia pela balsa, melhorando o tempo de espera na margem do rio para dar continuidade no trajeto pela BR-174 (ligando Boa Vista a Manaus e a Caracas). A BR-210 também está praticamente asfaltada, mas por causa das constantes chuvas existem muitos buracos em vários pontos de seu trecho. A BR-401, que liga Boa Vista à Guiana, também apresenta problemas para conclusão de seu asfaltamento. 260 Nesse sentido, no conjunto das organizações sociais e das legislaturas, merece maiores estudos a participação do índio, pois, observamos que existem, ainda hoje, a cultura e a língua de famílias do tronco lingüístico Karib (Makuxi) ou Arawak (Wapixana), documentadas desde o período colonial por holandeses, espanhóis, ingleses e portugueses. Tais práticas culturais se encontram inseridas na história do tempo presente roraimense embora não sejam compartilhadas por alguns grupos dessas próprias famílias Makuxi ou Wapixana, já integradas na sociedade nacional e vivendo da relação comercial com a terra225. No embate pela posse da terra, o executivo estadual espera que a União lhe consigne a parte do território que lhes cabe de conformidade com a transformação de Território Federal em Estado Federado. A sociedade local (índios e não-índios) necessita da compatibilização das ações do governo estadual e federal como mediadores do conflito e não como parte interessada. Em nenhum momento, entre o período 1988-2002, a sociedade local percebeu a alteração profunda do status quo do governo (local/central) ou da lógica de sobrevivência dos representantes políticos e da elite boavistense. Para melhor compreensão da postura assumida por esses governantes, na primeira década de Roraima, como Estado Federado cabe, de início, colocar algumas indagações de ordem mais geral: qual a função atribuída ao Estado em relação aos princípios fundamentais da Constituição Federal (88) e da Constituição Estadual (91)? Qual a concepção de exercício de cidadania expressa pelos representantes do poder estatal e da sociedade local (índios e não-índios)? Tais questões suscitam uma reflexão sobre o significado de Estado democrático de direito, o poder do Estado e os interesses em jogo ao qual ele serve. 225. Em nossa atualidade, existem pequenos núcleos familiares de makuxi, por exemplo, habitando parte do território de Roraima como o da Guiana comunicando-se somente em língua Makuxi. No entanto, seus líderes e representantes étnicos comunicam-se tanto em Makuxi e Português como Makuxi e Inglês, nas distintas relações fora do convívio da maloca, cujo limite territorial é distinto do limite do Estado-Nação. Outro exemplo, é o Yanomami que habita o Brasil e a Venezuela. 261 A atuação do executivo estadual em relação ao controle das lideranças políticas na bancada de Roraima na esfera federal controlava também parte dos deputados estaduais e prefeitos, que se constituíram em importantes peças na máquina pública de fazer política, como cabos eleitorais para as eleições tanto dos deputados federais como dos senadores, além dos representantes da Assembléia Legislativa (ALE) e do executivo estadual. Assim, o governo estadual fornecia a logística necessária para as campanhas eleitorais e, depois das eleições, reordenava o controle de poder para governar, apoiado nessa malha de alianças individuais e não partidárias/coletivas. O deputado federal de Roraima, Salomão Cruz (PSDB), vai propor que em sinal de protesto contra a demarcação em área única da Raposa Serra do Sol, a bancada de Roraima vote contra todas as matérias que o Governo Federal apresentar durante esse período de convocação extraordinária no Congresso Nacional. A proposta deverá ser feita aos demais parlamentares da bancada da Amazônia. Boicotando as propostas do Palácio do Planalto, é uma forma de chamar atenção para as defesas dos representantes do povo de Roraima. Não temos a intenção de ser contrários as matérias do Governo Federal, mas é fundamental ouvir as propostas da população de Roraima (empresários, fazendeiros, índios) que está envolvida na área pretendida, que defendem a demarcação da reserva em ilhas. Salomão Cruz vai procurar o líder do partido, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), para colocá-lo a par da situação de Roraima, quanto aos problemas sociais e econômicos que serão acarretados com a demarcação Raposa Serra do Sol. O relato a Aécio Neves será entregue à Comissão de Meio Ambiente e Minorias, da Câmara dos Deputados, propondo nova avaliação da problemática indígena em Roraima (FBV, 09 e 10/01/99, p. 4, grifo nosso). Ou seja, a estruturação das forças políticas, em nome do Estado de Roraima, valorizou argumentos em nome do bem-estar da “coletividade”, embora fique claro tratar-se apenas daquela branca. Os “representantes” do povo de Roraima (empresários, fazendeiros, índios “civilizados”) não aceitaram as diferenças sócio-culturais e isolaram o problema do índio ligado ao CIR (Conselho Indígena de Roraima) que reivindicava direitos constitucionais. Nessa visão política, o Sistema Judiciário trata a realidade sócio-cultural de modo homogêneo e isso tornou o conflito local mais complexo, pois os argumentos escondiam interesses difusos em favor do Estado, que aparecia mais 262 como um concorrente na posse da terra do que um mediador na busca de uma solução para esse conflito. Diante de tal situação, a conjuntura roraimense dos últimos dez anos do século XX, para essa sociedade local que tem como desafio conciliar os interesses político-econômicos e culturais, foi surpreendida com a entrada do Estado/União na contenda, tornando o embate mais violento. 4.2. Os Novos Municípios Em 1991, o Estado contava com um total de oito municípios226, cujas terras eram pretendidas pelas etnias indígenas (Makuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Wai Wai, Yanomami) integrantes do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que não concordavam com a geopolítica do Estado sem respeitar as áreas de posse reivindicadas pelos índios. Como exemplo, temos o caso da reserva Yanomami: Existem diversos diplomas legais definindo a área ianomami. Ela varia, dependendo da decisão, de 2,4 milhões de hectares até 9,4 milhões de hectares. É essa área que as entidades de defesa indígena acham a mais apropriada. O Estado brasileiro tem posições conflitantes a respeito.227 A política do novo Estado, em função da ideologia branca de ocidentalização dos índios e posse da terra, deu ao indígena integrado ou em vias de integração, na sociedade nacional, um papel essencial, o de seduzir os “parentes rebeldes” para ingressarem no novo poder estatal. Cristalizando esse conflito gerado pelos descaminhos de mais de 400 anos de história e desacertos dos textos constitucionais, que não apenas medeiam os conflitos como deles são partes interessadas, o governador de Roraima fez novas mudanças físicas no Estado, favorecendo o projeto de embranquecimento 226. Esses municípios estaduais foram descritos no Cap. 3, item 3.2. Os antigos e os novos municípios estão ilustrados no Mapa 05 e as áreas indígenas no Mapa 06, baixo, pp. 250-51. 227. Cf. Reportagem “A morte ronda os índios na floresta: a febre do ouro está dizimando velozmente os ianomamis, o povo mais primitivo e isolado da Terra”, publicada na Revista Veja, edição 1148 de 19/09/90. 263 político da região. Em 1994, as Leis Estaduais (82 e 83 de novembro de 1994) criaram dois novos municípios: Iracema (com terras desmembradas de Mucajaí) e Caroebe (com terras desmembradas de São João da Baliza). Em 1995, instalaram-se mais cinco municípios, criados pelas Leis estaduais de números 96, 97, 98 e 100 de outubro de 1995, Amajari, Pacaraima, Uiramutã, Cantá e Rorainópolis. 4.2.1 – Amajari Foto 8: Serra do Tepequém228. Em 1975, com a instalação de um bar de propriedade do Senhor Brasil na região, deu-se origem ao pequeno aglomerado urbano. Em outubro de 1995, a pequena vila denominada Brasil, que dista 154 km de Boa Vista, foi transformada em município de Amajari pela Lei Estadual n. 097. Tem área territorial de 28.558,4 km², com 58,71% dela delimitada por terras indígenas Yanomami. Com o fluxo de garimpeiros alterando a massa imigratória entre 1987-90, a população do município em 1991 era de 10.903 habitantes e, em 2001, era estimada em 5.455 habitantes (IBGE, 2001). 228. A Serra do Tepequém, pela rodovia RR-203, está 100 quilômetros distante do município de Amajari, É um vulcão extinto e tem 1.100 metros de altitude. Faz parte da região fronteiriça com a Venezuela. Entre as décadas de 1930 até 1950 atraiu numerosos grupos de garimpeiros com a exploração de diamantes. Entre 198790, viveu a “febre” do ouro e essa prática garimpeira continua com menor intensidade. 264 4.2.2 – Cantá Foto 9: Praça central do município de Cantá. Esse núcleo urbano, distando 32 km de Boa Vista, originou-se da colônia agrícola Brás de Aguiar, pertencente ao vilarejo do Bonfim, em meados do século XX. Em outubro de 1995, pela Lei Estadual n. 099, tal colônia foi denominada Cantá e transformada em município. Tem área territorial de 7.691 km² dos quais 419,13 km² são de área indígena. Em 1991, tinha uma população de 4.042 habitantes e em 2001 era de 8.922 habitantes (IBGE, 2001). 4.2.3 – Caroebe Foto 10: Praça central do município de Caroebe. O núcleo urbano, que dista 354 km de Boa Vista, surgiu com as pequenas vilas denominadas Entre Rios e Jatapu, que apareceram com a construção da BR210 (Perimetral Norte, na década de 70) e da usina hidrelétrica que fornece energia para a região sul do Estado. Com o desmembramento das terras do município de São João da Baliza, em novembro de 1994 pela Lei Estadual n. 82, esse aglomerado urbano foi transformado no município Caroebe. Sua área territorial é de 12.098,5 km², dos quais mais da metade (6.376,32 km²) são áreas de reserva indígena Wai Wai. Em 1991, a população era de 3.647 habitantes e em 2001 foi estimada em 5.775 habitantes (IBGE, 2001). 265 4.2.4 – Iracema Foto 11: Cachoeira do “Leonardo”. O município de Iracema, distando 92 km de Boa Vista, está localizado entre a margem do Rio Branco e a BR-174; no seu território de floresta e serras existem inúmeras cachoeiras. O imigrante maranhense Militão Pereira Costa comprou um lote agrícola nessa região e doou parte da terra para os parentes que chegavam da terra natal. O primeiro povoado surgiu dessa grande migração do Maranhão na década de 1970 e a vila tornou-se município em 1994. Possui uma área territorial de 14.403,9 km², dos quais 80% (11.585,84 km²) são de área indígena Yanomami. Em 1991, apresentou um total de 2.163 habitantes e em 2001 era estimada em 5.027 habitantes (IBGE, 2001). 4.2.5 – Pacaraima Foto 12: Fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O povoado, que dista 212 km de Boa Vista, era conhecido como BV-8 (marco Brasil/Venezuela n° 8), fora desmembrado do município de Boa Vista e transformado em município de Pacaraima, pela Lei Estadual n. 096, em outubro de 1995. É a porta rodoviária (BR-174) entre o Brasil e a Venezuela e tem em área territorial de 12.098,5 km², dos quais 66% (8,063,90 km²) estão em área indígena São Marcos. Nessa área há um conjunto de fazendas, malocas, vilas 266 agrícolas e a sede municipal. Distância de Boa Vista: 212 km. Em 1991, contava com uma população de 4.099 habitantes e em 2001 era estimada em 7.229 habitantes (IBGE, 2001). 4.2.6 – Rorainópolis Foto 13: Rorainópolis as margens da BR-174. Distando 219 km de Boa Vista, o aglomerado urbano surgiu com a vila de assentamento do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), nos anos 70. Foi transformado em município, em 17 de outubro de 1995 pela Lei Estadual n. 100, com o desmembramento das terras do município de São Luiz do Anauá. Possui uma área territorial de 33.745 km² e, deste total, 18, 53% (6.254,25 km²) são de área indígena Waimiri-Atroari que fica no sul do município. Em 1991 tinha uma população de 5.496 habitantes e em 2001, contava com um total de 18.803 habitantes (IBGE, 2001). 267 4.2.7 – Uiramutã Foto 14: Vista aérea do município de Uiramutã. A vila que deu origem ao município de Uiramutã, emancipado em 17 de outubro de 1995, pela Lei Estadual n. 98, pertencia ao município de Normandia. A população do município é quase toda pertencente às etnias indígenas Makuxi e Ingarikó. Das 40 escolas mantidas pelo município, 38 ministram aulas para crianças indígenas, em português-makuxi e português-ingarikó. O município está a 315 km de Boa Vista e possui uma área territorial de 8.090,7 km², da qual 97,97% (7.925,95 km²) são da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. 268 MAPA 05 Divisão geográfica de Roraima, em 1995. (FREITAS, 1997) 269 Nº 01 Área Indicada Yanomami Área/Km² 54.691 Situação Delimitada 02 Raposa/Serra do Sol 13.478 Identificada 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 São Marcos Anta Santa Inês Ananás Cajueiro Araçá Ponta da Serra Pium Xururuetamú Barata/Livramento Ouro Raimundão Sucuba 6.539 31 296 17 43 500 155 36 487 132 135 43 59 Demarcada Demarcada Demarcada Demarcada Demarcada Demarcada Demarcada Demarcada Interditada Delimitada Demarcada Delimitada Demarcada Município Boa Vista/Alto Alegre/Mucajai Caracarai Normandia/Boa Vista Boa Vista Alto Alegre Boa Vista Boa Vista Boa Vista Boa Vista Boa Vista Boa Vista Normandia Mucajai Boa Vista Mucajai Alto Alegre * estende-se por mais cerca de 20.700 Km² pelos Estados do Pará e Amazonas. Nº 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Área Indicada Área/Km² Bom Jesus 8 Jaboti 80 Serra da Moça 116 Manoá Pium 433 Recanto da Saudade 137 Jacamim 1.070 Wai Wai 3.300 Trombetas/ Mapera* 4.500 Malacacheta 161 Canauani 63 Taba lascada 70 Truaru 56 WaimiriAtroari 6.640 Boqueirão 139 Mangueira 40 Amingal 76 TOTAL 93.531 Situação Demarcada Delimitada Demarcada Demarcada Município Bonfim Bonfim Boa Vista Bonfim Delimitada Delimitada Delimitada Bonfim Bonfim S.J. Baliza Interditada Demarcada Delimitada Delimitada Delimitada S.J. Baliza Bonfim Bonfim Bonfim Alto Alegre Demarcada Delimitada Demarcada Demarcada São Luiz Alto Alegre Mucajai Alto Alegre MAPA 06 Áreas Indígenas em Roraima, situação jurídica em 1993 (BARROS, 1995). 270 Com esse processo de desconcentração espacial do sistema político e administrativo que visava apoio federal ao governo estadual, o Estado de Roraima viu-se composto por quinze municípios no curto espaço de 13 anos (1982-1995). O censo de 1995 estimou o total da população do Estado em 262.200 habitantes, sendo 70,5% residentes na área urbana de Boa Vista e somente 29,5% moradores da zona rural (IBGE, 2000). Ou seja, alocar 14 municípios para apenas 29,5% da população indica a fragmentação política do espaço como mecanismo de oposição aos direitos indígenas. Desta forma, o crescimento do eleitorado nos últimos anos do século XX, relacionado ao processo de imigração para o novo Estado, foi significativo para esse aparato da agenda política do governo estadual e municipal, tanto na reordenação das bases políticas como no controle das lideranças na bancada federal de Roraima. Essa ação do executivo estadual e do prefeito de Boa Vista tornou-se um importante mecanismo de domínio sobre o “curral eleitoral” e efetivou estratégias de poder na sobrevivência dos privilégios da elite política roraimense. Ano Eleitores 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 86.226 101.722 119.888 140.504 170.621 186.047 187.266 Crescimento Absoluto Crescimento (%) 15.496 18.166 20.616 30.117 15.426 1.219 15,23 15,15 14,67 17,65 8,29 0,65 Quadro Demonstrativo 06 O Crescimento do Eleitorado 1990 a 2002 Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002. 271 ZE Municípios 1 Boa Vista Total 1ª ZE 2 Caracaraí 2 Iracema 2 Mucajaí Total 2ª ZE 3 Alto Alegre 3 Amajari 3 Boa Vista (Rural) 3 Bonfim 3 Cantá 3 Normandia 3 Pacaraima 3 Uiramutã Total 3ª ZE 4 Caroebe 4 Rorainópolis 4 São João da Baliza 4 São Luiz do Anauá Total 4ª ZE Totais da UF Locais Seções 134 134 16 4 8 28 12 8 5 12 18 11 8 7 81 6 10 4 6 26 269 331 331 34 12 34 80 29 17 5 21 30 15 16 9 142 14 28 11 17 70 623 Aptos 112.493 112.493 9.131 3.672 7.244 20.047 7.976 4.288 893 4.681 7.820 3.782 4.432 2.236 36.108 3.656 7.220 3.653 4.089 18.618 187.266 Quadro Demonstrativo 07 A Distribuição do Eleitorado por Município e Zona Eleitoral Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002. Ano 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 Capital 60.746 69.218 83.020 88.741 108.948 109.454 112.493 (%) 70,45 68,05 69,25 63,16 63,85 58,83 60,07 Interior 25.480 32.504 36.868 51.763 61.673 76.593 74.773 (%) 29,55 31,95 30,75 36,84 36,15 41,17 39,93 Total 86.226 101.722 119.888 140.504 170.621 186.047 187.266 Quadro Demonstrativo 08 A Distribuição do Eleitorado no Estado Fonte: Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, em 05/02/2002. Essa sociedade eleitoral já fez denúncias sobre o executivo estadual, procurando respostas para o não cumprimento dos enunciados na Constituição Federal/Estadual, especialmente, em seu artigo primeiro, incisos III (a dignidade da pessoa humana) e IV (os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa) e não conseguem compreender a permanência desse jogo de interesse políticoeconômico, centralizado no governo estadual que controla parte das lideranças da 272 elite/política local, no velho esquema da política de favor, não evidenciando uma política indigenista para a solução dos impasses fundiários. Ao longo dos anos 90, fazendo uso de mecanismos governamentais na multiplicação dos municípios e solicitando do governo federal a reforma fundiária, o governo estadual encampou luta pela titulação de terras para os cidadãos do Estado, que em conjunto, buscavam recursos e viabilidade de entrarem no mercado nacional e internacional. Assim, o governo afirmava: “É equivocado o sentimento pessimista que invadiu expressiva parcela da sociedade roraimense. Roraima é viável e comporta investimentos, principalmente na relação com o mercado internacional”, disse ontem, o secretário estadual de Planejamento do governo de Roraima. (...) hoje, a Secretaria de Planejamento tem função estratégica buscando viabilizar investimentos, que não sejam necessariamente com recursos da União ou do Estado. Segundo ele, nesse sentido, existem contatos com vários empresários. “Isso não quer dizer uma empresa, mas, um aglomerado delas, interessados na localização do Estado e facilidade de colocar os produtos por ele gerado no mercado internacional. (...) “Assim, nos queremos inverter a equação hoje existente, quando as transferências do governo federal representam 80% dos recursos do Estado”, destaca (FBV, 12/01/99, p. 4). Isto quer dizer que, o impasse para o desenvolvimento da região estaria em como estabelecer revisões legais na definição fundiária, para atrair investidores possibilitando a independência do Estado que sobrevive de verbas da União. O governo estadual aponta a posição geográfica de Roraima como bandeira para entrar no mercado internacional: Dos R$ 85 milhões que o Governo do Estado pretende usar neste ano para as áreas de infra-estrutura e investimentos, mais da metade deverá ser destinado para o setor da Agricultura. A informação é do secretário de Planejamento, Sérgio Pillon, que assegurou que a aplicação do dinheiro só vai ocorrer a partir do segundo semestre do ano. (...) Assim, embora ainda não se tenha o valor exato de quanto deve ser gasto com incentivos à Agricultura, o secretário anuncia que este setor é o que reúne o maior número de projetos de desenvolvimento, entre os quais, o Grão-Norte, que quer plantar em Roraima 200 mil hectares de soja, milho e feijão. Outro programa que está sendo proposto ao Governo, segundo Pillon, é a implantação de um pólo de tecelagem, a partir da plantação de algodão. Ele explicou que investidores de Taiwan estão propondo a compra de algodão produzido em Roraima para abastecer o pólo de tecelagem que deverá ser criado com incentivos do Estado e importado para os Estados Unidos e Europa. (...) com a chegada da energia de Guri, a Agricultura deve dar um grande salto na produção de pelo menos três tipos de 273 fruta: manga, melão e melancia. (...) geograficamente Roraima está bem localizada para atingir o mercado internacional”, finalizou (FBV, 25/01/99, p. 3). Ou seja, não haveria, na região, obstáculos à plena ocupação de seu território e à exploração das riquezas naturais, podendo ser área estratégica para a exportação, para o mercado consumidor não só dos estados do Amazonas e Pará mas da Venezuela e Guiana, e ainda aos mais distantes, Caribe, Estados Unidos e as nações européias. Em linhas gerais, o registro desse discurso governamental constitui o correlato ideológico considerado eficaz pelo poder administrativo e não percebemos, na mídia, interpelações por parte da população local (índios e nãoíndios) sobre esse assunto ou o engajamento consciente dessa população, no esforço de mudança dessa situação local. Os programas governamentais pareciam não implementar uma política que libertasse a grande parcela dessa sociedade presa a uma conhecida economia do contra-cheque229 e da dependência das ações dos governos, federal e estadual: Grande parte dos bens consumidos em Roraima tem procedência externa e supre a vida comercial do Estado que volta à realidade anterior ao garimpo sustentada em grande parte pelo salário dos servidores públicos. Essa situação agrava a saúde financeira da maioria das empresas, pois, como herança do “auge” do garimpo, a rede de abastecimento, hoje, é maior do que a necessária. (...) Dessa forma, são freqüentes as vendas através do “cheque pré-datado”, uma transação onde o cliente desfruta de crédito devido ao seu relacionamento com o comerciante e por sua condição de funcionário público. A atividade comercial em Roraima sempre enfrentou fases de expansão e fases de desaceleração. (...) A integração com os países vizinhos, caminho vislumbrado para a retomada do crescimento da atividade comercial é a grande meta para acelerar e construir uma sociedade economicamente forte em Roraima (AMBTEC, 1993: 315). Contudo, apesar do discurso governamental, o quadro se agrava ainda mais, graças à presença de contingentes indígenas obrigados a lidar com a circulação da moeda, experiência que, até então, não fazia parte do seu cotidiano. 229 Em Roraima o hollerith do funcionário público é popularmente conhecido como contra-cheque. O comércio local é movimentado, em grande parte, pelo cheque pré-datado dos servidores públicos tendo como aval os seus próprios contra-cheques. 274 O final do ano 2002 chegou e o governo da terceira legislação não cumpriu a sua própria agenda política de solução do conflito fundiário entre índios e nãoíndios, bem como de transformação de Roraima em um pólo exportador e importador. Isso não aconteceu e os conflitos foram transferidos para a nova gestão do governo estadual e federal, que prometeram analisar tal situação, que ainda continua presa à antiga prática colonial do século XVIII. Em grande parte, toda essa situação conflitante na histórica construção desse Estado parece estar relacionada aos últimos acontecimentos dos anos 90: a redemocratização do país, a criação de comissões de inquéritos parlamentares, a denúncia a respeito dos políticos corruptos, o processo eleitoral sob o controle da máquina pública, a política de exclusão, os fenômenos financeiros internacionais agravando a economia brasileira/local. 275 CAPÍTULO 5 Um Laboratório de História Social a céu aberto: lideranças e suas ações A realidade social de Roraima deixou registrada a situação da história do tempo presente em um vasto território (serras/lavrados/florestas) e tem produzido diversas experiências de vida (indígena e não-indígena) conflitantes e, mesmo assim, complementares. Seguramente pelo fato de sua origem comum – a gestão do território pelo Estado, desde o século XVI – os conflitos se entrelaçam e as mudanças que ocorreram, em função de tomadas de posições por parte dos grupos envolvidos, configuram-se em outros novos conflitos. Nesse sentido, as vozes dessa sociedade tornaram-se objeto-sujeito da história, os arquivos vivos da construção desse espaço sócio-cultural (LACOUTURE, 1993), que vem passando por diversas experiências, inclusive por tentativas de auto-determinação por parte das comunidades indígenas (cf.Cap. 2, itens 2.3 e 2.4). A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima pode ser auscultada seguindo-se o entrelaçamento das posições e contradições das lideranças que agem em Roraima e que se manifestam sobretudo em função da questão fundiária. Estamos vendo como no decorrer dos últimos anos do século XX, essa região amazônica, marcada pela relação de dominações, enfrentou intensos conflitos relativos à construção tanto do Estado como da sociedade local. Essa ação desenrola-se, de modo especial, em torno do conflito entre demarcações de terras indígenas e limites territoriais dos municípios, conduzindo os interesses do Estado em relação aos índios e não-índios por distintos percursos. Os representantes e líderes do Estado, que vem tratando do conflito fundiário, têm 276 julgado e determinado alternativas que, na maioria dos casos, ditam a política pelos caminhos do coronelismo. Nesse sentido, no que diz respeito à questão da terra, por toda a década de 90, circulou documentação230 de defesa da demarcação das terras indígenas, que continha, também, denúncia de invasão de territórios reivindicados pelos índios. Esse movimento em favor do índio foi se desenvolvendo nas mais diversas direções. Cresceu o interesse entre os próprios índios pela posse da terra e preservação da identidade étnica, pela presença física e interpretação da cultura do índio, em princípio asseguradas pelas Constituições (federal/88 e estadual/91). Contudo, nesse trajeto de organização em Assembléias e Conselhos surgiram, entre as próprias famílias indígenas, controvérsias em relação à identidade cultural. Famílias Makuxi ou Wapixana, por exemplo, associaram-se ao projeto de emancipação nacional e, ao lado do Estado, buscaram condições de participação na partilha e reconstrução do quadro social, político e econômico roraimense/brasileiro, enquanto parentes Makuxi ou Wapixana, junto ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), lutam contra o projeto de emancipação e buscam reconhecimento dos direitos originários. 230. Esses documentos são: a) Ação de protesto e abertura de processos pelos fazendeiros, rizicultores, empresários em favor do Estado e contra os índios que desejam direitos constitucionais; b) ações de protestos, cartas, pedidos de inquéritos pelos índios ligados ao Conselho Indígena de Roraima enviados ao governo federal, Ministéiro da Justiça, FUNAI, ONGs em favor dos índios; c) liminares, portarias do Ministério da Justiça em favor dos índios que lutam pelos direitos constitucionais; d) pedidos de abertura de inquéritos pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Indígena de Roraima (CIR), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ao Ministério Público sobre agressões sofridas pelos índios; e) ações de protestos, cartas em favor do Estado pelas organizações indígenas ligadas ao governo estadual e contrárias ao CIR; f) ação popular e liminar em favor do Estado contra os direitos constitucionais dos índios pela Ordem dos Advogados do Brasil local (OAB/RR); g) ação e pedido de anulação pelo procurador-geral do Estado contra o Ministério da Justiça que demarcou reservas indígenas em área única; h) ações de protestos, abertura de processos por prefeitos, vereadores, deputados (estaduais e federais), senadores em favor do Estado contra os direitos constitucionais dos índios que reivindicam terras em área única, etc. 277 5.1. As lideranças e seus projetos Destacamos, no Quadro Demonstrativo231 abaixo, os líderes e os representantes das organizações oficiais e não-governamentais (indígenas e nãoindígenas) envolvidos nesse movimento de reorganização da sociedade em função da posse da terra e do desempenho dos direitos de cidadania. Identificação Representação Conselho Indígena de Índios vinculados Roraima (CIR). Igreja Católica. Associação dos Povos Índios vinculados Indígenas de Roraima Igreja Católica. Causas de Defesa à Desenvolvimento social, saúde, educação, política, demarcação em área única, preservação da cultura do índio. à Propostas semelhantes a do CIR. Causas opõem a que se Demarcação das áreas indígenas em ilhas e permanência dos nãoíndios dentro da reserva. Idem. (APIR). Organização dos Professores Professores Indígenas vinculados de Roraima (OPIR). Católica. Formal Educação Formal com indígenas Educação à Igreja diferenciada para o índio grade curricular igual para em todas as áreas do conhecimento. Preservação da cultura do índio. preservar, Etnias Taurepang, Wai Índios de Roraima Reviver, divulgar a cultura dos Wai, Waimiri-Atroari, vinculados ao CIR. ancestrais índios. Wapixana, Makuxi (TWM). Organização das Mulheres indígenas de Reivindicam direitos sócioMulheres Indígenas de Roraima vinculadas ao culturais e políticos para as mulheres indígenas. CIR. Roraima (OMIR). índios e não-índios. Desrespeito à cultura do índio. Demarcação das terras indígenas em ilhas. Desrespeito à organização sócio-cultural do índio, demarcação das terras em ilhas. Quadro Demonstrativo 09 Organizações Não-Governamentais Indígenas (ONGs Locais) 231. Todas as informações dos quadros demonstrativos são provenientes de artigos e notas, que foram veiculadas na imprensa local, como também das considerações retiradas de depoimentos em diversos fóruns de discussão, realizados em Boa Vista por órgãos oficiais e não-governamentais, sobre a temática indígena e a sociedade nacional local, durante os últimos dez anos do século XX. 278 Identificação Representação Causas de Defesa Causas opõem a que se Sociedade de Defesa Índios de Roraima não Desenvolvimento social, Demarcação das reservas dos Índios Unidos do vinculados à Igreja saúde, educação, política, indígenas em área única, demarcação das áreas em separação entre índios e Monte Roraima – Católica. ilhas, integração do índio na sociedade brasileira. em Aliança de Integração e Índios de Roraima não Desenvolvimento todas as áreas do Desenvolvimento das católicos. conhecimento e integração Comunidades Indígenas do índio na sociedade de Roraima - ALIDICIR. nacional/local, e demarcação das áreas em Associação Regional dos ilhas respeitando a Índios do Rio Quinô, permanência dos nãoCotingo e Monte índios. SODIUR. não-índios. Demarcação das reservas indígenas em área única, separação entre índios e não-índios. Roraima - ARICOM Quadro Demonstrativo 10 Organizações Não-Governamentais Indígenas (ONGs Locais não vinculadas ao CIR) Identificação Representação Causas de Defesa Causas opõem a que se Comissão para Criação Índios Yanomami e os Preservação da cultura e Garimpeiros em áreas do Parque indígenas dos Yanomami. não-índios defensores criação do Parque Yanomami – Yanomami. da causa Yanomami. CCPY. Saúde Yanomami URIHI. – Índios Yanomami e os Programas de Saúde Mineração aurífera em indígenas dos não-índios e Yanomami, preservação da áreas cultura Yanomami. Yanomami. profissionais que defendem a saúde e a cultura Yanomami. Quadro Demonstrativo 11 Organizações Não-Governamentais em favor da causa indígena (ONGs Locais) Identificação Grupo de Representação Trabalho Amazônico – GTA. Instituto Sócio- Causas opõem a que se nacional na região Defensora do Programa Desrespeito ao meio Piloto Ambiental do PPG- ambiente e às populações Amazônica. ONG ONG ambientalista. Ambiental – ISA. Causas de Defesa 7, faz intermediação entre discursos e projetos das ONGs nacionais com as internacionais. nacional Preservação e conservação do meio ambiente. Demarcação de terras indígenas em área única. Independência do índio. da floresta. Desrespeito ao meio ambiente. Demarcação da Raposa Serra do Sol em ilha e permanência dos não-índios na área. Quadro Demonstrativo 12 Organizações Não-Governamentais Nacionais (ONGs com influência local) 279 Identificação Representação MOVIMONDO/Itália. ONGs e Causas de Defesa Causas opõem a que se da elite da Comunidade Plano de ajuda aos índios e Discurso aos pequenos agricultores nacional/local contra a Européia de solidariedade da Comunidade Européia que Bretanha. representa perigo para a soberania do Brasil. Plano de ajuda na área de Idem. Médicos Sem ONG da Comunidade saúde aos índios. Fronteiras/Holanda. Européia. Intermediação entre a Idem. União Européia no ONG transnacional. solidariedade nacional com Brasil (ECHO). a internacional. Plano de ajuda aos índios e aos pequenos agricultores nãoíndios, vítimas de estiagem e queimadas. OXFAM da não-índios, vítimas estiagem e queimadas. Grã- Quadro Demonstrativo 13 Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGs com influência local) Identificação Representação Causas de Defesa Diocese de Roraima. Índios católicos e fiéis Preservação da cultura do Demarcação das reservas não-índios defensores índio. Demarcação das indígenas em ilhas e reservas indígenas em área permanência dos nãoda causa indígena. única. Respeito ao índio que queira continuar sendo ou não índio. Missionários Igreja Protestante, Evangelização do índio e integração na Evangélicos (MEVA)232. índios e fieis não-índios sua sociedade nacional local. evangélicos. Conselho Indigenista Igreja Católica e índios Respeito e preservação da cultura do índio. Missionário (CIMI). católicos. Demarcação das reservas indígenas em área única. Causas opõem a que se índios dentro das reservas. Índio não-cristão. Demarcação das reservas indígenas em ilhas e permanência dos nãoíndios nas reservas. Quadro Demonstrativo 14 Igreja ou instituição Religiosa que influencia as comunidades indígenas locais Identificação Representação Fundação Nacional do FUNAI/local Índio (FUNAI), vinculada Governo Federal ao Ministério da Justiça. Índios de Roraima Causas de Defesa Causas opõem a que se Antes da Constituição/88, Conflitos sociais e a integração do índio na culturais entre índios e sociedade nacional. Pós- não-índios. Constituição/88 prestar assistência e garantir o direito do índio. 232. MEVA (Missionários Evangélicos da Amazônia) é um grupo de missionários mantidos por diferentes correntes protestantes de igrejas dos Estados Unidos. Esses missionários, com sede em Boa Vista, têm atuado em várias malocas indígenas, como a dos índios Makuxi, Taurepang, Wapixana, entre outros, e propiciaram a criação de conflitos familiares dentro de uma mesma etnia indígena convertida ao catolicismo. 280 Instituto Brasileiro dos IBAMA/local Recursos Naturais e Governo Federal Renováveis (IBAMA), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Universidade Federal de Roraima (UFRR), vinculada ao Ministério da Educação. INCRA/local Governo Federal Núcleo Interinstitucional de Saúde do Índio (NISI), setor da Fundação Nacional de Saúde (FNS), vinculada ao Ministério da Saúde. Secretaria Técnica do Programa de Proteção às Florestas Tropicais para toda a Amazônia Legal (PPTAL), com Coordenação vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso. NISI/FNS Coordenadoria Regional de Roraima. Ensino Superior/local Governo Federal Representa no Brasil os interesses do Programa Piloto do Grupo dos Sete Países mais ricos do Mundo – PPG7 (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão). Governo do Brasil. Parcerias com o Banco Mundial e ONGs em projetos ecológicos e autosustentáveis dos recursos naturais. O discurso da elite roraimense de que as áreas “congeladas” são prejudiciais ao desenvolvimento do Estado. Política fundiária que Conflitos pela posse da possa atender o fluxo terra entre índios e nãomigratório e o índios em Roraima. deslocamento de nãoíndios retirados das áreas indígenas em Roraima. Parcerias e discussão na Comissão para Criação do Núcleo de Formação Superior Indígena vinculado à Pró-Reitoria de Graduação, com representação da OPIR, do CIR, da CCPY, da OMIR, FUNAI, Divisão de Ensino Indígena/SEC/Est/de Educação, Cultura e Desporto (DEI-SECD). Empenho dos parlamentares (senado e câmera) e Governo de Roraima na obtenção dos recursos de apoio aos projetos e agentes de saúde que atuam nas reservas indígenas. Projetos e políticas públicas do governo brasileiro envolvidos na conservação e proteção ambiental. Programas de proteção às populações e terras indígenas. Ensino com critérios iguais para índios e não-índios. Conflitos entre lideranças indígenas e lideranças políticas de Roraima. Presença de garimpeiros em áreas indígenas. Degradação ambiental. Conflitos sociais que dificultem a demarcação das terras dos índios. Parceria do G7 no Brasil Discursos de um segmento na demarcação de reservas da sociedade local que indígenas em Roraima. afirmam que o governo federal não tem condições de terminar a obra de demarcação das áreas indígenas, solucionando os impasses entre índios e não-índios. Quadro Demonstrativo 15 Área Federal que influencia políticas públicas ou programas de desenvolvimento para Roraima 281 Identificação Representação Causas de Defesa Causas opõem a que se Demarcação de reserva Governador de Roraima Governo do Estado de Desenvolvimento sustentável. Programa de indígena em área contínua. Neudo Campos (PPB). Roraima. Prefeito do município Governo Municipal da de Boa Vista Ottomar Capital de Roraima. Pinto (PTB). Prefeito do município Governo Municipal de Normandia Vicente fronteira Brasil/Guiana. Adolfo Brasil (PSDB). Prefeito do município Governo Municipal de Pacaraima Hipérion fronteira Oliveira (PFL). Brasil/Venezuela. Senadores de Roraima. O povo de Roraima no Romero Jucá (PFL), Senado Federal. Marluce Pinto (PMDB), Mozarildo Cavalcanti (PFL). Educação Formal diferenciado para o índio. Demarcação das áreas indígenas em ilhas. Uso da violência para contestar a homologação da Raposa Serra do Sol em reserva indígena em área única. A região é rica em minérios e deve ser explorada pelos brasileiros e não por ONGs internacionais. É a favor da reserva indígena e defende parcerias com os índios. Necessidade de investir em áreas fora das reservas indígenas. Parcerias com os índios. Propõe projetos da prefeitura na área de agricultura. Desenvolvimento sustentável. Demarcação das reservas indígenas em ilhas respeitando a permanência dos nãoíndios na região. Desapropriação de fazendeiros e pequenos agricultores. Demarcação indígena em Não aprova internacionais “congelar” indígenas. Conflitos sociais e separação entre índios e não-índios. Conflitos sociais e separação entre índios e não-índios. Demarcação das reservas indígenas em área única. Desapropriação dos nãoíndios da região. Deputados Federais de O povo de Roraima na Idem. Roraima. Câmara Federal. Idem. Deputados Estaduais de O povo de Roraima na Idem. Roraima. Assembléia Legislativa Estadual. Idem. O povo de Roraima na Idem. Câmara Municipal de Boa Vista. Idem. Vereadores de Roraima de terra área única. pretensões para as áreas Demarcação das reservas Empresários de Produtores agrícolas, Desenvolvimento socioeconômico. indígenas em área única. Roraima: Federação do pecuaristas, Demarcação das reservas Desapropriação dos Comércio (FECOR), comerciantes. indígenas em ilhas produtores e fazendeiros Federação da respeitando a permanência da região. Agricultura (FAER) e dos não-índios na região. Associação Comercial e Industrial de Roraima (ACIR). 282 Ordem dos Advogados OAB/local. de Roraima (OAB). Ação popular para impedir homologação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área única com expulsão de todos os nãoíndios da região. Demarcação das reservas indígenas em área única. Anulação de Decretos estaduais que criaram municípios em áreas indígenas. Quadro Demonstrativo 16 Representantes da Sociedade Nacional local 5.2. Questões emanentes Embora todas as questões estejam entrelaçadas, é possível tratá-las dentro de certos eixos, produzidos pelos pontos de encontro desta complexa rede de tendências e ações. 5.2.1. Demarcação de terras indígenas em área única ou em ilhas As Constituições, Federal de 1988 e Estadual de 1991, deram um tratamento privilegiado ao índio, em um capítulo, e outros dispositivos ao longo dos textos constitucionais (cf. Capítulo 3, itens 3.3 e 3.4), os quais ofereceram apoio ao movimento e às organizações indígenas que vinham estabelecendo campanhas em prol da ruptura assimilacionista, a partir do final dos anos 70, com o denominado processo de redemocratização do país. Nesse contexto de nova visão e legitimidade, para os índios defenderem e conquistarem seus direitos originários sobre as terras que sempre ocuparam e o reconhecimento de suas organizações sócio-culturais, as pretensões de direitos entre as famílias indígenas trilharam por dois caminhos de reivindicações da devida remarcação de suas terras: em área única ou em ilhas. 5.2.1.1. Demarcação das terras em área única A demarcação da terra em área única, viabilizando a criação de uma unidade territorial destinada apenas aos índios (segundo suas línguas e organizações sócio- 283 culturais), tendo como apoio projetos com estratégias não-indígenas de usufruto sustentável de recursos naturais, aproxima-se do padrão do Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso) de garantia, ao índio, de um espaço sócio-cultural permanente e geograficamente contínuo. Temos, até o momento, cinco ONGs indígenas (CIR, APIR, OPIR, TWM, OMIR) e quatro ONGs não-indígenas (CCPY, URIHI, GTA, ISA) que, com o aval da FUNAI e participação de instituições católicas (Diocese de Roraima e CIMI), vêm defendendo a demarcação em área única. Em contraposição, a defesa da demarcação em ilha, que é uma reivindicação dos índios integrados e de segmentos da sociedade nacional, significa uma área dividida em partes cuja ocupação seria entremeada por índios e não-índios, constituindo-se num território fragmentado em lotes, com uma clara política compensatória por parte do Estado em favor da sociedade nacional que vem sendo, há séculos, instada a ocupar o “vazio amazônico”. Os projetos da União para a demarcação das terras sempre considerou – mesmo que não claramente explicitado – o modelo de áreas únicas. Tal modelo se firma na convicção de que só a área única é capaz de garantir proteção à manutenção da cultura indígena, inclusive rechaçando os contatos com os brancos. Em 1992, por ocasião das manifestações pelos 500 anos de resistência indígena na América Latina, diante das dificuldades dos índios, deslocados de suas malocas e terras para a capital Boa Vista, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Diocese de Roraima tentaram romper com o paradigma tradicional do projeto assimilacionista do Estado, ainda presente nos anos 90. Em termos concretos, os índios ligados a estas duas entidades, manifestaram seu protesto no centro da capital, chamando atenção para o reconhecimento oficial dos 284 fundamentos de seus direitos constitucionais, reivindicando do Estado mecanismos legais para o reconhecimento de seus direitos originários: “Ao índio o que sempre foi do índio”, é a palavra final do Conselho Indígena de Roraima (CIR) quando o assunto é terra indígena. No último dia 12 de outubro, os índios se reuniram no Centro Cívico para o lançamento da campanha pela demarcação da Área Indígena Raposa Serra do Sol (AIRASOL). ‘É mais uma promoção em defesa da causa indígena no Estado de Roraima”, explicou o coordenador do CIR, Clóvis Ambrósio. Ele esclareceu que o direito à terra é necessário à sobrevivência física e cultural das comunidades indígenas. Direito esse que é anterior à formação do Estado Brasileiro e significa o reconhecimento de que os colonizadores portugueses quando chegaram ao Brasil em 1500 encontraram povos que eram detentores de direitos, como a terra que possuíam (FBV, 15/10/92, p. 4). O líder e coordenador do CIR, que foi também o idealizador do lançamento dessa campanha em favor da demarcação da Área Indígena Raposa Serra do Sol (AIRAROL, cf. Mapa 06, p. 251), acreditava na solidariedade dos nãoíndios de Roraima. Os índios associados ao CIR esperavam o apoio do Estado e da sociedade em favor do seu direito como primeiro habitante. No entanto, a recepção da manifestação do índio contra o não cumprimento dos direitos constitucionais pelo Estado foi desastrosa, pois expôs não apenas a dificuldade do Estado em lidar com essa situação histórica de sua própria relação com o índio como, também, as reivindicações dos não-índios que pretendiam “conquistar/legalizar” o que era de propriedade da União em Roraima: as terras. Essa campanha indígena, liderada pelo CIR em prol da AIRASOL, provocou uma crescente organização das lutas por direitos entre índios e não-índios e ainda muitas rupturas internas entre as famílias indígenas: as que buscavam junto ao CIR o resgate dos direitos de organização sócio-cultural originária (com a posse coletiva da terra) e aquelas que estavam ao lado do Estado e aspiravam a seus próprios direitos civis e de propriedade privada. Os índios Makuxi, Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Wai Wai e outros pequenos grupos vinculados ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) pedem a demarcação em área única e expulsão de todo branco do território demarcado. 285 A União, evidentemente, não ignora tais necessidades indígenas e nem os conflitos por elas gerados, buscando introduzir cunhas de ação paliativa, que contemplassem todas as partes envolvidas. Nesse sentido, a criação do Parque Nacional Monte Roraima, como área de preservação ecológica dentro da área reivindicada pelos índios Ingarikó com clara intenção de contentar a gregos e troianos, não convence as lideranças indígenas: O parque foi criado pelo decreto presidencial em 28 de junho de 1989. As lideranças indígenas Ingarikó querem as terras demarcadas e ameaçam prender quem está explorando o turismo sem autorização da comunidade. O líder indígena Dílson Ingarikó disse que a comunidade Ingarikó é contra a instalação do Parque Nacional Monte Roraima, ao norte do Estado, porque os índios não foram consultados233 pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). “Nós somos contra o parque. A maioria das pessoas ainda não sabe o que isso significa. Para nós, o que mais interessa no momento é a homologação da Raposa/Serra do Sol, em área contínua”, afirmou durante a segunda Assembléia Geral do Povo Ingarikó (FBV, 08/11/00, p. 6). Parte das terras da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, a área dos Ingarikó, é ferrenhamente defendida por seus líderes contra a aproximação do Estado, mesmo que esta se dê de modo “politicamente correto”, na forma de um Parque Nacional que tem estatutos jurídicos de preservação contra ocupação econômica permanente. A atuação da União vem, de fato, incidindo negativamente, de há muito tempo e com insistente presença nos dias de hoje, no quadro dos conflitos, acirrando-os: No dia 29 de abril de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto, em Brasília, de criação de mais dois parques nacionais no município de Caracaraí – Viruá e Serra da Mocidade. Em Roraima, são 3.827.128 hectares de terras destinadas somente a unidade de conservação. O Parque Nacional de Viruá tem 227 mil hectares e o Parque Nacional de Serra da Mocidade 350,4 mil hectares de extensão. As duas localidades ficam na região do Baixo Rio Branco, entre a Estação Ecológica de Niquiá e a região de Catrimani, que faz parte da reserva indígena Yanomami. O Estado de Roraima tem ainda em seus 225.131 quilômetros quadrados, áreas de domínio do Incra (28%), Funai (40%), 233. Consulta essa prevista na Constituição Federal de 1988, estabelecendo a competência exclusiva do Congresso Nacional em relação à “exploração” (sic) das terras indígenas, com aval das etnias afetadas (Art. 231, § 3º). 286 Exército (2,85%), Ibama (2,11%) e de terras devolutas que tomam cerca de 5% do Território. O Estado dispõe apenas de 10% da sua área, mas ainda não regulamentada (FBV, 02 e 03/05/98, p. 6). União, Estado, instituições públicas, Igreja e organizações nãogovernamentais entram, assim, em choque frontal: O Ministro da Justiça, Renan Calheiros julgou improcedentes todas as contestações dos fazendeiros. A Portaria n. 820 (11.12.1998) que demarca a reserva Raposa Serra do Sol em área única e assinada pelo Ministro Renan Calheiros, desconsidera o despacho do Ministro Nelson Jobim excluindo áreas habitadas por não-índios. A Portaria exclui dos limites da terra indígena apenas uma área militar onde será implantado o 6° Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã. Para o Ministro Renan Calheiros e para os índios da Raposa Serra do Sol, o Município de Uiramutã, vilas e fazendas deixaram de existir com a Portaria n. 820. Para Renan Calheiros, seria muita contradição o Estado entrar com uma ação contra o Governo Federal e depois ir até Brasília pedir recursos (FBV, 15/12/98, p. 5). Indubitavelmente, a tentativa de compatibilizar interesses tão divergentes acaba retirando o poder até mesmo dos institutos legais mais sérios e, neste quadro, despachos e portarias se sucedem, se confundem e se anulam e o poder da União e do Estado se enfrentam e se desmoralizam mutuamente. Sem determinações precisas e diante da baixa respeitabilidade do poder público, a sociedade toma nas próprias mãos a “solução” dos conflitos: O Coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima) e o Coordenador do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) foram até a Procuradoria Geral da República pedir ao Ministério Público Federal providências para evitar novos conflitos no Município de Uiramutã, que fica dentro da área indígena Raposa/Serra do Sol. O Coordenador Regional do CIMI fez denúncias também sobre a agressão que sofreu quando quase levou uma facada, em Uiramutã. O CIR também pediu a Polícia Federal que investigue as mortes de dois adolescentes índios que ocorreram no período do conflito (FBV, 13 e 14/02/99, p. 3). Não nos cabe, aqui, elencar e discutir a tipologia e qualidade dos conflitos, nem mesmo em termos de perdas de vidas humanas, embora, evidentemente, a tal não sejamos alheios. A veiculação de tais “soluções” pessoais, contudo, é de tão grande constância que acaba desmontando qualquer posição civil de estabelecimento de equilíbrio por meios legais, como que tornando aceitável os caminhos da violência física “miúda”, em contrapartida àquelas institucionais. 287 Se perde, assim, a possibilidade de defesa séria da questão real, aquela da reserva em área contínua. 5.2.1.2. Demarcação das terras em ilhas A demarcação das reservas indígenas em ilhas e a permanência do branco dentro da reserva são reivindicadas, até o momento, por quatro instituições (ALIDICIR, SODIUR, ARICOM e OAB/RR), o governo de Roraima, prefeitos municipais de Roraima, e a totalidade da representação política (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), empresários e fazendeiros. Ganha corpo, assim, a reação contra a área contínua, concretizada em vago projeto de demarcação em ilhas, com o Estado de Roraima tomando a frente de tal posição: O secretário estadual de Planejamento, Sérgio Pillon, garante que há disposição política do governo em sair do discurso para a prática. (...) No setor produtivo primário o secretário de Planejamento afirma que a indefinição fundiária é o principal nó que impede o desenvolvimento rural. Ele destaca que o governo do Estado é contra a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua (FBV, 12/01/99, p. 4). Tal posição busca suporte legal em contestações oficiais: O procurador-geral do Estado comentou sobre a conclusão da ação contra o ato administrativo do Ministro da Justiça, Renan Calheiros, que demarcou a reserva indígena Raposa/Serra do Sol com 1 milhão e 678 mil hectares. Desde o início de janeiro um grupo de advogados contratados pelo Estado, trabalha em Brasília na elaboração do documento que deverá reverter juridicamente a Portaria 820 (FBV, 13 e 14/02/99, p.3). Em função de tal afrontamento, embora a referida Portaria 820 não tenha sido cancelada, as demarcações da Raposa Serra do Sol não foram ainda homologadas. No decorrer do período, o Estado tem recebido o apoio não só de entidades “brancas”, Uma comissão da OAB (Ordem do Advogados do Brasil) criada para acompanhar o caso Raposa Serra do Sol decidiu que vai aprontar hoje uma Ação Popular contra a homologação da reserva indígena para ser impetrada o mais rápido possível na Justiça 288 Federal. Segundo o presidente da OAB, Ednaldo Nascimento, a ação será com pedido de liminar, o que vai garantir uma decisão rápida, antes que o presidente Fernando Henrique Cardoso homologue a demarcação em área única. (...) Ele acredita que poderá colocar a homologação sub júdice. “Um juiz federal aqui mesmo em Roraima pode apreciar a ação com rapidez e então a demarcação ficará suspensa até que se decida o mérito”, disse Nascimento (FBV, 07.01.99, p. 4). como daquelas entidades que representam os indígenas desejosos e decididos a se incorporarem na estrutura nacional: Um grupo de aproximadamente 70 índios ocupou ontem à tarde a sede da Administração Regional da FUNAI em Boa Vista/RR, para protestar contra a demarcação em área única da reserva Raposa Serra do Sol e da reserva São Marcos. As lideranças indígenas fizeram várias denúncias contra a atuação do órgão indigenista e exigiram dos diretores do órgão uma conversa por telefone com o presidente da FUNAI/Brasília-DF, Sulivan Silvestre ou com autoridades do Ministério da Justiça. Os índios representam 44 malocas da região das Serras, na Raposa Serra do Sol, e de outras comunidades da reserva indígena São Marcos, além de 28 tuxauas. A Polícia Militar foi chamada para garantir a Segurança dos funcionários, porém não conseguiu impedir a ocupação das salas da Operação Yanomami e a do administrador regional. A ocupação foi pacífica, mas não houve atendimento. Homens e mulheres acampam na sede até uma decisão oficial no atendimento das reivindicações. O administrador Walter Blós está de férias e o interino Délcio Ignácio dos Santos alegou que não tinha conhecimento do problema. A ocupação da sede da FUNAI/RR foi organizada por três ONGs indígenas (SODIUR, ARICOM, Aliança de Integração Indígena) que são contra a demarcação da reserva em área contínua. Para o presidente da ARICOM, Gilberto Makuxi, a demarcação das reserva em área única é desejo da Igreja Católica e de entidades internacionais. Gilberto Makuxi disse que o Ministro da Justiça e o presidente da FUNAI devem vir a Roraima para ouvir “o outro lado da história” das comunidades indígenas contrárias à demarcação em área única. Estes grupos de índios denunciam que estão sem assistência de saúde, educação e agricultura, e por isso defendem a permanência de produtores rurais na região e assistência do Governo de Roraima. Para o presidente da SODIUR, Lauro Barbosa, há 4.858 índios associados à sua entidade que preferem parceria com o Governo do Estado porque estão abandonados pela FUNAI. Eles não querem seguir o caminho dos Yanomami que têm muita terra e estão abandonados. O tuxaua da Maloca Bananal, Marcolino de Souza, foi uma das lideranças que mais fez denúncias sobre a falta de assistência da FUNAI/Local (FBV, 14/01/99, p. 6). Nota-se, como ponto de partida na consideração do documento acima, a tomada de posição indígena contra a FUNAI, justa representante dos indígenas “pró-tradição” e, portanto, isolacionistas em relação ao Estado nacional. Dessa manifestação tomaram parte as mais importantes ONGs indígenas contrárias à demarcação da Raposa Serra do Sol em área única e conseqüente 289 expulsão de seus ocupantes brancos: SODIUR (Sociedade dos Índios Unidos do Monte Roraima), ARICOM (Associação Regional dos Índios do Rio Quinô, Cotingo e Monte Roraima) e ALIDICIR (Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima). No desenrolar da manifestação em pauta, tomando posições e definindo ações para solucionar o conflito, as mulheres indígenas opinaram e a mulher do tuxaua Cláudio Barbosa alertou que “as mulheres indígenas recusam a tutela da FUNAI que é de pouca utilidade para os interesses indígenas e que não se importa se elas e os seus filhos estão doentes ou com fome” (cf. FBV, id., ibid.). A própria inclusão das mulheres em tal protesto pode nos apontar um dado de fato em nada irrelevante: a efetiva participação do elemento feminino em um conflito de caráter político, algo estranho à cultura indígena e perfeitamente presente naquela nacional à qual tais grupos, a propósito, visam se integrar. As mulheres vêm sendo, aliás, uma presença cada vez mais constante nas reivindicações e, como contrapartida, o movimento pró-área única também começa a tê-las organizadas (cf. p. 259, Quadro 09). A fala dos representantes das três maiores ONGs indígenas do Estado não ligadas ao CIR e à Diocese de Roraima (Gilberto Macuxi da ARICOM, Lauro Barbosa da SODIUR, tuxaua Marcolino de Souza da ALIDICIR) evidenciou o desejo de proteção e integração do índio na sociedade nacional, proteção esta que faz parte da agenda política local, do governo estadual e municipal com apoio dos senadores e deputados federais/estaduais e representantes de segmentos da sociedade local (fazendeiros, comerciantes, agricultores). Essas organizações indígenas são constituídas pelos Makuxi, Wapixana, Taurepang e outros que são identificados como “brasileiros natos”, de idéias e práticas culturais diferenciadas de grupos de suas próprias etnias vinculadas ao CIR. Há que se compreender, portanto, que as menções à “proteção aos índios” nos discursos políticos 290 roraimenses se prendem exclusivamente aos índios partidários da própria integração no projeto nacional. O texto destacava, também, a percepção da caminhada desses índios como objeto-sujeito de sua própria história na formação desse Estado, da situação atual do país e os seus problemas, ainda pendentes desde a fase inicial de Território Federal: a situação das terras; o conflito interno entre os próprios índios; o conflito envolvendo índios, não-índios e o Estado/União; a política indigenista do Estado/FUNAI que não soube resolver a posse da terra pelo índio; o projeto político do Estado que não proporcionou ao índio “civilizado” as prometidas benesses na sociedade brasileira e posse da terra segundo os limites individualistas do direito privado, que, também, já se faziam presentes na política pombalina do século XVIII (cf. Cap. 1, itens 1.4 e 1.7). Os segmentos das etnias indígenas associados ao processo político estadual/nacional procuraram oficializar o seu papel nesse processo histórico em formação, combatendo os parentes índios que desejam a expulsão dos brancos vizinhos e a demarcação da reserva em uma unidade territorial (cf. Cap. 2, itens 2.3, 2.4 e 2.5) e a ruptura de uma monoconsciência indígena tornou-se definitivamente clara: O produtor Vicente Gianluppi afirmou que o Governo Federal promove o esvaziamento econômico do Estado, a partir da indisponibilidade das terras. O presidente da APIR (associação dos povos indígenas de Roraima), o tuxaua Firmino Alfredo da Silva, defendeu a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol em área única porque o índio é nômade, precisa se movimentar na área em busca de caça e pesca. A demarcação em ilhas implica no isolamento do índio. O tuxaua José Lauriano, membro da SODIUR (sociedade dos povos indígena do norte de Roraima), declarou-se favorável a demarcação em ilhas porque os índios querem espaço para ter acesso à modernidade, ter oportunidade de emprego, crescer como ser humano e não ser dominado pela Funai e pela Igreja Católica que pregam o retorno ao primitivismo. Laurindo disse que não querem ser iguais aos Yanomami. Ele disse que os estrangeiros não estão interessados no índio, mas os têm como escudo. Prova disso são os Yanomami que estão isolados, morrendo de fome, doentes. Para o Vereador Jonas Marcolino (PSL), que é tuxaua da Maloca Contão, o índio é um cidadão brasileiro que quer e deve ter o direito de viver em harmonia, de forma pacífica junto com os não-índios. Ele enfatizou que nasceu índio e vai morrer índio, mas quer continuar crescendo como ser humano e este isolamento é não querer que o índio cresça como cidadão. O vereador 291 Parimé Brasil (PSDB) fez críticas aos políticos descompromissados com os interesses de Roraima. Ao afirmar que a demarcação destas áreas iniciou em 1974, disse que desde então ninguém reagiu para evitar o continuado avanço das pretensões, especialmente os políticos que chefiaram o executivo e também tiveram mandato no parlamento federal. O representante do Governo explicou que o Estado quer conquistar na Justiça o direito da demarcação em ilhas e apresentou três argumentos que dão base as teses jurídicas: Roraima, índios e a soberania. Para o Governo é inviável ao desenvolvimento de Roraima com demarcação em área contínua. O índio precisa ter garantido os direitos à educação, saúde, progresso, evoluindo como ser humano e não como tratam muitas Ongs internacionais que olham o índio como animal. A questão da soberania do Governo brasileiro de não gerenciar sobre as áreas indígenas depois de homologadas sob pressões internacionais (FBV, 28/01; 99, p. 3). Além do rompimento da monoconsciência indígena, o texto acima nos leva à discussão de outra vertente subjacente ao conflito, que é o medo e a recusa da internacionalização. 5.2.1.3. Questão subjacente: a “soberania” A questão fundiária, a biodiversidade cultural e ambiental, a disputa de poder sobre “royalties” de espécies medicinais presente nessa região amazônica conduziu discussões entre representantes do Estado e da sociedade local sobre a provável manipulação do índio por grupos estrangeiros na exploração dessa terra: “Dá para entender por que eles lutam tanto para a demarcação de imensas áreas indígenas?” Pesquisadores do INPA alertam que empresas dos Estados Unidos estão levantando plantas medicinais da Amazônia para extrair essências e patentear medicamentos. Até satélites estão sendo utilizados para localização dessas plantas (FVB, 07/11/96, p. 3). A este contexto se somam notícias de diverso teor: As entidades OXFAM (da Grã-Bretanha), MOVIMONDO (da Itália), LIBERTEÈ (da França) e Médicos sem Fronteira (da Holanda) disponibilizaram um milhão de ecos – moeda da Comunidade Européia -, equivalente a R$ 1,160 milhão. Representantes dessas ONGs e mais o coordenador da Coordenação da União Européia no Brasil (ECHO) participam de várias reuniões desde ontem com entidades ligadas aos índios e os agricultores para discutir a melhor forma de colocar em prática o plano de ajuda. A reunião foi na sede do CIR (Conselho Indígena de Roraima) com a participação das entidades locais que trabalham com os índios: Comissão Pró-Yanomami (CCPY), CIR, Diocese de Roraima e Fórum dos Atingidos pela Seca e Queimadas. (...) O Coordenador do CIR, Jerônimo Pereira, disse que parte da verba liberada pelas ONGs européias o CIR e a 292 Diocese de Roraima compraram alimentos para 182 comunidades indígenas e famílias de pequenos agricultores. Ontem iniciou a segunda fase de distribuição de 130 toneladas de alimentos que irão alimentar 3.524 famílias, incluindo também índios Yanomami (FBV, 21/05/98, p. 6). Nesse caso, tais ONGs se fizeram presentes em Roraima para ajudar os índios e os pequenos agricultores que foram vítimas das queimadas e da estiagem que castigou o Estado entre fevereiro e março daquele ano. Além da solidariedade internacional para o abastecimento de água e alimentos, outras ações se voltaram para saúde e agricultura nessa primeira fase do projeto. Explicando o interesse das ONGs européias em Roraima, durante entrevista na mídia local, o representante da MOVIMONDO, Vicenzo Pira, disse que essas ONGs dariam, também, um apoio técnico a projetos de tecnologia auto-sustentável para as entidades envolvidas com os índios. Tal solidariedade internacional provocou desconfianças entre as lideranças políticas e segmentos da sociedade roraimense: Vicenzo Pira classificou como “fofoca” da elite local que a ajuda da Comunidade Européia representaria um perigo a soberania do Brasil. Para citar um exemplo de que há uma sintonia internacional de ajuda ao país, ele disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um acordo, em outubro de 1997, com a ONU (Organização das Nações Unidas) para preservar as florestas tropicais. “A soberania do Brasil não está em discussão nesse momento”, destacou. “O que estamos discutindo agora é a autonomia das comunidades indígenas que precisam também que suas terras ocupadas sejam demarcadas”. Para ele, as populações indígenas precisam ter a garantia da terra para continuar sobrevivendo (FBV, id., ibid., grifo nosso). Para além da óbvia afirmação da Comunidade Européia não pretender cindir a soberania brasileira, devemos observar o postulado do auxílio que levaria à “autonomia” indígena. Tal autonomia, em princípio econômica e baseada em projetos ecologicamente corretos e auto-sustentáveis, é também defendida por entidades brasileiras tais quais o GTA, ISA, CIMI, CCPY, URIHI, CIR, APIR, OPIR, TWM, OMIR (cf. Quadros, 09, 11 e 12, pp. 259-60). Claro está que, em se tratando de colaboração internacional, a questão da soberania sempre se coloca. Contudo, independentemente do ponto de partida 293 desses processos de ajuda, solidariedade ou, até mesmo, estudos envolvendo contato com a terra, gente e instituições de um país, é óbvio que tal país deve necessariamente e sempre, exercer controle sobre tais ações. O medo em relação aos projetos de estudos amazônicos com a colaboração científica internacional não é novo. Nos anos de 1950, surgiram debates e protestos relacionados à criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica (IIHA)234. Violentas discussões eram realizadas no Congresso e na Câmara e, também, na Imprensa, lideradas pelo ex-presidente Artur Bernardes (presidente da Comissão de Segurança Nacional) que acusava o IIHA de ser a ponta de lança de uma intervenção colonial das grandes potências para tomar a Amazônia: ... possuímos um império sem rotas oceânicas, a separar a metrópole da colônia, que é o nosso interior despovoado que vamos colonizando aos poucos, conforme nossas necessidades: não há razão alguma que indique a necessidade de superlotamento da escória da Europa dos nossos reservatórios de expansão futura (Revista do Clube Militar, junho de 1950; grifo nosso). No contexto da guerra fria, com a campanha nacionalista do petróleo ganhando corpo desde 1947, as representações européias da ONU e UNESCO eram apontadas como bolcheviques: perdia-se a Amazônia e o país ficaria nas mãos dos comunistas (PEPITJEAN & DOMINGUES, 2000). Esse medo sufocou o projeto do IIHA que tinha todos os elementos de um grande projeto de colaboração científica internacional, idealizado, desde 1942, por Paulo Carneiro, um cientista brasileiro sério, bioquímico com pós-graduação em Paris, trabalhos no Instituto Pasteur, onde sintetizou o curare. Contudo, os dois anos de funcionamento provisório do IIHA, sob presidência de Heloisa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, tinha mostrado várias perspectivas aos pesquisadores brasileiros e, em 234. Tal Instituto seria mantido pelos países da Hiléia (França, Inglaterra, Estados Unidos, etc.) e contaria com verbas da UNESCO e colaboração de cientistas ingleses, franceses, americanos, entre outros. 294 1951, criava-se o CNPq que, em 1954, revivia os ideais do extinto IIHA com a criação do INPA: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. A colaboração científica internacional, que já contara com o interesse pela Amazônia de nomes como Humboldt, Wallace, Dates, Darwin e Agassiz, tinha agora um centro nacional para controlá-la e incentivá-la. Todavia, observa-se que o temor militar nunca aplacou, mostrando-se no projeto oficial que o abriga: o Calha Norte. O pretendido povoamento amazônico com apoio de unidade militar não é algo novo, pois fizeram parte do projeto do poder central colonial do século XVIII, quando foram fundados os primeiros aldeamentos e as primeiras fazendas particulares, tendo o suporte administrativo-militar do forte São Joaquim, na região do Rio Branco (cf. Cap. 1), atual Estado de Roraima. Tal modelo de soberana do Estado Luso-brasileiro era fundamental para o êxito da posse e defesa da terra em nome do governo central. Essa idéia de salvaguardar e ocupar as fronteiras amazônicas fez parte, também, do programa de governo federal em fins dos anos de 1970-80, quando o Conselho de Segurança Nacional projetou o Calha Norte. Esse projeto para defesa da fronteira Norte brasileira, do controle do narcotráfico e contrabando, de coibição da exploração mineral e vegetal ilegal e, também, de possíveis incursões de guerrilheiros, foi divulgado pela mídia somente no ano de 1986, momento em que: O Ministério do Exército instalou na faixa de fronteira da região Norte, quatro Pelotões Especiais de Fronteira. Há outros dois em implantação e mais cinco são previstos (ALMEIDA, 1992: 97). Esse programa do governo federal recebeu apoio jurídico com os dispositivos constitucionais do artigo 20, XI, § 2º que dispõe: “a faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, 295 designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”235. MAPA 07 Calha Norte (EUSEBI, 1991:37) Assim, o projeto Calha Norte, implantando unidades militares na fronteira norte amazônica, eliminaria as pretensões estrangeiras e integraria essa “isolada” região ao centro econômico e político brasileiro. O papel do Calha Norte como cunha “nacionalizadora” capaz de desestruturar e dificultar ainda mais o já difícil processo de sobrevivência das comunidades indígenas alarmou todos os interesses pela questão, que o viam como uma “abertura à penetração do capital 235. Constituição Federal de 1998, Título III (Da Organização do Estado), Capítulo II (Da União). 296 brasileiro e multinacional na Amazônia, que poderia avançar como um rolo compressor sobre as populações indígenas” (EUSEBI, 1991:36-37). Esse rolo compressor “civilizador” precisava, antes de qualquer coisa, afastar o “obstáculo” indígena, impedindo a demarcação de suas terras e concentrando os diversos grupos étnicos em pequenos núcleos, algo mais propício ao trabalho de integrá-los no projeto social nacional (id., ibid.). A proteção do território amazônico e, ao mesmo tempo, sua ocupação, foram claras preocupações do governo militar entre 1964 e 1985 (cf. Capítulo 3, pp. 170/179) e o Calha Norte foi um dos pontos de sustentação de sua política. A construção de suas bases, sendo, a maioria delas dentro de territórios indígenas, passou por muitos percalços, inclusive de ordens jurídicas, com várias impugnações legais que retardaram sua implantação física. Assim, dezessete anos após a divulgação de sua criação, tal projeto ainda padecia de incompreensão no âmbito da sociedade de Roraima: Com surgimento do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), o projeto Calha Norte perdeu importância no Governo Federal e parlamentares querem saber o que está sendo feito. Se continuar a demarcação de terras indígenas nas áreas de fronteira, na Amazônia, o projeto Calha Norte está fadado à falência. A opinião é do deputado federal Jair Bolsonaro (PPB-RJ), conhecido por defender os militares e combater no Congresso a criação de novas reservas. Bolsonaro diverge de Romeu Tuma (PSC-SP). O senador acredita que o Calha Norte precisa ser redimensionado, porque é de importância vital para a Amazônia. “Isso fica cada vez mais claro, porque o Calha Norte não é um projeto militar, é um projeto do estado para ocupação da Amazônia pela sociedade civil”. Os dois parlamentares integram a Comissão Mista do Congresso que desde terça-feira visita unidades militares da Amazônia, principalmente os pelotões de fronteira que fazem parte do Calha Norte. Completam a Comissão os senadores Carlos Patrocínio, Ernandes Amorim, João França e Marluce Pinto, e os deputados federais Antonio Feijão, Carlos Airton, Geovani Queiroz, Hilário Coimbra, Luiz Fernando e Salomão Cruz. A visita começou por Roraima e encerra hoje em Tabatinga, após serem visitadas as bases do Calha Norte em Surucucus (RR) e Maturucá, Auaretês e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, além de unidades militares sediadas em Boa Vista e Manaus. Falando com o conhecimento de quem chefiou várias operações no interior da Amazônia nos nove anos em que foi diretor da Polícia Federal, o senador Romeu Tuma disse que só as Forças Armadas estão cumprindo com sua parte no Calha Norte. “O projeto tem que ser reequacionado para vingar”. Para ele, o Sivam – Sistema de Vigilância da Amazônia, e o Sipam – Sistema de Proteção da Amazônia, não sobrevivem se o Calha Norte não for implantado em toda a sua extensão. O papel da Comissão Mista, para o senador, é o de trabalhar em cima da liberação de recursos para que o projeto tenha continuidade. “Já que todas as verbas passam pela aprovação do Congresso”. Bem mais 297 pessimista Jair Bolsonaro diz que o Calha Norte é inócuo. “Não há como transformar pelotões em pólos de colonização dentro de terras indígenas. Está na hora de acabar com estas demarcações imensas, ou o Calha Norte não tem esperanças”. O deputado disse ainda que protocolou pedido na Câmara para que projeto seu que prevê a redução da Terra Indígena Yanomami seja votado em regime de urgência. “Os deputados não vão votar a tramitação em caráter de urgência porque são venais e não vão ficar contra o governo” (FBV, 07/11/96, p. 3, itálico nosso). De fato, a Comissão Mista do Congresso (senadores e deputados), apresentou clara cisão de compreensão e fins do Calha Norte, com posições favoráveis e outras que o vêem como inócuo. Em ambas, no entanto, fica-se evidente a crença na necessidade da “colonização” das terras em questão, com a manifestação contrária às demarcações vindo claramente a público. Passados quinze anos da divulgação do Calha Norte, algumas vitórias são obtidas por seus oponentes: O juiz federal Helder Girão Barreto concedeu liminar anteontem que proíbe a construção de um Pelotão Especial de Fronteira do Exército na região de Uiramutã, próximo aos limites da área indígena Raposa Serra do Sol, a nordeste do Estado. Há muito tempo as lideranças indígenas ligadas ao Conselho Indígena de Roraima (CIR) tentam impedir a continuidade das obras, que estão sob a responsabilidade do 6º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção). Os líderes indígenas alegam que não são contra a obra, mas justificam que o quartel iria “perturbar a tranqüilidade das aldeias e causar problemas como prostituição juvenil236 e inserção de bebidas alcoólicas”. (...) A construção do Pelotão de Fronteira em Uiramutã faz parte do projeto Calha Norte, do Governo Federal, que tem como principal objetivo ocupar a faixa de 150 quilômetros na área de fronteira (FBV, 05/01/01, 5). Entretanto, as notícias do embate chegam à mídia sem apontarem as questões de base e sem especificar com clareza os pontos em choque. Por outro lado, na formação da consciência que leva os grupos locais à ação, existe o velho fantasma da fase colonial (século XVIII, cf. Cap. 1): o medo em relação aos interesses de grupos internacionais na ocupação da região. 236. A prostituição dos índios, gerada pelos brancos, é um assunto antigo nessa região. Na década de 1920, os relatórios do Marechal Rondon, que esteve reunido com os índios e inspetores do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), registraram as denúncias dos líderes Makuxi, Taurepang e Wapixana sobre os atos abusivos sexuais juvenis e de mulheres indígenas por parte dos brancos, em alguns casos, envolvendo inspetores do SPI. 298 Nessa instância, o projeto Calha Norte teria como um de seus objetivos impedir a entrada no território nacional desses grupos estrangeiros que, valendose da questão indígena, estariam se apropriando do território amazônico: Para o Conselheiro e Vice-Presidente do Tribunal de Contas/RR Amazonas Brasil, o projeto Calha Norte, implantado pelo governo brasileiro, a partir de 1986, seria a única alternativa contra a internacionalização da Amazônia. Ele cita trechos do documento Diretrizes Brasil Nº 4, elaborado em 1981 pelo Conselho Mundial de Igrejas Cristã, em Genebra-Suíça durante uma reunião do Conselho e liderado por várias Organizações NãoGovernamentais. “Item I – É nosso dever garantir a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes aborígines, para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam reduzidas a um limite crítico”. Esse documento definia estratégias para a ampliação de terras indígenas na Amazônia. Para Amazonas Brasil, “Nessa perspectiva, uma vez feita a conquista geográfica, os agentes inspiradores passarão a uma segunda fase, a de dominar, pela via econômica, os povos autóctones”. Amazonas Brasil garante que esta visão trágica vislumbra-se, exclusivamente, a partir do documento que será votado na ONU garantindo aos índios completo domínio das áreas onde vivem, “ou aonde venham a viver, conforme o interesse de seus tutores”. O Calha Norte contrariava todas as intenções destes organismos internacionais para impedir a colonização da Amazônia. De acordo com o documento Diretrizes Brasil Nº 4, o Conselho Mundial de Igrejas comenta que, esse imenso território e os seres humanos que o habitam são patrimônio da humanidade e não patrimônio dos países cujos territórios, pretensamente, dizem lhes pertencer (FBV, 07/11/96, p. 3). Para além de confusão na data – a referida reunião do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs teria se dado em 1991 e não em 1981 – chama atenção o fato do documento, Diretrizes Brasil nº 4, só ter começado a circular pela internet, livremente, em 2003 e, mesmo assim, fora do site do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, onde não está presente. O referido documento circula, sob a égide da Revista do Clube Militar (1991), no site www.geocities.com e sua reprodução é importante para se entender a formação de opinião em termos de indignação nacional: 299 Revista do Clube Militar - Nov/Dez-91 Amazônia III DIRETRIZES BRASIL Diretrizes do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs para a Amazônia Brasileira - DIRETRIZES BRASIL No 4 - ANO "0” PARA: ORGANIZAÇÕES SOCIAIS MISSIONÁRIAS NO BRASIL 1 - Como resultado dos congressos realizados neste e no ano passado, englobando 12 organismos científicos dedicados aos estudos das populações minoritárias do mundo, emitimos estas diretrizes, por delegação de poderes, com total unanimidade de votos menos um dos presentes ao "I Simpósio Mundial sobre Divergências Interétnicas na América do Sul". 2 - São líderes deste movimento: a) Le Comité International de la Defense de l'Amazonie; b) Inter-American Indian Institute; c) The International Ethnical Survival; d) The International Cultural Survival; e) The Workgroup for Indigenous Affairs; f) The Berna-Geneve Ethnical Institute e este Conselho Coordenador. 3 - Foram contemplados com diretrizes especificas os seguintes países: Venezuela No 1; Colômbia No 2; Peru No 3; Brasil No 4, cabendo a Diretriz No 5 aos demais países da América do Sul. A AMAZÔNIA É PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE E NÃO DOS PAÍSES QUE A OCUPAM DIRETRIZES: A - A Amazônia Total, cuja maior área fica no Brasil, mas compreendendo também parte dos territórios venezuelano, colombiano e peruano, é considerada por nós como um patrimônio da Humanidade. A posse dessa imensa área pelos países mencionados é meramente circunstancial, não só por decisão de todos os organismos presentes ao Simpósio como também por decisão filosófica dos mais de mil membros que compõem os diversos Conselhos de Defesa dos Índios e do Meio Ambiente. B - É nosso dever: defender, prevenir, impedir, lutar, insistir, convencer, enfim esgotar todos os recursos que, devida ou indevidamente, possam redundar na defesa, na segurança, na preservação desse imenso território e dos seres humanos que o habitam e que são patrimônio da humanidade e não patrimônio dos países cujos territórios, pretensamente, dizem lhes pertencer. 300 É NOSSO DEVER INDEPENDER, POR RESTRIÇÃO DE SOBERANIA, AS ÁREAS OCUPADAS PELOS INDÍGENAS. É NOSSO DEVER PROMOVER A REUNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS EM REUNIÕES DE NAÇOES. C - É nosso dever: impedir em qualquer caso de agressão contra toda a área amazônica, quando essa se caracterizar pela construção de estradas, campos de pouso, principalmente quando destinados a atividades de garimpo, barragens de qualquer tipo ou tamanho, obras de fronteira, civis e militares, tais como quartéis, estradas, limpeza de faixas, campos de pouso militares e outros que signifiquem a tentativa de modificações ou do que a civilização chama de progresso. D - É nosso dever: manter a floresta amazônica e os seres que nela vivem, como os índios, os animais silvestres e os elementos ecológicos, no estado em que a natureza os deixou antes da chegada dos europeus. Para tanto, é nosso dever evitar a formação de pastagens, fazendas, plantações e culturas de qualquer tipo que possam ser consideradas como agressão ao meio. E - É nosso principal dever: preservar a unidade das várias nações indígenas que vivem no território amazônico, provavelmente há milênios. É nosso dever: evitar o fracionamento do território dessas nações, principalmente por meio de obras de qualquer natureza, tais como estradas públicas ou privadas, ou ainda alargamento, por limpeza ou desmatamento, de faixas de fronteira, construção de campos de pouso em seus territórios. É nosso dever considerar como meio natural de locomoção em tais áreas apenas os cursos d'água em geral, desde que navegáveis. É nosso dever permitir apenas o tráfego com animais de carga, por trilhas na floresta, de preferência as formadas pelos silvícolas. F - É nosso dever definir, marcar, medir, unir, expandir, consolidar, independer por restrição de soberania, as áreas ocupadas pelos indígenas, considerando-as suas nações. É nosso dever promover a reunião das nações indígenas em uniões de nações, dando-lhes forma jurídica definida. A forma jurídica a ser dada a tais nações incluirá a propriedade da terra, que deverá compreender o solo, o subsolo e tudo que neles existir, tanto em forma de recursos naturais renováveis como não renováveis. É nosso dever preservar e evitar, em caráter de urgência até que as novas nações estejam estruturadas, qualquer ação de mineração, garimpagem, construção de estradas, formação de vilas, fazendas, plantações de qualquer natureza, enfim, qualquer ação dos governos das nações compreendidas no item 3 destas diretrizes. G - É nosso dever: a pesquisa, a identificação e a formação de líderes que se unam à nossa causa, que é a sua causa. É nosso dever principal transformar tais líderes em líderes nacionais dessas nações. É nosso dever identificar personalidades poderosas, aptas a defender os seus direitos a qualquer preço e que possam ao mesmo tempo liderar os seus comandados sem restrições. É NOSSO DEVER GARANTIR A PRESERVAÇÃO DO TERRITÓRIO DA AMAZÔNIA PARA O SEU DESFRUTE PELAS GRANDES CIVILIZAÇÕES EUROPÉIAS. 301 H - É nosso dever: exercer forte pressão junto às autoridades locais desse país, para que não só respeite o nosso objetivo, mas o compreenda, apoiando-nos em todas as nossas diretrizes. É nosso dever conseguir, o mais rápido possível, emendas constitucionais no Brasil, Venezuela e Colômbia para que os objetivos destas diretrizes sejam garantidos por preceitos constitucionais. I - É nosso dever: garantir a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes aborígenes, para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam reduzidas a um limite crítico. Para que estas diretrizes sejam concretizadas e cumpridas, com base no acordo geral de julho passado, é preciso ter sempre em mente o seguinte: a. Angariar o maior número possível de simpatizantes entre pessoas poderosas, políticos, sociólogos, antropólogos, jornalistas e seus veículos de imprensa. Cada simpatizante deve ser instruído para que consiga mais dez colaboradores, e estes, por sua vez, aliciem mais dez e assim sucessivamente, até formarmos um verdadeiro exército de simpatizantes. b. Enfatizar o lado sensível das comunicações, permitindo que o lado básico permaneça embutido no bojo do objetivo, evitando discussões em torno do tema. No caso dos países abrangidos por esta ação, é preciso levar em consideração a pouca cultura de seus povos, a pouca perspicácia de seus políticos, ávidos por votos que a Igreja prometerá em abundância. c. É preciso infiltrar missionários e contratados, inclusive não religiosos, em todas as nações indígenas, para aplicar o Plano Base destas Diretrizes, infiltrando-os também em todos os setores da atividade pública, a fim de viabilizarem a boa execução desse plano." (grifo nosso) Fonte: http://www.geocities.com/toamazon/toafato3diretrizes.htm visitado em: 23/02/03 302 Basta controlar rapidamente os textos oficiais do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs para perceber a extrema discrepância de estilo com o documento acima. A provocação do brio nacional é por demais primária (“garantir a preservação do território da Amazônia para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias”) e alheia às auto-definições da Europa, onde os países, via de regra, não se proclamam “grandes civilizações européias”. Os termos “aliciar” e “infiltrar” também não fazem parte da tônica dos documentos oficiais do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs. Mais interessante ainda é perceber que, a Igreja Católica, grande defensora dos interesses dos índios na Amazônia não faz e nunca fez parte do Conselho Mundial de Igrejas Cristãs! Todavia, serve aos propósitos dos inculcadores de medo, a característica “mundial” do Conselho. Buscadas referências junto às entidades que, em princípio, assinam o documento Diretrizes Brasil Nº 4, nada foi encontrado sobre ele, embora outras referências ocorram sempre em termos de “inimigos do Brasil” em sites particulares237. O fenômeno da cobiça internacional pela Amazônia, como algo ocorrente desde o século XVII, é perfeitamente detectada como montagem ideológica nas monografias dos cursos da ECEME-RJ - Escola do Estado Maior do Exército (LEIRNER, 1995:130). Líderes políticos e representantes do Estado baseiam-se nesses “documentos” para defender os interesses dos não-índios e do Estado. No entanto, pressupõem um confronto com a troca tutelar do índio de “patrimônio” brasileiro para “patrimônio da humanidade”, sob a égide de grupos internacionais 237. Cf. sites: geocities.com/toamazon; Inter-American Indian Institute; International Ethnical Survival; International Cultural Survival; Workgroup for Indigenous Affairs. Agradecemos ao padre José Bizon, da Casa da Reconciliação, em São Paulo, pela referência do documento Diretrizes Brasil (n.4 – Ano “0”), na Revista do Clube Militar (1991), no site www.geocities.com 303 atrelados a grupos nacionais que estão se apropriando da biodiversidade genética, de conhecimento das etnias indígenas e das terras amazônicas que deveriam ser desfrutadas pelo governo e pela sociedade nacional, nela incluída os índios: O prefeito de Boa Vista, Ottomar Pinto (PTB), afirmou que a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol obedece a pretensões de ONGs internacionais para “congelar” as áreas mais ricas em minérios do mundo. É uma “orquestração” de entidades anti-nacionais para tomar a Amazônia e o Exército do Brasil não tem como confrontar as nações como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. Para o prefeito faltou iniciativa do Estado durante os últimos anos para continuar a ter “pulso firme” diante do preconceito da FUNAI e de padres da Diocese de Roraima que armaram uma conspiração contra Roraima (FBV, 08/01/99, p. 3)238. O medo da presença internacional na Amazônia abriu vários fóruns de discussões locais, organizados por instituições e órgãos oficiais e nãogovernamentais, sobre os riscos de internacionalização de Roraima por meio das medidas do governo federal que criou novos parques nacionais interligados a reservas indígenas e parques ecológicos (cf. acima, pp. 267-68), aumentando o conflito. Frente aos impasses dessa trajetória política e fundiária, e tendo em vista entender o novo papel do índio na sociedade roraimense, o prefeito de Normandia, Vicente Adolfo Brasil239 (sem partido) manifestou opinião favorável à demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e defendeu parceria com os índios, como forma de garantir a permanência do município que está dentro da reserva. Contudo, sem uma clara análise política da situação e dos direitos indígenas240, ao ser pressionado pelas lideranças políticas e da elite local, o prefeito de Normandia 238. Esse assunto foi comentado no Capítulo 4, item 4.1, p. 241, quando abordamos sobre os legisladores estaduais e suas propostas. 239. Conhecido como “Gute Brasil” o descendente dos pioneiros brancos, Vicente Adolfo foi reeleito prefeito no pleito eleitoral de 2000 com a sigla do PSDB. 240. O prefeito não deseja perder o município e não se inteirou da nova condição do índio num contexto multicultural, privilegiado pelo reconhecimento de seus direitos originários, enunciados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e reconhecidos pela Constituição de Roraima de 1991, no artigo 173 (cf. Cap. 3, pp. 223-224 e 235). 304 mudou o seu discurso em relação a essa polêmica situação roraimense, que no geral, vê o índio como propriedade: Depois de admitir a demarcação na forma pretendida pela FUNAI, o prefeito de Normandia, Gute Brasil (Vicente Adolfo Brasil), recuou e quer aparar as arestas que, naturalmente, surgiram. Depois de afirmar que nunca se declarou favorável à área contínua afirma: “Considero irreversível a demarcação porque acho tardia e frágil nossa mobilização, perante as poderosas pressões internacionais junto ao governo brasileiro. Acredito ser necessário à parceria e o apoio aos nossos índios, para que se produza riqueza nas extensas reservas indígena” (FBV, 16 e 17/01/99, p. 3). À vista dessa situação em conflito, surgiram programas de governo (federal/estadual/municipal) voltados para políticas públicas com propostas ecodesenvolvimentistas241 local/regional e nacional, conectados com a globalização. Houve, portanto, uma ampliação dos interesses e argumentos, contidos nos textos dos programas que fazem referência à defesa da Amazônia, como patrimônio nacional. Assim, nas últimas décadas do século XX, foram divulgadas discussões de especialistas da área tecnocientífica alertando sobre a perda dos ecossistemas e da biodiversidade na Amazônia que acontecerá a perda do bem-estar material não só dos amazônidas, mas dos habitantes de toda parte da terra: (...) lembra-nos que um em cada quatro produtos vendidos nas farmácias, seja medicinal ou farmacêutico, é fabricado a partir de materiais extraídos de plantas das florestas tropicais. Tais produtos incluem antibióticos, antivirais, analgésicos, tranqüilizantes, diuréticos, laxativos e muitos outros itens. As vendas comerciais desses diversos produtos no mundo inteiro atingem atualmente cerca de 20 bilhões de dólares por ano. Por isso mesmo, a ênfase no valor medicinal da biodiversidade tornou-se uma constante nas advertências dos experts – mas há ainda outros “benefícios” que poderiam ser considerados: aqueles ligados à agricultura e à indústria (SANTOS, 1994:136-7). Observamos nesse texto de Laymert dos Santos, citado acima, a nítida preocupação que deveria ter o governo brasileiro em regulamentar critérios para a questão da biodiversidade amazônica, vista como fonte natural de vantagens 241. Ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, conceitos que propõem modelos alternativos de desenvolvimento, sublinhando a utilização dos recursos naturais de cada ecossistema, com a participação da população alvo/local, descentralizando tomadas de decisões e defende também a solidariedade em relação às gerações futuras (cf. DIEGUES, 1992; PIETILÄ, 1990; PERROT, 1991). 305 econômicas, rica em espécies biológicas e em ecossistemas. Além disso, não podemos nos esquecer do valor da memória cultural preservada pelos habitantes nativos, que deveria implementar as concepções de desenvolvimento sustentável na área agro-industrial amazônica. Em outras palavras, esse conhecimento indígena tem valor inclusive para o mundo do capital, uma vez que pode abreviar enormemente os tempos das pesquisas242. Todavia, o programa ecodesenvolvimentista não estabelece com clareza como e quais povos seriam beneficiados por tais políticas243. A região de Roraima, que faz fronteira internacional com a Venezuela e a Guiana, apresentou problemática ecológica distinta entre florestas, serras e lavrados e uma multiplicidade social indígena e não-indígena. Questionamentos como esse ganharam força política nos anos 90 e acentuaram ainda mais os confrontos sociais e multiculturais com a chamada “revolução do verde”244. A partir daí várias lutas se intensificaram: a social, a ecológica e a dos direitos dos povos tradicionais, entre eles os índios. Essas lutas não ocorreram só em Roraima mas em outras regiões do mundo e, a Amazônia, claramente, apresenta um grande atrativo para entes de toda espécie. Essas teorias ecológicas, como pressupostos facilitadores do desenvolvimento, visando a exploração dos recursos naturais e o uso do trabalho humano, ganhou popularidade através dos documentos como a “Estratégia Mundial para a Conservação”245, o informe “Nosso Futuro Comum”246, da 242. Nesse sentido, trabalhos de Antropologia Cognitiva são conhecidos no meio acadêmico já desde 1985: GARCIA, Wilson Galhego. Introdução ao universo botânico dos Kayová de Amambaí (Tese de doutorado/USP, 1985). 243. A proposta de desenvolvimento sustentável divulga o direito de utilização sustentada das espécies e ecossistemas, na sua produção de alimentos e de certos produtos farmacológicos. 244. Expressão que denominou uma das crises da relação histórica e social com o meio ambiente. Termo que denominou também as campanhas e discussões dos movimentos envolvendo atores sociais e sujeitos políticos implicados com o mercado e com as reivindicações sociais e ecológicas. Cf. WALDEMAR, 1998; VIOLA, E. et alii, 1998. 245. Cf. documentos elaborados por: UICN, PNUMA, WWF. World Conservation Strategy. Gland. 1980. Cuidar la Tierra. Estrategia para el futuro de la vida. Gland. 1991. Tais documentos de organismos internacionais registraram amplo questionamento sobre a exploração ambiental aproveitando a mão-de-obra local, 306 Comissão Brundtland (ONU, 1987), “Cuidar da Terra” (UINC, WWF e PNUMA, 1991) e o informe da “Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina e Caribe” (1991). É interessante salientar como a idéia de nossos indigenistas e defensores da causa indígena, fincada em mentalidade do aval internacional como testemunho de valor à sua causa, traz ao debate pontos que, vistos como positivos, só o dificultam: O coordenador do CIR (Conselho Indígena de Roraima), Jerônimo Pereira da Silva, comentou que o Programa Piloto dos Sete Países mais ricos do mundo ( PPG7) está financiando verbas para a demarcação das reservas indígenas. O PPTAL (Programa de Proteção às Florestas da Amazônia Legal) que é financiado pelo PPG7, financia tanto o Governo Federal como o Governo Estadual no desenvolvimento de projetos econômicos e recursos para a demarcação. Explica que a Comissão do PPTAL que acompanha os trabalhos desenvolvidos pelo programa de demarcação é formada por Representantes da FUNAI, CIR, FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e UNIACRE (União Indígena do Acre). Há um empenho para que o presidente Fernando Henrique Cardoso homologue a reserva indígena Raposa Serra do Sol, mas há também o empenho na demarcação das áreas menores, localizadas nas regiões de Alto Alegre e Serra da Lua (FBV, 29/12/98, p. 4). Assim, por mais interessante e sério que pudesse ser o referido PPTAL247, a simples menção a financiamento pelo G-7 acende e agita os temores da internacionalização e perda da soberania. Tal questão assume proporções que demandam menção presidencial: Durante solenidade de assinatura da portaria de demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no dia 12 de janeiro, o presidente Fernando Henrique Cardoso deixou bem mas não deixaram claro o entendimento sobre o conceito “sustentável” e sua relação com o conceito “desenvolvimento”. 246. Cf. WCED. OUR COMMON FUTURE. Oxford University Press, 1987. Esse documento também apresenta propostas auto-sustentáveis, contudo, não deixou claro o processo de relações que se estabelece entre o homem e o meio ambiente enunciado pelos conceitos “sustentável” e “desenvolvimento”. Com base nesse documento vários estudiosos empreenderam reflexões sobre tais propostas de preservação e exploração ambiental em prol do coletivo social, sem mostrar, também, uma clareza na sua aplicabilidade e quem seria o beneficiado com tais programas auto-sustentáveis. (cf. PIETILÄ, 1990; PERROT, 1991; DIEGUES, 1992; BALÉE, 1993; DESCOLA, 1996). 247. PPTAL termo que passou a identificar o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais para toda a Amazônia Legal. A Comissão do PPTAL tem sede em Brasília e é composta por representantes nacionais e internacionais ligados ao Grupo dos Sete Paises mais ricos (G-7) que lideram políticas públicas sociais e ambientais no planeta: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. Tal assunto já foi mencionado na Introdução, Nota n. 5 e n. 6, p. 11. 307 claro que as ONGs (Organizações Não Governamentais) são parceiros imprescindíveis para continuar demarcando terras indígenas. “Eu faltarei ao meu dever se não dissesse também que houve apoio internacional para essas demarcações”, discursou o presidente. “E nós queremos que esse apoio se mantenha. A cooperação do PPG-7 (Programa Piloto do Grupo dos Sete Países Mais Ricos) é importante para que nós possamos fazer mais depressa a demarcação”. Segundo FHC, havia no passado muita divergência entre as entidades internacionais e o governo na questão da demarcação das reservas. “Eu sei o que aconteceu, recentemente, lá no Alto Rio Negro (AM), na demarcação de uma área imensa, com o incentivo de organizações não-governamentais”, continuou o presidente. “Acho que passou a época em que Estado e não-governamentais guerreavam. É preciso que os dois se unam para resolver os problemas das populações que precisam de solução”, afirmou. “Acho que nós temos as melhores condições para terminar essa obra de demarcação”. A parceria do Brasil com o PPG-7 está também na demarcação de novas áreas indígenas em Roraima. O governo brasileiro está disponibilizando verbas para o Programa de Proteção às Florestas Tropicais (PPTAL), para demarcar sete novas reservas indígenas que estão em processo de reconhecimento. Três dessas áreas indígenas já foram identificadas recentemente pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio): Boqueirão, Jacamim e Muriru. As demais foram identificadas ao longo dos últimos dez anos, mas estão em processo de reestudo para aumentar o tamanho físico das áreas: Barata/Livramento, Tábua Lascada, Moscou e Wai-Wai (FBV, 25/01/99, p. 4). No entanto, nem mesmo as tentativas pacificadoras do presidente da República ocorridas durante a referida solenidade serviram para acalmar os ânimos. Assim, embora assinada a Portaria Nº 820 (11.12.98) de demarcação da Raposa Serra do Sol, pelo Ministro da Justiça, ela foi contestada pelo Estado, ONGs indígenas pró-nacional, representantes da bancada federal, da estadual, da municipal, entidades do setor comercial e empresarial, OAB/RR e não foi até hoje homologada pelo governo federal e a questão continua a girar sobre os mesmos eixos até aqui apontados. 5.2.2. Educação Formal Indígena Um dos pontos-chave no reconhecimento da diferença entre índios e nãoíndios é o universo do domínio da língua. Faz-se desnecessário aprofundar-se no conhecimento do papel da língua como ponto-chave para a percepção e veiculação de uma cultura. No caso presente, a alfabetização na língua nacional 308 constitui um poderoso mecanismo de integração e elemento sine qua non para a cidadania plena. No caso indígena, este é um novo ponto de conflito, já que as lideranças tradicionais lutam pela concretização dos direitos constitucionais à própria língua e ao ensino diferenciado248, enquanto que os integracionistas vêem o domínio do português como parte fundamental do caminho em direção à assimilação do índio no projeto nacional. As ONGs indígenas CIR, APIR, OPIR, TWM e OMIR (cf. Quadro 09, p. 259), as ONGS nacionais CCPY, URIHI, GTA, ISA (cf. Quadros 11 e 12, p. 260), as entidades católicas CIMI e Diocese de Roraima (cf. Quadro 14, p. 261), com o apoio da FUNAI, vêem na educação formal indígena um pilar a mais para a discussão do ensino diferenciado que vem sendo ministrado nas escolas indígenas vinculadas à Divisão de Ensino Indígena (DEI/SECD) do governo estadual. As ONGs indígenas SODIUR, ALIDICIR, ARICOM (cf. Quadro 10, p. 260), o governo estadual, executivos municipais de Roraima, e a totalidade da representação política (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), dos empresários e dos fazendeiros são favoráveis à educação formal oficial, que integra o índio ao projeto social nacional. Tal ensino é ministrado nas escolas indígenas cujas comunidades estão em processo de emancipação, sendo de responsabilidade da Divisão de Ensino do Interior (rural) da SECD/RR249. Essa questão retrata o problema fundamental da opção pela tradição ou pela integração ao nacional. 248. O percurso histórico da situação do índio, a Constituição Federal de 1988, no Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto) do Título VIII, em seu artigo 210 que fixa o conteúdo mínimo do ensino fundamental e nele insere dispositivos referentes aos índios, estabeleceu no § 2º, desse artigo, a “utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (cf. Capítulo 2, item 2.4; Capítulo 3, item 3.3 e Cap. 4). 249. A política educacional indigenista dos índios pró-tradição foi abordada no Capítulo 4, pp. 234-35, quando os índios ligados ao CIR e a OPIR apresentaram estratégias para as escolas indígenas da rede pública de Roraima, sob a responsabilidade da D.E. Indígena/SECD, que não coincidem com as defendidas pela SODIUR e as outras ONGs indígenas pró-nacional, sob a responsabilidade da D. E. do Interior/SECD. 309 A opção pela integração ao nacional tem se revelado, até hoje, ilusória: Diariamente se registram, em Boa Vista, casos de abuso de poder por parte das instituições, onde as vítimas são os índios. Nos hospitais, escolas, repartições públicas, eles sempre sofrem discriminações. Os casos se repetem: a enfermeira índia que é rejeitada pelos médicos e colegas; o doente grave que fica na frente do hospital porque não tem dinheiro para pagar um médico; a velha Wapixana que continua a limpar as ruas e não recebe aposentadoria; a menina Makuxi de onze anos que já trabalha nas casas dos ricos, sendo utilizada para qualquer tarefa e a qualquer hora do dia (FERRI, 1990:66). Ora, como a questão indígena é polarizada entre grupos de defensores e detratores, ambos igualmente apaixonados, perde-se o pé de questões banais e vitalmente importantes, quais o censo da população indígena nas cidades, suas situação sócio-econômica, sua filiação étnica, etc., etc., etc. Como vimos no capítulo 2, item 2.4 – Reação e organização indígena – a manutenção da língua indígena leva à manutenção da própria cultura e, como tal, vem sendo implementada, com o apoio do CIR, da Diocese de Roraima e da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Assim sendo, durante o período de 2000 até 2002, o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e a OPIR (Organização dos Professores Indígenas de Roraima), em parceria com a UFRR, organizaram discussões com apoio de ONGs indígenas, não-indígenas e da FUNAI na criação do referido curso Superior Indígena vinculado à Pró-Reitoria de Graduação (cf. Capítulo 2, item 2.4), com ensino exclusivo para os índios. Tal curso teve seu primeiro vestibular diferente do nacional e iniciou sua primeira turma em março de 2003: No período de 6 a 14 de janeiro, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) vai estar com inscrições abertas ao processo seletivo para ingresso no curso de Licenciatura Intercultural, chamado de “vestibular indígena”. O curso é específico para professores índios atuantes nas escolas indígenas da rede pública de ensino. Será a primeira turma, com oferecimento de 60 vagas. A taxa de inscrição (R$ 25,00) será paga no Bradesco em nome da Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR). Os documentos necessários são: carteira de identidade, registro administrativo de índio expedido pela FUNAI, cópia do diploma ou certificado de conclusão do curso de ensino médio e declaração original emitida pelo Departamento de Educação Indígena (DEI), especificando que é docente em escola indígena da rede pública. Também deverá apresentar declaração original de apoio da 310 comunidade indígena ao candidato, laudo médico original (em caso de o candidato portar deficiência física e necessitar de algum atendimento especial). A seleção será feita em três fases, cada uma com valor de 10 pontos: prova de redação, entrevista e prova de títulos. Redação e entrevista são eliminatórias e a de título é classificatória. A redação e entrevista poderão ser feitas nas línguas Makuxi, Wapixana, Taurepang, Yekuana, Ingarikó e Wai Wai. O candidato deve indicar a preferência na ficha de inscrição (FBV, 21 e 22/12/02, p.10). As características do curso, como a do domínio da língua indígena, o abre apenas a elementos indígenas ainda não dissociados de suas comunidades originais, uma vez formados, tais professores poderão ensinar, indistintamente, tanto nas escolas pró-tradição, vinculadas à Divisão de Ensino Indígena quanto nas integracionistas, vinculadas à Divisão de Ensino do Interior. As diretrizes na condução da Educação Indígena foram discutidas pelo Comitê de Educação Escolar Indígena do MEC que fez, em 1998, a primeira versão dos Referenciais Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas (GRUPIONI, 1998). Existem impasses porque as escolas indígenas vêm sendo absorvidas pelos sistemas estaduais e municipais de educação e, nesse sentido, o Comitê diz ser preciso: um estatuto próprio; responsabilidades divididas entre União, Estado e Município; parâmetros250 para a formação de professores indígenas. Nesse processo de aprendizagem formal, seja ela com técnicas indígenas ou brancas, o uso da escrita é fundamental. Contudo, a própria formalização da educação indígena, pelo viés da escrita, envolve riscos notáveis para sua cultura, uma vez que se choca com as formas de “leitura” indígena, baseada em grafismos e não em estruturas alfabéticas. Será possível, portanto, capacitar o índio para conviver com a sociedade branca – mesmo que seja para rejeitá-la – sem alterar seus padrões de percepção e de comunicação? Introduzidas tais alterações, a nosso ver inevitáveis, é ainda possível manter a “indianidade”? Há como permitir a opção pela capacitação ou não? Pode-se educar sem que o educando perceba inteiramente o significado final do processo a que está sendo submetido? É 250. Referências curriculares tanto para a formação do professor como para a escola indígena que incorporem a problemática intercultural, bilíngüe e diferenciada. 311 possível falar em “indigenismo” e em defesa da causa indígena sem discutir tais questões e para elas achar uma resposta, mesmo que provisória? Ora, como nem mesmo nos fóruns mais abertos tais questões são tratadas, somos levados a pensar na necessidade premente de organizar a discussão em função de questões básicas de fundo e não naquelas contingentes de curto prazo. 5.2.3. Progresso econômico x degradação ambiental e sócio-cultural Entre as várias alternativas em jogo, e os descaminhos governamentais, os líderes e os representantes dos índios e dos não-índios, durante toda a década de 90, envolveram-se em violentos protestos na defesa de seus direitos e receberam novos aliados (cf. Quadro 16, p.264): A Federação do Comércio (FECOR), a Federação da Agricultura (FAER), a Associação Comercial e Industrial de Roraima (ACIR), são as entidades que entraram no apoio aos protestos contra a demarcação da área indígena Raposa Serra do Sol. Essas entidades estão buscando o apoio junto às instituições nacionais no protesto iniciado pelos produtores de arroz em Roraima. O presidente da FECOR, Aírton Dias, diz que está buscando junto à Confederação Nacional do Comércio (CNC) apoio para defesa dos interesses dos manifestantes. A CNC deverá mobilizar gestões junto aos parlamentares federais para que defendam a manutenção das áreas produtivas (FBV, 07/01/99, p. 3). Em apoio às ONGs indígenas e ao Estado contra a demarcação das terras em área única, essas três grandes entidades do setor econômico estadual (FECOR, FAER, ACIR) aderiram ao movimento pró-nacional que já vinha recebendo a solidariedade dos representantes políticos, das lideranças da elite e da OAB local. Embora as matérias divulgadas na mídia local também apresentem a ótica dos indígenas pró-tradição251, As lideranças do Conselho indígena de Roraima (CIR) decidiram em Assembléia Geral a política que vão adotar até o início do ano 2000 nas questões que envolvem desenvolvimento social, saúde e educação. Um dos principais pontos é relacionado à demarcação de terras. Os indígenas vão aumentar a pressão para o governo federal apressar 251. As estratégias políticas a serem adotadas pelos índios pró-tradição, na pressão ao governo para demarcar as terras indígenas, foram apresentadas no Capítulo 4, pp. 234-35. 312 a homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área única e também pressionar a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) a demarcar todas as terras indígenas de Roraima (FBV, 11/02/99, p. 3). a imensa maioria das chamadas oferece argumentos ao habitante roraimense para juntar-se às manifestações contra os direitos constitucionais dos índios: Para o grupo empresarial, a demarcação compromete mais de 70% da produção de gado de corte no Estado. (...) Os produtores de arroz devem perder para a reserva indígena 80% de suas terras que produzem hoje cerca de 50 mil toneladas por ano. Para o pecuarista, José Lopes, “O ato público é em defesa do desenvolvimento de Roraima, (...) Toda a produção na área que vai do município de Normandia à região do Surumu, já foi comprometida” (FBV, 07/01/99, p. 5). O texto acima foi publicado na seção Cidade (jornal Folha de Boa Vista), com o título “Protesto Pecuaristas distribuem carne hoje”, como um alerta aos habitantes desse Estado Federado sobre o “perigo” de Roraima se transformar numa grande maloca, comprometendo a “civilização” e o desenvolvimento dessa região da Amazônia Legal. Prejudicados em seus empreendimentos, os empresários tentavam mobilizar a opinião pública e o Estado contra a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol em área única. Em termos efetivos, isso se resume nos interesses da massa branca da população, arrastada para Roraima ao longo de séculos de má-administração territorial (cf. Capítulos 1, 2, 3, e 4), sem uma orientação política equilibrada e de real consideração pelo índio (seja isolado, seja “integrado”), chafurda em um pântano de individualismo e propostas imediatistas. Além disso, é preciso levar em consideração as várias abordagens de campos científicos em que a História, entre outras ciências, faz parte. Entretanto, no geral, as abordagens apresentam uma visão de exploração da Amazônia por meio de seus recursos econômicos e sustentáveis sob uma trama de interdependências científicas, de homogeneidade geográfica e ecológica. Alguns 313 textos, como “Amazonia sin mitos (cap. V)”252, mostram um discurso ambientalista que não explica esta vivência amazônica por intermédio do desenvolvimento sustentável que satisfaça as necessidades de índios e não-índios da região. Nesse sentido, STAVENHAGEN (1984) também apresenta idéias genéricas sobre esse assunto e defronta-se com a questão étnica e etnicidade, da problemática contemporânea em relação ao desenvolvimento social e ambiental. Todavia, STAVENHAGEN (1991) amplia o entendimento de desenvolvimento evidenciando três aspectos: política, etnicidade e etnocídio 253 . Esse autor aponta outras teorias com preocupações desenvolvimentistas tendo como base o dinamismo evolucionista. Porém, essas pretensões conceituais não revelam com clareza o que STAVENHAGEN defende em relação ao desenvolvimento e as comunidades locais que serão beneficiadas com a exploração dos recursos ambientais. Assim, o desenvolvimento sustentável para essa realidade amazônica apresenta uma tarefa que se supõe por vários caminhos: a delimitação e apreensão da etnicidade e etnocídio são elos importantes para o aprendizado sobre essa realidade multicultural amazônica, quando do planejamento de projetos de desenvolvimento. Nas três últimas décadas do século XX, o governo de Roraima, em parceria com o Federal, visou o planejamento de infra-estrutura que possibilitasse tanto a construção como a melhoria (asfalto e pontes) das BRs 174, 401 e 210, no 252. O documento apresenta propostas da Comissión sobre Desarollo y Medio Ambiente de América Latina y el Caribe (s/d). 253. De acordo com estudos antropológicos, a etnicidade faz referência à condição ou consciência de pertencer a um grupo étnico (mesma língua, mesma organização cultural, etc.). Já o conceito de etnocídio referese a destruição da cultura de uma etnia por outro grupo étnico. Ou seja, pela imposição forçada de um processo de aculturação a uma cultura por outra mais poderosa, fazendo-a desaparecer (cf. STAVENHAGEN, 1991; BARAZAL, 2001). 314 transporte da produção agrícola para o mercado amazônico (Manaus, fronteira com a Venezuela e com a Guiana). Nesse sentido, existem referências ao compromisso do governo federal com o PPG-7 (Programa Piloto do Grupo dos Sete países mais ricos, cf., acima, p. 288) no desenvolvimento de projetos econômicos sustentáveis e na demarcação de terras indígenas. Tais propostas com metas de proteção ao habitante roraimense (índios e não-índios) propagam a descentralização com a participação da sociedade local organizada. Existem também mega-projetos de desenvolvimento da Amazônia Legal do governo federal, com enormes interesses de participação de empresas privadas, e, entre esses o programa “Avança Brasil” (2000 com perspectivas até 2007) planeja investir US$ 40 bilhões (KOHLHEPP, 2002:48). O Estado de Roraima, que está ligado por rodovia à Venezuela e à Guiana, deverá ser um entre os privilegiados no programa de agro-negócios: produção de grãos (soja, milho, feijão, etc.). Todavia, verifica-se que em grande parte esses programas dificilmente são aplicados ou a população local nem sempre chega a ter conhecimento dos resultados, visto que a indefinição fundiária é uma questão de difícil resolução. Dessa maneira, o índio parceiro do CIR/APIR (Conselho Indígena de Roraima/Associação dos Povos Indígenas de Roraima) e da Diocese de Roraima (que reivindica direito originário), em geral, é entendido como um estorvo ao “desenvolvimento” e os projetos que o defendem como um “retorno ao primitivismo”. Cabe, assim, ao governo estadual torná-lo “ser humano” e garantir-lhe o acesso ao progresso/modernidade nacional, “libertando-o da manipulação internacional”. Contudo, a preocupação maior do executivo estadual consiste em disponibilizar as terras da União em Roraima e criar uma política unificadora para 315 todos os índios, como cidadãos brasileiros, assegurando o desenvolvimento econômico e a demarcação das terras “ilhas” que garantam a propriedade privada dos brancos ali estabelecidos. Tal intenção foi sutilmente expressa por representantes governamentais quando afirmaram que a solução está na posse da terra pelo Estado de Roraima em nome da soberania nacional. Há forte oposição, portanto, às lideranças e formas de representações das etnias indígenas ligadas ao CIR/APIR que buscam manter ou reconstituir a própria memória cultural, abandonando a nacional no caso dos grupos que já sofreram o processo de “integração”. Nesse jogo de forças, os índios ligados ao CIR/APIR acusam os fazendeiros e afirmam temer agressão: O tuxaua Jaci José de Souza, da maloca Maturuca afirmou que os índios não estão cometendo nenhum tipo de violência nem ameaçando os fazendeiros da área Raposa Serra do Sol. “Eles cometem violência e colocam a culpa em nós”, disse. No final da tarde de ontem ele retornou a Boa Vista e disse que as 60 reses (do fazendeiro de Uiramutã) estão retidas em sua maloca por decisão das lideranças indígenas. Segundo ele, o gado fora apreendido para que os parentes do indígena baleado possam pagar seu tratamento. (...) As lideranças da região também querem de volta o caminhão apreendido ilegalmente pela Polícia Militar, quando a comissão de 40 tuxauas retornava da Assembléia Geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), e visitava a maloca Willimound, onde ocorreu o atentado (FBV, 12/02/99, p. 3). Ainda sobre esse conflito na Raposa Serra do Sol/município de Uiramutã, o vereador de Uiramutã Francisco Rodrigues afirmou que são as lideranças indígenas do CIR que estão promovendo as invasões: O presidente da Câmara de Uiramutã, vereador Francisco Rodrigues (PPB), disse que os índios estão agindo de forma organizada para ocupar áreas próximas das fazendas e roubarem o gado como tática para expulsar os não índios da região. “Não devo nada ao CIR e nem ao Tuxaua de Maturuca”, disse. “A única coisa que eu fiz de errado foi ajudar os moradores e os índios do meu município”, complementou. Rodrigues é proprietário da Fazenda Retiro, onde os índios invadiram para pegar cerca de 70 reses. Para o vereador o CIR está promovendo esta invasão (...) O conflito entre índios e fazendeiros no Município de Uiramutã durou cinco dias. Os fazendeiros acusaram os índios da Maloca Willimound, sete quilômetros da cidade de Uiramutã, de roubarem cinco cabeças de gado do sítio São José, (...) em busca de informações, houve um desentendimento entre o fazendeiro e irmão do vereador de Uiramutã que baleou um índio. Em represália, no mesmo dia, um grupo de índios da Maloca Villemound foram até o sítio São José e destruíram a casa e 316 saquearam os açudes de criação de peixe, levando 11 mil alevinos e um cavalo ( FBV, id, ibid.). No conjunto do conteúdo divulgado acima, percebemos que, no primeiro texto, as etnias indígenas integrantes do CIR (Conselho Indígena de Roraima) denunciaram que o confronto tivera início pelos não-índios. Já o segundo texto, que também é um texto denunciador, acusou os líderes do CIR como mentores do conflito contra os fazendeiros destruindo suas propriedades. Tal embate teve sua origem na suposta invasão dos índios nas terras dos fazendeiros/vereador e no roubo de gado, resultando no confronto armado entre os representantes dos índios e dos fazendeiros. Nesse embate, as lideranças e os representantes dos índios pró-tradição, dos índios pró-nacional e dos não-índios deverão colocar em prática um modelo de desenvolvimento mais amplo que possa abranger princípios humanísticos, possibilitando mudanças nesse conflito em curso (LOUREIRO, 2002:119) que seja compatível com o novo momento político-cultural do Brasil democrático, da tomada de consciência e reivindicação de direitos. No entanto, na esfera governamental, já entrando em sua segunda legislatura, o Estado de Roraima, a partir de 1995, ainda não se demonstra capaz de equacionar as necessidades de sua população “nacional” com aquela indígena. Em grande parte, o índio pró-nacional depois de perder sua identidade indígena e relação tradicional com a terra, engaja-se no garimpo e concretiza a autodestruição (LOUREIRO, 2002:114). Nesse sentido, o desmatamento para exploração da pecuária extensiva, dos projetos com a exploração de madeira na região amazônica que está atraindo empresas internacionais, como da Malásia, que “tentam obter concessão para extração de madeira em larga escala” (KOHLHEPP, 2002:45), são modelos econômicos que abrem discussões sobre a preservação/exploração da 317 biodiversidade amazônica. Do mesmo modo, a exploração do garimpo254 também atrai empresas mineradoras de grupos transnacionais que disputam concessões para exploração da terra ampliando o conflito local e a degradação sócio-cultural e ambiental (SINGER, 1994:174). As confusas interpretações e as discussões definindo idéias e estratégias de propostas ecodesenvolvimentistas não deixam evidentes os entendimentos de sua aplicabilidade, das relações sócio-culturais e das formas de produção e os lucros que tornariam, por exemplo, o Estado de Roraima auto-sustentável. O conceito mais conhecido que é o da Comissão Brundtland255, quando se refere ao desenvolvimento sustentável, aponta duas estratégias: “a prioridade na satisfação das necessidades das camadas mais pobres da população, e as limitações que o estado atual da tecnologia e da organização social impõe sobre o meio ambiente” (DIEGUES, 1992:22/25). As controvérsias teóricas e as intenções para implantarem-se programas de preservação e exploração ambiental, envolvendo distintas relações sócioculturais e políticas econômicas, não apresentaram entendimentos na tarefa de compreensão e implementação do desenvolvimento local. Os líderes e representantes do Estado e da sociedade defrontam-se com essa nova ordem que prega concepções de uma política da diferença e da participação da sociedade nas políticas públicas tanto para o território nacional como para o regional e local (VERHELST, 1992; SMERALDI, 1994). E no nosso caso, tais programas devem incorporar a satisfação das necessidades e dos direitos das populações indígenas (pró-tradição e pró-nacional) e das não-indígenas, pois, em geral, são comumente pensados de maneira homogeneizante deixando de fora a discussão 254. Cf. Capítulo 2, item 2.2; Capítulo 3. p. 190. Os representantes das Comissões do Relatório Brundtland (1987), presentes nas discussões internacionais, não resolveram essas questões teóricas e práticas sobre a “satisfação das necessidades básicas” e nem as diretrizes para que a população possa participar de tais programas sociais e ambientais auto-sustentáveis. 255. 318 multiculturalistica amazônica ou brasileira (RIBEIRO, 2000). Assim como a política não se realiza, o estudo científico também não. Aumentando as mudanças da cultura indígena, as reivindicações de índios (pró-tradição e pró-nacional) e não-índios implicaram num processo de centralização de poder tanto no executivo estadual como no federal e se perdem em projetos paralelos e duplicidade de propostas para uma mesma área territorial, situação que persiste até hoje: a) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição com aval da FUNAI para área dos índios da Raposa Serra do Sol256, ao mesmo tempo, existem programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-nacional com aval do executivo roraimense para os munícipes de Uiramutã e Normandia, além da instalação da unidade militar que faz parte do Calha Norte e do Parque Nacional Monte Roraima, que são projetos do executivo federal; b) programas de desenvolvimento social e do Parque Yanomami pela CCPY e na área de saúde pela URIHI com aval da FUNAI para os índios pró-tradição da área Yanomami, ao mesmo tempo, existem programas de desenvolvimento social e econômico do executivo estadual, em parceria com os executivos municipais, para os índios pró-nacional e os munícipes envolvidos nessa área indígena (Amajari, Alto Alegre, Mucajaí, e Iracema), além das propostas das mineradoras que tramitam no poder federal, do Calha Norte e do Parque Nacional do governo brasileiro; c) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição com aval da FUNAI para a área dos Wai Wai, que também recebem propostas desenvolvimentistas do executivo estadual, em parceria com os executivos municipais, para os índios pró-nacional e munícipes do Caroebe e de São João da Baliza; d) programas de desenvolvimento social e econômico dos índios pró-tradição com aval da FUNAI para a área dos Waimiri/Atroari, ao mesmo tempo, existem programas desenvolvimentistas do governo de Roraima, em parceria com o governo do município de Rorainópolis, para os índios pró-nacional e os munícipes, além desses territórios existem outras áreas em conflitos. 256. A região da Raposa Serra do Sol, entre serras e lavrados, é habitada por etnias Makuxi e Ingarikó, convivendo entre 90 malocas, tendo uma população aproximada de dez mil índios (FUNAI, 1993). Cf. Mapas 05 sobre a geopolítica de Roraima, em 1995 (p. 250, acima); Mapa 06 sobre as áreas indígenas, em 1993 (p. 251). 319 Na medida em que esses projetos são enunciados, como persiste sem solução a sobreposição física de área indígena a ser demarcada e municípios que a ocupam, sua implementação acaba abortada e os conflitos ganham maior peso: Dizem que a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área única vai acabar com 2.500 empregos. São seis usinas de beneficiamento de arroz que poderão fechar, fazendo com que cerca de 60 milhões de dólares deixem de ser investidos anualmente em Roraima. Esses representantes irão mobilizar um protesto contra a demarcação com uma carreata e distribuição de arroz para o povo na praça do Centro Cívico. Durante o protesto será lançado o “Manifesto pela paz em Roraima”, com a participação das entidades como: Associação Comercial e Industrial de Roraima, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação do Comércio do Estado e a Associação dos Arrozeiros (FBV, 30/12/98, p. 5). Contudo, para impedir tais perdas, as expectativas de direito das populações indígenas pró-tradição não seriam respeitadas – como não o vem sendo desde 1988. O texto acima apresentou de forma convincente argumentações contra a política indigenista da FUNAI e do CIR, apontando para as perdas da massa branca da população. O executivo local manifestou o desejo de usar mecanismos políticos e jurídicos para reverter a lei: O procurador-geral do Estado de Roraima, Luciano Queiroz, disse que o Estado não tem prazo para entrar com ação contra a homologação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua. Argumenta que a Constituição Federal (88), no parágrafo 6º do artigo 231, que fala sobre os direitos dos índios, “não gera nulidade nem torna extinto nenhum direito às propriedades tituladas”. Há vários títulos definitivos de propriedades dentro da área e qualquer ato administrativo, qualquer portaria, não tem poderes para anular esses títulos (FBV, 29/12/98, p. 4). Ora, as terras, de propriedade da União, que foram disponibilizadas aos índios da Raposa/Serra do Sol pela Portaria n. 820 (11.12.1998), assinada pelo Ministério da Justiça, que demarcou a reserva em área única com a saída de todos os não-índios da região, não contempla, de fato, muitas posses legais de cidadãos brasileiros. A defesa da Procuradoria-Geral do Estado de Roraima, em nome da 320 população branca, leva à confiança na impunibilidade do desrespeito às terras já demarcadas257. Para os representantes e lideranças do Estado e da sociedade nacional local o Ministério da Justiça deveria ter respeitado a existência do município de Uiramutã258 e dos empresários e fazendeiros investidores na região. A publicação da Portaria n. 820 favorecendo os direitos dos índios ligados ao CIR fez aumentar os descontentamentos entre os representantes e lideranças das ONGs prónacional e segmentos da sociedade local. O Ministério Público Federal recebeu denúncia sobre a ocupação de centenas de garimpeiros na reserva indígena e que estariam ocorrendo conflitos armados: Uma representação do NISI (Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena)259 denunciou ao procurador da República em Roraima, Felipe Bretanha, que centenas de garimpeiros invadiram a reserva Yanomami, e que estão fornecendo arma de fogo e munição para que os índios apóiem as atividades de extração de ouro. O Secretário Executivo do NISI, Clóvis Ambrósio, disse que os profissionais de saúde que trabalham na área indígena Yanomami, já presenciaram mortes entre os índios por desentendimentos sobre a questão do garimpo e os presentes (FBV, 20/11/00, p. 7). Os diferentes líderes e representantes do Estado e da sociedade local (índios e não-índios) não se mostraram solidários em eliminar legalmente esse cenário de guerra na área Yanomami. No jogo das forças de poder (federal e estadual) a dependência de verbas da União colocou o Estado numa situação de submissão. No entanto, a duplicidade de propostas para uma mesma área territorial de Roraima estimulou mecanismos de sustentação da política coronelista. Assim, o governo estadual foi atuando conforme o interesse do momento, postergando a resolução do conflito. 257. A descrição dessas áreas territoriais foram apresentadas nos itens 3.2.1 e 4.2.1, acima. Nesse município, está localizado o maior número de escolas indígenas financiadas pelo governo estadual, das 40 escolas existentes, 38 ministram ensino diferenciado em português/makuxi e português/ingarikó para as crianças das referidas etnias indígenas (cf. Instituto FECOR/RR, abril/2000). 259. Cf. Quadro 15, p. 262, o NISI/FNS, com apoio do governo federal e da bancada federal de Roraima (Senado e Câmera), desenvolve projetos na área de saúde, enviando profissionais da saúde para atuarem nas reservas indígenas. 258. 321 Esse novo Estado Federado, que não entende o índio e nem as distorções constitucionais, centralizou a governabilidade na formulação de uma política econômica, alegando que a aplicação do direito constitucional do índio 260 impedirá a vinda de empresários que possam investir na região. Contudo, sem aplicar uma ação com diretrizes eficientes para a auto-sustentação do Estado a questão da demarcação das terras continua: O Secretário de Planejamento do Estado de Roraima afirmou que há contatos com várias empresas que querem instalar em Roraima negócios e produtos para entrarem no mercado internacional. (...) Para o Secretário o empresário só investe onde ele tem garantia e, neste caso, as terras de Roraima necessitam de definição (FBV, 12/01/99, p. 4). Na medida em que esse jogo de interesses foi sendo expandido, o dilema do Estado e da sociedade roraimense, entre teoria e ação intergovernamental, ganhou novos mecanismos delimitados pelo gerenciamento entre as parcerias do governo do Brasil com o G-7 e o Banco Mundial, no apoio de políticas públicas ambientais, em projetos que colidem com o temor da perda da soberania nacional (cf. acima, pp. 273/281). Mas, ao mesmo tempo, notamos também que existem outras intervenções resultantes da parceria envolvendo o governo do Brasil com os governos dos Estados e dos Municípios. Nesse caso, as intervenções261 aparecem nas propostas políticas de consolidação de suas plataformas eleitorais locais vinculadas ao apoio da bancada federal roraimense, buscando tanto o apoio como o financiamento de políticas públicas, que possam favorecer a ampliação ou a instalação de novos municípios, legitimando a posse da terra entre a elite econômica da região de apoio governamental. 260. Previstos nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal/88 e reiterados no art. 173 da Constituição Estadual/91 (cf. Capítulo 3, p. 205-206 e 216). 261. Dentro do jogo de forças políticas locais vinculadas ao nacional/internacional, o grupo de poder estatal busca apoio em ações que possam efetivar as antigas alianças políticas fortalecendo as suas próprias bases locais, na relação “clientelista” entre a elite local, os governos estadual e federal. Nesse jogo da política de mando não se leva em consideração a participação popular como prevê a Constituição Federal, mas o interesse pessoal que elimina a possibilidade do exercício democrático. 322 Tal aparato na manutenção de lealdades eleitorais e na articulação de propostas na esfera do governo local e nacional elimina o exercício democrático, não escapa a um olhar atento à extremamente fácil aprovação de novos municípios em Roraima, parte do movimento causado pela Constituição Federal de 1988, que provocou seu aumento de 4.189 (em 1988) a 5.437 (1995) e 5.507 em 1977 (ABRUCIO, 1998: 32). Vemos, portanto, como o uso “branco” de certos direitos constitucionais se dá de maneira acelerada, provocando no caso de Roraima, a institucionalização de certos impasses que impedem o funcionamento de um Estado voltado para o interesse comum e público. A organização econômica, política e sócio-cultural do Estado se degrada, portanto, frente a algumas questões cuja resolução não está sequer encaminhada: a) as resistências contra o cumprimento da Constituição Federal de 1988 por parte de alguns representantes dos segmentos privilegiados tanto da sociedade como do setor governamental; b) o caráter de controle do conjunto das operações que envolvem a política local por parte do governo estadual/municipal, no uso da “máquina pública” como instrumento de fazer política, de troca de favores; c) o uso de mecanismos dominadores ditos como politicamente corretos, no controle dos grupos indígenas, quando da impossibilidade de “civilizar” todos os índios, tornando-os “brasileiros natos”, desejando o desaparecimento da figura do índio tutelado para facilitar a posse da terra; d) os interesses pessoais dos representantes políticos do Estado e o conflito sócio-político que acarreta o aumento dos bolsões de miséria urbana que agravam ainda mais as tensões e os conflitos sociais entre índios e não-índios, em grande parte imigrante/migrante, na periferia da capital; e) a garantia dos direitos da massa de população branca legalmente estabelecida na região. 323 Numa sociedade local heterogênea e de interesses contraditórios, após o decorrer de dez anos de Estado Federado, os envolvidos nesse cenário, Estado, índios e não-índios, deverão considerar que a Constituição (Federal/Estadual) não “ensina a governar, apenas assegura os princípios e preceitos que se põem para a realização possível do bom e democrático governo” (ROCHA, 2001:9). A palavra Estado tem sido usada com tão variados sentidos que sem um conceito esclarecedor não se fica sabendo em que sentido ela está sendo usada. (...) Na realidade, a noção de Estado, para ser completa, pode dar ênfase maior ao fator jurídico, sem, no entanto, ignorar os fatores não-jurídicos. (...) parece-nos que se poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território (DALLARI,2002: 115/118). O Estado e a sociedade roraimense (índios e não-índios) dotados de interesses diversos com relação à posse e ao usufruto da terra deveriam nortearse por fundamentos comuns e normas existentes para que o Estado pudesse atuar em prol do bem comum a todos os habitantes de sua própria jurisdição. Contudo, (...) por expressar a vontade de uma sociedade muito heterogênea e cheia de contradições, o texto da Constituição de 1988 revela a existência de novos fatores de influência social que já não podem ser ignorados, mas revela também a permanência parcial de uma herança colonial negativa, preservando-se em pontos substanciais a dominação de elites conservadoras e reacionárias (DALLARI, 2001:50). Ora, é justamente tal herança colonial negativa e o domínio das elites conservadoras e reacionárias, acasteladas em princípios de individualismo, que impedem a ação fundamental: o estabelecimento do que seja, bem comum, que contemple brancos e índios. 324 CAPÍTULO 6 Considerações Finais As terras do atual Estado de Roraima entram para a história do mundo ocidental no século XVIII, sob a égide da colonização portuguesa que a via como região estratégica para seu expansionismo na América do Sul. Que em tal terra existissem criaturas humanas (“Caribes”, Makuxi, Wapixana, Macu, Paraviana, Guaripuna, Sapará, Jaricuna, Ingarikó, Taurepang, Yanomami, Wai Wai, WaimiriAtroari, Maiongong, entre outras) nunca representaram nenhum obstáculo às intenções de apropriação do Estado português bem como, com a independência, às do Estado brasileiro. Após 400 anos de ocupação branca e de ter passado por várias estruturas de organização e administração política [como Forte São Joaquim do Rio Branco (1775/1788), ligado a Capitania de São José do Rio Negro; Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, da Província do Amazonas (1858); Município de Boa Vista do Rio Branco, com a Constituição de 1891; Território Federal do Rio Branco (1943), Território Federal de Roraima (1962) e Estado em 1988], Roraima viu seus habitantes indígenas e não-indígenas - se mesclarem e, ao mesmo tempo, se estranharem e afrontarem, sempre em busca de ideais conflitantes com os interesses dos outros segmentos dessa sociedade pluri-composta. Hoje, finalmente, no início do século XXI, podemos compreender o quadro dos resultados do choque de dois projetos, aquele “branco”, de integração nacional, e aquele indígena, dividido inexoravelmente entre a manutenção de seu estatuto original e a integração nacional. Explorado, escravizado, abandonado, tutelado, ao longo do processo, o índio começa a fazer ouvir sua voz nos últimos 30 anos. E o que ouvimos, e 325 como a sociedade nacional roraimense acata o que ouve é o que nos guia nas presentes conclusões. 6.1. Ruptura da monoconsciência indígena Essa região amazônica setentrional caracteriza-se pelo desenraizamento do índio, tanto pelo processo da colonização e da evangelização como pelo modelo educacional “civilizador”, que teve o seu percurso acentuado após o Estado Novo, momento da idealização do índio, transformado em branco “forte e puro”, cantado em prosa e verso nos modelos pedagógico e político que pretendia integrá-lo à sociedade nacional (cf.Cap. 3, pp. 164-165). A ruptura do processo sócio-cultural indígena surgiu com a colonização européia, no século XVI, quando holandeses, ingleses e espanhóis se fizeram presentes nessa região (cf.Cap. 1, item 1.1) e, tanto o território quanto seus habitantes, passaram a ser submetidos a pressões amalgamantes, facetadas por diversas políticas nacionais, em diversos momentos de interesses econômicos divergentes. No processo colonizador, a disputa pela terra e pela vida do índio alterou seu modo tradicional de ocupação do espaço coletivo, sua relação mítica e de parentesco como mundo natural foi sendo redimensionada e reconstruída pelo projeto “civilizador” do Estado luso-brasileiro, de modelo econômico e interesse individualista na relação com a terra. Estudos sobre essa situação colonial amazônica devem ser encetados, merecendo especial atenção a Reforma indigenista do Marquês de Pombal (1755), na condução dos habitantes índios e não-índios, na conquista e defesa do Rio Branco (cf. Cap. 1, itens 1.4 e 1.7), e a utilização da força administrativa lusobrasileira com apoio das missões religiosas, que gerou a segregação territorial do índio e a segregação social dos cidadãos “integrados” (BALANDIER, 1955). 326 Não podemos mais ignorar que a introdução do índio a este universo hostil fez surgir conflitos alheios à sua história. O processo de confronto sóciocultural pelo qual essa sociedade amazônica construiu o Estado de Roraima, desde o Território Federal ao Estado Federado, mostra, ainda hoje, as cicatrizes desse processo. O falso discurso da integração do índio no projeto social nacional encobriu essa perda das raízes culturais indígenas e as desestruturações internas dos diversos grupos. A simples interferência da ação educadora nacional na Amazônia, reclama levantamentos e detida reflexão. As relações dominaçãosubordinação das nações tribais habitantes da terra invadida com o colonizador europeu reforçam a submissão dos mais fracos e alteram a consciência de um número considerável deles (BALANDIER, 1955). Em outras palavras, a relação dominação-subordinação tanto leva à rebelião quanto à cooptação do mais fraco, que aspira a igualar-se ao dominador para escapar da dominação. Mecanismo psico-social incidioso e silencioso (MOLES & ROHMER, 1978), ele mina inexoravelmente as estruturas sociais dos dominados, provocando cizânias irreparáveis. Roraima é um perfeito laboratório para se observar tal fenômeno, com as facções indígenas pró-tradição e pró-nacional combatendo-se e, nesse processo, perdendo força em relação às elites brancas, que continuam a ocupar implacavelmente os espaços tribais. Nessa marcha, o nacional trata os grupos indígenas de maneira uniforme, generalizando e homogeneizando situações sob a eterna égide do índio como obstrução ao “progresso”, manipulando os grupos pró-nacional (sobretudo em momentos eleitorais) e ignorando-os logo a seguir. Em decorrência disso, a sociedade roraimense como um todo é mantida refém do conflito: 327 O presidente da ARICON (Associação Regional Indígena dos Rio Kinô, Cotingo e Monte Roraima), Gilberto Makuxi, alertou que os conflitos na região da Raposa Serra do Sol, vão recomeçar, bem como em outros pontos do Estado, com o que já está acontecendo na região de São Marcos, município de Pacaraima porque, segundo ele, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), e a Igreja Católica, com apoio de ONGs internacionais, vão fazer pressão e terrorismo, com o que vem ocorrendo em Pacaraima, antes que o novo Presidente da República assuma, como forma de pressionar para homologar a área Raposa Serra do Sol. Ele e os representantes da ALIDICIR (Aliança de Integração para o Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima) e da SODIUR (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima) farão mobilização de alerta as autoridades em Boa Vista e em Brasília. Ameaçam invadir a Catedral Cristo Redentor como forma de frear as ONGs e a Igreja Católica que começaram a criar tumultos e mais uma vez semear a discórdia entre os nossos irmãos. Gilberto Makuxi deixa claro que a invasão a Catedral, embora não revele dia nem hora que vai acontecer, não é nenhuma ameaça, é apenas fazendo valer o velho ditado que diz “olho por olho, dente por dente” (BN, 17/12/02, p. 9). Com apenas três dias de diferença, o mesmo veículo noticiava que: O governador Flamarion Portela262 se reuniu na manhã de ontem, no Salão Nobre do Palácio Senador Hélio Campos, com mais de 50 tuxauas e lideranças indígenas do Estado. Durante a reunião, os tuxauas entregaram ao governador uma carta de agradecimento pelo apoio dado durante os oito meses do seu governo. (...) O governador Flamarion Portela, agradeceu o apoio dado pelos tuxauas e se comprometeu a realizar um trabalho voltado para a garantia de uma vida melhor a todas as comunidades do Estado. “O nosso propósito é atender as solicitações feitas pelos líderes indígenas, de acordo com a nossa disponibilidade de recursos”, explicou Flamarion. “A Secretaria do Índio é a casa de todos os índios de Roraima, é a porta que se abre para essas pessoas serem ouvidas e buscarem as melhorias para as suas comunidades. Dessa forma, com a participação de todos, ouvindo sugestões, nós temos certeza que vamos alcançar bons termos nas políticas públicas traçadas para as comunidades indígenas”. Finalizou Flamarion (BN, 20/12/02, p. 11). Todas as facções, assim, se mobilizam, em detrimento do bem comum, com a questão fundiária sempre em primeiro plano: A Fundação Rainforest, dos Estados Unidos, encabeçou uma campanha pedindo para que o presidente Fernando Henrique Cardoso homologue a reserva indígena Raposa Serra do Sol, demarcada em 1998, antes de deixar o governo. Um grupo de 76 ONGs (Organizações Não-Governamentais) da Europa, Indonésia, Malásia, Estados Unidos, Canadá, Suriname e Brasil assinaram o documento entregue a FHC. A iniciativa partiu após o Conselho Indígena de Roraima (CIR) receber, dia 12, o prêmio Direitos Humanos 2002, e, no dia 10, o prêmio Chico Mendes. Os prêmios foram concedidos como forma de reconhecer as lutas e trabalhos junto aos povos indígenas de Roraima (FBV, 20/12/02, p. 6). 262. Flamarion Portela (PSL) foi eleito governador no pleito eleitoral de 2002, mas, como vice do governador Neudo Campos (durante a terceira legislatura do Estado, de 1999-2002) assumiu o governo de Roraima em 2002, com a saída de Neudo para as campanhas eleitorais pleiteando um cargo no Senado Federal. 328 A participação estrangeira, usada como aval pela facção pró-tradição e como prova de perigo de internacionalização pela facção pró-nacional, completa o quadro de rupturas. A produção acadêmica local, que deveria servir para subsidiar decisões da União, em geral não alcança tais reflexões históricas, sociológicas e antropológicas, associando-se ao panorama político e econômico, desenvolvendo perspectivas ora de orgulho exacerbado pela colaboração da cultura indígena na formação desse Estado ora expressando vergonha pelo atraso da cultura e pela pobreza instalada em Roraima, vistos (tanto pelos defensores quanto pelos detratores da causa dos índios) como decorrência da questão indígena não resolvida. A organização de relações antagônicas, alicerçada nos papéis desempenhados por indivíduos diferentes, numa situação de contato, como é o caso de índios e não-índios, é estudada pela etnologia sob distintos pontos de vista. Roberto Cardoso de Oliveira (1996), por meio da investigação sistematizada sobre o índio e o mundo do branco, destacou três vertentes: a de mudanças sociais, de orientação britânica (que analisa as mudanças nas instituições e não entre os homens propriamente ditos), os estudos de aculturação, de orientação norte-americana (que analisa o contato interétnico e os fenômenos aculturativos decorrentes da situação de domínio de uma cultura sobre outra), e os estudos de situação, desenvolvidos pela escola francesa, que buscam avançar um pouco mais sobre essa sistematização do contato interétnico em seu processo históricoestrutural, por meio de uma metodologia dialética entre uma denominada “cultura superior” e uma “cultura inferior” (id.:38). No caso de Roraima, a utilização da metodologia francesa propiciaria uma compreensão da estrutura social de brancos e índios, colocando em evidência o processo de povoamento europeu que pode explicar historicamente as 329 transformações sócio-culturais decorrentes de tal situação interétnica. Essas três metodologias de estudo revelam a complexidade da dimensão das relações interétnicas e as possibilidades de se redimensionar o conhecimento e de se reconstruir um conjunto de idéias favoráveis aos programas interculturais e de solidariedade tanto para índios (pró-tradição e pró-nacional) quanto para nãoíndios, sem nos esquecermos dos habitantes frutos de 400 anos de miscigenação étnica. Nessa perspectiva, há estudiosos que, de longa data, como o próprio Roberto Cardoso de Oliveira (1978), não descartam a idéia da integração do índio na sociedade nacional, desde que sejam consideradas as especificidades de cada grupo étnico. A historiografia, quase sempre maniqueísta, que analisa as relações interétnicas desse universo intercultural amazônico, não transmite a complexidade do conflito pois não leva em conta as diferentes posições entre os próprios indígenas. Mas, já há pesquisadores que buscam sistematizar estudos de etno-ciências e melhorar o conhecimento interétnico observados na Amazônia venezuelana, onde existem propostas para os indígenas com estratégias políticoculturais implementadas para valorizar e divulgar os parques nacionais e o ecoturismo coordenados pelas próprias famílias indígenas (ARVELO-JIMÉNEZ, 1991). Ora, considerando-se que os Yanomami, por exemplo, ocupam parte do Brasil e Venezuela, é linear concluir-se que qualquer tratamento de “proteção de fronteira” dado por estes dois países à região, vai cindir o território desse grupo indígena. O lícito seria se pensar na importância de programas bi-nacionais, o que pouco a pouco começa a ocorrer (cf. abaixo, pp. 324-325). Mas, enquanto isso, sem qualquer visão de conjunto, as autoridades constituídas carecem não só de dados mas da própria percepção de que deveria 330 buscá-los, sobretudo aqueles referentes à estatística das opções indígenas pela tradição ou pelo nacional. Sem eles, os problemas subjacentes às opções continuarão sendo mal formulados, mal apresentados e não resolvidos. 6.2. O Estado proprietário As idéias de conquista, aplicadas a essa região desde o século XVI, revelaram a coesão do interesse político e econômico, assegurando a submissão indígena ao Estado. Proprietários de terras amazônicas influenciaram o poder político, definindo espaços e alterando aspectos culturais indígenas e nãoindígenas (cf. Cap. 1, item 1.3). Nessa perspectiva, o projeto político do Estado Novo, de transformar o índio em branco, possibilitou teoricamente a valorização do índio e o uso de seus serviços na ocupação e defesa da terra, em nome do Estado nacional. Para isso, o Estado deu ao índio a garantia na posse da terra sem o direito de negociá-la (cf. Constituição de 1934, Cap. 3, p. 161) e a chance de beneficiar-se como um “cidadão livre” das benesses do Estado, sem deixar evidente a intenção de reconhecê-lo como proprietário de suas próprias terras (BARAZAL, 2001:153), visto que é o Estado nacional o proprietário último das terras em questão. De fato, o Estado nacional e suas políticas de perspectivas emancipatórias, após a Constituição Federal de 1988, tomou medidas favoráveis em relação ao índio reconhecendo sua multiplicidade sócio-cultural e direito na posse da terra, na condição “inalienável e indisponível” (art. 231, § 4º). Mas a União é a legítima proprietária de mais de 70% das terras disputadas por índios e não-índios em Roraima (cf. Cap. 3, p. 189), sem nunca ter dado sinal de mediar efetivamente o conflito, com projetos que beneficiassem índios e não-índios de maneira equânime e contemporaneamente. 331 Assim sendo, o processo de demarcação e/ou homologação das terras indígenas que tramitam no setor jurídico, encontram-se, ainda, num quadro semelhante ao de dez anos atrás: Situação Área em km² Homologadas Identificadas Demarcadas Interditadas TOTAL 67.079,70 22.475,00 4.000,00 6.000,00 99.544,70 Quadro Demonstrativo 17 Situação atual das terras indígenas em Roraima263 Fonte: FUNAI/RR. Situação no ano 1993 Tais terras são de propriedade da União e o direito dos índios é o de posse e usufruto permanente, sem nenhuma perspectiva legal de tornarem-se seus legítimos proprietários. Seguindo os meandros dos textos legais, veremos que o índio, mesmo transformado em cidadão brasileiro com CIC, RG e TE, jamais viverá plenamente um dos pilares da sociedade que o “integrou”: aquele de propriedade privada. Assim, demonstrado que o índio não usa a terra “permanentemente” (cf. Cap. 3, item 3.3) estará aberto o caminho para a reintegração de posse pelo Estado proprietário. Em outras palavras, o “tutelado” se emancipa mas o “tutor” não lhe entrega sua propriedade. Sob tal ótica, toda e qualquer discussão sobre os direitos indígenas é ilusória. Mesmo órgãos como a ONU (Organização das Nações Unidas), ao tentar auxiliar os índios na condução de seus próprios direitos, não atenta à questão fundamental do Estado proprietário. Durante encontro realizado em Nova Iorque, em 1992, com mais de 120 delegações de povos indígenas de diferentes regiões do mundo, organizado pelo 263. O Estado de Roraima possui uma área de 225.116,1 km². Assim, a área total que é reivindicada pelos índios é superior a de alguns Estados como Pernambuco (98.937), Paraíba (56.584), Rio Grande do Norte (53.306), Alagoas (27.050), Rio de Janeiro (43.909), Santa Catarina (95.442), Distrito Federal (5.822). 332 Conselho Indígena Estadunidense, que é um órgão subsidiário da ONU, após sérios debates, elaborou-se dois documentos oficiais, sob chancela da ONU: a Declaração de Organizações, Povos e Nações Indígenas e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Denunciando desrespeito e contradições às próprias leis de países que ainda alojam “First Peoples” e “First Nations”264, foram solicitadas medidas concretas dos governos de tais países em doze pontos: 1º O reconhecimento dos direitos indígenas a seus territórios ancestrais, incluindo sua recuperação e sua demarcação. 2º O reconhecimento, o respeito e a elaboração documental, de acordo com o direito internacional, de todos os tratados, convênios, acordos e outros pactos estabelecidos com os povos indígenas, como prioridade por parte das Nações Unidas e seus estados membros. 3º O reconhecimento e o respeito às formas de governo indígenas que se orientam pelos costumes e leis tradicionais. 4º O fomento e fortalecimento dos direitos de propriedade cultural e intelectual indígena, de acordo com o direito internacional e seus princípios. 5º A consulta às organizações e nações indígenas para a ratificação da Convenção 169 da organização Internacional do Trabalho. 6º A disposição em garantir assistência legal e formação técnica às organizações e nações indígenas. 7º O fomento à reforma de leis e políticas para que se reconheçam os direitos soberanos dos povos indígenas, tanto no plano nacional quanto internacional. 8º O fomento e consolidação da educação, da cultura, da arte, da religião, da filosofia, da literatura e da ciência das nações indígenas. 9º A devolução dos lugares históricos, os locais e objetos sagrados que pertencem às nações indígenas. 10 A demonstração sincera de compromisso para com os povos indígenas, facilitando-lhes os recursos econômicos adequados para a tomada de medidas que sejam consideradas procedentes. 11 Que o secretário geral das Nações Unidas e seus órgãos, comissões e programas especializados, consultem os povos indígenas do mundo em nível mais regionalizado possível. 12 Que o secretário geral das Nações Unidas crie imediatamente um programa indígena específico que seja administrado e aplicado com a participação direta das nações indígenas. 264. Aliás, terminologia oficial do Canadá, que aboliu o termo “indian” e “indigenous”. 333 Para além da postura indubitavelmente correta de tais exigências, perdeuse uma oportunidade privilegiada de se avançar o conceito de propriedade coletiva da terra como um dos “direitos” mencionado no item 1, algo que nem os especialistas que comentaram os documentos se deram conta (BARAZAL, 2001:149). Queremos crer que se trata de um dos problemas basilares da questão indígena no Brasil a longo termo e que deveria ser estudada de maneira mais profunda, inclusive comparando-a com a recente legislação sobre os remanescentes dos Quilombos. A Constituição Federal de 1988 faz duas referências aos Quilombos: a) primeira, inserida na Seção II dedicada à cultura, do Capítulo III – Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, em seu Art. 216, dispõe: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.” b) a segunda está enunciada no Art. 68 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), da Constituição Federal de 1988, que dispõe: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos. O texto do artigo 216 não faz referência aos negros fugidos da escravatura, mas diz respeito aos negros seus descendentes e aos lugares ocupados por sucessores dos grupos de remanescentes quilombolas, enquanto que o artigo 68 do ADCT enuncia o reconhecimento das terras que os descendentes negros ainda ocupam, podendo ser demarcadas em áreas certas ou determinadas, ou em área comum, sem divisões internas, de acordo com a situação encontrada nos locais 334 selecionados, que depois de ouvidos os interessados, a União expedirá os títulos para permitir o respectivo registro imobiliário (CENEVIVA, 1996). Existe uma discussão sobre o tratamento constitucional dado ao negro e ao índio, com alguns juristas, entre eles Walter Ceneviva (1996), ressaltando que a Constituição de 1934, no seu artigo 129 dera ao índio “dignidade constitucional” ao reconhecer à posse de suas terras, algo que os negros só teriam reconhecida com a Constituição Federal de 1988. Mesmo no caso dos remanescentes dos Quilombos, a situação é contraditória pois o Projeto de Lei (1995) que visa regulamentar o Art. 68 do ADCT, embora falando em “propriedade coletiva: condomínio” (item IV), determina sua “inalienabilidade sob qualquer pretexto” (Cap. II, art, 12) o que uma leitura jurídica apressada pode concluir pela semelhança com a situação das terras indígenas, pelo igual significado prático de “posse definitiva” e de “propriedade inalienável”. É de se convir, contudo, que a legislação vê os remanescentes dos quilombos como patrimônio cultural da sociedade brasileira, tendo a Constituição Federal, inclusive tombado edificações e sítios (cf. acima, art. 202). São as aldeias indígenas patrimônio cultural da sociedade brasileira? 6.3. Soluções possíveis/ Possíveis destinos Todos esses aspectos sócio-culturais e geopolíticos, até aqui apontados, herança dos descaminhos na formação e integração dessa região ao nacional, deixaram os distintos grupos sociais (índios e não-índios) fragilizados na sua organização sócio-cultural. Após a instalação do Território Federal, o índio pacificado (integrado ao projeto social nacional) vem atuando como mão-de-obra 335 barata na construção civil, nos serviços de transportes de cargas e nos afazeres domésticos urbanos, da capital Boa Vista (cf. Cap. 2, Cap. 3 e Cap. 4). Como o próprio Estatuto do índio (1973) aponta esse caminho via emancipação, classificando o índio em integrado, em vias de integração e o isolado (cf. Cap. 3, pp. 186-187), trata-se, em primeiro lugar, de distinguir e definir bem a opção final, discutindo a presente “integração” que, simplesmente, incorpora o índio às camadas mais carentes da população brasileira, despossuído de suas terras, sua cultura e seus laços de família tribal. Os índios brasileiros empreenderam a caminhada rumo à retomada de sua consciência identitária e os quatro segmentos envolvidos (isolados e inconscientes de tal luta; pró-tradição; pró-nacional e urbanitas alienados) merecem igual respeito do Estado, da União, da Igreja e da Sociedade civil. Contudo, o Estado de Roraima, já em sua quarta legislatura, não leva a cabo o cumprimento dos direitos indígenas enunciados nas Constituições (Federal e Estadual), privilegiando entendimentos para a demarcação das terras em ilhas, dentro de um ilusório cenário democrático, organizando alianças com os índios pró-nacional e a bancada Federal e Estadual contra o índio que não deseja integrar-se no processo de emancipação. Nesse sentido, as manifestações dos índios pró-tradição (ligados ao CIR – Conselho Indígena de Roraima) são claras (cf. Cap. 4, p. 235). A publicação da Portaria n. 820/98, do Ministério da Justiça, favorecendo os direitos dos índios pró-tradição (ligados ao CIR) fez aumentar os descontentamentos entre os representantes e as lideranças das ONGs prónacional e os segmentos da sociedade local. Assim sendo, o executivo estadual manifestou o desejo de usar mecanismos políticos e jurídicos para reverter tal portaria (cf. Cap. 5, p. 301), pressão ainda presente hoje: A não homologação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua no final do mandado do presidente FHC e um acordo para titularização de terras em Roraima foram os dois 336 temas principais das reuniões esta semana entre o governador Flamarion Portela (PSL)265 com o ministro da Reforma Agrária e equipe de transição do governo federal. (...) Todos os seguimentos interessados no assunto, na opinião de Flamarion, devem sentar na mesma mesa e buscar um entendimento, evitando prejuízos para um lado ou para o outro. “A decisão precisa ser tomada com maturidade. Sabemos que a pressão de Organizações NãoGovernamentais e da Igreja é muito grande, mas acreditamos que conseguiremos deixar a definição sobre a reserva Raposa Serra do Sol para o ano que vem”, enfatizou o governador. Flamarion Portela propôs ao ministro José Abrão uma solução “amigável” para que as terras da União em Roraima sejam transferidas para o Estado ou tituladas pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) (BN, 21/12/02, p. 4). 6.3.1. Polêmica cultural x território Ora, para além da inação política do governo roraimense, o grande problema está na defasagem das idéias defendidas, sobretudo pelos partidários da área contínua. Os próprios antropólogos dedicados à causa indígena já admitem, de público, que o maior dos parâmetros que serviram para reflexão e ação, não mais se sustenta: o próprio conceito de culturas puras, isoladas da história, cuja impermeabilidade devia ser defendida, sobretudo em suas fronteiras de contato (FAUSTO, 1998). A luta pela criação do Parque Nacional do Xingu, anteprojeto de Darcy Ribeiro de 1952, partia das premissas da imutabilidade cultural e de sua preservação no tempo, premissas essas vistas hoje como falsas já que sua defesa leva à reprodução estereotipada de cultura. Tendo perdido, ou estando em vias de perder a conformação cultural que possuía pré-contato com o branco, o indígena vê-se agora defendido e protegido em direção a uma vivência cultural que é uma construção simbólica do branco: as reservas demarcadas, “zoológico de índio”, no dizer contrariado do zoólogo Paulo E. Vanzolini, que acompanha a “glamourização” e “estilização” das culturas indígenas xinguanas desde os anos 40266. Seja de uma maneira que de outra, parece ocorrer sempre “o 265. Após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Flamarion trocou sua sigla partidária e adotou a sigla do partido do presidente. 266. Cf. Informação pessoal à orientadora. 337 encarceramento espacial do nativo”, na pobreza ou na reserva (APPADURAI, 1988). De fato, não é necessariamente o trinômio: alcoolismo, prostituição e drogas que provocam a desagregação das comunidades indígenas. No caso dos Yanomami de Roraima, teve sua parte a Lei do Menor Esforço, ou “Law of the Least Effort”, com a qual o antropólogo Leslie White guindou a Antropologia, em 1949, ao estatuto de ciência: os Yanomami se desestruturaram, também, graças à fácil obtenção de farinha, feijão, carne seca e roupas oferecidos pelos garimpeiros. Com a expulsão dos garimpeiros, pela FUNAI e Polícia Federal, o caminho para a fome e a inanição foi rápido e os agentes da FUNAI e missionários empenharam-se em re-ensinar malocas inteiras a voltar a reproduzir o próprio sustento. Como bem se discute, hoje, na A.B.A., aquele conceito de cultura que serviu de base às lutas contra missionários, contra os contatos com a sociedade nacional, não recebe mais a concordância e apoio da Antropologia pois prescindia da história e história é mudança. Os índios não são passivos mas co-agentes de sua história e sua interação com a sociedade nacional deixou de ser vista, a partir dos anos 90, como um mecanismo de extinção a ser evitado a ferro e fogo. Passa-se da defesa do isolacionismo dos anos 1910-1970 à valorização dos processos de transformação, pelo fortalecimento e preparo de um dos agentes históricos: o índio (FAUSTO, 1998). A questão também reside no distanciamento que os antropólogos deram ao debate indigenista. No Seminário “Idigenismo: Fim de Século”267, o líder indígena Marcos Terena (funcionário da FUNAI) abriu os trabalhos saudando a retomada do diálogo entre antropólogos e lideranças indígenas “adormecido” 267. Universidade de Brasília, 22 de maio de 1998, entre antropólogos, lideranças indígenas, institutos de apoio à causa indígena, juristas. 338 desde o surgimento do movimento indígena e necessitando ser retomado. “Temos conversa atrasada”, lembrou ele (BARRETO FILHO, 1998:16). Um dos atrasos é, justamente, discutir as relações e o papel da academia, das ONGs, das lideranças indígenas, dos missionários, da Igreja e do Estado. A mesma Igreja que foi tão combatida por seu proselitismo religioso, hoje é a principal defensora da causa indígena que vê a preservação do território em área contínua como parte consistente da solução da questão indígena no Brasil. Ora, a tradição e o isolamento de fronteiras são vistos, hoje, pela Antropologia como irreais e estereotipificadores. A Igreja continua, assim, na contramão da ciência e da história? Ocorre que número consistente de missionários de há muito deixou de lado o proselitismo religioso para defender o índio da asma, da diarréia, do raquitismo ... “Os índios são puros como crianças e crianças tem seu lugar assegurado no céu, mesmo que não sejam versadas em religião”, declarou o missionário Carlo Zacchini, missionário da Ordem italiana da Consolata, à revista VEJA em 1990268. Assim, o foco se desloca, hoje, da preservação da cultura à preservação pura e simples do índio e de seu patrimônio genético e conhecimento tradicional do ambiente: “Ao direito à terra sobre a qual os índios não tem juridicamente propriedade, devemos somar agora a preocupação com o direito à propriedade intelectual” (FAUSTO, 1998:22). A academia está, finalmente, acordando, como diria Marcos Terena? 6.3.2. A Construção social do espaço Nos últimos 20 anos, a chamada geografia social, espécie de história ecológica contemporânea (não nos esqueçamos que Lucien Febvre, um dos 268. VEJA, Ano 23 (1148), set. 1990, p. 82. 339 maiores historiadores do século XX, era geógrafo) tem estudado mudanças sociais em termos e em função do espaço. Essa nova categoria de mercadoria do mundo capitalista, o espaço, continua ditando normas de ação, hoje, tanto quanto na pré-história. O que não se pode é continuar admitindo que o comportamento do homem do século XXI difira tão pouco daquele pré-histórico... Exatamente da base do mundo capitalista – os EUA – nos chegam exemplos de como o espaço e sua concepção indígena, devem ser estudados (PINXTEIN et alii, 1983), justamente por ser parte integrante de nossa percepção e cognição do ambiente (ITTELSON, 1973). Como bem estabelece a nova geografia, uma teoria do espaço é uma teoria da sociedade (LEFÈBVRE, 1974). O espaço é o mundo material socialmente produzido e portanto, como a sociedade, a produção do espaço é dinâmica e permanente (ANDRADE, 1984). Ora, tal dinamismo provoca conflitos, cabendo ao Estado e à sociedade civil geri-los, com projetos e ação participativa contínua. O processo de produção do espaço é, assim, um permanente movimento histórico dos grupos sociais dominantes entre si (por hegemonia no poder) e contra as classes subalternas (POULANTZOS, 1980:141-177). Isso gera a criação de espaços diferenciados já que diferentes setores da sociedade se apóiam no Estado em defesa de seus interesses imediatos. Assim, o Estado de Roraima, veículo que a sociedade usa para atingir seus fins, como bem aponta Andrade (1984:20), não tendo projeto próprio, tem ficado à mercê das pressões dos mais fortes: O deputado estadual Mecias de Jesus (PSL) disse que a relação entre índios e brancos é desigual, com ampla vantagem para o índio. “Existem milhares de ONGs, os paises ricos (G7), parte significativa do Governo Federal e da Igreja e Seitas, que exploram a problemática indígena e a simpatia do Judiciário e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual. Estes órgãos não sabem diferenciar quando estão defendendo os direitos dos índios e massacrando outros direitos, contrariando até a Constituição/88”. (...) As lideranças indígenas se multiplicaram e mais de 50% da área geográfica de Roraima foi transformada em terra indígena. O deputado desconfia da conduta de governadores do Estado que não tomaram nenhuma providência contra o avanço das reservas indígenas. O 340 brasileiro que defende o seu país hoje é marcado por uma espécie de crime, quando não é processado por alguém dessas instituições (ONGs, Igreja Católica, IBAMA) beneficiadas pelas bandeiras ecológicas. (...) Segundo Mecias é fácil enxergar o silêncio obsequioso de órgãos como o Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores que sempre preteriram os interesses nacionais em nome de queixas externas e da própria sociedade que em sua maioria desconhece os reais interesses que movem essas discussões (FBV, 04/01/00, p. 7). Nessa luta por aquilo que Moles & Rohmer (1978:103) chamaram de cristalização geopolítica do espaço, é possível criar-los no âmbito da racionalidade ou num “espaço racional”, partindo dos conceitos de Weber e Godelier, como sugerido por Santos (1978). Deste espaço racional deve fazer parte a noção de co-presença, conceito sociológico de (GIDDENS, 1987) que, associado à noção da realidade geográfica de vizinhança nos leva ao conceito de território compartilhado que as interdependências sociais, inevitáveis, usam como base de operação da comunidade (PARSONS, 1952), Apud SANTOS, 1996:255-56), “que se constitui em uma mediação inevitável para o exercício dos papéis específicos de cada um” (WERLEN, 1993, Apud SANTOS, id., ibid.). Em outras palavras, é só a “adequada percepção das limitações” (MOLES & ROHMER, 1978:33) que nos dá liberdade espacial e autonomia social sem ferir interesses divergentes. Segundo Gubta (2000:33) “se partirmos da premissa de que os espaços (como construções sociais diversas) sempre estiveram interligados hierarquicamente, em vez de naturalmente desconectados, então a mudança cultural e social não se torna mais uma questão de contato e de articulação cultural, mas de repensar a diferença por meio da conexão”. Esses conceitos são abundantes no setor acadêmico há mais de 30 anos (DIAS & GALLAIS, 1968) e auxiliam a Antropologia a rever suas formulações de cultura (cf. acima, item 6.3.1), embora suas pistas estejam longe de atingir a consciência dos defensores da causa indígena e mesmo das autoridades constituídas. 341 6.3.3. Cidadão nacional x Cidadão étnico Há muito tidas como extintas, as comunidades indígenas do nordeste brasileiro comparecem a este estudo para nos auxiliar na formulação do conceito de cidadania étnica. Redescobertas em 1935, as comunidades situadas nos Estados da Bahia e Alagoas, começaram a ver suas terras demarcadas nos anos 40, com pendências que duraram até os anos 90. A partir dos anos 40 teve início o caminho de volta, as chamadas “emergências” de cidadãos brasileiros de quinta categoria, camponeses analfabetos e destituídos, para “grupos étnicos” resgatando suas aldeias, sua memória e sua cultura. Esse foi um movimento contrário ao do indigenismo oficial, revitalização do que se visava apagar, e que está ainda hoje na base do projeto de construção nacional (ARRUTI, 1995:70/84). Esses grupos não buscaram resgatar a categoria jurídico-administrativa de “índios” mas se auto-denominaram grupos étnicos, que são categorias sociais de atribuição que se aproximam do conceito de nação, como “comunidade imaginada” (ANDERSON, 1989, Apud ARRUTI, 1995:88). Assim, entre essas duas representações “imaginadas”, uma nacional e outra étnica, os índios do nordeste optaram por compatibilizá-las e sobrepô-las. Sua militância está na constituição de territórios que permitam sua reprodução sócio-cultural como grupos étnicos distintos, mas classificatoriamente subordinados ao coletivo nacional, já que suas reivindicações passam pela ampliação de sua participação no que eles chamam de “direitos” e que caracterizam o que chamamos de “cidadania”. Ao invés de proporem uma separação da ordem vigente, buscam o mínimo que ela possa lhes oferecer, paradoxalmente “não como iguais, mas como diferentes” (ARRUTI, 1995:88). Buscam a cidadania étnica, algo que o nacional dever permitir e incentivar. 342 6.3.4. A viabilidade do entendimento A estrada que leva de mim a mim mesmo faz o giro do mundo (KEYSERLING). Na busca de reformulações teóricas para o entendimento dessa situação, da relação entre sociedades e a convivência num mesmo território, nos deparamos com estudos semelhantes ao de LEFORT (1991:27) quando faz referência ao “conjunto de princípios geradores das relações que os homens mantêm entre si e com o mundo”. Concordando com esse autor, necessário se faz, em começo de milênio, repensarmos as tradicionais posturas políticas influenciadas pelas teorias hegelianas e marxistas da história e ficarmos atentos às novas propostas que os homens mantêm entre si em caráter local, nacional e internacional. Ou seja, verificar as novas relações interétnicas entre um material empírico diverso e o referencial teórico que permita compreender os determinantes internacionais e nacionais nas propostas para essa região amazônica. Refletindo sobre o papel da Amazônia nessa virada do milênio, Hélio Moura (1996), organizando pesquisas sociais na Amazônia, sugeriu como solução ao conflito social uma “profunda mudança de atitude com respeito à política de desenvolvimento” (MOURA, 1996:202). Que o interesse comum começa a tomar corpo entre os defensores da postura pró-tradição é algo bastante visível nos últimos anos, em agosto de 1997, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) organizou um Seminário “Internacional dos Povos Indígenas”, realizado em Boa Vista, com o propósito de buscar alternativas para os impasses entre índios (pró-tradição e pró-nacional) e nãoíndios. Estiveram presentes nesse evento representantes políticos tanto de Roraima como de outras regiões da Amazônia envolvidos na temática indígena e recursos naturais (exploração do ecoturismo, mineração, madeira, medicina), além dos líderes e representantes das etnias indígenas, da Diocese de Roraima, de 343 universidades e outros representantes da sociedade local (advogados, militares, comerciantes, empresários): O Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Confederação Nacional Indígena da Venezuela (CONIVE) e a Associação dos Povos Ameridian (AP) da República Cooperativista da Guiana, vão promover de 27 a 30 deste mês na Casa Paulo VI, o primeiro Seminário Internacional dos Povos Indígenas do Brasil, Venezuela e República Cooperativista da Guiana. Além, das autoridades locais, o Seminário vai trazer ao Estado, autoridades brasileiras, como a senadora Marina Silva, o governador do Amapá, o reitor da Universidade do Amazonas, o presidente da Eletronorte, o prefeito do Oiapoque, entre outros. O seminário vai reunir também grande número de autoridades estrangeiras, ambientalistas, representantes de Organizações Internacionais, e duas redes de televisão Americanas, que vem exclusivamente fazer cobertura do evento. Segundo o vicecoordenador do CIR, José Adalberto da Silva, um dos coordenadores do Seminário, a Venezuela e Guiana e o Suriname trarão cada, 20 representantes indígenas. Na pauta do encontro; Exploração de Minérios, Madeira, Meio Ambiente, Biodiversidade, Hidrovias, Linhão de Guri e Estradas. Para Adalberto da Silva, esses projetos que vem sendo desenvolvidos pelos governos, são importantes, mas todos passam pela faixa de fronteiras, onde existem terras indígenas. Por isso os índios têm que tomar conhecimento deles, da importância, e, principalmente, que benefícios trarão para as comunidades indígenas dessas localidades. Até agora, segundo o vice-coordenador do CIR, os índios só têm visto pesquisadores entrando em suas terras para estudar isso e aquilo, sem trazer nenhuma melhoria para a população indígena. A primeira palestra terá como tema; os Direitos Indígenas (Terra/Meio Ambiente), os palestrantes serão o procurador da República em Roraima, Ageu Florêncio da Cunha, Fergus Mackay da Guiana e Jesus Bello da Venezuela. Sobre os projetos internacionais (hidrovias e estradas) que fazem parte do Corredor de Exportação Brasil Venezuela, Guiana e outros, o palestrante será o reitor da Universidade do Amazonas. A senadora Marina Silva, o governador do Amapá, João Capiberibe, além de representantes de ONGs internacionais vão debater sobre Mercosul, Ecoturismo e Biodiversidade (OD, 08/97). Embora os representantes e líderes indígenas pró-nacional não se tenham feito presentes naquela ocasião, hoje, foram aumentando as posições tendentes ao bem comum: O deputado federal, Airton Cascavel (PPB), propôs ao Governo de Roraima e bancada federal que se unam e defendam junto ao Ministério de Justiça e à Presidência da República uma reavaliação da questão indígena e o processo de demarcação da Raposa Serra do Sol. Para o deputado todos os políticos de Roraima devem deixar de fora as divergências, picuinhas políticas e cor partidária e lutarem juntos em defesa dos interesses de Roraima. Para Cascavel o Governador Neudo Campos (PPB) deve assumir o comando desse processo, tanto para a melhoria da qualidade de vida dos índios quanto para o desenvolvimento do Estado. Para Cascavel a exploração das áreas de reserva pelo setor do Ecoturismo e parcerias nas áreas agrícolas podem muito bem render bons resultados às comunidades indígenas e ao Estado (FVB, 13/11/99, p. 03). 344 O prefeito de Pacaraima, Hipérion Oliveira (PDT), disse ser a favor da demarcação da área urbana do município de Pacaraima, pois a cidade tende a crescer na esfera diagonal em direção à fronteira com a cidade de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e não descendo a serra. Essa questão da demarcação dos limites do município tem gerado conflitos constantes entre os moradores da cidade e os povos indígenas da região de São Marcos, que não aceitam a presença de não-índios naquela área. Ele reconhece que o município de Pacaraima não possui instrumentos legais para planejar de forma ordenada o crescimento da sua sede. Disse ser necessária a preservação do meio ambiente, respeitando a área indígena. “O povo indígena tem razão em demarcar com uma cerca a área urbana, pois a forma como o crescimento [da cidade] vem ocorrendo não está correto”, disse (FBV, 17/12/02). O juiz federal, Helder Girão, entende que o direito de demarcar reservas indígenas não é absoluto e deva ser aplicado o princípio da proporcionalidade. “Demarcação não é só uma questão dos índios, também é do País, do meio ambiente, econômico, do Estado e do Município”. A declaração foi dada pelo juiz federal, para quem o diálogo entre todos os segmentos é fundamental para a solução do problema. A Constituição Federal de 1988 – disse o magistrado – é uma Carta de compromissos pontuais, entre os quais a demarcação das terras indígenas – artigo 231 – que deve ser cumprido, pelo menos até que se mude a Constituição. (...) Segundo Helder Girão, “o que há que se encontrar é o equilíbrio. Sempre tenho dito que é preciso superar o radicalismo, afastar os preconceitos, e, sobretudo, o alarmismo, o imaginário de que a demarcação de terra indígena é um passo para a internacionalização da Amazônia. Só perdemos este território se quisermos, ou, se formos fracos o suficiente para perder” (FBV, 24/12/02, p. 03, grifo nosso). Trata-se, portanto, de conseguir dirigir as forças da sociedade para longe do confronto que tende a perseverar pela inércia das autoridades e pela ausência de um efetivo projeto político que distanciasse as partes do centenário confronto. Distanciar-se do confronto não significa ignorá-lo ou evitá-lo mas anulá-lo em sua razão de ser, “encontrando fronteiras muito vizinhas umas das outras sem justapô-las totalmente” (MOLES & ROHMER, 1978). No dizer de Ana Valéria Araújo, especialista em direito indígena, Diretora e Membro do Conselho de Diretores da Rain Forest Foundation, “o ideal é que, ao invés de integrá-los nós conseguíssemos interagir com eles”269. Estamos nos aproximando do momento de decisões que o país e nossos primeiros habitantes merecem que sejam firmes e ponderadas: 269. Cf. Entrevista à Revista Superinteressante. Maio de 2003, 188:80-81. 345 O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou nesta terça-feira em Brasília que a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é passível de revisão. “Há uma demarcação e falta homologação. A demarcação é administrativa, mas, por natureza, pode ser revisada”, disse na Comissão da Amazônia, na Câmara. Da audiência participou o governador de Roraima, Flamarion Portela, que se filiou recentemente ao PT. Ele defende a revisão da demarcação por considerar muito extensa a área reservada aos índios. Thomaz Bastos antecipou que vai a Roraima em junho para ver de perto a situação. “Vou com papel em branco, minha idéia é não ter opinião. Vou fazer um levantamento, levando em conta que existe a demarcação”. A demarcação de 1,6 milhão de hectares ocorreu no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (O Estado de São Paulo, 20/05/03). Quem dera o presente trabalho pudesse contribuir para tanto. 346 FONTES E BIBLIOGRAFIA FONTES Textos, Documentos e Endereços Eletrônicos consultados ANDRELLO, Geraldo. De profetas a pregadores: a conversão Taurepang à religião do 7º dia. (Paper). São Paulo: ISA, 1995. ASSEMBLÉIA GERAL DOS TUXAUAS. Demarcação de Terras Indígenas. (ATA). Surumu/RR, 15 de Janeiro de l981. Conselho Indígena de Roraima – CIR. ASSEMBLÉIA GERAL DOS TUXAUAS. Discussão sobre a reorientação dos jovens para que não percam a cultura indígena por meio do ensino formal nas escolas vinculadas a Secretaria de Educação e Cultura. (ATA). Surumu/RR, 15 de Janeiro de 1982. Conselho Indígena de Roraima – CIR. ASSEMBLÉIA GERAL DOS TUXAUAS. Discussão sobre Ocupação das Terras Indígenas. (ATA). Surumu/RR, em Janeiro de 1985. Conselho Indígena de Roraima – CIR. 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