Revinter - InterTox

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Revinter - InterTox
RevInter
RevInter
ISBN 1984-3577
REVISTA INTERTOX DE TOXICOLOGIA, RISCO AMBIENTAL E SOCIEDADE
ISSN 1984-3577
São Paulo, v. 4, n. 1, fev. 2011
RevInter
ISBN 1984-3577
 2011 Intertox
Periódico científico de acesso aberto, quadrimestral e arbitrado
meses: (2) fevereiro, (6) junho e (10) outubro.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte.
As opiniões e informações veiculadas nos artigos são de inteira e exclusiva
responsabilidade dos respectivos autores, não representando posturas oficiais da
empresa Intertox Ltda.
Seções
Artigos Técnicos; Revisões; Comunicações; Ensaios; Informes; Opinião
Idiomas de Publicação
Português, Inglês e Espanhol
Contribuições devem ser enviadas para <[email protected]>.
Disponível em: <http://www.intertox.com.br/index.php/br/revista>.
Normalização e Produção Website
Morgana Oliveira
Capa
Fabiana Laranjeiras
Projeto Gráfico
Ricardo Baroud.
RevInter
–
Revista
Intertox
de
Toxicologia,
Risco Ambiental e Sociedade. / InterTox uma empresa do
conhecimento. – v. 4, n. 1, (fev. 2011).- São Paulo: Intertox.
2011.
Quadrimestral
ISSN: 1984-3577
1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade
Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento.
Biblioteca InterTox II. Título.
Rua Turiassú, 390 - cj. 95 - Perdizes - 05005-000 - São Paulo - SP – BrasilTel.: + 51 11
3872-8970 / http://www.intertox.com.br / [email protected]
RevInter
ISBN 1984-3577
Expediente
Editor(a) Chefe
Morgana Oliveira
Bibliotecária
Conselho Editorial Científico (2009-2011)
Alice A. da Matta Chasin
Doutora em Toxicologia (USP), ex-Presidente da
Sociedade Brasileira de Toxicologia
Editor(a) Científico (2009-2011)
Irene Videira Lima
Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal
Toxicologista do IML-SP por 22 anos.
Eduardo Athayde
Coordenador no Brasil do WWI - World Watch
Institute
Comitê Científico (2009-2011)
Irene Videira Lima
Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal
Toxicologista do IML-SP por 22 anos.
Eustáquio Linhares Borges
Mestre em Toxicologia (USP), ex-Presidente da
Sociedade Brasileira de Toxicologia, exProfessor Adjunto de Toxicologia da UFBA.
Marcus E. M. da Matta
Doutorando em Ciência pela Faculdade de
Medicina USP. Especialista em Gestão
Ambiental (USP). Engenheiro Ambiental e
Turismólogo.
Fausto Antonio de Azevedo
Mestre em Toxicologia USP, ex-Diretor Geral
do Centro de Recursos Ambientais do CRA-BA,
ex-Presidente do CEPED-BA, ex-Subsecretário
do Planejamento, Ciência e Tecnologia do
Estado da Bahia.
Moysés Chasin
Farmacêutico-bioquímico
pela
UNESP-SP
especializado em Laboratório de Análises
Clínicas e Toxicológicas e de Saúde Pública.
Ex-Perito Criminal Toxicologista de classe
especial e Diretor no Serviço Técnico de
Toxicologia Forense do Instituto Médico Legal
da SSP/São Paulo. Diretor executivo da
InterTox desde 1999.
Ricardo Baroud
Farmacêutico-Bioquímico Toxicólogo, Editor
Científico
da
PLURAIS
Revista
Multidisciplinar da UNEB e da TECBAHIA
Revista Baiana de Tecnologia.
Isarita Martins
Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises
Toxicológicas
(USP),
Pós-doutorado
em
Química Analítica (UNICAMP), FarmacêuticaBioquímica Universidade Federal de Alfenas
MG.
João S. Furtado
Doutor em Ciências (USP), Pós-doutorado
(Universidade da Carolina do Norte, Chapel
Hill, NC, EUA).
José Armando-Jr
Doutor em Ciências (Biologia Vegetal) (USP),
Mestre (UNICAMP), Biólogo (USF).
Sylvio de Queiroz Mattoso
Doutor em Engenharia (USP), ex-Presidente do
CEPED-BA.
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SUMÁRIO
Editorial
05
Revisão
Análises de Drogas em Cabelos ou Pêlos
Lolita M. Tsanaclis, John F.C. Wicks e Alice A. da Matta Chasin
Toxicologia in Silico: Uma Nova Abordagem para Análise do Risco
Químico
Carlos Eduardo M. Santos
06-46
47-63
Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704
Aretha Sessa Coelho
64-73
Os perigos do uso inadequado do formol na estética capilar
Thiago Iorio Belviso
74-81
Ensaio
O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano
Ana Carolina Oliveira Pedroza
80 anos depois: um mal-estar ambiental
Fausto A. de Azevedo
Filosofia da Educação
Sylvio de Queirós Mattoso
82-95
96-137
138-152
Nota Prévia
Novo software para classificação de perigo de produto químicos –
SafetyChem
Eduardo Moraes de Morais
153-158
RevInter
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Editorial
Caro leitor, é com enorme satisfação que escrevo o primeiro editorial de 2011 da nossa
RevInter. Cheguei há pouco para liderar a Revista, e quero compartilhar com todos,
algumas observações a respeito desse número. A sociedade humana tem passado por
várias transformações ao longo do tempo. Transformações que vão da geografia,
classes, nacionalidades, religiões, ideologias e tecnologias. Neste sentido, pode-se dizer
que a evolução une toda a humanidade, pois, todos em algum momento da vida
passam pelas mesmas situações, independentemente do lugar no mundo. Mas a
suposta evolução traz aspectos desvantajosos também. Dentre esses, as frustrações, o
ressaltado vazio. Essa sensação de vazio, hoje tão onipresente, faz-nos buscar
respostas para o propósito para a vida nos mais diversos elementos: filosofia, religião,
crenças, dinheiro & poder, sexo, drogas. A pós-modernidade que vivemos, dentre
outros determinantes, faz com que nos entreguemos a um consumismo imediato,
motivado pelas respostas rápidas de satisfação. Mas quase nunca as encontramos e
prosseguimos na ânsia por atingir a satisfação o mais breve possível. A busca adversa
e a falta absorção da informação faz com que recorramos às mais variáveis forma de
escapismo. Desde compras compulsivas ao excesso de álcool ou drogas, tudo que
conduza para a desejada realidade, rota que poderá produzir, ao longo dos anos, uma
real ameaça à teia social. Assim, sabe-se que na questão da drogadição, o risco aos
usuários e à sociedade vem crescendo alarmantemente pela falta de limites e pelos
abusos. No presente número da RevInter, artigos alertam para os riscos toxicológicos.
Em especial, o artigo de Lolita Tsanaclis e colaboradores “Análise de drogas em
cabelos ou pêlos”, aponta a vantagem da análise de drogas naquela matriz, muito mais
capaz de monitorar a abstinência de drogas, de mostrar tendência de um hábito e de
identificar quais drogas foram usadas durante período de detecção que pode cobrir
vários meses. Tal artigo, seguramente, já se posiciona como fixador de novo paradigma
analítico para a tão necessária vigilância toxicológica do uso de drogas. Enfim, prezado
leitor, é pela qualidade e seriedade que persegue e pela atualização e oportunidade de
seus artigos que a RevInter vem conquistando um sólido lugar junto ao público de
especialistas e estudantes da Toxicologia. Como se pode muito bem constatar nas
estatísticas do próprio portal www.intertox.com.br, a revista em seus sete números
registra médias de 2095 visitas por mês e 299 visitas por número por mês, com um
total, até a presente data, de 58672 acessos.
Boa leitura!
Morgana Oliveira
Bibliotecária
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Irene Videira Lima
Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal
Toxicologista do IML-SP por 22 anos.
Eduardo Athayde
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Toxicologista do IML-SP por 22 anos.
Eustáquio Linhares Borges
Mestre em Toxicologia (USP), ex-Presidente da
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Marcus E. M. da Matta
Doutorando em Ciência pela Faculdade de
Medicina USP. Especialista em Gestão
Ambiental (USP). Engenheiro Ambiental e
Turismólogo.
Fausto Antonio de Azevedo
Mestre em Toxicologia USP, ex-Diretor Geral
do Centro de Recursos Ambientais do CRA-BA,
ex-Presidente do CEPED-BA, ex-Subsecretário
do Planejamento, Ciência e Tecnologia do
Estado da Bahia.
Moysés Chasin
Farmacêutico-bioquímico
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especializado em Laboratório de Análises
Clínicas e Toxicológicas e de Saúde Pública.
Ex-Perito Criminal Toxicologista de classe
especial e Diretor no Serviço Técnico de
Toxicologia Forense do Instituto Médico Legal
da SSP/São Paulo. Diretor executivo da
InterTox desde 1999.
Ricardo Baroud
Farmacêutico-Bioquímico Toxicólogo, Editor
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Revista Baiana de Tecnologia.
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Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises
Toxicológicas
(USP),
Pós-doutorado
em
Química Analítica (UNICAMP), FarmacêuticaBioquímica Universidade Federal de Alfenas
MG.
João S. Furtado
Doutor em Ciências (USP), Pós-doutorado
(Universidade da Carolina do Norte, Chapel
Hill, NC, EUA).
José Armando-Jr
Doutor em Ciências (Biologia Vegetal) (USP),
Mestre (UNICAMP), Biólogo (USF).
Sylvio de Queiroz Mattoso
Doutor em Engenharia (USP), ex-Presidente do
CEPED-BA.
Revisão
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Análises de drogas em cabelos ou pêlos
Lolita M. Tsanaclis
Farmacêutica-bioquímica FCF/USP; Mestre em Análises Clínicas
FCF/USP e doutorado em Farmacologia (Universidade do País de Gales,
Reino Unido). Especialista na análise de drogas no sangue, soro, urina e
tecidos desde 1979 e cabelos desde 1993.
Foi um dos diretores
fundadores da TrichoTech Limited, onde foi o Director do Laboratório até
2008. Atualmente é Diretora da Cansford Associates e Cansford
Laboratories Limited. Membro da Sociedade of Hair Testing (SOHT), do
London Toxicology Group (LTG) e da The International Association of
Forensic Toxicologists (TIAFT). Endereco: Cansford Laboratories
Limited, The Cardiff Medicentre, Heath Park, Cardiff, CF14 4UJ, Reino
Unido; E-mail: [email protected]
John F.C. Wicks
Químico, University of Aston, Birmingham, Reino Unido, Mestrado em
Clinical Biochemistry, University of London, Reino Unido, Idealizador e
fundador da TrichoTech em 1993 onde foi o Managing Director ate 2008,
Atualmente é Managing Director da Cansford Laboratories Limited e
Cansford Associates Limited. Membro da Association of Clinical
Biochemists (ACB). Drug Information Association, The International
Association of Forensic Toxicologists (TIAFT), The London Toxicology
Group Society of Hair Testing (SOHT). E-mail: [email protected]
Alice A. da Matta Chasin
Farmacêutica-bioquímica FCF/UNESP; Doutora em Toxicologia e Mestre
em Análises Toxicológicas FCF/USP; Professora Titular de Toxicologia e
Coordenadora da Área de Saúde do Centro de Pós-Graduação das
Faculdades Oswaldo Cruz; Perito Criminal Toxicologista do IML/SP
(1976-2004); Professora e Orientadora do Programa de Pós Graduação
em Toxicologia e Análises Toxicológicas da FCF/USP. Especialista em
Drogas de abuso com título conferido pela ONU (Organização das Nações
Unidas - Divisão de Narcóticos). Professora concursada de Toxicologia
Forense da Academia de Polícia de São Paulo. Presidente da Sociedade
Brasileira de Toxicologia biênio 2003-2004. Membro da AAFS (American
Academy of Forensic Sciences). Representante no Brasil do TIAFT (The
International Association of Forensic Toxicologists). Consultora da
Intertox Ltda. E-mail: [email protected]
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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Revisão
RevInter
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Resumo
A compreensão das características e benefícios do uso de amostras de
cabelo na análise de drogas expandiu-se muito nos últimos anos com a publicação
de vários estudos e revisões científicas. A análise em amostras de cabelo fornece
uma visão integrada do uso de drogas ou abstinência por um período de tempo
relativamente mais prolongado (semanas ou meses) do que na urina ou saliva que
por sua vez mostram alterações transitórias nos níveis de drogas no organismo
durante um curto período de tempo (horas). A longa janela de detecção levou ao
aumento dramático na utilização de amostras de cabelo na detecção do uso de
drogas. A análise do cabelo é utilizada em uma ampla variedade de instituições
como clínicas, Serviços Sociais na proteção de crianças e família, em situações de
admissão e controle em funcionários, por exemplo, nas corporações. Policiais e em
várias outras organizações para a realização de testes no local de trabalho onde
os riscos associados ao uso de drogas são considerados muito importante. A
grande vantagem da análise do cabelo é que é muito mais capaz de monitorar a
abstinência de drogas. Um benefício adicional da análise do cabelo é o de fornecer
uma janela retrospectiva de detecção capaz de mostrar tendência de um hábito e
identificar quais drogas foram usadas durante período de detecção que pode
cobrir vários meses. No entanto, os níveis de analitos detectados no cabelo podem
ser empregados como um guia para as mudanças de uso de drogas, quando a
análise é realizada ou dois períodos diferentes e comparados no mesmo indivíduo.
Esse atributo pode ser utilizado para monitorar o perfil de uso de drogas,
demonstrando aumentando ou diminuições de doses utilizadas pela mesma
pessoa por longos períodos. Outra vantagem dos testes de cabelo é que amostras
subsequentes podem ser colhidas posteriormente e o mesmo período ser retestado, desde que o cabelo não tenha sido cortado. Um teste de cabelo pode
fornecer informações úteis como confirmar ou não se o individuo tem o hábito de
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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Revisão
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usar drogas, posteriormente a um resultado de urina positivo, por exemplo, no
local de trabalho.
Palavras-chave: Análise de drogas. Cabelo. Urina. Saliva. Espectrometria de
massas. Cromatografia.
Abstract
The understanding of drug testing in hair has grown greatly in recent
years with the publication of many scientific studies and reviews. Whilst urine or
oral fluid drug levels show transient changes in levels of drugs in the body over a
short period (hours), the analysis of hair samples provides an integrated picture
of drug use or abstinence over a much more extended time frame (weeks or
months). This has led to the dramatic increase in the use of hair samples in the
detection of drug use. Hair analysis has developed a valuable place in a wide
variety of sectors such as clinics, family law firms, the police and various
organisations for workplace testing where the risks associated with drug use are
considered too important to use a less sensitive form of testing. Indeed a major
advantage of hair analysis is that it is much more able to monitor drug
abstinence. Another major benefit of hair analysis is in providing a retrospective
window of detection able to show trend of a habit over time and identify what
drugs were used over an approximate time window. Each result obtained when
hair samples are tested for drugs represents the integrated value for
approximate period covered by each section of hair. The levels of drugs detected
in hair are currently best used as a guide to changes of use in the individual
when sectional analysis is performed or two different periods are compared in the
same individual. This attribute can be used to monitor drug use patterns,
demonstrating increasing or decreasing doses being used by the same individual
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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over longer time periods. Another advantage of hair testing is that a subsequent
sample could be taken and similar period being re-tested, provided the hair has
not being cut short. A hair test can provide useful information after positive
urine or oral fluid, on the drug habit of an individual, particularly in the
workplace setting or for cause testing.
Keywords: Drug analysis. Hair. Urine. Saliva. Mass spectrometry.
Chromatography.
Análise de drogas
A determinação de analitos (xenobióticos, fármacos, drogas ou metabólitos)
em fluídos e tecidos tem sido utilizada há muitos anos em áreas diversas como na
monitorização em clínicas de reabilitação e hospitais, em toxicologia incluindo seu
aspecto forense/médico-legal ou por empresas, em todas elas, com finalidades
especificas.
A análise de drogas, lícitas e ilícitas, em amostras de urina passou a ser
amplamente utilizada nos EUA nos anos 80 principalmente pelo setor
empresarial, onde cada vez é mais comum e aceita a utilização da triagem de
drogas principalmente nos setores onde há atividades de riscos de acidentes
(exemplos: indústria pesada, aviação, indústria de transportes como, por
exemplo, caminhoneiros, petrolífera ou marinha mercante) e também como parte
da política de saúde e segurança geral dos empregados. Provavelmente tal fato se
deva à crescente preocupação do setor empresarial frente às estatísticas de
acidentes no ambiente de trabalho resultantes do uso de drogas incluindo o
álcool. Nos EUA e na Europa, é prática comum empregadores exigirem o teste
pré-admissional com o objetivo de identificar aqueles indivíduos que possam
significar risco à segurança de si próprios e de outros (JENKINS, 2009). O
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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objetivo de tal prática é o de é diminuir os riscos no ambiente de trabalho que
causam sérios impactos econômicos (da ordem de milhões de dólares) e sociais
devido ao uso de drogas. Esse alto custo está relacionado com a perda de
produtividade devido ao absenteísmo, atrasos e do aumento do número de
acidentes de trabalho e de ações trabalhistas. Dezenas de milhões de
trabalhadores são testados para drogas ilícitas anualmente em várias situações
no ambiente de trabalho seja por demanda óbvia, por exemplo, pós-incidente ou
pós-acidente
porém
mais
comumente
na
etapa
pré-admissional
ou
randomicamente.
Consequentemente, devido a esta extensa demanda, a indústria de análise
de drogas expandiu rapidamente nos anos 90 e paralelamente a essa expansão
houve também o avanço tecnológico empregado na detecção de drogas, não só as
ilícitas como também as lícitas e seus metabólitos. Testes rápidos com base na
tecnologia imunoquímica e a introdução da espectrometria de massas acoplada ao
cromatógrafo a gás foram catalisadores desta expansão. Hoje com o avanço da
tecnologia dos kits de detecção instantânea de drogas em fluidos biológicos e a
introdução de instrumentos cada vez mais sofisticados como o espectrômetro de
massas, houve mudança significativa tanto no aspecto técnico-científico como na
política da detecção de drogas.
Matrizes biológicas utilizadas
Estudos farmacocinéticos dos xenobióticos no organismo mostram que, via
de regra, há uma extensa distribuição dos mesmos e de seus metabólitos ou
produtos de degradação entre os vários fluídos biológicos. Após a ingestão de
drogas ocorrem os processos de absorção, distribuição, metabolismo e eliminação
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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das mesmas e dos respectivos produtos de biotransformação (Figura 1).
Figura 1: Vias de absorção, distribuição e eliminação dos xenobióticos no organismo.
A distribuição é feita através da circulação sanguínea, que é o principal
veículo de distribuição de nutrientes, drogas e metabólitos. A relação entre os
diversos fluídos e material biológico vai depender dos parâmetros cinéticos de
cada substância como, por exemplo, volume de distribuição, lipofilidade, meiavida e outros fatores farmacocinéticos. O conhecimento desses parâmetros
embasa a escolha do material (matriz) que irá constituir a matriz analítica para a
análise de determinadas drogas.
A utilização de fluídos biológicos é universalmente aceita para o
diagnóstico de uso de drogas, porém, tradicionalmente, amostras de sangue ou
urina têm sido mais comumente usadas nesta detecção. Amostras de sangue,
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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consideradas invasivas, são menos usadas devido às limitações quanto à coleta,
posto que devem ser colhidas por especialistas. São, em geral, utilizadas em casos
específicos, como por exemplo, em estudos farmacocinéticos ou dosagem de álcool.
Nos primórdios das análises de drogas, a urina era a única matriz de escolha
devido à relativa quantidade de amostra obtida e pelas concentrações detectáveis
pela tecnologia então usada. Continua sendo a amostra mais comumente
empregada pelos mesmos motivos, isto é pela quantidade ampla de amostra
obtida e pelos níveis relativamente altos de concentrações detectáveis, o que
facilita a análise laboratorial. Além disso, é considerada amostra “não invasiva”.
No entanto, com o aprimoramento e sofisticação dos instrumentos
utilizados o emprego de amostras alternativas como a saliva (fluido oral) começou
a ser cada vez mais usado, principalmente devido à simplicidade da coleta da
amostra (CONE et al, 2007; BOSKER et al, 2009).
De maneira semelhante, o mesmo avanço tecnológico permitiu a detecção
da presença dos níveis relativamente baixos de drogas e metabólitos presentes
em amostras de cabelo e então os testes nesta matriz começaram a ser utilizados
rotineiramente nos anos 70 nos EUA onde seu uso expandiu nos anos 80 e logo a
seguir foram introduzidos na Europa (JURADO et al, 1997; BAUMGARTEN e
KIPPENBERGER, 1999; WENING, 2000; CAIRNS et al, 2004; KINTZ, 2006,
TSANACLIS e WICKS, 2007). Nas duas últimas décadas houve um aumento
dramático no estudo e caracterização do uso de drogas através da análise de em
cabelo com a consequente publicação de vários estudos e revisões científicas da
analise de drogas nessa matriz (MONTORO et al, 2007; KINTZ et al, 2006;
PRAGST e BALIKOVA 2006). (AKRILL e MANSON, 2004; DANIEL e
PIRACCINI et al 2004; IRVING e DICKSON 2007; MARI et al, 2008; VALENTECAMPOS e YONAMINE, 2006).
O motivo desse reconhecimento técnico-científico deve-se ao fato que tanto
a urina como a saliva produzem espectros transitórios de uso de drogas por um
período relativamente curto refletindo o uso ocorrido horas antes da coleta da
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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amostra (24-48 horas). Em contraste, os fâneros cutâneos que compreendem os
cabelos e pêlos (incluindo unhas, porém não abordadas neste artigo), ou seja,
aquelas matrizes compostas basicamente por
queratina, fornecem
uma
informação de uso ou abstinência por um período relativamente bem maior, da
ordem de semanas ou meses. A comparação entre as várias matrizes comumente
utilizadas na análise de drogas em relação às janelas de detecção de drogas está
expressa na Figura 2.
Figura 2: Janela de detecção de drogas em várias matrizes
O principal benefício da análise do cabelo é a longa janela de detecção que
é capaz de mostrar a exposição pregressa
e a tendência de um hábito
retrospectivamente além de identificar as drogas que foram consumidas. A
evasão, isto é, esconder a detecção de drogas, como adulteração da amostra a ser
testada, comum quando a urina é utilizada, fica dificultada, senão impossível,
quando se trata de amostras de cabelo.
Como já citado, a análise de cabelo é utilizada por uma ampla variedade de
organizações como as que tratam de dependência de drogas, clínicas, hospitais,
polícia (forense), clubes desportivos, Serviços Sociais e tem sido cada vez mais
utilizada no ambiente de trabalho principalmente em situação pré-admissional
(KINTZ, 2006; TSANACLIS e WICKS, 2007). A análise de drogas em cabelo tem
sido utilizada também, há muitos anos, no tratamento e reabilitação de usuários,
permitindo assim a verificação da aderência ao tratamento clínico e,
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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Revisão
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conseqüentemente, facilitando a verificação pelo médico e o sucesso da terapia
(BREWER, 1990; BREWER 1993).
Porquanto seja difícil o nexo causal (relação de dose utilizada e a
concentração
em
determinado
segmento
de
cabelo)
exato
em
termos
quantitativos, quando a análise de drogas no cabelo é realizada em dois ou mais
segmentos, ou seja, períodos diferentes, os níveis de drogas detectadas permitem
a verificação de mudanças no hábito, em um mesmo indivíduo. Esse atributo pode
ser usado para monitorar o hábito de uso de drogas, pois ajuda a monitorar, por
exemplo, o sucesso do tratamento em clínicas de recuperação por demonstrar o
uso, aumento ou diminuição de doses utilizadas pelo mesmo indivíduo durante
longos períodos de tempo, facilitando assim o tratamento clínico e melhorando a
relação a paciente com o médico.
Além de clínicas de reabilitação e hospitais, a Polícia (em particular, na
área médico-legal), seguradoras, empresas na área de medicina ocupacional e
entidades de classe, são os principais setores que utilizam este tipo de análises. O
exame do cabelo é aceito pelo sistema jurídico dos EUA e em vários países
Europeus onde tanto o Juiz como a promotoria ou defesa requerem a análise de
drogas regularmente em casos de interesse legal. Exemplos são os casos onde
existe a necessidade de se saber se uma pessoa é usuária ou não drogas em geral
em casos associados à proteção de menores ou em disputas de custódia
(TSANACLIS e WICKS, 2007; TAGUCHI et al, 2007; PAPASEIT et al, 2010).
Abaixo seguem três ilustrações típicas da variedade de aplicações de teste
de drogas através do uso das diferentes matrizes biológicas no ambiente de
trabalho:
a) Em indústrias/instituições de alto risco onde seja necessário obter
informação confiável se o candidato ao cargo é um usuário regular de drogas (ou
não). Nesses casos de teste "pré-admissional" utiliza-se amostra de cabelo
preconizando-se a cobertura de um período de três meses (ideal porque o
candidato terá de se abster de drogas por 3 meses para que o teste seja negativo).
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
v. 4, n. 1, p. 06-46, fev. 2011.
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A maioria das indústrias, no entanto, ainda usa a urina na triagem de drogas
como requisito para o teste de admissão por causa da percepção de um alto custo
associado com o teste de cabelo. No entanto, esta percepção é ilusória, pois uma
amostra de cabelo cobrindo um período de aproximadamente 3 meses é
equivalente a 18 testes de urina para poder cobrir o período continuamente o uso
ou não de substâncias. Além disso, pelo período de abstinência que a matriz urina
pode elucidar faz desse teste admissional um equívoco conceitual relativo à
finalidade a que se destina.
b) Em indústrias/instituições que necessitem saber se determinada pessoa
encarregada (por exemplo, um funcionário que trabalha em regime de plantão) de
exercer tarefas específicas apresentam drogas em seu sistema ou está sob a
influência de drogas que possam prejudicar seu desempenho ou colocar outras
pessoas em risco. Estes são geralmente os testes de drogas chamados
“aleatórios/randômicos” e que visam a verificação do uso recente. O uso da saliva
(fluido oral) é o ideal nesses casos, porque quando as drogas estão presentes em
amostras de fluido oral na realidade reflete o uso de drogas nas últimas 24 horas,
muito pertinentes na avaliação de incapacidade.
c) Em situações “pós-acidente”, tanto a urina como a saliva (fluido oral) são
os mais adequados para avaliar o comprometimento da atenção do indivíduo. No
entanto, um teste de cabelo pode ser útil por ser capaz de possibilitar a
verificação se o indivíduo que teve um teste de urina ou fluido oral positivo é, na
realidade, um usuário regular da drogas ou se o resultado positivo reflete apenas
a um único episódio de uso circunstancial.
Hoje em dia o uso das três matrizes: urina, saliva e cabelo, são amplamente
aceitos tanto nos meios científicos como comerciais e a utilização de cada uma das
matrizes são específicos para cada situação visto serem elas complementares. Já
está bem estabelecido que não existe a melhor amostra para a análise de drogas,
mas sim a amostra ideal para determinada finalidade. No Quadro 1 encontram-se
exemplos não exaustivos do uso das diferentes matrizes salientando as situações
TSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
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em que cada uma delas é mais apropriada. Por exemplo, em caso de acidente, o uso
do cabelo é irrelevante no estabelecimento do nexo causal entre o indivíduo estar
ou não sob influência de drogas no momento do acidente.
Quadro 1: Finalidades de utilização para as matrizes urina, saliva e cabelo.
Situação
Urina
Saliva
Cabelo
Randomização
(verificação de uso
durante o período de
Útil quando usado em conjunto
Mais apropriado
Mais apropriado
trabalho) dentro da
com um resultado positivo na
urina.
empresa
Pré-admissional
Mais apropriado
Seguradoras
Mais apropriado
Médico-legal/Medicina
Depende de cada caso
Depende de cada caso
Forense
especifico
especifico
Proteção à criança e
Depende de cada caso
Depende de cada caso
custódia
especifico
especifico
Clinicas de reabilitação
Depende de cada caso especifico
Mais apropriado
Mais apropriado
Principais vantagens da análise de drogas no cabelo
É importante salientar que os benefícios e limitações dos testes para cada
matriz sejam considerados antes de utilizar o cabelo para o teste. É necessário se
estabelecer a finalidade específica de teste a priori antes de se fazer a escolha da
matriz a ser utilizada.
Como as drogas utilizadas e os metabolitos permanecem fixos, aprisionados
no cabelo por tempo indeterminado (mecanismo explicado abaixo), à medida que o
cabelo cresce aumenta a longa janela cronológica de detecção (KRONSTRAND e
SCOTT, 2006).
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cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
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A comparação com outras matrizes deve-se dar à luz dos conhecimentos de
toxicocinética. Assim, a análise de drogas de abuso na urina ou fluido oral fornece
a evidência do consumo nos últimos 24-48 horas. Como o cabelo cobre um longo
período de uso, é plausível que uma amostra de cabelo seja positiva e que um
exame de urina do mesmo indivíduo seja negativo. Claro está que a urina e saliva
são fluidos que demonstram exposição recente enquanto o cabelo (ou pêlos) a
pregressa.
É possível também se obter uma indicação aproximada da freqüência do
uso ao se analisarem múltiplos segmentos do cabelo (TSANACLIS e WICKS,
2007). Cada segmento representa então blocos de várias semanas possibilitando a
avaliação do perfil de uso da drogas, como por exemplo, uso de maiores ou
menores quantidades durante um período prolongado de tempo. Uma das
vantagens da utilização do cabelo na análise de drogas é a possibilidade de se
verificar uma diminuição da dose de droga em relação a outros períodos bem
como a abstinência total do uso.
Outra vantagem está na coleta da amostra. A coleta de cabelo é simples,
não invasiva e mais dignificante do que a coleta de urina, a qual é usualmente
supervisionada para garantir que não ocorram fraudes durante a mesma. Ainda
outra e importante vantagem do uso de cabelo na triagem de drogas é a
possibilidade que se tem de colher uma nova amostra que poderá representar um
mesmo período caso haja necessidade de se repetir o teste, desde que o cabelo não
tenha sido cortado.
No Quadro 2 encontram-se algumas vantagens e limitações de cada uma
das matrizes comumente utilizadas na análise rotineira de drogas (CONE, 1993,
AKRILL E MASON, 2004, KINTZ, 2006, MOLLER et al, 2006).
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Quadro 2: Características, vantagens e limitações do uso das matrizes urina,
saliva e cabelo na análise de drogas.
Urina
Saliva
Risco de fraude
Alto
Menor
Janela de detecção
2-4 dias
24 horas
Abstenção para ter um
resultado negativo
2-4 dias
24 horas
Cabelo
Pequeno
Dependendo do
comprimento do cabelo,
meses ou anos
Mínimo 3 meses
Menos suscetível à
fraude.
Coleta fácil e digna.
Facilidade de produção
de amostras A e B para
contraprova.
Envio da amostra pelo
correio é simples e de
fácil armazenamento.
Baixo custo e rápido.
Verifica o uso nos
últimos dias anteriores
a coleta.
Vantagens analíticas e
de interpretação
Volume de amostra
obtido é grande,
facilitando a produção
das amostras A e B para
contraprova.
Concentrações na urina
são altas o que facilita a
detecção pelo
laboratório.
Fácil de colher e mais
dignificante que a coleta
de urina.
Um resultado positivo
provavelmente indica que
o individuo esta sob
influência.
Longa janela de
detecção .
Pode revelar perfil de
consumo de drogas pelo
usuário, e ate certo
ponto, a freqüência do
uso.
Ideal para provar
abstinência.
Uma amostra ao indicar
um perfil de uso ou
abstinência de 3 meses,
equivale a 18 amostras
de urina
Pêlo corporal também
pode ser usado, com a
vantagem de indicar
uma janela de detecção
relativamente mais
longa.
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cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
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Os aspectos mais
criticáveis do uso de
urina incluem a diluição
da mesma através do
consumo de líquidos em
excesso antes da coleta,
da adulteração através
da adição de produtos
químicos e substituição
por amostra negativa.
Coleta desagradável
para o doador e
profissional que coleta
Limitações
Exige que transporte
seja mais especializados
e o armazenamento das
amostras.
Um resultado positivo
não significa
necessariamente "sob
influência".
A quantidade de urina
produzida pelo
organismo humano é
dependente da
quantidade de líquido
ingerida, do fluxo renal
e das condições de
coleta.
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Os kits de coleta ainda
estão por serem
aprimorados.
A quantidade de amostra
de saliva produzida na
coleta é relativamente
pequena.
Apenas analisado em
laboratórios
especializados.
O tempo de análise é
longo, entre 48 horas e
10 dias úteis para se
obter os resultados.
O volume não é
exatamente conhecido
quando a coleta da saliva
é feita em kits de coleta
que contem solução
tampão coletores.
Não é possível saber o
dia exato em que a
droga foi ingerida,
apenas o mês
aproximado.
Exige que o transporte
seja mais especializado e
o armazenamento das
amostras
O uso de cosméticos e
tinturas no cabelo
afetam os resultados
devido a perdas durante
o tratamento.
A quantidade de saliva
produzida na boca é
dependente do pH e do
fluxo salivar.
Quando o pêlo corporal
é utilizado, não é
possível analisar a
amostra em segmentos
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Bases biológicas do cabelo sob a perspectiva de análise de drogas e dos
analitos enfocados
A pesquisa científica atual indica que os vários analitos se depositam no
cabelo através de várias maneiras, principalmente através da corrente
sanguínea, mas também pode ocorrer através da transpiração e da oleosidade da
pele (KRONSTRAND e SCOTT, 2006). Cada folículo de cabelo tem seu próprio
suprimento de sangue. A cobertura externa do cabelo, conhecida como cutícula,
geralmente protege o córtex e ajuda a tornar o cabelo extremamente resistente e
durável. À medida que o cabelo cresce, drogas e metabólitos são incorporados na
porção interna do cabelo, conhecida como córtex , e lá permanecem fixas,
“aprisionadas”.
O cabelo cresce a uma taxa razoavelmente constante de um centímetro por
mês, com um intervalo de 0,7-1,5 cm (SOHT, 1997). Análise de segmento de um
centímetro de comprimento fornece um perfil integrado do uso de drogas ao longo
de um período de um mês. Demora cerca de 5-6 dias para o que cabelo cresça da
raiz para aparecer acima do couro cabeludo e, portanto, estar disponível para a
detecção. À medida que o cabelo cresce e novas doses são ingeridas (ou não), o
cabelo passa a funcionar como uma fita cassete ou caixa-preta, registrando a
história de consumo (ou abstinência) de drogas. Este atributo faz com que o
principal benefício da análise do cabelo seja o de ser capaz de mostrar a tendência
do hábito de uso de drogas ao longo da longa janela de detecção e identificar as
drogas que foram utilizadas dentro de um período ou períodos sucessíveis.
Durante o seu ciclo de vida, cada fio de cabelo da cabeça passa por três
fases distintas. Essas fases são denominadas: anágena (a fase de crescimento),
catágena (a fase intermediária) e telógena (a fase de queda)(KRONSTRAND e
SCOTT, 2006). O ciclo do cabelo pode durar anos. A fase anágena é a fase de
crescimento ativo e dura entre três e sete anos.
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O exame de cabelo pode ser feito com amostras não apenas da cabeça, mas
também com pêlos de qualquer parte do corpo. É comum a análise de drogas em
amostras de pêlos da axila, do peito e de pêlos pubianos. Entretanto, fica mais
difícil determinar o período de exposição à droga com pêlos corporais, em
comparação com o cabelo. Devido a estas características biológicas, o pêlo
corporal não é analisado em segmentos para produzir um perfil mensal
semelhante ao do cabelo.
Se por um lado a utilização do pêlo corporal na detecção de drogas não é
tão vantajoso quanto a utilização de cabelos do ponto de vista da determinação do
perfil de uso através da segmentação, por outro lado, ela tem a vantagem de
permitir constatar abstinência durante um longo período.
Coleta e cadeia de custódia
A coleta de amostras de cabelo é uma das fases mais críticas do exame
toxicológico para a garantia da integridade de todo o processo. Para a correta
identificação e integridade da amostra é necessária a verificação da identidade do
doador para garantir que não ocorreu falsificação adulteração. Este processo
requer documentação apropriada é o primeiro elo no que se refere a como a cadeia
de custódia. Cadeia de custódia é o registro de todos os dados e detalhes de todas
as etapas do processo desde a coleta, etapas analíticas até a emissão dos
resultados, que podem ser reconstruído em uma data posteriormente fornecendo
todas as informações necessárias para a documentação da análise. Esses
procedimentos devem ser documentados e possibilitar o rastreamento de todas as
operações realizadas em cada amostra desde sua coleta até o descarte. É o
registro administrativo de todos os passos visando fornecer evidências
defensáveis quanto à preservação da amostra, garantia da confidencialidade e
validade dos resultados.
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A cadeia de custódia estabelece uma relação única, codificada, entre a
pessoa e sua amostra biológica e constitui prova escrita do ocorrido entre a coleta
e a emissão do resultado Deve estar consubstanciada em formulário próprio, o
assim chamado “formulário de cadeia de custódia” (FCC).
O FCC é o termo usado para o processo de documentar o manuseio e
armazenamento da amostra do cabelo do momento em que o doador o fornece
para o coletor até que ela seja destruída após o final da análise. O formulário é
utilizado para documentar o processo de recolha e da cadeia de custódia da
amostra. O FCC deve possuir no mínimo: uma numeração única de identificação
e incluir: dados do laboratório que executará a análise; dados sobre o doador
(nome, numero de identidade ou CPF); nome do coletor: data e hora da coleta;
declaração do doador do uso atual de medicamentos prescritos; de autenticidade
da amostra; correção de rotulagem e embalagem da amostra e permissão para a
amostra a ser analisada no laboratório; comprimento do cabelo para ser
analisada; a cor do cabelo; tratamento cosmético do cabelo.
A coleta do cabelo para análise se faz através do corte rente ao couro
cabeludo, nunca deve ser arrancado. A análise em cadáveres pode ser feita com
cabelo arrancado que por sua vez apresenta a raiz que pode ser analisada
separadamente.
Preparação das amostras, análise e armazenamento
A análise do cabelo passa por duas etapas básicas. Na primeira etapa, o
cabelo é dividido em segmentos de acordo com a necessidade do teste. Os
segmentos podem medir um centímetro, para revelar o histórico mais detalhado
de mês a mês, como também podem ser segmentos mais longos, por exemplo,
medir três centímetros para um histórico abrangendo um período mais longo.
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A matriz cabelo requer uma fase de descontaminação antes da extração de
drogas através da digestão do cabelo e extração com solventes. Em geral, uma
estratégia de descontaminação pode ser com solventes orgânicos, ou por lavagens
aquosas, mas cada laboratório possui critérios, que devem ser validados, de
lavagem.
Embora os processos analíticos usados na análise de drogas no cabelo
sejam semelhantes aos usados na análise de drogas em urina, os níveis
encontrados são cerca de 200 a 300 vezes em media mais baixos, o que requer
tecnologia compatível com análise residual.
Vários
procedimentos
de
extração
foram
publicados
(PRAGST
e
BALIKOVA 2006; TSANACLIS e WICKS, 2007). Estes incluem incubação ácida,
alcalina, metanólica ou enzimática. Alguns laboratórios optam por uma triagem
imunoenzimática seja por ELISA (Enzyme-linked immunosorbent assay) seja RIA
(radioimminoassay), em que as amostras presuntivamente positivas precisam ser
confirmadas com um segundo método diferente, geralmente GC-MS ou LC-MS. A
análise dos extratos subseqüentemente à purificação é, via de regra, feita através
de cromatografia líquida ou em fase gasosa acoplada a detector de espectrometria
de massas (também referida como LC-MS ou GC-MS) para confirmar e identificar
o(s) analitos(s). O processo envolve a limpeza das amostras utilizando extração
com cartuchos de fase sólida (SPE) e técnicas de derivação quando necessário.
Os espécimes devem ser armazenados para o período de tempo acordado
com o cliente de forma segura. Os cabelos secos devem ser armazenados no escuro
e à temperatura ambiente.
Cut-offs (valor de corte)
O termo “cut-off” em inglês, traduzido como “valor de corte”, mas
comumente usado na sigla em inglês pela comunidade científica. Valores de cutTSANACLIS, Lolita M.; WICKS, John F.C.; CHASIN, Alice A. da Matta. Análises de drogas em
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off, são valores numéricos determinados no processo de validação dos métodos
analíticos ou sugeridos por sociedades científicas aos quais resultados analíticos
são comparados e que orientam as conclusões para a interpretação final dos
resultados. Quando os resultados da análise encontram-se abaixo dos valores
estabelecidos como sendo os de “cut-off”, os mesmos são considerados como “Não
Detectados” ou “Negativos”, sendo que
valores acima são considerados
“Detectados” ou “Positivos”.
No caso da urina e da saliva (fluido oral), os níveis de cut-offs são usados
com
a
finalidade
de:
1)
minimizar
a
detecção
de
drogas
ingeridas
involuntariamente (de forma passiva), como é o caso das drogas que são fumadas;
2) eliminar a detecção de drogas utilizadas em períodos anteriores ao de interesse
(por exemplo, eliminar a detecção de drogas usadas no fim de semana, fora do
ambiente de trabalho). Esta é uma abordagem muito prática no ambiente de
trabalho, onde é importante saber se um indivíduo está sob a influência de drogas
ou não, para minimizar assim risco de acidentes aos colegas e ao público em
geral, além do próprio indivíduo. Nestes casos há sempre a necessidade de um
médico especializado nesse assunto, (“MRO” do inglês Medical Review Officer)
para interpretar do ponto de vista clínico o resultado (AKRILL e MANSON,
2004). O MRO é um médico que pode emitir um relatório negativo para uma
análise positiva baseado em consulta com o doador em questão, ou então com o
Toxicologista do laboratório através das informações fornecidas pelo doador no
momento da amostragem (por exemplo medicação prévia). Enquanto a necessária
competência, experiência e percurso de acreditação para realizar um papel de
MRO são bem definidas, nos EUA, eles são menos estritas que no Reino Unido e
União Européia, mas no Brasil o figura do MRO ainda não foi introduzida.
Na prática, isto significa que resultados na urina podem ser relatados como
“Negativos” mesmo quando o uso de drogas tenha sido detectado, quando os
valores se encontram abaixo do cut-off.
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Na análise de drogas no cabelo, o principal objetivo dos níveis de cut-offs, é
o de minimizar a detecção de drogas usadas em períodos anteriores ao período de
interesse. Por exemplo, caso haja interesse em se verificar a história de consumo
nos meses anteriores à data da coleta, mas não há interesse no perfil anterior.
Um exemplo típico: em alguns países da Europa a análise de o cabelo é
frequentemente utilizada pelos Departamentos Governamentais de Trânsito em
situações em que a carteira de motorista tenha sido cancelada devido ao uso de
drogas do motorista e casos de um prévio incidente ou acidente. Nestes casos a
análise de cabelo é utilizada para que o indivíduo possa demonstrar que não usou
drogas por 6 meses e ter, portanto, a sua carteira de habilitação restituída. Na
prática os valores de cut-offs para a análise do cabelo, são estabelecido na
validação de determinado método e estão próximos aos limites de quantificação
do método analítico.
Analitos comumente analisados e níveis encontrados
Os grupos de drogas mais comumente analisados com os respectivos cutoffs
recomendados
pelo
Substance
Abuse
&
Mental
Health
Services
Administration (SAMSHA), (CONE et al.2007), e pela Society of Hair Testing
(SOHT, 1997) para os testes confirmatórios na urina, saliva e cabelo,
respectivamente, encontram-se na Tabela 1.
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Tabela 1: Drogas e metabólitos comumente analisados com os respectivos cutoffs recomendados.
Grupo
Anfetaminas
Benzodiazepínicos
Drogas e
metabolitos
Anfetamina
MDMA (Ecstasy)
MDA
Metanfetamina
Diazepam
Lorazepam
Nordiazepam
Oxazepam
Delta-9tetrahidrocanabinol
Canabinóides
(THC)
11-Nor-D9-THC-9Ácido Carboxílico (THC
COOH)
11- hidroxi-D9-THC
Canabidiol
Canabinol
Ecgonina Metilester
Cocaína
Anidra
Benzoilecgonina
Cocaetileno
Cocaína
Opioides
6-acetilmorfina
Acetilcodeína
Codeína
Dihidrocodeína
Heroína
Morfina
1 SAMSHA; 2 CONE et al 2007; 3 SOHT, 1997
Urina1
(ng/mL)
500
500
500
500
Cut-offs
Recomendados
Saliva2
(ng/mL)
40
40
40
40
Cabelo3
(ng/mg)
0.2
0.2
0.2
0.2
100
100
100
100
1
1
1
1
0.05
0.05
0.05
0.05
-
1
0.1
15
-
0.5
0.5
1
1
0.0002
0.0002
0.1
0.1
150
10
2000
2000
2
2
2
2
1
1
10
5
1
10
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
0.2
Os valores de cut-off das diferentes matrizes, usualmente, refletem os
níveis de drogas que são encontrados nas mesmas. No cabelo, por exemplo, os
níveis encontrados de cocaína e de seu principal metabólito a benzoilecgonina, em
um levantamento de mais de 7.000 amostras de cabelo, em 99% dos resultados
encontrados estavam na faixa de 0.2 a 159.9 e de 0.1 a 36.1 nanogramas por
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miligrama de cabelo respectivamente (TSANACLIS e WICKS, 2007). No mesmo
estudo, 99% nos resultados dos níveis encontrados do metabolito do Delta-9tetrahidrocanabinol (THC), o 11-Nor-D9-THC-9-Ácido Carboxílico (THC COOH),
estavam na faixa de 0.001 a 0.052 nanogramas por miligrama de cabelo. O que é
notável é a diferença de níveis entre cocaína e THC COOH no cabelo. Esta
diferença se deve à taxa de incorporação dos analitos no cabelo, sendo a cocaína
com uma capacidade 3.600 maior de incorporação no cabelo que o THC COOH
(NAKAHARA et al, 1995). Essas particularidades para cada analito dependem
dos parâmetros cinéticos dos diferentes xenobióticos.
A diferenciação entre o uso ativo de drogas e contaminação externa
Apenas quando os metabólitos são detectados no cabelo (ou no fluido oral),
por exemplo, o THC COOH ou a benzoilecgonina no caso da maconha ou cocaína,
respectivamente, pode-se atestar sem sombra de dúvidas o uso das mesmas
drogas. Vale a pena ressaltar que um resultado onde apenas a cocaína ou THC
são detectados sem os respectivos metabólitos não é necessariamente prova
absoluta de que as drogas foram usadas, apenas a prova de uma associação das
drogas com o individuo, mas não se pode ter certeza que elas foram usadas pelo
mesmo, mas sim uma indicação de exposição no meio ambiente. Quando as
pessoas estão próximas aos fumadores de drogas, é possível que parte da droga
fumada possa se depositar na parte externa do cabelo.
A diferenciação entre a exposição sistêmica e contaminação externa é,
portanto importante na análise de drogas em cabelo (CAIRNS et al, 2004;
STOUT et al, 2006). Contaminação externa é uma possibilidade com amostras de
cabelo, em situações onde drogas são externamente depositadas no cabelo, ou
pela fumaça ambiental ou, o que é mais razoável, pelo fumo dos próprios
usuários. O cabelo das pessoas que fumam crack, heroína ou canabis serão mais
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suscetíveis ao fumo ambiental do seu próprio uso, mas potencialmente, as
pessoas ao seu redor podem ser também afetadas.
A detecção de metabolitos é a principal abordagem nos testes de cabelo
para confirmar uso de drogas e excluir contaminação externa, pois a presença de
ambos em amostras de cabelo confirma uso de drogas posto que demonstra o
metabolismo das mesmas pelo organismo. Dificuldade na interpretação surge
quando metabólitos não são detectados. No caso da maconha e cocaína, por
exemplo,
os
metabolitos
são
incorporados
no
cabelo
em
quantidades
relativamente pequenas em comparação com as drogas precursoras (Tabela 1) e
podem apresentar níveis inferiores aos limites de detecção dos métodos analíticos
o que faz com que os metabólitos possam não ser detectáveis devido às baixas
doses das drogas utilizadas.
No entanto, este problema é contornado facilmente através da análise dos
resíduos da lavagem do cabelo obtidos durante o processo de descontaminação
antes da análise (TSANACLIS e WICKS, 2008). A comparação dos resultados da
amostra e resíduo da lavagem resolve a interpretação dos resultados e
praticamente elimina as dúvidas em relação a esta questão.
Quando as baixas doses são utilizadas, os metabólitos estarão presentes no
cabelo, em níveis muito baixos para serem detectados e somente as drogas
precursoras são capazes de serem detectadas. Um exemplo típico é a detecção de
delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), sem a presença de um dos metabólitos, 11
Nor-delta9-THC-9-ácido carboxílico (THC COOH) ou 11-hidroxi-delta9-THC
(THC OH). Este cenário é comum nos casos onde houve o uso de baixas doses, por
exemplo no uso esporádico de canabis. Nestes casos não é possível ter certeza se a
origem da droga no cabelo é causada pela utilização de baixas doses ou se é
devido à contaminação externa. Estudos mostram que amostras de urina
positivas devido a inalação passiva (ou involuntária) de determinadas drogas
como a maconha é improvável. (CONE et al 1997). Um resultado positivo no
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cabelo das drogas precursoras apenas sem os metabólitos, nestas circunstâncias,
ainda que menos provável, ainda é uma prova de uso contestável.
Segmentação do cabelo
Como o cabelo cresce em média um centímetro por mês, segmentos de um
centímetro quando analisados refletem o consumo de drogas dentro de cada mês
representado por determinado segmento. As análises mais comuns compreendem
períodos de três meses a um ano. Cada resultado obtido quando as amostras de
cabelo são testadas para as drogas representa o valor integrado por um período
aproximado abrangido por cada segmento de cabelo.
O teste de drogas em cabelo diferencia o uso esporádico do uso intenso e
freqüente. Ao contrário da triagem de drogas em urina que apenas indica o uso
ou não de drogas nos dias anteriores à coleta, já que a maior parte das drogas e
metabólitos são excretados completamente 48 horas apos o consumo, o cabelo
permite a detecção do uso de drogas por um período mais longo.
No entanto, não é possível saber exatamente o período de tempo coberto
por uma amostra de cabelo porque as taxas de crescimento do cabelo variam
muito entre os diferentes indivíduos e para o cálculo das datas dos segmentos
analisados pressupõe-se uma taxa de crescimento de 1 centímetro por mês
(SOHT, 1997; SOHT, 2000). Como resultado, a taxa de crescimento real afeta a
data presumida dos segmentos de cabelo.
A janela de detecção depende do comprimento do cabelo, que pode abranger
períodos mais longos, dependendo do comprimento do cabelo. As amostras
também podem ser cortadas em segmentos de 1 centímetro, dois centímetros ou
secções de 3 centímetros. Múltiplos segmentos de 1 centímetro, 2 centímetros ou
secções de 3 centímetros podem ser obtidos para a produção de uma janela de
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tempo de detecção, que pode voltar muitos meses desde que o cabelo seja
suficientemente longo.
Geralmente, a análise de cabelo é usada para identificar o uso da droga nos
três meses anteriores à coleta do cabelo, a partir do quarto ou quinto dia da
coleta. Se o objetivo da análise é descobrir se houve consumo nos últimos dois ou
três dias, a utilização da urina é mais eficaz. Um estudo de avaliação dos padrões
de uso de drogas no Reino Unido pela análise do cabelo em mais de 34.000
amostras de cabelo mostrou que a segmentação de 3 centímetros de comprimento
é a forma de segmentação mais comumente utilizada, muito embora outros perfis
de segmentação também sejam comuns, dependendo da finalidade da análise
(Figura 3) (TSANACLIS e WICKS, 2007).
N
Figura 3: Tipos de segmentação comumente utilizados.
O exame de um único segmento de cabelo permite a verificação se o
individuo fez uso de drogas ou não. Múltiplos segmentos, por outro lado,
permitem a avaliação do perfil do uso de drogas, bem como a detecção de uso
esporádico ou mudanças no hábito ao longo da janela de detecção coberta por
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todos os segmentos. No entanto, a precisão das datas das janelas cronológicas
será menor, mas a prática será útil para estabelecer padrões de uso de drogas ou,
possivelmente, a abstinência.
Muitas vezes, por razões jurídicas, existe a necessidade de se determinar se
as drogas foram utilizadas em um determinado dia do mês. Não é possível, no
entanto, estabelecer o dia em que as drogas detectadas pela análise do cabelo
foram usadas ou tentar correlacionar categoricamente um determinado evento
em particular. Também não é possível estabelecer categoricamente a ligação de
um determinado evento com a presença de drogas no cabelo, por exemplo, um
acidente em uma empresa em um determinado período com a presença de drogas
no cabelo. Neste caso, a evidência é apenas circunstancial.
À parte essas considerações do ponto de vista da utilização de um achado
para se tentar elucidar, por exemplo, um evento médico legal, pode-se pensar a
possibilidade de inferência
circunstancial que o achado pode trazer em
elucidação de um evento médico-legal. Um exemplo para ilustrar esta
problemática se apresenta na elucidação da abordagem sexual sob o efeito de
drogas (do ingles DFSA- Drug Facilitated Sexual Assault).
Kintz et.al (2005)
referem a elucidação da segmentação do cabelo em caso de estupro onde as
concentrações de zolpidem (um hipnótico não-diazepínico de baixa meia-vida
responsável pela amnésia anterógrada) em sangue e urina eram baixas.
A
análise dos segmentos do cabelo mostrou-se esclarecedora do nexo causal
(abordagem sexual sob influência de substância facilitadora do fato) tanto pela
positividade como por propiciar a diferenciação de uma situação de exposição
única daquela de uso terapêutico que seria crônica e, portanto, presente ao longo
de todo o segmento.
Os níveis de drogas detectados tanto no cabelo como em urina ou fluido
oral não são correlacionáveis com a quantidade de droga utilizada. Por outro lado,
a detecção de drogas no fluido oral acima de determinados níveis pode ser prova
presuntiva do consumo recente de drogas, embora não seja possível determinar
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há quanto tempo ela foi consumida. A detecção de drogas na urina fornece um
indicador ainda mais tênue do consumo de drogas atual. Embora não seja
possível correlacionar os níveis de drogas no cabelo com a quantidade de droga
utilizada, é possível, no entanto extrapolar os resultados em comparação com os
resultados de uma população de resultados positivos anteriores (JURADO, 2006,
TSANACLIS e WICK, 2007).
Os resultados de segmentos sucessivos podem ser avaliados uns contra os
outros, (diminuição ou aumento), refletindo os padrões de uso de drogas. No
entanto, a incerteza da medida analítica deve ser levada em conta na
interpretação, especialmente quando os níveis são mais baixos.
No entanto,
quando os níveis estão baixos, eles tanto podem refletir o uso de drogas no
período analisado como podem indicar o uso de drogas em um período anterior.
Qualidade analítica na elaboração e interpretação dos resultados
obtidos
Os métodos empregados nos testes de triagem e testes de confirmação
devem ser validados de acordo com as normas internacionais (SOFT/AAFS,
2006). As diretrizes internacionais para a identificação e quantificação por
espectrometria de massas de medicamentos devem ser levados em consideração
(SOFT/AAFS, 2006). De acordo com a Society of Hair Testing (SOHT) (SOHT,
1997) os critérios de validação sugeridos requerem uma imprecisão intra e interensaio <30%.
Um controle de qualidade analítica (CQ) de nível alto e baixo deve ser
medido pelo menos no início e no final de cada lote de amostras. A concentração
de controle de baixo nível (CQbaixo) deve ser em torno da concentração de
confirmação e que um lote de amostras inclua pelo menos 5% de controles de
qualidades na altura do valor de cut-off.
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A participação em ensaios de proficiência é praticamente mandatária a
uma frequência pelo menos duas vezes por ano quando possível (EWTDS , 2010).
“Mitos e Verdades” acerca da matriz queratínica
Existem vários fatores que afetam os níveis de drogas e metabólitos no
cabelo. Por exemplo, a incorporação de drogas no cabelo varia de pessoa para
pessoa, principalmente devido às diferenças de metabolismo entre indivíduos.
Estudos com indivíduos que receberam a mesma dose mostraram diferenças
significativas das concentrações de drogas nos cabelo. No entanto, é possível se
deduzir que um mesmo indivíduo tenha usado maiores ou menores doses ao longo
de vários meses, através da análise sucessiva de segmentos de cabelo, embora
não seja possível comparar os dados de análise do cabelo entre os indivíduos nem
extrapolar a dose usada (JURADO, 2006). O mesmo efeito é observado com as
concentrações de drogas e metabolitos na urina, i.e., não é possível estabelecer a
dose usada extrapolando os valores encontrados na amostra de urina.
Outro fator potencial é tratamento de cabelo com cosméticos. Tratamentos
capilares como tinturas, alvejantes e permanentes causam danos no cabelo e
podem mudar a concentração da droga incorporada. A implicação é que uma
única dose dentro do período analisado pode não ser detectada em decorrência da
utilização destes produtos, podendo comprometer a detecção do consumo
eventual. Entretanto nos casos onde as pessoas usam drogas regularmente,
apesar da utilização de cosméticos, a detecção de drogas no cabelo é possível
ainda que o nível da droga no cabelo esteja reduzido. Em um estudo
compreendendo 2.957 amostras de cabelo, a mediana dos níveis de cocaína
encontrados em cabelos tratados com produtos cosméticos foi de 13% quando
comparado com cabelos não tratados (TSANACLIS et al, 2001).
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cabelos ou pêlos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade,
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Cabelos escuros incorporam relativamente mais drogas e metabólitos do
que cabelos claros, principalmente devido à ligação das drogas à melanina do
cabelo (ROTHE, 1997). Consequentemente, as pessoas de cabelos escuros têm
uma chance ligeiramente maior de ter um resultado positivo do que as pessoas de
cabelos louros utilizando a mesma dose. No entanto, os dados da pesquisa
científica atual ainda não elucidaram se a diferença de cor de cabelo tem
significado real na incorporação de drogas e sua detecção no cabelo (JURADO,
2006). Estudos compreendendo um total de mais de 60.000 amostras não
mostraram relação significativa entre as categorias de cor do cabelo e a
probabilidade de teste positivo ser maior em cabelos escuros (KELLY, et al 2000;
TSANACLIS et al, 2001). No estudo apresentado em 2001 compreendendo 2.957
amostras de cabelo, a mediana dos níveis de todas as drogas estudadas em
cabelos escuros foi 11% maior do que a mediana em cabelos claros. A mediana dos
níveis de benzoilecgonina em cabelos escuros apresentou aproximadamente 20%
dos valores em cabelos claros, mas em contraposição os valores de cocaína
mostraram
valores
significantemente
opostos,
menores
onde
que
cabelos
os
escuros
encontrados
apresentaram
níveis
em
claros
cabelos
(aproximadamente 40%) (TSANACLIS et al, 2001).
Discussão
No estabelecimento de um diagnóstico as análises laboratoriais têm um
papel fundamental: o auxílio-diagnóstico, que deve sempre ser abordado à luz dos
conhecimentos da Toxicologia, incluindo as Análises Toxicológicas. A Toxicologia
Forense é o estudo e a prática da aplicação da toxicologia com propósitos legais.
As análises toxicológicas são, portanto, enfocadas sob o prisma das ciências
criminalísticas, isto é, o resultado analítico visa a embasar o estabelecimento do
nexo causal entre os elementos sensíveis (vestígios), com o objetivo de vincular as
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pessoas às circunstâncias e ao evento de provável ou evidente interesse judiciário
(CHASIN, 2008). Assim, a análise forense de drogas se aplica a todas as situações
em que sejam requeridos os princípios forenses da Toxicologia, como nos casos de
envolvimento médico-legal, justiça cível, ambiente de trabalho (público e privado)
e controle de dopagem (atletas amadores e profissionais) e outros sistemas da
sociedade como, por exemplo, as companhias de seguro que hajam por bem testar
os seus possíveis clientes para drogas que causem dependência (lícitas e ilícitas)
(JENKINS, 2009). Ainda, dependendo do caso e das circunstâncias individuais,
espécimes usados para auxílio-diagnóstico em medicina podem se tornar forenses
dependendo da finalidade para que se destine o resultado analítico.
É preciso lembrar, portanto, que um resultado positivo de uma análise de
drogas confirma se uma pessoa usou ou foi exposta a uma droga. Um resultado
negativo, porém não significa categoricamente que a pessoa não utilizou. Um
"resultado" negativo indica apenas que não houve consumo de drogas até nos
últimos 3 dias e últimos 3 meses, no caso de uso de urina e cabelo,
respectivamente. Conseqüentemente, é errôneo pensar que exames toxicológicos
são sempre inequívocos, esta noção é aplicada quando qualquer das matrizes,
urina, saliva ou cabelo, são usadas na triagem de drogas. É importante que os
benefícios e limitações dos testes sejam considerados antes do cliente consignar
um contrato de triagem de drogas.
Os clientes devem estar cientes das implicações do uso do nível de “cut-off
"pelo provedor dos testes. O ideal é sempre ser possível fornecer aos clientes
resultados inequívocos, que mostram, além de qualquer sombra de dúvida, que o
doador tenha usado a(s) droga(s) em questão. No entanto, os clientes terão que
estar cientes de que isto nem sempre é possível e é fundamental que fique claro,
antes de se iniciar os testes , as vantagens e limitações dos mesmos, bem como
uma explicação do significado dos resultados obtidos.
Como parte desses esclarecimentos, ainda, antes de se fazer o teste a
comparação das vantagens e limitações dos testes em cabelo com outras matrizes,
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tais como urina e amostras de fluido oral devem ser explicadas aos clientes. A
análise do cabelo não é adequada para avaliar o uso recente, isto é nos momentos
precedentes à coleta. Além disso, não é possível atribuir o uso da droga que tenha
ocorrido em um determinado dia ou estabelecimento de nexo causal que se
correlacione categoricamente entre a droga detectada e um evento particular. A
prova pode ser tentadora, mas ela permanece circunstancial e as inferências
possíveis feitas em bases teóricas a serem ou não acatadas por quem as julga.
A probabilidade de se encontrar um resultado positivo depende da técnica
utilizada e da janela de detecção da matriz. Os estudos de campo têm
demonstrado que a análise do cabelo é mais eficaz do que o exame de urina para
identificar usuários de drogas devido à janela de detecção mais ampla que a
análise do cabelo propicia (TSANACLIS e WICKS, 2007). Uma abstenção de uso
de drogas por 2 ou 3 dias antes da coleta da urina fornece em geral um resultado
negativo, mesmo que o individuo seja usuário regular de drogas. Para que o
mesmo ocorra com a analise de cabelo, o período de abstenção deve ser de pelo
menos três meses. (DUPONT E BAUMGARTNER, 1995; MOELLER et al, 2006).
A implicação principal deste atributo no setor empresarial é que um candidato
na fase pré-admissional cuja amostra de cabelo for positiva indicando um possível
problema com relação ao uso de drogas ilícitas, não seria admitido em uma
empresa onde o risco de acidentes tenha que ser minimizado, caso essa seja a
política vigente naquele ambiente laboral.
Porquanto a análise utilizada nos programas de verificação do uso de
drogas no ambiente de trabalho seja na matriz urina para os exames randômicos,
a análise de cabelo torna-se muito útil também para confirmar se um indivíduo
que testou positivo através do teste de urina ou é um usuário regular ou se o
resultado positivo foi o resultado de um único episódio. É possível, encontrar um
resultado de urina positivo com uma análise de cabelo negativa, demonstrando-se
assim, que o individuo não é um usuário de drogas, ou vice-versa, ou seja, exame
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em urina negativo e em cabelo a demonstração de que o indivíduo é ou foi usuário
sem que tenha feito uso recente.
Análises nas diferentes matrizes são, portanto, complementares para se
estabelecer se um indivíduo faz ou fez ou não uso de drogas, mas é importante
salientar que com qualquer das matrizes, eventualmente enfocadas, não é
possível estimar a extensão da farmacodependência de um indivíduo, o que é um
diagnóstico clinico. Enquanto a urina fornece informações recentes (2-3 dias no
máximo), o cabelo fornece informações de longo prazo, de meses a anos, tanto em
termos de frequência como de identificação das drogas. Esta é a grande vantagem
do uso de amostras de cabelo.
Quanto aos custos do exame, confrontando-se com o teste em urina, a
análise do cabelo é mais cara, porém se comparados relativamente ao período de
cobertura, a análise de cabelo é ao menos 6 vezes mais barata que o teste em
urina porque são necessárias 6 amostras de urina para cobrir um mesmo período
abrangido por uma análise de cabelo de um centímetro ou, aproximadamente, um
mês. Isto significa que apenas 4 amostras de cabelo de 3 centímetros de
comprimento, têm a capacidade de monitorar de uma maneira contínua o uso ou
não de substâncias por um período de um ano. A análise de drogas em cabelo
detecta um número maior de pessoas usuárias de drogas do que a análise em
amostras de urina. Estudos nos EUA e Reino Unido mostraram que taxa de
detecção de drogas no cabelo é muitas vezes maior que a taxa de detecção na
urina (Mieczkowski et al, 1998, TSANACLIS e WICKS, 2007).
É preciso, também, considerar que um resultado de um teste isolado, em
alguns casos, pode não ser suficiente para produzir uma interpretação definitiva.
Como qualquer análise química ou clínica, os testes laboratoriais apresentam
limitações e os resultados devem ser analisados em conjunto com outras provas,
como uma entrevista clínica ou o acompanhamento do indivíduo regularmente. A
questão mais importante no local de trabalho é se estabelecer, em políticas
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pertinentes, se um teste de drogas "positivo” deve ser associado a ações punitivas,
em vez de se optar por abordagem terapêutica.
O número de centros especializados para realizar testes de drogas e
interpretar os resultados em fluido oral e cabelo, hoje em dia, é ainda
consideravelmente menor do que para as análises de urina. No entanto, centros
de competência existem tanto na Europa como nos EUA há vários anos (AKRILL
e MASON, 2004).
Conclusões
O mais importante benefício na detecção de drogas através da análise do
cabelo é de fornecer uma janela retrospectiva de detecção capaz de mostrar
tendência de um hábito e identificar quais drogas foram usadas durante o período
de detecção, que pode cobrir vários meses.
A análise de um segmento de cabelo medindo 3 centímetros para cobrir um
período aproximado de três meses é a forma mais usada na detecção de drogas
usando o cabelo. Análise de segmentos mensais é importante na avaliação e
interpretação do perfil de uso de drogas, quando se quer avaliar se o uso
aumentou ou diminuiu durante vários meses.
São as instituições que fazem uso da análise de cabelo internacionalmente.
Mais comuns são em casos de proteção à criança e custódia, mas a análise do
cabelo no ambiente de trabalho está sendo cada vez mais empregada, em grande
parte devido ao seu uso na etapa pré-emprego.
Os dados da pesquisa científica atual ainda não elucidaram se a diferença
de cor de cabelo tem significado real na incorporação de drogas e sua detecção no
cabelo, porém estudos não mostram diferenças significativas nos níveis de drogas
detectadas entre cabelos claros e escuros.
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Tratamentos capilares como tinturas, alvejantes e permanentes causam
danos no cabelo e podem mudar a concentração da droga neste. Porém, nos casos
em que as pessoas usam drogas regularmente, a detecção de drogas no cabelo é
detectável, apesar da utilização de cosméticos, ainda que o nível da droga no
cabelo esteja reduzido.
Os testes de drogas usando amostras de cabelo são duas vezes mais
sensíveis do que o uso de amostras de urina devido à janela de detecção e à
dificuldade de evasão. A coleta de cabelo é simples, não invasiva e mais
dignificante do que a coleta de urina, a qual é usualmente supervisionada para
garantir que não ocorra fraude durante a coleta.
Não é possível correlacionar exatamente os níveis detectados no cabelo com
a quantidade de droga ingerida. O nível de drogas no cabelo é melhor usado como
um guia para as mudanças no consumo de drogas em um indivíduo.
A análise de drogas no cabelo é relativamente mais complexa que a análise
de drogas nas matrizes tradicionais e deve ser realizada por laboratórios
competentes e experientes em vista das particularidades da matriz queratínica.
De forma semelhante, o significado dos resultados obtidos requer uma
interpretação cuidadosa dos mesmos por toxicologistas experientes face aos
diferentes aspectos intrínsecos ao cabelo, que são diferentes dos conhecimentos
até hoje adquiridos em relação às outras matrizes. Que não sejam estes fatores,
de complexidade de análise e interpretação dos resultados, que façam com que os
benefícios trazidos através da análise de cabelo sejam negados aos diferentes
setores da sociedade. Para tanto, muitos dos laboratórios na área de análise de
drogas deverão evoluir, aprender e incorporar esta tecnologia em suas rotinas e
bagagem de conhecimento.
Concluindo,
as
várias
matrizes
não
são
excludentes,
mas
sim
complementares de acordo com a finalidade a que se destina o achado. E
qualquer que seja a matriz enfocada, as análises devem seguir os preceitos das
análises toxicológicas no que tange à qualidade e segurança analítica necessárias
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à geração de resultados inequívocos e laudos irrefutáveis dentro dos princípios
que devem nortear os testes de drogas de abuso.
Os pontos abordados neste artigo pretenderam elucidar e clarificar os
conceitos relacionados à matriz queratínica no que tange aos princípios das bases
científicas e quanto às vantagens e limitações. Desta forma, a decisão da
realização destas análises deve perpassar todas essas discussões e ainda ser
abordada dentro de um contexto econômico/político /social, sempre em bases
críveis e éticas tão necessárias à abordagem que o assunto exige.
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Toxicologia in silico: uma nova abordagem
para análise do risco químico
Carlos E. M. Santos
Graduando em Farmácia, Faculdade de Farmácia do Centro
Universitário da Bahia. Bolsista do ProUni desde 2007. Estagiário de
toxicologia da Intertox. São Paulo – SP. E-mail: [email protected]
Resumo
As ferramentas computacionais e ensaios automatizados já têm reconhecida
aplicação no campo do desenvolvimento de novos fármacos, como no caso da
aplicação de QSAR (Quantitative Structure-activity Relationship) e HTS (Highthroughput Screening). A aplicação de tais ferramentas e a criação de softwares
com dados REA (Relação Estrutura-atividade), modelos matemáticos e QSAR, no
contexto da avaliação da toxicidade tornou-se uma importante faceta da
Toxicologia contemporânea, rumo à racionalização de testes com animais e
abordagens
custo-efetivas.
Estabeleceu-se
uma
nova
visão
de
agências
reguladoras quanto aos testes de toxicidade, frente ao desafio de acompanhar o
célere ritmo da indústria química, tendo como objetivo a utilização química
segura e o risco toxicológico mínimo. O desenvolvimento de metodologias ―In
silico‖ de avaliação da toxicidade constitui um novo avanço da Toxicologia, com
abordagens preditivas, que apontam o potencial de toxicidade de substâncias
através de ferramentas computacionais, em conformidade com fundamentação
científica e validação metodológica. Contudo, ao contrário do que pode ser
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
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interpretado numa visão leiga imediatista, essas novas formas de abordagem e
técnicas em Toxicologia, extremamente válidas, bem vindas e definitivas no atual
contexto do risco químico, e não simplificam ou facilitam o raciocínio toxicológico,
mas sim exigem cada vez mais o conhecimento e o domínio do conhecimento
sobre REA, QSAR, dose-efeito e dose-resposta e de toda a fenomenologia da
intoxicação. Elas são um aprofundamento sistematizado do conhecimento
toxicológico, do qual não podem produzir, ou seja, são muito mais um produto da
Toxicologia do que da Computação.
Palavras-chave: Toxicologia computacional. Toxicologia in silico. Avaliação da
toxicidade. Toxicologia preditiva.
Abstract
The computational tools and automated tests have already notable application in
the field of drug development, such as the application of QSAR (Quantitative
Structure-activity Relationship) and HTS (High-throughput screening). The
application of such tools and software creation with SAR data (structure-activity
relationship), mathematical models and QSAR in the context of
toxicity
assessment has become an important facet of contemporary Toxicology, towards
the rationalization of animal experiments and approaches cost -effective. It
established a new vision of the regulatory agencies regarding the toxicity tests,
face the challenge of monitoring the rapid pace of the chemical industry, aiming
to use chemical with toxicological risk minimum. The development of in silico
methodologies of evaluation of toxicity
of the is a further advancement of
toxicology, with predictive approaches, which indicate the potential toxicity of
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
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substances by means of computational tools, in accordance with scientific
foundation and methodologic validation. However, unlike what can be
interpreted in a secular view of the immediate, these new approaches and
techniques in Toxicology, highly valuable, welcomed and definitive in the current
context of chemical risk, and not simplify or facilitate the toxicological reasoning,
but rather require increasing knowledge and domain of knowledge about REA,
QSAR, dose-effect and dose-response and the entire phenomenology of
intoxication. They are a systematic deepening of toxicological knowledge, which
can not produce, i.e. are relatively very much a product of Toxicology than
Computing.
Keywords: toxicity assessment, computational toxicology, in silico toxicology
predictive toxicology.
INTRODUÇÃO
A (eco)toxicidade de substâncias químicas é uma atual preocupação
mundial. Muitas substâncias não foram avaliadas quanto à toxicidade, e os
resultados das avaliações anteriormente feitas, podem não ser conclusivos,
exigindo uma constante atualização (e gestão) da informação toxicológica. As
informações de avaliação da toxicidade in vitro e in vivo e estudos epidemiológicos
foram os principais pilares para o estabelecimento de limites considerados
seguros e ações regulatórias. Devido à larga produção química, em ritmo célere,
frente ao tempo demandado e aos custos das avaliações toxicológicas tradicionais,
entre outras razões, ocorreu um evidente desequilíbrio entre a produção química
e as avaliações toxicológicas, com avaliação de apenas uma pequena fração das
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químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
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substâncias disponíveis no mercado, resultando numa utilização química com
potenciais riscos ainda desconhecidos e descontrolados (COLLINS et al., 2008;
USEPA, 2003 p. 3).
Dentre outros fatores, a questão dos custos das avaliações tradicionais da
toxicidade é mais uma dificuldade enfrentada na questão das políticas de
segurança química, demasiadamente, nos países em desenvolvimento. A OMS
(Organização Mundial de Saúde) tem se preocupado com a epidemiologia dos
incidentes químicos, especialmente em países subdesenvolvidos, já que há um
aumento da utilização química, com atraso nas políticas de segurança e manejo
de incidentes químicos. Por outro lado, países desenvolvidos têm melhorado a
habilidade de gestão de incidentes e das políticas de segurança, o que tem
reduzido o grau de severidade dos incidentes químicos (WHO, 2009).
Segundo dados do CAS(Chemicals Abstract Service) (2010), existem atualmente
aproximadamente 57 milhões de substâncias (inorgânicas e orgânicas, incluindo
proteínas), sendo que cerca de 282 mil são substâncias reguladas/inventariadas.
Segundo a mesma fonte mais
de 44 milhões de produtos químicos estão
atualmente disponíveis, dos quais conta-se cerca de 11,75 milhões de números de
registro único no CAS.
A preocupação quanto ao potencial de toxicidade e ecotoxicidade de
produtos químicos fez com que muitos países e agências regulamentadoras
definissem políticas de segurança e ações regulatórias, exigindo o processo de
avaliação toxicológica. Como exemplo, o REACH (Registration, Evaluation,
Authorisation and Restriction of Chemicals), uma recente regulamentação que
vem sendo gradativamente implementada pela União Européia, para companhias
que produzem/fornecem produtos químicos (substâncias puras e/ ou misturas) ou
artigos que liberem substâncias. Outras regulações são bem particulares de cada
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país, tendo-se em comum, a exigência de informações sobre o perigo de
substâncias e produtos químicos.
A ECHA (European Chemicals Agency) (2009), divulgou e questionou
resultados de alguns estudos relacionados a estimativas de custos e da
quantidade de animais sacrificados, como conseqüência da implementação do
REACH. Algumas estimativas sugeriram que os custos seriam de 9,5 bilhões de
euros, e que envolveria 54 milhões de animais vertebrados em testes
toxicológicos.
Para a ECHA, estes números superestimaram a real situação,
devido a interpretações incorretas; desconsideração da possibilidade de adaptação
de informações e utilização de métodos alternativos; e má interpretação dos
protocolos para realização de testes. Segundo a agência as estimativas mais
precisas seriam de custos em torno de 1,3 bilhões de euros, e utilização de 9
milhões de animais de laboratório, sendo um de seus desafios a minimização de
testes com animais (estes, como últimos recursos) e utilização de métodos
alternativos para a avaliação de perigo de substâncias.
Os métodos tradicionais de avaliação da toxicidade - apesar da especial
aplicação na Toxicologia -, devido ao longo tempo demandado, considerável
utilização animal e altos custos, versus, a grande produção química, levaram à
busca de métodos alternativos de avaliação da toxicidade. Em 2005, como
conseqüência da necessidade de se avaliar um grande número de novas
substâncias e outras já existentes (sem prévia avaliação), de maneira custoefetiva, a USEPA (United States Environmental Protection Agency) e o NTP
(National Toxicology Program) sugeriram uma nova visão, com novas estratégias
para avaliação e testes de toxicidade com fins regulatórios. Essa nova visão, já
previamente planejada em 2003, incorporava avanços em Biologia Molecular,
Toxicologia
Molecular,
Ciências
Computacionais
(inclusive
a
Química
Computacional) e Tecnologia da Informação, dando origem a um nova área da
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Toxicologia: a Toxicologia Computacional. As ferramentas da Toxicologia
Computacional são hoje desenvolvidas e recomendadas por organizações como
USEPA - U. S. Environmental Protection Agency, Comunidade Européia, OECD Organisation for Economic Co-operation and Development, entre outras (USEPA,
2010; COLLINS et al., 2008).
A Toxicologia Computacional pode ser definida como a área da Toxicologia,
na qual aplica-se modelos computacionais e matemáticos para a predição de
efeitos adversos, e, para o melhor entendimento do(s) mecanismo(s) através do(s)
qual(is) uma determinada substância provoca o dano. Nesta grande área do
conhecimento, destaca-se a produção de ferramentas
computacionais de
avaliação preditiva da toxicidade, a partir da integração de avanços em
informática e bioinformática, estatística, química computacional, biologia e
toxicologia (IUPAC, 2007; USEPA, 2003, 2009, 2010).
Dentro de projetos da Toxicologia computacional, além da criação de
softwares de avaliação da toxicidade propriamente ditos, surgem as bases de
dados ―estrutura-pesquisáveis‖ (informações toxicológicas pesquisadas através da
entrada de estruturas químicas), também úteis à predição da toxicidade. Assim,
tem sido feito o armazenamento e tratamento de dados de testes toxicológicos,
gerando-se valiosas informações de toxicidade, sendo possível, no mínimo,
buscar/relacionar dados de toxicidade de determinada entidade química a partir
de dados de testes prévios, tendo como base, a pesquisa segundo o grau (medido)
de similaridade estrutural (RICHARD, 2001; USEPA, 2009). A integração de
dados pode auxiliar na avaliação do peso da evidência de que uma estrutura ou
subestrutura química correlaciona-se com determinado efeito tóxico (fig. 1)
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Figura1: Comparação esquemática entre as atividades de coleta de dados associada com a
construção de um modelo global de predição da toxicidade vs. previsão da toxicidade de uma
substância química Q com base na estrutura química. (Adaptado de Richard, 2001).
Quanto aos softwares de avaliação preditiva da toxicidade ou testes in
silico, estes podem ser mais refinados, baseados em modelos matemáticos, REA,
QSAR (Quantitative Structure-activity Relationship),
PBPK (Physiologically
Based Pharmacokinetic models), e, podem fazer a predição da toxicidade após
seleção, validação metodológica e fundamentação científica dos modelos inseridos,
fazendo-se em muitos casos a análise estatística da capacidade preditiva de cada
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modelo. O termo ―in silico‖ aplica-se ao dado gerado a partir de modelamento
computacional ou de tecnologia da informação (IUPAC, 2007).
Os estudos QSAR partem da premissa básica de que existe uma relação entre as
características (físico-químicas, topológicas, tridimensionais e conformacionais)
de uma estrutura química e a atividade biológica, no contexto de nossa discussão,
a toxicidade. A contribuição para a atividade biológica pode então ser atribuída a
descritores estruturais,
com uso de modelos matemáticos, estimando-se a
potenciação ou redução da atividade a partir da inserção de substituintes na
estrutura (OECD, 2010).
A aplicação ferramentas computacionais, com abordagem em Toxicologia
Preditiva, tornou-se um campo muito mais sólido, e já é feita por diversas
agências e órgãos no mundo (OECD, FDA – Food and Drug Administration,
USEPA, Comunidade Européia, entre várias outras), com diversas aplicações,
como no contexto regulatório (ex: o programa de segurança de aditivos
alimentares da FDA; ações regulatórias da Comunidade Européia); em criação de
bases de dados e programas de apoio à avaliação da toxicidade e de risco (ex:
ToxCast TM, ActoR, e DSSTox da USEPA).
À luz de nosso conhecimento, até a presente data, não há publicação
brasileira que faça referência ao uso de ferramentas computacionais para
avaliação da toxicidade com fins regulatórios e de avaliação de risco. O presente
trabalho tem como objetivo apresentar as várias aplicações da Toxicologia
Computacional, focada em métodos in silico de predição da toxicidade, já que tais
métodos são um avanço científico pouco aproveitado no Brasil, mas fundamentais
no atual contexto da produção e segurança química; das políticas de regulação de
produtos; e do atendimento a normas internacionais de comercialização.
Modelos QSAR e REA no contexto da avaliação da toxicidade in silico
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Com os avanços nas ciências da computação e da internet, nova ênfase vem
sendo dada as tecnologias Q(SAR) aplicada a avaliação da toxicidade e do risco no
cenário internacional, devido a sua evolução. Desde 1990 a OECD já vinha
fazendo avaliações quanto ao valor preditivo dos estudos (Q)SAR, comparando as
predições, além de realizar avaliação e validação de modelos (Q)SAR. Em 2007, a
OECD publicou um documento sob o título ―Guidance document on the validation
of (Quantitative)Structure-Activity Relationships [(Q)SAR] models‖ que apresenta
princípios de validação de Q(SAR) em diversas aplicações, objetivando a
aceitabilidade regulatória dos resultados por agências (OECD, 2010).
Atualmente, em QSAR aplicada à Ecotoxicologia, usam-se modelos
quantitativos, que a partir de dados de estudos com determinada espécie ou
grupo, fazem predição da toxicidade, de maneira qualitativa e quantitativa (ex.
estimativa de CL50) para outras espécies diferentes das de determinado estudo.
Como exemplo, a partir de estudos de toxicidade de aldeídos com peixes e
ciliados, considerando variáveis específicas (Log Kow, reatividade, conformação
molecular, etc.), criou-se um modelo quantitativo para a predição da toxicidade
para demais espécies de organismos aquáticos (ROY et al., 2004, p.21-23).
Estudos toxicológicos e QSAR têm tornado possível a classificação de grupos
de
agentes
mutagênicos
hidrocarbonetos
aromáticos
e
carcinogênicos,
policíclicos,
como
lactonas,
aminas
aromáticas,
quinolinas,
nitroarenos,
epóxidos, aziridinas, mostardas nitrogenadas, α-haloéter, entre outros. Grupos
funcionais ou sub-estruturas conhecidamente ligadas a atividade carcinogênica,
formam uma lista de alertas estruturais, que sinalizam através de flags o
potencial de carcinogenicidade de determinada substância, em softwares de
predição da toxicidade.
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Para o efeito carcinogênico, a maioria dos modelos computacionais
(baseados em REA ou QSAR) disponíveis refere-se a agentes genotóxicos, já que
há abundância de dados de ensaios (como resultados de Teste de Ames) e de REA,
e, os mecanismos são relativamente bem conhecidos. Por outro lado, assim como
em um bioensaio, a detecção efeitos carcinogênicos não-genotóxicos tem maior
grau de dificuldade, devido a escassez de dados, e, mecanismos ainda não muito
bem elucidados, embora já existam alguns modelos computacionais para este
endpoint.
Existem softwares atualmente que atribuem o grau de toxicidade à determinada
substância química, considerando as variáveis estruturais e/ou físico-químicas.
Como exemplo, pode ser feita a análise de uma estrutura de um composto de
fósforo, quanto à presença átomos de C, O, N e/ou S divalente na estrutura,
partindo
do
conhecimento
concreto
de
que
a
maioria
dos
inseticidas
organofosforados [com tio(fosfatos) sem carga] são tóxicos para a espécie humana;
considerando ainda que, por outro lado, fosfatos carregados negativamente
ocorrem naturalmente em biomoléculas humanas, e, portanto, são de toxicidade
improvável através de inibição de colinesterase.
Em softwares deste tipo, geralmente avalia-se o potencial de toxicidade de
uma substância, considerando muitos outros efeitos críticos (hepatotoxicidade,
genotoxicidade, carcinogenicidade, ecotoxicidade e outros), a partir de muitas
informações de Relação Estrutura-Atividade e QSAR.
Toxicologia in silico e o estabelecimento de limites de exposição para
misturas – Modelos PBPK (Physiologically Based Pharmacokinetic)
Outra aplicação notável da Toxicologia in silico foi realizada por Dobrev e
col.(2002). Os autores desenvolveram com ferramentas computacionais modelos
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fisiologicamente
baseados
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em
farmacocinética
(Physiologically
Based
Pharmacokinetic models – PBPK models), para predizer a cinética individual do
tricloroetileno (TCE) em mistura com outros solventes (percloroetileno e
metilclorofórmio), sugerindo limites de exposição específicos para mistura.
Sabemos que para analistas de risco químico é complexo estabelecimento
de limites de exposição para misturas, já que podem ocorrer efeitos sinérgicos,
aditivos ou de potenciação, devido a interações (farmacocinéticas ou de efeito),
dos componentes da mistura, resultando em toxicidade muito maior que a soma
da toxicidade dos componentes, individualmente.
Os autores, considerando que os produtos de biotransformação do TCE
gerados via oxidação pelo CYP-450 apresentaram efeito carcinogênico em
roedores, e que a forma original e metabólitos gerados por outras vias possuem
toxicidades distintas, concluíram que os limites de exposição estabelecidos para o
TCE individualmente, não são seguramente aplicáveis a misturas que contenham
agentes que (i) induzem a via oxidativa do CYP-450 ou que (ii) inibem vias de
inativação e excreção.
Além de considerar o metabolismo, os autores utilizaram modelo
farmacocinético multicompartimental (mais realístico), parâmetros fisiológicos
(ventilação alveolar, saída débito cardíaco, fluxo sanguíneo em diferentes órgãos,
entre outros) e bioquímicos (taxas de metabolismo e outros), específicos para a
espécie humana, em vez de considerar parâmetros estritamente animais,
geralmente mais distantes do real.
Toxicologia in silico e o risco (eco)toxicológico
Atualmente, a utilização de ferramentas computacionais baseadas em
abordagens de REA, modelos QSAR, modelos PBPK e outros modelos, podem
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fornecer relevantes informações para o processo de avaliação de risco, como no
caso de estimativas de valores de LC50 e LD50 para espécies aquáticas e ratos.
Ferramentas desenvolvidas pela OECD, USEPA, Comunidade Européia e outras
organizações, fazem uma série de predições, como no caso da predição do modo de
ação em relação à toxicidade aquática, a partir de Alertas Estruturais e
estimativas de características físico-químicas (como o Log Kow). Existem também
softwares com uma série de alertas estruturais, que apontam certos grupos
funcionais ou sub-estruturas são ligados à persistência ambiental, ou à
biodegradabilidade. Se um ou mais alertas estruturais são reconhecidos, o
sistema
sinaliza
através
de
flags
o
potencial
de
persistência
ou
biodegradabilidade da substância química.
Vários outros módulos estão inclusos em ferramentas computacionais, que
fornecem informações preditivas, como quanto ao grau de toxicidade aguda;
predição da mutagenicidade e carcinogencidade; predição da toxicidade para
reprodução; identificação de Aceptores Michael (espécies químicas reativas);
predição de corrosão e irritação ocular e para pele; predição do metabolismo.
As ferramentas computacionais, desde que executadas com pleno
conhecimento, fornecem relatórios preditivos de toxicidade, e tem potencial de
aplicação em circunstâncias diversas, dentre as quais destacamos:
1- Seleção de compostos candidatos em processo de desenvolvimento de
novas substâncias, de acordo com menor toxicidade e maior potencial
biodegradação;
2- Caracterização preliminar do perigo e de risco, feita de forma imediata,
em sítios nos quais foram liberados agentes ainda não avaliados em ensaios
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biológicos (situação em que uma avaliação tradicional demandaria mais tempo
para fornecer resultados);
3- Pré-avaliação para racionalização e priorização da avaliação de
substâncias potencialmente mais tóxicas em bioensaios;
4- Obtenção de relatório de toxicidade de novas substâncias, enquanto não
são obtidos os resultados dos ensaios toxicológicos tradicionais;
5- Complementação de avaliações toxicológicas tradicionais, avaliando-se
endpoints não considerados nos ensaios toxicológicos tradicionais;
6- Avaliação preditiva da toxicidade em geral.
Toxicologia in silico e o contexto regulatório
Nos sistemas de avaliação in silico, grupos funcionais ou subestruturas ligadas
com determinada atividade tóxica permitem a classificação de determinada
substância quanto ao potencial de toxicidade e ecotoxicidade, o que possibilita a
formulação de ações e medidas regulatórias. No que diz respeito ao REACH, o
anexo XI do documento regulatório, faz considerações sobre critérios e aplicações
dos resultados obtidos de análise QSAR que podem ser utilizados em lugar de
ensaios toxicológicos tradicionais:
1.3. Modelos qualitativos ou quantitativos da relação estruturaactividade — (Q)SAR
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
1, p. 47-63, fev. 2011.
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Os resultados da aplicação de modelos válidos qualitativos ou quantitativos
da relação estrutura-actividade — (Q)SAR — podem indicar a presença ou
ausência de uma determinada propriedade perigosa. Podem utilizar-se
resultados da aplicação de modelos (Q)SAR, em lugar de ensaios, se
forem satisfeitas as seguintes condições:
— se os resultados provierem da aplicação de um modelo (Q)SAR validado
cientificamente,
— se a substância se enquadrar no domínio de aplicabilidade do modelo
(Q)SAR,
— se os resultados se adequarem aos fins de classificação e rotulagem e/ou
de avaliação de riscos, e
— se for fornecida documentação adequada e fiável sobre o método
aplicado.
A Agência, em colaboração com a Comissão, os Estados-Membros e as
partes interessadas, elabora e fornece orientações que permitam determinar que
modelos (Q)SAR satisfazem as referidas condições, apresentando exemplos.
(Regulamento REACH, anexo XI, p. 120. Grifos nosso)
Em um documento publicado em 2010 pelo governo do Canadá, sob o título
―The Use Of Predictive Toxicity Tools In Health Assessments Of Existing
Substances Under The Canadian Environmental Protection Act‖, faz-se destaque
da aplicação das ferrramentas computacionais no processo de avaliação de
substâncias e ações regulatórias. Como outros países desenvolvidos, o Canadá
possui controle de lista (DSL – Domestic Substances List) e registro de
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
1, p. 47-63, fev. 2011.
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substâncias que são comercializadas e utilizadas em seu território, sob legislação
específica (The Canadian Environmental Protection Act).
Discussão
Além do tempo e custo das avaliações tradicionais, a racionalização de
testes com animais vem sendo amplamente discutida no meio científico. A
utilização excessiva e desordenada de animais em testes toxicológicos vem sendo
amenizada com a chegada dos métodos alternativos. Com o desenvolvimento no
campo da Toxicologia Computacional e dos métodos In silico, agências
internacionais
(USEPA,
OECD,
Comunidade
Européia,
e
outros)
disponibilizaram muitas ferramentas, como apoio/incentivo às avaliações
toxicológicas computacionais. Neste novo paradigma, os resultados de testes
toxicológicos tradicionais, ao invés de serem descartados ou ―engavetados‖; são
tratados e disponibilizados para pesquisas, adquirindo um valor contínuo, numa
espécie de cadeia de construção de evidências de toxicidade.
A utilização de tais ferramentas para avaliação da toxicidade, além de
gerarem informações toxicológicas úteis para o atendimento a regulamentações
internacionais, considerando as variáveis: custos, tempo e racionalização
experimentação animal; possibilitam o desenvolvimento de novos produtos
químicos, proporcionando uma seleção racional de compostos candidatos,
considerando o potencial de (eco)toxicidade, persistência, bioacumulação, entre
outros. Sob nosso ponto de vista, surge mais um componente a ser inserido no
ciclo de responsabilidade socioambiental, já que uma organização pode selecionar
um candidato menos preocupante no ponto de vista toxicológico e ambiental, de
forma preditiva, em um processo de desenvolvimento de um novo produto
químico.
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
1, p. 47-63, fev. 2011.
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Considerações finais
Ao contrário do que pode ser interpretado numa visão leiga imediatista,
essas novas formas de abordagem e técnicas em Toxicologia, extremamente
válidas, bem vindas e definitivas, não simplificam ou facilitam o raciocínio
toxicológico, mas sim exigem cada vez mais o conhecimento e o domínio do
conhecimento das relações estrutura atividade, dose-efeito e dose-resposta e de
toda a fenomenologia da intoxicação. Elas são um aprofundamento sistematizado
do conhecimento toxicológico, do qual não podem produzir, ou seja, são –
relativamente - muito mais um produto da Toxicologia do que da Computação.
Além do sólido estabelecimento da Toxicologia Computacional em vários países, o
êxito da aplicação de ferramentas computacionais no âmbito do desenvolvimento
de fármacos, e, também em monitorização terapêutica (no caso uso de softwares
do campo Farmacocinética Clínica) são exemplos claros de que a integração das
ciências, em si, constitui o melhor caminho para o futuro que cabe a nós
construir.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <http://www.cas.org/expertise/cascontent/ataglance/index.html>.
Acesso em: 10 fev. 2011.
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v. 319, p. 906-907, 2008.
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1907/2006, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2006. Dispõe sobre registro, avaliação,
autorização e restrição de substâncias químicas (REACH). Anexo XI, p. 120,
2006. Disponível em:
<http://eurex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2007:136:0003:0280
:pt:PDF>. Acesso em: 20 dez. 2010.
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USEPA – United States Environmental Protection Agency. Computational
Toxicology Research Program. Disponível em: <http://www.epa.gov/ncct/>
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screening for assessing exposure, hazard and Risk. Computational
Toxicology Program Research. 2009. Disponível em:
<http://www.epa.gov/ncct/download_files/factsheets/COMPTOX_flyer_Sept172010
.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2010.
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Environmental Protection Agency Office of Research and Development, 2003.
Disponível em:
<http://www.epa.gov/ncct/download_files/basic_information/comptoxframework06
_02_04.pdf> Acesso em: 7 fev. 2010.
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of Chemical Incidents. Genebra: WHO Document Production Service, 2009.
SANTOS, Carlos Eduardo M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco
químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n.
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Classificação de perigo de materiais sob a
óptica da NFPA 704
Aretha Sessa Coelho
Farmacêutica especializada em Toxicologia Analítica pela Universidade
Estadual de Campinas - Unicamp. Experiência em laboratório de
análises físico-químicas, ecotoxicologia e controle de qualidade.
Participação ativa em projetos de pesquisa na área toxicológica.
Experiência na classificação de perigo de produtos químicos e elaboração
de documentos de Segurança (Ficha de Informações de Segurança de
Produtos Químicos, Ficha de Emergência e rótulo). E-mail:
[email protected]
1- INTRODUÇÃO
A globalização e o aumento acelerado da industrialização geram o
consequente aumento da produção e uso de produtos químicos, o que proporciona
um crescimento do número de doenças e acidentes relacionados a estes produtos
no ambiente de trabalho e no ambiente aberto geral (PINHEIRO, 2009).
Os produtos químicos, em geral, fazem parte do cotidiano de diversos
segmentos empresariais de modo que a acessibilidade, clareza e qualidade das
informações sobre seus perigos vêm sendo exigidas. No caso de indústrias
químicas ou de qualquer empresa que lide direta ou indiretamente com produtos
químicos, o primeiro passo é a implantação de um sistema de informação que
tenha qualidade (ZACARIAS; DOS SANTOS, 2009).
Para que isso ocorra, se fazem necessários sistemas de classificação bem
elucidados para os seus devidos propósitos, sejam eles: (i) no ambiente
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 6473, fev. 2011.
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ocupacional para gestão do risco químico; (ii) para a comunidade em geral quando
afetada indiretamente por derramamentos, acidentes químicos e contaminação
crônica; (iii) na área agrícola para aplicação e descarte de embalagens de
praguicidas; (iv) para o governo na gestão da qualidade ambiental e risco
químico, entre tantas outras (MATTA, 2009).
Atualmente diversos sistemas para classificação de perigos estão sendo
adotados de acordo com seus objetivos específicos. Este artigo visa a apresentar o
sistema para classificação de materiais segundo a National Fire Protection
Association (NFPA)1e traz algumas considerações deste sistema quando
comparado ao Sistema Globalmente Harmonizado (GHS)2.
2- CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO A NFPA 704
A NFPA
é uma organização norte-americana que tem como principal
objetivo reduzir a carga mundial de fogo e outros riscos sobre a qualidade de vida,
fornecendo e defendendo os códigos de consenso com base científica além de
oferecer normas, pesquisa, treinamento e educação, sendo considerada a principal
fonte autorizada de informações técnicas, dados e orientação ao consumidor sobre
proteção, problemas e prevenção contra incêndios. Atualmente a NFPA fornece
cerca de 300 códigos e normas com o objetivo de minimizar os riscos e efeitos de
incêndios, sendo um deles nossa fonte de discussão: a norma de número 704
(NFPA 704).
A NFPA 704 apresenta um sistema padrão para a identificação de perigos
de materiais para respostas a emergências e objetiva representar os perigos à
saúde, inflamabilidade e instabilidade decorrentes da exposição aguda a um
1
2
Leia-se: Associação Nacional de Proteção ao Fogo.
Tradução do inglês: Global Harmonized System.
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
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produto químico sob condições de fogo, derramamento ou emergências similares.
Dentre os principais objetivos desta norma, podemos destacar:
a) Providenciar um sinal ou alerta apropriado e informação imediata para
salvar a vida dos responsáveis pela resposta emergencial;
b) Auxiliar no planejamento de operações eficazes de controle de incêndios
e emergências, incluindo limpeza;
c) Auxiliar todo o pessoal designado (engenheiros, pessoal das instalações
e segurança, outros), na avaliação de perigos.
Frente a estas considerações, podemos perceber que este sistema, com o
intuito de reduzir o índice de acidentes oriundos de produtos químicos, pode ser
aplicável a indústrias, comércios e instituições que produzem, processam,
utilizam ou armazenam quaisquer materiais perigosos. No entanto, devemos
atentar que o sistema só será aplicável em riscos emergenciais, não sendo,
portanto, aplicável ao público em geral que não terá conhecimento ou
treinamento para compreendê-lo; bem como exposições ocupacionais, agentes
explosivos, incluindo materiais explosivos comerciais, como definido no NFPA
495, Explosive Materials Code; substâncias que só apresentem perigo crônico à
saúde, agentes teratogênicos, mutagênicos, oncogênicos, etiológicos e outros
perigos similares.
O sistema indica o grau de severidade através de uma classificação
numérica que se estende desde o 4 (perigo máximo) ao zero (perigo mínimo). Este
sistema de classificação será então disposto em um diagrama, semelhante a um
losango, que conhecemos por “Diamante de Hommel” ou “Diamante do perigo”.
O diagrama será elaborado com o grau correspondente a cada perigo, conforme
Figura 1:
1) Saúde – localizada na posição das 9h;
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2) Inflamabilidade – localizado na posição das 12h;
3) Instabilidade – localizado na posição das 3h;
4) Perigos específicos – localizado na posição das 6h.
Figura 1 – Diagrama de Hommel
Por ser um sistema para identificação de perigos em respostas a
emergências, os diagramas devem ser cuidadosamente colocados em locais de
fácil visualização para auxiliar bombeiros e brigadistas; como equipamentos para
processos químicos, tanques, armários, armazéns e entradas de laboratório; e
também diretamente em recipientes de forma geral, como frascos de reagentes e
bombonas. É aconselhável que os melhores locais para aplicação do diagrama
sejam cuidadosamente discutidos com a equipe responsável pela respostas
emergenciais da empresa e pelos bombeiros.
A avaliação do risco deve ser determinada de forma correta para cada
material específico, de forma que apenas pessoas tecnicamente competentes e
treinadas possam interpretar os critérios do sistema. Devem ser levadas em
consideração as diferentes formas físicas ou condições de armazenamento ou uso
do produto em questão, pois podem acarretar diferentes classificações para o
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
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mesmo material, de forma que apenas aqueles que detêm conhecimento pleno do
material avaliado poderão classificá-lo de maneira adequada.
Para a correta classificação dos graus de perigos à saúde humana devemos
considerar os riscos agudos do material em questão através das diferentes vias de
exposição, sobretudo a via inalatória, via esta que merece destaque durante
combates a incêndios. Devemos salientar que a classificação do material será
feita dentro dos seus perigos em momentos de emergência, por esta razão, perigos
à saúde resultantes das exposições crônicas ou repetidas em baixas concentrações
não serão considerados.
O grau de perigo para a saúde humana indica ao bombeiro ou responsável
pela emergência o equipamento adequado que deverão trajar durante o
atendimento da ocorrência, podendo ser desde roupas normais a equipamentos de
proteção especializados ou com suporte respiratório.
O grau de inflamabilidade demonstra a susceptibilidade do material
queimar, devendo ser avaliado essencialmente conforme este dado. Como muitos
materiais podem ser inflamáveis em determinadas condições e outras não, a
forma ou condição do material deve ser sempre levada em consideração, de modo
que alguns materiais podem ter diferentes classificações, variando, por exemplo,
segundo as condições de armazenamento. Embora o ponto de fulgor seja critério
primário para classificar o grau de inflamabilidade, há mais critérios que podem
ter
igual
importância,
como
temperatura
de
auto-ignição,
limites
de
inflamabilidade, e outros.
O grau de instabilidade determina o grau de susceptibilidade intrínseco de
materiais liberarem energia e se aplica àqueles materiais capazes de reagirem
rapidamente liberando energia de si mesmos, através de auto-reações ou
polimerização. O grau de instabilidade indica ao bombeiro ou brigadista qual
área deve ser evacuada, local que deve ser protegido do fogo, se deve ser tomada
alguma precaução em caso de derramamento ou agentes de extinção de fogo, ou
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
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se o fogo pode ser combatido com procedimentos normais. Os graus serão
classificados de acordo com facilidade, taxa e quantidade de energia liberada pelo
material puro ou em forma comercial.
O diagrama ainda conta com o grau de perigo específico, que descreve a
reatividade com a água e/ou propriedades oxidantes de produtos que tenham
problemas especiais ou que requeiram técnicas especiais de combate a incêndio.
Os únicos símbolos oficiais permitidos pela NFPA 704 estão descritos abaixo:

W: indica que um material pode ter uma reação perigosa ao entrar
em contato com a água. Apenas materiais que reagem violentamente
ou explosivamente com a água (graus 2 ou 3 de reatividade com a
água) devem ser identificados. Não existe grau de perigo 4 para
reatividade com a água;
 Vazio: pode-se utilizar água em caso de incêndio, mesmo não sendo
o mais adequado;
 OX: indica a existência de um oxidante;
 SA: para gases asfixiantes simples (somente para os gases:
Nitrogênio, Hélio, Neônio, Argônio, Criptônio e Xenônio).
Quando se tratar de uma mistura de substâncias, os dados da mistura em
si devem ser usados para determinar os valores para saúde, inflamabilidade e
instabilidade. Na ausência dos dados da mistura em si, o grau mais alto de perigo
de cada componente da mistura deve ser mantido para saúde e reatividade. O
julgamento do profissional deve levar em conta efeitos sinérgicos ou reações entre
os componentes da mistura. A inflamabilidade deve ser classificada de acordo
com o ponto de fulgor da mistura, e não poderá ser extrapolada.
3- SISTEMA GLOBALMENTE HARMONIZADO
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
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O GHS foi desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o
intuito de estabelecer critérios harmonizados para a classificação e rotulagem dos
perigos de produtos químicos (substâncias e misturas) (RIBEIRO-SANTOS;
PINHEIRO, 2009).
Na literatura existem diversos outros sistemas de classificação da
periculosidade de produtos químicos, que podem ser modificados para atender aos
objetivos das organizações. Contudo, podemos considerar o GHS como um sistema
muito completo de comunicação de perigo. A classificação dos perigos físicos, à
saúde humana e ao meio ambiente segue uma padronização internacional
(MATTA, 2009).
O sistema possibilita também a extrapolação da classificação de perigos à
saúde e ao meio ambiente a partir de dados dos ingredientes, não sendo sempre
necessária a realização de testes com animais para a classificação da mistura
(MATTA; PINHEIRO, 2009).
O sistema de classificação de perigos do GHS avalia o produto químico em
uma abordagem global, considerando todos os perigos inerentes a ele. Sendo
assim, para classificar um produto de acordo com seus perigos à saúde humana
devemos considerar seus efeitos agudos e crônicos. A ISO 11014:2009 descreve os
seguintes ítens para perigo à saúde humana: (i) toxicidade aguda, (ii)
corrosão/irritação da pele, (iii) lesões oculares graves/irritação ocular, (iv)
sensibilização
respiratória
ou
da
pele,
(v)
mutagenicidade
em
células
germinativas, (vi) carcinogenicidade, (vii) toxicidade à reprodução, (viii)
toxicidade sistêmica para órgão alvo específico em exposição única, (ix) toxicidade
sistêmica para órgão alvo específico após exposições repetidas e (x) perigo por
aspiração (ZACARIAS; DOS SANTOS, 2009).
O sistema também engloba os possíveis efeitos ambientais, assim como o
comportamento do produto no meio ambiente, levando em consideração a
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 6473, fev. 2011.
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toxicidade
aguda
e
crônica
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para
organismos
aquáticos,
persistência
e
degradabilidade, mobilidade no solo, bioacumulação e impacto ambiental3.
Outro parâmetro avaliado pelo Sistema do GHS são os perigos físicos e
químicos, sendo os provenientes de reações que um produto possa sofrer em
determinadas condições, como por exemplo, combustão, explosão ou liberação de
gases tóxicos após aquecimento. Estes perigos devem ser avaliados através de
ensaios físicos e químicos adequados (ZACARIAS; DOS SANTOS, 2009).
4- DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Entende-se por perigo a propriedade intrínseca a um agente químico, físico
ou biológico de causar efeitos nocivos ao homem ou ao meio ambiente. A avaliação
da periculosidade pode ser realizada por diferentes metodologias e medir
diferentes efeitos (MATTA, 2009).
O correto gerenciamento de risco de produtos químicos, dentro e fora do
ambiente de trabalho, seja no uso industrial, agrícola ou residencial, pressupõe a
adoção inicial de sistemas de classificação de perigo que apresentem critérios
quanto à severidade do efeito e utilize elementos de comunicação para expressar
este perigo (MATTA, 2009).
Diversos sistemas de classificação de periculosidade podem ser utilizados
para um mesmo produto, o que deve ser levado em consideração é o propósito
para o qual se destina a comunicação do perigo.
O sistema de classificação de perigo oferecido pela NFPA 704 é adequado
para o seu propósito: informar o mais rapidamente possível aos bombeiros e
Para maiores informações a respeito da classificação de perigo para o ambiente aquático recomendamos a leitura do
artigo: MATTA, M.E.M.; PINHEIRO, F. Classificação de perigo de substâncias e produtos para o ambiente aquático:
sistema GHS. Revinter – Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 2, n. 3, p. 55-63, 2009.
3
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 6473, fev. 2011.
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brigadistas os perigos presentes no local do acidente. Este sistema nos oferece um
diagrama de fácil visualização e compreensão para os envolvidos, o que agiliza e
facilita o atendimento da ocorrência, minimizando os riscos oriundos do acidente
com produtos químicos. No entanto, o mesmo só será útil em situações de
emergência, não podendo extrapolar os perigos informados para outras situações,
como a exposição ocupacional ou riscos decorrentes de acidente durante o
transporte, pois o mesmo não leva em consideração o risco de exposições
ocupacionais e perigos ao meio ambiente.
Da mesma forma, podemos visualizar o GHS como um sistema igualmente
relevante na comunicação de perigos, porém com o propósito de informar a
qualquer interessado todos os perigos inerentes àquele produto. De acordo com a
classificação, para cada classe de perigo e seu grau de severidade são atribuídos
ao produto pictogramas, palavras de advertência, frases de perigo e frases de
segurança, mensagens padronizadas que visam à rápida e fácil compreensão dos
perigos do produto (MATTA, 2009). Por ser um sistema completo, o GHS pode ser
utilizado para comunicar diversos perigos relacionados a produtos químicos, como
perigos a saúde humana e meio ambiente, descrevendo inclusive alguns riscos
associados a situações de emergências, bem como derramamentos, vazamentos e
combate a incêndio. Contudo neste caso, sua forma de representação quando
comparada ao diagrama fornecido pela NFPA 704 não oferece uma comunicação
tão prontamente completa e ágil.
Podemos perceber que ambos os sistemas, GHS e NFPA 704, são de suma
importância para minimizar os riscos associados aos produtos químicos, cada
qual com seu objetivo. A comunicação de perigo está associada à elaboração de
mensagens que possibilitem a compreensão do perigo pelos públicos a que se
destinem. Para uma comunicação de perigo efetiva, o público receptor deve ter
alguma experiência com o significado da mensagem (MATTA, 2009).
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
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Desta forma se faz necessária a capacitação das pessoas envolvidas, não
apenas na classificação e elaboração dos documentos de segurança, bem como
todos aqueles que terão contato com o produto químico em questão e com os
sistemas de classificação e identificação de perigos utilizados (PINHEIRO, 2009).
Ao se fazer uso de sistemas de classificação e informação com qualidade e
adequados aos seus objetivos, oferecemos maior segurança no contato com
produtos químicos minimizando os possíveis riscos associados.
REFERÊNCIAS
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perigo de substâncias químicas. Revinter – Revista Intertox de Toxicologia,
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Disponível em: <http://www.intertox.com.br/documentos/v2n3/rev-v02-n0306.pdf>. Acesso em: fev. 2011.
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gerenciamento de risco químico – uma visão crítica e conceitual. Revinter –
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 2, n. 2, p.
29-42, 2009. Disponível em: <http://www.intertox.com.br/documentos/v2n2/revv02-n02-03.pdf>. Acesso em: fev. 2011.
COELHO, Aretha Sessa. Classificação de perigo de materiais sob a óptica da NFPA 704.
RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 6473, fev. 2011.
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ISBN 1984-3577
Os perigos do uso inadequado do formol na
estética capilar
Thiago Iorio Belviso
Cursando Química Industrial pelas Faculdades Oswaldo Cruz. Técnico
Químico pelo Colégio Técnico Oswaldo Cruz. Experiência em laboratório
de ensaios físicos e químicos na área ambiental com a creditação ISO
17025. Experiência na classificação de perigo de produtos químicos
(sistemas GHS, Comunidade Européia, Diagrama de Hommel,
transporte, etc) e elaboração de documentos de Segurança (Ficha de
Informações de Segurança de Produtos Químicos -FISPQ-, Ficha de
Emergência e rótulo). Email: [email protected]
Resumo
Este artigo tem como intuito fornecer informações atualizadas sobre os perigos do
uso indevido e/ou excessivo do formol utilizado no alisamento capilar. A idéia é
proporcionar um melhor entendimento sobre este ingrediente e a aplicação do
mesmo. O artigo tem como público alvo todos os profissionais que estão direta ou
indiretamente relacionados a este ingrediente, tais como, estabelecimentos
comerciais
do
setor
cosmético,
consumidores,
estudantes,
especialistas,
toxicologistas, etc. O leitor poderá entender quais são as devidas concentrações
estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Entender
quais são os efeitos para a saúde humana decorrentes de sua aplicação, os perigos
da exposição a curto e longo prazo, a eficácia deste tratamento comparado com
seus perigos, outras aplicações de alisamento sem a utilização de formol, as
diferenças entre o uso do formol e outros componentes para o alisamento. Por
outro ponto de vista, temos também o lado toxicológico que nos traz informações
BELVISO, Thiago Iorio. Os perigos do uso inadequado do formol na estética capilar. RevInter
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relevantes embasadas em literaturas tais como Agências Internacionais, Órgãos
governamentais, monografias, etc. Dentro deste contexto a toxicologia está
diretamente relacionada aos perigos do formol, sendo de suma importância a
abordagem sobre a concentração do ingrediente, via de exposição, efeitos à saúde
humana e seus sintomas.
Palavras-chave: Formol. Anvisa. Perigos a saúde. Toxicológicos. Exposição.
Alisamento capilar.
Abstract
This article has the intention to provide current information about the dangers of
misuse and / or excessive use of formaldehyde in hair straightening. The idea is
to provide a better understanding of this ingredient and application. The main
target is to all professionals who are directly or indirectly related to this
ingredient, such as retailers in the cosmetics industry, consumers, students,
specialists, toxicologists, etc.. The reader can understand what are the
appropriate concentrations established by the National Sanitary Surveillance
Agency (ANVISA). Understand what are the effects on human health resulting
from its application, the dangers of exposure to short-and long-term and the
efficacy of this treatment compared with its dangers, other applications of
straightening without using formaldehyde, the differences between the use of
formaldehyde and other components for straightening. On another point of view,
we also have the side that brings us toxicological relevant information grounded
in literature such as International Agencies, Government Offices, monographs,
etc.. Within this context the toxicology is directly related to the dangers of
BELVISO, Thiago Iorio. Os perigos do uso inadequado do formol na estética capilar. RevInter
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formaldehyde, which is extremely important to approach on the concentration of
each ingredient, route of exposure, human health effects and symptoms.
Keywords: Formaldehyde. Anvisa. Health hazards. Toxicology. Exposure. Hair
straightening.
Visão geral e aplicações
O que é e quais são as aplicações do formol?
O formol ou formaldeído é um composto líquido claro, que se apresenta sob
a forma de uma solução a 37%.
É usado normalmente como preservativo, desinfetante e anti-séptico.
Também é usado para embalsamar peças de cadáveres, na confecção de seda
artificial, celulose, tintas e corantes, soluções de uréia, tiouréia,
1resinas
melamínicas, vidros, espelhos e explosivos, pode ser utilizado para dar firmeza
nos tecidos, na confecção de germicidas, fungicidas agrícolas, na confecção de
borracha sintética e na coagulação da borracha natural. É empregado no
endurecimento de gelatinas, fabricação de drogas e pesticidas.
Qual a finalidade de usar o formol para o alisamento capilar?
Nos últimos anos o mercado estético tem ganhado muita força no que se diz
a respeito sobre novas formulações, tratamentos, cuidados com o corpo, enfim.
Todos os produtos que proporcionam uma beleza para nosso corpo têm sido cada
vez mais freqüentes na sociedade.
Baseado nestes fatos podemos citar o alisamento capilar utilizado pela
maioria das mulheres. Mas a questão é, porque o formol?
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O formol como dito antes é utilizado principalmente como conservante.
Por isso podemos dizer que esta substância deixa os cabelos lisos,
preservado das ações da natureza, brilhosos, produzem um efeito com maior
___________________________________
1 - resinas
melamínicas: material plástico termorrígido e resistente
qualidade em relação aos outros compostos utilizados para tal alisamento.
O alisamento e os limites de acordo com a ANVISA
Escova progressiva:
Escova Progressiva é um método de alisamento capilar, atual modismo,
como foram a Escova Francesa, o Alisamento Japonês, a Escova Definitiva, e etc.
Todos esses métodos referem-se a alisamento de cabelo, e não são registrados na
Anvisa. Apenas os produtos utilizados nesses procedimentos necessitam de
registro.
Limites:

O formol é uma solução de formaldeído, matéria-prima com uso permitido
em cosméticos nas funções de conservante (limite máximo de uso
permitido 0,2% - Resolução 162/01) e como agente endurecedor de unhas
(limite máximo de uso permitido 5% - Resolução 79/00 Anexo V).
Registro:
BELVISO, Thiago Iorio. Os perigos do uso inadequado do formol na estética capilar. RevInter
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 O uso do formol com função diferente das citadas e em limites acima dos
permitidos pode causar danos à saúde, não podendo ser usado em produtos
cosméticos.
 Todos os produtos registrados pela Anvisa que apresentam o formol na sua
composição têm as concentrações da substância dentro dos limites
previstos na legislação vigente.
 Quando o produto não é registrado, sua composição não foi avaliada, e pode
conter substâncias proibidas ou de uso restrito, em condições e
concentrações inadequadas ou não permitidas, acarretando riscos à saúde
da população.
Efeitos adversos a saúde humana e visão toxicológica
Todos nós sabemos que tudo em excesso é prejudicial, com o Formol não é
diferente. Segundo notícias de veículos de comunicação, órgãos governamentais e
estudos, trazem uma ampla visão de quão prejudicial é o uso indevido de formol.
Temos vários exemplos para citarmos, onde abaixo podemos conferir:
‘’O salão de beleza de Juiz de Fora, em Minas Gerais, usou formol, componente
proibido, em uma "escova inteligente" e quase deixou a cliente careca.”
R7. O salão de beleza de Juiz de Fora, em Minas Gerais, usou formol, componente
proibido, em uma "escova inteligente" e quase deixou a cliente careca. Fala
Brasil. São Paulo, 2011. Disponível em: <http://noticias.r7.com/videos/mulherrecebera-r-12-mil-de-salao-de-beleza-que-usou-formal-emBELVISO, Thiago Iorio. Os perigos do uso inadequado do formol na estética capilar. RevInter
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tratamento/idmedia/7871097874b99fcefe9924a64cc272b1.html>. Acesso em: 03
jan. 2011.
JC. Uma menina de 11 anos sofreu queimaduras no couro cabeludo depois de
alisar o cabelo em um salão de beleza em Sorocaba. A criança, que tem diabetes e
hipertensão, teve irritação nos olhos e falta de ar durante o alisamento. Os
médicos constataram que ela teve intoxicação. Rio Claro. 2009. Disponível em:
<http://jornalcidade.uol.com.br/rioclaro/seguranca/rio_claro/34173-Utilizacao-deformol-em-alisamentos-e-proibida-pela-Anvisa>. Acesso em: 03 jan. 2011.
Abaixo podemos observar resumidamente quais são os principais efeitos
para a saúde humana de acordo com as vias de exposições.
Nome da substância: Formol ou Formaldeído
Nº CAS: 50-00-0
Tabela 1: Principais perigos do formol em caso de exposição aguda.
Vias de
exposição
Toxicidade
aguda
Ingestão
*DL50(oral,
ratos)= 100mg/Kg
Inalação
*CL50 (inalação,
vapores, ratos,
4h)= 0,48mg/L
Pele
*DL50(pele,
coelhos)=
270mg/Kg
Efeitos
adversos/
Efeitos locais
Queimaduras do
trato
gastrointestinal
Causa edema
pulmonar e
danos ao sistema
nervoso central
Irritação
Principais
sintomas
Náuseas, vômitos,
dores abdominais e
enjôo.
Ardência do trato
respiratório, coriza,
coceira, falta de ar,
tosse, e dor de cabeça
Vermelhidão do couro
cabeludo e queda do
cabelo
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Olhos
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Irritação
Vermelhidão, ardor e
lacrimejamento
* A dose letal ou concentração letal de uma substância é uma medida do seu
poder mortífero. Define-se dose letal (DL50) e concentração letal (CL50) como a
concentração de uma substância química capaz de matar 50% da população de
animais testados. Onde para a DL50 em miligramas (mg) de substância por cada
quilograma (kg) de massa corporal do animal testado, já a CL 50 mede-se por
miligramas (mg) por litro (l), podendo variar esta medida de acordo com seu
estado físico.
Contato a longo prazo e risco de provocar câncer
A exposição ao formol a longo prazo pode provocar: boca com sabor amargo,
dores abdominais, feridas na boca, narinas e olhos. Se utilizado em concentrações
fora das especificações estabelecidas de acordo com a ANVISA pode acarretar
formação de câncer na boca, narinas, pulmão, traquéia, etc.
Existem outras substâncias para o alisamento capilar?
A legislação brasileira aprova o uso de outras substâncias para o
alisamento capilar, sendo: ácido tioglicólico, hidróxido de sódio, hidróxido de lítio,
carbonato de guanidina e hidróxido de cálcio. Estes ingredientes podem não ser
tão eficazes como o formol, porém em comparação com os perigos apresentados,
estas substâncias fornecem uma melhor garantia de segurança para nossa saúde.
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Para maiores informações e conteúdo completo de como utilizar o Formol
de uma maneira segura sem causar danos a nossa saúde consulte as referências
abaixo.
REFERÊNCIAS
ANVISA - AGÊNCIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/cosmeticos/alisantes/formol2/uso_do_formol_2.htm>
Acesso em: 03 jan. 2011.
HSDB - HAZARDOUS SUBSTANCES DATA BANK. Disponível em:
<http://toxnet.nlm.nih.gov/cgi-bin/sis/htmlgen?HSDB>. Acesso em: 03 jan. 2011.
NIOSH - NATIONAL INSTITUTE OF OCCUPATIONAL AND SAFETY.
International Chemical Safety Cards. Disponível em:
<http://www.cdc.gov/niosh/>. Acesso em: 03 jan. 2011.
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O GERENCIAMENTO DO RISCO
TOXICOLÓGICO E O FUTURO HUMANO
Ana Carolina Pedroza
Farmacêutica-bioquímica, pós-graduanda de Ciências Toxicológicas das
Faculdades Oswaldo Cruz. Experiência com atendimento ao cliente
(agente
de
relacionamento
SIC),
informações
médicas,
farmacovigilância e reclamações técnicas. Experiência na classificação de
perigo de produtos químicos (sistemas GHS, Comunidade Européia,
Diagrama de Hommel, transporte, etc) e elaboração de documentos de
Segurança (Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos FISPQ,
Ficha
de
Emergência,
e
rótulo).
Email:
[email protected]
Resumo
Todas as substâncias são venenos, não há nenhuma que não seja um veneno. A
dose certa diferencia o veneno do remédio. No mundo de hoje muitas substâncias
tóxicas estão presentes no dia a dia dos seres humanos, porém poucos têm
consciência do risco que correm ao se depararem diariamente com as mesmas.
Esse texto tem como objetivo desvendar de forma sucinta a palavra toxicologia
comentando sua história, suas áreas e o quão intimamente estão ligadas a
sociedade e por fim mostrar que o gerenciamento do risco toxicológico tem e terá
um papel fundamental no futuro da humanidade.
Palavras-chave: Toxicologia. Risco. Veneno. Remédio.
Abstract
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 82-95, fev.
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All substances are poisons, there are none that is not. The right dose differs a
poison from a remedy. Nowadays, many toxic substances are part of human
beings daily life. Only few people are aware of the risk they take when facing this
substances daily. This text aims to briefly uncover the word toxicology,
commenting its history, its areas, showing how closely they are related to society
and finally prove that managing Toxicological risk has and will have an
important role in the future of humanity.
Keywords: Toxicology. Risk. Poison. Medicine.
Introdução
Quando nos referimos a palavra toxicologia logo o que vem em mente é a
referência à algo tóxico que faz nos mal, e para os não iniciados no assunto vem a
idéia imediata das drogas de abuso.
Toxicologia é a ciência que estuda os efeitos tóxicos de um determinado
agente químico em decorrência de sua interação com o sistema biológico, sendo
que esses efeitos se não diagnosticados, vigiados, minimizados, tratados, ou o
melhor, prevenidos, podem até levar a óbito, seqüelas, incapacitação, enfim,
perda da qualidade de vida.
A toxicologia é uma ciência multidisciplinar (e por isso, no exercício prático
será pluriprofissional), podendo ser estudada sob três aspectos distintos:
Toxicologia Analítica (para que se identifique o toxicante e se proceda ao melhor
diagnóstico clínico), Toxicologia Clínica (que lida com o manejo da intoxicação,
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com destaque para o tratamento médico) e Toxicologia Experimental (estudo da
toxicidade para o lançamento racional das bases da prevenção).
Suas áreas de atuação são muitas, dentre elas:

Toxicologia Ambiental: efeitos nocivos produzidos por substâncias
químicas presentes no macro ambiente (compartimentos ambientais) sobre
populações humanas. Guarda íntima correlação com a Epidemiologia.

Toxicologia
Ocupacional:
efeitos
nocivos
produzidos
pelas
substâncias químicas presentes no ambiente de trabalho (micro ambiente) do
homem.

Toxicologia de Alimentos: estuda os efeitos adversos produzidos por
agentes químicos presentes nos alimentos, sejam estes de origem biogênica ou
antropogênica.

Toxicologia de Medicamentos: efeitos adversos decorrentes do uso
inadequado de medicamentos/cosméticos, da interação medicamentosa ou da
susceptibilidade individual.

Toxicologia Social: efeito nocivo dos agentes químicos usados pelo
homem em sua vida de sociedade, seja sob o aspecto individual, seja no coletivo.

Ecotoxicologia: estudo dos efeitos adversos de agentes químicos ou
físicos sobre a biota dos ecossistemas.
História
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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O conhecimento toxicológico, ou melhor, o conhecimento de propriedades
toxicológicas de certos produtos, é algo antigo que se iniciou nos tempos
primordiais, quando eram utilizados, por exemplo, em instrumentos de caça ou
arma contra inimigos.
Na Idade Média foram estudadas as propriedades tóxicas de plantas e
outros produtos já com algum foco no mecanismo de ação de veneno.
O século XVII teve como destaque os estudos e idéias de Paracelsus (14931541), com seu postulado de que “todas as substâncias são venenos, não há
nenhuma que não seja um veneno. A dose certa diferencia o veneno do remédio”.
A partir do século XVIII, iniciou-se mais propriamente o caminho da
Toxicologia Ocupacional, com estudos realizados com venenos de serpentes por
Fontana (1720-1805). Antes, grande influência teve o estudo de Paracelsus, On
the miner´s sickness and other iseases of miners, publicado em 1567, que abordou
sintomatologia, tratamento e a prevenção de doenças associadas ao trabalho.
A Toxicologia Forense se projeta, com o estudo de envenenamento através
de identificação e quantificação de agentes tóxicos em tecidos, com a introdução
de métodos analíticos aplicados por Joseph Jacob Plenck (1739-1807), (OGA,
2003).
O século XIX é marcado pelo avanço da toxicologia nas áreas experimental,
ocupacional e também com a aplicação química analítica para detecção de
contaminantes em alimentos e preparações farmacêuticas (OGA, 2003).
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O século XX irá se caracterizar pelo rápido e constante desenvolvimento da
indústria química (produtos químicos) síntese química, fins farmacêuticos
(excipientes, substâncias ativas), alimentos (flavorizantes, corantes, consonantes)
e agrícolas (praguicidas, inseticidas), o que implica, por conseqüência, num
crescente interesse pela toxicologia e seu crescimento.
Tivemos alguns episódios que demonstram com clareza casos de
intoxicação. Em 1.937 o uso de elixir de sulfanilamida leva a óbito centenas de
pacientes devido a intoxicação causada pelo solvente (excipiente) dietilenoglicol
(OGA, 2003).
Por volta de 1.956, mulheres no período de gestação foram medicadas com
Talidomida (substância que age como sedativo, hipnótico e anti-inflamatório)
para o combate a enjôos matinais. A Talidomida é uma droga teratogênica, que
compromete os fetos, principalmente nos primeiros meses de desenvolvimento (2ª
e 10ª semana de gestação), e devido a isso várias crianças nasceram com
focomelia. Constatou-se para esta droga grande eficácia no tratamento do eritema
nodoso leproso (ENL). Esta descoberta foi o ponto de partida para novos estudos
sobre os efeitos da Talidomida, sendo a sua administração para o tratamento do
ENL aprovada pela FDA em 1968 (Faculdade de Farmácia da Universidade do
Porto, 2011). O foco principal da toxicologia está voltado à avaliação da segurança
e riscos na utilização de substâncias químicas, gerenciamento de risco, controle
de substância química nos alimentos e local de trabalho, estudos de
carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade e estudos de proposição de
limites; fato esses que fazem da toxicologia não só uma ciência que estuda o que é
tóxico “o que faz mal”, mas sim uma ciência social, uma ciência que tem em si a
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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finalidade de prevenir, diagnosticar e tratar a intoxicação trazendo benefícios
para o mundo.
Segurança e Riscos na utilização de Substâncias Químicas
Os riscos apresentados pelos produtos químicos dependem muito de sua
reatividade, características físico-químicas e da toxicidade. Devemos considerar
também as condições de manipulação, a possível exposição do trabalhador e as
vias de introdução do agente tóxico (VIEIRA, 2011).
Gerenciamento de Risco
No mundo moderno, com seu constante desenvolvimento tecnológico, o
homem está exposto freqüentemente a diversos agentes tóxicos, muitas doenças
e acidentes relacionados a produtos químicos (ALVES, 2011).
O gerenciamento de risco corresponde ao processo de redução do risco aos
níveis considerados toleráveis pela sociedade e o seu respectivo controle,
monitorização e comunicação ao público.
Controle de substâncias químicas no alimento, meio ambiente e locais
de trabalho
Muitas dezenas de substâncias são adicionadas a alimentos para
intensificar sua comercialização, como aparência, textura, sabor, etc. Estas
substâncias podem ocasionar a toxicidade, de modo que devem sempre ser
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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mantidas sob formas apropriadas de tóxico-vigilância. Também a contaminação
fúngica ou microbiana da comida durante o processo fabril ou o de
armazenamento pode introduzir toxinas aos alimentos (GRAIG, 2005).
Já no meio ambiente, sofremos com o vazamento de resíduos químicos de
indústrias de diversos seguimentos. São substâncias potencialmente tóxicas, e,
embora muitas delas possam ocorrer em concentrações que isoladamente não
causam danos, a presença concomitante com outras substâncias químicas pode
resultar em co-atuação sinérgica, com aumento da toxicidade e produção de danos
severos.
Dentre as contaminações ambientais destacamos a intoxicação da água
(praguicidas, fertilizantes, lançamento de esgoto, rejeitos e aterros industriais),
do ar (monóxido de carbono, ozônio e óxidos de enxofre e nitrogênio) e do solo
(esgoto, praguicidas e outros tipos de poluentes produzidos pela ação antrópica).
No ambiente profissional químico, existem diversos riscos dentre eles:
vapores, poeiras, fumos, névoas, gases (riscos químicos) e ruídos, vibrações e
temperatura inadequada (riscos físicos).
Todos os riscos aqui citados podem ser evitados até mesmo eliminados
mediante aos equipamentos de proteção coletiva (EPC), equipamentos de
proteção individual (EPI) e também com o conhecimento e treinamento básico
sobre o preenchimento e interpretação da FISPQ (Ficha de Informação de
Segurança de Produtos Químicos) e da FE (Ficha de Emergência) (VERGA
FILHO, 2011).
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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Limites em Toxicologia
Na toxicologia, entendemos como limite, o grau máximo de exposição a que
um ser vivo pode se submeter a dado agente químico de forma que tal situação
não traga danos para sua saúde nem a curto nem a longo prazo.
Com a evolução do conhecimento dos efeitos nocivos que um determinado
agente químico pode causar, indagamos a utilização desse conhecimento pelo fato
de que, pode ser utilizado com interesses utilitaristas, as pessoas se expondo ao
risco com a intenção de ganhos em processos administrativos ou judiciais. Dessa
forma, fica sempre a questão se o uso dos limites está sendo com ética e moral
(AZEVEDO, 2010).
Avaliação de Risco (AR)
A avaliação de risco é um processo sistemático pelo qual o perigo
(capacidade de uma substância causar danos), a exposição e o risco (probabilidade
de uma substância produzir danos sob determinadas condições de exposição) são
identificados e quantificados com a intenção de subsidiar a definição dos objetivos
a serem atingidos na remediação e das medidas corretivas a serem adotadas
(OGA, 2003).
A AR traz consigo as atitudes de Gerenciamento de Risco, com decisões
individuais que equilibram o risco, fazendo com que os recursos para sua
implementação reduzam (AZEVEDO, 2010). O objetivo é de identificar e lidar
primeiro com os riscos mais graves, desde que controláveis.
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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Diante do exposto, entendemos que a AR depende do potencial tóxico (de
uma determinada substância-toxicidade), da forma e da intensidade da exposição.
A AR se inicia prioritariamente pela identificação do perigo que é
investigada através de estudos em animais de experimentação, estudos
epidemiológicos
e,
mais
atualmente,
sobretudo
pelo
uso
de
técnicas
computacionais altamente especializadas (SANTOS, 2010).
A base fundamental para a relação quantitativa entre a exposição a um
agente e a resposta adversa é a avaliação dose-resposta que tem como objetivo
quantificar o perigo.
Com a caracterização da exposição e da dose-resposta temos a perfeita
identificação do risco avaliado e conseqüentemente a dose segura de exposição
sem que esta possa causar efeitos nocivos à saúde durante toda a vida; contudo,
tal assertiva sempre se baseia no conhecimento atualizado à época em
consideração. Mudanças nesse conhecimento mudam também considerações
sobre limites e os atos disto decorrentes (AZEVEDO, 2010).
Risco Ambiental (Ecotoxicologia)
Temos tido um aumento de novos riscos, também de origem tecnológica,
como os “acidentes” envolvendo agentes radioativos, químicos e biológicos. Um
exemplo claro são os impactos do aquecimento global, o buraco da camada de
ozônio e a constante liberação de fluidos químicos no solo, água ou ar (GRAIG,
2005).
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 82-95, fev.
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Tal realidade implicou que governos, academia e sociedade começassem a
desenvolver e aplicar métodos científicos para estimar os riscos de modo
qualitativo e probabilístico, o que acarretou o crescimento de uma área
especializada em análise de risco no meio ambiente, com forte embasamento na
Ecotoxicologia.
A avaliação de danos e riscos ambientais exige constante atualização de
conhecimentos e o acompanhamento de perto dos órgãos regulamentadores
(Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, Ministério da Saúde, Anvisa, Ministério
da Agricultura, etc., no caso brasileiro) e também o gerenciamento de risco, com a
utilização de sistemas e conjuntos de diferentes ferramentas, como: REACH Registro,
Avaliação,
Autorização e Restrição
de Substâncias químicas –
(PINHEIRO, 2008), FISPQ - Ficha de Informações de Segurança de Produto
Químico - (PINHEIRO, 2009), GHS - Sistema Globalmente Harmonizado de
Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos – (MATTA; PINHEIRO,
2009/2010) e QSAR - Quantitative Structure-Activity Relationship (SANTOS,
2010).
Toxicologia Social
A Toxicologia Social estuda os efeitos nocivos decorrentes do uso não
médico de fármacos ou drogas que possuem um potencial de indução à
dependência, causando danos para o indivíduo, para a família e também à
sociedade.
Hoje o uso abusivo de substâncias/produtos químicos é um problema
mundial e ocorre sem restrição/diferença de raça, cor, etnia, idade e classe social.
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 82-95, fev.
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O uso não médico caracteriza-se pela exposição a uma droga ou fármaco
pelo uso freqüente, ocasional e compulsivo.
As sete principais classes de drogas ou fármacos que induzem a
dependência
são:
(i)
Opiáceos
(morfina,
codeína),
(ii)
Psicoestimulantes
(anfetaminas, MDA e MDMA), (iii) Depressores do SNC, (iv) Etanol, (v)
Inalantes, (vi) Tabaco, Cannabis (haxixe e maconha) e (vii) Psicodélicos
(alucinógenos).
Riscos no lar
Há um grande número de acidentes tóxicos causados por produtos
domissanitários (sabões e detergentes, desinfetantes, agentes de limpeza,
inseticidas, raticidas e repelentes de domésticos), que geralmente ocorrem com
crianças, adolescentes e mulheres adultas.
As intoxicações por plantas ornamentais também é comum de ocorrer
devido ao fácil acesso (plantas cultivadas em vasos e jardins residenciais), porém
seu potencial de risco geralmente é baixo e causam somente irritação na pele e
mucosas. Existem muitas espécies vegetais tóxicas que variam de intoxicação
cianídrica a plantas alucinógenas com um potencial de risco mais agravante.
Em qualquer um dos casos aqui expostos, devemos sempre considerar a
dose terapêutica, dose máxima, pico de ação, via de eliminação e meia vida da
substância ingerida. Dessa forma vemos que a toxicologia é muito importante
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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para conhecimento do risco em potencial dessas substâncias tão comuns e
presentes no nosso dia a dia (OGA, 2003).
Carcinogenicidade, Mutagenicidade e Teratogenicidade
A carcinogênese (oncogênese) é um processo anormal, não controlado, de
proliferação e diferenciação celular, inicialmente localizado, mas que pode se
propagar pelo organismo e levar a óbito. Existem três fases: o estágio de
iniciação, o estágio de promoção e o estágio de progressão.
A mutagenicidade refere-se a toda alteração do material genético de uma
célula que não resulta segregação ou recombinação. Os efeitos mutagênicos das
substâncias
químicas
podem
ser
avaliados
através
de
ensaios
com
microorganismos e em organismos superiores.
A teratogenicidade indica malformações induzidas por agentes patológicos,
químicos e ambientais durante o desenvolvimento dos órgãos, podendo ser de
natureza estrutural e/ou funcional, ou seja, podem manifestar-se por defeito físico
ou bioquímico. A avaliação do efeito teratogênico de um composto químico,
através de métodos experimentais é executada em três fases distintas durante o
pré/período de gestação (LARINI, 1997).
Os estudos para avaliação desses processos devem ser realizados dentro
das conformidades que as BPL – NIT-Dicla 035 (Princípios das Boas Práticas de
Laborátorio) determinam.
Conclusão
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Embora a toxicologia seja um conhecimento antigo, sabe-se que é recente o
seu desenvolvimento e sua inserção na sociedade como ciência com domínio
próprio.
Essa ciência vem crescendo desde o século XVII, ramificando-se em
diversas áreas, porém, foi nos séculos XIX/XX, com o crescente desenvolvimento
da indústria química que se tornou mais atuante.
Poucos conhecem a importância e os benefícios do desenvolvimento da
toxicologia e, principalmente, desconhecem que a mesma está diretamente ligada
ao futuro de cada qual e da humanidade.
Verificamos que, com o passar do tempo, a toxicologia vem ganhando
espaço em todos os campos relacionados à saúde, uma vez que a tendência é de
que o constante crescimento da indústria continue, aumentando assim o contato
da população com substâncias potencialmente tóxicas.
Sabe-se também que esse crescimento industrial depende da toxicologia,
pois hoje são exigidos estudos que comprovem a segurança tóxica, a fim de
garantir a dose segura tanto aos humanos quanto ao ecossistema.
Diante do exposto, entendemos que são imperativos a divulgação e o
esclarecimento do que é e do que pode a toxicologia junto aos segmentos expostos,
bem como junto à população geral, que a cada dia aumenta seu contato com
substâncias químicas sem sequer imaginar que as mesmas podem ser tóxicas.
PEDROZA, Ana Carolina. O gerenciamento do risco toxicológico e o futuro humano. RevInter
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80 anos depois: um mal-estar ambiental
Fausto A. de Azevedo
Farmacêutico-Bioquímico, USP; Especialista em Saúde Pública, USP; Mestre
em Análises Toxicológicas USP; ex-Coordenador de Toxicologia da CETESBSP; ex-Professor Titular de Toxicologia da PUC-Campinas; ex-Diretor Geral
do Centro de Recursos Ambientais CRA-BA; ex-Gerente de Vigilância
Sanitária da Secretaria da Saúde-BA; ex-Presidente do CEPED-BA, exSubsecretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia, exSuperintendente de Planejamento Estratégico do Estado da Bahia. Professor
e co-Coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Toxicológicas das
Faculdades Oswaldo Cruz, São Paulo. E-mail: [email protected]
Resumo
O artigo intenta, como primeira tentativa, compreender, apreender e manejar conceitos e
mecanismos fundamentais da ―ciência da psique‖, muito lastreado em alguns aspectos do
vasto conhecimento freudiano, de forma a poder entender, para depois ousar explicar, a
relação até aqui tão negativa e destrutiva do ser humano com seu meio ambiente. Idéias
como pulsão de vida e pulsão de morte são trazidas à cena e discutidas na expectativa de
aclarar a questão.
Palavras-chave: Ecologia. Ecologia mental. Pulsão de morte. Psicanálise.
Abstract
The article attempts, as the first attempt, to understand and manipulate concepts and the
fundamentals of the "science of the psyche", backed by some aspects of Freud's vast
knowledge, in order to understand, then try to explain, the relationship so far negative and
destructive human beings and their environment. Ideas such as life instinct and death
instinct are brought to the scene and discussed the expectation of clarifying the issue.
Keywords: Ecology. Mental ecology. Death instinct. Psychoanalysis.
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
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INTRODUÇÃO
Todas as evidências objetivas dos dias atuais escancaram uma situação de
degradação da saúde ambiental, da saúde social, da saúde familiar e da saúde
psíquica individual.
Nada disso é novidade. A novidade (negativa), sem dúvida, é a carga, a
intensidade com que tudo isso se dá no presente, e o seu aparentemente possível – e
assustador – grau de irreversibilidade.
Dizemos que não é novidade uma vez que, a partir do século XIX, e entrando
pelo XX, autores de clareza irritante e de discurso afiado, psicanalistasi e filósofosii,
economistasiii e biólogosiv, políticosv, religiososvi e ativistasvii, têm denunciado o fato.
Fiquemos, nesse sentido, com dois deles, cada um, ao seu modo e em seu
campo, definidores de mudanças em nossa linha de pensamento. Referimo-nos a
Sigmund Freud e a Félix Guattari.
Já há 80 anos, em 1930, no hoje clássico O mal-estar na civilizaçãoviii, Freud
questiona agudamente a capacidade das sociedades modernas em controlar suas
pulsões destrutivas. Discutiremos essa reflexão de Freud mais adiante.
Guattari, por sua vez, abre (o hoje também clássico) As três Ecologiasix
afirmando:
O planeta Terra vive um período de intensas transformações técnicocientíficas, em contrapartida das quais se engendram fenômenos de
desequilíbrios ecológicos que, se não forem remediados, no limite,
ameaçam a vida em sua superfície.
Paralelamente a tais perturbações, os modos de vida humanos individuais e
coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de parentesco
tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada pelo
consumo da mídia, a vida conjugal e familiar se encontra freqüentemente "ossificada"
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
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por uma espécie de padronização dos comportamentos, as relações de vizinhança
estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão... x
E vai além, fornecendo-nos uma provocação psicanalítica ao considerar logo em
seguida:
É a relação da subjetividade com sua exterioridade – seja ela social,
animal, vegetal, cósmica – que se encontra assim comprometida numa
espécie
de
movimento
geral
de
implosão
e
infantilização
regressiva.xi (grifo nosso)
Depois, ainda no início de sua obra citada, arremata:
[...] ao passo que só uma articulação ético-política – a que chamo
ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o
das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia
esclarecer convenientemente tais questões.xii (grifo nosso)
A visão ácida – porém realista – de Guattari quanto a nossa evolução social
mundial é de que:
No que concerne ao eixo Norte-Sul, dificilmente pode-se imaginar que
a situação melhore de maneira considerável. Certamente é concebível
que a progressão das técnicas agroalimentares acabe por permitir a
modificação dos dados teóricos do drama da fome no mundo. Mas na
prática, enquanto isso, seria totalmente ilusório pensar que a ajuda
internacional, da maneira como é hoje concebida e dispensada, resolva
duradouramente qualquer problema que seja! A instauração a
longo prazo de imensas zonas de miséria, fome e morte parece
daqui em diante fazer parte integrante do monstruoso sistema
de "estimulação" do Capitalismo Mundial Integrado. xiii,xiv (grifo
nosso).
Escolhemos o polêmico autor francês, Félix Guattari, por haver sido ele, como
traz seu vasto currículo, também um psicanalista, que, apesar de contestar Freud em
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muitos aspectos, bem como inquirir o freudismo de maneira até áspera, estabeleceu
uma ponte bastante importante (e que muito nos interessa) entre as forças do
aparelho psíquico e a questão humana da ordem ecológica, que, em última instância,
diz respeito às chances de sobrevivência de nossa espécie no planeta. Não sabemos de
algum outro pensador com sólida formação psicanalítica que tanto tenha mergulhado
também no estudo das forças que ameaçam a manutenção ecológica da Terra, desde
aquelas que nascem na psique humana até as que foram gestadas pelo intelecto
humano, como as ciências, as tecnologias e as políticas.
Sem dúvida, esse agitado pensador francês nos influenciou a estudar a
Psicanálise. E, quando não mais, nos induziu a tentar um mergulho e um
aprendizado árduo na obra freudiana na esperança de nela encontrar indicações que
possam vir a esclarecer os mecanismos comportamentais que nos levam a uma
recorrente prática de não-cuidado com o patrimônio ambiental, tanto no plano
individual quanto no coletivo.
Finalmente, a angustiante pergunta que nos colocamos é: por que, a despeito
de todas as nítidas e contundentes evidências de um já quase desastre do projeto de
humanidade, nós não assumimos coletivamente um comportamento regenerador e
prosseguimos, como numa exacerbação tanatológica, a destruir – incansavelmente –
a única casa que temos, isto é, quais as forças (negativas) subterrâneas que nos
impelem cada vez mais para a beira do abismo das três destruições: a social, a mental
e a ecológica?
OBJETIVO
Nosso objetivo é procurar (numa primeira abordagem) compreender, apreender
e manejar conceitos e mecanismos fundamentais da ―ciência da psique‖, de forma a
poder entender/(explicar) a relação até aqui tão negativa e destrutiva do ser humano
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com seu meio ambiente, o qual lhe é útero, fonte de vida e de prazer, e é o único que
ele tem.
ANÁLISE
Antecipamo-nos a responder a uma possível objeção. O foco desse trabalho não
se encontra em qualquer aspecto clínico específico daquilo que ocorre na intimidade
do consultório do psicanalista e da relação um analista – o analisando. Todavia,
acha-se, pelo menos pretende, isso sim, no arcabouço conceitual da teoria
psicanalítica, no mesmo elenco de conceitos e raciocínios que, se por um lado sustenta
a prática clínica provendo-lhe da base teórica necessária, por outro lado há de
permitir também que se depreendam do mecanismo psíquico individual explicações e
esclarecimentos para comportamentos coletivos e suas implicações. Pode-se (desejase) esperar que a psicanálise desempenhe, juntamente com aquilo que já realiza no
plano individual de cada analisando ou paciente, um papel de transformação socialxv.
Para o diplomata, filósofo e antropólogo Sérgio Paulo Rouanet, a psicanálise
pode ser uma mediadora entre o indivíduo e a sociedadexvi. Ela tem elementos
comuns com o marxismo – e esta seria uma oportunidade para se compreender o ser
humano e sua complexidade individual e social. A psicanálise seria um instrumento
para libertar o homem dos seus condicionamentos internos; o marxismo, um
instrumento para libertar o homem de seus condicionamentos objetivos, externos e
internos (através de um sujeito coletivo).
Já para Ernesto Duvidovich, psicanalista e diretor do Centro de Estudos
Psicanalíticos, de São Paulo:
Existem muitas relações entre psicanálise e ação social (...). A
captação e a intervenção do fenômeno inconsciente acontecem em
qualquer atividade da cultura; assim ocupamo-nos cada vez mais em
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gerar instrumentos de intervenção fora do consultório e fora da
intervenção terapêutica.xvii
Freud, ao chegar aos EUA comentou: ―nem imaginam que lhes trazemos a
peste!‖ Com isso talvez ele estivesse dizendo que a Psicanálise envolvia um interesse
de investigação psíquica que implicava em maior interação entre as condutas
pessoais e o status social.
A ameaça humana ao planeta
Citamos ainda Guattari, que é com quem desejamos dar as cores e o tom do
quadro sobre o qual se tentará pintar, com a ajuda dos ensinamentos de Freud, o
esboço de uma alameda tentativa de saída para a crise ambiental em que vivemos:
Aos protagonistas da liberação social cabe a tarefa de reforjar
referências teóricas que iluminem uma via de saída possível para a
história que atravessamos, a qual é mais aterradora do que nunca.
Não somente as espécies desaparecem, mas também as palavras, as
frases, os gestos de solidariedade humana.xviii
É desnecessário, de tão sobejamente conhecido, relatarmos o inventário de
todos os presentes problemas ambientais antropicamente produzidos. Tanto a
literatura especializada quanto a leiga é vastíssima. Talvez uma ou duas indicações:
a de que se consulte com freqüência religiosa (transformando o hábito num ritornelo
do bem), por ser confiável, pública, atualizada e tão emblemática, a página do IPCC
(Intergovernmental Panel on Climate Change – Painel Intergovernamental das
Mudanças Climáticasxix) na rede mundial de computadores, e a de que se visite,
igualmente, a página do GFN (Global Footpring Network – que traduzimos por Rede
Mundial da Pegada Ecológicaxx).
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Para ser muito sintético: Chernobyl e agora os absurdos vexaminosos dos
vazamentos de petróleo no Golfo do Méxicoxxi (e as mais absurdas ainda atitudes do
governo americano e da empresa responsável) e de lama tóxica na Hungriaxxii,
atestam a falência de nossa capacidade de uso ético e socialmente justo dos avanços
científicos e tecnológicos. E para nocautear as boas teses de que Deus é brasileiro e de
que o Papai Noel existe, O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) divulgou, em 22 de dezembro de 2010, dados de novembro daquele do
desmatamento e degradação florestal na Amazônia. O SAD, satélite utilizado pela
instituição, registrara aumento de 548% na degradação florestal, com 188
quilômetros quadrados. Em novembro de 2009 a degradação somara 29 quilômetros
quadradosxxiii.
Brada Guattari:
Mas a época contemporânea, exacerbando a produção de bens
materiais e imateriais em detrimento da consistência de Territórios
existenciais individuais e de grupo, engendrou um imenso vazio na
subjetividade que tende a se tornar cada vez mais absurda e sem
recursos. Não só não constatamos nenhuma relação de causa e efeito
entre
o
crescimento
dos
recursos
técnico-científicos
e
o
desenvolvimento dos progressos sociais e culturais, como parece
evidente que assistimos a uma degradação irreversível dos operadores
tradicionais de regulação social.xxiv
Consciência ambiental, vale dizer, consciência do meio ambiente, o ser
humano, de uma ou outra maneira, para um ou outro fim, sempre teve. É
indubitável, contudo, que a partir dos anos 1960 certos segmentos da sociedade
despertaram para uma consciência ambiental crítica e aguda. E despertaram para
um pesadelo... Saímos de um sono como que narcótico, e que já durava alguns
milênios, para a dura realidade de uma natureza antes esplendorosa, redentora e
interminável, e, de repente, tornada frágil, doente, contaminada. Havia terminado a
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
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grande fase da bonança e começado o tempo da verdade. Cientes da realidade da
finitude de boa parte dos recursos naturais e da fragilidade da maioria dos biomas e
ecossistemas, primeiro as pessoas de visão e honestidade e, depois, um bom número
de governos, passaram a pensar, formular e executar medidas supostamente
corretivas das situações de desvios e perdas.
Constatados os danos, o primeiro momento de atitude de conserto foi o das
soluções técnicas de engenharia. A mesma tecnologia que ou por seu estágio ainda
bruto ou por seu mau uso vinha propagando os prejuízos, por meio de sua aplicação
correta poderia nos redimir das ameaças: e tivemos uma iniciante e infantil gestão
ambiental notabilizada pelas ‗promissoras‘ soluções de engenharia. Não deu certo,
nem poderia, porque esse não era o caso. Tinha que ser isso e mais a obrigatoriedade
disso. Então, surgiram os primeiros dispositivos legais, obrigando medições e formas
licenciadoras (precárias). Não deu certo. Veio a incorporação de tal preocupação
crescente à política. Surgiram os movimentos ambientalistas, surgiu o Partido Verde
alemãoxxv, começou-se a estruturar um bom discurso ambiental. Apareceu, em
seguida, a institucionalização da preocupação e da política em estruturas de governo,
chegando-se mesmo aos ministérios ou equivalentes. Não deu certo. A essa altura já
se gastavam não rios, mas oceanos de verbas públicas para suportar essas estruturas
institucionais oficiais, não obstante os resultados concretos de recuperação/prevenção
ambiental por elas suscitados fossem, como ainda o são hoje, pífios. Não deu certo.
Vieram os pedagogos e os educadores e criou-se a idéia de uma educação ambiental e
da necessidade de re-educar a todos, desde a educação básica, com o tema do meio
ambiente operando de forma transversalxxvi. Não deu certo. Veio a filosofia ajudar.
Vieram filósofos de sólida formação, de largo trânsito nas matérias do pensar, como o
que já tanto invocamos nesse texto, Félix Guatari, e ainda Arne Naess, criadores da
Ecosofia e da Ecologia Profundaxxvii. Eles e outros ensinaram e pregaram seu
catecismo e... não deu certo. Então chegou ao cortejo uma vetusta senhora de nome
ONU, criou órgãos específicos para o assunto, organizou reuniões temáticas e ainda o
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faz. Não deu certo. Aproximou-se, por fim, o próprio capitalismo – a raposa veio
tomar conta do galinheiro: surgiram mercados verdes, economia verde, certificações
de conformidades e de eficiência ambiental, toda uma hermenêutica da questão. Não
se vê que esteja dando certo. Essas muitas tentativas de conserto fundiram-se num
grande concerto que, sem embargo, permanece desafinado. Se ao menos fosse
dodecafônico, mas o que permanece é mesmo desafinadíssimo... O que resta a fazer?
Temos tido a oportunidade de participar de quase todas essas fases ou etapas
ou tentativas (porque tudo coincide com o nosso momento de vida no planetinha...).
Envolvemo-nos apaixonadamente no choque de gestão ambiental (nos planos federal,
estadual, municipal e nas abordagens tecnológica e gerencial, estrito senso).
Desanimamos diante dos resultados e das possibilidades de sua perenização (o eterno
ciclo do faz-desfaz de nossa administração pública, que acompanha as mudanças de
governo, ainda quando no mesmo grupo político...). Mergulhamos destemidamente na
concepção e na aplicação da legislação específica. Desanimamos diante dos resultados
acanhados e da rapidez e voracidade com que surgiu a contra-ofensiva dentro e nos
moldes do próprio aparato legislativo e advocatício. Abraçamos de forma quase
romântica, combativa, a construção de uma nova filosofia, uma ecosofia ao mesmo
tempo individual e coletiva, mundial e civilizatória; mas as filosofias, todas elas, se
têm produzido tantos e tão bons filósofos, nunca estão onde as massas estão, não se
comunicam, não se transmitem, dependem, nesse mister, do processo educacional, e
este se encontra cada vez mais remotamente distante. Capitulamos diante das
dificuldades quase intransponíveis para se propor às gentes uma filosofia eivada de
consciência ambiental e de valores, todos eles, no entanto, na contramão do que a
poderosa e santa madre mídia prega todos os dias, minuto a minuto. Choque de
gestão ambiental, choque de educação ambiental, choque de filosofia ecosófica, todos
têm seu papel, todos pertencem ao processo de retomada da saúde ambiental, mas
todos têm deixado demais a desejar. O que resta a fazer?
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Voltando a Guattari, ele teve idêntica percepção a respeito dessa via crucis:
Só que essa reconstrução passa menos por reformas de cúpula, leis,
decretos, programas burocráticos do que pela promoção de práticas
inovadoras, pela disseminação de experiências alternativas, centradas
no respeito à singularidade e no trabalho permanente de
produção de subjetividade, que vai adquirindo autonomia e ao
mesmo tempo se articulando ao resto da sociedade.xxviii (grifo nosso)
Uma especulação de entendimento e solução
Cabe aqui a liberdade de se introduzir um novo termo: psicosfera (supondo que
ainda não o tenham feito). Mas comecemos do começo. A vida humana na Terra, ou a
maneira como a vemos, pode ser caracterizada como reunindo vários compartimentos
que existem simultaneamente e interagem reciprocamente. Essa classificação, de
inspiração aristotélica, incluiria:
 As esferas do que é inanimado e pertence ao mundo físico que permite a vida:
atmosfera, hidrosfera, litosfera...
 As esferas das diferentes formas de vida ou onde a vida se resolve: biosfera,
ecosfera, zoosfera...
 As esferas das criações humanas com repercussões psíquicas, históricas,
culturais, etc.: tecnosfera, mecanosfera...
 A esfera da intimidade da mente humana e seus esconderijos, onde tudo se dá
e a partir de onde surgem todas as consequências: a psicosfera.
Ora, é das interações simultâneas, recíprocas e recorrentes entre o conjunto
dessas categorias que resultam todos os fatos da vida bem como, destacando-se a
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intervenção humana em especial, os impactos ambientais. Portanto, quando
pensamos no momento atual, no quadro delicado de comprometimento dos recursos
naturais mundiais, e sabemos que tal quadro só existe porque existe o homem, foi ele
quem o produziu, e que o homem só executa o que lhe vem da mente, podemos como
que presumir que passou a haver uma relação de subordinação (pelo menos no que
diz respeito à qualidade) de todas as outras esferas à da psicosfera. Pronto! Está
estabelecido o perigo. Se a mesma mente que é ‗saudável‘ também pode estar doente
(tanto no individual quanto no coletivo), então ter todas as outras esferas submetidas
aos desígnios da psicosfera exige que passemos a desenvolver e cultivar certas
preocupações de profilaxia e gestão de segurançaxxix. É preciso buscar entender ao
máximo a dinâmica da mente, seus desígnios e mistérios, para conceber as maneiras
preventivas e corretivas de danos e perturbações que por ela possam ser acarretadas
à dialética mente-ambiente.
Sabe-se que, a sociedade atual, pós-moderna, é caracterizada pela cultura do
narcisismo (Lashxxx) e como sendo uma sociedade do espetáculo (Debordxxxi), uma
sociedade de risco (Beckxxxii), uma sociedade excitada (Turckexxxiii). E a isso é válido
incluir a incisiva observação do grande brasileiro Antonio Carlos Jobim que a ela se
referiu como a civilização da fumaça. Em tal sociedade o poder, independentemente
da inclinação ideológica, instala o espetáculo para se perpetuar em sua situação de
privilégio. A realidade é totalmente escamoteada pela manipulação das massas
através da mídia e da propaganda, onipresentes e oniscientes, muitas vezes apenas
para vender sonhos e mistificações. Dificultando o acesso à realidade, fomentando
sistematicamente ilusões, negando a castração simbólica, a sociedade do espetáculo
dá margem ao que muitos chamam de novas formas de subjetivação, como os novos
transtornos de caráter, os transtornos de ordem narcísica, as personalidades
borderlines, e os transtornos alimentares, as depressões e crises do pânico, que são,
por sua vez, novas versões das histéricas dos tempos de Freud, as novas doenças da
almaxxxiv.
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Nossos problemas ecológicos se associam diretamente com a cultura
contemporânea antropocêntrica e as subjetividades nela (a partir dela) formatadas e
suas repercussões no pós-moderno. A civilização atual tem provocado sérios
problemas ao ambiente na Terra e a si mesma. Mas ela faz isso em decorrência do
seu modo de ser, pensar, agir. As causas desse seu modo operante de ação podem vir
de épocas muito anteriores à história moderna, passando pela profundidade da vida
psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica. Somos portadores
de instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que nos
distanciam da boa vontade para com a vida e a natureza. É na intimidade da mente
humana que nascem os processos que terminam por nos conduzir a uma luta de
domínio e destruição contra a Terra, calcados que estamos, simultaneamente, no
antropocentrismo (que bem já merece ser substituído por uma forma de biocentrismo
inteligente) e no egocentrismo (que poderia, quem sabe, repartir diplomaticamente
seu lugar com um tipo de altercentrismo).
A mencionada cultura contemporânea antropocêntrica, que acabou por
hipertrofiar e plasmar o capitalismo como único elemento de doutrina políticoeconômica
em
todo
o
planeta,
desaguando-o
num
supercapitalismoxxxv
paradoxalmente intangível e midiático, criou também, no dizer de Guattari, o
Capitalismo Mundial Integrado (CMI), viabilizador de um modo seu e único em
escala global. Esse CMI (produtor de signos, de sintaxe e de subjetividades), com sua
lógica, tem gerado áreas de exclusão e pobreza social, e de destruição ambiental,
pelos cinco continentes (inclusive também no seio de países ditos ricos). Adverte
Guattari:
A instauração a longo prazo de imensas zonas de miséria, fome e
morte parece daqui em diante fazer parte integrante do monstruoso
sistema de "estimulação" do Capitalismo Mundial Integrado.xxxvi
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O CMI, no que tange aos segmentos supostamente incluídos, tem também
criado autômatos, seres robotizados e consumidores padronizados que, ao mesmo
tempo que são ‗sócios‘, ‗acionistas‘ do sistema, são seus fiéis e submissos servidores,
transformados psicologicamente que foram, pela onipresente cantilena da mídia, em
dóceis e ávidos consumidores. Quanto a isso também nos alerta Guattari:
Assim, a subjetividade capitalística se esforça por gerar o mundo da
infância, do amor, da arte, bem como tudo o que é da ordem da
angústia, da loucura, da dor, da morte, do sentimento de estar perdido
no cosmos... É a partir dos dados existenciais mais pessoais –
deveríamos dizer mesmo infra-pessoais – que o CMI constitui seus
agregados subjetivos maciços, agarrados à raça, à nação, ao corpo
profissional, à competição esportiva, à virilidade dominadora, à star
da mídia... Assegurando-se do poder sobre o máximo de ritornelos
existenciais para controlá-los e neutralizá-los, a subjetividade
capitalística se enebria, se anestesia a si mesma, num sentimento
coletivo de pseudo-eternidade. xxxvii
Portanto, não se pode deixar de perceber que, intencionalmente ou não (e até
que ponto será ingênuo pensar o não), o sistema midiático mundial procura agir
técnica e cirurgicamente no profundo de nossa psique, criando ou induzindo medos e
desejos que venham a gerar práticas comportamentais desejáveis de opinião e de
consumo. Se esse raciocínio for procedente (e por que o não seria?), está então a
psicanálise instalada no centro de todas as tensões sociais atuais, mormente aquelas
da dialética produção-consumo e seus efeitos colaterais; está instalada na base de
nossas motivações comportamentais correntes e, assim, tem ―tudo a ver‖com o grau
de impactos ambientais que causamos para atender nossos imperativos do princípio
do prazer.
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A perversidade desse capitalismo integrado, supercapitalista, pós-moderno, em
sua caminhada de transformações territoriais (na geografia e na alma xxxviii), fica hoje
muito evidente no cotejamento das discrepâncias entre os hemisférios Norte e Sul.
Ele deslocou a apreensão política leste-oeste que existiu após a Segunda Guerra, no
tempo em que formava um bipolo com o comunismo do leste europeu e da Ásia, para
outra, e talvez mais cruel, forma de tensão: no eixo perpendicular; uma tensão entre
a riqueza perdulária e a miséria subserviente.
Tem-se hoje então o resultado de uma linha seqüencial que, começada lá
atrásxxxix, pelo aparecimento do Homo chamado sapiens e seu arcabouço neurológicomental, prosseguiu por um largo período, formando seus aprendizados e medos, até
uma era bem mais recente com a invenção da filosofia pelos gregos e, depois, com a
conquista da razão e do conhecimento científico, com um Iluminismo que se emendou
com as revoluções tecnológicas, e, nos séculos próximos de nós, o surgimento do
darwinismo, do freudismo e do marxismo que nos mudaram para sempre, para que
viéssemos a dar, finalmente, na ameaça não do Capitalismo em si, mas desse
capitalismo que aqui está conosco agora, e que, se permitimos, nos descaracteriza,
nos desterritorializa, nos desnacionaliza, ao mesmo tempo que nos clama à
individualidade. Mas uma individualidade de superfície, de periféricos, customizada,
não da essência. O que é essencial não pode ser mudado, não pode ser personalizado,
porque forma o eixo da produção-venda-consumo capitalista e necessita de escala,
larga escala.
Todas essas, contudo, são realizações humanas, do gênio humano, da
personalidade humana, uma personalidade que só existe constitutivamente porque
possui elementos psíquicos que a facultam. É a dinâmica peculiar desses elementos
constitutivos que produz todos os resultados objetivos, sejam da história individual
sejam da coletiva. Cabe-nos agora, uma vez reconhecido o diagnóstico das ameaças
ambientais (sociais e psíquicas) que representamos, propugnar por possibilidades de
mudanças e, ao mesmo tempo, dissecar sem parar o aparelho psíquico que, tanto nos
permite ser quanto nos impõe reveses.
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É nesse sentido que Guattari nos traz a concepção de uma ecologia mental. De
fato ele faz mais ainda: ele acena com uma ecosofia, ou seja, não o estudo da casa,
mas a sabedoria a respeito dela e para ela. Uma ecosofia mental que:
[...] será levada a reinventar a relação do sujeito com o corpo, com o
fantasma, com o tempo que passa, com os "mistérios" da vida e da
morte. Ela será levada a procurar antídotos para a uniformização
midiática e telemática, o conformismo das modas, as manipulações da
opinião pela publicidade, pelas sondagens etc.xl
E que tem uma raiz profunda:
O princípio específico da ecologia mental reside no fato de que sua
abordagem dos Territórios existenciais depende de uma lógica préobjetal e pré-pessoal evocando o que Freud descreveu como um
"processo primário".xli (grifo nosso)
Retomemos agora os pontos antes salientados no texto: voltar a Freud em O
mal-estar na civilização e à mesma pergunta formulada duas vezes: o que resta a
fazer?
Mergulhando em Freud
Escrito em 1929, publicado em 1930, O mal-estar na civilização enfoca o
antagonismo (irremediável) entre as exigências da pulsãoxlii no indivíduo e as
restrições que contra ela a civilização impõe (relação vista por Freud como um
conflito de ordem estrutural, destinado a não ser ultrapassado). A obra pode ser
entendida como representando o pensamento social de Freud na grande moldura da
modernidadexliii. A respeito, afirma Joel Birman:
Portanto, é preciso explicitar que as interpretações freudianas sobre
os impasses do sujeito no mundo da civilização constituem, de fato e
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de direito, comentários críticos sobre a inscrição do sujeito na
modernidade.xliv
Um sentimento oceânico – a possibilidade de uma força psíquica positiva para a
proteção ambiental
Na abertura do primeiro parágrafo de O mal-estar na civilização Freud nos
chama a atenção para o processo de inversão de valores humanos que então ele
diagnosticava e que de lá para cá, em nossa opinião, só fez piorar e se agravar.
Escreveu ele:
É impossível fugir à impressão de que as pessoas comumente
empregam falsos padrões de avaliação – isto é, de que buscam poder,
sucesso e riqueza para elas mesmas e os admiram nos outros,
subestimando tudo aquilo que verdadeiramente tem valor na vida. xlv
Do mesmo modo como faziam os grandes compositores de óperas, lembremos,
por exemplo, de Verdi, de Wagner, que nas aberturas de suas obras davam o tom e a
pista para a o enredo que viria e sua dimensão humana, trágica, satírica ou cômica,
Freud, com essas poucas linhas, nos faz ver que algo não caminha bem e prepara
nossa alma (sem trocadilhos) para a contundência e a complexidade do que virá –
―nem imaginam que lhes trazemos a peste!‖.
Realmente, essa inversão de valores, que só tem feito se consolidar, funciona
como força motriz (mas tem suas causas próprias) de uma tendência e de um
comportamento de apetite irrefreável por poder e ostentação, colocando tudo quanto
existe, tanto no plano material quanto social, a seu serviço e disposição.
Em seguida, Freud cita suas conversas com o amigo Romain Rolland que lhe
traz a novidade do sentimento oceânico, uma forma de religiosidade e de integração
com o Universo. De acordo com o amigo, a verdadeira fonte da religiosidade
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[...] consiste num sentimento peculiar, que ele mesmo jamais deixou
de ter presente em si, que encontra confirmado por muitos outros e
que pode imaginar atuante em milhões de pessoas. Trata-se de um
sentimento que ele gostaria de designar como uma sensação de
‗eternidade‘, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras –
‗oceânico‘, por assim dizer. Esse sentimento, acrescenta, configura um
fato puramente subjetivo, e não um artigo de fé; não traz consigo
qualquer garantia de imortalidade pessoal, mas constitui a fonte da
energia religiosa de que se apoderam as diversas Igrejas e sistemas
religiosos,
é
por
eles
veiculado
para
canais
específicos
e,
indubitavelmente, também por eles exaurido.xlvi
O Mal-Estar na Civilização foi escrito após O Futuro de uma Ilusãoxlvii, obra
que trata do papel da religião na vida e na sociedade e que recebeu críticas,
principalmente de Rolland, para quem a posição de Freud sobre a religião pareceu
bastante dura.
Para Rolland, a fonte da religião pode remontar ao sentimento
oceânico, não vinculado diretamente à fé religiosa. Para Freud, porém, a fonte da
religião é o desamparo infantil e a nostalgia pelo pai. É nesse estado de desamparo
profundo, diz Freud, que se gesta a origem da religião e não no sentimento de união
com o ‗Todo‘.
O ser humano tenta o que pode para escapar do desamparo e da
angústia da solidão, daí sua necessidade constante de construir e elaborar sistemas
religiosos e ideologias salvadoras, como uma ―Weltanschauung‖ (crença). No entanto,
Freud chama atenção para este sentimento oceânico como chave para a demarcação
do nosso Eu (ego).
Apesar de Freud afirmar ―Não consigo descobrir em mim esse sentimento
‗oceânico‘‖, eis aí um ponto digno de discussão. Tal sentimento, que de fato muitos
atestam experimentar, vivenciar, talvez seja precisamente o sentimento de pertencer,
de pertencimento, de se perceber parte do todo e entender que não pode ter existência
pessoal sem o todo – e que o todo não é o mesmo sem cada um. Talvez, ainda, esse
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sentimento seja a base da idealização da fraternidade, da irmandade. Até que ponto é
mesmo um sentimento (isto é, algo que nos chegou passando pelo sensório, vindo de
fora para dentro), ou até quanto não será uma introjeção de crenças morais,
devidamente processadas e valorizadas pela razão para depois serem jogadas lá no
fundo da alma, não sabemos distinguir. O fato é que possuir esse sentimento
predispõe o indivíduo a uma consciência ambiental (a uma ecologia mental) de
melhores qualidade e seriedade. Independentemente do questionamento freudiano a
ele, pensamos que se toda a humanidade se sentisse portadora e veículo desse
sentimento, transmutando-o numa nova forma de religiosidade, a de uma religião
anti-dogmática, não mandatária nem exclusivista quanto à verdade, nosso cenário
mundial atual seria bem melhor. Vale ressaltar que esse sentimento, do ponto de
vista filosófico, contrasta com a visão antropocêntrica do mundo e, do ponto de vista
psico-sociológico, faz a antítese à visão egocêntrica da vida.
Freud parte então para a busca de uma explicação psicanalítica (genética) para
o sentimento oceânico. Ele invoca a segurança que temos no sentimento de nosso eu,
nosso próprio ego, demarcado distintamente de todo o demais. Percebemos nosso eu
por nosso aparelho sensório. Freud admite que o ego possa se estender para dentro do
eu, como de fato o faz, e daí vem a ocorrência de um idxlviii como descoberto pela
psicanálise. Mas a dúvida está em que o ego se estenda também para fora, já que ele
parece ser tão zeloso de sua singularidade. Para Freud, o sentimento religioso
ancora-se não em uma impressão que transcende o homem e o liga de modo místico
ao universo, e que o ajuda a aceitar as vicissitudes da vida, mas seria, em menor
escala, uma reprodução daquilo que o ser humano foi na sua origem: um ser ilimitado
em suas relações com o mundo, uma vez que quem estabelece este limite, ou sua
falta, é o Eu, numa fase ainda embrionária e difusa da formação do sujeito. Com essa
concepção inovadora do Eu, trazida pela psicanálise, e tomando como provocação a
questão da religião, Freud faz seu ensaio sobre a civilização, a humanidade e a
cultura. Esta visão do Eu e sua relação com o mundo (o externo ou o interno), na qual
a psicanálise pode operar a superação de obstáculos, já que o Eu se constitui
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estruturalmente nas suas relações libidinais de objeto, determina importantes
repercussões na Filosofia, e foi considerada por Lacanxlix uma revolução de dimensões
copernicanas, devido a seu impacto sobre o pensamento humano.
O sentimento oceânico, parece-nos, pode se estabelecer de duas maneiras: ou
ele rompe a ‗barreira‘ de nossos sentidos, vindo de fora para dentro, e se instala em
nós, em nossas percepções, ou nosso ego é que caminha para fora, em direção a ele,
indo de dentro para foral.
Mesmo não concordando com o amigo Romain Rolland, Freud, todavia, faz uma
ressalva muitíssimo interessante (e esperançosa), quando redige:
Há somente um estado – indiscutivelmente fora do comum, embora
não possa ser estigmatizado como patológico – em que ele não se
apresenta assim. No auge do sentimento de amor, a fronteira
entre ego e objeto ameaça desaparecer. Contra todas as provas
de seus sentidos, um homem que se ache enamorado declara que ‗eu‘ e
‗tu‘ são um só, e está preparado para se conduzir como se isso
constituísse um fato.li (grifo nosso)
A tese do amor leva-nos a pensar na do desprazer formulada também por
Freud. Sem entrarmos agora em sua gênese, importa-nos enfocar os métodos que se
pode empregar para fugir do desprazer e conquistar a felicidade, os quais são: (i) meio
químico para anular o desprazer: a drogadição; (ii) formas de religião ou filosofia,
para evitar o desprazer dominando as necessidades: yoga, budismo; (iii) translado das
metas da pulsão, evitando o "não" da realidade exterior: a arte; (iv) rompimento com
a realidade: o eremita: (v) substituição da realidade por uma ‗outra‘ nova: a psicose; e,
finalmente, (vi) cumprimento da felicidade sem afastar-se da realidade e sem evitar o
desprazer, deslocando a meta da libido: o amor.
Indaguemos como acontece um tipo particular de amor, ou melhor, de
enamoramento, o de um homem por uma mulher? Ele a conhece, ela o objeto exterior
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que nele desperta sensações únicas de interesse, prazer (e aflições); esse caldo de
sensações/sentimentos evolui e, se houver a correspondência, estabelece-se, numa
primeira fase, o império do enamoramentolii, quando, é verdade, o homem perde
(temporariamente) a noção dos contornos de seu eu, o qual vai existir
simultaneamente na amada ou até, junto com ela para além dela, numa dimensão
outra, diferente da soma dos dois e que só os dois conhecem e a que têm acesso. Além
dessa forma para eliminação das fronteiras ego/mundo externo, eliminação
temporária (fisiológica) dada na efervescência do amor, uma segunda maneira para a
diluição das fronteiras é por meio patológico, como se dá em grande número de
estados.
Contudo, o exemplo de ‗amor‘ do tipo mulher-homem homem-mulher, no qual
há um fortíssimo componente erótico, no sentido sexual, e que produz no estágio de
enamoramento essa fusão de egos, com rompimento da barreira entre o eu e o
exterior, no caso dos dois (o casal), não é o exemplo melhor para o que estamos aqui
querendo advogar, porque se é verdade que os dois enamorados se fundem nesse novo
eu comum-de-dois que é o eu-mais-você, este, por sua vez, decididamente, se aparta
do restante do mundo, vivendo oniricamente de sua auto-suficiência, minimizando
todos os possíveis laços de ação/participação sócio-ambiental, pelo menos enquanto
dura a fase de intoxicação do enamoramento... Eles não querem ser conspurcados
pelo mundo de fora, não têm tempo nem interesse para as questões, problemas,
dificuldades do mundo exterior, pois estão a viver o frenesi de suas descobertas,
sensações e emoções.
Três parágrafos acima apontamos os métodos que Freud indica como sendo os
passíveis e possíveis para fugir do desprazer e conquistar a felicidade. Recordemo-nos
do quinto: [...] (v) cumprimento da felicidade sem afastar-se da realidade e sem evitar
o desprazer, deslocando a meta da libido: o amor. O que advogamos é a possibilidade
de que, então, se estabeleça um amor com essas características entre seres humanos
e a natureza do planeta. A energia libidinal, sob a forma de amor, deslocada para os
elementos animados e inanimados, cênicos e figurativos, da natureza, gerando
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convivência inteligente, pacífica e cooperativa (inteligência coletiva – da mesma
qualidade que se vê, por exemplo, num formigueiro), longe dessa atitude
expropriadora dos bens ambientais, e cega, que tem, desde o Iluminismo até aqui,
prevalecido. Nessa forma de amor as fronteiras do ego de cada qual se estenderiam
para a cadeia de vida da qual fazemos parte. Assim como não pode haver a saúde e o
bem-estar de um órgão isolado dentro de nosso organismo se o corpo estiver doente,
não pode haver um bem-estar do ser humano e da humanidade se a cadeia de vida à
qual ele pertence está adoecida. Por esse caminho arriscaríamos dizer que valores
humanos que andam tão escassos nesses nossos tempos, como os da ética e da moral,
podem todos ser colimados nesse único e maior elemento: o amor. Se é no amor que se
deve acabar e coroar a trajetória dos esforços humanos, é dele também que se deve
partir: a energia amorosa deve ser ponto de partida e de chegada para todos os nossos
projetos, o que poderia, se não atuar como um antídoto às causas de nosso mal-estar,
talvez, pelo menos, operar como um compensador gerador de outra forma de prazer,
mais elevado e menos egoísta.
Sexualidade, instinto (pulsão) de morte e destruição ambiental do planeta – a
tentativa de estabelecer um elo
Em O mal-estar na civilização o mal-estar que Freud menciona é intrínseco à
própria cultura ou estrutura da sociedade e está conosco desde a origem do que
conhecemos como cultura. Ele não tem uma causa externa e por isso não se resolve
com mais culturaliii. A posição de Freud é clara, não existe nesta sua obra nenhuma
nostalgia de alguma nossa época passada na qual as coisas teriam sido melhores.
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Na página 116 da citada obra lê-se:
O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas
estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas
gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se
quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes
instintivos
deve-se
levar
em
conta
uma poderosa
quota
de
agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não
apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também
alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a
explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo
sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses,
humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo.liv
Assim, nota-se que dentro do cadinho fundente da psique humana, se há ou se
houver a possibilidade de uma força positiva de destensionamento pela irmanação e
de cuidado ambiental pela comunhão com a dimensão cósmica, como o antes
reportado sentimento oceânico, no outro prato dessa balança há instintos negativos
poderosos dispostos a gerar diferentes formas de ataques e destruição. E Freud
acabou por relacionar essas forças destruidoras à questão da sexualidade.
Nosso autodesafio agora é tentar entender como a sexualidade dispara
mecanismos de pressão que geram ações negativas (mas isso Freud já fez), e como
tais ações podem estar incidindo destrutivamente sobre a integridade ambiental
planetária.
Salvo melhor juízo, a palavra sexualidade comparece dez vezes no texto de O
mal-estar na civilização.
Freud a caracteriza como fonte (de abastecimento) de energia psíquica para a
civilização. Mas, ato contínuo, aponta também mecanismos restritores (―medidas de
precaução‖) que a civilização interpõe contra ela:
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Aqui, como já sabemos, a civilização está obedecendo às leis da
necessidade econômica, visto que uma grande quantidade da energia
psíquica que ela utiliza para seus próprios fins tem de ser retirada da
sexualidade. [...] Quanto ao indivíduo sexualmente maduro, a escolha
de um objeto restringe-se ao sexo oposto, estando as satisfações
extragenitais, em sua maioria, proibidas como perversão. A exigência,
demonstrada nessas proibições, de que haja um tipo único de vida
sexual para todos, não leva em consideração as dessemelhanças,
inatas ou adquiridas, na constituição sexual dos seres humanos;
cerceia, em bom número deles, o gozo sexual, tornando-se assim fonte
de grave injustiça. O resultado de tais medidas restritivas poderia ser
que, nas pessoas normais – que não se acham impedidas por sua
constituição –, a totalidade dos seus interesses sexuais fluísse, sem
perdas, para os canais que são deixados abertos. No entanto, o próprio
amor genital heterossexual, que permaneceu isento de proscrição, é
restringido por outras limitações, apresentadas sob a forma da
insistência na legitimidade e na monogamia. A civilização atual
deixa claro que só permite os relacionamentos sexuais na base
de um vínculo único e indissolúvel entre um só homem e uma
só mulher, e que não é de seu agrado a sexualidade como fonte
de prazer por si própria, só se achando preparada para tolerála porque, até o presente, para ela não existe substituto como
meio de propagação da raça humana.lv (grifo nosso)
Após isso, as ocorrências de números oito, nove e dez do termo sexualidade
estão no contexto seguinte, em que o ego é vinculado à libido (é seu ―quartelgeneral‖):
Todo analista admitirá que, ainda hoje, essa opinião não soa como um
erro há muito tempo abandonado. Não obstante, alterações nela se
tornaram essenciais, à medida que nossas investigações progrediam
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
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das forças reprimidas para as repressoras, dos instintos objetais para
o ego. O decisivo passo à frente consistiu na introdução do conceito de
narcisismo, isto é, a descoberta de que o próprio ego se acha
catexizado pela libido, de que o ego, na verdade, constitui o
reduto original dela e continua a ser, até certo ponto, seu
quartel-general. Essa libido narcísica se volta para os objetos,
tornando-se assim libido objetal, e podendo transformar-se novamente
em libido narcísica. O conceito do narcisismo possibilitou a obtenção
de uma compreensão analítica das neuroses traumáticas, de várias
das afecções fronteiriças às psicoses, bem como destas últimas. Não foi
necessário
abandonar
nossa
interpretação
das
neuroses
de
transferência como se fossem tentativas feitas pelo ego para se
defender contra a sexualidade, mas o conceito de libido ficou
ameaçado. Como os instintos do ego também são libidinais,
pareceu, por certo tempo, inevitável que tivéssemos de fazer a
libido coincidir com a energia instintiva em geral, como C. G.
Jung já advogara anteriormente. Não obstante, ainda permanecia em
mim uma espécie de convicção, para a qual ainda não me considerava
capaz de encontrar razões, de que os instintos não podiam ser
todos da mesma espécie. Meu passo seguinte foi dado em Mais
Além do Princípio do Prazer (1920g), quando, pela primeira vez, a
compulsão para repetir e o caráter conservador da vida
instintiva atraíram minha atenção. Partindo de especulações
sobre o começo da vida e de paralelos biológicos, concluí que, ao lado
do instinto para preservar a substância viva e para reuni-la
em unidades cada vez maiores, deveria haver outro instinto,
contrário
àquele,
buscando
dissolver
essas
unidades
e
conduzi-las de volta a seu estado primevo e inorgânico. Isso
equivalia a dizer que, assim como Eros, existia também um
instinto de morte. Os fenômenos da vida podiam ser
explicados pela ação concorrente, ou mutuamente oposta,
desses dois instintos. Não era fácil, contudo, demonstrar as
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atividades desse suposto instinto de morte. As manifestações
de Eros eram visíveis e bastante ruidosas. Poder-se-ia
presumir que o instinto de morte operava silenciosamente
dentro do organismo, no sentido de sua destruição, mas isso,
naturalmente, não constituía uma prova. Uma idéia mais
fecunda era a de que uma parte do instinto é desviada no
sentido do mundo externo e vem à luz como um instinto de
agressividade e destrutividade. Dessa maneira, o próprio
instinto podia ser compelido para o serviço de Eros, no caso
de o organismo destruir alguma outra coisa, inanimada ou
animada, em vez de destruir o seu próprio eu (self).
Inversamente, qualquer restrição dessa agressividade dirigida
para fora estaria fadada a aumentar a autodestruição, a qual,
em todo e qualquer caso, prossegue. Ao mesmo tempo, pode-se
suspeitar, a partir desse exemplo, que os dois tipos de instinto
raramente – talvez nunca – aparecem isolados um do outro, mas que
estão mutuamente mesclados em proporções variadas e muito
diferentes, tornando-se assim irreconhecíveis para nosso julgamento.
No sadismo, há muito tempo de nós conhecido como instinto
componente da sexualidade, teríamos à nossa frente um vínculo
desse tipo particularmente forte, isto é, um vínculo entre as
tendências para o amor e o instinto destrutivo, ao passo que sua
contrapartida, o masoquismo, constituiria uma união entre a
destrutividade dirigida para dentro e a sexualidade, união que
transforma aquilo que, de outro modo, é uma tendência imperceptível,
numa outra conspícua e tangível.lvi (grifos nossos)
Portanto, dentre outros aspectos, fica aí estabelecida uma difícil gangorra
entre arremessar o instinto de morte, isto é, suas agressividade e destrutividade,
para fora da mente e do ser, concentrando-o num objeto animado ou inanimado do
mundo exterior e, com isso, aparentemente preservar o ego e o ser, ou se a tensão não
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for aliviada por esse mecanismo, jogá-la para dentro do ego provocando sua autodestruição. Ao que parece, isso tudo acontece simultânea e interminavelmente. Que
outra forma de compensação para a pulsão de morte poderia haver que não
a destruição de elementos externos do mundo objetivo real?
No começo do tópico VI de Mais além do princípio do prazer Freud escreve:
A essência de nossa investigação até agora foi o traçado de uma
distinção nítida entre os ‗instintos do ego‘ e os instintos sexuais, e a
visão de que os primeiros exercem pressão no sentido da morte
e os últimos no sentido de um prolongamento da vidalvii. (grifo
nosso)
Na Figura 1 a seguir tentamos fazer um simples diagrama de algumas dessas
idéias de Freud, a oposição permanente entre Tânatoslviii e Eroslix:
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TÂNATOS
INSTINTOS DO EGO
(de morte – salvaguardados os
de autoconservação,
que são libidinais)
PRESSÃO
EROS
O
P
O
S
I
Ç
Ã
O
INSTINTOS SEXUAIS
(de vida)
PRESSÃO
PROLONGAMENTO
DA VIDA
MORTE
caráter conservador (retrógrado),
compulsão à repetição,
originados da matéria inanimada,
[soma (weismanniano)],
procura conduzir o que é vivo à morte
[plasma germinal (weismanniano)],
‘perpetuamente tentando e
conseguindo uma renovação da vida’
Figura 1. Polaridade entre os tipos de instintos
A partir de múltiplas considerações a respeito de uma biologia da vida e da
morte, passando por vários estudos de biólogos da época, dentre eles os de Weismann
e os raciocínios de Hering, e considerando primeiro os organismos unicelulares e
depois formas de vida mais elevadas, e, ainda, não sem antes circular também pelo
intrigante filósofo Arthur Schopenhauer, ―para quem a morte é o ‗verdadeiro
resultado e, até esse ponto, o propósito da vida‘, ao passo que o instinto sexual é a
corporificação da vontade de viver‖
lx,
Freud aprimora sua concepção de dois
conjuntos antagônicos de forças atuando dentro de nós: os instintos (pulsões) da vida
(ou instintos sexuais) e os instintos (pulsões) da morte (ou do ego), e chega a arriscar
que os primeiros podem ter existido desde épocas primevas, já nos organismos
unicelulares de então.
Prosseguindo, Freud faz, em seu próprio entender, uma extrapolação mais
‗ousada‘:
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Por conseguinte, podemos tentar aplicar a teoria da libido a que se
chegou na psicanálise à relação mútua das células. Podemos supor
que os instintos de vida ou instintos sexuais ativos em cada
célula
tomam
as outras
células
como
seu
objeto,
que
parcialmente neutralizam os instintos de morte (isto é, os processos
estabelecidos por estes) nessas células, preservando assim sua vida,
ao passo que as outras células fazem o mesmo para elas e outras
ainda se sacrificam no desempenho dessa função libidinal.
lxi
(grifo
nosso)
E mais:
As
próprias
células
germinais
se
comportariam
de
maneira
completamente ‗narcisista‘, para empregar a expressão que estamos
acostumados a utilizar na teoria das neuroses para descrever um
indivíduo total que retém sua libido em seu ego e nada desembolsa
dela em catexias de objeto. As células germinais exigem sua libido, a
atividade de seus instintos de vida, para si mesmas, como uma
reserva para sua posterior e momentosa atividade construtiva.lxii
Por fim, Freud especula que há uma coincidência entre a libido de nossos
instintos sexuais e o Eros dos poetas e dos filósofos, o qual mantém unidas todas as
coisas vivas.
Outro aspecto do grande quebra-cabeça que habilmente Freud foi elucidando, e
que aqui nos interessa, é o que concerne ao que ele denominou de princípio de prazer
e que considerou como propósito de nossas vidas, quando a respeito deste, pensando
nos seres humanos, raciocina:
A resposta mal pode provocar dúvidas. Esforçam-se para obter
felicidade; querem ser felizes e assim permanecer.lxiii
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Todavia, ele reconhecerá que tal propósito nunca será atingido de modo
inteiramente satisfeito, porque tanto o macrocosmo (sociedade, civilização) quanto o
microcosmo (princípio de realidade) do homem atuam de forma oposta a este
princípio do prazer.
Numa determinada altura de Mais além do princípio do prazer Freud afirma:
A tendência dominante da vida mental e, talvez, da vida nervosa em
geral, é o esforço para reduzir, para manter constante ou para
remover a tensão interna devida aos estímulos (o ‗princípio do
Nirvana‘, para tomar de empréstimo uma expressão de Barbara Low
[1920, 73]), tendência que encontra expressão no princípio de prazer, e
o reconhecimento desse fato constitui uma de nossas mais fortes
razões para acreditar na existência dos instintos de morte.lxiv
Figura 2: procuramos esquematizar essas idéias.
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Assim, tudo faz crer que parece não haver dúvidas quanto ao surgimento e ao
desenvolvimento na mente humana de um instinto de morte. Abordamos,
brevemente, sua gênese e algumas de suas características, de acordo com o que nos
foi revelado por Freud. Entretanto, o que nos interessa investigar é se e como
nossos instintos do ego, buscando um retorno a estágios muito anteriores
em sua origem, quando seus níveis de energia e, portanto, de tensão, seriam
muito menores, seguindo seu conservadorismo, projetam para fora de nós,
para os seres animados e inanimados do exterior, sua agressividade e, com
isso, produzem uma destruição niilista da natureza e da vida.
Finalmente, ao começar o tópico V de O mal-estar na civilização, Freud
postula:
O trabalho psicanalítico nos mostrou que as frustrações da vida sexual
são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas como neuróticas
não podem tolerar. O neurótico cria em seus sintomas satisfações
substitutivas para si, e estas ou lhe causam sofrimento em si próprias,
ou se lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de
dificuldades em seus relacionamentos com o meio ambientelxv e
a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o
primeiro nos apresenta um novo problemalxvi. A civilização, porém,
exige outros sacrifícios, além do da satisfação sexual.
Abordamos a dificuldade do desenvolvimento cultural como
sendo uma dificuldade geral de desenvolvimento, fazendo sua
origem remontar à inércia da libido, à falta de inclinação desta
para abandonar uma posição antiga por outra nova. Dizemos
quase a mesma coisa quando fazemos a antítese entre civilização e
sexualidade derivar da circunstância de o amor sexual constituir um
relacionamento entre dois indivíduos, no qual um terceiro só pode ser
supérfluo ou perturbador, ao passo que a civilização depende de
relacionamentos entre um considerável número de indivíduos. Quando
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um relacionamento amoroso se encontra em seu auge, não resta
lugar para qualquer outro interesse pelo ambiente; um casal de
amantes se basta a si mesmo; sequer necessitam do filho que
têm em comum para torná-los felizes. Em nenhum outro caso Eros
revela tão claramente o âmago do seu ser, o seu intuito de, de mais de
um, fazer um único; contudo, quando alcança isso da maneira
proverbial, ou seja, através do amor de dois seres humanos, recusa-se a
ir além.
Até aqui, podemos imaginar perfeitamente uma comunidade cultural
que consista em indivíduos duplos como este, que, libidinalmente
satisfeitos em si mesmos, se vinculem uns aos outros através dos elos do
trabalho comum e dos interesses comuns. Se assim fosse, a civilização
não teria que extrair energia alguma da sexualidade. Contudo, esse
desejável estado de coisas não existe, nem nunca existiu. A realidade
nos mostra que a civilização não se contenta com as ligações que até
agora lhe concedemos. Visa a unir entre si os membros da comunidade
também de maneira libidinal e, para tanto, emprega todos os meios.
Favorece todos os caminhos pelos quais identificações fortes possam ser
estabelecidas entre os membros da comunidade e, na mais ampla escala,
convoca a libido inibida em sua finalidade, de modo a fortalecer
o vínculo comunal através das relações de amizade. Para que
esses objetivos sejam realizados, faz-se inevitável uma restrição
à vida sexual. Não conseguimos, porém, entender qual necessidade
força a civilização a tomar esse caminho, necessidade que provoca o seu
antagonismo
à
sexualidade.
Deve
haver
algum
fator
de
perturbação que ainda não descobrimos.lxvii (grifos nossos)
A cultura não é a culpada pelos males da civilização. Ela, argumentava Freud,
protege o homem da natureza e regula suas relações sociais. O homem primitivo
descobriu que para sobreviver precisava viver em comunidade. Para compreender o
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mal-estar na civilização, é preciso saber o limite que ela impõe à sexualidade humana
e como ela exige outros sacrifícios, como conter a agressividade humana. O instinto
de morte talvez seja um grande obstáculo à civilização e uma das causas do malestar. A cultura suscita um sentimento de culpa que pode alcançar patamar
dificilmente suportável para o indivíduo. São duas as suas origens: medo à
autoridade e temor ao superego. A união de ambos é muito efetiva para o
desenvolvimento da civilização. O preço do progresso é a perda de felicidade por
aumento do sentimento de culpa. A evolução da sociedade requer o controle dos
instintos sexuais e agressivos do indivíduo, de maneira que existe uma estreita
sincronia entre civilização, repressão e neurose. Quanto mais avança a primeira,
mais necessária se faz a segunda e maior é a frustração gerada. Sob a coação do
processo civilizatório, a agressividade se converte em sentimento de culpa, que não é
notado como tal, mas permanece inconsciente ou se expressa como um mal-estar.
Freud afirma:
Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à
sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos
compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa
civilização. Na realidade, o homem primitivo se achava em situação
melhor, sem conhecer restrições de instinto. Em contrapartida, suas
perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de
tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou uma
parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela
de segurança. Não devemos esquecer, contudo, que na família
primeva apenas o chefe desfrutava da liberdade instintiva; o resto
vivia em opressão servil. Naquele período primitivo da civilização, o
contraste entre uma minoria que gozava das vantagens da civilização
e uma maioria privada dessas vantagens era, portanto, levado a seus
extremos. Quanto aos povos primitivos que ainda hoje existem,
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pesquisas cuidadosas mostraram que sua vida instintiva não é, de
maneira alguma, passível de ser invejada por causa de sua liberdade.
Está sujeita a restrições de outra espécie, talvez mais severas do que
aquelas que dizem respeito ao homem moderno.lxviii (grifos nossos)
À GUISA DE CONCLUSÃO
Portanto, o controle dessas suas agressividade e destrutividade, ligadas à
pulsão de morte (a qual é antípoda da pulsão sexual), tem sido sempre a grande
tarefa da civilização. Para tanto, ela tem usado ferramentas como religião, ética, arte,
códigos legais... Freud as reconhece como uma característica constitutiva e
importante da natureza humana e diz que, apesar de séculos de repressão ―estes
empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito‖. Seguindo sua lógica, ele
critica o socialismo então implantado pela União Soviética, sobretudo por haver
colocado na propriedade privada a causa dos males sociais. Para os socialistas
daquele período a humanidade atingiria um grau novo e superior de felicidade se a
propriedade privada fosse extirpada. Freud entendeu que as premissas psicológicas
do sistema comunista eram uma ilusão insustentável.
Entendeu, também, que o amor atuante em algumas comunidades só é possível
desde que elas encontrem algum grupo externo sobre o qual descarregar sua
agressividade. A civilização, enfim, se solidifica à medida que fortalece a capacidade
de restringir duas pulsões estruturais da vida humana: sexualidade e agressividade.
São elas que atiçam o ser humano na incessante procura da consumação do princípio
do prazer, o que, como antes se comentou, não acontecerá, uma vez que a vida em
sociedade só se dá por conta das restrições reguladoras sobre estes impulsos. Tais
restrições são um enorme sacrifício imposto ao ser humano, uma vez que colidem
contra o princípio que o move e o impulsiona para a vida, o princípio do prazer. Dessa
tensão permanente e insolúvel brota o sentimento de mal-estar.
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E se isso é fato, um mal-estar ainda maior (o mal-estar psico-ambiental)
irrompe naqueles mais preocupados, críticos e sensíveis quanto à causa ambiental,
posto que, seguindo o raciocínio psicanalítico, ficaria a incômoda impressão de que
essa compensação de parte da pulsão de morte pela destruição externa de patrimônio
ambiental (pensamos aqui em termos coletivos) não só seria historicamente
inexorável e fatídica, por se ligar a uma situação constitutiva estrutural da mente
humana, mas até desejável, porque funcionaria como salvaguarda de nossa
preservação. Mas que preservação?!
Talvez o próprio mecanismo da sublimação revisitado possa fornecer algum
grau de oportunidade para compatibilização da força dos desejos internos, de ordem
da sexualidade, com os quereres morais decorrentes da ordem da razão. O antes
citado Birman, diz em seu texto:
Em contrapartida, esse campo de novos conceitos que podem balizar
a problemática do desamparo foi a condição de possibilidade para a
emergência de um outro conceito de sublimação, que se contrapõe
radicalmente ao primeiro. Assim, para superar as contradições e os
impasses colocados pelo conceito inicial de sublimação, o discurso
freudiano enunciou, em 1932, que existiria a constituição de um outro
objeto para a pulsão, isto é, Freud não se manteria inalterado como
na versão primeira do conceito. Isso significa que, na nova
versão, não existiria mais oposição entre sexualidade e
sublimação. Encontra-se justamente aqui a grande novidade. Vale
dizer, existiria uma outra economia do erotismo na sublimação. Com
isso, portanto, o processo de sublimação consistiria na
transformação da pulsão de morte em pulsão sexual, de
maneira tal que o erotismo e o trabalho de criação se
tornariam possíveis. Pode-se dizer que os destinos do erotismo e da
sublimação foram articulados de maneira cerrada no último discurso
freudiano. Além disso, dominar o desamparo e não curá-lo quer dizer
agora que é necessário para o sujeito constituir destinos tanto
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eróticos quanto sublimatórios para a pulsão. A tessitura desses
destinos, em ambos os sentidos referidos, constituiu para o sujeito
aquilo que denominamos há pouco de gestão do desamparo.
A gestão do desamparo toma uma direção bem precisa para o sujeito,
diferente da versão freudiana inicial sobre a sublimação. Nessa
versão, a sublimação era uma experiência de espiritualização, de
ascese, pela qual a subjetividade seria purificada de seu erotismo
perturbador.
A
sublimação
aqui
seria
uma
experiência
de
verticalização, desprendendo-se o sujeito de sua corporeidade animal
e alçando-se aos pináculos da razão civilizatória. Contudo, em sua
segunda versão, a sublimação não é um ato de espiritualização, mas
de lateralização, não se desprendendo o sujeito do seu registro
corpóreo.
Pelo
contrário,
a
sublimação
implica
na
horizontalização das ligações do sujeito com os outros, pela
tessitura de laços sociais e pela produção de obras no campo
desses laços. Pode-se depreender disso tudo não só porque nessa
última versão freudiana não existe oposição entre erotismo e
sublimação, mas também porque a gestão do desamparo implica e se
desdobra nos registros ético e político.lxix (grifos nossos)
Se, como escrito acima, ―[...] a sublimação implica na horizontalização das
ligações do sujeito com os outros, pela tessitura de laços sociais e pela produção de
obras no campo desses laços.‖, que possamos então investir todo nosso esforço criativo
nessa horizontalização. Que possamos realizar eficiente e eficazmente a gestão de
nosso desamparo interior e que a energia da frustração dos desejos mais viscerais,
compreendida,
enfrentada
e
sublimada,
enfim
psicanalizada,
se
deposite
competentemente nessa horizontalização.
Portanto, o desafio dos desafios é encontrar a fórmula de intuir e racionalizar o
meio para fazer Eros ir além. Como vimos antes, num dos trechos de Freud citados:
―Em nenhum outro caso Eros revela tão claramente o âmago do seu ser, o seu intuito
de, de mais de um, fazer um único; contudo, quando alcança isso da maneira
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proverbial, ou seja, através do amor de dois seres humanos, recusa-se a ir além.‖ Ir
além não necessariamente pela irrestrição da sexualidade, mas pela construção do
amor superlativo, amor antes de mais nada à vida que há dentro e fora de cada um, e
que possa, ele próprio, pelo processo de sua contínua apreensão e aprimoramento,
estabelecer compensações criativas às pulsões de morte.
NOTAS
i
Como Félix Guattari.
ii
Como, dentre outros, Arne Naess; Gilles Deleuze; e Claude Levi Strauss, o qual, antes de falecer comentou: ―ou
mudamos de valores civilizatórios ou a Terra poderá continuar sem nós‖.
iii Como,
dentre outros, Robert Reich, Peter Victor (http://www.pvictor.com/Site/Brief_Bio.html). Convém ainda
citar o economista brasileiro André Lara Resende, que em artigo recente (28/01/2011) para o jornal Valor
(http://www.valoronline.com.br/impresso/cultura/111/375253/desigualdade-e-bem-estar), 399intitulado
Desigualdade e bem-estar, em que diz: ―Diante da evidência de que o estrago da atividade econômica sobre o
planeta se aproxima do limite do tolerável, a identificação do crescimento econômico com o aumento do bem-estar
tornou-se obrigatoriamente questionável.‖ (...) ―Se estivermos necessariamente obrigados a crescer e a enriquecer,
para continuar a melhorar a qualidade de vida, estaremos diante de um impasse, pois é evidente que não será
mais possível crescer, enriquecer e, sobretudo consumir, nos padrões de hoje, por mais muito tempo, sem esbarrar
nos limites físicos do meio ambiente.‖
Como Raquel Carson.
iv
v
Como, dentre outros, Mikhail Gorbachev e Jacques Chirac, que no dia 2 de fevereiro de 2007, em Paris, após
conhecer os dados do aquecimento global revelados pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas
(IPCC) disse: ―Como nunca antes, temos que tomar a palavra revolução ao pé da letra. Se não o fizermos o futuro
da Terra e da Humanidade é posto em risco‖.
vi Como,
dentre outros, Bento XVI e o Dalai Lama, que disse: ―Caminhamos para um desastre psicológico, social e
ecológico. Dominados pela tecnologia e o consumismo, vamos perdendo o verdadeiro significado da vida, que é a
paz e a felicidade. O amor e a compaixão por todos os seres são a nossa única salvação.‖ Quanto à posição vigente
da Igreja, ver O meio ambiente e a visão católica, por F. Azevedo:
http://www.pratigi.org/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1221%3Ao-meio-ambiente-e-avisao-catolica&catid=146%3Aem-cima-da-noticia&Itemid=524&lang=br. Acessado em 13/10/2010.
Como, dentre outros, Lester Brown, o fundador do WWI - Worldwatch Institute. Para conhecer de perto seu
vii
pensamento e opiniões vale assistir sua entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo:
http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/1180.
viii
Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. 3p. 73-
148.
ix
Guattari, F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
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francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 7.
x
Idem, p. 7.
xi
Idem, p. 8.
xii
Idem, p. 8.
xiii
Idem, p. 11.
xiv
Dentre tantas notícias desalentadoras a respeito, uma ganhou a imprensa mundial no momento em que
escrevíamos esse texto: pesquisa intitulada Índice Global da Fome 2010, do Instituto Internacional de
Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI, em inglês), divulgada no dia 11 de outubro de 2010, indicou que
ao menos um bilhão de pessoas (ou um sétimo da população mundial) sofrem de desnutrição no planeta. Na
América Latina, a situação é considerada "séria" na Bolívia, Guatemala e no Haiti. A fome se revela
principalmente por meio da desnutrição infantil - quase a metade dos afetados são crianças. Os níveis mais altos
se encontram na África Subsaariana e no sul da Ásia. Lamentavelmente, o estudo revela que, após cair entre 1990
e 2006, o número de desnutridos voltou a crescer. Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,mais-de-1-bilhao-de-pessoas-passam-fome-no-mundo-dizestudo,623606,0.htm . Acessado em 12/10/2010.
xv
Vejam-se os textos: As novas doenças da alma / O mal-estar na civilização hoje, de Cláudia Pretti Veasconcellos
Pellegrini, e O mal-estar na civilização hoje: crepúsculo de uma civilização?, de Renata Conde Vescovi, em As
novas doenças da alma, obra organizada pela Escola Lacaniana de Psicnálise de Vitória e editada por José Nazar
(Rio de janeiro: Cia. De Freud; Vitória: ELPV, 2009.) p. 85-92 e 101-109, respectivamente.
xvi Cultura
brasileira em evidência. Entrevista concedida por Sérgio Paulo Rouanet para o Jornal da PUC-
Campinas, Ano III, no. 45, 9 a 22/abril/2007. Disponível em http://www.puccampinas.edu.br/rep/imprensa/jornaldapuc/pucc_ed45.pdf. Acessado em 12/10/2010.
xvii Conforme
entrevista de Ernesto Duvidovich concedida a Sérgio Máscoli no blog Falo, n. 2, 12/02/2009, no
endereço http://falo-na-internet.blogspot.com/2009/02/falo-n2-ernesto-duvidovich-fala_12.html. Acessado em
30/10/2010.
xviii Guattari,
F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 26-27.
xix
xx
http://www.ipcc.ch/.
Em sua oitava edição o Relatório Planeta Vivo (2010) [publicado a cada dois anos pelo World Wide Fund For
Nature (WWF), com a Zoological Society of London (ZSL) e a Global Footprint Network (GFN)] traz informações
que assustam, como: (i) em 2007 a sobrecarga imposta pelas atividades humanas foi 50% maior que a capacidade
regenerativa do planeta; (ii) até 2030 a humanidade precisaria da biocapacidade de dois planetas Terra para
poder absorver as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e manter o consumo de recursos naturais; (iii) a
biodiversidade global sofreu uma queda de 30% em menos de quarenta anos, conforme atesta o mais antigo
indicador do WWF, o IPV: Índice Planeta Vivo; (iv) chegam a 71 os países com déficit em recursos hídricos
suficiente para comprometer a saúde de seus ecossistemas, segundo aponta seu mais novo indicador, o PHP:
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 96-137, fev. 2011
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Pegada Hidrológica da Produção; (v) foi de 35% o salto das emissões de GEE desde o primeiro relatório, em 1998.
O relatório apresenta projeções com base em diferentes variáveis relacionadas ao consumo de recursos naturais,
uso da terra e produtividade, graças a uma nova "Calculadora de Cenário de Pegadas". Ver em
http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/GFN/. Acessado em 31/10/2010.
xxi
A respeito, sugerimos que se consulte a matéria Toxicologia, Ecotoxicologia e Petróleo, publicada em
http://intertox.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=337%3Atoxicologia-ecotoxicologia-epetroleo&catid=95%3Atoxicologia-em-manchete&lang=br. Acessado em 02/11/2010.
xxii A
respeito, consultar Toxicologia: Acidente com Resíduo Tóxico na Hungria, em
http://intertox.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=359%3Atoxicologiamanchete&catid=95%3
Atoxicologia-em-manchete&lang=br. Acessado em 02/11/2010.
Para ver notícia na íntegra consultar http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=374370, acessada em
xxiii
07/02/2011.
Guattari, F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
xxiv
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 30.
xxv
Ver a matéria do início do ano: Partido Verde alemão completa 30 anos, em http://www.dw-
world.de/dw/article/0,,5124180,00.html. Acessado em 02/11/2010.
xxvi Talvez
a questão aqui seja a de se questionar mesmo o que é educar. Educar tem-nos parecido, historicamente,
um processo muito mais destinado a docilizar o ser humano, asfixiando nele tudo quanto lhe é natural no sentido
do biológico, no sentido de não reconhecer-aceitar seus instintos de ‗bicho‘ humano. Como mostrou Freud, ao
adulto da sociedade compete ‗ educar‘ (disciplinar) a sexualidade das crianças. Não se está aqui defendendo a
selvageria, mas a técnica educacional que se aplica às crianças é, sem dúvida, a de formar cidadãos convenientes
para a vida em sociedade. Portanto, o que está no âmago dessa educação, conscientemente ou não, é uma
progressiva desbiologização do humano, afastando-nos da natureza. Fica de alguma maneira implícito que o que é
natural (biológico) não é bom e precisa ser transformado por um processo educacional. Ora, isso forma adultos
apartados da natureza e que vêem nela apenas instintos e entidades que precisam ser controlados ou afastados e,
por isso, são de pouco valor.
xxvii
Em trabalho anterior pudemos discutir mais a respeito das idéias de Arne Naess (Azevedo & Valença. Do
Anarquismo ao Ambientalismo – de Thoreau a Naess. Tecbahia, Revista Baiana de Tecnologia. Camaçari, v. 21,
n. 2-3, maio/dez. 2006. p. 151-181). Interessante é o fato de que as teses da Ecologia Profunda (Deep Ecology),
quando não por mais, tiveram o mérito de suscitar uma importante polêmica com os adeptos da Ecologia Social, a
qual constituiria um dos eixos das três abordagens de Guatari. Para os ecologistas sociais os ecologistas profundos
são alienados e extremamente biocêntricos, por vezes místicos. Já os profundos taxam os outros de
exageradamente antropocêntricos e materialistas. Murray Bookchin relacionou os conceitos da ecologia com os da
anarquia. Ele é, com freqüência, referido como o fundador da ―Ecologia Social‖ e manteve debates conceituais com
os filiados à Ecologia Profunda. Boochin considera que, para se observar os problemas ecológicos, deve-se, antes,
conhecer os sociais. Do outro lado, Fritjof Capra tem sido um aliado popular da Ecologia Profunda. Seja como for,
nossa preocupação (a que nos motivou à reflexão desse trabalho) é, justamente, que, por meio do entendimento o
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
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melhor possível do conteúdo humano psíquico e suas potencialidades e desarticulações, nos seja possível
ousadamente responder à insistente pergunta do por quê de tão intenso desinteresse ambiental (vis a vis a vida
ostensiva do consumo e da posse material), para que, quem sabe, a partir do delineamento da(s) resposta(s) não se
tenha que constatar a necessidade de adentrarmos mundialmente por um eco-fascismo, como, por exemplo, o já
delineado em recente fala do conhecido cientista inglês James Lovelock. Ele sugeriu atitudes drásticas e
autoritárias para combater o quadro das mudanças climáticas, justificando que a falha da democracia na adoção
de políticas efetivas para fazer face ao problema: ―eu tenho a sensação de que as mudanças climáticas são um
evento tão grave quanto uma guerra; talvez seja necessário suspender a democracia por algum tempo‖. Ou, fato
mais perturbador, a tradução recente (2009) para o inglês do livro Can Life Prevail?: A Radical Approach to the
Environmental Crisis, do pescador e filósofo finlandês Kaarlo Penti Linkolla, radical e polêmico adepto da
Ecologia Profunda. Linkolla indica o estabelecimento de um sistema autoritário para enfrentar o consumo de
forma implacável: ―uma catástrofe está acontecendo e a solução é a disciplina, a proibição (do consumo), a
imposição de regras severas e a opressão‖. E avança: ―a única chama de esperança é o governo centralizado e o
controle estrito dos cidadãos‖. Ele traz uma proposta política que inclui: ―um ponto final na liberdade para ter
filhos, abolição total dos combustíveis fósseis, revogação de todos os acordos de livre comércio, proibição do tráfego
aéreo, demolição dos subúrbios das cidades e reflorestamento das áreas de estacionamento de veículos‖.
xviii
Guattari, F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 44.
xxix Esse
raciocínio remete ao interessante filme The President's Analyst (traduzido no Brasil por A louca missão
do dr. Schaeffer), EUA/ 1967 (Paramount; Direção e roteiro: Theodore J. Flicker; Produção: Stanley Rubin;
Fotografia: William A. Fraker; Efeitos especiais: Westheimer Co.; Música: Lalo Schifrin; 104 min., cor). Com
James Coburn, Godfrey Cambridge, Severn Darden, Joan Delaney, Pat Harrington, Barry McGuire, Will Geer,
Arte Johnson. Coburn interpreta o psicanalista do presidente dos EUA. Como muitas pessoas querem saber o que
se passa na cabeça do chefe da nação, o psicanalista tem seu telefone grampeado e é perseguido por agentes
americanos, soviéticos e chineses. Ao final, descobre que quem realmente dirige o país é a Companhia Telefônica,
que se utiliza de robôs e pretende dominar o mundo implantando telefones em miniatura no cérebro de cada ser
humano.
xxx
Lasch, Christopher. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1984.
xxxi Guy
Ernest Debord (Paris, 28 de dezembro de 1931 — 30 de novembro de 1994) escritor e um dos pensadores
da Internacional Situacionista e da Internacional Letrista e seus textos foram a base das manifestações do Maio
de 68. A Sociedade do Espetáculo (La societé du spectacle, Paris, Gallimard, 1967), talvez seja seu trabalho mais
conhecido. É uma crítica teórica sobre consumo, sociedade e capitalismo. Em termos gerais, as teorias de Debord
atribuem a debilidade espiritual, tanto das esferas públicas quanto da privada, a forças econômicas que
dominaram a Europa após a modernização decorrente do final da segunda grande guerra. No Brasil, o livro foi
lançado pela editora Contraponto, com 240 p., em 1997. Uma versão eletrônica de 2003 pode ser obtida em
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/socespetaculo.html.
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 96-137, fev. 2011
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xxxii Ulrich
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Beck tornou-se um destacado teórico social após o lançamento de Risk Society (em alemão em 1986; em
seguida em inglês: Beck, U. Risk society. Towards a new modernity. Londres, Sage Publications, 1992). Segundo ele,
a sociedade industrial, caracterizada pela produção e distribuição de bens, foi deslocada pela sociedade de risco,
na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais, econômicas e geográficas da típica
primeira modernidade. A ciência e a técnica não mais dariam conta da predição e controle dos riscos que
contribuíram para criar e que geram conseqüências de alta gravidade para a saúde humana e para o meio
ambiente, desconhecidas a longo prazo e que, quando descobertas, tendem a ser irreversíveis. Entre esses riscos, o
autor inclui os ecológicos, químicos, nucleares e genéticos, produzidos industrialmente, externalizados
economicamente, individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e minimizados politicamente.
Posteriormente, incorporou também os riscos econômicos, como as quedas nos mercados financeiros
internacionais. Este conjunto de riscos geraria ―uma nova forma de capitalismo, uma nova forma de economia,
uma nova forma de ordem global, uma nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal‖. O conceito de
sociedade associa-se ao de globalização: os riscos são democráticos, afetando nações e classes sociais sem respeitar
fronteiras de nenhum tipo. Os processos surgem a partir dessas transformações são ambíguos, coexistindo maior
pobreza em massa, crescimento de nacionalismo, fundamentalismos religiosos, crises econômicas, possíveis
guerras e catástrofes ecológicas e tecnológicas, e espaços no planeta onde há maior riqueza, tecnificação rápida e alta
segurança no emprego. A proposta de construir um novo conceito dentro da teoria sócia e uma teoria da sociedade
global de risco é apresentada por Beck em seus últimos livros: The reinvention of politics – Rethinking modernity
in the global social order (1997); Qué es la globalização? Falacias del globalismo, respuestas a la globalización
(1998); World risk society (1999); The brave new world of work (2000) e The risk society and beyond. Critical issues
for social theory (2000, com Adam, B. e Van Loon, J., eds).
xxxiii Christoph
Türcke é um filósofo alemão, nascido em Hameln, Alemanha, em 4 de outubro de 1948. É professor
da Universidade de Leipzig e, filosoficamente, posiciona-se próximo à Escola de Frankfurt. Esteve no Brasil, na
altura de 1991-3, como professor visitante de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto
Alegre. É o criador da noção de "filosofia da sensação‖. Em seu livro Sociedade Excitada (lançado no Brasil em
2010, pela editora da Unicamp), o tema é dissecado. Sensação era antes apenas ―percepção‖. Hoje, à sensação se
associa tudo o que atrai magneticamente a percepção, ou seja, o espetacular. O que não chama a atenção quase
não é percebido. Esse est percipi — Ser é ser percebido, como disse muito tempo antes o filósofo George Berkeley.
Türcke analisa a transformação da sensação em uma forma de intuição do ser humano moderno, num padrão de
comportamento, num foco de uma sociedade inteira. Ele reconstrói a história do significado do conceito de
sensação e com ela a transformação do mundo moderno numa sociedade excitada, na qual choques audiovisuais
são aplicados como injeções e a sensação avança para ser a medida da percepção e da ação. A filosofia da sensação
de Türcke é uma contribuição central para a teoria da sociedade de hoje.
xxxiv Veja-se
As novas doenças da alma, obra organizada pela Escola Lacaniana de Psicnálise de Vitória e editada
por José Nazar (Rio de janeiro: Cia. De Freud; Vitória: ELPV, 2009.) p. 85-92.
xxxv A respeito, ver a obra de Robert Reich, Supercapitalismo: como o Capitalismo tem transformado os Negócios, a
Democracia e o Cotidiano. Rio de Janeiro, Editora Campus/Elsevier, 2008. 304 p.
xxxvi Guattari, F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 12.
xxxvii Idem, p. 34.
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 96-137, fev. 2011
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Convém, a respeito, uma visita à extensa obra de Milton Santos, com paradas em textos como: Espaço e
sociedade (Petrópolis: Vozes, 1979); O espaço dividido (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979 - Coleção Ciências
Sociais); A Natureza do Espaço (São Paulo: Edusp, 2002).
xxxix Em janeiro de 2010 foi divulgada uma importante notícia: cientistas encontraram, na Etiópia, o mais antigo
ancestral do homem. O Ardipithecus ramidus, chamado de ―Ardi‖. Com a revelação, a humanidade se torna 1
milhão de anos mais velha. O A. ramidus, de 4,4 milhões de anos, foi descrito minuciosamente por uma equipe
internacional de cientistas. A descoberta saiu em edição especial da revista ―Science‖. O espécime analisado, uma
fêmea, vivia onde hoje é a Etiópia, 1 milhão de anos antes do nascimento de Lucy (tido por muito tempo como o
mais antigo esqueleto de ancestral humano). A nova descoberta fornece evidências de que os chimpanzés e os
humanos evoluíram de um ancestral comum, há muito tempo. Cada espécie, porém, tomou caminhos distintos na
linha evolutiva.
"Este não é o ancestral comum, mas é o mais próximo que chegamos", disse Tim White, diretor do Centro de
Evolução Humana da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Os humanos atuais e os macacos modernos
provavelmente tiveram um ancestral comum entre 6 milhões e 7 milhões de anos atrás. O pesquisador lembrou
que Charles Darwin, cujas pesquisas no século 19 abriram o caminho para a ciência da evolução, foi cauteloso
sobre o último ancestral comum entre humanos e macacos. "Darwin disse que temos de ter muito cuidado. A única
maneira de sabermos como este último ancestral comum se parecia é encontrando-o‖, afirmou White. ―Em 4,4
milhões de anos, encontramos algo muito próximo a ele." Fonte:
<http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2009/10/02/48642-cientistas-encontram-mais-antigo-ancestralhumano-na-etiopia.html> . Acesso em: 13 out. 2010.
xl Guattari, F. As três ecologias. 11ª ed. 2001. [Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Revisão da tradução:
Suely Rolnik. Revisão: Josiane Pio Romera, Regina Maria Seco e Vera Luciana Morandim. Titulo original em
francês: Les trois écologies. © Éditions Galilée, 1989.] 1ª Edição eletrônica. Revisada por TupyKurumin
www.tupykurumin.wd2.net . p. 16.
xli Idem p. 38.
xlii Como se sabe, há grande discussão entre os estudiosos de Freud não alemães quanto à forma mais correta de
se traduzir a palavra germânica trieb, pois ela tem sido traduzida por instinto e por pulsão. Veja-se como
esclarece o assunto a Enciclopédia Britância: ―Although Sigmund Freud, the founder of psychoanalysis, wrote in
German, he used the German word Instinkt infrequently. He instead relied upon the term Trieb. While
Instinkt generally refers to an automatic, unlearned, stereotyped response to a specific stimulus and hence is
close to the English reflex, Trieb connotes urge, impulse, impetus, and desire—what in motivational psychology
is called drive. According to the Oxford English Dictionary, this is the oldest description recorded for instinct,
making it cognate with instigate.‖ <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/289249/instinct/281044/FreudsTrieb>. Acesso em: 17 out. 2010.
xliii A vida, o modo de pensar e a obra de Freud estavam inseridos do grande retrato da modernidade. É por esse
filtro também que estamos tentando buscar a correlação entre estrutura psicológica humana e a destruição
ambiental. Contudo, cabe um alerta. Se passarmos a considerar as principais características do tempo presente da
chamada pós-modernidade e como está nela a estruturação da subjetividade, talvez tenhamos que buscar
diferentes formas de explicação. Por exemplo, na pós-modernidade parece estar havendo uma desintegração da
subjetividade em favor da objetividade. O ego vai perdendo seus contornos (em que pese o excesso de
individualidade) e a pergunta que se instala, em contraposição à sexualidade freudiana, o sou homem ou sou
mulher?, é o sou ou não sou?, mais ao modo de Hamlet. Assim, se eu não sou (se surgem dúvidas quanto a isso), se
não sou por não ter ego, não tenho então a capacidade de extensão. E se não tenho extensão de mim como poderei
estabelecer pactos, por exemplo, o pacto com o meio ambiente?
xliv Birman, Joel. O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise: a Psicanálise à Prova do Social. PHYSIS: Rev.
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 203- 224, 2005.
xlv Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 73.
xlvi Idem, p. 73.
xlvii Freud, S. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 15-63.
xlviii Id ou isso: , conforme está escrito em Laplanche e Pontalis, Vocabuário da Psicanálise (São Paulo, Martins
Fontes, 2001. 4ª. ed.), p. 219, uma das três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho
psíquico. O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são
incoscinetes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos. Do ponto de vista econômico,
o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica; do ponto de vista dinâmico, entra em conflito com o
ego e o superego que, do ponjto de vista genético, são as suas diferenciações.
xlix Lacan, Jaques O Seminário de Jacques Lacan. Livro II: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise
1954-1955 [Le Séminaire de Jacques Lacan. Livre II: Le moi dans la théorie de Freud et dans la technique de la
psychanalyse (1954-1955)]. São Paulo, Ed. Zahar, 1987.
xxxviii
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 96-137, fev. 2011
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Como a arte é uma das formas de aliviar a pressão da energia livre do inconsciente, ainda que não seja a mais
eficaz nesse fazer, vamos nos lembrar quanto a esse fluxo mencionado de uma delicada e inteligente canção de
Walter Franco, que num trecho diz: (...) Viver é afinar o instrumento / De dentro prá fora / De fora prá dentro / A
toda hora, todo momento / De dentro prá fora / De fora prá dentro / A toda hora, todo momento / De dentro prá
fora / De fora prá dentro ... Uma sensível interpretação pela cantora Leila Pinheiro pode ser vista em:
<http://letras.terra.com.br/leila-pinheiro/64140/>. Acesso em: 13 out. 2010.
li Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 75.
lii A esse respeito muito oportuno que se veja a qualificada obra de Francesco Alberoni, Enamoramento e amor,
publicada em 1979, na Itália, e que agora a Bertrand Editora relançou no Brasil (2010, 168 p.).
liii Mas ficamos a cogitar imaginando o que acontece quando se lança um bumerangue. Se o mal-estar vem de
dentro e não do mundo exterior, o que não questionamos, se ele se projetar no externo por meio de operações
negativas, destruidoras de valores e patrimônios, talvez ele retorne dessa sua viagem mais sinergizado ainda por
energia negativa.
liv Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 116.
lv Idem, p. 109-110.
lvi Idem, p. 122-123.
lvii Freud, S. Mais além do princípio do prazer. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XVIII. 1996.
p. 55.
lviii Tânato ou Tânatos (do gr. θάνατος, Thánatos = morte) era, na mitologia grega, a personificação da morte
(enquanto Hades reinava sobre os mortos no mundo inferior). Hades tem versão romana (Plutão), e Tânatos
também tem: Orco (Orcus em latim) ou ainda Morte (Mors). Era conhecido por ter o coração de ferro e as
entranhas de bronze, e era filho de Nix, a noite, e Érebo, a noite eterna do Hades. Era irmão gêmeo de Hipnos, o
deus do sono, e sua representação uma nuvem prateada ou um homem de olhos e cabelos prateados. Tânatos
habitaria os Campos Elísios junto com seu irmão. Na Psicanálise, Tânatos é a personificação mítica da pulsão de
morte, impulso (instintivo e inconsciente) que busca a morte e/ou a destruição. Freud desenvolve esse conceito em
Mais além do princípio do prazer e Mal-estar na civilização.
lix Eros (gr. Ἔρως; para os romanos Cupido) era o deus grego do amor. Hesíodo, na sua Teogonia, considera-o filho
de Caos, portanto um deus primordial. Além de o descrever como muito belo e irresistível, levando a ignorar o
bom senso, atribui-lhe um papel unificador e coordenador dos elementos, contribuindo para a passagem do caos ao
cosmos. Posteriormente foi considerado como um deus olímpico, filho de Afrodite e de Zeus, Hermes ou Ares,
conforme as versões. Tendo, certa vez, Afrodite desabafado com Métis (ou Têmis), queixando-se que seu filho
continuava sempre criança, a deusa lhe explicou que era porque Eros era muito solitário. Haveria de crescer se
tivesse um irmão. Anteros nasceu pouco depois e, Eros começou a crescer e tornar-se robusto. Eros casou-se com
Psiquê, com a condição de que ela nunca pudesse ver o seu rosto, pois isso significaria perdê-lo. Mas Psiquê,
induzida por suas invejosas irmãs, observa o rosto de Eros à noite sob a luz de uma vela. Encantada com tamanha
beleza do deus, se distrai e deixa cair uma gota de cera sobre o peito de seu marido, que acorda. Irritado com a
traição de Psiquê, Eros a abandona. Esta, ficando perturbada, passa a vagar pelo mundo até se entregar à morte...
Eros, que também sofria pela separação, implora compaixão a Zeus. Este o atende e Eros resgata a esposa e
passam a viver no Olimpo. Com Psiquê teve Hedonê, prazer.
lx Freud, S. Mais além do princípio do prazer. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XVIII. 1996.
p. 60.
lxi Idem, p. 61.
lxii Idem, p. 61.
lxiii Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 84.
lxiv Freud, S. Mais além do princípio do prazer. 1920. p. 44.
lxv Precisamos nos assegurar que a expressão meio ambiente aqui grafada tenha o mesmo sentido com a qual a
empregamos tão freqüente e trivialmente em nossos dias.
lxvi Não sabemos a qual novo problema Freud estaria se referindo e isto pede uma boa investigação (se é que algum
estudioso já não a tenha feito). Poderíamos, só como entrada, pensar na projeção, por nós provocada, para o
mundo real exterior do mesmo palco de luta estabelecido em nosso mundo interior mental entre os instintos da
vida e da morte.
lxvii Freud, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro, Imago Editora, Obras Completas, vol. XXI, 1996. p. 113114.
lxviii Idem p. 119-120.
lxix Birman, Joel. O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise: a Psicanálise à Prova do Social. PHYSIS: Rev.
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento): 203- 224, 2005.
l
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AZEVEDO, Fausto A. de. 80 anos depois: um mal-estar ambiental. RevInter Revista InterTox de
Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 96-137, fev. 2011
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ISBN 1984-3577
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Sylvio de Queirós Mattoso
DSc, Engenheiro de minas e metalurgista.
E-mail: [email protected]
Palestra “A escolha de uma profissão”, proferida para o pessoal do Interact São Bartolomeu,
no IFBA, antigo CEFET, Barbalho, em 18/11/2010 às 12:30. Patrocinada pelo CEPA - Círculo de
Estudo Pensamento e Ação - Movimento Educativo-Cultural. Local: Faculdade 2 de Julho, em
04/12/2010.
INTRODUÇÃO
Educação, embora não possa ser definida, abrange um conjunto de
conceitos que podem variar com o tempo, desde conhecimento a comportamento
em sociedade, que envolve a família, o emprego, o ambiente por onde circula e
tem um viés na tradição da sociedade em que a pessoa se insere. Sua abordagem,
além de ter variado com o tempo e com o lugar, pode ser condicionada e moldada
pela política, sobretudo em regimes ditatoriais. Educação é um processo contínuo
que o indivíduo absorve ao longo de sua vida, que influi no seu relacionamento
com outras pessoas, inclusive como resultado dos conhecimentos e da experiência
que consegue acumular durante sua existência. Nesse processo contínuo da
educação, alguns comportamentos indesejáveis demoram em desaparecer por
força da tradição.
Sendo assim, a educação abrange uma variedade indeterminada de
conhecimentos em que a pessoa acredita e que lhe serão úteis na vida adulta e
MATTOSO, Sylvio. Filosofia da Educação. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
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que permitem também perceber quais lealdades, atitudes e conduta serão
necessárias à sua atuação como cidadão.
Já no início destas considerações sobre o tema de educação, convém
introduzir o conceito de que Conhecimento é poder (Knowledge is Power,
expressão do filósofo inglês Francis Bacon, 1561-1626), pois originalmente se
pretende que a frase signifique „quem tem conhecimento tem poder de
compartilhar conhecimento, tem poder de escolher pessoas capazes para as
funções que irão desempenhar, tem poder de sugerir soluções para problemas e
situações, tem poder de avaliar o caráter e as virtudes de outras pessoas‟,
portanto uma interpretação totalmente desvinculada do poder de mando e, menos
ainda, de poder despótico. Disraeli, ministro da rainha Vitória no fim do século
XIX entendeu perfeitamente o significado dessa expressão de F. Bacon. Além
disso, a biografia de Disraeli mostra com clareza a importância da leitura, que foi
um item forte em sua formação e que constitui um importante exemplo a ser
divulgado entre os jovens de hoje.
As ênfases possíveis na educação através do tempo:
(i) no período das cavernas, a educação provavelmente envolvia a vida em
família, em grupo familiar ou clã, privilegiando o conhecimento para a coleta de
alimentos e o ambiente natural onde deveriam ser encontradas em cada estação
do ano. Em adição era preciso educar para defesa contra outros grupos humanos
e a defesa contra os animais selvagens. Imagino que as opções no campo
“profissional” seriam: caçador, pescador, coletor de frutas, folhas e raízes para a
alimentação, antes de dominar o fogo; fabricante de pequenas ferramentas para
defesa, feitas de pedra ou madeira. As mensagens se limitavam quase
exclusivamente a desenhos de animais nas paredes das cavernas.
(ii) na antiguidade a partir do domínio do fogo, até a invenção do alfabeto,
as evidências sugerem que a educação passou a privilegiar um comportamento
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individual e coletivo de certa forma relacionado a leis divinas. As regras de
comportamento, ou leis se for preferido este último termo, eram ministradas em
terreiros, em templos ou em reuniões com pessoas que talvez fossem chamadas de
profetas, pajés, sacerdotes, mestres, muitas vezes pessoas mais velhas de um clã
ou grupo de clãs ou tribo. Nosso conhecimento desse período nos vem dos chineses
(Buda e Confúcio entre aqueles que deixaram nome na história), dos indígenas do
Brasil e da África, dos egípcios, dos judeus e de alguns outros povos, em locais
mais específicos, que deixaram um legado que chegaram até nós como resultado
de tradição oral, ideogramas (figuras que podem significar até uma frase inteira),
escritas (sinais silábicos ou sons repetidos, tal como na taquigrafia, em geral algo
como sessenta a duzentos sinais diferentes para representar as palavras de uma
determinada língua falada) e, bem mais tarde, a partir do século VI ou V A.C.,
pelo alfabeto grego e, pouco tempo depois, também o alfabeto latino. Alfa como
significando vogais, sons emitidos sem movimentação de lábio ou língua, que
podem ser exalados continua e livremente pela garganta junto com a respiração,
até se perder o fôlego; beta, significando consoante com som gutural como o h e o
ch em alemão, sons que existem também em outras línguas, por vezes com
símbolos (letras) próprios. A educação passou certamente a incluir também a
leitura e o ato de escrever.
A sociedade ficou mais complexa, lutas ou guerras eram frequentes, e a
educação incluía também a ginástica, a fim de manter corpo ágil para uma
eventual guerra. Os governos se preocupavam sobretudo com a harmonia entre os
que o seguiam ou atendiam ou obedeciam e a instituição da escravatura de algum
modo compensava, nos grupos vitoriosos, os mortos perdidos nas guerras, pelos
derrotados.
Com os ideogramas, a escrita e, sobretudo com o alfabeto, o conhecimento
humano expandiu-se consideravelmente. Se de um lado a Bíblia, no Antigo
Testamento, aponta diretrizes de comportamento pessoal e coletivo, os filósofos
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gregos debateram o comportamento humano e suas diferentes circunstâncias,
distinguindo vários domínios do conhecimento, e foram talvez os primeiros povos
a destacar a educação com o amplo sentido que damos hoje ao termo. O alfabeto
foi essencial para a difusão do conhecimento. A invenção do papel (China séculos
I e II) e da imprensa (China século IX e ocidente século XIV) permitiu a difusão
do conhecimento de um modo impressionante, com formação de bibliotecas
públicas e particulares em todas as partes do mundo, um processo ainda em
curso, ou em andamento.
As profissões passaram a se multiplicar, cada uma abrangendo áreas
menos amplas do conhecimento e as invenções marcaram de certa forma períodos
da história da humanidade. O engenho e a arte passaram a interessar as pessoas
que se destacavam em campos específicos como construção e projetos de
construção (engenheiros para projetar templos tanto na Ásia, como na Europa,
África e América), áreas de luta como o Coliseu de Roma, teatros, fortificações,
embarcações, estradas (como as estradas romanas e as estradas Incas);
formulação de leis e sua interpretação, artesão para todo tipo de produção desde
manual até as primeiras manufaturas e ferramentas de trabalho, para lavoura,
para a produção de tecidos, de calçados etc. Hoje, com os diferentes meios de
comunicação, interpessoal e coletivo, que envolvem telégrafo, telefone, rádio,
televisão, computador, o conhecimento vem tendo uma difusão cada vez mais
rápida. Inicialmente o conhecimento era limitado à memória individual e sua
difusão se fazia por contatos possíveis entre indivíduos vivendo em regiões
restritas e que se deslocavam a pé. O alfabeto e mais tarde o papel deram um
impulso significativo ao desenvolvimento das civilizações.
A universidade - O universo da educação foi ficando mais complexo e
diversificado, o que se acelerou com a criação das primeiras universidades na
Europa Ocidental nos séculos XII e XIII, processo que se acelerou ainda mais e se
difundiu a todas as partes do mundo após os séculos XV e XVI. Universidade
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significando um conjunto de sábios (pessoas de notável saber) interessados em
promover (ou que se propõem a aumentar ou expandir) o conhecimento humano,
isto é, pessoas que investigam fenômenos da natureza, o comportamento e outros
aspectos da vida, animada e inanimada, incluindo leis do universo.
Promover conhecimento significa ensinar ou divulgar conhecimento,
publicar, reunir as publicações em bibliotecas para referência futura e permitir
que os leitores ampliem ainda mais o conhecimento humano em todos os seus
aspectos. Assim, a universidade passou a receber pesquisadores e cientistas em
todos os ramos do saber. Não se deve admitir que a universidade seja uma escola
técnica, aonde a pessoa vai se matricular e fazer cursos em busca de uma
profissão. O título profissional é função dos campos de saber que o aluno escolhe.
O próprio aluno, por meio de leitura e debates com os próprios colegas e com os
professores também contribui para promover o conhecimento. Assim, a
universidade deve ser entendida como um reservatório de conhecimento e de
cientistas pesquisadores, um Templo do Saber.
As descobertas, as invenções e as guerras, sobretudo as promovidas por
ditadores, a partir do século XIX, influíram no modo de abordar o tema da
educação, tanto nas escolas de formação do cidadão (de 6 a 18 ou 21 anos) como
na universidade. Os dois itens seguintes compõem um pequeno retrato das
invenções a partir do século 16 até o presente e para as quais a universidade deu
uma contribuição considerável.
(iii) séculos 16 a 20: diversificação progressiva das profissões com o
aparecimento da máquina a vapor, eletricidade, telégrafo (inclusive cabos
submarinos para comunicação intercontinental), máquina fotográfica, rádio,
telefone, avião (e Zeppelin), gravação de músicas (em cilindros e, posteriormente
em discos passando a LP e em seguida CD), rádio, televisão. O automóvel e o
desenvolvimento das estradas de rodagem; as estradas de ferro
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(iv) 1960 até hoje: transmissão sem fio de rádio, ligações telefônicas e
telegráficas e televisão,. Substituição das válvulas por placas e circuitos
impressos. O avião a jato e os supersônicos. O computador, o computador pessoal
até o lap top e o skype, o telefone celular com suas múltiplas funções, o iPOD, o
iPAD, os novos modos de tirar fotografias.
Hoje, para falar de educação temos de partir do conceito de nação,
conceito que evoluiu a partir dos conceitos sucessivos de clã, tribo, estado, em que
o clã um envolve número bem pequeno de indivíduos da mesma família até a
nação envolvendo um número considerável de pessoas.
Certamente outros povos mostraram, no passado, preocupação quanto ao
modo de organizar a sociedade. Entretanto, os gregos, por dominarem um
alfabeto, deixaram textos com conteúdo que podemos considerar atualíssimos
sobre a organização da sociedade.
Aristóteles, que viveu entre 384 e 322 A.C., preocupou-se e deixou livros
sobre a organização dos Estados gregos, que constituem excelente referência
sobre o assunto até hoje. Lembremos que na Grécia antiga existiam CidadesEstado com as características de uma Nação, no conceito moderno desse termo.
Segundo Aristóteles, “toda Cidade é uma espécie de associação” e que uma
associação se forma tendo em vista algum bem que interessa a todos os
indivíduos dessa associação, entre outras razões porque as pessoas trabalham
somente por aquilo que elas consideram como um bem ou vantagem. Assim a
Nação (Estado, no conceito grego antigo) é uma sociedade política. Desse ponto,
Aristóteles parte para o chefe político e o modo como chefia essa sociedade ou
Cidade-Estado. Distingue, inicialmente, o governo como político ou real. Se o
homem governa sozinho e com autoridade própria, o governo será real ou uma
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monarquia (nesse caso como classificaríamos o governo de Fidel em Cuba e todos
os que a ele se assemelham ou pretendem se assemelhar?).
Curiosamente, em seguida Aristóteles sustenta uma tese que nós, hoje, não
conseguimos mais admitir. “Há também, por obra da Natureza e para a
conservação das espécies, um ser que ordena e um ser que obedece. Porque
aquele que tem inteligência capaz de previsão tem naturalmente autoridade e
poder de chefe; o que nada mais possui além da força física para executar deve,
forçosamente, obedecer e servir” resultando que “o interesse do senhor é o mesmo
que o do escravo”. Entre os bárbaros (os não gregos) “a mulher e o escravo se
confundem na mesma classe”. Ele ainda admitia que “a mulher tem uma fraca
faculdade de querer, e o filho a tem incompleta”. Neste ponto há uma primeira
insinuação da necessidade de educação do filho, isto e, da criança e do jovem.
Estes são casos típicos de comportamentos espontâneos que podem permanecer
um longo tempo na sociedade por força da tradição. O reconhecimento desse fato
pode contribuir para reduzir seu impacto social.
E continua; “a união do homem com a mulher e de ambos com o escravo,
constitui antes de tudo, a família”. Aristóteles ainda acrescenta que “o homem
fez os deuses à sua imagem; também lhes deu seus costumes”, em tudo bem
diferente do Velho Testamento dos judeus e que é adotado e aceito pelos cristãos.
O fundamento da Cidade-Estado é a família e a virtude e esta deve ser
obedecida tanto pelos que mandam como pelos que obedecem. Seriam cidadãos
(da Cidade na Grecia antiga, que nos tempos atuais diríamos Nação) “todos os
que podem ser juiz e magistrado” (que nos tempos atuais incluem todos os que
podem ser membros de júri, tanto homens quanto mulheres, portanto).
Uma observação de Aristóteles em A POLÍTICA, que julgo muito
importante incluir neste texto sobre educação, estabelece que ”Uns, não sendo
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iguais em certos aspectos, em fortuna, por exemplo, julgam que não o são em
qualquer outro aspecto”. Esse tipo de sentimento aproxima-se de complexo de
inferioridade, e pode limitar, na pessoa, seu interesse por completar sua educação
formal. Pode ser uma causa do abandono dos estudos após os 15 anos.
E mais: “a única associação que forma uma cidade (uma nação) é a que faz
participarem as famílias, e os seus descendentes, da felicidade de uma vida
independente, perfeitamente ao abrigo da miséria”. Como corolário disso,
trazendo essa afirmação de Aristóteles para o mundo de hoje, reafirmo: é o
conhecimento, é a educação que insere a pessoa na sociedade, é o interesse em
compartilhar conhecimento e dar oportunidade igual a todos para viver ao abrigo
da miséria que nos dá o sentimento de Justiça, de Nação e de Pátria. - "Hoc opus,
hic labor" - "Esta é a obra, este é o trabalho”!
Essas considerações feitas até aqui levam necessariamente ao conceito da
educação na formação do cidadão, com ética e respeitador do mérito, como
devendo constituir a preocupação máxima de um povo, Estado ou Nação.
Por onde começar a educação - Estabelece Aristóteles que a natureza
da pessoa, o hábito e a razão determinam suas qualidades. Restaria considerar se
é pela razão ou pelos costumes que se deve começar a educação. De todo modo, a
educação abrangeria o comportamento individual (na família e na sociedade) ou
costumes, ou pela razão, ensinando a pessoa a pensar e tirar conclusões válidas,
de acordo com as virtudes desejáveis. A harmonia entre a razão e os costumes
pode ser perturbada desde que a razão produza desvios na melhor natureza e os
costumes possam produzir esses desvios. A razão e a inteligência são, nas
pessoas, a finalidade da natureza e por isso o filósofo grego recomenda vigiar
intensamente as condições do nascimento (e criação na família) e a formação dos
hábitos do cidadão.
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Como a vontade e os desejos se manifestam desde os primeiros dias da
existência, e a inteligência (que envolve a capacidade de discernimento e a
capacidade de estabelecer relações de causa e efeito) só se tornam evidentes
depois de certo tempo, Aristóteles recomenda que, em primeiro lugar, se dê
atenção ao corpo e, em seguida, ao instinto, mas que este seja comandado pela
inteligência.
Por isso recomendava ao legislador de seu tempo que seu primeiro dever
era o de garantir às crianças que se educam uma constituição robusta e que, por
esse motivo, antes disso o legislador deveria cuidar da qualidade do casamento
que os esposos devem trazer à união. Percebemos então porque convencer os
filhos a freqüentar a escola, hoje, é uma obrigação dos pais, com penas previstas
na legislação por desobediência a esse preceito legal.
Recomendou ainda o filósofo que, até os cinco anos, a criança não se
aplique ao estudo ou aos trabalhos pesados, a fim de não interromper o
crescimento. Nesse período a criança precisa de movimento para impedir o
entorpecimento do corpo. Devem ouvir contos e fábulas, que desenvolvem a
Inteligência e a capacidade de abstração. Jamais proibir os gritos e os choros das
crianças por ser um meio de desenvolvimento e um exercício para os órgãos do
corpo.
Manter as crianças longe de indecências e de vícios, de más ações e de
conversas e pinturas e desenhos indecentes.
Períodos da educação - Aristóteles reconhece dois períodos para a
educação das crianças: dos sete anos à adolescência; e da adolescência até cerca
dos vinte e um anos. A educação deve ser única e administrada em comum para
todos. No conceito moderno, isso significa dar oportunidades iguais a todos os
cidadãos, privilegiando o mérito para que todos completem sua educação com
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nível uniforme e adequado para ingressar numa escola profissional ou numa
universidade. Nesta fase, ensinar que se deve ensinar ao jovem que ele deve
desejar aumentar seu conhecimento a fim de se tornar um cidadão útil à nação. O
hábito de leitura deve ser inculcado no jovem desde cedo, pois abre novos
horizontes, amplia a capacidade de raciocínio, aumenta a experiência com o
relato obtido da leitura, desenvolve a imaginação e estimula a criatividade. Como
a felicidade se compõe do honesto e do agradável, a música como passatempo
preenche essas condições. A música, com frequência ensinada na Grécia antiga,
pode ser um elemento importante na educação moderna. Tal como na velha
Grécia, a música deve ser apresentada como distração agradável. Neste ponto é
importante enfatizar que a música erudita, instrumental e cantada, composta
sobretudo nos século XVI a XIX, contribui para melhor assimilação do ensino de
matemática e o aprendizado de línguas estrangeiras.
Conceitos mais recentes sobre o processo da educação - A educação,
segundo o educador inglês, Lester Smith (citado na bibliografia), tem os atributos
de um organismo vivo em crescimento. Portanto não deveria constituir surpresa
dizer que, em paralelo com atributos permanentes, a educação está se
modificando continuamente e adaptando-se a novas demandas e a novas
circunstâncias, sendo ainda sensível às condições regionais onde vai ser aplicada,
se área rural ou área urbana industrializada densamente habitada. Seu
significado pode também variar conforme o país e alguns educadores não
acreditam que as práticas educacionais possam ser consideradas como um bem
exportável. De qualquer modo, educação é um processo contínuo e abrange todo o
período de vida de qualquer pessoa.
É comum pensar que o fato de assegurar a permanência de uma pessoa na
escola significa educar. A partir do século XX a influência das ideias da psicologia
se fez sentir na maneira de ensinar as crianças em função do que se convencionou
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designar de estágios do crescimento mental. Isto não se choca contra as ideias de
Aristóteles, mas representa uma inovação na educação.
Escolha de profissão e aquisições adicionais - O processo educativo
não cessa nunca. Qualquer pessoa em sua vida ativa de trabalho, com profissão
definida ou não, pode sentir necessidade de freqüentar cursos capazes de
satisfazer seu interesse em adquirir conhecimentos em áreas novas ou atender
necessidades identificadas em qualquer ocasião, como também procurar cursos
capazes de contribuir para seu crescimento profissional dentro e fora da empresa
ou instituição onde desenvolve seu trabalho. Afinal não existe área estanque de
conhecimento. Elas todas se interpenetram. Além disso, a escolha de uma, entre
mais de uma centena de profissões que existem hoje, fica facilitada quando o
jovem lê bastante, desenvolve múltiplos interesses de modo a selecionar o que
mais condiz com sua personalidade e acrescenta interesses identificados como
resultado de leitura, da experiência pessoal e da experiência de outras pessoas
que fazem parte de seu círculo de relações, ainda que ocasionais.
O Estado que busca o Bem Estar Social para sua população tem
necessidade de manter uma democracia educada com um bom senso de cidadania.
Novos materiais de ensino, que permitem uma riqueza de ilustrações e
apresentação do material que está sendo tratado pelo professor, não alteram o
objetivo da educação. Naturalmente, o professor é uma parte muito importante
no processo de educação.
O professor não pode se limitar a apresentar informações. È preciso
também mostrar como usar a informação, debater ideias e opções para solução de
dúvidas dos estudantes. O mérito do professor resulta de seu bom senso aliado a
conhecimento, convicções, padrões e valores. A história sobre a invenção dos
algarismos e do alfabeto pode despertar o senso de criatividade ainda antes da
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adolescência. No fundo, a educação pode ser entendida como a influência de uma
pessoa sobre outra, a influência da mentalidade, da personalidade e do caráter
sobre o outro. De qualquer modo, é pelo menos assim que começa a educação. Por
isso, a leitura e o ambiente onde a criança se desenvolve são fatores tão
importantes na educação. O currículo escolar deve ser planejado mais em termos
de atividade e experiência e não de informações e fatos para serem armazenados.
Entretanto, exercícios de memória são também importantes na educação.
Em 1904, o educador inglês Morant admitiu que “o objetivo da educação
pública fundamental é formar e fortalecer o caráter e desenvolver a inteligência
dos jovens colocados sob sua tutela”. A autoridade do professor ainda é um fator
essencial no processo educativo, ainda que ele se comporte como guia e amigo.
Essas características esperadas do professor indicam e justificam que sua
remuneração seja proporcional ao resultado que se espera de seu ensino e que o
professor possa servir de exemplo de profissional bem sucedido aos olhos de seus
alunos.
O Rotary Internacional lançou e vem conduzindo um programa de
complementação da educação em escala mundial, por meio de Interacts (que
reúne jovens de 14 a 18 anos) e Rotaracts (para jovens de 19 a 30 anos) que
incentivam o espírito de servir e um senso de responsabilidade para com a
comunidade em que os jovens estão inseridos. Este programa do Rotary, que
envolve uma atividade sempre acompanhada de um conselheiro rotariano. está
perfeitamente coerente com uma recomendação de Lester Smith em sua obra
sobre Educação e referida na bibliografia recomendada: “Por estarem debaixo das
influências de variada natureza, boas e más, os jovens de nossos dias necessitam
de uma considerável prudência intrínseca, percepção e bom senso que lhes
permitam fazer as escolhas mais apropriadas e corretas; a melhor maneira de
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atingir esse objetivo será inseri-los num grupo social estável sob uma
liderança madura.”
Temos exemplos no século XX e mais recentes do uso da educação para
promover governos totalitários. Foi o caso do nazismo na Alemanha, do
comunismo na Rússia e talvez esteja sendo usado hoje no Irã. Esse tema foi
tratado por Aristóteles em suas referências às tiranias (ditaduras), à oligarquia, à
demagogia.
Um problema que vem se intensificando desde a última metade do século
XX, e que certamente tem influência na educação, relaciona-se com uma possível
deterioração da vida em família. As crianças precisam de afeição e esta é mais
comum no seio da família. O lar tem maior responsabilidade nas demonstrações
de emoção e expressão. Hoje temos muitos tipos de organização familiar. Em
adição, está cada vez mais comum pai e mãe trabalharem fora de casa, o que
sugere a necessidade de escolas de tempo integral ou até mesmo internatos, como
começou a ser adotado recentemente na França (2007).
É muito difícil compensar a vida em uma família feliz, com o amor do pai e
da mãe, dos irmãos, tios e as intimidades de tratamento próprias de pequenos
grupos, a vida numa atmosfera de bondade, respeito mútuo, de respeito à
verdade, de consideração pelos outros, de lealdade e que constituem a base da
ética na vida de uma pessoa.
No processo de educação temos ainda de considerar a influência religiosa,
as escolas religiosas e as escolas leigas. Os grupos religiosos vêm assumindo a
educação de jovens há vários séculos, e com sucesso. As nações nem sempre
aceitam essa interferência sob a alegação de que o país é leigo. Em outros casos,
como ocorreu na Inglaterra durante muitos anos nos séculos XVII a XIX. Em
seguida a religião foi banida do ensino até que no fim dos anos 1930 o governo
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inglês voltou a admitir oração nas escolas e ensino religioso dentro do sistema
nacional britânico.
Influem no processo da educação não somente a vida em família, mas
também a vizinhança, pelos exemplos a que os jovens ficam expostos; Influem
também a orientação da imprensa, escrita, falada e televisiva que podem
condicionar hábitos que os jovens facilmente copiam. E hoje apareceu um
complicador adicional: a internet com os “sites” de relacionamento.
Como o objetivo maior da educação é o de formar o cidadão. Por isso, o
Governo tem maior responsabilidade no assunto, pois deveria lhe interessar
cidadãos éticos, com visão social, e capazes de compartilhar conhecimento e
experiência. Jovens da mesma faixa etária e até mais velhos, mais interessados
em atividades marginais, costumam exercer uma influência negativa e desviam a
atenção dos colegas, com frequência da mesma classe. Procuram constranger o
colega dizendo que ele deveria estar na rua jogando futebol, se divertindo, ou em
qualquer outra atividade não escolar, chegam até a ridicularizar o colega que leva
mais a sério os deveres escolares, dizendo que ficar sentado estudando não
resolve nada, não leva a lugar nenhum. Esse problema é mais comum nos meios
mais carentes.
Para evitar as faltas à escola e reduzir a evasão escolar, à qual esse
comportamento conduz, duas soluções podem ser adotadas: (1) criar escolas
capazes de aceitar o estudante o dia inteiro, portanto tempo integral, como o
projeto do baiano Anísio Teixeira; (2) criar internatos para pelo menos os mais
carentes, tal com está sendo feito na França desde 2007. Em ambos os casos, o
jovem é retirado da rua e fica menos vulnerável ao assédio de desinteressados e
de criminosos, hoje agravado pelo assédio de pessoas ligadas ao tráfico de drogas
que prometem dinheiro e satisfação pela posse de bens físicos, quando não
contaminam o jovem viciando-o em drogas.
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A educação, o treinamento e a formação ético-profissional do professor são
fatores adicionais a considerar na educação nos tempos atuais. O papel do Estado
na concessão de bolsas de estudo (para estudantes e professores), no
financiamento e na regulamentação da educação tem de ser bem estabelecido.
Resulta que o professor, sendo também considerado guia pelo estudante, precisa
ter uma remuneração adequado para justificar-lhe a posição de guia digno e
servir de exemplo que possa ser seguido. Importantes, ainda, são os conceitos de
universidade, ciência, tecnologia, inovação que podem ser apresentados aos
jovens antes de escolher uma profissão.
REFERÊNCIAS (leitura recomendada)
A ESCOLHA DE UMA PROFISSÃO, palestra proferida para o pessoal do
Interact São Bartolomeu. IFBA. CEFET, Barbalho: 2010. (CEPA - Círculo de
Estudo Pensamento e Ação - Movimento Educativo-Cultural).
ARISTÓTELES. A política. Tradução de Nestor Silveira Chaves. Rio de Janeiro:
Edições de Ouro, 1992.
LESTER SMITH, W.O. Education: An Introductory Survey. Louisiana:
Penguim Books Ltd., 1997.
MAUROIS, André. A vida de Disraeli. Tradução de Gleuber Vieira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
REFERÊNCIAS (referentes a ciência, tecnologia e inovação)
CARAÇA, João . Do saber ao fazer: porque organizar a ciência. Lisboa:
Gradiva, 1993. (Coleção trajectos portugueses).
MATTOSO, Sylvio. Filosofia da Educação. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco
Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 138-152, fev. 2011.
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Ensaio
RevInter
ISBN 1984-3577
FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo. História das ciências no
Brasil. São Paulo: Editora E.P.U, 1979.
GAMA, Ruy, História da técnica e da tecnologia. São Paulo: Editora Edusp,
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Ciência e tecnologia numa sociedade democrática: relatório geral.
Ministério da Ciência e Tecnologia. Brasília (DF): MCT/Finep/CNPq, 1986.
MOTOYAMA, Shozo (Org.). Tecnologia e Industrialização no Brasil: uma
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MASON, S.F. História da Ciência: as principais correntes do pensamento
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MUSA, E.V. et al. Alicerces do desenvolvimento. São Paulo: CNPq, 1994.
(Coleção Ciência & Tecnologia).
ROMAN, Coli A. História ilustrada da Ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1987
RUIZ, João Alvaro. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos.
São Paulo: Editora Atlas, 1986.
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Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 138-152, fev. 2011.
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Novo software para classificação de perigo
de produto químicos – SafetyChem
Eduardo Moraes de Morais
Doutorando em ciências da computação pela Unicamp e sócio-proprietário
da TEC – Inteligência Criativa. E-mail: [email protected]
Resumo
Durante algum tempo o homem não se preocupou em catalogar e classificar a diversidade
de substâncias químicas que estava produzindo para os mais variados fins. Estes
produtos químicos oferecem risco não apenas ao ser humano, como também ao meio
ambiente. Porém, este risco ainda não está suficientemente mapeado e a informação a seu
respeito não é amplamente divulgada. O mundo está discutindo este problema
tardiamente e tem no GHS (Globally Harmonized System of Classification and Labelling
of Chemicals) o objetivo de estabelecer critérios para classificação de perigo e
padronização dos elementos que os representam. O SafetyChem® é um software que
promove esta ideia, projetado para lidar com a complexidade das informações e flexível o
suficiente para evoluir, respeitando peculiaridades regionais e diferenças entre normas,
padrões e idiomas.
Palavras-chave: Informática. Software. Toxicologia. Segurança toxicological.
Abstract
In the last years, the man did not bother to catalog and classify the diversity of chemicals
being produced for many purposes. These products are not just risky to human beings,
but also to the environment. Nethertheless, this risk is not yet fully mapped and the
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information about it is not widely promoted. Recently the world discussed the subject and
GHS (Globally Harmonized System of Classification and Labeling of Chemicals) main
goal is to establish criteria for hazard classification and the standardization of the
elements to represent them. SafetyChem® is a software that implements these ideas,
designed to deal with the complexity of the information and flexible enough to evolve as
this international standard is established, respecting regional peculiarities, different
regulations, standard and languages.
Keywords: Informatics. Software. Toxicology. Toxicology safety.
Desafios
A
organização
de
informações
fisico-químicas,
toxicológicas
e
ecotoxicológicas de substâncias químicas é um grande desafio da atualidade,
porque envolve questões de diversas áreas do conhecimento científico, além de
estar sujeita a interesses de pessoas, empresas, grupos e países. O GHS (Globally
Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals) representa um
esforço internacional de padronização dessas informações, estabelecendo critérios
de classificação de perigo dos produtos químicos e elementos de rotulagem como
pictogramas, frases de perigo e palavras de advertência. A existência de outras
normas também é um fator que foi considerado neste cenário, porque quanto mais
fácil for o mapeamento entre diferentes sistemas, maior será a abrangência de um
sistema que gerencie e trabalhe com todas estas informações.
Está sendo lançado no mercado um software1 cuja função é organizar e
automatizar a geração de relatórios com informações de perigo de produtos
________________________________
1
Por meio da parceria entre duas empresas, Intertox e TEC.
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químicos, tendo como foco principal o sistema GHS. Este software chama-se
SafetyChem® e tem como objetivo facilitar a produção de relatórios, fornecendo ao
usuário funcionalidades para preenchimento automático dos documentos. Além
disso, o projeto prevê a consolidação de uma base de dados ampla, reunindo
informações sobre diferentes tipos de perigos e padrões, o que por sua vez
permitirá o mapeamento entre diversos sistemas de classificação.
A principal característica do software é a flexibilidade de sua estrutura, que
tornará possível a integração entre sistemas que hoje em dia estão isolados. Para
isso, haverá a capacidade de lidar com atualizações em diferentes idiomas,
respeitando as peculiaridades de cada país em sua interpretação do GHS.
O sistema admite vincular as informações que são inseridas a referências
bibliográficas, organizando os dados de maneira a facilitar o trabalho dos usuários
do software, agrupando informações com a intenção de tornar a sua manipulação
mais intuitiva.
Organização
O software oferece uma interface completa para o cadastro detalhado de
informações, com ferramentas de validação de consistência dos dados e de
preenchimento automático, utilizando dados retirados da literatura. Sendo assim,
o trabalho manual ou repetitivo é minimizado até o ponto em que o sistema
consiga completar o trabalho automaticamente, permitindo que usuário interaja
de modo a gerar relatórios personalizados para empresas de diversos ramos de
atividade.
O sistema pode ser descrito em três etapas, detalhadas a seguir:
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1. Cadastro de informações e propriedades do produto químico. Nesta
etapa, o usuário poderá informar dados como o número CAS, composição química
no caso de misturas, propriedades físico-químicas, limite de exposição ocupacional,
equipamento de proteção adequado, entre outros. Com este tipo de informação, o
sistema pode buscar outros dados, facilitando o trabalho da etapa seguinte, de
classificação de perigo;
2. Classificação de perigo. Neste momento, é possível classificar o produto de
acordo com as categorias de perigo descritas no GHS, além de outras normas,
como, por exemplo, a Resolução n° 420/04 da Agência Nacional de Transportes
Terrestres-ANTT e a norma NFPA 704 (dDiagrama de Hommel), utilizada por
bombeiros no combate a incêndio. A partir dos dados que forem encontrados nesta
etapa, o software será capaz de identificar frases apropriadas para geração de
relatórios na etapa seguinte;
3. Geração de relatório. Com os dados das etapas anteriores, será possível
gerar relatórios como FISPQ, SDS, ficha de emergência, rótulo, envelope para
transporte e ficha de perigo e segurança e já a nova FDSR (Ficha de Dados de
Segurança de Resíduos, baseada na nova ABNT NBr 16725:2011). Estes
documentos são gerados no formato PDF, utilizando uma ferramenta desenvolvida
especialmente para este tipo de relatório.
Com o estabelecimento da base de dados de matérias-primas, será possível
utilizar extrapolações para obter a classificação de perigo de misturas, tomando
como base a concentração de seus ingredientes. Tendo em vista a grande
quantidade de combinações de fatores, o sistema tem por finalidade fornecer
recursos confiáveis para que o usuário consiga classificar e gerar relatórios de
uma ampla gama de substâncias puras e misturas. Para isso, são utilizadas
regras lógicas (que, além da lógica computacional, têm por pano de fundo o
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raciocínio toxicológico) que guiam o usuário na obtenção das informações
desejadas. Conforme as informações são fornecidas ao sistema, este verifica quais
dados ainda são necessários e relevantes para uma listagem completa das
características do produto químico.
O SafetyChem® tem também como meta reunir dados de toxicidade ao meio
ambiente, e, na medida em que provê informações sobre produtos potencialmente
poluentes, é uma ferramenta importante para a divulgar e ampliar o
conhecimento nesta área da toxicologia, revelando dados importantes para
problemas como a diminuição da qualidade dos corpos d´água.
Tecnologia
A tecnologia adotada para construção do sistema é a plataforma de
desenvolvimento. Net, da Microsoft®. Recursos modernos, como Ajax e WCF, são
utilizados para permitir a construção de uma arquitetura em nuvem, onde as
informações são acessadas remotamente através da internet, por meio de Web
Services. Este modelo está de acordo com a tendência da evolução tecnológica,
onde os softwares não mais precisam ser instalados nos computadores, mas podem
ser buscados à distância, de qualquer dispositivo que tenha acesso a internet.
A interface gráfica do sistema é um diferencial do SafetyChem®, porque
permite a interação intuitiva do usuário, usando a tecnologia Ajax para tornar a
experiência mais dinâmica e eficiente. Um componente essencial do sistema
gerencia regras lógicas, usando uma sintaxe própria, que fazem com que ele seja
capaz de adaptar-se para considerar novos padrões e novos dados para obter a
classificação de perigo e também para a seleção de frases para criação dos
relatórios. Este componente dá flexibilidade ao software, porque possibilita a
evolução contínua do projeto, adicionando novos módulos e aprimorando os
existentes.
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Rumos do projeto
O software encontra-se em fase final de testes e a primeira versão estará
disponível em abril deste ano. Está prevista a construção de uma versão com
garantia de sigilo das informações, onde o usuário poderá criptografar seus dados
e guardá-los com segurança na nuvem. Com os serviços WCF, será possível
conectar diferentes servidores, formando uma rede de compartilhamento de dados
de toxicologia.
Com o crescimento da base de dados o produto oferecerá confiabilidade e
segurança no processo de classificação de perigo e geração de relatórios. Este
software tem em seu horizonte o desafio de organizar digitalmente o conhecimento
toxicológico, contribuindo para diminuir os riscos de acidentes, danos materiais,
perigos à saúde e ao meio ambiente.
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
RevInter adota as seguintes normas, que deverão ser observadas pelos autores, na
redação e formatação de seus originais:
ABNT
-
ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA
DE
NORMAS
TÉCNICAS
NBR 6021: Informação e documentação: publicação periódica científica impressa:
apresentação. Rio de Janeiro, maio 2003.
NBR 6022: informação e documentação: artigo em publicação periódica científica
impressa: apresentação. Rio de Janeiro, maio 2003.
NBR 6023: informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, ago.
2002.
NBR 6024: numeração progressiva das seções de um documento escrito. Rio de
Janeiro, maio 2003.
NBR 6027: sumário: procedimento. Rio de Janeiro, maio 2003.
NBR 6028: informação e documentação: resumos: apresentação. Rio de Janeiro, nov.
2003.
NBR 10520: informação e documentação: citações em documentos: apresentação. Rio
de Janeiro, ago. 2002.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
- IBGE
Normas de apresentação tabular. 3. ed. Rio de Janeiro, 1993.
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INSTITUTO
NACIONAL
DE
METROLOGIA,
NORMALIZAÇAO
E
QUALIDADE INDUSTRIAL – INMETRO
SI: Sistema Internacional de Unidades. 8. ed. Brasília, 2003.
Vocabulário internacional de termos fundamentais e gerais de metrologia. 2. ed.
Brasília, 2000.
CRITÉRIOS DE EDIÇÃO
Instruções aos Autores
São aceitos artigos originais e inéditos, destinados exclusivamente à RevInter, que
contribuam para o crescimento e desenvolvimento da produção científica das áreas
enfocadas.
A análise dos artigos será iniciada no ato de seu recebimento, atendidas às normas
editoriais. A publicação dependerá do devido de acordo do Conselho Editorial, atendida
as eventuais sugestões.
A apreciação do conteúdo será realizada pelo Conselho Editorial, sendo mantido sigilo
quanto à identidade dos consultores e dos autores.
Serão aceitos trabalhos escritos em língua portuguesa, inglesa e espanhola.
Os trabalhos deverão ser enviados exclusivamente por correio eletrônico para o
seguinte endereço: [email protected]
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fechamento do número.
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não refletindo, necessariamente, o pensamento do Conselho Editorial ou da Revista.
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os dados referentes à aprovação do Comitê de Ética da Instituição onde foi realizada a
pesquisa;
b) Formulário preenchido e assinado pelos autores referente ao possível “Conflito de
interesses”, que possa influir nos resultados [Formulário Externo RvIn-ADM-03-2009].
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relevante, devendo estar amparada em referencial teórico que dê subsídios a sua
análise. Apresentação em até 10 laudas.
Resenhas – são análises descritivas e analíticas de obras recentemente publicadas e de
relevância para os temas abordados da RevInter. Apresentação em até cinco laudas.
Resumos de Livros, Teses e Dissertações - são resumos expandidos apresentados com
até 400 palavras, em português, inglês e espanhol, inclusive o título. Para teses e
dissertações
deve
conter
o
nome
do
orientador,
data
e
local
(cidade/programa/instituição) da defesa.
Forma de Apresentação dos Originais
Os trabalhos deverão ser apresentados em formato compatível ao MS Word for
Windows, digitados para papel tamanho A4, com letra tipo Times New Roman,
tamanho 12, com espaçamento 1,5 cm entre linhas em todo o texto, margens 2,5 cm
(superior,
inferior,
esquerda
e
direita),
parágrafos
alinhados
em
1,0
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Título - deve ser apresentado com alinhamento justificado, em negrito, com a primeira
letra em maiúscula, nos idiomas português e inglês ou espanhol. A seqüência de
apresentação dos mesmos deve ser iniciada pelo idioma em que o artigo estiver escrito.
Autores - nome(s) completo(s) do(s) autor(es) alinhados à esquerda. Enumerar em nota
no final do documento as seguintes informações: formação universitária, titulação,
atuação profissional, local de trabalho ou estudo (cidade e estado, província, etc),
endereço para correspondência e e-mail do autor principal.
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RevInter Revista InterTox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n.
1, p. 1-158, fev. 2011.
RevInter
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Resumo e descritores - devem ser apresentados na primeira página do trabalho em
português e inglês ou espanhol, digitados em espaço simples, com até 300 palavras. Ao
final do resumo devem ser apontados de 3 a 5 descritores ou palavras chave que
servirão para indexação dos trabalhos. A seqüência dos resumos deve ser a mesma dos
títulos dos artigos.
Estrutura do texto - a estrutura do texto deverá obedecer às orientações de cada
categoria
de
trabalho
já
descrita
anteriormente,
acrescida
das
referências
bibliográficas, de modo a garantir uma uniformidade e padronização dos textos
apresentados pela revista. Os anexos (quando houver) devem ser apresentados ao final
do texto.
Ilustrações - tabelas, figuras e fotografias devem estar inseridas no corpo do texto
contendo informações mínimas pertinentes àquela ilustração (Por ex. Tabela 1; Figura
2; etc.), inseridas logo após serem mencionadas pela primeira vez no texto, com letra
tipo Times New Roman, tamanho 10. As Ilustrações e seus títulos devem estar
alinhados á margem esquerda e sem recuo. O tamanho máximo permitido é de um
papel A4 (21 x 29,7 cm).
Notas
de
rodapé
-
devem
ser
apresentadas
quando
forem
absolutamente
indispensáveis, indicadas por números e constar na mesma página a que se refere.
Citações - para citações “ipsis literis” de referências bibliográficas deve-se usar aspas
na seqüência do texto. As citações de falas/depoimentos dos sujeitos da pesquisa
deverão ser apresentadas em itálico, em letra tamanho 10, na seqüência do texto.
Referências bibliográficas - as referências devem ser organizadas em ordem alfabética
ao final do texto, no formato ABNT (seguindo a norma ABNT NBR 6023 - Informação e
documentação - Referências – Elaboração). Suas citações no corpo do texto devem ser
________________________________________________________________________________________________
RevInter Revista InterTox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, v. 4, n.
1, p. 1-158, fev. 2011.
RevInter
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feitas pelo sobrenome do(s) autor(es), seguidas de vírgula e ano. No caso de mais de
dois autores, usar o sobrenome do primeiro seguido da expressão et al. e de vírgula e
ano.
Exemplificando, (NUNES; LACERDA, 2008), (KUNO et al., 2008). Essa orientação
também se aplica para tabelas e figuras.
________________________________________________________________________________________________
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1, p. 1-158, fev. 2011.

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