capítulo 5. relações humanas, talento e liderança

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capítulo 5. relações humanas, talento e liderança
Antonio Carlos Mendes
CAPÍTULO 5. RELAÇÕES HUMANAS, TALENTO
E LIDERANÇA
Antonio Carlos Mendes¹
Faculdade Flamingo - SP - Brasil
[email protected]
Pesquisa de Campo / Empírica, Estudo de
Caso, Análise Descritiva e Crítica.
RESUMO
Este artigo aborda as relações humanas, o
talento e a liderança de forma privilegiada no
ambiente corporativo. Esta posição de destaque é indicada ao longo do texto a partir da
assertiva que sustenta sere1m a construção da
vantagem competitiva e a consecução dos
resultados perseguidos por qualquer organização dependentes da interação daqueles três
componentes de gestão.
Para exemplificar esta interação na construção
da vantagem competitiva e na consecução dos
objetivos organizacionais, é apresentada uma
extraordinária aventura que teve lugar na gélida Antártida.
Baseado em pesquisa bibliográfica, foi possível desenvolver uma análise descritiva e crítica das relações humanas, do talento e da liderança.
O objetivo a ser atingido neste artigo é analisar os aspectos das relações humanas, do talento e da liderança, nas práticas de gestão de
pessoas, que suportam a construção da vantagem competitiva, a consecução dos objetivos
organizacionais e a valorização dos profissionais talentosos.
1
Oficial da reserva da Marinha do Brasil,
Superintendente Administrativo do Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo, Mestre em Ciências Navais pela Escola de Guerra
Naval (EGN). Professor na Faculdade Flamingo.
Palavras-chaves: Relações Humanas. Talento. Liderança. Gestão de Pessoas. Vantagem
Competitiva.
ABSTRACT
This article discusses human relations, talent
and leadership that is mainstream in the corporate environment. This prominent position
is indicated throughout the text from the assertive that sustain to building competitive
advantage and achieves the result pursued by
any organization depends on the interaction of
those three components management.
To exemplify this interaction in building
competitive advantage and the achievement of
organizational goals, we refer to the extraordinary adventure which took place in icy Antarctica.
Based on bibliographic search, it was possible
to develop a descriptive and critique analysis
of human relations, talent and leadership.
The article’s objective is to analyze aspects of
human relations, talent and leadership in
people management practices that support the
construction of competitive advantage, the
achievement of organizational goals and valuing talented professionals.
Keywords: Human Relations. Talent. Leadership. People Management. Competitive
Advantage.
INTRODUÇÃO
Apesar de ofuscada pelas preocupações operacionais no cotidiano das empresas, a questão central, compartilhada pelos executivos e
registrada por diversos autores do chamado
mundo corporativo, pode ser traduzida pela
busca da vantagem competitiva sustentável.
Este aforismo é mais bem entendido quando
expresso na forma da seguinte indagação:
como garantir retornos acima da média para
nossa empresa, hoje e amanhã?
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Quaisquer das disciplinas acadêmicas na área
de negócios, atualmente qualificadas como
estratégicas, sinalizam o caminho a ser percorrido para se construir a tal vantagem competitiva sustentável. As disciplinas, cada uma
em sua área do conhecimento, trazem diagnósticos, prognósticos e os tratamentos que
seus referenciais teóricos ou empíricos indicam para a elaboração e para a implantação
tanto das denominadas melhores práticas
quanto para a formulação e execução das estratégias de competição, de crescimento ou
corporativas.
RIDDERSTRÅLE e NORDSTRÖM (2001)
resumem que a velha ordem deve ser esquecida, tudo que aprendemos deve ser esquecido,
que de fato 1,3 Kg de cérebro contém a chave
do futuro, que a vantagem competitiva está
em ser diferente. Concluem os autores que a
única coisa que faz o capital ser movimentado
é o talento.
O termo “trabalhadores do conhecimento”,
citado por DRUCKER (2002, p.41), veio caracterizar o trabalhador moderno, que tem na
sua capacitação sob forma de conhecimentos
a base para realizar seu trabalho. Esse mesmo
autor enfoca as mudanças fundamentais na
sociedade que tem por síntese características
de uma sociedade “pós-capitalista”, na qual o
conhecimento tornou-se o recurso e não um
recurso. Cabe registrar que continuam importantes os fatores tradicionais da produção (a
terra, a mão-de-obra e o capital), mas relativizados pelo conhecimento.
Podemos questionar onde está o talento dentre
os trabalhadores do conhecimento.
Para se chegar ao talento, partimos do conhecimento e das habilidades que, reunidos em
qualquer organização, dão constituição ao que
denominamos massa crítica necessária à consecução dos objetivos organizacionais e, por
via de consequência, ao sucesso profissional e
pessoal daqueles que entregam seus melhores
resultados.
Entretanto, conhecimento e habilidades, ambos necessários tanto para se atingir o êxito
empresarial quanto para a construção do sucesso profissional e pessoal, não são suficientes, pois resta acrescentar a atitude e o comportamento.
RABAGLIO (2001, p.3), psicóloga, especialista em jogos organizacionais e pós-graduada
em jogos cooperativos, afirma que a atitude e
o comportamento são os componentes que
dão curso às ações para se chegar aos resultados esperados.
Podemos acrescentar, de forma provocativa,
que:
A diferença entre os realizadores e os não
realizadores não é uma questão de talento. A
eficácia é mais uma questão de hábitos de
comportamento, e de algumas regras elementares [...] O primeiro passo para a eficácia é
decidir o que se deve fazer. A eficiência, que
é fazer as coisas corretamente, é irrelevante
até que você trabalhe nas coisas certas. [...] O
seu trabalho é tornar eficaz o que você tem – e
não o que você não tem. (DRUCKER, 2002,
p. 175-176).
DRUCKER (2002, p.143-145) também dedicou sua atenção para a questão da liderança
no trabalho. Um tanto heterodoxo, esse autor
diz que a liderança é bem diferente daquilo
que à primeira vista rotulamos como tal, que
não se trata de carisma e tampouco de “qualidades de liderança”. Para este autor, a essência da liderança é o desempenho, resultante do
trabalho, da responsabilidade e da confiança
conquistados.
Na tentativa de contrastar as afirmações de
DRUCKER (2002), citamos CONVEY
(2002), quando prefacia que as pessoas pouco
eficazes tentam organizar seu tempo em torno
de prioridades, enquanto as altamente eficazes
orientam suas vidas e administram suas relações de acordo com princípios, leis naturais e
valores primordiais universalmente válidos.
Conclui Convey que a liderança é a capacidade de aplicar tais princípios a problemas, o
que leva à qualidade, produtividade, lucratividade e relações bem-sucedidas.
Atestamos que o tema possui contornos instigantes desde as relações humanas, passando
pelo talento e culminando com a liderança.
CENÁRIO
O ambiente onde atuamos, sejamos empreendedores, executivos, gestores da iniciativa
privada ou da coisa pública, está marcado
pelo fenômeno da globalização. Os sinais já
reconhecidos desde a segunda metade do século XX, indicados por HITT, IRELAND e
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HOSKISSON (2008), são: a economia globalizada, a fragilidade das fronteiras geográficas
(que permitem cruzar as idéias, as pessoas, os
bens, os serviços, os talentos), a maior quantidade de empresas competindo umas com as
outras e a crescente interdependência entre as
economias nacionais (já não tão nacionais),
culminando em ambiente com maior competição e maiores oportunidades. Os direcionadores do fenômeno da globalização são a economia e tecnologia globalizadas, as rápidas
mudanças tecnológicas e os custos decrescentes da tecnologia da informação. Estes, por
sua vez, facilitam o acesso à rede mundial, em
que dados e informações não encontram limites para serem depositados e para circularem.
Neste cenário contrastado, da mesma forma
que para DRUCKER (2002), os autores
RIDDERSTRÅLE e NORDSTRÖM (2001)
consideram que o capital intelectual sobrepujou os fatores tradicionais da produção, uma
vez que a cadeia de valor para a elaboração de
produtos e serviços tem por insumos estratégicos a informação e o talento que inova, que
cria valor diferenciado.
A maior competição provocada pela economia global, com suas ondas financeiras, comerciais e produtivas, como dito, não visualiza fronteiras. Acresce que neste cenário encontramos a ampliação do poder de barganha
de clientes e fornecedores, o mercado virtual,
as demandas por responsabilidade social e
pela ética. Ou seja, amplificadas pelos direcionadores do fenômeno da globalização, as
forças competitivas, tão bem definidas por
PORTER (1996), mostram-se robustas de
forma a reduzir a potencialidade de lucro das
empresas em qualquer indústria que possamos
observar.
THUROW (1997), professor de economia e
renomado consultor de política econômica
nos Estados Unidos, indica-nos como as forças econômicas de hoje moldam o mundo de
amanhã, em auxílio aos executivos que desejam entender o ambiente e identificar as forças que provocam mudanças significativas. A
partir desse entendimento, em nossas organizações, buscamos desenhar possíveis cenários. Elaboramos e executamos planos estratégicos e planos decorrentes, a fim de enfrentar ou construir o futuro desejável.
Se pudéssemos cotejar os cenários e os planos
estratégicos das maiores e melhores empresas,
por certo, identificaríamos pontos em comum.
Dentre eles, a repetida busca por vantagens
competitivas sustentáveis estará presente com
o propósito de manter, conquistar ou ampliar
fatias do mercado no horizonte de planejamento. Entretanto, o que importa é a lucratividade acima da média de forma sustentada.
A busca pela vantagem competitiva vem impondo às empresas estruturas de trabalho flexíveis, processos decisórios ágeis e focados
nas exigências do mercado, velocidade para
entrar e sair de mercados, inovação, atualização constante de produtos e serviços.
A tendência nas organizações é dar maior
ênfase ao trabalho em equipe e aos projetos
multifuncionais, é intensificar os canais de
comunicação laterais, é delegar autonomia e
responsabilidade.
Para responder adequadamente a essas imposições, as empresas mapeiam as competências
necessárias para suportar suas estratégias de
negócio e de competição. Disto resultam o
recrutamento e a seleção de pessoas em processo de constante adaptação, comprometidas
e envolvidas com o negócio, com posturas
empreendedoras, que busquem desafios ao
invés da segurança no emprego, atualizadas
com as tendências do mercado e orientadas
por ele, que se articulem muito bem entre si,
que formem time em contínuo aprimoramento. Pessoas com estas competências constituem o chamado capital intelectual, a massa
crítica que citamos como de relevância para o
êxito da empresa.
Neste cenário, a questão da gestão de pessoas
toma contornos que extrapolam paradigmas
disfuncionais, por vezes aplicados tempestivamente e sem critério nas empresas.
O novo paradigma tem por foco tornar tangível a importância estratégica da gestão de
pessoas, ou seja: medir o impacto da gestão
de pessoas na consecução de objetivos e metas da organização e quantificar a satisfação
das necessidades das pessoas.
Podemos indicar que a liderança é responsável pela articulação entre a conquista de objetivos e metas organizacionais com a satisfação
das necessidades das pessoas. Devemos reconhecer que este novo olhar para a gestão de
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pessoas ainda é mais substancioso no discurso
que na prática.
Entretanto, também devemos reconhecer que
as pessoas não querem ser administradas ou
conduzidas à semelhança de rebanhos pastoreados por uma cultura que exige vítimas e
desespero. Ao invés disto, buscamos os incentivos adequados para nossas motivações, buscamos a troca enriquecedora, enfim, buscamos a liderança ética e responsável.
O CAMINHO PARA A LIDERANÇA
Para entendermos a complexidade da liderança, necessitamos de autoconhecimento, honestidade, abertura para o aprendizado e conhecer o outro.
O exercício da liderança necessita do oxigênio
das interações humanas e da percepção do que
ocorre no ambiente. Ao mesmo tempo, tais
interações e percepção são componentes essenciais para o nosso desenvolvimento pessoal.
Não existem soluções rápidas para o desenvolvimento pessoal, diz COVEY (2002), autoridade em liderança. Podemos percorrer o
caminho da liderança a partir de uma escolha:
assumir responsabilidades e alinhar nossas
ações aos princípios e valores nos quais acreditamos. O exemplo é um argumento poderoso e, quando alinhado aos valores e princípios
que professamos, torna-se cativante.
Nos relacionamentos entre as pessoas, colocamos à prova os traços de nosso caráter, os
quais, segundo CONVEY (2002, p.38-39),
são as causas para o agravamento de problemas ou facilitadores para a construção de soluções. Deste autor, vejamos então três traços
de caráter fundamentais para o relacionamento sadio entre as pessoas:
- integridade: valor que atribuímos a nós
mesmos, autoconsciência e auto-estima que
nos faz assumir e manter compromissos para
conosco tanto quanto para com os outros;
- maturidade: equilíbrio entre a coragem e
a consideração. É a capacidade de expressar
sentimentos e convicções com coragem equilibrada pela consideração aos sentimentos e
convicções de outra pessoa. É o equilíbrio
entre a coragem para obter resultados finais e
a consideração com o bem-estar das partes
envolvidas; e
- mentalidade de abundância: crença que
há o suficiente para todos. Enseja profundo
senso de valor e segurança pessoal e resulta
em compartilhar e em aceitar o sucesso alheio.
Podemos indagar o que as pessoas esperam
das organizações para as quais entregam suas
capacidades. Sem possibilidade de erro, todos
nós esperamos um tratamento digno e respeitoso, esperamos contribuir para o sucesso da
organização, esperamos compartilhar o sentimento de pertencer, esperamos reconhecimento e remuneração adequada. Em síntese, esperamos que a organização possa nos satisfazer
com o atendimento de nossas necessidades
legítimas.
HUNTER (2004) alerta-nos para não confundirmos “necessidades legítimas” com “vontades”. Para exemplificar, podemos dizer que as
mães e os pais têm obrigações perante seus
filhos. Obrigações de atender as necessidades
de afeto, de segurança, de saúde, de educação
e de lazer. Estas necessidades tornam-se legítimas, pois para que possam crescer dignamente como seres humanos, nossos filhos
precisam tê-las atendidas. Por outro lado, o
atendimento das “vontades” de nossos filhos
não significa garantir a formação de um bom
cidadão.
Da mesma forma, aqueles que se comprometem com o êxito da organização desejam que
a organização se comprometa com seus desenvolvimentos profissional e pessoal.
Aprendemos a gerenciar recursos com mais
facilidade que liderar pessoas. As melhores
práticas do mercado para a gestão de recursos
são difundidas e adaptadas com bastante frequência. Todavia, na gestão de pessoas encontramos muitas variáveis não controladas, pois
não são percebidas.
SCHEIN (2001), conferencista e Professor
Emérito de Administração da Sloan Scholl of
Management no Instituto Tecnológico de
Massachusetts (MIT), nos ensina que a cultura corporativa importa porque as decisões
tomadas sem consciência das forças culturais
operantes podem ter conseqüências imprevistas e indesejáveis. Por exemplo, temos os insucessos na implantação de novos projetos
creditados à resistência a mudanças.
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Citando SCHEIN (2001, p. 19-30), ressaltamos que a cultura é um poderoso e muitas
vezes ignorado conjunto de forças latentes
que determinam o comportamento, a maneira
como se percebem as coisas, o modo de pensar e os valores tanto individuais quanto coletivos. A cultura organizacional, em particular,
importa porque os elementos culturais determinam a estratégia, os objetivos e o modo de
operação da empresa. Os valores e o modo de
pensar de líderes e de gerentes seniores são
parcialmente determinados pela herança cultural de cada um e pelas experiências que
compartilham. Se quisermos tornar uma organização mais eficiente e eficaz, devemos entender o papel da cultura na vida organizacional. A busca deste entendimento é um dos
desafios que se apresenta e caberá a cada um
de nós obtê-lo. Outros desafios que os líderes
devem ultrapassar são os seguintes:
estabelecer objetivo de desempenho
claro;
criar compromisso;
tornar comuns metas baseadas em desempenho;
encontrar uma abordagem de trabalho
que integre habilidades e alterne papéis de
liderança;
lidar com conflitos;
tornar todos mutuamente responsáveis;
e
ser criativo na resolução de problemas e
na tomada de decisões.
O caminho para enfrentarmos estes desafios
começa pelo gerenciamento participativo,
pelo qual o relacionamento entre as pessoas é
baseado na confiança mútua, respeito e transparência.
Para se conquistar a confiança entre todos,
requer-se o firme e honesto propósito de ouvir
com empatia, entender a alteridade e acreditar
que a soma das diferenças constituirá um todo
mais rico.
Compartilhar torna-se a palavra-chave para o
exercício diário da liderança. Ao compartilharmos a liderança não significa que renunciamos às nossas responsabilidades; não significa olvidar os valores da hierarquia e da disciplina, significa que devemos buscar a integração das melhores competências para a consecução dos resultados desejados.
KATZENBACH e SMITH (2001) atribuem
as falhas nas equipes aos seguintes fatores:
metas indefinidas;
atitudes incorretas;
conhecimento e/ou habilidades ausentes;
mudanças de integrantes;
pressões de tempo; e
falta de disciplina e comprometimento.
Verificamos, portanto, que existe a necessidade de um programa de desenvolvimento e
formação de lideranças, com os propósitos de:
garantir o alinhamento de princípio e
valores às ações;
facilitar a consecução das metas e dos
resultados da organização; e
possibilitar o desenvolvimento dos colaboradores em clima organizacional sadio.
Quando falhamos no exercício de nossa liderança, nos escudamos na crise econômica, na
incompetência alheia ou em acontecimentos
sobre os quais temos pouco controle. DOTLICH e CAIRO (2003) nos ensinam que o
fracasso, em geral, tem mais a ver com o que
somos do que com o que sabemos. Esses autores do livro “Por que os executivos falham?” asseveram que os líderes de sucesso
são aqueles que aprendem a administrar o
lado sombrio da personalidade.
Muitos consultores repetem a frase: “as pessoas são admitidas pelas competências e demitidas pelo comportamento”. Nossas atitudes, ao responder aos momentos de pressão,
expressam os traços de nosso caráter.
Podemos ser líderes, mas somos seres humanos falíveis. Ao invés de negarmos nossas
falhas, devemos buscar a autocrítica e conhecer nossos pontos fracos. Quando temos consciência de nossos pontos fracos, podemos
aprender a administrá-los com o propósito de
que nossos pontos fortes apareçam, facilitando a consecução dos objetivos da organização
e o atendimento das necessidades legítimas
das pessoas que conosco colaboram.
UMA AVENTURA EXTRAORDINÁRIA
Nada melhor que uma ótima história, personagens cativantes e desafios extraordinários
para evidenciar os atributos de um verdadeiro
líder.
A obra de MORREL e CAPPARELL (2003),
intitulada SHACKLETON, Uma Lição de Co-
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ragem, recebeu em seu texto de apresentação
os seguintes parágrafos:
Seja contratando uma boa equipe, apoiando e
incentivando os colaboradores a darem o melhor de si, administrando crises com recursos
e pessoal limitados, criando ordem a partir do
caos ou liderando pelo exemplo pessoal de
otimismo, igualitarismo, humor, força, inteligência e compaixão, Ernest Shackleton é um
modelo que todos podemos seguir.
[...] Shackleton – Uma Lição de Coragem está
repleto de ensinamentos fascinantes e práticos
de um líder que foi bem-sucedido porque pôs
as pessoas em primeiro lugar e trinfou brilhantemente quando tudo estava contra ele.
De início podemos supor tratar-se da biografia de um executivo de alguma corporação
que atua na economia globalizada do século
XXI.
Entretanto, esta aventura tem por cenário as
décadas iniciais do século passado, anos marcados pelas expedições científicas cujos êxitos significaram a ampliação do conhecimento, as glórias pessoais e nacionais.
Sir2 Ernest Shackleton nasceu em 15 de fevereiro de 1874 na Irlanda, marinheiro e oficial
da marinha mercante, consagrou-se como
explorador da Antártida, onde lá esteve nos
períodos de 1901 a 1902, de 1908 a 1909 e de
1914 a 1916.
Figura 1: Sir Ernest Shackleton
Fonte: http://www.google.com.br/images.
Em dezembro de 1911, os ingleses perderam
a corrida contra os noruegueses. Roald A-
mundsen3 chegou à frente, fincando o pé na
até então maior latitude sul no continente antártico.
Com o objetivo de ampliar as possibilidades
de explorar o continente gelado, a visão de
Ernest Shackleton, resumido a partir do texto
de FIADI (2006), compunha-se da missão de
fazer a primeira travessia a pé da Antártida,
de um extremo ao outro do continente gelado,
passando pelo pólo. Entre seus valores, podemos destacar a prioridade atribuída à segurança e ao bem estar de seus homens, o que
gerava em seus comandados uma fidelidade e
adoração jamais alcançadas por seus concorrentes exploradores.
Ao longo de sua trajetória de explorador,
Shackleton (1874-1922), vivenciou sucessos e
insucessos, aprendeu com os erros. A experiência ensinou-o a definir que tipo de líder ele
não queria ser, citam MORREL e CAPPARELL (2003, p. 54).
Na "Expedição Imperial Transantártica" de
1914 a 1916, Shackleton e sua tripulação sobreviveram ao naufrágio de seu navio, o
HMS4 Endurance, esmagado pelo gelo antártico, distantes quase dois mil quilômetros da
civilização ou de esperança de socorro.
Figura 2: A tripulação do HMS Endurance.
Fonte: http://www.google.com.br/images.
Esta aventura teve início em 1° de agosto de
1914, ocasião que o Endurance deixou o ancoradouro londrino rumando para o sul.
3
Amundsen
Roald
(1872-1928)
Engelbregt
foi
um
Gravning
explorador
norueguês das regiões polares.
4
2
Sir, “Senhor” em inglês, trata-se de
título nobiliárquico britânico.
Her Majesty's Ship, que significa
Navio de Sua Magestade e constitui o prefixo dos
navios pertencentes à Marinha Real da Inglaterra.
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A partir da Ilha Geórgia do Sul, em 5 de dezembro de 1914, começaram os momentos
mais marcantes desta aventura.
Figura 3: A rota pela sobrevivência.
Fonte: http://www.google.com.br/images.
Em 18 de janeiro de 1915, o Endurance ficou
preso no banco de gelo a um dia de viagem do
ponto planejado para desembarque no continente antártico.
Em 27 de outubro de 1915, naufragou o Endurance e seus tripulantes abandonaram o
navio e presenciaram seu esmagamento pelo
banco de gelo.
Em 9 de abril de 1916, depois de cinco meses
e meio vivendo em tendas nas banquisas de
gelo, os homens partiram a bordo de três pe-
quenos botes. Os exploradores buscaram encontrar baleeiros, sem sucesso. As correntes e
os ventos fortes forçaram-nos a seguir em
busca de abrigo na ilha Elephant.
Em 24 de abril de 1916, Shackleton e cinco
companheiros partiram para uma viagem de
aproximadamente 800 milhas em um barco de
22 pés, a fim de buscar ajuda para os homens
deixados na ilha Elephant.
Figura 4: A saída em busca pelo socorro.
Fonte: http://www.google.com.br/images.
Em 10 de maio de 1916, desembarcaram em
segurança, graças à chegada do bote James
Caird juntamente com a tão esperada ajuda.
Ficou registrado que as temperaturas eram tão
baixas que era possível ouvir a água congelar.
Os tripulantes do Endurance tiveram que comer pingüins, cães e focas.
O mais incrível é que todos os 28 membros da
tripulação sobreviveram, não só em boas condições físicas como em bom estado emocional, depois de dois anos de lutas pela sobrevivência.
Figura 5: O resgate (bote James Caird ao fundo).
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Fonte: http://www.google.com.br/images.
Citado por MORELL e CAPPARELL (2003,
p. 68-70), Richard Danzig, Comandante da
Marinha dos Estados Unidos na administração
do Presidente Bill Clinton, impressionado
com Shackleton como modelo de boa liderança, promoveu um seminário sobre a expedição
do Endurance para importantes oficiais navais
e funcionários do Pentágono. Naquele seminário, Danzig expressou que os valores de
liderança que Shackleton proporcionou são
perenes, que derivam da própria natureza da
personalidade humana e que se sobressaem ao
fazer empreendimentos arrojados e trazem à
tona o melhor lado das pessoas.
Após estudar a saga do Endurance, Danzig
convenceu-se de que o amplo e variado conhecimento literário de Shackleton contribuiu
para seu sucesso como líder. Ensina, ainda,
que uma das grandes vantagens de ampliar o
conhecimento é facultar compreender o mundo de diferentes pontos de observação, essencial para um líder pensar de maneira abrangente.
PONCIANO (2011), em seu blog, muito bem
sintetiza como Shackleton formava sua
tripulação:
- mantinha um núcleo de profissionais experientes;
- escolheu um substituto confiável,
que partilhava de suas noções de liderança e, acima de tudo, era leal;
- buscava pessoas que compartilhassem sua visão e seu entusiasmo
pela exploração;
- gostava de pessoas otimistas. Achava que tinham mais propensão para o espírito de equipe;
- procurava homens que realmente
quisessem o emprego;
- buscava gente para trabalhar duro,
mas que não se esquivasse de realizar
tarefas menores;
- contratava aqueles que tinham os
conhecimentos especializados que lhe
faltavam; e
- certificava-se de que todos sabiam
exatamente o que se esperava deles.
Continua o Professor PONCIANO (2011)
nos indicando como Shackleton se relacionava com sua tripulação:
fazia-se acessível, escutava as
preocupações de seus homens e mantinha-os informados sobre os assuntos do navio;
tratava a todos como seres humanos, não apenas trabalhadores;
tolerava as pecualiaridades e fraquezas. Não hesitava em mimar alguém, se necessário;
era escrupulosamente imparcial
com a tripulação, sempre;
liderava pelo exemplo;
descanso e distração eram partes
fundamentais do programa;
dava feedback constante, elogiando esforços e corrigindo erros; e
certificava-se de que o trabalho
de cada homem fosse significativo e
desafiante.
De forma a permitir a melhor integração entre
os componentes de sua tripulação, quebrou as
hierarquias tradicionais, fazendo cientistas e
marinheiros dividirem todo tipo de tarefas.
Figura 6: A integração da tripulação.
Fonte: http://www.google.com.br/images.
Figura 7: Partida de futebol.
Fonte: http://www.google.com.br/images
A imagem da partida de futebol na banquisa
de gelo captou um dos passatempos prediletos
da tripulação. A prática de esporte era incentivada por Sheckleton para que os integrantes
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de sua equipe pudessem se manter em boas
condições físicas e emocionais.
Cabe o registro que as fotos constantes neste
texto foram resultado do trabalho diligente do
australiano Frank Hurley, fotógrafo da expedição.
Enfim, esta foi a extraordinária aventura na
gélida Antártida, vivenciada por uma equipe
talentosa, sob uma liderança irretorquível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos que as relações humanas traduzem os
bons e os maus traços de personalidade de
todos que compõem a organização. Foi apresentado o cenário das relações humanas na
organização com os contornos da cultura corporativa. Buscou-se evidenciar a relevância da
cultura corporativa como condição inicial
para a adequada gestão do clima organizacional. Estes por sua vez são poderosos direcionadores para o sucesso ou insucesso da organização.
A próxima questão de interesse foi: o que é o
talento? A resposta fundamentou-se na competência, na construção do conhecimento, na
capacidade de inovar e de adaptar-se para
atender as necessidades do mercado. Entretanto, o maior desafio não está na capacidade de
defini-lo e responder a esta pergunta, mas na
capacidade de identificá-lo e de incentivá-lo
para construir resultados dentro da organização.
O terceiro aspecto discutido foi a liderança e
sua contribuição para se obter a vantagem
competitiva e os resultados desejados pela
organização. A liderança no cenário corporativo foi apresentada a partir da análise de autores consagrados, buscando-se construir o
caminho a ser percorrido para o desenvolvimento de lideranças.
Nas organizações, os gestores oscilam entre a
assimilação das melhores práticas, o planejamento e a execução de estratégias.
Consideramos que as melhores práticas de
gestão são copiadas e não garantem os melhores resultados de forma continuada. A explicação está no simples fato de que podem ser
copiadas por todos, anulando-se assim qualquer vantagem.
A cadeia de valor gera produtos e serviços,
que só serão aceitos pelos clientes se eviden-
ciarem valor. Atender clientes exigentes requer inovação. Como exposto, o conhecimento é a chave para a inovação. O conhecimento
que inova está nas pessoas de talento. O talento movimenta o capital e constrói retornos
acima da média quando, aos cuidados de uma
liderança ética e responsável, tem atitude e
comportamento.
Evidenciadas as interações entre os aspectos
das relações humanas, do talento e da liderança, a aventura de Shackleton e de sua tripulação na Antártida nos mostrou como desenvolver a vantagem competitiva, como facilitar a
consecução dos objetivos organizacionais e
qual o caminho a trilhar para a construção da
liderança.
Ao término da narrativa citada acima, vislumbramos que é possível o desenvolvimento da
liderança e que seu exercício faz sobressair o
que há de melhor em cada um de nós, principalmente na adversidade.
REFERÊNCIAS
CONVEY, Stephen R. Liderança baseada
em princípios. Rio de Janeiro: Elsevier,
2002.
DOTLICH, David L., CAIRO, Peter C. Por
que os executivos falham? 11 pecados que
podem comprometer sua ascensão e como
evitá-los. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
DRUCKER, Peter F. O melhor de Peter
Drucker: o homem. Tradução de Maria Lúcia
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