Baixar Arquivo - NUCLAMB

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Baixar Arquivo - NUCLAMB
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
LOURENÇO MOREIRA
MARES DE CANA, RIOS DE ETANOL: a enchente canavieira em Goiás
RIO DE JANEIRO
2011
Lourenço Moreira
MARES DE CANA, RIOS DE ETANOL: a enchente canavieira em Goiás
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Geografia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de bacharel em
Geografia.
Orientadora: Júlia Adão Bernardes
Rio de Janeiro
2011
1
M838 Moreira, Lourenço. Mares de cana, rios de etanol: a enchente canavieira em
Goiás /Lourenço Moreira -- 2011.
75 f.: il.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Geografia – bacharelado)
– Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências,
Departamento de Geografia, Rio de Janeiro, 2011.
Orientadora: Júlia Adão Bernardes
1. Cana-de-açúcar. 2. Etanol. 3. Goiás. 4. Desafio ambiental. I. Bernardes,
Júlia Adão (orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. III.
Instituto de Geociências. IV. Título.
CDD: 633.61098173
2
Lourenço Moreira
MARES DE CANA, RIOS DE ETANOL: a enchente canavieira em Goiás
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Geografia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de bacharel em
Geografia.
Aprovada em janeiro de 2011
_________________________________________
(Profª Dr ª Júlia Adão Bernardes, PPGG, UFRJ)
_______________________________________
(Dr. Luís Angelo dos Santos Aracri, PPGG, UFRJ)
3
Agradecimentos
Primeiramente, e finalmente, e sempre, ao Princípio e Fim de tudo, Fonte inesgotável na
qual me abasteço
Aos pais que me geraram
À Mãe Terra
À orientadora Júlia, grande entusiasta e incentivadora de minha pesquisa
À vizinha Heloísa, pela grande ternura nos momentos finais de elaboração desta
monografia, me trazendo alimentos vivos e me acompanhando até a horta do prédio, o
que me trouxe forças para escrevê-la até o fim.
À Lorena, que esteve ao meu lado nesse semestre ido, me apresentando um lado meu
por mim desconhecido.
Aos amigos do peito e de academia, Karen, Gustavo, Gabriel, Carol, Ines, Danny,
Magrão, Raiza, Emily...
Namastê
4
RESUMO
Diante dos atuais desafios ambientais, o etanol é propalado enquanto uma das
soluções; especialmente no que concerne a mudanças climáticas e aquecimento global.
O objetivo geral desta monografia é fazer um esforço principal de reflexão, partindo da
seguinte indagação: até que ponto o etanol pode ser visto como uma solução para os
desafios ambientais? Daí em diante, a questão principal pode ser desdobrada, e surgem
outras questões: onde, como, porque e por quem, essa expansão das lavouras e
agroindústrias canavieiras vem acontecendo? Quais os valores subjacentes, a visão de
mundo e o sistema de conceitos que sustentam essa expansão? Quais são as implicações
éticas, filosóficas, políticas? Busca-se a resposta para as perguntas em diferentes
escalas, porém a ênfase é na escala nacional. No Brasil, Goiás serve como estudo de
caso, vista a aceleração do processo de expansão espacial canavieira assumida,
especialmente a partir de 2003. Com base em dados e informações secundários, são
usados “óculos geográficos”, para enxergar a espacialidade do fenômeno. Conclui-se
que a temática e a discussão em muito extrapolam o domínio da tecnociência.
Palavras-chave: Etanol. Cana-de-açúcar. Desafio ambiental.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
...............................................................................................
6
.............................................................................................
12
PRESSUPOSTOS
CAPÍTULO 1: UM POUCO DE HISTÓRIA
Para início de conversa
..................................................................................
O processo canavieiro no Brasil
...................................................................
15
17
CAPÍTULO 2: O ETANOL ENQUANTO TÉCNICA, DISCURSO e POLÍTICA
Enquanto técnica
..........................................................................................
24
Enquanto discurso
........................................................................................
29
.................................................................................
32
A geopolítica do etanol
CAPITULO 3: O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO E DESTRUTIVO
O circuito
......................................................................................................
O agroecossitema
.........................................................................................
38
45
CAPITULO 4: SOBERANIA, SEGURANÇA e TERRITÓRIO
Concentração de capitais e desconcentração espacial
.............................
52
...................................
57
.......................................................................
64
Segurança e soberania: alimentares e energéticas
SENDAS DE SUPERAÇÃO
REFERÊNCIAS
.........................................................................................
70
6
INTRODUÇÃO
Os seres humanos já consomem uma quantidade de recursos renováveis superior
ao que a Terra pode repor a cada ano: segundo o Global FootPrint Network (2010)
consumimos, por ano, o equivalente a 1,4 vez os recursos que a Terra é capaz de repor
anualmente. Isso significa que a Terra levaria um ano e cinco meses para regenerar o
que gastamos em apenas um ano. No entanto, esse consumo não é uniformemente
distribuído pelos países: se todos gastassem como os EUA, precisaríamos de mais de
cinco planetas Terra por ano, enquanto que pelo padrão de consumo indiano, apenas
dois quintos do planeta seriam suficientes, anualmente, para suprir a procura.
A crise ecológica e social que vivemos está estampada nos 1,3 bilhões que
vivem em pobreza absoluta, nos cerca de 3 (sobre 6,8) bilhões que são mal nutridos, na
falta de solidariedade dos países ricos para com os pobres, no desaparecimento
enormemente acelerado de espécies (BOFF, 2009:70-71), na poluição dos rios, dos
aqüíferos, dos mares, do ar, da terra, dos alimentos e dos organismos, no desmatamento,
na competição feroz entre nações por crescimento econômico ilimitado (em um mundo
materialmente limitado).
Por outro lado, essa crise ecológica que vivemos é expressão de um outra crise,
“mais humana, interior e espiritual”, nas palavras de Sua Santidade o Dalai Lama. É
fruto de um profundo sentimento de separação entre a natureza e nós, humanos,
especialmente no Ocidente, consolidado pela Revolução Científica dos séculos XVI e
XVII, de Francis Bacon, René Descartes e Isaac Newton, entre outros. Nessa época
foram formulados princípios como o método experimental e indutivo, as separações
entre corpo e mente e sujeito e objeto, e a visão de um mundo como uma máquina. Tais
princípios serviram de argumentos para a dominação e a pilhagem desenfreadas da
7
natureza. É preciso, pois, uma nova visão de mundo, novos valores, novos gêneros de
vida, novos conceitos e a valorização da espiritualidade, que nos traz a certeza de que
somos parte de um todo orgânico e que por ele devemos zelar.
“Cinco bilhões de toneladas de gás carbônico ainda estarão „sobrando‟ na
atmosfera em 2020”.1 Quem avisa são cientistas do Pnuma (Programa das Nações
unidas para o Meio Ambiente). Dizem, ademais, tais cientistas, que se os países
quiserem cumprir a principal meta – impedir que o aquecimento global, à época ao
redor de 0,7ºC, chegue aos 2ºC - da conferência do clima de Copenhague (COP15)2 –
realizada de 7 a 18 de dezembro de 2009, na Dinamarca – teriam não apenas “(...) de
endurecer suas metas de corte de emissão como ainda precisariam desligar todo o
sistema de transporte do globo”! Segundo pesquisadores citados na reportagem, não
basta seguir o Acordo de Copenhague, pois estaríamos, até o fim do século, “a uma
China de distância da meta de 2ºC.”
O consumo mundial de combustíveis fósseis vem aumentando, com consequente
maior emissão dos GEE (Gases de Efeito Estufa), geradores de maior retenção de calor
na atmosfera terrestre. Segundo a Energy Information Administration3, em 2008, o
consumo mundial comercializado dos três principais combustíveis fósseis (petróleo,
carvão e gás natural) representou 86,38% dentre um total que incluía a energia nuclear e
as energias renováveis. E a projeção desta instituição para 2014 não é animadora:
1
Folha de São Paulo. 23 de novembro de 2010
2
A Conferência foi promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas), cujo Conselho de Segurança
é composto por cinco países com poder de veto: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido. Vemos,
pois, o caráter antidemocrático dessa conferência, na qual as principais decisões foram tomadas
justamente pelos principais causadores dos desastres ecológicos. (Brasil de Fato, 2010)
3
(apud National Geographic Brasil, 2009a: 85)
8
85,88% dos combustíveis comercializados ainda serão fósseis, e haverá um aumento de
49,2% no consumo dos mesmos.
É nesse contexto que, nos últimos anos, a produção mundial de etanol4 - uma
fonte renovável e dita menos poluente de energia - vem crescendo, especialmente desde
a década de 1970 quando houve a chamada crise do petróleo, a qual elevou muito o
preço desse combustível. O etanol pode ser produzido de algumas matérias-primas,
como cana-de-açúcar, milho, trigo, beterraba e mandioca. Os atuais maiores produtores
mundiais de etanol são o Brasil - que utiliza a principalmente cana-de-açúcar como
matriz - e os EUA - cuja principal matriz é o milho.5
A produção de álcool no Brasil remete aos anos 1920. Entretanto o grande
impulso na produção de etanol no país data de 1975, ano em que foi instituído o
Programa Nacional do Álcool (Proálcool), uma resposta aos déficits da balança
comercial do país em 1973 e 1974, por conta da elevação do preço do barril de petróleo.
Isso fez com que as vendas de veículos movidos a etanol subissem muito, assim como o
teor de etanol anidro (um tipo de etanol parcialmente desidratado) adicionado à gasolina
– hoje esse teor varia de 20 a 25%. Em 2003, foram iniciadas as vendas de veículos flexfuel, capazes de operar tanto com gasolina como com álcool, o que novamente motivou
a produção de etanol.
O cultivo de cana-de-açúcar no Brasil acontece, majoritariamente em São Paulo,
que produziu, em 2010, 57,5% de toda a cana-de-açúcar brasileira (Conab, 2011).
Porém, nesse estado, a relativa saturação de áreas disponíveis para o cultivo de cana e o
4
Também conhecido como álcool etílico, ou simplesmente álcool.
5
Segundo reportagem da revista Carta Capital (17 de agosto de 2010) os EUA e o Brasil “fabricam e
consomem quase 90% da produção mundial de etanol.”
9
alto preço das terras estimulam a expansão da produção para estados do Centro-Oeste,
como Goiás. Em Goiás, o baixo preço das terras, o relevo plano, o clima favorável ao
cultivo da cana e a dita grande disponibilidade de terras são “atrativos” para o setor. Da
mesma forma, as usinas de açúcar e destilarias que produzem etanol se expandiram para
Goiás, já que, depois de cortada, a cana rapidamente se deteriora e precisa ser logo
processada em uma usina próxima.
O objetivo geral desta monografia é fazer um esforço principal de reflexão,
partindo da seguinte indagação: até que ponto o etanol pode ser visto como uma solução
para os desafios ambientais? Daí em diante, a questão principal pode ser desdobrada, e
surgem outras questões: onde, como, porque e por quem, essa expansão das lavouras e
agroindústrias canavieiras vem acontecendo? Quais os valores subjacentes, a visão de
mundo e o sistema de conceitos que sustentam essa expansão? Quais são as implicações
éticas, filosóficas, políticas?
Conduziremos tal monografia, sem perder de vista o espaço, lançando mão dos
“óculos geográficos”, que permitem enxergar a espacialidade dos fenômenos. No
entanto, não nos agarremos demais a esses “óculos”, sob o risco de reduzir a realidade,
em toda a sua complexidade, como se fosse um domínio exclusivamente geográfico, e
como se fosse possível estabelecer com exatidão o alcance desse domínio. Portanto,
recorreremos, sem pudor, a outros domínios do conhecimento e do saber, acreditando
que a diversidade de pontos de vista enriquece a visão sobre um tema.
Não pretendemo-nos neutros nesse esforço. Os valores que norteiam, e são
princípios e fins desta pesquisa, são justiça (social e ambiental), democracia, paz (social
e de espírito), compaixão, solidariedade, diversidade cultural e biodiversidade,
10
autonomia e soberania. Se quisermos soluções sócio-ambientais holísticas não podemos
negligenciar esses valores.
O território goiano serve como estudo de caso. O que se pretende aqui não é
profundamente descrever, analisar, explicar ou compreender a expansão das lavouras de
cana, e, a reboque, das usinas sucro-alcooleiras, sobre o território goiano. Deveras, nos
debruçaremos sobre as implicações ecológicas e sociais dessa expansão nesse território.
A escolha de Goiás se justifica tanto pela dificuldade de acesso a estudos sobre o
estado, quanto pela magnitude e aceleração recentes que assumiu a expansão em tela no
estado. O estudo de caso se concentra no período a partir de 2003 – ano de lançamento
de veículos flex-fuel no mercado brasileiro, e marco analítico - quando a produção
ganha um novo impulso.
Não faremos um estudo de impacto ambiental, portanto o que importa não é
listar exaustivamente impactos e descrevê-los; mas apenas apresentar pistas para a
identificação e a explicação dessas implicações, melhor dizendo, através do prisma
geográfico; e ainda, apresentar sugestões no intento de alcançar os valores citados.
Os procedimentos adotados nessa investigação se basearam nos seguintes
instrumentos: bibliografia básica, que forneceu a base teórico-metodológica; dados
secundários e informações, que sofreram tratamento e foram articulados na teia que
compõe essa redação final.
A investigação de campo é essencial, e está prevista para trabalhos futuros sobre
o tema, já que pretendemos seguir “costurando” por essa linha de pesquisa.
Antes de tudo, apresentamos os pressupostos básicos, que guiaram a pesquisa.
11
No primeiro capítulo, mostramos a importância da energia para a sociedade;
depois, construímos sucintamente uma história da formação de um “território
canavieiro”, no Brasil e em Goiás, até os dias atuais.
No segundo capítulo, o etanol aparece em seus atributos técnicos, funcionais,
assim como aparecem os limites dessa técnica; depois estudamos a retórica que legitima
o etanol, como se fosse uma panacéia; por fim, nos concentramos no jogo de forças e de
interesses políticos que convergem para o domínio do território, no que respeita ao
etanol.
No terceiro capítulo a rede de lugares e de atores envolvidos em cada etapa da
cadeia produtiva do etanol é o foco. A seguir mostramos como devemos olhar para o
espaço canavieiro cultivado, como um agroecossistema.
No quarto capítulo, mostramos como, ao mesmo tempo, há uma concentração
de capitais e uma desconcentração espacial da produção no setor sucroalcooleiro. Afinal
refletimos sobre até que ponto o etanol vêm contribuindo para a segurança e a
soberania, alimentares e energéticas.
Para terminar, apresentamos alguns valores e conceitos importantes para a
superação dos desafios ambientais atuais, neles inscritos os desafios sociais.
12
PRESSUPOSTOS
A natureza, mediante as trocas de energia entre seus elementos, sofre um
constante processo de diferenciação, “pelo qual sua identidade se renova enquanto se
modificam seus aspectos” (SANTOS, 2009:129). Em outras palavras, a cada
movimento, por uma série de eventos, a natureza se recria.
Para o autor, a partir do momento em que o homem se insere no mundo natural
nasce “um fator novo na diversificação da natureza, pois [o homem] atribui às coisas
um valor, acrescentando ao processo de mudança um dado social” (p.131). E a
tendência, daí em diante, foi a de aumento da parte da “„diversificação da natureza‟
socialmente construída. (...) Primeiro, o „social‟ ficava nos interstícios; hoje é o
„natural‟ que se aloja ou se refugia nos interstícios do social.” (p.131). Em outros
termos, a parcela social da natureza (natureza social) cresceu sobre a parcela natural da
natureza (natureza natural).
Partimos de um pressuposto, o de que, no interior dessa natureza cada vez mais
“social”, não existe nenhuma sociedade, grupo social, ou classe a-espacial, ou ageográfica. Em outras palavras a espacialidade, ou dimensão espacial da sociedade, é
uma dimensão inerente à realidade desde que o homem surgiu nesse mundo, enquanto
um ser social. Significa dizer, que as relações sociais são, necessariamente,
espacializadas.
Consideremos que “o espaço (social) é, além de um produto social complexo,
um produto que influencia/referencia/condiciona seus produtores”, de acordo com
SOUZA (2008:368). E que inclui atributos materiais (concretos, objetivos, vivos,
energéticos) e imateriais (subjetivos, imaginários, simbólicos).
13
Concordemos com SANTOS (1994), que entende o espaço do homem como um
conjunto indissociável e interativo de sistemas de objetos e sistemas de ações. Os
objetos são limites ou convites à ação, as ações revivificam os objetos e os
transformam. Objetos condicionam a forma como se dão as ações, ao passo que ações
criam novos objetos ou se realizam sobre objetos preexistentes. Ações e objetos, assim
como sujeito e objeto, são inseparáveis.
Entendamos, desde já, o território como “um espaço definido e delimitado por e
a partir de relações de poder”, que pode servir como instrumento de manutenção,
conquista e exercício de poder (SOUZA, 2006:78-79). Nessa perspectiva, a pergunta
central que se impõe é “quem domina ou influencia esse espaço, e como?”, o que
implica perguntarmo-nos “quem domina ou influencia quem nesse espaço?”
O território é “inscrição da sociedade na natureza”, diz PORTO-GONÇALVES
(2006:38), “o que nos obriga a considerar as relações sociais e de poder que estão
imbricadas na relação das sociedades com a natureza”. Diz o mesmo autor (2004:38):
“para se dominar a natureza (...) é preciso que se dominem os homens, sem o que a
natureza não pode ser dominada”. O desafio e a problemática ambientais, portanto,
estão inscritos nas relações sociais e de poder. “O território se torna, por tudo isso, uma
categoria central para dar conta do desafio ambiental contemporâneo, na medida em que
comporta, na sua materialidade, a tensão entre diferentes modos de apropriação do
espaço.” (p.63)
Retomemos SANTOS (2009). Para o autor, à medida que ao meio natural foram
se sobrepondo diversos artifícios e que o homem passou a valorizar as coisas, o que era
troca de energia virou troca de informação.
A informação seria o novo vetor de
estruturação do território.
14
Não obstante, as trocas (naturais) de energia e de matéria entre os elementos da
natureza, não deixaram de existir, ainda que o homem possa reconhecê-las, transformálas em informação e atribuir-lhes um valor.
Achamos importante, pois, recorrermos ao conceito de espaço total, de Aziz
AB´SABER (1994). O espaço aparece como um conjunto de ecossistemas –
agroecossistemas, ecossistemas naturais e ecossistemas urbanos – no qual os fluxos da
natureza e as relações humanas se entrelaçam. Essa última concepção deixa claro que a
cultura se desenvolve dentro da natureza, sem natureza não há cultura. Aliás, “o homem
é um ser que por natureza produz cultura; esta é sua especificidade natural.” (PORTOGONÇALVES, 2008a: 94).
15
CAPITULO 1: UM POUCO DE HISTÓRIA
Para início de conversa
“Energia é a capacidade de realizar trabalho e o trabalho é a capacidade de
transformar a matéria, ensinam-nos os físicos” (PORTO-GONÇALVES, 2008b).
MARX descreve o trabalho (humano) como um processo de que participam o homem e
a natureza, inclusive a sua própria natureza humana, pelo qual o homem:
“Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim
de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana.
Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua
própria natureza.” (MARX, 1968:202)
MARX (idem) diferencia ainda o trabalho humano das demais formas de
trabalho: “(...) o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na
mente sua construção antes de transformá-la em realidade.” Em outras palavras,
atividade humana de transformar a matéria é subordinada a um fim, já que o resultado
ideal é um projeto do resultado material.6
Logo, através do trabalho, o homem mobiliza e dispensa suas energias internas
para alcançar um determinado resultado. Tal dispêndio, por sua vez, é determinado (e
determina, e media-as) por relações (sociais e de poder) entre homens, entrelaçadas a
relações entre homens e a natureza. Com isso o homem produz valores de uso, coisas
para satisfazer suas necessidades.
6
Diga-se de passagem, por isso mesmo o homem é um ser que pode fazer opções, escolhas, é responsável
pelos seus atos.
16
Entretanto não somente o homem é produtor de valores de uso como a própria
natureza, fonte primeira desses valores. MARX deixa claro que não somente o trabalho
produz riqueza material, como a própria natureza.7
Para trabalhar o homem retira energia da natureza (dos alimentos, do ar, da
água). O homem é composto por matéria (energia condensada, como ensinam os físicos)
e por energia dinâmica, já que os átomos de seu corpo se movimentam e realizam trocas
energéticas. Por isso, como afirmou HOUTART (2010:16) “poderíamos dizer que a
história da humanidade coincide com aquela do uso da energia”.
Ademais, o homem, para realizar suas atividades, insere entre si mesmo e seus
objetos de trabalho (naturais ou artificiais) meios de trabalho, que por si só implicam
dispêndio de energia – especialmente os meios mecânicos, denominados por MARX
(1968:204) de “sistemas ósseos e musculares da produção”.8
PORTO-GONÇALVEZ (2006:25) nos diz que, a partir de 1492, com o
“descobrimento” da América pelos europeus, forja-se um sistema-mundo – um mundo
cada vez mais interdependente – moderno-colonial – com base em relações hierárquicas
e de poder.
“O capitalismo, desde o início de seu desenvolvimento , sempre dependeu da extração da
matéria e da energia, inclusive da energia do próprio trabalho humano , nos mais diferentes
recantos do mundo. O colonialismo e o imperialismo foram os padrões de poder mundiais
instituídos a partir de 1492 para garantir o deslocamento generalizado de matéria e energia
necessários à acumulação de capital” (p25)910
7
Paradoxalmente, diz HOUTART (2010:33), Karl Marx “desde a metade do século XIX, vinha
afirmando que o capitalismo destruía suas principais fontes de riqueza: a natureza e o trabalho”.
8
Automóvel, é uma palavra composta pelas raízes grega autos (“por si só”) e latina mobilis (“que pode
mover-se); portanto, originalmente significa “o que pode mover-se por si só”. O automóvel, ou carro, é
um meio mecânico de trabalho, um meio de transporte, e requer uma fonte de energia para a sua atividade
(olhemos com atenção para uma dessas fontes, o etanol). Assim, o homem dispõe não só de sua força de
trabalho, como também da força de trabalho dos artifícios criados por ele.
9
WALERSTEIN (1985:10) diferencia o capitalismo de sistemas históricos anteriores. “O que distingue o
sistema social histórico que estamos chamando de capitalismo histórico é o fato de que, nesse sistema
histórico, o capital veio a ser usado (investido) de forma muito específica. Veio a ser usado com o
17
A domesticação de plantas e animais, surgida entre 11mil e 8 mil anos atrás, é
chamada agricultura. A agricultura é a atividade mais diretamente afetada pelos ciclos
naturais de matéria e energia. Ainda que com a agricultura moderna (ou convencional) a
sociedade tente emancipar-se dos “caprichos da natureza”, enquanto não for encontrada
uma alternativa à transformação biológica da energia solar em nutriente e em vida, isso
será impossível (VEIGA , 2008:210)11. A própria consideração da sociedade de um
lado, e da natureza, de outro, está na raiz dos problemas ambientais contemporâneos,
como veremos.
Pela agricultura o homem extrai os alimentos de origem animal e vegetal, fontes
de energia para as suas atividades diárias. Ademais, fornece fibras e matérias-primas
energéticas, para a indústria e para o nosso sistema de transporte, como veremos no
caso da cana-de-açúcar para o etanol. Visto que a energia é pilar de duas atividades
principais da economia - a produção e o transporte - a agricultura, ao aumentar sua
participação na matriz energética, tem sua importância econômica ressaltada.
O processo canavieiro no Brasil
A cana-de-açúcar, originária do sudeste asiático, marcou profundamente a
história de nosso país, sendo a principal mercadoria - na verdade era o açúcar, já
objetivo ou intenção básica de auto-expansão. Nesse sistema, as acumulações anteriores eram “capital”,
apenas na medida em que eram usadas para acumular mais do mesmo.” Oras, vemos que o princípio
inerente ao capital é a auto-expansão, tanto maior quanto possível. Não nos espantemos, pois, ao vermos
hoje um sistema econômico que não respeita os limites de produção e consumo de matéria e energia, em
nome da acumulação, tanto maior quanto possível for, de capital.
10
“Hoje sabemos, conforme nos informa a ONU, que os 20% mais ricos do planeta consomem 84% da
matéria e energia transformada anualmente e que os 80% mais pobres só são responsáveis pelo consumo
de 16%!” (PORTO-GONÇALVES, 2009a)
11
É justamente por fazer a fotossíntese da luz solar que a cana – e por tabela o etanol – é renovável.
Afinal o Sol ainda tem uma longa e luminosa vida pela frente, nos seus 11 bilhões de anos restantes.
18
industrializado - de um chamado “ciclo econômico” (o ciclo do açúcar, cujo período é
geralmente reconhecido entre os séculos XV e XVIII) e de uma verdadeira “civilização
do açúcar”. ANDRADE (1994:35) citou Gilberto Freyre quando esse afirmou que “no
chamado ciclo do açúcar a produção foi baseada „no latifúndio, na monocultura e na
escravidão‟”. Ademais, produzia-se açúcar, em larga escala, para exportação.
Diz PORTO-GONÇALVEZ:
“A produção agrícola através de monocultivos é uma das principais inovações do chamado
mundo moderno. Antes de ser um fenômeno técnico que, com certeza é, os monocultivos
são um fenômeno político. Até sua introdução na primeira modernidade que se inicia em
finais do século XV, primeiro no arquipélago dos Açores, na África, e depois na América,
não se conhecia em qualquer lugar do mundo um grupo social, uma comunidade ou um
povo que se caracterizasse por tais práticas. (...)A introdução dos monocultivos foi, assim,
uma das principais heranças do colonialismo, haja vista que associado a essa prática veio a
escravidão e o racismo, fenômenos que, juntos, vão conformar uma estrutura de poder
marcada pela violência contra os povos e contra a natureza.” (2009b)
Os engenhos bangüês, no litoral – produziam açúcar para exportação – e as
engenhocas, no interior – produziam cachaça e rapadura, para o consumo local –
pontilham o país desde a conquista portuguesa (ANDRADE, 1994:35). Os engenhos
açucareiros eram, à época, tecnologia de ponta.
“Há uma linha de continuidade histórica que vem dos mais antigos engenhos do século
XVI, à sua época o que havia de mais moderno, aos atuais latifúndios monocultores dos
agronegociantes que, hoje, concentram terras e capital com seus monocultivos de soja, cana
de açúcar, eucalipto, algodão, laranja, milho, girassol e outros. Há 500 anos somos
modernos!” (PORTO-GONÇALVES, 2009b)
Em 1930 surge o Instituto do Açúcar e Álcool (IAA), o que marca o início da
racionalização da intervenção estatal no setor sucroalcooleiro, através de uma política
centralizadora. O governo passa a financiar a modernização das destilarias, e estimula a
irrigação, o uso de adubos e a introdução de novas variedades de cana, com vistas a
aumentar a produtividade agrícola.
19
As primeiras experiências com etanol combustível no Brasil remetem a 1920, e a
partir de 1930 é produzido o álcool12 anidro (o q hoje é adicionado á gasolina)13. Até
então o álcool era apenas um subproduto, o açúcar era o principal.
A chamada Primeira Revolução Verde traz para a agricultura brasileira um
verdadeiro pacote tecnológico – que incluía insumos químicos e mecânicos – no
período posterior à Segunda Guerra Mundial. De 1955 a 1966, uma indústria pesada,
cujos representantes maiores são a metalurgia e a química, se instala no país. Nos anos
1960 nasce a produção de tratores.
Uma segunda onda de inovações, conhecida como Segunda Revolução Verde,
atinge o país na década de 1980, trazendo para cá as biotecnologias, a engenharia
genética pela qual 15 variedades de sementes são criadas para se adaptarem aos
microclimas de uma mesma plantação. A capacidade de moldar e manipular a natureza,
à imagem e semelhança do que ocorre na indústria, se torna cada vez maior. O projeto
desenvolvimentista triunfara sobre a agricultura!
PORTO-GONÇALVES (2008b) diz que “as oligarquias latifundiárias [dentre as
quais as canavieiras] saíram fortalecidas, associando-se àqueles que, temendo a
Revolução Vermelha, que propunha transformar a estrutura social, econômica e política,
impuseram a Revolução Verde, de caráter técnico-científico.”
12
O etanol é sinônimo de álcool etílico, ou simplesmente álcool.
13
A Lei nº 8.723, de 28 de outubro de 1993, dispõe que o Poder Executivo fixará o percentual da mistura
de álcool anidro na gasolina no intervalo de 20% a 25%. A competência legal para definir o percentual de
álcool anidro na gasolina é do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA). Atualmente
vigora a mistura de 25% de álcool anidro na gasolina.
Disponível em: <http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=2&menu=999>
Acesso em: 20/12/2010.
20
“Nos cerrados propriamente ditos e nas caatingas, a cana só conquistou espaço
depois que se passou a fazer uma agricultura tecnicamente moderna, com grandes
investimentos em adubos, defensivos químicos e obras de infra-estrutura para
irrigação.” ANDRADE (1994:44)
Em 1975 é lançando o Proalcool (Programa Nacional do Álcool), sob a égide da
ditadura militar, louvado pelos seus promotores como “salvação nacional”, em resposta
à Crise do Petróleo, de 1973. Foi quando o preço do barril de petróleo subiu às alturas,
e, em 1974, o preço do açúcar caiu. Então, o Brasil decidiu substituir as importações do
combustível fóssil e fomentar a agroindústria canavieira. Surgem, então, muitas
destilarias autônomas e expandem-se os canaviais.
Contudo, o grande surto canavieiro no país ocorreu a partir de 1979, ano da
Segunda Crise do Petróleo - quando da criação da CENAL (Comissão Executiva
Nacional do Álcool). É justamente desde 1979, que a produção de álcool sofre
aceleração em Goiás, então “atingido” pelo Proálcool, quando ocorre um surto de
implantação de destilarias. Goiás vira, então, grande produtor de álcool, mesmo sendo
pequeno produtor de açúcar.
Os grupos econômicos paulistas, os mais fortes à época, foram, mormente,
extensores de suas atividades aos estados vizinhos, como Minas Gerais, Paraná, Mato
grosso do Sul e Goiás. Dizia ANDRADE (1994:133) “(...) o parque canavieiro goiano
está muito ligado ao paulista e é dele dependente, tendendo a acompanhá-lo em seu
crescimento.”
Houve um crescimento “forçado” e vertiginoso, da produção de álcool em
Goiás, que em 1983 chegou a ser o segundo maior produtor de álcool do Brasil. Posição
21
posteriormente perdida, pelo mau planejamento das destilarias, e só recuperada na safra
2010/2011, como veremos adiante. (ANDRADE, 1944:130)
Em 1935, em Goiás, havia muitos pequenos engenhos e apenas uma usina. Goiás
teve , em 1944, uma usina de açúcar construída, “(...) por iniciativa governamental,
quando a tecnologia já libertara a cana de açúcar de maiores limitações edáficoclimáticas. (...) Como se vê, a atividade canavieira não era das mais animadoras em
Goiás, em meados do século XX.” ANDRADE (1994:48 e 128-129).
ANDRADE sintetiza muito bem todo esse processo de produção e reprodução
dos espaços ocupados pela cana, acentuado nos anos 1980:
“Os industriais aumentaram as suas fortunas e expandiram as suas terras para garantir a
matéria-prima necessária à indústria em crescimento; os pequenos produtores e posseiros
foram desapropriados e desalojados; as vilas e cidades tiveram que reorganizar o seu
abastecimento, indo procurar produtos alimentares em áreas mais distantes; a poluição das
águas e a destruição em grande escala da vegetação natural provocaram um maior
desequilíbrio ecológico e o ressurgimento de surtos epidêmicos; os desajustes sociais se
acentuaram. Os canaviais, verdadeiros oceanos por sua imensidão e continuidade,
ocuparam grandes áreas do Nordeste, em São Paulo, no Paraná, em Minas Gerais e no
Centro-Oeste. O governo, preocupado com o crescimento do PIB, esqueceu que nos
espaços em transformação havia populações que estavam sendo expropriadas dos seus
direitos mais elementares. O importante era que o Brasil se colocasse como a sétima
economia do mundo capitalista, não importando que ficasse entre os países de pior
qualidade de vida. O crescimento do „bolo‟ permitiria, no futuro, uma recuperação social.”
(ANDRADE , 1994:31)
Desde 2003, a venda de carros bi-combustíveis (ou flex-fuel, movidos tanto à
álcool quanto à gasolina, ou à uma mistura de ambos), impulsionou a produção. De
acordo com dados da ANFAVEA, de 2003 a 2009 a venda de automóveis e de veículos
comerciais leves (exceto os carros a diesel) no Brasil perfez 13.643.803 unidades, das
quais 9.603.630 eram flex-fuel, ou seja, 70,33% do total. Em 2010, de janeiro a
novembro, de foram vendidos mais de 3,037 milhões, dos quais 87% eram flex.
De acordo com dados do IBGE (2011), em Goiás, enquanto de 1990 a 2003 (em
13 anos) a área plantada e a quantidade produzida de cana subiram, respectivamente,
22
57% e 87%, de 2003 a 2009 (em 6 anos) esses aumentos foram de 212% e 233%. Fica
clara, portanto uma forte expansão a partir de 2003, que nos serve como corte para a
análise.
Dentro do período 2003-2009, podemos identificar outro corte, a partir de 2007.
Em termos absolutos, de 2003 a 2009 a área plantada aumentou em cerca de 356 mil
hectares, dos quais 246 mil somente nos dois últimos anos. Já a quantidade produzida
cresceu em aproximadamente 30 milhões de toneladas desde 2003, dos quais 20,5
milhões apenas desde 2007. Pelos dados percebemos o quão recente e acelerado é o
processo de expansão da cana sobre Goiás.
O mais recente levantamento da Conab (2011) mostra que Goiás, sofreu, na
safra 2010/11, aumento de cerca de 127 mil ha em sua área colhida de cana, se
comparada à da safra anterior - terceiro maior aumento entre os estados, atrás apenas de
São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Dados da Única (2010) apontam um aumento de 279,3% na produção de etanol
em Goiás, entre as safras 2002/2003 e 2008/2009. Dados da Conab (2005 e 2011),
revelam que, entre as safras 2005/06 e 2010/11, Goiás pulou de quinto maior produtor
de etanol do Brasil para segundo – sofrendo um aumento de 298% em sua produção –
atrás apenas de São Paulo, detentor da hegemônica fração de quase 56% de toda a
produção brasileira de etanol.
O Estado goiano nesta safra destinou 72% de sua cana para produzir etanol e
28% para o açúcar. Entre esta safra e a anterior, aumentou sua produção de etanol em
cerca de 753 mil litros, o maior aumento no período entre as unidades da federação.
23
ANDRADE (1994:28) mostrou que a produtividade de cana por unidade de terra
no estado, em 1980, girava em torno de 56,2 toneladas por hectare. Segundo a Conab
(2011) esse valor médio é hoje de 80 ton/ha, um dos maiores entre os estados. O mesmo
autor (ANDRADE, p32), explica que o aumento da produtividade está relacionado a
uma maior utilização de adubos químicos e inseticidas, e pode implicar “problemas
ecológicos muito sérios, como a contaminação das águas, dificultando a vida da
população pobre que utiliza rios e lagoas.”
Alguns fatores genéricos ajudam a explicar porque Goiás é tão atrativo para os
agentes do setor sucroalcooleiro: o baixo preço das terras em relação a São Paulo e
Minas Gerais, o relevo plano, o clima favorável ao cultivo da cana e a dita grande
disponibilidade de terras.
CASTILLO (2009) apresenta as tendências atuais para o setor:
“O novo momento de produção canavieira privilegia os grandes investimentos no corte
mecanizado, na diversificação produtiva [surgem novos produtos, como o bioplástico], no
desenvolvimento de novas variedades (mais produtivas, mais adaptadas a diferentes
condições edafo-climáticas, mais adequadas ao corte mecanizado) e na co-geração de
energia [20% das usinas do Brasil já produzem energia elétrica do bagaço de cana]”.
A longo prazo, com resultados concretos previstos para 2015, as pesquisas são
voltadas para o etanol de celulose – também conhecido como etanol de segunda geração
- que pode ser produzido de qualquer biomassa vegetal, como madeiras, folhas e,
inclusive, da palha e do bagaço de cana (HOUTART, 2010:149). Essa segunda geração
de etanol, diga-se de passagem, por se utilizar de uma base de matéria-prima
extremamente abundante e barata, poderia desbancar todas as vantagens que a cana-deaçúcar brasileira oferece sobre as demais matérias-primas.
24
CAPITULO 2: O ETANOL ENQUANTO TÉCNICA, DISCURSO e POLÍTICA
Enquanto Técnica
As vantagens técnicas do etanol da cana brasileira sobre o etanol de outras
matérias-primas são bastante destacadas, principalmente pelas empresas e instituições
com interesses econômicos sobre o produto.
O Brasil já carrega longos anos de
experiência com o combustível, já tem “know-how”, além de uma sólida estrutura
produtiva. Ademais, “a nossa natureza é generosa”, e o etanol do sudeste asiático muito
bem se adaptou ao ambiente brasileiro, vide sua exploração ter acontecido desde o
século XVI.
Ganha destaque, por exemplo, o ótimo balanço energético14 da cana brasileira.
Estudiosos da Embrapa15 (SOARES et.al., 2009) mostram como o etanol brasileiro é
eficiente, em termos de gastos energéticos e emissões de GEEs. Macedo, 2007 (apud
KOHLHEPP, 2010) diz que “para a produção de 1 litro de etanol de milho, nos Estados
Unidos, são necessárias quase nove vezes mais energia do que na produção de etanol de
cana-de-açúcar no Brasil”.
PORTO-GONÇALVES (2008b) expõe as vantagens da cana brasileira em temos
de produtividade. (ver tabela 1, a seguir)
14
Relação entre a energia retirada do sol pela cana e a energia consumida em seu processo produtivo, que
mostra se o etanol, desde o plantio da cana e após ser explodido no motor, consome menos energias
fósseis e emite menos GEEs, do que os próprios combustíveis fósseis.
15
Embora seja quase consensual o melhor balanço energético do etanol brasileiro, devemos olhar com
cautela para esses estudos, procurando os interesses subjacentes. A Embrapa, por exemplo, é parte de um
bloco de poder, que almeja, por meio do etanol, se manter no poder, como veremos adiante.
25
Produtividade [Litro por Hectare]
Fonte
País/Região
Volume
Beterraba
União Européia
5.500
Milho
USA
3.100
Trigo
União Européia
2.500
Cana de Açúcar
Índia
5.200
Cana de Açúcar
Brasil
6.500
Tabela 1. Fonte: PORTO-GONÇALVES (2008b)
Segundo KOHLHEPP (2010) os custos da produção de etanol no Brasil
“correspondem a aproximadamente 40% dos custos de produção por litro nos Estados
Unidos”. Por outro lado, o autor expõe a “face sombria da mesma moeda”: custos mais
baixos “naturalmente são favorecidos pelos salários baixos”.
Diante dessas vantagens, sobretudo mercantis, “vivemos um verdadeiro
tecnocentrismo, crença de que sempre há uma solução técnica para tudo” (PORTOGONÇALVES, 2006:76).
“Esse „determinismo tecnológico‟ parece ser uma conseqüência do elevado status da
ciência em nossa vida pública – em comparação à filosofia, a arte ou a religião - e do fato
de os cientistas terem geralmente fracassado no trato com os valores humanos de um modo
significativo. Isso levou a maioria das pessoas a acreditar que a tecnologia determina a
natureza do nosso sistema de valores, em vez de reconhecer que é justamente o inverso; que
nossos valores e relações sociais determinam a natureza de nossa tecnologia.” (CAPRA,
2002:210)
PORTO-GONÇALVES (2206:79) diz que toda técnica é “(...) um sistema
organizado, ordenado, visando o maior controle que se possa ter de seus efeitos”. Deste
modo, a técnica tenta eliminar o acaso dos frutos da ação, para que se atinja um
determinado fim, previamente definido. A técnica, sendo um meio, está a serviço de um
fim. Afinal, as ações humanas são realizadas com uma intenção. Como dito acima, a
26
atividade humana de transformar a matéria é subordinada a um fim, já que o resultado
ideal é um projeto do resultado material.
SANTOS (2009:238) nos explica que a intenção do homem se deposita não só
em suas ações, como também nos objetos produzidos por ele. Os objetos técnicos
típicos do período atual16 carregam uma intencionalidade daqueles que o criaram,
carregam, por isso, informações; ou seja, autorizam apenas certas ações. As ações, por
seu turno, devem ser informadas, para que possam responder as exigências dos próprios
objetos. Por isso, os atores hegemônicos levam vantagem, pois detém maior capacidade
de obter e utilizar as informações necessárias. “Agora, os atores hegemônicos, armados
com uma informação adequada, servem-se de todas as redes e se utilizam de todos os
territórios”. (p243)
Ao que geralmente se chama de Revolução Tecnológica, como as Revoluções
Industrial ou Verde, PORTO-GONÇALVES (2006:76-100) prefere chamar de
revolução (nas relações sociais e de poder) por meio da tecnologia. Afinal, “a revolução
tecnológica não se põe em movimento por si mesma, eis os limites deste fetichismo da
tecnologia que vê relações entre coisas onde há relações entre grupos, pessoas e classes
sociais” (PORTO-GONÇALVES, 2008b). “A confecção de uma lança e de um míssil
nuclear demonstram diferentes relações entre homens, como também diferentes relações
com a natureza” (ALMEIDA,1988: 28).
SILVA E KAGEYAMA (1983 apud, ALMEIDA: 26), explicam o papel da
técnica, numa sociedade capitalista:
16
Tal autor denominou o período que começou praticamente após a segunda guerra mundial e se
afirmou, especialmente no Terceiro Mundo, após 1970, de período técnico-científico-informacional.
Consideramos que tal período se estende até hoje.
27
“Numa sociedade capitalista, que é uma sociedade de classes, a ciência destina-se a gerar o
saber necessário para garantir a produção e a reprodução dos processos vitais desta
sociedade, cuja forma é determinada, fundamentalmente pela classe dominante.
Se a própria ciência tem um caráter de classe na sociedade capitalista, com muito mais
razão o terá a tecnologia, que é a aplicação dessa ciência ao processo produtivo...
A tecnologia, é portanto, uma relação social e não apenas um conjunto de “coisas”. Como
se poderia pensar ao olhar as máquinas, os adubos químicos, as sementes etc... Ora,
sabemos que no sistema capitalista o objetivo da produção é o lucro; portanto, a tecnologia
que lhe é adequada é a que permite gerar mais lucros.”
SANTOS (2009:238) explica como, no período atual e sob a égide do mercado,
ciência e técnica se tornam conceitos e práticas inseparáveis, devido a sua grande
interação, a ponto de alguns autores falarem em tecnociência. A informação, por sua
vez, é o vetor, ou a energia, fundamental do processo social. Ciência, tecnologia e
informação estão na base “(...) da produção, da utilização e do funcionamento do
espaço, e tendem a constituir o seu substrato.” Daí ele chamar o período atual de
técnico-cietífico-informacional. Diz, ainda:
“Hoje, no lugar onde estamos os objetos não mais obedecem a nós, mas sugerem o papel a
desempenhar, porque são instalados obedecendo a uma lógica que nos é estranha, uma nova
fonte de alienação.Sua funcionalidade é extrema, mas seus fins últimos nos escapam. Essa
intencionalidade é mercantil, mas não raro é, também, simbólica” (p217)
Veremos, no tópico seguinte essa intencionalidade simbólica e mercantil,
implícita no discurso. Um motor que é movido a etanol, uma colheitadeira super
eficiente de cana, as variedades de cana alto rendimento e seleção, uma usina de etanol:
são objetos técnicos que carregam em si essa dupla intencionalidade dos atores
hegemônicos que instituem tal sociedade.
PORTO-GONÇALVES (2004:30) afirma que “(...) sofremos, reflexivamente, os
efeitos da própria intervenção que a ação humana provoca por meio do poderoso
sistema técnico de que hoje se dispõe.”
“Já não é mais contra a natureza que devemos lutar (se é que é de luta contra a natureza que
deveríamos tratar), mas, sim, contra os efeitos da própria intervenção que o próprio sistema
técnico provoca. Lembremos aqui da fina observação do geógrafo Milton Santos (1996)
quando nos adverte que não há sistema técnico dissociado de um sistema de ações, de um
sistema de normas, de um sistema de valores, sinalizando para que não o reifiquemos
28
afirmando uma ação do sistema técnico como se ele se movesse por si mesmo, sem que
ninguém o impulsionasse.” (PORTO-GONÇALVES, idem)
Não existe sociedade sem técnica. Não há dúvida de que, por exemplo, carros
menores e mais leves e motores mais eficientes (motores híbridos) são parte de uma
solução mais ampla para o aquecimento global. CAPRA (2002:214) em 198217, já dizia
“que as limitações globais de energia e recursos nos forçarão a reestruturar
drasticamente nosso sistema de locomoção, passando a utilizar o transporte de massa,
carros menores, mais eficientes e mais duráveis.”
Porém como disse HOUTART (2010:147): “(...) é preciso lembrar que o
raciocínio não para exclusivamente nas considerações de produtividade por hectare e na
melhoria das condições de combustão dos agrocarburantes.” O aprimoramento técnico
faz parte da solução, mas a solução, como um todo, está muito além do domínio técnico.
Afinal, “ao procurarmos soluções tecnológicas para todos os problemas,
limitamo-nos usualmente a transferi-los de um ponto para outro no ecossistema global,
e, com muita freqüência, os efeitos colaterais da “solução” são mais perniciosos do que
o problema original” (CAPRA 2002:210).
Enfim, o que está em curso não é somente uma nova matriz energética ou uma
“transição energética”, mas sim um rearranjo nas relações sociais e de poder por meio
da tecnologia. (PORTO-GONÇALVES, 2008a).
17
A primeira edição de “The Turning Point” é de 1982.
29
Enquanto discurso
“Já foi o tempo em que ser a favor dos agrocombustíveis significava uma
postura de esquerda. (...) Hoje a situação é outra: enquanto a esquerda critica os
agrocombustíveis, a direita os exalta.” (HOUTART 2010:7)
Nesse sentido os novos “benfeitores” (dentre eles companhias petrolíferas e
automobilísticas) “vestem-se de verde” e mudam sua retórica, para se manterem no ou
assumirem o poder. PORTO-GONÇALVES (2008b) cita Il Gattopardo, de Lampedusa,
com sua tese de que “para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude",
dizendo que, assim, o aquecimento global ganha outro sentido, não mais por razões de
ambientalistas, mas por aquelas dos que almejam auferir lucro dessa causa.
Tudo indica que a derrota, sobretudo política, da intervenção militar no Iraque e
no Afeganistão tenha cumprido um papel relevante nessa mudança de posição política,
com relação ao descaso pelo aquecimento global (PORTO-GONÇALVES,2008b).
“Os poderes econômicos e políticos tendem a adotar soluções que permitam a
continuidade de um modelo de desenvolvimento, sem questionar seus parâmetros”
(HOUTART 2010:10). E o discurso do desenvolvimento está na base do discurso dos
que defendem o etanol, o discurso hegemônico. O desenvolvimento é hoje o fim último
de realização, uma meta maior, tanto para os países que querem manter-se
desenvolvidos, ou aumentar seu desenvolvimento, quanto para aqueles que ainda não o
atingiram.
E desenvolvimento, é sinônimo de dominação da natureza, idéia que, por sua
vez, é gêmea da idéia de separação entre natureza e cultura, explica PORTOGONÇALVES (2004:24). Para esse autor, a idéia-chave de desenvolvimento é uma
30
versão atual da idéia de progresso18, fruto de uma hegemonia cultural tecida a partir do
Iluminismo (século XVIII). “Afinal, ser desenvolvido é ser urbano, ser industrializado,
enfim, é ser tudo aquilo que nos afaste da natureza e que nos coloque diante de
constructos humanos, como a cidade, como a indústria.” Esse discurso:
“(...) pela colonização dos corações e mentes, procura instilar a idéia de que é desejável e,
acima de tudo, possível que todos se europeízem ou americanizem. Entretanto, esse estilo
de vida só pode existir se for para uma pequena parcela da humanidade, sendo assim, na
sua essência, injusto. Mahatma Gandhi já indagara: “Para desenvolver a Inglaterra foi
necessário o planeta inteiro. O que seria necessário para desenvolver a Índia?”(PORTO-
GONÇALVES, 2004:32)
O discurso do etanol, “filho” do discurso do desenvolvimento, também se
aproveita do carro ser um dos objetos de consumo mais desejados da modernidade.
LUDD (2005:30) ensina que “(...) toda tecnologia é encarnação de valores,
significações e intenções sociais”. O carro é, talvez, o maior signo do individualismo
burguês. É também, “signo de maturidade, status, poder, virilidade.” (p.20). É o que
permitem o motor a combustão e o acelerador, auto-afirmação, masculinidade. Valores
típicos da consciência masculina yang, como diz CAPRA (2002). Valores “abastecidos”
nos postos de gasolina (e agora de etanol), pelos que podem ter um carro.
Entendamos a nova causa assumida pelos novos protagonistas do etanol. GLASS
entrevista o físico Paulo Artaxo, que nos descreve sucintamente as mudanças climáticas
induzidas pelo homem:
“O clima do planeta é dominado por processos naturais e por processos associados à ação
do homem. Entre os processos naturais relevantes estão alterações no brilho do sol,
emissões de aerossóis vulcânicos e uma série de processos que alteram a biosfera do
planeta. O que aconteceu é que, até 150 anos atrás, esses processos dominavam o balanço
de radiação atmosférica. Nos últimos 150 anos, devagarinho a ação do homem começou a
tomar conta não só da superfície do planeta, mas também da composição da atmosfera.”
(GLASS, 2007:4)
18
A idéia de progresso nos remete com força à idéia de crescimento ilimitado, de aumento do Produto
Interno Bruto (PIB), tanto mais quanto possível for. Uma busca insana, já que vivemos em um mundo
material limitado, e que deve ser utilizado com limites.
31
Foi justamente no século XVIII, com a Revolução industrial, que as implicações
das mudanças climáticas, entre elas o aquecimento global, deixaram de ser locais e
regionais para se tornarem planetárias. PORTO-GONÇALVES (2006:327)
PORTO-GONÇALVES (2006: 328) explica que “(...) com o uso generalizado
dos combustíveis fósseis se está devolvendo a atmosfera substâncias químicas, que o
próprio petróleo e carvão, enquanto fósseis, abrigam em seus corpos.” Tais substâncias que haviam levado milhões de anos para se confinarem em fósseis e, assim, diminuíram
o efeito estufa - são explodidas em segundos nos motores, e liberadas novamente para a
atmosfera, para novamente reterem calor.
“O efeito estufa aumentado em proporções que ameaçam a humanidade como
um todo é o efeito de um projeto civilizatório posto em marcha pelo desenvolvimento
do capitalismo e por gestores que se acreditavam seus críticos, como na antiga URSS, e
que tem como símbolo maior a máquina a vapor” (PORTO-GONÇALVES 2007:15)
Vemos, pois, um grande paradoxo: o alardeado aquecimento global, foi
agravado justamente pelo sucesso de um projeto civilizatório engendrado no século
XVIII, quando a idéia de progresso, mãe do desenvolvimento, virou a meta número um
das sociedades em geral. Ademais, os combustíveis fósseis cumpriram importante papel
nesse aquecimento. Oras, são hoje as companhias petrolíferas e automobilísticas,
fundidas a um verdadeiro bloco de poder (como veremos mais adiante) - que tem na
ponta da língua o discurso que legitima o desenvolvimento - que se apresentam como
sustentáveis, limpas e renováveis, e de vilãs passam a benfeitoras. Fica claro que as
causas não são tão nobres quanto um olhar ingênuo presumiria.
32
A geopolítica do etanol
Por trás do discurso acima descrito, se esconde um verdadeiro jogo de forças na
disputa pelo controle das fontes de energia, inscritas no território. A energia é um
recurso estratégico, pilar de duas atividades econômicas principais: a produção e o
transporte. Diante de sua insegurança no “domínio das fontes de energia fóssil, base de
todo o complexo sistema tecnológico-industrial que tem no uso generalizado dos
motores Otto e Diesel seu cerne” (PORTO-GONÇALVES, 2008b), as grandes
corporações, sob tutela de seus estados nacionais ricos, buscam dominar novas fontes,
dentre elas o etanol.
“Na atual configuração geopolítica não há mais país do mundo que tendo petróleo nas suas
entranhas geológicas em proporções capazes de sustentar a matriz industrial hegemônica
que não seja um país com instabilidade política ou sob permanente ameaça – o Oriente
Médio, a Ásia Central, a Nigéria, a Colômbia, a Venezuela, a Bolívia.” (PORTO-
GONÇALVES, 2007a)
O sociólogo Gilberto Vasconcellos em entrevista à revista Caros Amigos,
explana:
“A escassez de petróleo é a principal causa de guerras e intervenções norte-americanas no
Oriente Médio, região que detém 80 por cento do petróleo restante no planeta, e com os
dias contados, ao contrário da energia extraída da biomassa vegetal graças à fotossíntese.”
(Caros Amigos, 2007:34)
Enquanto a energia for um recurso abundante, seu preço se mantém baixo.
Desde que se torna escassa, seu valor comercial aumenta, assim como a disputa por seu
controle. “Um bem disponível a todos não tem propriamente, interesse para a economia
mercantil. (...) a privação, a escassez é que torna um bem econômico.” (PORTOGONÇALVES, 2004:57) Riqueza é confundida com escassez, quando, ao contrário, “a
riqueza é, justamente, abundância”, afirma o autor.
33
Se considerarmos a política, de acordo com CASTRO (2007:21), “(...) um
princípio de ação, o confronto de interesses, e uma engenharia institucional que define
normas e sanções para este confronto”, podemos considerar o território político como
uma verdadeira “arena de batalha”. Segundo PORTO-GONÇALVES, no Brasil está em
curso hoje uma enorme batalha pelo controle da energia, inclusive, da alimentação,
norteada pela busca de mais-valia:
“No caso da energia, além de considerarmos as suas formas tradicionais é preciso incluir o
alimento como tal. Por essa via todo o processo de domesticação de espécies - agricultura,
pecuária, extrativismos (caça,coleta e pesca) se torna estratégico(...).” (2006:296)
“Hoje há uma disputa por terras para alimentar a energia humana e para alimentar com
energia as máquinas cujo destino, a se manter o mundo capitalista, vai depender de onde se
gera mais lucro. Há um claro aumento no preço da terra com implicações no preço dos
alimentos em função da demanda aquecida pelas oportunidades de negócio com o etanol e
o biodiesel.” (2010a).
Como diz o físico Bautista Vidal, em entrevista à revista Caros Amigos
(2007:36), “com a nova civilização da fotossíntese, a energia pode ser plantada.” Na
verdade, a energia, que já era plantada para alimentar pessoas, agora também está sendo
plantada para alimentar máquinas - são os agrocombustíveis.
E o Brasil, por ser um país tropical, tem as qualidades da “tropicalidade
(fotossíntese+água =biomassa em abundância)” (PORTO-GONÇALVES, 2008b). O
país tem a maior reserva de água doce do mundo, e recebe grande incidência da
radiação eletromagnética do Sol, que pode ser convertida em energia química pelas
plantas. Os países ricos, por outro lado, encontram-se, via de regra, em zonas frias e
temperadas, não gozam da mesma “sorte”, diz Gilberto Vasconcellos (Caros Amigos:
2007:34-35).
34
Tal disponibilidade de água, somada à grande disponibilidade de terras e de luz,
desperta o interesse de agronegociantes19 – de alimentos e agrocombustíveis – europeus,
japoneses e estadunidenses. Ademais o Brasil desde 1970 domina a tecnologia
relacionada ao etanol. E, segundo PORTO-GONÇALVES (2004:169), binômio
tecnologia/território, conforma o padrão de poder que institui a divisão territorial do
trabalho. Tal divisão, por sua vez, é, para SANTOS (1994:94), a energia que preside a
forma e o conteúdo das regiões, que impõe diferenciações ao espaço.
Os EUA20, após sucessivas crises do petróleo e a derrota no Iraque e no
Afeganistão abalarem sua hegemonia sobre o controle das fontes fósseis de energia,
mudam sua estratégia. Em 2006, foi constituída a AIE (Associação Interamericana do
Etanol) tendo como seus dois dirigentes principais Roberto Rodrigues (Brasil) e Jeb
Bush (EUA), ambos muitos comprometidos com o agronegócio (PORTOGONÇALVES, 2008a). “O governo Bush planejava substituir em 20% o consumo total
de gasolina pelo etanol nos Estados Unidos até 2017” (KOHLHEPP, 2010:9).
Não obstante, o mercado mundial do etanol ainda é relativamente modesto, visto
que “na Europa e nos Estados unidos, mais de 90% da frota de carros ainda é movida a
diesel ou gasolina” (Carta Capital, 2010:1). Os EUA, a Europa, o Japão e a Coréia do
Sul, ainda impõem pesadas tarifas de sobre o etanol importado, enquanto o petróleo e
seus derivados não enfrentam essas barreiras.
19
Esclarece PORTO-GONÇALVES (2008b), essas áreas, onde se encontra, além de imensa diversidade
biológica, um imenso patrimônio cultural, as grandes empresas monocultoras vêem como meios de
expandir seus negócios. “Por isso falam de agronegócio e não de agricultura, e com isso jogam fora uma
das principais qualidades da vida biológica, no caso da espécie humana, que é a de criar sentidos para a
vida, de inventar culturas.”
20
“Os Estados Unidos da América do Norte exerceu sua hegemonia no mundo por meio do domínio das
fontes de energia fóssil, base de todo o complexo sistema tecnológico-industrial que tem no uso
generalizado dos motores Otto e Diesel seu cerne. Primeiro país do mundo a explorar comercialmente o
petróleo, em 1859, exerceu, em aliança com outras potências imperialistas ou contra elas, nesses casos
por meio de seu poderio militar, o controle de áreas estratégicas de jazidas de petróleo e carvão, o que lhe
permitiu uma posição relativamente confortável.” (PORTO-GONÇALVES, 2008b)
35
Vemos, portanto um grande protecionismo econômico por parte dos EUA. Além
disso, segundo a revista Carta Capital (2010:2), para cumprir suas metas de adição de
etanol avançado – pelo menos 50% menos emissor de GEEs do que a gasolina – os
EUA contam com o etanol celulósico, sobre cuja pesquisa e desenvolvimento os EUA
investem vinte vezes mais do que o Brasil. Afirma Marcos Jank (idem), presidente da
União da Indústria de Cana-de-Açúcar: “não temos a menor pretensão de dominar o
mercado americano. Vamos chegar a 10%, se tanto”. O que já é muito, todavia, já que
os EUA consomem 520 bilhões de litros de gasolina.
Tudo indica que os interesses políticos dessa aliança estão acima dos interesses
econômicos (ainda que a busca da mais-valia - motor maior da economia - conforme os
interesses políticos).
Trata-se da conformação de uma aliança política, agora à escala global, do que já vinha
sendo forjado no Brasil desde os anos de 1970 quando, a partir da crise do petróleo, o
governo ditatorial brasileiro desencadeou um programa de grande envergadura de produção
de combustível a partir de biomassa, o Proálcool. Já à época, os velhos usineiros
latifundiários com suas monoculturas de cana de açúcar, no poder a cinco séculos no Brasil,
se transformaram nos grandes heróis nacionais por oferecerem uma alternativa de fonte
energética à crise que se instalara com o aumento dos preços do petróleo. (PORTO-
GONÇALVES, 2008b)
Seria uma resposta dos EUA à tentava frustrada de instaurar a Área de Livre
Comércio das Américas (Alca). Como alternativa a esse acordo multilateral (ainda que
assimétrico) os EUA instauram uma miríade de acordos bilaterais, entre eles a AIE, com
interesses econômicos – como transferência de produtos e tecnologias – mas, sobretudo,
políticos. “Da Alca para o álcool”, disse Jeb Bush.
“Alguns falaram do Brasil como uma nova Opep dos agrocarburantes”
HOUTART (2010:146). Outros preferem o termo “Arábia Verde”. O que é um exagero,
entre outros motivos, porque enquanto o petróleo da Arábia leva milhões de anos para
se formar, a cana-de-açúcar, cultivada em cerca de 120 países – embora somente dez
36
produzam etanol – tem ciclo anual, e é muito menos exclusiva, e de reprodução muito
mais fácil. O presidente da Única, Marcos Jank, bem resumiu a questão:
“Para ser a Arábia Saudita, é preciso estar sentado em cima de um produto finito e que
poucos possuam, de modo que se possa controlar os preços. Mais de uma centena de países
poderão ser exportadores de etanol.” (Carta Capital, 2010:2)
O jogo de forças políticas visando o controle e a exploração do “território do
etanol”, a nível mundial, tem, obviamente, repercussões internas ao Brasil, nos níveis
nacional, regional e local. Um bom exemplo é a verdadeira guerra dos lugares21 que
vem sendo travada em Goiás para atrair empresas e investimentos para suas atividades
sucroalcooleiras, avalizados pela pelos poderes públicos. Segundo CASTILLO (2009):
A Secretaria Estadual da Indústria e Comércio do Estado de Goiás monitora o setor em
todo o Brasil, principalmente em São Paulo, objetivando identificar oportunidades de
investimentos produtivos em seu território, ainda que isso provoque conflitos no âmbito do
próprio Governo, principalmente com a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos
O Estado de Goiás vem assumindo uma política fiscal bastante “agressiva”, nas
palavras de CASTILLO (2009), visando atrair os investimentos do agronegócio para o
setor sucroalcooleiro. Essa agressividade está expressa nos nomes de dois programas,
sucessivos, que incentivam grupos agroindustriais produtores de açúcar e álcool no
estado: FOMENTAR (1986 a 2000) e PRODUZIR (em vigor desde 2000) que incluem
isenções e flexibilidade para o pagamento do ICMS.
PORTO-GONÇALVES (2004:170) alerta, para a importância da política para o
enfrentamento do desafio ambiental de hoje:
21
Segundo SANTOS (2010:247) “os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer
rentabilidade aos investimentos”, em que pesam os atributos técnicos (equipamentos, infra-estrutura),
organizacionais (leis locais, impostos, relações trabalhistas, condições laborais), e ainda os naturais
(fertilidade, clima). Assim sendo, há uma disputa tanto por parte das empresas, pelos melhores sítios
produtivos, quanto por parte dos lugares, que se fazem atraentes. Essa é uma estratégia posta em marcha
tanto pelos poderes públicos, quanto pelos privados.
37
“Se política é a arte de definir limites22, como acreditavam os gregos, é essencialmente
político o desafio ambiental de nosso tempo – afinal – o desafio ambiental se resume à idéia
de que há limites para a relação da humanidade, por meio de cada sociedade, com o
planeta”
De acordo com CASTILLO, o município de Rio Verde (GO), através da “Lei
5.200/2006, estabelece um limite para a produção de cana-de-açúcar em 10% (cerca de
50 mil hectares) do conjunto de suas terras agricultáveis (cerca de 500 mil hectares).”
Assim, Rio Verde tem inspirado outros municípios goianos, como Mineiros, a fazerem
o mesmo.
No entanto, parece que, mesmo nesse caso os motivos econômicos
prevaleceram, já que a cana era uma ameaça ao agronegócio das lavouras de milho e de
soja, componentes da cadeia carne-grãos (os grãos alimentam bovinos, suínos e
frangos). Em outros municípios, onde essa cadeia estava ausente, não se opuseram
obstáculos ao avanço da cana.
22
“Pólis é como, originariamente, designavam o muro com que delimitavam a fronteira entre cidade e
campo. Assim, pólis era o limite entre cidade e campo.” (p35)
38
CAPÍTULO 3: O CIRCUITO ESPACIAL PRODUTIVO E DESTRUTIVO
O circuito
Em face de uma agricultura (setor primário) cada vez mais integrada à indústria
e aos serviços (setores secundário e terciário), torna-se necessário entender o processo
produtivo, e destrutivo, através de um olhar sobre as cadeias produtivas (e destrutivas),
principais e auxiliares, que compõem uma teia complexa. Tais cadeias tem uma
correspondência espacial, chamada por SANTOS (1994) de circuito espacial de
produção (que é também de destruição, acrescentamos), pelo qual fixos (silos,
armazéns, estradas, fábricas, etc) e fluxos (de matéria e energia) se combinam.
Ao pensarmos nas possíveis implicações sociais e ambientais que o etanol pode
causar devemos levar em conta todo circuito espacial de produção, antes, durante e
depois da usina, que compreende “a localização das diversas etapas do processo
produtivo (produção propriamente dita, circulação, distribuição e consumo)” (SANTOS,
1994:121). Enquanto os circuitos espaciais são definidos pelos fluxos materiais de
produtos, os círculos de cooperação o são pelos fluxos imateriais (capital, informação,
mensagens, ordens),
associados aos primeiros. Esses círculos e circuitos são
mutuamente dependentes.
Insistimos que se trata não só de um circuito espacial de produção, porém de um
circuito espacial de produção e destruição. Ao mesmo tempo em que produz materiais
e lucros, pode destruir a diversidade cultural e biológica, a limpeza do ar, da água e da
terra, o enraizamento do homem com a terra, etc. A título de exemplo tomemos a
informação de que, de acordo com um estudo publicado na revista Natural Resources
Research, em geral, “são necessários 7 mil litros de água para cultivar 12 quilos de
39
cana, usados para a produção de um litro de etanol. E cada litro de etanol gera 10 litros
de água contaminada residual” (CPT et.al., 2008:8).
Pela lógica econômica hegemônica, são chamados externalidades os efeitos
socio-ambientais resultantes de uma atividade econômica qualquer, somente
considerados quando pesam sobre a balança de lucros e dividendos, e compromentem a
acumulação de capital. Os “efeitos colaterais” das atividades são exteriores à lógica de
um cálculo econômico de curto prazo, pois se pretendem lucros rápidos, para que o
capital gire cada vez mais celeremente. Eis a natureza das soluções técnicas, práticas,
“espertas” em curtos prazos, mas cegas em longos prazos.
Da mesma maneira, muitas vezes olvida-se que, via de regra, uma cadeia
produtiva (e destrutiva) gera não só proveitos, como também rejeitos23, ambos
componentes da cadeia. Para estudarmos as implicações de uma cadeia, portanto,
devemos considerar tanto os proveitos, quanto os rejeitos gerados.
Enquanto se mantiverem dispersos, ou “possam ser assimilados nos ciclos
metabólicos da natureza, num certo equilíbrio dinâmico no horizonte de vida
considerado razoável pelas sociedades” (PORTO-GONÇALVES, 2004:73), os rejeitos
não são um problema. Aliás, nos ecossistemas naturais não existem rejeitos, “já que os
resíduos de uma espécie são o alimento de outra.” (CAPRA, 2008:25)
Na propria cadeia produtiva do etanol os materiais geralmente considerados
rejeitos podem ser aproveitados - e muitas vezes já o são - então viram proveitos. O
23
Os rejeitos são efluentes sólidos líquidos e gasosos cuja natureza físico-química está em desajuste com
os interesses utilitários de uma atividade, sociedade, ou indivíduo, e é, por isso, rejeitado. Assim,
enquanto para alguns um recipiente plástico vira lixo (rejeito), outros reutilizam esse recipiente.
40
bagaço e a palha já são usados na co-geração de energia24; a vinhaça e a torta de filtro,
misturados com água, entram na fertiirrigação dos solos cultivados por cana.
Entretanto, quando, por exemplo, um material particulado proveniente da
queima para despalha da cana (retirada da palha para facilitar o corte manual) entra em
suspensão - ou mesmo a fuligem das caldeiras das usinas - podem reter calor, e
desajustar o metabolismo de um ecossistema.O caso dos efluentes que se dispersam
pelo ar é especialmente grave, pois esses rejeitos têm impactos que vão muito além dos
lugares onde são produzidos, a exemplo da chuva ácida e do estreitamento da camada
de ozônio (PORTO-GONÇALVES, 2006:297). Nesse caso, são diferentes a escala da
ação e a escala do resultado.
No território goiano, em torno da atividade canavieira do etanol é configurada
uma rede de circuitos produtivos (e destrutivos), que costura uma série de cadeias
secundárias à cadeia principal do etanol. Tais redes são definidas pelos fluxos de
mercadorias que a compõe, associados a fluxos de capital, ordens, mesagens
informações, sem o quais o sistema de objetos e de ações não funcionaria (SANTOS,
1994a). As redes técnicas, por sua vez, permitem uma maior fluência de dinheiro,
pessoas e produtos. “Num mesmo subespaço , há uma superposição de redes, que inclui
redes principais e redes afluentes ou tributárias, constelações de pontos e traçados de
linhas” (SANTOS, 2009:268).
O que acontece nos dias de hoje é o que SANTOS (2009:254) chamou de
“alargamento dos contextos”, novas possibilidades de intercâmbio que provocam um
aumento e um aprofundamento da divisão do trabalho, abragendo mais espaços e
24
20% das usinas do Brasil já produzem energia elétrica do bagaço de cana. Tal energia é utilizada para
mover as próprias usinas, e o excedente é vendido.
41
envolvendo mais atores. Cosequentemente “todas as classes e todas as regiões entram
em cena”, e os circuitos se tornam cada vez mais amplos.
Dos circuitos hegemônicos, contudo, mormente participam objetos e atores
hegemônicos. Objetos cada vez mais especializados contém e exigem informações cada
vez mais específicas para serem utilizados, e já são concebidos para atender a interesses
e razões hegemônicos (SANTOS, 1994a:96). Os atores hegemônicos levam vantagem,
pois detém maior capacidade de obter e utilizar as informações necessárias. “Agora, os
atores hegemônicos, armados com uma informação adequada, servem-se de todas as
redes e se utilizam de todos os territórios”. Os atores hegemonizados, por sua vez, não
podem utilizar esses objetos, senão de forma passiva (SANTOS, 2009:243).
Segundo, SANTOS (1994b) própria natureza da rede é excludente. Ao contrário
dos espaços banais, espaços de todos, todo o espaço, cujos limites estão contidos no
trabalho de todos, as redes são formadas por pontos distantes entre si, são “o território
daquelas normas e formas a serviço de alguns.” Todavia, esclarece o autor (p.16):
“O território, hoje, pode ser formado de lugares contínuos e de lugares em rede. São,
todavia os mesmos espaços que formam as redes e que formam o espaço banal. São os
mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalizações
diferentes, quiçá divergentes ou opostas.”
Entrelaçado à rede de circuitos espaciais produtivos e destrutivos do etanol está
um verdadeiro bloco de poder, o qual envolve empresas dos setores agrícola e industrial
(de biotecnologias, máquinas e equipamentos, química, de extração mineral, inclusive
de petróleo), financeiro, de consultoria e instituições de investigação científica e
tecnológica, e de comunicações (rádio,jornal e televisão) (PORTO-GONÇALVES,
2008b). São seus integrantes os principais locutores da retórica que legitima o etanol.
42
CASTILLO (2009) nos mostra que o circuito produtivo (e destrutivo) da cana
começa nos setores a montante da agricultura. As chamadas fazendas experimentais,
todas localizadas na região nordeste do Brasil, em associação com Centros de Pesquisa
de São Paulo, produzem as sementes e linhagens de cana bem adaptadas ao clima dos
cerrados. Há também o setor de insumos e implementos, cujos representantes principais
talvez sejam as empresas que montam as usinas, e as que fazem a manutenção dos
equipamentos, localizadas principalmente em São Paulo. Por fim, O autor, destaca o
crédito agrícola, em que o BNDES ocupa posição de destaque, entre as atividades a
montante da lavoura.
As usinas de açúcar e etanol podem obter a cana produzida em terras próprias ou
arrendadas pela usina, de fornecedores que assinam contrato, ou até de fornecedores
independentes. Por fim, as tradings ou consórcios de usinas fazem a comercialização, e
grandes empresas, como a Petrobrás, fazem a distribuição do etanol.
Segundo CASTILLO (op.cit.), o mercado para o açúcar e o álcool produzidos
em Goiás “é basicamente interno (Goiás, Distrito Federal e alguns estados da região
Norte, como Tocantins).
Não obstante:
“está prevista a construção de um alcoolduto de 1150 Km entre Goiás e São Paulo, capaz de
transportar 6 bilhões de litros de etanol por ano, o que permitiria, até 2013, multiplicar por
dez a produção goiana, e a um custo dezesseis vezes menor, se comparado ao transporte
rodoviário.” (HOUTART, 2010:150):
É bem provável, pois, que esse mercado se amplie, inclusive pelo ritmo de
aumento da produção verificado no estado e pela expansão da ferrovia Norte-Sul (CPT,
2008:34). Segundo HOUTART (op.cit.) as estruturas de escoamento (estradas, portos,
hidrovias,etc) ainda são precárias. Até agora o modal rodoviário é o predominante.
43
Três ou quatro tradings paulistas se encarregam da comercialização dos
produtos”. A Sociedade Corretora do Álcool (SCA), com escritórios em Goiânia (GO) e
São Paulo (SP), é a principal delas, e conta com 15 usinas associadas em Goiás.
Empresas paulistas também dominam os setores de montagem e manutenção de
indústrias. Vê-se, portanto, o forte vínculo entre os complexos da cana goiano e
paulista, fato que se mantém pelo menos desde os anos 1980.
Goiás conta hoje (posição em 11/05/2010) com 33 usinas25, das quais 22
produzem apenas álcool e 11 são mistas – produzem açúcar e álcool. (ver mapa 1, a
seguir). Ademais, outras usinas já foram aprovadas para implantação.
O plantio de cana para as agroindústrias ocorre em terras de fornecedores, em
terras próprias das agroindústrias ou em terras arrendadas para as usinas. CASTILLO
(op.cit.) nos explica que tais arrendamentos incorporam terras dos agricultores
familiares, o que tem conseqüências nefastas para as famílias. Estas passam a comprar
no mercado aquilo que antes produziam para consumo próprio e vão viver na cidade.
Esse é um processo de desenraizamento da terra sofrido por pequenos produtores, que
não conseguem recuperar suas terras, arrasadas pela monocultura.
25
Cadastradas no Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia, do Ministério da Agricultura Pecuária
e Abastecimento. Disponível em: < http://www.agricultura.gov.br/> Acesso em 05-05-2010.
44
Mapa 1.
Fontes: MAPA (2011) e IBGE (2010). Elaboração: o autor (2011)
Fica bem claro o que significa o tão perseguido desenvolvimento. PORTOGONÇALVES (2004), explica: “des-envolver é tirar o envolvimento (a autonomia) que
cada cultura e cada povo têm com o seu espaço (...)”, o que é verdadeiro, uma vez que
“as ações são cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar”
(SANTOS, 2009). Pudemos observar que as atividades agrícolas e agroindustriais em
Goiás são comandadas de São Paulo, do Nordeste, ou mesmo da Europa. E o Estado
vem incentivando esse des-envolvimento.
45
Ademais o trabalho imigrante não é incomum:
“Em 2007, 30 mil trabalhadores cortaram cana no estado, dos quais 17 a 18 mil do próprio
estado e os demais vindos do Nordeste (principalmente Piauí e Maranhão) 26. Esse
contingente está ameaçado de não encontrar mais oportunidades de trabalho em médio
prazo, considerando as negociações para antecipar de 2024 para 2014 a data final para
permissão das queimadas (a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e a SIFAEG
são protagonistas dessas negociações).” (CASTILLO,2009)
Há, inclusive, denuncias de trabalho escravo. Em 2008, segundo a Comissão
Pastoral da Terra (pp.35-37) mais de dois mil trabalhadores escravos foram resgatados
em usinas de vários municípios goianos. Se as condições de trabalho de um bóia-fria
são conhecidamente degradantes, as dos escravos são ainda piores.
Fica clara a complexidade desses circuitos que se cruzam, complementam e
contradizem. As implicações sócio-ambientais resultantes se tornam igualmente
complexas.
O agroecossistema
No Brasil atual, o modelo hegemônico de cultura da cana-de-açúcar para etanol
tem a monocultura e o pacote de técnicas (químico-mecânico-genético) como pilares.
Toda cultura se insere em um ecossistema. Quando manejados em proveito do homem
para a produção de alimentos ou de outras matérias-primas os ecossistemas viram
agroecossistemas. “Transformar um ecossistema num agroecossistema implica, sempre,
perdas, seja de diversidade biológica, seja de volumes físicos de solos pela exposição
mais direta à radiação solar, aos ventos e a chuva” (PORTO-GONÇALVES, 2006:209).
26
Informações fornecidas pela FETAEG (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de
Goiás). Contrariamente ao clima de euforia que predomina entre os empresários do setor sucro-alcooleiro
e de segmentos do Estado, a FETAEG, que congrega os sindicatos rurais goianos e representa os
trabalhadores assalariados temporários e permanetes, parceiros, meeiros, pequenos arrendatários e
pequenos proprietários, demonstra grande preocupação frente ao acelerado crescimento do setor.
46
Portando essa transformação sempre envolve um grau de simplificação, ou perda de
complexidade, do ecossistema.
O que a agricultura “moderna” faz é simplificar em demasia os
agroecossistemas. Diz PORTO-GONÇALVES (2008a:123): “(...) a homogeneização
provocada pela seleção genética tornou os ecossistemas mais vulneráveis e, portanto,
mais dependentes de insumos como defensivos, aumentando, por consequência, a
dependência financeira dos produtores.” A competição entre os que almejam vender sua
produção em um mercado cada vez mais globalizado, se torna altamente assimétrica:
“Eram extremamente diversas as formas de produção alimentar herdadas pelas sociedades
humanas após dez mil anos de evolução de seus sistemas agrários, quando teve início a
profunda revolução que gerou a agricultura moderna no punhado de países que se haviam
industrializado no século 19 e em mais alguns focos limitados nos inúmeros países
periféricos. (...) Na passagem do século 19 para o século 20, o diferencial de produtividade
entre elas ia de 1 a 10. Hoje, chega a ser de 1 para 500 a diferença entre a agricultura
manual menos produtiva do mundo e a mais intensiva em insumos externos
(motomecânicos, químicos e genéticos)” (VEIGA, 2008:202)
A diversidade de espécies no ecossistema assegura a sua resiliência, já que “por
conter muitas espécies com funções ecológicas sobrepostas que podem substituir umas
às outras, o ecossistema diversificado é capaz de se recuperar rapidamente.” (CAPRA,
2006:53).
A homogeneização, portanto, é contrária à vida, tanto mais pois:
“O equilíbrio do planeta “(...) advém da energia solar contínua e renovada e da fotossíntese
das plantas, algas e fitoplâncton, que opera no sentido contrário à entropia (neguentropia).
Logo, se o segundo princípio da termodinâmica aponta no sentido da desordem, o
organismo vivo, a vida, ao contrário, é auto-organização, e é tanto mais equilibrada quanto
maior a diversidade, maior a complexidade, tal como a physis como um todo.” (PORTO-
GONÇALVES, 2004:34)
Na paisagem, observa-se uma nítida separação entre áreas para produção
(geralmente grandes áreas de monocultura ou pastagem) e áreas para preservação
(mantidas sob proteção nas Unidades de Conservação) (PENEIREIRO, 1999). Em
47
certos espaços, é de perder de vista a extensão total da monocultura, o que torna a
paisagem monótona.
A agricultura da cana para o etanol em Goiás ocorre sobretudo em áreas do
Bioma Cerrado, composto por inúmeros ecossistemas:
“O Cerrado é a mais rica savana do mundo. Depois da Amazônia, é o segundo maior bioma
brasileiro. Concentra nada menos que 1/3 da biodiversidade nacional e 5% da flora e da
fauna mundiais. Mas, apesar dessa incontestável importância, é surpreendente o contraste
entre seu papel decisivo para a manutenção das dinâmicas biogeoquímicas planetárias e o
valor secundário que lhe é atribuído pela opinião pública brasileira”. (VEIGA,
2008:204)
A despeito disso, o cerrado vem sendo extremamente agredido. Os pivôs centrais
dos grandes monocultivos de soja, algodão, milho, girassol e cana captam água em
profundidade das chapadas, áreas de recarga hídrica, o que acaba por secar inúmeros
corpos d‟agua (PORTO-GONÇALVES,2009a).
O corte da cana no cerrado acontece em abril, quando se inicia um período de
estiagem. A renovação da lavoura, portanto é feita a base de irrigação. Isso pode causar
secas em rios, brejos e nascentes e a destruição da mata ciliar causa assoreamento nos
rios, o que diminui sua vazão, aumentando a perda d´água por evaporação (quanto
maior a velocidade da água, menor será a evaporação). “No Estado de Goiás, a irrigação
[para a agricultura em geral] já consome 20 vezes mais água do que os domicílios da
capital Goiânia.” (VEIGA, 2008:205)
Lembremos que a produção de cana e de etanol também consome combustíveis
fósseis. – o adubo nitrogenado, herbicidas e inseticidas precisam de gás natural para
serem produzidos. As máquinas agrícolas, os caminhões-tanque que transportam etanol,
48
as etapas industriais, também consomem combustíveis fósseis. Portanto, o etanol guarda
certa dependência para com esses combustíveis.27
O uso de fertilizantes nitrogenados resulta na emanação de óxido nitroso (N2O)
para a atmosfera, que tem um potencial de efeito estufa 310 vezes maior do que o CO 2
(gás carbônico). Segundo SALLA e outros (2009) “o nitrogênio é um dos elementos
mais exigidos na cultura de cana-de-açúcar”. Ademais a vinhaça (rejeito) assim como a
queima da palha para facilitar o corte manual - prática amplamente difundida - liberam
metano (CH4), 21 vezes mais poderoso em reter calor do que o gás carbônico (SOARES
et.al., 2009:5).28
A prioridade pela rotação de terras, e não de culturas, favorecem a erosão dos
solos. Ocupação de novas terras geralmente implica desmatamento: estima-se 39% do
cerrado já tenham sido desmatados (MENDONÇA, 2010). E “nada menos do que 80%
das pastagens plantadas em áreas de Cerrado apresentam algum tipo de degradação”
(VEIGA, 2008:205). Para esse autor “voltar-se para a exploração de novas áreas sem
antes ter conseguido racionalizar o uso das atuais equivale a estimular uma prática que
mais se aproxima da mineração do que da agricultura.”
27
Reconhecemos que esse fato é amenizado por outro: a cana-de-açúcar captura CO2 da atmosfera para
formar hidratos de carbono e lipídeos.
28
Segundo esses últimos autores (p.9), “a eliminação da queima diminui em quese 80% as emissões
totais de GEEs que ocorrem na colheita”. Os autores sugerem, ademais, a manutenção da palha no
terreno, pois isso “(...) preserva os nutrientes, especialmente N e S, mantém bons níveis de umidade, e
protege a superfície do solo.” CASTILLO (2009) informa que a Lei nº 15.834, de 23/11/2006, estabelece
a redução gradativa da queimada para eliminação da palha em Goiás, com extinção total em 2028.
Segundo o autor há negociações para abreviar esse prazo final para 2014. Com isso se induz a
mecanização da colheita em Goiás, já que o corte manual sem despalha é muito demorado e perigoso,
pouco rentável para as empresas. A baixa declividade (de até 12%) de grande parte das terras goianas
favorece a mecanização.
49
As monoculturas, via de regra, prejudicam os ecossistemas. Geralmente estão
associadas a desmatamento e a manejo incorreto do solo; o que implica maior uso, de
fertilizantes, os quais nem sempre suprem as necessidades nutricionais das plantas. Em
conseqüência as plantas se tornam fracas e suscetíveis de serem atacadas por pragas e
doenças; em decorrência, são usados venenos (agrotóxicos), que matam não só as
pragas, como seus inimigos naturais; o que favorece a proliferação de fungos bactérias,
etc; o que implica mais venenos... Soma-se a isso, que nem todas as pragas morrem,
pois acabam se tornando resistentes aos venenos. Por fim, a excessiva especialização
exaure um mesmo grupo de nutrientes por toda a extensão das plantações. (VEIGA,
2008:203)
Como alternativa ao modelo hegemônico surge a agroecologia. A agroecologia
pode ser um ramo da ecologia. O principal objeto da ecologia é o ecossistema, enquanto
o da agroecologia é o agroecossistema. “Pode ser praticada como disciplina científica,
como filosofia, como política, ou como estilo de vida.” (CAPRA, 2008:20). Podemos
dizer, em linhas gerais, que consiste em tentar entender a linguagem (logos) da nossa
casa (oikos), a Terra, e utilizar essa mesma linguagem para a agricultura.
Os sistemas agroflorestais, por exemplo, “podem ser particularmente indicados
para a recuperação de áreas degradadas, já que propiciam o controle da erosão e
melhorias do solo, além de contribuírem para a manutenção da umidade” (VEIGA,
2008:207). Uma maneira de, a um só passo, reduzir a erosão e a manter a umidade dos
solos é manter uma cobertura vegetal (como a palha, por exemplo) sobre esse solo.
O conhecimento tradicional local é muito importante para manejar agrofloresta pois é
preciso conhecer as espécies que naturalmente ocorrem na região, suas funções, suas
exigências ambientais (luz, nutrientes, umidade), quais as plantas companheiras, como se
dão as relações entre plantas e animais (informações sobre dispersão), etc.
(PENEIREIRO,1999):
50
Em muito os princípios hoje sustentados e praticados pela ciência da
agroecologia se assemelham aquilo que se praticava em um meio natural, como
SANTOS (2009:235-236) o chamou, desde o surgimento da agricultura – entre 11mil e
8 mil anos atrás – até a surgimento da máquina a vapor no século XVIII. E continuam a
ser praticados por diferentes povos e comunidades, embora agora estejam subjugados
por um sistema técnico hegemônico, e atropelados pelo “time is money” do capital.29
Resgatar esses princípios, pode ser considerado pelos defensores do progresso
(hoje chamado de desenvolvimento) de retrocesso. A crença que sustenta essa defesa é,
obviamente, a de um crescimento material linear ilimitado e avante, em outras palavras,
na dominação e na pilhagem incessantes da natureza pelo homem como fins sociais. De
fato, se precisamos resgatar alguns aspectos sabedoria milenar para aprimorar a relação
sociedade-natureza, na busca por paz, felicidade, justiça, eis ótimo motivo para
abandonarmos essa visão distorcida de desenvolvimento.
Genericamente, a agroecologia deve respeitar os seguintes princípios, que
podem ser chamados de fatos básicos da vida (CAPRA, 2008:25):
a) nenhum ecossistema produz resíduos, já que os resíduos de uma espécie são o
alimento de outra;
b) a matéria circula continuamente pela teia da vida;
c) a energia que sustenta esses ciclos ecológicos vem do Sol;
29
SANTOS (idem) ao traçar uma história do meio geográfico, denominou o meio anterior à mecanização
do espaço de meio natural. O autor o diz que nesse período, “as técnicas e o trabalho se casavam com as
dádivas da natureza” e que a simbiose dos sistemas técnicos com a natureza resultante era total. Ao
contrário dos períodos seguintes, a lógica instrumental não desafiava as lógicas naturais, já que as
técnicas logravam conciliar o uso e a “conservação” da natureza. Os “tempos sociais” e os “tempos
naturais” estavam em harmonia.
51
d) a diversidade assegura a resiliência;
e)a vida, desde seu início há mais de três bilhões de anos, não conquistou o planeta pela
força , e sim através de cooperação, parcerias e trabalho em rede.
A agroecologia e sistemas agroflorestais vão contra a monotonia da paisagem e
do trabalho (desenvolvem o potencial humano, as aptidões físicas e mentais, um olhar
holístico, não-fragmentado, em oposição a um operador de colheitadeira). Contra a
homogeneização, a favor da vida.30 Podem diminuir muitíssimo as inevitáveis perdas,
resultantes da simplificação dos ecossistemas.31
30
O prefixo “bio” (vida) seria justo para classificar combustíveis como o etanol? Sabemos que a
homogeneização é contra a vida, logo, produzidos nos moldes atuais, os agrocombustíveis (vinculados ao
tal do agronegócio) são contra a vida.
Alguns, mais radicais, chegam a chamá-los de
“necrocombustíveis”, já que a homogeneização (caso das monoculturas) é contrária á vida e que muitas
vezes estão associados a desmatamento e degradação.
31
Podem até mesmo recuperar ecossistemas degradados. É esse o famoso caso de Ernest Götsch, o
transformador de uma área de pastagem degradada em uma agrofloresta – uma floresta com
aproveitamento agrícola - em áreas da Mata Atlântica no sul da Bahia.
52
CAPÍTULO 4: SOBERANIA, SEGURANÇA e TERRITÓRIO
Concentração de capitais e desconcentração espacial
Como vimos, há no Brasil uma tendência à expansão espacial das indústrias e da
agricultura canavieira para o Centro-Oeste, ao passo que diminui a concentração em São
Paulo. Porém, o estado ainda centraliza não só a produção, como também a distribuição
e o transporte, as pesquisas em biotecnologias e o sistema regulatório público e privado
(CASTILLO, 2009).
Mapa 2.
Fonte: CASTILLO (2009)
53
Ao mesmo tempo, caminha-se para a formação de um oligopólio no setor, já
que os capitais estão cada vez mais concentrados nas mãos de algumas empresas.
“„Hoje 179 grupos econômicos controlam 257 usinas no país. Em 15 anos vamos ter
não mais do que 50 ou 60‟, afirma Plínio Nastari, presidente da Datagro‟” (Carta
Capital, 2009:3) As fusões de capitais e aquisições de usinas por empresas estrangeiras
vêm crescendo. Somente os cinco maiores grupos econômicos já respondem pela quinta
parte desse mercado.
De acordo com Mendonça (2010), “A participação de empresas estrangeiras na
indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010.” Segundo a
Carta Capital (2010:3), com base na consultoria da Datagro, “(...) a participação
estrangeira no setor saltou de apenas 4%, em 2003, para 25,6%” no final de 2010. A
previsão é que, até 2020, quase metade das usinas esteja nas mãos de companhias
internacionais.” Já um estudo realizado pela Única mostra, que nos próximos cinco anos
40% da produção brasileira de etanol estará nas mãos de grupos estrangeiros. (Globo
Rural, 2011:32). Diz o ex-ministro da agricultura Roberto Rodrigues, „“o processo de
concentração e de internacionalização é inevitável‟. (...) O certo é que, mais cedo ou
mais tarde, haverá um mercado internacional para as energias de biomassa” (Carta
Capital 2010:3).
„“O esforço necessário para entrar no mercado de biocombustíveis é muito pequeno‟,
afirma [Plínio Nastari]. Os números deixam isso muito claro. De acordo com Nastari, o
valor de mercado da indústria sucroalcooleira é de, aproximadamente, 70 bilhões de dólares
- valor equivalente a dois anos de faturamento da petroleira americana Exxon. „Se
quiserem, elas compram 100% da indústria com alguma facilidade.‟” (Carta Capital,
idem)
Diante da expansão atual das plantações e do parque de usinas no país,
CASTILLO (2009) observa:
54
“A nova escalada não é um movimento comandado pelo Estado, como a ocorrida no final
da década de 70, mas sim movida por decisões da iniciativa privada em parceria com
governos estaduais e municipais que oferecem, sobretudo, incentivos fiscais para atrair
investimentos agroindustriais.”
Nesse sentido, gestores privados cada vez mais assumem a regulação do setor.
CASTILLO (op.cit.) cita algumas dessas associações setoriais: a UNICA (União da
Indústria de Cana-de-Açúcar), a ORPLANA (Organização de Plantadores de Cana-deAçúcar da Região Centro-Sul do Brasil), o CONSECANA (Conselho dos Produtores de
Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo), o CTC (Centro de Tecnologia
Canavieira), a UDOP (União dos Produtores de Bioenergia) entre outras. Como dito, o
sistema regulatório ainda concentra-se em São Paulo.
Hoje, “(...) os negócios governam mais que os governos.” as empresas atuam
“por cima dos Estados”, causando uma verdadeira “erosão da soberania nacional”.
(SANTOS, 2009: 244). Mais adiante, afirma esse autor que normas jurídicas,
financeiras e técnicas, estão adaptadas às necessidades de mercado:
“Essas normas são criadas em diferentes níveis geográficos e políticos, mas as normas
globais, induzidas por organismos supranacionais e pelo mercado, tendem a configurar as
demais. E as normas do mercado tendem a configurar as normas públicas.”
De acordo com MENDONÇA (2010) a tendência atual é a aliança entre diversos
setores econômicos. PORTO-GONÇALVES (2008b) nos explica que tal aliança
conforma um verdadeiro bloco de poder, o qual envolve empresas dos setores agrícola e
industrial (de biotecnologias, máquinas e equipamentos, química, de extração mineral,
inclusive de petróleo), financeiro, de consultoria e instituições de investigação científica
e tecnológica, e de comunicações (rádio, jornal e televisão).32 Tal bloco de poder
32
“O sociólogo Pablo González Casanova em seu livro As Novas Ciências e as Humanidades: Da
Academia à Política nos chama a atenção para a complexidade que o capitalismo adquire no após-guerra
onde no lugar dos grandes trustes e cartéis, com seus grandes monopólios especializados e setorializados
(Thyssen, Krupp, Ford, etc...), passamos a ter grandes complexos corporativos técnico-científicoindustrial-financeiro-militar-midiáticos multidimensionais.” (PORTO-GONÇALVES, 2008b)
55
“incorpora a retórica ambiental, procurando, assim, emprestar legitimidade a uma nova
matriz energética por meio da qual busca manter o poder”. (PORTO-GONÇALVES,
2008b)
No setor sucroalcooleiro do Brasil ainda predominam os capitais nacionais (o
aporte do BNDES é crucial), mas os capitais multinacinais ameaçam logo superar essa
hegemonia. Os investimentos japoneses, estadunidenses e europeus são os principais.
Várias empresas multinacionais já participam. Somente em 2010 quatro petroleiras –
Shell, Total, BP e Petrobras – ingressaram no setor por meio de fusões e aquisições.
(Globo Rural, 2011:32). Além delas temos a “Chevron, aliadas com a Cargill, ADM,
Louis Dreyfus, Bunge, passando pela empresas de biotecnologia e agrotóxicos como a
Novozymes, gigantes como a Monsanto, a Syngenta e novas como a Amyris.”
(MORENO, 2010). Podemos citar ainda alianças supranacionais como Sadia, Basf,
John Dere, Bayer, DuPont, Pirelli, PricewaterhouseCoopers, Vale do Rio Doce,
Goodyear e ADM.
A multinacional Petrobras, seguindo o projeto “expansionista” das estrangeiras
que atuam no Brasil “anunciou que construiria uma refinaria de biocombustíveis em
Portugal em parceria com a companhia petrolífera Galp” (Globo Rural, 2010:34). A
corporação, desde 2008, tem um braço voltado para os agrocombustíveis, a Petrobrás
Biocombustíveis. Segundo KOHLHEPP (2010) “a empresa quer investir no setor dos
biocombustíveis juntamente com as empresas japonesas Toyota e Mitsui em Goiás para,
posteriormente, exportar etanol para o Japão.” Outras “gigantes” como a Odebrecht
(brasileira) e a BP33 (britânica) atuam em Goiás.
33
A BP é responsável pelo considerado como o maior desastre ecológico da história dos EUA, iniciado
após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, em 20 de abril de 2010. Vazaram de 3 a 4 milhões de
56
O Grupo Cosan, líder do setor e maior produtor de etanol do mundo, inaugurou
em Jataí (GO), em maio de 2010, aquela que é anunciada como “a usina de etanol mais
moderna do mundo”, cuja instalação requereu cerca de R$ 1 bilhão em investimentos,
dos quais R$ 638 milhões foram financiados pelo BNDES. Pedro Mizutani, presidente
da divisão Cosan Açúcar e Álcool, previa que a moagem para 2010 seria de 2 milhões
de toneladas de cana (com potencial de chegar a 4 milhões em safras seguintes), o
equivalente a uma produção de 180 milhões de litros de álcool. Segundo ele, parte da
produção vai para SP (50%) e parte para GO (50%), pois o Estado de GO não comporta
consumir todo etanol produzido no Estado. A usina tem, ademais, um forte poder de
geração de energia elétrica do bagaço e da palha (O Globo On-Line, 2010)
Mizutani, explica a escolha de Goiás para sediar a usina :
“Em 2005, nós procuramos um bom lugar em termos de produtividade, em termos de
escoamento, em termos de clima e nós escolhemos dentro dessa região de Goiás...seria Jataí
a primeira usina que a gente faria em termos de usina fora de São Paulo” (O Globo On-
Line, 2010)
Devemos acrescentar que a Cosan, em fevereiro de 2010, firmou um acordo do
tipo joit venture, com a Shell - de origem holandesa e inglesa - uma das maiores
petrolíferas do mundo. Basicamente a Cosan entra com seu parque produtivo de açúcar,
álcool e energia elétrica, enquanto a Shell participa com sua rede de comércio e
distribuição, que inclui por volta de 4500 postos pelo Brasil. Ademais, a Cosan já detém
os ativos de distribuição de álcool para os mais de 1500 postos da ExxonMobil, além
de produzir e distribuir seus lubrificantes para carros e indústrias. A Shell por sua vez é
acionista da Iogen Energy (etanol celulósico) e da Codexis (biocatalizadores). A Cosan
barris de petróleo, foi o maior vazamento da história. Fica clara a contradição entre o discurso “verde” de
uma empresa como essas, concernente ao etanol por exemplo, e sua atuação “negra”.
57
articula, pois, uma verdadeira coalizão, que, por si só, poderia ser chamada de bloco de
poder, que agora “estende seus tentáculos” sobre o território goiano.
Todo esse processo de concentração de capitais significa também a concentração
em um lugar dos interesses daqueles que buscam reproduzir esse capital. Interesses que,
de fora para dentro, se abatem sobre os lugares. Destarte o “acontecer” local obedece a
uma lógica extraterritorial, que desconsidera a relação dos grupos locais com seu espaço
– desconsidera as suas territorialidades. São desfeitos nexos locais e as técnicas
aplicadas buscam nexos distantes, pois distantes são seus mandamentos. “O poder das
forças desencadeadas num lugar ultrapassa a capacidade local de controlá-las, nas
condições atuais de mundialidade e suas repercussões nacionais.” (SANTOS, 2009:25254)
“A busca de mais-valia ao nível global faz com que a sede primeira do impulso produtivo
(que é também destrutivo, para usar uma antiga expressão de J. Brunhes) seja apátrida,
extraterritorial, indiferente às realidades locais e também às realidades ambientais.”
(SANTOS, 2009:253)
“Quando aplicada à produção, governada por interesses estranhos à área, a
informação é geradora de uma entropia, uma desorganização, antes que o detentor da
informação reorganize o sistema em seu proveito.” (SANTOS, 1994:110). Desse modo,
riscos ambientais são produzidos localmente por interesses distantes.
Segurança e soberania: alimentares e energéticas.
Muito se tem falado sobre segurança alimentar, especialmente porque “entre
2005 e meados de 2008, o preço do milho e do trigo triplicou, e o do arroz quintuplicou,
desencadeando tumultos sociais e lançando na pobreza mais de 75 milhões de pessoas.”
58
(National Geographic Brasil, 2009:58)34. BELIK (2003:14) explica que o conceito de
segurança alimentar veio à luz após a Segunda Guerra Mundial, quando uma Europa
arrasada não tinha condições de produzir seus alimentos; e que tal conceito “(...) leva
em conta três aspectos principais: quantidade, qualidade e regularidade no acesso aos
alimentos.”
“O que a espécie humana conseguiu por meio das agriculturas foi a segurança alimentar,
expressão que hoje volta a ganhar o debate político. Afinal, domesticar espécies animais e
vegetais é torná-las parte de nossa casa (em latim, domus, daí domesticar). Assim, mais
uma vez, alimento e abrigo (domus, casa) voltam a se encontrar conformando um conjunto
de questões interligadas para oferecer maior segurança a cada grupo que, assim, se constitui
por meio de sua cultura formando seus territórios (domínios).” (PORTO-
GONÇALVES, 2006:209)
A 1ª Conferência Nacional Popular Sobre Agroenergia, realizada em Curitiba
(PR) reuniu, em 2007, diversos movimentos sociais, especialistas do setor, e ferrenhos
defensores da agroenergia – que buscavam alternativas energéticas descentralizadas e
compatíveis com a construção de um modelo político de soberania popular sobre os
territórios. O fruto desse encontro foi um documento intitulado “Por uma Soberania
Alimentar e Energética”. Nesse documento encontramos vários dos princípios que
guiam esta nossa pesquisa.
Entre os princípios está o da soberania popular sobre o território e seu destino.
“A soberania alimentar e energética é o direito do povo a produzir e controlar os
alimentos e a energia para atender suas necessidades.” Portanto, enquanto segurança
alimentar, e agora estendemos, energética, é a garantia de alimentos e energia, em
quantidade, qualidade e regularidade satisfatórias às necessidades humanas, a soberania
alimentar e energética implica o controle ou o domínio sobre um território, no qual se
inscrevem os recursos alimentares e energéticos – nesse caso leiamos energia como
34
A mesma reportagem informava que “o milho para produzir 95 litros de etanol alimenta uma pessoa
durante um ano”. (p52)
59
aquela que o homem não usa para sua alimentação, já que o alimento é, também, fonte
de energia para o homem.
Quando o assunto é etanol, lembremos da afirmação do fisco Bautista Vidal
(Caros Amigos, 2007), de que “com a nova civilização da fotossíntese a energia pode
ser plantada”. Portanto é nas lavouras, que a energia, a cana-de-açúcar, é plantada.
Através do etanol a manutenção da agricultura vira sinônimo de manutenção da energia.
E na agricultura, mormente com a moderna, por mais que se tente “driblar” os
“caprichos da natureza” com insumos químicos, mecânicos e biológicos, não há
alternativa para a transformação biológica, pelas plantas, da energia eletromagnética do
sol em energia química, base da vida. Portanto a agricultura obedece, mais do que
qualquer outra atividade, aos limites impostos pelos próprios ciclos naturais de matéria
e de energia, inscritos em um ecossistema.
Destarte, a apropriação da terra com seus recursos naturais torna-se
indispensável para a manutenção da vida de um grupo, e para a garantia da segurança e
da soberania, alimentares e energéticas. Afinal, ser soberano sobre o território é ser
soberano sobre seu destino. Daí a correlação entre soberania e autonomia (do grego
autós [(si) mesmo] + nómos [leis, regras] = capacidade de reger-se a si mesmo, de
instituir-se), pois os grupos que tem poder sobre um território, sobre seu meio de vida,
podem, só então, instituir-se.
Não teria o menor sentido aumentar a capacidade de extração e produção se a produção se
destinasse diretamente aos que trabalham ou aos do local onde se dá a extração ou a
produção. (...) Toda a questão passa a ser, portanto, quem determina o quanto, com que
intensidade, por quem e para quem os recursos naturais devem ser extraídos e levados de
um lugar para o outro, assim como o próprio trajeto entre os lugares. (PORTO-
GONÇALVES, 2004: 69)
Como bem observou MENDONÇA (2010) a concentração de capitais (vista no
tópico anterior) no setor sucroalcooleiro significou a concentração de terras nas mãos
60
de empresas. A propriedade privada da terra e dos recursos naturais em geral - entre
eles a energia – priva a maioria (não-proprietária) do acesso a esses meios de vida.
(PORTO-GONÇALVES, 2004:57). Quanto maior a extensão de terras nas mãos de
alguns, e quanto menor o número desses proprietários, tanto maior o grau de
expropriação sofrido em um lugar, por uma população. A propriedade privada instaura a
idéia de territórios mutuamente excludentes.
A “acessibilidade aos recursos naturais, assim como seu deslocamento, revelará
a natureza das relações sociais e de poder entre os do lugar e os de fora do lugar onde
se encontram.” (p66). “Quem produz visando à reprodução da vida jamais faz
monocultura” Os frutos da monocultura não se destinam aos do próprio local da
produção. (PORTO-GONÇALVEZ, 2006:291). Desde o início do colonialismo no
Brasil as monoculturas implicavam produzir para outrem, para o mercado externo, e não
para si.
Existe a crença de que o problema da fome pode ser resolvido pelo
conhecimento técnico-cietífico, “à la Revolução Verde”. Eis uma inverdade, posto que
“o conhecimento científico-tecnológico já estabelecido é mais que suficiente para
resolver o problema da fome mundial e assim o faria se o problema fosse um problema
científico-tecnológico”. (PORTO-GONÇALVES, 2010b)
CAPRA (2002), em 1982, já afirmava:
“O problema primordial não é a redistribuição de alimentos, mas a redistribuição do
controle sobre os recursos agrícolas. Somente quando esse controle estiver democratizado,
os famintos estarão aptos a produzir o que é consumido.” (p152)
E ainda:
“não existir nenhum país no mundo em que as populações não pudessem alimentar-se de
seus próprios recursos, e que a totalidade de alimento produzido no mundo [já era] (...)
61
suficiente para abastecer cerca de 8 bilhões de pessoas – mais do dobro da população
mundial – com uma dieta adequada.” (p251)
Se àquela época já se podia alimentar 8 bilhões de pessoas, um bilhão a mais do
que as atuais 7 bilhões, hoje, com os recentes desenvolvimentos em ciência e tecnologia
seria ainda mais fácil. Fica claro, pois, que a pergunta fundamental, tomada como
pressuposto é: quem domina ou influência quem nesse espaço? Se no começo
assumimos que o território é definido por relações sociais e de poder, agora afirmamos
que os territórios se formam através de conflitos de diferentes territorialidades –
relações que os grupos sociais mantêm com o espaço por eles apropriado. Hoje há uma
disputa por terras para alimentar a energia humana e para alimentar com energia as
máquinas cujo destino, a se manter o mundo capitalista, vai depender de onde se gera
mais lucro. (PORTO-GONÇALVES, 2010b)
De acordo o um estudo de PORTO-GONÇALVES e ALENTEJANO (2010a),
no Brasil nos últimos 16 anos (entre 1990 e 2006) – segundo dados do IBGE -,
enquanto todos os produtos destinados à produção de combustíveis (cana e soja) ou à
alimentação animal e só indiretamente às pessoas (soja e milho) aumentaram, todos os
produtos destinados à cesta básica viram sua área diminuir no período: cana, milho e
soja (+47,5%); arroz, feijão e mandioca (-17%).
Os dados mostram que foi na região da Amazônia que a soja e o milho mais
cresceram. Ademais, a cana avançou sobre o Centro-Sul do país, sobretudo sobre áreas
de pastagens. A urbanização verificada no período está associada a um maior consumo
de carne, por conseguinte a um maior rebanho. “A substituição de plantios de arroz,
feijão e milho por plantios de cana está ocorrendo em várias regiões, como o oeste
paulista, o Triângulo Mineiro, o sul de Goiás.”
62
As conseqüências são várias: avanço espetacular da criação de gado, sobretudo
em áreas antes cobertas pela floresta (pondo em risco a floresta e seus povos); há um
claro aumento no preço da terra com implicações no preço dos alimentos em função da
demanda aquecida pelas oportunidades de negócio com o etanol e o biodiesel;
destruição da pequena agricultura e expulsão de pequenos agricultores – uma parte se
transforma em colonizadores legais e ilegais das zonas florestais, e a outra se entulha
nas grandes metrópoles (HOUTART, 2009:147). Como a Amazônia é uma região em
que as terras são mais baratas e em sua quase totalidade são terras públicas, se torna
prioridade para a política de assentamentos do governo, em lugar de uma verdadeira
política de reforma agrária.
Em Goiás, o processo parece ser um reflexo do que ocorre a nível nacional:
A idéia, amplamente divulgada pela mídia, de que a cultura canavieira avança sobre áreas
de pastagens degradadas, não corresponde à realidade goiana, uma vez que os custos para a
sua implantação seriam mais elevados (solos pedregosos e compactados) e as dificuldades
logísticas e para a colheita mecanizada seriam maiores. A cana-de-açúcar se expande
principalmente sobre outras culturas (destacadamente milho, soja e bacias leiteiras) e, por
meio de arrendamento, sobre propriedades familiares (dedicadas à produção de leite, milho
e feijão). (CASTILLO, 2009)
Estudos recentes, baseados em imagens de satélite, mostram que no ano de 2008,
houve uma substituição de terras agrícolas por cana, em Goiás, de 143.155ha – desses
76 por cento eram antes usados para agricultura e 24 por cento para pastagens
(NASSAR et.al., 2008, apud CASTRO et.al., s/d).
Observando informações do IBGE, para o nosso período de análise (2003-2009)
podemos perceber um aumento bem modesto dos gêneros alimentícios (ou mesmo uma
diminuição), em suas área plantada e quantidade produzida, se comparado à espetacular
expansão canavieira. (ver Tabela 2, a seguir)
De fato a cana, não avança diretamente sobre a floresta Amazônica, mas
indiretamente, como podemos perceber. Tal expansão engrossa o processo acima
63
descrito para o Brasil, de expansão de uma onda de destruição, violência e expropriação,
contra a floresta e seus povos.
Variação de 2003 a 2009, em Goiás
Lavoura
Área plantada
Qde produzida
Cana-de-açúcar
212%
233%
Feijão (em grão)
-19%
-9%
Milho (em grão)
27%
37%
Soja (em grão)
6%
8%
Arroz (em casca)
-10%
3%
Mandioca
21%
32%
Tabela 2. Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal (2011). Elaboração: o autor.
“Estamos longe, portanto, de um processo que esteja se desenvolvendo para resolver o problema
da fome mundial, mas sim para aumentar o poder de algumas corporações sobre essa energia
vital para a humanidade que é a produção de alimentos assim como a energia para as máquinas.
Com isso expropriam-se da terra milhões de famílias, como se pode ver nos últimos 40 anos.”
(PORTO-GONÇALVES, 2010b)
A devastação da Amazônia, e não a queima de combustíveis fósseis, vem sendo
a principal contribuição do Brasil para o aquecimento global. (PORTO-GONÇALVES,
2007a). Portanto, todo esse processo sugere que os “efeitos colaterais” da apregoada
“solução-etanol” são muito maiores do que os benefícios por ela trazidos.
O “grito da terra” ressoa em uníssono com o “grito dos excluídos”.
64
SENDAS DE SUPERAÇÃO
De (PORTO-GONÇALVES e ALENTEJANO, 2010a), e do documento Por
uma Soberania Alimentar e Energética (2007) extraímos sugestões para uma nova
proposta de aproveitamento humano da cana-de-açúcar e do etanol. Tal proposta, a
nosso ver, sugere um aprimoramento da relação sociedade-natureza:
a) Fazer reforma agrária, e não a política de assentamentos
b) Fazer cumprir a função social da terra, valorizando não só a dimensão
produtiva, mas também a trabalhista e a ambiental. Impedir a primazia da
lógica de mercado e do capital estrangeiro.
c) Não praticar monocultura. Ao contrário, trabalhar pela diversidade cultural e
biológica, seguindo os princípios da agroecologia – o que implica menos
gastos energéticos e menos impactos ambientais negativos, em relação à
agricultura convencional.
d) Descentralizar a produção e a gestão de alimentos e de etanol; e com isso
reduzir os absurdos custos de frete, e diminuir o gasto de energia.
e) Combinar a produção de alimentos com a de etanol, e associá-las à
microdestilarias35, permitindo a transformação local da produção, e um
melhor aproveitamento
energético. Significa
maior
autonomia das
comunidades locais, e controle local da produção (soberania).
35
“Em Goiás não se incentivou a criação da miniusina, que teria uma maior viabilidade social. A
produção de álcool de mandioca seria mais viável por produzir maior quantidade de álcool (140l a 180l de
álcool, enquanto a cana produz 70l por tonelada), além de ser uma produção de pequena escala, e com seu
plantio a terra ser resolvida todos os anos, propiciando assim, melhor conservação do solo. (...) O que
aconteceu em Goiás foi o avanço das plantações de cana – em detrimento de lavouras alimentares – e uma
maior concentração de terras e capital.” (SILVA, 1993:40)
65
CAPRA (2002:231), em 1982, já anunciava uma crise ecológico-social, que hoje
ganha gravidade. “Para fazer frente a essa crise multifacetada não necessitamos de mais
energia, mas de uma profunda mudança de valores, atitudes e estilo de vida.”
“A história dos últimos 30/40 anos nos confirmou que capitalismo sem crescimento
econômico é uma contradição nos termos e, por mais que políticas de racionalização de
energia e de uso dos recursos naturais tenham conseguido algum sucesso, a demanda por
recursos naturais continua aumentando exponencialmente.” (PORTO-GONÇALVES,
2008a)
É bem verdade que “não basta questionar comportamentos individuais, mas o
sistema capitalista como um todo” (HOUTART, 2010:19). Porém consideramos que
assim como as partes estão no todo, o todo está nas partes, e cada indivíduo interioriza o
“sistema” de uma forma. Ambos, o todo e suas partes, se influenciam. Mahatma Gandhi
já dizia, “seja você a mudança que quer para o mundo”.
CAPRA (op.cit.:182) diz que, embora muitos economistas se neguem a aceitar, a
economia é a ciência mais claramente dependente de valores. Afinal tenta determinar o
que é valioso num determinado momento. No entanto, o valor de que se ocupa uma
ciência econômica estreita, é o valor de troca, o valor de uma mercadoria em relação a
outra. “Os únicos valores que figuram nos modelos econômicos são aqueles que podem
ser quantificados mediante atribuição de pesos monetários.”
Em nossa sociedade, onde um capitalismo cada vez mais globalizado é
hegemônico, o valor de troca parece suplantar o valor de uso. E o dinheiro é a melhor
expressão do valor de troca posto que a sua utilidade é a troca. Serve apenas como
expressão de uma matéria, é apenas símbolo de algo material. E quando se confunde o
simbólico com o material temos um problema, nesse caso generalizado. Afinal, para as
estatísticas econômicas, dez reais de arroz ou de feijão são iguais a dez reais de etanol.
Tente explicar isso para os famintos!
66
Como a meta maior das sociedades em geral, desde o Iluminismo (séc.XVIII),
tem sido perseguir o tão apregoado desenvolvimento – como vimos, sinônimo de
dominação da natureza e de separação entre cultura e natureza – busca-se um aumento
sempre maior do Produto Nacional Bruto (PNB)36, e os aspectos não monetários são
ignorados.
Quando, ao contrário, falamos de valores de uso estamos falando de coisas para
atender às necessidades humanas. E quais serão essas necessidades? É necessário ter um
carro? Para alguns sim. Para a maioria não passa de um sonho. Vemos que, por trás das
práticas econômicas, se escondem valores respeitantes à própria natureza humana. São
esses valores os que primeiramente movem a economia, e não os valores de troca.
SCHUMACHER (1986: 47-55) estabeleceu distinção entre aquilo que chamou
de “economia budista” e a economia materialista ocidental. Enquanto a primeira, em
suma, procura maximizar a satisfação humana, pela otimização do consumo, a segunda
tenta maximizar o consumo, pela otimização da produção. Para a primeira, a posse e o
consumo são meios, na busca do bem-estar; para a segunda é um fim em si, e define o
padrão de vida (“quanto mais, melhor”).
Os meios, para os materialistas são apenas os meios de produção (terra, capital e
trabalho). Já os budistas seguem o “caminho do meio”, logo a fruição dos bens
materiais é realizada, porém sem apegos e desejos excessivos. “A tônica do estilo de
vida budista, portanto é simplicidade e não-violência.” A economia materialista, ao
buscar a otimização da produção, volta-se para produtos. A economia budista, ao tentar
otimizar o consumo, volta-se para os consumidores.
36
Não seria mais pertinente buscarmos uma “Felicidade Nacional Bruta” (FNB)? FROMM (1965:20-24)
demonstrou, à época, que os EUA, o país mais “prospero do mundo”, apresentam os mais sérios sintomas
de perturbação mental (relativos a índices de homicídio, suicídio e alcoolismo).
67
Em sânscrito37 transliterado, nivritti marga significa “caminho interior”, pelo
qual o homem persegue um crescimento interior. Já o pravritti marga é o “caminho
exterior” que leva ao mundo objetivo, onde os sentidos iludem e transviam. Em nossa
sociedade materialista, o crescimento valorizado é, sobretudo, sinônimo de acumulação
de riqueza material.
Segundo Sorokin (apud CAPRA, 2002:25) desde o fim da Idade Média, após
passar por um período de transição, na humanidade como um todo vem predominando
os valores sensualistas (pravritti marga), hoje em declínio, mais ainda hegemônicos.
Enquanto na Idade Média a cultura dominante era espiritualista, valorizava a percepção
espiritual, a sociedade atual é materialista, e valoriza a percepção sensorial.
A cultura sensualista consubstanciou em suas instituições sociais os valores de
orientação masculina (yang), é uma cultura machista. “Os valores sensualistas tem no
enfoque sobre riqueza material, sua expressão quintessencial” CAPRA (2002:185). Para
CAPRA os valores yang incluem a auto-afirmação, a competitividade e o racionalismo,
e são os mesmos que colocam a ciência e a técnica como geradoras de verdades acima
de outras instituições sociais (artes, religião, literatura, etc).
“(...) a secularização ideológica envolve a substituição da religião e outras visões de mundo
fundamentadas em agentes espirituais, pela visão científica, com base em fatores materiais
e técnicos, que permite o controle e o domínio da natureza.” (HOEFLE, s/d:4)
Com isso reina uma visão de mundo ocidental dominante, a visão mecanicista da
Ciência moderna, fundada numa ética distorcida, no laissez-faire, uma ética ambiental
egocêntrica do bem individual que se sobrepõe ao bem da sociedade e da natureza.
37
Língua milenar e erudita da Índia, também conhecida como “a língua dos Deuses”. Em Sânscrito não
existe o verbo ter.
68
LACHANCE (1996) diagnostica que a doença terminal da humanidade é a
doença de dependência, fruto de um distúrbio espiritual, psicológico e físico. Diante
disso ele diz: “tentar lidar com os problemas de dependência tecnológica com mais
tecnologia é como tentar solucionar o problema do alcoolismo com outro gole”. Nesse
sentido, com o nosso etanol (álcool) podemos provocar um verdadeiro alcoolismo.
Tanto mais pois o carro virou um dos objetos de consumo mais cobiçados, e
consubstancia os valores masculinos predominantes.
O discurso do desenvolvimento, como vimos, pai do discurso hegemônico em
defesa do etanol, instila nas mentes e nos corações das pessoas que é possível e
desejável seguir o american way of life. Essa meta, perseguida hoje pela maioria das
nações, é simplesmente impossível de ser alcançada, já que se todos consumissem como
os estadunidenses, seriam necessários mais do que cinco planetas Terra!
Ancorados nessa idéia de desenvolvimento estão conceitos, teorias, e modelos
econômicos acriticamente aplicados para indicar o sucesso de uma economia. Segundo
CAPRA (2002:204), “todos esses modelos e teorias – marxistas e não-marxistas – estão
profundamente enraizados no paradigma cartesiano”, justamente aquele que separa o
homem de seu ambiente.
É urgente, pois, uma revisão ou substituição de conceitos (que resultam em
práticas) como produtividade, eficiência, lucro, riqueza e trabalho38 (CAPRA, 2002:
220-224). O cálculo economicista é alheio a uma importante parcela do mudo material.
38
Os trabalhadores que cortam manualmente a cana, via de regra, realizam um trabalho extremamente
repetitivo, e pelo esforço repetitivo muitas vezes sofrem lesões; para não mencionar a ausência ou
insuficiência de equipamentos de proteção individual (EPI‟s), entre outros agravantes. Para piorar, muitas
vezes o pagamento dos cortadores é feito com base nas toneladas de cana que ele cortou, o que impele o
trabalhador a cortar “até não poder mais”. Há caso de mortes por exaustão. Tudo isso para alimentar as
caldeiras de uma destilaria, sobre cujo processo produtivo eles não tem o menor controle nem
identificação (alienação); e, mais tarde para alimentar os motores (“flex”) de um bem ao qual eles nunca
terão acesso: o carro. É uma demonstração de que os bens são, muitas vezes, mais valorizados que as
pessoas.
69
Os custos sócio-ambientais não podem ser considerados variáveis externas
(externalidades) nesse cálculo, não podem ficar de fora dos balancetes das empresas. Os
contextos ecológicos e sociais não podem ser ignorados.
Mas é claro que apenas a mudança na teoria não será suficiente. “Apesar de seus
mais de dez mil anos, a agricultura permanece sendo a atividade humana que mais
intimamente conecta a sociedade com a natureza.” (VEIGA, 2008:209) Através da
agricultura o homem se enxerga como parte dos ciclos materiais e energéticos da
natureza. A agricultura permite essa experiência de profunda conexão com a natureza.
A resposta para muitos de nossos problemas ambientais, não está somente na
tecnociência, senão antes na experiência mística do homem com sua própria essência.
Quanto a isso, a Ecologia Profunda, se torna uma perspectiva muito interessante:
Em última análise, a consciência ecológica profunda é uma consciência espiritual ou
religiosa. Quando o conceito de espírito humano é entendido como o modo de consciência no
qual o indivíduo se sente conectado ao cosmo como um todo, fica claro que a consciência
ecológica é espiritual em sua essência mais profunda. Assim, não é de admirar que a ecologia
profunda seja compatível com a chamada “filosofia perene” das tradições espirituais, como a
espiritualidade dos místicos cristãos, a dos budistas, ou a filosofia e cosmologia que estão por
trás das tradições dos índios americanos.” (CAPRA, 2006:20-21)
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