Mototaxi: parecer jurídico

Transcrição

Mototaxi: parecer jurídico
MOTOTÁXI
SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE OU NÃO
DA REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE PELOS
MUNICÍPIOS
Vereador Dr. Carlos Alberto dos Santos Dutra
OAB-MS 10175
Parecer Jurídico
Email: [email protected]
Caderno de Educação Popular nº 73, Brasilândia-MS, Março de 2006
Mandato Participativo e Popular do
Vereador Carlito
2
PARECER JURÍDICO SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE OU NÃO
DA REGULAMENTAÇÃO, PELOS MUNICÍPIOS, DA ATIVIDADE DE
MOTOTÁXI
Vereador Dr. Carlos Alberto dos Santos Dutra
OAB-MS 10175
Todos sabemos que o crescimento desordenado dos grandes centros
urbanos gerou verdadeiro caos no trânsito, que se viu transformado em
enormes congestionamentos, marcado por um transporte público deficitário
e de alto custo para o bolso das camadas mais pobres da população, na
maioria das vezes impossibilitada de alcança-lo.
O surgimento dos chamados MOTOTÁXIS, nos últimos anos,
proliferaram-se por todo o Brasil e constituiu-se, por um lado, fator de alívio
no volume de tráfego das grandes cidades, menos poluição e proporcionando
grande economia para o País, bem como, por outro lado, configurou entre a
população de baixa-renda, uma alternativa de transporte com garantia de
acesso a lugares onde nem sempre é possível para outros tipos de veículos,
com custo operacional e manutenção reduzido e com oferta de serviço a um
preço barato.
Essa situação, dia a dia, tem incentivado mais e mais o aumento no
uso de motocicletas, não somente nos centros urbanos como também no
meio rural, onde esses veículos passam a ser utilizados tanto para a entrega
de encomendas e de pequenas cargas, como para serviço de transporte de
passageiros. O primeiro tipo, conhecido como serviço de “moto-entrega” ou
de “moto-boy”, que configura uma atividade econômica comum; enquanto o
segundo, conhecido como MOTOTÁXI, é classificado como serviço público
1
.
A polêmica que presenciamos na esfera legislativa e jurídica sobre o
uso de motocicletas para transporte remunerado de pessoas praticado pelos
MOTOTÁXI, tem se dado em razão das dúvidas surgidas com relação à
legalidade dessa atividade 2. Diversos Estados e municípios 3 que buscaram
regulamentar a atividade através de Leis e Decretos no âmbito de suas
circunscrições tiveram seus diplomas legais considerados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal-STF, sob a alegação de que a moto não pode
ser usada como veículo para essa atividade porque o Código de Trânsito
7
O Projeto de Lei apresentado à Câmara de Vereadores que dispõe
sobre a criação do Serviço de Transporte Individual de Passageiros,
sob o regime de MOTO-TÁXI e regulamenta a permissão para a
exploração desse serviço, no município de Brasilândia-MS, sem dúvida,
busca resolver o problema vivido pelos MOTOTAXISTAS que, no âmbito de
Brasilândia, correm o risco de não mais poderem exercer a atividade que
vem sendo praticada há mais de ano, atividade econômica que tem garantido
o seu sustento e o de suas famílias.
Sem o amparo de legislação local que regulamente a concessão,
permissão ou autorização da atividade de MOTOTÁXI, o Comando da
Polícia Militar de Brasilândia não terá outra alternativa que não seja a de
coibir a atividade, determinando o recolhimento dos veículos que exercem
essa atividade não regulamentada.
O Poder Público Municipal, sob o princípio da razoabilidade, é
chamado a dar uma resposta, ainda que precária em termos legislativos,
buscando minimizar esse problema através de uma legislação simples, porém
coerente e em sintonia com as determinações do CNT a exemplo de diversos
municípios do Estado. Ainda que se possa dizer que os motivos acima
elencados não sejam suficientes para subsidiar e ensejar a regulamentação
dessa atividade de MOTOTÁXI, urge ao Poder Público, também municipal,
agora com a criação do Departamento Municipal de Trânsito, dar uma palavra
ao clamor dessa categoria. Uma delas, no âmbito do Legislativo Municipal,
passa inexoravelmente pelo “sim”, pela aprovação do Projeto de Lei, ora
apresentado.
Brasilândia-MS, 20 de Março de 2006. Carlos Alberto dos Santos
Dutra, Vereador.
Notas:
1
- LORENZETTI, Maria Silvia Barros. A Regulação do Serviço de Mototáxi. Nota
Técnica. Câmara dos Deputados.
2
- ARAÚJO, Marcelo José. Mototáxi, polêmica apimentada por decisão infeliz. Direito do
Trânsito. Infojus, 29.10.2003
3
- Além do Estado de Santa Catarina, o serviço está regulamentado nos municípios de
Rondonópolis-MT, Cuiabá-MT, Campo Grande-MS, Goiânia-GO, e diversas cidades do
interior de Mato Grosso do Sul.;
4
- LORENZETTI, op cit.;
5
- Idem.;
6
- SUPLICIY, Eduardo Matarazzo. Parecer nº 2.055, de 22 de novembro de 2005. Comissão
de Assuntos Econômicos. Senado Federal.
6
quando adquiridas por MOTOTÁXI profissional com autorização,
permissão ou concessão do poder público e que destinam a motocicleta à
função de MOTOTÁXI (...) na categoria de aluguel (MOTOTÁXI), desde que
tais veículos se destinem à utilização nessa atividade 6.
Ora, se o Senado Federal, através de uma de suas Comissões
Permanentes, emite parecer favorável a um Projeto de Lei que aborda questão
envolvendo a “profissão” de MOTOTÁXI, conferindo à ela “status” de atividade
reconhecida, e garantindo-lhe o benefício de isenção de IPI, no mínimo, o
Poder Legislativo máximo do país está demonstrando o “prestígio” dessa
atividade que assume, no caso, personalidade jurídica. Em outras palavras,
se, se é favorável à isenção de imposto aos MOTOTAXISTAS para a aquisição
de seus veículos, equivale dizer que sobre a atividade que eles desempenham
foi dado “conhecimento”, e “legitimidade” pela instância de Poder.
Por outro lado, como a base de todo o ordenamento políticoadministrativo do país gravita em torno do Município, presume-se que devam
ser os Municípios os “reguladores” dessa atividade. O Senado Federal ao
manifestar-se favorável à isenção de IPI aos MOTOTÁXIS atesta a pertinência
da causa, e traduz sua preocupação e atenção ao problema.
Por fim, em face da complexidade da questão, uma vez que a mesma
envolve o ingrediente social, onde milhares de trabalhadores, hoje, dependem
da sobrevivência desse serviço para garantir o sustento de suas famílias,
concluir pela simples “proibição” do exercício dessa atividade é argumento
que não se sustenta. Portanto, cabe, sim, ao poder concedente do serviço
regulamenta-lo, por legislação local.
Pode e deve, portanto, o Poder Público, sob guarida do princípio da
conveniência e oportunidade, estabelecer os critérios e as exigências para
a prestação desse serviço –enquanto legislação federal não normatize a
questão nos seus pontos controversos.
Audiências públicas e Termos de Ajuste de Conduta firmado
entre o Poder Público e os MOTOTAXISTAS, com a interveniência do
Ministério Público, e os órgãos de Segurança Pública, Polícia Militar, e
autoridades de trânsito, DETRAN e DEMTRAN, configuram-se
alternativas possíveis de solução, à título precário, para o impasse
criado nos municípios onde o serviço já existe, porém sem qualquer
regulamentação.
3
Brasileiro-CTB não faz a previsão da motocicleta para ser usada como veículo
de aluguel.
Na verdade, a Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997,
atualizada pela Lei Federal nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998 (Código de
Trânsito Brasileiro), em seu Art. 135 estabelece que: “Os veículos de aluguel,
destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros de linhas
regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado, para registro,
licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial,
deverão estar devidamente autorizados pelo poder público concedente.”
(grifo nosso)
No que se refere aos parâmetros a serem obedecidos por estes
veículos, o Art. 107 do CTB define que: “Art. 107. Os veículos de aluguel,
destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros, deverão
satisfazer, além das exigências previstas neste Código, às condições técnicas
e aos requisitos de segurança, higiene e conforto estabelecidos pelo poder
concedente para autorizar, permitir ou conceder a exploração dessa atividade”.
Aqui cabe esclarecer que os “veículos de aluguel” a que se refere o
CTB são aqueles destinados ao transporte público individual ou coletivo de
passageiros, ou seja, usados como táxi ou em fretamentos. Esse tipo de
atividade é considerado um serviço público e depende de delegação por
parte do Poder Público. O que, de acordo com o Art. 175 da Constituição
Federal, deve ser obtido sob regime de permissão ou concessão, precedida
da devida licitação pública.
Alternativamente, entretanto, há a modalidade de autorização, que
é um instrumento mais precário e pode ser usado em casos especiais. Isso
implica dizer que uma pessoa, física ou jurídica, não pode decidir, por si
mesma, prestar o serviço de táxi, seja com o uso de automóvel ou de
motocicleta, sem a devida delegação por parte do Poder Público competente
4
.
Acontece que o novo CTB menciona apenas a expressão “veículos
de aluguel”. E foi a partir desse “amparo” legal que alguns Municípios, no
exercício de sua competência relativa à organização e prestação dos serviços
públicos de interesse local, nos termos do Art. 30, inciso V, da Constituição
Federal, passaram a regulamentar o serviço de transporte individual de
passageiros por motocicleta, chamado MOTOTÁXI.
4
Esse entendimento, contudo, não é pacífico 5 , tendo-se
argumentado que o município não teria competência para legislar sobre
a matéria, uma vez que não existe ainda uma diretriz maior, definida na
esfera federal, regulamentando o “como” ele pode fazer isso. A partir desse
entendimento, o Poder Público municipal está autorizado a regulamentar
a organização e a prestação do serviço de transporte público, seja ele coletivo
ou individual, desde que amparado por norma federal sobre o assunto. Depõe
contra o município, ainda o Inciso XI, do Art. 22 da Constituição Federal que
declara ser competência privativa da União legislar sobre trânsito e
transporte.
Ora, Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.606-2, onde a Confederação Nacional do
Transporte-CNT argüiu contra uma lei editada pelo Estado de Santa Catarina
que autorizava o “licenciamento e o emplacamento de motocicletas destinadas
ao transporte remunerado de passageiros, também denominadas mototáxis”,
O STF pronunciou-se pela inconstitucionalidade do citado instrumento legal.
Argüiu assim a Suprema Corte brasileira por entender que a
competência para legislar sobre a matéria pertence exclusivamente à União.
(CF, artigo 22, inciso XI, e parágrafo único). E declarou “Inconstitucional a
norma ordinária estadual que autoriza a exploração de serviços de transporte
remunerado de passageiros realizado por motocicletas, espécie de veículo
de aluguel que não se acha contemplado no Código Nacional de Trânsito”.
Lembrou ainda o Relator Ministro Maurício Correia que a “Matéria
originária e de interesse nacional que deve ser regulada pela União após
estudos relacionados com os requisitos de segurança, higiene, conforto e
preservação da saúde pública.”
A partir daí a jurisprudência firmada abre precedente para que seja
considerada igualmente inconstitucional qualquer lei municipal com o
mesmo objetivo que tenha sido ou venha a ser aprovada. Ou seja, a decisão
proferida pelo STF é no sentido de que o serviço de MOTOTÁXI depende de
expressa previsão legal, o que inexiste, hoje, no CTB.
Assim entendido, a prerrogativa municipal de regulamentar a
organização e a prestação do serviço de transporte público deve ater-se aos
veículos considerados aptos para a finalidade pretendida, nos termos da
legislação federal.
5
Assevere-se que o que “pesou” na decisão do STF, foi também o
que está preconizado no Art. 107, do CTB, sobre a segurança do usuário,
que é um dos requisitos fundamentais a serem observados quando da
exploração do transporte individual ou coletivo de passageiros. A chamada
Lei de Concessões define como “serviço adequado” aquele que, entre outras
condições, satisfaz os requisitos de segurança para o usuário.
O Ministro Maurício Corrêa, ao proferir seu voto na referida ADIN foi
mais longe ao se manifestar em relação à adequação da motocicleta como
veículo de aluguel para o transporte de passageiros:
“Convém ressaltar a incontroversa situação de perigo relacionada a
esse meio de transporte, dependente que é do equilíbrio do condutor em
apenas duas rodas, bem como em face da ausência de proteções estruturais,
ativas e passivas, contra quedas e colisões. Submeter potenciais usuários
desse serviço a riscos, com o aval do Estado, sem prévio e minucioso estudo
realizado pelas autoridades federais competentes, é providência por demais
temerária.
“Uma situação é a pessoa, por iniciativa própria e a convite do
condutor da motocicleta, submeter-se espontaneamente aos perigos
decorrentes. Outra, de extrema gravidade, é permitir-se que a população,
necessitada de um meio de transporte mais barato ou acessível, possa, com
o beneplácito estatal, correr sérios riscos de vida ou de lesões físicas”.
Nos termos do mesmo Art. 107 do CTB, já citado, a questão
relacionada à higiene, que tem por base a preocupação de que todos os
usuários do serviço iriam utilizar um mesmo capacete, obrigatório para
condutor e passageiro, parece ter sido resolvida pela legislação criada pelos
Poderes Municipais que buscaram regularizar a atividade, com a introdução
do uso de “toucas descartáveis”.
Corrobora em favor dos MOTOTÁXIS o recente parecer do Senado
Federal, de 22 de novembro de 2005, da Comissão de Assuntos Econômicos,
que aprovou proposição que propôs isenção do Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI, na aquisição de motocicletas utilizadas no
transporte autônomo de passageiros. O Projeto de Lei do Senado nº 280/
2004, de autoria do Senador Leonel Pavan (PSDB), ao buscar dar o mesmo
tratamento aos MOTOTÁXIS que a legislação já aborda na aquisição de
veículos destinados aos TAXISTAS em geral, define que a isenção será restrita
apenas as motocicletas dotadas de motor entre 120 a 250 centímetros cúbicos,

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