investigacoes - Universidade Federal de Pernambuco

Transcrição

investigacoes - Universidade Federal de Pernambuco
Angela Dionisio
Acervo Pessoal
INVESTIGACOES
,
Lingiiistica e Teoria Literaria
VOL. 3
PROGRAMA DE POS-GRADUACAO
EM LETRAS E L1NGOiSTICA
Universidade Federal de Pernambuco
REITOR
Prof Efrem de Aguiar Maranhiio
PRo..REITOR
PARA ASSUNTOS
DE PESQUISA
E P6S-GRADUA~AO
Prof Yony de Sa Barreto Sampaio
PRo..REITOR PARA ASSUNTOS CULTURAIS E INTERCAMBIO CIENTtFICO
Prof. Margarida de Oliveira Cantarelli
DIRE TOR DA EDITORA UNIVERSIT ARIA
Prof Washington Luiz Martins da Silva
COORDENADOR,
LlNGUiSTICA
PROGRAMA
DE P6S-GRADUA~AO
EM LETRAS
Prof Francisco Gomes de Matos
VICE-COORDENADOR,
PPGLL
Pro;UGilda Maria Lins de Araujo
SECRETARIO
Marcos Motta da Silva
CONSELHO
EDITORIAL
Ataliba T. de Castilho (USP)
Francisco Gomes de Matos (UFPE), Presidente
/delette Fonseca dos Santos (UFPB)
/ngedore V.Koch (UN/CAMP)
/valdo Bittencourt (UFPE)
Jose Fernandes (UFGO)
Luiz A. Marcuschi (UFPE)
Marigia Viana (UFPE)
Regina Zilberman (PUC-RS)
Sebastien Joachim (UFPE)
INVESTlGA~OES - LingOistica e Teoria Liteniria ISSN 0104-1320
Vol. 3, dezembro de 1993
Publicaltao anual do Programa de P6s-Gradualtao em Letras e Linguistica
da Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Letras, Centro de Artes
e Comunica~ao,
1 andar, 50670-901 Recife, Pernambuco. Telefone (081) 271.8312.
0
E
NOTA EDITORIAL
Francisco Gomes de Matos
DA INTERPRETAC;AO SEGUNDO JEAN GREISCH E ALGUNS OUTROS
Sebastien Joachim
5
'"
7
A LiNGUA COMO HUMANIZADORA NA INTERA9AO INTERPESSOAL
Gilda Maria Lins de Araujo
21
LEMBRANDO FERNANDO TARALLO: OS DIREITOS DE APRENDIZES DE
SOCIOLINGUiSTICA
Francisco Gomes de Matos
29
EM BUSCA DOS SABIAs
Antonio Viana
37
A INSUFICIENCIA DOS ELEMENTOS LINGUiSTICOS DO TEXTO:
UM DESAFIO PARA OS INTERLOCUtORES
Irande Costa Antunes
41
L'HETEROGENElTE DISCURSIVE DANS UN ARTICLE DE
PRESSE • UNE PERSPECTIVE D' APPROCHE
Doris de Arruda C. da Cunha
"
53
A PARTICIPA9AO DO FALANTE SECUNDAAIO NA CONSTRU9AO DA
NARRATIVA
Angela Paiva Dionisio
73
o PADRAO ENTOACIONAL DOS REPORTERES DA GLOBO
Adriana Tigre Lacerda, Isabella Jarocki e Isaltina Mello Gomes
85
o IMPLiClTO CULTURAL: UM OBST ACULO PARA A COMUNICA9AO
JteraLucia Teixeira Carneiro
101
A FOR9A DA PALAVRA
Nelly Carva lho
119
A RELA9AO FALANTE/TEXTO NA EXPLICA9AO ACADEMIC A DE
UNIVERSIT ARIos
Maria Augusta de Macedo Reinaldo
135
L' APPORT DE LA PUBLICITE A L'ENSEIGNEMENT DU FRAN9AIS
LANGUE DE SPECIALITE
Yaracylda O. Farias
157
DEPOIMENTOS JUDICIAIS:
TRANSFORMA90ES ORGANIZACIONAIS E TRANSFORMA90ES
INTERPRETATIVAS NO NtVEL DA TEXTUALIDADE
Virginia Colares Soares Figueiredo Alves
181
REGIONALISMO E UNIVERSALISMO 0 TEATRO
DE LOURDES BARBALHO
Sabine Moller-Zeidler
197
CONTRATO, LITERATURA, SIGNO E IMAGEM
Iva!do Bittencourt
207
NOTAS SOBRE A INTERJE19AO
Luiz Antonio Marcuschi
221
o conteudo deste numero reflete uma recomendayao do
Colegiado do Programa de P6s-Gradua~ao em Letras e Linguistica,
aceita pela Comissao Editorial desta Revista: abrir espa~o para
contribui~oes baseadas em teses e disserta~oes nestas duas Areas,
Lingiiistica e Teoria da Literatura, a fim de propiciar-se uma percep~ao
abrangente do que esta sendo pesquisado por nossos alunos. Continua,
nosso Colegiado, a apresentar suas investiga¢es, atraves de artigos
sobre Lingiiistica e Teoria da Literatura. Tematicamente, esses textos
representam linhas de pesquisa do Programa, principalmente Estudos
Interdisciplinares de Literatura, Pragmatica, Lingiiistica Aplicada, 0
Discurso Literario na Fi~ao Contemporanea, e OrganizayaoLingilistica
da Produ~ao Oral e Escrita.
No pr6ximo numero dar-se-a aten~ao especial a participa~ao
de alunos de Teoria da Literatura e de colegas de outros Programas.
FRANCISCO GOMES DE MATOS
Presidente da Comissao Editorial
Jean Greisch e urn pesquisador do CNRS (Fran~a), autor entre
outros de Hemu!neutique et Grammatologie (CNRS, 1977), onde
sac postos em confronto H. G. Gadamer e Jacques Derrida.
Nosso objetivo e buscar, na companhia desse pesquisador, 0
questionamento que the levanta a obra dos dois fil6sofos, "urna certa
defini~ao da tarefa hermeneutica". Nesta tarefa, segundo 0 conselho
do comentarista, importa nunca esquecer 0 carater filos6fico das
considera~5es dos autores de que nao nos inspiramos, mesmo se,
por exemplo, no caso de Derrida, 0 material sobre 0 qual ele reflete e
literano (Mallarme, Rousseau, Roussel), e na tradi~ao de textos ditos
deruptura.
A questao hermeneutica aqui se coloca de chofre, pois a priori
o fil6sofo sempre procura urn sentido. Essa orienta.yao conflita de
certo modo com a semi6tica energetica de Gilles Deleuze e Felix
Guatari(2), com a Poetica Comparada e a Poetica do Imaginario do
Professor Jean Burgos, das Universites de Savoie e de Grenoble,
Fran~a(3).
Para eles, a opera~ao hermeneutica enquanto tentativa de
estabelecer uma rela~ao semi6tica ou de significante para significado
e uma empresa irrelevante. Particularmente quando se trata do fazer
criador, da poiesis encarnada em qualquer texto artistico. 0 sentido
e algo metafisico da ordem do possivel, de urn horizonte. Entendemos
por "horizonte", na acep~ao p6s-husserliana e poetica que ressaltou
na sua tese Michel Collot (La Poesie Moderne et la Structure
d'horizon. Paris, PUP, 1989, p.l 03), "urn invisivel absoluto", algo
supra-fenomenal, revelador de uma "certa ordem no mundo", algo a
experimentar como uma transcendencia ontol6gica em vez de ser objeto
de uma percep~ao ontica, especifica, e que comporta tres momentos:
apelo,expectativa, "errance" (deriva.yaopermanente).
Essa irrelevanciahermeneutica, a qual acabamos de fazer alusao,
merece ser aproximada com urn certo cuidado. Vista de perto e
provavel que a irrelevanciaconceme uma certa orienta~aointerpretativa.
Convem enta~ se informar sobre as estrategias interpretativas dos
dois fi16sofos aqui convocados, a fim de esclarecer esse debate entre
o modelo dito hermeneutico e 0 modelo dito gramatol6gico(4) e tirar
as consequencias para a leitura de Kafka (feita por De1euze-Gualtari)
e para a poesia (feita por Jean Burgos).
o texto essencial da problem<itica gramatol6gica se encontra
no livro de Derrida, La Dissemination (Seuil, 1972, p.71-72). Jean
Greisch parece aqui se situar no ambiente conceitual de outros
dois fi16sofos que intersectam as categorias derrideanas: Jacques
Garelli e Raymond Tschumi('j.
Vamos acompanhar 0 texto de Derrida nos seus pontos fortes,
que Greisch divide em quatros assuntos:
1)
2)
3)
4)
a textura do texto;
a eclipse do autor;
a eliminal(ao da referencia e
a interpretayao como reinterpretayao.
Podemos avanyar desde ja a respeito do ultimo assunto. Ele
nos remete a uma posiyao de Freud que, nalntelpreta~ao dos Sonhos
considera a analise como uma interpretal(aode interpretayao, a primeira
sendo 0 pr6prio arranjo fantasioso do sonho, de que devemos descobrir
a razao de ser, pulando dos enunciados it enuncial(ao.
A analise em quatro pontos de Greisch vai sofrer alguma
alteral(ao. Porque, alem de confrontar ocasionalmente declarayoes
gramat6logicas e tomadas de posil(ao gadamerianas (promovidas
de verdade e metodo, L 'art de Comprendre, Ecrits I) Hermeneutique
et Tradition Philosophique.
Paris. Aubier/Montaigne, 1982)
interviremos maciyamente com as nossas percepyoes de liten'trio
para confirmar, deslocar, rasurar ou alargar as vers6es dos fil6sofos.
Para comel(ar: a teoria do texto. Nao se pode interpretar sem
ter implicita ou explicitamente uma conc~pyao sobre 0 que e urn
texto. Neste capitulo, nem Derrida, nem Gadamer, nem Greisch
chegou, em 1977, it sofisticayao a que nos levara respectivamente
o traba1ho de Teun Van Dijk (1981) da Universidade Livre de
Amsterdam,
de Robert de Beaugrande
(Ablex, 1982) da
Universidade da Florida em Gainesville(6), 0 dos estudiosos da
Revista Degres (Bruxelles) no seu numero do outono de 1986
sobre a ciencia do texto. Mas achamos que Derrida e 0 filosofo que
oferece mais subsidios para uma teoria do texto. Assinalamos, em
primeiro lugar, uma dupla assimetria, entre 0 pensador frances e 0
pensador alemao. Trata-se de uma divergencia de ponto de
emergencia, de ponto de partida. Jit dissemos que Derrida parte cio
chao-texto, textos de Rousseau ou Mallarme. Consulte-se a esse
respeito De la Grammatologie (Paris, Minuit, 1976 ou a tradw;ao
da editora Perspectiva) alem de La Dissemination jit citado (0 estudo
intitulado "La Double Seance"). Leia-se, em particular, as passagens
onde 0 £losofo se expressa sobre 0 titulo, a nota, a citayao, 0 prefitcio.
Dispomos aqui de um protocolo de investigayaoanalogo aos elementos
literariamente trabalhados pelo narratologo frances Gerard Genette
em dois de seus livros: Palimpsestes, Seuils.
o ponto de partida de Gadamer e dedutivo, mais abstrato,
mais global. 0 movimento de elaborayao de sua obra segue na
direyao contraria de Denida e da "demarche" poetica de Burgos e de
Garelli, - especialmente ao formidavel percurso cinetico proposto pelo
poeta-filosofo do Colegio Internacional de Filosofia de Paris, 0
fenomenologo Jacques Garelli,no seu ultimo livro de 400 p. intitulado
RythmesetMondes(Grenoble, Jer6meMillon ed., 1991). Estavamos
dizendo que Gadamer, em vez de decolar a partir de um texto, aterriza
num texto. Mas quando ele aterriza, as perspectivas sobre a
textualidade que ele oferece sao de grande interesse, embora, de modo
geral, pouco operacionais. Assim 0 mostra Jean Greisch na sua
explicayao da nOyao de compreensao tal como Gadamer 0 entende
(Verite etMethode). Acompreensao implicitauma teoriado discurso.
Essa teoria esta ligada it otica yon Humboldt do discurso como ergon,
materia e energia, atividade (vide Ruth Menahen a esse respeito )<7).
No entanto, existe algo essencialmente perverso para uma
interpretayao do discurso literario na hermeneutica de Gadamer.
E essa perversao que aponta Jean Greisch na sua leitura de Verdade
e Metodo quando sublinha 0 equivoco de nOyoes como: idealidade
do sentido, tradic;ao, autonomia do sentido. Enganosamente, essas
noy5es no contexto gadameriano, nos empurram longe da materialidade
textual, do ergon, e que, ao olhar de um gramatologo, uma importante
parte do trabalho hermeneutico se apoia. A compreensao gadameriana
e sobremaneira fascinada por um significado puro e soberano. Seria
6timo, como na estrutura de horizonte de Michel COU0t, se esse
significado pudesse se converter em sentido, e assim se dirigir a jusante
do texto, em vez de olhar para tras, a montante, em direc;ao de uma
fala originaria. Aqui, os te610gos provavelmente estao em urn pais
conhecido. E Heidegger (segundo AllenThiher,em UVrdsin reflection.
Chicago, The University of Chicago Press, 1984) nem sempre evita
confirmar essa posic;ao,ao encarar 0 discurso como irremediavelmente
condenado a uma especie de degradac;ao, salvo na poesia. Vemos
dificilmente a escrita artistica como urn lugar dessacralizado onde seria
alienada uma fala originaria. No fundo e 0 logos platonico, sua
antecendencia 16gica e sua transcendencia, que vigora na mistica
gadameriana. Dai a inc1inac;aode Gadamer para uma certa escuta
pr6xima da escuta psicanalitica que re-encontra 0 mesmo no outro.
Pulamos aqui sobre urn texto citado por Jean Greisch que nos
parece muito ambiguo. Nele Gadamer veicula 0 pensamento de urn
logos prisioneiro do tempo e, ao mesmo tempo, nos brinda com
referencias que sac acidentais no fil6sofo alemao, estao no cerne da
poetica do Imaginario de GilbertDurand e de seu discipuloJean Burgos.
Em resumo, no tocante it teoria do texto, a hermeneutica de
Gadamer esterilizaa prospectiva, dificultaa decolagempara urn Alhures.
o texto e discurso de verdade, ele prop5e urn significado, ele e uma
etapa de verdade (Verite et Methode). Desde ponto de vista,
Gadamer entra em choque violento com a gramatologia. Para a
gramatologia, a interpretac;ao e uma derivac;aoinfinita. Para Durand
e Burgos, ela se apresenta, antes de mais nada, na acepc;ao espacial
da palavra sentido. 0 sentido e uma direc;ao, uma vetorizac;ao. 0
texto sempre orienta 0 interprete na direc;aode urn sentido; 0 sentido
esta sempre direcionado, sempre para nascer.
Greisch, no termino das suas considerac;5es sobre a
textualidade, tentou reconciliar a Gramatologia de Derrida e a
Hermeneutica de Gadamer. E uma aproximac;ao que se justifica,
sobretudo se tivessemos a oportunidade de ler a bela analise do
fil6sofo alemao sobre 0 poetaPaul Celan no livro Qui-suis-ie? (Actes
Sud. Diffusion PUF, 1987). Mas tal aproximac;ao, - eo mesmo pode
se dizer da aproximayao de Derrida e dos especialistas do Imaginario
- restara sempre, superficial, em razao da erradica<;aodo sujeito, no
Deconstrucionismo
como em todas as linhas de pensamento
encarnadas por Nietzsche, Heidegger, Foucault. Com esses
pensadores, estamos longe de Schleirmacher que acreditava na
individualidade como qualidade do ser consciente de si mesmo e
fundador de sentido, fundador de uma hermeneutica de autocompreensao. Com a Gramatologia, somos entregues a imanencia
do signa, ao absurdo e a uma "linguagem aporetica" (cf Manfred
Frank, L 'u/time raison du sujet, ultimo capitulo: une conception
hermeneutique de l'individualite". Actes sud. Diffusion. Pur, 1988).
Estamos ainda na primeira ordem de consideracyoes sobre a
teoria do texto. Mas Greischja inferiu aqui observacyoes referentes
ao segundo assunto que e a morte do autor: a morte do sujeito, leva
a morte do sentido, da polissemia, tern relacyaocom a prioridade do
sintatico sobre 0 semantico, mas proporciona a definicyaoda produrao
de texto e mexe com a nocyaode pertencya(appartenance).
E porque a priori nao tern enunciador, pai ou mae, que
Derrida vem insistindo sobre a materialidade significante, a letra, a
"remarcacyao" dos signos, sobre 0 "excesso irredutivel do sintatico
em relayaoao semantico". A hermeneuticase encontra automaticamente
posta em xeque. E se a sintaxe sobrepuja 0 semantico, a analise vai
brincar com as estruturas, 0 arranjo do material verbal. Nessa primazia
do sintatico, a polissemia, a metafora, a conotacyao, a evocacyao, se
tornam nOyoes suspeitas. A poetica de Bachelard, de Durand, de
Burgos adere discretamente a essas condenacyoes derrideanas, sem
porem partilhar os seus pressupostos gramatol6gicos. Esses estudiosos
apostam no dinamismo inerente dos schemes, imagens e simbolos, na
estruturayao ritmica do imaginario. Para Burgos, principalmente, a
leitura do texto nao pode remeter a algo situado atras, como e de
praxe numa certa hermeneutica antropo-arqueoI6gica.
A analogia, a metafora, privilegiam a mem6ria em detrimento
da Imaginayao; a teologia privilegia dogmas, revelacyao,em detrimento
da liberdade de criar 0 diferente. Partindo assim de base diferente
acabam sendo solidarias na sua causa: poetica do Imaginario e
Gr(imatologia, e tambem a hermeneutica instauradora de Paul
Ricoeur (ver G. Durand, A Imaginavao simb6lica e as numerosas
alusoes de Burgos a esse fil6sofo cristao, igualmente a epistemologia
genetica de Jean Piaget).
Vma metafisica da presencya(Deus ou a revelacyaoou 0 sujeito
ou urn sentido pre-existente) e realmente subjacente a certos modos
de interpretar. E como nao podemos fazer a economia de urn ou
de outro desses antecedentes (ficara sempre, pelo menos, as proje<;5es
e a cultura do leitor), temos que ficar bem conscientes deles a fim de
discemir as interferencias e as distor<;5es,e evitar de passar gate por
lebre, de oferecer idiossincrasias como verdades, de propor a nossa
verdade como a verdade.
Nesse sentido, a potencializa<;ao do sujeito na analise e mais
uma questao de estrategia do que uma posi<;ao filos6fica. Assim 0
entendeu, a nosso ver, Jacques Lacan. Falamos antes da suspeita que
paira sobre a metafora. Pela mesma razao, polissemia e um termo
tabu. Para 0 substituir, Derrida sugere 0 termo dissemina<;ao; esta
integra a no<;aode espa<;amento,de "difJerance", que faz a economia
da similitude de sentidos. 0 sentido e sempre unico, absoluto.
Carninhando na sua dire<;ao,encontramos s6 engodos, mentiras, falsas
aparencias. As similitudes sac erros de sentido.
No entanto, 0 radicalismo de Derrida e de Burgos deixa
uma porta aberta para a reabilita<;ao da metafora. Essa porta,
Ricoeur ja a havia empurrado quando publicou ern 1975 seu belo
livro parcialmente inspirado em Max Black: A Metafora viva.
Ern urn numero de homenagem da revista Esprit Gulho/agosto, 1988)
dedicado a Paul Ricoeur, Alain Pierrot, 0 autor do artigo "la reference
des enonces metaphoriques" demostrou 0 carater criativo prospectivo,
poetico e a capacidade fundadora de realidades novas da metafora
ricoeuriana. A metafora e epoche, i.e. parentetiza<;ao da realidade
empirica, suspensao da cren<;a,adiamento da verdade, referencia<;ao
inedita, tensao para 0 porvir, media<;aoern dire<;aodo Alhures ( ver
Pierrot, principalmente nas p.284-294 ).
Admiramos Derrida sem ousar segui-Io quando prop5e a palavra
seminal no lugar da palavra semantica. Conceito sedutor, seminal
apresenta 0 sentido como vestigio (ou trace), proliferando em rizoma,
sem ancestral, sem identidade, sem passaporte mas atravessando todas
as fronteiras, sempre outro anti-linear, sem logicidade, anti-inferencial.
Na 6tica de uma poetica (preferimos esse termo it Hermeneutica,
quando se trata da leitura literaria ), em uma poetica que adota essa
visao seminal ou semantica, nilo cabem certas aquisi<;5esrecentes da
Pragmatica lingLilsticae de uma certa filosofia analitica. Remetemos
os inter~£sados ao texto de Derrida (La Dissemination, p. 390; ou
Jean Greisch p.187-188 ). Sem ter a ultima palavra em materia de
textualidade, Derrida merece ser ouvido.
Chegamos agora it novao de Produr;:ao de texto (Greisch:
187,204).
E urn termo tornado por emprestimo do marxismo e que
popularizaram Rossi-Landi, Kristeva, 0 grupo Tel Quel(8). Henri
Meschonnic ( 1982 ) e Derrida desconfiam desse termo, embora
reconhevam, como logo veremos, a dificuldade de rejeita-Io. Diz
Greisch:
"La production ou plutot Ie texte comme production apparait
des qu' on s' ecarte de l' idealite du sens" (Greisch : 187 - 188 ).
Convem lembrar que idealidade do sentido ( sublinhado no
texto de Greisch) e uma interpretavao feita da Hermeneutica
gadameriana por Derrida. Resgatado 0 termo produr;:iiodo terreno
do idealismo, ele entra em COl~UnVaO
na Gramatologia com os termos
de differance e trabalho. Com efeito, apesar de sua ambigilidade
nocional, dentro da remarcaQao derrideana, esses termos differance, prodw;ao, trabalho, espayamento - ajudam a entender
a virtude ativa, 0 dinamismo protensivo da escrita artistica, desde
que nao os usemos para absolutizar 0 espavo textual (como por vezes
tende a fazer Garelli: Le Recel et la Dispersion. Gallimard, 1978)
nem para essencializar a busca de sentido. Pois,justamente, a teologia
negativa de Derrida e de MichelBlanchot inclinama essa essencializavao
da procura, a ponto de esquecer ou de descartar toda tensao, qualquer
passo em direvao de urn encontro com 0 sentido, por assintotico ou
diferido que seja. Dizendo isso estamos delimitando 0 territorio da
Gramatologia e alguns paises fronteirivos,em beneficio da singularidade
da Poetica do Imaginario. A evacuavao do sentido em nome da
"differance" infinita pode fazer girar no vazio a empresa da leitura e
barrar ao processo de leitura, 0 caminho de uma esperanr;a, a vereda,
ou de uma invenyao do futuro au de certo amanhecer ao termino da
travessia.
Depois da nOyao de produyao, neste setor onde se decide a
viabilidade de uma anti-hermeneutica, aparece a nOyao de pertenr;:a
(apartenance).
Na teoria do texto de Derrida isso corresponderia it nOyao
de intertextualidade bakhtiniana e Kristeviana, que alias, e uma n~ao
que comeya a ser controvertida por Marc Angenot em Revue des
Sciences Humaines N° 189.(9)
A pertenya / I'appartenance, tal como a entende Derrida, e
inseparavel do texto como labirinto, e do leitor como urn novo
Ulisses errando sem fim desde sempre e para sempre (Greisch, 188).
Falta aqui, como ja disse, uma luzinha de esperanya. Deus nos
livre de ser adeptos de urn tal estoicismo, de nos dedicar a uma tal
circulayao esquizotrenica. A nossa viagem iniciatica atraves de urn
texto exige uma saida, porque outras tarefas nos chamam. 0 que
denominamos pragmatica da ficcionalidade tern como escopo essa
saida de texto como discurso para a sociedade como outro texto
onde caminhar (vide Ricoeur: Du texte ar action. Seuil,1986)
Concluimos esse primeiro assunto com algumas anotayoes
sugeridas pelo'resto desta seyao em Jean Greisch (p. 189-191).
A Gramatologia oferece uma teoria do texto mais elaborada
do que a Hermeneutica emblematizada por Gadamer. Gramatologia
e Hermeneutica correspondem a duas politicas textuais, duas
reivindica95es hem diferenciadas, dois modos de leitura corn padroeiros
distintos. Para 0 melhor e pior, os Henneneutas referem-se a Heidegger,
buscam confirmayoes de suas teses na obra de Holderlin, Rilke, Trakl,
de sorte que a Hermeneutica literarla e caracterizadamente germ3nica.
Os gramat610gos, mesmo citando Heidegger (polemicamente no caso
de Derrida, com uma evidente ambigiiidade no caso de seus seguidores)
preferem se remeter a Nietzsche e procurar 0 seu comprovante em
Rousseau, Mallarme e por vezes em Lacan, os surrealistas, Francis
Ponge. A Gramatologia, essa anti-hermeneutica, e predominantemente
trancesa, com uma versao americana chamada Deconstrucionismo
ou Deconstrw;ao. Em que medida, pergunta Jean Greisch, podemos
manter 0 equilibrio entre as duas linhas de pensamento? Com efeito,
nao e preciso opo-Ias. Analistas do texto, como Garelli, sabem tirar
proveito tanto de Heidegger, de Nietzsche e de Derrida, mesmo se as
suas leituras favoritas sao Rimbaud, a familia surrealista e Antonin
Artaud. E muito dificil saber se a teoria do texto respectiva dos
grarnat6logos generaliza a especi£icidadede Mallarrne ou de Holderlin,
universaliza urn caso-limite. A epoca p6s-guerra abusivamente
chamada de p6s-modema, exige uma teoria de texto que incorpora
diversos sistemas de signos, inclusive os meios de informayao que,
eles tambem, constituem 0 nosso ambiente cultural. Assim, alias, 0
exigem obras como as dos concretistas, romances como Zero de Loyola
Brandao, Speedball de Pepe Escobar, Cobra de Severo Sarduy, Jia
Julia e 0 escrivinhador de Vargas Leosa, A volta do dia em oUenta
mundos de Julio Cortazar, etc. As obras de Mallarme e de Holderlin,
filhas de sua epoca, podiam apenas incluir as virtualidades da pintura
e da musica e uma permeabilidade dos generos de discurso. E muito,
mas nao basta para as nossas conjunturas hermeneuticas ou antihermeneuticas. Antes de uma recente reabilitayao, costumavam
manifestar urn certo desprezo para a leitura temMica no circulo dos
estudiosos mais sofisticados da Literatura alegando parentesco da
tematologia com a Hermeneutica. A Hermeneutica passava entao ora
por urn processo de leitura reducionista ora por urn jogo de
prestidigitayao sobre 0 sentido, sem fundamentayao na materialidade
do texio. No primeiro caso, 0 sentido decaia para a monovalencia de
urn significado que descartava a riqueza das contradiyoes e
ambigtiidades essenciaispor meio de extrapolayao e violencia efetuadas
sobre 0 tecido textual. No segundo caso, 0 estudioso sempre
"descobriu", na saida da prestidigitayao interpretativa, aquilo que
introduziu no comeyo, de tal modo que fingiu surpreender-se com
uma conclusao queja trazia nas suas mangas desde 0 principio.
Hoje, 0 conceito de" cientificidade" dura e pura que assolava
nossa area desapareceu sob a influencia de uma nova epistemologia.
E aprendemos, como ja dissemos, que a verdade e relativa e a
subjetividade incontornavel. Foi assim que surgiu uma reayao pr6tematica (cfCorps ecrU. N° 23,1987 Poetique, N° 64,1985,
Communications, N° 41, 1988).
Assistimos a uma "dualitude" (Durand) ou convivencia dos
contrarios, ou perda de oposiyao polar da Hermeneutica e da
Epistemologia dentro da "semiologia da leitura" (cf Michel Otten, in
De1croix et Hallyn, Introduction aux etudes litteraires, Gembloux,
1987).0 leitor especializado de hoje e ecletico. Ele lanya mao de
todas as ferramentas a seu a1cance,inclusive,a ontologia husserliana.(IO)
o segundo assunto, 0 eclipse do aut or, continua a alimentar as
polemicas entre os estudiosos, segundo a sua percepyao linear ou
ciclica do tempo hist6rico ou da hist6ria litera-ria, ou segundo a sua
inc1inat;aopara 0 velho e desusado dualismo c1assicismox romantismo,
realisrno x p6s-modemismo. Derrida n1ioescapa a essa tendencia na
sua oposit;ao Logocentrismo x Deconstrut;ao. Mas parece-nos que
trata-se aflnal, no caso dele, de uma pura dialetica apreendida it escola
de Hegel. A carga de agressividade da Gramatologia contra a tradit;ao
romantica perdeu muito de sua fort;a e de sua pertinencia ja que 0
romantismo e eterno. Do "mito da expressao", tao atacado pelo
estruturalismo e pelo p6s-estruturalismo, se fala cada vez menos, desde
que fora redefinida a poesia lirica, que foram reconhecidos os direitos
do sujeito, e esclarecida a natureza transpessoal e multipia da identidade
artistica. Derrida pode, se quiser, continuar a suspeitar as not;oes
gadamerianas e fenomenol6gicas de "participat;ao", "mundo", "preconceito", "pre-compreensao", ele pode, se quiser acusar 0 fil6sofo
alemao de ter uma pacto secreto com 0 Logos, e de acreditar
"numa present;a etema do sentindo", numa temporalidade especifica
do texto" (Verite et Methode: 193); a onda hermeneutica se alastra, e
as acusa<;oes nao suscitarn interesse. 0 fil6sofo frances tern mais
sucesso, numa epoca em que floresce 0 memorialismo, quando ele
cunhou 0 termo de "suplemento" a respeito de Jean-Jacques Rousseau.
Vale se informar sobre esse termo no Glossario de Den-ida de Silviano
Santiago (PUe, Rio de Janeiro). Limitaremos nosso informe a duas
advertencias:
1°)Evitar de ler como urn documento sobre 0 autor 0 relato
litenirio autobiografico (v.g. As confissoes de Rousseu).
2°) No entanto, certas passagens do texto autobiografico exigem
urn suplernento. Esse suplemento nao corresponde a tal ou tal passagem
do texto, ele tern que ser procurado sem uma "saida vertical para 0
significado ultimo" (Greisch: 195) e sem regressao para 0 "vecu
psychobiographique" como faria uma psicanalise improcedente que
trata 0 texto como urn "sintoma".
o suplernento de Derrida, mesmo sendo definido pela
negativa, desloca a atent;ao da analise do autor para a analise da escrita.
Michele Raimond, no seu belo livro sobre Federico Garcia Lorca,
soube concretizar magnificante esses nebulosos conselhos. Para Derrida
(e Roland Barthes) 0 autor se esconde na lingua. Analisar a lingua, 0
estilo, a fon;a que pulsa na escrita, e outra coisa que analisar 0 aut or.
A argumentat;aO para no meio do caminho, por medo de reabilitar 0
sujeito. Mas Henri Meschonnic (La critique du Rythme, 1982) retruca:
a literatura nao se preocupa com a lingua,como 0 pretendem Heidegger
e os Heideggerianos, a literatura se preocupa com discurso, e no entanto
com 0 sujeito de enuncia~ao, urn sujeito historicamente situado, e que
atravessa a sua lingua para medir-se com ela e se afirmar. 0 ritmo,
result a da posi~ao enunciativa sempre em desloca~ao do sujeito e do
interlocutor que aceita acompanha-Io. Em suma, Meschonnic oferece
ao suplemento de Derrida 0 complemento teorico que the faltava, e
aproxima assim Gramatologia e Hermeneutica.
o terceiro assunto concerne 0 desterro da Referencia.
Abre 0 fogo Jean Greisch (197) quando diz: 0 texto parece
apontar em dire~ao de algo que po de ser considerado como sendo
seu referente".
Depois ele antecede nossa preocupa~ao,
perguntando-se que sentido e que referencia atribuir ao texto? Sobre
esse assunto dispomos de preciosas indica~5es bibliognificas que
ofere cernos aqui em nota. *
A "suspension of belief' invocada por lR. Searle, Barthes, Eco
poderia levar a pensar que esse problema do referente, da realidade,
e acessorio. Mas e uma questao de suma importancia para a Poetica
do Imagimirio(1982), para J.Garelli (1983), para Ricoeur (1975).
Ao falar da metafora ricoeuriana, a resposta ja foi dada. Reafirmamos
porem que 0 texto literano, 0 texto artistico aponta para urn referente
possivel em vez de urn referente estabelecido ou confirmado.
No ultimo panigrafo desse setor de seu estudo, lGreisch enfrenta
a problematica da representa~ao, tao intimamenteligada a da referencia.
No dizer de FDagognet (Ecriture et Iconographie. Paris, Vrin, 1973),
de Jean Bessiere (L 'ordre du Descriptij, P.UF, 1988; La Theorie
Litteraire. PUF, 1981),e de lGreisch - e apesar dos corifeus da
anti-representa~ao (0 grupo Tel Quel) - nao se sai da Representa~ao.
Podemos, no melhor dos casos a jusante da escrita, deixar de falar de
evoca~ao, de aludir a urn mundo e preferir falar em "ilumina~ao",
"epoche" - mitos em instancia de cria~ao, preludio ao que advem em
advento ou, como Lyotard, em figural (Derive a partir de Marx et
FreudUG. E.1976) .
• Fabula, n° 3, 1993 (P.D. Litlle): Referents et Roman.
Danon-Bolieau.
Produire Ie Fietif Paris, Meridiens • Klincksieck,
Claire Lejeune. L'Irreference en poesie. C.I.S., nO 24-30
1984
Estamos agora no derradeiro marco colocado por Greisch na
sua glose de Derrida (pois Gadamer esta sobrando, faz tempo, nas
suas observac;;oes). Relembramos 0 subtitulo: "Reinterpretar a
interpretac;;ao".
Dito de passagem, esse titulo equivale a urn programa de
abordagem da metaficc;iioque inscreve nos abissos de sua constrw;ao
sua pr6pria interpretac;;aotornando esse material a ser reinterpretado
pelo leitor.
Em conclusao a esse capitulo de Greisch, a Hermeneutica em lugar de ser a ciencia da atribuic;;ao de significados ou de
adjudic;;ao normativa de valores - acaba sendo uma relac;;ao
extremamente complexa do texto com 0 seu leitor e com os possiveis
da individualidade desse leitor e da configurac;;ao da comunidade
a qual ele pertence. Examinada do lado do leitor, a Hermeneutica e
uma experiencia onto-epistemoI6gica. No decorrer dessa experiencia,
n6s nos medimos como urn saber e almejamos urn saber-se e urn
saber-fazer. Essa posic;;aoque inferimos de Derrida e de Gadamer,
para alem de suas pr6prias colocac;;oes e dos comentarios de Jean
Greisch, encontra a sua melhor expressao nos livros de Raymond
Tschumi (Theorie de la Culture, 1975; A la recherche du sens,
1987, L' Age d'Homme, Lausanne), de J. Garelli, de Paul Ricoeur Oa
citados).<ll)0 leiter investe existencialmente na obra. Mas em vez do
pendor filos6fico de uma busca, no sentido liberal, da verdade, 0 ideal
e, armado de uma semiologia da leitura(Otten),de uma informac;;ao
fenomenol6gica (Iser, Garelli)trilhar 0 caminho do Imaginario na esteira
de Durand e Burgos. Com esse conjunto de estudiosos, nosso
empreendimento superara as falsas dicotomias, (fora/dentro,
legibilidade/hermetismo, sujeit%bjeto). Efetuaremos uma travessia
do corpo escriptural em direc;;aoa uma compreensao cada vez mais
ampla, da descoberta de realidades outras, geradoras por sua vez de
transformac;;oes, de escalas individuais e comunitarias.
(12)
1 - Jean Greisch, pesquisador do CNRS, Paris, Fran9a, nos fomece
apenas urn quadro de reflexao.
2 - Gilles Deleuze e Felix Guattari escreveram em parceria, alem de
Kafka: pour une litterature mineure, L 'Anti-Dedipe,
Mille
Plateaux (Minuit, 1970, 1972 ).
3 - Jean Burgos e diretor do centro sobre Imaginario e Cria9ao e da
Revista Circe. Aluno e sucessor de Gilbert Durand. Atualmente e
presidente da Universidade de Savoie que outrora foi administrada
tambem por Gilbert Durand.
4 - Em geral quando falamos de Hermeneutica, falamos de seu ilustre
representante alemao: Derrida representa a Deconstru9ao e a
Gramatologia,
esta sendo a vertente filosofia da" estetica"
deconstrucionista.
5 - Jacques Garelli publicou alem dos livros citados, muitas colabora90es
em revistas cientificas: La Gravitation Poetique, Mercure de France,
1966; Le Reeel et la Dispersion, Gallimard, 1978; Artaud et la
question du Lieu. Corti, 1982. Da sua obras poetica destacamos:
Breehe, Mercure de France, 1966; Lieux precaire, Mercure de France,
1972, L' ubiquite d 'etre, suivi de Diffieile Sejour, Corti, 1986.
Apresentamos urn sobrevoo dessa obra nas atas do III encontro da
ANPOLL, 1989; "A ontologia poetica de Jacques Garelli.
6 - Consultar esses dois autores em Aron Kibedi - Varga Theorie de la
litterature. Paris/Lisboa, 1982.
7 - Ruth Menahem. Langage et Folie. Paris, SEDES, 1988. 3a parte:
L' activite du langage.
8 - Revue Tel Quel: Theorie d'ensemble Seuil, 1968. Julia Kristeva.
Le langage poetique. Seuil, 1974 e tambem P. Macherey. Para
uma teoria da prodw;t1o literaria. Maspero/Estampa, 1968 ,1978.
9 - Marc Angenot. Revue des Sciences Humaines, N° 189 (1983): 121
-135.
10 - Consultar Michel Collot e J. C. Matthieu, cole9ao Rencontres sur
la poesie moderne. Presses de L'Ecole Normale Superieure. Olivro
de homenagem consagrado a Jean Starobinski ( Cahiers du Centre
Georges Pompidou, 1986) e a J.P. Richard (Territoires
de
L'Imaginaire. Seuil, 1986).
11- Ver tambem :
- P. Ricouer. Temps et Recit 1. II e III Seuil, 1984, 1985, du texte a
l'action Seuil, 1986.
- J. Bessiere e outros: La Theorie litteraire. Paris, PUF, 1989.
- 1. Bessiere - Dire Ie litteraire. Bruxelles/Paris, P. Mardaga, 1989.
12- David Bleisch. Subjective criticism. Jolm Hopkins University Press.
Baltimore 1978. Norman Holland. "The New Paradigm: subjective
transaction". New Literary History, 1976, 7: -335 - 346 .
A LiNGUA COMO HUMANIZADORA
INTERACAO INTERPESSOAL
NA
(1)
A pnltica de estudo do texto e mais abrangente do que a pnitica
tradicional de estudar os fatos lingi.iisticosisoladamente. Isto porque
a dimensao textual da conta de importantes questoes de ordem social,
cultural e politica, esclarecendo a diversidade de conceituayao dos
fatos sociais e culturais de urn povo para outro; preve para os alunosusuarios atividades que os ajudam a tornarem-se observadoresanalistas de seus pr6prios usos de portugues, fazendo entao lingi.iistica
aplicada ao ensino-apredizagem dosusosdo portugues; incentiva 0
espirito investigador, reflexivo e critico do serhuman04iante de si
mesmo, dos outros, da comunidade onde vive e convive; leva 0 falante
a empenhar-se em fazer com que seu parceiro comunicacional
compreenda 0 que ELE, 0 falante, esta dizendo e empenhar-se em
interpretar a intenyao comunicativa do receptor. Com isso, evita-se 0
colapso comunicativo, pois a competencia da comunica<;ao exige
habilidade para 0 falante se re1acionarefetivamente com outras pessoas
no processo, cujo componente importante e a habilidade da expressao,
do respeito e da considerayao positiva por outra pessoa, vendo-a no
seu contexto s6cio-cultural. Portanto, n6s precisamos de urn manejo
reflexivo e auto-critico de nossas pr6prias imagens e estere6tipos,
como tambem daquelas imagens dos outros: cada pessoa se ve diferente
de como outro ave. 0 entendimento intercultural, entao, ajuda-nos a
ficarmos conscientes da relatividade de nossos conhecimentos, tanto
quanta da nossa cultura.
E preciso portanto unir esforyos com os colegas de to do
pais (louvavel este Encontro), no sentido de contribuir para a analise
(l) - Texto de palestra no "Encontro de Professores de Portugues", prol11ovido pelo
Colegio das Damas de Instrw;ao Crista - 1992; com a insen;ao, agora, da
Homenagem a Professora Doutora Cilia Coelho Pereira Leite ( Madre Olivia), da
PUC-SP
da situayao do ensino de portugues, no Brasil, para que se respeite a
identidade linguistica de cada falante na certeza de que, e aqui
concordamos com Luiz Antonio Marcuschi: "Saber sobre a linguagem
e saber sobre costumes, tradiy6es, atividades, instrumentos e muito
mais". (2)
Situando, pois, 0 tema deste ensaio no ambito da temMica - "A
Lingua como manifestayaocultural"- a expressao interac;aointerpessoal
deve ser entendida no sentido amplo de ensino da organizayao e dos
usos da lingua numa perspectiva intercultural. Nao cremos que seja
necessario demonstrar a urn publico de professores de portugues (com
formayao lingt1isticaou sobretudo com pritticapedagogica) que 0 ensino
da Gramatica tern razao de ser. Lembramos, todavia, que 0 termo e
uma abstrayao, pois se e possivel dizer que 0 sistema da lingua nao e
urn so, na pratica esse sistema se realiza na fala por mediayao de
tantas normas objetivas quantos SaDos dialetos sociais e regionais e
tantas subnormas quantas saDas situayoesde comunicayao ou registros.
Por tudo isso, as sugest6es de propostas prioritarias de
investigayao da lingua numa perspectiva de interayao interpessoal
e intercultural, valem elas mais pe1atroca de experiencias eo desejo
de servir it causa da educayao.
Nossa hipotese e a de que a ciencia, 0 saber tecnico-cientifico,
a literacia cientifica estao, cada vez menos, isentos dos embates
socio-politicos, no mundo inteiro. A escola, dentro desse contexto,
na medida que incorpora individuos de divers as classes e de origens
sociais, cada vez mais incorpora tamhem as chamadas contradiy6es
sociais que, por sua vez, se cristalizam no mundo inteiro. Na escola,
ainda hoje, ha professores que cometem 0 erro de entender como
"lingua" aquela modalidade culta-literaria ou nao - refletida no
codigo escrito ou na prittica oral que the segue 0 modelo, repudiando
de todo aquele saber linguistico aprendido em casa, intuitivamente,
transmitido de pais para filhos; outros, por urn exagero de
interpretayao de "liberdade" e por urn equivoco em supor que
uma lingua ou uma modalidade e "imposta" ao ser humano, chegam
ao abuso inverso de repudiar qualquer outra lingua funcional que nao
(2) "Lilguagem: 0 aspecto regional como valor". In: Allilis do 1 ellcoll/ro de
lingiiisticil e li/eralura, Serra Talhada, PE, 1981 - Recife, Secreta ria de
EducayaolPE, 1982, p. 28
seja aquela informal, de uso espontaneo na comunicayao cotidiana.
Basicamente, a grande missao do professor de lingua materna e
transformar seu aluno, e aqui concordamos com 0 gramMico Evanildo
Bechara, em urn poliglota dentro de sua propria lingua, possibilitandolhe escolher a variedade funcional adequada a cada momenta de criayao
e, ate, no texto em que isso se exigir ou for possivel, entremear diversas
variedades funcionais para distinguir, por exemplo, a modalidade
lingiiistica do narrador e a(s) modalidade( s) de seu(s) personagem( s).
o padrao culto (norma culta) visto como unico uso viavel no
que se refere a estrutura da lingua portuguesa traz, ao nosso ver, duas
conseqij(~nciasbem marcantes:
1- Professor e aluno assumem uma atitude discriminat6ria quanta
a realidade lingiiistica brasileira. S6 e prestigiado socialmente aquele
que domine as regras gramaticais, como se lingua fosse urn aglomerado
de preceitos rigidos e impostos. Onde fica, entao, a capacidade criativa
dos usuilrios ? E 0 idioleto ou variedade individual de cada falante?
Isto advem do quase completo alheamento aos aspectos s6cioculturais e lingilisticosdo aprendizna prciticado ensino da linguamaterna.
As consequencias, repetimos, tern sido gravissimas. Atitude
discriminatoria na sala de aula e uma constante, por se desconhecer
indicadores da cultura de cada aluno ou, sejamos mais realistas, do
grupo social por si e que 0 diferenciam entre outros. Mora tudo isso,
convem lembraruma situayao de fato e bem real: impondo 0 seu padrao
linguistico, a classe dominante rejeita as expressoes nao-gramaticais.
A saida pnitica que cabe ao professor e a de ter presente que as
atividades de ensino deveriam oportunizar a seus alunos 0 dominio de
uma outra forma de falar, sem que isto signifique a depreciayao da
forma de falar de seu grupo social. Que lingua ensinar na escola? Eis
a pergunta-chave. Ensinar portugues e ensinar os usos da lingua e nao
s6 0 padrao considerado culto e pelo qual 0 poder se manifesta com
toda sua forya. A relayao interpessoal inexiste. Faz-se necessario,
pois, estabelecer uma politica de ensino coerente com a realidade que
prepondera nas diversas regioes do pais.
Acreditamos que a soluyao esta numa postura, da parte dos
professores-educadores, que encare os aspectos da educayao e do
ensino como questoes de carMer politico-social e nao como questoes
de natureza apenas pedagogica e de tecnicas de ensino, a fim de
descaracterizar a escola como mantenedora das desigualdades sociais.
Estas sac as preocupayoes que, de urn modo geral, devem orientar e
serem exigidas dos professores - educadores.
Neste sentido, atraves de uma LINGU!STlCA CRiTlCA,
objetiva-se descobrir -revelar as relacoes de poder e os processos
ideologicos que permeiam os diversos textos (escritos, falados). Do
mesmo modo, uma PEDAGOGIA Critica se volta para analise das
ayoes e interayoes na sala de aula, it luz de sistemas de crenyas e
valores (sociais, culturais, politicos) de educandos e educadores. Em
ambas, ressalta-se a dimensao socio-cultural e politica.
2. A educar;ao formal atrawc?sdos meios de comllnicar;ao
de massa solidifica os preconceitos e as distorr;oes inicialmente
recebidas na escola. Os significados e as mensagens recebidas atraves
desses meios de comunicayao tambem nao correspondem it imagem
do falante nativo (da crianyae do adulto ) e da sua realidade, estimulando
a atitude que enfatiza os preconceitos e as distoryoes existentes sobre
a realidade lingiiistica brasileira. A guerra primeira, entao, e contra a
granuitica, a gramatica definida como normativa, retrograda, naocientifica, autoritaria, irrealista. Assim, 0 caminho adequado e 0 de
proceder a urn levantamento dos fatos da lingua entre nos e estabelecer
uma politica de ensino coerente com a realidade ali delineada, alem
de que isso forya 0 falante a agir, uma vez que ele vai decidir usar seu
portugues de acordo com 0 que achar (e ai eletern que pensar) coerente.
Isso tira 0 falante, e mais particularmente 0 aluno, do papel passive
que vem desempenhando no ate da fala e do caos em que se mostra
envolvido pois nao sabe bem (seja qual for sua classe social) para
que estudar portugues.
Esta na hora de rejeitar a concepyao de norma padrao (superior)
em nome da qual se pratica todo tipo de discriminayao. A existencia
de variedades em grandes areas territoriais com uma unica lingua
nacional, como e 0 caso do Brasil, e realidade objetiva e inelutavel.
Quem a desconsidera e a c1assedorninante culta e conservadora.
Seus elementos mais retrogrados talvez nem cheguem a falar em
"variantes" para referir-se as formas usadas pelo povo; este
simplesmente nao sabe "falar corretamente", esta "destruindo 0
portugues". Qutros mais sutilmente falarao em dialetos, mas tambem
formularao pianos para a educayao lingiifsticado povo, para a "salvayao
da lingua nacional", condenando os meios de comunicayao de massa,
principalmente a televisao, como elementos propagadores da lingua
portuguesa. Finalmente, os mais liberais, nao ousando confessar 0
elitismo profundo de suas convicyoes de serem os donos da lingua,
falam de "dialetos sociais ou regionais", em oposiyao it "lingua culta"
- que e a deles, naturalmente -, ou, sem adjetivos, it "lingua". E,
corroborando a tese de que, em toda sociedade, a ideologia dominante
e a da classe dominante, 0 proprio povo explorado dec1ara, como
seus dominadores mais retrogrados, que "nao sabe falar direito".
Diante da confirmayao de que pode haver equivalencia funcional
entre a capacidade comunicativa de cada falante (independente de
idade, de c1asse social, de respeito ou nao it norma gramatical), devese discutir e aprofundar a questao dos direitos individuaise das minorias;
e ainda, uma forma de repensar, criticamente, a gramMica e 0 livro
didatiea, numa tentativade minimizara influenciada gramaticatradicional
no ensino escolar. Tudo isso tern como pressuposto 0 educar de
acordo com os direitos humanos e lingiiisticos, 0 que, no nosso tema
em discussao, e ter a lingua como instrumenta de interac;aointerpessoal.
Poucas tern sido as alterayoes registradas nas gramaticas
prescritivas brasileiras ao longo dos tempos. A maioria delas nao
leva em considerayao os diversos usos, tornando impossivel a
harmonia entre estes e as normas e os conceitos gramaticais. Q
en sino do portugues nas escolas esta restrito ao ensino das normas.
Esse padrao e ensinado como 0 tinico lingiiisticamente correto, a tinica
linguagem representante de uma cultura. Ja nao se usa conscientemente
a linguagem, decoram-se esses preceitos gramaticais, sem se considerar
a experiencia particular que urn falante tern da propria lingua - ao
bloquear as suas eventuais intuiyoes - procedimento que nao favorece
nem mesmo 0 aprendizado da propria norma cult a, pois esse
aprendizado se torna abstrato, irreal, sem utilidade propria ou pelo
menos enfadonho.
Qual entao poderia ser a postura do professor de portugues
frente it gramatica da Lingua Portuguesa?
Como ensina-la
adequadamente?
Nesta perspectiva, cabe uma reflexao sobre a Lingidstica
Aplicada it Pesquisa e ao Ensino da Lingua Materna, no Brasil,
e com ela, uma homenagem. Impossivel falar de lingilistica aplicada
ao portugues e mais precisamente Semdntica da Lingua Portuguesa,
em Sao Paulo sobretudo, e nao associar de imediato estas palavras a
Cilia Coelho Pereira Leite, a nossa querida MADRE OLIVIA.
Dona de uma versatilidade impar no oficio de pensar, Madre
Olivia produziu uma obra significativa no universo semantico da
linguagem, urn verdadeiro passeio poeticd3) nos caminhos, sem
!imites, do repensar 0 ensino da gramitica priorizando 0 carninho da
reflexao, do pensar e do educar criticamente. Urn born exemplo de.ssa
ousada versatilidade e a participac;ao desta grande educadora no
movimento da pesquisa paulista que deu origem ao IP (Instituto de
Pesquisas Lingilisticasda PontificiaUniversidade Cat6lica de Sao Paulo
- IP/PUC-SP).
Madre Olivia foi, sem nenhuma duvida, uma figura de frente do
gropo de pesquisadores (muitos seus ex-alunos) que ousou romper a
barreira preconceituosa entre a Iingliisticaaplicadae 0 ensino gramatical,
o que valeu a consolidac;ao da pesquisa semantica na vanguard a do
movimento lingiiistico brasileiro contemporaneo.
Naquele grupo, alem da mestra, estavam professores e alunos
da PUC/SP e outros, tentando, a partir de uma linha te6rica de
pesquisa, dar forma a essa nova gramatica que surgia. 0 livro
Semantica, publicado em uma segunda edic;aopelaUniversidadeFederal
de Alagoas (UFAL), em 1979, fruto de sua tese de doutorado, e urn
exemplo tipico deste trabalho. Aqui, temas e metodologia aliados a
uma harmonia bem caracteristica da cultura lingiiistica, reunem-se na
forma operacional construindo urn peculiar acervo linguistico com
unidade estilistica.
E irnportante ressaltarum fato de maior relevancia. 0 movirnento
deflagrado com a criac;ao do Curso de P6s-Graduac;ao em Lingua
Portuguesa da PUC/SP; e com a criac;ao do IP-PUC/SP, onde
(3) A prop6sito, a homenageada publicou um livro de poemas ( LIBERTAC;:J..O Ed. presenca, RJ, 1988, 71 paginas), cuja resenha de minha autoria [oi
divulgada na Edir;1io do dia 01/12/1989 do Jornal do Commercia, p.10, sob 0
titulo "A Libertar;ao da Madre Olivia".
pesquisadores como Madre Olivia - sua primeira coordenadorapuderam contribuir para radicalmente transformar a pnitica do ensino
de Portugues.
Posso dizer, com certeza, que esta homenagem de hoje (Madre
Olivia esta com seus 80 anos ) e mais que devida, e merecida. Madre
Olivia e urn marco na hist6ria da cultura da PUC/SP, do Estado de
Sao Paulo e deste Pais (inumeros trabalhos de orientandos sac prova
disso).
Como colega, e sua ex-aluna, eu me sinto honrada de ter partilhado
com ela urn momento hist6rico, de mudanc;as e conquistas culturais
da P6s-Graduac;ao da PUC/SP.
Como uma representante de seus ex-alunos, agradec;o a
Madre Olivia par toda sua obra e pela emoc;ao que sinto em te-Ia
aqui, cheia de vida, alimentando 0 nosso argulho e 0 nosso sentimento
de estudiosa da semantica da sintaxe na perpectiva de uma Gramatica
de Texto.
Esperamos, por fim, que as nossa indicac;5es possam ser uteis,
estimulem as discuss5es na busca de propostas alternativas que
possam contribuir para efetivas mudanc;asde atitudes dos responsaveis
pela educac;aoatraves da elabarac;aode objetivos,metodos e conteudos
em fun9ao de uma pedagogia intercultural "na busca incessante de
MELHORES ENCONTROS, para atenuar a dureza da vida humana
e conduzi-Ia a mais felicidade". (4)
(4) MADRE OLIVlA, Semdntica e a Natureza da Lingua.
p.81.
Petr6polis: Vozes, 1979,
LEMBRANDO FERNANDO TARALLO:
os
DIREITOS DE APRENDIZES DE SOCIOLINGOiSTICA
Como surgiu seu interesse por Direitos Linguisticos?
perguntam-me colegas de profissao e pessoas interessadas nessa
problematica. Em grande parte, respondo, por causa de uma formar;ao
interdisciplinar: Letras, Direito e Lingi.iistica. Dentre os fat ores que
contribuiram, durante a gestar;ao da ideia, destacaria a busca de uma
humanizar;ao mais profunda do processo de educar;ao linguistica
(Gomes de Matos, 1982, 1983 ) 0 contato com especialistas em
educar;ao e direitos humanos na Unesco, Paris (a partir de 1975),
participar;ao nas Diretorias da AILA - Associay30 Internacional de
Linguistica Aplicada (ate 1981) e da AlMA V - Associar;ao
Internacional para 0 Desenvolvimento da Comunicar;ao Intercultural
(desde 1978), influencia do modelo te6rico emancipat6rio de Paulo
Freire e a leitura de artigos sobre Direitos Humanos na Revista de
Cultura Vozes na decada de 70. A essa enumerar;ao devo acrescentar
o fato de ter feito uma iniciar;ao it Sociolinguistica no verao
estadunidense de 1964, como bolsista da Fundar;ao Ford e do
Programa Interamericano de Linguistica, Ensefianza de Idiomas
(PILEI), em Indiana University. Tive, por isso, 0 privilegio de cursar
uma disciplina ministrada por John Gumperz e outra, orientada por
M.A.K. Halliday.
Todos esses fatores viriam a integrar-se em uma firme vontade
de propor algo novo it comunidade linguisticainternacional. 0 "estalo"
ocorreu em 1983, ao comer;ar a formular 0 que em marr;o do ana
seguinte seria publicado pela Revista de Cultura Vozes (Gomes de
Matos, 1984 a) e pelo boletim FIPLV WORLD NEWS (letter), da
Federar;ao Internacional de Professores de Linguas, editado sob os
auspicios do Programa ALSED - Anthropology and Language Science
For Educational Development da UNES~O (Gomes de Matos, 1984
b). Em ambos os casos, a inspirar;ao-mor
foi a Biblia.
Significativamente para 0 que anos mais tarde iria chamar "direitos
linguisticos do cientista brasileiro", 0 primeiro artigo sobre Direitos
linguisticosde minha autoria foipublicadoprimeiramenteem portugues.
Essa caracterizayao de uma nova categoria de direitos humanos foi
explicitada atraves de uma lista de 20 tipos de direitos, dentre os
quais 0 de aprender-se uma ou mais linguas (cf Gomes de Matos,
1984 a). Em suma, uma formayao em Letras-LingUistica-Direito(com
uma forte inclinayao para 0 Direito Internacional)e uma incessante
busca por abordagens educacionais verdadeiramente humanizadoras,
convergiriam para a criayao de uma ideia - traduzida atraves de urn
Apelo em favor de uma Declarac;iio Universal dos Direitos
Lingi1isticos - que iria germinar mediante conceitos-chave e derivados.
o envio do texto do Apelo (ing. A plea) a linguistas,
sociolingu.istas, psic610gos, educadores, cientistas politicos resultou
em abundante e expressiva documentayao epistolar, verdadeiro
feeedback de interdisciplinaristas tambem preocupados com a
problematica do conquistar-se urn lugar ao sol para uma categoria
de direitos humanos ainda nao reconhecida pela ONU: os direitos
lingiiisticos. Veja-setais depoimentos no vo1.2desta revista, dezembro
de 1992,p.171-172, no relato deste autor sobreLingUistica no Brasil:
o papel da UFPE.
A inclusao, entre os 20 tipos de direitos linguisticos
exemplificados em Gomes de Matos( 1984 a), dos direitos
lingi1isticos de aprendizes e meu interesse em fazer sociolinguistica
aplicada ao ensino-aprendizagem de linguas (materna e estrangeira),
levaram-me, durante uma permanencia de quase urn ano nos Estados
Unidos - Professor Visitante Fulbright no Department of Romance
Languages da University of Georgia, Athens, USA no periodo letivo
americano de 1985 a 1986 - a aprofundar uma ideia potencialmente
fertil: os direitos lingUisticos de aprendizes de lingua materna (0
Portugues) e linguas estrangeiras (mais especificamente 0 ingles: cf.
Gomes de Matos, 1976, para uma perspectiva anterior). Assim,
sucederam-se varios escritos sobre essa problematica "derivada": em
portugues (antes de recorrer it lingua inglesa), urn artigo sobre a
importancia desse novo tipo de direitos para os aprendizes de linguas.
(Gomes de Matos, 1984 c) e, em ingles, urn balanyo-critico sobre a
ausencia, na literatura sociolinguistica, de escritos sobre os direitos
lingtiisticos de aprendizes de linguas (Gomes de Matos, 1985). No
ano seguinte, apesar de impossibilitadode comparecer ao XI Congresso
Mundial de Sociologia em Nova Delhi, India (agosto, 1986), tive
uma comunicayao aceita e apresentada "in absentia" pelos colegas
Tove Skuttnab-Kangas e Robert Phillipson, dois dos mais atuantes
especialistas mundiais na area de direitos linguisticos e, atualmente,
coordenadores
da Rede Mundial que, atrav6s do Correio
Eletronico, intercambia id6ias e resultados de pesquisas sobre
direitos humanos lingii£sticos.
A intenyao de contextualizar minha pesquisa nesta nova
area de direitos linguisticos de aprendizes de linguas motivou a
publicayao de urn texto apresentado no I ERPULI, Primeiro Encontro
Regional de Professores Universitarios de Ingles, realizado na PUCRJ, sob os auspicios do British Council e da comissao Fulbright( cf.
Gomes de Matos, 1988 a).
Dutra id6ia "derivada", correlata, comec;aria a ser explorada a
partir de 1986: os direitos lingtiisticosdo professor (Gomes de Matos,
1986 ). Esse aspecto da problematica viria a transformar-se em uma
breve Carta de Principios para profess ores de linguas em paises
em desenvolvimento ( Gomes de Matos, 1988 b ).
Mais uma dimensao foi introduzida, atrav6s de urn artigo
em que argumento em favor do direito, que deveria ter 0 aprendiz
de linguas (segundas, estrangeiras) de traduzir (Gomes de Matos,
1991).
Ainda sobre direitos de aprendizes de portugues como lingua
materna, registre-se a publicac;ao de urn texto sobre direitos dos
alfabetizandos (Gomes de Matos, 1990) e, com referencia ao ensino
de nossa lingua a falantes de outros idiomas, examine-se uma listagem
dos direitos e deveres de professores de portugues a estrangeiros
(Gomes de Matos, 1992 a).
Evidencia adicional de que 0 macroconceito de direitos
lingtiisticos e extremamente fertil, especialmente se considerar-se que
todo ser humano e aprendiz-construtor-usuario de pelo menos um
sistema lingiiistico (lingua falada, lingua escrita, lingua de sinais...) e a
quesHio, levantada por este linguista, dos direitos linguisticos dos
cientistas, particularmente de lingua portuguesa (Gomes de Matos,
1992 b; 1993).
o desenvolvimento da id6ia dos direitos linguisticos dos
aprendizes vem frutificando, tendo motivado este pesquisador a
elaborar urn Projeto a transformar-se em Fudamentos para uma Teoria
e Praxis dos Direitos Linguisticos de Aprendizes de portugues e de
linguas estrangeiras no Brasil .
A seguir, uma pequena amostra de depoimentos de alunos de
Portugues sobre seus direitos linguisticos. A documentayao que esta
sendo coletada visa a revelar percepyoes de pre-adolescentes e
adolecentes - no contexte escolar local- sobre direitos lingiiisticos.
Aos leitores cabeni fazer as infererencias sobre atitudes de estudantes
(do Colegio SantaMaria, Recife).
Perguntou-se: "Como aluno(a) de portugues, neste Colegio,
que direito voce gostaria de ter7 Por que 7". Cum pre esclarecer
que, antes de pedir-se aos alunos que escrevessem a resposta, houve
uma discussao bem informal a respeitos de direitos humanos, sem,
entretando, mencionar-se essa nova categoria de direitos lingiiisticos.
A seguir, 10 depoimentos de alunos do 10 Grau maior :
1. "Falar livremente, durante a aula, sem inibiyao ou medo de
estar errada"
2. "De nao ler livros que nao gosto"
3. "De ter gramaticas dadas pelo govemo"
4. "De discutir com 0 professor diferentes maneira de falar a me sma
coisa com outras palavras"
5. "De poder falar girias e ao mesmo tempo ser cult a"
6. "De opinar tambem sobre livros extraclasse para que fossem
lidos com mais empolgayao"
7. "De poder falar da me sma maneira que falo em casa"
8. "De questionar a escrita das palavras, pois muitas palavras, para
mim sao complicadas"
9. "De questionar 0 professor ate que entenda e acredite na integra
as mensagens transmitidas"
1O."De me expressar de urn modo correto, mas simples"
Eis mais cinco depoimentos, de alunos do 2° grau (mesma
Escola; 0 continuum socioecon6mico dos pais se estende da classe
media it classe media-aha):
A questao submetida aos alunos foi: "0 que entende por direitos
lingUisticos?"
( PARA MIM, DlREITO LINGuISTICO
DlREITO DE .... )
SIGNIFICA
TER 0
1. "Falar do jeito que eu quiser "
2. "Se sou fanho, ou gaga ou falo nipido demafs, tenho direito de
falar assim"
3. "Expandir cada vez mais meu vocabulario"
4. "Falar girias"
5. "Diante dos fatos , poder debater e criticar"
De conceitos sociolinguiticos
aprendizes
a direitos sociolinguisticos
de
Vma estrategia para explicar direitos de aprendizes e a de
tomar-se conceitos-chave da Sociolinguisticae, a partir deles, formularse os direitos correspondentes. Apenas para ilustrar, seguem-se dois
exemplos:
o direito
de ser exposto a variedades da lingua
de fazer 0P90es quanto a variantes ( lexicais,
sintaticas, pragmaticas)
direito de manifestar rea90es sobre variedades da
lingua ( e aos usos destas) e sobre usuarios e
comunidades linguisticas.
direito de receber orienta93o sobre atitudes
linguisticas, para poder ser urn usuario esclarecido,
confiante ( lembre-se 0 pioneirismo do grande mentor de
Fernando Taral1o, WiJliam Labov, quanto a constru93o e
aplica9ao de teste sobre inseguran<;a linguistica).
o direito
o
o
Inspirado na obra do saudoso colega Fernando Tarallo, posso
afirmar que estivesse ele ainda entre nos - fisicamente, pois
espiritual e intelectualmente continuaremos a sentir sua presenva e a
muito positiva influenciade suas ideias- certamente aceitaria 0 desafio
de formular uma lista dos direitos dos aprendizes de Sociolingtiistica.
Como homenagem aquele criativissimo colega, apresento uma lista, a
ser complementada pelos colegas e por alunos de pos-graduavao e
graduavao:
(COMO APRENDIZ DE SOCIOLINGUISTICA 0 ALUNO TEM
DIREITO DE ..... )
1. Aprender a compreender as" fotografias sociolinguisticas" de
sua realidade nacional, regional, estadual, municipal
2. aprender afotografar sociolinguisticamente aspectos de sua
realidade, atraves dos diversos modelos teoricos existentes, sejam
variacionistas, interacionistas, quantitativos, eclcticos ",
3. Aprender a fazer sociolinguistica de modo relevante e agradavel
(0 livro Tempos Linguisticos, Itinerario Historico da Lingua
Portuguesa, que Tarallo nos deixou, atraves de edivao pela Atica,
SP, 1990, e modelar tambem como demonstravao de que e possivel
sastifazer ao direito de fazer SociolinguisticaHistorica - trabalhar
os principios da variavao e da mudanva lingUistica - de modo
atraente, atraves da problematizavao"agradavelmente legivel",como
insiste Tarallo na Introduvao aquele volume).
Para concluir, recordo 0 senso de empatia - de elevadissima
responsabilidade profissional- que Tarallo manisfestou, ao enviar
seu manuscrito (devidamente corrigido) para inc1usaono numero 89
da revistalnternational
Journal of the Sociology of Langauge
(Berlin, Mouton de Gruyter, 1991 ), que tivemos a prazer e 0 privilegio
de organizar, Stella Bortoni e 0 autor deste texto. Ao perceber que a
referida revista so sairia em 1991 e que tinha redigido sua contribuivao
( Sociolinguistic Patterns in Brazilian Portuguese) em 1988, Tarallo
fez questao que a data de criavao do texto ficasse registrada na revista
dirigida por Joshua Fishman. Assim, le-se: UNICAMP, May 1988.
Que 0 dignificante,sociolingiiisticamenteconstrutivo e motivador
exemplo de Tarallo tenha continuidade em nossa comunidade cientifica
brasileira: apos escrever sobre direitos, cumpre lembrar ooutro aspecto
da questao - os deveres. Urn de nossos deveres
0 de saber homar
a seriedade e a edequa9ao com que Tarallo pas seu notavel
conhecimento de sociolingUistica a servi90 dos que continuam ou irao
prosseguir nesse maravilhoso tUnel sociolingUistico que atravessamos
com entusiasmo e espirito de aventura, no sentido Taralliano. Que a
paz comunicativa eterna esteja com voce, Fernando Tarallo.
e
Gomes de Matos, Francisco ( 1976) Lingiiistica Aplicada ao Ensino
de Ingles. Sao Paulo, MGraw-Hill
(1982) Toward a human-improving applied linguistics Washington,
D.C. Center for Applied Linguistics Newsletter,
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(1893) Amor ao proximo linguistico. Petr6polis, Revista de Cultura
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Petr6polis, Revista Vozes, julho-agosto.
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Translation: Theory and Practice. Vol 5, American
Translators Association Series. SUNY at Binghamton,
New York.
(1992 a) Os direitos e os deveres dos profesores de portugues a
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(1992 b) 0 cientista de lingua portuguesa e seus direitos
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Portuguesa, n° 7, junho.
(1993) Human rights applied to languages for special purposes:
the linguistic rights of scientists. Marburg, Gem1any,
FIPLV WORLD NEWS, January.
EM BUSCA DOS SABIAs ...
"Urn sabia
Na palmeira, longe"
Carlos DrulJIlJlond de Andrade
A "Canyao do Exilio" de Gonyalves Dias, escrita em Coimbra
ernjulho de 1834 chegou ao Brasil pouco tempo depois, e se afirmou
como urn hino it natureza e it beleza da "pMria amada". Convern
lembrar que, naquela epoca, as vozes romanticas daEuropa ja haviam
chegado ao pais tropical via Paris, atraves dos "Suspiros Poeticos e
Saudades" de Gonyalves de Magalhaes que, seguindo 0 rnodelo
romantico frances, exaltava 0 seu amor pela "terra saudosa" e pelo
"sol arnericano".
Mas os versos de Magalhaes nao VaGbrilhar eternarnente no
firmamento da poesia brasileiracomo os de Gonyalves Dias, e a hist6ria
literaria vai desloca-los ao longo do tempo. Manuel Bandeira, nurn
estudo critico sobre 0 poeta declara:
" Magalhaes estava longe de ser 0 genio que julgavam ver
alguns dos seus contemporaneos, (...) A religiao, a patria, 0 amor, os
aspectos da velha civilizayao europeia, temas inspiradores da poesia
dos Suspiros, nunca the arrancaram acentos verdadeiramente
profundos" yl
Contrariamente aos versos de Magalhaes, os de Gonyalves
Dias vaGse tomar cada vez mais conhecidos e apreciados das gerayoes
futuras. Comprovando 0 seu valor e a sua forya de integrayao no
sentirnentalismo e no espirito de urn povo que ainda estava it procura
de uma identidade e de modelos. Quantas gerayoes viveram a sombra
das palrneiras, escutando os sabias, enquanto os ventos romanticos
sopravam cada vez rnais forte, embalando paixoes, desejos, desespero
e morte!
1 - Manuel Bandeira, Ensaios Literarios in Poesia Completa e Prosa, Rio de
Janeiro, Jose Aguilar Editora, 1974, pp 555-557.
Parece-me interessante confrontar a critica que Manuel
Bandeira fez aos versos de Magalhaes it sua apreciayao da poesia de
Gonr;alves Dias:
" Nao hi na poesia brasileira versos que tenham alcanr;ado
mais larga popularidade (...) na "Canr;ao do ExOio" 0 sentimento
de nostalgia da patria esta expresso com uma serenidade que se
respira em Wanderers Nachtlied Ein Gleiches de Goethe". (2)
Convem salientar que 0 poema de Gonyalves Dias foi inspirado
numa balada de Goethe, da qual 0 romantico brasileiro estraiu a epigrafe
da sua Canr;ao; epigrafe esta, traduzida assim por Manuel Bandeira:
"Conheces 0 pais onde florescem as laranjeiras?
Ardem na escura fronde os frutos de ouro ...
Conhece-lo? - Para Ia quisera eu ir". (3)
Poderiamos afirmar que "A Canr;ao do ExiIio" e na Iiteratura
brasileira 0 texto de referencia do nosso romantismo, pois sempre
esteve presente na memoria do povo, dos poetas e artistas brasileiros.
Os diversos movimentos literarios se inspiraram desta Can<;aocomo
uma especie de texto matriz. Nos a veremos assim sob as mais variadas
formas e utilizada para os mais diversos fins.
Ainda na fase romantica, 0 poeta Casimiro de Abreu vai
intertextualiza-Ia, escrevendo a sua propria "Canyao do ExiIio";
assim tambem procedera Sousandrade com a sua "Harpa XLV". Os
poetas modemistas e pos-modemistas vao dar aos versos de Gonyalves
Dias urn novo tom e uma nova roupagem; assim a velha "Canyao do
ExiIio" voltara it atualidade literaria: Carlos Drummond de Andrade a
evocara no poema "Europa, Fran<;ae Bahia" e criara tambem a sua
"Nova Car.yao do ExiIio"; Oswald de Andrade nas suas andanr;as
pela Europa escrevera 0 seu "Canto de Regresso it Patria" inspirado
na velha Canr;ao sempre presente; Cassiano Ricardo imaginando-se
num exilioromantico, arfimara 0 seu desej0 de evasao no poema "Ainda
irei a Portugal", e como outros, Murilo Mendes, em exilio cultural na
Europa, homenageara 0 "texto fundador", com a sua "Canr;ao Exilio".
2 - Idem, p.562
3 - Gonc;alves Dias, Literatura Comentada, Abril Educac;ao, Sao Paulo, 1982. P.ll
Mas, a "Canc;ao" de Gonc;alves Dias nao ficara somente no
reino da poesia, ela chegani as ruas e a boca do povo pela musica de
Gilberto Gil e Torquato Neto, "Marginalia If'. Poderiamos ainda citar
outras intertextualizac;oes, mas isto nos levaria muito longe, e talvez,
amanha surgira mais uma recriac;ao como prova de "amar a plitria".
Hoje, tambem em exiliocultural em Paris, recebo tristes noticias
da realidade brasileira. Parece que tudo vai mal e que ate os sabias
que outrora cantavam nas palmeiras da nossa terra, amedrontados
pela fome e pela miseria, partiram a procura de novas palmeiras, pois
as nossas morreram queimadas ou foram cortadas, em nome do
progresso. Mas para onde teriam ido os nossos sabias?
Soube tambem que no pais onde havia "mais estrelas, mais
flores, mais vidas e mais amores" tudo mudou: que as constelac;oes
tambem migraram, temendo que prometeus desesperados viessem
roubar s suas luzes para iluminar os seus obscuros caminhos. E as
flares? sera que se esqueceram de desabrochar, ou estao a espera
de uma nova primavera? Quanto as vidas, parece que esHio cada
vez menos vivas. Mas como viver numa terra violada, onde reinam a
inseguranc;a e 0 medo, a fome e a desesperanc;a? Mas felizmente
restam os amores - razao maior para viver - s6estes sobreviveram ao
vendaval que assolou 0 nosso pais ...
Um dia, Antonio Maria afirmou que a profissao do brasileiro
era a esperanc;a. Parece que isto e bem verdadeiro. Assim e precise
crer que outras palmeiras nascerao e que os sabias vao voltar.
Sozinho, a noite, penso na minha terra e digo para mim
mesmo: "nao permita Deus que eu morra", sem que eu veja de
retorno os sabias ...
"CAN<;Ao DO ExILIO
Kennst du das Land, wo die Cietronen bltihen,
1m dunkeln Laub die Gold-Orange gltihen ?
Kennst du es wohl ? - Dahin, dahin !
Mocht ieh ...ziehn.
Minha terra tern palmeiras,
Onde canta 0 Sabia;
As aves, que aqui gorjeiam,
Nao gorjeiam como la.
Nosso ceu tern mais estrelas,
Nossas varzeas tern mais flores,
Nossos bosques tern mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, it noite
Mais prazer encontro eu la;
Minha terra tern palmeiras,
Onde canta 0 Sabia.
Nao permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lit;
Sem que desfrute os primores
Que nao encontro por ca;
Sem qu 'inda aviste as palmeiras
Onde canta 0 sabia."
Gon9alves Dias
Coimbra 1843
A INSUFICIENCIA DOS ELEMENTOS LINGiHSTICOS
DO TEXTO: Ul\1 DESAFIO PARA OS
INTERLOCUTORES
A interayao lingUistica,uma atividade necessariamente textual,
nao se esgota pelo contingente dos elementos verbais que a
constituem. Conta, entre outros fatores, com a intervenyao dos
sujeitos participantes que, it partida, se predisp5em a produzir e
interpretar, de forma coesa e coerente, os eventos linguisticos comunicativos. 0 ensino da produyao e compreensyao da atividade
textual ganharia maior relevancia e se tomaria mais produtivo se se
ultrapassasse a abardagem puramente linguistica que 0 tern, de forma
geral, caracterizado.
1 - 0 principio de que a atividade verbal, sob qualquer condiyao,
se exerce sob 0 modo da textualidade esta bastante consoli dado nos
meios da pesquisa linguistica e tern, sob muito aspectos, centralizado
o interesse dos investigadores, principalmentedaqueles que promovem
o desenvolvimento e a aplicayao de teorias sobre 0 texto. Nos
desdobramentos deste principio ganha relevo a nOyao de que existem
propriedades que regulam 0 exercicio da textualidade e especificam
os modos de sua relevancia lingiiistica e social. Tais propriedades
constituem uma rede de relay5es, ou seja, assumem urn carater
inteiramente relacional, de modo que a aplicayao de qualquer
propriedade revela-se dependente da aplicayao das outras do conjunto.
A compreensao das habilidades de produzir e interpretar texto
pode receber urn tratamento mais consistente e mais produtivo se as
implicayoes deste principio e de seus desdobramentos forem, mais
amplamente, tornados em considerayao, mais ainda, na atividade de
en sino destas habilidades. E em direyao a este ponto que oriento a
presente reflexao. Tenho em mente a urgente e sempre oportuna
necessidade de se questionar os procedimentos com que se ensina a
pratica da composiyao e da leitura de textos.
Os parametros de uma lingua demasiadamente abstrata e, par
vezes, inteiramente descontextualizada parece estar na base de uma
ineficiencia do ensino, a qual tern sido, por muitos meios, atestada e
denunciada. Neste sentido, se pode referir, tambem, a perspectiva
reducionista das teorias que veem 0 texto como objeto meramente
linguistico, dorninado, apenas, por regras gramaticais, que, embora
legitimas, nao preenchem as exigencias de prodw;ao e interpretayao
de textos apropriados e relevantes.
Comeyo, pois, por advogar nao apenas uma ampliayao do objeto
linguistico ate 0 dominio do texto, mas, e principalmente, a aceitayao
de que os elementos linguisticos do texto formam apenas parte do
conjunto dos fatores que the confere sentido e relevancia. Mais
especificamente, proponho que 0 estudo do texto, tao pertinente para
a compreensao da interayao verbal, seja feito tendo-se em conta a
inter-relar;ao que existe entre 0 lingtiisticoeo extralinguistico do texto.
No momento, trago como ponto de reflexao 0 layo entre a coesao
e a coerencia do texto-elementos de seus aparatos linguisticos
(cf.Beaugrande
e Dressler, 1981) - e a intencionalidade
e a
aceitabilidade do texto-elementos ligados aos interlocutores da
interayao.
2. A coesao tern sido definida como urn conjunto de recursos
lexico-gramaticais destinados a prover e a assinalar a interligayao
semantica entre os diferentes segmentos que compoem a superficie
do texto. A afirmayao de que uma sequencia aleat6ria de palavras
nao constitui urn texto encantra urn de seus fundamentos na propriedade
da coesao. Com efeito, uma caracteristica distintiva das realizayoes
textuais e a inter-relayao existente entre seus componentes ou , a
propriedade de que os elementos lingtiisticosdo texto estao vinculados
entre si de modo que cada unidade esti , de alguma maneira, presa a
uma outra antecendente ou subsequente.
Desta vinculayao resulta a continuidade e a unidade semantica
necessarias para que a superficie do texto seja apropriada e
relevante.
E evidente que nao se trata, aqui, de uma ligayao meramente
superficial. Nao basta, por exemplo, que numa sequencia de frases
haja unidades que duma forma ou outra se retomem. A superticie do
texto nao e, por si mesma, decisiva na deterrninar;ao da sua pertinencia
textual. Construir urn texto nao implica, simplesmente, justapor uma
serie de frases, ou outro tipo de segmento, por mais bem formados
que estejam. Como disse, a rede de rela~5es que se estabelece pela
coesao e de natureza semantica. Deste modo, os nexos atestaveis na
linhada superficietextual sinalizamas rela~5esque, no myelda estrutura
profunda do texto, garantem a sua legitima continuidade e unidade
semanticas. 0 que se pretende pelas marcas da coesao superficial e
prover e assinalar a continuidade e a unidade conceptual do texto.
Por estas considera~5es fica ja evidente a correla~ao entre a
coesao e a coerencia do texto .Se urn texto se faz com palavras,
postas nao aleatoriamente na sequencia de sua superficie, ou, ainda,
se 0 aparato lingUistico do texto deve interligar-se, outra razao nao
existe, senao assegurar e indicar a continuidade de conceitos e rela~5es
subjacentes aquela superficie. Ou seja, a condi~ao de que urn texto
deve constituir uma umdade semantica fundamenta 0 recurso aos vanos
expedientes coesivos.Do ponto de vista do interpret ante, a expectativa
de que 0 texto " faz sentido" encaminha a busca das possiveis liga~5es
entre as palavras, entre as senten~as, entre os paragrafos ou ,ainda,
entre blocos supraparagr:mcos .Um texto falho em elementos coesivos
" do qual 0 locutor parece ter perdido 0 contrale ", "induz a urn
julgamento de incoerencia" (cfAdam, 1990.65).
Coesao e coerencia constituem, assim, duas propriedades da
materia linguistica do texto as quais, para serem relevantes, devem
estar em inteira harmonia e consonancia. A superficie do texto, que,
como se viu, deve estar coesivamente organizada, preenche a fun~ao
de garantir e assinalar a interliga~ao semantica requisitada pela unidade
textual.
3. Sabe-se, contudo, que a dimensao linguistica do texto e
insuficiente na determina~ao de sua relevancia sociocomunicativa. Se
urn texto se faz com palavras, se estas constituem suas instru~5es
mais 6bvias, e igualmente verdade que os elementos linguisticos do
texto nao preenchem a totalidade dos requisitos necessarios it sua
realizayao. Urn texto e cria~ao de dois ou mais sujeitos que, numa
determinada situayao social, interagem. As irnplicay5esresultantes das
inten~5es e expectativas desses sujeitos constituem, tambem, elementos
do sentido configurado pelo texto .
Dai que, como adiantei atds, cuidar da adequada organizavao
dos constituintes linguisticos do texto nao esgota as providencias
necessarias para uma apropriada e relevante interavao verbal. Perder
de vista outras dimens5es textuais pode desvirtuar a compreensao
das legitimas condic5es da atividade comunicativa. Parece oportuno,
pois, que se ultrapasse a materia lingilistica do texto e se apreenda a
intervenvao, tambem decisiva, de outros fatores. A abordagem das
regularidades lingilisticas do texto e necessaria, sem duvida, mas nao
esgota os criterios de sua relevancia.
Se a coesao e a coerencia, enquanto propriedades linguisticas
do texto, se harmonizam, ambas, por sua vez, se prendem a
propriedades extralinguisticas que, de certa forma, condicionam
e regulam a sua adequada realizavao .
as interlocutores, enquanto sujeito "que intentam " e que
"aceitam" a interavao relevante, constituem elementos desse dominio
extralinguistico do texto e sao, em grande medida, parametro para as
decis5es exigidas.
Proponho, assim, que se levante, aqui, a inter-relavao entre a
dimensao linguistica do texto e a intencionalidade e a aceitabilidade
dos interlocutores. Meu prop6sito maior e estimular uma pnitica
pedag6gica de ensino do texto, que tenha em vista a intervenvao dos
sujeitos em interavao. S6 assim, me parece, e possivel ultrapassar 0
reducionismo de urn texto apenas linguistico, sem enunciador e sem
destinatario,"um produto ", somente ,desvinculado e solto da interavao
social de que e inevitavelmente parte relevante.
4. A intencionalidade conceme it atitude do produtOr<lldotexto
de, em principio, pretender que sua construvao linguistica seja coesa
e coerente e, enquanto tal; possibilite 0 cumprimento de suas intenvoes
e dos fins previstos (cf.Beaugrande e Dressler 1981 :113). Ou seja,
os usuarios da lingua em interavao admit em que suas produv5es
sao, it partida, coesas e coerentes. Assim 0 admitem, porque desta
forma tencionaram e porque, para isto, diligenciaram a utilizavao dos
recursos necessarios.
A intencionalidade abrange, portanto, nao apenas 0 prop6sito
previo dos interlorcutores de construiremuma atividadelingilisticacoesa
e coerente, como abrange, tambem a providencia de manutenvao deste
proposito, no decorrer de toda a interayao .
Por estas considerayoes evidencia-se , sem duvida , a relayao
da textualidade com a concepyao da linguagem enquanto atividade
comunicativa, ou seja, enquanto a';3o empreendida por sujeitos
em contextos de comunicayao .Compor urn texto, nesta perspectiva,
e mais do que organizar na linha do tempo ou sobre 0 papel uma
sequencia de palavras, ainda que sob 0 cumprimento dos padroes da
gramatica da lingua. Compor urn texto e, na verdade, uma "intera';30" linguistica e social. Inclui, por urn lado,a intromissao de urn
sujeito, com propositos previos e empenhos sucessivos para que nao
se perca 0 carater interativo da produyao linguistica.Nega -se ,
assim, qualquer hipotese de passividade ou de alheamento de quem
prop5e a troca comunicativa, por mais que se considere 0 teor tacito
de seu empenho e de seu envolvimento.
Pela admissao da intencionalidade patenteia-se, portanto, a visao
ampliada do exercicio linguistico, no sentido de que as condiyoes de
eficiencia de sua realiza<;ao implicam mais do.que aquilo que seus
elementos lingilisticos deixam perceber; par outras palavras, 0 apelo
it intencionalidade abre urn espayo onde se pode surpreender a
presenya de quem produz 0 texto e, mais ainda, 0 pressuposto de que
quem 0 produz 0 faz coesa e coerentemente.
Como base neste pressuposto e que 0 parceiro da interayao
vai empreendendo 0 resgate da dimensao semantica do texto. Como
observa Morgan (1979, apud Brown e Yule 1983 :25) quando, num
texto, alguem faz a liga<;aoentre urn pronome e urn sintagma nominal
previamente apresentado e porque presume, antes de tudo, que 0
texto e coerente. Tern sentido, portanto, empreender as buscas
interpretativas .Ou seja, se 0 receptor empenha-se por encontrar 0
sentindo pretendido, e nao desiste deste empenho, e porque acredita
que algum sentindo foi atualizado : "Textos sac aquilo que ouvintes e
leitores tratam como textos " (cfBrown e Yule, 1983: 199) . Procede,
inclusive, deste ponto a tolerancia com que se comport am face it
concreta realiza<;ao dos eventos linguisticos e as eventuais quebras
da continuidade do texto .
A propriedade da intencionalidade
tern, assim, a sua
contrapartida na outra da aceitabilidade, como veremos, mais
detidamente, a seguir.
5. Centrada no destinatario da intera<;ao linguistica, a
aceitabilidade concerne a atitude do interlocutor de aceitar como coesa
e coerente a atividade verbal de seu parceiro ( cfBeaugrande e
Dressler, 1981: 129).
Como se tem salientado, a inclusao deste dois criterios no
conjunto da textualidade
representa
a intromissao
dos
interlocutores ( enquanto "inten<;ao" e "capta<;ao"desta "inten<;ao"),
no que diz respeito it institui<;ao da coesao e da coerencia de suas
produ<;5es linguisticas. Em termos diretamente ligados as situa<;5es
de comunica<;ao, representa, ainda, a disposi<;ao de enfrentarem e
resolverem as previsiveis quebras ou flutua<;5esno estabelecimento
da dupla continuidade de texto. Indica, noutros termos, que a decisao sobre a forma da coesao e da coerencia do texto radica,
tambem na forma como os interlocutores 0 encaram.
Neste particular, cabe evocar a colabora<;ao de Grice (1975),
no que se refere it proposi<;aodo principio que ficou conhecido como
o "principio de coopera<;ao", a partir do que e proposto um conjunto
de "maximas" e a no<;aode "implicaturas conversacionais".
o estudo de Grice, apesar de aplicar-se diretamente as situac5es
de conversa<;ao, oferece elementos gerais acerca de como as pessoas, normalmente, se comportam na constru<;ao e interpreta<;ao
sucessivas do sentindo de qualquer tipo de texto .
Em ultima instancia, 0 que pretendem e que sua intera<;aoobtenha
o maior sucesso possivel .
Este objetivo, em principio, presente a todo e qualquer evento
comunicativo, sup5e 0 cumprimento de determinadas regularidades,
como sup5e, ainda, pela natureza contingente dos sujeitos participantes,
a eventual quebra ou, ate mesmo, a propositada viola<;ao destas
regularidades sem que se dilua inteiramente 0 teor comunicativo da
intera<;ao .
Pelo referido principio de coopera<;ao, cuja manuten<;aoe dada
pelos interlocutores como tacitamente posta, tanto quanta 0 exigem
os termos da situa<;ao, produtor e receptor estao como que
"contratualmente" empenhados .Objetivam 0 bom termo de sua troca
comunicativa, inclusive pelo discernimento da eventualidade ou dos
propositos daquelas viola<;5es. Providenciam estrategias de
estabelecimento e recupera<;ao do sentido global do texto, pois
acreditam na pretensao comunicativa de sua atividade.
Hallidy e Hasan (1976), sem chegarem it explicita denominayao de
aceitabilidade, formulam um ponto de vista coincidente quando dizem
que nos insistimos "em interpretar qualquer passagem de texto,desde
que haja a mais remota possibilidade de faze-Io" (cfp.23).
Brown e Yule (1983) admit em, por outnis vias, que 0 ouvinte
ou 0 leitor sao conduzidos na sua tarefa de interpretayao de textos
pela suposiyao de que as configurayoes linguisticas que recebem sao
coesas e coerentes.Invocam os principios da "interpretayao local" e
da "analogia" como recursos que viabilizam a seleyao interpretativa
que cabe ao receptor realizar, frente it imensa possibilidade de sentidos
alternativos.
Pelo principio da intelpreta~ao local, 0 ouvinte ou leitor agem
na buca do contexto relevante para a interpi'eta~ao, com base,
contudo, em expansoes suficientemente limitadas ao que e exigi do
por tal interpretayao. Restringem-se, pois, aos dados contextuais que
apenas sao decisivos para 0 calculo do sentido pretendido e operam
dentro destes limites , sem expansoes desnecessarias.
a fundamento para este principio reside, por um lado, nos dados
presentes ao texto, 0 qual, por si so, ja constitui urn limite para a
interpretayao do que e dito. A propria unidade semantica requerida
para a caracterizayao de textos coerentes conduz 0 interpret ante it
busca da interpretayao adequada dentro dos marcos desta unidade.
As marcas formais da coesao fornecem indicayoes para 0
estabelecimento local do contexto de interpretayao . au seja, por
elas sao dados sinais para que 0 destinatario da interayao nao
construa um contexto mais ample do que e necessario ( cf p. 59).Dai
que deixar de ter em conta, explicitamente, os sujeitos que atuam na
atividade comunicativa e par em risco e, ate mesmo, falsear as reais
condiyoes do exercicio da textualidade.
a principio da interpretayao local relaciona-se com 0 outro da
analogia, mencionado atras. Como pretendem Brown e Yule, a
constituiyao deste contexto, apenas 0 suficientemente largo, apoia-se
nas generalizayoes e anteriores tipificayoes em que os individuos
organizam seu conhecimento de mundo .
a carater de analogia emprestado a este principio esta
subjacente it propria habilidade das pessoas para estabelecerem
tipos de event os .au seja, a analogia e admissivel porque subsiste,
geralmente, a expectativa de que os acontecimentos se conformam a
uma certa regularidade e guardam uma presumida constancia. Estes
autores destacam , ainda, que as generalizac;5escom que os individuos
ordenam a realidade nao apenas lhes permitem reconhecer uma
experiencia como sendo de urn determinado tipo, como tambem lhes
possibilitam 0 discernimento sobre 0 conjunto de fatores realmente
relevantes para urn determinado tipo de evento comunicativo.
A aceitabilidade, nos moldes aqui propostos, inc1ui outros
elementos para alem daqueles previstos pelo conceito hom610go da
GramMica Gerativa, 0 qual, por sua vez, complementa 0 outro da
"gramaticalidade" de frases "bem formadas" (cf. Chomsky, 1965).
Aplicada ao dominio das realizac;5estextuais, a propriedade em questao
ultrapassa os limites sintatico-semanticos da lingua "idealizada", para
incorporar, como base decisiva de sua legitimidade, 0 recurso ao
contexto de uso.
Neste dominio, e que os interlocutores ponderam e decidem
sobre a forma apropriada-e, portanto, aceitavel-de selec;aodo material
lingiiistico disponivel, cabendo-lhes, inclusive, ajustar este material as
condic;5es subjetivas, espacio-temporais e culturais pressupostos e
presentes a atividade verbal que empreedem.
Por forc;adestas condic;5es, conforme salientam Beaugrande e
Dressler (1981), "a atualizac;ao lingiiistica pode neutralizar alguma
regularidade da organizac;ao virtual do sistema , quando uma
motivayao apropriada esta presente"( cf.p.130). Desta forma a
"gramaticalidade" das " frases bem formadas " converte-se, apenas,
em urn dos fatores que definem as condic;5es de aceitabilidade no
plano textual. Ainda assim, entram em dimensao limitada, uma vez
que a ordenac;ao das sentenc;asconstitutivas do texto pode intervir na
organizac;ao interna destas mesma sentenc;as.
Em sintese, no ambito do texto, os criterios da gramaticalidade
tern em conta as regras sentenciais inscritas no interior do sistema,
mas nao as esgota, ultrapassa-as (cf.Halllidday e Hasan 1976:28).
Por esta razao e que a gramaticalidade, no julgamento das
realizay5es textuais aceitaveis, deve ser considerada em conjunc;ao
com outros fatores e em termos de probabilidade e predominancia,
como sugerem Beaugrande e Dressler( 1981.131).
Julgo, portanto, haver razao suficiente para que 0 ensino das
regularidades textuais ultrapasse a dimensao puramente gramatical de
seu aparato linguistico,muito mais ainda, no caso da escrita, a dimensao
superficial de sua realizac;ao ortognifica .
A propriedade de aceitabilidade do texto pode-se vincular,
ainda, 0 conceito de signa lingDisticocomo "instruc;ao" apresentado,
entre outros, por Weinrich( 1981).
Esta concepc;ao insere-se na visao de uma Linguistica orientada
para a ativiadade comunicativa e, obviamente, centrada no texto. Supoe
que, no exercicio verbal, produtor e receptor interagem atraves da
emissao e captac;ao de "instruc;oes" que devem ser dadas e seguidas
no percurso da interac;ao.
Tais instruc;oes funcionam como indicac;oes de diversas ordens
sintaticas, semanticas, pragmaticas-que 0 produtor do texto fornece
ao seu parceiro de comunicac;ao, de forma a conduzi-Io na ordenac;ao
e seleyao dos dados disponiveis. 0 receptor do texto deve, portanto,
ter em conta estas instruyoes, consoantes elas foram dadas, a fim de
que 0 texto possa ser interpretado, 0 mais possivel, conforme foi
pretendido. Tambem por este aspecto instauram-se a intersubjetividade
e a mutua cooperayao implicadas na pnitica interativa (cf. Van Dijk
1984:266).
Tais instruyoes servem ainda como passos indicativos que
orientam e ativam, numa direc;aopretendida e adequada i situayao, a
habilidade interpretativa do sujeito receptor, de maneira que, como
diz 0 proprio Weinrich "0 texto mesmo inclui multiplas ajudas
para sua propria decodificayao"(cf.op.cit.p.ll).
Considero imensamente relevante esta perspectiva instrucional
do signa linguistico tendo em conta que, por estes termos, 0 texto
assoma como atuayao de sujeitos cooperativamente em parceriasujeitos que "intentam" e que "aceitam" produyoes coesas e coerentes.
A esses sujeitos compete gerir a dosagem dos tipos e
quantidades intrucionais, a fim de que 0 sentido do texto possa ser
calculado com exito.O receptor do texto nao age, assim, sozinho na
operayao deste calculo. 13 admissivel que a questao da ambigDidade
das expressoes linguisticas fique atenuada no ambito destas
considerayoes e seja, mais propriamente, remetida para unidade
linguisticas fora dos paramteros textuais (cf.Beaugrande
e
Dressler, 1981:84).
Tenho em conta que as unidades lingtiisticas, potencialmente,
comportam diferentes significados. Num determinado texto, grayas
ao conjunto de fatores "cotextuais" e "contextuais" envolvidos,
tais unidades atualizam urn destes siginificados e tern, portanto,
urn sentindo (cf.idem, ibidem). Ejustamente visando a identificayao
do sentido que 0 produtor do texto quer privilegiar que concorrem
as instruyoes de diferentes ordens. A arbitrariedade dos sistemas
lingiiisticos, no sentido de sua nao prevalecente iconicidade e
interpretada, tambem, como fundamento para a comprovada
"versatilidade eadaptabilidade serni6ticas da lingua" (Lyons, 1980:66).
Contudo, nas atuayoes sociocomunicativas cotidianas, a
realidade complexa dos sistemas lingtiisticos, em condiyoes normais,
nao suscita dificuldades relevantes. Como se viu, subsiste entre os
parceiros da comunicayao urn empenho cooperativo pelo qual se
VaGfornecendo os dados instrucionais das seleyoes a serem feitas. Se
as indicayoes postas nao sac suficientes, procede-se a demanda de
novas instruyoes .Os sentindos pretendidos vaGemergindo, assim, na
dinfunica deste fluxo interpretativo e, conseqiientemente, as possiveis
ambigtiidades vao-se resolvendo.
Todavia, neste particular, parece-me utillembrar as condiyoes
de vantagem que, de uma maneira geral, goza a fala em relayao it
escrita. Na intera~ao face a face, 0 falante tern aces so mais imediato
as reayoes doseu parceiro, e desta forma, pode orientar-se na
conduyao da atividade que empreedem.
A aceitayao destas condiyoes nao significa que, em algum
momento, muito ideal e simplistamente, ponha de parte as condiyoes
de limitayao que toda atividade comunicativa acarreta e pelas quais
esta sujeita,inexoramente a incompletude, a faha de total transparencia
e, portanto, it imperfeiyao. Contudo, a certeza destas contingencias
nao anula 0 principio fundamental de que ate mesmo a inerente
imperfeiyao da interayao lingiiistica e cooperativamente atenuada e
contomada pela ayao conjunta dos interlocutores.
As propriedades da intencionalidade e da aceitabilidade estao,
como se pode deprender do exposto, ancoradas nas perspectivas
pragmiticas e psicolingiiisticas com que se pode conceber a atuayao
dos interlocutores envolvidos em urn evento comunicativo.
6. 0 ensino da composi~ao e da interpreta~ao textual deve
privilegiar este aspecto global da textualidade. Aprender a escrever
textos sem se ter em conta, ainda que implicitamente, as interven~5es
dos sujeitos em intera~ao e desvirtuar as naturais condi~5es em que
ocorre a pnitica verbal e, portanto, urn exercicio ineficaz.
Certamente a escrita de texto, na escola, suscitaria mais interesse
e teria mais proveito se tal atividade cuidasse em incluir urn sujeito
destinador da intera~ao, intencionalmente cooperante e, por outro lado,
urn sujeito destinatario, nao menos cooperante einteressado no sucesso
da troca pretendida.Reda~5es escritas para "ninguem", numa mutila~ao
ostensiva do outro sujeito que integra a atividade comunicativa, s6
podem resultar no desinteresse e na ineficacia de que somos
testemunhas, na maioria dos casos.
Como exercitar as tomadas de decisao que a produ~ao de
textos requer se nao se sabe para "quem se escreve"? Como supor
os conhecimentos partilhados e em fun~ao disso discernir sobre a
forma adequada de providenciar as marcas coesivas do texto ? Como
decidir sobre a condi~5es da coerencia se nab ha panlmetros de
avalia~ao da aceitabilidade pressuposta do outro lado da linha ?
A simula~ao a que a priltica escolar do ensino de textos nem
sempre pode fugir poderia ser atenuada se se projetasse, para cada
exercicio, urn leitor que nao 0 professor, interessado, quase sempre,
na ca~a aos deslizes ortograficos ou outros semelhantes.
A pessoa do emitente e, por vezes ,tambem obscurecida.
Naturalmente, se se anula 0 outro com quem se estabelece a troca, se
esvazia tambem a natureza interativa do exercicio verbal. Nao admira,
pois, que as produ~5es que resultam dessas circunstancias pare~am
tao estranhamente fragmentadas e cheias de incoerencia.
Enfim, nao basta ,como simplistamente se tern feito, cuidar
para que se cumpram as regras da gramatica da lingua. E evidente
que sem isso nao se fazem textos.
Contudo, a relevancia desta mesma gramiltica s6 aparece
inteiramente afirmada quando se ultrapassa 0 escopo meramente
linguistico do texto, ou melhor ainda, 0 escopo meramente
superficial do texto.
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English, Longman, London
L'HETEROGENEITE DISCURSIVE DANS UN
ARTICLE DE PRESSE - UNE PERSPECTIVE
D'APPROCHE
Dans ce travail, nous presentons une analyse de l'heterogeneite
discursive dans un article publie par Ie journal franr;ais Liberation,
intituleMitterrand: "ils ont raison". Liberation resume et reproduit
une interview radiophonique donnee par IePresident Franr;ais, Franr;ois
Mitterrand (FM, dorenavant) it la station de radio Europe 1, Ie 09
decembre 1986.
1. L'HETEROGENEITE MONTREE ET
L'HETEROGENEITE CONSTITUTIVE(l)
Le debut des annees quatre-vingts a vu les linguistes developper
des recherches qui tiennent compte de la dimension dialogique de
I'enonce, des formes d' alterite. Dans cette perspective, il ne s'agit
plus d'envisager Ie texte en tant qu'objet homogene produit par
un seul sujet (qui serait lui aussi homogene) mais en tant
qu'objet heterogene, d'abord au niveau enonciatif, comme les
manifestations d'une diversitede sources (marquees ou non) l'attestent,
ensuite au niveau constitutif, en tant que produit d'un sujet lui aussi
heterogene.
La linguistique s'interessera particulierement it l' heterogeneite
montree (Authier-Revuz, 1982) ou I'on introduit explicitement
I 'autre dans Ie discours:
1. Les formes marquees de connotation autonymique OU Ie locuteur
fait usage des mots tout en les montrant, categorie qui inclut toutes
les formes de metadiscours ordinaire par lesque1s Ie locuteur brise
la linearite du discours en specifiant et expliquant Ie statut particulier
de I'element conceme (on montre un fragment comme etant de I' autre):
-introduction dans Ie discours d'un mot faisant partie d'un
autre code (regional, familier,technique, etc.) ou d'une autre
langue;
-formules d' adequation du mot it la chose et it la situation,
marquant Ie doute,la reserve l'he5itation, la rectification,
Ie besoin d'accord de l'autre, etc.:" en quelque sarte", "a
proprement parler", "si I 'on veut" ... ;
-formule indiquant lafayon dont un element doit etre interprete:
"au sens x", "dans taus les sens du terme", etc,;
-renvoi it un discours tenu, depuis la citation integree
jusqu'a l'allusion, en passant par les formes ou un fragment
est designe comme venant d' ailleurs.
Les formes de discours indirect libre, de l'ironie, de ['imitation,
de la reminiscense, moins explicitees au niveau de la phrase que
celles qui precedent mais qui peuvent etre reperees au niveau du
discours, ..
2.
3. De meme que lorsque d'autres mots sont sous et/ou dans les
mots, cas d'homonymie, de paronymie, de polysemie, figures, etc.
Quant it I 'heterogeneite constitutive, concept elabore it partir
de la semiologie du cercle de Bakhtin et de la psychanalyse lacanienne(2),
elle ne laisse pas de marques visibles: les mots d'autrui - y compris
de "l'autre de nous-meme" ne peuvent pas etre apprehendes par une
approche linguistique stricto sensu, Les resultats de I'appropriation
par la linSlUistiquedes propositions bakhtiniennes sont incontestablement
positifs: on ne peut plus ignorer la presence de l'autre dans tout discours,
qu' elle soit montree formellement ou decelable dans l'interdiscours.
Par cor,tre, un concept abstrait comme celui de l'Autre ne nous semble
pas operatoire.
En raison de la complexite de notre texte, nous avons prefere esquisser
une grille d'analyse qui puisse rendre compte des deux modes de
(2) Du eerele de Bakhtine, Alithier-Revuz fctient Ie dialogisme,
!aeaniennc, Ie concept de 1'Autre, dll sujet divise ct, eomme tel,
dans Ie discours, objet de !'ceoule psychanalilique, eellii qui
mais qui se manifeste dans les al:tcs manqucs, dans les n3ves,
et dans Ie diseollfs ordinaire,
Dc la psyehanalyse
exprimant ce clivage
a clc oublic, rcfoule
dans ks symptom<:s
presence de l' autre dans Ie discoursdeFM, a. savoir l'heterogeneite
montree et constitutive reperees aux niveaux suivants:
1. enonciatif: il s' agit du niveau d' attribution des prises de
paroles, qu'elles soient marquees par des repliques successives
(comme dans une piece de theatre) ou qu' e1lessoient diffuses it l'interieur meme de chaque prise de parole - par des
marques explicites (le "il a dit" des discours direct et indirect,
par exemple) ou ambigiies (l' appropriation du discours de 1' autre).
2. prolepsique:
ce niveau concerne l'introduction du discours
suppose de l' autre (e.g. "je sais ce que tu penses it ce propos,
mais moi, je dis que ...") dans Ie discours propre(3).
3. des genres: il s' agit lit de genre discursif, etant entendu qu' aucun
discours n' appartient a. un genre qu' on pourrait identifier itune
matrice (archi-genre). Nous n'envisageons pas Ie recit uniquement
comme succession d' evenements, mais aussi comme melange de
discours differents.
4. topique: nous entendons par la. la (les) place(s) occupee(s) par un
locuteur dans Ie deroulement du texte par rapport a. l' interlocution,
c' est-a-·dire les differentes fayons de se placer par rapport au
discours de I' autre (interroger, confirmer, ajouter, rectifier,
expliquer, etc.)
Le support de notre texte est done une interview radiophonique,
c' est-a.-dire un dialogue entre FM et unjournaliste, qui n'a pas les
caracteristiques d'un dialogue ordinaire dans la me sure ou les
interlocuteurs savent ne pas etre les destinataires essentiels des
messages echanges. Dans !'interview radiophonique, Ie dialogue
a lieu entre deux poles ou roles hierarchises. II y a un questionneur et
un repondeur, et Ie repondeur sait que Ie questionneur n' est qu 'un
intermediaire. Le journaliste qui interroge exprime une vox populi it
(3). Nous reprenons de fayon tres libre la notion reth6rique de prolepse, figure par
laquelle on previent une objection en la rMutant d'avance.
laquelle il faut repondre pour s'adresser, it travers lui, it une foule
anonyme ou it une cible, en l'occurrence les citeyens auditeurs d'une
station de radio et les lecteurs des medias qui reprendront l' emission.
D'ou des positions qui tranchent avec l'apparente immobilitedes places
discursives ou l'un interroge etl'autre repond, oul'unestobjetde
curio site et I' autre joue Ie role de curieux.
Lejeune (1980: 129) a bien decrit Ie caract ere particulier de ce type
de dialogue: Chacun des interlocuteurs (de la situation d'interview)
a
sait que (cette situation) sera communique(e)
un vaste public,
qui est Ie destinataire ultime. Du coup tous les actes de parole
sont 'au figure'. X n 'interroge pas pour son propre compte
mais sert de mediateur
la curiosile supposee du public, et
c 'est comme cela que Y re90it ses questions; et quand il repond
aX; il repond en meme temps au public". Par ailleurs, l'interviewe
a
est souvent - surement dans notre cas - quelqu'un qui a donne et
donne 'de sa vie une image it laquelle l'interviewer se rHere sans
cesse. Une autre raison de penser que, meme s'agissant d'un entretien
entre deux interlocuteurs, la production verbale tend au texte elabore,
it une coherence interne, tissee de references stables et d' autocitations
qui chargent la parole de l'un et de l'autre locuteur de traits propres a
l'ecrit.
L'interview a ete diversement reprise par la presse ecrite. Liberation
met en scene, dramatise, fond les propos rapportes dans des
commentaires et des syntheses, impose a la matiere un traitement qui
se rap proche davantage de la presse magazine que de la presse
quotidienne traditionnelle, en interpretant l'evenement de fayon plus
historique (antecedents et perspectives)que conjoncturelle. Le dialogue
subit une adaptation - selon les termes de Lejeune - c' est-a-dire une
transposition d'un message d'un media dans l'autre, par Ie troncage
et Ie decoupage, par selection lineaire et complete: les questions du
journaliste ont disparu en tant que telles.
II s'agit donc d'un texte particulier et assez complexe. Comment
l'approcher? Selon Franyois (1981: 275), "comprendre un text~.,
c 'est toujours f 'ee/airer par ce qu 'on sail de fa situation de
communication, soil reconstruire cette situation de communication
et son ou plutot ses codes, ses messages de reference, it partir
du message lui-meme. IIfaut alors commencer par Ie replacer dans
Ie double contexte de sa production et reproduction.
Ce texte a pour referent principal une confrontation politique qui Ie
precede de plusieurs mois. Dans les elections parlementaires de mars
1986, les socialistes n' ont plus la majorite au Parlement et les Fran~ais
se trouvent en face d'une situation inedite: un President de la
Republique socialiste et un Gouvemement de -droite qui se hate de
faire une serie de reformes.
En decembre 1986, ec1ate un conflit entre les etudiants et Ie
Gouvernement, celui-ci voulant faire voter un projet de reforme
de I' enseignement superieur, la "Ioi Devaquef' '(du nom du Ministre
de la Recherche et de l'Enseignement Superieur), A la suite d'une
serie de manifestations dans toute la France, un jeune homme,
Malik Oussekine, meurt apres avoir ete frappe par la police. C' est
alors que Ie gouvemement annonce Ie retraii du projet.
Ce n' est que Ie lendemain que Ie President de la Republique est
intervenu, dans cet entretient, sollicite et confirme plusieurs mois a
l' avance. Sa non-intervention pendant les vingtsjours de confrontation
entre Ie gouvemement Jacques Chirac et les etudiants ayant suscite
des critiques, il a profite de cette interview pour y n~pondre.
Notre texte fourmille d' allusions a des faits politiques, institutionnels
et sociaux anterieurs aux evenements de reference. Pour mettre de
l'ordre dans les "couches textuelles" correspondantes, nous avons
d' abord cherche Ie definir.
Bronckart et al.(1985) proposent de ramenener plusieurs centaines
d' ouvrages it trois architypes: Ie discours en situation, Ie discours
theorique et la narration partir desquels se definissent des genres
intermediaires, parmi lesquels Ie discours politi que dont le but est
"d 'intervenir dans un debat public sur unprobleme d 'actualite en
vue de convaincre un groupe precis de personnes, d 'une certaine
position politique" et qui est produit par "un acteur politi que"
(Bronckart, 1985 : 102).
Notre texte s' adapte en apparence a cette definition:FM est un "acteur
politique", il "intervient dans un debat public" et traite d'un probleme
d'actualite, il veut "convaincre un groupe precis de personnes
d'une certaine position politique. Mais la "remise en scene" par
Liberation en fait aussi autre chose. Pour reprendre les criteres
a
a
proposes par Bronckart et a1., notre texte est bien un "discours en
je" mais les temps verbaux posent de serieux problemes: il n'y a pas
dominance d'un temps mais distribution assez equilibree de present
(21occurrences) et de passe compose (22) avec une legere dominance
de l'imparfait (27), et contrairement it la prediction de Bronckart,
aucune occurrence de futuro Meme si Bronkart se propose d' analyser
les textes en tenant compte de leur ancrage dans la situation de
production, il semble sous-estimer Ie role de l'interlocuteur. En outre,
tous les textes - meme ceux qui facilitent leur propre ~lassement a
priori (cf Ie discours scientifique, Ie discours politique, journal de
voyage) - ne sortent pas du meme moule.
Cette typologie des discours ne permet pas d' aller plus loin et aurait
laisse passer ce que notre texte a de specifique, it savoir I'exploitation
argumentative, sur Ie mode discursif, d'enonces narratifs dans un
contexte petrid' actes de parole narrativises (j 'aifait, j 'ai dit, j 'ai
conseille).
C'est pourquoi nous preferons etudier notre texte selon
l' optique dialogique, partant plutot de F. Fran90is (1980 : 276)
pour qui "la reconstitution de la nature dialogique des textes
(...) semble mieux manifester leurfonctionnement qu 'une analyse
structurale interne ou qu 'une analyse 'en exteriorite' a partir
(...) du moment, du milieu et des sources". N ous decrirons les
discours en presence et leur intrication (niveau de I' enonciation),
les themes et les micro-genres (niveau de I'enonce), les places des
interlocuteurs (niveau topique).
On peut isoler dans notre texte trois sources enonciatives: Ie discours
dujournaliste de Liberation, celui de J-P. Elkabbach et celui de
F. Mitterrand.
Le discours du journaliste de Liberation est nettement separe des
deux autres dans sa fonction de presentation (qui, quai, quand, OU,
comment et pourquoi §§ 1 et2). Mais il est difficilede I'isoler dans la
mesure ou il s'agit, d'erribIee, d'un discours hybride:
Fran90is Mitterrand a approuve hier Ie retrait du projet Devaquet "un acte de sagesse" - et la decision de marquer une ''pause'' dans
les reformes de societe engagees depuis Ie 16 mars.
Apres la "rude experience" qu' a ete Ie conflit entre Ie gouvemement
et les etudiants, Ie chef de l'Etat, interroge en direct depuis I'Elysee
par Jean-Pierre Elkabbach sur Europe 1, a rendu hommage it "Ia
sagesse profonde" des etudiants qui defendaient sans violence "une
cause juste".
Des Ie premier paragraphe, Ie passage d'une source it l'autre est
marque typographiquement (it la fois entre guill~mets et en italiques).
Neanmoins, Ie joumaliste s'approprie les mots du president de la
Republique de sorte qu' on ne peut pas tracer une frontiere definitive
entre les deux. Sont rapportes des actes de parole, ce qui implique
une interpretation. Imprimer "un acte de sages.se", ''pause'', "rude
experience", "sage sse profonde" et "une cause juste" implique
que ces expressions ont ete prononcees par Ie chef d'Etat, alors
que "rude experience" ne se retrouve pas dans la suite de l'article,
ce qui empeche de savoir avec certitude si FM a prononce ces mots
et, s'il l'a fait, s'il a voulu exprimer une appreciation personnelle ou
n' a fait qu' exprimer les sentiments des parties concemees par Ie conflit,
auquel cas Ie discours meme de FM est composite et procede
partiellement par citations:
- rendre hommage est une reprise d'acte de parole, c'est une
interpretation dujoumaliste;
- fa sagesse profonde est une reprise formelle des mots d' autrui;
- defendaient sans violence 'une cause juste' est une condensation:
il y a it la fois reprise (une cause juste, § 15) et paraphrase
(defendaient pour se battaient, § 15, sans violence pour it n 'y
apas eu de violence desjeunes § 14).
Lejoumaliste deLiberation intervient d'autre part en supprimant
les questions et en operant des coupures, selon les procedes
normalement utilises par la presse ecrite, comme dans Ie § 3:
A la question de savoir s'il y aurait un avant et un apres-decembre
86 FM a repondu: "ll y a un avant Ie 16 mars et un apres Ie 16 mars.
Le probh~mequi est pose est d'abord celuide la majorite parlementaire,
elue par notre peuple, par Ie suffrage universel qui a elu un president
de la Republique en ma personne sur des options differentes."
Ii faut remarquer Ie melange des discours des deux journalistes
(de Liberation et d'Europe 1); ils ne semblent plus former
qu'une seule personne; les coupures effectuees (it la fin du § 7 et
dans les §§ 9, 11, 12, 15,16,19) font partie du discours dujournaliste
deliberation. Par son travail de manipulation il construit ses propos.
Les §§ 5 et 6 sont ambigus itcause de cette interference permanente:
Ii s' agit en principe du discours de FM et non de celui du journaliste
mais raison est rnis entre guillemets, par un glissement remarquable
du discours au metadiscours - il s'agit des propos de l'interviewe
traverses par ceux dujoumaliste, qui accentue Iemot. Ces guillemets
valent comme sic (c'est FM qui l'a dit) et ensuite comme un
soulignerhent (un hommage itJacques Chirac) ce que confirme la fayon
dont Ie § 6 est construit:
Cet "acte de sagesse" doit "etre suivi d'un comportement conforme
a cette attitude". "Mieux vaut apaiser les passions, afin de faciliter Ie
retour a la cohesion nationale, que j'appelais de tous mes voeux."
Nous avons iciune construction hybride, c'est-it-dire une
reconstruction faite par Iejournaliste des propos tenus itl'interieur du
discours de FM, procede courant dans la presse ou, I'exces de partialite
etant apriori condamne, lesjournalistes restituent la parole d' autrui
en la designant mais apres se I' etre appropriee.
C'est ce qui se passe a partir du § 7, quand tous les propos sont
censes appartenir itFM et sont presentes de la meme fayon: guillemets
ouvrants, discours tenu, guillemets fermants.
Le discours de I-P. E1kabbach n'est rapporte que dans Ie § 3 et
en discours indirect. Mais on peut "entendre sa voix" tout au long
de l'article dans les propos de FM qui sont des reponses itses questions.
Ii s'agit de reperer les marques qui, dans Ie discours de l'interviewe,
indiquent qu'il est organiquementlie a celuide 1'intelViewer,en reprenant
l'idee de Ducrot (1980: 45) qu'il y a des morphemes polyphoniques
(a ce que dit X, if pal-ait que, puisque, Ie conditionnel,
les enonces
negatifs, les presuppositions, etc.); qu' on peut isoler Ie locuteur (auteur
des paroles) et les enonciateurs (agents des actes illocutoires) et
l'allocutaire (auditeurimmediat) des destinataires (les patients des actes
de parole).
Notre texte amalgame Ie discours du journaliste d'Europe 1 a celui
de FM au sein d'unjeu de questions-reponses.
Dans Ie § 3 deja cite,
FM reprend la question en la reformulant par une pre-reponse qui fait
la transition entre l'intention de J.-P. Elkabbach et sa contre-proposition.
La construction des §§ 8, 9 et 10, avec d'autres procedes -litote,
question rhetorique, repetition, gradation - ainsi que les arguments
utilises (des rappels de faits) indiquent I' orientation des questions
posees, it savoir une "accusation"
it FM de non-intervention
aupres du gouvernement pendant Ie conflit.
On peut suivre les questions de J.-P. E1kabbach it travers d'autres
marques linguistiques. Dans les §§ 12 et 13, FM evoque ses sentiments
envers les etudiants. Le choix du verbe savoir ("ils savaient pouvoir
compter sur la comprehension du president de la Republique ...", § 13)
Iui permet de presenter son opinion comme "objectivement
vraie"
(Kerbrat-Orecchioni,
1980: 113) et irrefutable dans la mesure ou
elle est donnee sous la forme du presuppose. Or, selon Ducrot, un
presuppose
evoque deux enonciateurs,
Ie premier prenant la
responsabilite du presuppose et Ie deuxieme celle du pose. Cette
formulation laisse entendre la voix qui l' interroge. Le § 14 commence
par un enonce negatif ("il n y a pas eu de violence des jeunes") qui
dessine une question du type: "les jeunes n' ont-ils pas fait preuve de
violences condamnables?" De meme que la presupposition, la negation
est une marque de polyphonie. Deux enonciateurs s' affrontent, I' enonce
est ala fois assertion et rejet de l'assertion.
Deux marques linguistiques dans 1es §§ 15 et 16 signalent que la
source du paralleIe entre 1a visite de FM it la famille Oussekine et
celle de C. Pasqua, ministre de l'!nterieur, aux policiers blesses doit
etre attribuee aJ.-P. Elkabach: Ie demonstratif, reprise anaphorique
d'une mention faite (,Tai ete Ie seul representant des pouvoirs publics
it faire cette visite"). L'emploi du present et du participe present
(M. Pasqua remplit son role en all ant visiter Ie personnel blesse
atteint. ..") indiquent que FM ne fait pas Ie recit de ces vi sites mais
commente les propos d'une question.
Dire que Ie discours de FM est polyphonique parce qu'il integre
celui de J.-P. Elkabbach serait reduire l'heterogeneite au niveau
prolepsique. D' autres niveaux apparaissent notamment dans Iediscours
rapporte.
Un seul cas de discours rapporte explicitement marque correspond a
une reprise de parole en discours indirect dont on peut cependant
remarquer que FM n'en indique pas la source, se contentant
d'affirmer "it m' a ete indique ..." ( § 7). L'absence de complement
d'agent marque certainement 1'importance du dialogisme entre FM et
Jacques Chirac.
Les reprises des discours anterieurs (dans les §§ 7, 8 et 9) ne sont
pas tant reperables par les structures syntaxiques que par les
verbes et expressions qui les introduisent: "j 'ai demande des
explications", ces explications tendaient ( ...) a savoir ce qu 'if en
etait de ...", "comment 11 'aurais-je pas rappele que", "comment
n 'aurais-je passuggere (...) recommande, conseille ( ..) demande".
Ces trois paragraphes reprennent des discours premiers sous forme
d'actes de parole. D'autres - fragments des §§ 6, 7, 11, 12 et 13 montrent des discours rapportes exprimant pensees et sentiments,
a l'imparfait, a l'epoque critique du conflit. Ces sentiments et
pensees ne sont pas toujours donnes comme tels, mais diffus.
Nous avons emprunte ala theorie bakhtinienne de l'enonce l'idee
d'une relation entre les themes evoques dans notre article et ce que
nous avons appele Ies micro-genres. Bakhtine (1979 :263-308) decrit
cinq particularites de I'enonce: il est deIimite, acheve, marque par
I'expression du Iocuteur, est en rapport avec ceux qui Ie precedent et
ceux de l' avenir sur Ie memeobjet et a un destinataire, est tourne vers
l' allocutaire.
Ses reflexions n' ont pas pour but de faire une typologie des discours
mais une theorie de l' enonce - I'unite de l' echange verbal. Elles
montrent d'ailleurs qu'il n'est pas possible de definir un genre a
priori: "ce choix (d 'un genre) se determine en lone/ion de la
specificite d'une sphere donnee de l'echange verbal, des besoins
d 'une thematique (de I 'objet du sens), de I 'ensemble conslitue
des partenaires,
etc." (Bakhtine 1979:284).
Cette theorie permet de comprendre l'heterogeneite de notre texte
et fournit des elements pour approcher Ie probleme des genres mais
ne resout pas tout. 11y a d'autres difficultes: par exemple, des
glissements successifs d'un genre it I' autre. On passe insensiblement
de I' explication aujugement, dujugement it lajustification, etc. par
des glissements dont les frontieres sont souvent floues, ce qui fait que
les genres sont rarement purs(4). 11existe des orientations - ce que
nous appellerons micro-genres, "differentes modali tes de la relation
du discours a ce dont if parle" (Franyois, 1981 : 259).
Les §§ 1 et 2, on l'a vu, forment l'introduction. Le § 3 fait transition
entre Ie discours du journaliste de Liberation et celui de FM, par Ie
biais d'une question rapportee de J. P. Elkabbach et de sa reponse.
Quant au discours de FM, il fonctionne grosso modo sur trois modes:
-Ie mode du commentaire;
-Ie mode du recit;
-Ie mode de l'appreciation.
Naus appelons commentaire les passages du texte qui s'opposent
au recit. 11s'agit d' enonces it base de present de verite generale, avec
effacement du sujet enonciateur, presentatifs, passifs it la 3eme personne
sans complement d'agent, indetermination, nominalisation des proces
en position de sujet. Sont concernes les §§ 3, 4, 18 et 19, ou FM
evite Ie conflit pour n'evoquer que Ie choix fait par les eIecteurs
d'une majorite parlementaire et d'un president de bords opposes
ou pour rappeler son attachement aux valeurs de la Republique.
Les §§ 7 it 11 forment un recit des interventions successives de FM
aupres du gouvernement pour se renseigner sur Ie projet de loi et
demander son retrait. Notons l'alternance des "recits d'actes" (j'ai
demande; Ie texte nous a ete remis; il m'a ete indique; j'ai demande;
j'ai suggere, recommande, conseiIle; j'ai observe) et "recits des
circonstances" (ce qui'i! en etait, c'etait, la loi (...) que I'on reformait,
la concertation continuait,je n'avais pas de raison, etc):
"Pour ce projet de loi, j'ai demande des explications au mois de
juilIet, au moment OU Ie texte nous a ete remis." "Ces explications
(4)"Tout texte (tant oral qu'ecrit) comporte, bien entendu, une grande quantite d'6!ements
heterogenes, nature!s, primaires, etranges au signe et qui echappent au domaine des
sciences humaines (a l'analyse linguistique, philologique ou autre) et (...). Des textes
purs, il n'y en a pas et il ne saurait y en avoir." (Bakhtine, 1979 : 313)
tendaient tout simplementa savoir ce qu' il en etait de ce qu' on appelie
la selection, les diplomes nationaux, des droits d'inscription, de
l'organisation de 1'universite. C'etait d'autant plus legitime dansmon
esprit, que j' etais en somme Ie co-auteur, comme president de
la Republique de la loiprecedente, celieprecisementque l' on reformait.
11m'a ete indique que la concertation continuait sur ce sujet et je
n'avais pas de raison d'intervenir avant que Ie debat soit clos."
"Comment, au cours de nos multiples rencontres de cette semaine,
de mercredi matin avant Ie Conseil des ministres, au sommet
europeen de Londres, et samedi soir, pendant Ie rendez-vous que
j'ai demande au Premier ministre, comment n'aurais-je rappele
que dans une situation de ce type - encore qu 'il n'y ait eu, en 1984,
ni morts, ni blesses, ni provocations, ni casseurs - j' avais juge de
retirer un projet qui rencontrait une vaste opposition?"
"Comment n' aurais-je pas suggere (...) recommande, conseille,
et finalement - peu importe Ie verbe - demande que, puisque Ie
gouvernement dans Ie courant de la semaine avait deja retire
l' essentiel des revendications, a partir du moment ou la loi tombait
en morceaux, pourquoi en garder une, celle de I'organisation
des universites?"
"Comment imaginer que j' aurais pu etre Ie seul Fran~ais a ne
pas souhaiter, et dans mon cas demander, Ie retrait du projet?"
"Si vous aviez eu l'impression que je pouvais etre mele
aux manifestants, vous vous seriez trompes. (...) J' ai pendanttous
ces j ours observe avec une grande patience, pour saisir Ie moment,
dans l'interet du pays, OU il me faudrait dire ce qu'il convenait de
faire pour tirer Ie pays de l' omiere ou il se trouvait."
Les descriptions de Labov (1978) et Adam (1984) s'appliquent a
ce recit ou l' on observe la permanence de l' acteur Ge, en l' occurrence
FM), des balises temporelles (au mois de juillet, cette semaine,
mercredi matin, samedi soir), des successions d'evenements ("j'ai
demande des explications", "il m'a ete indique que la concertation
continuait", "comment n'aurais-je rappele que dans une situation de
ce type (...) j'avais juge de retirer un projet qui rencontrait une vaste
opposition?"
L' appreciation est difficile a isoler dans la mesure ou il n'y a pas de
discours neutre. Beacco et Darot (1984), etudiant une serie d' articles
de pre sse, definissent I'appreciation comme "unjugement personnel
relatif
un 'objet' qui s 'effectue par indexation de celui-ci par
rapport un systeme de valeurs eehelonnees. " Distinguant un
discours appreciatif, nous ne pretendons pas rendre plus "objectifs"
les recits et les cornmentaires, mais nous ne pouvons pas ne pas nornmer
"discours appreciatifs" les passages dans lesquels FM s' exprime sur
les parties prenantes du conflit, par des jugements de valeur. Ce
micro-genre se distingue par I'emploi des marques suivantes:
a
a
1. Termes axiologiques:
- "avoir raison" qui exprime Iejugement de FM surla decision du
gouvernement de faire une pause dans les reformes; il designe
ensuite cette pause comme un "acte de sagesse" ( §§ 5 et 6);
- "etonnante maturite" et "sagesse profonde"
decrivent Ie
comportement des etudiants pendant les manifestations ( §§ 14 et
15);
- "noble fami lie", juge celle de M. Oussekine ( § 16).
2. Verbes d'opinionet de sentiments:
- on rei eve savoir et sentir dans les § 12 et 13 ou FM exprime ses
sentiments envers les etudiants.
3. Modalisations:
- "e 'est bien clair", ''je dirais meme que", "i! peut y avoir des
aetes", ''je erois que I 'on doit distinguer", toutes dans Ie § 14,
dont Ie theme (la violence des jeunes) est dans la logique des
paragraphes precedents ou FM manifeste des sentiments positifs
envers les etudiants.
Pour F. Flahault (1978), il y a un systeme de places it l'interieur
duquel tout locuteur produit sa parole, systeme constitue de quatre
elements:
- l'inconscient (Ie sujet parlant a ete marque d'une empreinte
inalterable par ces rapports de place);
- la formation sociale it laquelle il appartient;
- la situation discursive presente;
- la circulation d'insignes dans Ie tissu discursif
Nous retiendrons de cette grille ce qui concerne l'impact de la
place attribuable a chaque interlocuteur sur son discours observable
dans les enchainements qui indiquent la place du locuteur par rapport
a l' autre mais aussi dans la relation entre genres et contenus. Fran90is
(1982: 38) distingue la notion de place de celle de role: "Parler de
place signifie (...) autre chose qu 'un role social assigne: if
s 'agit du fait que dans I 'echange les sujets sont it la fois sujets
generiques qui cherchent it avoir raison et sujets qui parlent d'un
point de vue particulier". En effet, les positions des interlocuteurs
ne sont pas predeterminees, elles se construisent au fil de l' entretien.
Meme dans les situations ou les positions sont institutionnellement
determinees, les interlocuteurs peuvent echanger leurs places. Par
exemple, lorsque l' interviewe se met a interroger l' interviewer.
L'interview de presse est une situation ou les positions sont plutot
stables, mais notre texte ne comporte pas les questions posees par
Ie journaliste, ce qui ne permet pas d' observer les enchainements
questions-reponse ou les places se manifestent Ieplus nettement (dans
les rectifications, les deplacements thematiques, les ruptures, etc).
Mais ces places sont partiellement revelees par les micro-genres.
C'est ainsi que les enonces qui fonctionnent sur Ie mode du
commentaire apparaissent surtout quand FM refuse d'entrer dans
Ie debat ou Ie journaliste tente de l'entrainer. Dans Ie § 3, par
exemple, il repond it une question particuliere par un enonce general:
A la question de savoir s'il y aurait un avant et un apres-decembre
86 FM a repondu: "II y a un avant Ie 16 mars et un apres Ie 16 mars.
Le probleme qui est pose est d'abord celui de la majorite
parlementaire, elue par notre peuple, par Ie suffrage universel qui a
elu un president de la Republique en ma personne sur des options
differentes."
IIy a aussi changement de place quand FM passe a I 'appreciation.
Par exemple les §§ 5 et 6:
Le gouvernement a eu "raison" de pratiquer une pause dans son action.
Cet "acte de sagesse" doh "etre suivi d'un comportement
conforme
a
cette attitude". "Mieux vaut apaiser les passions, afin de faciliter Ie
retour it la cohesion nationale, que j' appe1ais de tous mes voeux."
Un autre changement de place peut etre releve avec Ie recit qui va du
§ 7 au § 11 ou FM s' oppose nettement aux propos de son
interlocuteur: la sa place se confond avec son role institutionnel, il
peut se pennettre de conseiller, demander, recommander, suggerer,
etc., mais non de dire de faire (ce qui reieve de l' autorite du Premier
Ministre).
L'analyse de ces niveaux d'heterogeneite montre Ie caractere
foncierement dialogique de tout discours et l'impossibilite d'ignorer
I'interaction des discours tout comme les glissements d'un niveau it
l'autre d'enonciation. Les fonnes d'heterogeneite montree renvoient,
comme Ie propose Authier-Revuz, it "une forme de 11I?gociation
(...) du sujet parlant avec l 'heterogeneite constitutive".
FM evite tant qu'il peut de porter des jugements directs sur ses
adversaires mais cette posture discursive ne I'empeche pas de
critiquer indirectement Ie gouvernement.
Ainsi, I'eloge du
comportement des etudiants pendant les evenements de rue signifie
une con damnation du gouvernement en ce qui concerne sa capacite
it gerer Ie conflit. En faisant allusion aux propos des autres - il ne
designe pas par leur nom les personnes avec lesquelles il dit avoir
discute - il dessine en creux un certain nombre de "textes", les
discours premiers (chronologiquement) constitutifs du discours actuel.
(§ 1) Franyois Mitterrand a approuve hier Ie retrait du projet
Devaquet - "un acte de sagesse" - et Ia decision de marquer
une "pause" dans les reformes de societe engagees depuis Ie
16 mars.
(§2) Apres la "rude experience" qu'a ete Ie conflit entre Ie
gouvernement et Ies etudiants, Ie chef de I'Etat, interroge en
direct depuis I'Elysee par Jean-Pierre Elkabbach sur
Europe
1, a rendu hommage a "Ia sagesse profonde" des etudiants
qui defendaient sans violence "une cause juste".
(§3) Ala question de savoir s'il y aurait un avant et un apres-decembre
86 FM a repondu: "II y a un avant Ie 16 mars et un apres Ie
16 mars. Le probleme qui est pose est d'abord celui de Ia
majorite parlementaire, elue par notre peuple, par Ie suffrage
universe! qui a elu un president de la Republique en ma
personne sur des options differentes."
(§4) "Le probleme est pose, au-dela du mois de decembre 1986.
L'evolution a terme de Ia situation due aux evenements qui se
sont deroules, notamment les evenements de ces derniers jours,
conduit naturellement a penser que la fayon d'aborder les
problemes peut changer, j'ai presque envie de Ie dire, doit
changer."
(§5)"Le gouvernement a eu "raison" de pratiquer une pause dans
son action".
(§6) Cet "acte de sagesse" doit "etre suivi d'un comportement
conforme a cette attitude". "Mieux vaut apaiser Ies passions,
afin de faciliter Ie retour a la cohesion nationale, que j' appelais
de tous mes voeux."
(§7)"Pour ce projet de loi, j'ai demande des explications au mois
de juillet, au moment ou Ie texte nous a ete remis." "Ces
explications tendaient tout simplement it savoir ce qu'il en etait
de ce qu' on appelle la selection, les dipl6mes nationaux,
des droits d'inscription, de I'organisation de l'universite. C' etait
d' autant plus legitime dans mon esprit, que j' etais en somme
Ie co-auteur, comme president de la Republique de la loi
precedente, celle precisement que l' on reformait. II m' a ete
indique que la concertation continuait sur ce sujet et je n' avais
pas de raison d'intervenir avant que Ie debat soit dos."
(§ 8)"Comment, au caurs de nos multiplesrencontres de cetie semaine,
de mercredi matin avant Ie Conseil des ministres, au sommet
europeen de Londres, et samedi soir, pendant Ie rendezvous que j'ai demande au Premierministre, comment n'auraisje rappele que dans une situation de ce type - encore qu'il n'y
ait eu, en 1984, ni morts, ni blesses, ni provocations, ni casseurs
- j'avais jug de retirer un projet qui rencontrait une vaste
opposition?"
(§ 9)"Comment n'aurais-je pas suggere (Oo.) recommande, conseille,
et finalement - peu importe Ie verbe - demande que, puisque
Ie gouvernement dans Ie courant de la semaine avait deja
retire l' essentiel des revendications, a partir du moment ou la
loi tombait en morceaux, pourquoi en garder une, celle de
I'organisation des universites?"
(§ lO)"Comment imaginer que j' aurais pu etre Ie seul Fran<;ais a
ne pas souhaiter, et dans mon cas demander, Ieretrait du projet?"
(§ ll)"Si vous aviez eu l'impression que je pouvais etre mele
aux manifestants, vous vous seriez trompes. (Oo.) J' ai pendant
tous ces jours observe avec une grande patience, pour
saisir Ie moment, dans I'interet du pays, ou il me faudrait dire ce
qu'il convenait de faire pour tirer Ie pays de I'orniere ou il se
trouvait."
(§ 12)"Les etudiants et les lyceens savaient que j' etais sur la meme
longueur d'onde (...)je me sentais bien en phase avec eux, mais
je ne pouvais et je ne voulais pas aller au-dela (...)"
(§ 13)"lIs ne defilaient pas pour moi mais pour la cause pour
laquelle ils etaient rassembles. Si, bien entendu, ils savaient
pouvoir compter sur la comprehension du president de la
Republique, pourquoi les aurais-je prive de ce qui n' etait pas
un renfort, mais I'affirmation d'une presence?"
(§ 14)"Il n'y a pas eu de violence des jeunes. C'est bien clair. Je
dirais meme que les jeunes ont fait preuve d 'une etonnante
maturite. Il peut y avoir des actes individuels tout a fait
reprehensibles, mais je crois que l' on doit distinguer les jeunes
etudiants et les lyceens d'un cote, et les casseurs de I'autre,
c' est-a-dire les eternels agents de trouble et de la violence."
(§ 15)"Moi, de l'endroit ou j'etais, j'ai constate pour les en
remercier, la sagesse profonde des etudiants, des Iyceens qui
se battaient pour une cause qui leur paraissait juste et qui est
.Juste. "()...
(§ 16)"La famille de Malik Oussekine est une noble famille
impregnee du respect du pays dans lequel elle se trouve, ne
voulant rien ajouter au trouble des esprits. Je ne sais pour
quelle raison j' ai ete Ie seul representant des pouvoirs
publics a faire cette visite que tout imposait." (...)
(§ 17)"M. Pasqua remplit son role en allant visiter Ie personnel atteint
dans l' execution de ses ordres."
(§ 18)"Tout enfant de France doit pouvoir disposer des moyens
d'etre premiera. Polytechnique, s'il en a lui-meme par son
caractere et son intelligence. Tout enfant doit avoir une situation
par Ie savoir". .
(§19)"Il Y a derriere ceia des valeurs simples (...) Pour moi les
valeurs nobles, ya s'appelle Ia Iiberte, l' egalite, Ia fraternite, Ia
solidarite, Ie respect de I'environnement humain et naturel, Ie
gout de l' effort, Ie gout de I' ouvrage bien fait, Ie sens des
responsabilites."
ADAM l-M. (1984) Le n~cit. Que sais-je? Paris, PUF.
AUTHIER - REVUZ, J. (1982) "Heterogeneite montree et
heterogeneite constitutive:elementspour une approche de l' autre
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FRANCOIS, F. (1980) "Linguistique et analyse des textes", in
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subjectivite dans Ie langage. Paris, A. Colin.
LABOY, W. (1978) "La transformation du vecu it travers la
syntaxe narrative", inLe parlerordinaire. Paris, Minuit, pp.
289-335.
LEJEUNE, P. (1980) Je est un autre. Paris, Le Seuil.
Cet article reproduit avec quelques modifications, des parties des
chapitres II et VII de la these de doctorat que j' ai soutenue en juin
1990, it l'Universite de Paris V, publiee, en 1992, par Peeters/Louvainla-Neuve, intitulee Discours rapporte et Circulation de la Parole.
A PARTICIPA<;AO DO FALANTE
SECUNDARIO NA CONSTRU<;AO DA
NARRATIVA
Fazel' uma narrativa, durante uma conversa espontanea, nao e
uma tarefa eminentemente do narrador. POl'ocorrer numa situayao
social, 0 discurso narrativo possibilita ( e ate exige) urn certo grau de
envolvimento entre os interlocutores, na medida ern que a audiencia
se manifesta atraves de estrategias variadas de apoio ao narrador.
Considera-se que a audiencia pode assumir dois papeis no processo
de construyao de uma narrativa conversacional: 0 de falante
secundario, realizando pequenas contribuiyoes para 0 desenrolar do
episodio narrado e 0 de ouvinte, manifestando interesse pelo
desenvolvimento da estoria, estimulando 0 narrador a prosseguir e
monitorando 0 seu discurso.
Este trabalho visa a investigar algumas estrategias de apoio ao
narrador utilizadas pelo falante secundario. Serao analisadas 14
narrativas produzidas pOl'falantes analfabetos, cuja faixa etaria varia
entre 35 e 76 anos, moradores da comunidade semi-isolada de Pedra
D'agua (PB).(J) A denominayao narrativa conversacional, na
literatura especializada,corresponde aos termos reprodU9lio (Gulich
e Quasthoff,1986),
narrativas
ou est6rias (Labov,1972;
Jefferson, 1978 e Polanyi, 1985).
A narrativa conversacional consiste numa modalidade discursiva
que retoma experiencias vivenciadas no passado pelo narrador ou
pOl' ele conhecidas, as quais passam a ser revividas durante uma
conversayao espontanea. 0 surgimento dessas narrativas e esponHlneo,
mas decorrente de algum estimulo oriundo do contexto discursivo ou
do situacional (Gulich e Quasthoff, 1986; Jefferson, 1978 e Labov,
1972). 0 episodio e recriado pelo narrador que passa a representa10, recriando os diaIogos entre os personagens, possivelmente ocorridos
(l) Este artigo retoma com algumas modificayoes um dos capitulos da dissertayao A
Interayoes em Narrativas Orais, defendida em 1992, na UFPE, sob orientayiio da
Prain. Dr" Judith C. HoffiJagel.
quando da realiza<yaodo epis6dio (Tannen, 1989). 0 narrador, alem
de autor, assume a fun<yaode ator, ao se auto-representar e ao
representar os demais personagens da est6ria, atraves das falas de
tais personagens.
OS INTERLOCUTORES
NA CONSTRU<;AO
TIVA CONVERSACIONAL
DA NARRA-
A constru<yaoda est6ria, definidacomo urn processo interacional,
e uma tarefa complexa, pois todos os participantes sac responsaveis
pela montagem do texto e nao apenas 0 narrador. A fala do narrador
se altera com a audiencia, it medida que encoraja 0 narrador atraves
do seu comportamento, ou seja, dos atos de fala proferidos ou dos
sinais de ouvintes realizados durante a intera<yao.
Bublitz (1988) c1assificaos participantes deuma intera<yaoface
a face de acordo com as a<yoescomunicativas e t6picas desempenhadas
por eles na forma<yaoe expansao do t6pico discursivo. Sao tres os
papeis: (a) 0 de falante primario (FP), aquele que domina e controla
a progressao da conversa; (b) 0 de falante secundario (FS), aquele
que faz contribui<yoesatraves de solicita<yoesde informa<yao,pequenos
comentarios e outros atos de fala; e (c) 0 de ouvinte (0), aquele que
faz contribui<yoes,demonstrando que esta acompanhando 0 que esta
sendo dito e incentivando 0 FP a prosseguir.
o PAPEL
DO FALANTE SECUNDARIO NO PROCESSO DE
CONSTRU<;AO DA NARRATIVA
Segundo Bublitz (1988), 0 FS e aquele que realiza
contribui<yoes menores do que 0 FP para 0 desenvolvimento do
t6pico discursivo corrente na conversa, atraves de atos de fala
como concordancia, questionamento, bem como atraves de
manifesta<yoesde atitudes ou enuncia<yaode posi<yoes.
As contribui<yoes do FS podem apoiar ou nao a fala de FP.
Quando hit divergencia, esta se manifesta atraves de contradi~ao,
obje~ao , duvida e outras formas que revel am oposi<yaoao FP. No
caso das narrativas, 0 narrador podeni ter vetada a sua liberdade de
contar a est6ria se a audiencia manifestar-se contra. Por outro lado,
quando hit convergencia entre os falantes, 0 FS recorre a padroes de
atos de fala que demonstram apoio como: (a) apoio pelo endosso e
pela repeti~ao; (b) apoio pela avalia~ao e (c) apoio pela
complementa~ao, pela suplementa~ao e pela parafrase.
o padrao endosso se caracteriza pelas contribuic;oes que
revelam concordancia com a fala do FP, manifestadas por meio de
expressoes afirmativas, tais como: sim, eu concordo, esta certo,
etc. Ja 0 padrao repeti~ao compreende nao apenas a reproduc;ao
do conteudo semantico do enunciado repetido mas tambem a forma
gramatical que 0 expressa.
Bublitz (1988:232) defende dois tipos de avalia~ao. 0 primeiro
diz respeito aos julgamentos positivos (weighing up) numa escala de
avaliac;ao. "Esses julgamentos de estados, ac;oes,eventos, atitudes e
formas de comportamento que formam 0 objeto da contribuic;ao
precedente sac semelhantes aquelas que sac ditas, expressas ou
meramente subentendidas pelo falante primario". No segundo tipo, 0
FS expressa valores emocionais nos atos de fala por ele proferidos,
atraves de exc1amac;oes ou expressoes lingilisticas que revelam
admirac;ao, espanto. E 6bvio que ao fazer uso desses recursos
avaliativos, 0 FS esta anunciando suas atitudes em relac;ao ao
desempenho do FP.
A complementa~ao se define como a contribuic;ao que 0 FS
faz para completar 0 enunciado incompleto, realizado anteriormente
pelo FP. A ac;ao do FS, na realidade, nao s6 completa 0 conteudo
como tambem 0 padrao de ac;ao comunicativa introduzida pelo FP.
As vezes, 0 FS antecipa informac;oesque se encaixam apropriadamente
ao enunciado antecedente realizado por FP, as quais sac do interesse
deste, atraves de mecanismos de coordenac;ao vocabular e oracional,
ou ainda orac;oes subordinadas. Da-se entao 0 apoio por
suplementa~ao. A terceira forma - a parafrase - apresenta uma
especie de resumo da contribuic;ao (ou contribuic;oes) precedentes ao
FP pelo FS. A panifrase serve para refletir, de maneira generalizada,
o ponto de vista do FP, atraves de proverbios, aforismos e frases
vazias, visando a condensar 0 que deduz ser as pressuposic;oes e
atitudes de seu interlocutor.
Bublitz (1988:247/250) salient a que todos estes padroes de
apoio servem como guias para os participantes de uma conversa em
que as ac;oes de FS apoiam as ac;oes do FP. Estes principios sac
basicamente a reproduc;ao e a antecipac;ao. Estas contribuic;oes "tem
consequencias tanto ao nivel do conteudo como nas relayoes sociais
(...). Por urn lado, as contribuiyoes do Falante Secundario nao contem
nenhuma informayao que seja nova, inesperada ou surpreendente para
o Falante Primario. (. ..) Pode-se dizer que a liberdade para 0 Falante
Secundario escolher e muito restrita; nem muitas opyoes the sac
propostas como escolher 0 t6pico, a mensagem e 0 padrao de ate de
fala". 0 autor acrescenta ainda que 0 "empenho dos participantes em
todos os padroes de apoio quando e1es adotam 0 papel de Falante
Secundario contribui decisivamente para 0 estabelecimento e a
manutenyao satisfat6ria das relayoes sociais".
Os turnos de fala produzidos pelo FS sac os identificados como
turn os inseridos, cuja classificayao depend era da funyao dos atos
de fala que eles realizam. Houtkoop e Mazeland (1985: 599),
observando as reayoes dos receptores - FS e 0 - dizem que "0 lugar
das reayoes dos receptores e 0 mesmo de uma tomada de turno normal,
isto e, elas sac posicionadas ao redor dos finais das unidades
construcionais de turno. Embora os limites dessas unidades sejam
marcados como pontos de incompletude de turno, e entao urn lugar
para a transiyao de turno, mas como sentido restrito".
Porem e necessario salientar que nem sempre a conclusao de
Unidade Discursiva Fechada, ou de urn turno narrativo na
denominayao de Preti (1991), e reconhecida pelos receptores, dai
ser preciso haver uma negociayao entre os interlocutores, a fim de
propiciar-se a complementayao da mesma.
Polanyi (1985 :200) nao estabelece uma distinyao entre os tipos
de receptores, no entanto as tarefas que ela aponta para a audiencia
de uma narrativa conversacional abrangem tanto as desempenhadas
pelo FS como pelo O. De formageral, elas se resumem em tres tipos:
a. concordar em ouvir a est6ria ou apresentar uma razao pela qual ela
nao pode ser contada;
b. abster-se de tomar 0 turno, exceto para fazer apartes, demonstrando
que a est6ria esta sendo seguida e entendida ou para levantar questOes
relacionadas diretamente com 0 que esta sendo dito sobre 0 mundo
da est6ria;
c. demonstrar, no final da est6ria, entendimento, fazendo comentarios
que indiquem a apreensao do objetivo da narrayao.
Assim, 0 sucesso da narrativa conversacional depende das
estrategias do FP bem como das participal;oes da audiencia. Juntos,
desempenham seus papeis, buscando urn maior envolvimento, a fim
de estruturarem a narrativa e assegurarem a narrativa.
A PARTICIPACAO DO FALANTE SECUNDARIO NA
CONSTRUCAO DA NARRATIVA ORAL NA COMUNIDADE DE PEDRA D' AGUA
Ao contar uma est6ria, 0 tumo de urn falante apresenta sempre
uma extensao maior do que normalmente acontece numa conversa.
Nos dados em analise, a troca de falantes, a exemplo do que acontece
na conversal;ao, deram-se, em maior fraquencia, em lugares relevantes
para a transil;ao (LRT). Cerca de 78% das contribuil;oes dos FSs
foram registradas mediante a presenl;a de LRT e 22% na ausencia
destas pistas. No primeiro caso, encontram-se as passagens de tumo
consentidas (84%) e as requeridas (16%) pe10narrador. As primeiras
consistem em entregas implicitas do turno e se realizam na presenl;a
de tres tipos de pistas de LRT: (a) finalde unidades sintatico-semanticopragmaticas, (b) pausas e (c) risos. Ja as passagens requeridas revelam
uma entrega explicitado tumo pelo narrador, pois este(a) faz indagavoes
ao(s) interlocutor( es) e (b) usa marcadores cbnversacionais p6sposicionados. Destas duas formas de transil;ao de turno, 0 numero
maior de participal;oes do FS foi registrado ap6s 0 final de unidades
sintatico-semantico- pragmatic as. Estas intervenl;oes sac decorrentes
de urn dos principios basicos da conversal;ao que e alternancia de
falantes.
Nos casos das narrativas orais, este direito de tomar a palavra
esta associado ao dever de fazer contribuil;oes relacionadas ao
desenrolar do epis6dio narrado. Estes sac os turnos inseridos com
fins interacionais, que podem ser intervenl;ao de falante unico (exemplo
01, L: 04)(2) ou num trecho onde F Ss entram em interal;aO entre si,
evocando urn aspecto da narrativa, como se observa no exemplo (02),
das linhas 04 a 08. Neste trecho, os FSs e 0 narrador discutem sobre
o tempo transcorrido entre a ocorrencia do episodio e a narra9ao do
(2) As normas de transcriyao usadas foram as propostas pelo NURC - Recife e por
Marcushi (1986). As auto e heterocitayoes esrno entre aspas.
(01) 01 M17: ( ...) ai os defunto que morre no interie os povo usa
rezane?
02 M2: com esse senhe de engenho (.) todinha (( continua a
conversa entre M2 e parte das pessoas
presentes, mas fica impossivel compreender por causa do barulho das criancas»
04 PI: reza ne
05 M17: e (.) ai os povo comecaro a reza ne?
(02) 01 H3: esperei urn carro de BEM cedo ate quatro hora da
02
tarde (.) num passe urn pa entra pa Lagoa Grande
03H9:
ai joge nas costa
04Pl:
isso foi quando? faz tempo?
05H3:
faizano
06M6:
fai munto zano
07H3:
fai munto zano
08H9:
naquele tempo ele era novo
09H3:
ai eu peguei elaejoguei nas costa(.)
Quanto as contribuicoes em sobreposicao, na sua maioria, nao
provocam interrupcao na fala do FP. As contribuicoes do FS realizadas
durante as pausas sac mais frequentes do que as intervencoes em
lugares onde nao h8.pist~s de LRT. Numa conversa, as intervencoes
na ausencia de LRT resultam num assalto ao tumo do outro, ou pelo
menos numa tentativa de assalto. No processo de construyaO da
est6ria, das ocorrencias em sobreposicao, apenas 25% provocaram
interrupyao do tumo do narrador, principalmente nos apoios por
indaga~ao e por explica~ao (estes dois tipos de apoio nao sac
apontados por Bublitz (1988». Poder -se-ia dizer que, geralrnente,
instaura-se uma das situayoes possiveis de serem consideradas ap6s
urn assaito: 0 interlocutor assaltado nao abandona 0 tumo e continua
a comandar a interayao. Como a intenyao do FS nao e a de assumir 0
comando da interayao, tais participayoes, embora do ponto de vista
formal possam constituir urn assalto (ou tentativa de assalto), do ponto
de vista funcional, sac de natureza interacional.
Quanto as contribuiyoes realizadas durante as pausas, apenas
4% implicaram interrupyoes na fala do narrador e todas foram
localizadas na categoria apoio por indaga~ao. Atitude plenamente
compreensivel, uma vez que 0 narrador deveria suspender 0 seu
planejamento discursivo para atender as necessidades de seu
interlocutor.
Saliento que 0 mais importante nesta analise nao a classificayao
das contribuiy5es do FS em seu aspecto formal, mas, numa perspectiva
interacional, verificar qual a forma de apoio veiculada em cada
intervenyao. Por isso, recorri tanto as contribuiyoes em sobreposiyao
como as em nao sobreposiyao a fala do FP nas analises dos padroes
de apoio.
Dentre os padroes de apoio utilizados pelos FSs, propostos
por Bublitz, nao foi constatada a panifrase nas 144 ocorrencias
encontradas nos dados. Por outro lado, encontrei tres outros tipos
de apoio, que foram (a) apoio pela indaga~ao (b) apoio pela resposta
e (c) apoio pela explica~ao. Dos oito padroes existentes, os de maior
incidencia foram 0 apoio pelo endosso (21 ocorrencias), apoio pela
avalia~ao (45 ocorrencias) e 0 apoio pela indaga~ao (46
ocorrencias). Este artigo limitar-se-a a apresentayao apenas destes
tres padroes.
e
No apoio pelo endosso, 0 FS deixa transparecer ao narrador
que concorda com as informayoes por ele anunciadas. Das 21
ocorrencias, 12 foram em sobreposiyao ao turno de FP, mas sem
interrompe-Io e apenas 3 ap6s 0 uso de marcadores conversacionais
ne? e sabe? As formas linguisticas mais usadas foram as expressoes
afirmativas: e, mai e merma, era issa merma, sim e sei. Vejamos
alguns exemplos:
(03) 01 M17: (...) eu tinha certeza que se su: abrisse os soiu (.)
02
eu via sabe? [ (.) ..] ai aquilo ali eu
03 PI
[sim]
04 M17 fiquei a noitetodinha (.)
(04) 01 H3: (...) morreu dento da casa dela (.) sortera mindingada
02
dento sem ninguem que quii trata dela (.) puque
03
ninguem queria i subi esse morro ((aponta em direyao
a uma serra» [pa i ta (.) hora la
05 M6
[mai e mesmo
Este tipo de apoio ocorreu quase que 50% em sobreposiyao
ao FP, sem interromper 0 turno deste. Verifica-se que 0 FS externa
seujulgamento em relayao ao desempenho do narrador, atraves da
enunciayao dos fatos que comp5em a narrativa, das atitudes do pr6prio
narrador face ao epis6dio e das formas de comportamento dos
personagens. LingOisticamente, 0 FS se utiliza dos mais variados tipos
de construyao frasal: frases de situayao, frases nominais, frases
declarativas e interrogativas. Vejamos alguns exemplos:
0 1M2: (..)aiumdiaeutava113
fila(.)boiinhavivinha[(.)
02 PI
[vivinha «sorrir»
03 M2 «todos riem»
(06) 0 I H3: deixei ela Ii intemada e fiquei dano viage pra Ii e pra ci
02
[de pei
03 PI: [eu pensei que 0 senho tinha se intern ado de cansa~o
04
[ tambem «fala sorrindo»
05 P2 [eu tambem
(05)
(07) 01 H3: enadanada113daofejaoomiiquanoeuvortei[ja
tinha
02 PI:
[essafoi«dirige-se a P2, emvozbaixa
03
fazendo urn gesto com as maos para demonstrar a
04
satisfa~ao pela coleta da narrativa»
05
[meu Deus do ceu
06 H3: [quano eu vortei ((P2 sorrir» reparu tudo (.)
No exemplo (05),0 FS (L:02), por meio de uma repetiyao de
uma palavra empregada pela narradora -vivinha-, descrevendo 0
estado em que se encontrava, quando da ocorrencia do epis6dio, faz
tambem uma avaliayao, admirando-se da forma linguistica empregada.
la. no (06), as FSs (P 1 e P2) comentam 0 estado fisico do narrador/
personagem apos ter conduzido nas costas uma senhora doente da
comunidade ate a cidade de Alagoa Grande, num percurso de
aproximadamente 20km. PI se sobrep5e ao FP, toma-lhe 0 turno e
numa frase declarativa brinca com 0 cansa<;odo mesmo. E interessante
observar ainda que a avalia<;aode P2 (L:04) ocorre numa postura de
endosso a fala de PI. Finalmente, em (07), PI mais uma vez provoca
a suspensao da fala de H3, ao dirigir-se a P2, salientando a alegria
pela coleta da narrativa (L: 02/03). 0 narrador, numa postura de quem
pretende, logicamente, concluir sua narrativa, reintroduz a estoria,
repetindo 0 final de seu enunciado anterior e prossegue com a narra<;ao.
Nos exemplos (08) e (09) podemos encontrar outras estrategias
avaliativas. No primeiro (L:02), a FS atraves da frase de situa<;aoave maria - externa'seu espanto diante do fato apresentado pela
narradora ( uma mulher gravida que morreu sem conseguir dar a luz).
No outro exemplo (L02), a FS M4 avalia a exigencia feita por urn
dos personagens ao narrador - ave: maria -. Esta frase de situa<;ao e
seguida de uma nominal- mai de Inga -. Transcreveremos abaixo os
referidos exemplos:
(08) 01 M2: fui enfeita ota mulhe do buchao que morreu com 0 menino
dento [ (.) Ii no Purgato
02 PI:
[ aye maria
(09) 01 M2: ele disse "nao s6 se f6 de peis daqui a:TE em casa"
02 M4: aye: maria (.) mai de Inga
o
apoio pela indagac;ao foi realizado basicamente pelas
pesquisadoras. Das 46 ocorrencias, apenas 1 foi de uma informante.
Tal indice sejustifica pelo desconhecimento, por parte daquelas, dos
episodios narrados. A grande maio ria das estorias contadas faz parte
do repertorio de epis6dios dignos de serem transmitidos com freqiH~ncia
aos visitantes. Consequentemente, nao hi para os moradores aspectos
a serem questionados, enquanto que os defora necessitam de algumas
informa<;5esrelacionadas (1) a contextualiza9ao, como identifica<;ao
de personagens (exemplo 10), determina<;ao do tempo (exemplo 11)
e identificac;ao de local (exemplo 12); (2) it solicitac;tio de
esclarecimentos sobre ac;f5esdesempenhadas pe/os personagens
(exemplo 13). A seguir transcreveremos os exemplos mencionados:
(10) 01 M17: num gostei nao (.) «PI sorrir» disse menno a
Tutu
02 PI: quem
(11)
e Tutu?
01 PI:
no dia que tu sonhasse foi?
02 M17: nao (.) depoi (.)
(12) 01 PI:
02 M3:
ai voces traziam 0 capito pra cil?
PRA\ cornia Ii (.) na barraca (.)
(13) 01 M17: eu digo "eu vo aprumi aqui no cruzero porque foi 0
02
03 PI
defunto que Ievanto [ «sorrir» ele num me pega (.)
[e 0 que tinha sido?
De acordo com 0 que se pode observar nestes padr5es de
apoio, 0 FS tambem se constitui autor da narrativa apresentada
durante a conversac;ao. A participac;ao do FS se caracteriza
essencialmente pela sua postura de cooperaC;ao,no desenvolvimento
do episodio apresentado pelo FP para ser narrado e aceito por
aquele como pertinente para ser ouvido. As intevenc;5es dos FSs
nao visavam, desta forma, a tomada do turno no narrador, mas sim
ajudit-lo a tecer a estoria.
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in conversational discourse. Cambndge, Cambridge University
Press.
o PADRAo ENTOACIONAL DOS
REPORTERES DA GLOBO
o campo
de investigayao que abrange a fonetica e a fonologia
tern apresentado contribuiyoes significativas em diversas areas da
pesquisa lingilistica tais como: a descriyao de linguas de minorias
etnicas, a aquisiyao da linguagem e, ainda,varios temas correlacionados
lingilistica aplicada voltados para a abordagem de metodologias de
ensino.
E neste contexto que tern crescido 0 interesse pelos estudos
sobre a entoayao como uma caracteristica - dentro dos chamados
aspectos pros6dicos - capaz de evidenciar tanto as formas da fala
na interayao verbal (a myel de significant e), como tambem interferir
no conteudo do enunciado (a nivel de significado).
A partir desta constatacao, achamos relevante 0 procedimento
de uma amilise da entoayao dos rep6rteres de televisao por
acreditarmos haver alguma relayao entre 0 padrao entoacional e
as informayoes veiculadas pelos meios de comunicac;ao de massa.
Ha algum tempo temos percebido, de maneira intuitiva, uma certa
padronizac;ao na fala dos rep6rteres de TV. Essa percepc;ao, sentida
inicialmente apenas entre os rep6rteres da Rede Globo, e atualmente
observada em todas as redes nacionais de televisao.
Delimitamos como universo da nossa amostra os telej ornais
da Rede Globo de Televisao pelo fato de esta emissora veicular 0
maior numero de telejornais diarios interligados por rede nacional
e, ainda, por registrar os maiores indices de audiencia da televisao
brasileira, de acordo com 0 caderno de midia da revista Imprensa
(maryo, 1992).
Partimos do principio que os rep6rteres desta rede nao
recebem qualquer tipo de treinamento ao entrar para a emissora. De
a
*
As autoras SaD jornalistas e mestrandas em Lingliistica e, neste estudo, tiveram a
orientayao da prof" Dra. Marfgia Viana, do Programa de P6s-graduayao em Letras e
LingUisticalUFPE ..
acordo com a rep6rter Delis Ortis, na Globo desde fevereiro de 1992,
nao ha qualquer tipo de treinamento com os rep6rteres direcionado
para a aquisivao de urn padrao entoacional. Existe apenas 0
acompanhamento clinicode uma equipe de fonoaudi610gosque trabalha
individualmente com cada urn dos reporteres de rede, ou seja, aqueles
que aparecem nos te1ejomais - Jomal Hoje, Jomal Nacional, Jomal
.da Globo - e tambem no Fantastico. Este acompanhamento, contudo,
nao feito periodicamente e tern como unico objetivo ajudar os
reporteres a pronunciar melhor as palavras. Delis Ortis acredita que
os rep6rteres falam de forma semelhante por imitarem os colegas mais
experientes.
Neste estudo pretendemos, portanto, verificar se existe urn
padrao entoaciofiQl de fala entre os reporteres da Rede Globo,
oriundos de diferentes regioes do pais.
e
o corpus analisado neste trabalho e composto por falas de
quatro reporteres, sen~e dois (urn homem e uma mulher) originarios
do Nordeste e.dois (urn hornem e uma mulher) do Centro-suI. Para
chegarmos a este corpus, estabelecemos que 0 mesmo seria coletado
nos diversos telejomais veiculados pela Rede Globo. Assim, no
perfodo de 15 de abril a 25 de maio de 1992, foram gravadas 106
reportagens oriundas de varias edic;;oes do NETV e DFTV
(noticiarios locais veiculados de segunda a sabado as 12h45 e as
19h45), Jomal Nacional (veiculado de segunda a sabado as 20h)
e Jomal Hoje (veiculado de segunda a sabado as 13h).
o material gravado ja era suficiente para a selec;;aodo corpus.
Instituimos, entao, alguns criterios para facilitar a selevao das
reportagens que seriam analisadas:
- equivalencia entre 0 numero de reporteres do sexo masculino e
feminino,
- equivalencia entre 0 numero de reporteres nordestinos e sulistas,
- escolha de reportagens nas quais os profissionais aparecessem
na tela, evitando os recursos do off(utilizayao apenas da voz do
reporter comentando as imagens veiculadas).
Vale ressaltar que para a sele9ao, nao foram considerados aspectos
como conteudo temMico ou dura9ao das reportagens.
Obedecendo a estes criterios, fizemos a primeira sele9ao em
que foram escolhidas doze reportagens que, por questoes
metodol6gicas, ficaram reduzidas a quatro. Seguindo a, esse respeito,
observa90es feitas por Milroy (1987), acreditamos que a quantidade
de dados obtidos com a transcri9ao das falas de 12informantes tornaria
a analise e a manipula9ao dos dados mais complicada, e nem por isso
mais significativa.
As quatro reportagens foram transcritas segundo os preceitos
ditados pelo modelo entoacional de David Brazil. De acordo com
Brazil (in: COULTHARD, 1985), as divisoes entoacionais feitas
pelos falantes nos enunciados nao sac gramaticalmente motivadas,
mas geradas pela participa9ao do falante em urn contexte situacional
e informativo.
o universo da amostra para esta analise e justamente urn
material produzido dentro de urn contexto situacional e, sobretudo,
informativo. Partimos, entao, para a verifica9ao da fala de cada
rep6rter a fim de identificar as unidades tonais, citadas por Brazil
como sendo uma das caracteristicas fundamentais no estudo da
entoa9ao.
Para Brazil (1981 e 1985), a unidade tonal e 0 segmento da
fala ao qual estao associadas as variaveis significativas. "Ela e
definida, nao pela referencia aos seus limites, mas pela sua
organiza9ao interna, i.e., ela e caracterizada como 0 local de
opera9ao de urn conjunto de 0P90es do falante" (BRAZIL, 1981:
40). E na unidade tonal que se realizam alguns aspectos
suprasegmentais utilizados pre-planejadamente pe10sfalantes, como
proeminencia, tom, pista e termina9ao. Brazil considera que cada
urn destes aspectos acrescenta urn diferente tipo de informa9ao
durante a intera9ao. Sabemos que, no momento de realiza9ao da fala,
todos esses elementos interagem simultaneamente. Mas para efeito
de anaJise, destacamos neste trabalho apenas dois aspectos:
proeminencia e tom.
Cada unidade tonal e demarcada pela presen9a de uma ou
duas proeminencias. Por proeminencia entende-se a escolha pelo
falante de palavras com enfase em determinada silaba. Esta escolha
lingiiisticatern por objetivo selecionar informa90es que 0 falante deseja
ressaltar com base no conhecimento partilhado. Em geral estas silabas
coincidem com 0 acento tonico das palavras, mas nao necessariamente
(BRAZIL, 1985a e VIANA, 1992). Para efeito de identificac;ao;as
silabas proeminentes sac sempre transcritas em letras maiusculas, e
em caso de ocorrerem duas proeminencias em uma mesma unidade
tonal, a silaba tonica (ultima silaba proeminente na unidade tonal)
apareceni sublinhada.
A identificavao das unidades tonais e proeminencias em cada
uma das quatro reportagens, nos possibilitou dar mais urn passo
em busca de nosso objetivo. Prosseguimos, entao, verificando 0
tom imposto pelos rep6rteres a partir das silabas contidas nas
unidades tonais. Segundo Brazil (1985 b), os tons classificam-se
em: descendente,
ascendente,
ascendente-descendente,
descendente-ascendente e nivel. Os tons ascendente e descendenteascendente, chamados referring tones ( r ) sac utilizados pelo falante
para emitir para 0 ouvinte mensagens no ambito do conhecimento
partilhado. Ja, os tons 'descendente e ascendente-descendente,
chamados de proclaiming tones ( p ) sac empregados como
geradores de expectativas
para 0 aumento do campo de
conhecimento partilhado, atraves da transmissao de novas
informac;oes, e tambem como indicadores de divergencias e
separac;ao (COULTHARD, 1985).
Brazil ainda classifica mais dois tons, utilizados na orientac;ao
obliqua, que nao serao abordaclos neste estudo por estarem
diretamente relacionados com a lingua e I}.aOcom os participantes
da interac;ao. Ainda dentro do modelo entoacional utilizado, 0
falante pode ter 0 papel de dominante ou de nao-dominante. Ou
seja, quando ele desempenha urn papel em que da informayoes ou
instruyoes e considerado controlador do discurso e, portanto, tern
uma posiyao de dominante. E 0 caso do reporter ao veicular sua
reportagem ou do professor em sala de aula.
Assim, ao verificar os tons nas reportagens escolhidas,
observamos a incidencia de tons ascendentes e descendentes em
urn contexto de dominancia do falante. 0 ultimo passo da analise
foi identificar as caracteristicas individuais e coincidentes entre os
quatrorep6rteres,
que serao denominados rep6rter A (homeml
Centro-suI), rep6rter B (mulherlNordeste), rep6rter C (homernl
Nordeste) eD (mulher/Centro-sul).
88
As caracteristicas de cada urn dos rep6rteres indicaram
tendencias marcantes entre os profissionais. Primeiramente,
constatamos que os rep6rteres
enfatizam, ou seja, tornam
proeminentes os substantivos comuns e pr6prios indicativos de
lugar, os verbos no participio e noinfinitivo e, tambem, os adverbios.
Assinale-se que os dados aqui apresentados correspondem a
totalidade das ocorrencias verificadas em cada uma das quatro
reportagens analisadas.
Reporter A
11 a ciDAdel1
11 no aeroPORtol1
IIRUASII
Ilos TUneis do RIOII
II RIO CENtro11
II ORIa .. ./1
11 hoTEISII
II. ..caiCAda/ I
11 PIStasll
II MARII
11...esPAc;oll
11...quarTELII
Reporter C
lido MUNdo11
11... em pernamBUcol1
Ilem washingTON/I
11 na SEde//
// no braSIL//
Reporter B
11 aparta:MENtoll
11 BOa viAgem/l
II
SAO PAUlol1
11 hoTEISII
II Acrell
/I. ..FLATII
II. ..reCIfe/ /
11... pernamBUcol1
11...esTAdo/1
II...secretaRIal I
Reporter D
11 de jeQUIe
// em sao PAUlol1
Reporter A
Reporter B
Ilvao mobiliZAR/1
Ilvao fiCAR/1
Ilvao PROtegerl1
11...vao hospeDAR/1
Ilvao transmiTIRII
11... assalTAR/1
Reporter C
Reporter D
Ilao responDERII
I/. .. se apresenTAR/1
Ilpara eviTAR/I
Reporter A
Reporter B
IlpatruLHAdol1
IIBLOqueadasl1
lIe VIgiadasl1
II consideRAdosll
II reforCAdol I
11 PROibidail
11 BLOqueadoll
11 e proteGIdol1
11
11
lIe
II
11
ReporterC
Reporter D
Ilfoi FEIto .. ./1
lIe ciTAdol1
IldecreTAda .../1
IlesTA sendo procuRAdol1
PREsail
aponTAdail
TIdail
acuSAda .../1
procuRAdall
Reporter A
Reporter B
IIJA. ../1
IIMAlS .. .I1
Ilao LARgo11
Ilao VIvo11
IldiREto ...I1
1/...ONtem/l
IlpossiVELmentel
IIMUItal1
I/DENtro11
Reporter C
Reporter D
IIJAmaisl1
1/...HOjell
l/aGOraJl
lie AQUL..I1
I/PRAticamentel I
I
Notamos tambem, com certa surpresa, a incidencia de
proeminencias nao coincidentes com a silaba tonica. Quando isto
ocorre, a enfase, na maioria das vezes, cai na primeira silaba.
Reporter A
Reporter B
11...mobiliZAR/I
IIBLOqueadasl1
II VIgiadasl I
II FU zileirosl I
11 PROtegerll
II PROibidaJ I
I/. ..Aereol I
11 SAbendoll
II Operayaol I
Reporter C
Reporter D
IIJAmaisl1
Ilem washingTONII
//NEnhum/l
IICONfiavel/1
IITErial1
IIPRAticamentel I
/ICOMbinaram/l
//PERnambuco//
Percebemos que 0 tom descendente ( p ) coincide com 0 final
de gropos de informa~6es. Entendemos que 0 tom descendente, em
geral, parece representar 0 que gramaticalmente seria 0 ponto ou a
virgula. Por outro lade, os tons ascendentes aparecem sempre no
inicio de uma nova informa~aocomo que preparando 0 ouvinte, atraves
da enuncia~ao do conhecimento partilhado, para 0 recebimento de
uina nova informa~ao que esta por vir. Esta caracteristica, entretanto,
parece ser comum a todo falante. De qualquer forma, demonstraremos,
a seguir, as coincidencias entre os tons descendentes e os sinais de
pontua~ao (que serao identificados entre parenteses) observadas no
corpus analisado.
Reporter A
Ilr as TRESII
Reporter B
Ilr auroZItai I
IIr FOR~asll
Ilr arMAdasl1
Ilr vaG mobiliZAR/1
Ilr QUINz ell
Ilr MILII
IIHOmensl1
Ilr para a seguRAN~a de
Ilr REgiall
Ilr da SILva/I
lip foi PREsa ONtem/l (,)
Ilr num apartaMENtol1
Ilr possivelmentell
lip emBOA viAGEM/I (,)
Ilr por policiAISl1
Ilr da diviSAOII
IIr de homiCIdiosl1
IIr e prote<;AOII
Ilr a pesSOA/I
Ilr da policia ciVIL/I
II p de SAO PAUlol1 (.)
CEMII
IICHEfes de esTAdol1 (.)
Reporter C
Ilr 0 go VERno ameriCAnol1
Ilr JAmaisl1
lip DIssel1
Ilr que a maior planta<;AO
de maCOnha/l
IIr do MUNdoll
lip fica em pernamBUcoll(.)
Ilr 0 desmenTIdol1
Reporter D
Ilr 0 ROmeml1
Ilr que a poLIcia
identifiCOUII
Ilr como seGUNdol1
Ilr particiPANte do CRIme11
Ilr e joMILdol1
Ilr RAmosll
lip barBOsa/I (.)
foi FEIto HOje11
em washingTONII (,)
ao responDERII
a uma perGUNtal1
durante uma entreVISta
coleTIva/l
IIr diante de jornaLIStas//
Ilr de VINte11
Ilr
lip
Ilr
IIr
Ilr
Ilr e QUAtrol1
lip paIsesl I (,)
Ilr na SEde11
Ilr da VOZ da aMErica/I
lip em WAShington/I (.)
Ilr ele e baiAnol1
IIr da cidade de jeQUlel1
IIr e AQUI em sac PAUlol1
l/r nao TEria/ I
lip anteceDENtes
crimiNAISII (.)
Ilr JOmildol1
Ilr esTA/I
IIr com prisao proviSOrial1
lip decreTAda pela
jusTI<ra/l(,)
IIr e esTA sendo
procuRAdol1
lip pela poLlcia/l (.)
Observamos, tambem, que a segmentac;ao em unidades tonais
ocorre com os nomes de pessoas sempre que as mesmas
desempenham urn papel fundamental no fato reportado. Este e 0
caso de Aurozita Regia da Silva que, segundo a informac;ao da
reporter B, esta sendo procurada pela policia. 0 nome de Aurozita
foi enfatizado porque como ela era uma das suspeitas do assassinato,
seria precise deixar claro seu nome completo. Esta tendencia so
nao p6de ser comprovada no texto do reporter A, por nao ter
citado nomes de pessoas. Vale ressaltar, tambem, que todos os
nomes proprios sac proeminentes mesmo quando nao sac sujeitos
da aC;ao, como no caso de Ari Toledo e Edmundo Pinto, citados
pela reporter B.
Reporter A
Nao utilizou nomes de pessoas
Reporter B
II auroZItal I
llREgiall
Iida SILval1
IledMUNdo PINto11
liaR! toLEdol1
//auroZIta/1
Reporter C
IlmelVlM/1
//leviTSK/I
Reporter D
IljoMILdol1
IIRAmos/1
lib arB 0 sa/I
IleDILson/l
IIALvesl/
IIGAgol1
o
ultimo aspecto coincidente e observado nas falas dos
rep6rteres A e C, onde foram encontradas proeminencias em numerais.
Com rela~ao a este ponto, nao podemos generalizar a tendencia pelo
fato de os rep6rteres BeD nao haverem mencionado numerais em
suas reportagens.
Reporter A
II as TRESII
II QUINzel1
II MILII
Reporter C
II VINtel/
1/...QU Atrol I
Para resumir nossa analise, podemos dizer que os dados
revelam varias coincidencias entoacionais nas falas dos rep6rteres,
marcadas pela divisao dos enunciados em unidades tonais e
proeminencias. Percebemos, inclusive, que no processo de
planejamento das unidades -tonais, os rep6rteres procedem a
segmenta~ao e marcam as proeminencias de acordo com pontos
ressaltados pela estrutura jornalistica de apresenta~ao da noticia.
Ou seja, ao transmitir a noticia, 0 rep6rter precisa deixar claro 0
que aconteceu; onde, quando, como e quem sac os envolvidos no
acontecimento. E isto pede ser comprovado neste estudo com a
ocorrencia de proeminencias - nos substantivos indicativos de lugar
(onde), nos nomes de pessoas (quem), nos adverbios de tempo
(quando) e de modo (como) e nos verbos (0 que) - descritas
anteriormente.
A analisedo corpus selecionadonos possibilitouatingir 0 objetivo
do estudo: verificar se existe urn padrao entoacional entre os reporteres
da Rede Globo de Televisao, oriundos de diferentes regi6es do pais.
A partir da constata'tao de coincidencias na segmenta'tao dos
enunciados e proeminencias nas falas dos profissionais, podemos
afirmar que, independentemente da regiao de origem dos reporteres,
existe urn padrao entoacional. Em outras palavras, nao ha caracteristicas
entoacionais proprias de cada reporter durante a transmissao de noticias,
mas urn padrao uniforme querele seja do Centro-suI ou do Nordeste.
o curioso e que essa uniformidade de entoa'tao provoca no
telespectador a sensa'tao de que todos os reporteres falam -igual.
Na realidade, eles apresentam 0 mesmo padrao entoacional, 0 que
nao significa que eles tenham a mesma pronuncia.
Assim, concluimos que 0 padrao entoacional dos reporteres
da Rede Globo e marcado pelas seguintes tendencias:
I -Tomar proeminentes os substantivos comuns ou proprios
indicativos de lugar, os verbos no infinitivo e participio, e, tambem,
os adverbios.
II - Tomar proeminentes silabas tonicas nao coincidentes
com a tonica da palavra.
III - Segmentar nomes de pessoas quando sac sujeitos de a'tao
do fato noticiado.
BRAZIL, David. 1981. Intonation. In Malcolm Coulthard e Martin
Montgomery (ed.). Studies in Discourse Analysis. London,
Routledge & Paul Ltd, pp. 39 - 50.
BRAZIL, David. 1985a. The communicative value of intonation
in English. Birmingham: English Laguage Research and Black
House Books.
BRAZIL, David. 1985b. Phonology: Intonation in Discourse. In
Teun van Dijk (ed.). Handbook of Discourse Analysis. Vol.
2. Dimensions of Discourse. London, Academic, pp. 57-76
COULTHARD, Malcom. 1985. An Introduction
Analysis. New York: Longman.
to Discourse
MILROY, Leslie. 1987. Observing and Analysing
Language. Oxford: Basil Blackwell.
Natural
VIANA, Marigia. 1992. Padroes Entoacionais nos Processos de
Continuidade e Descontinuidade na Fala. Recife (Mimeo).
Transcriyao das reportagens utilizadas como corpus do estudo
o PadrCio Entoacional
dos Rep6rteres da Globo.
Ilr as TRESII
IlrFORyasl1
Ilr arMAdas/I
Ilrvao mobiliZAR/1
Ilr QUINze11
IlrWLII
lip HOmensl1
Ilr para a seguRANya de
CEM/I
lip CHEfesde esTAdol1
IIr 0 moviMENto das
TROpas/l
lip JA cqmeCOUII
Ilr heliCOPterosl1
IlrmiliTAres/l
lip sobreVOam a ciDAdel1
Ilr 0 esquema coMEya no
aeroPORtol I
IlrpatruLHAdol1
lip pela aeroNAUticail
Ilr as princiPAlS RUASII
Ilr e aveNIdasl I
Ilrvao fiCAR/1
Ilr BLOqueadasl1
Ilr e VIgiadasl1
lip pelo exERcitol1
Ilr que VAl usar AIN dal I
Ilr TANques/ I
lip e CArro.; de comB At ell
Ilros TUneis do RIOII
Ilr sao consideRAdos/l
lip PONtos CRIticosl1
Ilr os FUzileiros na VAISII
vao PROteger a area
da confeRENcial1
lip no RIO CENtrol1
Ilr a ORla maRItimai I
Ilr onde FIcam os ho TEIS/,
Ilr quevao hospeDAR/I
Ilr
Ilr os CHEfesl1
Ilr de esTAdol1
Ilr tera 0 esQUEma de
seguRANyail
lip MAIS reforCAd911
Ilr DENtro dos hoTEISl1
lip fican't a poLlcia
fedeRALII
Ilr na calCAdail
lip a poLlcia miliTAR/I
Ilr nas PIStas11
lip 0 exERcitol1
IlrnoMAR/1
Ilr anavegaCAO ciVILII
lip sera PROibidai I
Ilr hayed LANchas/l
lip e mergulhaDOresl1
Ilr e ao LARgol I
lip uma fraGAta da
maRINhail
0 esPAyo AEreoll
tambem seni
BLOqueadol I
Ilr e proteGldol I
Ilr por heliCOpterosl1
Ilr
lip
Ilr de GUErra/I
lip do exERcitol1
Reporter A
Ilr arMAdos/1
Ilr e com CAmeras
de televiSAOl1
Ilr que VaGtransmiTIRII
Ilr AO VIvo II
Ilr TUdo 0 que acontecer
aQUI/I
Ilr AuroZIta II
Ilr REgia II
Ilr da SILva II
lip foi PREsa ONtem II
Ilr num apart aMEN to II
Ilr possivelMENtel1
lip em BOA viAgem II
IIr por policiAIS II
Ilr da diviSAo II
Ilr de homiCIdios II
Ilr e prote<;AO II
Ilr a pesSOAII
IIr da policia ciVIL II
lip de sAo PAUlo II
lip ela e aponTAda II
Ilr como CHEfe II
Ilr DE umaquaDRllha/1
Ilr especialiZAda II
lip em assaltar hoTElS II
Ilr e Tlda II
Ilr como uma das pesSOas II
Ilr que particiPAram do
assassiNAto II
Ilr do governaDOR do
Acre II
lip edMUNdo PINto II
Ilr diREto para 0 quarTEL
general//
Ilr das TROpas de
seguRANya/l
Ilr daRlOII
lip noVENta e DOISII
Ilr ela e acuSAda AINda II
Ilr de assaltar 0 FLAT II
lip do comediante aRI
toLEdo II
Ilr auroZIta/1
Ilr e pernambuCAna II
Ilr e teria VINdo II
lip PRO reClfe II
IIr depois que perceBEU II
IIr que estava SENdo
procuRAda II
lip pela poLlcia de
SaD PAUlo II
lir em neNHUM momenta II
IIr a poLIcia de
PernamBUco II
Ilr ficou SAbendo II
Ilr da OperayaO II
Ilr da policia pauLISta II
lip aQUI no esTAdo II
Ilr isto criou urn CLlma II
Ilr DE MUIta II
Ilr insatisfaCAO II
Ilr aqui DENtro da
secretaRla II
lip de seguRANya PUblica II
Ilr 0 go VERno ameriCAno Ii
Ilr JAmais/1
lip DIsse II
Ilr que a maior plantaCAO
de maCONha II
IIr do MUNdo II
lip fica em PernamBUco II
Ilr 0 desmen TIdo II
Ilr foi FEIto HOje II
lip em washingTON II
IIr ao responDER II
Ilr a uma perGUNta/1
Ilr durante uma entreVISta
coleTIva II
Ilr diante de
jornaLIStas II
Ilr de VINte II
Ilr e QUAtro II
lip paIses II
Ilr na SEde II
Ilr da VOZ da aMErica II
lip em WAShington II
Ilr 0 secreTArio de
esTAdol1
Ilr assisTENte II
Ilr para assuntos
relacioNAdos/1
IlrcomaDROgail
IlrMELvim/1
IlrLeviTSKII
Ilr esclareCEU II
lip a quesTAOII
Ilr urn docuMENto
libeRAdol1
Ilr aGOra II
lip pelo departamento
de esTAdo II
Ilr diz que nao HAil
Ilr NEnhum II
Ilr levantaMENto II
lip confiAvell1
Ilr sobre a Area II
Ilr uSAda no braSIL II
Ilr para a plantaCAO II
lip de maCOnha II
fir se nao eXISte neNHUMl1
Ilr levantaMENto II
Ilr confiAvell1
Ilr ninGuEM pode dizer II
Ilr onde Flea II
lip a maior plantaCAO II
Ilr PERnambuco II
IlrNEM sequer II
Ilr e ciTAdo II
lip no docuMENto II
Ilr 0 HOmem/l
Ilr que a poLlcia
identifiCOUI I
Ilr como seGUNdol1
IIr particiPANte do
CRImel1
IIr ejoMILdol1
IlrRAmosl1
IIp barBOsall
Ilr ele e baiAnol1
Ilr da cidade de jeQUlel1
Ilr e aQUI em sac PAUlol1
Ilr nao TEria/l
IIp anteceDENtes
crimiNAlSII
Ilr JOmildo//
Ilr esTAlI
Ilr com prisao proviSOriall
IIp decreTAda pela
jusTlvall
Ilr e esTA sendo
procuRAdol1
IIp pela poLicial I
Ilr 0 terceiro CUMplicel1
Ilr no CRIme11
Ilr seRIall
Ilr eDILson/l
IIr ALvesll
IIp GAg011
Ilr eleja esT All
Ilr com prisao proviSOriall
Ilr decreTAdall
Ilr e pode se apresenTAR/I
Ilr a qualQUER moMENtol1
IIp na poLIcial I
Ilr os deleGAdosl1
Ilr que cuidam do CAsol1
Ilr ja fizeram conTAtol1
Ilr com a faMIlial I
IIr e 0 advoGAdol1
IIp DEle11
Ilr e PRAticamentel1
Ilr COMbinaram/l
IIr essa apresenta<;AOII
IIp esponTAnea/l
IIr para eviTAR/ I
IIp uma caCAda poliClal//
o IMPLICITO CULTURAL: UM OBSTAcULO
PARA A COMUNICACAO*
Vera Lucia Teixeira Carneiro
Colegio de AplicG9i1o - UFPE
A no<;aode competencia comunicativa, inicialmente proposta
para explicar a eficacia dos desempenhos de urn locutor e de urn
ouvinte, demonstra que essa eficacia depende de urn saber que
ultrapassa a fonologia, 0 lexico e a estrutura gramatical abstrata.
as estudos sobre competencia comunicativa mostram que 0 uso
da lingua esta intimamente ligado a cultura e as normas especificas
do contexto em que ocorre a intera<;ao.
.
as etn6grafos da comunica<;ao, sobretudo Hymes (1962,
1964, 1984), passam entao a estudar a linguagem como urn ate
cultural e social, e nao simplesmente linguistico. Para 0 ensino de
linguas, este e urn ponto fundamental, uma vez que 0 dominio
dessas regras de cunho cultural e social e condi<;ao previa para
uma comunicayao eficaz.
A vida em sociedade esta baseada no principio segundo 0
qual qualquer pessoa que possua determinadas caracteristicas
socioculturais esta moralmente no direito de esperar que seus
interlocutores
a tratem de maneira compativel com essas
caracteristicas, com seu estatuto.
Definindo 0 papel social como a atualiza<;ao de direitos e
deveres ligados a urn estatuto, Goffman (l973a:24-5) chama a
aten<;ao para 0 fato de que urn papel social cobre urn ou varios
papeis e que 0 "ator" pode apresentar cada urn desses papeis, numa
serie de ocasi5es.
A existencia e a transmissao de informa<;5essao realidades
da vida social e, para ficar a vontade numa situa<;ao, 0 individuo
necessita de dados quanta as inten<;5es daque1es que 0 rodeiam e
com os quais interage. Geralmente, isto e obtido atraves de "sinais
de liga<;ao" (Goffman, 1973b:286).
•
Eate trabalho reproduz, com algumas modifica90cs, parte do cap. 4 da Di~~erlllyao
de Mestrado, defendida no Programa de P6s-Gradua9ao em Letras e Lingiiistica
da UFPE em dezembro de 1992, sob 0 titulo: "A Abordagem Intercultural no Ensino-Aprendizagem de Linguas Estrangeiras".
A nOyao de situayao de comunicayao (Gschwind-Holtzer,
1981) e complexa e importante para a realizayao dos atos de fala
e a consequente escolha das variantes linguisticas apropriadas a
boa realizayao das intenyoes comunicativas dos interlocutores. E
neste contexto que se pode examinar a fala como uma atividade
social e, pedagogicamente, avaliar a competencia comunicativa
dos aprendizes, uma vez que os atos de enunciayao saDimposslveis
de interpretar quando apenas se conhece 0 enunciado e se ignora
o contexto em que eles ocorrem. Dai ser coerente a proposiyao de
Galisson (1980: 109) de que possuir a competencia e sobretudo
ser capaz de "compreender e de produzir enunciados adequados
as situa<;oespsico-socio-culturais que os subentendem".
E importante lembrar que os conceitos teoricos empregados
na analise dos textos aqui citados tratam originalmente de interayoes
espontaneas e naturais. Neste trabalho, porem, foi feita uma
adaptayao na tentativa de explicar 12 produyoes escritas de
aprendizes de lingua francesa apos 220 horas de aula do Metodo
Archipel, e que saD na realidade interayoes simuladas nas quais 0
mesmo sujeito compoe todo 0 dialogo.
Embora nao haja interlocutor, 0 aprendiz age como se
houvesse, e a analise e tambem efetuada como se as interayoes
fossem naturais e espontaneas. Estamos, sem duvida, diante de
simulayoes; mas nao e a simulayao parte integrante do proprio
processo de ensino-aprendizagem? Nao e tambem atraves des sa
tecnica que buscamos preparar 0 aprendiz para enfrentar as futuras
e provaveis intera90es reais? Nao podemos esquecer que uma das
caracteristicas
das abordagens
de terceira gerayao e 0
desenvolvimento do ludico e da criatividade como instrumentos
para a aquisiyao da competencia comunicativa.
Como parte do seu aprendizado, 0 aluno entra em contato
com a lingua estrangeira sempre em situayoes de comunicayao e
frequentemente the saD apresentadas personagens estereotipadas,
tais como 0 trabalhador imigrante, 0 estrangeiro, os estudantes
etc. Assim, constantemente, ele e levado a imaginar situayoes
comunicativas, em que desempenha varios papeis numa interayao
102
simulada; ele e regularmente chamado a desempenhar, em sala de
aula, uma enorme diversidade de papeis sociais que, de outro modo,
nao teria oportunidade de representar em seu quotidiano.
Por outro lado, embora escritas, essas produyoes se
aproximam de uma interayao oral. as aprendizes, tal qual os
participantes de urn processo interativo, assumem estatutos,
desempenham seus papeis sociais e cooperam; utilizam-se de
perguntas e respostas, afirmayoes e contestayoes, e tentam, desta
maneira, estabelecer condiyoes que tornem possivel a compreensao
mutua, a fim de atingir 0 objetivo a que visam.
Foi proposto ao aprendizum enunciado contendo urn numero
minimo de informayoes para que, a partir dai, imaginass~ todo 0
contexto situacional:
voce quer comprar ou alugar
Imagine
0
uma casa ou um apartamento.
dialogo.
A fim de explicar as prodw;:oes que formam 0 corpus deste
estudo, alem das noc5es vistas anteriormente, foram igualmente
adaptadas as ideias de Van Dijk (1992) sobre modelo de contexto
ou de situa<;Cio,uma vez que esta nOyao responde, de maneira
satisfat6ria, a esse tipo de imaginayao criativa que 0 aprendiz
desenvolve ao elaborar 0 seu dialogo.
A principal tarefa do aprendiz e a construyao de urn modelo
de contexto. Essa representacao e elaborada a partir dos seus
conhecimentos de mundo organizados na sua mem6ria, herdados
de situayoes similares anteriormente vividas, tanto no plano de
sua experiencia pessoal quanta do seu aprendizado em sala de
aula.
E interessante verificar que, como 0 enunciado deixa em
aberto 0 cenario da interayao, alguns aprendizes optam por situ ala no Recife ou em Jaboatao, e outros, em Paris. Esta variayao
reforya a importancia da nao-diretividade para a expressao criativa,
caracteristica das abordagens de 33 gerayao.
Embora se perceba, nos dialogos elaborados, a similaridade
entre os conhecimentos de mundo do receptor e do emissor, est a
e uma con sequencia 16gica, visto que cada aprendiz faz os do is
papeis, transferindo, desta maneira, a sua cultura estereotipada
103
para os diillogos, 0 que nao quer dizer que haja sempre co"incidencia
com os valores culturais da sociedade france sa. Exemplos disto
sao 0 grande numero de filhos das familias (7-8), 0 numero de
quartos (4-5-6), de banheiros, a suposi<;:ao de que banheiros e
cozinha sac considerados comodos para os franceses.
o Metodo Archipel, principal suporte para as produ<;:oes
aqui analisadas, tern na noc;{iode cognic;{io social urn dos seus
principios norteadores. Ora, essa cogni<;:aosocial corresponde aos
valores da sociedade francesa que, embora muito pr6ximos dos
padroes brasileiros, diferem - como e natural- em alguns aspectos.
Globalmente, e possivel antecipar que a analise de algumas
produ<;:oessalienta inconvenientes oriundos da pouca aten<;:aoque,
tradicionalmente,
a Pedagogia das Linguas tern atribuido as
diferen<;:asculturais. Ao trilhar 0 caminho do etnocentrismo cultural,
a orienta<;:ao metodol6gica (nao seria filos6fica ou ideol6gica?)
refor<;:aa ideia de uma uniformidade, de uma universalidade - e
ate mesmo de uma superioridade cultural -, incompativeis com as
multiplas e diversas realidades culturais.
Para Gumperz (1989:28), assim como para Van Dijk
(1992:32), e possivel detectar, linguisticamente, certos indicios
que intervem na caracteriza<;:ao Jas rela<;:oesentre 0 discurso e os
contextos pessoal e social da fala; sac exemplos desses "indicios
contextuais"os processos de comuta<;:aode c6digo, 0 dialeto ou 0
estilo, uma parte dos elementos pros6dicos, assim como a escolha
entre op<;:oeslexicais e sintaticas, as expressoes estereotipadas, as
aberturas e os fechamentos conversacionais, as estrategias de
sequencia<;:ao.
o sentido dos indicios de contextualiza<;:ao e, contudo,
implicito; 0 seu alcance na comunica<;:aodepende da consciencia
tacita que deles tern os participantes de uma conversa<;:ao.Quando
estes os percebem e os compreendem, a intera<;:ao se processa
espontaneamente. Mas, quando urn interlocutor nao reage a urn
indicio ou ignora a sua fun<;:ao,as interpreta<;:oes podem diferir e
os mal-entendidos podem surgir; 0 problema, em geral, e encarado
em termos de atitude. Dir-se-a que 0 locutor e antipatico,
104
impertinente, que the faha espirito de cooperayao etc. Uma ma
comunicayao desse tipo e considerada como urn mau desempenho
social, dando lugar a falsas avaliay5es e favorecendo a criayao de
estere6tipos.
Urn exemplo tipico e a reac;ao de urn frances comum quando
urn desconhecido se dirige a ele na segunda pessoa do singular
(tu): ele se contrai constrangido e, em geral, a sua reayao imediata
e corrigir 0 interlocutor com urn sonoro - Vous s'il vous pla'itl E
bem verdade que variantes podem sempre surgir, como por exemplo,
se os interlocutores sao urn rapaz e uma bela j ovem brasileira ...
Inumeros sac os brasileiros que, ap6s uma viagem em geral
tUrlstica a Franc;a, relatam experiencias desagradaveis e passam a
classificar "os franceses" como antipaticos, rispidos ou pouco
cooperativos; nao percebem que, com sua conduta desinibida e
lingilisticamente inadequada, infringem uma das maximas de polidez
formuladas por Lakoff (Preserve sua disHlncia, 1969), e a qual a
sociedade francesa atribui grande importancia dentro de sua escala
de valores sociais; uma conduta dessa ordem e sentida, na sociedade
francesa, como uma "invasao de territorio" (Goff man, 1973b:62).
Em geral, na sociedade francesa, cabe ao nativo a iniciativa
de urn tratamento mais intimo; ele pod era faze-Io explicitamente
ou, entao, de maneira implicit a, como sugere 0 seguinte dialogo
citado por Kerbrat-Orecchioni (1986b:284):
L1 - Vous savez ce qui me ferait plaisir?
L2 - Non?
L1 - Que vous m'appeliez Robert.
L2 - Je vous avais demande de me tutoyer.
L 1 - Mais non, vous m' avez juste demande de vous appeler Robert.
L2 - C'etait sous-entendu.
Urn pedido e 0 tipo de ate que pode ser considerado por
alguns interlocutores, em determinadas situac;5es, ate como uma
ofensa, como no desejo expresso pelo ate de fala direto "Je veux
acheter une maison avenue Boa Viagem" (texto 10).
Embora gramaticalrnente
correta,
sua formulayao
excessivamente literal viola as regras da polidez vigentes na
sociedade francesa; ela imp5e a vontade do locutor e nao deixa
opyao de escolha ao interlocutor, senao a recusa em cooperar.
Esta maneira, rispida e autoritaria, acarretaria, via de regra,
na sociedade francesa, uma resposta negativa, uma certa ma
vontade, geradora de conflitos. Nao e, todavia, nesta direyao que
o dialogo se processa, pois hit uma perfeita sintonia interativa.
Isto e sintomatico, porque revela a ausencia de interlocutor real;
nao e dernais lembrar que 0 mesrno aprendiz desempenha ambos
os papeis.
Para evitar uma eventual interpretayao desagradavel, 0
locutor-aprendiz poderia transformar essa significayao negativa
em urn enunciado aceitavel, ou, nos termos de Goffinan (l973b: 113155), "neutralizar as via/ac;oes incursivas".
As formas indiretas dos atos de fala utilizadas por outros
aprendizes, como, por exemplo: "Je cherche un appartement it
louer" (texto 11), "Cette maison est deja libre?" (texto 6), assim
como as formas modalizadas "Ie voudrais louer un appartement
pour ma famille" (texto 3), "Ie desire louer une maison; vous pouvez
m'aider?" (texto 5), "Mais, vous ne pouvez pas me conseiller?"
(texto 9) sac express5es linguisticas desses procedimentos, capazes
de contornar as dificuldades inerentes aos encontros interculturais.
Dentro de uma abordagem -comunicativa, professores e
aprendizes nao podem esquecer que 0 saber gramatical eo saber
lexical sac apenas dois fatores dentre outros presentes no processo
de interayao. 0 contexto, 0 conhecimento de mundo de cada
participante, suas atitudes para com os outros participantes, os
postulados socioculturais que dizem respeito aos papeis e aos
estatutos, os valores sociais inerentes a diversos cornponentes da
mensagem tern, igualmente, urn papel decisivo na comunicayao.
Por isso, em exercicios desta natureza, os aprendizes deveriam
ser sempre levados a identificar psico-socialmente suas personagens;
o professor teria padimetros mais concretos para avaliar a
adequayao do texto it situayao geral.
A produ~ao e a compreensao do discurso advem de uma
competencia especifica do falante e do ouvinte - a compeh~ncia
textual-, da qual fazem parte elementos que ultrapassam 0 dominio
estritamente lingiiistico. Neste sentido, Marcuschi (1983 :27) chama
a aten~ao para 0 fato de que "as categorias textuais devem abranger
tanto os aspectos sintilticos como os semdnticos e pragmaticos,
ja que 0 texto deve ser visto como uma seqiie,lcia de atos de
linguagem (escritos ou falados) e nao uma seqiiencia de frases
de algum modo coesas". A aten~ao esta, assim, voltada para como
a linguagem funciona dentro de urn sistema coerente de
comunica~ao.
Como ha certa concordancia entre a maioria dos estudiosos
Canale (1983), Marcuschi (1983), Koch & Travaglia (1989), van
Dijk (1992) quanta ao fate de que a coesao e a coerencia estao
intimamente relacionados no processo de prodw;ao e compreensao
do texto, e com vistas a uma analise mais didatica das produ~5es
dos aprendizes, parece mais adequado proceder-se ao estudo da
coesao ao nivel dos constituintes linguisticos, e a analise da
coerencia ao nivel semantico - cognitivo - pragmatico.
A analise das produ~5es leva a crer que, para aprendizes
brasileiros, em nivel inicial, a coesao nao parece configurar urn
entrave a aprendizagem da lingua francesa, pois trata-se,
simplesmente, da transposi~ao de urn dos elementos da competencia
ja adquiridos na lingua materna e que nao difere daqueles da lingua
francesa; ha, nestes casos, evidencia de transferencia positiva.
Contudo,
necessario nao esquecer que, se a coesao ajuda a
estabelecer a coerencia, ela nao a garante. A coerencia textual
depende, principalmente, dos usuarios do texto (seu conhecimento
de mundo, seus conhecimentos partilhados etc.) e do contexto da
situa~ao comunicativa. Como salientam Koch & Travaglia
(1989: 11), "A coerencia tem a vel' com a boaforma~iio do te.xto,
mas num sentido que nao tem nada a vel' com qualquer ideia
assemelhada a no<;aodegramaticalidade usada no nivel dafrase,
sendo mais ligada a uma boaforma<;ao em term os da interlocw:;tio
comunicativa. POl'tanto, a coerhlcia
algo que se estabelece na
e
e
107
interac;fio, na interlocuc;fio, numa situac;fio comunicativa entre
dois usuarios" (grifo dos autores).
Como lembra Marcuschi (1983 :46-7), "a coerencia
estabelece-se dentro de um universo textual que abrange toda a
produc;fio e recepc;fio, de modo que 0 texto contem mais que a
(simples) soma das expressoes lingiiisticas que 0 compoem,
incOlporando os conhecimentos e a experiencia do dia-a-dia".
Koch & Travaglia (1989:47-95)
elencam,
alem do
conhecimento linguistico, uma serie de fatores que contribuem
para 0 estabelecimento da coerencia e que influenciam diretamente
o processamento de urn discurso, a saber: conhecimento de mundo,
conhecimento partilhado, inferencias, fatores pragmaticos,
intencionalidade e aceitabilidade, informatividade, situacionalidade,
focalizayao, intertextualidade e relevancia.
Visando sobretudo a proposta desenvolvida neste trabalho,
sera dada mais enfase a alguns destes fatores, tais como: 0
conhecimento
de mundo e 0 conhecimento
partilhado,
a
intencionalidade
e as inferencias.
A aceitabilidade
e a
situacionalidade
estao integrados a nOyao de competencia
sociolinguistica desenvolvida na seyao anterior.
A compreensao do mundo nao depende apenas da existencia
de estruturas racionais; ela esta vinculada a interpretayao da
realidade pelos atores sociais que tern urn papel ativo na "construyao
do mundo". A compreensao de urn discurso esta necessariamente
ligada a interpretayao que faz 0 ouvinte das estruturas verbais das
quais se serve 0 locutor. Ora, esta interpretayao depende em grande
parte das circunstancias imediatas da situayao, assim como de uma
infinidade de pressupostos de natureza individual ou sociocultural.
Locutor e ouvinte devem saber ou ter suposiyoes sobre 0 que
relevante e importante num determinado contexto comunicativo;
devem saber tambem como agrupar individuos e propriedades, e
como certos aspectos socioculturais estereotipicos sac envolvidos
em eventos e ayoes globais. E, como diz van Dijk (1992:45),
"entender um discurso pressupoe en tender 0 mundo".
Como cada individuo armazena os conhecimentos na memoria
e
a partir de suas experiencias pessoais, e impossive! que duas pessoas
partilhem exatamente 0 mesmo conhecimento de mundo; no
entanto, elas possuem, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos
comuns. E neles que 0 locutor se ap6ia ao fonnular hip6tesesquanto
ao que 0 interlocutor pode deduzir do seu discuryY. se seu
julgamento e suas hip6teses esHio corretos, 0 interlocutor podera
reconstituir 0 que ele quis dizer, baseando-se nos indicios fornecidos
e no conhecimento comum existente entre ambos. Assim, ele emite
hip6teses sobre a capacidade de 0 interlocutor inferir 0 conteudo
proposicional nao formulado explicitamente e 0 valor ilocucional
nao indicado explicitamente. Marcuschi (1983: 77) chama a atenyao
para 0 fato de que a conversayao·parece ser comandada pelo
principio da parcimonia, que diz nao ser conveniente falar aquilo
que se sup5e sabido pelo parceiro. A consequencia e que, quanta
maior for a parcela dos conhecimentos partilhados, menor sera a
necessidade de explicitude de urn texto ou discurso.
Os conhecimentos partilhados tern, portanto, a ver com a
nOyaO de pertinencia e funcionam, no dizer de Charaudeau
(1983:24), como "filtros construtores de sentidos", presentes no
dialogo que se segue:
Texto 1:
1
Ll - Bonjour, Monsieur.
2
L2 - Bonjour. Que voulez-vous?
3
'Ll - Je desire Iouer un appartement de preference pres du
4
Quartier Latin.
5
L2 - Asseyez-vous, s'il vous plaIt. II yen a plusieurs mais
6
il faut savoir combien vous pouvez y mettre.
7
Ll - Dh! pas trop cher. C'est pour un etudiant. Sa famille
8
habite en province et il va etre seu!.
9
L2 - Ah, oui. Trois pieces, c' est bon?
10 Ll - Oui, mais avec salle de bain et w.e.
11 L2 - Ie peux vous Ie montrer demain. II y en a plusieurs
12
comme ya; avec ou sans chauffage?
13 L 1 - <;a depend du prix.
14 L2 - Deux cents francs a peu pres.
15 Ll - Merci beaucoup. A demain.
16 L2 - A demain.
Ao mesmo tempo em que a aprendiz demonstra, em sua
prodw;ao, urn indice elevado de conhecimento da cultura-,alvo,
expresso atraves de "frames" culturais que fornecem as relcic;oes
conceituais definidoras de parte da coerencia semantica do discurso
- (Ie Quartier Latin / la province/ un trois pieces/ Ie chauffage) -,
revel a igualmente certo grau de desconhecimento dessa mesma
realidade cultural; sac exemplos 0 pre~o do apartamento (em torno
de 5.000 francos, e nao 200) e ainda 0 fato de que nao ha tanta
possibilidade de escolha, como a sugerida pela frase "11 y en a
plusieurs comme ~a".
Percebe-se, ainda, na sua produ~ao, a transferencia dos
valores da sua cultura materna e, talvez, ate mesmo da sua situa~ao
socioecon6mica. E quase impensavel, para os padroes da sociedade
francesa, que urn unico estudante tenha sua disposi~ao e para
seu uso pessoal e exclusivo urn apartamento com tres comodos,
banheiro e mais lavabo. Esses principios nao seriam reveladores
da pertenya a uma pequena camada da popula~ao brasileira, a
chamada "c1asse media alta"?
Numa intera~ao natural, 0 fato de nao haver "ruidos" na
compreensao entre os falantes revela urn verdadeiro partilhamento
tanto cognitivo, quanta sociocultural e interativo, tipico de quem
pertence it mesma comunidade, 0 que nao e 0 caso dos encontros
interculturais. No dialogo emquestao, entretanto, como se trata
de uma intera~ao ficticia em que a aprendiz desempenha os papeis
de ambos os falantes, essa ausencia" de ruidos parece decorrer
sobretudo do fato de nao existir a figura do interlocutor.
a
Dutro fator importante
para a compreensao
e 0
estabelecimento da coerencia de urn texto, ligado ao conhecimento
de mundo e aos conhecimentos partilhados, sac as inferencias.
o universo pragmatico do discurso e urn campo aberto,
dinamico e nao universal, podendo gerar conflitos, como por
exemplo, as provocados pelas expressoes "pais sim" - "pais nao",
cujo emprego e uso contradizem as formas linguisticas, ou ainda
ascausadas pelo nosso "Apare~a!", que culturalmente funciona
rnais como uma marca de polidez do que como urn verdadeiro
convite.
A inferencia conversacional faz parte integrante do proprio
ate de conversar. Todo locutor indica, de modo direto ou implicito,
a maneira pela qual urn enunciado deve ser interpretado e mostra,
por suas respostas verbais ou nao-verbais, como ele interpreta 0
enunciado de urn locutor. E principalmente a natureza dessas
respostas, e nao 0 sentido como tal ou 0 valor de verdade dos
enunciados particulares, que orienta a avaliar;ao da intenr;ao.
As interpretar;6es dos participantes, em determinada situar;ao,
se exprimem, assim, sob forma de avaliar;6es da intenr;ao. Se bem
que nao se enunciem com frequencia e de maneira explicita, todas
essas interpretar;6es implicam urn saber sociocultural compartilhado
e uma experiencia comunicativa partilhada.
Nesta linha de raciocinio e na perspectiva desenvolvida neste
trabalho, torna-se mais coerente trabalhar a inferencia como "a
opera~ao que consiste em suprir conceitos e rela~8es razoaveis
para preencher lacunas (vazios) e descontinuidades em um mundo
textual" (Beaugrande & Dressler, 1981, apud Koch & Travaglia,
1990:70); trata-se, pois, de uma busca de continuidade para 0
sentido.
Nesta perspectiva, tanto para Charolles (1988) quanta para
Kerbrat-Orecchioni (1986: 169), 0 processo de interpretar;ao e
reinterpretar;ao e comandado pelo principio da coerencia, que leva
aquele que interpreta 0 texto a construir relar;6es que nao estao
expressas nos dados do texto.
No exemplo que segue, os falantes passam da convenr;ao
lingUistica para a convenr;ao de uso cultural atraves do implicito,
havendo, inclusive, a intenr;ao de duplicidade de sentidos. Percebese uma especie de estrategia de clecodificar;ao por parte dos
interlocutores, os quais, a partir de\um dJculo estimativo das
referencias supostamente comuns, estabe1ecem, de acordo com as
indicar;6es dadas pela situar;ao, aquilo que pertence it experiencia
partilhada: ha uma especie de calculo por antecipar;ao, uma
adaptar;ao ao outro:
1
L1 - Bonjour,Madame,je voudrais louer un appartementpour
2
3
4
ma famille.
L2 - Asseyez-vous. Combien de personnes vont l'habiter?
L 1 - Mon ami, sept enfants, deux chiennes, trois chats et
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
mol.
L2 - C'est une famille nombreuse!
Ll - ... nous n'avons pas la "t616".
L2 - Bien, pour votre famille il faut un appartement de
quatre chambres. J'en ai un en banlieue.
Ll - Mais je Ie prefere a Paris.
L2 - Cet appartement est situe pres de Paris. Ii a un grand
sejour, une salle it manger, une cuisine equipee, deux
salles de bains, trois toilettes et quatre chambres. C' est
au troisieme etage et l'arrondissement est agreable.
Ll - Et Ie prix Madame, C'est agreable aussi?
L2 - Bien, ya coGte huit mille francs par mois mais les
charges sont comprises.
Ll - Ie vais reflechir. Merci beaucoup.
Com sua maneira de falar, a cliente (L 1) faz diretamente
alusao a urn conjunto de tradiyoes e de associayoes especificas it
cultura brasileira. Aparentemente, procura estabelecer uma certa
cumplicidade com seu suposto interlocutor (L2), chamar sua
atenyao, como se dissesse: "Se voce compreende 0 que quero dizer,
deve partilhar minha cultura e, neste caso, entende pOl'que me
comporto desta maneira". Seu interlocutor ficticio (L2) passa a
jogar 0 jogo interativo proposto exatamente porque a propria
aprendiz desempenha os dois papeis.
Como visto anteriormente, a sintonia interativa requer urn
certo grau de previsibilidade e de rotina, que se toma possivel
quando os interlocutores pertencem a mesrna cultura e tern urna
experiencia interativa semelhante. E exatamente pelo elevado grau
de familiaridade ou intirnidade entre os interlocutores que esse
diaIogo possui uma grande quantidade de informayoes culturais
implicitadas (cf. Marcuschi, 1983,0 principio da parcirnonia).
No texto da aprendiz nao faltou, inclusive, urn toque de humor
tfpico da nossa cultura; ha uma duplicidade de sentidos que permeia
toda a sua prodw;ao: ora Ll aparenta realmente tratar de negocios
e assume 0 comportamento esperado e desejado, ora brinca com
as palavras, com seu interlocutor, com a situa<;ao, ao fazer
associa<;5es culturalmente estereotipadas: marido-crian<;as-cadelasgatos (apenas 0 papagaio nao e nomeado!), a enorme quantidade
de filhos (7) devido ao fato de nao possuir urn aparelho de televisao.
Este aspecto e curioso e merecedor de uma breve reflexao:
as vezes, esquecemos que 0 humor nao tern formas de manifesta<;ao
universal. Cad a povo, cad a grupo sociocultural tern caracterfsticas
so suas e, como 0 humor depende da situa<;ao como urn todo, 0
seu conteudo difere de sociedade para sociedade e de urn perfodo
historico para outro. A condi<;aobasica para a exisH~nciade humor
e que aquele que 0 produz e seu(s) interlocutor( es) tenha(m) urn
conhecimento de mundo partilhado; esta condi<;ao, porem,
dificilmente e preenchida nos encontros interculturais e interetnicos.
No ensino-aprendizagem de linguas estrangeiras, a estrategia
da simulacao de intera<;ao espontanea e import ante e adequada, a
fim de que os aprendizes cheguem a adquirir condi<;5es de diaJogo
em situa<;5es reais. Ora, a analise desta produ<;ao chama claramente
a aten<;ao para 0 fato de que, se a aprendiz foi bem sucedida na
sua elabora<;ao, ela 0 foi exatamente porque nao se trata de uma
interlocu<;ao real, mas sim de uma simula<;ao de interIocu<;ao, e
que nestas condi<;5es nao haveria - como nao houve - interrup<;ao
da interayao.
Mas se aceitarmos 0 que parece ter sido a inten<;aoda aprendiz
- uma interlocu<;ao intercultural real-, constataremos uma enorme
inadequa<;ao cultural, pois os valores culturais e 0 tipo de humor
expressos por Ll nao seriam absolutamente partilhados por urn
interlocutor nativo. A proposito, em tres ocasi5es,este dialogo
foi submetido informalmente it compreensao de nativos naofamiliarizados com a cultura brasileira, e a rea<;ao foi sempre a
mesma, sobretudo a frase "nous n'avons pas la tele", que soa
estranha, deslocada, pois 0 falante nativo consegue captar
unicamente 0 seu sentido literal.
E provavel que, se a aprendiz tivesse tido informa<;5es mais
claras sobre 0 que significa comunicar intercultural mente, nao teria
cometido esses equivocos, mesmo numa simulayao de interayao.
Este tipo de "erro" ou de inadequayao cultural, porem, parece ser
ainda mal percebido ou nao-merecedor de uma maior atenyao no
ensino-aprendizagem de linguas.
4.
A guisa
de conclusao
No seu conjunto, as produyoes analisadas, neste trabalho,
apresentam urn nivel razoavel de adequayao sociolinguistica,
demonstrado pelo uso da forma de tratamento, da modalizayao,
de alguns atos indiretos etc. Nao e possivel, contudo, afirmar 0
mesmo a respeito do aspecto estritamente cultural da competencia
comunicativa. Este e, na realidade, urn dos poucos pontos negativos
observados, mas que nao deixa de ter sua importancia.
Dois aspectos chamam mais a atenyao; 0 primeiro compreensivel
e desculpavel,
tern urn carater sobretudo
informacional - vai do pouco-conhecimento ao desconhecimento
total da cultura-alvo; 0 segundo diz respeito it transferencia da
cultura materna para a lingua estrangeira.
Nao seria exagero afirmar que, em particular no exemplo 2,
a aprendiz se expressa numa especie de "frantugues" cultural, ou
seja, ela se utiliza da lingua estrangeira apenas como urn instrumento
para efetuar uma traduyao literal da sua cultura materna. Nao estaria
nesse etnocentrismo cultural uma das razoes de queixas mutuas
feitas com bastante frequencia, como, por exemplo: - Esses
Francesesl Esses Brasileiros saD muito mal-educados!
E cad a urn enumera os motivos para essa representayao:
- "Eles" (os franceses) saD antipaticos, rispidos, frios, ...
- "Eles" (os brasileiros) falam, riem muito alto, nao aprenderam
a respeitar os outros, ...
Na Pedagogia das Linguas, 0 conceito de competencia
comunicativa
de Dell Hymes aparece simplificado. Como
consequencia, as abordagens de terceira gerayao concentram seu
enfoque principalmente no conhecimento das regras de uso dos
enunciados e na sua utilizayao em situayoes de comunicayao. Nao
ha preocupayao com 0 reconhecimento do outro e, ademais,
segundo Galisson (1980: 112), "transfere-se para 0 aprendiz, ou
para 0 contexto sociocultural, ou ... para 0 acaso a preocupac;ao
de complementar as lacunas do sistema de aprendizagem
construido em tomo de uma noc;ao de competencia comunicativa
empobrecida" .
Poder-se-ia crer que os metod610gos nao deixaram de ter
razao ao simplificar essa no~ao fundamental, visto que ela e, por
natureza, urn modelo nativo, construido atraves do "infinitamente
pequeno das relac;oes sociais" (Zarate, 1986: 12-23). Contudo,
parece importante, para 0 desenvolvimento da Pedagogia das
Linguas, que a competencia cultural seja realmente incluida numa
competencia comunicativa, tal qual a definiu Hymes, para que nao
se caia na tenta~ao de desenvolver uma outra competencia - cultural
- distinta da competencia comunicativa.
Dentro de uma abordagem comunicativa
de linguas
estrangeiras, nao seria chegado 0 momenta de se dar efetivamente
aten~ao ao como tentar minimizar a cria~ao de estere6tipos, ou
como relativiliza-Ios? A relevancia desse questionamento
e
demonstrada pelos trabalhos de 1. e 1. Gumperz (1982, 1989 ed.
fr.), Deborah Tannen (1986), Zarate (1992, 1986), dentre outros.
o mal-entendido cultural e urn tema pouco analisado dentro
da Pedagogia das Linguas, mas sua importancia na comunica<;;ao
nao po de ser subestimada. Ele pode se manifestar atraves da falta
de aten<;;aoe do desconhecimento (confundir banheiro e cozinha
com c6modos, ou 0 pre<;;odos alugueis em Paris). Em alguns casos,
quando 0 mal-entendido e identificado pelos interlocutores, e
possivel pedir desculpas, mas ele po de tambem se to mar urn
verdadeiro "dialogo de surdos" e colocar em risco 0 sucesso da
intera<;;aoou, ainda acarretar serios inconvenientes.
E ut6pico pretender ensinar 0 conjunto das situa<;;oes
geradoras de mal-entendidos culturais, e a criatividade dos
aprendizes aqui demonstrada bem 0 comprova. "Mas e possivel
fazer ver aos aprendizes que a passagem de um sistema cultural
para outro pode ser, de certa maneira, assemelhada a uma
operaC;Gode conversGo, e assim ensina-Ios a antecipar os riscos
de mal-entendimentos" (Zarate, 1986: 129). E preciso igualmente
fazer compreender que 0 erro cultural existe tanto quanta 0 erro
gramatical e que ele pode acarretar san<;;oessociais mais, ou menos
115
graves.
Conhecimentos, valores e crenyas estao profundamente
envolvidos nos processos de produyao e compreensao dos discursos
intra- e interculcultrais. Os conceitos de competencia cultural e
intercultural possuem uma relevancia bem maior do que aquela
que tradicionalmente as metodologias de linguas estrangeiras lhes
tem reservado, sobretudo a abordagem comunicativa.
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o tema escolhido teve como justificativa a convicc;ao da
imporHincia do estudo da linguagem dos meios de comunicac;ao
social para conhecimento mais aprofundado da lingua, sua descric;ao
e funcionamento em seus contextos reais, 0 que traz como
consequencia urn maior conhecimento dos pr6prios processos
so cioculturais.
Entre os modernos midia, destaca-se a publicidade como
aquele que ajuda a imobilizar os c6digos sociais e contribui para
instalar os individuos em seu exato lugar, dando contudo a impressao
de dirigir-se a uma sociedade sem classes. Controle social de tipo
novo, e a publicidade a arte de persuadir e incitar sobretudo pela
linguagem. 0 discurso publicitario e 0 grande aliado desse
instrumento da sociedade de consumo e atraves de seus estudos,
podemos descobrir os caminhos de ac;ao da lingua na sociedade.
o discurso propagandistico tern suas origens remotas no
discurso religioso. A pr6pria palavra propaganda tern seu etimo
em propagare (semear) no sentido de semear a fe entre pagaos
(nao- iniciados).
o discurso que se usava para tal fim, que fazia "propaganda"
da fe religiosa (crista - cat6lica) era urn discurso que,apelando
para 0 genero narrativo (parabolas) descritivo (descric;ao das penas
do inferno ou da gl6ria do ceu) ou suas6rio (argumentac;ao
convincente embora falaciosa) buscava convencer 0 ouvinte a
adotar nova fe,prometendo "ceus e terras". Na organizac;ao destas
mensagens, 0 vocabulario desempenhava urn papel muito
importante: as palavras eram escolhidas de acordo com a intenc;ao
do aut or, com 0 tema abordado e com 0 audit6rio a que era
direcionado. Foi este tipo de discurso que deu origem ao atual
discurso propagandistico ou publicitario.
- Neste tipo de discurso, as mensagens nao seguem urn modelo
universal,pois testemunham os imaginarios sociais e sac produtos
do contexto cultural.
- Ha uma subdivisao do discurso propagandistico em
propaganda e publicidade. Enquanto a primeira pode referir-se a
propaganda politica e comercial, a segunda, publicidade,remete
apenas as mensagens comerciais.
A delimitac;ao do corpus da pesquisa foi a seguinte:
Mensagens publicitarias em revistas de circulac;ao geral (2
numeros).
Revistas femininas (10 numeros) de circulac;ao nacional no
ana de 1991-junho/dezembra. Estas mensagens tern a mulher como
publico-alvo;por isso, foram escolhidos os campos semanticos de
alimentac;ao, vestuario, cosmetica, todos em sentido amplo.
Alem disso, "outdoors"surgidos
no segundo semestre de
91, nas mas do Recife,versando sobre os referidos temas foram
tambem incluidos.
A seguir, para testar a tese de imbricac;ao lexico/cultura na
publici dade, foi coletado urn corpus de cotejo no portugues
europeu,na imprensa lisboeta, nos mesmos campos semanticos e
nos mesmos tipos de publicac;ao do corpus do portugues do Brasil:
revistas de interesse geral e para 0 publico feminino. Alem disso,
alguns outdoors sobre os bancos fizeram parte da pesquisa
realizado no trimestre setembr%utubro/novembra
de 1991 em
Lisboa.
Para Charaudeau (1984: 101) 0 que marca a diferenc;a entre
a propaganda politica e a comercial e que, enquanto a primeira se
baseia em valores eticos,a segunda explora 0 universo dos desejos.
Esta segunda e considerada pelo autor como a genera publicitario;
faz parte do genero discursivo propagandistico (Charaudeau
1983: 118) Para ele sac caracteristicas linguisticas e situacionais
120
que constituem um genero discursivo. Assim uma publicidade
comercial, uma dec1aravao politica ou uma oferta de emprego
sac do genero dicursivo propagandistico. Mas, s6 0 primeiro
pertence ao genero publicitario ou discurso publicitario.
o discurso publicitario tem as caracteristicas especificas da
sociedade na qual se insere e e 0 testemunho autorizado dos
imaginarios sociais do contexto envolvente, revelando 0
funcionamento cultural.
Isto, porque, segundo Charaudeau (83: 105) observar 0
aspecto linguistico da mensagem publicitaria e aceitar a hip6tese
que todo ato de fala e um ato relacional onde 0 eu (emissor) que
fala, coloca-se no mundo da significavao,em funvao do outro,o tu
(receptor). Disto advem as caracteristicas manipulat6rias desde
discurso. Nele, 0 emissor tem por objetivo fazer 0 receptor executar/
realizar um ate do qual ele (0 sujeito) sera 0 beneficiario: fazer
comprar (finalidade ultima do genero publicitario).
Como ele, emissor, nao tem autoridade para mandar,
incita,criando uma insatisfavao sugerindo ao receptor 0 ato de
comprar, porem de forma disfarvada como modo de eliminar esta
insatisfavao: adquirir um produto para resolver um problema
pessoal.
Toda mensagem publicitaria fica no limite do engano:o que
seria 0 objetivo do sujeito (emissor) e relegado na representa9ao
linguistica ao pape1 de auxiliar do tu (receptor) na eliminavao da
insatisfavao.
o discurso publicitario nao e 0 texto, mas 0 conjunto de
caracteriscas linguisticas que contribuem para construir este texto.
Estas caracteristicas dependem da situa9ao na qual e ele produzido.
o que sera estudado sera 0 produto, 0 texto publicitario, que tem
como uma das caracteristicas basicas 0 lexico escolhido e suas
funvoes.
Os substantivos e adjetivos (categoria nome) tem um peso e
uma presenva consideravel na estrutura do texto publicitario:
nomeiam, qualificam, descrevem e sugerem. A fun9aO suas6ria do
substantivo se da atraves da imposivao em primeiro lugar da
presenva do objeto pelo generico e pe10particular: cadeiras Gerdau.
A seguir, nomeiam aqueles a quem se destina 0 produto e
descrevem as circunstancias it. sua volta. Os adjetivos de funv:lo
121
valorativa, alem da descric;ao, prestam-se a caracterizac;ao do
substantivo expressando a suposta opiniao do emissor (que nao
coincide com a fonte) sobre 0 produto.
Os verbos tern func;ao eminentemente suasoria. Quando
usados no imperativo equivalem sempre a "comprar:" - Venha e
veja nosso sortimento - Nao gaste mais. Visite-nos; Use produtos
x. Segundo Behar (1977:33) estes verbos significam sempre
eompre.
As palavras plenas sao, portanto,elementos basilares, na
estruturac;ao do texto publicitario, sendo densas de significado e
escolhidas com precisao,pe1a exiguidade de espac;o e condic;oes
de brevidade do texto.
A nomeac;ao leva a uma conexao como conceito de Perelman
de presen.;a, considerada por este como a capacidade de manter
vivos para a consciencia, certos elementos (objetos, pessoas,
emoyoes, reais ou nao) mesmo que nao haja qualquer base calcada
em demonstrac;oes formais ou provas. A presenya e plasmada pela
nomeac;ao verbal, consciente e calculada.
Chegamos entao aquilo que 0 texto publicitario tern como
ponto de partida: a imposic;ao de urn nome. 0 texto publicitario e
antes de tudo,um grande batisterio onae as mais dispares produc;oes,
oriundas de inumeraveis paternidades,
esperam obter 0
reconhecimento e a identidade.
o nome (marca) nao e uma criayao aleatoria; 0 discurso ou
mensagem baseado na marca ou "griffe" como e chamada
atualmente e muito eficaz. A escolha do nome tern como finalidade
pratica, tornar-se 0 suporte do objeto, dando-I he identidade
psicologica e social para que os receptores memorizem. 0 exito
supremo da imposiyao de urn nome e a conquista do publico
receptor (por conseguinte, do mercado) excIusivamente peio nome
ou marca, substantivo proprio, que a seguir metonimicamente,
denominara 0 proprio objeto, tornando-se substantivo comum.
Acima de tudo a marca dignifica e personaliza Quando,
lamina e Gilette, esferografica e Bie e Bombril a, palha de avo, a
especie investiu 0 genero e 0 nome foi consolidado na mem6ria
do publico.
Em fevereiro de 1992, a publicidade da geladeira Prod6scimo
mostrou a importancia do nome. Em duas revistas de circulayao
nacional (lsto e/ Senhor - 19/02/92) e (Veja 19/02/92) em tres
paginas consecutivas,a mensagem dec1arava: M George Parker
colocou 0 proprio nome em suas canetas
- 0 comendador Enzo Ferrari colocou 0 proprio nome em
seus carras. M William Boeing colocou 0 proprio nome em seus
avioes. Para conc1uir (na publicidade da Prod6scimo) Quem tem
orgulho e responde pelo que faz assina em baixo. as textos acima
mostram que a funyao publicitaria primordial, tanto na cronologia
de seus esforyos quanta na perenidade de seus resultados visa it
imposiyao de urn nome. Em geral, a publicidade dos nomes pr6prios
sempre foi mais satisfat6ria e eficaz que a publicidade dos nomes
comuns,menos aparente que a primeira. E urn selo de propriedade
que preside 0 momenta da troca.
a texto publicitario e tambem quem preenche de significado
o significante que nomeia 0 produto e contribui com isso,para 0
conhecimento dos objetos do cotidiano, sobretudo os introduzidos
pelas novas tecnologias ou os que se constituem em novidades da
industria.
Nomeado 0 objeto, pelo substantivo pr6prio ou marca, resta
imprimir-lhe urn carater, impor sua "imagem publica".
Como etapa seguinte, situa-se a ligayao do nome pr6prio ao
atributo, do sujeito ao predicado, do suporte do ser aoportador
do valor.
o carater ou caracteres do produto sac impostos recorrendose a trayos de virtu de (reconhecimento da qualidade) de forya
(reconhecimento
da autoridade )ou de singularidade,
(reconhecimento da originalidade).
Todos estes sac construidos por adjetivos ou substantivos
abstratos, como apostos, adjuntos atributivos ou predicativos e
os valores por eles atribuidos sac manipulados em funyao da visao
de murido que se tern ou se deseja transmitir.
Dando-Ihes personalidade e vida pelo nome pr6prio e carater
pelos adjetivos e substantivos comuns, os produtos it nossa volta
passam a fazer parte do universo cotidiano, com reconhecimento
obtido atraves do discurso publicitario.
Implicita ou explicitamente
os JU1ZOS de proveniencia
publicitaria
sac incorporados
pelo publico - receptor
como
informa'rao sobre 0 objeto.
verbo completa 0 quadro linguistico incitando, seduzindo,
ou ordenando (veladamente ou nao) a executar a a'rao tlnal de
aquisi'rao do objeto. Segundo Gerard Lagneau, estudioso frances
da linguagem verbal publicitaria, tres caminhos explicam 0 seu
funcionamento.
Todos os tres buscam ser cientificos,procurando
as raz5es pelas quais a linguagem publicitaria extrai seu sucesso
do jogo de palavras. Enfim buscam 0 porque da for<;:acomurucativa
do discurso publicitario por tres vias:
o
- A via psicol6gica,
reconhecida a partir de Freud,revela
que a eficacia publicitaria do jogo de palavras resulta do fato de
que esse jogo, para 0 receptor do anuncio, e propriamente
erotico
(no sentido psicanalitico do termo). Notava Freud (1969:222) que
o ouvinte obtem com muito pouco gasto 0 prazer que Ihe
proporciona
a palavra. Ele recebe por assim dizer 0 dom gratuito.
- A via antropol6gica
parte da proclama<;:ao
da
irracionalidade
do receptor. 0 jogo simbolico dos signos reaviva
arquetipos coletivos ocultos mas fundamentais, de tal modo, que
urn verboaparentemente
insignificante
condllza
compra,
escamoteando
a barreira da consciencia.
- A via soci6/ogica parte do fato que, nao se dirigindo a
ningllem especialmente,
da a cada llm a ilusao de que a mesma
que Ihe e dirigida e fa-Io ter consciencia de membro de uma"polis".
Na tipologia das mensagens publicitarias,duas
se destacam,
o anuncio e o"outdoor",
selecionados para constituir ocorpus da
pesquisa,por
serem ambos, lugar onde a palavra escrita exerce
funyao de importancia, direcionando 0 sentido da imagem.
o "outdoor" e 0 anuncio, dois canais relevantes
da
comunicayao de massa, definem-se por sua fun'rao fulcra!: a vontade
de transmitir.
Embora inclllam a funs;ao ludica, nao sac sistemas gratuitos
visando apenas· divertir como a historia em quadrinhos ou os
124
programas humoristicos. Buscam a eficacia e 0 rendimento.
Sao meios que nao se interrogam sobre os tins pretendidos:
numero de outdoors ou de anuncios x numero de pessoas
convencidas e a medida de seu valor.
o anuncio constitui 0 meio de publicidade por excelencia,
estabe1ecendo uma ligac;aodireta entre a oferta e a procura. Segundo
o canal (revista oujornal) a tecnica sera diferente, pois 0 papel da
revista permite reproduc;oes e fotos superiores as do jornal. As
revistas favorecem procedimentos graficos mais sutis e eficazes,
como nuances de cor, tipos de letra e detalhes de foto.
Alem do mais, 0 jornal tern urn publico mais generalizado,
enquanto a revista dirige-se a urn publico-alvo diferenciado e
especifico.
Ja 0 outdoor
e dirigido ao publico em aberto, sem
possibilidade de formar segmentos determinados de receptores.
o outdoor tornou-se elemento do mecanismo social
integrando
a paisagem no circuito s6cio-econ6rnico
de
venda,tomando-a como contexto,onde se informa sobre 0 produto
e suas caracteristicas e ate os locais de comercializac;ao.
Para Baudrillard (1968:229) a linguagem publicitaria e
conotac;ao pura, sendo 0 discurso sempre aleg6rico.
Na verdade,as palavras plenas ou lexemas, ampliam seu
campo significativo, desenvolvendo ao lado do senti do literal,
denotado,o sentido figurado ou conotado.
Enquanto a denotac;ao transmite a informac;ao, a conotac;ao
permite uma abertura em leque do significado.
Pode ser privilegiado
um ou outro aspecto
da
palavra;escolhendo-se 0 denotativo,a mensagem apoiar-se-a no
referencial, dando enfase ao objeto, ao nome,ao anal6gico e it
informac;ao. Escolhendo-se 0 conotativo, a mesma apoiar-se-a no
implicativo, dando-se enfase ao carater, ao anag6gico, ao sintetico,a
conivencia (mais do que a informac;ao) (Peninou-1972 :210).
Passar do p610 denotativo de uma palavra para seu p610
conotativo, e pois passar de uma ret6rica 16gica,apoiadano
referente,com argumentac;ao baseada no conjunto de provas
intrinsecas ao objeto, para uma ret6rica implicativa, apoiada no
receptor com argumenta<;ao baseada nos processos de persuasao,
extrinsecos ao objeto.
No primeiro caso, teriamos: "Omo lava mais branco"
No segundo caso: "Usando Seiva de Alfazema voce tera
todos os homens do mundo aos seus pes".
Ainda quanta aos processos da denota<;ao e conota<;ao, na
mensagem publicitilria, teriamos um terceiro tipo de exemplo:
"A Ericsson fez um telefone com tudo em cima"
Neste caso, como a conota<;ao da expressao esta bastante
difundida e partilhada por uma comunidade, ha uma volta ao senti do
literal denotado, resgatando a originalidade.
o
discurso
dimens5es:
publicitario
funciona
ideologicamente
em tres
1) Na constru<;ao das rela<;5es entre 0 produtor/anunciante
e0
publico.
2) Na constru<;ao da imagem do produto.
3) Na constru<;ao do consumidor
como membro de uma
comunidade.
Esta ultima e a maior tarefa ideol6gica da publicidade.
Mas, como a imagem do consumidor do produto contribui
para posicionar 0 receptor como consumidor?
A resposta
que a posi<;ao e definida em termos de aceitar
como natural 0 esquema ideol6gico necessario para entender e
. interpretar a mensagem publicitaria. 0 receptor ideal (imaginado)
pertence a uma comunidade cujos valores, necessidades e gostos
esHio contidos neste esquema: uma comunidade de consumidores.
A publicidade constr6i 0 tipo ideal do consumidor
pela
mudan<;a operada no cotidiano, e na visao de mundo, pelos modclos
persistentes
e coerentes
de necessidades
e comportamentos
consumistas divulgados e baseados no senso comum.
Fairclough
considera a publicidade
como um clcmcnto
e
"colonizador". 0 crescimento de volume dos anuncios nas ultimas
tres decadas facilitou a penetra~ao da mensagem, inclusive
modificando aspectos nao-economicos.
A familia, como institui~ao, ea vida familiar cotidiana foram
"colonizadas" pelo fator economico e pela for~a das classes
dominantes.
Esta "coloniza~ao" modificou-lhe a estrutura e a escala de
valores.
Baseado nestes pressupostos,a mulher teve construida sua
imagem como receptoraJconsumidora, calcada nos papeis que,
segundo 0 senso comum, ela desempenha na sociedade mulher,
mae, dona de casa. No primeiro caso, ela e a mulher-sedu~ao que
visa sempre,atraves de qualquer produto,conquistar 0 homem. Nos
dois ultimos ela e a protetoraJprovedora que busca 0 melhor para
os seus.
Partindo desta constru~ao, funciona 0 discurso publicitario
para 0 publico feminino. 0 lexico veiculador sera escolhido com:
- Denota~oes dentro dos campos de significado que reforcem
esta constru~ao.
- Conota~oes que possam ser inferidas,ampliando
e
fortalecendo 0 esquema adotado.
Reafirmando a proje~ao desta imagem feminina no universo
da publicidade ocidental, Behar (1977: 16) considera:
"Se pensarmos na dona de casa como receptor por excelencia
da mensagem publicitaria, observaremos que a unica atividade que
lhe e permitida e "ir fazer compras". Assim realizaria suas rela~oes
intersubjectivas com a comunidade,porem no que concerne a sua
esfera propriamente pessoal, s6 deve consumir ou pensar em
consumir" .
A mensagem
publicitaria
linguistica
manifesla-se
par
atos fundamentais:
nomear: conferir uma identidade atraves de um nome
IreS
qualificar: estabelecer uma personalidade atraves de atributos.
exaltar:
garantir uma promoc;ao atraves da ce1ebrac;ao do
nome e seus atributos.
Ao qualificar e exaltar, 0 emissor pode ou nao usar denotac;ao.
Nomear, no entanto, requer 0 use obrigatorio da denotac;ao como
forma de ancorar 0 texto a realidade de seu fim ultimo. Po de
acontecer que 0 nome proprio (marca) traga sugestoes e
ambiguidades como Sadia, L. S, Pinho sol, mas ele revel a a
identidade do objeto com 0 sintagma nome comum + nome proprio.
Ex: Meias Monizac - Malhas Tip-Top - Tecidos Ferreira Guimaraes.
o verbo principal do texto convida it apropriayao atraves de
uma ordem.
Nem sempre, contudo, esta ordem est a em forma clara.
Apublicidade de servic;o explicita esta ordem: Com pre no
Bompreyo, De urn presente Shopping. A publicidade de produtos
traz a ordem de forma velada. 0 verbo que nomeia a ayaode comprar
e substituido por uma alusao: Pare. Olhe. Use. Triumph. Wellaton,
ponha isso na sua cabeya.
Ou a ordem esta ausente, ficando encoberta pela sugestao
do trocadilho intencional: A mod a agora vai pegar no seu pe. Meias
Monizac.
A selec;ao e 0 recurso atraves do qual se estabelecem as
oposiyoes, os jogos de palavras,as metaforas e os paralelismos
ritmicos.
Ha palavras que, colocadas estrategicamente no texto, trazem
consigo uma poderosa carga de implicitos.
A escolha de termos raramente se apresenta despida de carga
argumentativa, sobretudo no discurso publicitario. A sinonimia,
contudo so pode ser observada na situa<;ao de contexto no qual
esta inserido 0 texto e 0 tipo de receptor a que se dirige.
Outra forma de perceber a selec;ao vocabular nas mensagens
publicitarias, seria atraves das substituiyoes eufemisticas.
Eufemismo e 0 modo de disfaryar palavra ou expressao que
parec;a desagradavel: homem de cor=negro. Ha casos de eufemismo
12R
em que a forma atenuada expressa 0 contnirio que se objetiva
(antifrase) .
o eufemismo, pela frequencia de emprego, deixa de se-Io
exatamente porque acaba por identificar-se semanticamente com
o nome que procura disfaryar. 0 frances "solltien" foi um
eufemismo para porta-seios.
as eufemismos encontrados na pesquisa relacionam-se em
primeiro lugar com 0 tabu de decencia (com sexo, atos fisiol6gicos
e partes do corpo )mas tambem com 0 de delicadeza: idade, gordura,
doenya.
A antonimia e expressa por palavras, expressoes ou grupos
de pala vras cujos sentidos saGopostos. Esta oposiyao pode reve1arse atraves de uma incompatibilidade total ou parcial de semas.
Pode ainda ser binitria (vivo # morto); fazer parte de uma
taxonomia (vermelho # preto, azul, amarelo); ser gradual (frio,
morno, quente); ou apresentar a forma de pares conversos - comprar
e vender,aluno e professor, marido e mulher, sacar e depositar.
A mensagem publicititria recorre com frequencia a pares de
antonimos para causar impacto e ressaltar ovalor do objeto.
Mais saude, menos Cole sterol - Aveia Quaker.
Ambiguidade e imprecisao na linguagem saG mais regra do
que exceyao. Mas hit uma diferenya: quando algo e ambiguo hit
dois ou mais modos possiveis de interpretayao.
Quando algo e impreciso ou vago,o receptor naopensa em
nenhuma interpretayao definitiva, mas pode ficar inseguro e confuso
sobre 0 significado.
A ambiguidade tambem, diferentemente da imprecisao, nao
eacidental.
Na maioria dos casos e result ado de um cuidadoso
planejamento.
Grande parte das anedotas ou situayoes comicas baseia-se
na ambiguidade intencional. 0 mesmo se diga para a publicidade.
Caminhando com a polissemia e a homonimia, os sentidos
multiplos de uma mensagem e sua decodificayao adequada
alcanyam a repetic;tio.
A Repetic;tio de um termo distancia-se da parafrase porque
enquanto esta desenvolve a mesma ideia com palavras diferentes,
a repetiyao tece outros significados com 0 mesmo termo.Este tecer
129
novos significados pode acarretar uma ideia de intensifica~ao ou
de acrescimo de novos semas ao lexema repetido. Muitas vezes
a repetiyao e urn caso de homonimia como em: "A/godfzo Cedl'Obrim
-Brim de todasas cores, Cedro Leve. Brim/eve de todas as cores",
onde 0 segundo leve pode ser tornado nao como adjetivo (em
oposiyao a pesado) mas como imperativo do verbo levar.
A intensifica~ao linguistica e urn processo
semantico
manifesto por meio de adverbios, adjetivos e locuyoes adverbiais,
como tambem pela gradayao de nomes e sua repetiyao. Este
processo nao esta estudado de forma sistematica nas gramaticas
tradicionais. Apesar disso, e largamente utilizado na lingua corrente,
escrita ou falada, em especial em alguns tipos de discurso onde 0
juizo de valor se faz presente ou quando se quer influenciar
oreceptor. Dentro deste tipo de discurso, que aciona a funyao
conativa, esta a publicidade. Por conseguinte, este recurso sera
amplamente empregado nas mensagens publicitarias.
o uso de recursos estilisticos nas mensagens publicitarias
- grosse modo - corresponde aos usos ret6ricos. Na primeira parte
- figuras ret6ricas ou tropos - 0 estudo foi feito recorrendo-se ao
esquema proposto por Catherine Kerbrak Orecchioni com a
contribuir;ao de alguns elementos da teoria de Jean Dubois.
Deu-se enfase a esse tipo de analise, pelo interesse especial
que desperta em relayao ao uso e escolha de itens lexicais.
o modelo te6rico da Ret6rica Geral, de Dubois, baseia-se
na ret6rica classica embora apresente uma esquematiza~ao
inovadora em relayao aos estudos anteriores, com a introdw;ao
da nOyao de metaboles.
Orecchioni avanr;a com seu estudo, porque ja inclui elementos
da Pragmiltica, reformulando a teoria dos Tropos, com a introdu~ao
dos tropos comunicacionais ao lado dos literarios.
A segunda parte, frases feitas e cliches, trouxe a contribuiyao
te6rica de Riffaterre (1973) Maingueneau (1984) Behar( 1973) e
Grunig 1990).
130
Concluindo a analise, constatou-se que a publicidade utiliza
as figuras de retorica classica, em especial a hiperbole, a metafora, a metonimia,como tambem os tropos nao-classicos com 0
uso da pressuposiyao, do implicito e do dialogo forjado, quando
o tropocomunicacional e acionado.
As figuras de retorica ou tropos sac coopt ados pela
publicidade como forma deargumentayao suasoria,embora sua
funyao sejamais apologetica do que polemica.
As formulas fixas da lingua como citayoes,cliches e frases
feitas sac elementos considerados abominaveis na literatura,
condenados pelos teoricos da Estilistica.Michael Riffaterre (1973),
contudo,afirma que os mesmos podem se tomar elementos de
valorizayao de urn texto, despertando a adesao do leitor atraves
de algo ja conhecido, que estimula a memoria. A alusao ou citayao
ultrapassa estes limites. Reserva ao leitor a satisfac;ao de urn
conhecimento partilhado de algo que se torna comum entre este e
o autor. Cria urn especie de c~mplicidade entre ambos.
Nem sempre 0 seu uso e literal: a introduyao de urn elemento
npvo cria urn jogo de palavras tornando a frase contrafeita ou a
citayao modificada, urn modo de desmontar estereotipos.
Na integra ou modificados, estesjogos de palavras facilitam
a comunicayao, estabelecendo uma certa familiaridade com 0 leitor
e por isto tern seu uso difundido na linguagem dos "mass media",
sobretudo no jornalismo e na publicidade.
As palavras como lugares de observayao de fatos culturais
levam ao estudo simultaneo da lingua e da cultura.
A cOl11petencia cOl11unicativa inc1ui a cOl11petencia cultural
que e a capacidade de perceber os sistemas de classificayao que
funcionam numa comunidade e a capacidade daqueles nela
inseridos,compreenderem e anteciparem condutas convenientes para
manter a comunicayao no nivel desejado.
o texto publicitario, qualquer que seja a mensagem que traz
111
explicita,e 0 testemunho de uma sociedade de consumo e conduz
a uma representa~ao da cultura a que pertence, permitindo
estabelecer rela~ao pessoal com a realidade particular. Ele tern
como mensagem primeira e explicita 0 consumo de urn produto,
pondo porem em destaque determinado aspecto de uma cultura,
tal como urn projetor poderoso, criando contudo em torno de si,
algumas zonas de sombra.
A publicidade
usa conota~5es culturais, iconicas
e
linguisticas, sobretudo aquelas que veiculam estere6tipos, mais
facilmente codifictlveis e compreensiveis. Diz Baudrillard (1988:
230) que a publicidade institui uma nova linguagem porque as
variantes combinat6rias recortam as significa~5es, instauram urn
repert6rio e criam urn lexico onde podem inscrever as modalidades
recorrentes da palavra.
Para provar a hip6tese levantada - diferen~as interculturais
no lexico de mensagens publicitarias em uma lingua comum, a
pesquisa tomou corpus de cotejo as publicidades veiculadas pela
imprensa lisboeta e em menor escala,nos outdoors, estudando as
no seu aspecto lexical: palavras novas - neologismos - e variantes
lexicais.
A fundamenta~ao te6rica para a analise linguistica partiu da
defini~ao de cultura - campo bastante rninado e dificilde ser limitado
- para 0 aspecto linguistico, privilegiando 0 dominio do lexico.
Estes aspectos, cultura e lexico, foram os que levaram ao estudo
da publicidade onde se situou 0 corpus.
as aspectos escolhidos para a analise do corpus lexical da
publicidade portuguesa foram as variantes lexicais e os neologismos.
Sao as variantes lexicais,os exemplos tipicos dos efeitos
provocados pela sociedade na lingua. No seu estudo sobre 0
vocabulario do Portugues Fundamental, sac listadas 2.217 palavras
escolhidas por criterio de frequencia no Portugues Europeu. Muitas
das palavras brasileiras mais usuais nao fazem parte do vocabulario
do PF, 0 que leva a crer que as diferenc;as maiores se dao a nive1
do falar cotidiano.
la os neologismos que surgiram no corpus foram, na sua
maioria, resultantes da banaliza~ao au vulgariza~ao cientifica.
A primeira sup5e a expansao do dominio de emprego de
urn termo com com ou sem modifica9ao da realidade referencial.
A segunda consiste no emprestimo de urn termo cientifico
it lingua corrente.
o
paradoxa da propaganda (e nao apenas da publicidade)
e que, sem outro objetivo que 0 de fazer agir, ela atinge seus fins,
utilizando 0 que a linguagem tern de mais gratuito e gratificante:
o jogo, a imagina9ao, a poesia.
A fun9ao poetica fixa a aten9ao na forma da mensagem,
desviando-a do que e dito. A fun9ao da publicidade e 0 oposto. Se
nos fixarmos na forma, nao compraremos 0 produto. Dai ser ela
urn achado verb ai,mas nao uma poesia, achado verbal que consiste
em usar algo de extraordinario para falar de coisas banais.
A cria9ao,em vez de serum ate livre,e urn "auxiliar de vendas"
onde 0 artista tern consciencia de sua sujei9ao it sociedade de
consumo.
o estudo da linguagem publicitaria mostra-se revelador de
val ores e atitudes culturais e modos de expressao da epoca; cria
condi90es de aprender a reconhecer falacias e sofismas em
propagandas que usam 0 "doublespeak", que falseiam fatos e
falsificam argumentos. Favorece tamhem condi90es de reconhecer
a riqueza de recursos da lingua, usadas nas mensagens: eufemismos,
redundancias, hiperboles, polissemias.
Os consumidores "processam" 0 acervo e 0 manejo da lingua,
o que os toma aptos a tomar decisoes,sem se deixar envolver em
jogos publicitarios; exercitam a capacidade de pensar sobre 0
concreto, junto com 0 aprendizado das formas de verbaliza9ao.
Se a pesquisa teve como corpus a mensagem publicitaria
escrita, seu interesse central,foi no entanto, a Lingua Portuguesa
nos seus usos da atualidade, foram os processos lexicais de uma
lingua que muda e se adapta para acompanhar a pressa e a novidade
que caracterizam a era da informa9ao.
A analise nao foi exaustiva. Escolhemos 0 que foi julgado
mais importante, qualitativa e quantitativamente.
ALGEO, John. 1989. Britsh/American: lexical differences in
English Across Cultures/Cultures
across
English
Communicacion. Mouton de Gruyter, New York. Edited by
Ofelia Garcia and Ricardo Otheguy
BAUDRILLARD,Jean.1968.Les
Gallimard.
systeme des objects. Paris.
BEHAR, Lisa Block. 1977. Ellenguaje de lapublicidad. Madrid.
3a. ed. Siglo XXI.
CHARAUDEAU,
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1983. Langage
et discours.Paris.
GALISSON,R. 1987. AccedeI' a la culture partagee in Etudes
de linguistique Appliquee NO.67. Paris. Didier Erudition.
pp.119-127.
GRUNIG, Blanche. 1990. Les mots de la publicite:
du slogan. Paris. Presses du CNRS.
I 'architeture
VESTEGAARD, T. e SCHRODER, K. 1988. A Linguagem da
Propaganda. Trad. Joao Alves dos Santos. Sao Paulo. Martins
Fontes.
ZARATE, Genevieve. 1986. Enseigner
Paris. Hachette.
une Culture Etrangere.
A RELACAO FALANTE/TEXTO
NA
EXPLICACAO ACADEMICA DE
UNIVERSITARIOS •.
A situayao de fala instrucional denominada exposh;Jo em
sala de aula representa urn tipo de evento comunicativo que, dada
a sua freqi.it~nciano ensino universitario, tem-se tornado umaforma
padrao de reproduyao do conhecimento produzido pelos membros
da comunidade cientifica(professores pesquisadores, quando se
trata da exposiyao de textos extraidos de publicay5es especializadas
como as dissertay5es e teses publicadas em forma de livros, ou de
artigos publicados em revistas de divulgayao cientifica; e autores
de manuais academicos, quando se trata da exposiyao de textos
extraidos de obras que reunem, de forma mais didatica, urn conjunto
de conhecimentos de uma area especifica) para a comunidade
uruversitaria dos cursos de graduayao - alunos e professores. Ambos
os tipos de publicay5es, pressupondo urn receptor, constituido pela
figura do aluno universitario, como possuidor de conhecimento
previo no assunto objeto da discussao, permitem a leitura com
menor ou nenhuma intervenyao do professor. Esse fato explica a
instituiyao da exposiyao em sala de aula como uma tarefa escolar
a ser cumprida pelo aluno de terceiro grau, numa situayao de
dimensao explicativa, cujo objetivo institucional e proporcionar a
compreensao de urn t6pico academico a uma audiencia constituida
pelo professor e demais alunos da classe.
o presente estudo se situa, portanto, no ambito da interayao
face-a-face em contexto instrucional de nivel universitario. A
motivayao para a sua realizayao, em primeiro lugar, e de carater
te6rico e esta relacionada com a atual tendencia dos estudos
lingiiisticos no Brasil, que vem adotando uma visao sistemica e
----
*
Texto apresentado em forma de comulliclll,:UO orlll, par ocasi1io cia 45" RClIl1i1io
Anual da SBPC, realizada no Recife, no periodo de 11 a 16 de jlliho de 1993.
funcional, a fim de dar conta de fatos linguisticos e interacionais,
responsaveis pela forma~ao de estilos do falante manifestados em
rela~ao a oralidade. Em segundo lugar, a fala academica constitui
uma import ante institui~ao da sociedade, dada a sua fun~ao de
veiculadora do conhecimento cientifico na forma~ao de profissionais
de nivel superior. Dai a nossa cren~a de que esfor~os para entender
as condi~oes de produ~ao da intera~ao na sala de aula de nivel
universitario podem vir a contribuir para 0 entendimento dos
processos de constru~ao do texto falado de carater instrucional
ou academico.
Nesta perspectiva, este artigo pretende discutir: a) as formas
de rela~ao do falante-expositor com 0 texto produzido em situa~oes
de dimensao explicativa, desenvolvidas na exposi~ao em sala de
aula; b) as implica~oes do estilo de exposi~ao adotado para a
oralidade academica.
Os dados provem de urn evento tipo exposi~ao em sala de
aula, com a dura~ao de 43 minutos, realizado por urn grupo de
quatro alunas do curso de Pedagogia da UFPb/Campina Grande.
o t6pico academico previamente determinado, com uma referencia
bibliografica, pelo professor da disciplina Sociologia da Educayao,
foi rendimento escolar e condi90es sociais
Os resultados apresentados neste trabalho constituem as
primeiras analises realizadas sobre os processos de formula~ao
textual utilizados na explica~ao de textos por universitarios, numa
perspectiva em que se contrapoem duas situayoes de fala em
contexto de discussao academica - a discussao preparat6ria entre
alunos e a exposiyao em sala de aula.
1. Estilos de exposi.;ao e sua rela.;ao com
0
continuo oralidade/
escrita
A interayao em contextos institucionais tern despertado a
atenyao da etnometodologia e da sociolinguistica interacional por
apresentar caracteristicas organizacionais diversas daquelas
encontradas
na conversayao
cotidiana.
Autores
como
Goffman(1983), Tannen(1988) e mais recentemente Pereira(1993),
tratando de pronunciamentos em publico, estudaram, entre outros
aspectos, as condiyoes de produ~ao do genero institucional,
136
focalizando os travos de escrita e oralidade.
Pode-se afirmar que a situavao de exposivao em sala de aula
caracteriza urn contexto de oralidade, uma vez que 0 alunoexpositor fala para uma audiencia constituida pelo professor e pelos
demais colegas de curso. Essa oralidade, no entanto, envolve
influencias da escrita absorvidas pelo aluno atraves das atividades
de leitura e resumo ou roteiro de apresentavao, a partir do textobase, indicado pelo professor.
Essas condivoes de produvao conferem ao texto produzido
pelo expositor travos que estao associados as atividades de leitura,
por urn lado, e as atividades de fala espontanea, por outro(Tannen,
1988). No primeiro caso, 0 falante-expositor tende a situar-se no
extremo do continuo oraVescrito, reproduzindo verbalmente b texto
escrito, com formulavoes que permitem 0 fluir da informavao sem
descontinuidade na superficie textual, dada a ausencia quase
absoluta de hesitavoes, pausas ou rupturas, garantindo densidade
informacional ao texto produzido. No segundo caso, 0 falanteexpositor, veiculando a impressao de formulavao pessoal, tende a
situar-se em varios pontos do continuo, que VaG desde a fala
relativamente planejada, com influencias marcantes da escrita,
ate a fala marcada pela presenva acentuada dos mecanismos
conversacionais. Assim, 0 que aqui estamos denominando de fala
marcada pela formulavao pessoal apresenta diferentes graus de
planejamento, por resultar das atividades de elaboravao de esbovos
ou not as, que reproduzem, de forma mais ou menos aproximada,
atraves da memorizavao, 0 texto original, e da atividade de
improvisavao, manifestada nos comentarios considerados de carater
ilustrativo.
Este estudo esta centrado no segundo tipo de fala, ou seja,
aquela em que 0 falante-expositor veicula a impressao de formulavao
pessoal em seqilencias explicativas, numa tentativa de assumir a
condi9ao de autor (Goff man, 1983b;Tannen, 1988). Esse tipo de
situavao mostra, de forma mais evidente, a naturalidade da fala
produzida durante a exposi9ao, permitindo ao analista uma
caracterizacao mais precisa does) registro(s) presentees) na oralidade
desse mesmo falante.
Marcuschi (1992a) acentua que a oralidade deve ser vista
como uma modalidade do uso do sistema lingilistico, evidenciada
na cristalizayao de formas mais ou menos estereotipadas que dao
origem a tipos textuais especificos. Esses tipos, por sua vez, exibem
diferenyas sensiveis que os situam na faixa do continuo falaJescrita.
Tais diferenyas podem ser de natureza essencialmente lingilistica
ou de processamento, em funyao do tempo, das condiyoes e dos
meios de produyao, alem das diferenyas especificas do tipo
realizado. Essa forma de conceber a oralidade explica a posiyao
defendida por esse autor, em outro artigo (Marcuschi,1988:42),
onde lembra que 0 dominio da modalidade oral da lingua nilo
significa 0 dominio de todos os tipos de textos orais, uma vez que
as inumeras e diferenciadas situayoes comunicativas enfrentadas
pelos falantes exigirao deles aptidoes especificas de acordo com a
natureza do evento e 0 tipo de texto. Isso quer dizer que no interior
da pr6pria oralidade as diferenc;as se acentuam num continuo
tipol6gico.
Essa visao te6rica, que se propoe tratar as diferenyas entre
fala e escrita como diferenyas re1ativasaos tipos textuais especificos
de cada uma dessas modalidades de uso da lingua, traz como
conseqilencia uma metodologia de analise da relayao falaJescrita,
a partir das categorias especificas de cada modalidade. Para isso,
o analista deve levar em considerayao a estreita relayao existente
entre 0 carater tipol6gico e 0 contexto de uso, com a observayao
da adequayao do tipo textual it situayao especifica de fala analisada.
A hip6tese que orienta esse procedimento metodol6gico e a de
que dominamos uma tipologia de textos intuitiva e adequada as
situayoes
dentro de urn continuo linguistico(BlancheBenveniste, 1989; Marcuschi,1992a). Essa tipologia representa
graus diferentes de formalidade, compreendendo desde 0 registro
informal, tipico da conversayao espontanea, ate 0 registro formal,
presente na exposiyao academica, de carater institucional.
Outra quesHio considerada relevante para a analise do
desempenho oral, nos dados coletados, e a questao da sobreposiyao
de oralidade e escrita, estudada a partir da nOyao de foco relativo
ao envolvimento (Tannen, 1985; Chafe & Danielewicz, 1987). Chafe
138
(1982; 1985), ao tratar das diferenyas linguistico-interacionais entre
fala e escrita, define 0 envolvimento como urn estado psicol6gico
interno ao falante, manifestado em fenomenos linguisticos
observaveis, e que ocorre em relayao tres instancias do processo
interativo - 0 falante, 0 ouvinte e 0 assunto. Cada uma dessas
formas de envolvimento imprime uma orientayao diferente ao texto
produzido.
Retomando 0 trabalho de Chafe, Tannen(1989) sistematizou
o emprego da expressao estrategias de envolvimento, descrevendoas como formas sistematicas de uso da linguagem, que favorecem
uma experiencia emocional de compreensao do texto e de ligayao
do falante com o(s) interlocutor(es), com a linguagem e com 0
mundo. Tais estrategias caracterizam assim uma forma peculiar
de organizayao da fala, nas narrativas conversacionais, atraves de
procedimentos expressivos como a repetiyao de palavras e frases,
a citayao de falas e as imagens ret6ricas.
Em estudo
anterior(Tannen, 1985), a autora salientou 0 papel de tais estrategias
utilizadas na conversayao, durante a atividade de narrar, como
elemento definidor de urn foco centrado no envolvimento
interpessoal, marcado por trayos paralinguisticos exagerados, como
mudanyas bruscas de velocidade e altura da fala, result an do em
urn texto com teor de dramaticidade superior ao teor de informayao
relatada. 0 usa desse foco, com frequencia, caracterizaria, segundo
a autora, 0 desempenho do falante como ligado a aspectos culturai~
da tradiyao oral, em oposiyao ao foco centrado no conteudo ou
informayao como caracterizador de urn desempenho linguistico
influenciado pela tradiyao escrita.
o pressuposto de que a fala academica subjazem as influencias
da cultura da escrita aponta para a manutenyao do foco centrado
no conteudo como urn trayo superficial saliente desse tipo defala,
o que a define como representativa da oralidade letrada.
Estudos mais recentes desenvolvidos
em contextos
instrucionais (Kleiman, 1991; 1993; Bortoni eLopes, 1991),
orientados por essa hip6tese da influencia da escrita sobre a
oralidade, tern mostrado a dificuldade que alunos e professores
experienciam para serem ratitlcados como falantes primarios dentro
da situayao de sala de aula. Uma das dificuldades mais salientes
apontada por esses estudos e a manutenyao do foco no conteudo
as
139
ou informac;ao por parte dos falantes, que orient am sua fala para
o contexto interacional imediato, organizando uma taret~l concreta
em func;ao dos elementos superficiais, sem a utilizac;ao da abstrac;ao
do contexto (Kleiman, 1993).
Essa hip6tese da reversibilidade da escrita sobrea Hl1aparece
constituir uma fonte de explicac;ao para os procedimentos utilizados
pe10s informantes na exposic;ao academica, onde a citac;ao de falas
se sobressai como uma estrategia de envolvimento que permite,
com bastante frequencia, a mudanc;a de orientac;ao do carater
monol6gico da exposic;ao centrad a no assunto, para uma orientac;ao
de carMer dial6gico, centrada no interlocutor. 0 que corresponde,
via de regra, mudanc;a de um estilo formal, de natureza academica,
inf1uenciado pela tradic;ao escrita, para urn estilo informal, com
tendencia a situar-se no extremo do continuo tipol6gico da oralidade
- a conversac;ao.
a
Considerando que a situac;ao de exposic;ao em sala de aula
tern uma dimensao explicativa, julgamos necessaria uma detinic;ao
das atividades de explicac;ao que podem estar presentes nesse tipo
de evento de natureza academica.
Para isso, recorremos
a uma linha de ref1exao, aqui
representada
especificamente
pelos estudos de Borel (1981 a;
1981 b), MiEwille (1981), e, mais recentemente, pelos trabalhos de
Signorini (1991; 1992), que tratam as atividades discursivas de
explicar a partir de duas dimens5es da significac;ao: a dimensao
cognitiva e a dimensao interacional. A primeira situa-se no eixo
da racionalidade( explicac;ao de) e compreende atividades como
explicitar, no senti do de desenvolver e de interpretar, e explicar
no sentido restrito de restituir as raz5es de ser, as causas. As
atividades
desse grupo podem ser descritas pelos seguintes
esquemas: X explica Y e X se explica. Nesse tipo de atividade,
sac apagadas as referencias ao ate da enunciac;ao e 0 discurso
produzido
e considerado
como "universalmente
verdadeiro,
objetivo,
necessario,
independentes
da instancia
que 0
formulou"(Signorini,
1991: 134).
A dimensao
interacional
situa-se
no eixo da comu-
nicavao( explicavao para) e esta realvada em atividades como
comunicar, ensinar e justificar. As atividades explicativas dessa
dimensao podem ser descritas pelo esquema L 1 explica Y a L2( 0
locutor 1 explica isto ao locutor 2). Ou seja, a novao de explicavao
esta vinculada it de fazer saber 0 que ja e, e as atividades discursivas
estao centradas no modo de "comunicar/ensinar a alguem 0 que e,
para que serve, como se usa, etc, e justificar para alguem porque
fazer" (Signorini,idem:ibidem ).
Segundo os autores, essas duas dimens5es da explicavao
funcionam como duas tendencias que se alternam, muitas vezes,
ao longo de urn mesmo evento. Desse modo, para que urn discurso
produzido com 0 objetivo de comunicar/ensinar a alguem alguma
coisa seja uma explicavao, necessario que a dimensao cognitiva
nao seja eliminada. Nesse sentido, 0 discurso assume urn cunho
essencialmente informativo, diz respeito mais a urn objeto de
conhecimento do que a urn objeto de avao e se contrap5e aos
discursos voltados para a avaliavao, 0 juizo e a deliberac;:ao.
Essas duas perspectivas da explicavao foram descritas por
Mieville (1981), em contexto de ensino da matemMica. Neste tipo
de contexto, 0 autor descreve a dimensao cognitiva ou ideacional
da explicavao como a de urn discurso que e a representavao de urn
saber, faz-se reconhecer como tal. Esta relacionada com a atividade
explicativa em que nao hit uma modificavao do saber de quem
explica ou reconhece 0 carMer explicativo do que est a sendo dito.
Hi a dimensao interacional da explicavao e caracterizada como a
de urn percurso de apropriavao ou de acesso possivel ao saber.
Esta relacionada com a atividade de compreensao e de organizavao
progressiva de construvao desse mesmo saber, em que hit uma
transformavao, por assimilavao de raz5es e argumentos por parte
daquele a quem se explica. Nesse senti do, apenasdo ponto de
vista da segunda dimensao po de haver a descoberta do novo, ou
a revelavao do desconhecido, a partir de uma explicayao.
Do exposto acima, pode-se afirmar que a explicayao ocupa
urn lugar relevante, enquanto exemplo de oralidade influenciada
pela escrita, pois a enfase da atividade explicativa de carMer
academico esta essencialmente voltada para 0 conteudo ou
referente, que e nao apenas 0 objeto do discurso, mas tambem 0
objeto abstrato do conhecimento a ser transformado atraves de
e
formulac;oes, que devem ser marcadas pelo apagamento das relac;oes
entre os participantes e 0 conseqilente centramento no conteudo
da explicac;ao.
Quanto as operac;oes de formulac;ao constitutivas do processo
global de explicac;ao do discurso te6rico, de cunho cientifico, e do
discurso didatico de divulgac;ao cientifica, Borel (1981 a e 1981 b)
descreve tres etapas ordenadas:
a) formulac;ao
do problema:
introduc;ao
do objeto da
explicac;ao
sob a forma de uma classe-objeto.
No caso da
compreensao de textos, oobjeto da explicac;ao
constituido pela
leitura do texto, que fornece 0 contexto
imediato
para a
problematizac;ao;
b) selec;ao de urn aspecto do objeto da explicac;ao a partir
do qual se desenvolverao as atividades explicativas, tendo em vista
as necessidades e expectativas dos interlocutores. Esta selec;ao do
aspecto do objeto esta condicionada ao horizonte de conhecimento
do falante;
c) desenvolvimento
das atividades explicativas em func;ao
do aspecto selecionado, 0 que
feito com base no ca1culo do
conhecimento do interlocutor, fator de escolha dos tipos de atividade
explicativa a serem utilizados.
A etapa c constitui 0 aspecto ret6rico da explicac;ao. Acentua
Mieville( op.cit: 134) que essas atividades
revelam os tipos de
raciocinio
natural do falante, seu modo de organizac;ao
do
pensamento discursivo. Representam 0 nivel discursivo tipico da
dimensao interacional da explicac;ao e podem apresentar-se
sob
divers as formas como: uma descric;ao, uma demonstrac;ao, uma
verificac;ao,
uma justificac;ao,
uma argumentac;ao,
uma
exemplificac;ao, uma analogia, entre outras.
Ainda sob 0 aspecto ret6rico, lembra Borel(l981 a)que a
explicac;ao esta vinculada a argumentac;ao de duas formas:
a) a explicac;ao como urn meio para se atingir um fim num
contexto que nao em si explicativo. Nesse caso, ela nada mais
do que um componente do discurso, e pode contribuir para acarretar
uma decisao, sustentar uma posiyao, Ou servir de base a uma
avaliayao.
b) a explicac;ao como urn fim em si mesmo. Nesse caso, ela
constitui urn genero especifico e a sua identificac;ao se opera em
e
e
e
e
diversos niveis: 0 da autoridade, 0 do saber do locutor, 0 da intenyao
de neutralidade e objetividade, 0 da existencia do objeto a ser
explicado, bem como 0 da presen9a no texto deformas lingiiisticas
e metalingiiisticas que imprimem uma retorica especifica. Acentua
ainda a autora que, para que a intenyao comunicativa da explicayao
seja bem sucedida, ela nao deve estar presa a urn outro tipo de
discurso.
A situayao de fala explicativa aqui estudada parece enquadrarse no segundo tipo descrito por Borel, ou seja, a explicayao tern
urn fim em si mesma, uma vez que 0 falante-expositor, num contexto
de tarefa academica, tern como objetivo central 0 repasse das
informayoes lidas.
4. Algumas evidencias da mudan~a de estilo na explica~ao
academica: 0 caso da cita~ao de falas
o ato de citar falas durante a interayao verbal e COllum e
natural e tern a narrativa como contexto discursivo mais favonlvel
ao seu surgimento, conforme demonstrado em Tannen(l989). Pode
manifestar-se sob a forma de auto-citayao e hetero-citayao,
dependendo da relayao verificada entre a fonte e a reproduyao da
fala. Chafe(l985), ao tratar do estilo conversacional, descreve a
citayao de falas como uma das evidencias linguisticas do
envolvimento do falante com 0 assunto tratado, traduzindo 0
comprometimento pessoal com 0 que esta sendo dito.
Apoiando-se na perspectiva bakhtiniana de que toda
conversayao esta repleta de transmissoes e interpretac;oes das
palavras de outras pessoas, Tannen(1989) considera 0 ate de
transformar as palavras dos outros no proprio discurso como urn
ate de animizac;ao e criac;ao, e critica a denominac;ao de "discurso
ou citayao direta". Para a aut ora, a citac;ao de falas constitui uma
estrategia de envolvimento que funciona como reforc;o de
autenticidade e permite 0 enquadramento de informac;ao atraves
da atribuic;ao de ideias em forma de fala ou pensamento, constituindo
import ante fonte de emoc;ao no discurso.
o carater de ficcionalidade da citac;ao de falas, durante a
conversac;ao, foi demonstrado pela aut ora, ao mencionar os tipos
de fala citada: fala sumarizadora, fala como discurso interior, fala
143
com referentes vazios, fala de seres nao-humanos. Esse trayo marca
a espontaneidade do estilo conversacional, em oposiyao ao carater
real da citayao utilizada no estilo formal da exposiyao academica,
situayao em que 0 falante esta obrigado a mencionar 0 autor, a
obra com 0 ana de sua publicayao e, as vezes, a pagina de onde foi
extraida a citayao.
Em recente estudo, Marcuschi( 1992b), analisando 0
comportamento linguistico da citayao de falas, defende a hip6tese
de que este fenomeno e responsavel pela mudanya de estilo no
texto, na medida em que se operam aiterayoes de urn novo estilo,
tais como a pros6dia, a organizayao sintcitica, as opyoes lexicais.
Nesta seyao, procuraremos descrever algumas situayoes de
dimensao explicativa em que a citayao de falas se apresenta como
urn procedimento utilizado pelo falante-expositor que aproxima 0
estilo formal da exposiyao em sala de aula do estilo informal da
conversa. Defendemos a ideia de que 0 uso da citayao de falas
nos materiais analisados representa uma estrategia utilizada pelos
informantes para resolver as dificuldades de relacionar-se com 0
padrao assertivo, monol6gico, de influencia letrada, que caracteriza
a exposiyao academica. 0 grau de escolarizayao avanyado dos
informantes aqui referidos e a situayao de fala exposiyao em sala
de aula como urn contexto que leva 0 falante ao exercicio de
busca da forma mais adequada de expressar a informayao
previamente planejada sac fatores que nos levam a esperar a
utilizayao de uma oralidade de carat~r monol6gico centrada no
conteudo. Ha evidencias, no entanto, a partir da audio gravayao
realizada, de que a fala utilizada pelos informantes, na exposiyao,
nao corresponde ao modelo letrado de oralidade visado pela
instituiyao universitaria.
Os dados aqui apresentados revel am a preferencia acentuada
dos informantes pelo foco centrado no envolvimento interpessoal,
manifestado aqui no elevado uso da citayao de falas, trayo saliente
da tradiyao oral, marcada pelo estilo conversacionai. Com 0 objetivo
de demonstrar essa dificuldade dos informantes em manter 0 estilo
formal academico, observou-se a classificayao da citayao de falas
em dois grupos, segundo a forma discursiva da fala citada - a citayao
de falas como dialogo entre personagens e a citayao de falas como
discurso interior. Essas duas formas de citayao foram analisadas
4.1. A mudan~a de estilo atraves da cita~ao de falas como
dialogo entre personagens: a encena~ao em sequencias narrativas
de caniter ilustrativo.
A mudan~a de estilo atraves da cita~ao de falas como diaIogo
entre personagens esta associada a contextos narrativos constituidos
de fatos da experiencia pessoal dos informantes, com a fun~ao de
ilustrar conceitos ou, afirma~5es de natureza teorica apresentados
no texto-base. Esse tipo de sequencia de caniter bastante interativo,
indica, na exposi~ao em sala de aula, a mudan~a de orienta~ao do
falante em rela~ao ao interlocutor, instaurando a narrativa
conversacional, que consiste na encena~ao de determinadas-partes
de urn episodio ou de urn episodio inteiro. A narra~ao de eventos
ou episodios evocados pelo topico, em nossos dados, parece estar
associada
it estrategia
da diversificac;eto
epis6dica
(Kleiman, 1991: 14), ja referida por Cazden (1989), como urn
fenomeno tipico da tradi~ao oral.
Nota-se, no evento observado, uma tendencia dos
participantes do gropo expositor a utilizar 0 topico apenas como
elemento detonador para inser~ao de casos pessoais por ele
evocados. Uma evidencia dessa tendencia se encontra na
sequencia( I):
(I)A3 493 essas crian~as sac eh exclusivos ne ... existem tambem
494 departamentos proprio para salas especiais
A2 495 neto J ta pedino pra eu cita um exemplo aqui ...meu
496 mi... particulit ... quando eufui na escola...((rindo))isso e
497 6timo()quando eufui pra escola ... quando eu cheguei
498 de cara na escola assim ... a diretora da escola disse ...
499 pra mainha disse "leve ela lit pra 0:... cace"
500 0 cace ne «dirigindo-se it colega expositora))
Al 501 e
A2 502 "leve ela pro cace pOl'que aqui na es na a a
503 acho que eta num vai acompanha mio
504 num sei 0 que "...llum tinha nada a
505 ve ne? minha deficienciaffsica com a deficencia mental
506 ... af eu disse "mainha"/af a gente foi minha mete muito
145
507 assim ... coitada nem
Al 508 ingenua
A2 509 e... ingenua chegou na escola ai... coitada de mim
510 ai eu qui quando cheguei
51] liT. no cace mei mundo de pi
5] 2 de menino cum problema sabe
513 aquela coisa totalmente diferente ...eu disse
514 "oxe mainha que que eu voufaze aqui?" Haimainha
515 disse He mermo Vania vamo pra liT. vamo volta liT....
516 ai eu voltei 1../
Na sequencia acima, 0 fen6meno da diversificac;ao episodica
e exemplificado por A2, que introduz uma narrativa conversacional
com 0 objetivo de ilustrar a afirmac;ao apresentada
por A3
(1.493,494) sobre a existencia de salas especiais para as crianc;as
excepcionais.
Para isso, A2 assume 0 papel de ator, autorepresenta-se
atraves da auto-citac;ao (1.505 e 514) e representa
os demais personagens envolvidos-mainha
e a diretora da escola
- atraves da hetero-citac;ao (1.499,502,515).
A mudanc;a de estilo
introduzida por A2 esta evidenciada sobretudo nas escolhas lexicais
(marcador conversacional - "oxe") e sintaticas (expressao vaga"num sei 0 que") realizadas nas falas citadas; na introduc;ao do
comentario avaliativo com solicitac;ao de apoio do ouvinte ( "num
tinha nada a ve ne? minha deficiencia fisica com a deficiencia
mental").
4.2. A mudanc;a de estilo atraves da citac;ao de falas como
discurso interior: a encenac;ao avaliativa em sequencias assertivas
de carater explicativo.
A mudanc;a de estilo atraves da citac;ao como discurso
interior esta associada a sequencias assertivas de feic;ao monologica.
Nesses momentos ocorre a verbalizac;ao de uma fala hipotetica,
que se processa por hetero-imitac;ao, cuja sinalizac;ao se da pela
presenc;a de trac;os prosodicos supostamente
utilizados pelos
personagens representados
pelo falante-expositor,
que assume 0
papel de imitador. 0 desempenho desse papel instaura 0 estilo
conversacional,
em seu aspecto teatralizador, situac;ao em que a
relac;ao do falante-expositor
com a audiencia parece predominar
sobre a informac;ao aser apresentada.
146
A encenayao atraves da imitayao da prosodia, com ausencia
da sinalizayao linguistica do verbo de fala, foi amplamente registrada
nos dados de Dionisio(1992),ao analisar a interayao em narrativas
orais numa comunidade negra nao letrada. Urn exemplo ilustrativo
de sse procedimento pode ser encontrado em (2), extraido dos
referidos dados:
(2) H3 e ela doente dentro de casa ... eu fui busca truce na na
preguiyosa ... butei la em casa ... fii um/ butei uma cama ....
urn purgante a ela to do dia "va mimbora ... va sai daqui"
«falava movimentando os brayos para os lados demonstrando
agitayao do personagem))
A ocorrencia desse procedimento, em nossos dad os, parece
realyar a dificuldade dos informantes em manter urn discurso
centrado na enumerayao progressiva de raz5es explicativas de
carater assertivo, neutro, como exige 0 padrao academico de
exposiyao. Esse processo de encenayao assume maior dramaticidade
nas sequencias em que prevalece a imital(ao da pros6dia com
supressao do verbo de elocuyao, como ocorre em (3), onde a fala
citada e sinalizada pela mudanya de voz (1. 61 a 63):
(3)A2 57 / .. .1 eh a gente leu no na introduyao desse livro que::
58 Luis Antonio Cunha acha isso essas pessoas que acreditam
59 num nua em crianyas pobres que vai te
60 uma educayao boa uma generosidade ne? ...
61 ai T. tambem acha que:: a gente/
62 ate isso que: essas crianyas da favela! ar menina(voz
62 diferente))"na:o ... mas tem condi~ao de chega aonde
63 um medico chega" «voz normal)) ...
64 ai nos mostrano mostrano
65 a ela que num Tlnha condiyoes de jeito nenhum ... e ai ele
66 acha que essas pessoas sac generosas em acredita que os
67 brasileiros de favela ainda podem te:r urn urn desempenho
68 igual a uma pessoa dua cla da classe dominante
Aqui a imitac;ao ocorre num contexto explicativo em que 0
falante apresenta a descriyao de urn ponto de vista do autor do
texto-base. Ao recorrer Ii descriyao do ponto de vista dos
participantes do grupo, 0 falante 0 faz atraves da fala citada ("na:o ...
mas tern condic;ao de chega aonde urn medico chega"), sinalizando,
em seguida, elementos de urn contexto narrativo(ai nos mostrano
a ela que num TInha condh;oes de jeito nenhum ...).
Outra situayao que, a nosso ver, constitui evidencia das
dificuldades dos universitarios em desenvolver urn estilo formal
durante a explicac;ao de fatos, conceitos, posir;6es te6ricas
apresentados no texto-base, e a experienciada na seqilencia (4),
transcrita a seguir:
(4) A4 590 / .../((lendo anotac;6es))"se sup6e ... que
Al
A4
Al
A4
Al
A4
A2
A4
A3
estado esta
591 acima das classes sociais e que seu objetivo promover
592 0 bem-estar e a harmonia de todas as pessoas
593 independentemente da sua classe social"(( encerra a
594 leitura))
595 foi 0 que a gente fal6 ne? agora
596 [anhan
597 [( ) ate colocou ne que ainda por cima as pessoas
598 ainda acham que ah que 0 estado ele num tern obrigac;ao
599 de nada [de da
600
[de nada
601 ((voz diferente)) "ele ainda e bom demais meu Deus
602 inda me dil essa merenda
603 po meu filho come inda olhe que coisa boa
604 inda me eM isso ne? ... eu que num tenho nada
605 inda ganho isso ai do estado ne" ...((voz nonllal))is cria
606 essas coisas na cabeya
607 ((ironizando)) ganham
608
609 acham que ... s6 a merenda ja muita coisa que 0
610 estado ta dando ...entao ...
611 muitas delas s6 freqilenta s6 freqilenta a escola pela
612 merenda/ .../
e
e
0
e
e
Aqui 0 falante Al se prop6e explicar a passagem lida, a
partir da alusao a uma situac;ao focalizada anteriormente,
sinalizando elementos de contexto narrativo (1.595, 597), que,
conforme ressaltado em 4.1, se apresenta como 0 mais favoravel
it citayao de falas. Essa tendencia se confirma com a introduyao
de uma longa fala citada (1.601 a 605), procedimento responsavel
pelo enquadramento de urn julgamento do falante, transformando
a asseryao com uma razao explicativa iniciada (1.597 a 599), em
uma avaliayao subjacente a fala citada. Nesse tipo de ocorrencia,
a informayao cede lugar a dramaticidade de uma cena auditiva,
salientada pela ausencia da sinalizayao linguistica do verbo de
elocuyao epelamudanyana velocidade da voz (1.601 a605). Nesse
sentido, a citayao de falas tende a representar uma saida eStrategica
do falante para 0 desenvolvimento habil de uma conversa que esta
marcada sobretudo pela avaliay~o interna presente na fala citada
(Labove Waletzky, 1967). A neuttalidade e a objetividade tambem
cedem lugar para 0 julgamento pessoa1.
Dutro aspecto a ser focalizado e 0 efeito, do ponto de vista
interacional, que esse tipo de mudanya de orientayao do falante
pode acarretar sobre 0 tipo de contribuiyao dos demais participantes
do grupo expositor e, as vezes, da propria audiencia, acarretando
uma mudanya nas regras das estruturas de troca do estilo expositivo,
que, habitualmente confiado a apenas urn falante, passa a ser
desenvolvido por varios participantes do evento. Assim, na
sequencia acima, a mudanya de foco introduzida por Al acarreta
~ontribuiy5es
de A4, A2 e A3, que prosseguem 0 tom avaliativo
da conversa.
Ainda sob este aspecto, e bem expressivo 0 exemplo seguinte:
(5) A3'"474 / .../ai para es esses alunos existem varias etapas ne .
475 elessao divididos em dois grupos ... sao separados .
476 dos outros num e? .. na primeira serie anafabeta essas
477 crianyas sao consi consideradas imaturas ... ai elas sao
478 submetidas a urn teste de inteligencia ...
479 devido a esse teste elas sao: :o(2.0)consideradas normais
4800u [anormais
A2 481
[excepcionais
Al 482 e e tern dizeno no livro ne que nao sao todas as escolas
483 que fazem esse teste ... ALGU:MAS
A3 484 algumas
Al 485 eles escolhem assim a dedo ne ...
486 "esse e normal esse num e"...
A3 487
488
489
490
«rindo ))e e "esse tem cara de inteligente esse num tem"
... af quando quando acontece ... esse teste de
inteligencia ... se ele eh tern a deficiencia ... af sao
separados em salas ... diferentes dos outrosl. . .1
Nesta sequencia, 0 paddio assertivo de explicayao, adotado
no trecho lido par A3, e interrompido com a inseryao, por Al(1.485)
e por A3 (1.487), de urn contexto de fala de carMer hipotetico.
Esse novo contexto deixa de ser 0 contexto da informayao
transmit ida, para ser 0 contexto do envolvimento interpessoal,
marcado pela avaliayao contida na fala citada, que sugere a
instaurayao da conversa. A orientayao ou foco de envolvimento
interpessoal acarreta uma mudanya na estrutura de participayao.
Com a adoc;ao do novo contexto, A3 e Al se alinham, de forma
partilhada na imitayao de uma fala hipotetica (1.484 a 487),
realizando uma locuyao coletiva (Loufrani, 1981), num estilo
informal de interayao. A volta a estrutura de participayao da
exposiyao e registrada a partir da linha 488, quando 0 foco centrado
na informac;ao e retomado por A3.
A mudanya de orientayao do falante em relayao a audiencia
em sequencias explicativas pode manifestar-se tambem no uso
combinado da citayao de falas e da pergunta ret6rica, fenomeno
que esta presente na sequencia (6), em que 0 falante-expositor
tenta a explicayao de uma. passagem lida:
(6) A2 378 ((lendo anotayoes))"a politica economica reforya os
379
380
381
382
383
384
385
386
387
388
389
390
391
mecanismos ... economicos esponHineos ... pr6prios do
tipo de sociedade existente no Brasil"«fim da leitura))
como J. falou ne que produzem ou intensifica a situayao
de fome ... essa medida paliativa INTENSIFICA a a
situayao de fome ... porque eles vaol "nao a gente ja da
merendaja ta responsavel pOl' eles" e cade a a cesta
basica? 0 que 0 que precisa mermo pra:: /cade 00 os
empregosas coisa que precisa? "nao ... ta bom demais a
gente num ja da merenda?
numja da um liJpis e um caderno
e a merenda pra enche a barriga dol' menino? nao ... a
gente ja tit fazeno DEMAIS' e cade 0 que precisa de
empre:go de mudar essa situaryao que ta ai ne?
A mudan<ra de estilo, na sequencia acirna, ocorre com a
interrup<rao de uma razao explicativa sinalizada na conjun<rao
"porque", que inicia 0 enunciado corrigido pela inser<rao da fala
atribuida a urn referente vago "eles" (1.383). A partir da linha 384,
a continuidade da exposi<rao e garantida por urna serie de questoes
retoricas, que se sucedem repetidamente, e tern sua resposta em
forma de cita<rao de fala (1.386 a 389), instalando-se assim urn
verdadeiro dialogo entre 0 falante-expositor e urn interlocutor
simulado.
A avalia<rao se apresenta assim como 0 destino final das
tentativas de explica<rao ate aqui apresentadas. A sequencia (7), a
seguir, constitui rnais uma evidencia da dificuldade do informante
A2 em sustentar a exposi<rao em tom de assertivo monologico,
iniciado par A3.
(7) A3 435 a gente ... foi it escola polivalente ne ... viu que os
436 recursos internos da escola nao ofere cia muito aos .
437 entao tr eh... esses termos esta em recursos humanos .
438 que SaDprofessores mal preparados
439 e tarnbem em recursos
440 materiais que e falta de livros eh: auxiliares de eh ...
441 material didatico ... nada disso tern para esses alunos
442 ne ...entao a propria escola e quem faz essa
443 discrimina<rao social(2.0) isso aconte:ce ... como euja
444 falei ... quando essas crian<ras chegarn a ingressa na
445 escola
A2 446 ((rapido)) eh licen<raT. so interrornpendo urn pouquim
447 essa discrirnina<rao ne ... a escola acha assirn "e uns
448 pobre coitado pra que a gente oferece tanta coisa boa
449 a eies? pra que a gente oferece reciclagem pra professor
450 se: 0 aiuno acha isso otimo? nao ... ta bom" ele ele
451 acha que 0 que a [professora ta
A3 452
[eler nurn entende ( )
A2 453 dano excelente ne? .. em cornpara<rao as escolas
454 particularesl. ../
Aqui, a contribui<rao de A2 se insere mais urna vez no tom
da avalia<rao, do juizo de valor, manifestado na fala atribuida
metonimicamente a urn referente inanimado - a escola-(l. 447)
desprezando-se assim a enumerar;ao de razoes que explicariam
objetivamente a discriminar;ao social praticada pela escola.
A observar;ao dos dados aqui apresentados fornece elementos
para a discussao da hipotese da reversibilidade da escrita sobre a
oralidade. 0 grau avanr;ado de escolarizar;ao dos informantes e a
situac;ao de fala previamente planejada deveria pressupor, em
principio, 0 dominio de uma oralidade transformada pe10 efeito
reversivo da escrita academica. No entanto, somos levados a admitir
com Tannen (1985) que a questao da preferencia pelo foco centrado
no envolvimento interpessoal, manifestado aqui no elevado uso
da citac;ao de falas, durante a exposic;ao, constitui urn indicio
bastante forte de que a tradic;ao oral de caniter conversacional
permeia a pnitica comunicativa dos informantes pesquisados.
Constatou-se que esses informantes conseguem desenvolver de
forma habil urn diillogo com todos os trar;os essenciais, mas, ao
desenvolverem urn tema de forma progressiva, nao conseguem
manter 0 estilo formal de carMer monologico. Nao se reconhecem,
nas seqilencias aqui transcritas, as atividades explicativas que
asseguram a existencia de uma retorica peculiar a exposir;ao
academica. Nos termos de Borel(1981 a), registra-se a mistura de
discursos, fator que compromete a atividade explicativa de natureza
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L'APPORT DE LA PUBLICITE A L'ENSEIGNEMENT
DU FRAN<;AIS LANGUE DE SPECIALITE*
Resume:
Ce travail pn}sente une recherche menee au Departement de
Lettres de I 'Universite Federale du Pernambouc (UFPE), en vue de
I 'utilisation du texte publicitaire comme preambule
I 'acces aux textes
scientifiques et techniques dans les cours dejranrais langue de specialite.
II comprend une etude sur des publicites extraites de periodiques jranrais
et une reflexion sur les lecteurs de publicite.
Mots-des: texte publicitaire, discours, lecteur, pedagogie, texte theorique.
a
Publicidade, narra~ao e publico alvo
A CONTRIBUICAO DA PUBLICIDADE
PARA 0 ENSINO DO FRANCES INSTRUMENTAL
(FI)
Resumo:
Este trabalho apresenta uma pesquisa realizada no Departamento
de Letras da UFPE, para a utiliza9ao de textos publicitarios como
introduyao leitura de textos cientificos e tecnicos nos cursos de Lingua
Francesa Instrumental. Contem tambem urn estudo sobre algumas
publicidades extraidas de revistas francesas assim como uma reflexao
sobre os leitores de publicidade.
a
Palavras-chave:
* Este
texto publicitario,
texto teorico.
discurso,
leitor, pedagogia,
trabalho retoma com algumas modifica90es e acrescimos
0
artigo publicado
em Les cahiers de l'apliut, volume XIII, 2 (n° 51) dezembro de 1993.
Ce travail presente Ie rapport d'une experience developpee
au Departement de Lettres de l'Universite federale du Pernambouc,
au Bresil.
Notre experience s'est effectuee en deux etapes differentes.
Dans un premier temps nous avons repere un certain nombre de
publicites a dominante narrative et avons eu I'idee d'en constituer
un corpus en vue d'une analyse pedagogique et linguistique de
leur contenu. Lors de l'elaboration de ce corpus d'autres idees
ont surgi et quelques problemes se sont poses. Ce qui nous a obligee
a repartir de zero et a commencer par etudier plus generalement Ie
sujet. Voila pourquoi notre recherche contient une partie qui
concerne Ie statut du lecteur de pub dans Ie monde reel et dans Ie
monde simule de la classe de langue etrangere.
Dans un deuxieme temps nous avons pro cede it un classement
des sequences narratives analysees et nous sommes arrives it
I'amorce d'une typologie de la "pub-recit"; en effet, notre corpus
est encore reduit et pour l'instant nous ne sommes pas en mesure
d' etablir une typologie de la publicite.
Afin d'elargir les horizons de la recherche, it partir de mars
93, une equipe interdisciplinaire composee de professeurs de langues
et de Communication Sociale de l'UFPE a mis en route un nouveau
projet sur Ie disc ours publicitaire, Ie PRODIP: groupe d' etude sur
I' analyse du discours publicitaire. Ce groupe a ete ensuite integre
it un projet international de cooperation linguistique entre I'UFMG
et Paris XIII dans Ie cadre des accords CAPES/COFECUB. II
s'agit d'une equipe compo see de chercheurs bresiliens et franvais
qui visent it etudier les mecanismes du discours de la persuasion et
de la seduction dans differentes societes et domaines, sous la
coordination generale de Patrick Charaudeau (Paris XIII).
Nous concluons ce travail par une proposition pedagogique
en presentant des suggestions aux professeurs qui souhaiteraient
eventuellement travailler sur ce genre de publicite.
Les bases theoriques de notre recherche ont ete constituees
a partir des travaux de Bronckart et de Charaudeau, concernant
l'analyse des disc ours (AD) et la typologie de textes.
Vne publicite reussie est tres engag~ante; elle touche nos
sensations et sentiments car elle a ete faite pour seduire. Comparee
au texte theorique, elle offre l' avant age d' Stre plus courte que ce
dernier et peut donner l'impression a I'etudiant d' Stre plus facile,
ce qui n' est pas toujours vrai. Mais il est indeniable qu' elle va plus
droit au but, l'immediatete etant l'une de ses caracteristiques.
D' autre part, elle est plus proche du Iecteur car elle vehicule Ie
quotidien qui est absent des textes theoriques.
Lorsque l' on "impose" une lecture pedagogique a I' apprenant
peut-on Ie considerer comme un lecteur ordinaire? Lui-mSme se
considere-t-il ou se comporte-t-il comme tel?
Les lecteurs de pub Iicite (annonce a but Iucratif) se placent,
a notre avis, dans trois categories differentes:
Ie Iecteur "conquis" ("victime" d'une seduction psychosensorielle)
Ie Iecteur "motive" (l'acheteur potentiel)
Ie lecteur "spontane" (celui qui a Ie gout de lire)
Ace classement des lecteurs, on peut ajouter un autre parametre:
la finalite commerciale de la publicite. Le simple fait d'Stre lue
n'assure pas son succes. Autrement dit, elle a deux objectifs: run
plus urgent, qui est celui de se faire lire; l'autre, moins immediat,
qui vise a faire acheter Ie produit. Seduire et persuader sont Ies
mots d'ordre des strategies publicitaires. L'on ne s'etonnera pas
de voir nombre de publicites ou predomine Ie discours argumentatif
et ou l' on exploite Ies mecanismes de seduction. Parmi ces derniers,
on ales appels sensoriels au niveau de Ia perception visuelle et de
Ia memoire iconique a travers des procedes Iinguistiques empruntes
au Iangage Iitteraire. Le result at en est que certains slogans
publicitaires chantent aux oreilles des Iecteurs tant iis sont doux et
poetiques.
Dans Ie cas du Iecteur "conquis", Ie sujet n' a aucune intention
de lire des annonces publicitaires, mais en feuilletant un periodique
par exemple, il se sent soudain attire par une publicite. La, ce sont
Ies efIets icono-chromatiques qui servent de stimuli sensoriels a la
perception visuelle. Ayant declenche une sensation agreable et cree
une image mentale positive, favorable au produit en question, cette
publicite est deja a mi-chemin de sa reussite. Mais l' achat dependra
d'autres facteurs qui ne sont pas forcement enjeu dans la publicite:
prix, besoin effectif, etat d' esprit, connaissance de la bonne ou de
la mauvaise qualite du produit, prestige social, effets de modes,
etc.
Le lecteur "motive" est celui qui a l'intention d'acheter et
qui s'interesse d'emblee a toute publicite concernant l'objet de
son desir. Dans ce cas, la premiere mission de la publicite est
accomplie sans grande peine car elle sera lue. Reste en incognito
les repercussions de cette lecture. Mais, plus la publicite est objective
plus elle a des chances d' etre lue car les lecteurs motives
"consultent" les publicites afin d'y trouver Ie plus grand nombre
de details possibles et toutes les references au prix, aux fonctions
et a la composition du produit les interessent passionnement. Ce
sont donc les publicites it dominante descriptive qui leur plaisent
Ie plus. Nous sommes convaincue que la persuasion et la description
sont plus importantes que la seduction quand on fait appel au
caract ere informatif de la publicite.
Le lecteur "spontane" s' interesse a tout, il est volontairement
lecteur. Illit les publicites par plaisir, pour les critiquer, les admirer,
s'informer, passer Ie temps ... Mais s'interessera-t-il au produit?
Ceci ne depend pas que de la public.ite (voir supra). En tout cas,
la lecture pourra eveiller chez lui l' esprit de consommateur, par
un processus de seduction ou de persuasion. Mais ceci ne nous
concerne pas directement en tant que professeurs de langues.
En quoi ces profils des lecteurs definis plus haut nous
interessent-ils en tant que professeurs? Or, si l'on s'arrete un peu
sur la question et que l' on observe ce qui se passe en salle de
classe, on se rendra bien compte de l' absence des marques
distinctives dans Ie profil des lecteurs "eleves". D' emblee ils doivent
tout lire, la publicite ne les incitera pas a la lecture. Elle pourra les
seduire mais non pas de la meme fayon que dans les cas cites
auparavant. Toutefois les professeurs peuvent jouer sur d'autres
mecanismes de seduction qui ne seront plus ceux du "guet-apens"
pour les contraindre it lire. On constate que les etudiants en situation
de salle de c1asse ne se situent pas dans les categories des lecteurs
du monde reel, mais dans une categorie differenciee, que I' on
nommera lecteurs "convies".
Nous tenons a rappeler que meme si on enleve a la publicite
sa mission de se faire lire, la seduction continue it exister dans
d'autres termes et conditions. C'est grace quoi les professeurs
parviendront
motiver leurs apprenants pour la lecture de textes
publicitaires. Mais on ne saura jamais si les etudiants, en tant que
lecteurs autonomes, feuilletant un periodique quelconque, auraient
choisi spontanement la meme pubIicite que Ie professeur. Autrement
dit l'autonomie du lecteur n'y est plus car en situation didactique
Ie professeur est l'intermediaire entre Ie monde reel et la salle de
c1asse. Ce qu'il apporte en cours c'est une "tranche" du monde.
Grande responsabilite que de choisir cette tranche! Ne serait-il
pas preferable de faire feuilleter des periodiques en classe pour
que les etudiants eux-memes choisissent les publicites? C'est une
experience a tenter, tout en sachant qu' on risquerait toujours de
privilegier un lecteur au detriment des autres vu qu'il est difficile
de plaire a vingt ou trente individus a la fois. En tout cas, si Ie
professeur continue a choisir lui-meme les publicites il a interet it
Ie faire tres soigneusement et a contraler "I' instinct de grammairien"
qui parfois peut nuire it la reussite pedagogique.
La deuxieme difference entre les autres lecteurs et Ie lecteur
"convie" cone erne Ie choix du texte publicitaire. Le texte it
dominante descriptive qui serait susceptible d'attirer Ie lecteur
"motive", engagerait moins Ie lecteur "convie"
moins qu'il n'y
ait cOIncidence entre Ie choix du professeur et la motivation
intrinseque de I' apprenant.
Nous avons fait, plus haut, reference au caract ere informatif
de la publicite. Parfois elle semble viser uniquement a informer en
masquant son objectif majeur, qui est de faire acheter. Ceci est
frequent dans les publicites de marque (pour divulguer une marque
et non Ie produit) ou il s'agit plutat de faire connaltre un nom, un
embleme, etc.
Un autre phenomene observable est I' engendrement d'un
reseau publicitaire consequent, c' est-a-dire qui depasse la pub Iicite
en elle-meme, lorsqu'un lecteur devient it son tour "I'annonceur"
a
a
a
inconscient d'un produit ou d'une marque. Apres avoir lu la publicite,
il peut la commenter avec d'autres personnes et meme conseiller
Ie produit en question. Dans ce cas, il ne sera pas l'acheteur mais
pourra eveiller chez quelqu'un d'autre Ie desir de s'informer sur Ie
produit, et done d'acheter.
Nous pourrons egalement exploiter ce phenomene en
didactique des langues, en demandant a un etudiant de devenir
"lecteur-annonceur". Bien sur, ceci se fera plus aisement dans les
cours de conversation et dans l'enseignement du Fran~ais langue
de communication.
Les professeurs essaient de seduire leurs eleves avec des
publicites qui sont a leur tour construites dans ce but, ainsi les
annonceurs facilitent la tache selective des maitres. Cependant,
les professeurs doivent analyser et choisir les publicites avec rigueur
car il y en a de bonnes et de mauvaises. II faut aussi tenir compte
de leur rentabilite en tant qu'outil pedagogique. A cet egard, les
bonnes publicites-recits sont tres utiles car elles font appel a une
formule consacree dans la litterature mondiale. Grace a sa structure
discursive universaliste Ie recit constitue un moyen pratique
d' atteindre tout public car depuis toujours on aime raconter et
ecouter des histoires.
La pub-recit s' oppose ala "publicite allegee", qui se compose
d'un bref slogan et d'une image. La premiere etant moins directe
que la seconde, nous l'avions crue, au depart, moins efficace et
moins utilisee. Pourtant, en lisant des periodiques fran~ais nous
avons remarque que son occurrence etait assez frequente. C'est
pourquoi nous nous sommes interessee a ce genre de publicite et
avons decide d' en constituer un petit corpus en vue d'une application
pedagogique dans les cours du fran~ais langue de specialite (FLS).
Ainsi, nous avons recueilli les quatre-vingts publicites qui compo sent
Ie corpus de ce travail dans Le Nouvel Observateur et Le Point.
Soucieux de plaire aux etudiants et de les motiver, nous avons
soumis ce corpus a leur appreciation par un questionnaire de
sondage, qui prevoyait Ie choix de deux publicites au moins par
personne (CF. annexes). Ceci naus a permis de faire un tri des
annonces retenues pour l' elaboration du materiel didactique des
cours du FLS. Cependant, ces publicites n' ont pas ete les seules
qui ont ete etudiees en classe car nous aviQns prevu au depart de
travailler aussi des textes publicitaires a dominante descriptive et
argumentative.
Ce materiel a ete utilise dans les Cours de Lettres de l'UFPE
avec les etudiants de FLS au premier semestre 1992, et les premiers
resultats ont ete tres satisfaisants etant donne que:
- au bout de quatre mois les etudiants ont ete capables de passer
du texte publicitaire au texte de specialite;
- d'autres professeurs ont voulu tenter l'experience introduisant,
eux aussi, Ie texte publicitaire dans leurs classes.
- et pour en conclure, un groupe d'etudes s'est forme a partir de
.
.
ces premIers eSSaIs.
Dans les pages qui suivent on trouvera l' esquisse d'une
typologie de la pub-recit dont les exemples tiennent compte du
choix des etudiants car ils ont ete extraits de leurs reponses au
questionnaire de sondage.
D'autre part, cet echantillonnage ne tient compte que d'un
critere de classement du discours narratif: la nature de l'histore
racontee. Les modes d' organisation de ce discours (composantes
de la logique narrative, les pro cedes de la configuration de la logique
narrative) feront l'objet d'un autre travail.
Selon CHARAUDEAU (1992: 712/13) "raconter represente
une quete constante et infinie ... c'est aussi construire un univers
de representation des actions humaines
travers un double
imaginaire qui repose sur deux types de croyances concernant Ie
monde, I' etre humain et la verite".
Les publicites etudiees racontent justement Ie moment de la
rencontre entre l'objet magique d'une quete (produit/services) et
Ie protagoniste (qui represente Ie consommateur/lecteur).
Les
croyances et les actions humaines rencontrees dans les recits
publicitaires ont ete classees dans notre travail en huit categories
inspirees de BRONCKART (1985: 138-144): recit d'aventures,
recit de vie, recit historique/culturel, recit technique, recit setimental,
recit d' actualite, recit oralise ou discours en situation, recit
temoignage/voyages.
a
ECHANTILLONNAGE*
DU CORPUS RECUEILLI DANS LE
NOUVEL OBSERVATEUR, LE POINT, entre 1987-1991.
Le fantastique et Ie merveilleux y sont mis en evidence. Le
heros est engendre par Ie produit, il en est Ie beneficiaire; au alors,
Ie heros est Ie produit lui-meme.
Ce type de texte est apparu dans une sene de publicites Rolex,
Rothamns et Basic Homme de Vichy, etc.
"A la recherche du temps perdu".
"L'aquanaute Sylvia Earle 5000 h. sous les mers".
" L'aventure it fleur de peau"
- la seduction
- l' aventure
- Ie combat
"La haute securite sous taus les soleils - Quand un
ecran anti-solaire affronte I'Everest."
*
Pour simplifier eet eehantilionnage, nous ne donnons que les titres des publicites
( entre guilhemets), e'est it dire les slogans d'afiiehe et les slogans de marque.
Focalise les grands personnages du monde artistique, litteraire,
politi que, historique, sportif, des affaires, etc.
Parfois on trouve d'''illustres inconnus" jouant Ie role d'un grand
personnage qui conseille Ie produit.
"Le futur en mouvement.
realiste" .
"I:e futur en mouvement.
hedoniste" .
"Le futur en mouvement.
specialiste" .
Auto portrait
d'un
Auto portrait
d'un
Auto portrait
d'un
L'Histoire d'un peuple y est mise en valeur pour montrer
que Ie produit, ainsi que l'histoire, est eternel. II y a l'appel it la
tradition, aux valeurs culturelles. L'aventure vient parfois s'y meler.
_ Office du Tourisme du Canton de Vaud : LeNouvel
Observateur: "Au pays des horloges, Ie temps s'est arrete."
"Grece l'elue des Dieux.- Le souffle d'Eole"
"Grece l'elue des Dieux.- Ulysse rei d'Ithaque"
Le produit y est Ie catalyseur des evenements. Mais
c'est sans doute l'appel aux sentiments de l'interlocuteur qui
predomine.
"Conyu pour affronter les tempetes de sable, Ie
blizzard et meme les coups de foudre."
"Ce n' est pas parce qu' on a des enfants que l' on
doit avoir une voiture de pere et mere."
"Ii y a des hommes
vivent."
qui friment
d' autres
qUI
C' est Ie recit de la creation ou de l' evolution d'un produit
dont on vante les performances. Parfois, Ie recit d'une autre
technique sert de pretexte au recit du produit (Cf. Jack Daniel's).
Dans d' autres cas, Ie romantisme y est mele, mais Ie recit sentimental
se fait tout de suite suivre de la description technique.
-" Notre barbier est inlassable au sujet de notre
Whiskey. Mais attention, il taille en parlant."
-"Le temps a adouci nos montagnes. Imaginez ce qu'il
fait pour notre whiskey."
"Experts en la matiere."
_ Wolkswagen - Corrado :Le Nouvel Observateur: 1990
Cornrne dans Ie modele precedent, il y a de la description,
mais Ii tres faible pourcentage. On y fait appel a l' actualite et a
l'engagement du lecteur vis-a.-vis des problemes qui Ie touchent
ou qui pourraient Ie toucher.
Observateur: 1990
"Le vent d'Est"
_ Le Monde - Bilan economique et social 1990.: Le Nouvel
Observateur : 1991
Le
Monde - Dossiers
Observateur: 1991
et
documents
II s'agit souvent d'un dialogue OUl'interlocuteur qui
parle Ie plus est ce1ui qui est charge de narrer lees) evenement(s).
En realite, c' est une publicite qui cherche it engager Ie public comme
personnage de la conversation. Ce qui est vraiment bien fait dans
ce genre de publicite, c'est la cohesion/coherence
entre Ie
linguistique et Ie pictographique.
L'image (la photo) a une place preponderante, illui
ressortit la conclusion ou la cloture du recit. Ceci va de pair avec
Ie produit annonce: un appareil de photo. Le produit joue Ie role
du catalyseur ou mediateur car c~est grace it lui que l' agent peut
combler un besoin, en OCCurrC'"lcecelui d'eterniser (representer)
tine tranche de vie, une situatIOn, un moment, etc.
"Voir et emouvoir: Un ange passe ..."
_ Canon - EOS 1000 : Le Nouvel Observateur: 1991
En guise d' orientation, la publicite presente un petit resume
culturel touchant les sujets engages dans Ie recit. Elle se presente
sous forme de lettre.
"Vos meilleurs souvenirs vous yattendent".
(Florence)
"Vos meilleurs
(Sandrine)
souvenirs
vous
y attendent"
"Vos meilleurs
(Charles)
souvenirs
vous
y attendent"
a
Nous ajouterons ce bref expose quelques details importants.
Tout d'abord, nous n'avons pas commence les cours avec Ie materiel
choisi par les etudiants. Au depart, nous avons travaille cinq
publicites descriptives faciles, que nous avions choisies nous-memes
et dont Ie texte etait redondant par rapport it l'image.
D' autre part, Ie materiel de l' etudiant a ete classe selon les
difficultes des textes publicitaires retenus. Autrement dit, il y a eu
une progression textuelle (non pas grammaticale) en partant du
texte plus transparent pour arriver au plus complexe. Dans cette
demarche l'iconique jouait un role decisif dans la selection des
annonces d'autant plus que la plupart des etudiants les avait choisies
d'apres leurs photos, dessins, couleurs, etc.
Enthousiasmes avec les bons resultats de l'experience
quelques collegues ont decide de continuer la recherche et de faire
une etude sociolinguistique contrastive de la publicite dans sept
pays groupes paridiomes differents: anglais (Angleterre/Etats-Unis),
espagnol (Espagne/Argentine), franc;ais(France/Canada), portugais
(Bresil). Cette nouvelle analyse vise it mettre en relief les aspects
ideologiques de la publicite.
Nous avons forme un groupe de recherche compose de huit
professeurs de langues de l'VER DE LETTRES et un professeur
de Communication sociale (publicite et propagande) de notre
Universite. Les etudiants y participent activement dans la formation
du corpus et dans certaines phases de l'analyse linguistique du
materiel selectionne. Les premieres demarches pour cetravail de
recherche interdisciplinaire ont ete effectuees en juin 1992.
Chaque professeur de langue de specialite travaille dans ses
cours les textes publicitaires choisis et analyses par Ie groupe de
chercheurs (les etudiants y compris).
CHARAUDEAU, P. Grammaire du sens et de l'expression, Paris:
Hachette, 1992.
BRONCKART, J.-P., Le jonctionnement des discours, Neuchatel,
Paris: De1achaux & Niestle, 1985.
QUESTIONNAIRE DE SONDAGE
PROPOSITIONS PEDAGOGIQUES:
L'UTILISATION
D'UNE PUBLICITE EN FLS
Le nouvel Observateur
Le Point
nO 13--' date:
n° --'
date:
/
/
/19
/19
.
.
2-Produit:
( ) un objet:
( ) un immeuble:
( ) des services:
( ) une institution:
( ) un etablissement:
( ) un evenement:
( ) un personnage:
( ) un aliment:
() autre:
3-La marque:
a)connue ( ); b)pas connue ( )
5-Raisons de votre choix:
() la photo;
( ) les images;
( ) Ie produit;
( ) la marque;
( ) la qualite de la pub;
( ) Ie sujet;
( ) les couleurs;
( ) Ie message;
( )inten:;t personnel (vous avez l'intention
d' acheter
produit, vous faites un sondage de prix, marques, etc)
() autre:
6-Le texte de cette publicite est:
( ) facile;
Ie
(
(
(
(
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
)
)
)
)
7-Le
()
()
()
()
()
()
()
()
()
pas facile;
tres facile;
drole;
ennuyeux;
engageant;
redondant;
superflu;
complementaire (par rapport aux images);
autre:
slogan de cette publicite est:
facile it comprendre;
difficile it comprendre;
tres facile it comprendre;
drole;
ennuyeux;
mauvais;
bon;
engageant;
autre:
8-Les images visuelles (photos, tableaux, etc) de cette pub sont:
( ) tres significatives;
( ) attirantes;
( ) indispensables;
( ) superflues mais belles;
( ) superflues et laides;
( ) complementaires (par rapport au texte);
( ) redondantes;
( ) inutiles;
( ) autre:
9-Ce type de publicite vous est familier,
( ) oui;
( ) non;
( ) plus au moins;
( ) autre:
10-Qui parle dans cette pub?
( ) un (des) personnage(s) ( ) Ie produit;
( ) Ie publicitaire;
( ) la marque;
( ) Ie producteur;
( ) autre:
CONDUITE PEDAGOGIQUE
La conduite pedagogique est sans doute ce qu'il y a de plus
important pour Ie succes de toute pedagogie. Dans notre cas, nous
considerons qu'il faut proceder a une lecture interactive des
publicites. Les professeurs doivent offrir aux etudiants l'occasion
de s'exprimer a propos des documents publicitaires choisis.
Nous conseillons de commencer par distribuer les photocopies
de la publicite. Si elles sont en noir et blanc, l' enseignant montrera
l' original (en couleur) aux etudiants.
Ensuite les eleves s' expriment librement a propos de ce qu' ils
voient en formulant des phrases qui peuvent etre aussi bien en
langue cible qu' en langue matemelle. Le professeur ecrit les phrases
au tableau et les traduit en franc;:aisau besoin. C'est la phase de
preparation de la lecture ou I' etudiant peuple Ie texte de son vecu.
II collabore a Ia formulation d'hypotheses de lecture en donnant
son avis qui est construit avec ses experience et ses connaissances,
se posant ainsi en tant qu'individu au sein d'une petite communaute.
D'une maniere generale, ce que la c1asse dit propos du texte est
plus au moins confirme lors d'une lecture minutieuse. C' est
I'interaction des etudiants et du professeur avec Ie texte qui aboutit
a la formulation du sens.
a
MITSUBISHI
PAJERO
Con~u pour affronter les tempetes de sable, Ie blizzard
et meme les coups de foudre.
),
MITSUBISHI
MOTORS
I-Source Publicitaire:
( ) revue, periodique:
( ) journal:
( ) television:
( ) autre:
2-Produit:
( ) un objet:
( ) un immeuble:
( ) des services:
( ) une institution:
( ) un etablissement:
( ) un evenement:
( ) un personnage:
( ) un aliment:
( ) autre:
Combien de fois apparalt-il dans la pub?
(
(
(
(
)
)
)
)
()
()
()
()
la couche moyenne de la societe;
les riches;
les pauvres;
I' aristocratie
(
(
(
(
les
les
les
les
()
()
()
()
intellectuels;
etudiants;
travailleurs;
politiciens;
)
)
)
)
les enfants;
les jeunes;
les adultes;
Ie troisieme age;
les sportifs;
Ies religieux;
les voyageurs;
autre:
IO-Identifiez Ie cadre spatio-geographique:
a) paysage d'interieur ( );Ie plein air, Ia nature ( ).
b) la mer( ); la montagne( ); la route;( ) Ie desert; autre:
10) Observez Ie commencement des phrases et clites quels pronoms
representent les personnages de cette histoire.
( ) cela, ils; ( )iI, lui, elle; ( ) Iui, elle; ( )il, eIle; ils, iI, Iui, elle O.
12-Leurs actions sont:
( ) successives; alternees( ); croisees( )
13-Qui parle dans cette pub?
a)Forme grammaticale:
( ) Je
( ) nous
( ) Locuteur efface
b)Representations du locuteur:
( ) un (des) personnage( s) ( ) Ie produit;
( ) Ie publicitaire-narrateur(
) la marque;
( ) Ie producteur;
( ) autre:
14-Numerotez la premiere colonne selon la deuxieme:
( )Un homme attendait une femme;
( )Elle etait en retard;
( )Et puis elle etait arrivee;
( )Il se sentait fragile;
( )Il est confronte a la passion (Ie coup de foudre);
( )Elle s' assit a cote de lui;
()Il sent it que cette histoire-Ia ne serait, enfin, plus une aventure
1234-
Presence de la femme;
Absence de la femme ;
Action de la femme;
Permanence future de la femme.
15-Le texte de cette publicite est a dominante:
( ) descriptive
( ) narrative
( ) argumentative
DEPOIMENTOS JUDICIAIS:
TRANSFORMACOES ORGANIZACIONAIS E
TRANSFORMACOES INTERPRETATIVAS NO
NIVEL DA TEXTUALIDADE
Este artigo pretende estabelecer distinyoes e exemplificar
transformayoes organizacionais e transformayoes interpretativas.
Essas transformayoes sac processadas na passagem do oral para
escrito, durante a tomada de depoimento, na justiya brasileira.
Os exemplos aqui apresentados foram coletados durante
audiencias de instruyaO e julgamento autenticas, na justiya
pernambucana.
A aSSeryaO da justiya de que "0 documento da audiencia
nao registar a totalidade do depoimento prestado mas apenas 0
essencial, e tern par lei 0 dever de ser fiel a tudo que foi dito"
permite a inferencia de que 0 principio de fidelidade e 0 principio
de essencialidade orientam 0 registro no documento da audiencia.
Portanto, os dois principios devem ser adotados como criterios
para a analise da textualiadade no registro dos depoimentos judiciais.
Sera denominado "texto-depoimento" a produyao verbal
decorrente da interayao verbal entre 0 juiz e 0 depoente durante a
tomada de depoimento e "texto-documento" 0 ditado que 0 juiz
faz para que 0 escrevente transforme em documento 0 depoimento
prestado. Na tomada de depoimentos, do ponto de vista interativo,
o juiz atua como figura central - mediador de todos os atos de fala
praticados.
o principio de fidelidade supoe que haja equivalencia entre
o texto-depoimenlQ e 0 texto-documento, por essa razao os criterios
que orientam a observancia de tal principio devem respeitar as
181
condiyoes de: itens lexicais identicos, mesmo referente, sin6nimos,
palavras afins e mesmo campo semantico. Quanto ao principia de
essencialidade, a observancia e bem mais complexa. Por se tratar
de relayoes de equivalencia entre textos, nao se pode perder de
vista que uma das propriedades do texto e 0 fato de esse apresentar
possibilidades de parafrase diferentes da frase. Com isso, 0 texto
tern a possibilidade
de reduyao ate 0 resume minimo,
consequentemente 0 principia de essencialidade assume caniter
subjetivo ao juiz e a seus processos de percepc;ao, no papel de
mediador.
Para LURIA (1990:37), a percepyao envolve complexas
atividades de orientayao, uma estrutura probalistica, uma analise
e sintese dos aspectos percebidos e urn processo de tomada de
decisao. A percepc;ao e urn processo complexo que depende de
prilticas humanas historicamente estabelecidas.
o texto-documento, do ponto de vista da asserc;ao dajustiya,
e uma mera panifrase do texto-depoimento. Sao func;oes da
parafrase, entre outras, selecionar, enfatizar ou relegar urn ou outro
aspecto dos enunciados a segundo plano (atividade interpretativa);
mas, no caso da tessitura do texto-documento,
hit urn
redimensionamento do depoimento prestado. Por essa razao,
preferimos adotar 0 conceito de tradu~ao intralingual
ou
reformula~ao
proposto por JAKOBSON (1988:63-72) pela
abrangencia das interferencias praticadas no texto. Pelo fato de
haver mediac;ao, num contexto altamente institucionalizado, 0
processamento do texto-documento extrapola a nOyao de parafrase
e a tradu~ao da linguagem coloquial cotidiana para 0 jargao juridico
passa a ser irrelevante, diante da possibilidade de alterac;oes no
conteudo das mensagens.
No plano do conteudo, os fen6menos possiveis de ocorrer,
na passagem do texto-depoimento
para 0 texto-documento,
integram urn continuo que estende-se da equivalencia ao contraste.
Tais fen6menos manifestam-se, no nivel textual, em: repetiyao,
quase-repetic;ao, panifrase, circunl6quio, reformulayao, ratificacao,
infirmayao ou tradu~ao intralingual.
As relayoes estabelecidas entre os textos, observando 0 nivel
interfrastico e intertextual , foram analisadas a partir da unidade
consignada.
Institui-se 0 termo unidade consignada
para
182
denominar a parcela do evento tomada de depoimento que culmina
com a consigna.;ao - ato do juiz ditar ao escrevente 0 que deve
constar nos autos. A demarca~ao da unidade de analise (unidade
consignada) e decorrente de altera<;5es na intera~ao pragmatica
dos individuos que produzem ou recebem 0 texto. Cada vez que
o juiz interrompe a estrutura discursiva dialogada, algumas vezes
produzindo cortes sintaticos, e inicia a consigna<;ao do depoimento,
deve indicar que a intera~ao propiciou uma quantidade de
informa~ao significativa para ser documentada.
o registro dos dados seguiu 0 modelo de transcri~ao proposto
pela Analise da Conversa<;ao - uma sequencia cronol6gica
(MARCDSCill, 1986). Mas, como a finalidade da analise e 0 cotejo
entre dois textos imbricados na estrutura do evento tomada de
depoimento e as possiveis transforma<;5es processadas, 0 textodepoimento e 0 texto-documento fcram colocados em disposiyao
paralela no construto denominado unidade consignada.
Considerando 0 axioma da justiya "0 que nao consta nos
autos, nao exjste no nlundo", 0 ponto de partida da analise teria
que ser 0 texto-documento. Outro fator que orienta tal decisao
metodol6gica e que as analises linguisticas de textos empiricos
devem proceder retroativamente, visto que sac urn processo
emergente, onde, na oralidade, a maioria dos referentes se situa
anaforicamente.
A classifica<;ao das transformay5es processadas na passagem
do texto-depoimento para 0 texto-documento deve considerar a
observancia ou inobservancia dos principios de fidelidade e
essencialidade, fornecidos pela instituiyao juridica. Em principio,
em toda transforma<;ao esta implicito 0 processo de interpretayao,
de reformulayao de urn texto original mente produzido. 0 textodocumento e a editora<;ao monologada - uma versao em segunda
gerayao - de urn texto dialogado produzido coletivamente
(TAI'>JNEN, 1989).
A analise dos dados evidenciou duas categorias basicas de
transforma<;5es. 0 primeiro conjunto de transfcrmayoes, do ponto
de vista da equivalencia semantica, preserva 0 principio de
183
fidelidade. Sao referencias ou substituic;oes lexicas que observam
o mesmo campo semantico, 0 mesmo referente, sac sinonimos o'u
palavras afins. Sao transformac;oes fundadas nos processos de
organiza~iio da textualidade.
a segundo conjunto de transformac;oes refere-se ao principio
de essencialidade. Esse tipo de transformac;ao nao permite
parametros de equivalencia entre os enunciados manifestos. Sao
transformac;oes que dependem dos processos de percepC;ao do juiz,
que envolvem estruturas cognitivas: complexas atividades de
orientac;ao (estilos de processamento, organizac;ao da memoria,
estruturac;ao lexica), estrutura probalistica, analise e sintese dos
aspectos percebidos e urn processo de tomada de decisao. Sao
transformac;oes fundadas nos processos de administra~iio
da
textualidade e decorrem de decisoes interpretativas.
As transformac;oes do primeiro conjunto foram denominadas
organizacionais. Via de regra, ocorrem por efeito ou conseqi.H~ncia
das condic;oes de produc;ao - fat ores constitutivos do evento
"tomada de depoimento". As alterac;oes processadas no textodepoimento permitem parametros de equivalencia com 0 textodocumento, a partir do cotejo dos enunciados manifestos. Na sua
maioria, as transformac;oes decorrem da mediac;ao e nao modificam
o depoimento prestado em seu conteudo informacional.
As transformac;oes organizacionais podem ser agrupadas
em tres subcategorias, tomando-se'como criterio as condic;oes de
produC;ao textual.
a primeiro subconjunto reune fenomenos que dizem respeito
do estilo conversacional oral para 0 estilo escrito, em
decorrencia da mudanc;a na modalidade da lingua. A seguir: a amissao de caracteristicas
da fala - eliminaC;ao de marcas
estritamente
interacionais
(marcadores
conversacionais
e
hesitac;oes),
apagamento
de repetiyoes,
redundancias
e
autocorrec;oes.
Exs: 1.
(oo)
2. ah: eh:
a passagem
ne
b - Especificavoes de referentes - substituivao de itens lexicais
esclarecidos pela situavao interativa face a face por itens lexicais
que especificam os referentes em relava9 ao processo juridico,
sem deixar duvidas quanta a individuos envolvidos (pro nome passa
a nome) e deiticos de lugar e tempo.
Exs: 1. eu estava - que 0 depoente estava
2. Ili - nas proximidades do local da ocorrencia
3. que ele nao estava armado nao - 0 acusado fulano.estava
desarmado
4. ele chegou mais cedo (.) na faxa de sete e meia
pra oito hora - chegou por volta das dezenove e trinta
c - 0 texto-documento recebe tratamento estilistico com selevao
de lexico e da estrutura sintatica, num percurso do menos para 0
mais formal. Em alguns casos, 0 juiz preserva expressoes e palavras
do jargao do depoente, recorrendo as aspas.
Exs: 1. na (.) naquela agitavao toda (.) eu me sai -> retirando-se
dali quando viu a confusao
2. texto-depoimento
ai foi ele quem disse assim "que isso rapaz vai atira no
caba (.) 0 cara ta no chao quase morto (.) antes de atira
nele voce tern que vim me mata" ai foi quando pegou na
mao dele levantou( ...)
3. texto-documento:
que interferiu dizendo (..) interferiu dizendo (oo) "que e isso
rapaz? Vai atirar em urn homem que esta quase morto? antes
de atirar nele (..) tern de atirar em mim primeiro"
Outro subconjunto das transforma~oes organizacionais
reune fenomenos que dizem respeito a passagem de estrutura~ao
discursiva dialogada para a estrutura monologada, relativos aos
processos de interavao.
d - Dialogo passa a mon610go - na estruturayao do textodocumento, M 0 apagamento sistematico das perguntas feitas pelo
juiz ao depoente. Na interayao estabelecida no texto-depoimento,
a pergunta que orienta a resposta e a tessitura textual. Algumas
vezes, na pergunta do juiz que encontra-se a equivalencia para
informayoes inseridas no texto-documento.
e
e
Exs: J - qual 0 tipo de amizade que 0 senhor tern com 0 acusado
fulano?
D - vizinho
texto-documento
que (.) a amizade (.) do depoente com 0 acusado fulano( ...) e
porque 0 mesmo acusado e seu vizinho.
e - Estrutura conversacional passa a estrutura narrativa/relato - a
interayao it distancia, estabelecida pelo texto-documento, exige
que 0 texto receba urn tratamento estilistico no qual as construyoes
sintaticas em discurso direto passem para discurso indireto. 0
fenomeno ocorre em todas as unidades consignadas.
A estruturayao da coesao e mais condensada para a escrita;
conseqiientemente, 0 texto-documento recebe diferenciayao no
encadeamento sintatico dos t6picos. Os fenomenos que dizem
respeito it reordenayao t6pica integram urn subconjunto que
estabelece 0 limiar entre as transformayoes organizacionais e as
transformayoes interpretativas. Sua inseryao no conjunto das
transformayoes organizacionais decorre da presenya de evidencias
textuais no depoimento que propiciam sua realizayao.
f - Enunciados justapostos, parataticos ou na9s'passam a enunciados
coordenados ou subordinados - esse fenomeno decorre, algumas
vezes, do apagamento das perguntas; os enunciados produzidos
pelo depoente tern referencia na adjacencia pergunta-resposta. Alem
disso, a inseryao dos conectores no texto-documento estabelece
relayoes entre os conteudos que produzem urn sentido na totalidade
textual, tais como: causa e efeito que nao haviam sido registrados
na fala do depoente, no texto-depoimento.
g - A1tera~ao na ordern das informa~oes - e urn fenorneno que
pertence ao conjunto das transforrna~oes organizacionais,
considerando que os enunciados reordenados estao presentes no
texto produzido pelo depoente; por outro lado, po de representar
urna interferencia interpretativa se a altera9ao na ordern dos t6picos
irnplicar altera~ao no sentido da totalidade textual.
A uc 1, a seguir, traz exs. de transforrna~oes organizacionais
do tipo (f) e (g).
1. - J -
0
senhor assistiu a esse crime?
2. - D - nao
3.
eu estava
que
4.
hi
nas proximidadcs
5.
6.
ne (.)
0
depocnte cstava
do local da
ocorrencia
mas nao VIU (.) quando
0
CRIme
foi praticado (... )
7.
assisti ah: eh: s6
0
tumulto
«pigarro»
8.• J -como e?
9. - D - vi s6a::
10.• J - viu s6
11. - D -s6
0
0
tumulto
tumuito?
* que
0
dcpocntc (.) viu apcnas
0
tumulto
A inforrna~ao da linha 6 (nao) tem item lexical identico na
linha 2. Realiza-se uma reordena~ao t6pica do depoimento prestado.
o operador argumentativo - "mas" - em seu campo semantico,
contem a ideia de contraste. E uma estrategia de rela~ao
(GUIMARAES.
1987) que orienta a argumenta~ao para a
interpreta~ao de que 0 enunciado que a antepoe e incompativel
com a assertiva que 0 pospoe ou vice-versa. SegundQDUBOIS
(apud: ROBIN, 1977: 186- 187), quando a ordem das proposieoes
e transformada ou suprimida, constitui-se um novo discurso, visto
que a ordem das proposic;oes e considerada essencial para evidenciar
o modele l6gico subjacente ao discurso. A informac;ao da linha 6,
introguzida pelo "mas", e uma reiteraeao do item lexical identico
da linha 2 (nao), que e responsive a linha 1 - pergunta do juiz. E
na pergunta que encontraremos a equivalencia para 0 conteudo
informacional da linha 6, 0 "nao" assinala apenas 0 tipo de
declarativa.
A enfase entoacional dada ao VIU (.) e indicador de
perspectivas conflitantes. Corrobora 0 contraste introduzido na
estrutura sintatica adversativa. Pode-se supor que 0 modelo l6gico
subjacente ao enunciado do juiz e diverso daquele do depoente.
Talvez, do ponto de vista do juiz, na perspectiva da l6gica das
aeoes, nao seja possivel que 0 individuo esteja presente ao local
de urn crime e nao tenha assistido a ele.
Para entender a complexidade das construc;oes sintaticosemanticas no processo de progressao textual da consignac;ao, sera
necessario recorrer a referencia extratextual, sendo 0 depoimento
analisado produzido por uma testemunha de defesa, e usual que
os advogados instruam as testemunhas a prestar informae6es
convenientes a causa que advogam. Os juizes tem que ter a
habilidade de, mesmo tendo outras informae6es acerca dos conflitos,
restringirem-se as informaeoes prestadas de viva-voz pelos
depoentes. Para tal, recorrem a estrategias discursivas diversas.
Ainda na linha 6, a estrutura argumentativa e integrada pela
introdueao de "quando ...foi praticado", uma circunstancia temporal.
E uma refen§ncia situacional (extratextual). A referencia tem a
funeao de construir a progressao textual na me sma orientac;ao
argumentativa, visto que sup6e valores cognitivos subjacentes.
A substituieao do verbo "assistir" (linha 1) pelo verbo "ver",
na sucessao de enunciados do texto 1, foi produzida pelo depoente
na linha 9. Aderir ao mesmo item lexical e incorporar it sua fala 0
termo introduzido pelo depoente e uma estrategia discursiva que
observa a principia de fidelidade. Mas os sinonimos, segundo
COLLINSON (1939), tem diferencas. Ha uma gradacao semantica
entre "assistir" e "ver".
A elevayao da voz, ao proferir VIU, denota maior tensao no
discurso do juiz e estabelece a marca dada pelo falante a seu
enunciado. Na escala semantica, assistir e urn verbo de abrangencia
mais geral que ver. 0 verbo "ver" subentende 0 uso da faculdade
sensitiva do falante. No contexto juridico, assistir e urn termo mais
profissional que ver, e utilizado sistematicamente na pergunta
generica.
o segundo conjunto de transformayoes recebeu a
denominayao interpretativas pela ausencia de evidencias textuais
no seu processamento-sao
subjetivas. Estas transformayoes
decorrem da percepyao e interpretayao do juiz, a partir do que e
considerado "essencial". Alem da seleyao do materiallinguistico
produzido pelo depoente, essa categoria de transformayao produz
a tessitura da unidade textual na medida que introduz elementos
conectores,
tais como juntores temporais
e operadores
argumentativos. Mesmo que haja equivalencia (no plano conteudo)
dos enunciados do texto-depoimento com os do texto-documento,
a inseryao de uma serie de climsulas narrativas ordenadas numa
sequencia temporal, dependentes de urn indicador da ac;ao mais
reportilVel encadeando os outros epis6dios narrados, realiza
operayoes argumentativas. Nessa categoria foram incluidos
processamentos no texto que alteram 0 depoimento prestado, tais
como: supressao e inserc;ao de informac;ao, inferencias, induc;ao e
organizac;ao da argumentac;ao.
Ex.: 21. D - e voltou e pediu desculpas
45. entao quando ele bateu () ele voltou e pediu desculpa (.)
se a medida que a testemunha de defesa tenta introduzir informa90es
que dao uma imagem positiva do acusado, como as apresentadas
no exemplo acima. A omissao dessas informa90es e urna estrategia
utilizada pelo juiz, talvez para "neutralizar" as instruyoes dadas
pelos advogados as testemunhas arroladas.
Para exemplifica-Ia sera necessario observar toda a unidade
consignada (ue 4) em que ocorre, assim como remeter a analise
na totalidade textual. A seguir:
50.·J •
51.
52.
53.·D·
Fulano ((acusado)) ja estava armado
com 0 gargalo de garrafa quando come~u
a apanhar dos/da vitima e dos companheiros dela?
nao (0) assim me falaram
que (0) segundo informaram ainda ao
depoenle (0)
54.
que ele nao estava armado nao
55.· J.
sim
56 .• D· juslamenle quando comec;aram a espancar
58.
59.
a::: unica coisa que ele tinha em maos foi
01 realmenle foi a garrafa que ja tinha se
60.
61.
quebrado
62.·J • quanlos golpes Fulano deu na vilima (0) Cicrano?
63.·D· eu nao cheguei a va a cena nao
quando foi esPANcado pela Vitima e
seus companheiros (..oj
que 0 acusado (0) anle a ac;ao dos
seus agressores (0)
armou·se com urn gargalo
de garrafa
.
feriu a vitima.
item lexical "garrafa" introduzido pelo depoente na uc2
- "entao bateram numa garrafa" como urn objeto que havia se
quebrada e causado 0 desentendimento entre vitima e acusado.
Na uc 4, "garrafa" configura-se como arma do crime na pergunta
do juiz (linha 51). Na perspectiva das ayoes possiveis, a parte da
"garrafa" que pode ser apreendida por uma pessoa e 0 "gargalo"
e nao outro pedayo de vidro qualquer. Os autos do processo
registram 0 "gargalo da garrafa" como arma utilizada peIo-acusado.
Na falta do depoente (linhas 59 e 60) hil.:"garrafa que ja tinha se
quebrado" . A equivalencia decorre de referencia extratextual,
processo de inf~rencia a partir
ayoes possiveis, e nao no nivel
de textualidade.
No item anterior (a) das transformayoes interpretativas, foi
tratada a questao da supressao de informayao da seqUencia: "voltou
e pediu desculpas",
vinculada a praticas historicamente
estabelecidas. Os juizes sabem que os advogados instruem suas
testemunhas corn a finalidade de introduzir nos autos evidencias
que favoreyam a causa que advogam. Urn indicio de textos
memorizados e a repetiyao de duas informayoes na mesma
sequencia: "voltou e pediu desculpas" "comeyaram a espancar".
"espancamento"
enunciado pelo depoente como uma ayao
sofrida pelo acusado, apes 0 pedido de desculpas. Na perspectiva
da argumentayao que vem sendo construida no texto-documento,
o espancamento", que havia side registrado na uc 3 corn a expressao
"agredir fisicamente", propocia a inseryao da ayao praticada pelo
acusado: "0 acusado (.) ante a ayao dos seus agressores (.) armouse corn urn gargalo de garrafa e feriu a vitima".
A conclusao da estrutura argumentativa que vem sendo tecida
desde a uc 1 - uma imagem negativa do acusado, na perspectiva
do texto-documento - e posta na linha 61. No nivel do implicito,
a conclusao de que 0 acusado "feriu a vitima" uma inferencia
permitida a partir da fala do depoente. Mas, no nivel explicito, e
uma nao observancia do principio de fidelidade. E uma inseryao
de informayao nao proferida de viva-voz pelo depoente. Tanto e
que 0 depoente reage it pergunta da linha 62, negando 0 que acabara
de ser consignado. Mas 0 registro no documento permaneceu.
o
e
de
o
e
e
Do ponto de vista das estrategias discursivas do evento
tomada de depoimento, a pergunta da linha 62 e urn exemplo de
"cilada dialetica". Tal estrategia consiste em tentar obter
informay5es que estao sendo insistentemente negadas. Nesse caso,
a cilada nao atingiu 0 objetivo.
Considerando a natureza subjetiva das transformay5es
interpretativas, a deduyao pelo raciocinio e inerente a todos os
tipos. Entretanto, distingue-se supressao e inseryao de informayao
pela natureza da inter±encia processada no nivel da textualidade.
Denominou-se
"processo de inferencia"
ao tipo de
transformayao que ahera 0 conteudo da informayao a partir da
reduyao ou ampliayao do campo semantico em decorrencia de
substituiyao lexica. Observe, a seguir:
12. - J - ((virando-se para D))
13.
depois do crime passado (.)
14.
depois do crime
15.
qual foi 0 comenmrio feito na localidade?
16. - D - bem assim me falaram quel
17.
eu nem sei (.)
18.
eu nem lava lei ne
19.
enlSo bateram numa garrafa
20.
ele ((olhando para 0 acusado presente))
21.
e voltou e pediu desculpas
22.
enlSo (.) tres ou lalvez ate mais
23.
ai comec;aram a espancar
24. - J - espancar quem?
25. - D - Fulano ((acusado))
que segundo informa¢es dadas ao
depoente (.) atraves de terceiros (...)
por ter 0 acusado Fulano (.)
batido em uma garrafa
26. - J -sim
27. - D - enlSO ele tentou correr (.)
28.
mas 56 que tinha muila gente aquela agilac;ao toda (.) 561 •
29. - J - ((virando-se para D)) num e isso?
30. - D - foi sim
Tudo "come90u"(.) por ter "0 acusadofulano" {.)"batido em uma garrafa"
(1)
(2)
(3)
inexiste na fala do depoente. A utiliza~ao do hiperonimo "tudo"
constitui-se em outro tipo de estrategia, visto que se observa, no
universo de enunciados, a tendencia a substituir hiponimos por
hiperonimos, nunca 0 processo inverso. A utilizar;ao de urn item
lexical com a abrangencia semantica de "tudo" contradiz 0 principio
de fidelidade, visto que, na produyao do depoente, nao se encontra
elemento lexico co~respondente, pelo menos literalmente. O.item
lexico e a atualiza~ao dos itens "tumulto", "crime", "ocorrencia",
referencia textual anaforicamente situada. As rela~5es de coesao
sac estabelecidas intratextualmente no texto-documento.
A construyao sintatica acima e decorrente de reordena~ao
t6pica. Os elementos assinalados podem ser encontrados no textodepoimento, em contextos com conteudo semantico diverso:
(1) linha 23 - D - ai comeyaram a espancar
(2) linha 25
fulano ((acusado))
(3) linha 19
entao bateram numa garrafa
Alem de reordena~ao t6pica, ocorre urn deslocamento de
ambiente semantico. 0 verbo "comeyar", no texto-depoimento,
tern valor de inicio de a~ao, a a~ao de espancar. Os agentes da
a~ao sac identificados quantitativamente (linha 22 - entao (.) tres
ou talvez ate mais) e 0 paciente da a~ao eo acusado fulano (linha
25). No texto-documento,
0 verba
assume 0 valor de
acontecimento. Na fala do depoente, hi a tentativa de introduzir
a a~ao sofrida pelo acusado - "ser espancado por tres ou talvez
ate mais". 0 episodio caracteriza urn linchamento. No textodocumento, transforma-se numa ayao praticada pelo acusado. 0
acusado ·fulano bateu em uma garrafa, e isso e a causa de
"tudo"(tumulto, crime, ocorrencia) - urn acontecimento.
Na fala do depoente, a informayao da ayao de "bater em
uma garrafa" e estruturada sintaticamente na terceira pessoa do
plural, impossibilitando determina~ao do agente da ayao, exemplo
193
tipico de sujeito indeterminado.
o nome do acusado (linha 25) e proferido pelo depoente
numa a<;ao responsiva acerca do ato de espancar ("espancar
quem?").
A decisao de colocar 0 nome do acusado como agente da
a<;ao de bater na garrafa e uma interpreta<;ao entre duas
possibilidades. Observe-se:
linha 19 - D - entao bateram numa garrafa
linha 20
ele (olhando para 0 acusado presente)
linha 21
e voltou e pediu desculpas
o pronome "ele" (quase inaudivel na fita magnetica) da linha 20,
tanto pode autorizar a inferencia de agente da a<;ao da linha 19 referencia anaf6rica; como pode ser 0 agente da a<;aode "voltar e
pedir desculpas" (linha 21) - referencia cataf6rica. Textualmente,
as duas referencias sac possiveis.
Sao transforma<;oes efetuadas no texto-depoimento a partir
de transforma<;oes processadas anteriormente no texto-documento.
Na uc 3, posterior a transforma<;ao analisada e classificada
como "processo de inferencia" (acif!la), 0 depoente incorpora a
sua fala estruturas sintaticas registradas na fala do juiz.
Observe-se:
linha 37 - D - nao assim 0 comentario surgiu que
linha 38 - J sim
sim
linha 39 - D - aconteceu por causa dessa garrafa
linha 40 - J sim
o imbricamento entre 0 texto-depoimento e 0 textodocumento e bem evidente nas linhas 37 e 39. 0 cotej 0 entre os
dois textos tern sido feito na dire<;ao retroativa, ou seja, do textodocumento para 0 texto depoimento. Mas, as linhas 37 e 39 revelam
interferencia do juiz na fala do depoente, uma especie de indu<;ao
pela assimetria interativa. A utiliza<;aodo item lexical "comentario"
pelo depoente e uma recorrencia ao vocabulario do juiz. Na linha
194
39, 0 depoente repete 0 conteudo semantico-argumentativo do
enunciado consignado anteriormente. 0 principio de coerencia
conversacional baseia-se nas adesoes mutuas. 0 depoente produz
transformayoes na sua fala em funyao do que havia sido consignado
- uma transformayao "regressiva".
e) Organiza~ao da argumenta~ao
operadores argumentativos
atraves da inser~ao
dos
Ex.: mas, quando, apenas, segundo, atraves, tudo, por ter, 0 que,
por isto, ante a ayao dos seus agressores, quando, que, para,
quando da ocorrencia, quando, ainda, porque, que.
Texto escrito da TD analisada: 0201 (F02 a 100-242)
que 0 depoente estava nas proximidades do local da ocorrencia
mas nao viu quando 0 crime foi praticado que 0 depoente viu
apenas 0 tumulto que, segundo informayoes dadas ao depoente
atraves de terceiros tudo comeyou por ter 0 acusado (nome)
batido em uma garrafa 0 que desagradou a vitima e 0 grupo de
pessoas que com ela estavam que, por isso a vitima e os demais
acompanhantes da mesma passaram a agredir fisicamente (nome
do acusado) que, segundo informaram ainda ao depoente, 0 acusado
(nome) estava desarmado quando foi espancado pela vitima e seus
companheiros que 0 acusado ante a a~ao dos seus agressores
armou-se com urn gargalo de garrafa e feriu a vitima:
que 0 depoente nao compareceu ao local da ocorrencia retirandose dali quando viu a confusao
que 0 depoente nao conhecia a vitima (nome)
que 0 depoente e amigo do acusado (nome completo)
QUE foi 0 pai do acusado (nome) que chamou 0 depoente para
prestar depoimento nos autos.
Dada a palavra it defesa, a seu requerimento respondeu a
testemunha: que 0 depoente, quando da ocorrencia estava no
interior do clube; que os comentarios acerca do crime foram dados
ao depoente quando ainda se encontrava no interior do c1ube;
que a amizade do depoente com 0 acusado (nome) e porque 0
mesmo acusado e seu vizinho; que 0 depoente tern conhecimento
que 0 acusado, na localidade, e considerado uma boa pessoa, pois
nunca viu 0 mesmo se envolver em confus6es; que 0 depoente
mantem com 0 acusado apenas amizade de colega.
Dada a palavra ao Dr. Promotor Publico, nada requereu.
Como nada mais disse nem the foi perguntado, mandou 0 Dr. Juiz
encerrar 0 presente termo que depois de lido e achado conforme,
vai devidamente assinado.
Eu,
subscrevi.
, Escriva,
0
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Cambridge University Press. 4:98-133
REGIONALISMO E UNIVERSALISMO.
o Teatro de Lourdes Ramalho
A produyao literaria no Brasil tern seu foco, desde sempre,
no suI, notadamente no eixo Sao Paulo - Rio de Janeiro. A literatura
produzida no norte e nordeste do pais pouco interessa aos sulistas
e, geralmente, sorre uma desqualificayao
imediata pOl' ser
regionalista.
Se esta preposiyao geral e certa, principalmente vale para 0
genero de teatro. Nem do pernambucano Ariano Suassuna, cujas
peyas como 0 Santo e a Porca e Auto da Compadecida foram
traduzidas e tornaram-se conhecidas ate na Alemanha, dentro da
onda de revalorizayao do teatro popular nos anos 60, e somente
Marcio de Souza com As Folias do Latex, natural de Manaus, que
chegou a tel' renome internacional. Observamas po rem, que tanta
ele quanto 0 tambem pernambucano Luiz Marinho (Um Sabado
em 30) obtiveram seu rename maior pela estadia permanente no
Rio de Janeiro.
Neste quadro de situayao da dramaturgia nacional aparece
Maria de Lourdes Nunes Ramalho fora do parimetro. Radicada
no interior da Paraiba, em Campina Grande, ela vive em uma das
regioes mais tradicionais do pais. Descendente de uma familia de
artistas populares, bisneta de urn cordelista famoso, ela interessavase desde pequena pe1as manifestayoes populares do nordeste e,
aos 48 anos de idade, resolveu escrever peyas teatrais. De 1973
para ca produziu mais de trinta textos que contribuiram para que
ela ocupe, hoje, uma cadeira como imortal da Academia de Letras
da Paraiba.
Com exeyao de algumas, todas as tramas sac ambientadas
no sertao nordestino, pautadas na mesma linguagem singela e pOl'
vezes m:aliciosa recheada de expressoes peculiares ao pova. Neste
sentido, a obra ramalhana nao foge da classificayao como
regionalista. 0 tema central e 0 homem do nordeste e sua luta
diaria dificil pela sobrevivencia. As vezes revel a a tragicidade,
as
vezes leva para 0 lado comico, apontando a uma mentalidade
peculiar ao povo nordestino que marca tambem todas as pec;as de
Ariano Suassuna. Mas, diferente do mesmo, Lourdes nao limit ase ao retratar do nordeste. A maioria de suas pec;as implicam uma
mensagem universal, onde a tragedia nordestina serve de exemplo
para evidenciar a condic;ao humana em geral.
Presumivelmente, 0 sucesso da obra primaria deve-se a este
fato: Fogo-Fatuo, de 1974, conquistou 0 primeiro lugar no I
Concurso da Federac;ao Nacional de Teatro (FENAT), quando,
ainda em plena ditadura militar, a autora mostra seu posicionamento
firme e anticolonialista
no trama: Mostra a penetrac;ao de
estrangeiros numa area de minerac;ao e a consequente mudanc;a
do modus-vivendi como dos valores morais nos habitantes das
brenhas sertanejas.
Urn forte tom politico-social marca tambem As Velhas que
segue urn ana depois e e vencedora do concurso da Federac;ao
Nacional do Teatro Amador (FENATA), em Curitiba. Este premio
e urn dos mais concorridos do pais e esta sempre disputado entre
os grandes autores nacionais. A conquista em 1975 abre para
Lourdes Ramalho uma brecha como dramaturga nacionalmente
conhecida. Durante sua primeira fase de criac;ao de textos, que
dura quatro anos, quase todos saem premiados: A F eira foi julgado
o melhor texto em 1976 pelo Servic;o Nacional de Teatro (SNT).
Talvez fosse a pec;a mais regionalista, ambientada numa feira
nordestina que, por sinal, apresenta-se como pano de fundo tambem
em outras pe<;as. Mas neste enredo Lourdes Ramalho procura
esboc;ar 0 retratro mais fiel do dia-a-dia sertanejo. A feira, encontro
dos mais diversos tipos entre habitantes das zonas rurais e das
zonas urbanas, eo campo de choques sociais. No entanto, onde se
conta com 0 desespero, se encontra 0 riso ao lado do choro mentalidade marcante desse povo flagelado. A montagem da pec;a,
em 1978, pelo campinense Hermano Jose, foi a primeira realizada
que chegou a representar a autora em festivais no suI do pais.
Enquanto a denuncia politica emA Feira aparece de maneira
implicita, 0 tema principal da Elei9Go, de 1977, gira em tome da
pratica corrupta dos politicos na luta pelo voto. Em pleno c1ima
de abertura politica, em 1978, este texto tambem foi premiado,
e naturalmente na epoca, tornou-se urn dos mais privilegiados pelos
grupos de teatro estudantil.
Curiosamente, com esta pe<;a, ainda sob 0 regime militar e
o Ato Institucional nO 5 em vigor, 0 cielo dos textos politicos
alcan<;ou seu auge e, ao mesmo tempo, chegou ao fim. Seguem ,
entre 1978 e 1990, textos bem menos significativos. Aparentemente
Lourdes Ramalho tambem sentiu a perplexidade perante a abertura
politic a, fenomeno geral do teatro brasileiro pos-ditatorial observado
por varios teatrologos(l). Verifica-se, na obra da nossa aut ora, a
me sma tendencia para 0 escapismo e a volta a uma visao mais
intimista. Serve de exemplo desta fase 0 Psicanalista, escrito em
1981,onde a autora entrela<;a os caminhos de personagens com
suas deficien<;asmentais num consultorio de urn medico que, afinal
de contas, reune em si mesmo todos os possiveis po<;osda condi<;ao
humana que ele esta querendo curar.
Contemplando os dois primeiros cielos, entao,constatamos
a primeira fase bem mais expressiva. Dentro daquela destaca-se
As Velhas que tornou-se a obra mais conhecida da autora, gra<;as
a uma serie de montagens que excursionaram dentro e fora do
Brasil. Alem da sua estreia em 1975 duas encena<;5es fizeram-se
falar: a do recifense Didha Pereira no Teatro Popular dos Coelhos,
em 1988, e, urn ana mais tarde, a do espanhol Moncho Rodriguez
dentro do seu projeto no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno,
em Campina Grande. Esta ultima montagem ganhou 0 titulo
«Melhor Pe<;a do Ano» pelo CENACEN, qualificayao muito
disputada nacionalmente, e teve sucesso nos palcos de Rio de
Janeiro, Sao Paulo e Brasilia por ocasiao do Festival Mambembao.
As duas protagonistas da pe<;a de urn lado representam
ambas a vida tipica de familias no interior, abandonadas pelos
homens. De outro lado apresentam-se, antagonicamente, como
rivais num ajuste de contas. Mariana e Vina sao duas sertanejas
quarentonas. A conceitua<;ao de 'velhas' nos parece estranha, mas
ela e intencional e reflete tanto as personagens da pe<;a quanto 0
propriouso
no alto sertao, onde 0 desgaste fisico ocorre
rapidamente por circunstancias tipicas da regiao: Mariana casa
com 20 anos e perde 0 marido logo para outra mulher, ainda com
"urn filho se arrastando e outro no bucho "(2). Com isto a vida resumese it luta isolada onde ela preenche os papeis do homem e da mulher
199
da cas a criando seus dois filhos Chico e Branca. Ela deixa a terra
herdada tornando-se itinerante. Com 42 anos de idade e uma mulher
seca, dura e amarga "como as planta da terra [...] Elas e assim
para resistir it secura do serHio. Como podem ser macia, delicada,
se teem de viver no chao esturricado, sem agua que amoleya 0
barro de onde tiram seu sustento?-Mesmo assim sou eu - enfrento .
a secura de meus dias, [ ...] sem ajuda de urn ombro ou mao que
me sustenta nas fraqueza, que me acarinhe a cabeya cansada de
pensar, [...] de viver so 0 resto de meus dias [... ]"(3).
Urn dos conflitos tragicos consiste na relayao entre mae e
filha. Na medida em que a velha tenta passar sua experiencia it
mais nova, para que ela nao caia na cilada do homem que "so vive
para judiar com as mulher''(4), a filha recusa as "besteiras" da mae.
A rixa invencivel entre as gerayoes conduz, conseqiientemente, it
tragica repetiyao do destino feminino: Branca, apaixonada pelo
jovem Jose, cre no amor eterno e sonha com 0 casamento para
poder escapar do controle matriarcal. A gravidez , no entanto,
poe a fim seus sonhos de maneira brusca. Ela reconhece tarde
demais:"Vai-se 0 marido [...],fica as mulher, na espera [... ]. Agora,
Dona Branca, e mostrar que e bem filha de Mariana, e levantar a
cabeya e receber nos peito toda a desgraya que possa acontecer"(5).
A tragedia cotidiana do sertao brasileiro multiplica-se quando
Mariana, na busca do responsavel pela gravidez da filha, encontra
Vina reconhecendo nela aquela mulher que fugiu com seu marido.
Numa construyao de personagem invertida a velhice de Vina e
marcada fisicamente: Paraplegica, de cadeira de rodas, a sua energia
limita-se ao dominio de uma lingua viperina. A rivalidade entre as
duas mulheres, alimentada pelo odio de vinte anos, se reduz a urn
destino em comum - a solidao: A cigana Vina perdera logo 0 parceiro
pela morte, 0 que the obrigou tambem a criar sozinha seu filho
tinico 0 qual defende como fera igual a Mariana.
Esses dois filhos, num terceiro plano da trajetoria re1acionado
it realidade social, casualmente juntam-se na Iuta politica para
contrariar a cormpyao governamental. No momento crucial do
conflito sao fuzilados, fato que leva as duas mulheres de repente
a urn sentimento comum, na preocupayao pelos tilhos. A forte
Vina, triunfadora na disputa pelo marido e no discurso, enfraquecida
fisicamente, torna-se, na hora de busca do filho morto, dependente
de Mariana que, por sua vez, precisa de orientayao para acertar 0
caminho. 0 destino fatal das duas mulheres completa-se assim
numa solidariedade foryada.
Chama aten9ao, em toda sua a obra, a maneira com que
Lourdes Ramalho trata suas personagens. Enquanto no teatro como tambem na literatura em geral - 0 papel da mulher se reduz
a atuayoes menos relevantes, as mulheres descritas por ela sac
sempre marcantes e ocupam urn lugar de destaque dentro da trama.
Sao mulheres batalhadoras,
solitarias,
lucidas, fortes e
independentes. Porem, continuam culturalmente fmcadas na propria
condiyao do sexo, 0 que aparece ate paradoxal. Mas Lourdes
Ramalho desenha urn retrato fiel dentro do contexto real do meio
social nordestino, onde e comum uma mulher sustentar sozinha a
familia, sem que ela aponte otimisticamente uma possivel mudan9a
deste papel tradicional. Os desabafos de Mariana: "Mulher nasceu
para ser sujeita mesmo" e "Mae e bicho pra sofrer"(6) remetem it
aceita9ao final da condi9ao tradicional, como sina da estirpe em
que a postma ganha sua dimensao tnigica.
Segundo Lourdes Ramalho e justamente nesta condiyao social
que a obra tern uma abragencia universal, ja que "em todas as
epocas e em todos lugares as mulheres foram sempre tratadas como
objetos, propriedade
do homem"(7). Este pronunciamento
comprometido pode ser considerado radical-feminista, 0 que
apoiaria a opiniao de Elza Vincenzo. Segundo ela todas as obras
das dramaturgas brasileiras teem carMer feminista(8). Discordando
desta qualificayao afirmamos sim que a dramaturgia feminina
brasileira da carioca Leilah Assunyao (Fala Baixo, Senao Eu Grito)
e das paulistas Renata Pallottini, Maria Adelaide Amaral (Salvese Quem Puder) e Isabel Camara tern tra90s comuns na medida
em que enfoca a realidade social percebida c1aramento pelo angulo
feminino. E neste sentido que Lourdes Ramalho encaixa-se
plenamente no caniter da prodw;ao nacional das dramaturgas que
comeyaram a surgir no Brasil a partir dos anos 60. 0 seu
reconhecimento, no entanto, ainda nao ocorre devidamente. A
propria autora de Um Teatro da Mulher, de 1992, Elza Vincenzo
nao menciona a paraibana.
N ota-se tambem no pronunciamento do tambem aut or teatral
carioca Joao Siqueira a recaida no velho preconceito. Elogiando
o texto de As Velhas qualifica Lourdes Ramalho como "autora
nacional se nao tivesse a infelicidade de ter nascido na Paraiba"(9).
A tendencia universalist a que foi atestada pelo critico teatral
Macksen Luiz que julga ja "As Velhas [... ] urn espetaculo de
qualidade, independente da regiao ou da realidade cultural" (10)
sobressai ainda mais na obra de Lourdes Ramalho, a partir de 1990.
Passado 0 impasse dos anos 80 a nova decada leva para outros
rumos: As pe~as procuram as raizes tradicionais e mostram a mistura
da cultura propria com a cultura europeia, mantendo como cena
preferida 0 sertao onde 0 misticismo, as cren~as populares e as
vivencias remetem diretamente Iberia medieval.
Essa interferencia revela-se no poema dramatico As Femeas,
criado em 1990 junto ao pesquisador de literatura de cordel Atila
Almeida. Tradicional na forma de urn cordel 0 espetaculo tematiza
a visao masculina sobre 0 misterio antagonico da mulher, onde
mistura-se todo tipo de meia-verdades
com supersti~5es
transmitidas desde a Idade Media, ainda vivas no dia-a-dia do
interior brasileiro, que apresenta-se como celeiro fantastico de todos
os temas e mitos ibericos.
A ponte cultural entre 0 nordeste e a Iberia ganha ainda
mais destaque na penultima pe~a de Lourdes Ramalho, de 1991:
o Romance do Conquistador. Diferente dAs Velhas, 0 Romance
trata a essencia humana com toda fon;a tipica it poesia popular,
onde esta levada ao palco a revisita~ao do mito latino de Don
Juan, recriado com a cor e a musicalidade das caatingas do nordeste.
Fruto de urn projeto de incentivo it dramaturgia de corde1 no Centro
Cultural Paschoal Carlos Magnos, em Campina Grande, 0 Romance
retoma as formulas cordelisticas para descrever as aventuras de
urn" [...] Dom Joao/Conquistador do Agreste/Homem sexo de ferro/
o macho cabra da peste"(ll).
Urn vendedor de cordeis numa feira do interior decide assumir
o papel de Dom Joao, personalidade principal de urn de seus
folhetos, e torna-se assim Joaozinho, machao nordestino, que
percorre as feiras tradicionais da regiao it cata de amores. Seguindo
a trajetoria c1assica do mito medieval Joao se envolve nas mais
a
absurdas situayoes er6ticas, com rnuita sede de vida e urna forne
fogo sa de comer (rnulher):"Ai, ai, ai, nao aguento / cuidado que
estou desrnaiado: / 0 comer no pensarnento / mas 0 bolso esta
furado"(12)0 rnalandro safado disfarya-se de medico e politico a
sacerdote, ate assurnir 0 papel de ajudante de urn suicida que paga
com a heranya que e sua rnulher Guiornar, esta torna-se 0 sonho
rnaior da sua obsessao sexual. Finalrnente a encontra, e, nurn delirio
desastroso, explode" a bornba at6rnica em £lor/[ ...]/ Arrna quimica
de arnor" (13). Guiornar e 0 diabo rnoderno disfaryado na forma de
tres rnulheres: Inocencia, Decencia e Previdencia, nornes ironizando
as virtudes exigidas da rnulher.
Nao e urn '~inferninho" - eufernisrno para urn vestibulo de
prostituiyao - que Joao "conhece de rnuita curtiyao [onde] transase nurna boa "(14), mas sirn urn "infernao" parecido a urna guerra
nuclear. As tres rnulheres diab6licas acabarn com 0 anti-her6i
roubando-Ihe 0 unico objeto de valor, 0 penis.
o texto retorna a poesia popular tradicional com toda
autenticidade tanto em relayao a sua forma quanta it linguagern. A
peya, toda escrita em cordel, poerna heptasilabo em sextilhas,
desencadeia, nurn ritrno acelerado, urna fala desbocada, agressiva
e rnaliciosa onde toda pronunciayao ganha urn segundo sentido.
Alern das palavras "comer" e "trepar" que tern sua conotayao sexual
ja consolidada no linguajar popular, saD inurneras as referencias
sexuais, todas falas de dorninio do povo nordestino. Quando, por
exernplo, urn cliente na procura do doutor - por sinal 0 charlatao
Joao - se queixa que "Ra anos que sou furnante / e furnante
inveterado! / Masco, chupo, larnbo, trago / rnuito ernbora ache
errado! " recebe como resposta lac6nica: "viva em abstinencia / deixe
o tabaco de lado"(l5).
Em outro rnornento 0 povo reclarna, nurn discurso serio, a
carestia: "Subiu 0 gas da cozinha / Nao tern agua pra beber /
Rernedio e s6 para os ricos / Aos pobres resta rnorrer". Ja a
contribuiyao de urn hornern deixa notar, novarnente, a inclusao
arnbigua: "Ate galeto ou galinha / s6 gala pode comer "(16). Esta
rnalicia culmina nas conversas blasfernicas das tres Guiornares
vestidas de freiras, e terrnina nurna verbosidade infernal de
expressoes chulas. Nos cordeis tradicionais, sobretudo nos ciclos
tematicos do diabo e da igreja, ou do homem cifrado, encontra-se
este modo de falar. Contudo, e surpreendente, como - diferente
dos cordelistas todos masculinos - uma mulher de meia idade, da
classe media no interior do nordeste, e capaz de criar esse texto.
Apesar deste fato e interessante observar que a critica nordestina
reconhece a linguagem adotada naturalmente como "maliciosa",
inerente ao pr6prio genera, enquanto alienado do ambiente cultural,
e qualificada como "obscena", pela critica em Portugal, onde a
montagem de Moncho Rodriguez excursou em 1992 (17).
Alem das falas do povo, Lourdes Ramalho trata, sempre de
maneira polemica, a realidade brasileira misturada com as crenyas
populares. Este misticismo faz parte da mem6ria hist6rica do povo
que transfigura um bandido Lampiao num her6i safado adminivel
e cai ainda nas pramessas messianicas, de assim chamados
salvadores. Esta mistura entre 0 bem e 0 mal, 0 universo real e 0
sobrenatural, a sabedoria e 0 sortih~giopertencem a visao do mundo
sertanejo ainda hoje, heranya guardada desde a Idade Media.
Lourdes Ramalho confirma: "Quanto mais no interior mais se
constata a presenc;:a iberica em nossa cultura. No linguajar, nos
gestos, nos costumes. "(18). Assim, na opiniao do carioca Armindo
Blanco, os textos " teem a estrutura das grandes obras do teatro
medieval, sem em momenta nenhum, parecer simples imitayao. E
urn dos segredos do Nordeste, rever antigos trayos culturais com
uma pnl.tica reverifickadora, que os moderniza sem prejuizo da
nobreza cl<issica."(19).
Nessas linhas principais apresenta-se urn teatra colorido,
variado, entico e divertido ao mesmo tempo. Com sua dramaturgia
que ja foi comparada a ousadia linguistica da obra de Ariano
Suassuna e com a forc;:apoetica deMorte e Vida Severina de Joao
Cabral de Melo Neto, Lourdes Ramalho delinea urn retrato grotesco
e provocante de urn Brasil petrificado.
(1) Sabine Moller-Zeidler: Sozialkritisches Volkstheater in Brasilien
in den siebziger Jahren. Berlin (Phil.Diss.) 1986 p. 276
(2) Maria Lourdes Nunes Ramalho: Teatro Nordestino, s/l,s/d, p.
92
(3)
(4)
(5)
(6)
(7)
(8)
ibid. p.76
ibid. p.73
ibid. p.85
ibid. p.90
id.:Os Maf.:Amados. Manuscrito inedito, p.83
Elza Cunha de Vincenzo: Um Teatro da Mulher. Sao Paulo
(Perspectiva) 1992
(9) Jomal do Brasil,22.1.1976
(10) Folha de sao Paulo 13.1.1989
(11) id. 0 Romance do Conquistador. Manuscrito inedito, p.15
(12) ibid. p.6
(13) ibid. p.27
(14) ibid. p.28
(15) ibid. p.16
(16) ibid. p.18
(17) Cultura 19.6.1992
(18) Lourdes Ramalho. Entrevista Correio 25.9.1992
(19) ODia 21.1.1989
CONTRATO, LITERATURA, SIGNO E
IMAGEM
Quando tentamos analisar 0 texto litenlrio experimental
em relac;ao com a recepc;ao do destinatario no momenta da
recepc;ao, percebemos que as estrategias de leituras; por varias
vezes, sac estabelecidas pelo Autor e nao pelo receptor ou
destinatario da recepc;ao. Na verdade, nem Stierle, Iser, Jauss ou
Eco se preocupam, devidamente, com a instancia do emissor. A
leitura de F. Schuerewegen, sobre a recepc;ad1), publicada em
1986, retoma de forma pertinente as posic;oes dos te6ricos
mencionados acima, no entanto, elas nao superam a questao, na
sua base, 0 que e feito por A. Billaz (2), sem, no entanto dirimir
o que achamos ser uma aporia. Para Billaz tanto a recepc;ao quanta
a produc;ao sac dois modos de produc;ao do texto e nao dois
niveis opostos em que 0 receptor se opoe ao emissor. Na realidade,
a estetica da recepc;ao levanta questoes interessantes, mas, rio
fundo, estas quest5es passam atraves de omissoes fundamentais.
A escola de Tartu, assim como Sartre, Barthes entre outros, ja
levantaram questoes pertinentes it. recepc;ao. Parece-nos que se
*
Por falta de termo mais apropriado, utilizamos 0 significante-experimental
para representar
iconicamente os textos que apresentam fonnas ou conteudos divergentes das pniticas dominantes
de composi~ao liteniria. Os tex10s litenirios em fi.ll1~aodos quais tentamos teorizar sao os seguintes ANGELO, 1. A Festa. (5' edi~ao) Sao Paulo, SUlllmus Editorial, 1978.
BRANDAo, 1. de L. Zero. (6' edi~ao) Rio, Codecri, 1979.
DRUMMOND, R. Sangue de Coca-Cola. (5' edi~ao), Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1985.
FONSECA, R. 0 Caso Morel. Rio de Janeiro. Editora Artcnova S/A, 1973.
LINS, O. A Rainha dos Carceres da Grecia. Sao Paulo, Editora Melhoramentos, 1977.
LISPECTOR, C. Agua Viva. (5" edi~ao) Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.
SANT'ANNA, S. Confissoes de Ralfo. Rio de Janeiro, Civiliza~ao Brasiliense, 1975.
SOUZA, M. de. Galvez Imperador do Acre. (9' edi9ao), Rio de Janeiro, Civiliza9ao Brasileira,1981.
TREV1SAN, 1. S. Vagas Noticias de Melinha Marchiotti. Sao Paulo, Global Editora, 1984.
HILST, H. Com os Meus Olhos de Cao. Rio de Janeiro, Brasiliense, 1988.
1 Schuerewegcn, F. Theories de Ia reception. In Methodes du Texte, Paris - Gembloux, 1987, pp.323-339.
2 Billaz, A Le point de vue de la reception: prestiges et problemes d 'une perspective. In Revue
des Sciences Humaines. Tome LX, nO 189, Janvier-Mars, 1983, pp. 21-36.
descentraliza a quesHio da produ9ao para 0 eixo da recep9ao
sem primeiro atentar-se aos seguintes fatores: 1) a produ9ao ja e
uma recep9ao e e misto que se funda 0 objeto que chamamos de
texto literario; 2) todo emissor ja e receptor e nunca poderemos
delimitar , a nao ser generalidades, ou artificios pressupostos na
recep9ao, 0 que, evidentemente, e muito pouco, pois a recep9ao
e muito mais uma questao de pragmMica, de dimensao do imaginario
e inconsciente do leitor do que propriamente uma questao da
textualidade em si. Alias 0 receptor Modelo nao e urn receptor,
na sua identidade. Para que eu leia enquanto autor e precise 0
impossivel, ou seja, e precise que eu negue 0 grama, a diferen9a,
contidos na identidade. S6 artificialmente poderiamos admitir que
a nossa leitura atinja 0 objetivo textual do autor, 0 que alias e
tentado no dominio do fascinio da leitura e da produ9ao, se 0
outro me conclama a decifrar os pontos de indeterminayao, a manter
a "good continuation", a desvendar os "no-things" do texto e
articular satisfatoriamente 0 "horizonte interno" do texto.Fayo-o
com prop6sitos que ultrapassam 0 texto; fayo-o por uma questao
de interrelayao subjetiva, de pacto altruista e nao, em funyao da
textualidade, que, por si s6, nao justifica aqilo que 0 texto sustem,
conforme pensa Barthes, em funyao de urn estilo, uma moral da
forma. 0 texto e lido enquanto urn ritual que sincroniza 0 eu
emissor com 0 receptor e este com aquele. Autores como Osman
Lins, Clarice Lispector, Joao Silverio Trevisan, Sergio Sant' Anna,
Ivan Angelo, explicitam as estrategias da recepyao e poem em
pratica, isto e, nas suas ficyoes (termo impr6prio), a regulagem
a que 0 receptor tera que se submeter, se quiser entrar no jogo de
uma recepyao critica e nao somente passiva, ou ativa, que excedam
o texto, descaracterizando-o. Ao se receber esses textos, se recebe
algo mais, a saber, a moral da escrita, moral que nao e a dominante,
o que e facil de perceber se confrontarmos tais textos com a maioria
da literatura que se submete a injunyoes das formayoes discursivas.
Se 0 texto exige uma recepyao critica que leve em conta 0 teor
meta-te6rico que regula a recepyao, 0 que, efetivamente, ocorre
com os textos que estudamos nesse trabalho, desta ocorrencia
assegura-se a dependencia do receptor ao c6digo do texto,
conforme ja estabelecia Mallarme, a quem tanto Stierle (3) quanta
Schuerewegen(4) atribuem a posiyao que corresponde a uma
distancia maximal que ultrapassa a recepyao simples e direta e a
produyao receptiva passiva. Nao se determina, contudo, a partir
da formulac;:ao de Mallarme, a implicac;:ao do emissor-receptor,
que a nosso ver e sempre sobredeterminado por destinadores que,
na relayao da recepc;:ao enquanto discurso, ultrapassam as
dimensoes puramente reguladoras da recep'yao, nem tampouco
se anexa nenhum dispositivo te6rico novo que poderia aprofundar
e abalisar a recepyao; simplesmente se diz 0 que e 6bvio na teoria
da comunicac;:ao, isto e, que 0 receptor deve entrar num pacto de
competencia, a saber, sair da sua contingencia de leitor de ficyao
para a condiyao de leitor da teoria ou meta-ficyao. De qlialquer
maneira, a relayao entre receptor e emissor se desvia e muito, de
urn pacto baseado no principio de cooperayao que, segundo Grice,
norteia uma informayao. As observayoes a respeito deste principio
feitas por F. Hallyn (5) se completam com a observayao de que ele
e insuficiente para integrar 0 nivel perlocut6rio do texto literario
necessitando-se de posturas que tanto Pratt como Van Dijk(6)
pressupoem para superar os impasses de uma recepyao da
perlocuyao literaria. Tais posturas pressupoem que 0 principio de
cooperayao esta superprotegido ou sobredeterminado por urn
"principio de construyao"(7).
A literatura contemporanea brasileira experimental nao
se reduz ao_discurso literario pelo fato de remeter nao ao discurso
iconico tao so mente, mas tambem de funcionar como discurso
pragmatico, pois a condiyao da presentabilidade de que nos fala
F. Hallyn (8\ a "reaction evaluative"de que nos fala T. Van Dijk (9) em
3 cStierle, K. Que significa a recep9ao dos textos
Leitor (arg. L. C. Lima). Rio de Janeiro, Paz
4 Schuerewegen, F. ibidem, p. 332.
5 Hallyn, F. Pragmatique. In MethOdes du Texte.
6 Ibidem, p. 71.
7 Ibidem, p. 71.
8 Hallyn, F. Pragmatique. In Methodes du Texte.
9 Hallyn, F. ibidem, p. 71.
ficcionais? In A Literatura e
e Terra, 1979, pp. 133-181.
Paris-Gemblollx,
pp. 65-71.
Paris/Gcmbloux,
p. 67.
nada desfaz 0 caniter de militancia que todo texto apresenta, seja
ele parnasiano ou modernista. Na contemporaneidade, falar em
literatura iconica, como 0 faz F. Hallyn, e Hio sumario quanta
falar em arte pela arte, no entanto, 0 proprio Hallyn situa, de
forma pertinente, a quesHio, quando retomando Bange e Peirce,
diz que 0 lcone sempre ultrapassa a dimensao de presentabilidade.
Se a literatura nao e perlocutoria, a primeira vista, ela sempre 0
sera numa etapa conseqiiente
ou concomitante
a sua
presentabilidade. Por isso, julgamos que a poetica sempre se
completa por uma pragmatica, razao porque Jakobson foi tao
criticado e razao tambem porque ele se defendeu explicitamente.
o texto experimental que se funda numa poetica da diferenc;a, tern
sua base de produc;ao manifesta atraves dos contextos de
enunciac;ao, muitas vezes, indecifraveis atraves dos enunciados,
mas, muitas vezes, pressupostos a partir de contextos genericos
como correntes, escolas, grupos, eventos, estruturas politicas de
poder e infra-estruturas sobredeterminantes. Tais prciticas posmodernistas evidenciam que a literatura (a narrac;ao, a ficc;ao) e
urn dos discursos que compoem 0 texto experimental, mas de
forma alguma 0 unico ou 0 mais importante. 0 discurso
experimental e antes de tudo 0 espac;o dos discurso e nao 0 lugar
de privilegio do discurso ficcional. Alias, a posic;ao de F. Hallyn,
no tocante a impossibilidade da literatura ser urn meta-discurso
nos parece bastante pertinente. Por sua vez, Kristeva (10) em La
Revolution du Langage Poetique, mostra, alem de uma tipologia
textual, a existencia de urn discurso a parte que ultrapassaria a
dimensao poetica da literatura dominante. A tentativa de caracterizar
a literatura, em questao, isto e, a produc;ao dita literaria, por
razoes prciticas, atraves de denominac;oes como literatura posmodernista, como urn novo tipo de ficc;ao, nao resolve os impasses
que sac: 1) a literatura e urn, mas nao 0 unico, dos modelos do
discurso literario; 2) a literatura e uma questao de valor, por isso
so atraves da translingUistica se a1canc;a0 processo litenirio; 3) a
realidade na qual a literatura se baseia nao e puramente exterior
(a fenomenologia atraves da nC-yaode horizonte nos faz perceber
10 Kristeva, J. La Revolution du Langage Poetique. Paris, Editions du Seuil, 1974,
pp. 86-100.
de forma convincente, quando fala de horizonte externo, latente,
subjacente mas possivelmente consciente, atraves da "consciencia
de" husserJiana, conforme nos explica muito bem M. Collot(J1)
tentando superar os impasses existentes entre a critica psicanalitica
e a critica tematica, denominada por ele de fenomenol6gica) nem
tampouco somente real como a primeira vista 0 termo nos leva
inconscientemente a inferir. Julgamos que a ficyao nao e de forma
alguma uma caracteristica da literatura e sim da realidade. Tudo
que na realidade e futuro, e possivel, e hipotetico, e suspeito,
enquanto nao se averigua, e de ordem da ficyao. A literatura nao
e original porque e ficyao, mas sim porque modela tanto os discursos
de realidade quanta os de ficyao sem 0 pre-conceito que, na
realidade, perfaz e subordina 0 real. Greimas citado, por Tritsmans,
tern toda razao quando diz que nada no discurso literario the e
privativdl2).
A literatura dos textos experimentais e metaficcional,
mas nao e urn meta-discurso (13). Ela e 0 leone do proprio discurso
e numa perspectiva psicanalitica e1ae 0 proprio discurso barrado,
mas nem assim discurso de uma voz individual, mas coletiva
tambem, onde a ayao devera mostrar que a literatura desvela as
faltas, as barras que impedem 0 Sujeito de se modalizar enquanto
Senhor do seu discurso. Sujeito temeroso sempre da imersao do
Escravo (Hegel que 0 diga) nas aguas do Poder, para sempre
perdido, mas nem por isso, menos desejado.
A identidade do discurso literario e froto da fantasia positivista ou da filosofia da identidade. A psicanalise deforma, com
razao, a identidade do discurso literario, esquecendo-se inclusive,
que ela, a literatura ja e urn dispositivo analitico, como 0 estabelece
Lacan, citado por G. Michaux (14), criticando a utilizayao da
Psicanalise aplicada a Literatura.
11 Collot, M. Thematique et Psychanalyse. In Territoires de !'Imaginaire. Paris,
Seui!, 1986, pp.213-233.
12 Trilsmans, B. Impasses et Perspectives. In Methodes du Texte. Paris Gembloux,
1987, p. 26.
13z Hallyn, F. Litterature et Histoire des Idees. In Methodes du Texte, Paris Gembloux, 1987, p.251.
14 G. Michaux. Introduction it l'orientation lacanienne. In Methoc!es du Texte, op.
cit., p. 280.
.
Num estagio historicamente datado, a poetica se vincula
a praticas literarias que tentam ser autotelicas como se pode inferir
das experiencias esteticas de Maiakovski e Klebnikov. A
vincula9ao da poetica ao conceito de literariedade, de fun9ao poetica
da linguagem, avan9a definitivamente em rela9ao a uma analise
redutora que vincule a literatura atraves de conteudos s6cioideol6gicos, tematicos, psicanaliticos, etc., que nao atribuem ao
texto a sua potencialidade para gerar, a partir do significante dos
procedimentos ou tecnicas textuais, sentidos que nascem em
concomitante rela9ao de nega9ao ou afirma9ao, com os sentidos
decorrentes dos significados e tern as que surgem do texto. A
linguagem ao mesmo tempo que e instrumental do significado
tambem proporciona osurgimento de significados, a partir da
forma que atua nao s6 por si, mas tambem, a partir da sua energia
potencializada
enquanto signo. Toda forma e investida
semioticamente ora como instrumento de passagem, ora como
manifesta9ao de poder de sentido. Contudo e preciso evitar, 0
"abus de significance" dos lacanianos. 0 podt\f da linguagem nao
nos e dado de forma interativa, facil, pois as formayoes discursivas
privilegiam 0 lado logocentricD
do dito em detrimento da
materialidade do significante. A tecnologia, por sua vez, atraves
das utiliza90es dos signos que sao leones ou simbolos, escamoteiam
o sentido, 0 indice a que todo discurso remete. Na realidade e a
permanente querela entre 0 dentro eo fora, postura bem ocidental
que atraves das categorias como sujeito, identidade, objetividade,
forma, conteudo, escamoteia 0 espayamento, (0 gram a, a diferen9a),
em suma, que em tudo esta, mas, que, a bem de interesses
discursivos, e omitida. E a enuncia9aO silenciosa e oprimida que
nao permite se ver como exterior e interior. Elide-se a metamorfose,
pois a identidade e 0 pre90 que a servidao hist6rica nos cobra. A
poetica do exterior interdita a sua negayao da identidade, po is
ela e partidaria da filosofia do Mesmo e nao da Alteridade, da
Intertextualidade,
da Poetica da diferenya. Esta solapa os
pressupostos epistemol6gicos da totalidade, estrutura, significados
transcedentais que a literatura brasileira experimental desfaz a
bem de uma visao simb6lica da perda, da opressao que as
212
formayoes discursivas atraves de stias pniticas discriminat6rias
efetivarn. A estrutura nega a incorporayaO, nega 0 ethos eo nivel
timico que uma semi6tica sincr6tica percebe nos enunciados
litenirios. As id6ias de Klinkenberg, Bakhtin, Geninasca, Tritsmans,
Greimas, Todorov, mostram que 0 discurso litenirio e 0 espayO
de modelos de discursos, de encontros de fronteiras discursivas,
como 0 percebe tambem K. Boullart (15).Alias todo discurso e
fronteiriyo e invasor. As ideias de Maingueneau (16)nos esclarecem
a respeito do lado fronteiriyo dos discursos que, a bem de uma
performance
'exigida por questoes
praticas
se· tornam
ideologicamente ontol6gicos. Se a literatura e percebivel enquanto
leone, corn as implicayoes de disseme1hanya que sempre the sac
acrescidas, como bem 0 ve ern Peirce e F. Hallyn (17), e porque a
identidade discursiva e somente urn momento, operat6rio por
sinal, mas nao 0 unico momento,
nem 0 definitivo.
Metodologicamente
a poetica e valida, ela nao 0 e, numa
perspectiva mais critica, mais profunda ou filos6fica, pois 0 interior,
a estrutura exigem urn estruturalismo "aberto", termo usado por
G. Genette (18)onde 0 interdiscurso tera sempre a sua vez. A
poetica do discurso literario sera complementada pela poetica da
enunciayao, ou teoria do discurso, que, por meio de uma semi6tica
literaria vera que 0 discurso nao e s6 urn modo de produyao, mas
tambem urn processo de realizayao que tern a ver corn as condiyoes
de produyao. A semi6tica sincretica, termo usado por 1.
Geninasca(19), podera ser visto como 0 correlato, ern termos de
critica literaria, da semi6tica literaria que, por sua vez, tenta suprir
as lacunas da poetica formalista. Nao se restringindo ao campo
15 Boullart, K. Ouvertures sur les autres arts. In Methodes du Texte. Paris
Gembloux, 1987, pp.72-84.
16 Cf. Maingueneau, D. Novas Tendencias em Amilise do Discurso. Campinas SP, Pontes Editores, 1989.
~Initiation
aux methodes de l'analyse du discours. Paris, Hachette Universite,
1976.
17 Cf. Hallyn, F. Pragmatique, op. cit. p. 69. A observayao sobre 0 conceito de
leone a partir de Peirce, encontra-se na p. 69. 0 conceito de leone e retomado
no artigo "Litterature et histoire
des idees, op. cit., especialmente, it p. 251.
18 0 termo estruturalismo aberto e usado par G. Genette e 0 comentario da sua
conceituayao encontra-se em Smekens, W. Thematique. In Methodes du Texte.
Paris - Gembloux, 1987, p. 110-111.
19 Cf. Geninasca, 1. Semiotique. In Methodes du Texte. Paris - Gembloux, 1987, p. 52.
dos enunciados considerados como compartimentos diferenciados,
estanques, a semiotica so sera eficaz se alem de considerar a poetica
dentro de contexto de enunciac;ao, levar, tambem, em conta 0 fato
de que os enunciados nao sao identidades, a nao ser, provisorla
ou metodologicamente.
A Socio-critica talvez seja uma das
tentativas mais elaboradas sob 0 ponto de vista de integrac;ao da
relac;ao enunciado-enunciac;ao, conforme nos mostram as
formulac;5es conceituais, as estrategias metodologicas que articulam
o nivel poetico com 0 nivel socio-litenirio, empregadas por P. Zima,
no artigo "Por uma Semiotica Socio-Critica"(20). Falta, no entanto,
a esta interessante proposta do Zima, que avanc;ade forma definitiva,
em relac;ao it abordagem sociologica, de cunho marxista retomada
por Lukacs, mas re-pensadas por Kosik, Krauss e Garaudy (21),
a considerac;ao da socio-critica diante de textos experimentais em
que a poetica teria que ser situada. 0 corpus literario que Zima
utiliza, tais como os textos de Camus, Moravia e Musil, atende a
implicac;5es semioticas diferentes das que os textos de Loyola,
Trevisan, Fonseca, Angelo, Hilst indicam.
Vma das diferenc;as que seriam apontaveis na literatura
em questao diz respeito it qualidade dos processos que se repetem,
pois 0 fundamental da poetica, tanto segundo Hopkins quanta
segundo 0 proprio Jakobson,
se mantem na literatura
contemporanea, a saber, 0 artificio dos retornos periodicos (sic),
segundo Jakobson, assim como 0 "principio de paralelismo"
(sic) segundo Hopkins, conforme nos mostra Todorov (22).Tornase, no entanto, problemittico re-assegurar na contemporaneidade
experimental a coerencia interna que possibilita a tese romantica
da intransitividade retomada por Jakobson.
20 Cf. Lima, P. Por uma Semi6tica S6cio-Critica. (Trad. M. Bagno). In Revue des
Sciences Humaines.Tomo LXXII, n° 201, 1986.
21 Cf. as interessantes observayoes de H. R. Jauss, sobre as posiyoes de Krauss,
Kosik e Garaudy que atentam para a questao da poetica textual, diferente da
perspectiva mimetica dos marxistas,
em geral. Tais observayoes se encontram
em Jauss, G. R. La Historia Literaria como desafio a Ia Ciencia Liteniria. In
La Actual Ciencia Literaria. Salamanca, Ed. A. Naya, S. A., 1971, pp. 37- 114.
22 Cf. Todorov, 1. Teorias do Simboio. Lisboa, Ediyoes 70, 1979, p. 304.
Os retornos peri6dicos nao podem se resumir it retomada
dos processos, mesmo que estes adquiram a dimensao semantica,
conforme
estipula
0 pr6prio
J akobson.
Na literatura
contemporanea, 0 leitor se defronta tanto com 0 retorno das
dissemelhanc;as, quanta com 0 retorno das semelhanc;as ou
paralelismos
convencionais. Nao ha 0 privilegio do eixo
paradigmitico sobre 0 sintagmitico, pois muitos dos processos
verificados se encontram, tambem, no nivel da contiguidade.
A poetica, que e um passo importante para a analise do
discurso literario, nao deveria se limitar ao enunciado, pois se
este remete it enunciac;ao, nao e a partir daquele que esta emanaria,
como se a partir do jogo ret6rico, das configuraC;6es semantic as
ou narrativas se pudesse depreender a biografia poetica em oposic;ao
it biografia aned6tica, 0 que sugere Jakobson, a partir da leitura
comentada de Todorov(23).0 que e uma biografia poetica? Porque,
em sendo poetica, nao sera ela tambem aned6tica? Trata-se, no
caso, de ver a literatura como arte dissociada da enunciac;ao,
termo ainda semanticamente vago. Na pritica experimental, a
biografia poetica e tambem aned6tica e nao 0 seu oposto. 0 poetico
se funda na extra-literariedade e esta s6 funciona em razao dele.
Dissemos que 0 termo enunciac;ao e semanticamente vago
pois ha discordancias fundamentais entra a enunciac;ao da
pragmatica e a enunciac;ao psicanalitica, por exemplo. Com uma
base enunciante de cunho psiquico, encontramos divergencias
basicas entre a critica de cunho junguiano que se especializa na
Teoria do Imaginario e as divergentes criticas freudianas, estas,
em conflito, quando assoladas por significantes, de um lado, e as
outras restritas a um tematismo redutor. Alias a irmandade esdruxula
entre 0 tematismo ou fenomenologismd24)e a psicanalise, faz do
campo da critica um complexo de reducionismos e teorias criticas
que tentam supera-los. Algumas vezes, os pr6prios te6ricos
divulgam posic;6es te6ricas que invadem 0 terreno alheio conforme
aconteceu com Bachelard, Sartre, que perfazem a teona psicanalitica
de forma nao ortodoxa e, no campo dos estudos literarios de
23 Ibidem, pp. 300-301.
24 0 artigo de M. Collot, cilado antcrionncnlc pOl' nos, nos parccc cxcclcnlc anillise
sobre as divergcncias e conllucncias cnlrc a crilica lemillica e a crilica psicanali-
tica.
ponta, com Barthes, Kristeva, Foucault, que perfazem dominios
como a filosofia, psicanalise e sociologia, por exemplo. Na
realidade, existem pontos de confluencia metodologica nitidos
entre a teoria das formalYoesdiscursivas utilizada por Maingueneau,
a partir de Foucault e a Teoria da Ideologia, nos termos em que
e pensada por P. Zima, quando propoe a Socio-Critica. Por sua
vez, as formalYoes discursivas, as representalYoes ideologicas
apresentam pontos de contato com a Teoria do Principio da
Realidade, de cunho freudiano. 0 "Simbolico" de que fala Lacan
remete tambem a aqueIas formalYoes discursivas.
Gostariamos de observarque,
em toda literatura, e,
especialmente, na literatura pos-modernista experimental, as
formalizalYoes visuais, os desvios metataxicos, as irregularidades
metaplasmaticas nao somente sac significantes mas tambem
significados, tese defendida ja pelos formalistas russos, 0 que
evidencia que a dimensao tematica na contemporaneidade
e
sobredeterminada por urn super-tema que hierarquicamente se
sobrepoe aos temas ou motivos que aparecem. Alias, a critica
tematica, hoje em dia, nao se configura isoladamente. E impossivel
uma analise tematica pura, pois 0 proprio conceito de tema ate 0
momento e aberto. Ora remete a ideia, ponto de vista, ora remete
a moral da forma. As sugestoes de Carlos Reis(25)para que a
analise tematica esteja vinculada a analise semiotica e pertinente
e, achamos que e impossivel, a bem de uma analise realistica, se
desvincular do sentido comunicativo interpessoal e historico do
tema. Julgamos tambem que a forma e urn tema, pois 0 signo da
forma nao somente reforlYaurn sentido mas sempre diz, por si, urn
tema.
5. Sintaxes na literatura brasileira experimental a partir da
Teoria Poetica de J. Burgos
Se nos partirmos dos seguintes principios: 1 - que a
poetica nao se vincula a determinalYao de imagens a partir de uma
base culturalista, antropologica; 2 - que a genese poetica nao se
25 Cf. Reis, C. Tccnicas de An{tlise Textual. Lisboa, Livraria Almcdil1a, 1981, pp.
400-409.
vincula it historia cuja memoria esta, para sempre, presa ao passado
de urn inconsciente que exclui as possibilidades que a Poetica do
Imaginario percebe no desencadeamento das imagens; 3 - que a
genese poetica nao se restringe it origem da imagem estipulada
pela epistemologia poetica; 4 - que a poeticidade nao se restringe
a simples manifesta<;ao arquetipica, onde as marcas textuais nao
sac precisamente delineadas; 5 - que as estruturas textuais nao
sac capazes de mostrarem a dinamica das imagens, pois 0 ambito
linguistico a que elas se condicionam nao permite transcender a
materialidade da lingua; 6 - que as opera<;oes imagologicas
transcendem 0 campo da lingua, pois e da fala que se gera a imagem;
7 - que a imagem e mais que urn espa<;o semiotico; 8 - que a
imagem e urn simbolo transcendendo a particularidade semiotica
do signa; 9 - que a poetica do Imaginario e urn paradoxa
epistemologico necessario e, nem por isso, a sua pertinencia e
menos consistente. (26)
Partindo de uma sintese do funcionamento possivel das
imagens atraves dos schemes ou estrutura<;oes dinamicas da imagem
que se materializam atraves das sintaxes que perfazem 0 texto,
tentaremos indiciar, mais que indicar, 0 aparecimento de certos
schemes (trajetos encamados nas representa<;oes concretas precisas,
apud Durand) que num texto nao sac percebidos de forma pura,
mas convergente.
No entanto, podemos detectar, sem a
preocupa<;ao de aplicar as estruturas simbolicas do Imaginario de
forma convencional, onde 0 modelo pre-molda a textualidade.
As sintaxes que observamos nos textos experimentais coincidem,
em varios momentos, com as estrutura<;oes imagisticas, mas a
leitura do Imaginario e mais do que a catalogagem dos mecanismos
textuais, ao ponto de percebermos que uma mesma imagem po de
apresentar significa<;oes radicalmente diversas. No entanto, nao
e ilimitada a significa<;ao, pois 0 seu contexto, determina as
singularidades do sentido potencialmente aberto. A leitura da
Imagem, que retoma e ultrapassa a evoca<;ao e restaura<;ao dos
Mitos, so podera ser percebida, no caso da literatura, atraves das
sintaxes textuais, que sac uma maneira privilegiada de retomar e
evocar os conteudos miticos, sem, no entanto, condicionar-se it
mera repetiyao nao criadora de novas realidades.
Tentemos verificar as sintaxes de alguns textos experimentais
da literatura contemporanea. Achamos que a pertinencia da
tripartiyao apresentada por burgos s6 se justifica a partir da
verificayao inical da textualidade que vai ou nao evidenciar as
formulayoes modeladoras que se apresentam na Poetica burgosiana.
Gostariamos de assinalar que a determinayao das sintaxes parte
de uma tentativa de captar a imagem que diferentemente da
metafora, corresponde a urn movimento e momenta de criayao,
onde a analogia fica postergada it visao reaciomlria da imagem. A
imagem, como nos diz Burgos (27), retomando Jung, e uma realidade
diferente, realidade interna e nao se restringe a uma representayao
da realidade exterior. A imagem nao e uma figura de ret6rica.Ela
e visao, como ajulga Rimbaud. Segundo Jung, como diz Burgos,
ela e uma expressao concentrada da situayao psiquica global (28).
Tentaremos agora mostrar alguns exemplos de convergen_
cia sintatica na ficyao contemporanea, partindo do principio de
que a genese sintatica da conquista nao existe isoladamente mas
em convergencia com outras sintaxes.
10 Exemplo de convergencia das sintaxes da conquista e
recusa em Agua Viva de Clarice Lispector.
"Preste atenyao e e urn favor: estou convidando voce para
mudar-se para reino novo".
(p. 58)
"Renuncio a ter urn significado, entao 0 doce e doloroso quebranto me toma. Formas redondas e redondas se entrecruzam no
ar. Faz calor de vedio. Navego na minha galera que arrosta os
ventos de urn verao enfeitiyado. Folhas esmagadas me lembram
o chao da inmncia"..
(p. 26)
"Sou urn ser concomitante: reuno em mim 0 tempo passado,
o presente e 0 futuro, 0 tempo que lateja no tique-taque dos
reI6gios".
(p. 22)
"0 que escrevo
27. Ibidem, p.76
28. Ibidem, p.77
e urn 'isto'.
Nao vai parar: continua".
(p. 97)
"Se eu ou90 e porque existo antes da forma9ao do tempo".
(p. 38)
":8
de uma pureza tal esse contato co'm 0 invisivel nucleo
da realidade".
(p. 22)
Seria interessante articularmos estas passagens acima,
que indiciam a sintaxe da recusa, com as seguintes, que evidenciam
a sintaxe da conquista:
"Quero a profunda desordem organica que no entanto da a
pressentir umaordem subjacente".
(p.27)
"Vou te falando e me arriscando it desconexao:
sou
subterraneamente
inatingivel
pelo meu conhecimento".
(p. 28)
Processo interessante de convergencia e altera9ao sintatica
se observam em A Festa, onde 0 texto exibe 0 Antes da Festa e 0
Depois da Festa, mas elide a Festa, 0 intervalo temporal entre 0
passado e 0 futuro. Alem do mais 0 Antes da Festa e 0 Depois da
Festa sac refugios ou recusas do presente real, cruel e a omissao
do capitulo a Festa, titulo do livro, simbolo e recusa da repressao
politica, se materializa nessa omissao, imagem da violencia,
hipocrisia, mentira existentes no tempo presente que nao e aceito
como tal. Porque ha a violencia, a sintaxe da conquista atraves do
regime antitetico materializado no tecido literario, atraves da
quebra da linearidade, da subversao da sintaxe da astucia, da
pertinencia da progressao linear, podemos ler as imagens da
conquista em convergencia com as imagens do refugio. Em A Festa,
assim como em Caso Morel e Zero, os schemes de expansao,
multiplica9ao, rapto, substitui9ao e usurpa9ao podem ser percebidos
de forma bem explicit a atraves da presen9a de polidiscursividade
mais presente em Zero, no entanto, evidenciada em A Festa,
Caso Morel, A Rainha dos Carceres da Grecia, Agua Viva onde
a apresenta~ao de modelos de discurso alem do discurso ficcional,
se mostra de forma mais reduzida.
A expansao se materializa, nesses textos, atraves da presen9a
macir;a de estruturas discursivas que se expand em e se multiplicam,
atraves do rapto dessas mesmas estruturas que deveriam estar no
seu contexto discursivo. So como exemplo, em A Festa, embora
se mantenha a sintaxe da astucia, 0 texto intitulado Documentario,
e todo ele formado de rapto de recortes de jomal, textos de
Sociologia, musica do cancioneiro popular. Desta forma 0 rapto
implica nestes textos a substituir;ao do ficcional, pelo jomalistico,
musical, religioso, juridico, etc. A intertextualidade flagrante, nestes
textos, evidencia, na pos-modemidade, a tentativa de superar 0
tempo, de condensa-Io e no caso dos textos supra-mencionados 0
tempo deixa de ser 0 percurso linear tao caracteristico dos textos
narrativos convencionais. Nao se trata de elidir este tempo linear,
mas de usa-Io em convergencia com a sua coagulac;ao ou
condensac;ao, 0 que pode ser verificado nas justaposic;6es frequentes
de estruturas discursivas, temas, significantes, que simplesmente
se aglomeram, sem materializarem a linearidade logica que justifica
a disposic;ao progressiva dessas mesmas estruturas, temas e
significantes.
Vamos atraves do texto Com Os Meus Olhos de Cao de H.Hilst
mostrar dois exemplos que, a nosso ver, remetem, tambem, it
convergencia das sintaxes: a da conquista e a do refugio.
"Engolia 0 corpo de Deus a cada mes, nao como quem engole
ervilhas ou roscas ou sabres, engolia 0 corpo de Deus, como
quem sabe que engole 0 Mais, 0 Todo, 0 Incomensuravel, por
nao acreditar na finitude me perdia no absoluto infinito".
(A obscena senhora D, p. 62).
Em urn outro conto de Hilda Hilst - em Tu Nao Te Moves
de Ti (p. 135), encontramos 0 seguinte exemplo:
"Em todos hi uns ares de pequeno disfarce, alisam simultaneos
o dorso do cao, sera porque a pergunta traz no corpo, mergulhadas,
as palavras Tempo e Durac;ao? Etemidade e seu corpo de pedra e
dentro desse corpo 0 tempo procraz, insolencia soterrada na
carne, ai Ru~e, se 0 tempo no teu rosto te cobrisse de rugas, se
tivesse a ddra e adocicada comunhao com as coisas, talvez sim
tu serias mais bela porque 0 rosto adquire refulgencia se dor e
maravilha e materia de tudo 0 que te rodeia te penetra, ...".
NOTAS SOBRE A INTERJEI<;AO
A interjei~ao e 0 unico fenomeno linguistico exclusivo da lingua
falada1• Assim, mesmo quando ocorre na escrita, geralmente em
contexto de diiilogo, representa uma situa~ao de fala. Nao obstante
essa peculiaridade, ou talvez por isso, a interjei~ao tern recebido
pouca aten~ao por parte dos gramaticos e dos linguistas. Para os
gramaticos a interjei~ao e desinteressante porque nao obedyce a
algum preceito normativo; para os linguistas, ela e de pouca
importancia porque nao se situ a na estrutura sintatica. Motivado
por essa dupla desconfian~a, 0 presente trabalho busca observar a
interjei~ao em seu contexto especifico, ou seja, na pnitica discursiva.
A primeira constata~ao a fazer e a falta de consenso entre os
diversos autores quanto ao que possa ser tornado como interjeiyao.
Em certos casos, ha fenomenos que foram tratados como inteIjei~ao
(cf Ehlich, 1986:31-35; James, 1972 e 1973), que sac tidos por
outros autores como marcadores conversacionais ou ate mesmo
como hesita~ao. Alem disso, a interjeiyao foi vista pelos gramaticos
apenas como urn recurso para expressar a emotividade e nao mais
do que isso. A seguir sera feito urn levantamento de algumas dessas
posi~5es com a anresenta~ao de uma alternativa teorica.2
t Fenomenos tais co;
JS Marcadores conversacionais, Repeti~1ies, Truncamentos
e Hesita~1ies. _Jtre outros, sac caracteristicos da fala, mas nao exclusivos, isto e,
a escrita tem marcadores, repeti<;oes, etc. tipicos que nao ocorrem na fala. E neste
sentido que a interjei<;ao e vista aqui como tfpica e exclusiva da fala, nao !- -,vendo
interjei<;oes que sac usadas s6 na escrita.
2
Os materiais utilizados nesta analise foram extraidos de dois COl'pOJ'a diversos. Um
deles e 0 conhecido COJ"PUSdo Pmjcto NURC (aqui foram us ados os de Recife e
Sao Paulo), 0 outro provcm dos dados coletados pelos bolsistas do Pt'ojeto sobt'e
Hesita~ao em andamento no LALIN-PE (Laborat6rio
de Linguistica) da UFPE,
desenvolvido pela cquipc coordenada por Judith HotTIllagcl, It:ndo como mcmbros
Marigia Viana e L.A. Marcuschi, com financiamento do CNPq. Estes dados pertencem ao corpus designado Conesp (conversa~ocs espontancas),
Assim, a seguir,
cito dllas fontes: (a) NURC e (b) CONESP. Maiores detalhes sobre esses dados
podem ser vistos em Marcllschi (em prepara<;ao).
E,
em geral, sucinto e pouco esc1arecedor 0 tratamento dado it
interjeir;ao pelas gram<iticas. 0 mais comum e uma descrir;ao com
urn elenco de exemplos classificados pela funr;ao discursiva
agrupada dentro da linha da "emocionalidade".
Veja-se, por exemplo, 0 que the destina a Nova Gramatica
do Portugues Contempodineo, de Cunha e Cintra (1985:77).
Ap6s introduzirem as classes de palavras, subdivididas em
"morfemas lexicais" (substantivos, adjetivos, verbos e adverbios
de modo) e os "morfemas gramaticais" (artigos, pronomes,
numerais, preposir;oes, conjunr;oes, outros adverbios), os autores
acrescentam uma frase final dizendo: "A interjeir;ao, voca.bulofrase, fica exc1uida de qualquer das c1assificar;oes. Mais adiante,
os autores dedicam urn capitulo inteiro (cap. 17) de uma {mica
pagina (p.577) a interjeir;ao definindo-a como "uma especie de
grito com que traduzimos de modo vivo nossas emor;oes". Quanto
ao valor da interjeir;ao,
e informado que ele "depende
fundamentalmente do contexto e da entoar;ao". Com esta assertiva
os autores colocam, implicitamente, a interjeir;ao no contexto de
fala. A c1assificar;ao das interjeir;oes, tal como sugerida, segue uma
simples relar;ao empirica de dados, ou seja:
II
Tipos
de alegria
de animar;ao
de aplauso
de desejo
de dor
de espanto
de impaciencia
de invocar;ao
de silencio
de suspensao
de terror
Exemplos
ah! oh! oba! opal
avante! coragem! eia! vamos!
bis! bem! bravo! viva!
oh! oxa16!
ai! ui!
ah! chi! ih! oh! wi! puxa!
hum! hem!
al6! 6! 6! ola.!psiu! psit!
psiu! silencio!
alto! basta!
ui! uhf
Alem dessas ainda sac apontadas as "Iocu~oes interjeitivas",
tais como "ai de mim"! "ora, bolas!" "raios te partam!" "valha-me
Deus!". Isto e tudo 0 que a gramMica mais conceituada de lingua
portuguesa de que dispomos na atualidade nos ensina a respeito
da interjei~ao.
Melhor sorte e mais espa~o mereceu 0 tema na A
Comprehensive Grammar of the English Language, de Quirk,
Greenbaum, Leech e Svartvik (1985). Num primeiro momento
(p.67), os autores distribuem as classes de palavras (classes fechadas
e classes abertas), acrescentando uma "marginal and anomalous
class of interjections" (grifo meu). Na verdade, tudo indica que
a interjei~ao nao se situa em classe alguma e a rigor nao pertence
ao sistema lingilistico. Mais adiante (p. 74)( quando os autores
analisam as propriedades de cada classe, retornam ao tema
observando que" as interjei~6es costumam ser consideradas uma
classe fechada com base no fato de que as que sac totalmente
institucionalizadas formam urn numero pequeno". Contudo, em
oposi~ao as demais palavras das classes fechadas, tal como as
preposi~6es e as conjun~6es, as interjei~6es sac "gramaticalmente
perifericas no sentido de que mio en tram em construr;oes com
outras classes de palavras e s{io apenasfrolL'Camente conectadas
as frases com as quais elas parecem estar ortogrftfica ou
fonologicamente associadas." (grifo meu). Parece que os autores
oscilam entre considerar ou nao as interjei~6es como uma c1asse
de palavras. Na p. 441, eles situam as interjei~6es nitidamentre
numa classe de palavras fechada tal como as conjun~6es e as
preposi~6es.
A expressao usada acima, "ortogrMica e fonologicamente
associadas", sugere que as interjei~6es nao sejam parte integrante
do sistema linguistico. Isto vem de fato afirmado explicitamente
pelos autores quando prop6em tomar as interjeiv6es como
"perifericas
ao sistema lingiiistico como tal pelo fato de
frequentemente envolverem 0 uso de sons que de outro modo
nao ocorrem nas palavras inglesas" (grifo meu). Ha, pois, duas
raz6es para exclui-las da analise linguistica: (a) nao se integram a
sintaxe das frases e (b) nao sac palavras da lingua. Em nota sobre
a questao, os auto res (p.74) lembram que as interjeiv6es "formam
uma classe relativamente aberta porque elas podem ser criadas
223
1ivremente por onomatopeias". Isto refletiria uma "liberdade
inestruturada"
para urn "uso expressive de vocalizac;oes na
conversac;ao". Com isto a interjeic;ao recebe seu lugar especifico
na conversac;ao e tanto e tida como classe aberta como fechada.
Aprofundando a questao, podemos observar, nos mesmos
autores (p.88), 0 espaC;odiscursivo em que a interjeic;ao e situada.
Este lugar e a pragmatica da comunicac;:ao.Definindo a pragmatica
como "urn estudo da linguagem com as func;oes comunicativas",
os autores frisam que os atos diretivos e as exc1amac;oesevidenciam
uma certa "divisao de trabalho entre a gramatica e a pragmitica"
de maneira que "quanto mais 0 contexte contribui para a forc;a
comunicativa de urn enunciado, menor a necessidade de 0 enunciado
ser gramaticalmente explicito". Os atos diretivos e as exc1amac;5es
estariam, neste caso, no final da escala pragmatica, 0 que toma a
gramatica "ociosa". Em nota final os autores retomam a interjeic;ao
para afirmar que no caso das "meras interjeic;:oes" "a contribuic;ao
da gramitica para 0 processo comunicativo atinge 0 seu minimo".
Na verdade, as interjeic;:oessac reduzidas a "quasi linguistic noises",
nao obstante sua relativa frequencia na conversac;:ao.
A ultima observac;ao dos autores encontra-se it p. 853, quando
dizem que "as interjeic;oes sac palavras puramente emotivas que
nao entram nas relac;:oes sintaticas" e algumas delas apresentam
trac;os fonol6gicos que as situam a margem do sistema linguistico.
Estas posic;oes parecem refletir 0 consenso dos gramiticos a respeito
da interjeic;ao e por esse caminho nada haveria de relevante sobre
a questao. Seria ocioso continuar com a analise das posic;oes das
gramaticas a esse respeito.
Apenas a titulo de contraposic;ao ao afirmado acima e para
mostrar uma visao oposta a essa, lembro aqui a posic;ao de Ehlich
(1986:31) ao tratar do "hm":
"0 tratamento linguistico das interjeic;oes exige uma analise formal
e funcional combinada. Deveria ser realizada em expressoes
individuais. A fim de nao fazer da interpretac;ao tradicionalligada
a emoc;ao urn ponto de partida prejudicial, t~ato aqui uma interjeic;ao
que por longo tempo sequer foi reconhecida como tal: hm."
De fato, parece que 0 ponto de partida ever a interjeic;ao como a
expressao grafica da expressao emotiva. 0 criterio foi a func;ao
emocional. Ehlich propoe uma mudanc;a nessa perspectiva de
224
abordagem. E 0 que se tentara aqui.
A Gramil.tica de referencia da lingua alema DUDEN (vol.
4: 1973) tambem situa a interjeiyao como uma classe de palavras
(p. 62). Observa (p.339) que as interjeiyoes sao, segundo a forma,
uma classe nao univoca de palavras, mas sao invariaveis e em
oposiyao as demais palavras nao sao membros da frase nem atributos
das frases em que se situam, permancendo sintaticamente isoladas.
A Gramil.tica DUDEN (p.339) afirma que "as interjeiyoes
sao palavras da conVerSayaO" (Worter des Gespdichs)
particularmente apreciadas na linguagem afetiva, na giria e na
linguagem infantil, nas fabulas, nas canyoes populares e nos
"comics". Com base nisto ela se afigura urn fenomeno da fala
informal, sendo que no caso da literatura ela s6 aparece em
contextos que lembram a fala. De urn modo geral, a Gramlitica
DUDEN tambem apresenta a interjeiyao como adequada a expressar
os mais diversos tipos de emoyoes. Acresenta, porem, alguns casos
mais, como chamadas do tipo "oi" ou "ei" e imitayoes de sons,
sendo que neste caso teriamos as interjeiyoes onomatopaicas como:
"pum", "psiu".
A gramatica DUDEN faz uma longa analise da interjeiyao
sob 0 ponto de vista de sua insen;ao sintatica no contexto linguistico
(p.342-345), observando que:
1) sintaticamente, as interjeiyoes podem aparecer isoladas
de qualquer contexto linguistico mais amplo, como no caso de:
"Ai meu Deusl "; "Ai!"
2) podem aparecer relacionadas a urn enunciado, se ele for
exclamativo, imperativo ou indagativo: "Ahl quem me dera estar
ki hoje"; "Eil Saia dail"; "Oil vai hoje?"
3)em determinadas condiyoes as interjeiyoes podem ser
membros de uma frase como elemento mencionado: "0 primeiro
"uau" vai receber um premio" ou no caso de cita~oes como em:
" Nossal'disse ele ao ver a confusao"
4) ha casos em que as interjeiyoes fazem parte de uma locuyao
fixa como em: "dizer aiai"; "fazer miau" e outras desse tipo.
A rigor, a gramatica DUDEN e uma das poucas que trata a
interjeiyao em seu contexto especifico (formal e funcional), sem
pretender analisa-Ia do ponto de vista das demais classes de palavras.
Como result ado dessa breve incursao, restam quatro questoe~
as quais me dedicarei a seguir:
1.
2.
3.
4.
a interjeiyao forma ou nao uma classe de palavras?
qual 0 status sintatico da interjeiyao?
qual 0 papel da interjeiyao no contexto discursivo?
qual a relayao da interjeiyao com outros fen6menos da
fala, tais como os Marcadores Conversacionais e as
Hesitayoes?
Inicialmente, serao tratados os tres primeiros itens, sendo
que a quart a questao s6 ~eni vista em conjunto com a analise dos
dados.
a) Se as interjei~oes formam uma c1asse de palavras:
Urn texto bastante ilustrativo a respeito do conjunto de problemas
que poderiam interessar ao linguista no caso da interjeiyao eo de
Trabant (1983) situado no contexto de urn livro editado por Weydt
(1983) sobre as particulas da intera~ao. 0 texto de Trabant
responde a questao: "as interjeir;iJesfazem parte da lingua?". E
precisamente aresposta de Trabant (1983:75) que pretendo adotar
aqui como ponto de partida: as interjeiyoes sac urn fen6meno
linguistico universal, seja do ponto de vista de sua materialidade,
seja do ponto de vista de sua funcionalidade comunicativa (nao do
ponto de vista semantico ou informacional e sim do ponto de vista
ilocut6rio). Alem disso, a interjeiyao e urn signa linguistico
"arbitrario" que se torna convencional mediante seu uso intencional.
Nao e uma simples imitayao onomatopaica da natureza nem urn
arnontoado de sons. Do ponto de vista fonol6gico situa-se no
contexto da lingua de que faz parte, de tal modo que os fonemas
de que se constituem as interjeiyoes sac em geral os mais comuns
daquela lingua particular. Contudo, as interjeiyoes prototipicas,
tais como "ah!", "oh!", "ih!", "po! etc. nao obedecem ao principia
da dupla articulayao e s6 se articulam fonologicamente, mas nao
rnorfologicamente
e sintaticamente, ja que neste caso sao
holofrasticas
e permanecem
isoladas do ponto de vista
rnorfossintatico.
226
Em suma, respondendo a primeira das indaga~5es feitas acima,
diria que se por urn lado a interjei~ao parece formar uma classe de
palavras, por outro, serve-se de elementos ljngtiisticos pre-existentes
e pertencentes a outras classes de palavras. Assim, parece correto
admitir que a interjei~ao, tal como os marcadores conversacionais
e as hesita~5es, nao formam classes de palavras e sim classes de
fun~5es discursivas bastante caracteristicas. Certamente, a questao
relativa a serem ou nao uma classe de palavras e uma das menos
relevantes no tratamento das interjei~5es, pois essa visao situaria
a interjei~ao no mesmo plano que os demais itens lexicais, quando
suas caracteristicas nao residem na sua classe gramatical e sim na
sua fun~ao discursiva.
b) se as interjei~oes tern urn status sintatico
Os gramaticos e os linguist as observam que as interjei~5es sempre
vem isoladas em rela~ao ao contexto sintatico em que ocorrem.
No geral, formam uma especie de estrutura hoiofra.stica
independente. Talvez por isso nao ocorrem em qualquer ponto da
estrutura oracional e isto as faz diferentes dos demais fen6menos
linguisticos. Diria que as inteJjei~5es nao formam sempre holofrases
e muitas vezes sac urn elemento de puro efeito discursivo sem urn
status sintatico definido. Por isso, nao se pode falar de urn modo
categ6rico em rela~ao ao status sintatico das interjei~5es. Vejamos
este caso extraido de uma Conesp:
(1) Ah! mas perai ... entCia ela vat JaM
Nada impede que se comece com "mas perai ... entao ela vai fala",
po is e comum que na fala se inicie urn tumo com 0 marcador
"mas". Portanto, mesmo neste caso, 0 Ah! seguido de uma
conjun~ao nao se integra no seu contexto sintatico. Tambem nao
se pode tomar aquele ah! como se fosse uma frase.
o mesmo se da no caso de inser~ao em final de ora~ao como
neste exemplo de uma Conesp:
(2) born rnesmo que Br. nGOpossa ... a gente ensaia sem Br. pO!
A ausencia daquele po! nao causaria dificuldade algurna. Parece
que esse po t tern urn papel rnuito semelhante ao dos marcadores
nessa posi~ao, tal como 0 viu?, certo?, entendeu?
Mais complexo e 0 caso em que as interjeiyoes sac objeto de
referencia de urn enunciado, como em (3) abaixo, extraida de ourra
Conesp. Ali temos uma especie de integrayaO da interjeiyao no
contexto sintatico:
(3) ai pronto! ... eu disse "Deus me livre" ... hoje:: ((risos))
Everaldo e doido Everaldo me bota em TANta jria que
eufico assim ... eu disse "mais meu Deus do ceu" ... ai
quando eu vou reclamar ele:: acha ruim
"Deus me livre" e" mais meu Deus do ceu" sac duas locuyoes
interjeitivas citadas ou referidas e tern 0 status de complemento
do verba dizer.
Por outro lado, parece que as interjeiyoes, quando operam em
suas funyoes especificas, nao aparecem em qualquer ponto da
estrutura, como observou James (1972,1973). Seria pouco provavel
que alguem dissesse:
(4) * esqueci puxa! de novo meu guarda-chuva no onibus
No entanto, encontramos, alguns casos muito interessantes nas
Conesp analisadas, tais como:
(5) tu pega oche! pega um Rio Branco num sei 0 que joga
com 0 Nautico 0 Sporte 0 Santa Cruz aqui dali goleada
1../
(6) e 0 pior e e e e:: ... voce tit em casa ... assim porra!
doido pra toca num sei 0 que ... neguinho telefona pra
voce 1../
Ai temos dois casos diversos. Em (5) a interjeiyao naquele ponto
intermediario (nao-canonico) levou a uma retomada da estrutura
com a repetiyao do verbo. Ja em (6) se da uma inseryao da inteIjeiyao
num ponto que a maioria dos autores nao julga possive!. Para
efeitos deste estudo, vou admitir que 0 lugar canonico da interjeiyao
eo inicio eo final de orayoes ou estruturas sintaticas. Embora nao
excluido, seu aparecimento
em outros pontos e raro ou
problemiltico. Tambem vou admitir que a interjeiyao vem sempre
isolada em termos estruturais, mesmo quando citada ou em inicio
de citayoes. Por fim, ela nao apresenta a forma ou estrutura de
frase mas sim a fun~ao ilocucional de uma fl'ase.
c) se as interjei~oes tern fun~oes discursivas tipicas
Parece (cf. Trabant, 1983: 71) que a interj ei9ao teria apenas urn
valor pragmatico (com fortes caracteristicas discursivas) e nao
realizaria uma dimensao semantica. Para Searle (1965) expressoes
como "urra", "au!", teriam apenas urn conteudo ilocut6rio e nao
urn conteudo proposicional. Isto quer dizer que as interjei90es
nao teriam mais do que urn valor pragmatico. Segundo observa
Trabant (1983: 71), tambem Trubetzkoy teria defendido esta
posi9ao.
A proposta de Trabant (1983 :72) e tratar a interjei9ao como
urn esquema textual i1ocut6rio, a que leva a toma-la como uma
macro-unidade em si me sma. Esta visao refor9aria as observa90es
sintaticas acima e justificaria porque ela nao aparece em qualquer
ponto aleat6rio da estrutura linguistica. Par outro lado, a maioria
dos autores concordam num ponto: as interjeiyoes nem sempre
constituem unidades lexicais pre-existentes na lingua. Vejam-se
expressoes como:
- pfui, po, oba, epa, ih, 6h, chi, ith, 0 ,pit, bit, pi, buh, eita
e outras deste tipo.
Isto seria urn tema de interesse aos lexic6grafos, ja que se
trata de urn fenomeno muito particular e presente em todas as
linguas com as mesmas caracteristicas. Sao sons adequados para
expressar inten90es de forma imediata, criando assim a tipicidade
funcional do fenomeno.
Discursivamente, a interjei9ao situa-se sempre em contextos
de maior vivacidade e reproduz momentos em que uma posiyao
pessoal e tomada au manifestada. Vincula-se aos generos textuais
mais espontaneos de modo mais saliente e em geral tern mais aver
com a envolvimento do que com a informayao. Portanto, as
interjei90es sao fenomenos essencialmente discursivos e nesta
perspectiva acham-se perfeitamente integradas na estrutura
ilocucional do texto. Veja-se esta sequencia de uma Conesp:
(7) Ml- oxem! a meninajit sabe faze molho?
M-I - O! ... ela sabe faze tudo
M7 - flit! essas e.'.': que n/lm sabe menina
Eram sete mulheres falando mais au menos ao mesmo tempo e
acaloradamente. Nesse ponto comentavam sabre as virtu des de
uma empregada domestica. Os turnos, todos curtos, sac iniciados
com uma interjeiyao que revela a posiyao pessoal da falante e
enquadra a interpretayao que deve ser dada a observayao. Veja-se
agora este caso de interesse sob 0 ponto de vista discursivo, ao
mostrar de forma muito viva como as interjeiy5es tern urn papel
decisivo na montagem do clima, seja ele de tensao ou hilario.
(8) M4oia!
Everaldo ... eh :: como e
0:: homem vei virado nas caneca
quando foi ... sexta - feira ...
porque ... Everaldo chegou 16 disse
"olhe va diga a sel a:: Ernesto que pague lIIinha bebida
pOl"que se ele nUIIIpaGAR ... ai sabado eu venho aqui e levo ne ... minIm
11lercadoria" ... ai a lIIulher inventou lIIil e Ulna coisa ai quando
0
hOlllem
chegou ta disse ... "ele foi virado nas caneca eu soul eu oil ele e muito
call1lo ...
e eu sou Plor ainda ai que deulas coisa num vai prestaI' nao "
eu disse assi11l... "oil eu nUIIIt6 acreditano nao que Everaldo
nao"
fez isso
.0.
ai ele disse "apois! foi lIIinha esposa" disse "apois! eu nUIIInU11lacredito
[ nao"
M2
[ eu tinha dito "apois! e mentira dela" ...
M4 eu num quis dizer assim ne
MJ
0
homem jar tava ...
[eul oxem! dizia "e mentira sua
mulher e uma mentirosa e olhe se ela nUIIIfaz nisso"
M4 ei::ta! ((riso))
[perai::!
M7
[ eita perai danada!.
...
[ (
M5
[()
Ml e que e pra ele sai [ (
M3
)
)
[ e olhe se ela num poe ullla peruca de touro (( ri ))
no senhor
(( risos)) e assim oil uma peruca de tou:: ro
Neste segmento as interjeiy5es revelam sobretudo uma postura
pessoal e os trayos de decisao dos interlocutores quanta as suas
inteny5es. Nao e uma simples questao de emotividade como frisam
os gramaticos.
4.1. Identifica~ao do Fenomeno
Em trabalho sobre a sintaxe e semantica das interjeit;oes, James
(1972) situa nessa classe certas expressoes que outros colocam
nitidamente entre os Marcadores Conversacionais, tal como "well"
e "scry" que correspondem ao nosso "bem". Por outro lado, a mesma
autora trata como inteIjeit;ao fenomenos que outros trataram como
hesitat;ao. Na verdade, temos que identificar, dcntro do corpus, 0
que contara como interjeit;ao, distinguindo-a desses outros dois
fenomenos.
Tomemos, para inicio de analise, 0 exemplos abaixo (NURCSP-Inq. 234) e vejamos como identificar os fenomenos ali presentes:
(8) In! Roda Viva voce assistiu? ... palavroes escritos falados e
distribuidos ((ri)) de todo jeito ((rtsos)) mas fot bom
tambem viu? sei ld eu acho que 0 teatro esta ..esta tc70
nao set eu vou de vez em quando eu vou mas .... nao vou
muito a cinema prefiro
0
teatro
Certamente, todos concordamos que viu? e urn marcador
conversaciona:I em final de unidade. Mas a expressao grifada sei
hi poderia ser tida como uma interjeit;ao? Alias, essa expressao
vem quase sempre em posit;ao final e ali e indiscutivelmente urn
marcador conversacional, mas quando vem em posit;ao inicial,
parece ter as caracteristicas funcionais da interjeit;ao. A propria
entoat;ao e mais marcada e em tom levemente mais alto. Tomemos
este outro caso em que as posit;oes se invertem (NURC-SPInq.234):
(9) fUme assim de de amor fUme ... que me prenda a atenr;ao
eu tenho ido pouco ao cinema porque eh:: set lG eu:: 0
pessoal que vai "ah!" diz que tal filme nao e bom eu
prefiro ficar em casa e nao ir a cinema mas tenho assistido
filme bons ... olha eu estive:: 0 mes passado em Poros de
Caldas estava passando umjilme que eu achei /indo aqui
em Sao Paulo A Filha de (Ryan)
Aqui temos a sequencia eh:: se i 16 eu:: em que possivelmente se
da 0 seguinte:
(a) eh:: (hesitac;ao em corte de unidade)
(b) sei 16 (marcador conversacional em final de unidade)
(c) eu:: ( hesitac;ao em inicio de unidade)
Parece muito dificil querer tomar esse sei 16 como interjeic;ao.
Ali cabiam outras express6es, tal como sabe? ou entao ate mesmo
uma pausa silenciosa. Urn criterio bastante claro (mas nao
categorico) que permite uma decisao geralmente clara quanta a
nao to mar uma expressao como interjeic;ao e a marca prosodica
em tom indagativo que nunca e usada em interjeic;6es. Isso porque
a interjeic;ao nao se volta para 0 ouvinte e sim para 0 falante ou,
no maximo, para 0 conteudo de sua proposic;ao.
4.2. Estrutura e posi~ao
Com base nas observac;6es de James (1972 e 1973), bem como de
Trabant (1983) e Ehlich (1986), entre outros, podemos dizer que
a interjeic;ao nao se situa no interior da estrutura dos sintagmas,
mas forma uma especie de orac;ao isolada. Esta foi uma das
conclus6es basicas ja defendidas acima. Portanto, do ponto de
vista da posi~ao da interjeic;ao na estrutura sintatica, notamos
que ela vem no inicio de urn sitagma ou orac;ao e raramente no
interior, sendo que as vezes ocorre no final. A hesitac;ao, por sua
vez, e urn fenomeno cuja posic;ao canonica se da no interior do
sintagma em formac;ao. Ja os marcadores conversacionais aparecem
no inicio, no final e por vezes no meio. Urn diagrama poderia aqui
mostrar isso:
inicial
interjeic;ao
final
xxx
xxx
hesitac;ao
marcador c.
medial
xxx
xxx
(10) Interjei9ao:6 meu Deus! ele na crise-inda vai compra bicie/eta. ..
(11) Hesita9ao: deve ser como na televisao eles preparam 000:: •••
o a per;a... e:: devem dividir
(12) Marcador: bom bom voce nao falar! a gente falar pouco porque
a sua mulher ta ai
junto vou la chamar ela viu?
e
Estas sac as posilYoes ditas can6nicas e mais comuns desses
fen6menos. A interjei~ao encabe~a uma estrutura sintatica com
a qual nao mantem relalYao. A hesita~ao rompe uma estrutura
sintatica. 0 marcador emoldura a construtyao sintatica, mas nao
se insere nela.
A tabela a seguir da uma nOlYaObastante clara da posityao da
interjeityao nos dados trabalhados.
conesp
quant.
nurc
%
quant.
%
infcio
56
70
26
84
meio
4
5
3
10
final
7
9
2
6
13
16
80
100
31
100
isolada
totais
Algumas observalYoessac aqui imprescindiveis para entender
esses dados. No caso das Conesp, foram analisados 4 dialogos
num total de 60 minutos e eles apresentaram 80 ocorrencias (sendo
que cerca de 20 ocorrencias duvidosas foram deixadas de lado).
Quanto aos materiais do NURC, foram vistos 3 dialogos e uma
aula, num total de 190 minutos tendo apresentado apenas 3 1
interjeiyoes, mas muitos problemas, ja que casos como 0 sei hi,
certo! e outros desse tipo nao foram contabilizados
neste
levantamento. Isso comprova que a interjeilYao ocorre com mais
frequencia em textos espontaneos e e bem menos comum em textos
233
formais do tipo aula e conferencia ou em textos em que a atenc;:ao
se volta mais para 0 conteudo que para a interac;:aoe 0 envolvimento.
Tambem convem lembrar que os dados contabilizados em
inicio de unidade contem os inicios de citac;:5esde fala, tais como:
(13) um dos medicos ficou com uma dor nCiosei do que ... de est6mago
e tal ... falou "alt! vamos chamar os pajes nO"
Estes casos chegarm a urn total de 20 nas Conesp e 8 no
NURC. Alem disso, e interessante que nas Conesp aparecem 13
casos de interjeic;:5es isoladas, tal como no exemplo a seguir e no
NURC nenhuma interjeic;:aoisolada foi encontrada.
(14)
Br - quando eu cheguei la que eu olhei so tinha FRANgo
Nd - eita!
Br - so tinhafrango ... os cara sabe Bl tudo se beijando assim
(( risadas enquanto simula os beijos)) sabe? num papo
Bl - ei:ta!
o certo e que com urn percentual entre 70 e 80% na posic;:ao
inicial, a interjeic;:aotern neste ponto sua posic;:aocanonica.
Quanto a forma estrutural das interjeic;:5es e interessante
observar que e muito comum ela vir acompanhada do nome do
interlocutor, tal como em:
Tambem vem, tal como observado, em inicio de cita95es ou entao
isolada. Algumas das formas que apareceram foram:
- po!, porra!, 0 que!, ue!, ah!, t~idoida!, oxe!, oxente!, ai
meu Deus!,
aimeu doutor!, vem ca!, o!, 6ia!, perai!, eita!, apois!,
pronto!,rapaz!
e varias outras nessa linha. A maior variedade ocorreu nos textos
das Conesp.
4.3. Ponto de vista interacional:
Sob este aspecto a interjei~ao situa-se, diferentemente das
hesita~5es, sempre em inicios (ou as vezes em finais) de unidades
por raz5es comunicativas. Sua vincula~ao frequente com 0 nome
do interlocutor e um aspecto que mostra essa aten~ao para a
explicita~ao do envolvimento e da inten~ao. Tambem 0 fato de
boa parte das cita~5es de fala virem encabeyadas por uma inteIjei~ao
urn indicio de seu alto valor cornunicativo.
Discursivamente, as interjei~5es sac importantes por criarem
um clima de maior naturalidade e espontaneidade. Tanto assim
que as interjei~5es decrescem na propor~ao direta do aumento da
formalidade. Observe-se que na Literatura romanesca em geral os
escritores introduzem mais interjei~5es em momentos aos quais
desejarn emprestar um alto indice de naturalidade.
As hesita~5es, por sua vez, nao tem um trabalho interacional,
nem uma decisao itencional e sim servem sobretudo
ao
processamento Iingiiistico. Elas se volt am preferencialmente para
as atividades de formula~ao do falante. As interjei~5es, ao contnirio,
sac intencionais, nao se situam na esfera do processamento e sim
da intera~ao e do envolvimento (talvez mais um autoenvolvirnento)
e voltam-se especialmente para a expressao das inten~5es do falante.
Ja os marcadores conversacionais, por seu carater de envolvimento
interpessoal mais acentuado, voltam-se preponderantemente para
para as rela~oes interpessoais e sac mais ricos em fun~5es e
posi~5es, relacionando-se tanto aos falantes como aos ouvintes e
ao proprio conteudo. Os marcadores tem uma presen~a muito alta
e fun~5es bem mais variadas que as interjei~5es e as hesita~5es.
e
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