Psicologia e Educação
Transcrição
Psicologia e Educação
Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ AS EMOÇÕES NA LITERATURA DE CLARICE LISPECTOR – UM OLHAR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL Aproximações entre a psicologia e a arte literária: abrindo possibilidades O presente trabalho trata da intersecção entre psicologia e literatura, mais especificamente da teoria vigotskiana das emoções e a literatura de Clarice Lispector, sendo resultado da pesquisa de conclusão do curso de Especialização em Teoria Histórico-Cultural. Posto o desafio de estudar e sistematizar os trabalhos sobre as emoções na obra de Vigotski, encontramos na arte literária, enquanto produção humana que não se esgota em sua técnica, uma via de acesso à compreensão do homem, que propicia “o entendimento dos fatos sociais e fornecem subsídios a respeito da diversidade humana, favorecendo a compreensão de como os homens constroem suas relações e as quais necessidades estas relações atendem” (Silva, 2004, p. 6). Em outras palavras, a literatura é fonte rica que possibilita profundidade e critérios de análise, permite a observação das intenções do autor, além de vislumbrar para “a perspectiva histórica da transformação dos indivíduos, que se processa pelas lutas humanas que dão vida aos criadores e aos seus personagens” (Barroco, 2007, p. 72). Serão expostos dois momentos principais, sendo que o primeiro baseia-se na sistematização da teoria das emoções proposta por Vigotski e seus continuadores, seguida de aspectos relativos à vida e obra de Clarice Lispector. O segundo momento do trabalho pautase na discussão e interlocução entre as emoções no seu desenvolvimento ontogenético, afeto à Psicologia Histórico-Cultural, com os textos selecionados de Clarice Lispector. Objetivos O trabalho busca contribuir para a sistematização do conhecimento acerca das emoções na Psicologia Histórico-Cultural, em seu desenvolvimento ontogenético, por meio da análise do texto clariceano sustentado à luz do referido aporte teórico. Nesse sentido, elencamos as seguintes questões que orientarão a realização da pesquisa: como a arte literária pode contribuir para o entendimento da teoria das emoções por meio do desenvolvimento ontogenético, ao revelar o homem e seus processos de formação da consciência? Como se dá a relação entre o desenvolvimento das emoções e a obra literária de Clarice Lispector, partindo-se dos estudos da Psicologia Histórico-Cultural? Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Método A presente pesquisa bibliográfica, de natureza teórica conceitual, baseia-se em um exercício metodológico a partir da Psicologia Histórico-Cultural, na qual a metodologia a ser utilizada para compreender a literatura de Clarice Lispector assume a perspectiva do materialismo histórico dialético, que busca envolver os fenômenos humanos a partir da perspectiva de sua materialidade, contradições e totalidade. A seleção e delimitação dos escritos clariceanos examinados foram determinados a partir das idades da vida, para que fosse possível estudar o desenvolvimento ontogenético das emoções. Sobre a teoria das emoções na psicologia histórico-cultural Este sistema teórico, elaborado pelos soviéticos Lev Semenovich Vigotski (18961934), Alexander Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nicolaievich Leontiev (19031979), nas primeiras décadas do século XX, estava comprometido com o contexto sóciopolítico-econômico da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em meio ao clima revolucionário na Rússia. Partindo do pressuposto de que “na objetividade, nas necessidades que a realidade impõe, de acordo com a organização dos homens, que é possível entender as ideias, suas limitações e contradições” (Tuleski, 2002, p. 56), o projeto era o da formulação e consolidação de uma nova psicologia que compreendesse o homem como um ser complexo e dinâmico, tendo sua forma de agir e ser no mundo decorrente das relações estabelecidas com o meio social. Esta psicologia, com o objetivo de ser a Psicologia Geral, tem como um dos aspectos mais importantes a compreensão da formação do psiquismo humano como totalidade em um processo histórico e social, sendo científica a partir dos princípios filosóficos do materialismo histórico dialético. Devido a sua constituição social, o psiquismo humano não poderia ser entendido como dado a priori, mas tem sua natureza humana mutável conforme o decorrer do desenvolvimento histórico. Nesse sentido, a consciência é uma função que se constrói historicamente na direção interpsicológica para a intrapsicológica, ou seja, o que é coletivo passa a constituir a experiência individual por meio da apropriação (Vigotski, 1996). Dessa maneira, podemos compreender o movimento transitório das funções Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ elementares para as funções psicológicas superiores como decorrente do caráter mediatizado da atividade humana. Por meio da inserção da criança na cultura, esta se reequipa e transforma seu comportamento, suas funções psicológicas, um salto qualitativo interno que é provocado pelo meio externo, no qual o indivíduo de controlado passa a controlar essas funções de forma consciente. Conforme Tuleski (2002), as funções psicológicas superiores permitem o autocontrole e o autodomínio do comportamento. Outro aspecto importante relaciona-se ao “caráter sistêmico [do psiquismo] e à impossibilidade de dissociar afetivo e cognitivo nesse processo de constituição” (Gomes, 2008, p. 114), na conversão do natural em processo cultural. Nesta perspectiva, as emoções possuem o caráter de função cultural internalizada e não mais como um subcomponente instintivo, como considerada pela ciência de ordem metodológica positivista e naturalista. Vigotski procura estruturar a investigação para uma teoria das emoções em sua obra intitulada Teoría de las emociones: estudio histórico-psicológico (1933/2004), um dos seus últimos trabalhos, escrito entre 1931 e 1933, que ficou inacabado devido a morte prematura do autor. Segundo Toassa (2009), o autor “esboça um elenco de problemas fundamentais sobre o desafio da relação entre corpo e mente, enunciando alguns aspectos que considerava importantes para uma nova teoria das emoções em sua época” (p. 149). Nesta obra, baseado no filósofo holandês Baruch de Espinosa (1632-1677), o autor faz uma análise crítica da natureza da psicologia das emoções, predominantemente organicista, ao buscar a raiz dos seus pressupostos filosóficos e metodológicos, além de demonstrar a complexa rede de relações que esta psicologia estabelecia com os postulados cartesianos. Conforme Vigotsky (1933/2004), a teoria desenvolvida pelo filósofo e psicólogo norte-americano William James (1842-1910) e pelo anatomista dinamarquês Carl Georg Lange (1834-1900), de forma independente uma da outra, constituem, na verdade, uma só, uma vez que apoiam-se na base metodológica organicista, criada pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650). James e Lange são considerados discípulos involuntários de Descartes. A teoria organicista das emoções empenha-se a considerar as reações corporais como a fonte das emoções e, dessa forma, a teoria James-Lange afirma que as emoções provocam e determinam as expressões físicas, sendo impossível existir sem elas. Os autores relacionam à Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ parte emocional da vida psíquica fontes diferentes, uma vez que para James as responsáveis pelas emoções são as reações viscerais e, por sua vez, Lange atribui às modificações das funções do aparato vasomotor a base essencial de todo o processo emocional. James e Lange acoplaram as emoções aos órgãos mais invariáveis, mais baixos no desenvolvimento histórico da humanidade, separando-as da consciência. Os autores excluíam “por completo a possibilidade de fornecer a gênese das emoções humanas, do aparecimento de quaisquer emoções novas no processo da vida histórica do homem” (Vigotski, 1932/1998, p. 87). Desse modo, a teoria organicista reduz as emoções a processos periféricos que são refletidos no cérebro, criando um abismo entre as emoções e o resto da consciência: as emoções são relativas à periferia, e o resto da consciência tem se concentrado no cérebro. O estudo da consciência está mais relacionado aos processos mentais cognitivos do que aos emocionais, o que cria uma cisão no desenvolvimento do psiquismo entre as esferas afetivas e cognitivas. Há um dualismo aberto na interpretação da natureza das emoções superiores e inferiores, uma vez que só é emoção quando tem excitação corporal e origem periférica (Vigotsky, 1933/2004). Nesse sentido, o dualismo cartesiano entre afeto e cognição, corpo e alma, é fortalecido na teoria James-Lange, que evidencia a tendência a-histórica das emoções, “a hipótese da natureza sensorial e reflexa da reação emocional e a da negação da sua relação com os estados intelectuais” (Vigotsky, 1933/2004, p.139). Além disso, exclui-se por completo qualquer possibilidade de uma história das emoções humanas, por considerar impossível qualquer perspectiva de desenvolvimento das emoções, mas, ao contrário, sua regressão contínua até a morte. Conforme Gomes (2008), Vigotski não nega a existência concreta das modificações corporais durante as emoções, mas coloca em questão a relação existente entre essas modificações, o conteúdo psíquico e a estrutura das emoções. O autor considera também o resultado funcional, uma vez que as emoções possuem um significado biológico que não se relaciona tanto com as emoções em si, mas com suas consequências funcionais, ou seja, a preparação do organismo para uma atividade que resulta da emoção. Segundo Vigotsky (1933/2004), a teoria espinosana é o giro decisivo de toda a história da psicologia e de seu desenvolvimento futuro, por poder proporcionar uma ideia do homem Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ que sirva de modelo da natureza humana. Gomes (2008) afirma que Vigotski encontra “na teoria espinosista alguns elementos que permitam avançar em direção à constituição de uma perspectiva materialista das emoções humanas” (p. 64). Espinosa baseia-se na relação existente entre o pensamento e o afeto, o conceito e a paixão, a partir de uma concepção materialista do mundo, sob a perspectiva vigotskiana, o que faz com que sua doutrina dos afetos chegue à premissa de que tudo o que ocorre no corpo é percebido pela alma e, dessa maneira, “não há estado emocional sem efeitos corporais e mentais. […] o corpo humano é um todo composto” (Toassa, 2009, p. 179). De acordo com Silva (2011), Espinosa supera a concepção naturalista dos afetos, que são “determinados pelos fatores sociais e pelo desenvolvimento da inteligência, ou seja, este autor considera a relação direta entre emoção, cognição e consciência, as quais se estabelecem a partir da atividade humana” (p. 151). Esta afirmação aponta a implicação psicológica deste postulado, ao assinalar para a dependência entre as condições objetivas de vida e a formação da consciência, formulação da Psicologia Histórico-Cultural na defesa da materialidade dos processos psicológicos superiores. Vigotsky (1933/2004) defende a mudança do modelo filosófico, ao descartar o dualismo francês e instituir o monismo espinosano no entendimento das emoções. O autor buscava a criação da Psicologia Geral, na qual os conceitos contemplassem o que é próprio do humano, por meio de uma teoria das emoções que explicasse desde as emoções inferiores das crianças até as emoções superiores dos adultos. Nesse sentido, os pressupostos vigotskianos caminham para a formulação da emoção como função da personalidade, histórica e cultural. Ao propor uma nova maneira de pensar o afetivo, Vigotski (1996) defende o desenvolvimento histórico das emoções, alterado em função das conexões ocorridas com outras funções psicológicas, assim como com os conceitos. Nas palavras do autor, “esse sentimento é histórico, que de fato se altera em meios ideológicos e psicológicos distintos apesar de que nele reste sem dúvida um certo radical biológico, em virtude do qual surge essa emoção” (p. 127). Dessa maneira, temos a tese da historicidade do sentimento, que mantém sua raiz biológica, sobre a qual tem seu surgimento, na qual as emoções complexas aparecem no decorrer da história como a combinação que se dá no percurso de seu desenvolvimento. Nesse sentido, o referido autor é pontual ao afirmar que as emoções dependem do Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ desenvolvimento cultural e, portanto, constituem-se no transcurso da vida histórica. Outro aspecto decorrente deste entendimento refere-se “à indissociabilidade entre as diferentes funções psicológicas ou, dito de outro modo, as emoções estão inseridas numa complexa trama conceitual, o que faz com que elas sofram alterações qualitativas em função do desenvolvimento de outras funções psicológicas” (Gomes, 2008, p. 113). A partir de estudos recentes (Gomes, 2008; Toassa, 2009 & Silva, 2011) podemos afirmar que as emoções inscrevem-se no campo das funções psicológicas superiores, embora Vigotski não tenha declarado de maneira literal tal entendimento. Dessa maneira, as emoções são “funções mentais cujas formas e conexões biológicas, inferiores, são transformadas pela vida social e cultural” (Toassa, 2009, p. 283). Conforme Silva (2011), as emoções permeiam todo o desenvolvimento humano, dependendo da maneira e da qualidade das mediações, que possibilitam a apropriação dos instrumentos e signos culturais, para seu desenvolvimento, “na direção de um aumento da capacidade de autocontrole das reações emocionais inatas, impulsivas e instintivas, fazendo parte da consciência, mediada pelo pensamento verbal e conceitual” (p. 240). Diante dessas considerações, entendemos como o desenvolvimento das funções psicológicas superiores está atrelado às relações do indivíduo com o mundo social. Nesse sentido, o desenvolvimento emocional acompanha essa historicidade, pelas especificidades de cada idade transformadas de acordo com os momentos históricos, ou seja, devido à relação entre as mudanças históricas na sociedade e na vida material, que produzem mudanças na consciência e no comportamento humano. Por fim, Silva (2011) ressalva a importância do conhecimento produzido pelo homem ao longo de sua história social, refletido na educação e nas diversas formas de expressão artística, constituindo-se de fatores que contribuem para o desenvolvimento emocional. Em concordância, Toassa (2009) afirma que as emoções são constituídas por meios culturais, sendo os principais a arte e a linguagem. Nesse processo de formação psíquica, a atividade humana concentra-se na cultura e, por meio de apropriações, o homem passa a ter a linguagem e a produzir a arte, como forma de expressão humana em uma dada sociedade, constituídos e representados de uma ou outra maneira. A linguagem tem importância no desenvolvimento humano por promover o grande Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ salto qualitativo do biológico ao histórico nas funções psicológicas, tendo importância, principalmente, na formação da consciência devido a sua capacidade de penetrar em todos os campos da atividade consciente do homem, o que introduz mudanças na reorganização da vivência emocional, elevando a outro nível os processos psíquicos (Luria, 1991). A arte, ao ocupar um dos lugares centrais da culturização das emoções humanas, tem o papel de organizá-las de certa forma. Além disso, de acordo com Barroco (2001), “enquanto produção que contém as relações sociais nas quais se caracterizam os sentimentos, consegue objetivar, isto é, apreender e tornar mais visível as questões subjetivas, intrinsecamente conectadas às situações sociais, que oferecem momentos de dificuldade ou prazer” (p. 11). Outra questão que envolve a obra de arte e a emoção relaciona-se à ação daquela sobre o homem, em um sistema de estímulos que desencadeiam uma reação estética, ou seja, o impacto catártico no qual a arte produz uma emoção específica no homem. No entanto, como um dos desafios levantados por Vigotski (1925/1999), o trabalho e análise da arte devem incidir no fato de que ela não é somente a reação estética, mas uma atividade humana que permite o revelar desse homem, pontuando a relação arte e vida, arte e socialização. Temos aqui, portanto, a possibilidade de interlocução da Psicologia Histórico-Cultural com a arte literária no entendimento de como o homem concreto revela-se e se humaniza por meio das produções artísticas, fincadas às determinadas condições e transformações históricas e sociais. A escolha pela escritora Clarice Lispector justifica-se pelo conhecimento de grande parte de sua obra assim como, principalmente, pela relativa ausência de investigações históricas acerca de suas obras. Nesse sentido, na literatura clariceana encontramos o que é próprio do homem traduzido pelo drama de seus personagens, próximos às pessoas contemporâneas com suas aflições e necessidade de se tornarem humanas. Considerada como parte integrante do modernismo na literatura brasileira, Clarice Lispector (1920–1977) nasceu em território russo durante a guerra civil (1918-1921), em Tchechelnik, uma aldeia ucraniana povoada quase exclusivamente por judeus. O nascimento aconteceu na época em que sua família emigrava rumo ao continente americano, afastando-se dos maus tempos pós-primeira guerra mundial, assim como do clima difícil causado pelas constantes guerras civis e perseguições aos judeus (pogroms). A família Lispector muda-se para o Brasil, onde já viviam alguns familiares judeus, Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ vivendo em Maceió, Recife, onde sua mãe falece precocemente, e Rio de Janeiro, cidade onde a família instala-se permanentemente. Após ingressar na Faculdade de Direito, Clarice trabalhou como jornalista no DIP, órgão criado para propagar o governo de Getúlio Vargas, a única voz autorizada no país, onde conheceu jovens nomes da literatura e do jornalismo da época, o que possibilitou suas primeiras publicações de contos (Moser, 2009). A estreia de Clarice na literatura brasileira com o romance Perto do Coração Selvagem desestabilizou o cenário cultural brasileiro, no qual a literatura apoiava-se principalmente na produção ficcional regional, o Romance de 30. Como defendem Brasil (1969) e Rosenbaum (2002), ao trazer algo novo na literatura brasileira, percebemos que a revolução acontece no nível da linguagem, que exerce um obscurecimento do fio narrativo, um desmascaramento da dita "naturalidade" dos papéis sociais, construídos histórica e culturalmente. Desse modo, a escritora trouxe inovações no romance, recolhendo novas conquistas para a ficção, ao trazer o esforço constante em penetrar na consciência humana, pela sondagem psicológica por meio de uma narrativa intimista, introspectiva e subjetiva, tanto quanto era exploradora de temas de natureza social e histórica em suas obras, desconfiando da aparência dos fenômenos e contestando os acontecimentos de sua época (Medeiros, 2002). Este primeiro romance foi escrito em 1943 e publicado no ano seguinte, quando Clarice já estava formada em Direito e casada com um diplomata, que logo foi enviado para o exterior, devido à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A escritora vive, de 1944 a 1959, no exterior (Itália, Suiça, Inglaterra e Estados Unidos) acompanhando o marido no serviço diplomático, onde se encontrou com pessoas de origem diferentes, teve acesso a um amplo e importante acervo cultural e artístico. Essas condições objetivas e a mudança ao exterior trouxeram para sua vida e literatura fatos tão difíceis quanto compensadores, marcando-as de forma expressiva. Ao separar-se do marido, retorna ao Rio de Janeiro, dividindo-se entre a literatura e o cuidado dos filhos, além da colaboração em alguns periódicos brasileiros, com crônicas e entrevistas. Clarice faleceu em 1977, dona de uma obra significativa que revolucionou a literatura brasileira, composta de romances, contos, crônicas, traduções de outros autores, entrevistas e obras traduzidas em vários idiomas (Gotlib, 2008; Moser, 2009). Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Clarice Lispector usou e abusou de suas produções para provocar em seus leitores uma reflexão mais profunda acerca da vida, do mundo, da sociedade e das relações humanas. Diferencia-se de outros autores da literatura brasileira por fazer com tamanho cuidado e sutileza essa ida aos emaranhados caminhos da realidade, ao revelar o retorno, em um grau elevado, às vivências emocionais complexas, visitadas pelo leitor, dos personagens e seus processos de formação da consciência inseridos em uma determinada realidade concreta. Dessa forma, reconhecer o humano em Clarice Lispector, a partir de suas determinações dos condicionantes sociais, descortina um campo fértil ao entendimento do desenvolvimento do psiquismo do homem, em sua unidade afetivo-cognitiva, por meio de sua materialidade e de processos de humanização e de alienação presentes nas sociedades capitalistas. Assim como Medeiros (2002) apresenta o comprometimento de Clarice Lispector com o momento no qual viveu, Vigotski (2009) defende que por muito individual que pareça, toda criação encerra em si um coeficiente social. A obra clariceana é marcada, predominantemente, pela ênfase no individual, o que não significa que a escritora despreze o meio social no qual vive o indivíduo e no qual ele se constitui, uma vez que interioriza as carências e os dilemas sociais a partir de seus personagens. Tal afirmação pauta-se no posicionamento da Psicologia Histórico-Cultural de que não há invenções individuais no sentido estrito da palavra, uma vez que em todos há sempre alguma colaboração anônima – social até no que é criação individual. As idades da vida: Clarice Lispector e os estudos soviéticos Diante deste quadro, procuraremos discutir e analisar a obra de Clarice Lispector sob esse olhar, trabalhando com a linguagem e as possibilidades de acesso à consciência de seus personagens no caminho rumo à humanização, defesa maior da teoria que embasa este trabalho, no entendimento de como se dá o desenvolvimento das emoções. Para a análise das questões levantadas, não se pretende uma análise literária, mas a interlocução entre os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural e a arte literária, no entendimento dos fenômenos humanos. Por meio das mudanças nos processos afetivos conforme o desenvolvimento humano, podemos justificar o critério de análise baseado na escolha, dentro do universo literário da Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ obra clariceana, de textos que retratam as idades da vida. A partir da tese de que o homem vai se desenvolvendo conforme as atividades que o relacionam ao meio social, foram escolhidos três textos de Clarice Lispector que, vistos em determinada sequência, estabelecem o percurso ontogenético: a infância e a adolescência com o conto Os desastres de Sofia; juventude e idade adulta com o romance A hora da estrela e, por fim, a velhice vista pelo conto Feliz aniversário. O período da infância é retratado pela análise do conto Os desastres de Sofia, que abre o segundo livro de contos de Clarice Lispector, A Legião Estrangeira, de 1964. Narrado em primeira pessoa, o referido conto retrata as recordações de fatos significativos que ocorreram na infância da endiabrada e esperta Sofia, recriada pela memória da Sofia adulta, quando recebe a notícia do falecimento de um antigo professor. A narradora conta sobre o relacionamento e os sentimentos de criança em relação ao seu professor quando tinha 9 anos e depois aos 13 anos, quando volta a ter notícias dele, e as implicações que tais fatos têm em sua vida adulta. A notícia do falecimento trouxe-lhe todas as lembranças, em conjunto e misturadas, e os motivos de ter escrito a composição mandada pelo professor em uma de suas aulas. A partir de uma história contada por ele, os alunos deveriam recriar outra com suas próprias palavras e, conforme terminassem, poderiam ir para o recreio. A menina, como sabia usar somente as suas palavras, achou simples a tarefa e rapidamente terminou, indo brincar no campo do parque. Como estava aprendendo a tirar a moral das histórias, Sofia escreveu uma composição com a moral oposta a do professor, ou seja, escreveu levianamente sobre o tesouro que se disfarça, que precisa ser descoberto, pois está onde menos se espera, ao invés daquela de que o trabalho árduo é o único modo de se alcançar a riqueza. A história, voltada para o reverso do estabelecido, provocou o professor, “não consigo imaginar com que palavras de criança teria eu exposto um sentimento simples mas que se torna pensamento complicado” (Lispector, 1964/1999, p. 18), diz Sofia já adulta, ainda próxima emocionalmente da cena relembrada. Quando Sofia voltou à sala para buscar algum objeto esquecido, deparou-se com o professor olhando-a, os dois sozinhos na sala, pela primeira vez. Quando questionada sobre onde ouvira sobre o tesouro que se disfarça, a menina disse que ela mesma havia inventado. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ No entanto, o medo do professor não desaparecia, uma vez que o ele fitava-a, sem cólera, o que trazia novas ameaças, as quais ela desconhecia, além de certo importuno, maior do que a brutalidade que temia anteriormente, “e meu estômago encheu-se de uma água de náusea. Não sei contar” (Lispector, 1964/1999, p. 22). Depois da reação de surpresa e satisfação do professor, que tinha nos olhos lágrimas orgânicas, “um homem com entranhas sorrindo” (Lispector, 1964/1999, p. 22), que havia gostado de sua composição, Sofia, com o coração desiludido, as batidas aceleradas e descontroladas, saiu correndo da sala em direção ao parque, pensando no que o professor pensava dela, se um tesouro escondido. Sofia tentava entender o que havia acontecido, enquanto corria sem parar no grande campo do parque, mas acredita que sua ignorância naquele momento a impedia de compreender o que sentia e pensava naquela ocasião. A infância é retratada neste conto como um momento do desenvolvimento psíquico permeado por contradições, limitações e potencialidades, vinculadas à consciência da menina e, portanto, à relação entre emoção e pensamento. Durante a retomada das memórias, a Sofia adulta demonstra, o tempo todo, como a Sofia menina estava limitada e era guiada por sua própria ignorância, ao passo que as palavras a ultrapassavam, sem que ela as tivesse dito. Era uma criança confusa em relação aos seus pensamentos, à linguagem, às emoções, às intenções, o que parece ter sido superado por ela, enquanto adulta, visto que por meio da linguagem consegue lidar com essas lembranças e sentimentos de forma mais elaborada. Podemos reconhecer aqui o processo de formação da consciência, inicialmente social, interpsicológico, que no decorrer de processos de aprendizagem e desenvolvimento, passam a ser apropriados pela criança, que “começa a utilizar consigo mesma os meios e formas de comportamento que, no princípio, eram coletivos” (Vigotski, 1996, p. 113). Nesse sentido, houve o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a formação de conceitos, o autocontrole e autodomínio de seu comportamento, como também o desenvolvimento da linguagem e da atividade criadora em outro patamar, isto é, não mais ligado ao cotidiano e ao imediato, mas com o caráter intencional e voltado ao futuro. Este salto qualitativo é percebido no relato de toda a história, pela Sofia adulta, que consegue falar, conceituar e imaginar de forma superior a da Sofia criança. O segundo texto de Clarice Lispector selecionado para análise, que abarca a idade Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ adulta, refere-se ao romance A hora da estrela, publicado em 1977, que conta a história simples de Macabéa, uma personagem captada no cotidiano irônico e cruel do Rio de Janeiro, na feira nordestina de São Cristóvão. O narrador Rodrigo S.M. afirma que “é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira” (Lispector, 1977/1998, p. 13). A pessoa de quem falará mal tem corpo para vender e anda de leve na rua devido a sua esvoaçada magreza, onde ninguém a vê. Trata-se de uma moça alagoana de 19 anos, pobre, semi-alfabetizada até o terceiro ano primário e ignorante. Absolutamente desajustada à vida da grande cidade, vive em um lugar todo feito contra ela. Seus pais morreram, devido a uma febre ruim do sertão de Alagoas, sendo criada pela tia beata durante a infância, que por meio de maus-tratos justificava a preocupação em fazê-la uma moça decente. Como resultado dessa criação, restou-lhe a cabeça baixa. Depois que a tia morreu, passou a dividir um quarto com quatro moças balconistas, que mal conhecia, em um velho sobrado no Rio de Janeiro. Em condições precárias, dormia mal, geralmente com fome e nariz entupido, vestida com uma suja combinação de brim. Macabéa emprega-se num pequeno escritório como datilógrafa, mas errava demais e sujava os papéis, recebendo menos do que o salário mínimo. A moça era feia, raquítica herança do sertão -, ingênua, virgem e profundamente solitária, até o início de seu namoro com o paraibano Olímpico, que a troca pela sua colega de escritório, Glória. Rodrigo S. M. descreve-a como “incompetente para a vida. Faltava- lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie que tinha de si em si mesma. Se fosse criatura que se exprimisse diria: o mundo é fora de mim, eu sou fora de mim” (Lispector, 1977/1998, p. 24). Glória, talvez como uma forma de recompensa pelo roubo do namorado, aconselhou Macabéa a procurar a cartomante Madama Carlota, para que esta lhe pusesse as cartas. Na consulta, Macabéa tinha pela primeira vez um destino, ao mesmo tempo em que percebia, espantada, o quanto sua vida havia sido miserável até então. A cartomante, dizendo ter grandes notícias para dar a Macabéa, trouxe um destino iluminado de riqueza, com a promessa de que a vida da nordestina mudaria completamente. Impressionada, “Macabéa nunca tinha tido coragem de ter esperança” (Lispector, 1977/1998, p. 76). Ao sair da consulta, sentindo-se "grávida de futuro" (Lispector, 1977/1998, p. 79), Macabéa era outra pessoa ao atravessar a rua: sua vida havia sido mudada por palavras, a Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ cartomante havia lhe dado uma sentença de vida. O destino entra em cena quando, ao dar o passo de descida da calçada para atravessar a rua, Macabéa é atropelada por um MercedesBenz amarelo, o mundo que não foi feito para ela. Inerte após ter batido a cabeça no meio-fio, descansava das emoções e pensava que este era o primeiro dia de sua vida, enquanto a chuva começava a cair em cima dela. As pessoas aglomeravam-se ao seu redor, e agora tinha existência e “não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos” (Lispector, 1977/1998, p. 83). No momento de sua morte, Macabéa teve consciência de que era, não tendo tempo para saber o quê. A morte salva a personagem, ao mesmo tempo em que marca a impossibilidade de superação desta situação. Assim como o narrador expressa, não saber fazia parte da vida de Macabéa e, em um mundo onde alguns têm e outros não, a nordestina fazia parte do segundo grupo: não tinha passado, futuro, memória, conhecimento, um lugar; tinha somente a si mesma em um mundo fora de si. Nesse sentido, percebemos que a protagonista não passou pelo processo de humanização, uma vez que, sendo a consciência uma função social, que se constrói historicamente na direção interpsicológica para a intrapsicológica, vemos em Macabéa que o que foi construído socialmente não foi apropriado por ela. Sua experiência individual permaneceu em um nível elementar de desenvolvimento: tudo é interpsicológico e Macabéa encerra-se em si mesma, semelhante aos animais, como o narrador afirma em certo momento. Macabéa, a mais trágica e, provavelmente, a personagem mais conhecida de Clarice Lispector, nada sabe de si nem do mundo em que vive, no qual estabeleceu vínculos sociais empobrecidos e se apropriou somente do que lhe possibilita o seu “viver ralo”. Rodrigo S. M., conduzido pela escrita, dá forma e um destino à sobrevivência quase inumana de Macabéa, uma vez que para tudo o que se sente e deseja, não dispõe de palavras para expressar. Macabéa quase não sentia e, quando o fazia, era muito elementar. O desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores, atreladas à apropriação da cultura, está comprometido e não permite à Macabéa ordenar a si mesma, pensar no futuro, sentir e humanizar-se. A moça adaptava-se passivamente ao mundo, e não de forma ativa como é próprio do ser humano. Vivia sob aspectos ligados ao aparato biológico, que não foram superados pela apropriação do social, para que pudesse desenvolver o autodomínio, o autocontrole, a capacidade reflexiva, a formação de conceitos e, como percebemos no Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ decorrer de toda a história, as emoções. Por fim, a velhice é analisada por meio do conto Feliz aniversário, publicado pela primeira vez em 1960, no livro Laços de família, grande obra de contos da literatura brasileira. O conto retrata o aniversário de 89 de dona Anita, e as relações familiares da classe média carioca presentes nessa comemoração, com a presença de seus filhos, noras, netos. Escrito na década de 50, expõe a hipocrisia e o esvaziamento das relações familiares, principalmente numa data ritualística como o aniversário, além do silenciamento, isolamento e exclusão social da velhice. Desde às duas horas da tarde sentada à cabeceira da mesa, pois a filha a arrumara antes para adiantar o expediente, dona Anita era dona de um mutismo intencional. Não se manifestava, seus músculos do rosto não a interpretavam, “de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta à cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca” (Lispector, 1960/2009, p. 56). A aniversariante não falava ou esboçava reação alguma, não tendo a atenção de nenhum convidado, permanecendo com seus próprios pensamentos, a mesa imunda, o barulho dos filhos e o bolo ainda inteiro. Após cantarem os parabéns, a aniversariante ouve ordens para cortar o bolo. Para o espanto, horror ou agradável surpresa dos convidados, dona Anita corta o bolo com certa agressividade, “deu a primeira talhada com punho de assassina […] como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada [...]” (Lispector, 1960/2009, p. 59). O desprezo pela família é marcado objetivamente quando os convidados percebem uma reação em dona Anita, diferente da percebida até então daquele ser imóvel, apático e quase inexistente, quando a protagonista vira a cabeça e com uma força insuspeita cospe no chão, ato que é prontamente reprovado por seus familiares, mas pensado por eles como se fosse um comportamento infantil expresso por dona Anita. O próximo comportamento da matriarca, desagradável para os familiares, marca-se por uma sequência de xingamentos, uma resposta dela quando não queria lhe dar um vinho para beber. O sinal de término da festa dá-se quando a aniversariante dá seu último bocado no bolo e sem se erguer, fica mais dura e alta na cadeira. Sendo a mãe de todos, observa-os com os olhos piscando, impotente à cadeira e despreza-os, esses que não passavam de carne de seu joelho, seres opacos, egoístas e sem nenhum valor de ouro. Estes eram pensamentos de Dona Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Anita, apresentados pelo narrador, que denunciam certo rancor em relação a sua família. A aniversariante foi, cautelosamente, beijada por cada um “como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha” (Lispector, 1960/2009, p. 63). A escritora retrata essa visão estigmatizada da velhice que é decorrente de um determinado contexto histórico e social, principalmente pela não participação direta nos modos de produção, que atribuem aos velhos à inutilidade, incapacidade, dependência, falta de autonomia e ausência de desenvolvimento psíquico. Ligada ao fim da vida, a velhice retratada por Clarice, nos anos 50, esboça um momento em que nada mais se pode fazer. Por meio do conto percebemos que, embora a velhice seja um momento de declínio biológico, que pode comprometer diversas funções psicológicas, a personalidade passa por mudanças nas quais suas funções psicológicas atuam em um nível superior, tanto no autocontrole e autodomínio de seu comportamento, quanto na indignação e descontentamento expressados pela agressividade de sua fala, ao perceber a falsidade e hipocrisia criada por aqueles que eram seus filhos. Mesmo não sendo reconhecida sua humanidade, dona Anita estava presente em sua festa e, apesar de calada e imóvel, seus pensamentos e sentimentos guiavam seu olhar perscrutador. Pelos retratos trazidos por Clarice, percebemos que fisicamente a aniversariante não expressava emoção alguma, estava em um silêncio intencional e descontente com a situação, mas somente ela sabia. Enquanto narrador onisciente, Clarice nos revela os sentimentos, as impressões e os pensamentos de dona Anita que, aos familiares, não existiam, pela ausência de reações corporais. Dessa maneira, após as outras etapas de seu desenvolvimento, percebemos que dona Anita lidava de forma mais elaborada com seus sentimentos e pensamentos, ao contrário do que imaginavam os familiares, comparando-a com uma criança, ainda ligada às funções psicológicas elementares. Conclusão Com os dois caminhos entrelaçados, a obra da escritora Clarice Lispector e a Psicologia Histórico-Cultural, localizamos algumas possibilidades da arte literária na contribuição do entendimento da teoria das emoções por meio do desenvolvimento ontogenético, ao revelar o homem e seus processos de formação da consciência nas diferentes Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ idades da vida. O presente estudo, junto ao entendimento histórico do desenvolvimento do psiquismo, confirma a humanização da emoção, pela evidência de sua transformação, no processo pelo qual a função psicológica superior, cultural, supera por incorporação a função psíquica elementar, ligada às reações orgânicas e às necessidades básicas do indivíduo. No estabelecimento da unidade entre o afetivo e o cognitivo na formação da consciência, buscando retratar a constituição dos processos afetivos na superação das dicotomias, das abordagens individualizantes e do modelo subjetivista que ainda sobrevive na ciência psicológica, foi possível reconduzir o entendimento das emoções para o núcleo das demais funções psicológicas superiores, na análise das vivências dos personagens, conforme as idades da vida. Referências Barroco, Sonia Mari Shima. (2001). A figura humana na pintura moderna: alternativa para a psicologia e a educação entenderem o homem. 2001. 115 p. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá. Maringá: UEM, 2001. Barroco, Sonia Mari Shima. (2007). Psicologia educacional e Arte: uma leitura histórico cultural da figura humana. Maringá: Eduem. Brasil, Assis. (1969). Clarice Lispector: Ensaio. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora. Gomes, Cláudia Aparecida Valderramas. (2008). O afetivo para a psicologia histórico-cultural: considerações sobre o papel da educação escolar. 170 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília. Gotlib, Nádia Battella. (2008). Clarice Fotobiografia. São Paulo: EDUSP. Lispector, Clarice. (1960/2009). Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco. Lispector, Clarice. (1964/1999). A Legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco. Lispector, Clarice. (1977/1998). A Hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco. Luria, A. R. (1991). Curso de Psicologia Geral. vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Medeiros, Vera Lúcia Cardoso. (2002). Luzes difusas sobre o verde-amarelo: Questões brasileiras na perspectiva de Clarice Lispector. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 236 p. Moser, Benjamin. (2009). Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify. Rosenbaum, Yudith. (2002). Folha Explica: Clarice Lispector. São Paulo: Publifolha. Silva, Graziela Lucchesi Rosa da Silva. (2004). Literatura, Psicologia e Educação: reflexões históricas sobre situações familiares. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, 108 p. Silva, Renata. (2011). A Biologização das emoções e a medicalização da vida – Contribuições da Psicologia Histórico-Cultural para a compreensão da sociedade contemporânea. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, 270 p. Toassa, Gisele. (2009) Emoções e vivências em Vigotski: investigação para uma perspectiva histórico-cultural. 348 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade de São Paulo. São Paulo. Tuleski, Silvana Calvo. (2002). Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Eduem. Vigotski, Lev Semenovich. (1932/1998). O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes. Vigotski, L. S. (1996). Sobre os sistemas psicológicos. In.: Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 103 – 135. Vigotski, Lev S. (2009). Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. São Paulo: Ática. Vigotsky, Lev. (1933/2004). Teoría de las emocione: Estudio histórico-psicológico. Madrid: Ediciones Akal. Vygotsky, Lev Semenovich. (1925/1999). Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes.