Gene X: Uma Análise Semiótica das Histórias em Quadrinhos dos X

Transcrição

Gene X: Uma Análise Semiótica das Histórias em Quadrinhos dos X
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR
Flávio Vinícius Godoi da Silva
GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado
ao
Curso
de
Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo da Universidade Federal de
Rondônia – Unir, sob orientação do
profº Juliano José de Araújo, como
parte da avaliação para obtenção de
título de bacharel em Jornalismo.
VILHENA – RONDÔNIA
2011
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – UNIR
Flávio Vinícius Godoi da Silva
GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA
VILHENA – RONDÔNIA
2011
3
Flávio Vinícius Godoi da Silva
GENE X: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DAS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS DOS X-MEN EM REVISTA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado
ao
Curso
de
Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo da Universidade Federal de
Rondônia – Unir, sob orientação do
profº Juliano José de Araújo, como
parte da avaliação para obtenção de
título de bacharel em Jornalismo.
Data: ___________________________________________________
Resultado: ______________________________________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. ____________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________
Prof. ____________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________
Prof. ____________________________________________________
Assinatura: ______________________________________________
4
Dedico este trabalho, aos meus avôs,
Maria do Carmo da Silva e Natalício
Godoi
da
Silva
que
sempre
acreditaram em mim, mas, não estão
mais presentes neste mundo em
matéria, entretanto, sei que estão
vendo as minhas conquistas.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores, Juliano de Araújo e Lilian Reichert pelas orientações e conselhos.
Aos meus amigos de curso, que juntos enfrentamos os altos e baixos da monografia,
em especial à Andréia Machado.
À minha família, em especial minha mãe, Maria Aparecida da Silva e meu tio, José
Godoi da Silva que me proporcionaram condições financeiras de concluir minha
formação superior.
6
RESUMO
A dissertação mostra como as histórias em quadrinhos dos X-Men tratam a questão
da diversidade cultural e social existentes no mundo não-ficcional. Buscou-se
analisar como os textos e imagens da publicação são construídos para que o fator
ficcional da trama (mutação) se assemelhe ideologicamente com as discussões
contemporâneas sobre diversidade. A metodologia adotada é a semiótica de
Greimas, também conhecida como semiótica francesa. É a partir da teoria
greimasiana que são discutidas as relações entre linguagens e imagem, ângulos e
formas, cores e tamanhos, entre outros. A análise principal é formada por 13
capítulos que compõem a saga “Complexo de Messias”, publicada em 2009.
Palavras-chave: quadrinhos, X-Men, semiótica, diversidade, Greimas.
ABSTRACT
The study shows the stories in the X-Men’s comic books deals with the questions of
cultural and social diversities that exist even in a non-fictional world. It analized how
the publication of texts and images are built to the fictional factor of the plot
(mutation) resembles ideologically with the comteporary discussion about diversity.
The methodology adopted is the “Greimas Semiotcs” (semiótica de Greimas), also
known as “French semiotics” (semiótica francesa). It is based on the “greimasiana”
theory that we discuss the relation between language and images, angles and
shapes, colors and sizes, among others. The main analysis is formed by 13 chapters
that compose the saga “Messiah Complex”, published in 2009.
Key-words: Comic books, X-Men, semiotics, diversity, Greimas
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Exemplo de imagens sequenciais
22
Figura 2 – Exemplo de disposição dos quadrinhos
22
Figura 3 – Comunicação visual nos quadrinhos
23
Figura 4 – Comunicação visual nos quadrinhos
23
Figura 5 – Batalha entre Lanterna Verde e o Surfista Prateado
24
Figura 6 – Tirinha do Cebolinha
25
Figura 7 – Exemplo de Sarjeta
25
Figura 8 – Tirinha do Cebolinha
27
Figura 9 – Tirinha da Turma da Mônica
28
Figura 10 – Cartum autônomo
32
Figura 11 – Charge do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva
32
Figura 12 – Tirinha seriada autônoma
32
Figura 13 – Mangá Sailor Monn
32
Figura 14 – Capa da graphic novel “Watchman”
32
Figura 15 – Capa da revista “Action Comics”
32
Figura 16 – Jean Grey
39
Figura 17 – Capa da revista “The X-Men”
41
Figura 18 – Wolverine
42
Figura 19 – Colossus
42
Figura 20 – Tempestade
42
Figura 21 – Noturno
42
Figura 22 – Banshee
42
Figura 23 – Solares
42
Figura 24 – Tamara
42
Figura 25 - Capa da revista “Uncanny X-Men”
43
Figura 26 – Capa da revista que iniciou a saga “A Fênix Negra”
44
Figura 27 – Foto de um Homem
69
Figura 28 – Desenho de um homem
69
8
Figura 29 – Homem Aranha salta sobre prédios
70
Figura 30 – Capitão América se submete à experiências científicas
70
Figura 31 – Superman
70
Figura 32 – Mulher Maravilha
70
Figura 33 – Stargirl
70
Figura 34 – Bandeira dos Estados Unidos da América
71
Figura 35 – Tirinha autônoma
71
Figura 36 - Capa da revista “Homem Borracha”
72
Figura 37 – Salomão Ventura
79
Figura 38 – Luta dos membros d’A Cooporação
80
Figura 39 – Diálogo entre membros d’A Cooporação
81
Figura 40 – Fazenda próxima de uma cidade
82
Figura 41 – Batalha no aeroporto do Rio de Janeiro
82
Figura 42 – Chegada do X-Men à Cooperstown
93
Figura 43 – Mulher se aproxima dos X-Men
94
Figura 44 – Mulher carrega criança morta nos braços
95
Figura 45 – Pássaro Negro decola
95
Figura 46 – Cidade de Washington D.C.
96
Figura 47 – Igreja dos Purificadores
97
Figura 48 – Rictor
97
Figura 49 – Cidade de Nova York no futuro
98
Figura 50 – Imagem do campo de concentração mutante
99
Figura 51 – James Madrox interroga um guarda
100
Figura 52 – James Madrox é levado para o campo de concentração
100
Figura 53 – James Madrox é tatuado no rosto
101
Figura 54 – Lucas Bishop no campo de concentração
103
Figura 55 – Lucas Bichop
103
Figura 56 – Professor Charles Xavier é morto
103
Figura 57 – Página negra
105
Figura 58 – Cable chega ao futuro
106
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................10
CAPÍTULO I: HQS: ORIGEM, TRAÇOS E MUTANTES
1. Os Estudos Científicos ..........................................................................................13
2. Histórico e Características – Elementos da Linguagem ........................................18
2.1. HQ Como Gênero Literário e Científico ..............................................................30
2.2. Características Ideológicas: Era de Ouro, Prata e Bronze .................................33
3. Dos Quadrinhos Para o Cinema ............................................................................37
4. Conhecendo os X-Men ..........................................................................................39
4.1. O Apocalipse da Era Moderna ...........................................................................44
4.2. Complexo de Messias ........................................................................................46
CAPÍTULO II: DIVERSIDADE: GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL, COR E
DEFICIÊNCIA FÍSICA
1. A Minoria que é Maioria .........................................................................................48
2. Gênero e Orientação Sexual .................................................................................51
3. Discriminação Racial .............................................................................................57
4. Deficientes Físicos ................................................................................................60
4.1. Breve Conceito de Deficiência Física .................................................................62
4.2. Deficiência Médica e Social ................................................................................63
CAPÍTULO III: DO MÉTODO DE ANÁLISE
1. A Semiótica Greimasiana ......................................................................................66
1.1. Plano da Expressão ...........................................................................................68
1.2. Plano do Conteúdo .............................................................................................72
1.2.1. O Nível Fundamental .......................................................................................74
1.2.2. O Nível Narrativo .............................................................................................75
1.2.3. O Nível Discursivo ...........................................................................................78
CAPÍTULO IV: A ANÁLISE SEMIÓTICA
1. A Saga ...................................................................................................................85
2. A Análise do Conteúdo ..........................................................................................86
3. A Análise da Expressão ........................................................................................93
4. Plano da Expressão e Relações Com o Plano do Conteúdo ..............................106
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................110
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................112
10
INTRODUÇÃO
A revista em quadrinhos de “X-Men” é uma das mais vendidas no mundo e se
mantém com fôlego após quase cinquenta anos da criação. Há uma quantidade
considerável de pessoas em todos os países que, diante de suas páginas coloridas,
se identifica com os inúmeros personagens do enredo.
Criado nos anos 1960 por Stan Lee e Jack Kirby, os X-Men (Homens-X)
trouxeram, pela primeira vez, heróis que não vinham de outros planetas ou
universos paralelos. Tanto os mocinhos quando os bandidos eram pessoas comuns
que se descobriam portadores de habilidades sobre-humanas, sendo os primeiros
seres da evolução da espécie humana (Homo Sapiens); e os últimos, os mutantes
(Homo Superior).
A diferença dos mutantes para os humanos está na presença do gene “X”.
que causa a mutação diferente em cada indivíduo, que pode ser interna ou externa.
Apesar de ter os humanos como os maiores vilões, os mutantes lutam entre si por
razões de ideologias diferentes.
Os X-Men são liderados pelo telepata Charles Xavier, conhecido como
Professor X que, em sua escola de estudos para mutantes, o Instituto Xavier para
Jovens Super Dotados, ensina os novos mutantes a controlarem e entenderem os
seus poderes, usando-os de forma pacífica. O Instituto Xavier abriga centenas de
mutantes e, dentre os principais, estão Wolverine, Tempestade, Ciclope e Jean
Grey.
Em oposição aos X-Men de Charles Xavier existe a irmandade, um grupo de
mutantes que prega o extermínio da raça humana e domínio do Homo superior,
liderados pelo mutante Eric, conhecido como Magneto. Dentre os membros da
irmandade destacam-se Mística, Avalanche, Grôchu e Pyro.
Este universo fictício se assemelha e se desenvolve baseado no mundo
não-ficcional, pois os mutantes são inspirados nas minorias de nossa sociedade, em
outras palavras, os excluídos por motivos preconceituosos, seja pela orientação
sexual, religião, cor, deficiência, gênero, etc.
11
Esta pesquisa analisa a narrativa dos X-Men chamada “Complexo de
Messias”, publicada em 2009, que foi escolhida por ser uma das sagas mais
recentes lançadas, além de possuir importantes acontecimentos, pois vários
personagens têm seus destinos mudados completamente. A ideologia dos textos da
saga será comparada com os elementos de preconceitos da sociedade atual para
evidenciar como o texto da série em questão emprega ideias de aceitação do ser
que é diferente.
Nosso projeto será iniciado por uma apresentação geral da origem das
histórias em quadrinhos (HQs), que, como veremos, não possui uma data exata. Os
estudos científicos dedicados ao gênero HQ também estão presentes no primeiro
capítulo, trazendo alguns conceitos pensados pela comunidade científica a partir da
publicação das obras Mitologias, de Rolando Barthes, em 1957, e Apocalípticos e
Integrados de Umberto Eco, em 1962. Estas obras deram o início aos estudos de
quadrinhos não só como efeitos da cultura e da comunicação de massa, mas, como
presentes também em áreas do conhecimento como psicologia, sociologia,
economia, história, filosofia, medicina e etc.
Para que o estudo de quadrinhos pudesse ser feito de modo a atingir
diferentes níveis do comportamento humano foi necessário uma padronização das
técnicas de elaboração das histórias em quadrinhos, este efeito é chamado de “arte
sequencial”. Autores como Bakthin defendem que as HQs, como arte seqüencial,
fazem parte do gênero discursivo secundário, já outros como Canclini veem os
quadrinhos como gênero impuro, o certo é que histórias em quadrinhos são
compostas por textos e imagens muitas vezes de maneira única na comunicação
abrangendo desde o uso de traços, cores, forma e disposição dos quadros, balões
de fala, escrita dentre outras.
O processo de evolução das HQs tanto na questão técnica quanto narrativa
levou este produto a ganhar um divisão classificatória/ideológica pelos estudiosos da
área. Qualquer revista em quadrinhos atualmente é categorizada como pertencente
ou a Era de Ouro, de Prata, de Bronze ou Moderna. Estes grupos representam
estilos e tendências de cada geração a partir de 1938 (surgimento da revista
Superman) até os dias de hoje.
Paralelo às transformações de estilo e narração das revistas em quadrinhos,
os personagens que surgiram em cada uma das eras citadas começaram a deixar
12
as páginas das HQs e ganharem as telas do cinema. Conforme aponta Smee
(2008), a tendência de adaptar roteiros de super-heróis dos quadrinhos para a
sétima arte se intensificou a partir dos atentados terrorista de 11 de setembro onde a
figura dos heróis passou a servir de símbolo de esperança e calmaria para uma
população assustada.
O medo daquilo que é novo ou simplesmente diferente ocasiona o
surgimento dos estereótipos, o segundo capítulo trata da questão da diversidade
cultural e social. Em seu desenrolar, primeiramente, é apresentado “o que é
diversidade cultural” sob o ponto de vista do estigma, marca visível determina
grupos sociais, e, a concepção de minoria, que, como será visto não se refere à
quantidade de indivíduos. Após apresentados estas definições, o capítulo foca em
quatro categorias que mais apresentam os chamados “problemas” por serem
minorias sociais: gênero, orientação sexual, cor e deficiência física.
Os quatro grupos possuem históricos de discriminação e tentativas de
conseguir voz ativa perante a maioria social. Desta forma, todos os grupos
injustiçados pela ótica da diversidade se unem de modo a afetar o interesse coletivo.
O terceiro capítulo foi dedicado à metodologia empregada neste projeto
para evidenciar sua proposta (como as HQ’s dos X-Men refletem a questão da
diversidade cultural da realidade). A teoria empregada é a semiótica francesa a partir
do estudo do plano do conteúdo e do plano da expressão das HQs. Quanto ao plano
do conteúdo, consideraremos a aplicação do percurso gerativo do sentido, em seus
três níveis (discursivo, narrativo e profundo), às HQs, procurando evidenciar como o
sentido desse texto foi construído. Em seguida, contemplaremos também em nosso
trabalho o estudo do plano da expressão das HQs, considerando os formantes
plásticos, presentes no plano da expressão, os quais são categorizados, segundo
Greimas (1984), nas categorias topológicas (referente à distribuição espacial superior/inferior, central/periférico), cromáticas (referente às cores – escuro/claro,
brilhoso/ofusco) e eidéticas (referente às formas – reto/curvado, redondo/quadrado).
O quarto capítulo traz a análise do objeto, embasada na metodologia
apresentada no capítulo III, a semiótica greimasiana. Para tanto, alguns trechos da
saga “Complexo de Messias”, objeto de estudo selecionado, foram destrinchados
conforme exige a metodologia. Os trechos escolhidos tratam de diálogos e imagens.
Para o primeiro (diálogos) foi aplicado o percurso gerativo do sentido; para o
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segundo (imagens), foram empregados os conceitos para análise do plano da
expressão.
CAPÍTULO I
HQS: ORIGEM, TRAÇOS E MUTANTES
1. OS ESTUDOS CIENTÍFICOS
Dentre as ferramentas utilizadas para a comunicação de massa, pouco se
estudou sobre a atuação e os efeitos das histórias em quadrinhos (HQs), populares
entre crianças, jovens e adultos, na formação do raciocínio humano, conforme
aponta Ramos (2007), que, em pesquisa, constatou o advento do estudo das HQs
no início dos anos 1970 e sua retomada na segunda metade da década de 1990
tendo em vista, segundo o autor que, em meados da década de 1980, as pesquisas
relacionadas às HQs foram praticamente esquecidas pelo fato da comunidade
científica não as reconhecer como dignas de estudo no meio acadêmico.
No final dos anos 1950 e início dos anos 1960, duas obras que abordavam,
de forma inédita, as histórias em quadrinhos como elementos da cultura de massa e
da comunicação foram publicadas, sendo elas Mitologias, de Roland Barthes, em
1957, e Apocalípticos e Integrados, de Umberto Eco, em 1962.
As duas publicações expuseram a construção da imagem dos super-heróis
como seres mitológicos da sociedade contemporânea. Barthes fez uso das
concepções de Ferdinand Saussure sobre significado, significante e signo para
analisar a presença do mito nas situações e pessoas do cotidiano como um lutador
de catch (luta livre), foto de um político, a inteligência de um cientista, um streaptease, etc. O mito, em sua obra, é compreendido como endeusamento de uma
imagem, de um personagem, criado para o consumo de massa, que passa a ser
adorado e reverenciado no pedestal em que é posto. Sua divindade e poder de atrair
seguidores, na concepção de Barthes, vai além da imagem apresentada, ou seja, vai
além do signo, que seria o mito propriamente dito. O endeusamento do mito é
rebuscado pelos valores de significado e significante, que podem variar de acordo
com a cultura da sociedade. Neste sentido, Barthes é categórico ao afirmar que o
mito é uma fala usada para o homem expressar seus símbolos e ele “deve tratar do
14
mesmo modo a escrita e a imagem: o que ele delas retém é que ambas são signos,
ambas chegam ao limiar do mito dotadas da mesma função significante; tanto uma
como a outra constituem uma linguagem objeto”. (BARTHES, 2001, p. 137).
Umberto Eco também observa o endeusamento mitológico dos heróis
modernos, mas, dentro do universo das HQs, enxerga os super-heróis como
possuidores de destino incerto, exatamente como os mortais. Em outras palavras, a
imutabilidade do mito não se aplicaria aos super-heróis de quadrinhos, pois estes
não são reconhecidos por apenas um ato, mas uma série de eventos intermináveis
de heroísmo.
A personagem do mito encarna uma lei, uma exigência universal, e
deve, numa certa medida, ser, portanto, previsível, não pode
reservar-nos surpresas; a personagem do romance, pelo contrário,
quer ser gente como todos nós, e o que lhe poderá acontecer é tão
imprevisível quanto o que nos poderia acontecer (ECO, 2001, p.
248).
Para exemplificar seu raciocínio, Eco cita exemplos de roteiristas de
quadrinhos que tiveram de dar explicações públicas aos fãs inconformados com a
morte de determinado personagem, exatamente como se fazia nos folhetins do início
do século XX, quando os leitores indagavam os autores sobre os rumos das tramas.
[...] aqui assistimos à participação popular de um repertório
mitológico claramente instituído de cima, isto é, criado por uma
indústria jornalística, porém particularmente sensível aos caprichos
do seu público, cuja exigência precisa enfrentar (ECO, 2001, p. 243).
Este exemplo mostra que os personagens de quadrinhos não são aceitos
apenas como detentores de uma única ação, mas de um legado que os fãs querem
continuar acompanhando, uma espécie de mito/romance.
Após a publicação destas análises, que englobavam as características das
HQs em suas pesquisas, no final dos anos 1960, Groensteen (apud Vergueiro e
Santos, 2006) observa que o mundo acadêmico começou a dar atenção aos
quadrinhos depois que as artes plásticas passaram a utilizar recursos das HQs em
suas obras - como aconteceu com os trabalhos de Andy Warhol e Roy Lichtenstein
-, e que nomes respeitados do mundo artístico se confessassem influenciados pelas
histórias em quadrinhos – como Orson Welles, Luiz Buñuel, Federico Fellini, entre
15
outros. Nesse sentido, “também colaborou a ousadia de alguns intelectuais
europeus, que ousaram utilizar os quadrinhos como objeto de pesquisa,
principalmente no âmbito da lingüística e da semiologia”. (Vergueiro e Santos, 2006,
p. 04).
Nota-se, porém, que os estudos das histórias em quadrinhos atingiram
diversas áreas do conhecimento como “estruturalista, psicanalítica, marxista, dos
estudos culturais, pós-modernista e pós-estruturalista. (VERGUEIRO E SANTOS,
2006, p. 04). Uma formulação mais aprofundada dos campos de estudos dos
quadrinhos foi feita em meados da década de 1980 por pesquisadores da Comic Art
Research Group, da Temple University, Estados Unidos, que criaram aspectos de
diferentes níveis acadêmicos cobrados pela comunidade científica que começava a
relutar a aceitação de pesquisas sobre histórias em quadrinhos quais sejam.
(...) nível temático, nível da perspectiva (psicológica, sociológica,
estética, econômica, histórica, filosófica e médica) e o nível técnico
(análises semiótica, do discurso, literária, retórica, de conteúdo,
histórica, bem como estudo de caso, entrevista, aplicação de
questionários e experimentação). (VERGUEIRO E SANTOS, 2006, p.
04).
No caso do Brasil, segundo Ramos (2007), há, pelo menos, duas razões
pela retomada dos estudos dedicados às HQs na década de 1990: “1) a presença
dos quadrinhos nos exames vestibulares, em especial no da Universidade Estadual
de Campinas; 2) a inclusão da linguagem nas práticas pedagógicas dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, elaborados pelo governo federal” (2007, p. 03). Os autores
Vergueiro e Santos (2006) citam também, em termos de Brasil, o aparecimento de
grupos de pesquisadores e interessados em geral que passaram a realizar
encontros regulares com o objetivo de discutir quadrinhos nos níveis de
conhecimentos citados, sobretudo na comunicação, a partir de 1990. Esses
encontros foram difundidos nacionalmente com o auxílio da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom).
No âmbito das ciências da comunicação, a pesquisa em quadrinhos
ocorreu nas diversas universidades ou instituições isoladas em que
alguns pesquisadores se debruçaram sobre eles – destacando-se,
neste aspecto, as universidades de São Paulo e Federal Fluminense
-, mas também no das associações científicas da área; neste último
espaço, ocupou papel de destaque no país a INTERCOM –
16
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação.
Nesta associação, desde meados da década de 1990, um
diversificado grupo de pesquisadores, alunos e interessados em
geral reuniu-se anualmente durante os Congressos Anuais da
sociedade, constituindo inicialmente o Grupo de Trabalho Humor e
Quadrinhos, depois denominado Núcleo de Pesquisa de Histórias em
Quadrinhos, em que eram apresentadas reflexões e discutidos os
resultados de pesquisas sobre histórias em quadrinhos
desenvolvidas nas várias universidades brasileiras. (VERGUEIRO E
SANTOS, 2006, p. 02).
Para exemplificar o interesse por estudos de quadrinhos no Brasil, Vergueiro
e Santos (2006) apresentam uma tabela, onde aparece a quantidade de
dissertações e teses realizadas por discentes e docentes da Universidade de São
Paulo (USP) dos anos de 1970 a 2005, separados por décadas.
Na tabela é possível perceber o surgimento na década de 1970, e a pouca
evolução, nos 1980, com um crescimento de apenas 3,4%. A retomada acontece a
partir da década de 1990 quando as pesquisas de histórias em quadrinhos na USP
passaram a representar 33,3% do total, chegando aos anos 2000 com quase a
metade das dissertações.
Antes de prosseguir com os valores científicos e acadêmicos dos estudos das
HQs, é relevante apontar sua história de surgimento e algumas características que
as distinguem das outras formas de comunicação.
2. HISTÓRICO E CARACTERÍSTICAS – ELEMENTOS DA LINGUAGEM
17
Assim como um roteiro de televisão, rádio ou cinema, a linguagem das HQs é
construída de forma a obter um efeito de sentido de oralidade e coloquialidade em
sua composição quadro a quadro, regida pelo discurso direto, conforme aponta
Marinho (2004).
Não se sabe exatamente em que data e em que local surgiram as primeiras
histórias em quadrinhos, mas, conforme demonstra McCloud (1995), a origem pode
estar ligada ao Antigo Egito, com a descoberta de gravuras que retratam cenas
sequenciais datadas de 1.300 a. C. Mas, as histórias em quadrinhos modernas, tais
como as conhecemos, ainda segundo o autor, teriam sido criadas em meados do
século XIX, pelo suíço Rodolph Töpffer. Partindo de Töpffer, é possível traçar uma
linha cronológica1 com alguns dos principais quadrinistas mundiais que tiveram seus
personagens e obras inseridos na cultura urbana mundial.
ANO
1827
1889
1895
1897
1905
1907
1912
1913
1919
1923
1929
1929
1929
1929
1929
1931
1932
1932
1934
1934
1934
1936
1937
1
QUADRINISTA
Rudolf Töpffer
Georges Colomb
Richard Felton Outcault
Rudolph Dirks
Winsor McCay
Bud Fischer
William Hearst
George Herriman
Frank King
Pat Sullivan
Walt Disney
Hergé
E. C. Segar
Philip Francis Nowlan
Hal Foster
Max Fleischer
Norman Pett
Carl Anderson
Al Capp
Lee Falk
Alex Raymond
Lee Falk
Hal Foster
PERSONAGEM/OBRA
M.Vieux-Bois
A Família Fenouillard
The Yellow Kid (O Menino Amarelo)
Os Sobrinhos do Capitão
Little Nemo in Slumberland
Mutt e Jeff
King Features Syndicate
Krazy Kat
Gasoline Alley
O Gato Félix
Mickey Mouse
Tintin
Popeye
Buck Rogers
Tarzan
Betty Boop
Jane
Pinduca
Ferdinando
Mandrake
Flash Gordon
Fantasma
O Príncipe Valente
Quadro baseado nas informações do site: http://estudiorafelipe.blogspot.com/2011/01/historia-das-historias-emquadrinhos-2a.html - Acessado em 05/09/2011.
18
1938
1939
1940
1946
1948
1950
1959
1961
1962
1962
1962
1963
1964
1965
1965
1967
1970
1973
1978
1980
1980
1982
1984
1985
1985
1986
1986
1988
1988
1991
1993
1994
1995
1996
1996
1998
1998
2003
2005
2007
2008
2009
2009
2010
Joe Shuster e Jerry Siegel
Bob Kane
Will Eisner
M. Bevère e R. Goscinny
Walt Kelly
Charles Schulz
Maurício de Sousa
Stan Lee
Stan Lee
Stan Lee
Jean-Claude Forest
Stan Lee
Quino
Guido Crepax
Robert Crumb
Freak Brothers
Hugo Pratt
Dik Browne
Jim Davis
Kazuo Koike
Ziraldo
Art Spiegelman
Bill Watterson
Frank Miller
Neil Gaiman
Katsushiro Otomo
Stan Sakai
Alan Moore
Frank Miller
Will Eisner
Ralph König
Jim Lee
Kurt Busiek
Frank Miller
Jeff Smith
David Laphan
Paul Auster
Brian K. Vaughan
Frank Quietly
Obata Takeshi
David Petersen
Craig Thompson
Chris Ware
Brian K. Vaughan
Super-Homem
Batman
The Spirit
Lucky Luke
Pogo
Minduim
A Turma da Mônica
Quarteto Fantástico
Homem-Aranha
Hulk
Barbarella
X-Men
Mafalda
Valentina
Fritz the Cat
Gilbert Shelton
Corto Maltese
O Horrível
Garfield
Lobo Solitário
O Menino Maluquinho
Maus
Calvin
Cavaleiro das Trevas
Sandman
Akira
Usagi Yojimbo
Watchmen
Os 300 de Esparta
No Coração da Tempestade
O Homem Ideal
Wild C.A.T.S.
Marvels
Sin City
Bone
Balas Perdidas
Cidade de Vidro
Leões de Bagdá
WE3 – Instinto de Sobrevivência
Death Note
Os Pequenos Guardiões
Retalhos
Jimmy Corrigan
Y - O Último Homem
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Apesar de ser uma forma de comunicação cujos primeiros indícios surgiram
séculos antes de Cristo, as HQs sempre foram tratadas com desconfiança por
comunicólogos. Os próprios profissionais da área, até três décadas atrás, preferiam
ser chamados de ilustradores, artistas comerciais ou cartunistas, ao invés de artista
de quadrinhos. “A expressão ‘história em quadrinhos’ teve conotações tão negativas
que muitos profissionais preferem ser conhecidos como ‘ilustradores’, ‘artistas
comerciais’ [...] ‘cartunistas’”. (MCCLOUD, 1995, p. 18).
De forma simplificada, as HQs, como as conhecemos hoje, possuem palavras
e figuras ordenadas de forma sequencial lado a lado. Na trama de uma história em
quadrinhos, as técnicas da linguagem escrita e falada se misturam, estruturando um
diálogo direto, como em uma conversa filmada ou cena gravada em uma película.
[...] as estratégias de organização de um texto falado são
utilizadas na construção da história em quadrinhos, que possui em
seu texto escrito, características próximas a uma conversação
face a face, além de apresentar elementos visuais
complementadores à compreensão”. (MARINHO, 2009. p. 01)
Logo, as histórias em quadrinhos são consideradas um gênero discursivo
secundário, de acordo com a concepção de Bakthin (1997), que compreende os
gêneros discursivos como primários e secundários. O gênero primário do discurso,
segundo Bakthin (1997), abrange toda forma de comunicação simples, como uma
conversa do cotidiano com um amigo, uma carta, um bilhete, etc.
Já o gênero discursivo secundário refere-se a uma comunicação complexa
da qual fazem partes roteiros de peças de teatro, artigos científicos, revistas, etc.
“[...] aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e
relativamente mais evoluída” (BAKTHIN, 1997, p. 281). Costa (2009) compreende as
HQs considerando a classificação de Bakthin, como pertencente ao gênero
discursivo secundário.
Compreenderemos as HQs, [...] como um gênero secundário
complexo e contemporâneo do discurso, visto que são uma
manifestação social produzida em condições sociais específicas.
A importância de entendermos as HQs como um gênero
discursivo secundário vai além de uma ação classificatória;
compreendemos que as HQs se constroem em situações de
práticas sociais complexas, demandando que os seus leitores
possuam certo conhecimento prévio desse gênero para bem
conseguir lê-las. (2009, p. 07)
20
Já Canclini (apud D’OLIVEIRA, 2004, p.80) avalia a HQ como “gênero
impuro por ter a capacidade de transitar entre a imagem e a palavra, entre o erudito
e o impuro, reunindo características do artesanal e da produção de massa”. A junção
de imagem e escrita, citada por Canclini, atribui à última, em se tratando de
quadrinhos, elementos da oralidade, que são facilmente perceptíveis.
Na linguagem escrita, o signo é representado pela “letra” e é construído com
determinado cuidado em sua estrutura. O enredo das HQs e ordenação das
palavras é planejado previamente, criando suspense para repassar a mensagem,
conforme defendido por Marinho (2004). Quando se trata da oralidade, o signo é
representado pelo fonema. Numa HQ, os elementos da linguagem falada são
representados também pelas interjeições, onomatopéias e expressões comuns em
uma comunicação cotidiana verbal, apontadas por Marcuschi (apud MARINHO,
2004, p. 03).
Além da comunicação verbal, nas HQs é encontrada também a
comunicação visual, já que são (as HQs) formadas de textos e imagens. Em alguns
casos, o texto pode não ter valor algum para a compreensão de um quadrinho
quando a imagem manifesta o sentido. McCloud (1995) classifica este tipo de
quadrinho, formado apenas por imagens sequenciais, como dignificantes. “As figuras
sequenciais finalmente estão sendo reconhecidas como uma excelente ferramenta
de comunicação, mas ninguém se refere a elas como quadrinhos [...] soa mais como
dignificantes” (MCCLOUD, 1995, p. 20).
A ausência dos diálogos, segundo Eisner (1985), atua como uma forma de
extrair do leitor suas experiências do senso comum que vão ao encontro com as do
autor, formando o sentido do enredo.
As imagens sem palavras, embora aparentemente representem uma
forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certo
refinamento por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum
e um histórico de observação são necessários para interpretar os
sentimentos mais profundos do autor (Eisner, 1985, p. 24).
Essencialmente, histórias em quadrinhos nada mais são do que imagens
sequenciais. De acordo com McCloud (1995), o termo foi usado pela primeira vez
por Will Eisner, que definiu os quadrinhos de uma maneira neutra em questão de
21
estilo, qualidade ou assunto. O autor aborda exemplos de imagens sequenciais na
figura abaixo:
Figura 1 – Fonte: McCloud (1995, p. 05)
Logo, sobre as imagens sequenciais, McCloud define: “Tomadas individuais,
as figuras (...) não passam disso. No entanto, quando são partes de uma sequencia,
mesmo de uma sequencia só de duas, a arte da imagem é transformada em algo
mais: A arte das histórias em quadrinhos!” (1995, p. 05).
A sequencialidade de leituras das HQs, como define McCloud (1995, p. 86),
é algo complexo e planejado, “que até os profissionais mais experientes, às vezes,
se atrapalham”. Vejamos abaixo um exemplo de como podem ser dispostos os
quadrinhos de uma página:
22
Figura 2 - Fonte: McCloud (1995, p. 86)
A disposição de leitura da arte sequencial, segundo Eisner (1985, p. 41),
não impede o leitor de olhar primeiro o último quadro “contudo, o leitor
obrigatoriamente acabará voltando ao padrão convencional”.
A linguagem visual das HQs estaria ligada aos gestos, expressões faciais,
cores, formas, traços, etc. Estas imagens dispostas nos quadrinhos podem, muitas
vezes, ser vagas, mostrando pouco ou quase nada de determinada cena. McCloud
(1995) sugere que algumas formas utilizadas em quadrinhos proporcionam a
sensação das mais distintas emoções no leitor, desde tranquilidade à tensão, do
quente ao frio, etc. Vejamos na figura abaixo como o autor exemplifica a
comunicação visual dos sentimentos:
Figura 3- Fonte: McCloud (1995, p. 119)
Figura 4 - Fonte: McCloud (1995, p. 120)
O autor ainda considera vital “a ideia de que uma figura pode evocar uma
resposta emocional ou sensual no espectador” (MCCLOUD, 1995, p. 121). Por mais
23
estranhas que possam parecer as formas expressas nas figuras acima, nenhuma
delas foi pensada minuciosamente para provocar (exteriorizar) as sensações
humanas. De acordo com o autor, “todas as linhas carregam consigo um potencial
expressivo” (MCCLOUD, 1995, p. 124). Uma linha reta horizontal, segundo McCloud
(1995), pode representar o passivo ou o infinito; uma linha reta vertical sugere o
orgulho e a força; uma linha na diagonal indica a dinâmica e o mutável. “As linhas
mais ‘inexpressivas’ da terra sempre podem caracterizar alguma coisa” (1995, p.
125).
Mas não são apenas as linhas dos traços das figuras dos quadrinhos que
emitem algum sentimento ao leitor. A forma do próprio quadrinho em si, de acordo
com Eisner (1985), também provoca sensações distintas. “Um quadrinho estreito
evoca uma sensação de encurralamento, de confinamento, ao passo que um
quadrinho largo sugere abundância de espaço para movimento” (1985, p. 89).
A delimitação dos quadros pode, simplesmente, ser rompida e proporcionar
outras emoções ao leitor. O chamado “requadro” utiliza a técnica de vazão dos
personagens ou do ambiente além dos limites do quadrinho. “Além de acrescentar à
narrativa um nível intelectual secundário, ele procura lidar com outras dimensões
sensoriais” (Eisner, 1985, p. 46).
Figura 5 – Marvel Comics versus DC Comics #3 – 1996
Acima é possível ver um exemplo de requadro em que o personagem
Surfista Prateado e o Lanterna Verde saem do quadrinho ocupando o espaço entre
o próximo. O Surfista Prateado ainda chega a adentrar parcialmente no quadrinho
24
ao lado. O efeito provocado no leitor neste tipo de cena, segundo Eisner (1985, p.
46), é o de força e velocidade. “Como se pressupõe que o requadro de um
quadrinho é inviolável, isso aumenta a sensação de ação desenfreada”.
A ausência de quadrinho também é um recurso do requadro que cria a
ilusão de espaço ilimitado. Na figura abaixo, a imagem do meio retrata o momento
em que o personagem deixa o vaso quebrar. Para transmitir a ideia de que os
pedaços voaram para todas as direções, foi eliminada a linha do quadro, deixando a
cena com mais espaço.
Figura 6 – Fonte: http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/images/tira35.gif <acessado em 12/06/2011>
As linhas que unidas formam os desenhos e sensações dos quadrinhos
ainda criam outro tipo de percepção, chamada de “conclusão”. Ao contrário das
linhas do interior dos quadros (traços dos personagens ou ambiente), as linhas de
conclusão se tratam dos próprios quadros. McCloud (1995) afirma que a conclusão
nos fatos de uma HQ está no espaço entre os quadros chamado “sarjeta”.
Apesar da denominação grosseira, a sarjeta é responsável por
grande parte da magia e mistério que existem na essência dos
quadrinhos. É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana
capta duas imagens distintas e as transforma em uma única ideia
(1995, p. 66).
Na figura abaixo, o espaço existente entre os dois quadros representa a
sarjeta.
25
Figura 7 – Fonte: Mc Cloud (1995, p. 66)
Na figura acima é mostrado um homem prestes a receber um golpe de
machado desferido por outro personagem. Ao lado é vista a cidade em um plano
geral que favorece o céu e a exclamação “EEYAA!!”, indicado que o golpe foi dado.
Mesmo sem mostrar a cena, o leitor conclui que o personagem foi realmente
atingido. Deste modo, de acordo com McCloud (1995), o leitor torna-se uma espécie
de “cúmplice” dos acontecimentos.
Cada ação registrada no papel pelo desenhista é auxiliada e apoiada
por um cúmplice silencioso. Um cúmplice imparcial do crime
conhecido como leitor! Neste exemplo, posso ter desenhado um
machado erguido, mas não sou eu quem desfere ou decide o
impacto do golpe, nem quem gritou, ou por quê. Todos vocês
seguraram o machado e escolheram onde desferir o golpe (1995,
68).
Curiosamente, as histórias em quadrinhos são uma das ferramentas da
comunicação que conseguem unir a linguagem escrita e a visual para dar o tom de
oralidade em situações onde os personagens não emitem som. Ramos (2006)
credita aos recursos da escrita e do visual das HQs a sensação do leitor ouvir
mentalmente as vozes dos personagens no ato da leitura de um quadrinho. Fonseca
(apud Ramos, 2006) classifica esta situação como a representação do oral no
escrito.
De acordo com Ramos (2006), todos os elementos da língua oral possuem
representações visuais nos quadrinhos que dizem respeito à forma dos balões de
falas e à fonte da letra utilizada.
26
O contorno do balão – tracejado, trêmulo ou outro – indica a
entonação da voz ou um pensamento (no caso dos contornos
ondulados). O formato da letra também passa a informação: negrito,
por exemplo, indica ênfase ou tom de voz alto. A fala dos
personagens é indicada por meio de uma seta, chamada de
apêndice ou rabicho que vai na direção do personagem. (RAMOS,
2006, p. 06)
A parte visual dos quadrinhos, segundo Ramos (2006, p. 06), “representa
todo o aspecto não-verbal ou paralinguístico2 da conversação”. Como dito, por via
destes elementos da fala, o leitor se aproxima da oralidade. A imagem seguinte
apresenta uma situação em que há a representação do oral no escrito pelo visual.
Figura 8 – Fonte: http://blogmarcela10.blogspot.com/2010/12/tirinhas-idiotas-da-turma-da-monica.html
Primeiramente é notada a forma dos balões3 de fala. O contorno dos dois
primeiros é trêmulo, indicando uma entonação maior na voz do personagem. A
expressão “AHÁ!”, em negrito, reforça a ênfase dada aos balões de fala, elevando a
sensação de euforia. É possível ver também a expressão “ZUPT” em itálico,
indicando a velocidade com que o personagem puxou a toalha. No quadro ao lado, o
balão de fala é representado com contorno liso, o que exprime uma voz tranquila,
satisfeita. O itálico nas palavras “PLATO QUEBLADO” dão destaque ao problema
fonoaudiológico que o personagem tem em trocar a letra “R” por “L”.
2
A paralinguística é a parte da lingüística que estuda o tom de voz, o ritmo da fala, o volume de voz, as pausas
utilizadas na pronúncia verbal, e demais características que transcendem a própria fala. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paralingu%C3%ADstica <Acessado em 18/07/2011>
3
Vale ressaltar que há outras formas de representar balões de fala nos quadrinhos. Quando eles aparecem em
formato de nuvem, indica que o personagem está pensando. Quando o balão é em forma zig-zag indica que o
personagem está gritando ou sua voz saindo de algum aparelho eletrônico, televisão, rádio, telefone etc. Fonte:
http://jornale.com.br/esquadrinhando/2009/04/22/caracteristicas-dos-quadrinhos-baloes-parte-2/ <Acessado em
22/07/2011>
27
A união entre texto e imagem é denominada por Barthes (1990) de duas
formas: etapa e ancoragem. Na etapa, também chamada de relais, “a palavra e a
imagem têm uma relação de complementaridade; as palavras são, então,
fragmentos de um sintagma mais geral, assim como as imagens, e a utilidade da
mensagem é feita em um nível superior: o da história, o da anedota, o da diegese”
(1990, p. 33-34). Já o modo de relação entre imagem e a língua denominado
ancoragem “é a função mais freqüente da mensagem linguística, geralmente
aparece na fotografia de imprensa e publicidade”. (BARTHES, 1990, p. 34).
Em outras palavras, a relação de relais se une à imagem para criar um
contexto mais amplo do que a figura que está sendo vista. Assim, as histórias em
quadrinhos se enquadrariam nesta classificação, já que o verbal não apenas diz o
que o desenho está mostrando, mas também constrói o sentido da trama contada. A
fixação apresenta uma relação limitada ao desenho, fotografia etc., aonde descreve
determinada situação, com a função de uma legenda para que a imagem não seja
interpretada de outra forma daquela descrita.
Estes fatores da oralidade e da linguagem visual aproximam o leitor do
contexto criado em um quadrinho. Desta forma, segundo Fávero (apud MARINHO,
2004, p. 03), o texto das HQs é previamente preparado, não apresentando uma
formulação livre, uma das características da conversação. Nele não se percebem as
repetições e redundâncias próprias da oralidade, uma vez que há uma elaboração
prévia, assim como acontece num texto literário. A figura seguinte traz um exemplo
do uso de elementos comuns na oralidade presentes na escrita.
Figura 9 – Fonte: http://www.sempretops.com/diversao/infantil/tirinhas-da-turma-da-monica/ <Acessado em 26/07/2011>
28
No primeiro quadrinho, o personagem Cebolina diz: “Ai, ai...” ao iniciar sua
frase. Esta é uma expressão tipicamente oral mas, dentro da narrativa, indica uma
situação de cansaço, já que acabou de jogar uma partida, possivelmente de futebol.
A canseira do personagem ainda é intensificada com a expressão: “Ufa!”. No último
quadro, antecedido de dois outros quadros sem uso da escrita, os personagens
repetem a palavra “Quê” (abreviação de “o quê?”) por três vezes, sendo duas ditas
pela personagem Mônica. Nota-se uma atividade de formulação, devido à repetição
da palavra, cuja a intenção é mostrar constrangimento com o toque nas mãos que
ambos acabaram proporcionando no terceiro quadro.
Observa-se, então, que o uso da linguagem visual e a escrita completam o
sentidos dos quadrinhos. Os gestos dos personagens na figura acima contam ao
leitor o que está se passando mesmo sem ter balões de fala. Posteriormente a
repetição de palavras indica a espontaneidade da ocasião, que não se torna
cansativa para o leitor, que a lê como se estivesse ouvindo o diálogo.
A junção entre imagem e texto torna a mensagem de uma HQ, conforme
definem Santos e Silva, agradável e de fácil entendimento, “mesmo sendo de
caráter informativo e preventivo, por vezes altamente referenciais” (2002, p. 02). O
entretenimento gerado pela leitura das histórias em quadrinhos permite classificar
este veículo como pertencente à indústria cultural. Mas, os quadrinhos ainda podem
adquirir uma característica “alternativa”, ao mesclar o entretenimento da indústria
cultural com informação de interesse comunitário , segundo Santos e Silva (2002, p.
03)
Assim como as rádios e tvs comunitárias e os jornais de bairro,
ou seja, a partir do momento em que os veículos de massa
preocupam-se mais com o geral, o global a história em
quadrinhos como suporte e meios alternativos particulariza. Além
de fornecer informações, entretenimento e humor.
A característica chamada pelos autores de “alternativa” visa atribuir às HQs o
papel de poder atuar como porta voz de um determinado grupo, reportando um
acontecimento. Esta característica é definida por Barbosa (2008) como um dos
elementos do Jornalismo em quadrinhos (JHQ).
29
O que se propõe com o JHQ é apresentar um assunto de uma
maneira alternativa. Não entremos no mérito de ser um atrativo aos
jovens mirando conquistá-los devido à, já anunciada, morte do jornal
impresso. Não se trata da criação de um subterfúgio. Porém,
ressalta-se que o entendimento do JHQ passa pela ampliação do
fetiche da mercadoria, na qual esta ganha importância enquanto
imagem, e o cotidiano, como espetáculo (2008, p. 10).
Santos e Silva (2002) citam conteúdos voltados à conscientização de um
grupo de indivíduos tendo como meio de divulgação da mensagem as HQs. “A
Nova SIPAT4 veicula um conteúdo voltado à conscientização dos trabalhadores
promovendo uma construção cidadã e continuada ao informar e entreter a respeito
dos problemas relacionados à saúde e segurança” (2002, p. 03).
A união de histórias em quadrinhos com a prática jornalística atribuiu certa
liberdade ao modelo convencional de reportar um acontecimento, como afirma
Barbosa (2008, p. 01);
(O JHQ) vem como suporte para situar a realidade junto à apuração
jornalística, já que os quadrinhos dão a liberdade estética de se
estilizar personagens e de se utilizar recursos comuns às HQ, que,
numa primeira leitura, fogem do caráter sério atribuído ao jornalismo
– onomatopéias, por exemplo.
Segundo o autor, apesar do termo jornalismo em quadrinhos ser recente, o
uso da arte sequencial em periódicos é utilizado há séculos por via das charges e
tiras. No entanto, o JHQ visa a junção das duas áreas aparentemente distintas
(jornalismo e quadrinhos) nascendo “um produto que é calcado numa prática
semiológica (...), sem, contudo, se desvencilhar da realidade e dos preceitos
jornalísticos5” (Barbosa, 2008, p. 02).
O exemplo dado por Santos e Silva (2002) anteriormente sobre como uma
HQ foi usada para conscientizar um grupo de indivíduos, fez uso de um estilo de
narrativa das histórias em quadrinhos comumente usadas para esta finalidade
(conscientização), o estilo humorístico. “Um aspecto a ser relevado nas HQ da
Nova SIPAT é a utilização do humor, mesmo tratando-se de uma narrativa com o
4
Empresa localizada na cidade de Santo André (SP) que desenvolve projetos de comunicação
interna e marketing social.
5
Barbosa (2008, p. 04) cita como preceitos do jornalismo três elementos: 1- Registros de linguagem – A língua
do país, escrita ou falada; 2 – Processo de comunicação - diz respeito ao referencial, a alteridade do emissor, do
receptor e do processo de comunicação. Para isso, no jornalismo, buscam-se enunciados que atestam a
veracidade do fato – nomes, datas, horários, enfim, detalhes que enriquecem o texto e que contribuem para a
verossimilhança da história em questão; 3 - Compromissos ideológicos - são a posição tomada pelo repórter ao
escolher este ou aquele termo – visando, é claro, não afetar a comunicabilidade.
30
objetivo explícito de informar e conscientizar o trabalhador”. (SANTOS; SILVA,
2002, p. 08). Abaixo, veremos algumas características de gênero literário e
científico dos quadrinhos.
2.1. HQ COMO GÊNERO LITERÁRIO E CIENTÍFICO
As definições de gênero (estilo de cada revista) das HQs são inúmeras e, a
cada momento, surgem novas categorias que classificam suas tramas. “Há uma
tendência na literatura científica sobre os quadrinhos de classificá-los por gêneros”.
(RAMOS, 2009, p. 20). Segundo Ramos (2009), a rotulação das histórias em
quadrinhos em diferentes gêneros se dá, sobretudo, pela avaliação de sua história.
Parece haver um maior interesse em rotular tais gêneros pela
temática da história: super-heróis, terror, infantil, detetive,
faroeste, ficção científica, aventura, biografia, humor, erótica,
literatura em quadrinhos (adaptações de obras literárias), as
extintas fotonovelas, o jornalismo em quadrinhos (reportagens
feitas na forma de quadrinhos). (2009, p. 29-30).
A definição de gênero dada pela literatura científica, chamada muitas vezes
de “rótulo”, é diferente quanto à definição de gêneros dos quadrinhos dada pelos
estudos da comunicação. Esta diz respeito muito mais à forma, ou seja, à estrutura
linguística do quadrinho, do que sobre a avaliação de sua trama. Marcuschi (apud
RAMOS, 2009) define a questão da seguinte forma:
Existe uma grande diversidade de teorias de gêneros no
momento atual, mas pode-se dizer que as teorias de gênero que
privilegiam a forma ou a estrutura estão hoje em crise, tendo-se
em vista que o gênero é essencialmente flexível e variável, tal
como o seu componente crucial, a linguagem. Pois, assim como
a língua varia, também os gêneros variam, adaptam-se,
renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a tendência é
observar os gêneros pelo seu lado cognitivo, evitando a
classificação e a postura estrutural. (2005, p. 04)
A concepção de gênero aplicada pela comunicação é chamada por Ramos
(2009) de hipergênero. “Pode-se dizer que há, então, dois níveis de rotulações, as
próprias aos gêneros autorais e as que interferem na formatação do texto, caso dos
31
hipergêneros” (2009, p. 06). Dentro do que se define por hipergênero, ainda de
acordo com o autor, os quadrinhos podem ser classificados6 em cartuns7, charges8,
tiras seriadas9, mangás10, graphic novels11 e as comic book12. Vejamos abaixo
algumas imagens que exemplificam cada tipo de hipergênero dos quadrinhos.
Figura 10 - Cartum
Figura 11 - Charge
Figura 12 – Tira seriada
6
As definições das classificações abaixo foram retiradas do site www.wikipedia.org.
É um desenho humorístico acompanhado ou não de legenda, de caráter extremamente crítico retratando de uma
forma bastante sintetizada algo que envolve o dia-a-dia de uma sociedade.
8
É um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum acontecimento
atual com uma ou mais personagens envolvidas.
9
Caracterizada por uma série de vinhetas, publicada regularmente (diariamente ou semanalmente), em jornais,
revistas e mais recentemente nas páginas da Internet (webcomics). Não necessariamente as tiras cômicas são de
humor, outros gêneros que têm sido explorados são o familiar, aventura, mistério, espionagem, policial, drama,
heróis e super-heróis, entre outros)
10
É a palavra usada para designar as histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês. Uma das características é a
leitura inversa da historia com relação à forma ocidental que começa da última página para a primeira. Seu
conteúdo também é impresso em preto e branco.
11
É uma espécie de livro, normalmente contando uma longa história através de arte sequencial dos quadrinhos, e
é frequentemente usado para definir as distinções subjetivas entre um livro e outros tipos de histórias em
quadrinhos. O exemplo traz a capa da graphic novel “Watchmen” (1988).
12
Definição de histórias em quadrinhos nos Estados Unidos que em tradução para o português significa livros
cômicos, mas, na verdade são relacionados às narrativas do gênero super-heróis. O exemplo é do primeiro
exemplar da revista do “Superman” (1938).
7
32
Figura 13 - Mangá
Figura 14 – Graphic Novel
Figura 15 – Comic Book
Abaixo veremos como as histórias em quadrinhos evoluíram com o passar
das décadas, a partir de um ponto de vista classificatório/ideológico que as
dividiram em períodos distintos.
2.2. CARACTERÍSTICAS IDEOLÓGICAS: ERA DE OURO, PRATA E BRONZE
Desde o final da primeira Guerra Mundial, as HQs, em especial as do
gênero ação, atraíram milhares de fãs em todo o mundo com o surgimento dos
super-heróis. Entre eles, pode-se destacar: Super-Homem (1938), Batman (1939),
Mulher Maravilha (1941), Homem-Aranha (1960), Hulk (1962), Homem de Ferro
(1963), entre tantos outros.
As sagas dos quadrinhos de super-heróis apresentam ascensão e
decadência do estilo em um período de quase sete décadas desde o surgimento, em
1938, até os dias atuais. Estas etapas de altos e baixos são conhecidas, entre os
profissionais da área, como “Eras”. Smee (2008) explica que o termo “Era”, para os
quadrinhos,
diz
respeito
ao
agrupamento
de
tendências
das
narrativas
impulsionadas por valores sociais e ideológicos pautados pela vontade de ordem.
Adaptações em diferentes estágios de evolução, portanto, geram
um grupo de conteúdos característicos que se reúnem
notavelmente nos quadrinhos de uma determinada época,
compondo as “Eras” delineadas pela comunidade de leitores, que
33
é influenciada pelo zeitgeist, o espírito da época e da sociedade.
(SMEE, 2008, p. 01)
A classificação destas eras baseia-se na importância dos acontecimentos
ocorridos em cada uma delas representada pelos elementos ouro, prata e bronze.
Logo, temos a Era de Ouro, Prata e Bronze, às quais se soma a Era Moderna.
A chamada Era de Ouro das HQs inicia-se em 1938, quando surgiram as
primeiras comic books oriundas dos destroços da Primeira Guerra Mundial. Smee
relata que a primeira citação do termo “Era de Ouro” foi dada por Richard A. Lupoff.
A primeira menção a uma Era de Ouro referindo-se aos superheróis dos anos 40 foi feita por Richard A. Lupoff, em um artigo
chamado “Re-Birth”, no fanzine Comic Art #1, de abril de 1960.
Nos gibis, o termo foi usado pela primeira vez em 1963, na revista
Strange Tales #114, da Marvel Comics. (2008, p. 01)
Neste período consagrou-se o gênero de super-herói, representado pelo
ícone mundial da paz, Super-Homem, criado por Joe Shuster e Jerry Siegel,
conforme definem Moore e Del Manto (2008).
Os avanços tecnológicos para as tramas dos super-heróis deram início à
segunda fase das HQs, chamada Era de Prata. Esta era começou a partir de 1950,
impulsionada pela difusão da televisão, que trazia ao público as primeiras teleséries
e novelas. Nesta tendência, as comic books ganharam aspectos humanos, com
narrativas sequenciais, revelando as origens dos personagens, envolvendo-os em
relações familiares.
Em 1941 [...] iniciaram uma série de histórias de apelo social em
que o Lanterna e o Arqueiro Verde viajam pelos EUA e
confrontam problemas mais reais como drogas e racismo, em
pleno Movimento da Contra-Cultura. (MOORE; DEL MANTO,
2008, p. 03).
A última era, caracterizada pelos três elementos preciosos, iniciou em 1970,
intitulada Era de Bronze. Este período talvez seja o mais controverso no universo
das histórias em quadrinhos, quando cada revista teria ingressado na Era de Bronze
em tempo diferente durante os anos 1970. Dentre os fatos que caracterizam a
entrada de cada HQ na era de Bronze está o desligamento de personagens
principais das tramas, como quando Robin deixa Batman para ingressar na
34
faculdade e a ousadia das editoras dominantes do mercado em lançar séries de
terror e sexualidade, de personagens como o vampiro meio humano, Blade (1973).
Da mesma forma que a morte de Gwen Stacy marcou o fim da
Era de Prata, ela também serve como o início da Era de Bronze,
apesar de muitos acharem que esta teve início com o fim da
parceria Lee/Kirby na Marvel e a ida de Jack Kirby para a DC
Comics em 1970 para criar o chamado “Quarto Mundo”, uma
seqüência de histórias inovadoras e que originou o conceito de
cross-overs e maxi-séries. O fato é que a Era de Bronze trouxe
mais importância aos personagens das minorias raciais e sociais
nos EUA, como Luke Cage (o primeiro super-herói negro a ter sua
própria revista), Tempestade (dos X-Men) e Shang-Chi, o Mestre
do Kung Fu, entre outros. (MOORE; DEL MANTO, 2008, p. 03)
Estima-se que a Era de Bronze tenha terminado no início de 1985, com a
consolidação do capitalismo como sistema econômico em quase que todas as
nações, eliminando boa parte dos conflitos entre as mesmas.
As transformações que o estilo comic book enfrentou desde a primeira à
última era dos elementos preciosos não refletem apenas o amadurecimento das
tramas e da técnica esperados com o passar das décadas. Pelo contrário, a
transição de uma era para a outra nas HQs expressa a exteriorização dos desejos
da humanidade de transformações no mundo real decorrentes de período de
guerras e situação econômica.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os quadrinhos de superheróis atingiram seu ápice. Foi durante este período que foram
registrados seus maiores números de vendas por exemplar.
Segundo Bradford W. Wright, em 1943, os quadrinhos vendiam 25
milhões de cópias por mês. Apenas o título do Capitão Marvel era
responsável por mais de 1,5 milhão. A guerra impulsionava os
leitores a consumirem quadrinhos, uma vez que os gibis traziam
em suas capas os super-heróis enfrentando os cabeças do Eixo.
Além disso, milhares de quadrinhos eram levados ao front para
que os soldados se sentissem incentivados com as histórias dos
heróis. (SMEE, 2008, p. 02)
Ao surgirem, em 1938, em meio às duas Guerras Mundiais, as comic books
de super-heróis representavam a esperança, um salvador que desse fim ao terror ao
qual mundo enfrentava, mesmo que este existisse apenas em um universo fictício. A
partir de 1950 tem início a segunda fase das HQs, que se estendeu até 1970, e além
de aspectos humanos, os personagens passaram a ter acesso à tecnologia, ato que
expressava os conflitos da Guerra Fria (disputa do mundo entre Estados Unidos e a
35
extinta União Soviética). Guedes (apud SMEE, 2008, p. 02) aponta que, “no final da
década de 50, com a corrida espacial e a iminência de uma guerra nuclear entre a
URSS e os EUA, parecia mais apropriado que os heróis fossem produtos legítimos
da ciência, mesmo que fantásticos demais”.
Com o mundo dividido em dois blocos formados por diversas nações em
prol da hegemonia mundial, a Era de Prata das HQs também foi o período do
surgimento das super-equipes. Seres com poderes extraordinários uniam forças
para derrotar o inimigo também formado por agrupamentos de indivíduos fortes.
[...] dentro da Era de Prata existe a chamada “Era Marvel”, com o
surgimento de alguns super-heróis mais populares de todos os
tempos: Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Hulk, Homem de
Ferro, Thor, X-Men, Demolidor, Vingadores. (MOORE; DEL
MANTO, 2008, p. 02)
Destacam-se nesse período o aparecimento das super-equipes Legião dos
Super-heróis (1958), Liga da Justiça (1960), Quarteto Fantástico (1960), Os
Vingadores (1963) e X-Men (1963). Esta última atuou como abertura de um novo
rumo para os super-heróis, em meados de uma nova era das HQs, era esta que
ainda se está em andamento, e que recebe várias denominações, tais como Era
Moderna, Era de Ferro, Era Sombria ou Era Negra, de acordo com Del Manto
(2009).
Iniciada no final dos anos 1980, a Era Moderna, que perdura até hoje, tem
como principal característica o envolvimento político propriamente dito nas
narrativas, bem como avançadas técnicas de desenho e impressão que
revolucionaram o mercado. Segundo Moore e Del Manto (2009), a editora americana
Image trouxe, em 1992, revolucionária arte gráfica, com visuais fantásticos de seus
personagens. Os discursos das HQs desta era condizem com aspectos diplomáticos
e complexos, reflexos dos temas que envolvem o final do século XX e início do
século XXI.
Os quadrinhos passaram a se apegar mais a argumentos do que à
estética visual. O próprio Watchmen foi concebido por Dave Gibbons
de acordo com os preceitos de Alan Moore de heróis que eram
pessoas reais por baixo das fantasias anormalmente ridículas.
(DOMINGUES, 2011, s.p.)
36
A luta pelos direitos das classes, da igualdade dos gêneros e de toda e
qualquer diversidade pode ser encontrada com muito mais ênfase nas narrativas da
Era Moderna, que fazem do uso da política, principal fator de transformação.
[...] muitas HQs já existentes passaram por uma mudança interna,
substituindo os comuns vilões, temas e tramas mirabolantes por
assuntos mais “realistas” como terrorismo, preconceito e fanatismo
religioso que, apesar de já existirem no mundo dos quadrinhos,
passaram a ter maior importância, além de serem discutidos mais
abertamente. (MACHADO, 2010, p. 02)
Em seu artigo, Machado (2010) cita exemplos das transformações por que
revistas famosas passaram - e estão passando - a partir da incorporação dos temas
que regem a Era Moderna. Dentre eles estão Capitão América e os X-Men.
Heróis como Capitão América e Nick Fury, este último dentro da
saga Guerra Secreta, tiveram suas fases de combate ao terrorismo.
A Justiça Jovem, grupo de super heróis pré-adolescentes da DC,
teve uma história com a temática do ódio irracional. O mutante Cable
criticou o imperialismo norte-americano numa história passada no
Rio de Janeiro. O roteirista Greg Rucka falou sobre a mentalidade
dos talibãs em sua série de espionagem Queen & Country. Ao Super
Homem coube falar sobre fanatismo religioso. Os X-men, não se
desviando do tema preconceito que é a base de sua história,
introduziram uma discussão sobre os talibãs, inclusive dando as
boas-vindas à uma personagem islâmica. (MACHADO, 2011, p. 02)
Prestes a completar trinta anos, a Era Moderna dos quadrinhos ainda não
terminou. “Neste exato momento, algum roteirista doido pode estar criando alguma
obra que irá revolucionar totalmente as HQs e dar início a uma nova Era”. (Moore,
2009, 02). Enquanto isto, os quadrinhos seguiram um novo rumo em meados dos
anos 2000, aonde deixaram as páginas das revistas.
3. DOS QUADRINHOS PARA O CINEMA
É possível traçar uma ascensão para os personagens das comic books,
desta vez, no cinema. A busca pelos direitos legais de coexistência pacífica das
nações do mundo foi impulsionada nos universos paralelos das comic books após os
atentados terroristas de 11 de setembro contra as Torres Gêmeas, em Nova York,
Estados Unidos.
37
[...] a queda das Torres Gêmeas exigiu dos quadrinhos uma
camada maior de realidade. Em um mundo pós-11 de Setembro,
até mesmo a frase “Olhe, lá no céu! É um pássaro! É um avião!”
soa diferente, diz Robert Wilonsky para a SF Weekly. O sentido do
escapismo nos quadrinhos não existe mais; o mundo de fantasia
deve dar passagem para o verdadeiro. (SMEE, 2008, p. 03)
A partir desta data, o terror que assolou a humanidade com as duas
primeiras guerras mundiais voltou. A intolerância de etnias, cultura e religião
provocou conflitos que ainda seguem. O mundo, mais uma vez, precisava dos
super-heróis para acolher seus medos, gerando um novo discurso ideológico com o
intuito de restabelecer a ordem social.
Muitos dizem que o 11 de Setembro teve o mesmo impacto que a
Grande Depressão de 1929, quando os sentimentos das pessoas
chegaram a tal ponto de desesperança que passaram a buscar a
força necessária nas revistas de quadrinhos, que produziriam,
quase uma década depois, o gênero dos super-heróis. (SMEE,
2008, p. 03)
Com revistas mais realistas do que nunca, tanto em discurso quanto em
figuras, o mercado das histórias em quadrinhos deu o “segundo” passo bem
sucedido para o cinema. Segundo passo porque adaptações de HQs para roteiros
de cinema já existiam antes dos atentados de 11 de setembro. “Apesar de já
existirem muitas adaptações anteriores [...], como Superman, de 1978, e Flash
Gordon, de 1936 e 1980, foi depois de Batman, de 1989, que Hollywood abriu os
olhos para o universo dos quadrinhos”. (Pardinho, s.d., p. 01). Com o sucesso
destes filmes, cujos efeitos especiais eram fáceis de serem produzidos, o mercado
ficou eufórico por novas produções, mas, “[...] muitos filmes produzidos em épocas
que não se possuía tecnologia para transpor os efeitos dos quadrinhos para as telas
ficaram devendo” (Pardinho, S.D., p. 01). O cinema de quadrinhos passa a sofrer
queda na aceitação popular que só seria elevada anos mais tarde.
Após 2001, vários personagens saídos de HQs de super-heróis ganharam
vida nas telas de cinema, registrando as maiores bilheterias das últimas décadas.
Dentre eles destacam-se, Homem-Aranha (2002), Hulk (2003), Hellboy (2004),
Batman Begins (2005), Homem de Ferro (2008), Capitão América (2011).
Entretanto, dois anos antes da humanidade precisar novamente da figura dos superheróis, um grupo de seres extraordinários reiniciou a era das adaptações bem
38
sucedidas dos comic books no cinema, os X-Men. Tendo como objetivo conquistar a
igualdade de convivência, o longa-metragem “X-Men: o filme” (2000) difundiu, pela
primeira vez, as ideias lançadas com a criação da HQ em 1960 para um público
maior com o cinema.
O filme do Homem-Aranha foi o grande representante do
renascimento da força dos quadrinhos e ficou entre as dez maiores
bilheterias da história do cinema. Se o filme dos X-Men, dois anos
antes, havia dado origem aos primeiros passos da linha Ultimate
Marvel, no filme do Aranha era a linha de publicações que exercia a
influência sobre a película. Depois de Homem-Aranha, os estúdios
de Hollywood viram nos quadrinhos uma mina de ouro, e as editoras
de quadrinhos começaram a trazer para seus estúdios talentos dos
sets da Califórnia. (SMEE, 2008, p. 03)
Dez anos após a exposição global dos ideais presentes nas histórias em
quadrinhos dos X-Men com a película, seguida por outros quatro filmes da série, os
comics desta equipe de super-heróis tornaram-se ainda mais populares, criando
tramas derivadas da revista principal como X-Force, Cable e Jovens X-Men, todas
lançadas em 2009.
No universo ficcional em que se passa a trama dos X-Men, a figura dos
superpoderes que os personagens possuem fica em segundo plano, envoltos em
questões sociais e políticas inspiradas no universo real. Para tornar claras as
mensagens de aceitação e diversidade cultural transmitidas pelas HQs dos X-Men,
objetivo desta monografia, faz-se necessário explorar o universo dos X-Men.
4. CONHECENDO OS X-MEN
“Mutação: um processo lento e de milhões de anos. Foi através da mutação
que evoluímos de organismos unicelulares para a raça dominante no planeta. Mas, a
cada período de tempo, a evolução dá um salto”. (Jean Grey em X-Men II – o filme,
2004). Foi com esta reflexão que a personagem Jean Grey, no segundo longa
metragem da adaptação para o cinema das histórias em quadrinhos dos X-Men,
explicou sua transformação da forma humana para a Fênix Negra, definindo também
a existência dos demais mutantes que habitam o universo dos Homens-X (tradução
para o português de X-Men).
39
Figura 16 – Jean Grey
Criada em 1963, dentro do período da Era de Bronze das HQs, por Stan Lee
e Jack Kirby, a comic book que trazia a primeira história sobre um grupo de
mutantes, alguns pacíficos, outros nem tanto, foi inspirada, de acordo com o próprio
Stan Lee, na vivência do período em que o mundo se encontrava: o medo da
radioatividade nuclear da Guerra Fria: “Após bolar um superdeus (Thor), um monstro
verde (Hulk) e um sujeito que escalava paredes (Homem-Aranha); esgotei meu
repertório de invencionices. Daí, eu resolvi que seria mais fácil criar um bando de
jovens que já nasciam com seus poderes!” (Stan Lee)13. Apesar de ter sido criada
com a influência da radioatividade causando mutações e doenças em seres
humanos reais, na trama de X-Men, esta explicação não existe. Em X-Men seres
humanos mutantes sempre existiram.
A trama desta revolucionária comic book é simples, mas rica no sentido de
levantar questões sociais. No enredo dos X-Men, na Terra habitam dois tipos de
seres humanos: o Homo sapiens (Homem atual) e o Homo superior (Mutantes). Este
último nada mais é do que a evolução de nossa espécie, aonde estes seres
humanos nascem portadores do gene “X”, que causa mutação no DNA, conferindolhes características sobre-humanas de diferentes poderes especiais para cada
indivíduo.
Por serem diferentes, os mutantes vivenciam o preconceito do governo,
sociedade, família e até de amigos que não entendem que o gene “X” não é uma
doença ou opção, e sim uma evolução da espécie. Nesta luta pela sobrevivência,
existem aqueles que escondem sua mutação, os que estão dispostos a enfrentar os
humanos pela força e sobrevivência do mais forte e aqueles que tentam mostrar à
13
Frase de Stan Lee retirada do site: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?
acao=materias&cod_materia=518 acessado em 08/09/2010.
40
humanidade que o Homo sapien e o Homo superior podem conviver em harmonia,
esta classe se define como X-Men.
Com um roteiro criado sob as circunstâncias da Guerra Fria, o enredo de XMen pouco tem que ver com a questão tecnológica ou radioativa. Desde sua
primeira edição, intitulada “The X-Men” (Os Homens-X), o estilo de vida dos
personagens se assemelhava muito mais com a vida cotidiana de jovens e adultos
comuns do que com cientistas ou chefes militares. Pela primeira vez, desde a
popularização das HQs, uma trama deixava de lado a onipotência dos super-heróis
e focava primordialmente nos problemas enfrentados na sociedade real, mas sem
perder a fantasia.
Figura 17 – Capa da edição nº 01 dos X-Men (1963)
Desta forma, as histórias em quadrinhos dos mutantes conquistaram cada vez
mais fãs, alcançando um público-alvo composto por jovens e adultos. Jovens que se
identificavam com a causa mutante e adultos contextualizados que enxergavam o
fator de crítica social presente na narrativa. O universo fictício dos X-Men se
assemelha e se desenvolve a partir da realidade do mundo de 50 anos atrás até os
dias de hoje, quando os mutantes são inspirados nas minorias da sociedade, em
outras palavras, os excluídos por motivos preconceituosos.
Ao surgir, na década 1960, a trama dos mutantes refletia a luta da classe
negra pelos direitos de cidadãos, criticando o Apartheid, na África. Com o passar
41
das décadas, novos estigmas que prejudicaram ou prejudicam determinadas grupos
de pessoas são abordadas em X-Men. Este efeito de alcance global da trama, além
do auxílio dos discursos metafóricos, conta com a ajuda da característica de seus
personagens, ambientando-os em diversas regiões do planeta.
Diferente das outras HQs lançadas no mesmo período, aonde as histórias se
passavam com cidadãos tipicamente estadunidenses, em X-Men o grande número
de personagens que se agregam à trama eram oriundos de diferentes partes do
mundo, levando consigo características dos países de origem. Tão considerável foi a
mudança no estilo de compor personagens com origens em outros países que o
personagem mais querido pelos leitores de X-Men é o canadense Wolverine.
Destaca-se também o russo Colossus, a queniana Tempestade, o alemão Noturno,
o escocês Banshee, o japonês Solaris e até a brasileira Tâmara.
Figura 18 – Wolverine
Figura 19 – Colossus
Figura 21 – Noturno Figura 22 – Banshee Figura 23 – Solares
Figura 20 - Tempestade
Figura 24- Tamara
42
A tática para alcançar o maior número de leitores criando personagens
nascidos em vários continentes ia contra os interesses da editora Marvel Comics,
que publicava a HQ. Isso ocorria pelo fato de inserir personagens vindos de países
onde a venda de X-Men era quase nula, como o Quênia e a Rússia, até então União
Soviética. O efeito, porém, foi totalmente positivo em aceitação, o que impulsionou a
editora a criar histórias inéditas após um período de reprises nas publicações14.
O sucesso crescente das aventuras dos mutantes da Marvel na busca pelo
direito de existir já rendeu mais de 500 edições da revista principal, batizada de
“Uncanny X-Men”, além de inúmeras outras edições de revistas com tramas
paralelas derivadas do mesmo universo mutante.
Figura 25 - Capa da revista Uncanny X-Men – edição 494 - 2009
Em 50 décadas de existência, as histórias em quadrinhos dos X-Men
trouxeram ao público acontecimentos na trama que provocaram reviravoltas
significativas nas vidas dos personagens. Estes acontecimentos divisores de águas
na linguagem das HQs são chamados de “Sagas”. Uma única saga pode perdurar
por várias edições, sendo citada, inclusive, nas revistas derivadas, estendendo-se
por vários anos.
Considerada pelos fãs da HQ como a principal saga já publicada sobres os
mutantes, tornando-se, em números de vendas, um verdadeiro best seller mundial, a
14
A descrição completa do processo de popularização global das HQs dos X-Men pode ser
encontrada no site: http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=materias&cod_materia=518
acessado em 08/09/2010
43
saga intitulada “A Fênix Negra”, publicada na década 1980, até hoje exerce
influência na trama, sendo corriqueiramente lembrada pelos personagens.
A saga da Fênix Negra surpreendeu os leitores ao trazer a morte de uma das
personagens mais poderosas, a telepata Jean Grey. Mas, a relevância da saga da
Fênix Negra para o futuro dos X-Men ocorreu, principalmente, por conta de como
sucedeu a morte de Jean. Popularmente conhecida por ser dócil e gentil, Jean Grey
não sabia que, em seu subconsciente, habitava sua verdadeira mutação, uma outra
personalidade que se autonomeava a Fênix, o ser mais poderoso já citado em toda
a trama, movido por instintos sexuais e de crueldade sem misericórdia.
A batalha contra a Fênix quase exterminou os X-Men, obrigando o lado bom
de Jean Grey a cometer suicídio para salvar a todos. Após este acontecimento
apocalíptico, mesmo pessoas que não conheciam os X-Men começaram a
acompanhar a série, que desencadeou outras sagas de sucesso como “Massacre de
Mutantes”, “A Queda dos Mutantes” e “Inferno”.
Figura 26 – Capa da revista que iniciou a saga “A Fênix Negra” (1980)
A última saga dos mutantes foi lançada em 2009, com o título de “Complexo
de Messias” (material que será analisado na íntegra no capítulo IV desta
monografia). Contendo todos os requisitos de uma saga, Complexo de Messias
trouxe
elementos
que
mudaram
o
destino
dos
personagens
principais,
acontecimentos que devem perdurar com consequências pelas décadas seguintes.
Nesta saga, como o próprio nome diz, há a busca por um milagre, a busca por
um salvador para a raça mutante. Complexo de Messias é uma das sagas que mais
44
apresentam elementos religiosos, tendo a fé como fator presente nas ações da
maioria dos personagens. Esta característica nos rumos da trama não é peculiar e
segue o estilo típico das HQs, abordando assuntos reais de sociedade na vida e
caráter dos personagens.
4.1.
O APOCALIPSE DA ERA MODERNA
A entrada do terceiro milênio, o início do século XXI, os atentados terroristas,
em especial os de 11 de setembro de 2001, contra as Torres Gêmeas, nos Estados
Unidos, a eminente terceira guerra mundial, o fim dos recursos naturais, o
aquecimento global, dentre outros temas que ameaçam o futuro da raça humana
enriquecem a formação de identidade da atual era das histórias em quadrinhos.
A julgar por todos os acontecimentos citados acima e a abordagem da saga
Complexo de Messias, dos X-Men, a fé, movida pelo temor do fim do mundo, parece
dar um dos tons da Era Moderna das comic books. Sagas de outros super-heróis
lançadas no século XXI abordam o tema, entre elas “Trevas Eternas – Legião dos
Super-Heróis” (2008) e a adição complementar do universo Marvel que tratou da
extinção da humanidade pelos próprios super-heróis transformados em zumbis nos
cinco capítulos de “Marvel Zumbis” (2005).
Complexo de Messias, ao suceder os acontecimentos ocorridos em edições
anteriores, marcadas pelo Dia M (O Dia M ficou conhecido como o dia em que a
Feiticeira Escarlete baniu do mundo o gene “X”, impedindo o nascimento de novos
mutantes), recorre à esperança, a um recomeço após o apocalipse mutante.
Pretensiosamente lançada em 2009, a ideia de um recomeço, após o fim de tudo o
que existe, perdura nas profecias que circundam a humanidade. Nos textos da Bíblia
Sagrada, a promessa de um novo mundo após a destruição do anterior é explícita:
“Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos
pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudada” (II Pedro 3:10). “Porque,
como os novos céus e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante de mim, diz o
Senhor, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome” (Isaías 66:22).
Nas profecias politeístas, o recomeço também é destacado. A mais famosa
revelação pagã que alerta para o fim dos tempos prevê o recomeço da humanidade
45
com o mundo em uma nova formação geológica. Escrita pela extinta sociedade maia
há mais de cinco mil anos, a profecia do fim do mundo com data mais próxima que a
do calendário cristão seguido pela maioria das nações, prevê o apocalipse para o
dia 21 de dezembro de 201215.
A indústria de cinema estadunidense, famosa por apresentar filmes com
temáticas catastróficas para o final da humanidade, já lucrou com a profecia
lançando filmes que foram sucessos de bilheteria como “2012” de Roland Hermerich
(2009) e “2012: o ano da profecia”, do diretor Nick Everhart, também lançado em
2009.
4.2.
COMPLEXO DE MESSIAS
Na mais recente saga mutante, o apocalipse já teria ocorrido, o Dia M, e o
recomeço aparece na forma de uma criança, um recém-nascido, como mostra o
prelúdio da saga:
Depois do Dia M, a raça mutante aproximou-se da
extinção. Outrora aclamada como substituta da
humanidade, pois era o que os mutantes pareciam
ser, agora que foram reduzidos a algumas centenas,
correm o risco de desaparecer no esquecimento. Mas
um novo bebê mutante nasceu, o primeiro desde o Dia
M, e com ele, esperança para a raça mutante”.
(UNCANNY X-MEN, 2009, p. 01).
Indo além do que o que ocorreu em A Fênix Negra, Complexo de Messias
trouxe a morte não de um, mas de vários personagens famosos da trama. A saga
inicia-se com o nascimento de um novo bebê mutante, o primeiro desde o Dia M.
Com este nascimento improvável, o bebê, uma menina, passa a ser o objeto de
desejo de todos, pois, além de ser o primeiro mutante a nascer, dando esperança ao
Homo superior, ainda fez algo incomum: manifestou poderes ao nascer, poderes
imensos que destruíram todos os moradores da pequena cidade onde nasceu.
Este episódio despertou o interesse de três grupos rivais, os Carrascos, os
Purificadores e os X-Men, os quais iniciam uma busca sangrenta pelo bebê. Os
15
Ver em: http://www.doismiledoze.com/a-primeira-profecia-maia - acessado em 16/09/2010
46
Carrascos, liderados pelo geneticista mutante Dr. Sinistro, querem o bebê para usálo como arma, já que é muito poderoso. Os Purificadores são um grupo de fanáticos
religiosos que querem eliminar a criança alegando que a mesma é o Anticristo. Os
X-Men querem entender o que ocasionou o nascimento da criança e o que a mesma
irá representar para o futuro dos mutantes.
A princípio, nenhum dos três grupos consegue pegar a criança que foi
capturada pelo rebelde X-Men Cable que, após combates com os rivais, consegue
fugir para o futuro por via de um circuito temporal.
Em Complexo de Messias há ainda a presença do Predador X, um animal
feroz criado para caçar mutantes. O nascimento despertou a fome do predador, que
parte também em busca da criança. O animal é morto por Wolverine no final da
saga.
No desenrolar dos 13 capítulos da saga, há a morte de personagens como Dr.
Sinistro, Caliban, Lady Letal e Charles Xavier. No final da saga, a personagem
Vampira “morre” para o mundo mutante, sendo liberta de sua habilidade, o toque
mortal, após um simples contato com o bebê mutante.
Após esta breve apresentação dos X-Men (os excluídos da ficção), vamos
abordar alguns grupos minoritários da não-ficcção que são excluídos e lutam por
seus direitos civis.
47
CAPÍTULO II
DIVERSIDADE: GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL, COR E
DEFICIÊNCIA FÍSICA
1. A MINORIA QUE É MAIORIA
A característica de envolver dezenas e até centenas de personagens
participando ativamente das narrativas, desde seu surgimento, fez com que as
histórias em quadrinhos dos X-Men sofressem críticas negativas e positivas de seus
leitores. Negativas porque o grande número de personagens tirava o foco dos
personagens principais. Positivas porque os numerosos mutantes eram oriundos de
diversos países, fato já citado que atraiu muitos leitores, que passaram a ter muitas
opções para adotar um personagem em particular que mais se assemelhasse com
sua personalidade.
Os elementos que comparam os personagens de X-Men não apenas com seu
público leitor, mas com a realidade dos grupos alvos de discriminação (negros,
mulheres, homossexuais, religiosos, etc) levantam questões sobre o que é e quais
são as discussões contemporâneas acerca da diversidade cultural.
Os números apontam que a população mundial inicia a segunda década dos
anos 2000 com aproximadamente 8 bilhões16 de habitantes. Este número de
pessoas se divide em milhares de grupos que vivem (sobrevivem) de acordo com
sua cultura e visão de mundo. Atualmente, toda a diversidade de agrupamentos
humanos, segundo Hanashiro e Carvalho (2004, p. 04), vai muito além do que as
distinções de etnias, cor e gênero, partindo do conceito de que todas as pessoas
são diferentes.
As definições atuais apresentam um escopo extremamente variado.
Os conceitos variam de amplitude: de definições restritas, que
enfatizam apenas raça, etnia e gênero, até às extremamente amplas
16
A informação é do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), que pode ser acessada pelo endereço:
http://www.brasilescola.com/geografia/populacao-mundial.htm - Acessado em 27/06/2011.
48
que se referem a todas diferenças entre as pessoas, isto é, todos
indivíduos são diferentes.
As diferenças que tornam cada indivíduo único geram a chamada identidade
social que, instintivamente, conduz cada ser a buscar interações humanas que mais
se adequam ao seu estilo de vida. O efeito disto, segundo Saraiva e Irigaray (2009),
é a formação de estigmas.
Para a teoria da identidade social, os indivíduos tendem a classificar
em categorias a si próprios e aos outros, com efeitos sobre as
interações humanas um processo que implica estereótipos e,
eventualmente, estigmas. (2009, p. 03).
O estigma é uma marca pela qual a pessoa ou grupo é identificada em meio à
diversidade que a cerca. Uma vez portadora deste sinal, o indivíduo ou grupo passar
a viver da separação em sentido social, conforme apontado por Saraiva e Irigaray
(2009, p. 03).
Estigma é um fenômeno socialmente construído com fortes
implicações negativas em suas vítimas, dado que se funda numa
relação assimétrica, que referenda atributos tidos como depreciativos
a uma pessoa ou grupo social. O estigma se diferencia e distingue, e
traz, no seu âmago a separação, bem como uma propriedade
relacional.
Os autores ainda apontam que, segundo estudos, “pessoas negras, com
deformação
facial,
com
deficiência
física,
obesas,
retardadas
mentais,
homossexuais e cegas são estigmatizadas. (SARAIVA E IRIGARAY, 2009, p. 03)”.
As categorias citadas enquadram-se nos chamados grupos minoritários que, apesar
de serem muitas vezes formados por um número maior de indivíduos, são definidos
com o termo “menor”, para esboçar sua participação nas decisões sociais, conforme
elucidam Paiva e Barbalho (2005, p. 11).
Ora, a noção comtemporânea de minoria – isto que aqui se constitui
em questão – refere-se à possibilidade de terem voz ativa ou
intervirem nas instâncias decisórias do Poder aqueles setores sociais
ou frações de classe comprometidos com as diversas modalidades
de luta assumidas pela questão social.
49
Com uma definição mais profunda sobre o conceito de minoria, Saji (2005, p.
17) afirma que há outro meio de representação de grupos que não estejam ligados
ao poder. “Não se encontra um conceito operacional útil que não faça referência ao
poder, visto que o conceito sociológico de minoria não está realmente ligado a uma
expressão numérica relativa”. Mais adiante, a autora explica a concepção de como
se dá a hegemonia da classe dominante, a chamada maioria social. “Os grupos de
maioria são formados por membros que historicamente obtiveram vantagens em
termos de recursos econômicos e de poder em relação aos outros”. (SAJI, 2005, p.
17).
A vantagem que a maioria social tem sobre os grupos minoritários, além de
dividir o coletivo, estigmatizando seus indivíduos, agrega à diversidade a
discriminação, preconceito e exclusão de todos os seus membros, sem distinção ou
importância de sua configuração das desigualdades sociais. Desta forma, segundo
Saji, “as questões de raça, do deficiente, de orientação sexual, de gênero, dos
gordos, dos magros, etc., são tratadas como se fossem da mesma natureza,
magnitude e conseqüência social”. (2005, p. 17).
A repressão a que as classes minoritárias que formam a diversidade são
sujeitas faz com que os grupos discriminados passassem a lutar por direitos de
participação social em um confronto sem armas, conforme definido por Paiva e
Barbalho. “Uma minoria luta pela redução do poder hegemônico, mas em princípio
sem objetivo de tomada do poder pelas armas” (2005, p. 13). A forma de ocupar um
espaço na hegemonia é alcançada, segundo Paiva e Barbalho, por meio dos
discursos vinculados na mídia. “Nas tecnodemocracias ocidentais, a mídia é um dos
principais “territórios” dessa luta”. (2005, p. 13). Os autores concluem que “é a mídia
que nos dias de hoje detém o maior poder de dar voz, de fazer existir socialmente os
discursos”. (2005, p. 36).
O espaço aberto pela mídia, na contemporaneidade, separou os grupos
minoritários, já divididos em novas categorias, chamadas de grupamentos urbanos,
que agem na produção de sentido de suas ideologias.
Manifestações como o heavy metal, os esportes radicais, a cultura
clubber, os graphic novels e o hip-hop são, antes de tudo, produções
de sentido centradas no consumo de determinados objetos culturais.
(PAIVA E BARBALHO, 2005, p. 117).
50
A cultura defendida pelos grupamentos urbanos difunde, mundialmente, o
modo de pensar a diversidade por via da mídia e suas produções de massa. “Hoje,
refletir sobre a questão identitária exige pensar a comunidade e a cultura no âmbito
da produção da indústria da cultura”. (PAIVA E BARBALHO, 2005, p. 180). Em
outras palavras, a busca de identidade social da nova geração é semente da difusão
dos grupamentos urbanos, fazedores de uma cultura pop 17. “A cultura pop atua de
maneira significativa na construção de identidades dos jovens atualmente” (PAIVA E
BARBALHO, 2005, p.162).
Por via desta exposição midiática global da diversidade contemporânea,
formada por membros oprimidos das minorias historicamente submissas, a
concepção política, como definem Paiva e Barbalho (2005), vê no pluralismo social a
força de suas reivindicações.
Para uma parte importante da filosofia política contemporânea o
pluralismo moral associado a essa proliferação de reivindicações
tornou-se, pois o principal desafio a que os processos de decisão e
justificação política devem responder, estabelecendo a ‘diferença’
como algo que devem tolerar, reconhecer afirmativamente, ou
considerar como objeto de deliberação (p. 42).
Para explanar um pouco mais a fundo a ideia de diversidade social e cultural,
a pesquisa de gênero é vista como o marco das lutas por igualdade de tratamento
das minorias. Por isso, vejamos as concepções de gênero, masculino e feminino e
homossexualidade, passando depois para a abordagem da discriminação racial e
finalizando com os conceitos de deficiência física.
2. GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
As lutas das minorias sociais e culturais contemporâneas têm em comum o
que
17
pode
ser
considerado
o
primórdio
dos
manifestos
por
direitos
de
O termo cultura pop tem sido usado para designar diversos produtos da Indústria Cultural. Fala-se em música
pop, pop rock, quadrinhos pop e, finalmente, cultura pop. O conceito de cultura pop surge não para substituir o
de indústria cultural, mas complementá-lo. Assim, a cultura pop teria as seguintes características: A. ser
inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma quanto de conteúdo; B. apresentar uma
leitura
crítica
de
mundo;
C.
ter
um
conteúdo
arquetípico;
D.
ser
provocadora.
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=724&titulo=Cultura_pop – Acessado em
27/06/2011.
51
reconhecimento e aceitação dos grupos discriminados, a ação das feministas no
final do século XIX, conforme apresenta Diniz (2008).
A inclusão do debate sobre a diversidade cultural e de gênero no
espaço acadêmico ocorre desde meados dos anos de 1970 e devese, historicamente, à pressão dos grupos feministas e dos grupos
gays e lésbicos que denunciaram a exclusão de suas representações
de mundo nos programas curriculares das instituições escolares.
(2008, p. 03).
Louro (2004, p. 02) aponta que, “ao falarmos de gênero estamos nos
referindo a feminilidades e a masculinidades - sempre no plural”. A observação da
autora diz respeito ao comportamento e não ao fator biológico. O modo de se portar
masculino e feminino foi estipulado pelo conhecimento retrógrado adquirido pela
hierarquização do masculino sobre o feminino.
O dilema do pensamento ocidental, a partir do qual foram criados os
saberes disciplinares das humanidades e das ciências exatas, é que
a cultura está para o masculino assim como o feminino está para a
natureza e que a noção de identidade está para o masculino assim
como a diferença está para o feminino. (MACHADO, 1998 p. 115).
Chow (2010, p. 18) reforça a tese de superioridade masculina, atribuindo ao
gênero uma classificação binária no sentido de representação de um distinto grupo.
“O que informa a problemática da representação é uma estrutura binária, na qual
uma das partes envolvidas é supostamente uma cópia, uma réplica, um ‘substituto’
objetivado para o outro”. A comparação de representação com o sistema de gênero
masculino e feminino feita pelo autor estipula as feminilidades como sendo a parte
substituta e as masculinidades como oficiais.
Assim como a representação, gênero, quando considerado a partir
de uma perspectiva convencional, heterossexual, também é uma
estrutura de duas partes, envolvendo a diferenciação entre homens e
mulheres. Neste caso também, a diferenciação convencionou-se um
processo de avaliação hierárquica. (CHOW, 2010, p. 19).
Em uma visão pós-estruturalista, Louro (1997) cita exemplos práticos da
supremacia masculina herdada dos tempos em que o feminino não possuía
representação social e que persistem ainda na contemporaneidade. Na frase “os
alunos que acabarem a tarefa podem ir para o recreio” (1997, p. 23), Louro
52
questiona-se se uma menina estaria incluída ou escondida neste grupo. A autora
também expõe a ideia de minoria no sentido de voz participativa feminina e a
hegemonia masculina com a seguinte descrição de comportamento social. “[...]
também será normal que um/a orador/a, ao dirigir-se para uma sala repleta de
mulheres, empregue o masculino plural no momento em que vislumbrar um homem
na platéia, pois essa é a norma”. (1997, p. 23).
Apesar das categorias homem e mulher serem com facilidade remetidas ao
conceito de gênero, Machado (1998, p. 116 – 117) comenta a ruptura do fator
biológico com a exclusividade da representação social, apontando um levantamento
avançado de gêneros igualitários incontáveis estudados com seriedade nas últimas
décadas. A autora sugere que o estudo de gênero seja encarado como reflexão
subjetiva, livre de verdades absolutas em se tratando de sujeitos sociais, tendo
como exemplo os manifestos feministas.
Os estudos de gênero e as indagações sobre as epistemologias
feministas introduziram, ao lado dos outros estilos de fazer ciência
social, um estilo que desse mais lugar à reflexão sobre a sujetividade
do(a) autor(a) e da construção das subjetividades dos sujeitos
sociais. (p. 125)
A formação da identidade comunitária do indivíduo estaria ligada as suas
experiências e absorção de conhecimento em contato com diferentes grupos da
sociedade, conforme observado por Conceição (2009, p. 04).
Dessa forma, a identidade aqui não é formada por um núcleo estável
nem se caracteriza pela coerência interna, sendo construída
multiplamente e relacionalmente no contato com “os outros” ao longo
de discursos, práticas e ações que podem ser convergentes ou
antagônicos. Como conseqüência dessa concepção, a pergunta
“quem sou?” se transforma em “onde estou?” e categorias familiares
de identidade, como classe, nacionalidade, etnia e gênero, são
tratadas não como essências irredutíveis, mas como posições que
assumimos ou que nos são designadas.
Uma vez podendo ser incontável o número de gêneros sociais defendido
pelos autores, a categoria homossexual enquadraria grande parte destes grupos,
sendo os mais notórios, travestis, transformistas, transexuais e drag-queens18. Filho
18
Grosso modo, travestis são aquelas que fazem uma intervenção “radical” no corpo, com hormônios ou
silicones, e possuem esse corpo feminino todo o tempo. Não há reversão, a não ser que ela queira voltar a ser
homem. Transformistas se vestem como mulher apenas em ocasiões ritualísticas – shows, festas etc. Mas
53
(2004, p. 145) acredita que, “para se compreender o feminino só é possível
relacioná-lo ao masculino e vice-versa, e para entender a ambos é necessário
entender a homossexualidade”.
O “surgimento” do sujeito homossexual é dado, segundo Foucault (1992, p.
233), no final do século XIX, porém, as relações afetivas e amorosas entre sujeitos
de um mesmo sexo por certo existiam antes dessa época. Contudo, tais relações
não eram compreendidas ou nomeadas como homossexualidade. De acordo com
Louro (2004, p. 04), as relações entre pessoas do mesmo sexo eram “consideradas
como um pecado que, afinal, qualquer um poderia acabar cometendo”. No início do
século XX, a prática “passava a indicar um tipo particular de pessoa, um tipo social,
uma “espécie” de gente que se desviara da ‘normalidade’” (LOURO, 2004, p. 05).
Filho (2004, p. 145) defende que “a homossexualidade masculina é parte
constituinte, e constitutiva, da masculinidade, o mesmo valendo para o lesbianismo
em relação à feminilidade”. Desta forma, a homossexualidade e o gênero biológico
masculino e feminino estariam ligados social e anatomicamente.
A união da luta por direitos de cidadania, antes impulsionada pelas feministas,
ganhou o reforço das “minorias sexuais”, conforme observa Louro (2004, p. 05).
“Especialmente pelo final dos anos 1960, [...] as chamadas ‘minorias sexuais’, ou
seja, os grupos organizados de gays e de lésbicas também ‘mostravam sua cara’,
exigindo respeito e visibilidade”. A autora destaca ainda que, a partir dos manifestos
das classes minoritárias citadas, a ciência e a religião deixaram de ser as únicas
vozes que tratavam do assunto.
Não se ouvirá mais, a partir de então, apenas as vozes
tradicionalmente autorizadas da ciência e da religião, ou dos homens
brancos heterossexuais de classe média. Agora também mulheres,
gays e lésbicas passam a falar de suas experiências e práticas
amorosas e sexuais; passam a falar de seus projetos, de seus
sonhos e ambições, de suas experiências de trabalho e de vida.
(LOURO, 2004, p. 06).
Os movimentos que iniciaram nos anos 1960 jamais poderiam prever o que
duas décadas depois estava para se tornar o maior fator de reconhecimento e ao
mesmo tempo exclusão das minorias sexuais, o vírus HIV, causador da Aids.
constroem uma mulher perfeita. Chamam-se também “finas”. Drag-queens também se vestem como mulher
apenas em eventos rituais, mas essa mulher é caricatural e, muitas vezes, deixa, escapar, propositadamente,
traços masculinos na sua “montagem”. O termo “transgênero” emglobaria todos esses sujeitos que fazem uma
intervenção corporal para transformar o gênero. (Paiva, 2006, p. 163).
54
Trevisan (2000) analisa que o advento da Aids, cujos primeiros casos surgiram entre
pessoas homossexuais19, serviu para revelar ao mundo que os gays existem e estão
mais próximos do que se imaginava.
[...] o vírus da Aids realizou em alguns anos uma proeza que nem o
mais bem intencionado movimento pelos direitos homossexuais teria
conseguido, em muitas décadas: deixar evidente à sociedade que
homossexual existe e não é o outro, no sentido de um continente à
parte, mas está muito próximo de qualquer cidadão comum, talvez ao
meu lado e – isto é importante! – dentro de cada um de nós, pelo
menos enquanto virtualidade (TREVISAN, 2000, p. 07).
Se, por um lado, o surgimento da Aids, como apontou Trevisan (2000),
revelou ao mundo de forma massificada que gays existem, cumprindo com maestria
um dos objetivos dos movimentos de minorias sexuais, tornarem-se visíveis, Louro
(2004) traz o outro lado do legado do vírus. Segundo a autora, o pouco do respeito
que os manifestos das militâncias sexuais conseguiu alcançar logo teve fim, com o
desprezo e a renovação da homofobia gerada pela sociedade hegemônica com a
disseminação do HIV.
Apresentada, inicialmente, como o “câncer gay”, a doença teve um
primeiro efeito, imediato, que foi renovar a homofobia existente nas
sociedades, intensificando a discriminação já demonstrada por certos
setores sociais. A intolerância, o desprezo e a exclusão –
aparentemente abrandados pela ação da militância homossexual –
mostravam-se mais uma vez intensos e exacerbados. (LOURO,
2004, p. 06).
Se, antes, os homossexuais eram simplesmente desprezados, com o advento
da Aids este grupo de pessoas passou a causar medo nos ditos “normais”. O medo
para com a homossexualidade é observado por Filho (2004) como uma fobia à
natureza, que passa a ser negada para que, assim, a existência dos homossexuais
seja interpretada como uma escolha do indivíduo, e não puramente determinada
pela biologia.
19
Em 1981, num congresso sobre doenças infecciosas em Nova York, foram apresentados cinco casos de
homens aparentemente saudáveis acometidos por um tipo raro de pneumonia que costuma instalar-se apenas em
portadores de deficiências imunológicas. Em conversa durante o café que se seguiu à apresentação, os médicos
responsáveis pelo acompanhamento dos doentes citados estranharam a coincidência: seus pacientes eram jovens
e homossexuais. Fonte: http://drauziovarella.com.br/saude-da-mulher/aids-feminina/ <Acessado em 14/10/2011>
55
No entanto há uma tendência muito grande em apagar os traços
biológicos da constituição das identidades sexuais, que reflete em
minha opinião uma relação de medo e ódio à natureza. Contra um
determinismo biológico, neutralizaram-se as diferenças sexuais.
(FILHO, 2004, p. 149).
É neste cenário de negação à biologia, à interação e ao convívio que surge, a
partir dos anos 1980, o movimento político-social queer20. Os membros deste grupo
são homossexuais que, ainda nos dias de hoje, lutam contra o enquadramento
identitário proposto pelas políticas gays dos anos 1960. Spargo (apud Melo, 2008,
p. 70) completa que “as versões da experiência gay/lésbica promovidas nas
campanhas políticas foram criticadas por privilegiar os valores da classe média
branca.” Estes valores, ainda segundo Spargo (apud Melo, 2008), mesmo que
relutantes, enquadrariam apenas gays e lésbicas propriamente ditos, deixando de
fora os demais grupos sociais homossexuais.
[...] o principal problema encontrado nos movimentos sociais gays e
lésbicos é o estranhamento da bissexualidade, do travestismo e da
transexualidade, segmentos que põem em crise a perspectiva de
identidades estáveis, entrando em conflito com as políticas
identitárias gays e lésbicas. Isto se deve, necessariamente, a
característica central do modelo gay/lésbico que reivindica, como
principal característica de sua sexualidade, o fato de seus objetos de
desejo serem do mesmo sexo. (2008, p. 72).
Para a política queer, segundo Melo (2008, p. 72), “afirmar-se gay ou lésbica
(...) não parece ser suficiente nos dias de hoje”. Os queers, nas palavras de Louro
(2004, p. 08), “representam a diferença que não quer ser integrada; uma diferença
constituída por sujeitos que se colocam contra a normatização venha de onde vier”.
As normas a que a autora se refere dizem respeito às representações binárias
que atribuem superioridade a alguns e inferioridade a outros, conforme foi analisado
por Chow (2010) com relação aos gêneros masculino e feminino.
As minorias sexuais da atualidade, em especial as de política queer, buscam
um novo paradigma do conceito de identidade, contrário à formulação de diferença.
De acordo com Melo (2008, p. 71), “essas identidades seriam definidas pelos
membros dos grupos a partir de suas propostas de intervenção e modificação
20
A expressão inglesa queer, que pode ser traduzida, inicialmente, por estranho ou esquisito, é, também, a forma
pejorativa de se referir a um sujeito não-heterossexual (seria o equivalente, em português, a viado, bicha,
sapatão). Repetido como xingamento ao longo dos anos, queer serviu para marcar uma posição marginalizada e
execrada. (Louro, 2004, p. 08)
56
social”. A identidade, nesta perspectiva seria, segundo Melo (2004, p. 72), “um
espaço de contestações e de conflitos políticos e culturais.” Cada indivíduo teria o
poder de autodefinição coletiva, diferente das demais políticas homossexuais que,
para Seidman (1996, p. 12), acabam “excluindo variações de possíveis
subjetividades, corpos, desejos, ações e relações sociais”.
Nas
categorias
citadas
por
Seidman,
estariam
inclusos
travestis,
transformistas, transexuais e drag-queens que, de acordo com Paiva e Barbalho
(2005), estão em constante processo de mudanças físicas e psicológicas e:
[...] estão permanetemente em um processo de incorporação. Ao
“imitar” os trejeitos de mulheres e de outros transgêneros e, mais do
que isso, ao interferirem no próprio corpo – para que o aprendizado e
a assimilação sejam percebidos não apenas com base em trejeitos,
mas também do próprio corpo esculpido -, esses sujeitos podem ser
pensados como incorporados. (2005, p. 164).
Melo (2008, p. 78) é direto ao concluir que “ninguém pertence somente a uma
única coletividade”. A seguir, veremos um pouco mais sobre as discussões
contemporâneas de etnia e raça que, como define Fraser (2001, p. 280), “não são
claramente separados um do outro. Nem são nitidamente separados da sexualidade
e classe. Ao contrário, todos esses tipos de injustiça cruzam-se de modos que
afetam os interesses e identidades de todos”.
3. DISCRIMINAÇÃO RACIAL
Do mesmo modo como as considerações de gênero são constituídas nos
alicerces do poder, nas identidades étnicas, bem como os demais segmentos da
diversidade, ocorre o mesmo. Assim,
Falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os
diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a
diferença é preciso explicar como essa diferença é produzida e quais
são jogos de poder estabelecido por ela (NOGUEIRA, 2008, p. 02).
A reflexão contemporânea sobre preconceito racial a ser tratada adiante
ancora-se na pesquisa de João Feres Júnior, publicada na Revista Brasileira de
57
Ciências Sociais, no ano de 2006, intitulada “Aspectos semânticos da discriminação
racial no Brasil: para além da teoria da modernidade”. Cabe, no entanto, ressaltar
que as discussões sobre o conceito de raça são relativas, dependendo de que país
está se tratando. Schwartzman (1999) explica que:
Nos Estados Unidos, o que define um "negro" na sociedade
segmentada seria sua ascendência africana e escrava, sua origem, e
não o fato de a pessoa ter a pele mais ou menos escura. No Brasil,
ao contrário, seria a cor da pele, mais do que sua origem, que
definiria as pessoas socialmente, e serviria de base para
preconceitos e discriminações. (1999, p. 83).
Apesar de, segundo Nogueira (2008), a divisão dos seres humanos por raça
estar ultrapassada, de acordo com a autora, a “biologia comprovou que as
diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite
mais que a humanidade é constituída por raças” (2008, p. 04), o Movimento Negro
Unificado, nascido nos anos 1970, não deixou de usar o termo, porém lhe atribuiu
um novo significado. Logo, a concepção de raça passou a ser tratada “como uma
construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas”
(NOGUEIRA, 2008, p. 04).
A tese de construção social da qual teria originado o racismo é defendida por
Fernandes (apud Júnior, 2006), observando a origem do preconceito racial no Brasil
a partir de dois argumentos:
Primeiro, ele seria um resíduo cultural da hierarquia racial da
sociedade escravista, fadado a desaparecer com o tempo, ou seja,
com o desenvolvimento da própria sociedade capitalista; e segundo,
a discriminação ocorreria devido à inadequação do negro à
sociedade competitiva, dada sua falta de preparo para as profissões
que se abriram a partir do fim da escravidão e a reprodução de um
ethos anômico por parte da família negra. (2006, p.03).
Como a sociedade capitalista não desapareceu, o primeiro argumento de
Fernandes não vingou. Sua segunda ideia, então, ganhou reforço na aceitação.
Neste sentido, Júnior (2006, p. 04) demonstra que a inferioridade do negro na
sociedade se deve às “ocupações mais degradantes e periféricas da economia rural
e urbana” que lhes sobraram. O autor afirma ainda que “o negro passou a ser
58
associado ao não-moderno” (Júnior, 2006, p. 06). Em suma, é possível considerar
que:
Na sociedade escravocrata a inferiorização do negro servia para
legitimar o regime político-legal vigente, ao passo que no contexto da
sociedade capitalista ela cumpre a função de alijar os negros da
competição por oportunidades de ascensão social. (Júnior, 2006, p.
04).
A falta de oportunidades de ascensão do negro dentro de uma sociedade
capitalista conduz esta minoria (que não é quantitativa, como já dito, mas sim
representativa) a um modelo de reconhecimento do próprio indivíduo estipulado pelo
filosofo alemão Axel Honneth, dividido em três formas.
O primeiro tipo corresponde ao amor e ao afeto dispensados à
pessoa por aqueles que lhe são próximos – parentes, amigos e
amantes; O segundo tipo ocorre por meio do igual usufruto de
direitos legalmente constituídos em uma comunidade política; a
terceira forma de reconhecimento, que nos primeiros textos de
Honneth era definida como a aprovação coletiva de estilos de vida
particulares alcançada por meio da solidariedade social. (Júnior,
2006, p. 15).
As três formas de reconhecimento a que o sujeito negro é fadado a conviver
são comentadas por Júnior. Na primeira delas, que se refere ao amor e ao afeto, o
autor faz menção ao que seria a falta de amor próprio, ou seja, a baixa auto-estima
provocada pela exaltação do ser branco em todas as partes onde “apesar do
prosaico elogio da sensualidade da mulata, a mídia brasileira [...] glorifica a beleza
branca. Xuxa e suas paquitas louras, Eliana e Angélica são só um exemplo triste de
um passado recente que ainda nos assombra” (Júnior, 2006, p.15).
Essa inferiorização “leva a pessoa a se tornar insegura em relação a seu
próprio corpo e à maneira como ele aparece, ou se parece, para os outros em
sociedade, inclusive para aqueles que lhes são próximos” (Júnior, 2006, p. 15).
A segunda forma de reconhecimento, que aborda a igualdade dos direitos, é
tratada por Júnior (2006, p. 16) como uma fonte de subhumanidade, ocasionada
pelas “práticas sociais não-reflexivas (habitus) por meio das quais a igualdade formal
legal é, na prática, negada àqueles portadores de estigma”. Os hábitos surgidos na
sociedade pré-moderna e que ainda persistem reforçam a desigualdade de direitos
59
em frases como “serviço de preto”, “quando não faz na entrada faz na saída”, dentre
outras. “Por outro lado, elas também denotam falta de capacidade racional,
incapacidade moral, infantilismo e primitivismo” (Júnior, 2006, p. 16).
Por fim, o filósofo alemão expõe a terceira forma de reconhecimento racial
que aborda a ausência de recompensa pelo trabalho em sociedade do negro. Júnior
acredita que esta é a razão da desigualdade social do Brasil.
Dado que em qualquer democracia moderna, operando segundo os
parâmetros normativos do Estado de Bem-estar social, esses direitos
vão além das meras liberdades civis e políticas para abarcar
educação, saúde e outros serviços sociais (Júnior, 2006, p. 16).
Ao todo, a terceira forma de reconhecimento é uma extensão da segunda,
pois “a projeção de falta de capacidade racional, de integridade moral e de
subhumanidade já constituem em si uma forte desvantagem: uma maneira de se
negar a terceira forma de reconhecimento” (Júnior, 2006, p. 17).
As três formas de reconhecimento apresentadas para apresentar um perfil do
preconceito racial no Brasil, bem como os estudos de gênero e identidade não
existem para “medir ou quantificar as características biológicas da população, e sim
sua diversidade social, cultural e histórica” (Schwartzman, 1999, p. 02). O
conhecimento da diversidade social e cultural, para o autor, está relacionado a
diferenças importantes de condições de vida, oportunidade e eventuais problemas
de discriminação e preconceito.
4. DEFICIENTES FÍSICOS
As relações estabelecidas na vida em sociedade geram um fator coletivo
essencial para a vida particular de cada indivíduo. Este “fator plural” trata-se das
chamadas “representações sociais” que, de acordo com Moscovici (1996, p. 31),
“são equivalentes, em nossa sociedade, com mitos e sistemas de crenças das
sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea
do senso comum”. Em outras palavras, as representações sociais enquadrariam as
formas de reconhecimento apresentadas quanto à aceitação racial do sujeito.
No entanto, a concepção de representação social possibilita a abordagem
com maior clareza da discriminação contra pessoas portadoras de necessidades
60
especiais pois, como afirmam Carvalho e Marquezan (2003), pela representação
social o indivíduo é tanto transformado pela sociedade quanto agente transformador.
Desta maneira, a deficiência física traria as questões de transformações da
sociedade e do próprio indivíduo ao ser explanado o papel de atuação de cada um,
conforme veremos abaixo.
Os universos sociais e os particulares das representações da sociedade são
chamados de universos consensuais e universos reificados, segundo Sá (1995).
Estes vieses são criados a partir “das conversas e interações entre indivíduos,
quando expõem seus pensamentos sobre determinado assunto ao grupo que
pertencem” (Carvalho e Marquezan, 2003, p. 02). Os universos consensuais
correspondem às teorias do senso comum, ou seja, às práticas de interação social,
aonde segundo Moscovici, (apud Sá, 1995, p.29), “A arte da conversação cria
gradualmente núcleos de estabilidade e maneiras habituais de fazer coisas, uma
comunidade de significados entre aqueles que participam dela”, o que torna cada
indivíduo capaz de falar pelo grupo.
Por outro lado, os universos reitificados são aqueles em que cada indivíduo
possui uma função dentro de um grupo; esta função, de acordo com Carvalho e
Marquezan (2003, p. 02), é designada conforme as qualificações de cada um, “pois
existem informações adequadas para cada ocasião”. Os autores observam que,
quando o sujeito tem contato com o universo reitificado o primeiro passo é absorver
o máximo de informação para tornar o assunto “não-familiar” em “familiar”. Em
seguida ocorre, segundo Oliveira & Werba (1998), o processo de ancoragem e
objetivação.
Carvalho e Marquezan, (2003, p. 03) definem ancorar como um processo de
incorporação que classifica e denomina categorias.
A classificação é a escolha de um modelo que conhecemos e com o
qual comparamos o objeto a ser representado, analisando se pode
ou não, somar-se a tal categoria. E denominar é incluir algo numa
rede de palavras específicas, com o objetivo de localiza-lo na cultura
a que pertencemos.
Quanto à objetivação, Oliveira & Werba (1998) observam que ela ocorre
quando “a imagem deixa de ser signo e passa ser uma cópia da realidade”, dando
conceito a uma imagem. Neste sentido, Carvalho e Marquezan (2003) concluem que
61
a representação social “é reflexo do mundo externo na mente, ou uma marca da
mente que se reproduz no mundo externo, assim sendo, o indivíduo é tanto
transformado pela sociedade, quanto agente transformador”.
Os modelos de representação social e suas categorias podem ser
relacionados com os modelos de deficiência física existentes que, segundo Sassaki
(1997), se, dividem em modelo “médico” e “social”. Antes de abordar cada um dos
modelos, é preciso entender o é uma deficiência física.
4.1.
BREVE CONCEITO DE DEFICIÊNCIA FÍSICA
Tecnicamente, segundo Latância (200, p. 03), deficiência física é o nome
dado
(...) aos membros da sociedade que apresentam alguma forma de
perda, anormalidade, diferenciação de uma estrutura ou funções
psicológicas, fisiológicas ou anatômicas. Podendo ser do tipo: física,
auditiva, visual, mental ou múltipla, são denominações aplicadas a
cada caso, de acordo com a deficiência, ou seja, uma alteração
completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo, sendo
temporária ou permanente, decorrente de fatores inatos ou
adquiridos.
Por apresentar diferenças dos demais indivíduos ditos “eficientes”, os
portadores de necessidades especiais são, segundo Maciel e Miguel (2009, p. 03),
estigmatizados.
É comum ouvir as pessoas se referirem aos deficientes
ofensivamente como: ceguinho, surdo, aleijado, manco, retardado etc
- sendo todas elas maneiras desrespeitosas, discriminatórias,
estigmatizadas, que marcam essas pessoas, transformam e
manipulam sua identidade.
Como consequência do estigma, Maciel (2009) aponta também que os
próprios portadores de necessidades especiais se inferiorizam; em alguns casos, os
pais ou responsáveis legais “não acreditando no potencial de seus filhos os privam
dos desafios e frustrações, de que eles podem e devem obter uma vida em comum
com as demais pessoas” (2009, p. 20).
62
Para Amaral (1996), uma deficiência física pode ser suprimida com o
aperfeiçoamento de outra capacidade (física ou intelectual) que o indivíduo possua.
Vigotsky (apud Cores, 2006, p. 44) destaca que
Em um mesmo indivíduo um tipo de intelecto pode estar bem
desenvolvido e ao mesmo tempo, outro tipo pode estar muito
deficitário. As investigações experimentais confirmam a existência de
diferentes tipos de intelecto e de deficiências intelectuais.
Gaio (2006) enxerga o deficiente físico como capaz de se autoconstruir
cognitiva, afetiva e socialmente, dentro das limitações de seus recursos, a fim de se
comunicar com o mundo.
4.2.
DEFICIÊNCIA MÉDICA E SOCIAL
Ambos os modelos de deficiência física (médica e social) dizem respeito aos
direitos sociais dos portadores de necessidades especiais. O primeiro modelo
(médico), de acordo com Sassaki (1997), atribui ao deficiente físico a
responsabilidade sobre sua problemática, caracterizando-a como uma espécie de
“doença” que precisa ser tratada. Só desta maneira, segundo o modelo médico, o
deficiente poderia se adequar à sociedade e usufruir de seus direitos.
Carvalho e Marquezan (2003) contextualizam o modelo médico com a
questão da acessibilidade dos portadores de necessidades especiais em escolas,
por exemplo. Segundo os autores, há casos em que os alunos deficientes físicos
devem atender algumas características de deficiência para sejam aceitos nas
mesmas, eximindo a instituição de se adequar para atender determinado aluno.
Portanto, a problemática de adaptação da pessoa com deficiência no
ensino comum, centra-se única e exclusivamente nas características
da deficiência. Desconsideram-se as barreiras físicas e atitudinais
que a escola pode promover, sendo necessário às pessoas com
deficiência, pré-requisitos para sua ‘integração’ (CARVALHO E
MARQUEZAN, 2003, p. 05).
Sassaki (2007) ainda cita três tipos de barreiras que estão presentes quando
acatado o modelo médico de deficiência. O primeiro deles diz respeito a
63
discriminação que se expressa através do medo, ignorância e poucas expectativas.
Elas são influenciadas, segundo o autor, pela cultura e pela religião. Em seguida
vem a discriminação do meio que resulta na inacessibilidade física que afeta todos
os aspectos da vida (mercado e lojas, prédios públicos, templos, transporte, etc.), e
por último, a discriminação legal, aonde as pessoas com deficiência estão excluídas
de determinados direitos. Por exemplo, em alguns países não é permitido que as
pessoas com deficiência se casem e tenham filhos ou frequentem a escola.
Por outro lado, o modelo de deficiência física social exime o portador da
obrigação de se adequar à sociedade para ter seus direitos constitucionais
respeitados. Neste modelo, segundo Sassaki (1997) cabe à sociedade se adaptar
para atender todos os membros que a compõem.
Carvalho e Marquezan (2003) usam o exemplo da inclusão educacional de
portadores de deficiência física para contextualizar o modelo social. De acordo com
os autores, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) cumpre o papel de unir o ensino
especializado ao ensino comum, adequando-se para atender as necessidades de
todas as formas de deficiência.
A escola deve se adaptar para atender às necessidades de todos as
pessoas que apresentem uma necessidade educacional especial
seja ela permanente ou não. Estabelecendo assim, um processo
bilateral, onde sujeito e escola são pela efetivação do processo
inclusivo (CARVALHO E MARQUEZAN, 2003, p. 05).
No parecer social, de acordo com Sassaki (2007), a sociedade criou, além de
escolas especiais, instituições adequadas, como hospitais, meios de transporte, vias
públicas entre outras.
Os grupamentos urbanos apresentados neste capítulo (gênero, orientação
sexual, cor e deficiência física) fazem parte da diversidade cultural que agrega, por
sua vez, infinitos grupos e subgrupos sociais. As discussões contemporâneas
abordadas trazem em comum o objetivo de criar oportunidades e aceitação das
minorias para que não sejam bloqueadas pelas características pessoais, mas que
independentemente de suas diferenças, possam usar seu potencial no poder
hegemônico.
64
Esse potencial é o mesmo buscado pelos mutantes de X-Men, cuja maioria
dos possuidores do gene X acreditam que possam usar seus dons para o benefício
dos membros da sociedade da qual fazem parte. O parâmetro entre a ficção de XMen e a realidade no sentido de diversidade cultural será analisado por via da
semiótica greimasiana (ou francesa), no capítulo V. Mas; antes, é importante
conhecer o que estuda e como é aplicada a semiótica greimasiana, tarefa que
veremos no próximo capítulo.
65
CAPÍTULO III
DO MÉTODO DE ANÁLISE
1. A SEMIÓTICA GREIMASIANA
A interpretação de um texto pode ser feita de diferentes formas, por diferentes
pessoas. Como extensão da língua, o texto possibilita a análise de várias partes da
mensagem proferida, uma vez que a mesma está imortalizada em uma fotografia,
gravação (áudio ou filmagem), gestual e a escrita, partes estas que podem dar
origem às mensagens subentendidas, ou seja, o texto não visto. O texto que se vê,
pode ser entendido, então, como uma ilusão, uma proposta mascarada que, para
ser explicada corretamente, precisa se desfazer dos aspectos aparentes.
Conforme aponta Barros (2000), o exame “interno” e o “externo” do texto são
constantemente confrontados pelos que se dedicam à tarefa de compreender o
sentido
do
discurso.
“Os
primeiros
são
acusados
de
reducionismo,
de
empobrecimento e de desconhecimento da história; os últimos de subjetividade e de
confundirem a análise do texto com outras análises” (BARROS, 2005, p.11-12). A
análise externa seria então aquela feita pela teoria da literatura. Na análise de um
livro seriam considerados, por exemplo, a vida do autor. Já a análise interna centrase na obra em si e somente na obra, não recorrendo a elementos extra-texto.
Mesmo com opiniões divergentes, Landowski (apud FIORIN, 2006) afirma que
o texto só pode existir quando gerado na dualidade, nas duas formas de exame,
interna e externa. “Um discurso só adquire sentido enquanto reconstrói
significativamente, como situação de interlocução, o próprio contexto no interior do
qual se inscreve empiricamente sua produção ou sua apreensão" (2006, p. 23). A
primeira designada como objeto de significação; a segunda como objeto de
comunicação.
Para compreender como se dá o processo de significação de um texto
(entendido como figura, filme, áudio, escrita, gestos, etc.) pelo chamado percurso
gerativo do sentido, é preciso conhecer as teorias elaboradas por dois grandes
estudiosos da linguagem, Ferdinand Saussure e Louis Hjelmslev.
66
A primeira característica empregada à linguagem por via de uma teoria
semiótica/semiológica se deu com a proposta de conceito e imagem acústica,
desenvolvida por Saussure em 1916, e publicada na obra Curso de Lingüística
Geral. Saussure foi o primeiro pesquisador a ter a preocupação de estudar a língua
como objeto científico. Para tanto, Saussure entende a língua como um sistema
formado a partir da união de um significante (imagem acústica) e um significado
(conceito/ideia). Nesse contexto, a preocupação de Saussure era apenas com a
língua e não com outros sistemas de sentido que, posteriormente, passou a se
chamar significado, equivalente ao conceito, e significante, equivalente à imagem
acústica. Greimas (1973), ao escrever sobre o conceito de Saussure, comenta que,
além de Saussure definir o conceito de significante e significado,
onde o signo representa ideias que são comparadas as outras
manifestações da linguagem (placas de sinalização, alfabetos
distintos, símbolos de misticismo, etc.) também dividiu a linguística
da semiologia, onde está estaria ligada ao estudo do signo com o
meio social”. (1973, p. 24).
Três décadas depois, L.Hjelmslev, na obra Prolegômenos a uma teoria da
linguagem, reviu o conceito de signo de Saussure, renomeando significado e
significante, respectivamente, como plano do conteúdo e plano da expressão. Floch
(apud Hernandes, 2001, p. 32) atribui que, para Hjelmslev, as qualidades da língua
são compostas de relações, onde um tipo de linguagem se relaciona com outro, ou
seja, linguagem gestual une-se à escrita, à falada, etc. Esta relação que, para
Saussure, fazia parte do significante, para Hjelmslev passou a ser o plano da
expressão. Já os valores e conceitos, itens do significado tornaram-se membros do
plano do conteúdo.
Cada um dos novos conceitos de linguagem desenvolvidos por Hjelmslev
ganharam subdivisões chamadas de substância e forma. Em resumo simples,
baseado em Fiorin (2006), a substância, tanto do plano da expressão quanto do
conteúdo, é mutável, assume a forma conforme os conhecimentos e costumes de
uma sociedade. Já a forma é imutável e profere o conceito, ou seja, a significação.
“Os conceitos (substância do conteúdo) presentes em cada língua são resultantes
de diferenças paradigmáticas e dos modos de organização dos conteúdos (forma do
conteúdo)” (FIORIN, 2006, p. 12). Logo, é na forma da expressão e do conteúdo que
a semiótica atua.
67
Antes de partirmos para o estudo de Greimas que, dentro da forma do
conteúdo, elaborou o percurso gerativo do sentido, é preciso definir o que é o plano
da expressão e o que é o plano do conteúdo.
1.1.
PLANO DA EXPRESSÃO
É praticamente certo que, ao ouvir ou ler a palavra “expressão”, o ser humano
remeta às expressões do corpo, da face que são percebidas pela visão ou o tato
que, em primeiro contato, despertam a parte sensível das percepções.
Para exemplificar o plano da expressão, vamos trabalhar com as expressões
do corpo humano, porém o sensível pode e é despertado ao vermos uma foto, um
desenho, uma pintura, um filme, etc. de qualquer coisa, animada ou inanimada, real
ou fictícia.
A aparência física de uma pessoa é um dos fatores primários, inteiramente ou
em parte, que nos causam um efeito estético. É comum ouvirmos e pronunciarmos a
frase: “Meu santo não bateu com aquela pessoa logo que a vi”. Ao criarmos este
pré-conceito de uma pessoa após tê-la visto pessoalmente, por fotografia, filme, etc.
estamos trabalhando o plano da expressão que a disposição da pessoa visualizada
nos proporcionou.
Esta conclusão, pouco racional e puramente instintiva, é explicada pelos
conceitos de Greimas sobre o plano da expressão. Segundo Greimas (1984), há
dois formantes que são encontrados no plano da expressão, os formantes figurativos
e os formantes plásticos.
Os formantes figurativos são, de acordo com as definições de Greimas, as
figuras que existem no mundo, abrangendo qualquer objeto, animal, etc. O
reconhecimento destas figuras é feito por via da cultura do indivíduo. “Cada cultura
dotada de uma ‘visão de mundo’ que lhe é própria, impõe por isso mesmo condições
variáveis ao reconhecimento dos objetos e, conseqüentemente, à identificação das
figuras visuais”. (GREIMAS, 1984. p. 25).
No entanto, os formantes figurativos ainda podem assumir valores de
figuratividade que, nada mais é do que a versão poética de algo que existe na
realidade. Esta representação tem o intuito de se equiparar com o real, de gerar
68
credibilidade. “O desejo de fazer-parecido – de fazer-crer – manifestado por este ou
aquele pintor, por esta ou aquela escola, por esta ou aquela época leva, mediante a
associação e sobrecarga de traços visuais, à iconização da pintura”. (GREIMAS,
1984, p. 27).
Tomando o exemplo das expressões corporais, podemos concluir que um ser
bípede de postura ereta, com braços que se estendem até metade das coxas, com
cabelos ao invés de pelos na cabeça, dentre outras tantas características que
distinguem um homem dos demais animais é realmente a imagem de um homem
(figura). Já a imagem de uma linha vertical que se divide em duas posições opostas
em sua base, mais duas antes de chegar ao seu final e um círculo no topo é feita
para fazer crer que se trata de um homem (figuratividade). Vejamos o exemplo21.
Figura 27 - Homem = Figura
Figura 28 - Homem = Figurativa
A compreensão dos sentimentos instintivos da sensibilidade gerados pela
percepção do plano da expressão compreendem os formantes plásticos que, por
sua vez, são divididos em três categorias; topológica (representa o lugar, o espaço,
com relações de dimensão, orientação e posição), eidética (representa as formas
geométricas) e cromática (representa as cores, tonalidades, contrastes e
luminosidades), estipuladas por Greimas.
1. categorias topológicas: referem-se à distribuição espacial
que o significante tem – posição superior vs. posição inferior,
central vs. periférico etc;
2. categorias cromáticas: referem-se às cores, além dos
contrastes do significante – claro vs. escuro etc;
3. categorias eidéticas: referem-se às formas do significante –
formas retas vs. formas curvas, formas quadradas vs.
21
Imagem do homem (Figura, 01) retirada do site http://www.clinicaodontoquality.com.br/blog/2010/06/30/deubranco-no-trabalho-para-homens/ - Acessado em 18/03/2011/ (Figura, 02) Desenho com exemplo livre.
69
arredondadas, horizontalidade vs. verticalidade etc. (1984, p. 2836)
Vejamos abaixo exemplos das três categorias aplicadas em histórias em
quadrinhos:
Categoria topológica:
Figura 29 – Homem Aranha
Figura 30 – Capitão América
A figura 29 apresenta o personagem “Homem-Aranha” em um plano de
enquadramento inferior (debaixo para cima) que favorece a dimensão da cidade e
dos prédios nos quais o herói salta eximindo qualquer possível sentimento de medo.
A figura 30 apresenta o personagem “Capitão América” em um plano de
enquadramento superior (de cima para baixo) que engrandece a máquina de raio
supersônico e inferioriza o herói deixando-o vulnerável ao tratamento científico.
Categoria cromática:
Figura 31 – Superman
Figura 32 – Mulher Maravilha
Figura 33 - Stargirl
70
Figura 34 – Bandeira dos Estados Unidos da América
As figuras 31, 32 e 33 trazem super-heróis americanos (Super-Homem,
Mulher Maravilha e Stargirl) cujos uniformes são confeccionados seguindo as cores
da bandeira dos Estados Unidos da América (figura 34). vermelho e azul. Além das
cores nos trajes dos super-heróis representarem o patriotismo estadunidense, o
vermelho e o azul são cores opositoras. Guimarães (2000) apresenta o vermelho
como agressivo e o azul como tranquilo. A agressividade do vermelho estaria ligada
às batalhas, às conquistas, à revolução. Enquanto o azul sugere a paz, o descanso,
o infinito.
Categoria eidética:
Figura 35 – Tirinha independente
71
Figura 36 – Capa da revista “Homem Borracha”
Como categoria eidética, a figura 35 apresenta um casal heterossexual aonde
os traços utilizados para desenhar cada um dos personagens expressam a
sensualidade e fragilidade da mulher e a virilidade e força do homem. O personagem
masculino, na figura, possui formas quadradas visíveis nos ombros, braços e o rosto
que contrastam com os traços da personagem feminina, cujos ombros, braços e o
rosto são de formas arredondadas.
A figura 36 traz a capa da revista em quadrinhos do “Homem Borracha”. A
elasticidade do personagem ao esticar o braço para fora do quadro fazendo uma
curva contrasta com os demais elementos da imagem que são, na maioria, formados
por linhas retas como a escadaria, o feche de luz, a placa e o quadro carregado pelo
ladrão. O efeito eidético nessa figura enaltece a habilidade do herói tornando-o
extraordinário.
A junção das três categorias dos formantes plásticos proporciona a análise
profunda do plano da expressão. Outras formas de aplicação dos formantes
plásticos vão ser apresentadas no capítulo IV.
1.2.
PLANO DO CONTEÚDO
Se, por um lado, o plano da expressão opera no âmbito do sensível, o plano
do conteúdo vem suprir o lado da razão, do inteligível, sem deixar lacunas para
demais interpretações do sentido de um texto. A constatação do efeito de sentido de
72
verdade proposta pelo texto é alcançada pela geração do sentido criado por
Greimas e presente dentro da forma do plano do conteúdo, chamado de percurso
gerativo do sentido.
Como o nome já define, o percurso gerativo é uma trilha, um caminho
percorrido por entre elementos do enunciado, que modaliza o pesquisador, levandoo ao sentido que o enunciador propôs ao redigir, filmar, pintar ou compor seu objeto
de exposição literária. Barros (2000) define a intenção do autor como “verdade”, e
para o enunciatário chegar até ela, deve seguir as pistas lançadas pelo enunciador,
visíveis no percurso gerativo:
(...) o enunciador determina como o enunciatário deve interpretar o discurso,
deve ler ‘a verdade’. O enunciador constrói no discurso todo um dispositivo
veridictório, espalha marcas que devem ser encontradas e interpretadas pelo
enunciatário. (BARROS, 2000, p. 63).
O objetivo da semiótica é, através de sua aplicação, desvendar o sentido de
um texto, o que ele diz, e como ele faz para dizer o que diz, na dualidade, de acordo
com as quatro características da teoria semiótica do texto apresentadas por Barros:
a) construir métodos e técnicas adequadas de análise interna, procurando chegar ao
sujeito por meio do texto; b) propor uma análise imanente (externa), ao
reconhecer o objeto textual como uma máscara, sob a qual é preciso procurar
as leis que regem o discurso. c) considerar o trabalho de construção do
sentido, da imanência à aparência, como percurso gerativo, que vai do mais
simples e abstrato ao mais complexo e concreto, em que cada nível de
profundidade é passível de descrições autônomas; d) entender o percurso
gerativo como um percurso do conteúdo, independente da manifestação,
lingüística ou não, e anterior a ela. (BARROS, 1988, p. 13)
Por trabalhar com o signo verbal e o signo visual, a semiótica greimasiana
pode ter como objeto de estudo não apenas o texto verbal, mas também o texto
gestual ou visual, passando a ser assim um texto sincrético. Floch (apud Hernandes,
2001) definiu assim o sincretismo semiótico: “As semióticas sincréticas se
caracterizam pela aplicação de várias linguagens de manifestação” (HERNANDES,
2001. p. 33). Assim, o objeto de análise desta monografia (história em quadrinhos) é
caracterizado como texto sincrético, pois possui linguagem visual e verbal.
A obtenção do poder de crer ou negar a verdade de um texto, de um discurso
é alcançada utilizando o percurso gerativo no seu plano do conteúdo e/ou da
73
expressão por via dos formantes. Pela semiótica greimasiana, o percurso gerativo é
dividido em três níveis: o fundamental, o narrativo e o discursivo. Os três níveis
podem ser analisados individualmente, mas o sentido do texto só é formado ao
mesclar as conclusões obtidas em cada estágio da análise.
1.2.1. O NÍVEL FUNDAMENTAL
Dos três níveis que formam o percurso gerativo, o nível fundamental é o que
possui aspectos mais simples, mas não menos importantes. Sua semântica é o
ponto inicial da geração do discurso.
Pela semiótica greimasiana, todo texto, verbal ou não-verbal, tem início com a
contraposição, em outras palavras, no preceito de ação e reação, bem e o mal,
positivo e negativo. Para Greimas (apud Barros, 1988), este estágio do enunciado é
um ato primitivo do raciocínio humano ao externar suas ideias:
Trata-se de uma categoria “primitiva”, dita também proprioceptiva, com a qual se
procura formular, muito sumariamente, o modo como todo ser vivo, inscrito
em um contexto “se sente” e reage a seu meio, considerado o ser vivo como
“um sistema de atrações e repulsões”. (1988, p. 24).
As duas forças que regem as ações humanas são chamadas na linguagem da
teoria semiótica no nível fundamental de “euforia” e “disforia”. Elementos exatamente
opostos, euforia e disforia são capazes de dar o primeiro passo a uma compreensão
contextual. Ao expor um lado de determinado assunto, mesmo que o outro não seja
citado, este está presente nas entrelinhas do enunciado. “Euforia é a relação de
conformidade do ser vivo com o meio ambiente, e disforia, sua não-conformidade”
(Barros, 1988, p. 24).
Para Fiorin (2006), o nível fundamental é a caixa de ferramentas que abriga
categorias semânticas, alicerces de um discurso. É no nível fundamental do
percurso gerativo que aparece a figura do quadrado semiótico.
Este item é necessário em uma análise semiótica, pois torna claro os valores
que se opõem em um texto. Vejamos um exemplo livre22 abaixo:
22
Entenda como “exemplo livre” demonstração criada espontaneamente para fins de ilustração sem referências
autorais.
74
Forte
X
Fraco
Ao montar o quadrado semiótico, ou seja, a semântica fundamental deve-se
levar em conta os princípios de euforia e disforia que estão em acordo com o que
aborda o texto e não os valores de euforia e disforia do enunciatário.
As oposições da semântica fundamental são os patamares da sintaxe
fundamental. Nesta etapa, os valores se confrontam ao longo do discurso. O
percurso feito desta vez pelos termos nega os aspectos de disforia sob duas
operações. “As operações são de dois tipos: a negação e a asserção (...). As
operações realizadas no quadrado semiótico negam um conteúdo e afirmam outro”.
Vejamos o exemplo livre:
Forte
Fraco
X
Não-fraco
Não-forte
De acordo com Barros (1988), a aplicação do quadrado semiótico é universal
a todos os objetos ou temas.
1.2.2. O NÍVEL NARRATIVO
Com o cenário de uma trama montado com a aplicação do quadrado
semiótico, o enunciado entra em sua segunda etapa de formação. Nessa nova fase,
chamada de nível narrativo são conhecidos os actantes da ação; sujeito, objeto,
destinador e destinatário.
Chamada pelos estudiosos da área de “o grande espetáculo”, o nível narrativo
busca mostrar a relação do sujeito da história com o ambiente em que ela se
desenvolve. Assim como no nível fundamental, a parte narrativa possui sintaxe e
semântica em seus estágios.
A sintaxe narrativa deve ser pensada como um espetáculo que simula o fazer do
homem que transforma o mundo. Para entender a organização narrativa de
um texto, é preciso, portanto, descrever o espetáculo, determinar seus
participantes e o papel que representam na historiazinha simulada (BARROS,
2000, p. 16).
75
Uma vez identificado o sujeito do texto, o ser, humano ou não, protagonista
do enredo, inicia-se a primeira etapa da sintaxe marcada pelo enunciado de estado
do sujeito com o objeto (entende-se como objeto o assunto a que o sujeito do
discurso interage na trama). O enunciado de estado pode ser entendido como a
aproximação do sujeito com o objeto ou o contrário, pelo afastamento do
protagonista com o objeto. Estas duas ações opostas são tratadas no nível narrativo
do percurso gerativo como conjunção e disjunção.
De maneira simples de serem compreendidas, conjunção e disjunção são
exatamente o que querem dizer. A primeira une o sujeito com o objeto por via de
relação de valores que um tem para com o outro. O estado do sujeito com seu
objeto-valor na forma positiva (conjunção) possibilita as ações favoráveis de
felicidade física (bens materiais) ou abstrata (amor, paz).
A segunda afasta o sujeito de seu objeto, mas não pela ausência de relação
entre ambos, e sim de uma maneira negativa às ações favoráveis da conjunção,
tanto em estado físico (pobreza) quanto em estado abstrato (solidão, tristeza). A
disjunção do enunciado de estado se caracteriza, na maioria das vezes, pela perda
dos objetos-valores da conjunção.
A segunda etapa da sintaxe narrativa do discurso determina o estado de fazer
do sujeito. Neste estágio da análise, são encontrados os elementos que unem o
sujeito do enunciado de estado aos seus valores de conjunção e disjunção. Os itens
que adotam o papel de ponte entre o sujeito e seus valores dependem das palavras
empregadas no discurso, geralmente em apenas uma linha. O exemplo livre
seguinte aborda em primeira instância um caso de enunciado de fazer e
posteriormente um enunciado de estado:
Enunciado de estado: “Há 40 anos o homem estudava a Lua a partir da
Terra”.
Enunciado de fazer: “Cem anos depois a Lua virou moradia do homem”.
Na primeira frase, o sujeito “Homem” mantém relação com seu objeto-valor, a
“Lua”, em estágio de conjunção no enunciado de estado por via dos estudos. Em
seguida, os “estudos” transformam a relação do sujeito “Homem” com a “Lua”,
76
gerando o enunciado de fazer. Há uma mudança de estado, onde a “Lua virou
moradia do homem” que deixa, assim, de admirá-la de longe.
As duas frases ainda podem ser transformadas em enunciado de estado e de
fazer com características de disjunção. Vejamos:
Enunciado de estado com disjunção: “Há 40 anos o homem tentou
conquistar a Lua”.
Enunciado de fazer com disjunção: “Cem anos depois a Lua explodiu sobre o
homem”.
Ambos os estágios do enunciado, tanto estado quanto fazer tornam a trama
rica e podem ser definidos por competência, sanção, performance e manipulação,
como define Fiorin (2006). Nas frases trazidas como exemplo, há os elementos de
estado e fazer ligados pela competência e sanção: “O homem ‘conquistou’ a Lua”. A
conquista do objeto “Lua” se deu pela competência do sujeito “Homem”. No
enunciado de fazer temos: “A lua ‘virou’ moradia do homem”. Após sua conquista, a
competência do “Homem” foi aprovada, sancionada, com a transformação do satélite
natural “Lua” como novo lar.
Com o fim da sintaxe, a semântica do nível narrativo vem à tona para separar
os valores destinados aos objetos, distinguindo-os entre modais e de valor. A
semântica ainda desenvolve o papel de ser a primeira parte da análise do percurso
gerativo do sentido a ter conclusões das entre linhas, ou seja, de mostrar o primeiro
indício de mensagens não escritas no discurso.
No estágio de valores modais, é desvendada a performance dos enunciados
de estado e fazer e são encontrados com os questionamentos de querer, dever,
poder e saber. O sentido de verdade das frases acima apresentadas pode
destrinchar os elementos necessários para a análise semântica do contexto com as
seguintes conclusões:
O Querer: O desejo do “Homem” é o de deixar a Terra e morar na “Lua”.
Desejo de tempos que é constatado com a passagem retroativa de tempo de “Há 40
anos”.
77
O Dever: O dever do “Homem” é encontrar alternativa para salvar as futuras
gerações com a destruição do planeta “Terra” expresso pela passagem futurista de
“Cem anos depois”.
O Poder: O poder do “Homem” é ser o único animal racional do planeta, logo
pode estudar os animais, os astros e a si mesmo. O poder do sujeito “Homem” é
expresso pelo “conquistou a Lua”, objeto há mais de 365 mil quilômetros de
distância de seu habitat.
O Saber: O saber do sujeito “Homem” em relação a uma alternativa para o
futuro é comprovado com o êxito de sua ação. “A Lua virou moradia do homem”.
Os objetos de valores unem-se com os objetos de valores do enunciado de
estado e de fazer nas formas conjuntivas e disjuntivas. Exemplo:
Terra: objeto de valor que traz o descontentamento do “Homem” com o
local onde vive.
Lua: objeto de valor que traz o contentamento do “Homem” como futura
moradia.
A noção de conjunção/disjunção, estado/fazer são os elementos que
compõem em resumo, o foco do nível narrativo do texto, primeira instância para a
construção de um programa narrativo onde as transformações dos valores do sujeito
são empregados no corpo da narração, o roteiro do espetáculo que é o nível
narrativo.
1.2.3. O NÍVEL DISCURSIVO
Além de ser o final do diagnóstico, o nível discursivo opera sobre as
categorias de pessoa, espaço e tempo. A fase discursiva também vai apresentar
sintaxe e semântica próprias.
Com a conclusão do percurso gerativo do sentido, tendo visto seu último
nível, é possível revelar em que condições um texto foi escrito. Esta condição diz
respeito ao propósito do autor que, dentre os incontáveis motivos, pode abranger
críticas sociais, espirituais, autoestima etc. “(...) os dispositivos empregados na
78
produção do discurso servem também de meios de persuasão, utilizados pelo
enunciador para convencer o enunciatário da ‘verdade’”. (BARROS, 2000, p. 54).
As categorias semânticas de sintaxe e semântica no nível discursivo nos
padrões semióticos, de acordo com Barros (2000), são estabelecidas sobre a
premissa denominada desembreagem. As três categorias definem os efeitos que
podem ser obtidos na sintaxe do discurso. Estes efeitos são direcionados para
aproximar ou distanciar o enunciador de seu discurso e criar a realidade. A exemplo
das situações citadas, a autora define o efeito de distanciamento, quando a
enunciação está na terceira pessoas do singular (Ele). Esta técnica é comumente
utilizada pelos meios de comunicação de massa, jornais, telejornais, revistas etc.
Mas, também pode ser aplicada nas histórias em quadrinhos. Vejamos:
Figura 37 - Salomão Ventura – Caçador de lendas
O narrador da HQ acima conta a história do indivíduo utilizando a terceira
pessoa do singular: “Seu único alívio é usar sua telepatia para ‘emprestar’ seu
sofrimento a terceiros... conter-se seria puro... cinismo”.
Sendo assim, o efeito de aproximação do enunciador com seu texto é obtido
através do uso da primeira pessoa do singular (Eu). Este recurso é mais corriqueiro
em ambos casos, o distanciamento e aproximação caminham ao lado da realidade,
que, frequentemente, é mais creditada quando em primeira pessoa nos casos de
reportagens especiais. Ainda sobre o exemplo dos textos jornalísticos, é comum dar
79
voz a personagens de carne e osso, por via de declarações dos entrevistados
transcritas em discurso direto. Nas HQs o recurso também é utilizado.
Figura 38 – A Corporação
Na figura acima, o sujeito da ação é também o narrador da trama,
descrevendo suas atitudes e sentimentos em primeira pessoa: “Quando tentei cair
fora desse mundinho projetado de mentiras caíram em cima de mim como moscas
em cima de merda. Acho que não existem mais moscas nos ambientes assépticos
das estações”.
As pessoas demonstradas acima (terceira e primeira) fazem parte da primeira
categoria da sintaxe do discurso. A primeira pessoa (Eu) é notada no texto sob o
nome de desembreagem enunciativa, ação que equivale à voz do autor, ou de um
narrador, ou de um personagem23.
O espaço, como segunda categoria da desembreagem, pode ser visto como
físico ou simulacro. O espaço físico é compreendido, segundo Fiorin (2006), como
os ambientes em que o enunciador, na figura do sujeito, tem acesso em corpo ou
menciona o “tu” tendo este acesso sem perder a ilusão ou não de realidade. Se o
leitor reconhecer ou acreditar nos locais presentes no discurso, o fato torna-se
verídico ou a notícia verdadeira. Vejamos o exemplo nos quadrinhos.
23
Há casos em que mesmo a terceira pessoa (Ele) pode falar em primeira pessoa (Eu). Fiorin (2006)
denomina este estilo como desembreagem interna, ou seja, quando o autor, dá voz ao (Tu) em
discurso direto.
80
Figura 39 – A Corporação
A figura 39 apresenta em seu rodapé uma nota do editor que traz uma
informação sobre a localidade do Arquipélago das Malvinas e suas atuais condições
ambientais: “Nota do editor: com a altura média de 23 metros acima do nível do mar,
ambientalistas estimam que o Arquipélago das Malvinas desapareça com o aumento
do nível do oceano provocado pelo aquecimento global”. A informação transmite ao
leitor um fato verídico que o faz se envolver com os aspectos espaciais da trama.
A última categoria é a do tempo. O tempo e o espaço são encontrados
próximos um do outro. Na análise do discurso, o tempo é representado de várias
formas, seja como contagem propriamente dita, exemplo livre: “Já passavam das
duas horas da manhã”. Ou pela noção de idade dos personagens da história. Este
recurso também possui maior relevância nos textos jornalísticos que com a menção
da idade dos entrevistados, proporciona um efeito de veracidade no texto, efeito este
que deve ser o principal intuito do enunciado.
Ainda sobre o tempo, este é dividido em duas fases, concomitância e não
concomitância. A primeira refere-se ao presente e a segunda, ao passado ou futuro.
Estas marcas geralmente são representadas pelas conjugações verbais. A exemplo
em quadrinhos temos:
81
Figura 40 - Penitente
A narração da figura 40 apresenta o tempo na fase de concomitância, ou seja,
no presente: “Ao fundo, apenas um relâmpago e a cidade de Nova Virtude ilumina o
horizonte escuro. Estamos na zona rural, mais precisamente em uma fazenda
aparentemente abandonada”. A fase de concomitância é percebida pela conjugação
verbal.
A figura abaixo aborda a não concomitância do presente:
Figura 41 – Cabala – Dormir, talvez sonhar
Com os verbos no pretérito, o narrador aborda acontecimentos já ocorridos:
“Às 9:10 um dragão surgiu no aeroporto do Rio de Janeiro, o alienígena conhecido
como crânio conseguiu vencer a criatura e evitar, assim, estragos ainda maiores”.
Depois de vistas as categorias que determinam a sintaxe discursiva, chega a
vez de comentar os elementos da semântica do último nível de análise do percurso
gerativo. Os valores atribuídos ao sujeito são dispostos em procedimentos
semânticos denominados tematização e figurativização.
82
Um enunciado pode ter vários temas e várias figuras. Os temas são
representações abstratas, ou seja, que não existem fisicamente, dos valores
narrativos. A tematização de um discurso é, para o texto, como o gênero, que
classifica um filme em comédia, ação, terror, romance etc. Por outro lado, em um
enunciado, podem aparecer todas as classificações, ex: tristeza, revolta, carência,
medo, compaixão, redenção, etc.
No discurso temático são enfatizados os efeitos da enunciação, vistos na
sintaxe discursiva da categoria pessoa de aproximação subjetiva ou de
distanciamento objetivo do enunciador com sua narrativa.
Se a tematização semântica é abstrata, a figurativização é concreta e possível
de ser sentida pelo sujeito. O poder ser e fazer a sensação proporcionada pela
figurativização da semântica discursiva ilustra os itens da tematização.
O esboço do mundo criado pelo enunciador para convencer seu receptor de
sua verdade pode aparecer em um discurso sob a forma de elementos visíveis ou
invisíveis, mas que não deixam de ser físicos. Tomemos como exemplo a
figurativização do tema “satisfação”. Satisfação pode ser ilustrada livremente em um
enunciado como “bebi dois copos de água seguidos” (visível) ou “ele dormiu
tranquilamente com o bom comportamento da filha” (invisível). No primeiro caso, a
satisfação foi figurativizada com a ingestão do líquido “água”, que saciou a sede do
indivíduo. No segundo exemplo, a satisfação foi ilustrada com o “bom
comportamento da filha”, que lhe proporcionou um sono agradável, tendo assim a
satisfação como sentimento interno do sujeito, sentimento invisível.
A partir do conhecimento dos temas e figuras da semântica discursiva, obtémse a coerência textual; no entanto, de acordo com Barros (2000), a coerência textual
não é só obtida no nível discursivo, mas desde o princípio do percurso gerativo do
sentido.
Os fatores de coerência do texto situam-se em níveis diferentes de descrição
e explicação do discurso. A coerência narrativa localiza-se no nível das
estruturas narrativas; a coerência argumentativa e a coerência das isotopias,
no nível das estruturas discursivas. (BARROS, 2000, p. 73).
Apesar de proporem análises distintas, o plano da expressão quanto do
conteúdo podem possuir linguagens que mesclem os dois planos, este tipo de ação
é chamado de sistema simbólico e semi-simbólico. Um exemplo simbólico liga cada
83
categoria do plano da expressão a uma do plano do conteúdo, e o objeto de análise
não possibilita a separação entre os dois planos. Os hieróglifos do Antigo Egito são
considerados sistemas simbólicos. Já um exemplo de sistema semi-simbólico são as
artes plásticas, conforme definidos por Hjelmslev, onde os formantes plásticos do
plano da expressão possuem significação de oposição, como ocorre no plano do
conteúdo. As demais linguagens que não possuem ligação entre expressão e
conteúdo são chamadas de sistemas semióticos.
Com o percurso gerativo do sentido, proposto pela semiótica greimasiana,
qualquer representação do pensamento humano pode ser analisado e dissecado,
comprovando a verdade do enunciador que não é imparcial nem tão pouco original,
uma vez que é inspirada em inúmeros contextos sócio-históricos.
84
CAPÍTULO IV
A ANÁLISE SEMIÓTICA
1. A SAGA
Como esboçado no capítulo anterior, a teoria semiótica do texto traz à tona a
mensagem do enunciador, ou seja, do autor do texto. Sabe-se que toda e qualquer
linguagem é formada por dois planos, a saber: plano da expressão e plano do
conteúdo. Esta conclusão é obtida através da reinterpretação de Hjelmslev do signo
saussuriano, de caráter linguístico, cujo conceito de signo é ampliado para todas as
formas de linguagem. Tendo como base esta teoria, o capítulo vai apresentar uma
análise semiótica, passando pelos três níveis do percurso gerativo do sentido,
fundamental, narrativo e discursivo e plano da expressão, de uma das sagas das
histórias em quadrinhos dos X-Men, publicada em 2009, chamada “Complexo de
Messias”.
O objetivo deste estudo é buscar os elementos do enunciado24 que possam vir
a indicar um discurso metafórico de combate ao preconceito com relação às
diversidades do comportamento humano por via das atitudes dos personagens da
HQ em questão, que lutam para serem aceitos na sociedade da maneira que são, da
maneira como nasceram. O fator “preconceito” que os X-Men se propõem abordar
pode ser entendido como reflexo de qualquer grupo minoritário da atualidade
discriminado (negros, religiosos, deficientes físicos, estrangeiros, homossexuais,
etc).
O raciocínio pode ser obtido ao averiguar o principal confronto das sagas dos
X-Men, a incansável busca de uma cura para a condição mutante.
A análise a seguir consiste em trechos dos balões de falas e quadrinhos como
um todo retirados dos 13 capítulos de que é composta a saga Complexa de
Messias. Os quadrinhos foram selecionados tendo em vista suas peculiaridades com
o que é proposto na teoria semiótica greimasiana, onde se destacam cores, formas,
angulações e expressões da escrita.
24
Enunciado = Texto, obra, figura, etc.; Enunciador = Autor, escritor, pintor, etc.; Enunciatário = Receptor,
leitor, espectador, etc.
85
2. ANÁLISE DO CONTEÚDO
O primeiro capítulo da saga “Complexo de Messias” inicia com os X-Men a
bordo do Pássaro Negro, avião a jato usado pela equipe para locomoção. Dentro do
jato estão Wolverine, Ciclope, Emma Frost, Noturno e Anjo. O grupo se dirige para
uma região do Alasca chamada Cooperstown, onde teria acontecido um evento
misterioso que foi detectado, horas antes, pelo mentor do grupo, Professor X e que,
provavelmente, teve a participação de um mutante.
Ao chegar em Cooperstown, os X-Men deparam-se com um cenário de
destruição. Toda a pequena cidade está em chamas, parece não ter havido
sobreviventes. Aos poucos os heróis vão caminhando pelo local e chegam à
conclusão de que não foi um acidente, e sim uma batalha. Corpos de membros do
grupo humano antimutante, os “Purificadores”, e assassinos mutantes extremistas,
os “Carrascos”, são encontrados por toda parte. De repente, uma mulher vem na
direção de Emma Frost segurando uma criança queimada nos braços, pedindo
ajuda.
Por ter o poder de ler mentes, Emma toca no rosto da mulher para ver suas
lembranças e descobrir o que teria acontecido no local. Ela descobre que houve
uma batalha entre Purificadores e Carrascos que disputavam a posse de uma
criança. Mentalmente, Emma se comunica com Anjo e lhe pede para visitar o
hospital local, dizendo: “Isto não foi uma manifestação adolescente... mas um
nascimento mutante”.
Na frase de Emma Frost, é possível identificar os semas eufóricos que
marcam as palavras “manifestação” e “nascimento”. A contraposição de uma com a
outra refere-se ao que é costumeiro e ao que é extraordinário. A “manifestação
adolescente” é algo previsível pelos mutantes, pois a maioria desenvolve habilidades
sobre humanas, despertadas pelo gene X nesta fase da vida. A manifestação de
poderes mutantes em adolescentes remete à puberdade25 dos humanos que
também sofrem alterações em seus corpos, adequando-os à fase adulta, como
25
A puberdade é um período em que ocorrem mudanças biológicas e fisiológicas, é neste período que o corpo
torna-se maduro e os “adolescentes” ficam capacitados para gerar filhos. As principais características das
mudanças são: surgimento de pêlos nos púbis, nas axilas e no peito; aumento dos testículos e do pênis;
crescimento da barba; voz grossa; ombros mais largos; aumento da massa muscular; início da produção de
espermatozóides;
menstruação
e
aumento
dos
seus.
Disponível
em:
http://sexualidade.netsaber.com.br/index.php?c=178 – Acessado em 25/07/2011.
86
mudança da voz, desenvolvimento do sistema reprodutor e, ainda, a descoberta de
sua orientação sexual, que se torna clara em sua pré-adolescência impulsionada
pelos hormônios.
A conclusão de que o evento que devastou a cidade foi um nascimento
mutante é tão incomum para o universo de X-Men quanto uma criança nascer
formada biologicamente pronta para a fase adulta na vida real. O “costumeiro” e o
“extraordinário” presentes nesta cena do enunciado marcam a contraposição a que
se refere os X-Men, ou seja, as diferenças entre humanos e mutantes.
Logo adiante na trama, os X-Men, a bordo do Pássaro Negro e a caminho do
Instituto Xavier Para Jovens Superdotados, discutem a situação em Cooperstown.
Wolverine então diz: “A gente devia ter trazido os corpos dos carrascos. Vão culpar
os mutantes por isso... não os purificadores”. Ciclope responde: “Os sobreviventes
vão lembrar que os levamos pra um local seguro”. Wolverine conclui: “Cê tá ligado
que não é bem por ai, magrão”. O diálogo entre Wolverine e Ciclope apresenta os
mutantes em um estado inicial de “culpa”, visto que a sociedade irá acusar os
mutantes pelas mortes assim que encontrar os corpos dos purificadores. Assim
começa o esboço do programa narrativo (PN) de base do enunciado: os mutantes
representam o sujeito de busca-destinatário, que tenta entrar em conjunção com o
objeto valor, aqui representado pelos sobreviventes (os sobreviventes são humanos,
logo possuem direitos civis, fato que é negado aos mutantes. A igualdade civil,
então, passa a ser o real objeto valor de busca do sujeito). Ao referir-se a si e aos
amigos como “mutantes”, Wolverine atribui ao grupo a função de sujeito de buscadestinatário e, ao mesmo tempo, destinador da narrativa, responsável por operar a
transformação de estado em si mesmo no momento em que levam os sobreviventes
“para um local seguro”. Apesar de não citado nas frases, o objeto modal usado pelo
destinador da narrativa é o jato “Pássaro Negro”, que efetua o deslocamento dos
sobreviventes (objeto valor) a um local com segurança.
De volta à história, ao chegarem no Instituto Xavier, os X-Men tentam
desvendar quem teria levado a criança que nasceu em Cooperstown e o que
representa o nascimento da mesma para os mutantes, já que foi o primeiro
nascimento de um novo ser portador do gene X após o “Dia M” (ver capítulo I). Em
87
reunião, Ciclope pede que Rictor (um ex-mutante) se infiltre na igreja, onde se
reúnem os purificadores a fim de descobrir se o bebê está com eles.
Rictor, usando o nome falso de Joaquim, consegue ganhar a confiança dos
purificadores reunidos dentro da igreja do reverendo William Stryker 26, em
Washington D.C. e, além de descobrir que o grupo de fanáticos antimutantes não
está com a criança, ouve quais os próximos planos para capturá-la. Um dos
purificadores orienta Rictor a esperar do lado de fora da sala onde um dos líderes,
chamado Jack, está passando as orientações para o restante do grupo, porém
Rictor consegue escutar o discurso:
Purificador – Espere aqui fora, irmão Joaquim. Volto assim que souber mais.
O irmão Jack está instruindo os pastores agora.
Irmão Jack – (...) De qualquer forma, nossa prioridade máxima é localizar e
executar o Anticristo. Temos purificadores em cada cidade num raio de 150
quilômetros de Cooperstown.
A contraposição de humano x não-humano; mutante x não-mutante, presente
no sentido geral de X-Men, ganha aspecto religioso nas frases acima ditas pelos
purificadores. O quadrado semiótico passa a ser composto pelo termo eufórico
“bem” (valor abstrato para a figura discursiva “irmão”) e o disfórico “mal” (valor
abstrato para a figura discursiva “Anticristo”). O sujeito (os purificadores) busca
alcançar seu objeto-valor (Anticristo) que está em estado de disjunção consigo por ir
contra as suas crenças extremistas27. Por sua vez, o sujeito busca ligar-se ao seu
objeto-valor em enunciado de fazer disjuntivo com competência (localizar) e sanção
(executar).
Os valores modais das frases ainda desvendam as performances dos
enunciados de estado e fazer do sujeito. O Querer dos purificadores é localizar e
executar o anticristo. O Dever do grupo fanático religioso é livrar o mundo, a
qualquer custo (prioridade máxima), do anticristo, como é chamada a criança
26
William Stryker é um vilão do Universo Marvel, inimigo dos X-Men. O Reverendo Stryker é um cristão
fundamentalista que se viu como o escolhido de Deus para destruir a raça mutante. – Disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Stryker - Acessado em 25/07/2011.
27
A comparação da criança mutante que manifestou poderes ao nascer com a figura do anticristo representa a
perseguição religiosa a que alguns grupos minoritárias da realidade (neste caso mulheres, homossexuais e
negros) sofreram ou sofrem. Os movimentos feministas, sexuais e raciais que surgiram nos final dos anos 1960
entraram para o cenário das discussões e estudos de caso onde antes apenas a religião e a ciência ditavam os
comportamentos. (Ver capítulo II).
88
mutante. O Poder do sujeito (purificadores) é demonstrado pelo grande número de
adeptos à seita presentes (em cada cidade num raio de 150 quilômetros de
Cooperstown). O Saber dos purificadores é a certeza de que a ameaça mutante vai
ser capturada de algum modo. Este Saber é promulgado pela expressão “De
qualquer forma”, onde se deduz que há outros planos para capturar o anticristo.
Outra medida tomada pelos X-Men para encontrar o paradeiro da criança
mutante (que, neste ponto da história, o leitor já sabe que o bebê está com o
mutante rebelde Cable que veio do futuro e pretende voltar com ela) é enviar uma
cópia do mutante Jamie Madrox, conhecido como “Homem Múltiplo” pelo seu poder
de gerar várias cópias de si mesmo, para o futuro a fim averiguar se ainda existem
mutantes, se o nascimento da criança realmente representa uma nova esperança
para os portadores do gene X.
Jamie Madrox chega à cidade de Nova York oitenta anos no futuro. O cenário
que encontra é o de uma cidade sitiada, onde mutantes são mantidos em campos de
concentração, sem direitos civis e em condições subumanas. Disposto a entender o
que teria ocorrido para que o mundo se tornasse intolerável com a causa mutante,
Madrox imobiliza e interroga um dos guardas do campo de concentração.
Jamie Madrox - Vamos fingir que eu sou novo no pedaço. Fica difícil me
atualizar se ninguém fala ou escreve sobre mutantes.
Guarda do campo de concentração – É assunto proibido. O governo monitora
todas as comunicações faladas ou escritas e parte pra cima de qualquer um que
mencione mutantes. Depois, apaga as referências.
O deslocamento temporal a que Jamie Madrox foi submetido gera elementos
da sintaxe discursiva. Para que o enunciatário reconheça o ambiente em que esta
fase do enunciado irá se passar, é utilizada a noção de desembreagem espacial
física e simulada. Ao chegar na cidade de Nova York, o leitor é informado que o
ambiente retratado se trata desta cidade com a frase “Nova York... Daqui a oitenta
anos”. Em seguida, para melhor localizar o enunciatário, o enredo particulariza um
local de Nova York: “Brooklyn, Nova York. Baia Sheepshead. /físico/. Campo de
89
recolocação mutante. /simulacro/”. Na citação, a não concomitância do tempo, ou
seja, a referência ao futuro é nítida; “Daqui a oitenta anos”.
Jamie Madrox, ao indagar o guarda do campo de concentração, faz uso dos
três elementos da sintaxe discursiva; pessoa, espaço e tempo. O mutante
representa o enunciatário, que busca entender o que está acontecendo neste futuro
desolador. O discurso direto, ao contrário das frases de localização já analisadas,
usa a primeira pessoa do singular; “Vamos fingir que /EU/ sou”. O espaço vem logo
adiante com o uso da gíria “PEDAÇO” para designar o ambiente já apresentado ao
leitor. O tempo está presente pelo termo “ATUALIZAR”, que se refere a uma
significativa passagem de tempo.
Mais uma vez fica evidente a contraposição semântica de humanos x
mutantes sob a qual o enunciado é construído. O termo “ninguém” da frase de Jamie
Madrox contrapõe o termo “mutantes”, indicando duas classes de seres em conflito
compreendidas pela sintaxe humano x não-humano; mutante x não-mutante. Nesta
parte da história, é construído um enredo figurativizado pela política repreensiva em
que se encontra a cidade de Nova York. Não há respeito de classes, o toque de
recolher é instaurado e soldados monitoram todas as ações dos civis
ininterruptamente. Madrox representa o sujeito de busca-destinatário que marca o
PN do início do enunciado representado pela classe mutante. O guarda do campo
de concentração também desenvolve o mesmo papel do começo do nível narrativo
sendo o objeto valor (humano) com o qual o sujeito (mutante) busca entrar em
conjunção.
Apesar de ser o objeto valor com quem o sujeito pretende entrar em
conjunção, o guarda do campo de concentração, no momento do diálogo com Jamie
Madrox, está em um estado de disjunção com o sujeito. Afinal, os seres humanos é
quem estão repreendendo mutantes, impedindo-os de conviverem pacificamente. A
disjunção é tematizada pelo “medo” do tema mutante (É assunto proibido), pela
“não-privacidade” (governo monitora todas as comunicações faladas ou escritas),
pela “força” (parte pra cima de qualquer um que mencione mutantes) e pela
“ocultação” (Depois, apaga as referências).
Depois de saber que, no futuro, mutantes vivem em campos de concentração,
Madrox é surpreendido por outros guardas que detectam que ele é um mutante por
90
via de um rápido exame com leitura corporal feito por uma máquina portátil.
Algemado, Madrox tem a cabeça raspada e marcado com a letra “M” sobre seu olho
direito. Em seguida, é levado para dentro do campo.
Detido, ele conhece um garoto mutante, cuja idade não é revelada. Jamie
descobre que o menino é, na verdade, Lucas Bishop28, um velho conhecido seu.
Longe dos guardas, Madrox pergunta para Bishop o que teria ocorrido para que o
Governo decidisse retirar os poucos direitos que os mutantes tinham e os
trancafiarem nos campos:
Jamie Madrox - Sinto muito, Lucas, mas preciso falar com você. Há coisas
que preciso saber.
Lucas Bishop – Ninguém aqui sabe de nada e ninguém confia em ninguém!
Quanto antes aprender, melhor.
Jamie Madrox – Sei que passou por muita coisa, mas realmente preciso saber
o que causou isso. Quem causou isso.
Lucas Bishop – Quase oitenta anos atrás, quase todas as aberrações do
destino (é a forma com que Lucas se refere aos mutantes, ou seja, a si mesmo)
sumiram. Foi chamada de “A grande escuridão”, e tudo teria ficado bem se tivesse
ficado assim. Mas não, as aberrações do destino continuaram adiante e outro
mutante apareceu. O messias mutante. As coisas pareciam ótimas para os mutantes
então.
Jamie Madrox – Mas sem o “messias”, os mutantes não existiriam mais. Você
nunca teria...
Lucas Bishop – Nunca o quê? Teria nascido em um campo? Teria visto meus
pais morrerem? Nunca... Mas não, o messias apareceu e tudo ficou bem! Ninguém
viu problema com o nascimento de mutantes, até o messias matar um milhão de
humanos.
Jamie Madrox – O que?
Lucas Bishop – Isso aí, queria que o messias nunca tivesse nascido. Ouvi
dizer que algumas pessoas tentaram matá-la quando ela nasceu. Queria que
28
Bishop vem de um futuro alternativo, onde era um oficial da Força de Segurança X, um corpo policial
responsável pelo monitoramento de mutantes. Veio parar na linha de tempo padrão do Universo Marvel quando
perseguia o criminoso Trevor Fitzroy. Uma vez nele, teve dificuldade em se adaptar em um mundo em que os XMen (seus ídolos e inspiradores) ainda estavam vivos e no qual seus métodos violentos de manter a lei não eram
bem vistos. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bishop - Acessado em 27/07/2011.
91
tivessem conseguido. Gostaria que alguém tivesse. Gostaria que eu pudesse.
Gostaria que meus pais não tivessem morrido.
Dando sequência ao enredo figurativizado do severo futuro, o enunciado
apresenta um outro sujeito de busca-destinatário, além de Jamie Madrox, Lucas
Bishop. Particularizando o estado disjuntivo do sujeito oculto “mutantes”, Bishop
representa as pessoas portadoras do gene X que vivem nos campos de
concentração; “Ninguém aqui sabe de nada e ninguém confia em ninguém! Quanto
antes aprender, melhor”. Ele é marcado pela tematização do “CONHECIMENTO”
onde sabe o que ocorreu no passado. Ao mesmo tempo Lucas, como sujeito de
busca-destinatário, representa a “INFELICIDADE” de viver em um campo de
concentração; “Nunca o quê? Teria nascido em um campo? Teria visto meus pais
morrerem? Nunca...”. O sujeito também gera a “REVOLTA” e a “CARÊNCIA” de
quem sabe que o futuro poderia ter sido outro onde seus pais estariam vivos; “Isso
aí, queria que o messias nunca tivesse nascido. Ouvi dizer que algumas pessoas
tentaram matá-la quando ela nasceu. Queria que tivessem conseguido. Gostaria que
alguém tivesse. Gostaria que eu pudesse. Gostaria que meus pais não tivessem
morrido”.
O relato de Lucas Bishop, que está em um estado de disjunção com seu
objeto valor (direitos civis como os humanos), marca também o nível fundamental do
início da história.
Depois de descobrir o que a criança nascida em Cooperstown irá fazer no
futuro, Jamie Madrox, que na verdade é uma cópia do original que ficou no presente,
se suicida com a detonação de uma granada roubada de um dos guardas. Tudo o
que a cópia de Madrox enviada para o futuro descobriu é automaticamente
repassado para o original. Consciente, ele alerta os demais X-Men que Lucas
Bishop é uma ameaça à segurança da criança, mas é tarde demais.
Em uma batalha sangrenta, os X-Men protegem Cable de Lucas Bishop para
que ele fuja com a criança para o futuro. No momento em que Cable está cruzando
o portal para o futuro, Lucas, em uma atitude desesperada, atira em Cable, mas erra
os disparos e um deles atinge a cabeça de Charles Xavier, o mutante telepata, exlíder dos X-Men, encerrando assim a saga “Complexo de Messias”.
92
3. ANÁLISE DA EXPRESSÃO
Os semas que marcam as contraposições de X-Men entre humanos e
mutantes expressas no Plano do Conteúdo são reforçados com a análise do Plano
da Expressão, cujos elementos apontam as relações semi-simbólicas entre imagem
e texto. As imagens abaixo ilustram a trama “Complexo de Messias”, apresentando
aspectos importantes para a compreensão do sentido semiótico.
Figura 42
Os dois quadros acima representam a chegada dos X-Men à cidade de
Cooperstown, onde encontram um cenário de destruição e pessoas feridas. As
disposições cromáticas saltam aos olhos com as cores quentes (amarelo e
vermelho) representando o fogo, o caos. Na concepção de Guimarães (2000) o
vermelho e suas variações geram um efeito agressivo que faz vir à tona os
sentimentos primários do ser humano como o instinto de sobrevivência.
É uma agressividade de caráter hipolingual, ou seja, dos códigos
primários, biofísicos, que somados à identificação da cor com o
elemento mitológico fogo, como a cor da proibição, do não poder
tocar (porque queima), e com a cor do sangue, da violência.
(Guimarães, 2000, p. 144).
93
Em meio a este ambiente, a tonalidade fria das vestes de Emma Frost se
destaca. O branco que a personagem costuma utilizar aponta a pureza em meio às
cores fortes. Esse contraste de cores atribui à Emma uma figura angelical em meio
ao inferno. Emma passa a representar toda a causa mutante de tentar entrar em
harmonia com os humanos, no momento em que os salva. “Em oposição ao preto, o
branco é a cor da vida e da paz. (...) A binaridade branco-preto é normalmente
polarizada e assimétrica, atribuindo-se o valor positivo ao branco e o valor negativo
ao preto” (Guimarães, 2000, p. 92).
O efeito cromático das imagens torna a aparecer na cena seguinte (figura 43)
quando apenas os pés de uma pessoa são vistos em primeiro plano apresentando
uma silhueta negra, que também gera um efeito de orientação topológica (frente) em
relação à Emma Frost e aos X-Men que estão ao fundo (atrás).
Figura 43
As vestes brancas de Emma contrapõem-se a silhueta negra da pessoa que
se aproxima. O fato das roupas da pessoa que se aproxima estarem rasgadas e a
mesma estar descalça indica a contraposição à Emma, que aparece com roupas
inteiras em cores se destacando dos outros X-Men que, assim como a mulher, são
apresentadas apenas as silhuetas escurecidas.
No quadro abaixo, a pessoa misteriosa que se aproxima dos mutantes é
revelada
como
mulher,
trazendo
uma criança
queimada
nos
braços.
O
enquadramento desta vez é mais fechado, com o plano em close (topológico), que
proporciona uma carga emocional maior de sofrimento e dor dos sobreviventes do
holocausto.
94
Figura 44
Os sobreviventes são levados pelos X-Men para um local seguro com o
Pássaro Negro. Na figura 45, é mostrada a cena com mudança de estado das cores
quentes (amarelo e vermelho) para as cores frias (azul e preto). As chamas indicam
um local desagradável, de dor e destruição, onde os sobreviventes estavam. Já o
cenário escuro indica um local de tranquilidade e segurança.
As tonalidades do azul, segundo Guimarães (2000), indicam a higiene e a
segurança, proporcionando tranquilidade e paz.
Figura 45
O enunciado segue com a missão encarregada ao ex-mutante, Rictor, de se
infiltrar na sede dos “Purificadores” para descobrir se o grupo está com a criança
mutante. A figura 46, além de trazer por escrito a localização da sede do grupo,
ainda apresenta elementos figurativos que ajudam o enunciatário a reconhecer o
ambiente com o destaque do monumento Washington Monument29, símbolo de
29
É um obelisco localizado no centro do Constitution Gardens, em Washington, D.C., Estados Unidos. Foi
construído como um memorial a George Washington, entre 1848 a 1885. Possui 169,7 metros de altura e é a
estrutura mais alta da cidade. Quando inaugurada, tornou-se a mais alta estrutura construída pelo homem, até
1889,
quando
a
Torre
Eiffel
foi
inaugurada.
Disponível
em
95
Washington, cidade capital dos Estados Unidos. A assimetria da imagem favorece,
em um primeiro instante, a visualização da igreja dos Purificadores à direita. Em um
segundo momento, o vácuo deixado pela assimetria da imagem é ocupado pelo
monumento de Washington.
Figura 46
Na próxima imagem, (figura 47) é utilizado um foco de visão superior que
retrata no primeiro quadro, os membros do grupo chegando à sede com seus
veículos. No segundo, é mostrado Rictor conversando com um dos membros dos
Purificadores. A estratégia topológica de posição superior serve também para
transformar o leitor em um sujeito investigador da situação, exatamente como o que
o personagem Rictor está fazendo no momento. Segundo Danton (2000), a
angulação superior ainda inferioriza o personagem, transformando-o em um sujeito
humilde, sem representar grande ameaça. Outro elemento da topologia de posição é
o destaque dado aos personagens Rictor e do membro purificador, que são envoltos
por um retângulo, estratégica do plano de diagramática para localizar os
personagens dentro da cena carregada pelo mesmo tom de cor (cinza e preto), do
ambiente e das roupas dos personagens.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Monumento_a_Washington - Acessado em 25/07/2011.
96
Figura 47
Do mesmo modo, assim como na figura 44, a imagem seguinte, (figura 48)
tem um enquadramento em close, ou seja, de aproximação do rosto de Rictor em
dois quadros.
Figura 48
O primeiro quadro apresenta expressões faciais de Rictor desconfiado e
concentrado na conversa que está ouvindo. O fundo escuro da imagem enaltece a
face do ex-mutante para que o leitor se concentre em seu rosto. No segundo quadro,
o foco no rosto de Rictor é maior, provocando um efeito de choque no enunciatário
que, assim como o personagem, também descobre os planos dos Purificadores para
a criança mutante até então desaparecida. Na concepção de Rigolin (2006, p. 67), “o
enquadramento de proximidade (close-up ou close shot) mostra a cabeça e o ombro
do participante representado”.
97
Diferente do quadro anterior, neste é notado também um efeito cromático de
volume. Ao redor do rosto do personagem há um contorno branco que engrandece
as expressões de Rictor, revelando o espanto. O contorno ainda atua como um
recorte do personagem, desprendendo-o fundo negro. O close tem por finalidade
maior a subjetividade de posição no enquadramento, em outras palavras,
proporciona ao leitor a sensação de analisar em detalhes determinada imagem,
neste caso, a expressão de espanto de Rictor.
Na próxima imagem (figura 49), é retratada a cidade de Nova York oitenta
anos no futuro.
Figura 49
Na figura é possível identificar formantes figurativos e plásticos. Os formantes
figurativos aqui (o Empire State Building30 entre os prédios é um formante figurativo
que ajuda o leitor a identificar o ambiente) assumem valores de figuratividade, ou
seja, uma visão poética embasada na realidade. Os edifícios que cercam o Empire
State Building não existem na realidade, logo, se tratam de uma visão futurista de
figuratividade.
Os formantes plásticos encontrados na imagem estão organizados em níveis
topológicos (a relação de dimensão entre os arranha céus em grandes, médios e
pequenos aponta o progresso do futuro), eidéticos (o nível da cidade toma um
formato arredondado para gera um efeito de lente grande angular que captam
30
O Empire State Building é um arranha-céu de 102 andares de estilo Art déco localizado na intersecção da 5ª
Avenida com a West 34th Street na cidade Nova York. Seu nome deriva do apelido do estado de Nova York.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Empire_state_building - Acessado em 25/07/2011.
98
ângulos de até 180º) e cromáticos (o céu avermelhado sugere o limite de uma
tensão, de ausência de ar puro, poluição. Os prédios com tons roxos passam uma
sensação de sujeira, de conglomerado. Segundo Guimarães (2000), a cor roxa é
uma cor profunda, que marca a maturidade, por isso costumeiramente é retratada
para ilustrar ações de pessoas adultas. A luminosidade é opaca, não podendo
distinguir se é dia ou noite.
A percepção de caos é mais bem retratada na imagem seguinte (figura 50),
que também possui os mesmos elementos da (figura 49), tendo desta vez a
Manhattan Bridge31 (Ponte de Manhattan) como objeto figurativo e os muros do
campo de concentração como figuratividade, ou seja, como elementos poéticos
fictícios baseados na realidade.
Os elementos apontados nas figuras 49 e 50 constroem a visão de um
ambiente de sofrimento que transpassa as páginas e chega ao enunciatário da
maneira proposta pelo enunciador.
Figura 50
31
É uma ponte que liga os distritos de Manhattan e Brooklyn, passando sobre o Rio East, na cidade de Nova
Iorque, Estados Unidos da América. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ponte_de_Manhattan - Acessado
em 25/07/2011.
99
Nesta etapa da narrativa, a figura abaixo (figura 51) apresenta Jamie Madrox
no momento em que indaga o guarda do campo de concentração sobre a existência
dos campos de concentração. Jamie usa a força para extrair do guarda as
informações. Sua força pode ser sentida na imagem com a orientação topológica de
ambos no lado direito do quadro, dando a sensação de deslocamento do guarda
pela força de Madrox. O restante da imagem assimétrica revela outras cópias de
Jamie (homem múltiplo) imobilizando os outros guardas.
O deslocamento com foco no lado direito da figura oferece ao leitor ocidental32
uma familiaridade com a disposição de elementos importantes da cena que
costumam se concentrar à direita. Rigolin (2006) define o lado direito de uma
imagem, como o lado em que há a surpresa para o leitor. “Em conjunto com outros
elementos, o lado direito parece ser a chave da informação da mensagem. O que
está contido no lado esquerdo é, então, algo que já está dado ao espectador, algo
que o leitor já conhece”.
A figura ainda apresenta um enquadramento oblíquo, que é um exclusivo para
planos horizontais. No ângulo oblíquo, segundo Kress (apud Rigolin, 2006, p. 69), o
leitor não está envolvido na cena, são retratadas apenas as ações dos participantes
em seu mundo. “que você está vendo aqui não faz parte do seu mundo; é o mundo
deles [dos participantes representados], algo com que você não está envolvido”.
Figura 51
Na imagem seguinte (figura 52), Jamie Madrox já está sendo levado pelos
guardas para dentro do campo de concentração. A imagem é simétrica, com Jamie
32
“Herança da convenção de se ler e escrever o texto (ocidental) da esquerda para a direita” (Rigolin, 2006, p.
72).
100
ao centro e dois guardas, um em cada extremidade, posicionados para representar
uma fortaleza humana. Esta disposição segue, assim como na figura 47, traços de
orientação topológica (frente x atrás) onde a disposição dos personagens indica
superioridade e inferioridade. Os guardas aparecem de rosto coberto por um
capacete. A unificação da fisionomia dos guardas expressa indiferença com relação
aos prisioneiros.
Figura 52
A próxima sequência de imagens (figura 53) mostra o momento em que Jamie
Madrox é marcado com a letra “M” sobre seu olho direito, indicando que se trata de
um mutante. Todos os prisioneiros do campo de concentração recebem esta marca.
Os seis quadros apontam cenas de close que vão da agulha usada para fazer a
marca até os olhos do tatuador. Detalhe também pra a mão de Jamie Madrox, que
aparece em um dos quadros com os dedos retorcidos.
101
Figura 53
O uso do enquadramento fechado, ou seja, o close, cria no enunciatário uma
tensão maior. Este recurso é chamado por Danton (2006, p. 50) de plano detalhe,
que é usado “quando você quiser algo aproximado, mas que não seja a cabeça do
personagem. Uma mão, por exemplo”. A confecção da tatuagem torna-se ainda
mais apreensiva com os detalhes da agulha e a concentração do tatuador. Logo, as
sensações proporcionadas pelo close são, dentre outras, de medo, tensão,
concentração e dor. A cor vermelha da cena mescla-se à sensação de tensão, uma
vez que o vermelho causa o limite de uma situação, o desconfortável, que também é
percebido nas figuras 49 e 50.
A figura 53 representa a tortura a que os prisioneiros do campo de
concentração estão sujeitos na narrativa. Em nível semi-simbólico, a marca dos
mutantes equivale ao estigma defendido pelos estudos de gênero (ver capítulo II)
como também remete ao período dos campos de concentração da Segunda Guerra
Mundial, em que os prisioneiros eram marcados com um número no braço33.
Seguindo a narrativa, nota-se que, mais uma vez, o futuro é representado
com tons de cores quentes, sobretudo o vermelho (figura 54). Agora temos o jovem
Lucas Bishop prostrado na cerca de contenção do campo de concentração. É
possível identificar a letra “M” em seu rosto e vários outros mutantes prisioneiros ao
fundo, bem como os barracões dos alojamentos. A imagem é simétrica na proporção
de elementos na direita e na esquerda. Já a simetria de elementos inferiores e
superiores não existe. A parte de baixo da imagem é preenchida com um
enquadramento próximo de Lucas Bishop, que favorece seu olhar de revolta. Esta
técnica, de acordo com Danton (2006, p. 50), leva o nome de big close, e é usada
para foco apenas em partes do rosto. “(...) se você quiser mostrar apenas os olhos?
Use um big close. É a aproximação de alguma das pares da cabeça, seja um olho,
boca, nariz ou orelha”. A parte de cima da imagem dá destaque para os elementos
presentes atrás de Lucas, ou seja, os demais prisioneiros e as instalações.
33
O número no braço do prisioneiro judeu era uma forma mais simples e mais rápida de identificar quantos
judeus existiam em cada campo de concentração e quais iriam morrer primeiro. Disponível em:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20110617135835AAj3BOf – Acessado em 25/07/2011.
102
Figura 54
Na sequência (figura 55), temos novamente Lucas Bishop focado em um
plano de close nos olhos. Neste momento da história, é importante o close nos olhos
de Lucas, pois o pequeno mutante está relatando o que teria acontecido nos últimos
80 anos para que os mutantes fossem isolados do restante da sociedade. A imagem
novamente é simétrica e o ponto de olhar fixo de Lucas exprime uma concentração
mental. O raio de luz, vindo da direita também define o ambiente de por do sol,
voltado para a cor amarela. A simetria das figuras 54 e 55 que focam Lucas Bishop,
constrói e transmite a sensação ao leitor de Lucas ser um sujeito seguro de suas
ações, um sujeito sério, principalmente pela valorização de seu olhar penetrante.
Figura 55
103
A revolta de Lucas, nas relações semi-simbólicas, pode ser comparada a de
um sujeito militante inconformado com o tratamento desigual que recebe por ser
diferente. Sujeitos com os mesmos objetivos deram início aos movimentos das
minorias, tanto de gênero quanto orientação sexual e cor (ver capítulo II).
(Figura 56)
A última sequência de quadros (figura 56) encerra a saga Complexo de
Messias. A batalha pela posse do bebê mutante culmina com a morte do Professor
X, que é atingido por um tiro disparado por Lucas Bishop, já adulto. Esta cena é
retratada em três quadros com a mesma imagem com a única diferença de que o
afastamento da cena mostrada a cada quadro revela um novo elemento do
ambiente.
Esta técnica de zoom-out (distanciamento, abertura) cria uma pseudodinamicidade, produzindo uma ilusão referencial de movimento, que faz com que o
enunciatário tenha a impressão de deslocamento. Por ser o final da história, o
deslocamento, que distancia o leitor da cena mostrada, funciona como emergida do
universo apresentado a que o mesmo mergulho no início da leitura, ou seja, o
enunciatário passa do plano médio para o plano geral dentro da categoria topológica
de posição do baixo para o alto.
104
Na distância média (middle distance), o objeto é mostrado por inteiro,
mas sem muito espaço ao seu redor. Na distância longa de
separação (long distance), uma barreira invisível se coloca entre o
leitor e o objeto. Este último está disponível apenas para
contemplação, como se fosse exibido em um museu ou em uma
vitrine de loja (Rigolin, 2000, p. 68-69).
Ao virar a página, o leitor depara-se com uma página negra, sem nenhuma
imagem ou texto (figura 57).
Figura 57
Como uma história em quadrinho é montada seguindo as técnicas do cinema
(ver capítulo I), a página negra representa o momento em que são inseridos os
créditos da produção, indicando que a narrativa realmente terminou. Guimarães
(2000) define o preto como o oposto de branco, logo, como o branco representa o
início, a cor negra representa o fim (cinzas, carvão). A escolha da cor negra também
denota o sentido de luto, usada na cultura ocidental para representar a morte do
Professor X. “O preto, além de ser a cor da morte e das trevas, é a cor do
desconhecido e do que provoca medo” (Guimarães, 2000, p. 91).
Porém, o leitor ainda precisa virar uma última página e, ao fazer isso,
descobre uma nova sequência de imagens composta por três quadros (figura 32).
105
Figura 58
Encontradas após a página negra, esta última sequência de quadros funciona
no cinema como a cena pós-crédito que revela um momento surpresa da trama. Nas
imagens, aparece primeiro um ambiente rochoso, com céu avermelhado e um farol
de guia de navegantes ao fundo. Neste ponto do enunciado, o leitor já sabe que o
céu vermelho indica o futuro. No quadro ao lado, uma espécie de distorção do
espaço surge em um formato de redemoinho sobre as rochas. Em seguida, o
mutante Cable aparece no local do redemoinho segurando a criança mutante nos
braços. No canto superior esquerdo do quadro, o enunciatário confirma que o local
realmente se trata do futuro com uma legenda escrita: “O futuro”. No canto inferior
direito, a palavra “Fim” indica ao leitor que, neste momento, a saga terminou.
O uso da página negra (figura 57) tem a função de uma passagem de tempo
entre os acontecimentos da figura 56 e os que serão revelados na figura 58. A
página ainda serve como instrumento de mudança de estado onde o enunciatário vai
do presente para o futuro.
4. PLANO DA EXPRESSÃO E RELAÇÕES COM O PLANO DO CONTEÚDO
A análise semiótica do plano do conteúdo (PC) e do plano da expressão (PE),
feita separadamente, pode ser unida com o objetivo de encontrar as chamadas
106
relações semi-simbólicas do enunciado. Nesta etapa, as relações do PC com o PE
cominam com as relações semi-simbólicas da diversidade cultural e social
apresentada no capítulo II. Estas referências podem ser divididas em duas
categorias: “Busca por igualdade” e “Repressão”.
Busca por igualdade No início da análise da expressão, a figura 42 retrata a chegada dos X-Men à
cidade de Cooperstown, e a mutante Emma Frost aparece ajudando os
sobreviventes humanos da chacina. Emma destaca-se do restante do cenário (de
fogo e destruição, uma menção do inferno) ao trajar roupas brancas, que lhe
atribuem um sentido angelical. A mutante, como dito na análise, almeja entrar em
harmonia com os humanos no momento em que os salva. No mesmo contexto, a
análise do conteúdo aponta as diferenças entre humanos e mutantes pelo que é
“costumeiro” (manifestação de poderes “puberdade” na adolescência) e o
“extraordinário” (manifestações de poderes ao nascer). Enquanto o plano do
conteúdo deixa claro que existem diferenças que separam humanos e mutantes, o
plano da expressão aponta elementos que proporcionam o desejo de união entre os
dois grupos.
As relações entre PC e PE no sentido de busca por igualdade entre humanos
e mutantes segue com a comparação da figura 45 do PE com o diálogo entre
Wolverine e Ciclope do PC. Na imagem, os sobreviventes são levados a bordo do
Pássaro Negro para um local seguro indicado por cores frias (azul e preto) que,
entre outras sensações, confere expressão de tranquilidade e segurança. Nesta
sequência, o PC apresenta o objeto valor (busca por igualdade de direitos civis) a
que o personagem Wolverine está à procura como sujeito de busca-destinatário com
a frase: “A gente devia ter trazido os corpos dos carrascos. Vão culpar os mutantes
por isso... não os Carrascos”. Como expresso na análise, os humanos costumam
culpar os mutantes mesmo sem provas, por questões preconceituosas.
Já nesta etapa da análise semiótica, é possível comparar o desejo de união e
pacificação dos mutantes para com os humanos com os manifestos dos grupos
minoritários da realidade (minorias sexuais, étnicas, tribos urbanas, etc.) que lutam
para entrar em conjunção com o poder hegemônico e, assim, ter tratamento
107
igualitário de direitos civis (ver capítulo II). O poder hegemônico é reconhecido,
então, como objeto valor e os direitos civis como objeto modal.
O modo de alcance dos direitos civis dos grupos minoritários ocorre por via da
exposição pública de seus discursos. Segundo Paiva e Barbalho (2005), a busca
pela redução do poder hegemônico da maioria é feita por uma luta sem armas. Na
figura 55, o mutante Lucas Bishop, em análise do PE, é focado com close nos olhos
numa imagem simétrica para demonstrar segurança e verdade no que Lucas está
relatando. Pela análise do PC, é possível identificar as lutas por direitos civis dos
mutantes sempre foram por via do diálogo unido do grupo. “Havia um grupo de
mutantes que acreditava que a raça mutante era ‘especial’, que mutantes deveriam
levar os humanos ao seu grande destino, e juntos viveriam como um”.
As palavras de Lucas Bishop atentam para o pluralismo social citado por
Paiva e Barbalho (2005, p. 42) no capítulo II que, de acordo com os autores, se
tornou “o principal desafio a que os processos de decisão e justificação política
devem responder, estabelecendo a ‘diferença’ como algo que devem tolerar,
reconhecer afirmativamente, ou considerar como objeto de deliberação”.
Repressão –
A repressão aos mutantes (que podem ser comparados aos grupos
minoritários da diversidade social) é retratada por imagens do PE que transmitem ao
leitor o sofrimento a que os portadores do Gene X estão condicionados. A figura 50
constrói um ambiente composto por elementos figurativos e de figuratividade que
familiarizam o leitor do caos apresentado com a figura da Ponte de Manhattan e o
muro do campo de concentração. Ainda dentro do PE, a figura apresenta um plano
geral com a visão caótica que o mutante Jamie Madrox está vendo (Céu
avermelhado, transmitindo tensão e poluição, prédios roxos, transmitindo sujeira e
profundidade das ações humanas sobre a natureza). No PC a familiarização da cena
descrita é feita com os dizeres no canto da página: “Nova York... Daqui a oitenta
anos” e “Brooklyn, Nova York. Baia Sheepshead. Campo de recolocação mutante”.
A analogia de um campo de concentração para mutantes, os seres portadores
do gene X, pode ser vista como a supremacia de uma raça ariana defendida pelo
alemão Adolph Hitler, líder do movimento nazista durante a Segunda Guerra
108
Mundial. A política anti-semita do nazismo visou especialmente os judeus, mas não
poupou também ciganos, negros, homossexuais, comunistas e doentes mentais.
Para separar estes grupos minoritários, o nazismo criou campos de concentração.
Os indivíduos que eram mandados para estes campos eram indivíduos que
possuíam o estigma, que nada mais é do que uma marca pela qual a pessoa ou
grupo é identificada em meio à diversidade que a cerca. (Ver capítulo II)34.
A recriminação mutante também é retratada na figura 52, onde Jamie Madrox
é levado para o campo de concentração. Na imagem a indiferença dos guardas que
prendem o mutante é mostrada com o uso do capacete unificado que representa a
semi-simbologia de tratar com indiferença àqueles que não são da sua categoria. No
PC, a mesma cena reforça o sentido de indiferença e repreensão aos portadores do
gene X no momento em que os guardas detectam que Madrox é um mutante por via
de um scaner corporal. O mutante então é detido por ser diferente. A ação dos
guardas enquadra-se no pensamento de Saraiva e Irigaray (2009, p. 03) citado no
capítulo II em que “Para a teoria da identidade social, os indivíduos tendem a
classificar em categorias a si próprios e aos outros, com efeitos sobre as interações
humanas um processo que implica estereótipos e, eventualmente, estigmas”.
34
Para mais informações sobre a repreensão nazista acesse:http://www.coladaweb.com/historia/holocausto).
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a abordagem dos grupos sociais que fazem parte da diversidade cultural
apresentados nesta pesquisa (gênero, orientação sexual, cor e deficiência física),
pode-se concluir que a narrativa das histórias em quadrinhos dos X-Men cumprem
um papel de divulgação do quanto é importante a aceitação e convivência pacífica
dos diferentes grupos que compõe a sociedade.
Os roteiros de X-Men, desde sua criação, buscaram como bases para o
desenvolvimento de suas tramas ficcionais, acontecimentos reais de discriminação
que marcaram a história da humanidade, como as duas guerras mundiais, o
apartheid, o surgimento do vírus da Aids e, mais recentemente, as guerras no
oriente médio, consequências do terrorismo. A mensagem principal de X-Men,
então, estaria na associação da ficção com a realidade, característica que a análise
buscou apontar.
Esta semelhança não se restringe apenas aos acontecimentos, como também
pelas próprias características dos personagens, que são inspirados em indivíduos
estigmatizados, por exemplo: Ororo (Tempestade) é negra; Jean-Paul (Estrela Polar)
é assumidamente gay; Raven Darkholme (Mística) é considerada bissexual; Scott
Summers (Ciclope) tem problemas de visão; Charles Xavier (Professor X) é
deficiente físico; Hank McCoy (Fera) pode ser considerado como portador da
Hipertricose Lanuginosa Congênita, conhecida como Síndrome do Homem Lobo;
Spike Freeman tem mutação semelhante à Fibrodisplasia Ossificante Progressiva e
tantos outros.
Apesar da revista trazer o conflito entre humanos e mutantes, a essência do
conceito de humanidade e cidadania não está relacionado ao Homo Sapiens, e sim
aos portadores do gene “X” (Homo Superior). Logo, os mutantes são associados aos
humanos expondo como os mesmos deveriam agir. Os humanos, no enredo (a
maior parte), não possuem valores racionais de construção social, passando muitas
vezes a impressão de seres primitivos.
Ao limitar a análise à saga “Complexo de Messias”, pode-se perceber que a
proposta geral da HQ, de levar aceitação dos diferentes grupos sociais,
representados na trama pelos mutantes, é presente em toda a transcorrência da
trama, sem a necessidade de abordar todas as edições da revista, cujo exemplar n°
110
01 foi lançado em 1963. Esta afirmação pôde ser fundada levando em consideração
as respostas encontradas na análise a partir da aplicação da semiótica greimasiana
nos trechos selecionados, sendo esta de suma importância para o desenvolvimento
do trabalho e alcance do objetivo (relações entre os personagens da trama e os
indivíduos da diversidade cultural existente). Os temas encontrados em Complexo
de Messias são: a manifestação do gene “X” na adolescência, o pré-julgamento das
ações de qualquer indivíduo mutante, a prisão de mutantes em campos de
concentração e a busca e consequentemente extermínio da criança portadora do
gene “X” tratada como “Anticristo”.
O sucesso de transmissão da mensagem de igualdade da revista em
quadrinhos “X-Men” é alcançado, além da abordagem contemporânea dos fatos
reais que servem de inspiração para os roteiros, pela multi-linguagem que a trama
adotou, onde as aventuras dos heróis evolutivos foram adaptadas dos quadrinhos
para o cinema e para séries animadas35 de televisão, cada uma voltada para um
público de diferente faixa etária, mas sem perder a essência.
Além da linguagem dos quadrinhos ser cada vez mais adaptada para as
outras formas de comunicação (cinema e televisão), nos últimos anos a arte
sequencial vem sendo aplicada no jornalismo, conforme apresentado na pesquisa.
No início do trabalho, comentamos que os exames relacionados às histórias não
foram aceitos durante muitos anos pela comunidade científica pelo fato da mesma
não as reconhecer como pertencentes ao meio acadêmico, porém, a dimensão
obtida pelas HQs (no caso da revista X-Men) em termos de popularidade
comprovam que os quadrinhos são uma ferramenta de comunicação que possuem
um poder de expressar ideias, informar e entreter estando longe da ameaça de
extinção que ronda as demais publicações impressas como, jornais e revistas.
35
A primeira versão animada dos X-Men, foi na série The Marvel Super Heroes (apelidada no Brasil de
Desenhos Desanimados do Marvel), em 1966, no segmento The Sub-Mariner estrelado por Namor.
Em 1992, a Fox Network lançou uma série animada dos X-Men.
Em 2000, Warner Brothers Network lançou X-Men: Evolution que mostrou os X-Men como adolescentes
frequentando o colegial, além do Instituto Xavier. A série terminou em 2003 após quatro temporadas.
Em 2008, Marvel Studios lançou um novo desenho animado, Wolverine and the X-Men, desta vez usando uma
mistura de animação 2D/3D para personagens e cenários
111
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