Verdade-Metafísica

Transcrição

Verdade-Metafísica
R. S. KAHLMEYER-MERTENS
Verdade-Metafísica-Poesia
Verdade-Metafísica-Poesia
Um ensaio de filosofia a partir dos haicais
de Luís Antônio Pimentel
por
R. S. KAHLMEYER-MERTENS
2007
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K17v
Kahlmeyer-Mertens, Roberto Saraiva
Verdade-metafísica-poesia - Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de
Luís Antônio Pimentel / Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens. Niterói,
RJ: Nitpress, 2007.
80 p.
Apêndice
Inclui bibliografia
1. Filosofia. 2. Filosofia - Metafísica. 3. Heidegger. 4. Influências orientais. 5.
Haicais. I. Kahlmeyer-Mertens, Roberto S. II. Título.
07-3010
CDD: 100
CDU: 1
Este livro foi editado e impresso nas oficinas da NitPress
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CARLOS MÔNACO
Em sinal de minha admiração e respeito.
... Sob instrução do mestre, começou a fazer poesia, e aprendeu
lentamente aquela arte secreta, que aparentemente só fala de coisas
simples e despretensiosas, mas com o fim de revolver a alma dos
que a escutam como o vento no espelho da água. Descreveu a
chegada do sol, como ele hesita na orla da montanha, e o silencioso
deslizar dos peixes, quando fogem como sombras sob a água, ou
o balanço de um salgueiro novo no vento da primavera, e quando
a gente ouve aquilo, já não era apenas o sol e o jogo dos peixes e
o murmúrio do salgueiro, mas parecia que por um instante, o céu
e o mundo de cada vez, combinavam-se numa música perfeita, e
cada um ao escutar pensava ao mesmo tempo, com alegria ou
dor, naquilo que amava ou odiava: o garoto, na brincadeira; o
jovem, na amada; o velho, na morte.
(HERMANN HESSE, Contos.).
PREFÁCIO
Estava o haicai posto em sossego, ao agrado do gosto
acostumado a servir-se dele qual iguaria literária, até esta revisitação.
Poema lacônico, reduzido a ponto de poder ser escrito num
grão de arroz e lido com auxílio das lentes de um conta-fios, o
haicai desperta encanto com sua delicadeza e graça, quer pela
pequenez ou por sua essência, aqui, desvendada.
Fruto da lavra do extraordinário Matsuo Bashô, o haicai,
primoroso retrato, rico em características poéticas, psicológicas
e filosóficas, foi codificado no século XVII por seu patriarca.
Esse é responsável pelo estabelecimento das normas segundo
as quais: a poesia deveria mostrar a estação do ano na cena
plasmada; o poeta não deveria colocar-se no haicai, ou reduzir
seus versos à moldura lírica do seu eu; há a necessidade de se
atentar à importância da contemplação dos ensinamentos
búdicos.
Terceira geração da “waca”, versos de trinta e uma sílabas, o
haicai é poesia genuinamente japonesa, reverente e serena como
seu povo, que testemunha seu caráter contemplativo inclusive na
letra do Kimigayô, Hino Nacional Japonês:
Que o Imperador viva
mil, oito mil gerações,
até o dia em que
rochedos se tornem seixos
rolados, cheios de limo.
Kimi ga yô wa
chi-yo ni ya-chi-yo-ni
sazare-ishi
iwao to narite
koke no musu made.
Esses elementos, referentes à eternidade, à natureza, à vida, à
harmonia e a outros valores humanos, são abordados no ensaio
em apreço como temas merecedores da consideração do aplicado
Professor Kahlmeyer-Mertens, cuja iniciativa original de pensar o
haicai, por meio da Filosofia, nos trouxe um estudo de
profundidade. Verdade-metafísica-poesia é resultado eloqüente de uma
investigação produzida por um respeitável esforço intelectual em
prol da literatura acerca do tema.
É verdade: admirado e apreciado, o haicai chegou ao Ocidente
de Herodes para Pilatos por um itinerário bastante turbulento. Muitos
se sentiram tentados a escrevê-lo, poetas de todas as línguas do
mundo cometeram seus haicais, mas pouquíssimos se dispuseram
a estudar a sua poética e a sua história milenar. No Brasil, de
Guilherme de Almeida para Leminski, essa poesia ganhou composições
e nova roupagem, mas nenhuma contribuição relevante quanto à
elucidação de seu gênero.
Lendo o trabalho meticuloso do jovem Kahlmeyer-Mertens,
nos encorajamos a crer num futuro promissor à Filosofia que parte
do haicai ao pensamento, e numa compreensão mais lúcida dessa
poesia como expressão poética.
Luís Antônio Pimentel
10
NOTA PRELIMINAR DO AUTOR
O presente livro é produto de um curso de Filosofia intitulado
Fundamentos filosóficos da cultura ocidental. Ministrado durante o
primeiro semestre do ano de 2006, para uma turma de graduação
em Letras, em que se buscava tratar do tema a partir de Qu’est-ce
Que la philosophie? do filósofo alemão Martin Heidegger. O texto,
cuja adoção se pautou pela necessidade de atender à ementa,
justificava-se também pela conveniência de servir a uma pesquisa
de doutorado.
Constituindo na leitura pontual do texto e consecutivo debate
com os alunos, o curso era amparado por uma apostila que trazia
as idéias do filósofo sistematicamente comentadas. Contudo, como
tal didática permite a intervenção dos discentes, algumas questões
acerca dos argumentos heideggerianos foram colocadas,
principalmente no que tange às afirmações ainda pouco pacíficas
de que “o Ocidente e a Europa, e somente eles, são, na marcha
mais íntima de sua história, originariamente filosóficos.”1 Muitos
debatedores com formação em Letras recorreram aos
11
conhecimentos de Literatura e Lingüística, conduzindo
inesperadamente a argumentação à temática de textos de
Heidegger que tratam da linguagem e dos poucos — porém
intensos — momentos em que o filósofo esteve em contato com
o pensamento oriental.
Sabe-se que Heidegger possuiu diversos alunos orientais e que
por meio deles conheceu o pensamento do Oriente. Um
testemunho disso é dado em seu livro Caminhos da linguagem,2 num
texto intitulado: De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e
um pensador (reprodução do diálogo de nosso autor com o Professor Tezuka da Universidade Real de Tóquio). O diálogo com o
oriental poderia parecer pitoresco para aqueles que concebem
Heidegger como um filósofo europeu restrito ao universo do
pensamento ocidental; ignorando, em sua biografia, as afinidades
com o Oriente, as quais chegaram a levá-lo a traduzir, com o auxílio
de um sinólogo, trechos do Tao Te Ching de Lao Tsé e a comparar,
na conferência O Princípio de identidade, o conceito grego de
linguagem (lógos) com o Tao dos chineses.
O ensaio em nosso livro tem por objetivo especular sobre a
relação entre os pensamentos ocidental e oriental, a partir das
noções de verdade, metafísica e poesia. Toma por ponto de partida
a poesia haicai. Cumprindo a tarefa de uma problematização desses
elementos e visando a contribuir para o preenchimento da lacuna
existente entre os modos de pensar acima mencionados. Da mesma
maneira, retoma o haicai como tema digno de consideração da
Filosofia.
Reconhecemos que nosso ensaio incorre em pequenas
digressões, justificadas pela necessidade de uma contextualização
dos argumentos. Espera-se, quanto a essas, a condescendência do
leitor mais exigente, pois, afinal, não comprometeram o
desenvolvimento das idéias aqui consignadas, tampouco a estrutura
de texto. O ensaio conta com três tópicos, cada qual reservado
12
aos conceitos anunciados no título. Ao final, nos convencemos
de que o haicai é terreno fértil ao pensar, para além das suas
circunstâncias geográfico-culturais, entretanto, nossos resultados
não se furtam a críticas ou se consideram palavra final.
Em nossa pesquisa, o acaso por vezes conspirou
favoravelmente, para fazer com que se tornassem disponíveis livros
e periódicos que permitiam pensar a implicação de Heidegger
com o Oriente, com sua poesia e linguagem. Foi também assim
que a poesia haicai veio à pauta de nossas discussões, tendo como
pano de fundo a questão da verdade e da metafísica.
Entre todos os diálogos, o mais essencial foi o com o Poeta
brasileiro Luís Antônio Pimentel. Seu conhecimento da cultura
japonesa e a possibilidade de sua poesia conjugar todas as questões
relativas ao encontro entre os pensamentos ocidental e o oriental,
mais que testemunhar o intercâmbio entre essas, foram motivos
suficientemente persuasivos para adotarmos seus haicais como
ponto de partida para nossas reflexões de filosofia.
Registrando aqui meu agradecimento a Pimentel, desejo
expressar meu sentimento de profundo respeito àquele que, com
interesse e infatigável paciência, contribuiu delineando as idéias
(ainda espalhadas em protocolos tomados por ouvintes) e matéria
adicional aos fichamentos de nossa pesquisa preliminar. Agradeço
também às boas intuições fomentadas pelo convívio de todos com
quem dialoguei nos muitos encontros do Calçadão da cultura, o que
a mim só confirma esse como um espaço onde se pode estar em
meio às idéias acompanhado da melhor inteligentzia.
Quanto ao apêndice desse volume, trata-se de uma entrevista,
semi-estruturada com perguntas abertas, concedida pelo poeta
no dia 21/07/2007. Inicialmente, tinha o propósito de servir para
coleta de dados adicionais à bibliografia, depois, diante da
constatação de seu valor documental, espontaneidade e autonomia,
13
optou-se por publicar integralmente o conteúdo, tendo a
transcrição apenas a preocupação em corrigir anacolutos,
pleonasmos e demais negligências do discurso oral.
14
VERDADE-METAFÍSICA-POESIA
São incomensuráveis as controvérsias relativas à interlocução
entre os pensamentos oriental e ocidental. Se por um lado temos
a tentativa de legitimar uma dita filosofia oriental que aparece como
o esforço de alguns poucos entusiastas pelo assunto; de outro, a
comunidade acadêmica, em sua maioria, não aprecia tais investidas
mantendo-se irredutível quanto à filosofia ser um fenômeno
ocidental. Para essa, não existiria a filosofia fora da perspectiva
européia, sendo qualquer manifestação genuinamente filosófica
derivada desse modo de pensar. Se essas duas posições divergem
nesses pontos, parecem concordar em ser arriscado qualquer tipo
de tentativa de associação do pensamento oriental ao ocidental,
ou de pensar o primeiro com os recursos do outro, sob o risco de
uma tradução já alterar a essência e qualquer compreensão
pretendidas, por se valer de seu vocabulário e gramática. Nesse
cenário, ainda existem duas formas de nos portar diante dos temas
e das questões fomentados pelo Oriente: ou bem silenciar,
preterindo-o como pensamento ininteligível aos ocidentais e, por
15
isso mesmo, indigno de ser chamado de filosofia; ou assumir o
risco de pensar filosoficamente seus temas, apropriando-se de suas
questões sem o pudor de tomá-las sob a única ótica que temos à
disposição. A bem da verdade, do segundo modo, estaríamos
fazendo filosofia à maneira do Ocidente (descarte-se aqui a
intenção de uma filosofia oriental); apenas tomando o Oriente
como ponto de partida.
Cientes disso, minimizar a discrepância seria adotar o melhor
ponto do Oriente para começar nosso argumento. Para nossa
aproximação, perguntaríamos o que aquilo que se convencionou
chamar de Oriente poderia servir de solo ao nosso exercício de
pensamento. Escapando da indiferença do arbítrio, presumimos
que a melhor marca daquele mundo é a língua, dimensão
continente de toda sua conjuntura, seu espaço de realização,
compreensões, interpretações, asserções discursivas, referências,
sinais e propósitos. Na língua, esses se depositam expressando
com o que lidamos e seus determinados modos. Todavia, dentre
os modos de expressão de um idioma, talvez o mais privilegiado
seja o discurso poético. Parece ser evidente aos antigos que a poesia
e o espírito humano são fenômenos indissociáveis e que (ainda
que nunca tenhamos escrito uma única letra de poesia ao longo
de uma existência) relata a própria vida do espírito, entre nascimento
e morte, dando-se no intervalo entre essas duas instâncias inefáveis.
Destarte, a poesia é relato de um mundo e de seus significados,
indicadores do homem em sua realização.
Somam-se, assim, diversos motivos para tratarmos da poesia.
Mas como pensar a poesia aqui? Seria o caso de apresentar notas
sobre a gênese e história desse gênero? Ou quem sabe ceder à
sedução de fazer crítica literária? Parece ser nosso texto fomentado
pela necessidade de pensar o Ocidente aproximando-o
(contrapondo-o) ao Oriente a partir de sua poesia, e pela urgência
de preencher algum hiato no tocante às implicações filosóficas do
16
pensamento oriental com sua poética; quem sabe em uma
modalidade típica como a poesia haicai.3
Pensar a partir da poesia haicai as implicações filosóficas seria
tarefa árdua e talvez inexeqüível sem um aporte teórico que nos
permitisse o acesso às experiências expressas nessas poesias. Por
isso, aceitamos o convite para dialogar com a poesia de Luís
Antônio Pimentel, poeta cujos haicais serão interface aos japoneses,
nos permitindo pensar a poesia e a filosofia, o Oriente e o Ocidente
consistindo em um ponto privilegiado à abordagem dessas
instâncias, resguardando suas especificidades e promovendo
associações. Diante disso, não estamos preocupados com o haicai
como um gênero literário, mas sim como pensamento. O recurso
a Pimentel tem o propósito de servir de ponto de partida para
nosso exercício filosófico, escolha orientada pela necessidade de
ilustrar, com sua linguagem — os conceitos que temos em vista:
Luar na neblina.
Dentro da cabana escura,
Um ranger de redes.4
Após o poeta ter se apresentado a nós, por sua poesia, partimos
dela ao nosso ensaio, não tendo a pretensão de reduzir a
interpretação da poesia à exegese, mas — quando muito —
fazendo teoria breve.5
Ao invés de dar notícias históricas, recordemos o quanto é
antiga a preocupação dos homens pela palavra. Desde os gregos
vê-se um desvelo especial pela poesia e sua linguagem; acerca disso,
propõe-se a língua grega, ao contrário das demais européias, como
não propositora de predicados na chave significado-significante,
mas a própria realidade-verdade que estaria ali sendo exposta.6
Dentre as demais culturas ancestrais, lembremos daquelas também
zelosas pela palavra, como os indianos com seus sutras; na
17
reverência a essa nos cultos levíticos dos hebreus; na sabedoria da
China, além do haicai japonês. Enquanto a experiência arcaicooriginária da linguagem em sua determinação poética eclode para
muitos na antiguidade, no Japão isso só ocorre tardiamente. É no
século VIII. d.C (quando as civilizações européias, já tinham
abandonado há muito o modo contemplativo dos pré-socráticos,
para se lançar no projeto metafísico de assegurar um fundamento
verdadeiro aos entes da totalidade) que o Japão ganhava meios
para expressar-se através de um idioma próprio. Dando a conhecer
— apenas nos 1700, com o haicai — uma visão de mundo ainda
capaz de experimentar a verdade-realidade dos entes na sua
aparição. A experiência radical da realidade pelos japoneses e o
relato de sua simplicidade ficam em evidência nos versos
anteriormente citados.
Com o poeta japonês Bashô, a forma primitiva do haicai
(reduzida a um divertimento de uma elite letrada) tornou-se
autônoma ganhando, então, expressão estética refinada; sendo
tomada como arte perfeita e de expressão determinante à estética
nipônica. O haicai, para ser reconhecido como tal, além de sua
linguagem sóbria e elegante, deveria obedecer a algumas regras,7
testemunhas da inestimável importância da apropriação japonesa
do mundo natural e de seus fenômenos. Assim, vemos o oposto
do que ocorre com a perspectiva vigente no pensamento ocidental.
O Oriente permaneceu em seu âmbito poético, não aderindo à
tendência de conduzir as experiências ao entendimento e à
conceituação. Inclinação que posteriormente desaguaria no projeto
metafísico de tentar determinar um fundamento inconcusso a todo
saber possível. Antes, atendeu às prioridades do pensamento poético,
tratando de celebrar admiradamente um instante aberto pela
linguagem na imediatez de seu fenômeno; de considerar uma coisa
simples com recursos minimalistas. Conheçamos essas características
e seus desdobramentos a partir do exame dos poemas a seguir.
18
I
Um primeiro haicai de Pimentel tomado sob nossa atenção
diz:
O vento levanta
a névoa fina do vale,
despertando a aurora.
A imediata impressão do leitor nesse escrito é a de uma cena
corriqueira, possível de ser tomada como dados da função
informativa, notificando algo banal. Essa apreensão nos indicaria:
o vento, a névoa, o vale e a aurora, coisas das quais temos uma
compreensão objetiva e, mesmo, empírica. Teríamos a
comunicação de que o vento é capaz de levantar a névoa ruça de
um lugar, nas primeiras horas do dia... Mas ora, nos distanciando
dessa primeira interpretação, mas ainda em uma abordagem
lingüística, poderíamos desconfiar que a função da linguagem aqui,
mesmo que não possuindo marcas evidentes, pudesse ser a
expressiva: aquela típica da poesia. Essa suspeita exige que nos
coloquemos de outra maneira diante do escrito. Daí, deixemos o
haicai ressoar...
O vento levanta
a névoa fina do vale,
despertando a aurora.
Tomado como poesia, o haicai é capaz de nos trazer um
estranhamento. Afinal, a que vem uma poesia que não emprega
os artifícios da poesia? O que pretende uma poesia que não se
vale da maneira literária de exprimir com processos e expedientes
estranhos à função de comunicação? O haicai parece querer
expressar um instante, retratar um dado fenômeno nesse. Daí,
19
vento, névoa, vale e aurora não mais se mostram como antes, mas
aparecem pela verve da poesia. Mas o que significa falar de verve da
poesia? Esse questionamento se referiria ao modo de ser dessa, a
sua essência. Pretender falar da essência e da linguagem na poesia
não é uma tarefa fácil. Significa ter de dialogar com uma tradição
que toma os gregos e suas palavras como referência, termos
utilizados por esses antigos para se referir a uma experiência da
realidade (phýsis) desvelando-se na verdade (alétheia) dos entes,
abertos pela linguagem (lógos) que por meio da imitação (mimésis)
de tais entes subministra esse movimento. Isso atesta que, para
um grego, a realidade não é algo estático.
Os gregos entendem o mundo como um contínuo vir a ser. A
realidade pensada como “physis” é o contínuo movimento de
desvelamento ou desencobrimento dos entes; daí, em cada novo
instante, o real dá-se ao acontecer, abre-se em sua verdade.
Também a verdade não é entendida como mera adequação de um
enunciado a um estado de coisas; verdade, entendida como
“alétheia”, remonta a esse movimento da abertura constitutiva de
tudo que verdadeiramente é. O “lógos”, por sua vez, é o que,
delimitando um espaço de realização, acolhe o homem nesse
movimento, dando-lhe o lugar da apreensão da realidade-verdade.
Apenas de posse dessa compreensão se é capaz de enunciá-lo por
meio do discurso. Dentre os diferentes modos de enunciado, o da
poesia é aquele que vem como imitação daquilo que reunido na
linguagem se mostra num instante da realidade-verdade.
Como vemos acima, a imitação da cena indica uma dinâmica.
Embora não se refira diretamente a dos gregos, afirma idéia similar quando descreve, bem como a “physis”, uma leve lufada de
vento a levantar o véu de névoa trazendo o dia à face de todos.
Essa poesia não é apenas um jogo de palavras em busca da estética,
é recordação de uma dimensão esquecida que emerge como das
brumas após ser evocada. Esquecidos dessa dinâmica, tem-se
20
cotidianamente uma apreensão enevoada dessas instâncias.
Dependendo de alguns poucos que, atentos ao modo de ser da
realidade-verdade, efetuam tal resgate por meio de sua produção
(poesis), ao despertarem novamente à experiência acenando aos
demais como essa se daria. Com efeito, o poeta é quem — ao
falar — limpa o significado das palavras devolvendo viço à
linguagem; noticiando (como no poema) a alvorada da realidadeverdade que acontece em cada instante. O poeta fala para que se
intua a morada na qual o homem se reúne, habita e se faz, melhor
mirante dessa realidade; é quem — tendo maior clareza desse
ethos — relata sua localização e o que nele ocorre, fazendo da
poesia relato aos esquecidos.8 Assim, poesia é relato.
Nossas afirmações encontrariam, sem muita dificuldade,
respaldo nas idéias da poética clássica. Elas dizem algo muito
próximo a Aristóteles quando esse assevera que a arte imita a
realidade-verdade,9 e continuaria a ter aderência aos gregos se fosse
reformulada indicando também a poesia como uma imitação da
realidade-verdade. Contudo, poderíamos pensar isso em se
tratando dos nipônicos? Cabem essas afirmações no pensamento
oriental representado pelo haicai?...
O vento levanta
a névoa fina do vale,
despertando a aurora.
A compreensão que esse povo possui da verdade é
sensivelmente diversa da grega. O vocábulo japonês makoto,
geralmente utilizado para traduzir “verdade”, mais designa
“sinceridade”, “fidelidade” e “verdade de coração” do que a tal
experiência de abertura. Entrementes, a simplicidade dos versos
de Bashô é universal. Retratada no haicai, poderia ser dita por
qualquer homem, em qualquer tempo e local. Teria sido escrita
21
por Bashô, Busson ou por qualquer outro de seus discípulos; por
um poeta-pensador no turno pré-socrático ou por um brasileiro
do século XXI. Universal, portanto, é também a experiência
descrita a partir dos gregos como constitutiva da poesia. Essa
apenas foi possível por aqueles que teriam experimentado um
pensamento que se aprofundasse no fenômeno, pensando-o
fundamentalmente e tomando-o como parte de seu
acontecimento, ao contrário do Oriente, cujo pensamento se
mantém na superfície do fenômeno como também fulguração.10
Os gregos, com a filosofia, acharam meios de descrever o que
acontece nas “coxias” do real, ao passo que no Oriente, sobretudo
a poesia nipônica, encenava no espaço mais iluminado, ribalta de
manifestação desse; expressando de maneira translúcida o que é
imanente à face do fenômeno (e apenas de maneira subliminar
nos remete a algo transcendente que poderia ser tomado como
objeto da filosofia).
A superficialidade do expresso na poesia haicai aparece em
metáforas referentes ao cristalino ou ao aquoso, seja na imagem
do orvalho, da chuva, dos lagos e mares, como apreciada na
seqüência:
Chove: chia a chuva
E, de chofre, o chão enxuto.
Encharca-se e se enxágua.
Na névoa e no mar, a água nos múltiplos estados do mesmo se
manifesta:
A onda, na bruma,
côncava, redonda, estronda.
Explodindo espuma
22
Constatados nos haicais de Pimentel, esses elementos são
observados como marca indelével desse estilo de poesia. Quanto
a isso, se enfatiza que cabe a quem tem interesse em investigar o
haicai
(...) permanecer atento e curioso, pois estes parecem
subministrar encontros entre o mar, lagos e rios; entre a chuva, nuvens e neblinas; entre as cores e a forma
da água, entre o jorro e a corrente, entre mitos e
poesias, também entre o fluxo da fala e do
pensamento. 11
Assim, mais que uma menção à sua forma diminuta ou a sua
rítmica, a água, na metáfora que pensa o haicai como gotas de
orvalho, alude a sua dinâmica e a matéria fenomenal e como essas
podem nos conduzir ao discurso mítico referido no comentário.
Não pode pretender legitimidade a interpretação do mito (e
de sua linguagem) que o entenda como uma representação ingênua
da realidade-verdade, pensando-o como registro de um período
primitivo da humanidade que aguardaria ser superado por
pensamento mais arguto. Definitivamente o mito não é um resíduo
cultural, é maneira de reportar-se ao real também se valendo de
linguagem poética e, por trás do seu discurso multicolorido, há,
bem como nos outros modos de pensar, um lastro na realidadeverdade. A linguagem dos mitos, bem como a poética, traz algo
de universal. Na poética dos mitos (por exemplo, na fala pública
de um rapsodo grego ou de um poeta peregrino japonês, como
foi Bashô) não há uma “historiografia” da realidade-verdade. Querse falar de mundos possíveis, de seus fenômenos e do que os
promove. Ainda presenciando, em alguns casos, o pensamento
mítico precedendo outras manifestações do pensar, o mito, bem
como a poesia, não é um protótipo de algo mais elaborado por
23
vir. No mito, temos um discurso parente à fala de alguns
pensadores que (antes mesmo que a filosofia e as ciências
tomassem a frente na busca incessante por explicações) buscam
um modo de asserção à realidade-verdade que respeite seu caráter
deveniente, resguardando o jogo de claro-escuro (velamentodesvelamento) constitutivo da dinâmica de seu acontecer. Esse é
o discurso presente em Tales, em Parmênides, Empédocles e
Xenofonte; e também em pensadores como Platão e Aristóteles,
debitários dos primeiros.
Não por acaso, um desses pensadores gregos, fronteiriço da
linguagem mítica, teria proposto a sentença “Tudo é água”.
Comumente lida de modo aligeirado (asseverando que Tales de
Mileto se referira à presença do elemento água na composição
física das coisas em geral), a frase traz uma significativa inovação,
ao expressar pela primeira vez uma perspectiva que enxerga a
pluralidade dos entes a partir de uma unidade. No “tudo é água”,
o pré-socrático nos ensina que tudo é um, ou que tudo é desde um,
desde uma unidade, fomentando-se, assim, a idéia de unidade
originária que ocupará a pauta da filosofia e, a partir daí, surge,
então, a idéia de verdade.
Parece que podemos estabelecer uma correspondência a essa
a partir do termo japonês iki, que embora traduza primeiramente
“fonte”, se aproxima ao sentido de essência da realidade-verdade.
O iki seria o que emana da aparição e também do fenômeno
artístico-poético japonês, “brilho sensível cujo enlevo e encanto
transparece no supra-sensível.”12 Logo, a arte japonesa e, sobretudo
o haicai, é aquilo que, no mais superficial de suas imagens,
transcende ao fundamental. O que nos permite constatar que o
haicaísta quando aborda a chuva ou “a onda na bruma”, como
tema de sua poesia, pode estar dizendo o universal. Nesse caso, é
pouco plausível a avaliação de Blyth, que propõe que as motivações
para um haicai são as idéias abstratas daquilo de que ele trata, por
24
exemplo: a frieza do frio, a quentura de um dia quente, a lonjura
das montanhas distantes. Mais preciso é o comentário de Gundert
que afirma que: “do ponto de vista do esforço Zen, a tarefa é
tornar acessível aos olhos, aos ouvidos e às mãos o que é
maximamente inacessível”,13 pois o haicai não fala diretamente de
uma unidade capaz de ser identificada como um universal-abstrato,
o que só é viável se pensado a partir da ótica do ocidental, que
enxerga nesse a essência, categoria estranha aos olhos dos orientais.
A água e sua clareza e outros fenômenos estão associados à
própria aparição e ao que as tornam possíveis. Em todas essas
imagens ricas de plástica e sentido, a água é superficialidade-concreta,
no fenômeno a ser celebrado, no modo mais manifesto da
realidade-verdade. De forma que a manifestação do que o haicai
expressa por meio de figuras relativas à água e à luz não aparecem
apenas nos escritos de nosso autor, mas são marcas do haicai em
geral. É isso que se vê mais uma vez em Pimentel —
Predador perene,
pula o sapo-pipa e parte
o espelho do poço.
— e em Bashô:
No vetusto tanque,
salta incisiva uma rã
revolvendo águas.14
Vejamos que novamente a água (seja a do poço ou a do velho
tanque, como espelho ou onda) é metáfora de um acontecimento
da realidade-verdade, reaparecendo à face do fenômeno como
elemento significativo do haicai em toda a superficialidade do
retratado. Retrato puro e simples de um instante, sem que se ob25
serve nesse tipo de poesia o crivo do sentimento do poeta, posto
que aqui ele se coloca apenas contemplativamente. No haicai, o
poeta não é predicador. Seu o olhar contempla a imediatez do
fenômeno na realidade-verdade, apreensão do real afim ao modo
constitutivo de seu fenômeno, sem qualquer tipo de ajuizamento
(produto de um eu subjetivo). Influência ou não da doutrina zenbudista, que prega o esvaziamento do ego, o fato é que por um
bom tempo o haicai esteve livre de impregnações afetivas ou
reflexivas (ou de qualquer outro tipo de apropriação capaz de
perguntar por algo além da aparição do fenômeno), visando a
uma simples apreensão da realidade-verdade. Isso perdura até que
a perspectiva ocidental se infiltre no Oriente.
II
A introdução da cultura ocidental no Oriente foi responsável
por alterações na perspectiva de seus povos. No Japão, a presença
da cultura ocidental-européia é registrada desde os séculos XVI e
XVII. Enquanto doutrina possuidora de uma perspectiva, o
cristianismo se consolidava principalmente entre a população
camponesa até sua violenta repressão e seguida proibição no auge
da dinastia dos Tokugawa (1616-1868). Essa deu início a um
período de isolacionismo cultural, por um lado fecundo ao campo
do pensamento e das artes nativas, de modo a falar-se de um
renascimento daquela cultura e da superação do modelo cultural
chinês, vigente desde o século IV. d.C.. Nesse período, vemos o
cultivo do haicai com autores como Busson, Kobayashi e Issa.
Entre esses, o último tornou-se, em sua época, mais conhecido
do que o próprio Bashô ao introduzir inovações ao haicai. Não se
tem notícia de que Issa tenha tido contato com a cultura judaicocristã, mas constatam-se algumas características de seus poemas
26
que o aproximam dessa e o distanciam do modo canônico de se
fazer haicai.
Perspectiva recrudescida sob a Era Meiji (1868-1912), na qual
se abriu a cultura à influência dos ocidentais deixando que o mundo
europeu (representado nas artes pelo romantismo, simbolismo e
impressionismo) infiltrasse o pensar japonês. O contato com o
mundo ocidental apresentou necessidades que até então o japonês
não tinha. Promoveu a urgência de desenvolver vocabulário e
gramática para dizer o que era experiência completamente exótica
àquele. Nesse período, vê-se nas universidades européias, sobretudo
nas de Letras e de Filosofia, grande procura de acadêmicos japoneses
ávidos de tomar conhecimento daquele modo de pensar que não se
contenta com a imediatez da coisa e se lança ao perscrutar a realidadeverdade.15 Doravante, a distinção entre Ocidente e Oriente passaria a
não ser mais uma convenção geográfica das fronteiras entre os
hemisférios do globo; Ocidente passa a ser a denominação de uma
visão de mundo que acomete outra e que faz com que encontremos
também na segunda a preocupação em pensar o universal de todas as
coisas. Essa preocupação parece refletir no Oriente quando
presenciamos questionamentos formulados no interior de haicais,
como Pimentel evoca:
Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
num pingo de orvalho.
O poema traz marcas do Ocidente não apenas por ter sido
criado por um ocidental. É ocidental embora se caracterize
formalmente como um haicai japonês. Na formulação o que é...?
fica expresso o modo de perguntar desenvolvido pelos gregos e
(embora a primeira estrofe traga uma pergunta que no contexto
do poema seria retórica e a saída poética do haicai não tenha a
27
intenção de respondê-la) é essa a fórmula que Platão e Aristóteles
se valeram em suas investigações. Forma que ao longo de muitos
séculos encaminhou o pensamento aos rincões da metafísica;
sendo corpo estranho num haicai ao denunciar uma postura que
não a serena e contemplativa dos orientais.
A metafísica já havia sido apontada como marca do mundo
ocidental por Alexandre Herculano, antes mesmo de Nietzsche.
Ele comenta que “a metafísica influirá sempre em qualquer sistema
de pensamento que venhamos adotar.”16 Contudo, ninguém
melhor do que o segundo compreendeu esse fenômeno, podendo
analisá-lo de maneira lúcida. Esse é o motivo pelo qual o
pensamento desse alemão será pano de fundo à caracterização de
algumas idéias diretrizes da metafísica.
Por metafísica entendemos a postura investigativa que, esquecida
de uma compreensão dos entes em seu ser, toma o fenômeno desses
de modo a reificá-los, reduzindo-os a uma compreensão de coisas
com propriedades capazes de serem observadas, investigadas e
categorizadas. A investigação do ente como mera coisa pressupõe,
ainda, que haja algo para além de sua condição de ente a ser sondada.
Daí, a pergunta por essa é novamente colocada em jogo, dessa vez
na busca de determinação por sua essência, no asseguramento de
uma verdade subjacente a ele. Tal verdade seria uma instância
transcendente que o determinaria enquanto tal e que o emprestaria
a condição de efetivo e durável.
Essa explanação sintética — capaz de esboçar características
de uma postura metafísica — acena a um começo com
desdobramentos na história moderna culminando em uma filosofia
do sujeito que, mesmo num quadro geral, poderíamos identificar
características determinantes da metafísica. Seriam elas: a vontade
de asseguramento, vontade de correção e o que Nietzsche chamou de
valoração por parte de um espírito de vingança.
A Vontade de asseguramento é “vontade de conhecer a verdade,”
28
de se apoderar dessa por meio da busca por sua determinação,
perscrutando-a da maneira inquisitiva inaugurada pelos gregos e
repetida por Pimentel:
O cego pergunta:
como é o luar? E a jovem
beija-o na fronte.
Também na cena singela, a pergunta pelo que é um haicai ou
pelo luar, indica o desiderato metafísico por uma definição
conceitual. O cego é quem quer compreender por meio de
conceitos aquilo que não é a ele possível; quem quer tomar
teoricamente o que a intuição não permite, tornando pensável
por meio de conceitos o luar e tudo o mais capaz de ser
submetido a esse anseio. O conceito seria o que, resguardando
as muitas possibilidades de manifestação desse ente, denotaria
uma significação unitária ao descartar suas circunstâncias e
acidentes para tomar tal ente desde uma idéia absoluta. A mesma
vontade de asseguramento é aquela que olhando para a poesia,
busca nela um
Cânon do haicai.
Numa flor de cerejeira,
a alma do Nipon.
Atentemos: cânon é regra. Nesse caso, padronização da
própria experiência poética encarregada de criar nessa,
regularidades capazes de fazê-la assegurável, extirpando dela
toda a espontaneidade, fugacidade, surpresa e o que nela há
de extraordinário. Para a metafísica, a poesia deveria
submeter-se a um cânon, tal preocupação é a requisição por
padrões metodicamente identificáveis, como referências que
29
permitam ser pensada como tal, fazendo da poesia coisa
previsível.
A determinação da vontade de asseguramento parece consistir,
mesmo, naquele princípio que perpassa o projeto metafísico
moderno. Etapa que ao tomar para si a tarefa de tornar pensáveis
os entes, já se faz desde o intento de assegurá-los como coisa
certa, no sentido de ens certum; entendendo a essência de sua
verdade como certitudo. O asseguramento do ente como coisa certa,
por meio de um método, como o desenvolvido por Descartes,
busca fixar idéias válidas, certas, por meio dos critérios de clareza
e distinção.
A vontade de correção é a segunda característica metafísica
encontrada num outro haicai:
Completa a ternura:
tira os espinhos da rosa,
antes de ofertá-la.
Aqui, o poeta quer tirar os espinhos da rosa, retificá-la, pois,
não deveria ter espinhos. Assim, diante da inaceitação do modo
de ser da realidade-verdade, sugere-se a subtração daqueles que,
embora ofensivos, a integram. O inconformismo quanto à maneira
da flor irrevogavelmente dar-se em seu fenômeno gera o anseio
por corrigi-la, o que já seria intervir no modo da própria realidadeverdade. Reforma indicativa de postura bastante diversa daquela
típica do haicai, comentada em nosso tópico anterior.
A vontade de correção se repete —
A jovem romântica
tirou todos os espinhos
do balcão florido.
30
— dessa vez, ela é nomeada por algo que, muito mais que um
sentimento afetuoso, desconsolado ou sonhador, indica um
comportamento associado a uma escola filosófica e a seus ideais
estéticos. O Romantismo aludido é tratado por Silvio Romero
como o ceticismo filosófico elevado à literatura; subministra
premissas bastante distintas do comportamento que aquiesce o
modo de ser da realidade-verdade, distanciando-se da experiência
supra-referida associada aos gregos, a qual Nietzsche chamou
de trágica.
A tragédia, tal como compreendida pelos gregos, não deve ser
entendida no sentido cristão de desgraça, ela não é apenas uma
privação da graça. O significado de tragédia é mais amplo que
esse. Não se trata de uma fatalidade lastimável, mas é um
comportamento diante de uma situação inalterável em toda sua
gravidade. Em Édipo Rei, a tragédia não está em ele ter matado
seu pai sem saber, ter desposado sua mãe por engano e depois ter
se cegado. Essa sucessão de ocorrências seria só desgraça se Édipo
não entendesse que a realidade-verdade, em seu modo de ser, pode
dar-se desse modo submetendo àquele que inocentemente está
inserido nela (sem que ele tivesse feito nada por merecer) e, no
entanto, este acata tais ocorrências por saber que a realidadeverdade se dá assim, não havendo volta.
A vontade metafísica como explicada por Nietzsche não seria
nada trágica. Ao contrário, ela se aflige com o fenômeno ter se
dado num instante como coisa irrevogável, com a impotência
diante daquilo que está feito e é sem volta. De acordo com essas
idéias, não seria o gesto de eliminar os traços de uma suposta
imperfeição da realidade-verdade que redimiria a rosa ou o balcão
florido, mas o de acatar as flores com espinhos e pôr-se
tragicamente diante dessa ocorrência. Nesse ponto, podemos
afirmar que a experiência contemplativa do haicai, como vemos
no japonês, mais se aproxima ao trágico do que da postura
31
romântica, que se vinga do modo de ser da flor retificando-a. De
maneira que a atitude mais sintônica (à realidade-verdade) de
completar a ternura seria não tirar os espinhos da rosa, mas aceitála tal como é e, assim, tragicamente, ofertá-la.
Pimentel assegura que o identificado como vontade de correção
no poema da rosa não é traço de uma influência metafísica oriunda
da perspectiva de religiões como o judaísmo ou do cristianismo. O
gesto descrito no haicai se justificaria, pois, para os japoneses essa
flor é tida apenas como símbolo de falsidade, vez que sua bela
aparência induz à dor aguda de seus acúleos. O autor especifica
essa intervenção corretiva como proveniente da doutrina budista
(da qual o próprio Bashô era partidário) e sugere, à guisa de ilustração,
que recorramos ao célebre episódio da biografia daquele poeta e
bonzo, em que Kikaku, um de seus discípulos, teria
provocativamente proposto a seguinte composição ao mestre:
Privada de asas
a libélula vermelha
vira uma pimenta17
Bashô teria repreendido o aluno advertindo-o que um haicai
não faria um ato bárbaro, propondo em réplica essa outra
formulação:
Agregando asas
a uma pimenta vermelha
temos uma libélula.18
Entretanto, também na forma do ensinamento budista a vontade
de asseguramento enquanto um princípio metafísico, mostra-se
presente. Associada ao zen-budismo vem como a tentativa de um
asseguramento desta vez do agir que, por meio de uma doutrina
32
reguladora do comportamento, cria valores e faz uso deles como
parâmetros desta prática.
Na valoração são estabelecidos princípios morais chamados
valores como próteses ao acontecimento da realidade-verdade.
Princípios que nos permitem agir, pensar e decidir dando
regularidade e previsibilidade ao que é irregular e inesperado por
natureza. Essa intervenção, Nietzsche vai atribuir a um espírito de
vingança, vontade que não se conformando ao modo de ser da
realidade-verdade pretende colocar-se sobre ele, vingando-se de
seu modo de ser. Os valores criados por essa postura são
cambiáveis e estabelecem regularidade, identidade, comunidade e
permeiam grupos que passam a viver em torno dessa que se fixa
como doutrina. Doutrina a qual Nietzsche chamou de moral de
horda, identificando-a como aquela que nasce e se dissemina
historicamente em povos escravizados como, por exemplo, os
hebreus e perdurando em povos de cultura adepta ao cristianismo
e que cultuam fervorosa obediência a princípios valorativos, sejam
eles estabelecidos por sacerdotes, legisladores ou pensadores. Nos
dois casos anteriormente mencionados, a recriação da libélula
proposta no poema teria um forte apelo moral. Assim, preservouse a libélula não por seu modo de ser, mas por obediência a um
valor, a uma moral: aos princípios doutrinários do zen-budismo.
Elementos de uma moral ainda se mostram presentes em outros
poemas:
Despido de mágoa,
o jasmim que ela esmagou
perfumou-lhe as mãos.
É inevitável aqui a associação da mensagem do haicai ao
ensinamento do Evangelho de Lucas (6:29), que aconselha oferecer
a outra face em atitude abnegada. Esse, entre outros valores e
33
símbolos, aparece nos haicais ocidentais como marcas daquele
projeto que buscava submeter à realidade-verdade ao homem,
fazendo que essa não se mostrasse mais abismal, mas antes, como
coisa segura, dócil e estável, da qual o homem tem garantias, por
ter-lhe emprestado outro modo de ser que não o da origem. Assim,
o homem põe-se no centro da natureza, ansiando que
O mar, reverente,
se curve e se estire, manso,
e lamba-lhe os pés.
Repare, o mar, em atitude humana, se submete ao homem, num
animismo indicativo de quem agora se assenhorea da realidadeverdade. Esse argumento, bem como os anteriores parecem encontrar
síntese nas palavras de Nietzsche quando o filósofo diagnostica: 19
Vontade de conhecer a verdade chamais vós, os mais sábios
entre os sábios, àquilo que vos impele e inflama?
Vontade de que todo existente possa ser pensado:
assim chamo eu à vossa vontade! Quereis, primeiro,
tornar todo o existente possível de ser pensado; pois,
com justa desconfiança, duvidais que já o seja. Mas
ele deve submeter-se e dobrar-se a vós! Assim, quer a
vossa vontade. Liso, deve tornar-se, e súdito do
espírito, como seu espelho e reflexo. É essa a vossa
vontade, ó os mais sábios entre os sábios, como
vontade de poder, e também quando falai do bem e
do mal e das apreciações de valor. Quereis ainda criar
o mundo diante do qual possais ajoelhar-vos: tal é
vossa derradeira esperança e embriaguez. 20
Na avaliação de Nietzsche, a metafísica, enquanto perspectiva,
34
significa o risco da proliferação de uma grande doença. Para este,
a metafísica é comparável a um deserto em expansão sobre o
restante das perspectivas humanas. Interpretação compartilhada
por Heidegger quando, ao tratar especificamente da essência da
arte japonesa, avalia que também essa teria passado pela
planificação da terra por uma perspectiva europeizante cuja
conseqüência seria o obscurecimento de sua fonte mais essencial.
Ora, mas realmente seria isso que os haicais de Pimentel
propõem? Seriam esses, escritos de metafísica? Teriam eles o
propósito enfático de investigar incondicionalmente a essência
dos entes abordados poeticamente? São eles proposições de uma
doutrina especulativa seja ela ontológica ou moral, ou quem sabe
diretrizes de um projeto de intervenção e reforma? Como poeta,
Pimentel responde aos questionamentos dos poemas do único
modo coerente nesse caso: poeticamente. Assim, é preciso desagravar
aqui, dizendo que embora essas características se encontrem nos
haicais pimentelianos, elas são características da metafísica; da qual
as poesias são apenas retrato. Pois nenhum haicai se pretende
metafísica ou se propõe respostas, a poesia enquanto tal não quer
defender teses, construir teorias ou validar hipóteses. Daí, se todo
o dito soa como constatação e crítica, é preciso que fique claro
que essas recairem sobre a metafísica e não sobre a poesia de
Pimentel. O próximo passo busca pensar se a influência do
Ocidente, na poesia haicai, seria verdadeiramente devastadora ou
se haveria algo de seminal nesse encontro.
III
Em seu itinerário, também a metafísica, enquanto tentativa de
tornar a realidade-verdade pensável por meio de conceitos,
experimenta sua consumação. No transcurso de Platão a Hegel
35
presenciamos, com muitas interfaces, um processo vertical em
que se tem o ganho de determinações que aprofundam os
conhecimentos acerca daquela que seria a verdade objetivada durante esse processo; outro horizontal de expansão e sobreposição
dessa perspectiva objetivante para outros terrenos em que ainda
não grassava. Curioso é que na crítica sustentada por alguns póshegelianos, a metafísica é processo findo, tendo atingido suas
máximas possibilidades com aquele idealismo absoluto, restando
ao pensamento, agora, algo a mais que uma mera restauração de
seu sentido ou ainda uma inversão metafísica. Seria hora de uma
releitura capaz de permitir a análise de cada uma daquelas estações
do pensamento, desmontando seus esquemas, identificando e
explicando cada parte para recriar todo o pensamento a partir de
uma compreensão capaz de restituir o sentido esquecido durante
aqueles dois mil e quinhentos anos de filosofia.
Teríamos assim um novo começo do pensamento ocidental
— capaz de ser ilustrado como florescimento — a partir de suas
ruínas, como vemos aqui:
Tímida e flagrante,
debruçada na ruína,
desabrocha a flor.
Ou aqui,
Linda, perfumada,
a orquídea branca floresce
sobre um velho tronco.
A renovação na metáfora da flor que brota, desabrocha e
floresce por ter se nutrido dos lenhos, troncos e raízes metafísicas
da árvore do conhecimento, agora morta e em decomposição (ou
36
desconstrução, se quisermos), é o indicativo de que esse novo
momento é síntese dos outros dois.
Vejamos que a poesia não traz mais o sentido da realidadeverdade como na origem, tampouco marcas da empreitada humana
cujo arroubo orgulhoso de se colocar sobre a mesma se nomeou
metafísica, mas uma nova premissa, produto das anteriores. Uma
conciliação com a realidade-verdade, na medida em que se atenta
para essa por uma via que nos permitiria acesso renovado, mas
tendo agora a experiência do percurso. De fazer o caminho à
essência da realidade-verdade ciente dos riscos de seu trajeto.
E o que teria o haicai e mesmo a poesia em geral a ver com
isso? Quando essas divagações tangem o haicai? Haveria espaço
para a poesia, sobretudo ao haicai, no pós-metafísico? Parece que
a poesia (e sua linguagem) pensada como tema passa a ser ponto
privilegiado e de importância na tarefa de pensar após a metafísica,
pois é por meio dessas que se pode pensar a realidade-verdade
não mais como um objeto, não mais como coisa sujeita àquele
tipo de inquirição. A realidade-verdade fala agora como poesia,
i.e. poesia é verdade.21
É possível assim, que uma resposta à pergunta pela verdade
seja dada de maneira poética, por meio de uma indicação não
mais promovida pela sanha metafísica de determinar a realidadeverdade como sub specie aeternitatis, mas na consideração
interessada no acontecimento singular dessa em cada um de seus
instantes, ou seja, como sub specie instantis. Isso nos recorda àquela
parábola narrada nos manuscritos do monge Yuan wu (10631135), segundo a qual membros de uma escola budista
perguntaram-lhe qual o sentido da verdade. O mestre teria
respondido que sobre uma tigela prateada que ali estava se acumulava
neve (sic). A fala, aparentemente evasiva, subministrava o sentido
da verdade em seu acontecimento, sem que a linguagem se
construísse por meio de proposições objetivas. A resposta seria
37
produto de um pensamento que resguarda o modo de ser da
realidade-verdade, celebrando-o. Como plasmado também aqui:
Orvalho de luz
da montanha perfumada
– jóia da alvorada.
A essa altura, achamos poder afirmar que no encontro do
Oriente com o Ocidente ao invés dos prognósticos de devastação
do sentido do primeiro, teríamos não a desertificação de uma fonte,
mas, a fertilização de um deserto. Quem sabe a poesia da terra do
sol nascente seja capaz de devolver aurora ao Ocidente. Se não a
mediterrânea, a nipônica. Queremos dizer que, se por um lado,
nos haicais de Pimentel a experiência poética nela em jogo sofre
influência do Ocidente tornando-se outra coisa que poesia oriental, é preciso que se diga que essa síntese — se entendida como
tal — nos permite a retomada do pensamento ocidental e um
olhar renovado.22 De modo que a experiência de verdade aberta
pela poesia haicai, na síntese com a verdade originária e com a
metafísica poderia ser identificada na poesia, (quem sabe na
comunhão permitida pelo haicai) e na verdade pensada pela filosofia
ou a partir de Luís Antônio Pimentel como um novo começo do
pensamento que, como a
Lagarta, hoje verme,
amanhã, em altos vôos,
vai sugar as flores.
38
Notas:
HEIDEGGER, 2005, p.29.
Id., 2001.
3
A viabilidade da utilização dos haicais como ponto de partida se endossa no
seguinte parecer de Ute Guzzoni: “Sem dúvida, a antiga sabedoria Zen e a
poesia dos haicais (...) não são filosofia no sentido usual da palavra. Contudo,
podemos começar algo com elas. (...) Em nenhum outro lugar como no
haicai japonês a admiração do que a cada vez é e não é encontrou lugar tão
digno, seguro, e ao mesmo tempo tão singelo”. (GUZZONI, 2002, p. 76).
4
(PIMENTEL, 2004). Optou-se pela utilização do segundo volume da edição
das obras reunidas de Pimentel pela editora Niterói Livros, que contém o
texto integral de Tankas e haicais, tal como coordenada pelo professor Nelson
Eckhardt em 1953. A obra reunida, em acurada edição crítica de três
volumes, organizada por Aníbal Bragança, conta também com poesias
compiladas inéditas até 2004.
5
Cabe aqui o esclarecimento de que conhecemos os textos em que Heidegger
aborda a poesia, e também a bibliografia que o cerca de comentários.
Contudo, escolhemos deliberadamente o texto O que é isto, a filosofia? como
base de nosso ensaio.
6
Heidegger diz que a língua grega é lógos e isto significaria que ela não expressa
a através de signos, mas é sentido como o próprio ser. Essa premissa depois
aparece estendida ao dizer poético pelo próprio autor, sendo interpretada
por Lucchesi quando este, ao comentar um poema de Hölderlin diz: “O
poeta da poesia aparece inteiro, como asseverou Heidegger, porque, ao
meditar na essência do verso, descobre sua mais alta missão: a de nomear
o quanto fosse sagrado”. (LUCCHESI, 1987, p. 67).
7
Cf. SAUERBRONN, 1998.
8
Heidegger em um ensaio sobre a elegia Pão e vinho, do poeta Friedrich
Hölderlin, pergunta: E para que poetas em tempo de penúria? A resposta é dada
pelo próprio Heidegger quando afirma que poetas seguem um sentido
perdido, buscando nas palavras um vigor esquecido; farejando o sentido
esquecido. Os poetas provocam os demais homens a recordem que um dia
houve sentido e que este pode ser retomado. (HEIDEGGER, op. cit.,
1958) Daí o dizer poético e o filosófico seriam dois modos de recordar, a
partir da imediatez da palavra, de mundos cujo sentido bateu em retirada.
Também Blanchot, em sentido aproximado, indica o poeta como quem
ouviu a fala das origens, se fazendo intérprete e mediador dela. O poeta
não seria um escrevinhador, um “criador”, tal como entendido de maneira
1
2
39
banal. Apenas atento ao sentido “ele pode fazer brotar a pura palavra do
começo” (BLANCHOT, 1987, p. 29).
9
ARISTÓTELES, 1993.
10
O que não constitui demérito ao Oriente, cuja importância parece ser
reconhecida por autoridades como E. Pound, ao tratar em seu ABC da
literatura a poesia de Homero e as compiladas por Confúcio com igual
valor (Cf. POUND, 1953).
11
(GUZZONI, 2006, p. 9). Concordando com a autora também quando
assevera que nos estudos sobre haicai ainda não há uma compreensão
sistemática do que possa ser filosoficamente relevante em relação à água,
pensamos poder associar este elemento à poesia.
12
HEIDEGGER, op. cit, p. 59.
13
GUNDERT apud GUZZONI, op. cit, p.77.
14
Furu ike wa/kawazu tobikomu/ mizu no oto
15
Em contrapartida, também o Oriente na mesma época foi responsável por
uma influência fascinante em toda a Europa. Na Alemanha, o budismo se
tornava tema de interesse de filósofos como Schopenhauer (1788-1860).
Na França (país que ao retomou relações culturais e de mercado com o
Japão), introduziu-se a arte japonesa e sua poesia. Relata-se que gravuras e
tecidos japoneses eram possíveis de se adquirir por preços módicos nas
ruas de Paris, as damas da sociedade trocavam seus veludos e brocados
por quimonos de seda. Além dos poetas e literatos, pintores como Gauguin
(1848-1903) e Van Gogh (1853-1890) reproduziam gravuras orientais,
encantados pela lucidez concentrada que os japoneses tinham do mundo
e de seus fenômenos mais imediatos. Van Gogh, de seu gênio, teria
identificado isso, como se constata em seu depoimento: “Invejo os
japoneses pela extraordinária, límpida claridade que têm todos os seus
trabalhos. Nunca é aborrecido e nunca parece ser feito muito à pressa. É
tão simples como respirar, e desenhar uma figura com um par de traços
seguros, com uma leveza, como se fora assim tão simples...”. (VAN GOGH
apud WALTER, 1990, p.25)
16
HERCULANO, 1908. p. 26.
17
Akatombo/hane wo tottara/tôgarashi.
18
Tôgarashi/hane wo tsuketara/akatombo.
19
As mesmas características metafísicas retratadas por Nietzsche aqui ganham
formulação na poesia de Lyad de Almeida (um haicaísta da escola de
Pimentel) quando propõe: “Criei o meu mundo/e fui magnânimo: / —
fiz Deus perfeito”. (ALMEIDA, 1992. p. 28).
20
NIETZSCHE, 1994. p. 26.
21
Com o haicai não seria diferente. Embora os estudos a seu respeito, de
40
22
modo geral, apontem para seus aspectos estilísticos, mesmo dos
comentários da crítica, podemos nos servir para nossas próximas
inferências. Os estudos nos permitem indicar algumas contribuições que
o gênero haicai traz à poesia ocidental. Seriam elas: revitalizar a forma
greco-latina da poesia clássica, exaurida por escolas literário-filosóficas
como o Romantismo; valorizar o símbolo como elemento necessário à
superação da perspectiva sedimentada da cultura ocidental, de
conhecimento objetivo, analítico e segmentado (como prática poética
associada ao zen-budismo e o confucionismo); reabilitar o uso da metáfora,
saturada pela escola literária supra-referida; constituir um reposicionamento
frente à figura do poeta romântico retificando excessos desta perspectiva.
Mais que indicações de sintaxe essas fazem com que afirmemos que o
haicai é aquele que permite que a linguagem venha à tona por suas frases
indicando uma perspectiva na qual o poeta pode colocar-se
predicativamente sem sobrepujar; que o símbolo pode ser posto, entendido
como coisa além que estrutura lingüística e referenciando um mundo que
é significante e conforme as compreensões do homem (ainda que isso se
exprima discreta ou mesmo timidamente); que a palavra poética é sentido,
muito mais que apenas suporte no qual se adere algum sentido a posteriori.
(LOBO, 1993).
Isso é o que se pode presenciar na linguagem poética da literatura em
geral, quando literatos como “Guimarães Rosa e Clarice Lispector que
apresentam uma abordagem ligada a um sentido místico oculto em seus
romances e contos. Rosa realizou muitos estudos de taoísmo, e Lispector
estudou Heidegger e filosofia em geral, de onde tirou a idéia de
iluminação, como uma realidade do eu. Em Rosa as estórias são como
koans, ou mini-ensinamentos zen-budistas — pequenas lições, sucintas
como haicais, para ensinar aos alunos a arte da meditação” (Id. 1993. p.
52). Em se tratando do exemplo dos autores brasileiros, é animador pensar
que em todos os lugares em que a filosofia floresceu foi precedida por
forte tradição literária. Afinal, foi assim na Grécia de Homero e Hesíodo;
na França de Villon e de contemporâneos de Descartes como Molière e
Racine (sem falar de um Voltaire e de todos aqueles posteriormente
estiveram ligados ao século da luzes); na Alemanha das epopéias como
a Canção dos Nibelungos na mística medieval de Mestre Eckhardt; em HansSachs, bem como, posteriormente, Klopstock e Lessing (primeiros nomes
da invejável safra dos séculos XVIII e XIX). Influências literárias
aparecem na obra dos autores filósofos (nem que seja indiretamente
contribuindo com refinamento lingüístico) e retro-alimentam a literatura
que lhe deu berço.
41
APÊNDICE
DIÁLOGO COM LUÍS ANTÔNIO PIMENTEL
ROBERTO KAHLMEYER-MERTENS: No intuito de ambientar
nossa conversa sobre o haicai, sugeriria que o senhor falasse
um pouco do período em que morou no Japão.
LUÍS ANTÔNIO PIMENTEL:1 É com prazer que falarei sobre
este período. Eu iria para lá e não voltaria mais para o
Brasil, pois estávamos numa época turbulenta, era o
Estado novo. Getúlio Vargas amansava o terreno para
a ditadura; nessa marcha, os integralistas ameaçavam
tomar o poder com um golpe que estava sendo
preparado e se dizia que: “ — Cabeças voariam sobre
cabeças”. Uma das cabeças que estava para voar era a
minha, que combatia o integralismo.2 Eu tinha amigos
dentro do integralismo que me informavam: “— Você é
já marcado. Gosto de você, você é amigo e é dos meus, mas não
posso lhe defender se a coisa estourar, pois sabem que você é do
PC e ataca de frente o integralismo”. Foi quando tive a chance
de uma bolsa de estudos de dois anos no Japão. Assim,
saí daqui em 1937, quando os integralistas ameaçavam
45
a famosa passeata dos cem mil; na época se passava nas
praças e se ouvia em todo lado: “— Anauê!, anauê!”.3
Pois bem... cheguei ao porto de Yokohama no dia 02
de maio e no Japão fui locutor da rádio de Tokyo em
língua portuguesa em ondas curtas que transmitia para
o mundo inteiro.
K-M: Sei.
LAP: Em 27 de novembro daquele ano, Getúlio dava um golpe
inibindo as pretensões dos integralistas. Daí eu pensei
comigo: “— Saí de uma ditadura para cair em outra”. Assim
fui ficando pelo Japão. Pois mesmo que esse não fosse
uma república federativa, não fosse um país socialista, era
um país civilizado e eu era persona gratissima lá. (Posso dizer
que tinha mais popularidade em Tokyo do que tenho em
Niterói). Eu brincava com os japoneses dizendo assim:
“— Eu sou a numerosa colônia do Brasil!”, porque era um
brasileiro no Japão, contra um milhão de japoneses no
Brasil. Eu era um para um milhão... (risos).
K-M: Poderíamos dizer que esse período de afastamento do Brasil
foi um auto-exílio?
LAP: Foi um exílio voluntário, motivado por um espírito de defesa.
Os integralistas cresciam dia a dia, fardados pela rua em
camisas verdes falavam em outra noite de São Bartolomeu.
Tendo a chance, parti para o Japão.
K-M: O senhor é apontado como um dos responsáveis pela recepção
do gênero haicai no Brasil, ao lado de Olga Savary, Helena
Kolody e, mesmo, o Guilherme de Almeida, um pouco antes. Como foi seu primeiro contato com a poesia haicai?
LAP: Eu gostaria de registrar isso, pois há uma imprecisão aí.
Alguns dizem que a primeira notícia que se tem do haicai
no Brasil é dada no livro Miçangas de Afrânio Peixoto.4
Bom, tenho o livro e vou trazer para você ver... nem de
46
longe se fala de haicai, tampouco de poesia japonesa. A
primeira vez que tive contato com haicai eu tinha 14 ou 15
anos, foi na primeira edição em língua portuguesa de O
tesouro da juventude. Se você tiver chance de consultar esta
edição verá haicais traduzidos por Manuel Bandeira, mas
todos com “pé quebrado”5... Lá, Bandeira mostrava o haicai
mas não explicava o que era, apenas apresentava e não
havia um estudo sobre ele. Daí, quando fui para o Japão,
com meus vinte e cinco anos (dez anos depois daquele
primeiro contato) tive a sorte de conhecer um grande poeta
japonês que tinha estado no Brasil com o pai, que era Chargé
d’affaires.6 (Na época em que nosso país ainda não tinha
representante diplomático, esse cargo seria o de um
“encarregado de negócios”, como se fosse um Cônsul).
Seu nome era Horiguchi Daigako (que significa “Grande
escola”, “Universidade” em japonês) e, conversando, ele
me mostrou e explicou o que era o haicai. Eu disse que
não saberia fazer haicais, pois as palavras japonesas eram
pequenas, quase monossilábicas como as do chinês. Daí,
ele interessado em me ensinar, disse: “ —Pimentel, como você
tem coragem de me dizer isso?! Veja só: na minha língua a palavra
‘eu’: watakushi (4 sílabas); a palavra ‘você’: wanatá (3 sílabas).
É uma língua em que existe sinônimo para pronomes, e pronomes
de tratamento cada um para um caso específico. Então, não me venha
falar em dificuldade”. Foi com ele que eu aprendi um pouco
sobre a história do haicai, suas normas... foi com ele que
eu soube que havia os mestres do haicai e com ele conheci
a obra de Bashô. (Eu algum dia ainda vou escrever a
biografia do Bashô, com os detalhes da vida dele que foi
um sujeito extraordinário).7
K-M: Havia muitos intelectuais japoneses conhecedores da cultura
brasileira?
47
LAP: Sim, veja só. Certa vez um deles me perguntou: “ — Pimentel,
você se lembra lá no Brasil de um poeta chamado Fonté? Que faz belas
poesias...” Fiquei pensando... Fonté?... disse-lhe: “ —Não seria
francês?” e ele, “— Não, não, brasileiro. Foi ele que escreveu a letra
daquela canção que fala de uma ilha que fica na Baia de Guanabara.”
Foi aí que eu atinei, que era Hermes Fontes,8 que escreveu a
letra da música Luar de Paquetá. Uma coisa linda!... Isso é
para mostrar o conhecimento que eles tinham. Muitos
gostavam de poesia brasileira, alguns chegavam a traduzilas para o japonês e para o francês.
K-M: Após isto tudo, podemos dizer que foi preciso o senhor ir
ao Japão ter essas vivências para passar a fazer haicai não
só lá, mas também aqui no Brasil. O que nos permite
afirmar que mais que recepção, seu trabalho se serve da
fonte japonesa do haicai.
LAP: Da fonte, sim.
K-M Existe uma divergência quanto ao próprio termo haicai.
Lembro ter já o ter visto grafado como hokku, haiku, haikai,
hai-kai e haicai, como o senhor grafa e justifica...
LAP: A grafia do termo japonês vernaculizando para as línguas
européias com caracteres romanos era com “K”. Em alguns
lugares se escrevia hokku; em outros, haikai. Então, diante
desta diversidade, o que eu fiz? Estava fazendo um curso
de Jornalismo na Universidade do Brasil; era aluno de Celso
Cunha, que já era o Papa da gramática da língua portuguesa.
Daí eu falei com ele: “ — Celso, você que se dá muito com o
Aurélio (Aurélio Buarque de Holanda, autor do dicionário
mais bem feito que temos no Brasil), peça a ele para vernaculizar
esta palavra para ela não se estropiar ainda mais.” Então mostrei
para ele: “ku” é cacofônico; se dissermos, “haiku”, também.9
Então, como hokku, haiku e haicai possuem o mesmíssimo
significado, por uma questão de eufonia, vamos abandonar
48
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
as duas formas cacofônicas e adotar a boa. Pois, tanto faz
dizer haicai com ou sem “H” aspirado, (como o povo diz,
indiferentemente, a palavra inglesa “hi-fi”), que não altera nada
e nem depõe contra a poesia.
Quer dizer que a escolha do termo haicai justifica-se por
uma opção eufônica.
Exato, exato. Aí, ele falou e ainda levou um exemplar de
um livro meu para o Aurélio que vernaculizou a palavra
(isso foi em 1952...). O primeiro dicionarista a vernaculizar
a palavra haicai no Brasil foi Aurélio Buarque de Holanda.
Agora, espia porque é acertada esta escolha: quando o
japonês aprendeu que se escreviam palavras foi
aproximadamente no século VIII.d.C. e eles aprenderam
a escrever a partir de ideogramas chineses chamados “Kanji”. Kã é China e ji é letra, logo: letra da China. De certo
modo, dizem eles, os ideogramas são uma grafia da idéia,
por meio de um registro visual.
É curioso observar que, mesmo em momentos históricos
e em ramos diferentes, a escrita dos orientais, neste
momento, parece guardar alguma semelhança com a
intuição da escrita cuneiforme, que daria origem às línguas
indo-européias, no Ocidente.
Não. As línguas indo-européias são de uma raiz diferente
e se há alguma semelhança com a escrita cuneiforme é no
chinês, posto que essa é monossilábica e a japonesa é
aglutinante. E o japonês na época do desenvolvimento da
língua escrita, recorreu a um sacerdote budista chamado
Kobodaishi10 que, naturalmente inspirado nas antigas
escrituras, nas quais se identificavam traços do sânscrito,
do malaio, do indu e do bengali, simplificou as letras
chinesas e criou, vamos dizer, um “abecedário”, um
alfabeto chamado I-ro-ha. O I-ro-ha são as três primeiras
49
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
sílabas de um total de quarenta e nove que chamei de
fonogramas (não mais ideogramas) capazes de escrever
toda e qualquer expressão japonesa. No Japão, até hoje,
um vocabulário básico para ler jornal exige no mínimo
três mil ideogramas, o japonês só precisa de quarenta e
nove fonogramas. Então, este I-ro-ha japonês, com
fonogramas capazes de escrever qualquer palavra, permite
dar a flexão à palavra japonesa (já que no chinês não há);
servindo para grafar também todo nome estrangeiro.
Porque nomes estrangeiros, qualquer palavra em língua
estrangeira, ao invés de colocar em destaque com negrito,
é posto com este alfabeto.
Presumo que o senhor esteja se referindo ao Katakana.
E ao Hiragana, que são irmãos. O Hiragana é parecido
com o Katakana, tendo o mesmo número de fonogramas,
mas é mais decorativo, é mais estético.
Seria uma escrita mais adequada para a literatura?
Não se trata disso, ela permite melhor flexão das estruturas
lingüísticas. Por exemplo, na língua chinesa, com estrutura
monosilábica. Nela, nós temos: “eu quer”, “tu quer”, “ele
quer” no presente, passado e no futuro...
Entendo. Uma língua rígida, na qual não existiria conjugação
dos verbos nem tempos verbais. Seria correto afirmar que
a língua japonesa nesse aspecto lingüístico é, então, mais
versátil ou refinada que o chinês? Com maiores recursos...?
Não posso dizer com propriedade, pois o que conheço do
chinês vem indiretamente dos contatos que tenho com
japoneses. Sei que a língua japonesa tem tronco lingüístico
uralo-altaico (oriunda dos montes Urais e adjacências)
diferente da chinesa; sei que não são do mesmo tronco.
Mas não saberia fazer a avaliação que você me pede...
Então voltemos a falar do I-ro-ha..
50
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
Sim, aquele sacerdote Kobodaishi, fez algo requintado.
Apresentando os sinais, que chamei de fonogramas (e que
são fonogramas, pois privilegiam o som, não mais a imagem
como os ideogramas) a partir de um poema, um poema
“filosófico” que ele compôs.11 De tal sorte que, fazendo um
paralelo com o nosso português, seria como se as letras de
nosso alfabeto fizessem sentido se recitadas do A ao Z.
Assim é o I-ro-ha japonês. Existem aspectos curiosos, a língua
japonesa a rigor não tem artigos, distinção de gênero e sexo
e nem plural, não tem plural realmente. Mas faz o plural
enfático, uma maneira de fazer o plural utilizando os recursos
da própria língua. No caso do gênero e do sexo, basta
acrescentar macho ou fêmea diante do que se quer designar.
Assim, uma palavra como haicai não seria masculina nem
feminina?
Não, nós ocidentais é quem designaríamos isso. Como
disse, eles não têm palavras masculinas e femininas. No
caso de uma tradução optaríamos por masculina por
analogia a “poema”.
Tenho observado, Pimentel, nas leituras que venho fazendo
de suas poesias e também nos poemas de Bashô e de Issa...12
Issa vem um século depois.
Correto, mas podemos entender uma filiação entre ambos.
Sim. Podemos, podemos...
Observo principalmente em Bashô elementos diferentes
de sua poesia haicai. Vejo uma poesia sem qualquer tipo
de afecção subjetiva, ao contrário do que se vê em alguns
de seus haicais, nos quais se presencia a figura do poeta na
condição de um eu lírico. É o poeta que canta a beleza
da boca da mulher; do corpo da musa; da emoção da
lágrima, na metáfora do pingo de orvalho. E outro
elemento que identifico freqüentemente: características
51
e figuras de linguagem que em muito lembram a
estética romântica e a simbolista. Por exemplo, no
segundo caso, o místico, ícones do cristianismo e a
presença do branco como cor mencionada
predominantemente nas poesias. Isso seria o caso de
sua poesia ou traço do haicai em geral?
LAP: Alguns destes símbolos estão muito ligados ao sentimento
búdico, outros são transgressões mesmo. De certo modo,
essas já se vêem na poesia do Issa. Ele se distancia da poesia
de Bashô como também venho me rebelando. Veja só,
introduzi o haicai onomástico, que Bashô não faria; o haicai
erótico, que está fora do cânon de Bashô; o haicai engajado,
panfletário, que Bashô não faria, pois para ele o haicai tem
que se referir aos fenômenos da natureza e das suas coisas
belas e suaves, nunca às coisas penosas e tristes.
K-M: Sei. Mantendo a forma, o conteúdo é que se altera.
LAP: Sim. Para algumas dessas inovações falta aos japoneses a
ousadia de fazer. Nesta época, quando morei no Japão,
nós nos reuníamos em um Café brasileiro, cuja clientela
intelectuais, pintores, músicos, jornalistas japoneses que
andaram pelo Brasil e que sabiam alguma coisa de
português (alguns sabiam até muito de português) se
reuniam lá para trocar idéias e cada qual apresentava
desenhos, apresentava música, poesia... E eu um dia
cheguei lá e disse aos colegas que tinha feito uma poesia
sobre o Monte Fuji.13 Eles se entreolharam e disseram:
“— Mas como?” Foi quando um amigo, que morava
comigo (e que ao terminar o primário e o ginasial no
Brasil foi para o Japão com o pai, tendo as duas culturas)
traduziu a poesia lendo-a em voz alta para os japoneses,
assim:
52
Na tarde sonolenta,
o monte Fuji se erguia
impávido como um seio virgem
por entre o quimono macio das nuvens
para receber os últimos beijos ardentes
do sol que morria.14
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
Tal poema gerou o livro e, por exigência dos japoneses, o
abre. Disseram que era um poema que só um brasileiro faria
e que o japonês mesmo com mais dois mil e seiscentos anos
de história não teria o distanciamento de fazê-lo. O Fuji é um
monte sagrado, ninguém aqui pensaria em fazer uma imagem
sensual, falando de seio. Daí se comprometeram a fazer o
livro e começaram a fazê-lo: um fez a tradução, outro, as
ilustrações...
Qual é o nome do livro?
Ele se chama “Namida no Kitô” ou Prece em lágrimas.
Podemos dizer, então, que há influências da poesia ocidental
em seus haicais. O senhor não se considera um purista, não é?
Não, não, não... eu fico naquela situação de reverência, mas
faço como o Issa, que respeitava o cânon estabelecido por
Bashô, mas que discordava, por exemplo, do poeta não
poder “estar dentro” do haicai. Issa achava que o poeta
sempre deveria estar dentro do haicai; sempre conversando
com os personagens. Veja só:
Com serenidade
no monte o monge olha
através da cerca.15
K-M: Sim, mas eu vejo aqui a figura de um sujeito. Um eu subjetivo
que sustenta uma ação. Impressão que vejo mais forte em
53
sua poesia como marca de uma postura ocidentalizante, e
por mais que tenha ali a forma de haicai, que exista uma
preocupação formal de fazer haicai...
LAP: Tenho a preocupação de cumprir algumas daquelas
exigências do cânon estabelecido pelo Bashô segundo o
qual um haicai deve mostrar, direta ou indiretamente, em
que estação ele se passa. Contudo ele exagerou, fixando
tal poesia geograficamente em uma região do globo
terráquio. Um exemplo disso Bashô vai exigir que o haicai
aponte a época do ano (kigo). Apenas no Oriente, no Japão
e mesmo na China, as estações do ano são temas
obrigatórios da poesia. As estações lá são tão bem
marcadas que no tempo que eu estive lá, faz cinqüenta
anos passados (não sei hoje) a previsão do tempo vinha
no calendário.
K-M: O senhor tem um haicai sobre isso em seus Novos haicais e
poesias inéditas que diz:
Dez de abril. Saudade.
as cerejeiras de Tóquio
estão florescendo.
LAP: Sim, tenho, é que as cerejeiras florescem em Tóquio no dia
dez de abril. Nunca no dia 9 ou no dia 11. É marcado com
um rigor formidável. Então, eu para brincar com isso, fiz
mais ainda. Tem uma poesia em que marco o inverno, mas
o inverno em São Paulo. Lá é assim —
Manhã: Primavera.
Ao sol: verão. Tarde: outono.
Noite: inverno em Sampa.
54
— ou seja, as quatro estações em 24 horas em São Paulo.
O que seria uma aberração no Japão. Lá são quatro estações
bem definidas, bem marcadas mesmo. Quando chega o
dia dez, todos saem para ver as cerejeiras em flor.
K-M: Flores parecem ser temas caros à poesia haicai, ao lado de
tantos outros igualmente bucólicos. Gostaria de que o senhor
falasse um pouco sobre seus poemas de flores, especialmente
àquele que fala sobre tirar os espinhos da rosa.
LAP: Aquilo é uma brincadeira, chamo de brincadeira. No Japão
eles proscreveram a rosa. Concordam que a rosa é elegante,
que é perfumosa; que é bonita, linda, mas lá ela é símbolo
de traição por ferir com seus espinhos. Então, o que
acontece, um povo como aquele não cultiva rosas, não as
desenha ou borda. Então eu escrevi:
Completa a ternura:
tira os espinhos da rosa,
antes de ofertá-la.
Já o chinês, que tem parte na civilização nipônica, aprecia
a rosa. Há um provérbio chinês que eu pus na forma de
haicai que diz:
Quem oferta rosas
sempre fica com algum
perfume nas mãos.
K-M
Este poema da rosa talvez pudesse ser associado a um
ensinamento zen-budista. O Senhor concorda que haja esta
intervenção do homem, por meio de uma doutrina e por
meio do haicai nitidamente influenciado pelo zenbudismo? Em sua interpretação, beneficiada pela
55
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
experiência adquirida lá no Japão, o senhor vê essa
influência do Budismo no haicai? Em que medida ele é
determinante dos conteúdos dessa poesia?
Bashô era sacerdote budista. Ele era budista, de cabeça,
tronco e membros. Então via tudo pelo prisma dessa
doutrina e isso serviu ao seu cânon receitando as coisas da
natureza, ele não queria o homem no invento do poema,
não queria o homem posicionando a poesia.
Agora, ao retirarmos os espinhos da rosa já não seria
desrespeitar o modo com que a natureza (ou que
outro nome esta realidade-verdade teria) se dá? Ou
seja, incorformadamente com o fato da rosa ser bela
e ter espinhos, tirar seus espinhos já não seria uma
maneira de adulterar a realidade? O senhor já deve
ter notado que é uma provocação que eu estou lhe
fazendo (risos).
Sabe, acho que o poeta haicaísta não está preocupado
com a natureza em si. Parece-me mais preocupado com
o que a natureza faz. Natureza é divindade suprema, é
deus. E, se repararmos bem, também a natureza dá suas
mancadas (risos).
Isso é bom! Quase digno de um pré-socrático (risos).
Eu quando disse, tire os espinhos da rosa, antes de ofertá-la já
considero este espinho um acessório. Ele não está
indissociavelmente ligado à haste, está justaposto ali. Ele
solta facilmente, por não ter estruturas que o prendam no
caule. É um apêndice! Quase um convite a ser retirado.
Pensando desse modo, o poeta e sua poesia assumem o
papel de fazer aquilo que a natureza faria se fosse
consciente. (O que me lembra algo dito em algum lugar
da Estética16 de Hegel) A poesia haicai, tal qual você
apresenta, parece vir atender um anseio da natureza em
56
LAP:
K-M:
LAP:
K-M:
fazer a rosa como flor sem espinhos. O que lembra
também o filósofo francês Henri Bergson quando alude
ao fazer do caricaturista, que é capaz de captar insinuações
de uma fisionomia às vezes imperceptíveis e torná-las
visíveis aos olhos de todos mediante sua ampliação.17 O
poeta, não é um caricaturista, mas escutando os anseios
da natureza, faz em uma poesia o que a natureza
pretendia.
A propósito da mesma atitude, tem também um poema do
Saadi, conhece o Saadi?
Naturalmente, o poeta e místico persa do século XIII d.C.
Então, ele diz algo que também lembra a experiência de
restauração e harmonia da natureza, desta vez não pela
via do budismo. Ele diz: “Sê como o sândalo, que perfuma
o machado que o corta”.
Esta poesia do Saadi lembra aquela sua poesia: “Despido
de mágoa...”
LAP:
Despido de mágoa,
o jasmim que ela esmagou
perfumou-lhe as mãos.
Lembra sim!
K-M: Na literatura que levantei sobre o haicai fala da participação
feminina nas letras nipônicas. Não no haicai, cujos
mestres eram homens, mas antes, em poesias antigas ainda
de influência chinesa. No tempo em que o senhor esteve
no Japão, era percebida a participação feminina na
literatura?
LAP: Nem tanto, mas o maior Clássico da literatura japonesa foi
escrito por uma mulher: Murasaki Shikibu.18 Ela foi o
Camões japonês, um Camões de saias. Houve no Japão
57
uma outra boa poetisa chamada Chio Kaga. Ela tem uma
linda poesia que diz assim:
Bela campainha
floriu na corda do poço
e eu fui pedir água.19
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
Para não desenlaçar a trepadeira florida da corda do poço,
ela referiu ir pedir ao vizinho.
Pimentel, existem alguns estudos sobre haicais que dão especial
atenção ao elemento água como tema dessa poesia. Observo
isso num livro que tomei recentemente no intuito de me instruir
e auxiliar em minha pesquisa. Trata-se do livro20 de uma
professora da Universidade de Freiburg/Alemanha, cujo
trabalho conheci quando ela esteve aqui no Brasil em um ciclo
de palestras que aconteceu na UERJ em 2002. O que quero
perguntar é se há algo de especial que o senhor queira falar
sobre esse elemento água, ou do aquoso nos poemas haicai?
Pois, vejo que a água aparece com certa freqüência.
Percebo apenas que há uma semelhança com relação à
forma em sua métrica, três versos com 5-7-5 sílabas
respectivamente. O que faz com que o haicai se assemelhe
a pingos, como se cada sílaba pingasse em ritmo hipnótico,
monotonia que nos induz ao sono.
Nessa sua resposta, fica evidente a rígida métrica desta poesia.
Mas o haicai canônico, fora a exigência de mostrar as estações
do ano, seria uma poesia com temática predeterminada?
Sim. O que, afinal, não é algo completamente estranho para
nós ocidentais. Tem uma coisa curiosa, uma forma antiga,
antiga mesmo... (dando uma visão panorâmica da Literatura,
ou se não quisermos ir tão longe, pelo menos na Literatura
Portuguesa) você vai ver que, aqui e ali surgem formas literárias
58
que prescrevem o tema. A nênia é uma delas, nênia é um tipo
de canto fúnebre, de lamentação de saudade por morte, uma
canção melancólica de assuntos póstumos. Então, por
exemplo, há aquele simbolista português Eugênio de Castro
(1869-1944) que se esmerou nisso, que ficou famoso fazendo
isso. Também há a xácara (sic), na qual se destacou o Almeida
Garret (1799-1854). Então, quando o Bashô diz para tratar
sobre coisas amenas, coisas da natureza, coisas suaves e nunca
a guerra, nem a morte, isto é uma receita dele. Agora, não é
para o sujeito fechar os olhos e aceitar aquilo, não. Pois, como
já falamos, um século depois dele vem o Issa, fazendo
exatamente aquilo que o Bashô condenava, que era o poeta
estar dentro da poesia. Para aquele, o poeta assinala a poesia,
ele subministra à natureza com o poetar, mas não mora dentro
da poema. Dificilmente veremos isso em Bashô, mas mesmo
assim, no final, é possível vê-lo também no interior da poesia.
Há até uma poesia do Bashô com que eu abro um livro meu,21
na qual ele sentia que estava morrendo e falando assim em
primeira pessoa:
Viajando enfermo,
meu pobre sonho percorre
um campo deserto22
Ali é ele. É ele que está viajando enfermo. Nessa
experiência pessoal vemos algo que ele raríssimas vezes
fez. Mas, de modo geral, ele fazia poesia pura, dentro do
cânon que ele próprio estabeleceu.
K-M: Entendo.
LAP: Sabe, acho mesmo que o Bashô era um gênio, mas no
fundo, sua obra é fomentada por um espírito insular...
Chamo de espírito insular o alto conceito que se faz acerca
59
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
de si próprio. Como assim? Muito simples! Hoje há dois
países que no planeta se consideram grandes e que trazem
isto no nome: é a Grã Bretanha e o Dai Nipon (Grande
Japão), duas pequenas ilhas. Então, quando o Bashô
determina o tema do haicai, ao tratar das belezas naturais
e os demais pontos observados no seu cânon, traz o Japão
como referência, ignorando o resto. Transparece aí um
sentimento verdadeiramente japonês, um modo dessa
figura se ligar ao sentido de sua terra. Sentido que não
pode pretender o planeta todo, por ser regional.
Insular... o haicai tem muito de insular. Mas quando o
senhor fala dessa característica, entendo diferente. Lembrome daquela frase, que quero crer que tenha sido o
Drummond ou o Pessoa que disse, segundo a qual, para
se ser universal é preciso cantar nossa província, nossa rua,
o riacho que corre atrás de nossa casa... pois a
universalidade viria de uma radical imersão no particular;
mais, no singular.
Foi o Fernando Pessoa que disse.
Sim, acredito que tenha sido, mas muitos outros disseram
coisa parecida. Penso que seria uma idéia perfeitamente
possível de se ouvir da boca de um Goethe, de um Tostoi,
ou de um Nelson Rodrigues.
É possível interpretar também assim, mas no caso do Bashô
com o Japão há algo especialmente curioso. Sempre
desconfiei muito disso que chamo de homem insular,
desconfiança que se justifica por um grande apego aos
princípios de sua cultura, bem como na pretensão de ser o
Grande Japão ou a Grande Bretanha. Este homem (bem
como os habitantes de zonas limítrofes, moradores de
fronteiras), sem que haja qualquer instrução para isso, as60
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
sume sempre um respeito exacerbado por tais limites e às
regras que os definem.
Essa preocupação com a regra é algo evidente na obra de
Bashô e na própria caracterização do haicai enquanto tal.
Contudo, vemos transgressões não só na parte de seu
conteúdo, na temática, mas em certas horas transgressões
à própria métrica do haicai. É isso que se vê em Millôr
Fernandes, em Paulo Leminski e principalmente em
Guilherme de Almeida, talvez o primeiro transgressor desse
gênero. Eu lembro que em algumas outras conversas que
tivemos o senhor fez objeções a esse último poeta...
Era um grande poeta, um grande poeta mesmo, mas não
fazendo haicai. Quando morreu Alberto de Oliveira eu
mesmo votei no Guilherme para Príncipe dos poetas brasileiros.
Mas o Guilherme desfigurou o haicai. Ele agrediu
frontalmente o cânon do haicai quando pôs título e rimas.
Ora, a poesia escrita em língua japonesa não possui rimas,
plural nem artigos. Eu venho fazendo haicais onomásticos,
nos quais escrevo um perfil de pessoas, mas não desrespeito
à métrica. Coloco dentro da poesia o nome metrificado e
com sentido.
Quanto ao conteúdo, alguns temas podem ser considerados
transgressões, por exemplo. Em alguns textos nos quais o
senhor comenta o haicai nós vemos seus temas dos haicais
geralmente associados às harmonias da natureza, a coisas
amenas. No entanto, às vezes se vê, não na sua poesia,
mas, por exemplo, na de Lyad de Almeida, a presença
bastante freqüente da morte. Talvez no próprio Bashô,
que mesmo de modo diferente dos ocidentais,23 trata da
morte como é o caso daquele haicai em que ela fala da
lembrança dos pais ao canto do faisão.
O Lyad vivia sob as asas da morte... (longa pausa).
61
K-M: No seu caso, a morte não é tema de sua poesia. Ela não
constitui problema para o senhor? Ela não lhe incomoda?
LAP. Não. (pausa) Talvez a morte de minha mãe, quando escrevi:
Minha mãe desvive.
Uma estrela que se apaga?
Não! Um meteoro.
K-M:
LAP:
K-M:
LAP:
A estrela morre, mas ainda fica brilhando milhares de anos
até que seu último raio chegue aqui. Já o meteoro é rápido,
dura pouco. Minha mãe durou pouco...
Algo é interessante nessa poesia que o senhor acaba de
recitar: é que ela aponta para a finitude mas também para
uma durabilidade que parece querer se fixar sem prazo. E
isso contrasta com que geralmente se vê nas explicações,
nas críticas sobre haicai, inclusive em um texto seu contido
no livro do Sauerbronn,24 que aponta o haicai como um
instantâneo, como um “flash” da realidade-verdade. Isso
seria uma fala referente à própria forma abreviada do haicai,
pelo fato dele ser a menor poesia canônica que existe, ou é
traço do modo de apreensão que o poeta faz da realidade
e sua apropriação como tema para um haicai?
É um dos conselhos do Bashô. O haicai deve ser aqui e
agora. Que o texto começasse e acabasse naquele instante,
sem nada dever ao seguinte.
O haicai então seria o retrato da face do instante em sua
imediatez. Sem que nada houvesse para ser perscrutado
além desse fenômeno.
Sim. Escuta só:
Luar plenilune
e um mineiro desce a mina
62
buscando carvão.
Com aquele luar lindo o mineiro vai para um buraco, sem
luz, buscar matéria preta. Que é o carvão.
K-M: Isso é formidável! Fernando Pessoa tem uma frase
conhecida que diz assim: “Pensar é estar doente dos
olhos”.25 Pois é a mesma idéia desse seu poema. Apenas
alguém que não consegue ver essa plena luz poderia buscar
na profundidade combustível para uma chama não
disponível. Somente alguém que tem a visão obstruída do
fenômeno em sua dinâmica de realidade-verdade pode
querer se lançar ao fundo de uma mina para,
paradoxalmente, se assegurar da luz. Nem é preciso grifar
que luz aqui é metáfora da própria verdade e do quanto a
atitude do mineiro faz pensar a metafísica.
LAP: Também aquele meu poema do cego pode ser lembrado
aqui.
O cego pergunta:
Como é o luar? E a jovem
Beija-o na fronte.
K-M: Sim, pois não deixa de ser uma cegueira. Como naquele
comentário chistoso do Voltaire (que só conheço citado
pelo Guimarães Rosa)26 que diz que a metafísica é “... um
cego, com os olhos vendados, num quarto escuro,
procurando um gato preto... que não está lá” (risos). Isso
tudo para concluir que o haicai não é uma poesia de
profundidade. Ele não quer uma reflexão aprofundada.
Ela quer se manter na superfície mesmo, o que não quer
dizer que deixa de assinalar algo de transcendente.
LAP: Sim. O que há de essencial no haicai habita a superfície.
K-M: Em meio aos temas do haicai, o senhor vislumbra em
63
algum momento inspirações ou implicações filosóficas no
haicai? Falo de filosofia entendida como pelos ocidentais,
não a doutrina budista.
LAP: Só de longe consigo vislumbrar essas características. Por
exemplo:
Lama sobre o espelho,
cedo ela se torna em pó
e o cristal em luz.
Com a lama cobrindo o espelho ele deixa de espelhar. Fica
obstruído, mas o espelho é um cristal, é nobre e a lama é
detrito. Logo ela seca, aquela lama com o tempo desintegra,
vira pó, cai e o cristal ressuscita; nasce outra vez o espelho.
Mas minha preocupação não é fazer o haicai
filosoficamente não, meu compromisso é com a poesia, se
ele vem filosófico é por acaso.
K-M: Casuais ou não, inúmeras evocações filosóficas dignas de
serem pensadas aparecem aí. A relação entre o aparente e o
ideal é uma delas, em uma referência imediata à filosofia
de Platão. Platão chega a citar o mesmo exemplo em um
de seus diálogos, o Parmênides.27 Ele contrasta a aparência
particular de certos entes com uma idéia abstrata deles.
Tal idéia seria perfeita, incorruptível, durável, ao contrário
dos outros entes. Parece que é possível também uma
associação com Aristóteles, pensando a lama como acidente
e o espelho como a essência. Em verdade, o haicai traz noção
de diferença ontológica, distinção entre o sensível e o
pensado presente na metafísica como um todo. O poema
nos permite, sim, pensar a filosofia como aquela que busca
o cristalino por trás da lama, o essencial por trás do
aparente; quem sabe nos permita até pensar o fazer do
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poeta como quem, ao se utilizar das palavras, “espana a
poeira” depositada sobre elas, devolvendo seu brilho, como
o brilho do espelho livre de sedimentos. Há muito de
filosófico aí, mas não nos enganemos em pensar que isso
poderia ser visto na poesia oriental. Mesmo com forma de
haicai, o poema citado pelo senhor é ocidental por
excelência.
Como disse, minhas pretensões não são imediatamente
filosóficas.
Sabemos que a poesia na Grécia era acompanhada de
música e que musiké para os gregos é metáfora da própria
vida. Música, bem como a vida, tem cadência, hora para
cada nota soar; tem harmonia entre cada nota e acorde;
melodia, enfim: existe alguma associação possível entre a
experiência poética do haicai com a música japonesa?
Pergunto porque sei que a música também ocupa lugar de
destaque nessa cultura.
No Japão, a palavra poética que tem associação com a
música é algo que corresponderia ao nosso “canto-chão”,
a semelhança constante é que são canções de
encorajamento, canções de trabalho. Trabalha-se na lavoura
balbuciando um canto que não é bem uma música, seria
uma pré-música, similar ao nosso “aboio”. A palavra sofre
entonações nas vozes fazendo desenhos vocais.
O senhor consegue associar o gênero haicai a algum outro
que seria similar no Ocidente? Pois nós temos lá entre os
gregos poetas e poetisas como Safo que vão falar da
realidade-verdade com clareza. O senhor consegue ver
alguma associação possível?
Não sou um estudioso do assunto, mas vejo na trova uma
intuição ocidental similar e corresponde a do haicai. Não
por seu conteúdo ou métrica, que são diferentes, mas pela
65
trova ser um poema curto e de rigor métrico. Embora ache
que a obrigatoriedade da rima (que rima cruzada do
primeiro com terceiro verso e segundo com quarto)
dificultou sua composição. Mas repare:
A igreja de São Lourenço,
Que o tempo jamais destrói
É um marco cheirando a incenso
De onde nasceu Niterói.
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Esta é do Vilmar Lassance.
Então o senhor acha a trova o tipo de poesia ocidental que
mais se aproximaria à idéia do haicai. É isso?
Acho que sim.
Em mais de um dos livros de Lyad de Almeida eu encontrei
haicais com associações ao volátil, como um fio de incenso
que se evola, como a fumaça que faz contornos etéreos.
Isso, em algum momento, me lembrou alguns aspectos da
arte impressionista que, como sabemos, teve influência do
Japão na cultura daquele período. Por exemplo, na música
de Debussy, na Japonaiserie,28 que eram reproduções de
motivos e xilogravuras japoneses por autores como Van
Gogh e Monet com as técnicas do Ocidente. Enfim, o
senhor identifica influência da poesia haicai na poesia
francesa naquele período?
Sei que algo da poesia haicai chega ao Ocidente via Paris e
conheço um livro, de um autor (que agora não me lembro
do nome) chamado Japonesices de outono. Mas eram poesias
ocidentais...
Constata-se que ainda é pouca a presença do haicai no
Brasil. Temos vários haicaístas, alguns livros de importância
publicados, mas não uma boa história do haicai no Brasil,
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se restringindo essa apenas a notas. Como avalia a difusão
e o interesse pelo haicai no Brasil?
Avança devagar... acredito que pela dificuldade de pesquisar,
pois a língua japonesa é difícil o que faz com que
dependamos dos japoneses que vêm para cá, em sua
maioria imigrantes (e só de vez em quando vem um literato,
muitas vezes, diplomatas), que ajudam a arejar os
conhecimentos. É o caso de um diplomata que conhecia
bem o português e que fez um dicionário portuguêsjaponês que se chamava Rioji Noda, ele foi Cônsul do Japão
no Rio de Janeiro. Tal edição tinha o prefácio do
Embaixador Pedro Leão Veloso, que foi o embaixador com
quem mantive contato quando morei no Japão. Fora isso,
a produção que temos ainda é tímida.
Gostaria de fazer algumas perguntas mais, contudo, imagino
que seria indelicado fazê-las se fossem lhe cansar, já que
estamos aqui há horas.
Podemos prosseguir. Não me canso. Dizem que falar é
fôlego e isso eu tenho de sobra (risos).
Recentemente, Claude Lévi-Strauss, (o conhecido pensador
belga que, inclusive, regula de idade contigo, tendo hoje
seus 98 anos) deu um depoimento muito lúcido, mas
igualmente melancólico, no qual afirmava que o Brasil se
confundia com um considerável período de sua vida e obra,
mas que esse, bem como o mundo no qual viveu, não
existe mais, “era um outro mundo”.29 O senhor sente algo
parecido com relação ao Japão e aquele mundo que o
senhor habitou?
Não sei se posso fazer essa avaliação, pois não tenho idéia
de como é o Japão de hoje.
Permita-me, então, reformular a pergunta: o mundo em
que o Pimentel viveu, os significados e referências daquele
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modo de existir são vigentes ainda hoje? A longevidade
da qual o senhor goza em algum momento o apartou de
um modo de existir como aquele em que o senhor
experimentou quando esteve no Japão, aprendendo o haicai?
Pode parecer trivial o que vou dizer, mas... essas coisas
todas... a própria vida é e tem de ser dinâmica. Não há
vida onde há estagnação... a vida e o mundo do homem
avançam, avançam, avançam e avançam sempre e nós
temos que acompanhar...
Isso parece ser praticado pelo senhor, principalmente
quando vemos suas relações e afinidades eletivas nos meios
literário e jornalístico. Falemos um pouco disso.
Com prazer.
O senhor em sua vida de jornalista trabalhou em vários
jornais, entre eles A Noite...
Não. Nesse eu nunca trabalhei, não. Quem trabalhava em
A Noite era um rapaz amigo, o Nestor Moreira, assassinado
na época. Hoje existe a avenida Jornalista Nestor Moreira
no Bairro de Botafogo/RJ.
Entre os jornalistas-literato o senhor conheceu Sérgio Cid.
Conheci, foi meu amigo. Prefaciei o livro dele, você viu?
Sim. Retalhos de minha infância. Eu li o livro na escola na
mesma época em que conheci o autor, em 1983, salvo
engano.
Era muito bom repórter, grande caráter e muito talentoso,
muito talentoso...
E o José Candido de Carvalho? Que tipo de relação o
senhor manteve com ele?
O José Candido vinha todo dia aqui à Livraria Ideal; 30
participava desses nossos encontros e também era amigo
do Mônaco. Uma figura extraordinária! Tenho do José
Candido uma lembrança muito feliz... Você o conheceu?
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K-M: Só de vista e em condições incríveis. Eu fazia acho que era
o ensino médio em um curso ali, no centro, lá por 1988.
Num dia, durante uma aula de literatura que tratava do
Modernismo, e exatamente sobre o conto Porque Lulu
Bergantin não atravessou o Rubicon, o professor (numa dessas
coincidências que só acontecem uma vez na vida) passou
perto da janela e viu o José Candido passando na praça do
Rink.31 A turma toda correu à janela para vê-lo andando
calmamente de paletó cinza e com o guarda-chuva
pendurado no braço.
LAP: José Cândido... Mas venho de antes dele, eu sou do tempo
de Coelho Neto. Esse era um sujeito aberto e um criador
de vocábulos, mas eruditos. Ele era um intelectual com
grande conhecimento do vernáculo e queria enriquecer
a língua, e, com todo talento, começou a inventar palavras.
Uma das palavras que ele funebremente inventou (e que
a polícia Filinto Müller32 em vinte e poucos conjugou
isso na realidade) foi: “defenestrar”, jogar pela janela. Outro
que se tornou notório com a invenção de palavras foi o
mineiro que você falou...
K-M: João Guimarães Rosa.
LAP: Guimarães Rosa. Eu não condeno o Guimarães Rosa, mas
eu noto (e você notará muito melhor que eu, já que conhece
a língua alemã) que ele forma palavras como no alemão.
K-M: Normalmente usando a justaposição.
LAP: Exatamente. E, às vezes, cometendo barbarismos como o
título daquele livro dele: Sagarana. O que é sagarana? “Saga”
é um tipo de narrativa, “-rana” é um sufixo do tupi que
designa “parecido com”; daí, algo que parece uma saga.
K-M: Conheço uma outra versão para o sentido desta palavra.
Uma que o próprio autor teria insinuado. Nesta, “Saga”
seria uma tentativa de se apropriar da palavra alemã
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“Sage” que é “fala”, “dizer”, e “-rana”, vocábulo da
linguagem regional nordestina que passaria a idéia de
“rude”, “ríspida”, “severa” ou “áspera”; daí teríamos um
“dito áspero”, uma “discurso agreste”, o que é mais a
cara do autor.
É uma versão que vem em defesa do autor. Pois -rana
indica mesmo similitude, como por exemplo em
“muçurana”, cobra que parece muçum;33 “canarana”, que
parece cana. E por assim vai...
Sim, mas o Guimarães Rosa, ele mesmo sabia que o uso do
neologismo deveria ser algo com propósito. Ele fala algo
assim: imaginem só se cada um de nós começasse a soltar
neologismos como se empina pipas, a língua se deterioraria.
Teríamos uma Babel.34 Ele tinha ciência deste risco.
Estou certo de que sim...
Sabendo de suas controvertidas opiniões sobre alguns dos
autores que já são lugar comum no meio acadêmico,
gostaria que o senhor falasse um pouco da discordância,
por exemplo, da avaliação que se faz de Machado de Assis
como o maior escritor em língua portuguesa ao lado de
Eça de Queiroz. O senhor poderia dissertar um pouco
sobre isso?
Naturalmente. Discordo dessa avaliação após muito
ruminar. Penso que o Machado de Assis, como a maioria
dos que vivem sob um domínio cultural, no caso o europeu,
acabava sendo mais europeu que os ingleses e franceses.
De forma que ele parece não querer, nem de longe, ligação
com o popular brasileiro. Então, vivendo no Brasil e sendo
um cultor da língua, um escritor erudito, ele jamais se
ocupou em falar do Rio de Janeiro que via por sua janela.
(Dá a impressão que em sua casa não tinha janelas).
Machado não viu uma planta de nossa flora, ele não viu o
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carnaval, ele não viu o futebol, não viu a revolta da vacina,
a rebelião da chibata, não viu nada! Ele não viu nada do
Brasil! O sujeito interessado em conhecer algo do Brasil
ao ler o Machado de Assis, como escritor brasileiro, fica
em jejum. Não é possível que um autor fique tão alheio
assim! Nesse ponto, prefiro o Lima Barreto. E não estou
só neste parecer, também o “Velho Graça”, meu amigo
Graciliano Ramos, pensava assim. Vou contar uma história,
veja você: Certa vez, encontrei na rua um colega que era
secretário do Diário de Notícias e ele me disse: “— Pimentel!
Você por aqui!... Não quer dar um pulinho ali na livraria para
abraçar o Velho Graça!?” (Graciliano fazia ponto numa
pequena livraria ali no centro do Rio). Daí, fomos lá e
conversávamos com o Graça, quando chegou o Machado,
aquele que é autor de A morte da porta-estandarte...
Aníbal Machado.
Isso! Aníbal Machado, que era um gozador, pícaro, um
provocador e disse: “— Ô Graça! Você já soube que está sendo
considerado o novo Machado de Assis? Como você se sente?” Em
resposta: “— Me sinto muito mal. Pois o Machado de Assis não
sabe fazer diálogos, coisa que até o José Lins sabe.” Quer dizer,
ainda sobrou uma farpa para o José Lins do Rêgo, (risos)
presenciei isso.
Se me permite, acho que aqui, tanto para o Guimarães
Rosa quanto para o Machado de Assis, vale aquela frase
do Platão: “Tudo que é grande se expõe à tempestade”.35
É... Mas, retomando aquela conversa sobre o José Cândido...
Eu o comparo ao Charles Chaplin. O Chaplin colecionava
“gagues”, aquelas passagens risíveis, e depois as costurava
nos enredos de seus filmes, que eram sucessos fabulosos.
O José Cândido quando estava na casa dele, lá pelo interior, ele conversava com aqueles tabaréus e anotava aquelas
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palavras pitorescas para fazer os trabalhos dele. Foi assim
em O Coronel e o lobisomem.
Como também o Guimarães Rosa, com suas famosas
cadernetas de viagem.
Mas o José Cândido não inventava palavras. Utilizava-se
daquilo que ouvia da boca dos tabaréus. Ele se aproveitava
de um vocabulário típico já existente para criar uma
linguagem própria. Daí os reunia em seus trabalhos.
Essas revelações dão pistas de como seu colega compunha.
Gostaria que falasse um pouco sobre seu processo de
criação dos haicais, há alguma rotina, algum ritual? O
senhor trabalha disciplinadamente?
Não há nada de especial. A poesia vem, vejo se ela cabe no
metrón e boto no papel. O haicai é tão exíguo, tão pequeno
que não se presta para muita burilação. O haicai não é
obra de lapidário, é obra para quem tem atenção de colher
o instante.
Creio que talvez fosse até desnecessário fazer a próxima
pergunta depois de termos conversado durante tanto
tempo sobre o haicai, mas insisto nela por um interesse pessoal. Peço, portanto, que me perdoe a
redundância: o senhor pensa o haicai tendo em vista
preocupações estéticas, crítico-literárias ou mesmo
filosóficas?
Não me preocupo com isso. Eu deixo o haicai vir, venha
da forma que vier, como já falei, depois faço alguns ajustes
tendo a preocupação com a métrica, pois com novos
conteúdos o gênero pode avançar. A propósito disso já
falamos de meus haicais panfletários, onomásticos,
geográficos... Veja esse que eu compus esta semana e estou
melhorando:
72
Cultive-a sem terra,
Deus fez tudo para todos
nada é de ninguém.
K-M: Este também é haicai?
LAP: Sim. Um haicai engajado. Depois eu o melhorei, veja você:
Cultive-a sem terra,
a gleba é sua também
Deus a fez para todos.
K-M: A segunda é uma variação sobre o mesmo tema, que deixa
transparecer um pouco de sua maneira de compor. Estes
são novos? São poemas inéditos?
LAP: Esses são inéditos.
K-M: Nossa última pergunta: o Bashô deixou uma série de
conselhos aos interessados em escrever haicais. Haveria
algum conselho que o senhor como literato poderia dar
àqueles jovens que ingressam nas letras, especialmente
como haicaístas?
LAP: Tenho a recomendar que obedeçam à métrica do haicai.
Pois sabemos que o haicai tem apenas 17 sílabas poéticas,
sendo a menor poesia canônica da Literatura Universal
(poesia com nome e com cânon, só o haicai, não há nada
menor), o que não dá chance de que se abandone a métrica.
A língua japonesa é uma língua com poucos recursos, o
Bashô já limpou o haicai todo, tirou título, rima, tirou tudo.
Se fossemos nos abster também da metrificação... Ela foi
a última coisa que restou nessa poesia para caracterizá-la
enquanto tal.
73
Notas:
Luís Antônio Pimentel (1912 - ): Poeta, professor e memorialista nascido em
Miracema/RJ. Tendo sido aluno bolsista em intercâmbio no Japão, residiu
lá entre os anos de 1937-42, familiarizando-se com o haicai ao ter contato
com autoridades como Hagiwara Sakutarô e Takamura Kôtarô. Pimentel
é um dos precursores do haicai no Brasil, responsável pela divulgação
desse estilo de poesia ao lado de Olga Savary e Helena Kolody. O autor
reconhece ter se permitido inovar o haicai ao tratar de temas tropicais,
criando também o haicai erótico, o engajado politicamente e o étnico.
Contudo, essas pequenas transgressões não corrompem o cânon estético
inaugurado por Matsuo Bashô, como a rigorosa métrica e a exigência da
indicação da estação do ano (Kisetsu) e dos fenômenos da natureza. Sua
vasta obra literária, conta com livros como: Contos do velho Nipon (1940),
Tankas e haicais (1953), Cem haicais eróticos e um soneto de amor nipônico (2004).
2
Corrente política tradicionalista de vulto no início do século XX inspirada
nos princípios Deus, pátria e família, tendo Plínio Salgado (1895 -1975) como
principal articulador no Brasil.
3
Saudação dos integralistas em língua tupi que significa “Você é meu irmão”.
4
Cf:. PEIXOTO, Miçangas , 1977.
5
Chama-se pé quebrado composições que não respeitam a rigorosa métrica
do haicai.
6
Citado em francês por Luís Antônio Pimentel.
7
Jinskikiro Matsuo Munefusa (1644-1694). Nascido em uma família de
samurais, Bashô (como era chamado) foi poeta e bonzo budista. É
apresentado como o primeiro grande mestre do haicai, tendo estabelecido
seu cânon tradicionalmente japonês. Peregrinou pelo Japão divulgando
essa arte associada ao budismo, mas seus poemas só foram compilados
postumamente por dois de seus contemporâneos, Hattori Doho (16571730) e Mukai Kyorai (1651-1704).
8
Hermes Fontes (1888-1938) poeta e letrista sergipano de estética simbolista.
Foi colaborador de diversos jornais fluminenses e autor de obras como
Miragem no deserto (1917) e Microcosmo (1919) .
9
Quanto a isso, Millôr Fernandes se permite ser mais explícito com espiritualidade:
“O motivo do não-uso da grafia Haiku é a homofonia da segunda sílaba com
outra palavra da língua portuguesa designativa de certa parte do corpo de
múltipla importância fisiológica. Essa palavra os filólogos só usam a medo.
Quando a colocam no dicionário fazem sempre questão de acrescentar (chulo).
1
74
Assim, entre parênteses” (FERNANDES, Hai-kais, 2005. p. 3).
Também encontrado como Kobo Daishi (774 – 835.d.C). Calígrafo
considerado um dos gênios da cultura japonesa, é criador da escrita
Hiragana, do silabário I-ro-ha e fundador da seita budista Shingon. Sua
figura já é parte do imaginário japonês que reza que seu espírito, séculos
depois, teria acompanhado o lingüista Yukinari na restauração das tábuas
que continham o silabário.
11
O dito poema apenas de modo lato pode ser considerado filosófico, ele traz
elementos doutrinários do budismo como se pode ver em sua versão
original no japonês: I ro ha ni ho he to shi ri nu ru wo wa ka yo ta re so tsu ne na
ra mu u i no o ku ya ma ke fu ko e te a sa ki yu me mi shi e he mo se su. Ou, em sua
tradução para o português, feita a partir do alemão: “Flores, apesar de
cheirosas, logo vão murchar./ Quem nesse mundo permanece imortal?/
Se, hoje, cruzarmos a montanha interior./As ilusões não serão mais vazias/
e os sonhos não mais embriaguês” (Trad. do autor).
12
Yataro Kobayashi (1763-1827), dito Issa. Poeta, filhos de camponeses, que e
ao se dedicar ao haicai teria introduzido inovações técnicas no haicai,
superado o próprio Bashô tanto em inspiração quanto em popularidade.
13
Chamado de Fuji-san em japonês, é uma montanha situada na Ilha de Honshu,
a Oeste de Tokyo, no Japão. É um dos símbolos mais importantes do país.
14
O poema, citado de cor pelo poeta guarda algumas variações frente ao
publicado em suas Obras Reunidas (Cf. PIMENTEL, 2004, p. 228).
15
Nodokasa ya/ kakima wo nozoku/ yama no sô.
16
Cf:. HEGEL,Vorlesengen über die Ästhetik I ,1986.
17
BERGSON, Le Pire, 1940.
18
Murasaki Shikibu (973-1014) pseudônimo de uma poetisa, novelista e serva
da corte japonesa na Era Heian, cujo nome verdadeiro é desconhecido.
Escreveu no período em que a linguagem oficial ainda era a chinesa; seus
diários relatam que por vontade de sua mãe, recebeu uma educação como
a dos homens, o que era contrário aos costumes da corte. Murasaki é
autora dos Contos de Genji, e de uma compilação que traz 128 de seus versos,
publicados postumamente.
19
Asagao ni/ tsurube torarete/morai mizu.
20
Cf:. GUZZONI, Weisse Tautropfen, 2006.
21
Cf:. PIMENTEL, Tankas e haicais, 2004. p. 239.
22
Tabi ni yamite/ yume wa areno wo/ kakemeguru.
23
Cf:. KAHLMEYER-MERTENS, A morte de Akira Kosusawa., 1998.
24
Cf:. PIMENTEL, Poesia, budismo, haicai, 1998. p. 58.
25
Cf:. PESSOA, Obra poética, 1995. p. 208.
26
Cf: ROSA, Ficção completa, 1995. p. 522.
10
75
Cf: PLATÃO, Parmenides., 1991. pp. 1-55.
Citado em francês por Roberto Kahlmeyer-Mertens.
29
LÉVI-STRAUSS, Paixão pelo Brasil, 2007. pp. 40-43.
30
Tradicional livraria fundada há mais de 70 anos em Niterói situada no
assim chamado Calçadão da Cultura, que é ponto de encontro de literatos,
artistas e intelectuais das diversas Academias de Letras e do Grupo Mônaco de
Cultura. Carlos Silvestre Mônaco é livreiro, proprietário da Livraria Ideal e
promotor cultural; tendo sido premiado como intelectual do ano em 2006
por indicação das diversas Academias de Letras do Rio de Janeiro. Veja-se
mais a esse respeito no livro de Wanderlino T. Leite Netto (2003), em
nossa bibliografia.
31
Pequeno largo localizado no centro da cidade de Niterói/RJ.
32
Filinto Strubing Müller (1900 - 1973). Militar e político brasileiro, foi chefe de
polícia do governo de Getúlio Vargas e ficou conhecido por seus métodos
truculentos. Teve contato com o chefe da Gestapo Heinerich Himmler em
1937 e é apontado por alguns historiadores como o patrono dos torturadores
brasileiros.
33
Espécie de enguia.
34
A formulação exata no texto do autor, contida no prefácio de seu Tutaméia
é a seguinte: “... saia todo-o-mundo a empinar vocábulos seus, e aonde é
que se vai dar com a língua tida e herdada? Assenta-nos bem à modéstia
achar que o novo não valerá o velho; ajusta-se à prudência relegar o
progresso no passado.” (op. cit, p. 583.). Outras considerações sobre a
utilização e formação de neologismos na obra de Guimarães Rosa pode
ser vista na vasta correspondência que o autor manteve com seu tradutor
para o alemão (ROSA, Correspondência com seu tradutor alemão Curt MeyerClason, 2003).
35
PLATÃO, República, 1993. p.327.
27
28
76
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