Carreta da Saúde: Crescimento Sustentável e Gestão Eficiente

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Carreta da Saúde: Crescimento Sustentável e Gestão Eficiente
Carreta da Saúde: Crescimento Sustentável e Gestão Eficiente
Tania M. Vidigal Limeira
Introdução
A Associação Beneficente Ebenézer, com sede na cidade de São Paulo, é uma OSCIP
(Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) fundada em 2004, que iniciou seu trabalho
com o Programa Hospice, que apoia pacientes terminais e suas famílias. A Associação foi
fundada pelo médico Roberto Kikawa, que é membro da Rede de Empreendedores Sociais da
Fundação Schwab.
Em 2008, a Associação lançou o Projeto CIES (Centro de Integração de Educação e Saúde) para
atender à população brasileira, especialmente em condições sócio-econômicas vulneráveis,
realizando exames médicos e diagnósticos em até dez especialidades, por meio de um centro
médico móvel sobre rodas, conhecido como “Carreta da Saúde”. Nos cinco primeiros anos
(2009-2013), o Projeto CIES atendeu 173.700 pacientes em 32 cidades de cinco diferentes
estados brasileiros, num total de 521.100 procedimentos em mais de 15 especialidades médicas.
Com um orçamento de 5,1 milhões de reais em 2013, o Projeto CIES é um negócio social que
obtém recursos por meio de doações, patrocínios e prestação de serviços médicos para
empresas e governos municipais e estaduais. Segundo seu fundador, “é uma organização híbrida
cujo principal objetivo é solucionar um problema social - a dificuldade ao acesso à saúde - ,
porém, como em qualquer outra empresa, paga impostos e gera lucro, que é reinvestido
totalmente na autossustentabilidade da organização”.
O Dr. Roberto Kikawa e sua equipe pretendem elaborar o plano estratégico do CIES para os
próximos três anos. A partir de reuniões internas, a equipe do CIES compartilha a visão de que
a empresa social alcançou uma rápida expansão orgânica nos últimos três anos, com grande
crescimento em receitas e significativo reconhecimento pelo seu trabalho, porém enfrenta os
desafios da sustentabilidade e da profissionalização de sua gestão administrativo-financeira.
O Sistema Único de Saúde
A Constituição Federal de 1988 determinou que é dever do Estado garantir saúde a toda a
população. Em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), que
definiu as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, os programas do Ministério da
Saúde voltaram-se para a concretização do SUS como política pública, para garantir o direito de
acesso à saúde de forma universal, integral e equânime.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do
mundo, abrangendo desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos.
Fazem parte do SUS os centros e postos de saúde, os hospitais, laboratórios, hemocentros,
bancos de sangue, além de fundações e institutos de pesquisa, como a Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) e o Instituto Vital Brazil.
O SUS é formado por uma rede de prestadores de serviços de três setores: o setor público,
financiado por impostos e contribuições sociais pagos pela população, que compõem os
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orçamentos do governo federal, estadual e municipal; o setor privado com fins lucrativos ou
não, no qual os serviços são financiados com recursos públicos ou privados; e o setor de saúde
suplementar, que comercializa planos de saúde e apólices de seguro, recebendo subsídios
fiscais. A população pode utilizar os serviços dos três setores, dependendo da facilidade de
acesso ou de sua capacidade de pagamento (Paim et. al., 2011).
A política de descentralização adotada pelo Governo Federal, com a delegação da quase
totalidade da execução orçamentária da saúde para os Estados e Municípios, fez com que estes
se tornassem os responsáveis pela execução e gestão das políticas e dos programas definidos
em nível federal. Assim, o Ministério da Saúde transfere aos Estados e Municípios um volume
de recursos para a remuneração por serviços prestados em unidades privadas credenciadas ao
SUS, segundo Costa e Silva (2011)
O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios
de prestação de serviços, quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes
para garantir o atendimento a toda a população em cada região.
Em 2012, o Ministério da Saúde investiu recursos orçamentários e emendas parlamentares para
garantir o acesso da população aos serviços ambulatoriais e hospitalares, com um custo de R$
15,7 bilhões para a realização de 1.656.071.646 procedimentos de atenção básica e
1.999.040.155 procedimentos especializados de média e alta complexidade. Foram também
realizadas cerca de 11.281.319 internações hospitalares, a um custo anual de R$ 11,5 bilhões
(Secretaria de Atenção a Saúde, 2013).
O Gráfico 1, no anexo, mostra a quantidade de procedimentos ambulatoriais pagos pelo SUS
entre 2009 e 2012. A oferta de 155 procedimentos de alta complexidade requer economia de
escala e é mais concentrada regionalmente, em função da disponibilidade de profissionais
(Secretaria de Atenção a Saúde, 2013). O Gráfico 2 mostra o total de hospitais que integram a
rede do SUS. O Quadro 1 revela que as consultas realizadas pelo SUS atingiram um total de
531.391.926 em 2012, com a média de 2,7 consultas por habitante, considerando uma
população de 190.755.799 (IBGE, 2010).
Para que cada brasileiro tenha acesso ao SUS, foi implementado o Cartão Nacional de Saúde,
que permite a identificação dos usuários e facilita seu acesso ao Sistema. Foi também
implementado o Cadastro Nacional de Usuários do SUS, baseado no número PIS/Pasep de cada
pessoa. Além disso, está em operação o cadastramento dos profissionais de saúde, por meio
do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), que é a base para operacionalizar
os Sistemas de Informações em Saúde, os quais propiciam aos gestores o conhecimento da
realidade da rede assistencial e suas potencialidades. Outro recurso importante é o Sistema de
Gerenciamento da Tabela de Procedimentos e Medicamentos (SIGTAP), que possibilita a
consulta de procedimentos que podem ser realizados no âmbito ambulatorial e hospitalar. A
Tabela SIGTAP é a base para definir os valores a serem pagos pelos SUS pelos serviços prestados
pelos profissionais e operadores.
O Sistema Privado - Planos e Seguros de Saúde
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O setor de planos e seguros de saúde beneficia 47,9 milhões de pessoas, que pagam planos de
assistência médica, e outras 18,7 milhões com planos exclusivamente odontológicos. Em 2012,
atingiu o volume de 67,1 milhões de contratos assinados. O percentual de cobertura da
população por planos de assistência médica é de 24,7%, em média. O ano de 2012 terminou
com 1.121 operadoras médico-hospitalares e 417 operadoras odontológicas. Entre as 755 mil
empresas contratantes, 515 mil contratam apenas plano de assistência médica, enquanto outras
69 mil contratam apenas plano odontológico. (ANS, 2012).
Desafios do Sistema de Saúde
Entre os desafios para o sistema de saúde estão o envelhecimento da população, o aumento da
prevalência das doenças crônicas e dos seus fatores de risco, e a elevação constante dos custos
em saúde. Abaixo são listados alguns dos desafios, como o subfinanciamento, a desatualização
da tabela do SUS e o déficit de médicos e de serviços especializados.
Subfinanciamento
Segundo analistas do setor, o SUS dispõe de menor volume de recursos públicos para o
atendimento às necessidades da população do que aquele previsto quando o sistema foi criado.
Além disso, não há uma política de financiamento a longo prazo, nem incentivos fiscais, nem
linhas de crédito com juros menores para apoiar a expansão do setor.
Em 2011, a participação do Governo nos gastos com a saúde foi de 41%,8, um valor baixo
quando comparado a países como Reino Unido (82%), Itália (77,2%) e México (46,9%). As fontes
privadas de financiamento – o gasto direto das famílias e das empresas, com subsídios
governamentais diretos e indiretos – custeiam a maior parte dos planos e seguros de saúde
privados e a compra de medicamentos, segundo Paim et al. (2011).
Desatualização da tabela de procedimentos do SUS
A inflação anual do setor de saúde chegou a 16,5% em outubro de 2013 contra uma inflação
oficial (IPCA) de pouco menos de 6% no período. A inflação do setor de saúde mede os custos
de honorários de médicos, hospitais, laboratórios e insumos médicos, sendo, geralmente,
superior a índices como IGP-M e IPCA. Na saúde, a inflação tende a ser mais alta devido à
crescente incorporação dos avanços tecnológicos e científicos aos serviços médico-hospitalares
e também pelo emprego de grande contingente de mão-de-obra especializada. (Monitor
Mercantil, 14/10/2013)
A rede privada tem enfrentado dificuldades para investir em novas unidades médicas e na
ampliação das já existentes, devido a um gargalo em sua fonte financiadora, ou seja, o
descompasso entre os crescentes aumentos dos custos dos serviços de saúde e a remuneração
desses serviços pelas operadoras e pelo SUS.
Déficit de médicos e de serviços especializados
No Brasil, há cerca de 81,4 profissionais de saúde para cada grupo de 10 mil habitantes,
superando as metas da Organização Mundial de Saúde, mas há desigualdade entre as regiões.
Por exemplo, uma densidade de 40,9 profissionais de saúde por 10 mil habitantes no Rio de
Janeiro, enquanto no Maranhão este número é de apenas 7,1 (AMB, 2013). Além disso, na
maioria das cidades com mais de 100 mil habitantes, constata-se um elevado déficit na oferta
de serviços públicos especializados e na distribuição gratuita de medicamentos. Em outubro de
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2012, no município de São Paulo havia 660 mil pessoas na lista de espera para consulta com
especialista, exame ou cirurgia (Costa, 2013).
Gestão das Empresas de Saúde
As empresas de serviços em saúde requerem um contingente humano de alta qualidade em
áreas fins e de apoio, com capacidade de equilibrar o assistencial e o gerencial, segundo Libânia
Paes, coordenadora do CEAHS (Curso de Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde) da FGVEAESP. Assim, o gestor na área da saúde deve "detectar problemas e prover soluções, sempre
lembrando do cobertor curto: se enxugo um processo, posso prejudicar o paciente. O gestor
tem de saber, por exemplo, contratar um consultor de TI e avaliar o resultado que ele trouxe. É
preciso desenvolver uma visão estratégica em relação ao negócio, conciliando a assistência
segundo princípios éticos com a preocupação de que a organização precisa sobreviver
economicamente", segundo a coordenadora. (Valente, 2013)
De acordo com Malik (1998), a administração de recursos humanos visa manter a organização
produtiva, eficiente e eficaz a partir da mobilização adequada das pessoas que ali trabalham. As
organizações de saúde, além de serem dependentes de tecnologia, precisam contar com
recursos humanos capacitados, pois os serviços de saúde caracterizam-se por mão-de-obra
intensiva, mesmo na vigência de alto grau de tecnologia.
Para Escrivão Junior (2012), os profissionais de saúde, na maioria das vezes os médicos, são
detentores de grande influência na estrutura da organização, em função do seu conhecimento
técnico - científico, ou pelo ambiente de urgência e risco em que atuam, ou ainda pela
legitimidade que têm diante da equipe, construída pela convivência em situações-limite.
Portanto, é exigido do gestor uma sólida formação em administração, aliada a um profundo
conhecimento das peculiaridades da área de saúde.
Quanto à gestão financeira, Couttolenc e Zucchi (1998) explicam que os recursos disponíveis
para o setor da saúde são limitados e muitas vezes insuficientes para cobrir todas as
necessidades. Os gestores e prestadores de serviços têm, portanto, a responsabilidade de
utilizar esses recursos da melhor maneira possível, buscando a eficiência e a maximização do
impacto e da qualidade dos serviços.
História do Projeto CIES
O Projeto CIES (Centro de Integração de Educação e Saúde) foi idealizado pelo médico
gastroenterologista Roberto Kikawa. Quando cursava o 2º ano da Faculdade de Medicina da
Universidade Estadual de Londrina, ele recebeu um pedido de seu pai, que lutava contra um
câncer. “Quero que você prometa que vai se formar e se tornar um médico mais humano”, disse
ele, pouco antes de morrer. A frase do pai lhe despertou o sonho de proporcionar uma condição
mais humana de atendimento aos pacientes.
O Dr. Kikawa, enquanto atuava no Hospital Heliópolis e no Hospital Sírio Libânes, desenvolveu
um projeto para atender pacientes terminais. Durante um período de estudo na França, teve
contato com a organização "Médico Sem Fronteiras" e ficou impressionado com a capacidade
de levar atendimento de qualidade e com equipamentos de alta tecnologia para os locais mais
remotos. Esta experiência o motivou a idealizar o Projeto CIES, mais conhecido por “Carreta da
Saúde” , para levar exames às populações das regiões remotas .
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Em 2005, com o apoio do CIETEC/USP, CNPQ e FAPESP, criou um protótipo de carreta adaptado
para realizar exames diagnósticos às pessoas que aguardavam na fila do SUS. Apresentou este
projeto para o presidente da empresa Olympus, que decidiu doar os equipamentos de alta
tecnologia no valor de R$ 1 milhão. Em seguida, conversou com outros doadores e conseguiu
R$ 500.000 para a construção da carreta (Cembranelli, 2011).
O Projeto CIES recebeu em 2009 o Prêmio Finep de Inovação pelo trabalho que envolve a
sociedade civil, o governo e a iniciativa privada. Também recebeu o Prêmio Empreendedor
Social da Folha de São Paulo e da Fundação Schwab em 2010, Prêmio Empreendedor Social 2011
pela Ernst Young Terco, Prêmio Cidadão Sustentável da Rede Nossa São Paulo e Prêmio Dom
em Humanização em Saúde pelo Grupo Fleury em 2012.
Segundo o Dr. Roberto, “com a visibilidade dos prêmios, quadruplicamos os números de
atendimentos e chegamos a ser convidados para atravessar o oceano e falar do Projeto até no
Fórum Econômico Mundial da China”. (CIES, 2012)
Equipamentos e Serviços
O Projeto CIES é um programa de saúde integrada à educação, destinado à população em
vulnerabilidade social e econômica. São realizados exames médicos de média complexidade,
como endoscopia, mamografia e ultrassonografia, por meio de unidades médicas móveis como
a Carreta da Saúde, o Box da Saúde e a Van da Saúde. Os serviços são realizados por equipes
médicas contratadas, e são pagos pelo Governo com base na tabela do SUS. Além dos exames,
o Projeto CIES trabalha na conscientização da população sobre hábitos saudáveis,
principalmente na prevenção de doenças e no uso consciente dos serviços médicos.
Além do atendimento, os profissionais de saúde das unidades móveis preparam planos de saúde
pública, que são entregues à Secretaria de Saúde. Segundo o Dr. Kikawa, “somos chamados em
muitos lugares para suprir a demanda do município. Nos municípios menores, entregamos um
planejamento estratégico para os gestores sobre quais as principais doenças e como montar um
plano de custo”. A equipe do CIES também forma agentes de saúde, que ajudam em
procedimentos médicos simples. Até 2011, mais de 600 agentes foram formados. (CIES, 2011)
Para a prestação de serviços, foram desenvolvidas as unidades móveis avançadas com
automação eletrônica de alta tecnologia. A maior delas é a Carreta da Saúde, com 15 metros de
comprimento e um sistema automatizado que permite a abertura das laterais, atingindo uma
área de 100 m². Possui quatro salas climatizadas, equipamentos de diagnósticos de alta
tecnologia, áreas de esterilização, duas amplas áreas de espera, banheiros e elevador para
pessoas com dificuldade de locomoção. Sua capacidade de atendimento é de 3 mil pacientes e
9 mil procedimentos por mês, em dez diferentes especialidades médicas. O custo atual de
construção de uma carreta é de R$ 3,2 milhões.
O Box da Saúde da Mulher tem o formato similar a de um container construído em estrutura de
fibra de vidro e poliuretano, que reduziu o seu peso em cerca de 40% permitindo ser facilmente
transportado por caminhão, balsa, trem ou avião. Possui uma sala de atendimento para exames
ginecológicos e uma sala revestida com chumbo para exames de mamografia digital. O Box da
Saúde do Homem conta com duas salas, que são adaptadas para exames e consultas. Tem uma
parte expansível usada como sala de espera. Nele podem ser realizados exames de urologia e
ultrassonografia, sendo adequado para diversos espaços, como praças públicas, vielas e
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estacionamentos. A Van da Saúde é uma unidade para atendimento de uma especialidade por
vez, podendo ser adaptada internamente de acordo com a necessidade da comunidade local. É
dotado também de sistema de água e energia autônomos, tem maior facilidade de locomoção,
alcançando regiões montanhosas ou serranas, inclusive favelas.
Em 2013, o CIES inaugurou uma nova unidade móvel, o Tribox da Saúde, que é um centro para
realização de exames de gastroenterologia, como endoscopia digestiva e colonoscopia. Ele foi
construído dentro das normas da Anvisa, com duas salas para exames, duas salas de repouso,
uma área central para reprocessamento de materiais e desinfecção, além de uma sala de
emergência equipada para possíveis complicações. O custo total da estrutura com
equipamentos instalados foi de R$ 900 mil.
Os projetos das unidades móveis são desenvolvidos pela empresa Fleximedical e as várias fases
da produção são terceirizadas para empresas como a Revescap e a Truckvan, na cidade de São
Paulo. Em 2013, a Fleximedical dispunha de 21 unidades com capacidade para atender 400 mil
pacientes por ano. A expectativa do CIES é ter cinquenta unidades entre carretas, box e vans em
2016.
Como princípio norteador da atuação do CIES, está o conceito de medicina humanizada, como
explica o Dr. Kikawa: "A Carreta muda nossa experiência com o próprio paciente, que
experimenta um atendimento mais humanizado, completo e ágil. O CIES procura reeducar o
médico para utilizar a tecnologia – não para fazer mais exames, mas para que sobre tempo para
conversar mais com o paciente" (Liang, 2013).
Modelo de Negócios
O CIES é um projeto da Associação Beneficente Ebenézer, que alcançou um orçamento R$ 1,3
milhão em 2011, R$ 3,7 milhões em 2012 e R$ 5,1milhões em 2013, a partir de doações,
patrocínios e prestação de serviços médicos para empresas e Governos Municipais e Estaduais.
Suas receitas tem duas origens: do setor privado, quando uma empresa financia um evento da
Carreta da Saúde para associar sua marca a iniciativas de responsabilidade social, ou quando
solicita exames e diagnósticos para seus funcionários; ou do setor público, quando as Prefeituras
e os Governos Estaduais contratam os serviços do CIES.
Para obter sustentabilidade financeira, a Associação Ebenézer tornou-se uma OSCIP, que obtém
suas receitas na forma de prestação de serviços às Secretarias Municipais de Saúde. O título de
Organização Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), conferido pelo Ministério da Justiça,
possibilita aos patrocinadores uma renúncia fiscal de até 2% do lucro operacional. A Associação
também obteve o Título de Utilidade Pública Estadual conferido pelo Governo do estado de São
Paulo, que trouxe o benefício de renúncias tributárias como isenção das taxas de água e luz. O
título de Utilidade Pública Municipal está em tramitação na Câmara de Vereadores que poderá
trazer outras isenções importantes como IPVA, IPTU e ISS.
A Associação desenvolveu parcerias com empresas e organizações sociais, que contribuem com
doações de recursos financeiros, produtos ou serviços técnicos. Entre os parceiros estão os
seguintes: Metalfrio Solutions, Engemet, Fleximedical, Cesar Construção Modular, Instituto
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Nova Medicina Voluntária, Olympus, Philips, Abe e Rocha Neto Advogados e Sociedade
Beneficente São Camilo.
As necessidades eventuais de capital de giro são atendidas com empréstimos de organizações
de fundo de investimento social como a Sitawi, que oferece empréstimos entre R$ 100 mil e R$
400 mil a juros de 1% ao mês para organizações sociais. Em 2011, o CIES obteve empréstimo de
R$ 200 mil para reformar equipamentos médicos da Carreta, executar a construção do Box da
Saúde do Homem e também investir na especialização de pessoal.
O valor de cada procedimento médico pago pelo Governo é pela Tabela SIA/SUS que varia
dependendo da complexidade do exame ou procedimento, como por exemplo R$ 10,00
referente uma consulta médica até R$ 643,00 referente uma cirurgia de catarata. Em relação
às despesas, com exceção do Dr. Kikawa, que é diretor clínico do Hospital São Camilo-Unidade
Ipiranga, os médicos contratados recebem por atendimento realizado. Atualmente o mínimo
que um médico do CIES recebe é R$ 120,00 por hora de trabalho, enquanto em hospitais e
empresas privadas a remuneração é de R$ 110,00 por hora. A equipe médica inclui 350
profissionais diretos e indiretos, sendo 250 contratados no regime da CLT (permanentes ou
temporários) e 100 em regime de Pessoa Jurídica, incluindo médicos de hospitais conceituados,
como São Camilo, Einstein e Sírio-Libanês de São Paulo.
Uma Carreta da Saúde gera receita bruta de R$ 100 mil a R$ 450 mil por mês, sendo que 30%
da renda são para cobertura dos custos fixos, 10% para novos investimentos (depreciação), 50%
para custos do evento (honorários e insumos) e 10% para reserva de caixa. A fim de se equilibrar
financeiramente, é preciso realizar atingir cerca de R$ 250 mil por carreta por mês. Do total da
receita em 2012, 60% foram oriundos dos convênios com o Governo, 30% dos contratos de
serviços a empresas , 7,5% de doações das empresas e 2,5% de doações de indivíduos, por meio
de crowdfunding. Em 2013, cerca de 80% da receita foram decorrentes de convênios com os
governos estaduais e municipais, 15% por meio de contratos de empresas privadas e 5%
oriundos de doações de pessoas físicas e jurídicas.
Os serviços prestados para as empresas fazem parte do programa "Saúde nas Empresas", que o
CIES oferece em parceria com a Rede de Hospitais São Camilo, com o objetivo de prevenção de
doenças e estímulo a qualidade de vida dos funcionários das empresas. Sobre este programa,
explica o diretor da Rede: “O programa Saúde nas Empresas é uma estratégia de promoção da
saúde e da qualidade de vida do trabalhador. O nosso intuito é que ele cresça e atenda de uma
forma ainda mais efetiva as necessidades dos ambientes corporativos”. (CIES, 2012)
Em setembro de 2013, o CIES fechou o primeiro convênio com a Prefeitura de São Paulo, para
executar o projeto "Hora Certa Móvel", que integra o programa "Rede Saúde Hora Certa"
coordenado pela Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e pelo Ministério da Saúde. O CIES
foi contratado para prestar serviços médicos para a população residente em bairros das zonas
sul, norte e leste da cidade. Os agendamentos do atendimento são realizados pela Prefeitura,
que entra em contato com os pacientes cadastrados nas Unidades Básicas de Saúde. Os
pacientes passam por exames médicos e, se necessário, são encaminhados ao hospital municipal
da região.
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A receita com este convênio está estimada em R$ 16.259.268,00 para um total de 215.700
exames, a um custo médio de R$ 75,00, nas especialidades de ecocardiografia,
eletroneuromiografia, nasovideolaringoscopia, ultrassonografia, endoscopia e colonoscopia.
Este convênio representou 70% da receita do CIES em 2013.
O fundador é também sócio de uma empresa de desenvolvimento de instrumentos
endoscópicos, a Fleximedical, que foi incubada no CIETEC da USP em 2005. Ela é responsável
pelo desenvolvimento, manutenção, montagem e logística dos equipamentos, que são cedidos
em comodato para o CIES, que operacionaliza os atendimentos à população. Cerca de 10% de
sua receita é destinada para cobrir os custos fixos do CIES. O modelo de construção das carretas
resulta da consolidação da parceria com os patrocinadores, como as empresas Olympus e Philips
que têm no Projeto CIES um canal de demonstração de seus equipamentos médicos de alta
tecnologia.
A tecnologia desenvolvida para a produção das unidades móveis se constitui em um diferencial
significativo do CIES, cujo fundador, no entanto, não quer patenteá-la, de modo a possibilitar
que outras organizações desenvolvam projetos similares.
Modelo Híbrido de Gestão
Além das unidades móveis, outra inovação do CIES é o modelo de gestão. O CIES desenvolveu
uma gestão compartilhada que envolve o poder público, a iniciativa privada, a sociedade civil e
as comunidades atendidas. Os custos dos serviços são minimizados por meio de parcerias com
empresas locais que se responsabilizam pelo deslocamento da carreta e pelos medicamentos,
bem como pela estadia e alimentação da equipe do CIES. As organizações sociais locais prestam
serviços de divulgação, segurança, limpeza, acolhimento das famílias, diversão para as crianças,
etc. A Prefeitura cuida da infraestrutura (estacionamento da carreta, água, luz, esgoto, guarda
municipal, etc). Com essa estrutura, os custos são reduzidos em até 20% por evento.
Cada evento da Carreta da Saúde envolve a seguinte sequência de ações:
1. Apresentação do projeto às cidades interessadas (prefeituras, empresários locais,
associações, sindicatos, escolas, igrejas e conselho popular);
2. Solicitação e estudo de demanda de exames/procedimentos existentes;
3. Configuração de agenda de especialidades adaptada a demanda, procurando otimizar
ao máximo a ocupação das salas;
4. Levantamento de custos para preparação e apresentação do orçamento do evento à
Prefeitura da cidade interessada;
5. Negociação e elaboração dos contratos e termos de parceria;
6. Captação de recursos para diminuir os custos (com empresas locais pela Lei das OSCIPS,
com renúncia fiscal de 2% do lucro líquido operacional);
7. Treinamento dos agentes comunitários locais para atendimento no padrão CIES;
8. Limpeza no galpão, deslocamento e montagem da carreta;
9. Reunião de instrução dos médicos e paramédicos, com definição de agendas, equipes e
responsabilidades.
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10. Atendimento da população e relacionamento com outras partes interessadas
(jornalistas, políticos, professores, etc.) durante o evento.
O Dr. Kikawa assim explica o modelo de prestação de serviços do CIES: " Na Carreta da Saúde,
os doentes saem da consulta com o diagnóstico em mãos. Vão para casa com os resultados dos
exames clínicos. Tudo no mesmo dia. É como uma linha de “montagem da Toyota”, porém com
atenção ao paciente. Essa agilidade permite o atendimento de mais gente num curto espaço de
tempo. Além dos ganhos com escala, é uma forma de garantir a continuidade do tratamento."
(Liang, 2013)
Em relação à parte técnica, os procedimentos estão sistematizados em documentos como
manuais de montagem e operação, que detalham passo a passo os processos que devem ser
efetuados antes, durante e após os eventos, dentro dos padrões exigidos por órgãos
fiscalizadores, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que facilita a
replicabilidade do modelo. Além disso, os processos de segurança e garantia de qualidade são
baseados nos princípios de acreditação da Canadian Council on Health Services Accreditation e
da Organização Nacional de Acreditação.
Para capacitar profissionais da saúde (gestores, administradores, médicos, profissionais de
responsabilidade social empresarial e demais profissionais da área) a trabalharem em projetos
e negócios sociais e inclusivos, o CIES, em parceria com a B.I. International, desenvolve o
Programa de Extensão em Empreendedorismo Social na Saúde. O curso estimula os profissionais
a desenvolverem capacidades integradoras, empreendedoras e inovadoras no campo da saúde,
a partir do estudo e da análise de modelos híbridos de gestão em saúde.
A organização administrativa do CIES conta atualmente com 10 funcionários, nas áreas de gestão
administrativa, apoio e operacional. A Governança Corporativa inclui um Conselho Deliberativo
com 5 membros, e um Conselho Fiscal, com 3 membros.
Impacto Social
O CIES efetua avaliação qualitativa e quantitativa de seu impacto social, por meio da análise de
laudos médicos e de questionário de avaliação aplicado com todas as pessoas atendidas. Em
pesquisa realizada nas cidades de Lorena, Sorocaba e São Paulo em 2010, 95% dos pacientes
avaliaram o trabalho como bom/ótimo, 1% como regular e 4% não responderam. Os resultados
principais foram a rapidez do atendimento, a eficiência operacional, a tecnologia dos
equipamentos e o contato interpessoal com a equipe médica e de apoio. (Valente, 2010).
Outra avaliação foi realizada entre os meses de janeiro e fevereiro de 2013, nas cidades de São
José dos Campos (São Paulo) e em São Francisco do Sul (Santa Catarina) pela organização
francesa Planète d’Entrepreneurs. O levantamento acompanhou as comunidades atendidas
durante a atuação do CIES e após um ano de atendimento. Para as comunidades atendidas, o
principal resultado foi a redução do tempo para consultas e exames. Na cidade de São Francisco
do Sul, a espera foi reduzida a zero, com a realização de 12 mil consultas e o atendimento de
7.661 pessoas. Em São José dos Campos, o número de consultas e exames atingiu o total a
24.112 (CIES, 12/08/2013).
Plano Estratégico Trianual
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O Dr. Roberto Kikawa e sua equipe pretendem elaborar o plano estratégico do CIES para os
próximos três anos. Para iniciar o planejamento estratégico, a equipe definiu quatro objetivos
estratégicos prioritários: aumentar a sustentabilidade do negócio, reduzindo a dependência das
verbas governamentais; sofisticar os processos financeiros e contábeis, realizados atualmente
sem conhecimento especializado; qualificar e ampliar sua equipe fixa de profissionais
administrativos e financeiros; e atrair, desenvolver e reter profissionais de saúde residentes nas
capitais dos cinco Estados onde atua o CIES (São Paulo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio
de Janeiro e Brasília).
Quanto à profissionalização da gestão, a equipe precisa tomar decisões em relação à área de
recursos humanos, envolvendo as seguintes questões:
Será necessário criar uma área organizacional específica e contratar um profissional para gerir a
área? Qual a qualificação deste profissional: formação em gestão ou em medicina?
Qual o melhor modo de estruturar esta área?
Quais devem ser as políticas de atração, desenvolvimento, compensação, motivação e retenção
de colaboradores?
É necessário realizar um benchmarking com as organizações de referência no setor?
No processo de planejamento da área de RH deve ser incluída uma pesquisa de clima
organizacional?
Referências
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que não faltam profissionais de saúde no Brasil. Disponível em
http://www.amb.org.br/_arquivos/_downloads. Acesso em 12/11/2013
ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. FOCO – Saúde Suplementar, 2012. Disponível
em http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa
CEMBRANELLI, F. "Os “brilhos nos olhos” de Roberto Kikawa com a Carreta da Saúde".
Empreender Saúde. 01/07/2011. Disponível em http://www.empreendersaude.com.br
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ANEXOS
Gráfico 1 – Quantidade de procedimentos ambulatoriais pagos pelo SUS
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Fonte: Sistema de Informações Ambulatoriais. Relatório 2012. Secret. Atenção a Saúde, Brasília, março 2013
Quadro 1 - Produção de consultas pelo SUS
Fonte: Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS). Secretaria de Atenção a Saúde, Brasília, março 2013.
Gráfico 2 - Hospitais Vinculados ao SUS
Fonte: Ministério da Saúde, Entidades privadas sem fins lucrativos no SUS, Brasília,2013.
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