Os equívocos de uma formação

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ANÁLISE
Ensino do jornalismo
Os equívocos
de uma formação
Na Europa, as escolas “de jornalismo” proliferam.
Só que o jornalismo é raramente a preocupação central de tais escolas
que funcionam muitas vezes em condições pedagógicas
e técnicas pouco satisfatórias. Com as repercussões que tal situação
tem na prática da informação pelos média...
Texto J.-M. Nobre-Correia ilustrações Frederico Penteado
Dois momentos fundadores marcaram a história da
imprensa e do jornalismo na Europa ocidental tais como os
conhecemos hoje : o da industrialização da imprensa e o
da constituição do jornalismo como profissão autónoma.
A industrialização da imprensa nos países da Europa
ocidental operou-se em duas etapas sucessivas: a
primeira, a partir de 1836, com as iniciativas, em França,
de Émile de Girardin e de Armand Dutacq (que lançaram
no mesmo dia respectivamente os diários La Presse e Le
Siècle); a segunda, a partir de 1863, com a de Moïse
Polydore Millaud (criador do diário Le Petit Journal) i.
Ora, a industrialização da imprensa significou não só a
passagem da fase artesanal à fase industrial, evidentemente, mas também a passagem de uma “démarche” de
carácter antes do mais literária e política a uma
“démarche” propriamente informativa de cobertura da
actualidade. O que significou a passagem progressiva de
uma fase em que um só “homem-orquestra” — redactor,
editor e tipógrafo — assumia a produção do jornal (solicitando no entanto colaboradores eminentes ou amadores
esclarecidos que tiravam os rendimentos de outras actividades), a uma outra em que as diferentes funções foram
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progressivamente assumidas por profissionais distintos.
O que implicou que as equipas se fossem alargando, passando até a contar com várias centenas de pessoas nos
casos dos diários de grande difusão : à beira da Primeira
Guerra Mundial, a sociedade de edição de Le Matin, que é
então apenas o quarto diário francês em importância,
emprega já 900 pessoas, das quais 150 redactores ii.
UMA PROFISSÃO SINGULAR
De instrumento antes do mais de intervenção cultural
e/ou política, o jornal foi-se transformando ao longo da
segunda metade do século XIX em instrumento de criação
de mais valia, de rentabilização de capitais investidos,
cada vez mais importantes. E os redactores, considerados
até então como “literatos”, começaram progressivamente
a afirmar-se como jornalistas, como fazendo parte de uma
profissão singular, específica, “sui generis”.
É certo que o termo “jornaliste” já era utilizado no
Journal de Trévoux, dos jesuítas, em 1703 e dataria até
mesmo de 1684, significando então aquele que fazia, que
publicava um jornal iii. Émile Littré identificava o termo
no seu dicionário de 1863-73, tal como Pierre Larousse o
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fazia no seu de 1865-76. O que não impedia que, dois belecer uma distinção entre “profissionais” e “amadores”
séculos depois, no Dictionnaire des professions, publicado xi, e erigir uma selecção entre os candidatos à profissão
em 1880, Edouard Charton se interrogasse sobre a questão xii. Tanto mais que, num contexto em que a clivagem entre
de saber se “o jornalismo é uma profissão” e respondesse imprensa de referência e imprensa popular era já notória,
pela negativa. Avançando uma explicação: nenhuma a questão do rigor e da deontologia profissional tomava
aprendizagem, nenhum diploma ou certificado eram cada vez mais pertinência.
exigidos para trabalhar ou colaborar num jornal iv.
Em França, que era então o país europeu com a
Na senda do reconhecimento, os primeiros actos fun- imprensa de maior difusão, a primeira escola de jornalisdadores da identidade profissional consistiram na criação mo foi criada em 1899, por iniciativa privada : a École
de associações específicas e na adesão dos jornalistas ao Supérieure de Journalisme, em Paris, que ainda hoje
movimento mutualista, que caracterizaram as duas últi- existe e se considera mesmo como “a decana mundial das
mas décadas do século XIX v. Iniciativas que permitirão escolas de jornalismo” xiii.
erigir instituições que, inevitavelmente, se dotarão de
A questão da formação pôs-se sobretudo com especial
códigos de conduta, mas que procurarão também delimi- pertinência depois da Primeira Guerra Mundial. Quer
tar o território em que, preferencialmente, se efectuará o dizer : depois da “lavagem ao cérebro” em que participou
recrutamento de novos confrades vi.
a imprensa, fazendo-lhe perder credibilidade, e no
Ora, precisamente por essa mesma altura, as grandes momento em que a imprensa começava não só a dar por
empresas em que se tinham transformado as sociedades vezes os primeiros sinais de erosão das difusões como a
de edição dos grandes diários, sentiam cada vez mais sofrer as primeiras consequências da entrada em cena da
necessidade de pessoal competente, capaz de ser imedi- rádio como média de informação xiv.
atamente operacional, de assumir sem demora responsaFoi pois no período entre as duas guerras mundiais que
bilidades específicas. Dito de outro modo : as empresas começaram a surgir várias iniciativas, ligadas muitas vezes
precisavam de gente que
aos meios profissionais. Assim
tivesse sido previamente for- Em França, que era então o país
nasceram — sem querer ser
mada para assumir diversas
exaustivo — a School of Joureuropeu com a imprensa de maior
funções no seio de uma renalism da London University,
dacção. Tanto mais que a profis- difusão, a primeira escola de
em 1919 ; o Institut de Journasão se tinha hierarquizado e jornalismo foi criada em 1899, por
lisme xv, em Bruxelas, em 1922;
diversificado. Hierarquizado iniciativa privada : a École
a École Supérieure de Jourcom directores, chefes de Supérieure de Journalisme, em Paris,
nalisme, em Lille, em 1924 xvi; a
redacção, secretários de redac- que ainda hoje existe e se considera
Deutsches Institut für Zeição, chefes de serviço (político,
em Berlim, tammesmo como “a decana mundial das tungskunde,
estrangeiro, cultura,…). E dibém em 1924 xvii; a Escuela de
versificado nomeadamente no escolas de jornalismo”
Periodismo do diário El Debate,
seguimento da introdução de
em Madrid, em 1926 xviii.
novos géneros jornalísticos: crónica, reportagem, entre- Enquanto que a necessidade de manuais de formação se
vista, boletim financeiro, relato desportivo e mesmo tornava manifesta : datam desta época o aparecimento
fotografia,…
em França de Le Journalisme en vingt leçons, de Robert de
Jouvenel (1920), Pour devenir un bon journaliste, manuel praDOS MANUAIS ÀS ESCOLAS
tique, de Pierre Davesne (1931) ou Le Journalisme appris en
Esta necessidade de formação explica o aparecimento de dix-huit leçons, de Albert Rival (1931) xix, ou na Grãmanuais de jornalismo. Assim, por exemplo, na Grã- Bretanha de The Complete Journalist, de F. J. Mansfield
Bretanha, a publicação de The Reporter’s Handbook (nos (1935) xx. E não se trata de pura coincidência se o parlaanos 1860) e de Newspaper Reporting (1890) vii. Ou em mento francês votou a lei sobre o estatuto do jornalista em
França: Le Journalisme, de E. Dubief (1892), Pour devenir 29 de Março de 1935.
journaliste — Comment se redige et s’administre un journal, de
Concebidas numa perspectiva de melhoramento da
V. Jamati (1906), Comment on devient journaliste, de A. qualidade da informação nas sociedades democráticas,
Guerin (1910) viii. Ou ainda em Espanha : Manual del per- estas iniciativas inspiraram porém os novos regimes ditafecto periodista (1891), El Periodismo (1903) e El Arte del peri- toriais como a Itália fascista que criou a Scuola di
odista (1906) ix.
Giornalismo da Federazione della Stampa, em 1928, em
Por outro lado, o número de profissionais era cada vez Roma ; a Alemanha nazi, em 1935 ; e a Espanha franquista
mais elevado e aumentava com uma espantosa rapidez : a que criou a Escuela Oficial de Periodismo, em 1941, em
França contava mais de 4000 jornalistas em 1890 e uns Madrid xxi. Mas é claro que se tratava nestes casos de “for6000 dez anos mais tarde, em 1900 x. Pelo que as novas matar” antes do mais os candidatos à profissão segundo
organizações profissionais consideravam necessário esta- os cânones da ideologia autoritária no poder. E não será
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desprovido de interesse reparar que o salazarismo não
achou necessário dotar o regime e o pais de tal tipo de
escola…
A VIRAGEM DOS ANOS 1970
cação em relação a aquilo a que se chama hoje a
Comunicação (ou mais exactamente: a comunicação das
empresas e das instituições).
O número crescente de alunos e de escolas xxiv provocou um processo incontrolável de permanente alargamento do perímetro de ensino das escolas de informação
e comunicação. Perímetro que se foi tornando pura e simplesmente ilegível, imperceptível : um ano antes da sua
morte, Mauro Wolf [1947-96] falava da criação de uma
“fábrica de ilusões e de desemprego”. E não parece que o
chamado “processo de Bolonha” tenha permitido clarificar a situação. Muito provavelmente até a terá ajudado a
obscurecer, dado o aparecimento das chamadas “orientações menores” no seio das “orientações maiores”…
A necessidade de uma formação específica tornou-se
ainda mais evidente após a Segunda Guerra Mundial :
não só a imprensa, mas também a rádio foram utilizadas
como meios de propaganda, como começava já a adivinhar-se o potencial enorme da televisão nesta matéria. Só
que, desta vez, não foram apenas as organizações profissionais (patronais e sindicais) que se investiram no assunto como também as instituições universitárias. Três exemplos apenas : a Licenciatura em Jornalismo da Université
Libre de Bruxelles (ULB) foi criada em 1945 xxii; a
Especialização em Jornalismo do Istituto Superiore di O PROGNÓSTICO DE PULITZER
Scienze e Tecniche dell’Opinione Pubblica (a actual Libera Primeiro sinal de não clarificação : como se chama a área
Università Internazionale degli Studi Sociali), em Roma, de ensino em questão? Jornalismo? Informação?
também nasceu em 1945 xxiii; enquanto que Centre de Comunicação? Comunicação Social? Comunicação de
Formation des Journalistes, em Paris, foi lançado em Massa? Informação e Comunicação? Média? Ciências das
Janeiro de 1946, com o apoio dos editores da Fédération disciplinas evocadas? Teoria e Técnicas dessas mesmas
disciplinas? Mediologia?… E por aí fora… Esta falta de
de la Presse e do Syndicat National des Journalistes.
terminologia específica é signiNo início, estas formações
ficativa de uma cruel indeeram sobretudo filológicas, Primeiro sinal de não clarificação :
finição da área. Fala-se do Dijurídicas e históricas. Depois,
como se chama a área de ensino em
reito, da Medicina, da História,
logo no início dos anos 1960
da Economia,… E quando se
(em 1961, na ULB) vieram questão? Jornalismo? Informação?
trata da área que diz respeito à
acrescentar-se cadeiras de téc- Comunicação? Comunicação Social?
formação dos futuros profisnicas profissionais e de estágios Comunicação de Massa? Informação
sionais da informação nos
profissionais. Primeiro de jor- e Comunicação? Média? Ciências
média, com que termo preciso a
nalismo escrito, depois de jor- das disciplinas evocadas ? Teoria e
nalismo audiovisual (e sobretuTécnicas dessas mesmas disciplinas? designamos?
Claro que, concretamente no
do radiofónico, por razões técMediologia?…
caso que nos ocupa, poderíanicas evidentes), até porque se
mos (e deveríamos) muito simtornava notório que estes diferentes média exigiam abordagem diferentes da actualidade plesmente falar de Jornalismo. Só que nas nossas instituições de ensino, o Jornalismo é raramente autónomo e
e práticas jornalísticas diferentes.
geralmente forçado a coabitar com as formações mais
Os anos 1970 trouxeram quatro grandes novidades:
• a invasão das salas de aula por um número de alunos diversa: Publicidade, Relações públicas, Animação sóciocultural, Marketing, Grafismo, Fotografia, Edição de livros,
muito mais elevado do que antes,
• a multiplicação das escolas e formações em matéria Cinema, Teatro e um sem números de especializações mais
de informação e de comunicação. Consequência lógica do menos imaginativas ou fantasistas... Ora, peguemos num
número crescente dos alunos. Mas consequência também único exemplo: em regra geral, não consiste a Comuda “crise económica” que então começava, abrindo as por- nicação das empresas e instituições (por vezes ainda
tas à desregulamentação de grande parte dos sectores chamada Publicidade ou Relações Públicas) num processo
económicos, ao recuo do sector público e ao avanço exactamente oposto ao da informação jornalística dos
intempestivo do sector privado, nomeadamente no leitores, ouvintes, espectadores ou internautas?
A esta situação já por si inquietante, vem acrescentar-se
audiovisual e no ensino,
• a preocupação em acrescentar (e nalguns casos : o facto de muitos licenciados, mestres ou doutorados em
reforçar) uma formação técnico-profissional (até então línguas, em literaturas, em filosofia ou em história, sem
ignorada ou com pouca importância) à tradicional for- perspectivas profissionais (dadas as crises nestes sectores),
mação de carácter sobretudo “literária” e “humanista”. O quando não a teologia (porque as vocações sacerdotais já
facto de a televisão passar a ser o média dominante impli- não seduzem muita gente e porque a hierarquia da Igreja
cava com efeito novas exigências em matéria de formação, católica marcou sempre um interesse muito particular
• o aparecimento das primeiras tentativas de diversifi- pelos média xxv), terem investido à área do jornalismo
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para dispensar formações pouco ou nada adequadas às
necessidades dos média de informação.
Nos começos do século XX, e mais precisamente em
1904, nos Estados Unidos, Joseph Pulitzer prognosticava
que, “antes que termine o presente século XX, as escolas
de Jornalismo serão aceites como instituições de ensino
superior, à semelhança das faculdades de Direito ou
Medicina”.
Digamos que Pulitzer — um dos principais criadores
do chamado “jornalismo amarelo” americano, como se
sabe — falhou no seu prognóstico. Que não só o
Jornalismo não conseguiu ainda pôr-se ao nível do Direito
ou da Medicina, como se é mesmo obrigado a constatar
que o diploma de Jornalismo continua a não ser condição
“sine qua non” para se dar entrada na redacção de um
média de informação. E obrigado a constatar também que
o habitual processo de decantação que se operou nas
tradicionais áreas de ensino, permitindo circunscrevê-las
por contornos precisos, ainda aqui não teve lugar.
espécie de novas ciências humanas da modernidade,
enchendo as escolas com gente totalmente desprovida de
sensibilidade ao Jornalismo. Gente que não lê um jornal
xxvii, não ouve um jornal radiofónico, nem vê um telejornal, não consulta um sítio de informação em linha. Gente
que confunde a profissão de jornalista com a de animador
de emissões de divertimento. Gente que muito vezes
“aterra” em cursos de Jornalismo por não ter conseguido
singrar noutros cursos de ciências humanas tidos por mais
difíceis (a sobrepopulação desencadeando naturalmente
uma descida dos níveis de exigência). Gente numerosa —
fruto da chamada “democratização” do ensino e da necessidade das entidades governamentais de encher os campus para fazer baixar as estatísticas do desemprego — que
impede que se faça a necessária decantação dos programas, dos docentes e também dos alunos.
Hoje, no Département des Sciences de l’Information et
de la Communication da ULB, estão inscritos 532 alunos
no primeiro ano, dos quais apenas um terço chega geralmente ao actual quarto e último ano de estudos xxviii. Par
O REINO DA CONFUSÃO
evocar números comparáveis, em 1969-70 havia 29 alunos
Nos países da Europa Ocidental, a confusão continua pois no último ano, ou seja 9,4 vezes menos do que os actuais
a ser bastante grande no domínio do ensino do 272, dos quais 127 em Jornalismo propriamente dito xxix.
Jornalismo:
Tal situação tem uma explicação simples : as escolas de
• primeiro, porque os programas de estudos continuam ensino superior e universitários recebem orçamentos das
a não proceder a uma separação de águas entre o que é for- Comunidades culturais (recorde-se que a Bélgica é um
mação em Jornalismo e o que
Estado federal com três
diz respeito a outros tipos de
Comunidade culturais) em
Não só o Jornalismo não conseguiu
formações teóricas ou práticas.
função do número de alunos
• em segundo lugar, porque ainda pôr-se ao nível do Direito ou
inscritos xxx. Consequência :
da
Medicina,
como
se
é
mesmo
os docentes formados na área
em Junho de 2006, as seis prindo Jornalismo continuam a ser obrigado a constatar que o diploma
cipais escolas de jornalismo
largamente minoritários. A área de Jornalismo continua a não ser
francófonas puseram na rua
do Jornalismo constitui uma condição “sine qua non” para se dar
344 diplomados xxxi, aos quais
saída importante para muitos
que acrescentar os diplomaentrada na redacção de um média de há
docentes vindos de áreas de
dos da segunda época de
ciências humanas que deixaram informação.
Setembro, quando os postos de
de oferecer perspectivas de
trabalho disponíveis anualfuturo académico nessas mesmas áreas. Com a agravante mente rodam à volta de um décimo do número total de
de que a anterioridade histórica das áreas de que provêm diplomados.
os impede muitas vezes — e quantas vezes com uma manifesta falta de interesse pelos média e uma total ausência UMA FASE DE TRANSIÇÃO
de experiência em matéria de Jornalismo, o que por vezes Esta sobrepopulação provoca uma enorme taxa de desemnão os priva no entanto de uma certa arrogância… — de prego. Na Bélgica, em Julho de 2006, 22,2 % dos 2103 jorfazer o indispensável esforço de adaptação às especifici- nalistas francófonos eram independentes (“pigistes”,
“free-lances”), sem contrato de trabalho (“a recibo verde”)
dades do Jornalismo.
• e em terceiro lugar, porque a cultura nascida dos e este número atingia os 27,5 % na classe etária dos 20-29
“doirados anos de 60” e do utópico “Maio de 68”, aliada à anos xxxii. Isto para não falar em todos os que, extremaproliferação de novas actividades nos sectores da infor- mente numerosos, depois de terem procurado exercer
mação e da comunicação (como consequência nomeada- como independentes — num país onde as colaborações
mente da desmonopolização dos sectores da rádio e da são pagas miseravelmente xxxiii — abandonam pura e
televisão, e, agora, do surgimento altamente perturbador simplesmente o sector. Situação que aliás tende a geneda internet) fizeram que os estudos em informação e ralizar-se na Europa e levou a Federação Europeia dos
comunicação se tenham transformado numa moda xxvi. Jornalistas a reagir, adoptando em Abril de 2006 uma
Uma moda que leva a perceber estes estudos como uma “Charte des droits des journalistes freelance” xxxiv.
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acrescentado em relação a estas contribuições de não-jornalistas sobre a actualidade xxxvi.
A NECESSÁRIA DECANTAÇÃO
Há pois que proceder urgentemente a uma separação
das águas entre o ensino do Jornalismo e o ensino de outras áreas que têm também os média como núcleo central
das respectivas actividades. Como há que distinguir o que
diz respeito à aprendizagem da teoria e da prática do
Jornalismo propriamente dito, do que constitui o estudo
teórico, científico, dos processos de informação e de
comunicação das sociedades em que vivemos, assim como
da relação dialéctica que com elas mantêm. Para que se
possa, em seguida, fazer dos estudos em Jornalismo um
ensino de alto nível, exigente, devidamente enquadrado
no plano pedagógico e realizado em condições de equipamento técnico adaptadas às realidades profissionais de
hoje dos média de informação.
Mais do que nunca — perante a avalancha de uma
pseudo-informação que tem antes do mais por origem a
comunicação promocional e na fase actual de redefinição
da função de informar — são necessários jornalistas dotados de uma vasta e sólida formação cultural, profundos
conhecedores dos domínios da actualidade que tratam.
Esta taxa de desemprego fomenta evidentemente Jornalistas providos da salutar curiosidade indispensável
condições de trabalho e de remuneração que em nada para procurar compreender e do necessário sentido
favorecem uma imagem de marca positiva da profissão, pedagógico para procurar fazer compreender a actualidesconsiderando mesmo os que dela fazem parte aos dade, tornando a sua complexidade mais inteligível.
olhos de uma sociedade largaJornalistas capazes de relatar
mente dominada por uma percom rigor os aspectos factuA cultura nascida dos “doirados
cepção “financeirista” do estatuto
ais significantes de um aconsocial dos seus membros. Para anos de 60” e do utópico “Maio de
tecimento ou de uma situalém de ter consequências nefastas 68”, aliada à proliferação de novas
ação, de pô-los em perspectino que se refere à qualidade do actividades nos sectores da
va e de analisá-los nas suas
conteúdo editorial dos média, na informação e da comunicação (...)
implicações prospectivas,
medida mesmo em que a preocu- fizeram que os estudos em
com base numa documenpação natural dos independentes
e numa argumentação
informação e comunicação se tenham tação
é a de terem uma produção abunsérias, pondo em prática,
dante que permita aumentar os transformado numa moda.
com mestria, os mais nobres
níveis de remuneração, abundânrecursos da arte e da técnica
cia que é raramente favorável à qualidade da dita pro- da profissão. Uma profissão cujo futuro não pode deixar
dução.
de ter profundas repercussões sobre o provir das
Ora, claramente, esta situação não pode perdurar. sociedades democráticas…
Porque os média se encontram numa fase de profunda
Bruxelas, 19 de Março de 2007. JJ
mutação, sem comparação na história que vai de
Gutenberg até aos anos 1970-80 xxxv. Porque a natureza J.-M. Nobre-Correia foi assistente no Département des Sciences de
mesmo do Jornalismo e da sua função social é mais do que l’Information et de la Communication (SIC) da Université Libre
nunca objecto de interrogações. Porque num mundo onde de Bruxelles de 1972-73 a 1979-80, sendo professor neste mesmo
graças aos mais diversos equipamentos electrónicos departamento desde de 1980-81. Foi também professor no
(telemóveis, aparelhos fotográficos e câmaras digitas, Département de Communication Sociale do Centre Universitaire
computadores portáteis,…), às telecomunicações e à inter- de Charleroi de 1985-86 a 1989-90, professor na EFAP
net, todo e qualquer cidadão pode e considera ter direito International (Bruxelas) de 1988-89 a 1990-91, professor viside informar e de propor o seu ponto de vista sobre a actu- tante na Licenciatura em Jornalismo na Universidade de Coimbra
alidade no seu próprio blogue, o jornalista tem que poder de 1996-97 a 2000-01 e professor convidado no Institut Français
propor uma especificidade, uma mais valia, um valor de Presse da Université de Paris II de 1996-97 a 2005-06.
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Notas
i J.-M. Nobre-Correia, Histoire des médias, 2 vol., Bruxelas,
PUB, 2006, 340 p.
ii Ch. Delporte, Histoire du journalisme et des journalistes en
France, Paris, PUF, 1995, pp. 20-21.
L. Martin, La Presse écrite en France au XXe siècle, Paris, Le
Livre de Poche, 2005, p. 214.
iii Le Nouveau petit Robert, Paris, Dictionnaires le Robert,
2001, p. 1382.
Ch. Delporte, Histoire du journalisme…, p. 8.
iv Ch. Delporte, Histoire du journalisme…, p. 8.
D. Ruellan, “Les Frontières d’une vocation”, in J.-F. Lacan,
M. Palmer e D. Ruellan, Les Journalistes, Paris, Syros, 1994,
p. 214.
v Ch. Delporte, Histoire du journalisme…, p. 37.
Th. Ferenczi, L’Invention du journalisme en France, Paris,
Plon, 1993, pp. 245-251.
Note-se a este propósito que o 6° Congresso Internacional
de Jornalistas terá lugar em Lisboa em 1898.
vi C. Lemieux, Mauvaise presse, Paris, Métailié, 2000, p. 50.
vii Ch. Frost, “The development and integration of bachelor degrees in journalism into the training and recruitment of journalists in the UK”, in J. Marinho e S. Pinto da
Silva (dir.), Actas do Congresso internacional Premium :
Integração profissional dos licenciados em Jornalismo / Ciências
da Comunicação, Porto, Universidade do Porto, 2007, p. 193.
viii D. Ruellan, Le Professionnalisme du flou, Grenoble, PUG,
1993, pp. 236-238.
ix D. E. Jones, “Investigación sobre comunicación en
España : evolución y perspectivas”, in Zer, Bilbau, n° 5,
1998, pp. 13-51.
x Ch. Delporte, Histoire du journalisme…, p. 36.
A situação era comparável na Grã-Bretanha : V. a este
propósito J. Tunstall, Journalists at work, Londres e Beverly
Hills, Constable e Sage, 191, p. 12.
xi Th. Ferenczi, L’Invention du journalisme en France, p. 251.
xii M. Maurice, “Propos sur la sociologie des professions”,
in D. Ruellan, Le Professionnalisme du flou, p. xx.
xiii A School of Journalism da University of Missouri
Columbia, primeira escola aparecida nos EUA, foi criada
em 1908. Enquanto que a Columbia University Graduate
School of Journalism, criada graças ao financiamento de
Joseph Pulitzer, data de 1912.
xiv E. Neveu, Sociologie du journalisme, Paris, La
Découverte, 2001, p. 15.
xv É este o seu nome actual, nome que foi variando no
tempo.
xvi Criada por iniciativa de jornalistas católicos da
imprensa desta cidade próxima da fronteira belga.
xvii Três anos mais tarde, a DIZ da Universität Berlin passará a chamar-se Institut für Zeitungswissenschaft, que se
ocupará de ensino como de investigação.
xviii Criada por Ángel Herrea Oria, advogado e director
de El Debate, que viria a ser sacerdote em 1940 e bispo em
1947. Esta escola desapareceria em 1936, com o início da
guerra civil.
Note-se que certos autores afirmam que um primeiro
curso privado de Jornalismo foi iniciado em Espanha em
1887 : V. a este propósito M. Alvarez, “Communication
studies in Spain : an individual perspective”, in D. French
e M. Richards, Media education across Europe, Londres e
Nova Iorque, Routledge, 1994, p. 49.
xix Ch. Delporte, Histoire du journalisme…, p. 59.
D. Ruellan, Le Professionnalisme du flou, pp. 236-238.
xx Ch. Frost, “The development and integration of bachelor degrees in journalism into the training and recruitment of journalists in the UK”, p. 195.
xxi De 1941 a 1958, esta escola deteve o monopólio do
ensino do jornalismo em Espanha. Em 1958, a Opus Dei
criou o Instituto de Periodismo na Universidad de
Navarra, em Pamplona.
xxii Também na Bélgica, a Université Catholique de
Louvain introduziu quatro cadeiras “de comunicação” no
curso de Ciências Políticas e Sociais em 1946, aos quais virá
acrescentar-se um “seminário de prática de jornalismo”
leccionado por um cónego. Porém, a licenciatura em
Comunicação Social só será criada vinte anos mais tarde,
em 1966.
Na Grã-Bretanha, a primeira licenciatura foi criada em
1970-71 pela Cardiff School of Journalism na que agora se
chama (desde 2004) Cardiff University. A formação iniciada no período entre as duas guerras mundiais pelo King’s
College, na London University, não foi reconduzida após
1945 : V. a este propósito J. Tunstall, Journalists at Work, p.
60.
xxiii As licenciaturas em Ciências da Comunicação com
uma especilização em Jornalismo só foram criadas em
cinco universidades públicas italianas a partir de 1992 : P.
P. Giglioli, “Italy : the coming of age of media studies”, in
D. French e M. Richards, Media education across Europe, p.
40.
xxiv Em 1997, Mário Mesquita e Cristina Ponte enumeravam já vinte e nove “cursos universitários e politécnicos” na área do jornalismo, aos quais acrescentavam mais
três “centros de formação” existentes em Portugal : M.
Mesquita e C. Ponte, “Situação do ensino e da formação
profissional na área do jornalismo”, www.boicc.ubi.pt.
Dez anos depois, Sandra Marinho afirma que, em
Portugal, “só na rede pública de ensino superior temos 14
universidades, 5 institutos de ensino universitário não
integrados em universidades, 15 institutos politécnicos, 15
unidades integradas em universidades públicas e 15 escolas politécnicas independentes, e que muitos deles têm
Licenciaturas na área do Jornalismo e das Ciências da
Comunicação” : S. Marinho, “Integração profissional e
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(continuação)
formação em jornalismo e comunicação: o caso da
Universidade do Minho”, in J. Marinho e S. Pinto da Silva
(dir.), Actas do Congresso internacional Premium…, p. 26.
A propósito da situação em Portugal, ver também S.
Meireles Graça, “Os Problema-chave de ingresso no jornalismo em Portugal”, in J. Marinho e S. Pinto da Silva (dir.),
Actas do Congresso internacional Premium…, pp. 111-131.
É interessante comparar estes números com os que Daniel
E. Jones avança relativamente a Espanha : em 1998, havia
uns vinte mil estudantes matriculados nas vinte e cinco
faculdades de “Ciencias de la Información /
Comunicación” : D. E. Jones, “Investigación sobre comunicación en España : evolución y perspectivas”, pp. 13-51.
Será necessário recordar que a população espanhola é
grosso modo quatro vezes superior à portuguesa e que
paisagem mediática espanhola é bastante mais dinâmica
do que a portuguesa, que se trate de imprensa diária, de
rádio ou de televisão ? A propósito da evolução recente no
pais vizinho, ver M. Túñez, “Condicións laborais, reputación e satisfacción profesional dos xornalistas”, in J.
Marinho e S. Pinto da Silva (dir.), Actas do Congresso internacional Premium…, p. 81.
O caso da Itália é igualmente edificante : a criação da
licenciatura em Ciências da Comunicação data de 1992,
tendo então cinco universidade começado este tipo de
formação. Catorze anos depois, em 2006, esta formação
era dispensada em 48 das 78 universidades italianas : B.
Mazza, “Communication Sciences in Italiy between specialiazed education and the labour market”, in J. Marinho
e S. Pinto da Silva (dir.), Actas do Congresso internacional
Premium…, pp. 140-141.
Mas o caso da Grã-Bretanha é também interessante : as
três primeiras formações universitárias em Jornalismo
foram criadas em 1991. Quinze anos depois, em 2006, mais
de 40 instituições propõem formações em jornalismo : Ch.
Frost, “The development and integration of bachelor
degrees in journalism into the training and recruitment of
journalists in the UK”, p. 196.
xxv Portugal constitui deste ponto de vista um caso particularmente significativo : bom número de departamentos da universidades públicas foram criados e/ou tiveram
durante muitos anos como principais responsáveis antigos padres católicos ou antigos seminaristas que renunciaram “in extremis” a fazer votos e a entrar na vida sacerdotal…
xxvi H. Stephenson e P. Mory, La Formation au journalisme
en Europe, pp. 46 e 61.
xxvii M. Palmer, “Les Héritiers de Théophraste”, in J.-F.
Lacan, M. Palmer e D. Ruellan, Les Journalistes, p. 117.
xxviii O programa em 3 + 2 anos de estudos, conforme à
« directiva de Bolonha », foi activado em 2004-05. Desde
logo, o novo “master” entrará em aplicação em 2007-08,
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pelo que o quinto e último ano de estudos funcionará pela
primeira vez em 2008-09.
xxix Dados de Março de 2007.
A propósito da situação na Bélgica, ver J.-M. NobreCorreia, “Du journalisme en Belgique”, in La Revue nouvelle, Bruxelles, vol. 98, n° 12, décembre 1993, pp. 80-88.
xxx O mesmo acontece aliás em França onde “os créditos
atribuídos às universidades dependente principalmente
do númeor de estudantes inscrits. A incripção na universidade dá acesso à segurança sociale estudante e às bolsas” (Ch. Saint-Etienne, “Pour des universités de rang
mondial”, in Le Monde, Paris, 13 de Março de 2007, p. 23.
xxxi AJP (Association des journalistes professionnels), Le
Livre noir des journalistes indépendants, Bruxelas, Éditions
Luc Pire, 2006, p. 20.
xxxii AJP, Le Livre noir des journalistes indépendants, p. 20.
xxxiii AJP, Le Livre noir des journalistes indépendants, pp. 4850.
xxxiv FEJ (Fédération européenne des Journalistes), Charte
des droits des journalistes freelance, Bruxelas, 2006.
Rémy Rieffel evocava já esta situação de precariedade em
França : em 1978, 14,3 % dos jornalistas profissionais
estavam desempregados : R. Rieffel, L’Élite des journalistes,
Paris, PUF, 1984, pp. 30-31.
Por seu lado, Jean-Marie Charon mencionava o caso do
Centre de Formation de Journalistes, em Paris (uma das
mais célebres, senão a mais célebre escola francesa de jornalismo, que pratica uma severa politica de “numerus
clausus”), que realizou um estudo em 1992 que mostrava
que 41 % dos diplomados saídos nos últimos cinco anos
não tinham arranjado um emprego definitivo : J.-M.
Charon, Cartes de presse, Paris, Stock, 1993, pp. 33-34.
Enquanto que, mais recentemente, Érik Neveu afirmava
que os independentes (“pigistes”) representavam 8,5 %
dos detentores da carteira profissional em França em 1975,
14,7 % em 1990 e mais de 40 % em 1999 / E. Neveu,
Sociologie du journalisme, p. 25.
Em Espanha, em 1988, dezassete anos após a criação das
licenciaturas em Ciências da Informação, o sindicato UGT
afirmava que 35,7 % dos licenciados estavam inscritos no
desemprego : M. Alvarez, “Communication studies in
Spain : an individual perspective”, pp. 52-53.
Sobre a situação na Galiza ver M. Túñez, “Condicións laborais, reputación e satisfacción profesional dos xornalistas”, in J. Marinho e S. Pinto da Silva (dir.), Actas do
Congresso internacional Premium…, p. 84.
xxxv J.-M. Nobre-Correia, “O futuro perante o passado :
uma perspectiva histórica”, in Media, jornalismo e democracia, Lisboa, Livros Horizonte, 2002, pp. 85-92.
xxxvi J.-M. Nobre-Correia, « Une certaine mort annoncée… », in Communication et Langages, Paris, Armand
Colin, Março de 2006, n ° 147, pp. 15-24.

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