introdução

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introdução
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INTRODUÇÃO
O que se pretende com o presente trabalho é promover a análise acerca da admissibilidade das
provas ilícitas no campo processual penal.
O interesse pelo tema decorreu da atividade desempenhada como Delegado de
Polícia, na qual, não raramente, temos que assistir inertes à absolvição de grupos e quadrilhas
especializadas, após anos e anos de investigação, sob a alegação de que alguma prova coligida
aos autos deu-se de forma ilícita.
A Constituição Federal de 1988 consagrou, de forma expressa e aparentemente
peremptória, o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, ao
estabelecer, no art. 5º, inciso LVI, que "são inadmissíveis no processo as provas obtidas por
meios ilícitos".
Diante da forma taxativa da qual lançou mão o legislador, parte da doutrina vem
entendendo que a regra prevista no texto constitucional deve ser interpretada em termos
absolutos, não admitindo, em nenhuma hipótese, a utilização das provas ilícitas, sob o
fundamento de que o direito não poderia prestigiar comportamento antijurídico.
Demonstrar-se-á, no entanto, ao longo do primeiro capítulo, que nenhum princípio
constitucional poderá ser analisado em termos absolutos. Isso porque os princípios podem
entrar em conflito e, diante da colisão, o julgador deverá dar prevalência ao princípio que se
mostra mais importante no caso concreto, restringindo, por outro lado, o alcance do princípio
preterido.
Adotando a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, demonstrar-se-á que a
“inadmissibilidade das provas ilícitas” é um princípio e, justamente por isso, poderá entrar em
conflito com outros princípios constitucionais de igual hierarquia.
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O conflito, todavia, será apenas aparente, tendo em vista que a Constituição Federal
deve ser interpretada de forma harmônica e globalizante. Com isso, não há que se falar em
validade do princípio vencedor e invalidade do princípio vencido.
Dessa forma, sendo a inadmissibilidade das provas ilícitas um princípio, este poderá
entrar em conflito com outros princípios constitucionais de igual hierarquia e nada impede
que, no caso concreto, ceda espaço a um outro princípio que se revela mais importante, de
forma que seja mantida a unidade do texto constitucional.
No segundo capítulo, será demonstrado que o método adotado tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência dos tribunais para resolução do conflito é o da ponderação de
valores, representado pelo princípio da proporcionalidade.
O guia do julgador, ao ponderar os valores em conflito, será sempre o princípio da
dignidade humana, mas não apenas uma dignidade como sinônimo de dever de proteção dos
direitos fundamentais, individualista, mas também sob o viés do dever de eficiência do direito
penal, demonstrando a importância do deste como proteção aos direitos fundamentais da
coletividade.
Com isso, pretenderemos demonstrar que a ponderação consiste no procedimento de
colocar, de um lado, o interesse no bem-estar da comunidade e, de outro, as garantias dos
indivíduos que a integram, a fim de evitar que se beneficie demasiadamente um em
detrimento do outro.
No terceiro capítulo, demonstrar-se-á que a ponderação de valores será dada sempre
no plano concreto e será representada pelo princípio da proporcionalidade, por meio do qual
se permite uma flexibilização do rigor formal das normas constitucionais, notadamente da
inadmissibilidade das provas ilícitas, foco deste trabalho.
Demonstrar-se-á ainda que a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo
julgador não importa em arbitrariedade, isso porque, conforme se analisará no curso da
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explanação, o juiz estará adstrito a critérios objetivos que confiram estabilidade e controle a
esse processo, de forma que não se degrade o sistema de proteção aos direitos fundamentais.
Com isso, só será admitida a restrição do alcance de um princípio constitucional se
esta se revelar, no caso concreto, adequada, ou seja, apropriada para a obtenção do fim
desejado; necessária, no sentido de ser a mais suave dentre as várias medidas aptas e, por fim,
proporcional, no sentido de fazer predominar o valor de maior relevância.
No capítulo quarto, serão tecidas algumas consideração sobre as provas no processo
penal, notadamente no que diz respeito ao tema “provas ilícitas” e, em seguida, analisar-se-á,
de forma crítica, a jurisprudência nacional sobre o tema, verificando sua compatibilidade com
a teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy, bem como os critérios apontados pelos
sistemas jurídicos estrangeiros.
Com isso, pretende-se demonstrar que as provas ilícitas não podem ser utilizadas
apenas em favor do réu, sob uma ótica puramente individualista, mas, em caráter excepcional,
também em favor da sociedade, em consonância com o dever de eficiência do direito penal.
O que se pretende com este trabalho é enfatizar que as provas ilícitas produzidas pela
acusação não devem ser expurgadas do processo pura e simplesmente por não terem seguido a
rigor os mandamentos legais, mas ponderadas com os demais valores.
Saliente-se, desde já, que não se trata de soterrar e aniquilar os direitos e garantias
fundamentais previstos no texto constitucional, cuja importância dentro de um estado
democrático de direito é salutar.
Por outro lado, o que não se pode aceitar é que criminosos se valham desse mesmo
texto constitucional para salvaguardar direitos e acobertar práticas ilícitas. A experiência vem
demonstrando que há uma dificuldade de aceitação social dos resultados da inadmissibilidade
de provas verídicas por vícios formais, especialmente quando sua exclusão resulta na
absolvição de criminosos de alta periculosidade.
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Não se defende que o princípio da eficiência penal seja o critério preponderante, até
porque, como já salientado outrora, não existem princípios absolutos. Entretanto, a eficiência
do direito penal não pode ser renegada a um segundo plano, pois também possui assento
constitucional.
Como se percebe, o tema a ser discutido é árduo, pois toca nos fundamentos da
cultura jurídica, podendo despertar reações extremas tanto de repúdio a uma flexibilização da
proteção aos direitos fundamentais durante a persecução penal, quanto de indignação em
relação a resultados processuais socialmente ilegítimos.
Justamente por isso, procura-se pautar, numa postura de equilíbrio, analisando os
problemas tanto do excesso da flexibilização da garantia da inadmissibilidade quanto de sua
aplicação, demasiada rígida.
Dessa forma, o que se busca com o trabalho é identificar os princípios em colisão,
notadamente no campo do processo penal, compatibilizando o princípio da inadmissibilidade
das provas ilícitas com os demais princípios em colisão.
Pretende-se que a investigação realizada forneça, ao fim, critérios gerais para o
tratamento das provas ilícitas de forma condizente com a missão de um Estado democrático
de Direito de proteger o sistema de direitos fundamentais como um todo.
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CAPÍTULO I. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.1 Considerações Iniciais
Como já salientado, a norma prevista no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal
(CF/88), não é absoluta, comportando, portanto, temperamentos inerentes à acomodação dos
diversos princípios em colisão no processo penal.
Como bem salientado por Thiago André Pierobom de Ávila (2007, p. 05), a
Constituição é produto de um processo democrático e, portanto, alberga valores díspares,
quando não antagônicos. O processo constituinte não se desenvolve necessariamente sob o
signo do consenso, mas como síntese dialética de ideais políticos diversificados que traduzem
a diversidade axiológica da sociedade. Assim, uma compatibilização dos diversos direitos
fundamentais expressivos desses valores díspares apenas pode ser realizada em uma teoria
dos direitos fundamentais de matriz principiológica.
De fato, ela conglomera normas advindas de pontos de vista políticos diversificados
e aparentemente opostos, tentando sintetizar, dialeticamente, essas concepções, refletindo o
pluralismo axiológico da comunidade. E porque ela é resultante da condensação de diversas
facções políticas e sociais que, muitas vezes, são antagônicos.
Por outro lado, pelo fato de constituir um sistema aberto, eventualmente ocorrem
tensões entre seus princípios.
Nessa hipótese, deve o intérprete buscar o sentido das normas constitucionais de
forma a evitar contradições e, não sendo possível, deve balanceá-las para que sejam
preservadas em sua essência.
O intérprete deve, portanto, considerar a Constituição como um corpo normativo
único, pois suas normas são interdependentes e assim devem ser interpretadas, procurando
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harmonizar os conflitos nela porventura existentes e preservando a sua unidade através da
ponderação de seus valores.
Vale destacar ainda que os métodos tradicionais de solução de antinomias, traçados a
partir da lição de Norberto Bobbio (1999, p. 103-104), tais como o critério cronológico,
critério hierárquico e o critério da especialidade não são suficientes para suplantamento das
colisões de normas constitucionais, já que elas estão em igual patamar no ordenamento
jurídico, não havendo primazia entre si, mesmo que umas sejam mais destacadas que outras.
Nesse sentido, assevera Luiz Roberto Barroso (1998, p. 81) que:
[...] em direito, hierarquia traduz a idéia de que uma norma colhe seu
fundamento de validade em outra que lhe é superior. Não é isso, contudo,
que se passa entre normas promulgadas originariamente com a Constituição,
justamente pelo fato de estarem no mesmo pé de igualdade.
Dessa forma, não raramente o aplicador do direito depara-se, no caso concreto, com
a colisão de princípios fundamentais, tendo que aplicar um deles em detrimento do outro, de
forma que seja mantida a unidade do texto constitucional.
Assim, dada a complexidade do tema e, justamente pelo fato dos direitos
fundamentais servirem de alicerce a este trabalho, adotar-se-á como referencial teórico aos
objetivos desta pesquisa, a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, a ser complementada
pelo estudo de outros autores.
1.2 A Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy
Alexy, em sua teoria, parte do pressuposto de que o ordenamento jurídico é
composto por vários princípios fundamentais, o que leva à conclusão de que haverá colisões
entre estes. Para o autor, caso a teoria dos direitos fundamentais se apoiasse em um único
princípio, ter-se-ía um grau de abstração tamanho que a teoria perderia sua utilidade.
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Dessa forma, o que o autor visa com sua teoria é definir qual é a decisão correta para
o caso de colisões de princípios de direitos fundamentais, mediante a análise do problema da
fundamentabilidade racional do juízo de valor. Não se trata, portanto, de uma teoria de valores
concretos, mas de uma teoria jurídica geral a ser aplicada, no caso concreto, mediante um
juízo de ponderação de valores.
Para Alexy, é fundamental para a compreensão da estrutura das normas dos direitos
fundamentais, a análise da dimensão principiológica do direito e do Estado constitucional
contemporâneo. Especialmente porque, como afirma Zagrebelsky apud ÁVILA (2007, p.08),
"[...] as normas legislativas são, de forma prevalente, regras, enquanto as normas
constitucionais sobre direitos e sobre a justiça são prevalentemente princípios”, ainda que se
reconheça que também há regras na Constituição, bem como princípios na legislação
infraconstitucional.
Enquanto o positivismo jurídico tradicional de Kelsen (1994, p. 54) via o direito
como aplicação de um silogismo judicial (subsunção da situação concreta do fato à previsão
abstrata da norma), a moderna teoria dos direitos fundamentais de Alexy (pós-positivista)
afasta tal perspectiva para incluir os princípios também como espécie normativa ao lado das
regras.
Por conta disso, o direito passou, assim, a não mais ser visto apenas como o disposto
expressamente em lei. Destarte, o sistema normativo é considerado atualmente alicerçado em
princípios.
No estudo da teoria material dos direitos fundamentais em bases normativas - a teoria
normativa-material - Robert Alexy instituiu a distinção entre regras e princípios (à
semelhança de Dworkin).
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Tal diferenciação é de suma importância, porque as tensões poderão ocorrer não
apenas entre princípios, mas também entre regras e, a depender da espécie de conflitos,
surtirão resultados distintos.
Daí a importância da distinção traçada entre regras e princípios, o que se fará a seguir
com fundamento na doutrina Robert Alexy, q qual se mostra mais adequada e em consonância
com os objetivos de nosso trabalho.
1.3 Diferença entre Princípios e Regras e a Colisão de Direitos
Fundamentais
Alexy (1993, p. 83) preconiza que, tanto as regras como os princípios, são espécies
do gênero norma. Assevera que “tanto as regras como os princípios são normas porque dizem
o que deve ser”. Ambas formulam-se com a contribuição de expressões deônticas
fundamentais, como mandamento, permissão e proibição, e complementa que a distinção
entre elas é uma distinção entre os tipos de norma.
Segundo o publicista alemão (1993, p. 84), a compreensão dessa estrutura normativa
distinta de regras e princípios é essencial para uma teoria satisfatória da colisão dos direitos
fundamentais, dos limites e do papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico.
Para Alexy (1993, p. 83), o critério de distinção entre regras e princípios, não é
apenas de grau (de generalidade), mas de qualidade.
No entendimento de Alexy (1993, p. 83), entre regras e princípios não há diferença
de grau (maior ou menor generalidade), mas diferença acima de tudo qualitativa. Nesse
sentido assevera que: “entre reglas y princípios existe no solo uma diferença gradual sino
cualitativa”. A essa conclusão parte o professor da pertinência dos princípios à classe das
normas, mais especificamente como "determinações de otimização", com individualizador
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particular: são normas que podem ser cumpridas em diversos graus. (BONAVIDES, 1996, p.
249)
Explica ainda Alexy (1993, p. 86) que “[...] as regras são normas que podem ser
cumpridas ou não, e quando uma regra vale, então se há de fazer exatamente o que ela exige.
Nem mais, nem menos”.
E arremata considerando que os princípios são qualificados como: “[...] mandatos de
optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente
grado y que la medida devida de su cumplimiento no solo depende de las possibilidades
reales sino también de las jurídicas" (ALEXY, 1993, p. 86).
Nesse sentido, assevera Canotilho (1993, p. 168) que: “Os princípios são normas
jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização,
consoante com os condicionalismos fácticos e jurídicos”.
A distinção entre regras e princípios desponta com maior nitidez, no dizer de Alexy
(1993, p. 89), ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras. Nesses termos: "um
conflito entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o
conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula".
Assevera ainda que: “juridicamente, uma norma vale ou não vale, e quando vale, e é
aplicável a um caso, isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem”.
(ALEXY, 1993, p. 86)
E complementa no sentido de que “[...] havendo conflito de uma regra com outra,
que disponha em contrário, o problema se resolverá em termos de validade. As duas normas
não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico”.1 (ALEXY, 1993, p. 88)
1
“Con la constatación de que en caso de un conflito de reglas, cuando no es posible la inclusión de uma
cláusula de excepción,, por lo menos una de las reglas tiene que ser declarada inválida”.
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Canotilho (1993, p. 169), seguindo a mesma orientação, sustenta que as regras não
deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve
cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem menos.
No que diz respeito ao conflito entre regras, Alexy (1993, p. 88) dispõe que este pode
ser resolvido por meio de regras, tais como: “lei posterior derroga a lei anterior e lei especial
derroga lei geral, bem como pela importância dos princípios em conflito. E complementa no
sentido de que o fundamental é que a decisão se encontra no terreno da validade”.2
No que toca aos princípios, assinala Alexy (1993, p. 88) que tudo se passa de modo
diverso. A colisão ocorre se, por exemplo, algo é vedado por um princípio, mas permitido por
outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não significa que o
princípio do qual se abdica seja declarado nulo, tampouco que a cláusula de exceção nele se
introduza. Antes, quer dizer que, em determinadas circunstâncias, um princípio cede ao outro
ou que, em situações distintas, a questão de prevalência pode-se resolver de forma contrária.
Com isso, pretende-se demonstrar que os princípios têm um peso diferente nos casos
concretos e que o princípio de maior peso é o que prepondera.3
E complementa no sentido de que “os conflitos de regras se desenvolvem, de outro
lado, na dimensão de validade, ao passo que a colisão de princípios, visto que somente
princípios válidos podem colidir, transcorre fora da dimensão da validade, ou seja, na
dimensão do peso; vale assim dizer, do valor”.4 (ALEXY, 1993, p. 89)
2
Ao tratar dos critérios a serem adotados para se solucionar os conflitos entre regras, assevera que: “lex
posterior derogat legi priori” y “lex specialis derogat lex generali, pero también es posible proceder de acuerdo
com la importância de las reglas em conflito”.
3
Comentando acerca da solução a ser adotada quando do conflito entre princípios - Las colisiones de principios
deben ser solucionadas de manera totalmente distinta, Coando dos principias entran en colisión - tal como es el
caso cuando según um principio algo está proibido y, según outro principio está permitido- uno de los dos
principios tiene que ceder ante otro, Pero, esta no significa declarar inválido al principio desplezado ni que em
el principio desplezando haya que introducir uma cláusula de excepción. Más bien lo que sucede es que “ bajo
ciertas circunstancias uno de los principios precede al otro. Bajo otras circunstancias, la questión de la
precedencia puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en
los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso.
4
Traçando um paralelo acerca da solução dos conflitos entre regras e entre princípios – “Los conflictos de reglas
se llevan a cabo e la dimensión de la validade; la colisión de princípios – como solo pueden entrar en colisión
principios válidos – tiene ligar más Allá de la dimensión de la validez, en la dimensión del peso”.
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Mas a questão decisiva, nesse passo e a partir dessas importantes conclusões que
passaram a influenciar toda a concepção material da Constituição, diz “de que maneira saber
sob quais condições determinado princípio tem precedência sobre outro". (ALEXY, 1993, p.
92)
Do pensamento de Alexy pode-se extrair que uma norma será princípio ou regra não
por qualquer propriedade intrínseca ao seu enunciado lingüístico, mas de modo particular que
se apresenta quando em colisão com outras normas. Se a norma, ao colidir com a outra, cede
sempre ou triunfa sempre, será por ter ela nota típica de regra. Entretanto, se o conflito com
outras normas proporciona vitórias ou derrotas - segundo as situações concretas - é porque
estamos diante de um princípio. (PIETRO SANCHIS, 1998, p. 58)
Para Dworkin (1978, p. 24):
[...] enquanto as regras são cumpridas na lógica do `tudo ou nada´; se
ocorrerem os fatos por elas estipulados, então a regra será válida e, nesse
caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal, porém, não acontecer, aí a
regra nada contribuirá para a decisão. Os princípios são mandados de
otimização, que devem ser realizados, na maior medida possível, dentro das
possibilidades jurídicas e reais existentes.
Assim, havendo um conflito de regras, deve-se introduzir uma cláusula de exceção
em uma das regras e, caso tal não seja possível, esta deve ser declarada inválida. O conceito
de validez jurídica não é gradual, de sorte que ou a norma vale ou não vale. Já na colisão de
princípios, não se discute a validez, mas a dimensão de peso: "[...] nos casos concretos os
princípios têm diferente peso e prevalece o princípio com maior peso” (ALEXY, 1993, p.
89).5 Assim, a resolução do conflito de princípios é feita através da atividade de ponderação,
que não leva à exclusão do princípio realizado em menor medida.
5
“[...] en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso”.
(Tradução Nossa)
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Como salientado outrora, a preocupação central da obra de Alexy é a busca de um
procedimento para a solução dos problemas de colisão de princípios, introduzindo elementos
reguladores do processo argumentativo dos direitos fundamentais.
Para Alexy (1993, p. 89), um sistema constituído exclusivamente de regras, a
despeito da característica da segurança, precípua do positivismo, possui o inconveniente da
limitada racionalidade prática, além do que exigiria exaustiva previsão legislativa.
No mesmo sentido, preleciona Canotilho (1993, p. 170) que:
[...] um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzirnos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma
disciplina legislativa exaustiva e completa — legalismo — do mundo e da
vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras
jurídicas. Conseguir-se-ia um ‘sistema de segurança’ mas não haveria
qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um
sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto.
Por outro lado, um sistema constituído exclusivamente de princípios geraria
indeterminação e insegurança jurídica. O modelo ou sistema baseado exclusivamente em
princípios levar-nos-ía a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência
de regras precisas e a coexistência de princípios conflitantes só poderiam conduzir a um
sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do
próprio sistema. (CANOTILHO, 1993, p. 170)
Para Alexy (1993, p. 89), desta forma, a combinação de princípios e regras
representa evolução pela nota de complementaridade que alia esses conceitos.
Daí porque sua teoria pode ser classificada em um sistema de três níveis: regras,
princípios e procedimentos. Os procedimentos são os reguladores da aplicação das regras e
princípios e possuem a forma de uma teoria da argumentação jurídica (1993)6, a qual será
analisada oportunamente.
6
Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 89) que: “El modelo puro de reglas fracasa en los tres tipos
normación de derecho fundamental considerados. Se puede suponer que también es insuficiente para otros tipos
de normación que se encuentran en la Ley Fundamental. EI modelo puro de principios fue rechazado porque no
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A solução de uma colisão de princípios deve ser tomada levando em conta as
circunstâncias do caso concreto, estabelecendo, entre os princípios, uma "relação de
precedência condicionada", ou seja, as condições sob as quais um princípio precede o outro.
Essa relação de precedência não é absoluta, abstrata, incondicionada, mas sempre
condicionada, concreta e relativa.7 (ALEXY, 1993, p. 92)
No mesmo sentido, Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 47), enfatiza que “a prevalência
dos direitos fundamentais deve ser vista como uma prevalência a priori”.
Assim, como se percebe na teoria de Alexy, não há relações de precedência absolutas
entre princípios, pois estes, como mandados de otimização (preceituam o que pode ser feito
com ampla margem de atuação), referem-se a ações e situações que não são quantificáveis,
mas qualitativas.
Enquanto as regras já contêm uma determinação no âmbito das possibilidades
jurídicas e fáticas, os princípios ordenam que algo deva ser realizado na maior medida
possível, levando em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. Portanto, não contém
mandados definitivos, mas apenas prima facie.8 (ALEXY, 1993, p. 92)
Dessa forma, enquanto as regras já devem estabelecer as relações de precedência no
caso concreto, os princípios não têm conteúdo determinado com respeito a princípios
contrapostos e às possibilidades fáticas; enquanto as regras são aplicadas a situações e sujeitos
ao menos determináveis, os princípios admitem um amplo e indefinido rol de aplicações e de
toma en serio las regulaciones adoptadas en la Ley Fundamental. Cuando das formas puras contrapuestas no
son aceptables, hay que preguntarse por una forma mixta o combinada, es decir, un modelo combinado. un tal
modelo combinado es el modelo regla / principios, que surge de la vinculación de un nivel de principios con un
nivel de reglas”.
7
Nesse sentido, assevera Alexy (1993, p. 92) que: “La solución de la colisión consiste más bien en que, teniendo
en cuenta las circunstancias del caso, se eslablece: entre los principios una relación de precedencia
condicionada. La delerminación de la relación de precedencia-condicionada consiste en que, tomando en
cuenta el caso, se indican las condiciones baja las cuales un principio precede al otro. Bajo otras condiciones,
la cuestión de la precedencia puede ser solucionada inversamente”.
8
“Los principios ordean que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, teniendo en cuenta las
possibilidades jurídicas y fácticas. Por lo tanto, no contienen mandados definitivos sino solo prima facie”.
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indivíduos aos quais serão aplicáveis. Assim, sua aplicabilidade está relacionada à dimensão
de peso ou importância.
É que os princípios não prevêem efeitos jurídicos determinados em decorrência de
situações preestabelecidas. Seu caráter fluido impede que haja previsão exata de seus
resultados, os quais dependerão de cada caso concreto e dos demais princípios a ele
aplicáveis. Assim, eles podem ser facilmente maleabilizados quando em colisão com outros.
Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização,
permitem o balanceamento de valores e interesses - não obedecem, como as regras, à “lógica
do tudo ou nada”- consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente
conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra
vale - tem validade - deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais nem
menos. (CANOTILHO, 1993, p. 1256)
Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objecto de ponderação, de
harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou standards que, em primeira linha prima facie - devem ser realizados; as regras contêm “fixações normativas” definitivas, sendo
insustentável a validade simultânea de regras contraditórias (CANOTILHO, 1993, p. 1256).
Num sistema de regras, pondera Dworkin (1978, p. 27), não se pode dizer que uma regra é
mais importante do que outra. De tal sorte que, quando duas regras entram em conflito, não se
admite que uma possa prevalecer sobre a outra em razão de seu maior peso.
O caráter de mandado de otimização dos princípios fica explicitado na consideração
de que os princípios são apenas razões prima facie, enquanto as regras são razões definitivas.
Segundo Alexy (1993, p. 89), os princípios geram direitos prima facie e a via do direito
definitivo passa pela determinação de uma relação de preferência. Portanto, os princípios
nunca são razões definitivas, mas pontos de partida para uma avaliação da normalização ideal.
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Essa característica dos princípios de funcionarem como mandados de otimização
revela um elemento essencial. Eles possuem um caráter prima facie. Isso significa que o
conhecimento da total abrangência de um princípio, de todo o seu significado jurídico, não
resulta imediatamente da leitura da norma que o consagra, mas deve ser complementado pela
consideração de outros fatores. A normatividade dos princípios é, nesse sentido, provisória,
"potencial, com virtualidades de se adaptar à situação fática, na busca de uma solução ótima".
(CANOTILHO, 1993, p. 1256)
No amplo mundo dos princípios, há lugar para muitas coisas. Pode ser
chamado de mundo do dever ser ideal. Quando há que se passar do amplo
mundo do dever ser ideal ao estreito mundo do dever ser definitivo ou real,
se produzem colisões ou, para usar outras expressões freqüentes, tensões,
conflitos e antinomias. É então inevitável sopesar princípios contrapostos, ou
seja, há que estabelecer relações de preferência.9 (ALEXY, 1993, p. 133)
Conforme Alexy (1998, p. 10), as normas de direitos fundamentais possuem um
caráter duplo: são ao mesmo tempo regras e princípios:
Ela [teoria dos princípios] afirma não apenas que os direitos fundamentais,
enquanto balizadores de definições precisas e definitivas, têm estruturas de
regras, como também acentua que o nível de regras precede prima facie ao
nível dos princípios. O seu ponto decisivo é o de que atrás e ao lado das
regras existem os princípios.
Assim, atrás da regra de direito fundamental há um princípio, que deve ter primazia
na ponderação quando ocorrer um conflito desse com outros princípios constitucionais.
(ÁVILA, 2007, p. 11)
Na perspectiva de Alexy (1993, p. 10), os direitos fundamentais individuais podem
ser restringidos não apenas por outros direitos fundamentais individuais (colisão em sentido
9
“En el amplio mundo de las principios, hay lugar para muchas cosas. Puede ser lhamado un mundo del deber
ser ideal. Cuando hay que pasar del amplio mundo del deber ser ideal ai estrecho mundo del deber ser
definitivo o real, se producen colisiones o, para usar otras expresiones frecuentes, tensiones, conflictos y antinomias. Es entonces inevitable sopesar principias contrapuestos, es decir, hay que establecer relaciones de
preferencia”.
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estrito), mas também por princípios constitucionais relativos a bens coletivos (colisão em
sentido amplo).10
Dessa forma, embora os direitos fundamentais se estabeleçam como alicerce de todo
ordenamento jurídico, não estão isentos de restrições e limitações, isso porque, como já
salientado, não podem ser interpretados de forma absoluta.
1.4 Restrições dos Direitos Fundamentais
Como outrora já salientado, os direitos fundamentais estão sujeitos a restrições e
podem ser delimitados ou limitados diante do caso concreto.
No mesmo sentido, Häberle apud ÁVILA (2007, p. 12) explicita que:
[...] se os direitos fundamentais se integram reciprocamente formando um
sistema unitário, se configuram como componentes constitutivos do conjunto
constitucional e estão em uma relação de recíproco condicionamento com
outros bens jurídico-constitucionais, disso se deduz que há que se determinar
seu conteúdo e seus limites em atenção aos outros bens jurídicoconstitucionais reconhecidos junto deles. A Constituição quer por igual as
relações de poder especial e as liberdades individuais, os direitos
fundamentais e o direito penal, as liberdades de um com as liberdades do
outro.
Dessa forma, como já mencionado, a idéia de validade absoluta de certos princípios
deve ser refutada, pois, na colisão de princípio, não se aplica a regra do “tudo ou nada”. Na
colisão de princípios, não se discute a validade da norma, mas a dimensão de peso; nos casos
concretos, os princípios têm diferentes pesos e prevalece o princípio com maior peso.
Assim, a resolução do conflito de princípios é feita através da atividade de
ponderação, que não leva à exclusão do princípio realizado em menor medida. O princípio
10
“Entre los principias relevantes para la decisión iusfundamental se cuentan no sólo las principias que están
referidos a las derechos individuales, es decir, que confieren derechos fundamentales prima facie, sino también
aquellos que tienen por objeto bienes colectivos y que, sobre todo, pueden ser utilizados como razones en
contra, pero también como razones en favor de los derecho fundamentales prima facie”. (ALEXY, 1993, p.
130)
27
preterido continua válido e em plena vigência, nada impedindo que seja aplicado numa outra
relação jurídica em detrimento do princípio que o preteriu.
Das reflexões de Dworkin (1978, p. 27) infere-se que um princípio, aplicado a um
determinado caso, se não prevalecer, nada obsta a que, amanhã, noutras circunstâncias, volte
ele a ser utilizado, e já então de maneira decisiva.
A isso, nos dizeres de J.J. Canotilho (1993, p. 1056), dá-se o nome de tendencial
unidade axiológico-normativa da lei fundamental.
A propósito do tema, Jorge Miranda apud Araújo Nunes (2006, p. 86) assim se
manifesta:
A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo, na
busca de uma unidade e harmonia de sentido. O apelo ao elemento
sistemático consiste aqui em procurar recíprocas implicações de preceitos e
princípios em que aqueles fins se traduzem em situá-los e defini-los na sua
inter-relacionamento e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese
globalizante, credível e dotada de energia normativa.
Destarte, o princípio em pauta preconiza, em suma, que a Constituição deve ser
interpretada de maneira globalizante, de modo a resguardá-la de eventuais antinomias.
Desdobramento do princípio da unidade, o princípio do efeito integrador sublima a
aplicação de critérios que desincumbam a tarefa de efetivação da integração política e social e
o reforço da unidade política.
Com vistas à solução do problema, socorre-se ainda o julgador, diante de conflitos de
princípios constitucionais, do princípio da concordância prática, segundo o qual, diante das
situações de conflito ou concorrência, preconiza que o intérprete deve buscar uma função útil
a cada um dos direitos em confronto, sem que a aplicação de um imprima a supressão de
outro.
Diz-se, no caso, que deve haver cedência recíproca, de parte a parte, para que se
encontre um ponto de convivência entre esses direitos. Dessa forma, em havendo colisão de
princípios fundamentais, analisa-se o peso de cada um deles no caso concreto, sem qualquer
28
tipo de referência ou análise da validade da norma; aplica-se o critério da valoração dos
interesses envolvidos.
Sem embargos, pequena parte da doutrina entende que alguns princípios não podem
ser preteridos ou afetados quando em conflito com outros princípios. Isso porque deve ser
preservado o que denominam de conteúdo essencial dos direitos fundamentais. É a chamada
teoria absoluta dos diretos fundamentais, segundo a qual sempre existe um núcleo essencial
de cada direito fundamental, que em nenhuma hipótese pode ser afetado.
Alexy (1993, p. 287-288), no entanto, assevera que a denominada garantia do
conteúdo essencial deve ser encarada como um significado duplo. Em sentido objetivo,
significa a vedação de redução total de vigência de uma disposição jusfundamental de forma
que perca sua importância para os indivíduos em geral ou para a vida social.11
Mas também deve ser vista numa perspectiva subjetiva, como forma de proibição de
supressão de posições do indivíduo - considerado o caráter de direito subjetivo dos direitos
fundamentais. (ALEXY, 1993, p. 287-288)
As teorias subjetivas do conteúdo essencial podem ser absolutas ou relativas.
Segundo a teoria relativa, o conteúdo essencial é aquilo que fica após uma ponderação com os
demais princípios em colisão. Assim, a garantia do conteúdo essencial corresponde à
necessidade de observância do princípio da proporcionalidade. Alexy (1993, p. 288)
posiciona-se a favor da teoria relativa. Segundo o autor, o núcleo essencial significa apenas
que "existem condições nas quais se pode dizer com muita segurança que não há precedência
de nenhum princípio oposto" e que "o caráter absoluto de sua proteção é uma questão das
relações entre os princípios".12
11
“[...] una interpretacíon objetiva prohibe que la vigencia de una disposición iusfundamental sea reducida de
forma tal que pierda toda importancia para todos os individuos o para mayor parte de ellos o, en geral, para la
vida social”. (ALEXY, 1993, p. 287-288)
12
“[...] las teorias subjetivas del contenido esencial puedem ser absolutas ou relativas. Según la teoria relativa,
el contenido esencial es aquello que queda después de una ponderación [...] la garantia del contenido esencial
se reduce al principio de proporcionalidad”. (ALEXY, 1993, p. 288)
29
Para Alexy (1993, p. 290-291) não há verdadeiramente um núcleo essencial já
determinado objetivamente e de forma absoluta pela Constituição, mas uma relação entre
princípios contrapostos que permitem a conclusão de que dificilmente haverá situações
concretas nas quais aquela parte mais significativa do direito fundamental possa ser
suprimida.13
Portanto, o conteúdo essencial não possui um conteúdo apriorístico, mas apenas um
caráter declaratório de síntese do resultado da ponderação dos princípios em colisão por meio
da aplicação da proporcionalidade .14 (ALEXY, 1993, p. 288)
Para a teoria absoluta, existe um núcleo em cada direito fundamental que, em
nenhum caso, pode ser afetado.15 (ALEXY, 1993, p. 288)
Esse resultado da ponderação entre princípios somente será alcançado por meio do
que Alexy denominou de teoria da argumentação jurídica, a qual será analisada adiante.
1.5 Argumentação Jurídica como Procedimento de Concretização
dos Direitos Fundamentais
A interpretação dos direitos fundamentais deve partir, em primeiro lugar, do próprio
texto constitucional e da vontade do constituinte. Esses critérios, no entanto, ante a relativa
força semântica dos enunciados abertos dos direitos fundamentais, podem não ser decisivos,
mas são o ponto de partida, que poderão ser eventualmente superados por soluções contrárias
ao texto apenas mediante um ônus de argumentação forte o suficiente.
13
“Cuando la teoria absoluta dice que hay posiciones con respecto a las cuales no existe ninguma razón
superior que las desplace, en cierta media tiene razón. Pero, en esta medida, se basa en la teoria relativa [..]
Por ello, existen condiciones en las cuales puede decirse con muy alta seguridad que no tiene precedencia
nengún principio opuesto”. (ALEXY, 1993, p. 290-291)
14
“[...] o contenido esencial tien simplesmente una importancia declaratória”. (ALEXY, 1993, p. 288)
15
“[...] según la teoría absoluta, existe un núcleo de cada derecho fundamental que, en ningún caso puede ser
afectado”. (ALEXY, 1993, p. 288)
30
Afirma Alexy (1993, p. 534) que: "Para desprezá-lo, não basta expor que a solução
contrária ao texto é melhor que a conforme o texto; as razões a favor da solução contrária ao
texto têm que ter um peso tal que, desde o ponto de vista da Constituição, justifiquem um
apartamento de seu texto".16
Da mesma forma, conclui Alexy (1993, p. 535) que a gênese da norma (vontade do
constituinte) também não é determinante para a sua interpretação pela impossibilidade de
delimitação clara de sua intenção e mesmo pela possibilidade de superação do texto pela
argumentação.
Em segundo lugar:
[...] a argumentação jurídica fundamentar-se-á pelos precedentes judiciais,
especialmente as decisões do Tribunal Constitucional como intérprete maior
da Constituição e sua força vinculante perante os demais órgãos judiciais. Na
prática, a lei fundamental vale como a interpreta o Tribunal Constitucional
Federal. A interpretação corresponde à autoapreciação do Tribunal como
intérprete decisivo e protetor da constituição.17 (ALEXY, 1993, p. 534)
Sintetiza Alexy (1993, p. 537) que, se alguém possui um precedente em seu favor,
sua superação apenas ocorrerá com o ônus da argumentação. Os argumentos mais importantes
em favor da observância dos precedentes são a igualdade, a segurança jurídica, a proteção da
confiança, a estabilidade como base ao progresso e, mais relevante, a controlabilidade
racional da argumentação.18
Esse processo de construção de precedentes pela praxis continuada do Tribunal
Constitucional realiza-se mediante a aplicação dos precedentes a casos idênticos, sua extensão
a casos similares e a construção de exceções de não-extensão a casos parecidos, mas com
16
“Para desplazarlo, no basta exponer que la solución catria al texto es mejor que la conforme al texto, las
raziones en favor de la solución contraria al texto tienen que tener un peso tal que, desde el punto de vista de la
Constitución, justifiquen un apartamiento de su texto”. (ALEXY, 1993, p. 534)
17
“Los precedentes judiciales constituyen la segunda pieza de la argumentación iusfundamental. La frase de
Smend:`En la práctica, la Ley Fundamental vale como la interpreta el Tribunal Constitucional Federal”.
(ALEXY, 1993, p. 535)
18
“Aquí no habrá de reiterarse la fundamentación de estas reglas, presentada ya en outro lugar. Basta
mencionar que los argumentos más importante apuntan a la dignidad, la seguridad juridica, la proteción de la
confianza, la descarga y a estabilidad como base del progresso”. (ALEXY, 1993, p. 537)
31
peculiaridades que justificam a não-aplicação, cujo conjunto forma uma rede ampla e densa
de regras concretas. E complementa Alexy (1993, p. 537) no seguinte sentido: “Quando os
casos são semelhantes, tais regras de decisão são sempre aplicadas”.19
De todas as regras de decisão do Tribunal Constitucional Federal obtém-se uma rede
relativamente densa de normas. Cada nova decisão contribui para aumentar sua densidade,
demonstrando que a força vinculante dos precedentes, neste sistema de normas, é
demasiadamente grande.20 (ALEXY, 1993, p. 537)
Ainda assim, ressalta Alexy (1993, p. 538) a possibilidade de se proceder à
superação do precedente mediante razões mais fortes, o que evidencia a não existência de um
núcleo essencial absoluto e intangível.
Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 539) que: “Por mais densa que seja esta
rede de decisões, os novos casos apresentam sempre novas características que podem ser
utilizadas como razões para uma diferenciação”.21
Assim, o sistema de precedentes fornece uma relativa segurança para a
previsibilidade das decisões, mas ainda mantém o sistema aberto para mudanças básicas, isso
porque as regras de decisão possuem somente uma força vinculante prima facie.
O terceiro padrão de controle da argumentação jurídica dos direitos fundamentais é a
dogmática, que se expressa, no plano normativo, pelas teorias materiais dos direitos
fundamentais. (ALEXY, 1993, p. 540)
Como visto, o procedimento da proporcionalidade é aberto e não determina por si só
qual será a ordem da precedência condicionada dos princípios em colisão. A teorização de
19
“Cuando los casos son suficientemente iguales, tales reglas de decisión son siempre aplicadas”. (ALEXY,
1993, p. 537)
20
“Si se resumen todas las reglas de decisión del Tribunal Constitucional Federal, se obtiene una regla
relativamente amplia y densa de normas. Cada nueva decisón contribui a aumentar a densidad. Por ello, podría
pensarse que la fuerza vinculante de los precedentes en este sistema de normas es más bien demasiado grande”.
(ALEXY, 1993, p. 538)
21
“Por más densa que sea la rede de las reglas de decisión, los casos nuevos presentan siempre nuevas
características que puedem ser utilizadas como razones pra una diferenciación”. (ALEXY, 1993, p. 539)
32
uma proposta da precedência prima facie entre os princípios é tarefa das teorias materiais dos
direitos fundamentais.
Salienta Böckenförd apud ÁVILA (2007, p. 25) que, uma teoria dos direitos
fundamentais (teoria material, no sentido referido por Alexy) é:
[...] uma concepção sistematicamente orientada acerca do caráter geral,
finalidade normativa e alcance material dos direitos fundamentais. Esta
teoria tem seu ponto de referência em uma determinada concepção de Estado
e/ou em uma determinada teoria da Constituição.
Portanto, tais teorias materiais pretendem fornecer o conteúdo concreto dos direitos
fundamentais ou, conforme afirma Alexy, são uma proposta de hierarquização prima facie
dos diversos direitos fundamentais, cuja hierarquia preliminar é afastada apenas diante de
razões mais fortes em favor do princípio contraposto.
Alexy (1993, p. 546) identifica três possíveis construções de teorias materiais: as
unipontuais (que apontam um único princípio fundamental como assegurado pelo Estado - a
liberdade), as que reconhecem um conjunto de princípios de igual hierarquia, e as que
reconhecem um conjunto de princípios com uma certa hierarquia prima facie.22
A teoria liberal, que reconhece a liberdade individual como único direito
fundamental pode ser, segundo Alexy, facilmente afastada pela análise do texto constitucional
e da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que asseguram um conjunto de direitos que
expressam essa relação entre o indivíduo e a comunidade estatal (tensão entre liberdade e
igualdade).
Assim, Alexy (1993, p. 541) conclui que a teoria material adequada deve reconhecer
um conjunto de princípios fundamentais e arremata que é possível formular uma relação de
prioridade prima facie entre esses princípios.
22
“Interesan aqui tres tipos de teorias de princípios: aquéllas que esencialmente apuntan a un principio
iusfundamental, aquéllas que parten de un haz de princípios iusfundamentales de igual jerarquia y aquéllas que
parten de un haz de princípios iusfundamentales, pero intentan crear un cierto orden entre ellos”. (ALEXY,
1993, p. 546)
33
Todavia, reconhece que uma teoria material desse tipo não irá determinar o resultado
das colisões entre princípios em todas as situações, mas, através de sua fundamentação,
permitirá uma estrutura racional.
Nesse sentido, assevera o autor (1993, p. 549) que:
Se os princípios são relevantes, devem ser levados em conta em caso de
colisão; requer-se uma ponderação em que há de se perguntar se a
importância do cumprimento de um dos princípios justifica o não
cumprimento do outro. Com isto se determina o resultado e, através de sua
fundamentação, se permitirá uma estrutura racional.23
Assim, Alexy (1993, p. 550) procura construir um sistema de relações de prioridade
prima face com as seguintes características: a liberdade jurídica e a igualdade jurídica
possuem uma prioridade prima facie que apenas pode ser afastada mediante outros
argumentos mais relevantes.
Nesse sentido, salienta o autor (1993, p. 551) que: “Simplesmente se exige que para a
solução requerida pelos princípios opostos se aduzam razões mais fortes que para a solução
requerida pelo princípio da liberdade jurídica”.24
Assim, a estrutura de prioridades prima facie possui um caráter formal de estruturar
o processo de decisão, ainda que não estabeleça como caráter obrigatório a solução de cada
problema de colisão.
Como se observa, Alexy utiliza, em sua obra, o conceito de dignidade da pessoa
humana como conteúdo material do sistema de direitos fundamentais e, portanto, com uma
posição privilegiada no sistema de ponderações.
23
Se los principios sun relevantes, deben ser tomados en cuenta. En caso de colisón, se requiere una
ponderación en la que hay que perguntar si la importancia del cumplimento de uno de los principios justifica la
medida inevitable de incumplimento del otro”. (ALEXY, 1993, p. 549)
24
“Simplesmente exige que para la solución requerida por los principios opuestos se aduzcan razones más
fuertes que para la solución requerida por el principío de la liberdad jurídica”. (ALEXY, 1993, p. 551)
34
1.6 Críticas à Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy
As principais críticas formuladas por parte da doutrina à teoria de Alexy dizem
respeito aos aspectos metodológico e dogmático, as quais são refutadas de plano pelo autor,
como se analisará a seguir.
Uma das críticas mais acirradas à teoria dos princípios e da ponderação de interesses
está ligada à alegação de ausência de critérios racionais para conduzir a ponderação através de
normas e métodos, o que abriria margem para o subjetivismo e o decisionismo judicial.
As objeções metodológicas contra a teoria dos valores podem ser de duas espécies:
contra a possibilidade de uma ordem hierárquica de valores e contra a ponderação em si.
(ALEXY, 1993, p. 138)
Alexy (1993, p. 156), no que diz respeito à ordem hierárquica de valores, não aceita a
possibilidade de atribuir-se um valor numérico aos valores, refutando, assim, a possibilidade
de construção de uma ordem cardinal de valores, pois "[...] a concepção de uma ordem
hierárquica de valores que trabalhe com escalas cardinais fracassa ante o problema da
metrificação da importância e intensidade de realização dos valores ou princípios".25
A impossibilidade de construção de uma ordem rígida de valores, segundo Alexy
(1993, p. 157), não impede a possibilidade de construção de uma ordem maleável de
hierarquia que considere o conjunto de preferências prima facie em favor de determinados
valores ou princípios e construa uma rede de decisões concretas de preferências, ambos
requisitos intrinsecamente ligados com seu conceito de ponderação. (ÁVILA, 2007, p. 28)
O modelo de ponderação de Alexy (1993, p. 159), mediante o estabelecimento da lei
da precedência condicionada, não é apenas um modelo de decisão para o caso concreto, mas
25
“La concepción de un orden jerárquico de valores que trabaje con escalas cardinales fracasa ente el
problema de la metrificación de la importancia e intensidades de realización de valores o princípios”. (ALEXY,
1993, p. 156)
35
um modelo de fundamentação, de forma que a ponderação é racional se o enunciado de
preferência a que conduz pode ser fundamentado racionalmente. Assim, a eventual
subjetividade na ponderação é controlada pela fundamentação racional de enunciados que
estabelecem preferências condicionadas entre os valores ou princípios opostos.
A fundamentação da restrição de um direito fundamental quando em colisão com
outro, segundo Alexy (1993, p. 161), deve seguir à seguinte regra: "[...] quanto maior é o grau
da não-satisfação ou da afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da
satisfação do outro".26
Alexy reconhece que, na avaliação dos pesos relativos dos princípios em colisão,
"estes conceitos escapam a uma metrificação que poderia condizer a um cálculo intersubjetivo
obrigatório do resultado", mas conclui que, apesar de a teoria dos valores não fornecer o valor
exato das intensidades de satisfação ou não-afetação dos dois princípios em colisão, é apta a
fornecer as balizas sobre o que há que se fundamentar para justificar o enunciado de
preferência condicionada, o qual representa o resultado da ponderação: uma fundamentação
sobre os enunciados dos graus de afetação e importância recíprocas dos princípios em
colisão.(ÁVILA, 2007, p. 28-29)
Segundo Alexy, a abertura do método às valorações não fornecidas de antemão com
autoridade vinculante não acarreta a irracionalidade ou não-racionalidade da ponderação, pois
essas considerações valorativas fazem parte da tarefa cotidiana da atividade judicial.
Argumenta Alexy (1993, p. 166) que sua teoria põe em evidência que a ponderação
não é um procedimento no qual um bem é obtido com "excessiva precipitação" à custa de
outro27, mas, como tarefa de otimização, responde ao chamado princípio da concordância
26
“Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectión de un principio, tanto mayor tiene que ser la
importancia de la satisfacción de otro”. (ALEXY, 1993, p. 161)
27
“El modelo de fundamentación de la ponderación aqui presentado evita una série de dificultades que, a
menudo, están vinculadas com el concepto de ponderación. Pone de manifesto que la ponderación no es un
procedimiento en el qcual un bien es obtenido con excesivo apresuramiento´ a costa de otro”. (ALEXY, 1993,
p. 166)
36
prática, concluindo que "o modelo de ponderação como um todo proporciona um critério ao
vincular a lei da ponderação com a teoria da argumentação jurídica racional".28
A segunda espécie de objeções que Alexy (1993, p. 170) refuta são as objeções
dogmáticas, que criticam a possibilidade de relativização dos direitos fundamentais, que
poderia culminar com a destruição de alguns destes, como o direito fundamental de liberdade
em sentido liberal.29
Neste ponto, a crítica realizada à teoria dos princípios de Alexy (1993, p. 171) é a de
que referida teoria não leva a sério a sujeição à Constituição. Forsthoff, criticando a teoria em
tela, argumenta que:
[...] a interpretação das normas de direitos fundamentais como princípios cria
a possibilidade de se apresentar como mandamentos jurídicosconstitucionais resultados de ponderações muito diferentes. Desta maneira
poderia-se pensar na possibilidade destes serem manipulados, transformando
a decisão fundamental do legislador em uma autorização global para os
intérpretes da constituição, resultando numa grande insegurança jurídica.
Acrescenta ainda que a teoria dos princípios não leva a sério a Constituição,
e que conduz à arbitrariedade interpretativa e, com ela, à insegurança
constitucional.30
Alexy (1993, p. 170) refuta que a teoria da ponderação em si possa destruir o direito,
pois ela apenas fornece a estrutura de fundamentação da ponderação, respondendo, de forma
neutra, frente à liberdade jurídica. O resultado da ponderação é dado pelo valor dos princípios
28
“Ya del concepto de principio resulta que em la ponderación no se trata de una cuestión de o-todo-o-nada,
sino de una tarea de optimización. En esta medida, el modelo de ponderación aqui sostenido responde al
llamado principio de la concordancia practica”. (ALEXY, 1993, p. 166)
29
De acordo com esta objeção: “ una teoria de los valores de los derechos fundamentales conduciria a una
destrucción del derecho fundamental de libertad en el sentido liberal”, o que é refutado por Alexy (1993, p.
170)
30
Críticas tecidas por Forsthoff à teoria dos principios de Alexy: “la interpretación de las normas de derecho
fundamentales como principios crea la posibilidad de presentar como mandatos jurídicos-constitucionales
resultados de ponderación muy diferentes. De esta manera, podría pernsarse que se dejan librados los derechos
fundamentales a posibilidades manipulatoria de supra, sub o revaloración y, con ello, se transforma la decisión
fundamental del legislador en una autorización global para los interpretes de la Constitución”. E complementa
no sentido de que: “El resultado es que se vuelve insegura la Constituición”. Acrescenta ainda que “una teoria
de los principios no toma en serio la sujeción a la Constitución”, e que, por fim, que a teoria dos principios
“conduce a la arbitrariedad interpretativa y, con ello, a la inseguridad constitucional”. (ALEXY, 1993, p. 171)
37
em colisão, fornecidos pela teoria dos direitos fundamentais que se considera - liberal ou nãoliberal.31
Quanto à primeira crítica, ou seja, de que uma teoria dos princípios não leva a sério a
sujeição à Constituição, Alexy (1993, p. 171) afirma que uma teoria de apenas regras não
fornece soluções melhores que a teoria de regras e princípios, pois, por exemplo, os direitos
fundamentais com reserva simples necessitam de uma complementação de conteúdo pelos
princípios sob pena de caírem em uma "marcha no vazio" e a uma falta de sujeição.32
Ademais, as críticas feitas à teoria dos princípios são endereçadas mais a
determinadas valorações dos princípios e a uma determinada teoria material dos direitos
fundamentais, em relação à qual a teoria dos princípios, como teoria estrutural, mantém-se
neutra.
Em relação à crítica relacionada à insegurança jurídica, aponta Alexy duas
refutações. Primeiro, lembra que não existem alternativas aceitáveis que possam trazer mais
garantias que o modelo de regras e princípios.
Nesse sentido, afirma que: “una vez más hay que hacer referencia a Ia falta de
alternativas aceptables, que puedan garantizar una medida mayor de seguridad jurídica que
el modelo regla/principios”. (ALEXY, 1993, p. 171)
Segundo, afirma que a segurança jurídica dá-se pelo respeito à argumentação
jurídica, respeitando o texto constitucional e a vontade do legislador como pontos de partida,
31
Nesse sentido, afirma ALEXY (1993, p. 170) que “la teoria de los principios e de los valores de los derechos
fundamentales se comporta neutramente frente a la libertad jurídica”.
32
“La objeción que apunta a la sujeción podría afectar la teoria aquí sostenida sólo si el modelo puro de reglas
pudiera garantizar una medida mayor de sujeción que el modelo regla/principios. Pero el modelo puro de
regias ha de mostrado ser inadecuado. Así, por ejempio, se via claramente que en los derechos fundamentales
con reserva simple, hasta un limite de contenido esencial dificilmente determinable, conduce a una marcha en el
vacío y, por la tanto, a una falta de sujeción. . Justamente para asegurar la sujeción, es necesaria una
complementación del nivel de las reglas con el de las principios”. (ALEXY, 1993, p. 171)
38
bem como a força jurisprudencial das decisões do Tribunal Constitucional.33 (ALEXY, 1993,
p. 171)
No mesmo sentido, afirma Häberle apud ÁVILA (2007, p. 30) que apenas uma
interpretação conjunta da Constituição não permite que um bem jurídico seja absolutizado à
custa de outro, concluindo que os direitos fundamentais: estão protegidos frente a uma
relativização na medida em que, na ponderação dos bens jurídicos, produza-se uma referência
à 'imagem do homem' da Lei Fundamental; na medida em que seu alto valor será fundado não
apenas no indivíduo, mas também na comunidade; na medida em que se observe a função
social dos direitos fundamentais, sua 'significação para a vida social em seu conjunto' e o
resultado global projetado pela Constituição como sua garantia, assim como a correlação de
direitos fundamentais e democracia liberal.
Essa imagem do homem, referida por Häberle, corresponde ao princípio da dignidade
da pessoa humana, que será analisado no próximo capítulo.
33
“Ia seguridad obtenible en el nivel de las regias no sólo se basa en un respeto básicamente impuesto del texto
y de la voluntad del legislador constitucional, sino esencialmente también en la fuerza jurisprudencial de las
decisiones del Tribunal Constitucional Federal”. (ALEXY, 1993, p. 171)
39
CAPÍTULO II. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
2.1 Breves Considerações
O valor da dignidade humana, em diversos momentos neste estudo, teve destaque, e
a sua relevância, alcance e repercussão na ponderação de interesses, nesse momento, deve
receber maior atenção.
Procura-se, contudo, delimitar a questão da dignidade humana na ponderação de
interesses constitucionais na esfera processual penal, objeto deste trabalho.
Assevera Flávia D’Urso (2007, p. 70) que: “[...] o homem, na condição de portador
de valores éticos, como sejam a dignidade, a liberdade e sua autonomia, tem nos exemplos
das experiências históricas, advindas das guerras ou crises econômicas, políticas e sociais,
repetidas situações de aniquilamento”.
O ser humano, nessa dimensão mesmo considerada, vem posto à prova a todo
instante, o que exige constante vigilância desta garantia por parte do Estado.
Nas lições de Miguel Reale (1976, p. 301): "[...] o Direito é a concretização da idéia
de justiça pluridiversidade de seu dever-ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os
valores".
A pessoa humana, averba Edílsom Pereira de Farias (2000, p. 56), expressa a fonte e
base mesma do Direito, revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da ordem
jurídica. O postulado primário do Direito é o valor próprio do homem como valor superior e
absoluto, ou o que é igual, o imperativo respeito à pessoa humana.
O valor absoluto da pessoa humana advém das preleções de José Afonso Silva (2000,
p. 146). Assim:
40
[...] a dignidade humana não é uma criação constitucional, pois é um desses
conceitos a priori, um dado preexistente a toda a experiência especulativa,
tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo uma
existência e a sua eminência, transforma-a num valor supremo da ordem
jurídica, quando a declara com um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.
Nessas conclusões apega-se Ana Paula de Barcellos (2002, p. 109-110), frisando que
a dignidade humana tomou assento como valor máximo dos ordenamentos jurídicos, além de
consubstanciar-se no princípio orientador da atuação estatal. Acentua que o Brasil, nos
moldes de países como a Alemanha, Portugal e Espanha, juridicizou esse valor, com estatura
constitucional, insculpindo-o em seu art. 1º inciso III.
Não poderia ser diferente o valor da dignidade da pessoa humana no processo. Nessa
esteira, brilhantes colocações de Vicente Greco Filho (1989, p. 08):
[...] o direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade,
mas não pode ser entendido senão em função da realização de valores, nos
quais se encontra o valor da pessoa humana. Aliás, toda a ordem jurídica não
teria sentido se não tivesse por fim ou conteúdo a realização desses valores.
Acentuado esse autor o valor supremo que se encontra acima da realidade jurídica
histórica, preconiza que:
[...] esse valor é o valor da pessoa humana, em função do qual todo o direito
gravita e que constitui a sua razão de ser. O processo vem dessa forma
contextualizado: Direito e processo caminham juntos, de modo que este é o
instrumento daquele e, aliás, se dignifica na razão direta em que aquele se
manifesta como buscando a estabilidade e a justiça.
2.2. A Dignidade Humana e os Interesses do Indivíduo e da
Sociedade
A colisão de direitos está sendo abordada, neste trabalho, com a finalidade de
estabelecer a noção de condição de precedência que autoriza a escolha de um ou outro
princípio ou interesse protegido pela Constituição Federal.
41
Nesse ponto, ocupam lugar as teorias que tratam do constante e tenso conflito no
relacionamento entre indivíduo e sociedade, estendendo o entendimento, em particular, ao
aspecto processual penal: aos valores da liberdade em contraposição à segurança social; o que
de resto justifica o sentido do tema que se desenvolve.
Considerações de concepção filosófica ora tomam pertinência e afiguram-se
necessárias,
porquanto
justificam
a
contextualização
da
dignidade
humana
na
operacionalização da proporcionalidade.
Segundo Miguel Reale (2002, p. 277-279), há três teorias que buscam equacionar a
ponderação prevalente entre valores individuais e sociais, quais sejam: individualismo,
transpersonalismo e personalismo.
No individualismo, sustenta-se que a ordem social justa é aquela que resulta da
satisfação do bem do indivíduo como indivíduo e considera que essa escolha acaba por
beneficiar o coletivo. A função do Estado reduz-se a tutelar juridicamente as liberdades
individuais quase exclusivamente.
De outra banda, o transpersonalismo opõe-se à possibilidade de uma harmonia
espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo. A satisfação do bem coletivo resulta na
felicidade individual e deve ele prevalecer. A plenitude da existência humana só se realiza se
estiver a serviço do bem social. Refuta essa teoria, portanto, a condição da pessoa humana
como bem supremo.
O terceiro posicionamento busca a superação dos dois primeiros. Preconiza que entre
os termos indivíduo e sociedade não existe nem a harmonia espontânea que a primeira
idealiza, e tampouco a inelutável subordinação que a teoria do transpersonalismo oferece.
A perspectiva personalista, na compreensão do eminente Prof. Miguel Reale (2002,
p. 278), apregoa, com razão, que não há possibilidade de pensar em uma combinação
harmônica e automática dos egoísmos individuais, mas também reconhece que a satisfação
42
daquilo que interessa à sociedade, tomada como um todo, nem sempre representa a satisfação
de cada indivíduo, que possui algo de irredutível ao social.
Segue o jurista na previsão mesmo de um conflito de interesses que aqui se centra,
vazada nesses termos:
[...] há uma tensão constante entre valores do indivíduo e os valores da
sociedade, donde a necessidade permanente de composição entre esses
grupos de fatores, de maneira que venha a ser reconhecido o que toca ao
todo e o que cabe ao indivíduo em uma ordenação progressivamente capaz
de ordenar as duas forças. (REALE, 2002, p. 278)
A inafastável necessidade de composição dos valores da liberdade do individuo e da
segurança social suscita a máxima da proibição de excesso nas restrições de eventuais
direitos, avaliados em um caso concreto. Essa restrição respeita e não pode ir além daquilo
que Miguel Reale (2002, p. 279) concebe como irredutível ao social.
Concebe-se o personalismo, pois, como escolha do predomínio do indivíduo ou da
sociedade em um contexto de uma realidade histórica, a fim de saber, em cada circunstância,
na concreção e fisionomia de cada caso, o que deve ser posto e resolvido em harmonia com a
ordem social e o bem de cada indivíduo.
Mas nessa composição, ainda nas palavras de Miguel Reale (2002, p. 279) e o que se
quer aqui fixar, brilha um valor dominante. É, pois, "[...] aquela constante axiológica do justo,
que é o valor da pessoa humana. O indivíduo deve ceder ao todo, até e enquanto não seja
ferido o valor da pessoa, ou seja, a plenitude do homem enquanto homem. Toda vez que se
quiser ultrapassar a esfera da personalidade haverá arbítrio".
43
2.3 A primazia da dignidade humana como guia de ponderação de
interesses
A adoção, nessa pesquisa, da teoria dos princípios de Robert Alexy e Ronald
Dworkin, também concebida por J. J. Gomes Canotilho, confere à dignidade humana um
conteúdo não só de uma declaração ético-moral, mas também de uma norma jurídico-positiva
dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, nessa condição,
carregada de eficácia. (D´URSO, 2007, p. 72)
Nessa perspectiva principiológica, como dito alhures, a dignidade humana atua como
um mandado de otimização, ordenando a proteção e a promoção da dignidade da pessoa, que
deve ser realizado na maior medida possível, observando as possibilidades fáticas e jurídicas
existentes.
O comando de otimização da dignidade humana desfruta, todavia, frente aos demais
princípios que compõe a Constituição Federal, de posição mais privilegiada. E isso se dá em
função de dois aspectos: (1) sob um ponto de vista jusfilosófico, arraigado na democracia,
esse valor é tido como mais fundamental; (2) sob o aspecto jurídico, levando em conta a
realidade brasileira a partir da Constituição de 1988, "[...] a dignidade da pessoa humana
tornou-se o princípio fundante da ordem jurídica e a finalidade principal do Estado com todas
as conseqüências hermenêuticas que esse status jurídico confere ao princípio". (BARCELOS,
2002, p. 248-249)
Nesse sentido, conclui Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 61) que:
[...] o princípio da dignidade humana comporta uma função instrumental
integradora e hermenêutica [...] na medida em que serve de parâmetro para a
aplicação, interpretação e integração não apenas de direitos fundamentais e
demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.
44
E, quando se fala em colisão de princípios constitucionais, verifica-se, sob a
conceituação de Alexy que, nesse enfrentamento, devem ser estabelecidas condições de
precedência condicionada consideradas em razão do peso, sendo que, prima facie, a dignidade
deve ser o guia preponderante dos interesses em conflito, conforme se analisará a seguir.
A função da dignidade da pessoa humana de maior relevo para os fins deste trabalho
é o seu reconhecimento como guia na ponderação de interesses nas hipóteses de conflitos de
direitos fundamentais, como já salientado no capítulo anterior.
Como visto anteriormente, os direitos fundamentais não são absolutos, mas limitamse reciprocamente diante de um juízo de valoração e de ponderação. Sendo a dignidade
humana a condensação da idéia primordial dos direitos fundamentais, pode ocorrer que, em
um caso concreto, um direito fundamental tenha que ceder espaço para a afirmação de outro.
Contudo, o critério para a fixação da relação de precedência entre os princípios em colisão
deve ser guiado pela afirmação última da dignidade humana. (SARMENTO, 2000, p. 73)
É necessário realizar, no entanto, uma distinção sobre o conteúdo da dignidade
humana que irá orientar a ponderação de interesses: dignidade humana individualista e
dignidade humana personalista.
A dignidade humana, em sentido meramente individual, é um princípio que possui
valor prevalente no sistema de direitos fundamentais; entretanto, não possui um valor
absoluto.
É possível que a dignidade de uma pessoa específica, diante de um contrapeso de
outros princípios extremamente relevantes, venha a ser mitigada na ponderação de interesses
do caso concreto.
É o que ocorre, por exemplo, quando se impõe uma pena privativa de liberdade a
quem cometeu um ilícito penal: a dignidade da pessoa individual (em seu núcleo mais
45
importante, que é a liberdade de locomoção) está sendo sacrificada em favor de bens
coletivos. (ÁVILA, 2007, p. 43)
Nesse sentido julgado do Tribunal Constitucional Federal alemão ao afirmar que, em
determinados casos, a proteção da comunidade estatal deve preceder ao princípio da
dignidade humana34 (ALEXY, 1993, p. 106-107). Dessa forma, embora a dignidade humana
deva gozar de força prevalente, quando em conflito com outros princípios, essa prevalência
não pode ser entendida em termos absolutos, mas apenas prima facie.
Isso significa que a prevalência da dignidade da pessoa humana, sob o viés
individual, somente permanecerá incólume caso o outro princípio em conflito não revele uma
maior importância no caso concreto.
Sentido diverso há de se emprestar à dignidade em sentido personalista. O princípio
constitucional da dignidade humana como fundamento de todo o sistema de direitos
fundamentais não possui um sentido monodimensional, individualista, mas é uma dignidade
aberta, personalista, que alberga e reflete o pluralismo jurídico, sintetizando a própria razão de
ser do sistema constitucional: a promoção dos valores humanistas.
Nesse sentido personalista, ressalta Perez Luño apud Ávila (2007, p. 45) que a
dignidade da pessoa humana deve ser vista não como um princípio, mas como um valor acima
dos princípios – uma meta-norma jurídica – e, com isso, deveria ser vista como a síntese de
todos os direitos fundamentais e da necessidade de compatibilização dos interesses dos
diversos sujeitos envolvidos na problemática da colisão, bem como da promoção dos valores
comunitários necessários à afirmação da dignidade dos vários cidadãos e, portanto, como
exigência de limitação de outros direitos fundamentais.
Dessa forma, enquanto a dignidade da pessoa humana, sob uma ótica individualista,
goza de prevalência apenas relativa diante dos demais princípios em colisão, podendo, às
34
Ao citar julgado do Tribunal Constitucional Federal alemão: “[...] la protectión da `comunidad estatal´ bajo
las condiciones precede al principio de la dignidad de la persona”. (ALEXY, 1993, p. 106-107)
46
vezes, ser preterida após um juízo de ponderação; a dignidade, sob a vertente personalista,
poderia ser vista, como afirmou Ingo Sarlet (2001, p. 139), como o verdadeiro núcleo
intangível dos direitos fundamentais.
2.4 A Importância do Direito Penal como Proteção aos Direitos
Fundamentais
Afirmada a função da dignidade da pessoa humana, no sistema de direitos
fundamentais, reconhecida a necessidade de uma postura ativa do Estado na produção das
condições essenciais de desenvolvimento da personalidade, cumpre salientar a importância do
direito penal para a construção dessas condições de existência que possibilitem o
desenvolvimento do ser humano. Para tanto, procura-se delimitar a inter-relação concreta
entre a proteção penal e o sistema dos direitos fundamentais.
A moderna doutrina constitucional tem feito menção a uma dupla função dos direitos
fundamentais.
Se, por um lado, os direitos fundamentais conferem direitos subjetivos, ou seja,
posições jurídicas de que o indivíduo é titular perante o Estado, tanto para dele se defender
(direitos a ações negativas) quanto para exigir que a pessoa faça uso dessa liberdade (direito a
ações positivas), por outro os direitos fundamentais também possuem uma dimensão objetiva,
no sentido de que "[...] valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como
valores ou fins que esta se propõe prosseguir, em grande medida através da ação estatal".
(VIEIRA DE ANDRADE, 2001, p. 61)
Com isso, a proteção penal pode ser trabalhada sob essas duas perspectivas. Se, por
um lado, deve ser entendida como um dever objetivo de proteção por parte do Estado, por
outro dever ser vista como um direito subjetivo fundamental de proteção.
47
Enfatizou-se, até aqui, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, que é a mais
afeiçoada às suas origens históricas e às suas finalidades mais elementares.
A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais corresponde à característica desses
direitos de, em maior ou em menor escala, ensejarem uma pretensão a que se adote um dado
comportamento ou então essa dimensão se expresse no poder da vontade de produzir efeitos
sobre certas relações jurídicas. (MENDES, 2008, p. 265)
Nessa perspectiva, os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação
negativa (em especial, de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem,
e, ainda, correspondem a competências - em que não se cogita de exigir comportamento ativo
ou omissivo de outrem, mas do poder de modificar-lhe as posições jurídicas. (BARROS,
1996, p. 138-139)
Os direitos a ações negativas impõem limites ao Estado na persecução de seus fins.
Não dizem nada acerca dos fins que tem de perseguir. Por outro lado, os direitos a ações
positivas impõem ao Estado a persecução de determinados objetivos.35 (ALEXY, 1993, p.
429-430)
A dimensão objetiva resulta do significado dos direitos fundamentais como
princípios básicos da ordem constitucional. Os direitos fundamentais participam da essência
do Estado de Direito democrático, operando como limite do poder e como diretriz para a sua
ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos
fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais
influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes
constituídos. (MENDES, 2008, p. 266)
Os direitos fundamentais, assim, transcendem a perspectiva da garantia de posições
individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade
35
“Los derechos a acciones negativas imponen limites al Estado en la persecución e su fines. No dicen nada
acerca de los fines que tiene de perseguir. En cierto modo, los derechos acciones positivas imponen al Estado la
persecución determinados objetivos”. (ALEXY, 1993, p. 429-430)
48
política, expandindo-os para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento
jurídico de um Estado democrático.(MENDES, 1998, p. 266)
Essa dimensão objetiva produz conseqüências apreciáveis.
Ela faz com que o direito fundamental não seja considerado exclusivamente sob
perspectiva individualista, mas, igualmente, que o bem por ele tutelado seja visto como um
valor em si, a ser preservado e fomentado. (MENDES, 2008, p. 266)
A perspectiva objetiva, nesse sentido, legitima até restrições aos direitos subjetivos
individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais em favor dos seus
próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos. (BARROS, 1996, p. 139)
Outra importante conseqüência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está
em ensejar um dever de proteção pelo Estado dos direitos fundamentais contra agressões dos
próprios Poderes Públicos, provindas de particulares ou de outros Estados. (SARLET, 2001,
p. 146)
Assevera ainda Gilmar Mendes (2008, p. 266) que:
[...] esse dever de proteção mostra-se associado, sobretudo, mas não
exclusivamente, aos direitos à vida, à liberdade e à integridade física
(incluindo o direito à saúde). O Estado deve adotar medidas - até mesmo de
ordem penal- que protejam efetivamente os direitos fundamentais.
E complementa o autor (2008, p. 266) que:
[...] sob esse enfoque, os direitos de defesa apresentam um aspecto de direito
a prestação positiva, na medida em que a dimensão objetiva dos direitos
fundamentais cobra a adoção de providências, quer materiais, quer jurídicas,
de resguardo dos bens protegidos. Isso corrobora a assertiva de que a
dimensão objetiva interfere na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais,
neste caso atribuindo-lhe reforço de efetividade.
Observe-se que esse mesmo propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais
pode exigir a elaboração de regulamentações restritivas de liberdades. E conhecida a decisão
do Tribunal Constitucional alemão que, a respeito do direito à vida, afirmou que ao Estado é
vedado não somente intervir sobre a vida em formação, como se lhe impõe a obrigação de
49
proteger essa vida, inclusive valendo-se de normas de direito penal, desde que não exista
outro meio eficiente para preservar o bem tutelado. (MENDES, 2008, p. 266)
Alexy trabalha com a perspectiva de um direito subjetivo fundamental de proteção
penal, mas não exclui a existência de uma dimensão objetiva, deixando claro que o princípio
da dignidade humana não deve ser utilizado apenas como proteção do indivíduo frente ao
Estado, mas também como forma de proteger o coletivo frente às ações individuais. Tem-se,
com isso, que o princípio da dignidade humana não pode ser visto apenas como forma de se
tutelar o interesse individual, mas também o interesse coletivo.
Dessa forma, se por um lado o Estado deve abster-se de ações danosas contra o
particular, por outro deve proteger o coletivo contra ações que violem os direitos
fundamentais dos cidadãos.
Deve-se frisar, no entanto, que as argumentações não são excludentes, ao contrário,
reforçam-se mutuamente.36 (ALEXY, 1993,p. 226)
Com isso, o Estado deve mover-se em direção à efetivação dos direitos fundamentais
em seu conjunto, tutelando não apenas os interesses do particular frente ao Estado, mas
também o interesse coletivo, já que a dignidade humana não se mostra apenas numa
concepção individualista, mas também sob uma ótima coletiva.
Ao Estado não existe apenas uma obrigação negativa de se abster de eventuais
violações aos direitos do particular, mas também uma obrigação positiva de levar a cabo tudo
aquilo que sirva à realização dos direitos fundamentais, ainda quando não haja uma pretensão
subjetiva dos cidadãos.
Segundo Häberle (2003, p. 74-75), a dimensão objetiva - que este denomina
"institucional" - não está em relação de subordinação ou contraposição isolada à dimensão
36
Nesse sentido, ALEXY (1993, p. 226), ao afirmar que: “conquanto a perspectiva subjetiva seja de maior
realce nos direitos fundamentais, ela convive com uma dimensão objetiva - ambas mantendo uma relação de
remissão e de complemento recíproco”.
50
subjetiva, mas em relação recíproca de paridade hierárquica, já que ambas são tendentes ao
fortalecimento de liberdade como um todo, do indivíduo e da coletividade.
Dessa dimensão objetiva que, por algum tempo foi desconhecida por parte da
doutrina constitucional, irradiam várias conseqüências para a o alargamento da força
normativa dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, que já foram denominadas
"revolução" dos direitos fundamentais. (QUEIROZ, 2002, p. 34)
José Carlos Vieira de Andrade (2001, p. 111) destaca, como um dos desdobramentos
da dimensão objetiva, os deveres de proteção do Estado contra terceiros, o que se analisará a
seguir.
2.5 Dever Fundamental de Proteção
Da dimensão objetiva da dignidade humana resulta o reconhecimento da existência
de um dever de proteção dos direitos fundamentais por parte do Estado contra terceiros, a fim
de assegurar sua efetividade.
Nesse sentido, assevera J.J. Gomes Canotilho (1993, p. 400) que: "[...] da garantia
constitucional de um direito resulta o dever de o Estado adotar medidas positivas destinadas a
proteger o exercício dos direitos fundamentais perante atividades perturbadoras ou lesivas dos
mesmos praticadas por terceiros".
Essa dimensão implica em uma mudança de enfoque nas ações protetivas
tradicionalmente levadas a cabo pelo Estado, para serem vistas não apenas como exercício de
uma função comunitária de interesse geral, mas, de forma especial, como um meio de
proteção dos direitos fundamentais. (ÁVILA, 2007, p. 48-49)
Essa perspectiva do dever de proteção estatal decorrente da dimensão objetiva dos
direitos fundamentais é uma das mais relevantes para a compreensão do problema das tensões
51
intrínsecas no funcionamento do sistema de justiça penal. Analisando a relação do dever de
proteção estatal com a tutela penal, afirma Vieira de Andrade (2001, p. 143):
A concepção do Estado-prestador, associada aos direitos sociais, abriu
caminho para a concepção do Estado-amigo dos direitos fundamentais ou,
pelo menos, do Estado responsável pela sua garantia efetiva. Deste modo,
muitas das normas de direito penal, bem como as que regulam a intervenção
policial passaram a ser vistas com outros olhos, da perspectiva do
cumprimento de um dever de proteção, no contexto de um processo de
efetivação das normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais,
estendida a toda a atuação dos poderes públicos.
Salienta Gilmar Mendes (2000, p. 210) que o dever de proteção dos direitos
fundamentais possui três subdivisões: a) dever de proibição - consistente no dever de proibir
uma determinada conduta; b) dever de segurança - que impõe ao Estado o dever de proteger o
indivíduo contra ataques de terceiros mediante a adoção de medidas diversas; e c) dever de
evitar riscos - que autoriza o Estado a estabelecer medidas de proteção ou de prevenção de
riscos.
Para Alexy (1993, p. 428), o direito à proteção penal é uma forma especial de direito
subjetivo de prestação normativa, ou seja, há um direito fundamental à proteção, que se
exercita na exigência de que o legislador infraconstitucional edite normas que regulamentem,
de forma eficiente, a proteção penal dos bens jurídicos fundamentais, sancionando as
condutas lesivas.
Ao tratar do direito de proteção penal, Alexy (1998, p. 03) sustenta que, ao lado dos
direitos do acusado e da vítima, existe o direito de proteção da comunidade geral de cidadãos,
que possui, como conteúdo, a segurança pública.
Assim, o problema das colisões em matéria penal é tratado por Alexy (1998, p. 05)
como colisões de direitos fundamentais de múltiplas titularidades. Dessa forma, no direito
penal, podem ser identificados ao menos três titulares: acusado, vítima e coletividade. É do
equilíbrio desses interesses que resulta a ponderação complexa do dever de proteção penal.
52
Em relação ao acusado, trata-se de uma intervenção restritiva de direitos. Portanto,
este possui um direito de defesa - as ações negativas, no sentido de que seja respeitado seu
direito de liberdade e, nesse sentido, a intervenção do Estado está limitada por uma proibição
de excesso.
Em relação à vítima e à coletividade, há um direito fundamental de proteção penal,
no sentido de que o Estado proteja os bens jurídicos mais relevantes à agregação do tecido
social mediante normas incriminadoras, com penas proporcionais, bem como exige a
realização concreta desse sistema de justiça criminal de forma eficiente. Havendo uma vítima
individualizada, ela possui um direito fundamental à proteção penal. Ademais, há uma
titularidade difusa do direito subjetivo fundamental de proteção penal: todas as pessoas - por
não saberem se serão potencialmente uma vítima no futuro - possuem o direito à eficiente
proteção penal.
Dessa forma, a Lei Fundamental revela um dever de proteção, não apenas frente a
um indivíduo particular, senão frente à totalidade dos cidadãos. Portanto, frente a essa
obrigação de promoção da proteção perante a vítima e a coletividade, há uma proibição de
insuficiência da proteção penal.
Com isso, passa-se a tutelar não apenas a dignidade humana sob a ótica da proteção
aos direitos individuais, mas também sob sua vertente objetiva, representada pelo interesse
coletivo.
Dessa forma, diante de uma colisão entre princípios constitucionais, deve o julgador
ponderar os interesses em conflito, devendo prevalecer aquele que se mostra mais justo ao
caso concreto. Essa ponderação é realizada por meio do princípio da proporcionalidade, que
se analisará no capítulo seguinte.
53
CAPÍTULO III. DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
3.1 Breves considerações
Com efeito, não há como reconhecer direitos absolutos e intocáveis, o que
certamente levaria ao caos, não somente jurídico, mas também social. Todo direito, por mais
importante que seja, encontra limites em outros direitos de igual ou superior valia, dada a
relatividade dos direitos e garantias constitucionais.
Diante da problemática, recorreu a doutrina, bem como a jurisprudência, a um
critério de ponderação ou balanceamento de valores no campo do Direito Constitucional, que
pudesse solucionar o conflito entre princípios constitucionais com o menor sacrifício possível
às partes envolvidas no litígio. (CANOTILHO, 1993, p. 1236-1237)
O método de ponderação de interesses é conhecido há muito tempo pela ciência
jurídica. Nos últimos tempos, porém, a sua relevância tem sido sobretudo reconhecida no
direito constitucional. (CANOTILHO, 1993, p. 1236-1237)
O critério adotado foi o da proporcionalidade, o qual orienta o interprete na busca da
justa medida de cada instituto jurídico. Objetiva a ponderação entre os meios utilizados e os
fins perseguidos, indicando que a interpretação deve pautar o menor sacrifício ao cidadão ao
escolher dentre os vários possíveis significados da norma.
Nesse sentido, assevera Karl Larenz (1993, p. 144) que: “[...] a ponderação de
interesses é um processo racional, um método de desenvolvimento do direito, na medida em
que soluciona conflitos entre princípios, impondo restrições recíprocas, apenas limitando um
deles na medida indispensável à salvaguarda do outro”.37
37
No sentido de que “[...] Ia intervención en un bien jurídico y la limitación de la liberdad no pueden ir más
allá de que sea necesario para la protección de otro bien o de un interés de. mayor peso, que entre los varios
54
Desse teor, a seguinte manifestação de Raquel Denizee Stumm (1995, p. 81):
O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve
ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os
fins. Em outras palavras, 'os meios legais restritivos e os fins obtidos devem
situar-se numa justa medida', impedindo-se a adoção de medidas legais
restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Assim,
a
depender
do
contexto
no
qual
estejam
dois
bens
jurídicos
constitucionalmente protegidos, em conflito entre si, haverá de prevalecer um ao outro, sem
que haja uma predeterminação hierárquica de qual deles deve ser relativizado. (STUMM,
1995, p. 81)
Desta forma, não será possível afastar um direito, de forma definitiva e apriorística,
ou seja, destoante da realidade empírica. E mais: um princípio somente pode ser restrito na
medida em que seja indispensável à aplicação de outro. (CANOTILHO, 1993, p. 1238)
Dessa forma, não se pode admitir, pois, que seja atribuída uma visão exclusivista aos
princípios constitucionais, de forma que, ao se privilegiar um deles, no caso concreto, trata de
maneira preconceituosa este último. A ponderação de bens visa, justamente, afastar a
possibilidade de completo perecimento de um direito para a satisfação de outro.
Segundo Raquel Stumm (1995, p. 81): "A lei da ponderação pode ser expressa da
seguinte maneira: quanto maior é o grau da não-satisfação ou afetação de um princípio, tanto
maior tem que ser a importância da satisfação do outro”.
Nesse sentido, salienta Alexy (1993, p. 90) que:
[...] a ponderação deve ser feita de forma racional, pois não consiste,
simplesmente, em um comando de precedência/preferência, mas em um
critério argumentativo, de fundamentação racional dos enunciados que
estabelecem essa primazia. Trata-se de uma avaliação de qual dos interesses
opostos abstratamente, no mesmo patamar, possui maior peso no caso
concreto.
A idéia de proporcionalidade serve para efetivar, em face da colisão entre princípios,
medios posibles hay que elegir el más moderado”. (LARENZ, 1993, p. 144)
55
uma técnica ponderação ajustada de interesses, estabelecendo qual deve prevalecer, diante das
circunstâncias apresentadas. (SARMENTO, 2000, p. 89)
Karl Larenz (1997, p.575) leciona que o princípio da proporcionalidade implica
ponderação dos bens ou interesses em jogo, avaliando o peso que têm na situação específica
em que se encontram. Segundo o autor, "ponderar" e "sopesar" não são grandezas
quantitativamente mensuráveis, mas valores que orientam o resultado da valoração.
Destaca o jurista tedesco que o sopesamento apenas pode ser realizado no caso
concreto, pois seria impossível estabelecer uma tabela de resultados baseada em uma
inexistente ordem hierárquica de todos os bens e valores jurídicos. (LARENZ , 1997, p. 491)
A ponderação decorre da natureza dos comandos dos princípios válidos e a
otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação. Otimizar
implica em relativizar as possibilidades jurídicas de um determinado princípio, tendo em vista
o peso do princípio colidente num caso concreto. A decisão de um conflito exige, então, a
ponderação a partir do momento em que ele se verificar.
O princípio da proporcionalidade importa a aplicação razoável da norma, adequando,
como dito, os meios aos fins perseguidos.
Nesta acepção, verifica-se que, na colisão, não se trata de simplesmente sacrificar um
direito em prol do outro, uma vez que, a mera subsunção a normas, baseada no positivismo,
ou a estrita aplicação dos critérios clássicos de interpretação não são eficientes para atingir a
harmonia almejada.
A ponderação de interesses é um processo racional, um método de desenvolvimento
do direito, na medida em que soluciona conflitos entre princípios, impondo restrições
recíprocas, apenas limitando um deles na medida do indispensável à salvaguarda do outro.
De acordo com J. J. Gomes Canotilho (1993, p. 101), não haveria propriamente uma
colisão entre direitos fundamentais “[...] quando o exercício de um direito fundamental por
56
parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte do outro titular”.
Deve-se fazer uso do princípio do equilíbrio dos valores contrastantes, pelo qual estando em
afronta direitos constitucionalmente protegidos, proteger-se-á aquele de maior interesse ou de
maior relevância para o ordenamento jurídico, de modo a harmonizar a aparente oposição
entre eles, de acordo com a própria teoria da proporcionalidade.
O método da ponderação, portanto, serve para garantir a convivência de antagônicos
interesses constitucionalmente protegidos, através da análise ao peso relativo de cada um dos
princípios em aparente conflito, em tese aplicáveis e aptos a fundamentarem decisões em
sentidos opostos.
Aliás, a ponderação de interesses, segundo Alexy (1993, p. 90), trata de avaliar qual
deles, abstratamente de mesma categoria, tem maior importância no caso concreto.38
Pela teoria ou princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais articulamse em um sistema, havendo a necessidade de harmonia entre elas. De tal sorte, não se faz
possível a ocorrência de conflitos aparentemente insolúveis entre valores constitucionais.
Dessa forma, o princípio da proporcionalidade é invocado para solucionar esses
aparentes conflitos, sopesando os valores para saber qual deverá preponderar em determinado
caso concreto. Sempre será possível, portanto, o sacrifício de um direito ou garantia
constitucional em prol de outro, quando houver preponderância destes últimos.
Nas lições de Canotilho (1993, p. 1237), não há como subsistir uma validade
absoluta dos princípios diante de outros, tendo em vista que isso criaria uma
incompatibilidade recíproca que findaria por quebrar a unidade axiológico-normativa da
Constituição. Por isso se diz que, quando colidem, os princípios são ponderados ou sopesados
para a obtenção da concordância prática, de acordo com sua dimensão de peso e com as
circunstâncias de fato.
38
“[...] el conflicto debería ser solucionado a través de una ponderación de los intereses opuestos. El esta
ponderación de cuál de los interese, abstractamente del mismo rango, posee mayor peso en el caso concreto”.
(ALEXY, 1993 p. 90)
57
Observam Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior (2006, p. 85)
que “[...] o problema se acentua na medida em que a constituição, sendo um sistema integrado
por diversos princípios, reciprocamente considerados, deve ser compreendida na sua
harmoniosa globalidade”.
E asseveram que, por sobre o caráter jurídico da Constituição, paira um caráter
político, expresso nas contradições das forças sociais que fizeram promulgar o texto original.
Desse contexto, evidentemente, emerge um documento inaugural do sistema
marcado pelos reflexos dessas contradições, espelhando divergência e não raro ostentando
institutos em aparente assincronia.
É impensável, no entanto, a unidade do ordenamento jurídico, sem que esta já
pontilhe o seu documento inaugural e legitimador. Assim, exatamente em face das
características acima indicadas, é que nasce a necessidade de uma interpretação unificadora.
Dessa forma, os dispositivos em aparente divergência só podem ser interpretados de maneira
unificante, com a conseqüente superação prática de antinomias.
Nesse sentido, ressalta J.J. Canotilho (1993, p. 1223-1224) que:
[...] o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na
sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes
entre as normas constitucionais a concretizar... Daí que o intérprete deva
sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e
dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário
de normas e princípios.
A propósito do tema, Jorge Miranda apud Araújo e Nunes (2006, p. 86) assim se
manifesta:
A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante, como um todo, na
busca de uma unidade e harmonia de sentido. O apelo ao elemento
sistemático consiste aqui em procurar recíprocas implicações de preceitos e
princípios em que aqueles fins se traduzem em situá-los e defini-los na sua
inter-relacionação e em tentar, assim, chegar a uma idônea síntese
globalizante, credível e dotada de energia normativa.
58
Destarte, o princípio em pauta preconiza, em suma, que a Constituição deve ser
interpretada de maneira globalizante, de modo a resguardá-la de eventuais antinomias.
Desdobramento do princípio da unidade, o princípio do efeito integrador sublima a
aplicação de critérios que desincumbam a tarefa de efetivação da integração política e social e
o reforço da unidade política.
Nas palavras do mestre Canotilho (1993, p. 1224): “[...] o princípio do efeito
integrador significa que, na resolução dos problemas jurídicos constitucionais deve dar-se
primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o
reforço da unidade política”.
Com vistas à solução do problema, socorre-se ainda o julgador, diante de conflitos de
princípios constitucionais, do princípio da concordância prática, segundo o qual, diante das
situações de conflito ou concorrência, preconiza que o intérprete deve buscar uma função útil
a cada um dos direitos em confronto, sem que a aplicação de um imprima a supressão de
outro. Diz-se, no caso, que deve haver cedência recíproca, de parte a parte, para que se
encontre um ponto de convivência entre esses direitos.
Nesse sentido, salienta Canotilho (1993, p. 1225) que:
[...] esse princípio não deve dissociar-se de outros princípios de interpretação
já referidos (princípio da unidade, do efeito integrador). Reduzido ao seu
núcleo essencial, o princípio da concordância prática impõe coordenação e
combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício
(total) de uns em relação aos outros.
Cogitando-se de ponderação de valores em conflito, é evidente que a eventual
interpretação não ficará livre de uma carga política, fato que, como observa J. J. Gomes
Canotilho (1993, p. 1225), fez com que alguns autores criassem um subprincípio de aplicação,
preconizando o in dubio pro libertate. Com isso, em caso de dúvida deve-se decidir em favor
do acusado.
59
Daí a necessidade de encontrar um mecanismo capaz de eliminar o conflito sem que,
para tanto, tenha-se que considerar normas decorrentes do Poder Constituinte Originário
inconstitucionais.
3.2 Esboço Histórico e Teórico
O princípio da proporcionalidade, na forma como vem referido pela doutrina atual,
foi desenvolvido na Alemanha, sob inspiração de pensamentos jusnaturalista e iluminista,
com os quais se afirmaram as idéias de que a limitação da liberdade individual só se justifica
para a concretização de interesses coletivos superiores, e, no plano do Direito Administrativo,
de que o exercício do poder de polícia só estaria legitimado se não fosse realizado com
excesso de restrição a direitos individuais. (BARROS, 2003, p. 90)
Desse modo, o caminho da proporcionalidade teve início no direito administrativo,
na França, onde o cidadão podia postular a reforma das decisões administrativas em caso de
excesso de poder ou desvio de finalidade. Elaborou-se, dessa forma, a denominada doutrina
do desvio de finalidade - detournement de pouvoir.
A doutrina do desvio de finalidade autorizava a invalidação de ato administrativo
discricionário, praticado por autoridade competente, quando inspirado por finalidade contrária
à lei. Em razão do desenvolvimento dessa teoria, foi permitido, com o passar do tempo, que a
jurisdição administrativa passasse a controlar a compatibilidade dos atos da administração
com os interesses coletivos tutelados e a proporcionalidade deles, diante das restrições aos
direitos dos administrados. (SARMENTO, 2000, p. 79)
A partir dos anos 70, a jurisprudência francesa, em se tratando de medidas restritivas
de direito, consagrou a necessidade de ponderação das circunstâncias do caso concreto frente
60
aos interesses enfrentados, usando da técnica da ponderação do custo-benefício, cujo
procedimento é uma manifestação concreta do princípio da proporcionalidade.
As teorias de limitação de poder da França foram recepcionadas pela Alemanha que
erigiu o princípio da proporcionalidade a trato constitucional. Bem por isso e pelos reflexos
do estudo tedesco na opção da repercussão do princípio neste estudo, tem esse país destaque.
(D’URSO, 2007, p. 51)
Coube à Alemanha a formulação atual do princípio da proporcionalidade em âmbito
constitucional, notadamente no campo dos direitos fundamentais. Embora já houvessem sido
postos em relevo pela Constituição de Weimar, foi após o fim da Segunda Guerra Mundial
que os tribunais começaram, paulatinamente, a proferir sentenças nas quais afirmavam não ter
o legislador poder ilimitado para a formulação de leis tendentes a restringir direitos
fundamentais (CANOTILHO, 1993, p. 261)
A promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa assim marco inaugural do
princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos
fundamentais como núcleo central de toda a ordem jurídica. (BONAVIDES, 2006, p. 407408)
Foi, portanto, em consonância com o disposto na Lei Fundamental que o Tribunal
Constitucional alemão iniciou a elaboração de jurisprudência no sentido de reconhecer a
inafastabilidade do controle da constitucionalidade das leis em seus três aspectos básicos:
necessidade, adequação e proporcionalidade da medida restritiva (BONAVIDES, 2006, p.
407).
Também contribuíram para essa sistematização os julgamentos do Tribunal Europeu
de Direitos Humanos. O princípio passou, depois, a ser objeto de especial atenção nos mais
diversos ramos do Direito e nos mais diversos países, com larga aplicação no processo penal.
(FERNANDES, 2007, p. 55)
61
O princípio, aceito pelo Tribunal Constitucional alemão e também admitido pela
jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, veio a se constituir em
"instrumento utilíssimo a serviço da efetividade dos direitos fundamentais e, especialmente,
da liberdade". (SERRANO apud FERNANDES, 2007, p. 56)
3.3 Natureza Jurídica da Proporcionalidade
Nicolas González – Cuellar Serrano apud Fernandes (2007, p. 56) sustenta que a
proporcionalidade, nesta formulação doutrinária e jurisprudencial que se apresenta, possui
status de princípio constitucional, extraído de outros princípios relacionados com: a proteção
dos direitos fundamentais da liberdade, da justiça, da personalidade, da integridade física; a
supremacia do Estado Democrático de Direito e a implementação das garantias asseguradas
na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Alexy (1993, p. 122), conforme sua classificação tripartida – princípio, regra e
procedimento – sustenta que a proporcionalidade não é um princípio no seu sentido mais
estrito, pois a proporcionalidade em si não entra em colisão com outros princípios. Antes, é o
procedimento, o método para a solução das colisões de princípios.
Suzana de Toledo Barros (2003, p. 91) pondera que o princípio está inserido no
contexto normativo dos direitos fundamentais e de seus mecanismos de proteção. Trata-se de
uma "garantia especial", exigindo que toda intervenção na esfera dos direitos fundamentais
"se dê por necessidade, de forma adequada e na justa medida". O princípio da
proporcionalidade complementa o princípio da reserva legal e reafirma o Estado de Direito.
Humberto Ávila (2004, p. 19), por sua vez, não confere à proporcionalidade a
roupagem de princípio, mas sim de um “postulado normativo aplicativo”, ou seja, norma
estruturante da aplicação de princípios e regras. Segundo Ávila (2004, p. 20), a
62
proporcionalidade, como postulado normativo aplicativo, está acima dos princípios e
funcionam como estrutura para aplicação de outras normas.
Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 321) assinala a constitucionalidade do princípio,
enquadrando-o na cláusula ampla do devido processo legal.
Seguindo orientação majoritária da doutrina, bem como da jurisprudência, adotar-seá, para fins didáticos, a terminologia de princípio, respeitando, contudo, os posicionamentos
em sentido contrário.
3.4 Pressupostos e Requisitos do Princípio da Proporcionalidade
A proporcionalidade, como método de resolução das colisões, possui três
subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A doutrina aponta pressupostos essenciais para a atuação do princípio da
proporcionalidade: um, formal, o da legalidade, e outro, material, o da justificação
teleológica. Em virtude do princípio da legalidade, estendido ao direito processual penal, não
poderia a restrição a direito individual ser admitida sem prévia lei, elaborada por órgão
constitucionalmente competente, imposta e interpretada de forma estrita. Do pressuposto da
justificação teleológica, decorre que a limitação a direito individual só tem razão de ser se
tiver como objetivo efetivar valores relevantes do sistema constitucional. (GONZÁLEZ apud
FERNANDES, 2007, p. 57)
Consolidou-se, no processo de elaboração e conceituação do princípio, a idéia de que
o exercício do poder é limitado, só sendo justificadas restrições a direitos individuais, em face
da Constituição, por razões de necessidade, adequação e supremacia do valor a ser protegido
em confronto com aquele a ser restringido. Os estudos desenvolvidos indicaram, então, serem
três os requisitos intrínsecos que justificam e autorizam uma restrição aos direitos individuais:
63
a sua necessidade, a sua adequação e a supremacia do valor protegido na ponderação dos
interesses em confronto. Além dos requisitos intrínsecos, são exigidos os requisitos
extrínsecos da judicialidade e da motivação, ou seja, a necessidade de que as medidas
restritivas sejam impostas por juiz e mediante decisão motivada. (GONZALEZ apud
FERNANDES, 2007, p.58)
O primeiro requisito intrínseco é o da adequação, ou da idoneidade. Por meio
adequado, entende-se aquele que é apropriado para a obtenção do fim desejado, ou pelo
menos fomente a realização de um objetivo, devendo existir, portanto, congruência entre a
medida adotada e a finalidade da norma. (SILVA, Virgílio Afonso, 2002, p. 27)
Em outras palavras, há uma relação de causalidade entre o meio empregado e o
desiderato. Exige-se certo grau de eficácia da medida para o alcance da finalidade. Através do
elemento adequação, deve-se considerar "o grau de eficácia do suposto meio e de sua
contribuição ou aptidão para a satisfação do fim desejado”.(BRAGA, 2004, p. 86)
A adequação significa a idoneidade do meio utilizado para a persecução do fim
desejado. Segundo Gonzalez-Cuellar Serrano (1990, p. 189), a adequação exige um juízo de
"funcionalidade", para verificar se as medidas restritivas são aptas a atingir ou fomentar os
fins que se perseguem.
Averba J.J. Gomes Canotilho (1993, p. 1225) que o princípio da conformidade ou
adequação:
[...] impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público
deva ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes.
Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e
a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins
justificativos de sua adopção [...]. Trata-se, pois, de controlar a relação de
adequação medida-fim.
É de uma decisão do Tribunal Constitucional alemão, todavia, que se apreende a
exata dimensão do que seja adequação para a restrição de um direito fundamental. O meio
64
escolhido que se presta para atingir o objetivo último deve revelar-se adequado, porquanto
implica na inexistência de outro igualmente eficaz e menos danoso a direitos fundamentais.
A formulação da Corte alemã é a seguinte: o meio empregado pelo legislador deve
ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio é adequado, quando
com seu auxílio pode-se promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador
não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não prejudicial ou
portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental. (GUERRA FILHO, 2001,
p. 71)
A restrição, imposta pela lei ou por ato de agente ou órgão de Estado, é adequada se
apta a realizar o fim por ela visado. Não será admitido o ataque a um direito do indivíduo se o
meio utilizado não se mostrar idôneo à consecução do resultado pretendido. Há, portanto, uma
relação de meio e fim, devendo, conforme sublinha Suzana Toledo de Barros (2003, p. 76),
ser feita a seguinte pergunta: "O meio escolhido contribui para a obtenção do resultado
pretendido?". Assim, nada justificaria prender alguém preventivamente para garantir a futura
aplicação da lei penal se, em virtude do crime praticado, a provável pena a ser imposta não
será privativa de liberdade ou, se privativa, será suspensa. O meio, a prisão, consistente em
restrição à liberdade individual, não se revelaria adequada ao fim a ser objetivado com o
processo, pois dele não resultaria privação de liberdade. (FERNANDES, 2007, p. 57-58)
A adequação, a ser verificada empiricamente, deve ser analisada de maneira objetiva,
como adequação qualitativa ou quantitativa, e de forma subjetiva, ligada à idoneidade em face
do sujeito passivo. A medida deve, assim, ostentar qualidade essencial que a habilite a
alcançar o fim pretendido - adequação qualitativa; a sua duração ou intensidade deve ser
condizente com a sua finalidade - adequação quantitativa e deve, a medida, ser dirigida a um
indivíduo sobre o qual incidam as circunstâncias exigíveis para ser atuada - adequação
subjetiva. (FERNANDES, 2007, p. 58)
65
A propósito desse tema, a Corte Constitucional Alemã, em decisão proferida em
16/03/71, devidamente traduzida, dispôs:
O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que
seja atingido o fim almejado. O meio é adequado quando com o seu auxílio
se pode promover o resultado desejado; ele é exigível quando o legislador
não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio
não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível ao direito
fundamental. (SILVA, César Dario Mariano, 2002, p. 30-31)
O segundo requisito, ou subprincípio, é o da necessidade, também denominado "de
intervenção mínima", "de alternativa menos gravosa", que significa a utilização, entre as
várias medidas aptas, da mais benigna, mais suave ou menos restritiva, implicando a
necessidade de comparar as alternativas aptas e otimizar a menor lesão possível. (ALEXY,
1993, p. 111)
Não basta a adequação do meio ao fim. Além de ser "o meio mais idôneo", deve
ocasionar "a menor restrição possível". É preciso, para não ser desproporcional, que o meio
utilizado seja necessário ao objetivo almejado, verificando essa necessidade pela análise das
alternativas postas para o alcance do fim. (BARROS, 2003, p. 79)
Para impor uma restrição ao indivíduo, colocam-se, a quem exerce o poder, várias
possibilidades de atuação, devendo ser escolhida a menos gravosa. Assim, entre as diversas
opções, todas aptas a alcançar o fim, não é correto escolher aquela que imponha maiores
restrições à obtenção do resultado, desprezando outras que também o atinjam de forma menos
danosa.
Assim, se, em virtude da imputação, for possível demonstrar o fato por meio de
prova menos gravosa, como um documento a ser requisitado a um órgão público ou a uma
instituição financeira ou uma testemunha presencial, não se justifica a determinação de
mandado de busca domiciliar, de uma quebra de sigilo telefônico ou bancário.
A verificação da adequação é feita de maneira excludente, pois, caso se constate que
o meio não serve para atingir o fim, a sua utilização deve ser repelida e afastada. A análise da
66
necessidade, quantitativa ou qualitativa, contudo, é feita mediante juízo positivo, por meio do
qual se indica, entre os vários meios adequados para atingir um fim, o mais adequado.
(BARROS, 2003, p. 81)
Seria a escolha do meio menos pernicioso aos interesses constitucionalmente
tutelados. Seria a máxima "dos males, o menor", pois, através desse elemento, busca-se a
menor ingerência nos direitos fundamentais. Significa dizer que, existente uma pluralidade de
opções, o agente estatal deve optar pela menos nociva. (BRAGA, 2004, p. 87-8)
Considera-se necessária a medida que traz a menor desvantagem possível, ou seja, a
menos gravosa ou nociva para o alcance do fim legal. Assim, a necessidade é a busca do meio
menos danoso aos bens e valores constitucionalmente protegidos. Procura-se, através dela, a
mais suave alternativa, dentre as disponíveis, para o alcance do fim.
A necessidade pressupõe a existência de várias maneiras de concretização de
determinado direito fundamental, devendo o aplicador escolher aquela que menos gravames
trouxer ao direito colidente ou concorrente. Em outras palavras, a medida escolhida, para ser
considerada necessária, deve ser a que menos prejudique os direitos dos indivíduos, ou seja,
que acarrete a mínima intervenção na esfera individual dos particulares.
Essa avaliação é feita de forma quantitativa e qualitativa, pois deve levar também em
consideração o tempo de duração e o modo de implemento da medida restritiva, que não deve
durar mais do que o necessário para a manutenção dos direitos colidentes ou concorrentes.
Nesse sentido, assevera Nicolas Gonzáles-Cuellar Serrano (1990, p. 172) que: “Uma
medida processual restritiva de direitos fundamentais, qualitativamente adequada com o fim
perseguido, pode ser tolerada num estado de direito se sua duração e intensidade forem
exigidas pela própria finalidade que pretenda alcançar [...]”.39
39
"Una medida procesal restrictiva de derechos fundamentales, cualitativamente adecuada con el fin
perseguido, puede ser intolerable en un Estado de Derecho si su duración e intensidad no son exigidas por la
propia finalidad que pretenda alcanzar”. (SERRANO, 1990, p. 172)
67
O terceiro subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito, aponta para a
imprescindibilidade de constatar, entre os valores em conflito - o que impele à medida
restritiva e o que protege o direito individual a ser violado - qual deve prevalecer. Haverá
observância do princípio da proporcionalidade se predominar o valor de maior relevância,
evitando, assim, que se imponham restrições desmedidas aos direitos fundamentais, se
comparadas com o objetivo a ser alcançado. Assim, o meio adequado e necessário para
determinado fim é justificável se o valor por ele resguardado prepondera sobre o valor
protegido pelo direito a ser restringido. (FERNANDES, 2007, p. 59)
Ressalta Alexy (1993, p. 112-113) que, enquanto o subprincípio da necessidade
representa uma otimização das possibilidades fáticas, o subprincípio da proporcionalidade, em
sentido estrito, importa na otimização das possibilidades jurídicas.40
Sintetizando com o raciocínio de Alexy (1993, p. 113), se o Estado, para realizar um
princípio Pl, possui à sua disposição as medidas Ml e M2, ambas adequadas para realizar Pl,
mas restritivas de um princípio concorrente P2, deve-se escolher a medida que menos restrinja
o princípio P2; assim, se Ml restringe P2 mais que M2, então Ml não é necessária. Já a
proporcionalidade, em sentido estrito, é o postulado da ponderação de interesses,
propriamente dito. Esse procedimento da ponderação é denominado por Hesse como princípio
da concordância prática que, junto com o da unidade da Constituição, deve orientar a
compatibilização dos interesses em colisão mediante uma interpretação orientada ao problema
concreto.
A proporcionalidade stricto sensu é a ponderação propriamente dita de bens; é o
mandato de ponderação porque proclama “a valorização e a ponderação recíproca de todos os
bens envolvidos, tanto dos que justificam as limitações como dos que se vêem afetados por
40
“De la máxima de proporcionalidad en sentido estricto se sigue que los principios son mandatos de
optimización con relación a las posibilidades jurídicas. En cambio, las máximas de la necesidad y e la
adecuación se siguen del carácter de los principios como mandatos de optimización con relación a las
posibilidades fácticas”. (ALEXY, 1993, p. 112-113)
68
elas, devendo levar em consideração todas as circunstâncias do caso”.41 (ALEXY, 1993, p.
112)
Esse subprincípio é também conhecido como de justa medida, porquanto estabelece
uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio
empregado que seja juridicamente o melhor possível.
A ordem de aplicação desses subprincípios é sucessiva, iniciando pela adequação e
passando pela necessidade até a ponderação, de forma que, caso a medida restritiva seja
reprovada em um desses parâmetros, não será necessária a aplicação dos demais. (SILVA,
2002, p. 35)
Robert Alexy (1998, p. 78) sustenta que, o mandamento da ponderação de interesses
corresponde a este aspecto da proporcionalidade, podendo ser assim formulado: "Quanto mais
intensiva é uma intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as
razões que a justificam" ou, em outras palavras: “quanto maior é o grau de insatisfação ou de
afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro”.42
(ALEXY,1993, p. 161)
No mesmo sentido, afirma Häberle (2003, p. 69) que "[...] o princípio da
proporcionalidade significa que, para uma limitação especialmente intensa da liberdade, deve
existir uma necessidade 'urgente’”, argumentando que a ponderação de bens é "equilíbrio e
ordenação conjunta" que garante uma "unificação em uma situação global" (HÄBERLE,
2003, p. 40). Nessa linha, define Canotilho (1993, p. 1039) o princípio da proporcionalidade
como um princípio jurídico-material de "justa medida", destinado à proibição de excesso e de
arbítrio.
41
"[...] la valorización y ponderación recíproca de todos los bienes involucrados, tanto de los que justifican el
limite como de los que se ven afectados por ellos, lo cual exige tomar en consideración todas las circunstancias
relevantes del caso". (ALEXY, 1993, p. 112).
42
“Cuanto mayor es el grado de la no satisfación o de afectación de un principio, mayor tiene que ser la
importancia de la satisfación del otro”. (ALEXY, 1993, p. 161)
69
Assevera Alexy (1993, p. 162) que essa ponderação não é um procedimento
arbitrário, mas deve seguir três planos de argumentação: a primeira, na qual se determina em
que intensidade dar-se-á a intervenção; a segunda, na qual se avalia a relevância das razões
justificadoras da intervenção; e a terceira, em que ocorre, efetivamente, o sopesamento.
Ernesto Pedraz Penalva acrescenta outros três critérios norteadores do procedimento
da ponderação: a) quanto mais sensível revelar-se a intromissão da norma na posição jurídica
do indivíduo, mais relevantes hão de ser os interesses da comunidade que com ele colidam; b)
do mesmo modo, o maior peso e preeminência dos interesses gerais justificam uma
interferência mais grave; c) os diversos pesos dos direitos fundamentais podem ensejar uma
escala de valores em si mesmo, como ocorre na esfera jurídico-penal (o direito à vida tem
preferência ao direito à propriedade). (BARROS apud ÁVILA, 2007, p. 21)
Assim, a proporcionalidade, em sentido estrito, implica o máximo benefício com o
mínimo de sacrifício. Avalia-se o custo-benefício da medida restritiva, ponderando os direitos
em jogo. Assim: "De um lado da balança, devem ser postos os interesses protegidos com a
medida, e, do outro, os bens jurídicos que serão restringidos ou sacrificados por ela".
(SARMENTO, 2000, p. 89)
É como se fossem avaliados os prós e os contras de uma jogada de xadrez,
estabelecendo qual peça deve ser movida para o menor risco de perda e maior chance de
vitória. (BRAGA, 2004, p. 89)
A proporcionalidade, em sentido estrito, implica o equilíbrio global entre os custos e
os benefícios e difere da necessidade (exigibilidade) porque esta envolve otimização
relativamente aos aspectos fáticos, enquanto aquela cuida de otimizar as possibilidades
jurídicas. (BRAGA, 2004, p. 89)
Reitere-se: ela conduz à idéia de conformidade, sopesamento entre a limitação
imposta e o fim pretendido, devendo o ônus ser menor que o benefício alcançado. Implica o
70
balanceamento dos princípios colidentes, na busca da melhor e mais justa solução do conflito.
(BRAGA, 2004, p. 90)
Em suma: considera-se uma medida adequada se ela for apta a atingir os fins
almejados. Para que seja também considerada exigível, deve ter a menor ingerência possível
sobre os direitos envolvidos, pois todo excesso é proibido, somente sendo aceitável uma
medida como válida se não houver outra menos lesiva.
Já a verificação da proporcionalidade, em sentido estrito, envolve a análise da
relação custo-benefício da medida limitadora, ponderando os danos causados em relação aos
benefícios auferidos. Em outras palavras, ' somente é admissível o ônus se o benefício lhe for
superior.
3.5 O Princípio da Proporcionalidade na Proteção Penal: Proibição
da Insuficiência e do Excesso
A proporcionalidade, como já salientado, esteve por muito tempo ligada à limitação
do poder de polícia administrativo, mas converteu-se em verdadeiro balizador de toda a
atuação estatal.
Assim, por constituir um transbordamento dos limites dos direitos fundamentais,
qualquer medida desproporcional - seja ela legislativa, jurisdicional ou administrativa, deverá
ser anulada. Atualmente, ela possui importante função interpretativa das normas
constitucionais, inclusive para fins de controle de constitucionalidade e resolução de conflitos
entre princípios.
No que tange ao processo penal, o que se tem é uma ponderação bastante complexa,
ante a necessidade de proteger ao máximo a liberdade do investigado/acusado contra uma
71
irracionalidade punitiva e, também, promover ao máximo o dever do Estado e direito de todos
os cidadãos e da vítima de proteção penal. (ÁVILA, 2007, p. 58)
Nas lições de Luís Virgílio Afonso da Silva (2002, p. 27), discute-se, atualmente,
acerca da aplicabilidade do referido critério nos casos de omissão ou insuficiência na atuação
estatal, o que afastaria a sua sinonímia com a fórmula "proibição de excesso".
Depreende-se, dessa forma, que a proporcionalidade possui uma dupla dimensão na
proteção penal: de um lado significa proibição de excesso e, de outro, dever de eficiência.
Assim, o princípio da proporcionalidade também é dotado de dupla dimensionalidade
- como os direitos fundamentais, que possuem um aspecto subjetivo e outro objetivo, pois
tanto limita como impõe a atuação estatal, garantindo a eficácia e observância destes.
A proibição de excesso (Übermassverbot) expressa-se quando há restrição de direitos
fundamentais, e foi, por muito tempo, confundida como um sinônimo da própria
proporcionalidade (e suas três submáximas de adequação, necessidade e proporcionalidade), o
que se estudará em capítulo posterior. (ÁVILA, 2007, p. 57)
Contudo, como já ressaltado, há uma nova feição da proporcionalidade que ganha
corpo na doutrina constitucional: a proibição de insuficiência (Untermassverbot).
O que se nota, entretanto, seguindo a orientação de Feldens (2005, p. 108-129), é que
a proibição de insuficiência ainda não possui um tratamento dogmático tão refinado quanto a
proibição de excesso. Todavia, é possível identificar algumas características dessa perspectiva
da proporcionalidade. Trata-se de uma proibição de omissão de proteção minimamente eficaz
por parte do Estado dos direitos fundamentais.
Justamente pelo fato de haver uma maior margem de atuação dos órgãos estatais na
definição dessas medidas protetivas - o que Alexy denomina campo de atuação - a proibição
de insuficiência exige que, dentre as várias medidas possíveis do campo de atuação, escolha-
72
se uma das que seja suficiente para a proteção minimamente satisfatória do direito
fundamental.
Assim, essa perspectiva da proporcionalidade não permite ao judiciário a eleição da
melhor das medidas do campo de atuação (uma discricionariedade que, a princípio, pertence
ao legislador), mas permite o afastamento das medidas que evidentemente não sejam
suficientes para a proteção. É, portanto, um limite inferior ao espaço de configuração do
legislador, estabelecendo exigências mínimas. (FELDENS, 2005, p. 108-110)
Com essas considerações, conclui-se que o dever de proteção pode validamente
justificar a restrição de direitos fundamentais individuais, e a resolução dessa situação se dará
mediante o recurso ao princípio da proporcionalidade, nos termos das situações ordinárias de
colisão.
Nesse sentido, afirma Vieira de Andrade (2001, p. 145):
[...] quando a proteção dos direitos de uma pessoa possa pôr em causa a
esfera jurídica de terceiros, exige-se que essa proteção seja medida por uma
ponderação dos bens ou valores em presença e que respeite o princípio da
proporcionalidade, nos termos gerais válidos para as situações de colisão ou
de conflito. E limitações e imposições semelhantes hão de valer quando
estejam em causa valores comunitários relevantes (incluindo também a
liberdade geral) que ao Estado cumpre assegurar.
A ponderação entre interesses coletivos (dever de proteção) e direitos individuais é
estabelecida como forma de assegurar os pressupostos necessários para a realização do direito
de liberdade, sem os quais tal direito carece de valor sem o pressuposto real de poder recorrer
a ele.
A dupla dimensão da proporcionalidade, no direito penal, impõe a necessidade da
análise da garantia dos direitos fundamentais sob uma dupla perspectiva: garantias de
proteção do indivíduo contra a coletividade e garantias de proteção da coletividade contra o
indivíduo.
73
No mesmo sentido, admitindo a ponderação entre interesses coletivos e individuais,
afirma Guerra Filho (1997, p. 25) que a ponderação consiste no procedimento de colocar "[...]
de um lado o interesse no bem-estar da comunidade e, de outro, as garantias dos indivíduos
que a integram, a fim de evitar que se beneficie demasiadamente um em detrimento do outro".
Salienta Nicolas Gonzáles apud Ávila (2007, p. 60), que esse conflito de princípios
no processo penal, contudo, não pode sofrer uma caricatura de mera oposição binária entre
segurança pública versus liberdade individual. Há uma tensão dialética entre direitos
fundamentais versus direitos fundamentais (do acusado, da vítima e da coletividade). A
proteção da liberdade individual é um interesse coletivo, na medida em que a proteção dessa
esfera particular é um pressuposto da possibilidade de participação do indivíduo na
coletividade, bem como a promoção dos valores comunitários é de interesse dos indivíduos
que compõem a coletividade.
Ultimamente, sob a roupagem de garantismo penal, têm-se desenvolvidos os
instrumentos técnicos de realização da primeira perspectiva da proporcionalidade no processo
penal, de criação de garantias processuais que assegurem o respeito do indivíduo
investigado/acusado contra a arbitrariedade punitiva, mediante o estudo dos direitos e
garantias individuais. (SARLET, 2004, p. 89)
Porém, o verdadeiro garantismo não se exaure na proteção ilimitada do indivíduo,
mas também deve compatibilizar a necessidade de proteção da coletividade, sob pena de gerar
o que Sarlet (2004, p. 90) denominou garantismo autista.
Lênio Streck (2005, p. 176-177) utiliza-se das expressões garantismo negativo - para
a proteção das liberdades negativas pela proibição de excesso - e garantismo positivo - para a
proteção das liberdades positivas mediante a proibição de insuficiência.
Tal compatibilização das duas vertentes de proteção que o processo deve albergar
gera um garantismo integral, que maximize a proteção do indivíduo diretamente afetado pelo
74
processo contra uma irracionalidade punitiva, mas também maximiza a realização prática dos
direitos da coletividade mediante a proteção penal. Uma visão unilateral de garantismo apenas
individualista não é compatível com a efetiva proteção dos direitos fundamentais como um
todo, nem com a dignidade humana sob a perspectiva personalista, tampouco com a idéia que
rege a Constituição brasileira. (STRECK, 2005, p. 177)
A questão da aptidão protetiva do direito penal é um problema ligado às teorias da
pena que, num Estado Democrático e Social de Direito, devem estar direcionadas à proteção
de bens jurídicos, guiadas por uma política criminal de proteção dos direitos fundamentais.
Todavia, do ponto de vista constitucional, é possível afirmar que a Constituição brasileira
tanto não acolheu um modelo de direito penal máximo, como também não endossa uma
perspectiva abolicionista, expressando preocupação tanto com a proteção individual quanto
com a coletiva. (ÁVILA, 2007, p. 65)
Não se defende que o princípio da eficiência penal seja o critério preponderante, até
porque, como já salientado outrora, não existem princípios absolutos. Ademais, o total
aniquilamento dos direitos fundamentais levaria ao caos processual.
Por outro lado, a eficiência do direito penal não pode ser renegada a um segundo
plano, pois também possui assento constitucional.
Segundo Heinz Zipf apud Ávila (2007, p. 69), a ausência de uma tutela penal efetiva
favorece o fortalecimento de instâncias extra-estatais de penalização, (como, p. ex. formação
de grupos de extermínio), a quebra de confiança na tutela jurídica eficaz, e o fomento das
tendências de autodefesa.
75
3.6 O Princípio da Proporcionalidade e o Processo Penal
Reconhecido o dever fundamental de proteção penal na Constituição Federal de
1988, sua realização deve ocorrer mediante normas de organização e procedimento eficientes
e guiados pela proporcionalidade, o que permite a conclusão da existência de um novo
princípio: o princípio da proteção penal eficiente. A primazia do resultado perante as
formalidades, a que aludiu Alexy, tem sua expressão na denominada instrumentalidade do
processo.
Segundo Dinamarco (2000, p. 266), a instrumentalidade do processo possui uma
perspectiva negativa, significando uma tomada de consciência de que o processo "[...] não é
fim em si mesmo e, portanto, as suas regras não têm valor absoluto que sobrepuje as do
direito substancial e as exigências sociais de pacificação de conflitos e conflitantes".
Mas acentua o referido autor que a instrumentalidade também possui uma dimensão
positiva, que exige a eficiência do processo para cumprir integralmente toda a sua função
sócio-política-jurídica e alcançar seus objetivos institucionais.
Sintetiza Dinamarco (2000, p. 267) que o empenho em operacionalizar o sistema,
buscando extrair dele todo o proveito que ele seja potencialmente apto a proporcionar, sem
deixar resíduos de insatisfação por eliminar e sem se satisfazer com soluções que não sejam
jurídica e socialmente legítimas, constitui o motivo central dos estudos mais avançados, na
ciência processual da atualidade.
Essa perspectiva impõe a necessidade de um "modo-de-ser" efetivo do processo,
mediante sua abertura para a máxima realização legítima do direito material. A dupla
dimensão da proporcionalidade - proibição de excesso e de insuficiência - também se
manifesta no processo penal, impondo-lhe uma dupla instrumentalidade: garantias individuais
e funcionalidade eficiente.
76
O processo penal deve ser um filtro do direito penal máximo (garantismo) e
realizador do direito penal mínimo necessário (funcionalismo). Daí ser possível afirmar que o
processo penal possui uma instrumentalidade garantista-funcional como expressão do devido
processo penal proporcional, representando o imperativo de ponderação entre a necessidade
de estabelecer garantias processuais de legitimidade do sistema com uma ponderação razoável
da expectativa social de eficiência do processo penal –funcionalidade - e a respectiva
realização da função social da pena segundo a direção de uma política criminal guiada pela
proteção personalista da dignidade humana. (ÁVILA, 2007, p. 43)
Essa perspectiva afasta uma postura de excessivo formalismo, impõe um dever de
funcionamento adequado das instituições encarregadas da persecução penal e vincula as
medidas restritivas de direitos fundamentais no processo penal à observância dos
subprincípios da proporcionalidade, de forma a evitar as afetações excessivas da liberdade de
um possível inocente. Orienta a simplificação do processo, mantendo as garantias necessárias
à correção do resultado e afastando o formalismo estéril. Aponta a necessidade de diferenciar
situações de maior ou menor lesividade ao sistema de direitos fundamentais e direcionar
vetores de atuação preferencial do processo. (ÁVILA, 2007, p. 67)
Não à toa, constatou Guerra Filho (1997, p. 19) que ainda permanece inexplorada a
via necessária para reformular todo o processo a partir dos imperativos de um Estado de
Direito Social e Democrático, no qual a procedimentalização da Constituição seja a forma de
realização dos direitos fundamentais.
Apenas um saudável equilíbrio entre os vetores em colisão complexa, no processo
penal, permitir-lhe-á ser um instrumento de efetivo restabelecimento da paz jurídica. Nesse
sentido, sintetiza Roxin apud Ávila (2007, p. 67) que:
[...] o fim do processo possui, então, natureza complexa: a condenação do
culpado, a proteção do inocente, a formalidade do procedimento afastada de
toda arbitrariedade e a estabilidade jurídica da decisão. Todas essas
exigências são igualmente significativas para uma comunidade organizada
desde o ponto de vista do Estado de Direito.
77
Realizando uma análise da aplicação da proporcionalidade nas diversas medidas
restritivas de direito no processo penal, salienta Gonzalez-Cuellar Serrano (1990, p. 244) que:
[...] cada ato do processo deve ser realizado sob a ponderação
pluridimensional desses princípios norteadores, ainda que sejam
aparentemente contraditórios entre si. Assim, a lei processual penal deve ser
relida não apenas sob a exigência da reserva de lei, mas de reserva de lei
proporcional, que compatibilize esses vetores antagônicos proporcionando a
máxima eficiência da meta complexa do processo. Especialmente nos
procedimentos probatórios, a leitura proporcional imporá uma análise da
adequação das restrições probatórias aos fins que se propõem, a efetiva
necessidade da restrição diante de outras formas de controle menos
restritivas e a proporcionalidade entre a restrição probatória e os demais
interesses em colisão no processo penal, dentre os quais a eficiência.
E complementa o autor (1990, p. 230) no seguinte sentido:
[...] não se defende que a eficiência seja o critério definitivo - como não há
princípios absolutos - pois o total abandono das garantias individuais
desenvolvidas pelo Estado liberal leva a um desmesurado recrudescimento
do processo, mas acentua que a eficiência é um princípio que não pode
simplesmente ser negligenciado, pois também possui assento constitucional.
Como se observa, a obediência às formalidades processuais possui uma especial
importância para a ponderação no processo penal como instrumento de proteção dos direitos e
garantias fundamentais, mas, ainda assim, não deve ser tida como absoluta.
É importante, portanto, realizar uma distinção entre justiça procedimental e justiça
substancial. A primeira está ligada à correção do procedimento de que se utiliza para chegar
ao resultado e a segunda está ligada à própria justiça do resultado. Tais conceitos não estão
totalmente dissociados, pois a justiça do procedimento é uma forma de predisposição para a
correção da justiça do resultado. Assim, e.g., o princípio do contraditório é não apenas uma
garantia de participação do acusado, mas de uma predisposição à formação mais correta da
verdade através de uma atividade dialética. (RAWLS apud ÁVILA, 2007, p. 69)
Dessa forma, como já citado anteriormente, a ausência de uma tutela penal efetiva
favorece a tendência de fortalecimento de instâncias extra-estatais de penalização (como, e.g.,
78
grupos de extermínio), a quebra de confiança na tutela jurídica eficaz e o fomento das
tendências de autodefesa.
Com isso, especialmente diante da criminalidade pós-moderna, o Estado necessita de
um refinamento do instrumental persecutório, a ser equilibrado pela proteção das garantias
tradicionais e da eficiência diante das novas demandas, sob pena de não fazer frente ao
imperativo de proteção da dignidade do homem no século XXI.
Desse quadro de tensões sensíveis, ínsito ao processo penal, emana o problema da
inadmissibilidade das provas ilícitas como expressão de uma colisão entre a proteção dos
direitos fundamentais contra a arbitrariedade da persecução penal, mas também do perigo de
uma ineficiência que a hipertrofia da garantia pode proporcionar. Diante do binômio proteção
dos direitos fundamentais versus dever de eficiência do Estado, defender-se-á, neste trabalho,
não a proibição taxativa das provas ilícitas, mas uma certa flexibilização do princípio diante
do caso concreto, levando em consideração, como outrora já salientado, a ponderação dos
valores cotejados no caso concreto.
O que se pretende é que a dignidade humana não seja analisada somente sob o viés
da proteção, mas também e, principalmente, sob a nova vertente da eficiência do direito penal.
Não se acredita que ordem social justa seja aquela resultante somente da satisfação
do bem do indivíduo como indivíduo. A escolha do individual ou do coletivo deve ocorrer de
acordo com o predomínio dos valores em confronto, no caso concreto, e não de forma já
predeterminada.
Dessa forma, nada impediria que o julgador, em casos excepcionais, se valesse de
uma prova ilícita para condenar integrantes de uma organização criminosa, restringindo, dessa
forma, a abrangência do princípio constitucional que proíbe as provas ilícitas em benefício do
interesse coletivo.
79
Certo é que, para que o juiz aplique a lei ao caso concreto, pondo termo ao conflito
de interesses que lhe é apresentado, é necessário que o aplicador do direito valha-se do
processo, que vem como um verdadeiro instrumento da jurisdição. A jurisdição, portanto, só
será exercitada por meio de um processo, o qual está ligado diretamente com a atividade
probatória que nele se desenvolve.
Sendo a justiça o escopo primeiro do Direito e do processo, a verdade afigura-se
como valor inerente à justiça, instrumentalizado mediante o direito de prova, e essa
reconstrução processual da verdade é realizada através da prova, que será abordada no
capítulo seguinte.
80
CAPÍTULO IV. PROVAS ILÍCITAS E PROPORCIONALIDADE
4.1. Breves considerações acerca da prova penal
Como é cediço, o processo penal constitui-se de uma relação jurídica integrada por
um complexo de atos que tem por escopo primordial a decisão final e, no processo penal
condenatório, faz-se indispensável o recolhimento de elementos hábeis (provas) a fim de que
o magistrado profira uma sentença baseada na verdade real, realizando, efetivamente, a
justiça.
Percebe-se, dessa forma, que a prova é o cerne do processo, notadamente o processo
penal. No processo penal, a prova é utilizada visando à busca da verdade no caso concreto,
objeto de uma determinada relação processual.
E, nesta acepção, cumpre conceituá-la, a fim de melhor elucidar a problemática do
presente trabalho.
Gomes Filho (1997, p. 41-42) assevera no sentido de que o termo prova é empregado
com variadas significações: indica, de forma mais ampla, o conjunto de atividades realizadas
pelo Juiz e pelas partes na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões
deduzidas e da própria decisão; também pode aludir aos instrumentos pelos quais as
informações sobre os fatos são introduzidas no processo (meios de prova); e, ainda, dá o nome
ao resultado dessas atividades.
Chiovenda (2000, p. 109), por sua vez, sustenta que provar significa "[...] formar a
convicção do juiz sobre a existência, ou não, de fatos relevantes no processo".
81
O emérito processulista italiano Francesco Carnelutti (2002, p. 11), com a maestria
que lhe é peculiar, afirma que a prova “[...] é o procedimento dirigido à verificação de um
juízo”.43
Para Nicola Framarino Dei Malatesta apud Raimundo Amorim de Castro (2007, p.
42), a prova é "[...] a relação particular e concreta entre a verdade e a convicção racional”.
Mittermaier (2004, p. 74) entende que prova “[...] é a soma dos motivos geradores de
certeza dos fatos na consciência do juiz”.
Afirma Frederico Marques (2000, p. 230) que a prova é, assim, "[...] elemento
instrumental para que as partes influam na convicção do juiz e o meio de que este se serve
para averiguar sobre os fatos em que as partes fundamentam suas alegações".
Na esteira do magistério de Tourinho Filho (2003, p. 370), provar é, antes de tudo,
"[...] estabelecer a existência da verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura
estabelecê-la”.
Para Mirabete (2002, p. 398), a prova é "[...] a demonstração a respeito da veracidade
ou falsidade da imputação, que deve gerar, no juiz, a convicção de que necessita para o seu
pronunciamento".
Segundo Fernando Capez (2002, p. 241), prova, do latim probatio, é o conjunto de
atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros - por
exemplo, peritos - destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou
inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação, ou seja, as provas
visam estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos.
Todos estes conceitos parecem em consonância com a moderna processualística. O
juiz, no processo penal, aproveita os materiais que as partes lhes oferecem; mas não esgota
43
Ao conceituar a prova como sendo “[...] el procedimiento dirigido a la verificación de un juicio”.
(CARNELUTTI, 2002, p. 11)
82
com sua função, senão que deve investigar por si mesmo se existem outros meios ademais dos
oferecidos para chegar ao conhecimento da verdade processual.
4.2 Direito à Prova como Direito Fundamental
Sendo o direito à prova uma garantia fundamental, sua limitação e, portanto, a
limitação à aproximação da verdade processual à verdade material, apenas deve ocorrer em
situações excepcionais.
Daí decorre o princípio da liberdade dos meios de prova, que implica a plena
admissibilidade dos meios de prova idôneos a formar a convicção do juiz, ainda que não
estejam expressamente previstos - provas atípicas.
As limitações à produção da prova são, portanto, negativas, de sorte que a regra é a
admissibilidade e a exceção será a sua restrição.
Todavia, essa liberdade dos meios de prova, decorrente do princípio da livre
convicção e da busca da verdade material, não implica anarquia nas operações cognitivas do
juiz, já que a verdade processual é legitimada pela observância dos procedimentos que
asseguram às partes uma participação efetiva na produção da prova e limitam as provas
produzidas em desacordo com esses padrões.
Assim, o Estado de Direito deve, ao mesmo tempo, procurar averiguar a verdade e,
em situações de violações de seus parâmetros de conduta, limitar essa verdade para instituir
um sistema de respeito aos direitos fundamentais.
Dessa forma, nem todas as provas podem ser admitidas no processual. Nesse sentido,
dispõe o art. 5º, LVI, do texto constitucional, que “[...] são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos”.
83
Frise-se, dessa forma, que o mencionado dispositivo constitucional veda a utilização
de provas ilícitas em todo âmbito processual; todavia, restringir-se-á o enfoque da proibição
das provas ilícitas apenas no processo penal, objeto deste trabalho.
Até a entrada em vigor da Lei 11.690/08, adotava-se a obra de Ada Pelegrini Liberdades Públicas e Processo Penal – para distinguir provas ilícitas de provas ilegítimas,
isso diante da ausência de dispositivos legais que a definissem.
Essa obra, adotando a terminologia de Nuvolone, classifica a prova ilícita e a prova
ilegítima como sendo espécies do gênero provas ilegais. Seriam ilícitas aquelas que violassem
direitos materiais, tendo como sanção sua inadmissibilidade e, ilegítimas, as que violassem
direitos processuais, tendo como sanção a nulidade
Dessa forma, entendia-se como sendo provas ilícitas a confissão obtida mediante
tortura, coação ou maus tratos, que viola o direito à incolumidade física (art. 5º, III, CF/88) e,
de forma especial, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88); a busca e apreensão
domiciliar realizada sem autorização judicial ou durante à noite (art. 5º, XI, CF/88); a
interceptação telefônica realizada sem autorização judicial (art. 52, XII, CF/88); as violações
abusivas à intimidade (art. 5º, X, CF/88); e as informações obtidas com violação à liberdade
da pessoa que presta a informação - como o soro da verdade e interrogatórios exaustivos.
Por outro lado, não seriam provas ilícitas, mas ilegítimas, as obtidas com violação a
direitos processuais. Assim, os vícios processuais ligados à autorização judicial exigida para a
violação de direitos fundamentais geram a nulidade da prova e não sua ilicitude; por exemplo,
a deficiência de motivação, a incompetência do juiz, ou a violação aos requisitos legais da
interceptação telefônica - como a descrição clara do objeto da investigação ou a qualificação
dos investigados.
Todavia, com a entrada em vigor da lei 11.690/08, que conceituou provas ilícitas
como sendo as “provas obtidas em violação a normas constitucionais ou legais", temos que
84
essa doutrina já não pode ser acolhida diante da nova regulamentação legal do assunto.
Quando o art. 157 do Código de Processo Penal fala em violação a normas constitucionais ou
legais, não distingue se a norma legal é material ou processual. Diante das circunstâncias,
conjugando-se o disposto no art. 5º, LVI, da CF - “não são admitidas, no processo, as provas
ilícitas” - com o disposto no art. 157, do CPP, que conceitua provas ilícitas como sendo
“obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, a conclusão a que chegamos é a de
que tanto as “provas ilícitas” como as “ilegítimas” devem ter o mesmo tratamento jurídico,
qual seja, não devem ser admitidas
Nesse sentido, assevera Denílson Feitosa Pacheco (2005, p. 812) que:
[...] com o que ficou assentado no novo art. 157 do CPP, com redação dada
pela Lei 11.690/2008, ‘ilícitas são as provas obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais’, vê-se que umas e outras - ilícitas ou ilegítimas passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis.
Sem embargos, como já salientado anteriormente, nenhum princípio constitucional
pode ser analisado em termos absolutos. Dessa forma, a norma constitucional que proíbe a
utilização das provas ilícitas no processo deve ser interpretada de forma relativa.
Com isso, realizando um raciocínio inverso, em certos casos, a prova ilícita poderá
ser utilizada no processo, isso por força do princípio da proporcionalidade, segundo o qual o
julgador, no caso concreto, deve pautar-se pela ponderação de valores, dando prevalência ao
princípio que se revela mais importante no caso concreto.
Como já amplamente difundido pela doutrina, bem como pela jurisprudência dos
tribunais, nenhum princípio possui natureza absoluta, devendo, pois, ser interpretado de forma
relativa e flexível quando em conflito com outro princípio.
Ao longo da explanação, chega-se à conclusão, de acordo com a teoria dos direitos
fundamentais de Robert Alexy, de que a inadmissibilidade das provas ilícitas é classificada
como sendo um princípio e que, não raramente, poderá entrar em conflito com outros
princípios.
85
Nesse caso, deve o julgador pautar-se por um critério de ponderação dos valores em
tensão, dando prevalência àquele princípio que se revela mais importante no caso concreto.
Nesse sentido, assevera a jurisprudência de nossos tribunais que, diante de um
conflito entre o princípio da proibição das provas ilícitas e o princípio da ampla defesa, nada
impede que o réu valha-se de uma prova ilícita para demonstrar sua inocência.
Nesse caso, deve prevalecer o princípio da ampla defesa conferido ao réu em
detrimento do princípio que proíbe as provas ilícitas.
Sendo a ampla defesa também um princípio constitucional, no embate entre a
eficiência do processo para descobrir a verdade e inocentar um réu injustamente acusado e a
garantia fundamental da inadmissibilidade, a absolvição do inocente tem um peso muito
maior.
A política criminal do Estado de Direito, que se sustenta no valor da dignidade da
pessoa humana, não pode se contentar com a condenação de um inocente. Uma situação como
essa contraria a política criminal do Estado democrático de Direito, que não pode admitir
condenação de quem não é culpado.
Essa posição de admissão da denominada prova ilícita pro reo tem recebido o
posicionamento amplamente favorável da doutrina nacional e estrangeira.
O problema surge quando a prova ilícita vem como forma de incriminar o réu, e a
pergunta que se faz é a seguinte: será que o princípio da proibição das provas ilícitas também
poderá sofrer mitigação quando em conflito com o direito à prova da acusação? Em outras
palavras: seria admitida a prova ilícita pro societate?
Como já ressaltado outrora, o processo penal não é direcionado unilateralmente à
defesa do indivíduo, mas possui uma função comunitária de pacificação social mediante a
realização prática do direito penal, e sua instrumentalidade deve albergar esses dois fatores:
86
garantias individuais, representadas pela proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal e
funcionalidade, no sentido da efetiva realização da proteção penal material.
Essa dupla finalidade, como já salientado, também se estende ao processo penal, que
deve ser garantista, no sentido individual, mediante o estabelecimento de mecanismos
racionais de controle da incerteza do julgamento e de limitação da violência pública, mas
também funcional, na medida em que maximiza a realização prática do direito penal.
A dupla instrumentalidade do processo penal torna-o um filtro do direito penal
máximo – garantismo - e realizador do direito penal mínimo necessário - funcionalismo. Tal
perspectiva de processo penal proporcional regula diretamente o problema das provas ilícitas.
Todas as propostas de soluções, enquanto soluções efetivas, têm que ocupar uma
razoável posição média entre um Estado débil e um Estado forte, e têm que se mostrar como
conseqüência de uma ponderação adequada dos interesses da persecução penal com os
interesses individuais. (ÁVILA, 2007, p.167)
Assim, o que se procura é a conciliação dos vetores de proteção penal e proteção
individual. Contudo, esse Estado de Direito não deve ser meramente liberal, mas democrático,
que não toma por absolutos os valores singulares, mas compatibiliza-os com os interesses
comunitários.
É da máxima efetividade desses dois vetores que o processo penal recebe seu
impulso vital. Portanto, não deve causar estranheza que uma garantia processual seja
ponderada com outros princípios constitucionais.
Nesse sentido, discorrendo sobre as provas ilícitas, afirma Barbosa Moreira (1996)
que:
[...] os princípios processuais não devem ser tidos como dogmas religiosos,
mas ser lidos de acordo com sua significação instrumental e sua finalidade à
consecução dos fins do processo, concluindo que as normas jurídicas se
articulam num sistema, cujo equilíbrio se impõe num complexo de restrições
imanentes entre os diversos princípios em eventual colisão.
87
Portanto, reconhecer a possibilidade de ponderação de interesses em garantias
processuais não significa permitir o arbítrio judicial de resultados injustos ou a relativização
dos direitos fundamentais. Cada ponderação deve sempre seguir pelas balizas dogmáticas
estabelecidas para sua realização.
Contudo, como preleciona Antonio Scarance Fernandes (2007, p. 90):
[...] não é fácil atingir o ponto de equilíbrio. De um lado, é necessário armar o
Estado de poderes suficientes para enfrentar a criminalidade, crescente,
violenta, organizada; por outro, deve o cidadão ter garantida a sua
tranqüilidade, a sua intimidade, a sua imagem, e, principalmente, ser dotado
de remédios eficazes para se contrapor aos excessos e abusos dos órgãos
oficiais.
E complementa no sentido de não poder, em nome da segurança social, compreender
uma garantia absoluta da privacidade, do sigilo, no processo penal, mas também não se pode
conceber, em homenagem ao princípio da verdade real, que a busca incontrolada e desmedida
da prova possa, sem motivos ponderáveis e sem observância de um critério de
proporcionalidade, ofender, sem necessidade, o investigado ou o acusado em seus direitos
fundamentais e no seu direito a que a prova contra si produzida seja obtida por meios lícitos.
(FERNANDES, 2007)
4.3 Da admissibilidade da prova ilícita em favor do réu – pro reo
O Brasil também tem flexibilizado o princípio da inadmissibilidade das provas
ilícitas em favor do réu e, de forma ainda muito tímida e acanhada, em favor da sociedade.
No Brasil, a maioria da doutrina admite a prova ilícita a favor do réu. Segundo
Grinover e outros (2004, p. 161-162), trata-se de aplicação do princípio da proporcionalidade
e uma expressão do princípio do favor rei, o qual estabelece uma posição de preferência
condicionada da liberdade individual perante a poder punitivo, em caso de dúvidas.
88
Deve-se reconhecer, logicamente que, se o acusado está sendo injustamente acusado
e diligencia a produção da prova ilícita, estará atuando em estado de necessidade que, sendo
uma causa de exclusão da ilicitude - decorrente da proporcionalidade, torna lícita a utilização
da prova. Grinover e outros (2004, p. 162) citam como exemplo uma gravação sub-reptícia
realizada pela acusado com terceiro para demonstrar sua própria inocência.
A garantia da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito é uma garantia do
cidadão contra o arbítrio punitivo do Estado, visando resguardar o sistema de direitos
fundamentais do cidadão.
Entre a proteção a um direito como a intimidade, privacidade, sigilo epistolar,
telefônico etc., e a ampla defesa, representada no processo penal como o resguardo à vida e à
liberdade, estes últimos possuem valoração muito mais cara.
Na ordem de valores para estabelecer a preferência condicionada, sem dúvida, a
dignidade da pessoa humana desponta como o epicentro da ordem jurídica, revelando-se o
Estado e o ordenamento jurídico como meios para a promoção desse valor humano mais
elevado.
No caso da utilização da prova pro reo, o valor em ponderação é diretamente a
dignidade da pessoa do réu, injustamente acusado de um delito, com o risco de pagar com sua
liberdade, perdendo alguns anos de sua vida, pela má apreciação dos fatos na atividade
jurisdicional.
Em favor da admissão da prova ilícita pro reo, coloca-se, em ponderação, a garantia
constitucional da ampla defesa e a consideração da situação de estado de necessidade do
acusado. Assim, conclui Scarance Fernandes (2007, p. 95) que "[...] é ampla a aceitação de
que o princípio da proporcionalidade seja aplicado aos casos em que a prova da inocência do
réu depende de prova produzida de maneira ilícita".
89
Nesse sentido, já se manifestou o supremo Tribunal Federal ao considerar lícita a
prova produzida pelo réu, por meio de interceptação telefônica não autorizada e, portanto, em
contradição à Constituição Federal e também à Lei nº 9.296/96, sendo, no entanto, o único
meio de que dispunha para provar a sua inocência.
4.4 Da admissibilidade da prova ilícita em favor da sociedade - pro
Societate
O que se pretende com este trabalho é relativizar a proibição da prova ilícita também
em favor da sociedade, isso como forma de tutelar a dignidade humana não somente sob uma
ótica individualista – dever de proteção dos direitos fundamentais, mas também sob uma ótica
coletiva – dever de eficiência do direito penal, visando, com isso, uma efetiva tutela do bem
comum.
É objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 3º, I, da
Constituição Federal: “[...] a construção de uma sociedade justa”.
Com efeito, complementa a inc. IV do mesmo artigo, ser também objetivo
fundamental: “[...] a promoção do bem de todos”.
Com isso, a tutela do bem comum, manifestada por meio da dignidade humana
voltada para uma ótica coletiva, guarda perfeita consonância com o próprio texto
constitucional, o qual evidenciou uma grande preocupação do constituinte com a tutela dos
interesses coletivos e do bem estar da sociedade.
Dessa forma, o que se pretende demonstrar é que, diante de uma freqüente tensão
existente entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do particular, deve o
julgador ponderar os valores e optar por aquele que se mostre adequado no caso concreto.
90
Assim, como já salientado outrora, nada impede que o julgador, ao ponderar os
valores apresentados, confira um maior peso ao poder punitivo estatal, como forma de se
tutelar efetivamente o interesse coletivo.
A criminalidade nos grandes centros, segundo Avólio (2003, p. 44), toma proporção
de uma velada guerra civil, em que se digladiam poderosas organizações criminosas. Entre a
apatia da sociedade - caracterizada por uma generalizada descrença no Judiciário e no
Parlamento - e a ineficiência do Estado, instala-se o que poderíamos chamar de “atual crise da
justiça”, que se distingue pela ineficiência dos mecanismos repressivos, conduzindo a uma
vexatória e ameaçadora impunidade dos infratores, em todos os níveis da sociedade.
Assim, num cenário em que o crime organizado vem se aparelhando e se
especializando a cada dia, dificultando cada vez mais a investigação por parte das polícias e a
aplicação de penas por parte do Poder Judiciário, a questão que se coloca é a seguinte: será
que a inadmissibilidade das provas ilícitas em favor da acusação deve ser analisada em termos
absolutos?
Sabe-se que o Estado, sendo o detentor do poder organizador da sociedade, é
promotor da persecução criminal, de forma a efetivá-la. Com isto, as pessoas serão
beneficiadas com a segurança de que tanto necessitam para viverem harmoniosamente. O
objetivo teleológico do Estado é assegurar o bem-estar de seus cidadãos, atendendo-lhes as
necessidades básicas.
É sob esta ótica que se inclui a questão processual penal constitucional da prova
ilícita: de um lado, o direito de punir do Estado e, do outro, o direito à liberdade. Daí, o
aparente conflito entre o interesse de punir do Estado, na promoção da justiça, e respeito à
dignidade dos cidadãos.
Embora os direitos de índole constitucional sejam imprescindíveis à produção da
prova, a doutrina já se pacificou no sentido de que tais direitos não são absolutos.
91
As liberdades públicas, enquanto garantia individual, colocam-se como limite à
atividade estatal. Estas não são absolutas, sofrem restrições, principalmente quando há
violações a interesses da coletividade.
O que se pretende com o trabalho, é enfatizar que as provas ilícitas produzidas pela
acusação não devem ser expurgadas do processo pura e simplesmente por não terem seguido a
rigor os mandamentos legais.
Num momento em que a sociedade convive com um sentimento de impunidade e
clama por justiça; num momento em que o crime organizado levanta-se sobre as instituições
públicas com o propósito de formar um “estado paralelo”, tem-se que as provas ilícitas pro
societate não devem ser refutadas liminarmente sem que antes sejam submetidas a um juízo
de ponderação.
Especialmente diante da criminalidade pós moderna, o Estado necessita de um
refinamento do instrumento persecutório, a ser equilibrado pela proteção das garantias
tradicionais e da eficiência diante das novas demandas, sob pena de não fazer frente ao
imperativo da proteção da dignidade humana sob uma ótica coletiva, e não simplesmente
individualista.
Muitas vezes a verdade processual vem à tona, prova-se a materialidade, bem como a
autoria delitiva, no entanto, pelo fato da prova produzida na fase do inquérito policial não ter
atendido aos mandamentos legais, é simplesmente desentranhada dos autos em benefício, não
raramente, de organizações criminosas.
Malgrado a doutrina e a jurisprudência de nossos tribunais tenham firmado
posicionamento no sentido de que as provas ilícitas somente podem ser utilizadas em
benefício da defesa, tem-se que, em determinadas situações, a prova obtida de forma ilícita
deve ser admitida em favor da acusação; é o que pretendemos sustentar ao longo do trabalho.
92
Salienta-se, desde já, que não se trata de soterrar e aniquilar os direitos e garantias
fundamentais previstos no texto constitucional, cuja importância dentro de um estado
democrático de direito é salutar.
Por outro lado, o que não se pode aceitar é que criminosos se valham desse mesmo
texto constitucional para salvaguardar direitos e acobertar práticas ilícitas. Nesse sentido,
como bem salientado outrora por Ada Pelegrini Grinover (1982, p. 60):
[...] os direitos fundamentais existem para assegurar, ao homem, espaço para
o integral desenvolvimento da personalidade humana sem interferências do
Estado, e não para acobertar crimes e comportamentos nocivos à
coletividade e a outros cidadãos. Não podem, portanto, dada essa sua
finalidade, ser entendidos como direitos absolutos, mas sim como direitos
sujeitos a restrições impostas pela convivência com outros direitos de igual
dignidade e pelo interesse público, que há preponderar sobre o interesse
particular [...]
[...] é cediço, na doutrina constitucional moderna, que as liberdades públicas
não podem ser entendidas em sentido absoluto, em face da natural restrição
resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se
permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e
às liberdades alheias.
Como já dito anteriormente, o princípio da proporcionalidade sopesa valores
distintos para chegar à decisão final sobre a admissibilidade ou não da prova obtida através de
meios ilícitos.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, dispõe sobre vários direitos e garantias
constitucionais. Entretanto, algum deles, como já salientado, sobrepõem-se a outros, dada a
relatividade das normas constitucionais.
Assim, se por um lado o Estado deve tutelar direitos e garantias fundamentais, de
outro deve zelar pelo dever de eficiência do direito penal, surgindo, com isso, a necessidade
de compatibilizar a proteção genérica dos direitos fundamentais, através da regra de exclusão
das provas ilícitas, com o dever do Estado de perseguir a criminalidade.
Parte-se da consideração de que não pode haver princípios absolutos que sempre
serão superiores a outros. Não se pode afirmar que o direito de defesa seja sempre superior ao
93
dever de proteção penal, porque uma afirmação desse tipo acabaria com a lógica do sistema
de coordenação dos princípios constitucionais.
Scarance Fernandes (2007, p. 60), discorrendo sobre a proporcionalidade pro
societate, leciona que "não se trata, contudo, de ser o princípio invocado a favor ou contra o
acusado, mas de se verificar, em cada situação concreta, se a restrição imposta a algum direito
do acusado é necessária, adequada e justificável em face do valor que se protege".
Aranha (1999, p. 41) denomina a teoria da proporcionalidade no problema das
provas ilícitas de teoria do interesse prevalecente, afirmando que:
[...] em certas situações, a sociedade, representada pelo Estado, é posta
diante de dois interesses fundamentais relevantes, antagônicos e que a ela
cumpre preservar: a defesa de um princípio constitucional e a necessidade de
perseguir e punir o criminoso. A solução deve consultar o interesse que
prevalecer e que, como tal, deve ser preservado.
Pedroso (2005, p. 175-7), após discorrer sua opinião contrária à vedação
constitucional à admissibilidade das provas ilícitas, afirma que a rigidez dessa disposição
constitucional deverá ser contemporizada com todos os demais interesses envolvidos na
apuração da verdade mediante o recurso ao princípio da proporcionalidade. No mesmo
sentido, defendendo um abrandamento do rigor da norma, afirma Celso Ribeiro Bastos que
(1989, p. 273):
[...] o que cumpre agora fazer é procurar extrair a real significação deste
dispositivo, ainda que pessoalmente entendamos que houvera sido melhor
para o Brasil adotar uma posição mais contemporizadora, que propiciasse à
legislação ordinária e à jurisprudência um avanço no sentido de, em
determinadas hipóteses, aceitar-se a prova ainda que ilícita.
No mesmo sentido assevera Clito Fornaciari Júnior (Apud PEDROSO, 2005, p. 175),
ao tratar acerca da proibição das provas ilícitas: “Salta aos olhos a inconveniência do texto
constitucional, exageradamente formal e rigoroso”
Vicente Greco Filho (1989, p. 56 e 178), ao professar sobre o tema, sustenta com
acerto:
94
[...] não poder o texto constitucional ser interpretado de maneira radical, pois
haverá situações em que a importância do bem jurídico envolvido no
processo e a ser alcançado com a obtenção irregular da prova levará os
tribunais a aceitá-la. A norma constitucional de inadmissibilidade de provas
obtidas por meio ilícito vale, portanto, como regra, mas certamente
comportará exceções ditadas pela incidência de outros princípios, também
constitucionais, mais relevantes. Nenhuma regra constitucional é absoluta,
uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios igualmente
constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre
os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se
admitir, ou não, a prova por meio ilícito.
O que reconforta é que uma análise mais detida do assunto induz a crer que o
preceito constitucional há de ser interpretado de forma a comportar alguma sorte de
abrandamento relativamente à expressão taxativa da sua redação.
4.5 Análise crítica da jurisprudência nacional
O Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, tem afirmado a impossibilidade de
aplicar o princípio da proporcionalidade para convalidação de provas que violam direitos
fundamentais, o que, não raramente, reflete na absolvição de integrantes de organizações
criminosas.
Dessa forma, merece crítica o julgamento do habeas corpus (HC) 80.948 pelo
Supremo que inadmitiu interceptação telefônica realizada por particular, tendo o Min. Celso
de Mello consignado a inadmissibilidade da prova ilícita, independentemente da circunstância
de sua produção ter sido realizada por particular ou por agente público.
Nesse caso, o STF determinou o trancamento de inquérito policial instaurado com
base em requisição do Ministério Público Federal (MPF), a qual tinha por sustentação apenas
uma interceptação telefônica realizada sem autorização judicial a delito de corrupção
supostamente praticado por Conselheiro de Tribunal de Contas, que cobrava, em tese,
porcentagem sobre a realização de contrato público.
95
Não se vislumbra, entretanto, nenhum motivo plausível para o trancamento do
inquérito policial, isso porque, sempre que houver abuso das garantias constitucionais, a
prova deve ser considerada mesmo que em desfavor do réu.
Nessas situações de crimes cometidos por funcionários públicos no exercício da
função, devem ser considerados também outros princípios na ponderação de interesses a
justificar a admissibilidade da prova.
Com efeito, se por um lado o direito à intimidade se revela como corolário da
dignidade humana, de outro se tem os princípios da publicidade e da moralidade
administrativa, também com assento constitucional.
Num primeiro momento, por gozar de primazia, o direito à intimidade estaria numa
posição privilegiada naquela ordem de preferência condicionada traçada por Alexy, todavia,
por não ostentar caráter absoluto, nada impediria que referido princípio fosse preterido pelos
princípios da publicidade e da moralidade administrativa, isso porque, como já frisado
anteriormente, esta ordem de preferência deve ser analisada somente prima facie, devendo
ceder frente a valores de maior importância.
O Estado deve mover-se em direção à efetivação dos direitos fundamentais em seu
conjunto, tutelando não apenas os interesses do particular frente ao Estado, mas também o
interesse coletivo, revelado pelo dever de eficiência do Direito Penal. Depreende-se que, ao
lado do interesse do acusado, existe o direito de proteção da coletividade, que possui como
conteúdo a segurança pública.
Também merece crítica a decisão monocrática proferida no Recurso Especial (RE)
251.445 pelo Min. Celso de Melo. Nessa decisão, um dentista praticou relação sexual com
crianças e adolescentes, tendo documentado tais relações com fotografias, e as guardado em
um cofre em seu consultório. Após, os menores ingressaram em seu consultório e furtaram as
fotos, com a intenção de solicitar vantagem indevida - ato infracional equiparado à extorsão.
96
Diante do ocorrido, o dentista comunicou os fatos à polícia, que apreendeu as fotos
em poder dos menores. Iniciou-se uma investigação, que identificou as vítimas, colheu seus
depoimentos e confirmou os fatos. (BRASIL. STF, RE 251.445/GO, Min. Celso de Mello decisão monocrática - DJU 03 ago. 2000 Informativo STF n. 2197).
O dentista foi acusado dos delitos de estupro, atentado violento ao pudor e o delito
do art. 241 da Lei nº 8.069/90 (produzir fotografia com pornografia ou cenas de sexo explícito
envolvendo criança ou adolescente), dos quais foi condenado. Em apelação, o TJ/GO
absolveu o acusado do delito do art. 241 da Lei nº 8.069/90, por entender que, em relação a
este, a única prova existente eram as fotos, que eram prova ilícita.
O MP/GO interpôs recurso extraordinário contra essa absolvição, tendo o i. Min.
Celso de Mello negado provimento ao recurso monocraticamente ao argumento de que a
prova era ilícita, pois fora originalmente obtida em violação à privacidade e ao domicílio do
acusado.
Essa solução dada pelo STF, entretanto, não é condizente com os princípios que
norteiam o processo penal. Entende-se que, como a inadmissibilidade é um princípio
destinado a impedir a arbitrariedade das autoridades encarregadas da persecução penal, não há
qualquer efeito preventivo em relação a particulares, o que não justifica o alto custo social da
exclusão dessas provas.
Dessa forma, vedar todo e qualquer esclarecimento dos fatos é ignorar a verdade e
fazer tábua rasa da justiça. Ademais, se por um lado o constituinte erigiu a inviolabilidade
domiciliar a status constitucional, de outro também cotejou o interesse público de ver
criminosos punidos.
O que não se tolera é a produção da prova por meio de graves violações de direitos
fundamentais, praticadas por agentes estatais. Por conta disso sustenta-se que a prova, ainda
97
que ilícita, deveria ser valorada quando produzida pelo particular, salvo quando o meio
empregado pelo particular revelar extrema violação aos direitos humanos.
No caso em testilha, nada impediria que o julgador, ao ponderar o direito à
inviolabilidade domiciliar e o interesse da coletividade em ver criminosos punido, dispensasse
uma maior carga valorativa ao segundo, o que, para nós, seria realizado em perfeita sintonia
com o dever de eficiência do direito penal.
O que a teoria dos princípios de Alexy sustenta é que, embora alguns princípios
devam receber uma maior valoração frente a outros, esta ordem deve ser analisada num
primeiro momento, nada impedindo que esta ordem seja invertida frente a valores que se
revelarem mais importantes no caso concreto.
Sabe-se que o direito à inviolabilidade domiciliar, assim como o direito à intimidade,
à privacidade, à imagem, dentre outros, encontram-se numa ordem de preferência
condicionada dentro do ordenamento jurídico; sabe-se, também, que esta escala de valores
deve ser analisada prima facie, nada impedindo que tais direitos sejam preteridos quando em
conflito com outros valores que se revelem mais importantes.
Assim, nada impediria que o Supremo Tribunal Federal, por meio da aplicação do
princípio da proporcionalidade, conferisse um peso maior ao interesse pela busca da verdade e
punição do criminoso em prejuízo da inviolabilidade domiciliar.
Também de origem norte americana tem-se ainda a exceção de boa-fé, segundo a
qual as atuações putativas dos policiais configuram situação de ausência de dolo e culpa grave
na violação segundo um padrão do policial "médio", ou seja, analisando-se requisitos
objetivos de ausência de culpa. Também se deve considerar a possibilidade de obtenção legal
da prova, se houver ciência das reais circunstâncias. Na jurisprudência do STF e STJ,
infelizmente, não há precedentes utilizando especificamente a argumentação da exceção de
boa-fé para justificar provas penais.
98
Veja um possível exemplo de exceção de boa-fé. A autoridade policial represente por
busca domiciliar a ser cumprida num município vizinho e, no momento do cumprimento da
busca, entra, por engano, em casa diversa, onde se encontrou produto de furto realizado
naquele município.
Nesse caso, justamente por não ter havido má-fé por parte dos policiais, que não
agiram em nenhum momento com a vontade livre e consciente de se violar qualquer garantia
constitucional, a prova deveria ser considerada lícita, servindo de sustentáculo para um
decreto condenatório. Não é este, todavia, o entendimento dos tribunais, para os quais a prova
não poderá ser admitida.
Deve-se atentar especialmente que, se os policiais tivessem conhecimento das reais
circunstâncias, eles poderiam ter validamente providenciado os requisitos para a violação do
domicílio.
Se, por um lado, a Constituição Federal tutela a inviolabilidade domiciliar, de outro,
tutela o direito à produção da prova; se por um lado tutela a proteção dos direitos
fundamentais, por outro norte também deve tutelar o dever de eficiência do direito penal; se a
dignidade humana individualista, voltada para a tutela dos interesses particulares, deve ser
respeitada, não se pode esquecer de que a dignidade humana, sob um viés coletivo,
direcionado à sociedade, também possui assento constitucional.
Dessa forma, se por um lado o Estado deve abster-se de ações danosas contra o
particular, por outro deve proteger o coletivo contra ações que violem os direitos
fundamentais do cidadão.
Com isso, o Estado deve mover-se em direção à efetivação dos direitos fundamentais
em seu conjunto, tutelando não apenas os interesses do particular frente ao Estado, mas
também o interesse coletivo, já que a dignidade humana não se mostra apenas numa
concepção individualista, mas também sob uma ótima coletiva.
99
Ao Estado não existe apenas uma obrigação negativa de abster-se de eventuais
violações aos direitos do particular, mas também uma obrigação positiva de levar a cabo tudo
aquilo que sirva à realização dos direitos fundamentais, ainda quando não haja uma pretensão
subjetiva dos cidadãos.
Como já salientado anteriormente, ao lado dos direitos do acusado existe o direito de
proteção da comunidade geral de cidadãos, que possui como conteúdo a segurança pública, e
é do equilíbrio desses interesses que resulta a ponderação complexa do dever de proteção
penal.
Em relação ao acusado, trata-se de uma intervenção restritiva de direitos, no sentido
de que seja respeitado seu direito de liberdade. Em relação à coletividade, há um direito
fundamental de proteção penal.
Dessa forma, diante de uma colisão entre princípios constitucionais, deve o julgador
ponderar os interesses em conflito, devendo prevalecer aquele que se mostra mais justo ao
caso concreto.
Tem-se que a jurisprudência nacional deveria adotar a exceção da boa-fé e admitir,
ainda que em situações excepcionais, a prova ilícita em favor da sociedade. A regra da
inadmissibilidade das provas ilícitas, como já salientado outrora, remonta ao direito norte
americano, onde a exceção da boa-fé é adotada como forma de se tutelar o interesse social.
Dessa forma, se adota a regra, deveriam ser adotadas também as exceções, perfeitamente
aplicável em nosso ordenamento jurídico, notadamente diante do aumento da criminalidade e
do sentimento de impunidade que assola o país.
Em situações semelhantes, no entanto, tem o Supremo, diante do conflito entre a
inviolabilidade do lar e o direito à produção da prova, dado prevalência ao primeiro,
determinando o desentranhamento das provas dos autos.
100
Outra situação que deveria receber um tratamento à luz da exceção de boa-fé é o
problema dos conhecimentos fortuitos - ou descobertas casuais. Conhecimentos fortuitos - ou
descobertas casuais - são as informações obtidas, de forma imprevista, através da restrição de
um direito fundamental autorizada para uma finalidade distinta; por exemplo, as informações
obtidas em interceptação telefônica ou busca e apreensão domiciliar relativas à terceira
pessoa, ou a outro fato, que não constavam da autorização judicial inicial e, portanto, não
havia indício justificativo para sua restrição.
Assim, haveria conhecimento fortuito se a polícia obtivesse uma autorização judicial
para ingressar no domicílio de “A” para realizar a apreensão de entorpecentes e, ao realizar a
diligência, localiza a prova de um outro crime que estavam investigando - ou desconhecido;
ou na situação de se autorizar a interceptação telefônica de “A” para investigar o crime de
tráfico de entorpecentes e descobrir a participação de terceiro nesse crime, ou a autoria do
investigado em um outro crime; p.ex, uma quadrilha para seqüestro.
No que tange aos conhecimentos fortuitos em interceptação telefônica, manifestou-se
o Superior Tribunal de Justiça no seguinte sentido:
"É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio de interceptação de
ligações telefônicas de terceiro não mencionado na autorização judicial de
escuta, desde que relacionada com o fato criminoso objeto da investigação"
(BRASIL. STJ, 5. T., HC 33.462/DF. rel. Min. Laurita Vaz, DJU 07 nov.
2005).
No mesmo sentido, decisão recente do STF:
"Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal
e legítima, as informações e provas coletadas dessa diligência podem
subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção,
desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a
interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 22, III, da Lei 9.296/96
levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para
investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com
crimes punidos com detenção". (BRASIL. STF, Pleno, HC 83515/RS, rel.
Min. Nelson Jobim, j. 16 set. 2004, DJU 04 mar. 2005, p. 11, Ementário v.
2182-03, p. 401)
101
Como se observa, no que tange aos conhecimentos fortuitos obtidos em sede de
interceptação telefônica, a jurisprudência dos tribunais somente os admite se relacionados
com o fato criminoso objeto da investigação, ou seja, se conexos aos primeiros tipos penais
que justificaram a interceptação.
Alguns autores, a exemplo de Vicente Greco (1996, p. 19-24) entendem que apenas é
admissível a utilização dos conhecimentos fortuitos da interceptação telefônica como prova
em relação a delito conexo ou contra terceiro co-autor do ilícito ou autor de crime conexo
com o crime investigado.
Para outros, a admissibilidade dessa prova deve ocorrer não apenas para o crime
conexo, mas para outros delitos sem conexão, inclusive para outros processos cíveis e
administrativos relativos aos mesmos fatos que constituem crime.44
Entende-se não haver arbitrariedade nos conhecimentos fortuitos em interceptações
telefônicas, sejam eles relativos a crimes não conexos, terceiros interlocutores ou referidos,
sendo admissível sua utilização como prova em relação aos outros fatos, contra terceiros não
mencionados na autorização judicial inicial, bem como em processos cíveis ou
administrativos por fatos que também constituam crime.
O que se tem é um conflito entre as garantias individuais e o dever de eficiência do
direito penal. Instalado o conflito, o próximo passo é compatibilizar a proteção genérica dos
direitos fundamentais, através da regra de exclusão das provas ilícitas, com o dever do Estado
de perseguir a criminalidade.
Partindo da premissa de que não pode haver princípios absolutos, não se pode
afirmar que o direito de defesa seja sempre superior ao dever de proteção penal. O que se
44
Neste sentido, admitindo a validade dos conhecimentos fortuitos em interceptações telefônicas: PEDROSO
(2005). Esta é a posição de Grinover, Scarance Femandes e Magalhães Gomes Filho (1997) desde que o novo
fato seja de gravidade igual ou superior à do investigado.
102
pode afirmar, seguindo a teoria dos princípio de Robert Alexy é que, em condições normais, o
direito de defesa deve prevalecer sobre o direito à produção da prova.
Vê-se, no entanto, que esta ordem de preferência condicionada deve prevalecer
somente num primeiro momento, nada impedindo que, diante de valores mais importantes,
essa ordem de preferência seja invertida.
Desse modo, instalado o conflito entre o direito ao sigilo das ligações telefônicas e o
direito de punir do Estado, nada impede que este último prevaleça, notadamente quando o
primeiro está sendo utilizado para acobertar práticas ilícitas.
As descobertas causais podem se dar, também, em busca e apreensão domiciliar, já
que possui similitude com o problema nas interceptações telefônicas: deve-se coibir o abuso e
a arbitrariedade, não as ações de boa-fé.
Dessa forma, se há legitimidade na intervenção inicial de entrada no domicílio
devem ser diferenciadas duas situações: (a) se os objetos a serem apreendidos constituem
coisa cuja posse já constitua crime; (b) se o objeto constitui apenas prova de outro delito.
Na primeira situação, o agente está em situação de flagrância, pois se trata de crime
permanente. A situação de flagrância legitima constitucionalmente a violação do domicílio
(CF/88, art. 5º, XI) e, nesse caso, é válida a apreensão dos objetos e, inclusive, a prisão do
autor do delito, se presente.45
Quanto à segunda hipótese, caso a mera posse do objeto não constitua crime documentos aparentemente falsificados, vários talões de cheque de pessoas diversas, ou a
apreensão de um computador se a autorização judicial mencionou apenas a substância
entorpecente - a princípio, segundo orientação dos tribunais, não poderá ocorrer a apreensão.
45
Nesse sentido, entendendo desnecessária a expedição de autorização judicial para a apreensão de substâncias
entorpecentes, havendo fundada suspeitas, por se tratar de crime permanente: STJ, 5.T., RHC 16.792/GO, rel.
Min. Gilson Dipp, j. 02 jun. 2005, DJU 20 jun. 2005, p. 295
103
Essa não seria, contudo, a melhor solução a ser adotada. Logicamente não se quer
retroceder a um Estado totalitário, representado pela barbárie, pela tortura e pela
desconstituição de um estado democrático de direito. Por outro lado, como já salientado, não
se aceita que criminosos se valham do próprio texto constitucional para acobertar práticas
criminosas.
Uma outra exceção à inadmissibilidade das provas ilícitas utilizada no direito norte
americano e já utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal em alguns de seus julgados é a da
descontaminação posterior. Há uma descontaminação posterior sempre que houver
possibilidade de renovação posterior do ato viciado, ou quando o titular do direito violado
confirmar o teor da prova.
Na primeira situação, é admissível a convalidação sempre que a prova puder ser
produzida posteriormente sem o vício original, citando, como exemplo, a quebra de sigilo
bancário sem autorização judicial e, posteriormente, realizado com ordem judicial. O vício
anterior deverá ser descontaminado, e a prova produzida anteriormente não deverá ser
desentranhada dos autos, em observância ao princípio da economia processual.
Nesse sentido o julgamento do HC 80.724/SP:
[...] Quebra de sigilo bancário e fiscal - Prova ilegítima - Decisão não
fundamentada - Ofensa ao art. 93, IX da CF - Nulidade declarada pelo STJ,
que indeferiu, no entanto, o desentranhamento dos documentos fiscais e
bancários - Decisão judicial posterior, devidamente fundamentada,
decretando nova quebra do sigilo - Ausência do vício que contaminava a
decisão anterior, legitimando a prova produzida - Desentranhamento que,
diante desse novo quadro, se mostra desarrazoado e contrário à economia
processual - Habeas corpus indeferido. (BRASIL. STF, 1.T, HC 80.724/SP,
rel. Min. Ellen Gracie, j. 20 mar. 2001, DJU 18 MAIO 2001, Ementário
2030-3, p. 542)
No julgado mencionado, a decisão judicial que concedeu a quebra do sigilo bancário
do acusado foi anulada face a ausência de fundamentação, todavia, um novo pedido foi
formulado no mesmo processo e uma nova decisão judicial, desta feita bem fundamentada,
deferiu mais uma vez a quebra do sigilo bancário do réu.
104
A defesa requereu o desentranhamento dos documentos fiscais obtidos por meio da
primeira decisão, pedido este negado pela ministra Ellen Gracie, sob o fundamento de que a
contaminação anterior havia desaparecido.
Nesse sentido, asseverou a ministra:
Ora, remanescendo nos autos documentação juntada em decorrência da
primeira decisão anulada, mas tendo sido proferidas novas decisões sem a
eiva que contaminava a anterior, nada recomenda que aqueles papéis sejam
agora desentranhados, já que sua repercussão dentro do processo está sob o
abrigo de decisão que não padece do vício antes ocorrente. Devem eles
permanecer e merecer a adequada apreciação e valoração dentro do conjunto
probatório.
Mostra-se, assim, desarrazoado e contrário a economia processual o pretendido
desentranhamento, para que outra documentação, idêntica, seja juntada, desta feita em virtude
das novas decisões de quebra do sigilo, devidamente fundamentadas. O motivo que tornava
aquela prova ilegítima não mais existe.
Também no julgamento do HC 74.197, essa teoria da descontaminação posterior foi
acatada pelo STF para a situação de violação ao sigilo bancário.
[...] A quebra do sigilo bancário - não observado o disposto no artigo 38, §
1º, da Lei nº 4.595/64 - não se traduz em prova ilícita se o réu, corroborando
as informações prestadas pela instituição bancária, utiliza-as para sustentar
sua defesa. Ordem denegada”.1 (BRASIL. STF, 2. T, HC 74.197/RS, rel.
Min. Francisco Rezek, j. 26 novo 1996, DJU 25 abro 1997, p. 15200,
Ementário v. 1866-02, p. 574 ).
Neste caso, o que o Supremo Tribunal fez foi, seguindo a orientação da teoria dos
princípios de Robert Alexy, sopesar os valores sigilo fiscal e bancário versus princípio da
economia processual e, após ponderá-los, conferir um maior peso ao princípio da economia
processual.
Como já frisado inúmeras vezes a longo da explanação, embora os princípios estejam
em mesmo grau de hierarquia, quando em conflito, apresentam-se com diferentes pesos,
devendo preponderar o que se revelar mais importante no caso concreto.
105
No caso em testilha, entende-se ter agido bem o Supremo Tribunal ao conferir maior
peso ao princípio da economia processual, isso porque, como bem justificado pelo próprio
tribunal, decisão contrária se mostraria desarazoada e em descompasso com o interesse
público.
Na segunda exceção, a descontaminação se dá por confirmação posterior do teor da
prova pelo titular do direito violado, o que pode ocorrer, por exemplo, nas gravações
clandestinas em relação às quais posteriormente o interlocutor confirma o teor da conversa,
bem como em rastreio de chamadas telefônicas realizadas sem autorização judicial, mas
confirmadas posteriormente por rastreio judicial.
Frise-se, no entanto, que o Supremo não tem aceitado essa interpretação para as
interceptações e rastreios telefônicos, o que deveria ser reanalisado. (BRASIL, STF. Pleno,
HC 72.588/PB, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12 jun. 1996, DJU 04 ago. 2000, p. 3,
Ementário v. 1998-02, p. 289).
Um exemplo prático pode retratar todo descontentamento com a não aceitação da
descontaminação posterior no que tange às interceptações e rastreios telefônicos.
Supondo que uma quadrilha de assaltantes, munidos de armas de fogo, adentrasse a
residência das vítimas e subtraísse, dentre vários objetos, seus aparelhos celulares. A polícia,
numa ação rápida realizada por meio do setor de inteligência, rastreia e identifica os aparelhos
que receberam ligações dos telefones das vítimas, os quais se encontravam em poder dos
autores do roubo. Em seguida, a autoridade policial, após identificar as pessoas que receberam
as chamadas, diligencia no sentido de encontrá-las e, em meio às suas oitivas, identifica os
autores do roubo. Os autores, embora negassem o crime, são reconhecidos pelas vítimas.
Antes mesmo da conclusão do inquérito policial, um outro rastreio telefônico, desta vez
realizado por ordem judicial, é juntado aos autos, ratificando o inteiro teor do rastreio anterior.
Embora o rastreio judicial tivesse sido requisitado à operadora de telefonia celular logo após a
106
prática do roubo, este é encaminhado pela operadora somente dois meses após a prática do
crime, oportunidade em que toda atividade policial já havia sido realizada, resultando na
identificação, reconhecimento e decretação da prisão preventiva dos autores do roubo.
Imagine, ainda, que em meio à instrução criminal a defesa sustentasse a ilicitude do primeiro
rastreio telefônico, já que realizada sem autorização judicial e, por conta disso, requeresse o
desentranhamento desta prova e das demais, sob o fundamento de que estariam contaminadas.
O Supremo, como salientado, repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os
meios probatórios que, não obstante produzidos validamente em momento ulterior, acham-se
afetados, no entanto, pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminandoos por efeito de repercussão causal.
Dessa forma, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, o rastreio posterior
não teria o condão de ratificar e descontaminar o rastreio ilícito anterior e, por conseguinte,
além do rastreio telefônico, também deveriam ser desentranhadas dos autos todas as demais
provas que dele derivassem, a exemplo das declarações das pessoas que receberam ligações
dos telefones das vítimas, por meio dos quais se chegou à autoria delitiva, bem como o
reconhecimento fotográfico realizado pelas vítimas, isso porque estariam contaminadas pelo
rastreio telefônico ilícito. A conseqüência seria, indubitavelmente, a absolvição dos acusados.
No caso ora analisado, tem-se, de um lado, o direito à intimidade das pessoas que
tiveram devassados seus sigilos telefônicos e, de outro, o interesse da justiça em aplicar a
pena aos autores do crime de roubo.
A solução de uma colisão de princípios deve ser tomada levando em conta as
circunstâncias do caso concreto, estabelecendo entre os princípios uma "relação de
precedência condicionada", ou seja, as condições sob as quais um princípio precede o outro.
Essa relação de precedência não é absoluta, abstrata, incondicionada, mas sempre
condicionada, concreta e relativa. Com isso, a prevalência dos direitos fundamentais deve ser
107
vista como uma prevalência a priori, nada impedindo que a dignidade humana individualista
seja preterida pela dignidade humana personalista, coletiva.
As liberdades públicas, enquanto garantia individual, colocam-se como limite à
atividade estatal. Estas, no entanto, não são absolutas, sofrem restrições, principalmente
quando há violações a interesses da coletividade.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de
caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas
do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção,
por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas.
Como já salientado anteriormente, não se prega e nem tampouco comungamos de
direito penal máximo, mas também não se concorda com um direito penal extremamente
garantista.
Tem-se que o julgador, diante do caso concreto, deve ponderar os valores em conflito
e não simplesmente ordenar a retirada de uma prova dos autos por entendê-la ilícita.
Alguns poderiam entender que o propósito do trabalho é o de desconstituir todo um
aparato representado pelo estado democrático de direito, aniquilando e destruindo todo um rol
de garantias constitucionais.
Rebatendo a essa possível crítica, não se trata de fomentar a violação a direitos e
garantias constitucionais. O que se pretende é preservar não apenas os direitos e garantias
constitucionais do particular, mas também as garantias constitucionais da coletividade,
representadas pelo direito à segurança pública.
Como já ressaltado, na teoria de Alexy, não há relações de precedência absolutas
entre princípios, pois os princípios, como mandados de otimização, se referem a ações e
situações que não são quantificáveis, mas qualitativas.
108
Na perspectiva de Alexy os direitos fundamentais individuais podem ser restringidos
não apenas por outros direitos fundamentais individuais - colisão em sentido estrito - mas
também por princípios constitucionais relativos a bens coletivos - colisão em sentido amplo.
Dessa forma, embora os direitos fundamentais se estabeleçam como alicerce de todo
ordenamento jurídico, não estão isentos de restrições e limitações, isso porque, como já
salientado, não podem ser interpretados de forma absoluta.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de
caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas
do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção,
por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas.
4.6 Prova ilícita por derivação
No que tange às provas ilícitas por derivação, o STF adotou a teoria dos frutos da
árvore envenenada, de origem norte-americana. Segundo essa teoria, se há duas fontes, sendo
uma dessa ilícita e outra válida, esta também será considerada ilícita; a prova obtida por meio
ilícito (árvore) contamina a prova obtida de forma lícita (frutos), mas dela derivada.
Saliente-se, no entanto, que no direito norte americano a teoria comporta alguns
temperamentos, não sendo aplicada em termos absolutos.
Uma das exceções à regra da inadmissibilidade da prova ilícita por derivação, de
origem norte-americana, é a teoria da não-exclusividade, também chamada de fonte
independente.
Segundo essa teoria, se há duas fontes, sendo uma dessas ilícita e outra válida, não se
contamina a prova derivada, pois havia uma outra fonte independente e válida a sustentar sua
produção.
109
Uma outra exceção à inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, também de
origem norte-americana, é a teoria da descoberta inevitável, a qual se dá quando a prova
derivada das informações de uma prova ilícita seria certamente descoberta pela continuidade
das investigações.
Uma terceira exceção, que vem como forma de mitigar e flexibilizar a regra da
inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação é a teoria do vício diluído, também
denominada de mancha diluída, nexo causal atenuado, ou desconexão de antijuridicidade.
Uma quarta exceção é a denominada exceção do erro inócuo. A exceção tem
aplicação quando ocorre um erro durante o procedimento, sem relevância prática, que não
tenha causado uma lesão significativa aos direitos das partes e que não sirva de fundamento à
condenação do acusado.
O Brasil, no entanto, embora tivesse adotado a teoria dos frutos da árvore
envenenada como regra, não adotou, num primeiro momento, as exceções do direito norteamericano, de forma que a teoria era adotada quase que em termos absolutos.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a inadmissibilidade da prova derivada
leva em conta precipuamente o resguardo da pessoa humana e a unidade do ordenamento
jurídico. Sua aceitação constituiria estímulo à violação de direitos fundamentais da pessoa
humana.
Nesse sentido manifestou-se o STF, ao julgar o HC 69.912/RS:
[...] vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das
conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam
ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras
provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular, e
não reprimir, a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de
conversas privadas. (BRASIL. STF, Pleno, HC 69.912/RS, rel. p/ acórdão
Min. Sepúlveda Pertence, j. 16 dez. 1993, DJU 25 mar. 1994, p. 6012,
Ementário v. 1738-01, p. 112, RTJ v. 155-02, p. 508)
Registre-se, no entanto, que nesse julgamento os ministros, por seis votos contra
cinco, rejeitaram a teoria dos frutos da árvore envenenada, e que esta somente saiu vencedora
110
no referido julgamento pelo fato do então ministro Néri da Silveira ter sido julgado impedido
de participar deste. Em razão do empate, prevaleceu a tese da defesa, no sentido de se
reconhecer a ilicitude por derivação. Ressalte-se que nesse julgamento o ministro Moreira
Alves afirmou ser preferível admitir a prova que assegurar a impunidade de organizações
criminosas
No julgamento do HC 72.588, já com a nova composição do Supremo, o que se deu
com a entrada do ministro Maurício Correia, a Corte voltou a analisar a questão da ilicitude
por derivação, desta vez acatando a teoria dos frutos da árvore envenenada.
As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente
delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar
a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o
julgamento (CF, art. 52, LVI), ainda que tenha restado sobejamente
comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do
paciente. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e
não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo.
(BRASIL. STF, Pleno, HC 72.588/PB, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12 jun.
1996, DJU 04 ago. 2000, p. 3, Ementário v. 1998-2, p, 289, RTJ 174-02:491)
A forma pela qual a teoria dos frutos da árvore envenenada vinha sendo aplicada
passou a ser criticada por parte da doutrina, chegando-se a aventar, por exemplo,
possibilidade de pessoas ligadas à organização criminosa, produzirem intencionalmente uma
prova ilícita para, com isso, impedir o sucesso de investigação em andamento, pois tudo o que
viesse a ser obtido nessa averiguação seria considerado ilícito em virtude da contaminação
ocasionada pela prova ilicitamente forjada. (FERNANDES, 2007, p. 94)
Não tardou para que o posicionamento do Supremo sofresse certa carga de
flexibilização, de forma que uma primeira exceção à regra da inadmissibilidade das provas
ilícitas por derivação fosse adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido manifestou o STF ao entender que:
[...] eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal. O
reconhecimento fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em
desconformidade com o art. 226, I, do CPP, não tem a virtude de contaminar
o acervo probatório coligido na fase judicial, sob o crivo do contraditório.
111
Inaplicabilidade da teoria da árvore dos frutos envenenados (fruits of the
poisonous tree). Sentença condenatória fundada em provas autônomas
produzidas em juízo. (BRASIL. STF, 1. T, HC 83.921/RJ, rel. Min. Eros
Grau, j. 03 ago. 2004, DJU 27 AGO. 2004, p. 70, Ementário v. 2161-02, p.
209).
No caso de violações meramente procedimentais e não materiais, a prova derivada
será considerada lícita. Dessa forma, caso a prova derivada origine-se de uma prova ilegítima,
será cotejada com as demais. A prova derivada, contudo, somente será considerada inválida se
derivar de uma prova ilícita, violadora do direito material.
Uma outra exceção adotada pelo Supremo e que também veio como forma de mitigar
e flexibilizar a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação é a teoria do vício
diluído, também denominada de mancha diluída, nexo causal atenuado, ou desconexão de
antijuridicidade, também derivada do direito norte-americano.
Esta exceção irá ocorrer quando, entre a produção da prova ilícita e a obtenção da
prova derivada, surgem fatos intermediários que permitem a descontaminação da mácula
inicial, ou seja, dissipa-se o vício.
Adotando-se a exceção do vício diluído, entendeu o Supremo Tribunal Federal ao
julgar o HC 76.203 que:
[...] a escuta telefônica que não deflagra ação penal, não é causa de
contaminação do processo. Não há violação ao direito à privacidade quando
ocorre apreensão de droga e prisão em flagrante de traficante. Interpretação
restritiva do princípio da árvore dos frutos proibidos. Habeas Corpus
indeferido. (BRASIL. STF, 2. T., HC 76.203/SP, rel. p/ acórdão Min. Min.
Nelson Jobim, j. 16 jun. 1998, DJU 17 novo 2000, p. 10, Ementário V. 201201, p. 80)
Nesse precedente, houve uma delação apócrifa - denúncia anônima - que iniciou as
investigações, tendo a polícia realizado uma interceptação telefônica com autorização judicial
antes do advento da lei regulamentadora. Com base nessas duas informações, a polícia
prendeu em flagrante os suspeitos por tráfico de entorpecentes, quando realizavam um
transporte da substância. Todavia, o conhecimento concreto do dia no qual seria feito o
112
transporte apenas foi obtido com a interceptação telefônica autorizada antes da lei. As demais
provas eram os depoimentos dos policiais que realizaram a diligência de prisão em flagrante.
O Min. Marco Aurélio, relator original, votou pela concessão da ordem. Já o Min. Nelson
Jobim entendeu que não havia qualquer contaminação entre a interceptação ilegal e a
apreensão da droga; tanto que afirmou: "se chegássemos a aplicar o princípio da
contaminação absoluta, teríamos que devolvê-la (a droga), uma vez que ela teria sido
apreendida ilicitamente".
No mesmo sentido, afirmou o Min. Carlos Velloso que ignorar a apreensão de dez
quilos de cocaína atenta contra o devido processo legal. Já o Min. Néri da Silveira introduziu
o argumento da existência de prova autônoma a justificar a condenação - apreensão das
drogas - negando, portanto, a contaminação entre esta e a interceptação ilegal.
Nesse caso, a apreensão derivou claramente da interceptação – considerada ilegal pois a suposta delação apócrifa não forneceu as informações concretas que permitiram a
prisão. Esse precedente decidiu implicitamente que não há contaminação entre a interceptação
ilegal e a prisão realizada com base em suas informações. Portanto, a decisão entendeu que a
ilicitude não era tão direta e imediata que permitisse a contaminação, analisou a desproporção
entre o vício e a exclusão, avaliou a possibilidade de descoberta alternativa e concluiu pela
continuidade das investigações.
Em boa hora e após várias críticas por parte da doutrina, o Supremo, no julgamento
do HC 74.599/SP, acabou por aplicar uma outra exceção à regra da inadmissibilidade da
prova ilícita por derivação, também de origem norte-americana, qual seja, a teoria da nãoexclusividade, também chamada de fonte independente.
Segundo essa teoria, se há duas fontes, sendo uma dessas ilícita e outra válida, não se
contamina a prova derivada, pois havia uma outra fonte independente e válida a sustentar sua
produção.
113
Nesse sentido, ao julgar o HC 74.599/SP, entendeu o STF que:
Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a
prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura
telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova
tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava
as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que
desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras
licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus
indeferido. (BRASIL. STF, 1. T, HC 74.599/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 03
dez. 1996, DJU 07 fev. 1997, p. 1340, Ementário v. 1856-02, p. .380)
No mesmo sentido manifestou-se o STF ao julgar o HC 81.993/MT, onde ficou
decido que não era de se absolver condenado por quadrilha para crimes contra o erário, pois
havia provas ilícitas - busca e apreensão domiciliar de documentos autorizadas pelo juiz e
posteriormente cassada em grau de recurso - e outras provas válidas - diligencias perante a
junta comercial e documentos juntados pelo advogado de um dos investigados. (BRASIL.
STF, 1. T, HC 81.993/MT, rel. Min. Ellen Gracie, j.18 jun. 2002, DJU 02 ago. 2002, p. 84,
Ementário v. 2076-05, p. 898)
Como se observa, se por um lado o Supremo Tribunal Federal adotou a teoria dos
frutos da árvore envenenada, por outro, preocupado com a escalada da criminalidade, com a
impunidade que assola o país, bem como com as severa críticas sofridas não só por parte da
doutrina, mas também da sociedade, passou a relativizar a aplicação da teoria dos frutos da
árvore envenenada.
Dessa forma, sensível à realidade, o Supremo vem mitigando e flexibilizando a regra
da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, em consonância com o dever de
eficiência do Direito Penal, não se limitando apenas à observância do dever de proteção aos
direitos individuais, isso porque a teoria dos frutos da árvore envenenada mostra-se
extremamente limitativa, não se mostrando adequada a nossa atual realidade.
114
Como observado, o Supremo chegou a ensaiar os primeiros passos no que diz
respeito à flexibilização da regra da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, no
entanto, não havia ainda nenhum dispositivo legal que tratasse da matéria de forma objetiva.
Diante da atual realidade e, com vistas a suprir a omissão legislativa referente às
provas ilícitas, o legislador editou a lei 11.690/08, a qual, apesar de reafirmar a regra
constitucional da proibição das provas ilícitas, previu limitações à regra da exclusão das
provas ilícitas por derivação.
O que nos conforta neste momento é que a lei, em boa hora, veio apenas corroborar
aquilo que se sustentou ao longo da explanação, demonstrando-se que o posicionamento
firmando no trabalho guarda perfeita sintonia com o atual texto legislativo.
Dentre as alterações do Código de Processo Penal, trazidas pela lei, cumpre-nos
mencionar as relacionadas com o tema de nosso trabalho.
O art. 157 do Código de Processo Penal, com alteração dada pela Lei 11.690/08,
reproduz o comando constitucional previsto no art. 5º, LVI, CF – “São inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, mas seus parágrafos, no entanto, trazem as
maiores novidades da lei, relativizando a regra constitucional.
Dessa forma, o § 1º do art. 157, em homenagem à “teoria dos frutos da árvore
envenenada” proclama a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, excepcionando,
contudo, duas exceções: “quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras,
ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.
Sustenta-se que a atual modificação legislativa, além de refletir o desejo de grande
parte da doutrina e também da sociedade, demonstra a preocupação do legislador em fazer
frente a escalada da criminalidade e, principalmente, fazer com que a impunidade se coloque
em níveis toleráveis.
115
Ademais, denota a preocupação do legislador com a dignidade humana voltada não
apenas para uma perspectiva individualista, representada pela proteção dos direitos
fundamentais, mas também para uma dignidade humana voltada para o aspecto coletivo,
representada pelo que se defende ao longo desta explanação, ou seja, o dever de eficiência do
direito penal.
116
CONCLUSÃO
No decorrer desta explanação, conclui-se que os princípios constitucionais podem
entrar em conflito, no entanto, este será apenas aparente, isso porque a Constituição, por ser
interpretada de forma global e harmônica, possui mecanismos próprios capazes de por termo
às eventuais antinomias.
O procedimento utilizado é a proporcionalidade, que se caracteriza pela ponderação
dos valores em conflito, no caso concreto, de forma que sairá vencedor o princípio que revelar
maior importância no caso sub judice, sem que isso importe na invalidade do princípio
preterido.
Contudo, como forma de se fiscalizar a atuação judicial, evitando práticas arbitrárias
e abusivas, a proporcionalidade deve obedecer aos requisitos da adequação, da necessidade e
da proporcionalidade em sentido estrito.
Para nortear a análise judicial, criou-se o que Alexy denominou de “ordem de
precedência condicionada”, segundo a qual existe uma escala de valores a ser observada no
caso concreto, de forma que alguns princípios, a exemplo da liberdade individual, da
intimidade, da privacidade e da segurança jurídica devem preponderar frente a outros.
Deve-se ressaltar, no entanto, que esta ordem de preferência não deve ser verificada
em termos absolutos, isso porque a análise deve ser realizada diante do caso concreto, e nada
impede que um princípio que esteja no topo desta escala seja preterido por um outro princípio
que se revele mais importante no caso concreto.
A decorrência lógica deste raciocínio é que a Constituição Federal não possui um
núcleo essencial intangível, respeitados, entretanto, posicionamentos em sentido diverso.
117
Constatou-se, ainda, que o guia de ponderação será sempre a dignidade humana, a
ser analisada sob dois aspectos: dignidade humana subjetiva, representada pelos direitos
individuais, e dignidade humana objetiva, representada pelos interesses da coletividade.
Verificou-se, também, que pouco se fala da dignidade humana objetiva, de modo que
as decisões judiciais levam em consideração, quase sempre, a proteção aos interesses
individuais, em detrimento da coletividade.
Apurou-se que a dignidade humana deve ser analisada não apenas sob a ótica de
proteção dos direitos individuais – utilizada pela defesa, mas também sob o prisma de um
direito penal eficiente – utilizada pela acusação com vistas à consecução do bem comum.
Demonstrou-se, ao longo deste trabalho, que os princípios podem entrar em conflito
e, sendo a “inadmissibilidade das provas ilícitas” um princípio constitucional, este também
estará suscetível de entrar em conflito com outros princípios de igual hierarquia, podendo ser
preterido por valores mais importantes.
Verificou-se, com isso, que a proibição das provas ilícitas não tem caráter absoluto,
podendo ser relativizado diante das circunstâncias do caso concreto.
Sob uma perspectiva apenas individualista do princípio da dignidade humana,
verificou-se que os tribunais, notadamente o Supremo Tribunal Federal, vêem admitindo as
provas ilícitas em favor do réu - pro reo, relutando, por outro lado, em admiti-lo em favor da
sociedade – pro societate.
Nesse ponto, verificou-se que o Supremo Tribunal Federal ainda reluta em aplicar o
guia de ponderação – dignidade humana – em favor da coletividade, ao contrário do que
ocorre em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, Alemanha, Espanha e outros, onde se
reconhece a dignidade humana não apenas do ponto de vista - dever de proteção aos direitos
fundamentais, mas também sob uma ótica objetiva, de efetividade do direito penal.
118
Constatou-se, todavia, que o Supremo Tribunal Federal, preocupado com a escalada
da criminalidade, com a impunidade que assola o país, bem como com as severas críticas
sofridas não só por parte da doutrina, adotou a exceção da “descontaminação posterior” e do
“abuso das garantias constitucionais” – de origem norte-americana, como forma de
flexibilizar a proibição das provas ilícitas também em favor da acusação, no entanto, refutou,
em alguns julgados, as exceções da boa-fé e também das provas ilícitas produzidas por
particulares contra terceiros.
Noutros julgados, como forma de atenuar as conseqüências da “teoria dos frutos da
árvore envenenada”, derivada também do direito norte-americano, o Supremo Tribunal
Federal acabou por adotar as exceções das “violações meramente procedimentais”, e da “não
exclusividade”, não se adotando, contudo, as exceções da “descoberta inevitável” e do “vício
ou mancha diluída”.
Verificou-se, ainda, que a Lei 11.690/08, em homenagem à “teoria dos frutos da
árvore envenenada” proclamou a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação,
excepcionando, contudo, duas exceções: “quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras”.
Concluímos, por fim, que o Supremo Tribunal Federal, seguindo orientação de
alguns países, notadamente dos Estados Unidos, vem aplicando em seus julgados algumas das
exceções, mas ainda de forma bastante tímida, deixando evidente que ainda trata o princípio
da dignidade humana apenas sob a ótica da proteção dos direitos fundamentais, numa visão
individualista, esquecendo-se, no entanto, da outra vertente da dignidade, qual seja, o dever de
proteção do direito penal, representando pelo dever de proteção da coletividade.
119
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