Reviews - The American Portuguese Studies Association

Transcrição

Reviews - The American Portuguese Studies Association
Reviews
ellipsis 10
O livro de Paul Dixon, estudioso de Machado de Assis nos Estados Unidos,
sobre as Memórias póstumas de Brás Cubas representa um grande esforço de ir
além de algumas das vozes críticas mais sonoras na leitura desse romance, em
direção a um entendimento sobretudo filosófico do narrador-protagonista e
de sua narrativa, o que se faz a partir de uma leitura cerrada de alguns elementos constitutivos e estruturais do romance, ou de “uma leitura mais interessada
em questões estéticas, referentes à recepção do texto como uma obra de arte,
à riqueza de sua mensagem e aos valores humanos por ela comunicados” (14).
Para atingir esse objetivo, mostra um rigor teórico absoluto no uso dos conceitos, além de um admirável conhecimento do que já se disse sobre as Memórias,
o que, como se sabe, não é pouco, e já fez rodar nas prensas milhares de páginas, além de ter produzido um debate de ideias acirrado.
O chocalho de Brás Cubas, que a mãe agitava movendo o desejo do
pequeno, como conclui Dixon, “funciona como uma chave dos fenômenos centrais
do romance” (149). Essa imagem escolhida pelo ensaísta como ponto central de
sua análise fenomenológica das Memórias póstumas alinhava todas as ideias levantadas sobre a narrativa, minuciosamente analisadas, justificadas e fundamentadas.
O pequeno Brás, bamboleante e precocemente incitado a seguir o chocalho, impregna a visão de mundo de Brás Cubas, em suas relações pessoais,
em suas escolhas de vida, em seu delírio de morte, nas tentativas de se perpertuar em vida, inclusive quando usa a saída da narrativa. Sustentados na ideia
de intersubjetividade de Husserl, os oito capítulos do livro vão provando ao leitor, por uma nova perspectiva, de que maneira o movimento, principalmente
pendular e de oscilação, é o fundamento desse sujeito e de sua narrativa. Isso
fica já muito claro, e aguça a curiosidade do leitor, desde o primeiro capítulo:
ali, Dixon levanta aspectos formais do romance, em vários níveis, assim como
o discurso do narrador, a apresentação de sua figura humana e as relações estabelecidas com os leitores, tudo seguindo aquela mesma dinâmica do vaivém.
Tendo exposto a tese de que esse movimento é uma “essência unificadora em vários níveis de significado do romance” (21), nos capítulos seguintes
163
ellipsis 10 (2012): 163-165 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Dixon, Paul. O chocalho de Brás Cubas: uma leitura das Memórias Póstumas.
São Paulo: Edusp; Nankin, 2009.
vemos quais são os fundamentos antirretóricos d’“O narrador sem fundamento” (capítulo 2), onde nos deparamos com uma das análises mais finalizadas que já se fizeram a respeito da construção da não confiabilidade do
narrador (e do desmonte dessa ideia), via autor implícito; no terceiro capítulo
“Cubas e o verme (Natureza e Intersubjetividade)”, Dixon nos fala, novamente
por meio de uma análise que se lança à malha fina dos elementos que compõem a narrativa, do caráter associativo da natureza em Machado de Assis, o
que prepara para o salto interpretativo seguinte, a ideia de que também a natureza reverencia o sujeito, que a compreende e a interpreta como uma espécie
de “outro de si”, numa experiência radical de intersubjetividade. No capítulo 4,
a ideia do “modo visual” do romance, ou o discurso que transcende o simbólico, prepara as discussões sobre “Brás, Brasil e a cultura europeia” (capítulo 5), “O Delírio (entre o Universo e a ponta do nariz)” (capítulo 6), “Falando
sério? (O problema do Humanitismo)” (capítulo 7) e “O Emplastro” (capítulo
8). Neles, mostra-se como a lógica oscilatória chega mesmo a se materializar, o
que introduz a análise de alguns desses episódios de ousadia do romance, nos
quais, no centro, estaria sempre à frente (ou, na verdade, por entre as linhas)
a lógica do sujeito: no primeiro caso, Brás Cubas porta a contradição de ser a
elite do país, ostentando, em seus desejos, os gostos da classe inferior e uma
alma colonizada; no que tange ao delírio, mesmo o movimento geral da humanidade entra na relação intersubjetiva por meio da qual Brás oscila entre o
universo e a ponta do nariz; nos episódios em torno do Humanitismo e de
Quincas Borba, explode-se a noção de confiabilidade, pois o discurso do louco
recolocado em relação à história da sátira aponta mais uma vez para a experiência humana da contradição; por fim, no episódio do emplasto, lido por
meio do empréstimo da lógica da cultura xamânica, que dialogaria também
com as crônicas que o escritor escreveu a respeito de curandeirismo e assuntos
afins, Dixon mostra, mais uma vez, como é o sujeito irracional e doentio que
anda no centro das atenções.
Tudo isso é feito em um livro que se lê com interesse, bem acabado, e
que, como saldo final, reforça a estante das aproximações não extrínsecas desse
romance. Montado a partir de um rigor analítico ímpar e de um admirável
respeito em relação a toda a fortuna critica do romance (mesmo aquela da
164 ellipsis 10
qual parece discordar), o livro de Paul Dixon, desde 2009, é uma obra de leitura obrigatória para aqueles que ainda queiram se aventurar a juntar, àqueles
milhares de páginas já escritos sobre as Memórias póstumas de Brás Cubas, suas
próprias ideias.
Lúcia Granja
Universidade Estadual de São Paulo
Reviews
165
In this engaging volume of urban cultural studies, David William Foster (DWF)
explores diverse paths of Brazil’s artistically vibrant megalopolis. The volume comprises twelve segments: a short introduction, ten stand-alone studies, and a reaffirming conclusion. Chapters are evenly divided between analyses of verbal discourses (poetry, fiction, travel diary) and visual discourses (photography, graphic
novel, film), with natural overlap in some cases. DWF paints not so much a portrait of the multifaceted city but the first part of a grand mural. He offers select
case studies while effectively expressing the sheer enormity of São Paulo and her
vast repertories of expressive culture, which preclude comprehensive treatment.
While successful, especially for readers familiar with the trajectory and current
prominence of the über-urbs, the introduction could have expounded usefully on
such key sources as Richard Morse and Nicolau Sevcenko. In the chapters, DWF’s
general approach could be called close reading and/or viewing, with unwavering
concern for gender implications and subject positions.
As befits this location-focused volume, the first study examines Mário
de Andrade’s seminal poetic sequence Pauliceia desvairada. It bears remembering that DWF first wrote on the poetry of the modernista master in 1965;
he can claim broad historico-critical perspective. In this piece, the exegete distinguishes between poeticization of urban setting and incorporation of poetic
discourse into the texture of urban life. Given the extent to which the latter
manifested in subsequent decades, this smart way to approach the intertwined
poems rests on historically verified points. A whole series of phenomena in
Pauliceia desvairada resurface in later chapters, so the chronological placement
at the outset is fortified by thematic threads.
Chapter 2 probes “the feminization of social space” in the short novel
Parque industrial (1933) by Patrícia Galvão, aspects of whose compelling biographical/artistic selves are taken up in the complementary segment that follows. DWF shows gaps in critical reception and adds new angles to the multidisciplinary critical corpus. He is cognizant of the work’s socio-linguistic art
but opts to focus on contestatory discourse. These are not always mutually
167
ellipsis 10 (2012): 167-169 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Foster, David William. São Paulo: Perspectives on the City and Cultural Production. Gainesville: University Press of Florida, 2011.
exclusive: the early episode of bathroom graffiti is audacious as public / aesthetic utterance while rich in socio-critical substance. The first line of the novel
is “São Paulo é o maior centro industrial da América do Sul,” which nearly
duplicates a jingoistic slogan on the side of local streetcars, as captured in one
of the photographs by Hildegard Rosenthal, subject of Chapter 4. DWF notes
that an article about the streetcar in Brazilian literature does not cite this case,
but neither note that Galvão wrote “Sul,” not “Latina” as on the actual vehicle in
the photo. DWF hones in on three other shots by this visual artist in his noteworthy account. An eye-catching chapter on the photography of Claude LéviStrauss explains there are only a few frames of São Paulo in the anthropologist’s
portfolio and that they reveal more about architecture than people. Portraiture is greater than landscape in the photos of Madalena Schwartz (Chapter 7),
whose inclusion here is based on her residence in São Paulo. Her outstanding
black female subjects are from Rio de Janeiro and Salvador, without clear ties to
the official thrust of the book. Similarly, the intriguing segment on the awardwinning graphic novels of Moon and Bá nicely explores great material which is
not purposefully São Paulo focused.
The most curious chapter concerns what might be called the “diary” of a
sociologist turned urbe-nauta, wanderer through neighborhoods of São Paulo,
including indigent areas. The discussion of gaze and project here is distinctive. The segment on film is composed of four carefully selected critical viewings, with no pretense to being a capsule account of cinema paulistano. Filmmaker turned fiction-writer Regina Rheda authored Arca sem Noé: Histórias do
Edifício Copan (1994), scrutinized by DWF in timely fashion, as a new edition
appeared in 2010. He grasps the artist’s “wicked wit” and carnivalesque verve
while usefully perceiving the stories’ connections to issues of modern architecture, urban existence, and sexuality. His attention to the name of one saucy
story reminds readers of the importance of reading closely from the outset, the
very title; the critic prompts readers to verify textual nuances.
As each of these chapters originated as a discrete study (9 of 10 appeared
in academic venues 2005-2009), there is not extensive inter-connection, but
there are overarching preoccupations. DWF underlines two concerns, gender
and proletarian, in a general sense of non-elite. Throughout there is regard for
168 ellipsis 10
critical representations of society, as well as for internal dynamics, though in
some passages national, inter-American, and/or global vantages pertain along
with the express attention to São Paulo. UPF previously published the author’s
Buenos Aires: Perspectives on the City and Cultural Production (1998), and in
this new collection there are references passim to artistic parallels in the Argentine capital and other Spanish American sites, increasing comparatist utility.
Spanish interference likely accounts for some of the typographical errors in São
Paulo, which could be viewed within the purview of Oswald’s “a contribuição
milionária de todos os erros.” Other proofreading lapses involve citations of
colleagues, who will be happy to see their work cited but disappointed to find
their names misspelled. The volume design is attractive, and the overall lineup of illustrations is impressive, although some might like to have a map of
the city to follow the topographical discussion. In any case, imperfections and
other desiderata (such as greater attention to music) can be addressed in a second or paperback edition, which would make it feasible to adopt for classroom
use. Interest in urban studies, in both social-science and humanities realms,
is on the rise, and São Paulo is a fascinating and ever-evolving megalopolis
that has attracted deserved attention. The present volume can be used profitably in general and Brazilian cultural-studies research; all competent libraries
should acquire it. More specifically in Luso-Brazilian and Latin Americanist
domains, colleagues have a unique source to use in classes on the city in Brazil, the Americas, or the Lusophone world, whether in language-literature programs or area studies. DWF closes with reference to “much further work,” and
to this appreciative readers can look forward. The cultural tapestry of São Paulo
will continue in its intricate unfolding and demand critical gazes.
Charles A. Perrone
University of Florida
Reviews
169
De certa forma, a despretensiosa dedicatória – “a quem interessar, possa” – de
Uma História à Margem, se muito já diz sobre seu autor, Ricardo de Carvalho Duarte e de como ele “virou Chacal”, diz mais ainda sobre sua criativa e
fecunda trajetória literária e musical (13). Ainda que este livro de memórias
contemple quase quatro décadas de vida e de poesia, sendo completo até o ano
de sua publicação, é um verdadeiro catatau que precisa, por exigência do autor,
“caber” (no duplo sentido da palavra) no “bolso” do leitor (250). Assim, optou-se pela disponibilização online de parte do material audiovisual, que compreende fotos, vídeos, performances e entrevistas. (Cf. em www.umahistoriaamargem.blogspot.com).
Embora esta História seja, em certa medida, pessoal e intransferível, é
tecida por memórias que também devem ser consideradas em chave coletiva. Ao
dizer sobre si, Chacal é capaz de transcender o mero relato das experiências subjetivas e captar, com suas apuradas antenas, todas as vibrações e dilemas político-poéticos de sua época. Portanto, não parece exagero afirmar que esta História
merece ser lida no plural, pois configura uma espécie de educação sentimental
de uma geração, aquela que começou a produzir literatura no início da década
de 1970, no Brasil, sob o estigma da (des)classificação “marginal do mimeógrafo”.
Após “Taxiando”, um preâmbulo literário em que Chacal reflete sobre
a inconstância da memória, suas armadilhas e seus rastros, inicia-se, propriamente, Uma História à Margem. Se, como afirma, a “jornada é para dentro de
mim”, tudo o que deixa “rastro” vira “linguagem” (10). No entanto, como lidar
com a linguagem arisca, que “risca o silêncio” e, em sua essencialidade, parece
não deixar vestígio? (10). São muitos os desafios que Chacal, ao escrever de
cor(ação), precisa enfrentar. Quando lembrar, como viver, parece tão perigoso
ou traiçoeiro, resta ao escritor acatar a “jornada” “entre o passado e o futuro”,
“entre o futuro e o passado” no presente: “tudo-no-presente” (9).
O desenrolar desta História, cuja margem do título pode ser a terceira, tal
qual a de Guimarães Rosa, sucede em ordem cronológica. Dos anos de infância, passados entre a praia de Copacabana e a “pracinha Cantinho do Céu”,
advém o apelido – derivado da gíria “que onda chacal” – e a certeza de que
171
ellipsis 10 (2012): 171-173 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Chacal. Uma História à Margem. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.
é preciso superar os obstáculos para “poder viver” (14). A adolescência foi
ao tempo de Bob Dylan, da rebeldia sem causa, de “kombis voadoras” e da
urgência do dizer (17). Durante os anos de formação universitária, na Escola
de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, vieram à tona,
quase concomitantemente, a necessidade de escrever e os primeiros cadernos de poesia. Influenciado pelos versinhos rápidos e rasteiros de Oswald de
Andrade e pelo seu tom de blague, Chacal editou, aos vinte anos, Muito prazer,
Ricardo (1971), seu primeiro livro de poemas.
Chacal foi um dos primeiros poetas de sua geração a apostar na forma
alternativa de publicação, à margem do sistema editorial tradicional. Ao rodar
seu livro inaugural em mimeógrafo, com recursos próprios, acabou abrindo
caminho para as posteriores coleções cariocas de poesia, como a Frenesi
(1974), a Vida de Artista (1975-1978) e a Nuvem Cigana, da qual participou
com mais assiduidade. Inspirado pela visão parabólica de Torquato Neto, por
suas crônicas diárias na “Geleia Geral”, coalhadas de ideias tropical-revolucionárias, e estimulado pela verborragia psicodélica de Waly Salomão, Chacal
pegou carona na Navilouca. Ainda como coadjuvante, sua passagem por essa
revista-manifesto, “canto do cisne do tropicalismo e das vanguardas”, transcorreu como verdadeiro abrir de portas (da percepção e da recepção) (32).
Sua visão de mundo ficaria inevitavelmente abalada pelas inúmeras manifestações (contra)culturais que aconteceram no Brasil, durante o transcorrer
daqueles anos setenta, tais como as exposições dos penetráveis de Hélio Oiticica, o antológico show Gal Fa-tal, as peças-happening de José Agrippino de
Paula, a batida vibrante de Luiz Melodia e o experimentalismo anestesiante de
Hermeto Pascoal.
Preço da Passagem (1972), seu segundo livro, composto por trinta e quatro folhas acondicionadas em envelopes carimbados, foi elaborado com justa
intenção: a venda de seus mil exemplares deveria ser suficiente para subsidiar
a viagem de Chacal a Londres. No entanto, não foi o que aconteceu. A frustração da expectativa inicial foi compensada pelo auxílio paterno e o poeta
seguiu viagem. A “trip”, verdadeiro “dharma bum num país de língua estrangeira”, pôs o poeta em contato com os “coming events” do Time Out e daí vieram: Rolling Stones, Allen Ginsberg e o Grand Magic Circus de Jérôme Savary
172 ellipsis 10
que deixariam marcas sensíveis em sua produção musical ulterior e também
em suas performances ou artimanhas poéticas (42).
De volta ao Brasil, em 1973, Chacal dedicou-se à produção de versos,
publicou vários livros de maneira artesanal, entre eles América (1975) e Quampérios (1977), além de participar ativamente dos “aprontos” da Nuvem Cigana
(52). Diferentemente das outras coleções de poesia da época, a Nuvem tinha
um bloco de Carnaval, o Charme da Simpatia, que saia às ruas com “disposição
irresistível para mudar o mundo através do drible, da batucada e das artimanhas” (52). A primeira artimanha aconteceu, propriamente, em outubro de 1975,
quando “ninguém falava poesia em público no Rio de Janeiro” (60). Seu principal
objetivo era libertar a poesia do livro e estabelecer contato direto com o público
leitor. A volta à “falação” poética era uma forma não só de protestar sem deixar
rastros, como também de resistir à situação política adversa (61).
Há mais de vinte anos, Chacal está à frente do projeto CEP 20.000, organizando encontros de poetas, no Rio de Janeiro, e ajudando a divulgar novos
talentos. Em 2007 teve sua obra poética reunida no livro Belvedere, publicado
por duas editoras de grande expressão nacional. Um dos nomes mais significativos de sua geração, Chacal foi um dos poucos poetas que conseguiram sobreviver artisticamente para contar uma História repleta de sons e de uivos e feita
de poesia e vida. A mesma vida que é muito curta para ser pequena.
Débora Racy Soares
Universidade Estadual de Campinas, FAPESP.
Reviews
173
When one reads, say, a Renaissance poem that extols a conqueror’s or an explorer’s superhuman deeds, it’s hardly surprising to find the hero compared to Alexander the Great, himself the paragon of a limit prober, as far as geography,
anthropology, religion, cultural beliefs and human nature go. Vincent Barletta’s
book deals with this time-honored stock term of comparison, and shows how
far more complex a trope it is than one might expect. Needless to say, a standard trope only becomes worth of attention if rescued from tedious repetition.
Rhetorically handled by late classical, medieval and early modern historians and
poets, the biography of Alexander – and, so to speak, all the territory that comes
with it – turns into an argument about expansion, mortality and going native.
All these concepts interweave as soon as Alexander is called upon to
serve as either a model of emulation or a cautionary tale – or indeed both.
Widely conversant with the countless primary sources and the modern critical
studies, Barletta makes it clear that the king of as small a nation as Macedonia,
who conquered the whole of the known world, could also embody the danger
of undoing so great an achievement as such, for while in Persia, after defeating
Darius, Alexander became Persian, or at least adopted the Persian mores and,
among other vices, indulged in heavy drinking and Dionysian revelry. With
historical hindsight, this peculiar sort of transformation, or rather conversion,
was construed as the cause of Alexander’s not being able to return to Greece. In
a word, as Barletta points out (although resorting to Levinas’s phenomenological ethics and concept of “Other”), he lost his logos and therefore became one
of them. The inevitable consequence of such behavior was death – Alexander’s
and his empire’s. It is the foreboding of mortality conveyed by the twofold story
of Alexander, mingled with the everyday reality of facing an enemy (the Muslims), either in the Peninsula or overseas, that historians and chroniclers of Iberian expansion (Castilian, Portuguese and Aragonese) turned into a recurrent
theme, as to pull out all the stops of praise, to moralize by alerting to the consequences of unbridled ambition, to simply acknowledge the inevitability of an
ending or to try and find a means of achieving immortality.
175
ellipsis 10 (2012): 175-177 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Barletta, Vincent. Death in Babylon: Alexander the Great and Iberian Empire in
the Muslim Orient. Chicago and London: The University of Chicago Press, 2010.
Immortality, no less, is the topic of chapter 4, in which the author analyses Portuguese claims in Asia, specifically in places not far from where Alexander died. The geographic metonym couldn’t allow for a more suitable metaphor or comparison. João de Barros’s Décadas are an endless source of interesting
Alexandrian subject matter and Barletta’s insights on specific episodes and on
the important prefatory material are invaluable, e.g. the discussion of Aristotle’s
and Llull’s influence on Barros’s theory of human language that provides a rationale for the task of the historian; the connection with Barros’s own Gramática
da língua portuguesa, written as an instrument for training and bringing forth
new historians in order to keep the empire alive and thus elude mortality; the
rhetorical undoing of some hyperbolic comparisons and the implicit criticism of
Afonso de Albuquerque’s military deeds in the Persian Gulf. It’s worth reminding, as Barletta does, that Alexander regretted not having a Homer to celebrate
his conquests, another well-known commonplace in the literature of the expansion. Camões, in Os Lusíadas, used it with dismay, and Barletta mentions such
use, though as he formulates his argument, he seems to bypass part of the poet’s
own argument, for when Camões fears the chain of causality mentioned above
(a chain that goes from heroic deed to recording it in verse and, finally, to new
heroic deeds through emulation of what the poet wrote) is in danger of being
broken in Portugal for want of sponsorship, the existential claim about the imminence of death (in the sense that a nation loses its collective memory) is subsidiary to the upbraiding of Portuguese aristocracy and in particular Vasco da
Gama’s heirs for not supporting financially the task of writing Os Lusíadas. This
is clearly stated in v, 99, an octave Barletta chose not to include in the quotation.
Chapter 3 deals in part with a late medieval Portuguese text, the Crónica
da tomada de Ceuta by Gomes Eanes de Zurara. The Zurara excerpts, again,
are examined with great subtlety and the several, interrelated, layers of meaning are brought out with acute finesse: D. João I’s necessity of getting the corpse
of his recently dead wife away from the very onset of his imperial project (on
his turn, the Alexander trope inherited from classical Antiquity had been presented as “the stinking corpse” in chapter 2); the knighting ceremony of the king’s
sons and the parallel established between them and Alexander, spiced up by the
coincidence of their mother’s name (Philippa), and Alexander’s father’s (Philip).
176 ellipsis 10
Also worth mentioning for all good reasons is the analysis of the anonymous Aljamiado Rekontamiento del rey Ališandre, in chapter 5. This makes a fitting contrast to the Portuguese literature of expansion, as it was written by moriscos living in the Iberian Peninsula, in Castilian language using Arabic characters
(Aljamiado), as a way of preserving their culture after the conquest of Granada
by Isabel, the Catholic. This Alexander is assimilated to the Qur’ānic Dhū al-Qarnayn, the “two-horned one”, as Alexander was told by the oracle of the Egyptian
god Amun he was of divine lineage (his mother, Olympias, had had sexual intercourse with Amun, in the guise of a big snake) and adopted the god’s ram horns
as a symbolic ornament. Such a momentous revelation granted Alexander divine
status and enabled him to be adored in Egypt as a god. More important, armed
with unfailing philological mastery, Barletta persuasively shows how the Rekontamiento was related to religious practice amongst the morisco communities, and
how Alexander was crucial for Islamic identity in Iberia.
A few editorial remarks are in order. It is awkward to find an octave of Os
Lusíadas with nine lines of verse. That occurs on p. 129, where the last stanza
of the quoted sequence (v, 95-98) begins with “Desamor de Portugal às boas
letras”, which was definitely not written by Camões and sounds rather like a
summary of what is said in the stanza. Since it passed on to the translation,
one might ask what went awry. Speaking of the translation of stanza 98, a very
minor lapse is also worth mentioning: the Portuguese noun “falta”, in the first
(non-apocryphal) verse does not mean “lack”, but “fault” or “blame”. Instead of
“natural lack”, the expression “falta de Natura” should be rendered, along with
the necessary contextual changes, as “nature’s fault”. These trifles, however, by
no means qualify as faults. The argument of the book remains unaffected and
the great deal of intellectual pleasure one takes from reading it unblemished.
João R. Figueiredo
Universidade de Lisboa
Reviews
177
Há estudos que definem, ou redefinem, um movimento, uma geração de escritores ou até uma disciplina. A partir de agora, os estudos afro-brasileiros contam
com uma antologia que estabelece contundentemente o seu cânone de autores,
teóricos, e textos, sintetizando a polêmica sobre a produção literária chamada
“afro-brasileira” ou “negra” no contexto brasileiro. Duarte e Fonseca mudam
a natureza da produção acadêmica, dialogando e indo além do recente debate
sobre as cotas raciais nas universidades brasileiras. Seu estudo apoia e expande
os objetivos da lei número 10.639/2003, que exige que o ensino da história e da
cultura afro-brasileiras faça parte da formação educacional de todo brasileiro.
O projeto é dividido em quatro volumes, cada um com uma breve introdução. Os primeiros três procuram estabelecer um cânone, segundo seus
títulos, através de “Precursores” (autores nascidos antes de 1930), “Consolidação” (autores nascidos entre 1930 e 1950), e “Contemporaneidade” da literatura afro-brasileira. Cada entrada apresenta, em primeiro lugar, uma biobibliografia do(a) autor(a), seguida por uma biografia e excertos ou exemplos da
obra de cada artista. As entradas foram escritas por setenta e um dos estudiosos mais importantes do Brasil e dos Estados Unidos. O volume “Precursores”
inclui autores negros ou mulatos que, por seu contexto histórico, nem sempre
manifestam uma “consciênscia negra”, mas que exemplificam traços e processos
importantes na formação dessa mesma consciência. Em termos cronológicos,
começa com as sátiras do abolicionista mulato Luís Gama e a primeira novelista
brasileira Maria Firmina dos Reis, e inclui entradas sobre os afrodescendentes
mais famosos e polêmicos do país, o poeta simbolista João da Cruz e Souza e o
escritor brasileiro mais importante até nossos dias, Joaquim Maria Machado de
Assis. Cruz e Souza e Machado são mencionados constantemente nos textos críticos da antologia. Os excertos são provas textuais do interesse desses escritores
consagrados em questões relacionadas ao que hoje seria considerado racismo,
a identidade negra, o impacto da escravatura e sua abolição. A abordagem desses textos possibilita novos descobrimentos por parte do leitor. A antologia, em
179
ellipsis 10 (2012): 179-181 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Duarte, Eduardo de Assis, and Maria Nazareth Soares Fonseca, eds. Literatura e afrodescendência no Brasil: Antologia crítica. Belo Horizonte: Editora
da Universidade de Minas Gerais, 2011.
suma, é uma revisão da história da literatura brasileira, ou talvez uma história
paralela que só os estudos da diáspora africana possibilitam.
O volume “Consolidação” da literatura negra no Brasil é representado
por trinta escritores que se destacaram, e em muitos casos continuam destacando-se, na poesia, no teatro e na narrativa. No caso dos músicos e escritores Nei Lopes e Martinho da Vila, analisam-se suas letras que fazem referência
à identidade negra. Qualquer pessoa interessada no Teatro Experimental do
Negro e seus membros mais importantes, como Abdias Nascimento, encontrará neste livro uma ferramenta imprescindível. A revista Cadernos Negros e o
grupo cultural que a fundou, Quilombhoje, estão bem representados, ao lado
dos autores que a revista formou, como Conceição Evaristo. A revista ganhou
visibilidade no exterior com a coletânea Cadernos Negros: Os melhores contos
(1998) e continua ganhando fama com a edição crítica bilíngue de Niyi Afolabi, Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro, todos eles colaboradores de Cadernos Negros: Movimento literário contemporâneo (2008).
O volume “Contemporaneidade” inclui também muitos autores de
Cadernos Negros, além de uma grande diversidade de tendências artísticas e
políticas. Segundo Duarte, trata-se de “uma produção que se destaca perante
o quadro de esgotamento e superação do projeto modernista—em especial os
ímpetos de negação do passado e de celebração de uma brasilidade fundada
na mestiçagem e representada a partir de uma visão distanciada do Outro”.
Trata-se, então, de “escritores conscientes de sua condição de minoria perante
o poder cultural” (9). Esse volume inclui quarenta autores que cultivam, além
dos gêneros mais estabelecidos, ficção juvenil e literatura escrita na internet.
Também inclui a obra de Ana Maria Gonçalves, autora negra/afro-brasileira
que mora nos Estados Unidos, embora muitos de seus contemporâneos publiquem em revistas e coletâneas nos Estados Unidos, continuando o diálogo
artístico e acadêmico entre os dois países.
Esse cosmopolitismo também está presente no último volume, “História, teoria, polêmica”, que compreende uma introdução de Duarte e Fonseca,
depoimentos dos estudiosos e artistas mais importantes do campo, e uma polêmica sobre aspectos fundamentais da disciplina. Entretanto, a única crítica que
se pode fazer é que os títulos dão a impressão de só incluir as vozes de Abdias
180 ellipsis 10
Nascimento, de autores dos Cadernos Negros e da reconhecida estudiosa Zilá
Bernd, quando de fato compreendem as ideias dos organizadores, além de
Elisa Larkin Nascimento, Laura Padilha, Thiara de Filippo, Ana Reis, Flávio
Carrança, Márcia Nascimento e Stephen White, entre outros. Por essa razão, o
índice onomástico é muito útil.
Na seção de textos críticos, Silviano Santiago explica a formulação da
“democracia racial” pelos modernistas e seu impacto hoje. Regina Dalcastagnè compara as representações do negro na literatura brasileira hoje e no
passado. Marcos Antônio Alexandre analisa as tendências do teatro afro-brasileiro desde o TEN até peças mais recentes da Companhia dos Comuns e outros
artistas tão novos e pouco estudados que só aparecem mencionados em sites
na internet. Zahidé Muzart revela influências anteriormente desconhecidas na
obra de Cruz e Souza. Octavio Ianni e Leda Martins, como muitos dos entrevistados, procuram uma definição de cânone para a literatura negra ou afro-brasileira dentro do cânone nacional. Arnaldo Xavier afirma poeticamente a
necessidade de uma literatura negra, subvertendo a linguagem no seu ensaio.
Fonseca contextualiza a literatura afro-brasileira, revelando as influências que
ela sofre do Harlem Renaissance, da Negritude e do indigenismo haitiano.
Daqui em diante, qualquer pesquisa sobre a literatura afro-brasileira
começará com o estudo de Duarte e Fonseca. Esses quatro volumes e suas 2.010
páginas são monumentais, mas são só um começo. Publicado durante aquele
que a UNESCO declarou “o ano do afrodescendente”, Literatura e afrodescendência no Brasil definirá “a década do afrodescendente” e o campo dos estudos
afro-brasileiros. Nas palavras de Abdias Nascimento, “já era para termos isso
há muito tempo” (24).
John Thomas Maddox
Vanderbilt University
Reviews
181
It is well known that Machado de Assis, like many other novelists of the mid- to
late nineteenth century, published some of his works in installments in magazines before the texts appeared in book form. In fact, five of Machado’s nine
novels first saw the light of day in folhetim format, in different periodical publications. As Ana Cláudia Suriani da Silva’s book demonstrates, novel number
six, Quincas Borba (1891, translated into English as Philosopher or Dog?), is by
far the most interesting of these texts in its serialized aspect. For one thing, it
is the last novel to have appeared in installments, a fact that prompts questions
about why this would be the case. Secondly, it is the only novel where the book
version of the novel has changes so substantial from the serial edition that it
essentially amounts to a full rewriting.
While other scholars such as J.C. Kinnear and John Gledson have inquired
into the motivations behind the different versions and while machadianos have
a critical edition detailing those changes, da Silva’s book provides a welcome
addition to the understanding of this topic. It gives a fascinating look not only
at the surprisingly sophisticated mechanics of A Estação, the magazine in question, but also at an entire culture of periodicals produced primarily for a female
audience, and centering on fashion as a sign of social respectability. Prof. da
Silva maintains that Quincas Borba can only be adequately understood if one
appreciates the underlying value system of this type of magazine, and reads the
novel as a response to the culture represented by such a publication. Furthermore, her book postulates that Quincas Borba represents a crisis in Machado’s
relationship with the folhetim as a medium for the novel, and that the elaboration of this particular novel was decisive in causing Machado to abandon
that mode of publication: “Quincas Borba is a turning point in Machado de
Assis’s relationship with the serial” because of its “great innovation in artistic
form … which could be called the global vision of the novel” (2-3). Additionally, it shows that the changes from one version to the next reveal important
insights about the author’s developing esthetic as he provided his first novelistic
183
ellipsis 10 (2012): 183-185 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Silva, Ana Cláudia Suriani da. Machado de Assis’ Philosopher or Dog?: From
Serial to Book Form. Leeds: Modern Humanities Research Association /
Maney, 2010.
follow-up to Memórias póstumas de Brás Cubas, which had been a shocking
departure in many ways from his earlier efforts.
The book demonstrates, I think quite convincingly, that Quincas Borba is
replete with references to fashion as it comes into play during the efforts of the
characters to move up the social ladder. Sofia’s attention to her dress and jewelry at social events, her concern over the countrified Maria Benedita’s learning
to dress and act like a city girl, Dona Tonica’s worrying about what food to offer
Rubião if he comes to visit, Sofia’s efforts to organize a charitable drive in favor
of Alagoas flood victims, and Rubião’s fantasies about carriages at his imagined
wedding—these and other details are discussed as moments in which Machado,
with a plentiful dose of irony, responds to and satirizes the practices by which
people indulge their desire to be seen as more prosperous than they really are.
The first section of da Silva’s book, which focuses primarily on the traditions of serial publication and in particular on the magazine A Estação, is of
interest not only to scholars of Machado, but also to a more general readership,
anyone wishing for a better understanding of the middle-class Brazilian Zeitgeist of the later 19th century, particularly in regards to women.
Part two of the book is more technical, and more specifically focused on
Machado’s sixth novel. Prof. da Silva shows that it was the typographer and not
the author who controlled the division of the installments in the serial, that he
often used “false cliff-hangers” to do so, and that Machado must have objected
to such creative power being exercised by others. She also shows that the serial
version contains several inconsistent and confusing references to previous
chapters, and that such errors are an indication that Machado must have been
working on his revisions for the book at the same time the serialized novel was
still being published. I find it quite curious that the serial version started in
1886, not concluding until five years later, and that there were numerous significant interruptions. Readers must have been well motivated indeed to continue
reading during this haphazard five-year stint.
I will not dwell on many of the details concerning the author’s revision
of the serial for publication in book form, but by way of summary will say that
da Silva shows that Machado expands his treatment of Rubião, especially when
it comes to his gradual transition to madness, that he changes the order of the
184 ellipsis 10
narrative events in order to start out in Rio and treat the time in Barbacena as
a flashback, and that he adds a great deal more discussion of Quincas Borba’s
philosophy of Humanitismo. The phrase “ao vencedor as batatas,” which has
such a prominent presence in the book version, does not even appear in the
serial version until the very end, when Rubião returns to Barbacena. Such a difference highlights the degree to which a philosophy of competitive social interactions, which is now considered the essence of the novel, figured much less
prominently in the earlier version.
Following Gilda de Mello e Souza, da Silva discovers the construction
of a kaleidoscopic vision in the novel: “As in a kaleidoscope, the novelist multiplies the narrative points of view, thus representing a changing society from
not just one point of view but from the sum of the points of view of the characters” (102). The number of significant events must be small, if a substantial
group of characters must be allowed to ponder each one. For that reason, as da
Silva shows, the number of narrative units must be small. This creates a potential dissonance when the number of units in a serialized novel must be large.
Machado de Assis’ Philosopher or Dog? is an excellent example of how
textual criticism may be put to good use. The book studies the two main versions of a text in holistic ways, revealing contextual information that is important for understanding the work. In addition, it uses documentation of an
author’s dissatisfaction with one version, and presumed satisfaction with
another, to discover core esthetic values and practices.
Paul Dixon
Purdue University
Reviews
185
Enquanto nos anos 1980 e mais especificamente nos anos 90 o debate sobre
cultura e literatura brasileiras gravitava em torno da estética pós-moderna
(seu reconhecimento, definição e aplicação ao cenário nacional), nos últimos quinze anos a discussão parece ter perdido fôlego. Segundo Tânia Pellegrini, esse silêncio em relação ao pós-modernismo não significa que o debate
tenha sido completamente exaurido, mas simplesmente que tenha, ao que
parece, “saído de moda.”1 Para a estudiosa, é precisamente a facilidade com que
uma teoria é substituída por outra que caracteriza o que se entende por pós-moderno. Pellegrini propõe, então, a revitalização do debate acerca da existência do pós-modernismo no Brasil, uma vez que este parece ter sido interrompido abruptamente.
Diante desse contexto, O pós-pós moderno: novos caminhos da prosa brasileira, editado e coordenado pelo professor e escritor Godofredo de Oliveira
Neto, parece responder ao anseio supracitado. Trata-se de uma coletânea de
onze artigos, escritos por estudantes de seu grupo de pesquisa de pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que parte do pressuposto provocativo de que o pós-modernismo está morto e de que já estaríamos vivenciando um novo momento: o pós-pós modernismo. Mais do que simplesmente
lançar outra moda teórica, o livro busca mapear a produção ficcional brasileira
do último quarto do século XX e do início do século XXI sem se esquivar de
importantes indagações de ordem teórica: como nomear o novo? Que linha de
diálogo ele estabelece com o pós-modernismo? No Prefácio, Vivaldo Andrade
dos Santos afirma que a coletânea é um esforço intelectual necessário para se
refletir sobre a literatura brasileira contemporânea e que, ao invés de enxergar
esses diferentes momentos (pós e pós-pós) separadamente, é fundamental vê-los como parte do projeto da modernidade, em constante renovação.
Os ensaios do livro compartilham um tom de resgate de valores éticos
e estéticos deixados de lado pelo pós-modernismo, tais como a fragmentação
do sujeito, a crise de historicidade, a implosão das metanarrativas, a hiper-realidade e a auto-referencialidade. Os ensaístas analisam obras não só de
187
ellipsis 10 (2012): 187-190 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Oliveira Neto, Godofredo de, ed. O pós-pós moderno: novos caminhos da
prosa brasileira. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2011.
escritores maduros como Raimundo Carrero, Lygia Bojunga, Rubem Fonseca,
Chico Buarque e Silviano Santiago, mas também de escritores que apareceram
na cena literária nacional mais recentemente, como Adriana Lisboa, Bianca
Ramoneda, José Luiz Passos, Lourenço Mutarelli, Conceição Evaristo e Ana
Paula Maia. De uma maneira geral, com relação ao conteúdo, as características
observadas que representariam esse incipiente momento pós-pós-moderno
seriam: relações humanas mais delicadas e consentâneas com a necessidade de
uma sociedade menos bestializada, presença do amor, sujeito amparado num
passado e num devir e reatualização do conflito campo versus cidade. No que
concerne à forma, os traços observados seriam: retorno ao emprego metafórico e simbólico da linguagem e da poética, diminuição do emprego do palavrão, mais descrição nas narrativas, volta do enredo e uso mais acentuado de
técnicas gráficas (225).
Como modo de ilustração, vejamos dois ensaios: “O esvaziamento pós-moderno no século XXI: a ruptura do gênero em Rubem Fonseca” de Leonardo Barros Medeiros e “O pós-pós moderno: cotidiano e delicadeza na prosa
de Adriana Lisboa” de Jorge Marques. Além de representar a velha guarda da
literatura brasileira, Rubem Fonseca foi um dos que ajudou a consolidar a literatura pós-moderna no Brasil. Entretanto, Medeiros observa em O romance
morreu (2007) o abandono do submundo da violência e do crime, o sumiço do
tema do sexo e um esgotamento do uso excessivo de palavrões. Mesmo reconhecendo a indefinição dessas mudanças na prosa fonsequiana (elas se estabelecerão ou não?), o ensaísta aponta para a marca patente do esvaziamento da
temática pós-moderna nesse livro de crônicas.
Marques, ao representar as vozes mais recentes da literatura brasileira
com Adriana Lisboa, afirma que, embora os temas tratados pela escritora pareçam pós-modernos (abuso sexual, relações incestuosas, uso indiscriminado de
entorpecentes e patricídio), sua prosa se alicerça na estética da delicadeza, residindo sua força num sabor estético apurado e num apreço ao universo lírico.
Ambos os artigos fazem um acercamento – de maneira limitada como não
poderia deixar de ser devido à natureza curta do gênero ensaístico – ao conjunto da obra de Fonseca e Lisboa, de maneira a enfatizar seu posicionamento
diante dos desafios éticos e estéticos desse início de século.
188 ellipsis 10
Salvaguardadas as diferenças de estilo dos escritores analisados, o que
fica patente em todos os estudos é a contingência do seu objeto, ainda em formação, no sentido de que as conclusões são reconhecidamente provisórias.
Outro aspecto que exemplifica o caráter provisional da coletânea reside especificamente na brevidade tanto do Prefácio como do Posfácio. Por se tratar de
um tema tão relevante quanto embrionário, o leitor, ao terminar a leitura, é deixado com a sensação de incompletude; fato que pode ser considerado positivo,
visto que instiga a reflexão.
Nas considerações finais da coleção, Oliveira Neto aponta para o iminente colapso ecológico e para a crise econômica como acontecimentos relativamente recentes que sugerem a crescente mudança de ótica na prática literária de vários escritores. Em face dessa realidade, são observados dois polos
reativos: “o do ser agonizante ou melancólico diante das ruínas de um modelo
malogrado, e daquele capaz de abandonar a longa fase individualista e buscar
uma forma de se reconciliar com o outro e de se harmonizar com o planeta”
(224). O crítico arremata declarando que, apesar de se tratar de uma tendência
jovem e dispersa, que pode se firmar ou não, o pós-pós-modernismo merece
ser estudado e seus desdobramentos acompanhados.
Recuperando a queixa de Pellegrini em relação ao desaparecimento do
debate pós-moderno no discurso crítico literário brasileiro, o que se observa
nos artigos do livro é uma desilusão para com os rumos tomados pela condição pós-moderna (relativismo exacerbado, descrença generalizada, indivíduos
sem um mínimo de referenciais) e uma consequente busca de valores e preocupações mais humanistas. Não obstante oferecer reflexões em vias de desenvolvimento, O pós-pós moderno se posiciona como referência na pesquisa dessas recentes movimentações da produção literária brasileira contemporânea. Por
conseguinte, ao se adiantar no mapeamento desse novo estado de coisas, a coletânea organizada por Oliveira Neto será impreterivelmente um ponto de partida
para novos caminhos teóricos, como geralmente são os estudos precursores.
Cecília Rodrigues
University of Georgia
Reviews
189
Notes
1 Tânia Pelligrini. “Brazilian Fiction and the Postmodern Horizon: Rejection or Incorporation?” Latin American Perspectives 33.4 (2006): 106-121.
190 ellipsis 10
Sônia Roncador’s A doméstica imaginária: literatura, testemunhos e a invenção
da empregada doméstica (1889 – 1999) constitutes an insightful, original, and
well researched scholarly contribution to the field of Latin American literary
and cultural studies. This study examines a topic that has received little to no
critical attention—the strategic use of domestic servants by Brazilian writers
throughout the twentieth century. Roncador’s linear approach to the study of
the theme of servitude privileges four major historical moments of rupture:
abolition (1888) and the creation of a new republic (1889); the Modernist discourse of the 1920s and beyond; the transition from the post-war years into
and throughout the military dictatorship (1960s – 1980s); and the transition to
democracy that began in the mid-1980s and continued through the end of the
twentieth century. The intent to examine literary servants not as rhetorical figures but as second-hand tropes leads to an examination of the literary representations of servitude that takes into account household slaves in pre-abolitionist Brazil, the “mammies” of post-abolitionist patriarchal families, housemaids
whose work is performed either as day workers or “live in” maids in the homes
of the upper-middle and elite classes by mid-century, and domestic workers that
have become producers of texts themselves. As Roncador clearly demonstrates,
domestic workers in the literary imaginary continue to reflect the fragile economic and political stigmatized positions they occupy in society at large.
Roncador begins with an entertaining analysis of the role of domestic servants in the work of Júlia Lopes de Almeida, the “first lady” of the Brazilian belle
époque and one of the chief supporters of the modernizing project put forth by the
new republic. Given that Almeida’s work has received insufficient critical attention, this chapter serves as an excellent introduction for those unfamiliar with
her literary career while also presenting a well-documented discussion of the
mainstream scientific and political discourses that impacted social policy during the late nineteenth and early decades of the twentieth century, in particular
the medical-hygienist discourse that continues to engage historians, sociologists,
191
ellipsis 10 (2012): 191-193 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Roncador, Sônia. A doméstica imaginária: literatura, testemunhos e a invenção da empregada doméstica (1889 – 1999). Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2008.
anthropologists, and cultural critics. Of particular interest is the contrast Roncador outlines between the negative stereotypes of domestic servants and the focus
on the new “domestic woman” in the literature of the post-abolition period.
The discussion of the medical-hygienic campaigns of the early twentieth
century constitutes an excellent background for the second chapter, which explores
certain facets of the ideological framework of the modernist discourse. Roncador’s
thesis—that the image of the “servant” serves as the affectionate mammy or the
seductive female mulatto who becomes the object of desire of the adolescent boys
of the ruling class—leads to a fascinating discussion of Brazil’s agrarian roots as
seen in the work of Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego and Gilberto
Freyre, whose examination of the cultural inheritance of Brazil’s Afro-Brazilian
population is being reassessed by contemporary scholars. Roncador illustrates how
the nostalgic view of servitude in the works of Lins do Rego and Drummond de
Andrade validates the thesis of inter-racial fraternization that, according to Freyre
and his followers, took place within the intimate confines of the extinct patriarchal Brazilian family. Her cogent reading of Freyre and contemporaries argues that
this group of intellectuals salvaged the negative image of the female servant seen
in the work of Raimundo Nina Rodrigues and José Veríssimo. Moreover, she posits that the supposed progressive discourse of the modernists actually led to the
reinforcement of the sexualization of the body of the female servant through the
literary appropriation of a form of nostalgia that recalls a decadent aristocratic tradition. Roncador makes excellent use of the work of Sergio Sant’anna and Silviano
Santiago in her discussion on Drummond, where she establishes the dichotomy
between the sublimation of the white woman’s chaste body and the sexualization
of the grotesque body of the mammy and/or the seductive female mulatto. Likewise the memoirs of Lins do Rego expose this writer’s melancholy for an agrarian
past that in no way purports the social ascension of this class of domestic workers.
The next chapter is dedicated to Clarice Lispector, a writer Roncador
knows intimately and about whom she has already published extensively. Her
examination of the anxieties, tensions, and conflicts between Lispector and the
housemaids working in her home reflect a side of Lispector’s work with which
few readers are familiar. Although Lispector saw herself as a socially conscious
intellectual, Roncador identifies specific instances of ambiguity in the ways she
192 ellipsis 10
regarded the class of domestic workers she both depended upon as a professional
woman and wrote about in her fiction and journalism. The critic’s revelations
regarding this lesser known side of Lispector’s personality will be of enormous
interest to students and scholars of her work worldwide.
The discussion now turns to the published works of domestic servants themselves. Roncador is interested in the role the literary maid plays in the intellectual’s
self-identification process as educator for the dominant classes, redeemers of the
poor, or as voices of solidarity. Thus, it is the testemunhos that rival the mainstream
disciplinary discourse and which attempt to control this social group that come
under examination in this chapter. The critic compares the work of Lenira Carvalho, the founding member of the Association of Domestic Servants which received
wide coverage in the 1980s, to three additional testimonial voices whose ambitions
may have been far less political: Francisca Souza da Silva’s Ai de vós!: diário de uma
doméstica; Rosalina Ferreira Basseti’s Testemunha de uma vida; and Zeli de Oliveira
Barbosa’s Ilhota: testemunho de uma vida. Roncador argues, convincingly, that Carvalho’s brand of testimony was instrumental in establishing a politics of solidarity
that can be seen today in other social movements attracting intellectuals and social
activists in Brazil. Finally, her discussion of certain ethical questions that have been
raised about the authenticity of testimonial literature give continuity to the debates
that originated with the publication of the diaries of Carolina Maria de Jesus.
This well-written, jargon-free study poses stimulating questions and offers
well-documented critical observations that demonstrate the author’s familiarity
with the tradition of critical discourse that has defined twentieth century Brazilian intellectual history, as well as her mastery of an extensive range of scholarship.
The extensive list of works cited constitutes a solid foundation for those wishing to carry out further research on a variety of topics relevant to twentieth-century Brazilian studies. A doméstica imaginária belongs on the shelves of research
libraries and interdisciplinary scholars. Moreover, given the realities facing the
academic publishing industry, it may not be long before this book will be available for download on our iPads and other portable readers.
Peggy Sharpe
Florida State University
Reviews
193
Paulo Leminski (1944-1989) é um dos poetas mais brilhantes e talvez menos lidos
da literatura brasileira do século XX. Poeta, tradutor, letrista, crítico literário e agitador cultural, sua produção inclui uma variedade de gêneros que abrange o horizonte amplo da lírica, o romance, o conto, o ensaio, a canção popular, o jornalismo
e a crítica literária e cultural. Mais conhecido pelo seu célebre “romance-ideia”
Catatau (1975), o poeta paranaense recebe hoje uma crescente e merecida atenção
por parte da crítica nacional e internacional, graças à reedição de suas obras e à
maior percepção da relevância do seu projeto poético.
A pau a pedra a fogo a pique: dez estudos sobre a obra de Paulo Leminski,
bela coleção de ensaios organizada por Marcelo Sandmann, professor da Universidade Federal do Paraná, constitui uma importante contribuição ao estudo
da obra leminskiana e à compreensão do seu lugar no panorama da vanguarda
poética e musical brasileira dos anos 60 e 70.
O texto que inaugura a coletânea, de Adalberto Müller (“Make It News:
Leminski, Cultura e Mídia”), apresenta a busca do poeta, a partir da segunda metade
dos anos 70, de uma linguagem mais comunicativa, depois da inicial adesão à estética da poesia concreta, que culmina com a publicação de Caprichos & relaxos (1983)
e sua colaboração com o mundo da música popular, a televisão e a publicidade.
Charles A. Perrone (“E descobrir a América: Paulo Leminski sob a ótica
da poética transamericana”) propõe uma leitura da obra de Leminski a partir
da perspectiva dos estudos interamericanos, enfatizando a natural vocação do
poeta para a desterritorialização e sua proximidade à língua inglesa e à cultura
musical estado-unidense (jazz, blues, rock ‘n’ roll).
O ensaio de Paulo Franchetti (“Paulo Leminski e o haicai”) mostra a importante presença, na poesia do panaerense, da filosofia do zen budismo e da estética
da poesia japonesa, difundidas no Ocidente por R. H. Blyth, Alan Wilson Watts e
D. T. Suzuki.
Ivan Justen Santana e Caetano Waldrigues Galindo (“James Paulo Joyce
Leminski”) relevam a filiação joyceana de Leminski, tradutor de Giacomo Joyce
(1989), e sua original reinvenção da técnica poética do irlandês em Catatau (1975).
195
ellipsis 10 (2012): 195-196 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Sandmann, Marcelo, ed. A pau a pedra a fogo a pique: dez estudos sobre a obra
de Paulo Leminski. Curitiba: Imprensa Oficial, 2010.
“O raro dos reles: um latim de bandido”, de Guilherme Gontijo Flores,
celebra a ideia leminskiana de poesia “fuleiragem” (de fuluus, amarelo, pardo),
voz da miscigenação cultural brasileira evidente na tradução-reinvenção-desleitura do Satyricon de Petrônio (1985).
O ensaio de Maurício Mendoza Cardozo (“Ler pelo não: a tradução nos
vãos do dito”) propõe una releitura da poética de Leminski a partir da sua concepção de tradução e da estranheza como fundamento ontológico do humano.
Luís Bueno (“Andar no mato de olhos fechados: uma leitura de agora é
que são elas”) realiza uma releitura de Agora é que são elas (1986) à luz da Morfologia do conto maravilhoso de Vladimir Propp, e dá relevo à sua dimensão de
romance existencial.
Marcelo Sandmann (“Na cadeia de sons da vida: literatura e música
popular na obra de Paulo Leminski”) coloca o poeta no âmbito da descoberta,
por parte dos intelectuais brasileiros dos anos 60 e 70, da música popular, e
destaca como o entusiasmo da época pela MPB aproxima a obra de Leminski à
obra de outros poetas brasileiros (Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes) e de
letristas importantes como Torquato Neto, Waly Salomão e Arnaldo Antunes.
Susana Scramim (“Paulo Leminski e o simbolismo”) celebra a importância do movimento simbolista na poesia do autor de Cruz e Sousa: o negro
branco (1983) e no âmbito da literatura moderna do Paraná.
O último ensaio da coleção, de Rita Lenira de Freitas Bittencourt (“O
pensamento críptico: peripécias de um poeta à procura dos sentidos”), oferece
uma visão panorâmica da reflexão teórica leminskiana (Anseios crípticos, 1989;
Anseios crípticos 2, 2001) através de uma exploração da sua poética “pororoca”
e sua intimidade com a fala da rua e a alta cultura (Brecht, Rimbaud, Guimarães Rosa, Dante e Mishima); uma tertúlia ideal que se deu no meio de uma
liberdade poética e política incondicional.
A pau a pedra a fogo a pique abre um espaço de reflexão importante sobre
a obra de Paulo Leminski e renova o convite a um número maior de leitores,
para que se aproximem do pensamento de um dos artistas mais extraordinários e radicais do florescimento da contracultura brasileira dos anos sessenta.
Perla Masi
New York University
196 ellipsis 10
Robert Patrick Newcomb’s Nossa and Nuestra América: Inter-American Dialogues is a welcome and timely contribution to the emerging field of LusoHispanic comparativism. The rise of Brazil as a regional and global power has
sparked widespread interest in things Brazilian both within and outside academic circles. In the North American academia, Brazilian literature and culture have come to play a crucial role within Latin American studies programs.
Meanwhile, the Brazilian government seems to have finally realized the advantages of stronger diplomatic and economic ties with their regional neighbors.
Under such circumstances, questions regarding the connections, historical
entanglements, possible dialogues and integration between Brazil and Spanishspeaking America reemerge with particular urgency. Through close readings
of major texts of the Latin American essayistic tradition, Newcomb addresses
such questions and reflects on the long history of disunion between Brazil and
Spanish America. In juxtaposing Brazilian and Spanish-American views of
what David William Foster has called the Luso-Hispanic “disconsonance,” (2)
Newcomb sheds light on the inherently comparative nature of nationalist and
supra-nationalist discourse in Latin America.
Nossa and Nuestra América focuses on four major intellectuals of the late
nineteenth and early twentieth century, who used the essay as a medium for
reflection about national and regional identity: Brazilian diplomat, politician,
and writer Joaquim Nabuco (1849-1910), Uruguayan critic José Enrique Rodó
(1871-1917), Mexican writer and philosopher Alfonso Reyes (1889-1959), and
Brazilian historian Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). The book begins
by analyzing the larger historical frame of Latin American identity discourse,
thus highlighting Brazil’s position as a “necessary and problematic participant” (20) in the continental identity projected by intellectuals as diverse as
Simón Bolívar and José María Torres Caicedo. In addition, Newcomb examines
the construction of Brazilian exceptionalism in the writings of authors such
as Gilberto Freyre, Euclides da Cunha, and even former Brazilian president
Fernando Henrique Cardoso. Chapters two to five consist of close readings
197
ellipsis 10 (2012): 197-199 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Newcomb, Robert Patrick. Nossa and Nuestra América: Inter-American Dialogues. West Lafayette, IN: Purdue University Press, 2012.
of Rodó, Reyes, Nabuco, and Buarque; their juxtaposition reveals remarkable
affinities between the parallel development of identity discourses in Brazil and
Spanish-speaking America—even more striking in light of their mutual noncommunication. Newcomb concludes by pointing out the persistent oblivion
about Spanish-American intellectual discourse still present in contemporary
Brazilian literary criticism.
Brazilian literary critic Silviano Santiago famously argued for the need
for a comparative approach to Latin American literature, due to its inherently
“dependent” relationship to European literature. Yet, Newcomb’s comparativism
is of a quite different nature. Indeed, conscious of his position as a scholar in
the North American academia, he is cautious vis-à-vis the “foreign” denomination Latin America (coined by French liberal economist Michel Chevalier) and
searches instead for possibilities of inter-American (could we say intra-American?) dialogues and for grounds to “reentangle” (209) Brazil and Spanish-speaking America by bracketing (at least momentarily) the pervasive presence of the
United States and Europe. Paradoxically, he finds such possibilities of dialogue in
the exposition and juxtaposition of their persistent lack of mutual understanding.
Comparative paradigms, as Newcomb notes, are by no means a novelty, but rather an “enduring feature” (8) of identity discourses in both Brazil
and Latin America. Nonetheless, in Rodó’s arielismo as in José Martí’s nuestraamericanismo, and in Oswald de Andrade’s antropofagia, the terms of comparison in relation to which Latin American identities are constructed are most
often located in the United States or Europe. Comparisons between Brazil
and Spanish-speaking America, such as in Buarque’s contrastive figures of the
sower (semeador) and the constructor (ladrilhador), are rather the exception.
Intellectuals both in Brazil and in Spanish-speaking America have recurrently
conceptualized their national or regional identities by establishing their differences and similarities in relation to those countries or cultures perceived as the
cultural and economic centers of Western civilization; in doing so, more often
than not they ignored their closer geographic and linguistic neighbors. To be
sure, this process of identify formation by comparison is not particular to Latin
America, but can be observed in Asia, Africa, and wherever European colonialism left its mark.
198 ellipsis 10
Newcomb’s comparative method consists in a strategic displacement of
the terms of comparison: from Europe or the United States to Latin America
itself. More precisely, in relation to Latin American identity discourses (originally constructed through more or less explicit comparisons with the center)
the operation consists in superimposing a second level of comparison or “dialogue” (with other Latin American identity discourses), thus bringing them to
shock against each other. From this shock of a sudden mutual recognition, new
possibilities of historical and theoretical Latin Americanist inquiry emerge.
Pedro Erber
Cornell University
Reviews
199
This first updated edition of O Guesa by Joaquim de Sousandrade (Sousândrade) since its publication in the nineteenth century is welcome news. O
Guesa is “one of the most frequently cited and least read books in Brazilian
Romantic poetry”, as stated on the back cover by Antonio Carlos Secchin,
member of the Brazilian Academy of Letters. Luiza Lobo, the organizer of
this edition, is author of two previous books on Sousândrade and a respected
authority on the subject.
The book is divided into three sections: Front matter (44 pages, including Introduction, Sousândrade’s Bibliography and Chronology, and “Notes to
this Edition”), O Guesa (updated text, 474 pages), and appendices (52 pages).
The Introduction expounds the organizer’s approach to O Guesa as a
modern Latin American epic within an indigenist framework. The Bibliography (2 pages) is a generally correct listing of works by Sousândrade. The Chronology (4 pages) covers Sousandrade’s life. While adequate, it does not take
into account recently published findings.
“The Notes to the Present Edition” present the main decisions guiding
the preparation of this edition, based on the last undated version published
privately by the author (London, c. 1884, according to the organizer). Earlier
versions of the poem, also published by the author, were not used.
One note, for example, covers syllabic stresses, which Sousândrade frequently changed for metric and other reasons. These are indicated in the
present edition by writing the non-standard stressed syllable in italics. Other
changes, such as hyphen suppression in proper names (New-York, San-Martin), are interspersed with the “Notes to the Cantos” in the back matter. They
would be better grouped in this introductory section.
The complete text of O Guesa, set in very readable Minion Pro font, is
presented after the prefatory material, and constitutes the core of the book.
Some groups of stanzas are arranged with no spacing between them, following the layout of the London edition. A less cramped arrangement (as used
201
ellipsis 10 (2012): 201-203 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Sousandrade, Joaquim de (Sousândrade). O Guesa. Eds. Luiza Lobo and
Jomar Moraes. São Luis do Maranhão/ Rio de Janeiro: Academia Maranhense
de Letras / Ponteio Edições, 2012.
in earlier editions) would have improved readability. Notes are numbered by
Canto and presented in a Notes section in the back matter.
The original text was updated using the latest Portuguese language
orthographic norms, which became official in Brazil in 2009. This should facilitate comprehension by all readers, particularly those not familiar with nineteenth-century Portuguese orthography. Verses are numbered independently
for each Canto (in the Second Canto an extra line was counted between verses
345 and 350).
While orthographic updating was adequately applied to Portuguese
words, its use for foreign words produced mixed results, particularly considering that words in a dozen different languages are used in O Guesa. Sousândrade
usually italicizes words in languages other than Portuguese, a warning which
was not always heeded in this edition. For example, words in Quechua, used
extensively in Canto XI, commonly end in “i” or “u” and are almost invariably stressed in the penultimate syllable. Sousândrade indicates this stress, as in
Huarácu [verse 10:0677 p. 431]. The present edition uses an unaccented form,
huaracu. A Portuguese reader would naturally assume ultimate syllable stress.
Such examples are, unfortunately, rather common. While generally not affecting intelligibility, they alter the cadence of the poem.
Many spelling mistakes in the original edition, particularly regarding
personal names, were corrected. Questionable updates include Syphonia elastica (a Latin name for the Brazilian rubber tree), to sinfonia elástica, now literally “elastic symphony” [verse 3:776] and Quechua achirana, a irrigation channel in Peru [verse 11:517], to (i)aquirana, meaning cicada, in Tupi-Guarani.
Notes to the Cantos (pages 519 to 545). A total of 301 Notes in a 474-pagelong poem are clearly insufficient for elucidation of even the main difficulties
in a work as complex as O Guesa. Furthermore many notes are not particularly
informative. Note 2 of the First Canto is paradigmatic: it only informs us of the
location of all 58 verses where the word Andes is mentioned in the poem. There
are also cross-references to andino (standard Portuguese spelling for Andean),
ândeo, and andeano (non-standard forms for Andino, but easily understood in
context). These last two forms are to be found in the back section under Neologisms (a fact not mentioned in the Notes to the Cantos). Furthermore, andeano
202 ellipsis 10
is under the ândeo entry. Again the only information given is the verse locations. An entry for andino was not found. Thus, after considerable search, the
reader only learns the number of times Andes, ândeo, and andeano are mentioned in the text (58, 8, and 2, respectively). The importance and significance
of the Andes mountains in the poem is not addressed.
Note 1 to Canto XI (page 538; see also page 37 in the Chronology) states
that Sousândrade was among the first to cross the Panama Canal in 1878. The
waterway was opened to navigation only in 1914.
A Glossary is included at the end of this edition and should be a useful
tool for students. It is divided into rare words, (totaling 341, including foreign
language words and phrases), single word neologisms (146), composite word
neologisms (180), hyperbata (10), and nonstandard verb valences (24). The term
neologism is used rather laxly, as archaisms are also included. Unfortunately,
words in the Glossary are not identified as such in the text of the poem, making
consultation a hit-and-miss exercise. This difficulty is further compounded by
the existence of five lists, including two single word ones (rare words and neologisms). Consultation would be simplified by adopting a single list, with appropriate identification, or by using side- or footnotes in the main text.
Overall this new edition of O Guesa should prove useful for students
of Brazilian poetry. Unfortunately it exhibits several shortcomings and would
have greatly benefited from tighter editing.
Carlos Torres-Marchal
Independent Scholar
Reviews
203
Naturalized as the most significant human sense, sight reigns in the enduring legacy of the Enlightenment. Blindness, her opposite, remains synonymous of incompetence and irrationality. However, this understanding of the senses has not been
without its detractors. From Diderot’s Letter on the Blind to current debates in the
realms of political theory and cultural and disability studies, thinkers of modern
and postmodern ocularcentrism make the case that blindness reveals to sight and
reason what they are otherwise unable to see: themselves. Patrícia Vieira’s Seeing
Politics Otherwise contributes to this critical approach, as the book argues for a
political and ethical value of blindness in Latin American and Iberian fictions, particularly those dealing with dictatorial regimes in the 20th century.
How can politics be seen otherwise? Vieira studies the position of the
victims of dictatorship portrayed as blinded or blindfolded. Taking stock of an
eclectic group of works within Latin America and the Iberian Peninsula–namely
Graciliano Ramos’ Memórias do cárcere (1953), José Saramago’s Ensaio sobre a
cegueira (1995), Ariel Dorfman’s play Death and the Maiden (1990), the films
of Marco Bechis (Garaje Olimpo, 1999) and Bruno Barreto (O que é isso companheiro?, 1997), and the installations of Ana Maria Pacheco–the book presents blindness as a privileged site for reflection on subjectification. Seeing Politics Otherwise engages in a philosophical discussion of these works to argue that
blindness can be a metaphor of resistance in the backdrop of totalitarianism, as
much as a matrix for the formation of new subjectivities. Chapter one discusses
notions of vision, ethics and politics as they appear from Greco-Roman mythology to 20th century; chapter two is devoted to connections between darkness and
animality in Ramos’ novel; chapter three examines the blindfold in the works of
Pacheco, Dorfman, Bechis and Barreto; chapter four explores reason and blindness in Saramago’s novel. In the conclusion, the author reflects on “the encounter
between the blindness of the critic and the rhetoric of blindness” (135).
Rather than privileging the periodization of the works in her corpus or
their cultural and historical background, Vieira opts for a phenomenological narrative of blindness. Per the author’s account, the subject finds her own
205
ellipsis 10 (2012): 205-207 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Vieira, Patrícia. Seeing Politics Otherwise. Vision in Latin American and Iberian Fiction. Toronto: University of Toronto Press, 2011.
conditions of subjectification in blindness. The study describes an arch that
goes from the individual to the collective in three different stages. First, the
experience of Graciliano Ramos elucidates a subject who, confined in prison
under the regime of Getúlio Vargas, is forced to experiencing the splitting of
the self. This rupture constitutes a liminal zone in autobiographical writing:
“It takes place in a moment of twilight, between gathering and dispersion, transcendence and immanence, where the retreat of the subject and the blindness
of the object give rise to a non-totalizing writing that remains the only possibility of agency in the face of oppression.” (63) The second stage, “Twists of the
blindfold,” analyzes intersubjectivity and what seems like its negation, torture.
Here, the artwork of Pacheco, Dorfman’s play, as well as Bechis’ and Barreto’s
films, bring forward a reflection on spectatorship and its concomitant (im)possible articulations of the I and the Other within their respective contexts of
oppression. In the third and final moment, Vieira presses on the “dark spot” of
the self in her reading of Ensaio sobre a cegueira (115), where blindness reveals
itself at the threshold of immanence and transcendence. Conversing with a
perhaps too heterogeneous group of thinkers, Vieira discusses the aporias of
ethical responsibility ingrained in the discussions on violence, force, life, politics, ideology and community.
Given the exploration of notions such as “sovereign interpretation” and
“methodological reading” that takes place in the conclusion, one misses a more
thorough examination of specific political conjunctures and their respective
visual cultures. The visual practices of dictatorship are sometimes undertheorized. Moreover, the consideration of other nations and/or their specific cultural and historical backgrounds could contribute to the discussion of a different understanding of politics in the 20th century in Iberia and Latin America.
It would be productive to put Seeing Politics Otherwise in conversation with
earlier scholarship, including Mary Louise Pratt’s Imperial Eyes: Travel Writing
and Transculturation; Pensar en/la postdictadura by Nelly Richard and Alberto
Moreiras; or Vision, Race and Modernity. A Visual Economy of the Andean
World by Deborah Poole.
Vieira’s study is a valuable contribution to current debates in the field of
literary and cultural studies. It is an intellectual journey that asks what it means
206 ellipsis 10
to see, more specifically, to see ethically and politically. Seeing Politics Otherwise
enriches our understanding of the visuality of dictatorship.
Ximena Briceño
Stanford University
Reviews
207
A busca pela confluência do padre Antônio Vieira (1608-1697) talvez seja o
mérito mais sério e mais importante de Essencial: padre Antônio Vieira, coletânea de sermões e cartas do célebre jesuíta português, organizada e apresentada
por Alfredo Bosi. É possível imaginar o quanto a tarefa de preparar uma obra
dessa estatura tenha sido ao mesmo tempo estimulante e desafiadora, uma vez
que o ilustre pregador era, de fato, um filho orgulhoso de seu tempo: membro da Companhia de Jesus, diplomata e conselheiro do monarca D. João IV,
juntou essas qualidades com a de milenarista que, às voltas com seus próprios
argumentos proféticos, esperou o advento iminente de Portugal enquanto protagonista do Quinto Império na terra.
E Alfredo Bosi o traduziu com maestria em suas várias esferas de existência,
algo percebido por toda a coletânea, a começar pela curta e reveladora frase que
inaugura sua introdução: “O padre Antônio Vieira passou sua longa vida entre
os cuidados do presente e os sonhos do futuro”. Nela os cuidados do presente são
lembrados, por exemplo, na missão de Vieira realizada na década de 1640 como
conselheiro do rei D. João IV, amigo do religioso que, por sinal, o admirava muito.
Foi nessa época, afinal, que Vieira, assegurado pelo monarca, participou da criação de uma associação comercial, a Companhia das Índias Ocidentais, instituição
espelhada nas congêneres inglesa e holandesa, e financiada, em parte, por empréstimos de judeus e cristãos-novos residentes em Portugal, ou aninhados em cidades flamengas e francesas. A grande questão, analisada em algumas das mais de
100 páginas da introdução, é que esta iniciativa acabou colocando o diplomático
Vieira contra seu próprio tempo: tais cabedais eram considerados inescrupulosos
pelos tribunais da Inquisição, instituição corpulenta e influente no século XVII,
que, como se sabe, suspeitou e puniu o padre repetidas vezes.
Porém, Alfredo Bosi parece mostrar que o padre Antônio Vieira era filho
de seu tempo sobretudo porque, em alguns aspectos, foi contra ele. “Vieira
pleiteara junto a d. João IV que encaminhasse a Roma a altercação dos estilos daquele tribunal e, em particular, mudança significativa no tratamento dos
réus suspeitos de judaísmo renitente”. (59) Se essa prática foi tratada como um
209
ellipsis 10 (2012): 209-211 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Bosi, Alfredo, ed. Essencial: padre Antônio Vieira. São Paulo, Penguin-Companhia das Letras, 2011.
verdadeiro delito por setores religiosos do Antigo Regime, Vieira, nas décadas seguintes (1650-60), ainda passaria a perturbar o alto colonato do Pará, do
Maranhão e de São Paulo ao defender, contra a vontade destes, o fim da exploração de mão de obra indígena praticada junto às aldeias dessas regiões.
Não há espaço aqui para um relato detalhado das imagens de relutância do
religioso à sua própria época. Contudo, é indispensável notar que Bosi, de forma
geral, as reconstitui para explicá-las, pois, à luz de uma questão cara a seu pensamento: a relação entre ideologia e contraideologia. Vieira, afinal de contas, em
diversas oportunidades, se afastou da ideologia, ou seja, da condição estabelecida
por seus contemporâneos, acabando não raramente por se tornar uma voz dissonante–a despeito, é claro, de seu indiscutível reconhecimento e influência acerca
dos grandes dilemas por que passava o reino português no século XVII. Mas não
é possível desconsiderar, ainda nos passos do crítico literário, que, via de regra, “a
ideologia colonialista lançava na escuridão da conveniência o que a contraideologia iluminara na hora fugaz da denúncia”. (106)
Tais relações tornam-se sem dúvida mais complexas quando o assunto gira
em torno do juízo do padre Vieira da escravidão africana nos trópicos. Se o tema
foi tratado em Dialética da colonização, uma das obras mais importantes do pensamento literário, historiográfico e social brasileiro, aqui ele é revisitado através
da imaginação oscilante do jesuíta, que, neste caso, não propriamente defende,
mas consente, em comum acordo com a lógica das missões jesuíticas–e, é claro, a
de seu tempo–o cativeiro negro no Brasil: “O recurso ao braço africano, […] precedendo de muito a própria fundação da Companhia de Jesus, pareceu aos missionários uma solução viável ao problema do trabalho, que a defesa puramente
formal e verbal dos índios não conseguira equacionar”. (105)
A amplitude em jogo aumenta ainda mais quando se percebe que o teor
político ou econômico desses e de outros argumentos tratados é envolvido, por
sua vez, por uma espécie de auréola retórica religiosa, que se alarga no discurso
profético do pregador com o passar do tempo. Quanto aos hebreus e gentios, a
conversão, em linhas gerais, se daria no contato estratégico e continuado destes
com o verdadeiro conhecimento revelado. Já os negros teriam, em pleno cativeiro, de cuidar da salvação da própria alma, fazendo do sofrimento matéria de
sacrifício que certamente os salvará.
210 ellipsis 10
A complexidade da relação entre o pragmatismo, o cabedal e a milagrosa graça, no caso, é inesgotável. Porém, Essencial: padre Antônio Vieira surpreende justamente ao explorar esse labirinto multifacetado, em termos retóricos, entre os afazeres ordinários do presente e a futura promessa de um Quinto
Império (a seguir-se aos quatro da Antiguidade: assírio, persa, de Alexandre, e
romano), universal e cristão, no qual se revelaria o derradeiro projeto de um
vasto império português. Assim, a primorosa seleção dos sermões, cartas e
outros documentos da obra acaba por reunir textos de coloração variada, como
por exemplo a “Carta ao rei d. Afonso VI”, que denuncia o cotidiano cobiçoso
dos colonos no norte do Brasil; ou ainda “A chave dos profetas”, uma verdadeira síntese das elucubrações proféticas do jesuíta, que no caso estabelece as
circunstâncias de instauração do reino de Cristo na Terra. Contudo, traduz o
estimulante desafio de conectá-los à confluência de um personagem, enfim,
heterogêneo. Por essas razões, a coletânea é uma referência decisiva para os
estudiosos que buscam incessantemente descortiná-lo.
Renato Martins
Universidade de São Paulo
Reviews
211
Marta de Senna e Hélio Guimarães coordenam a importante revista eletrônica
de estudos machadianos, Machado de Assis em linha, associada por sua vez
ao site machadodeassis.net, que contém o levantamento das citações e alusões
em toda a ficção de Machado de Assis. O site, concebido por Marta de Senna,
elenca as citações e alusões nos contos e nos romances do escritor, identificando a origem e a referência de cada uma delas.
O trabalho desses dois pesquisadores não somente escava uma mina
de ouro literário como ainda divide sua riqueza com todos os estudiosos do
romancista brasileiro. No entanto, eles não parecem satisfeitos com o que generosamente já produziram para nós outros: acabam de organizar e publicar uma
coletânea de ensaios sobre os diálogos de Machado com diferentes autores da
tradição ocidental. A coletânea é igualmente preciosa.
Os diálogos contemplados são os de Machado de Assis com Luís de
Camões, William Shakespeare, Blaise Pascal, Alexandre Dumas, Théophile
Gautier, Faustino Xavier de Novais, Camilo Castelo Branco e Joseph Conrad.
Destaco apenas três flashes dessas conversas, contando com que o leitor as frequente mais adiante e por sua conta.
Paul Dixon descobre um contraponto ao Machado cético nos sonetos que
ele escreve em louvor do amor heroico de Camões, na mesma época em que
as Memórias póstumas de Brás Cubas saíam em fascículos na Revista Brasileira.
O amor camoniano é elogiado com uma voz humanista e clássica que se dedicava
ao mesmo tempo a desmontar o amor hipócrita, egoísta e contingente de Brás
Cubas. Mas a melhor hipótese de Dixon é aquela que entende Dom Casmurro
como uma paródia de Os Lusíadas: enquanto o canto camoniano relata façanhas
marítimas se apoiando num discurso alegórico sobre o amor, o romance machadiano realiza precisamente o inverso, narrando em primeiro plano uma história
de amor sobre o pano de fundo de uma alegoria dos descobrimentos marítimos.
Se Camões passa o Cabo das Tormentas para chegar à Ilha dos Amores, o narrador de Machado começa na Ilha dos Amores para terminar no terrível Cabo das
Tormentas, anunciado pelos olhos de ressaca de Capitu e dramatizado na morte
213
ellipsis 10 (2012): 213-215 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Senna, Marta de, and Hélio de Seixas Guimarães, eds. Machado de Assis e o
outro: diálogos possíveis. Rio de Janeiro: Móbile, 2012.
por afogamento de Escobar, que por sua vez desemboca no naufrágio do casamento de Bentinho. O escritor brasileiro faz assim uma outra bela homenagem
ao poeta português, mais bela porque às avessas.
Pedro Meira Monteiro flagra a importância da filosofia em geral, da filosofia de Pascal em particular, para a constituição da obra machadiana. Nas suas
palavras precisas, Machado de Assis “leva às últimas consequências o laboratório moral do homem inaugurado pelo Iluminismo, investigando os limites da
autonomia humana” (60). Sua obra comporta experiências ficcionais que testam a inteireza do sujeito moderno, denunciando sua fragmentação. Essa obra
portanto se encontra “nos antípodas da literatura naturalista, porque seus personagens provêm eles mesmos de uma duração contraditória, nunca de uma
história pregressa que os determina absolutamente” (60). Dessa reflexão Monteiro tira uma dedução literária fundamental: a de que o prazer de Machado se
encontra “em abandonar-nos um instante antes que as ações de seus personagens se cerrem num sentido, deixando-nos não apenas diante de uma ardilosa
indefinição, mas igualmente diante de uma pergunta sobre o que se constrói–se
é que algo se constrói–pelo acúmulo das ações dos homens vivendo em sociedade” (70). Monteiro demonstra dessa maneira a indissociabilidade entre a técnica literária e o pensamento filosófico de Machado de Assis.
Marta de Senna, por seu turno, assume a difícil tarefa de acompanhar
um diálogo que paradoxalmente se caracterizou pelo silêncio: o de Machado
de Assis com Camilo Castelo Branco. Não encontrando na ficção machadiana
nenhuma alusão, sequer implícita, ao escritor português, Senna descobre uma
presença camiliana subterrânea no estilo, no humor, no repertório de citações,
em alguns temas e, principalmente, numa determinada ideia fixa: ambos borram as fronteiras entre o autor e o narrador, entre os personagens e as pessoas,
entre o leitor ideal e o leitor real. Essa confusão proposital de fronteiras aproxima a obra de ambos de um Sterne, à época, de um Cervantes, bem antes, e
de um Ítalo Calvino, depois. O ponto de encontro de todos esses autores é o
elemento metaficcional que os leva a se debruçarem sobre o que fazem questionando a própria identidade, do mesmo modo empurrando seus leitores a se
virarem sobre sua própria leitura e sobre si mesmos até colocarem também em
questão a própria identidade.
214 ellipsis 10
Todos os ensaios do volume, enfim, apontam para o caráter inesgotável
dos diálogos de Machado de Assis com os que o precederam, com os seus contemporâneos, com os que o sucederam e, principalmente, conosco.
Gustavo Bernardo Krause
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Reviews
215
O título do livro de Luiz Fernando Valente condensa as principais qualidades
de seu estudo sobre a obra de João Guimarães Rosa. O termo “mundivivência” é um neologismo que remete não apenas para a interpretação da “visão
de mundo” do autor, mas para a experiência de mundo que a leitura da ficção
proporciona. Se a visão implica uma necessária distância entre quem olha e o
mundo observado, a vivência implica a noção de uma interação e de um encontro existencial entre leitores e textos. Desse modo, o livro em questão propõe-se
como resultado de um relacionamento de longa duração com a obra do autor
mineiro. Além disso, o termo “mundivivência” condensa suas direções teóricas
principais: de um lado, o conceito de leitura como interação dialógica e contingente, pois que gera respostas sócio-historicamente localizadas, e, de outro, a
necessidade de uma leitura comparativa que revele e amplie o diálogo da obra
com o acervo literário e filosófico mundial.
De fato, os nove capítulos do livro apresentam análises comparativas,
seja internamente, estabelecendo relações entre os diversos textos de Guimarães Rosa, seja externamente. Nesse último caso, Valente propõe comparações
entre as técnicas de enunciação desenvolvidas por William Faulkner, em Absalão,
Absalão! e as de Grande sertão: veredas (cap. 5): entre os enredos de O barão nas
árvores, de Ítalo Calvino, e o do conto “A terceira margem do rio” (cap. 6), e um
contraste entre os significados transcendentes da trajetória de Ivan Ilitch, personagem de Leon Tolstoi, e a de Augusto Matraga, personagem do conto publicado em Sagarana (cap. 7). Os demais capítulos analisam as seguintes novelas de
Corpo de baile: “Campo Geral” (cap. 3); “Buriti” e “A estória de Lélio e Lina” (cap.
8); “Uma estória de amor” (cap. 9). Grande sertão: veredas é analisado também
no capítulo 4; e os quatro prefácios de Tutaméia, no capítulo 2.
O primeiro capítulo, “Comparar é preciso”, faz um levantamento das
discussões mais recentes da leitura comparada e realça a necessidade de
uma inter-relação com os estudos de área (“area studies”). Distanciando-se
das leituras que analisam o local, ou das que apontam para a transcendência
do sertão mineiro, o livro de Valente propõe situar-se entre ambos os polos,
217
ellipsis 10 (2012): 217-219 | © 2012 by the American Portuguese Studies Association
Valente, Luiz Fernando. Mundivivências. Leituras comparativas de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011.
estabelecendo entre eles uma “mediação”, apontando para sua “metodologia diálógica” (16). O capítulo 2, “Uma poética do diálogo. Os prefácios de Tutaméia”, dá
continuidade à discussão teórica ao analisar a arte poética rosiana, marcada pela
distinção estória versus história, pela centralidade da ficção como modo especial
de “conhecimento do mundo” (22), e pela interação afetiva dos leitores com o
texto. Esse último aspecto é esclarecido tanto pela remissão à teoria da recepção
de Wolfgang Iser, como à proposta de Susan Sontag de uma “erótica da arte”.
O capítulo 3 analisa o motivo da criança na novela “Campo Geral” como
personagem mediador e arquétipo da reintegração de opostos. Aqui, a teoria de Carl Jung não parece render tanto quanto Valente espera dela, pois se o
arquétipo junguiano reitera a harmonia e a integração de opostos, a literatura
de Rosa, como Valente mesmo acentua, encena o conflito entre lei e desejo. É
assim que o capítulo 8, que se baseia na teoria do erotismo de Georges Bataille,
rende muito mais para a análise que Valente propõe sobre as novelas “Buriti”
e “A estória de Lélio e Lina”. Ao revelar a relação do erotismo com a transgressão e o sagrado, Bataille permite a Valente fundamentar uma contra-leitura da
versão de um erotismo sublimado e harmonioso proposta anteriormente por
Benedito Nunes. Para Valente, em Rosa, “o espiritual . . . deve ser subordinado
ao corpo” (120), reforçando a conexão dessa literatura com uma erótica da arte
e seus efeitos através dos afetos.
Os capítulos 4 e 5 analisam Grande sertão: veredas (GS:V). A interação afetiva com os leitores é o ponto de partida, seja para a comparação com Faulkner,
já que também em Absalão, Absalão! encontra-se a representação do leitor e dos
atos de leitura, seja para o realce da função existencial da literatura. Na leitura
de GS:V, vale ainda ressaltar a análise da questão temporal. Como diz Valente,
diferente do relato historiográfico, no romance de Rosa o passado “vai inevitavelmente crescendo e se modificando ao mesmo tempo que [o narrador] está a tentar reconstruí-lo” (57). O romance cria assim um “diálogo entre subjetividades”
(60), cabendo aos leitores não apenas compreender “mas sofrer com o narrador”
(63), e responsabilizar-se pelas interpretações propostas, no que se revela a ética
de sua literatura. Assim, para Valente, a imagem da “travessia” remeteria a esses
“contatos interpessoais” (64), pois, como ele belamente afirma, na relação afetiva
entre leitor e narrador “ocorre algo semelhante ao amor” (65).
218 ellipsis 10
No capítulo 6, Rosa e Italo Calvino são apresentados como “fabuladores”
que têm concepções semelhantes quanto à escrita da ficção como um “mundo
híbrido, onde o ordinário e o extraordinário estão entrelaçados” (88). Já o contraste entre Ivan Ilitch e Augusto Matraga, no capítulo 7, revela a diferença
entre uma fiçção que reafirma as ambiguidades entre bem e mal e outra que os
separa nitidamente. O livro conclui-se com a leitura de “Uma estória de amor”
e a análise da festa como rito de passagem temporal. Com o auxílio da teoria de Paul Ricoeur, Valente aponta para o tempo cósmico que a literatura nos
faz experimentar ao remeter para o campo do possível e desrealizar as limitações do tempo. Assim, parte da tradição moderna, a obra de Rosa se revela, na
leitura de Valente, nem como desespero nem como negatividade, mas como
sutura (“re-ligare”) sempre relativa, no sentido de ser sempre relacional.
É assim que o termo “mundivivências” aponta, como lembra Valente,
para o “mundo, mundo, vasto mundo” drummondiano que a experiência lírico-ficcional amplia. Por fim, o termo indicaria o caráter também relacional dessa
publicação. Já que seis dos ensaios são re-elaborações de textos publicados antes
em inglês, o livro publicado pela Editora da UFMG estabelece uma ponte bem-vinda entre os estudos de literatura brasileira produzidos dentro e fora do país,
incentivando seu maior intercâmbio, e se institui como contribuição fundamental aos estudos rosianos.
Marília Librandi-Rocha
Stanford University
Reviews
219