O Jornalismo Público praticado pelo programa Cidades - G1

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O Jornalismo Público praticado pelo programa Cidades - G1
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA-IESB
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
LUÍS GUSTAVO MARTINS BARROS
O Jornalismo Público
praticado pelo programa Cidades e Soluções
Brasília
2009
LUÍS GUSTAVO MARTINS BARROS
O Jornalismo Público
praticado pelo programa Cidades e Soluções
Monografia apresentada ao Curso de Assessoria
em Comunicação Pública do IESB, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Especialista.
Orientadora:
Profª. e Mestre em
Universidade de Brasília,
Mônica Prado.
Brasília
2009
Comunicação
pela
RESUMO
O Jornalismo Público não é nem um gênero nem uma categoria jornalística.
Surgiu como um movimento, formado por um grupo de jornalistas norte-americanos que
pretendiam recuperar a ética e os princípios democráticos no processo de formulação de
notícias. Este trabalho pretende apresentar e analisar o Jornalismo Público como uma
forma possível de desenvolver a cidadania, bem como estimular a participação social nas
causas em que é necessária uma atitude coletiva. Também tenta verificar se os conceitos
que conduzem este tipo de jornalismo podem ser encontrados no Brasil, por meio de um
estudo de caso do programa de TV Cidades e Soluções.
ABSTRACT
Public Journalism is neither a gender nor a category in general journalism. It
appeared as a movement, formed by a group of North-American journalists who intended
to recover the ethical and democratic principles in the process of news making. This paper
aims to show and analyze Public Journalism as a possible way to develop citizenship, as
well as to stimulate social participation in causes where a collective attitude is required. It
also tries to verify if the concepts that lead this sort of journalism can be found in Brazil, by
a case study of the Brazilian TV show Cidades e Soluções.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................
1
Capítulo 1 – Jornalismo Cívico: o pensamento voltado para o cidadão...
7
1.1 - Antecedentes históricos........................................................................
7
1.2 – Conceitos..............................................................................................
14
1.3 – Preceitos...............................................................................................
19
1.4 - Possibilidades de mudanças nas redações..........................................
25
1.5 - A corrente contrária...............................................................................
29
1.6 - A mutação do Jornalismo Público nos Estados Unidos........................
32
1.7 – Terminologia.........................................................................................
36
Capítulo 2 – Jornalismo Público no Brasil....................................................
39
2.1 - A importação de uma idéia....................................................................
39
2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas características.........................................
43
2.3 - Experiências brasileiras.........................................................................
48
2.4 - O campo de atuação.............................................................................
54
2.5 - A Comunicação de Interesse Público....................................................
58
Capítulo 3 – Cidades e Soluções como instrumento de Jornalismo
63
Público...............................................................................................................
3.1 - Os responsáveis pelo programa............................................................
63
3.2 - A proposta do programa........................................................................
68
3.3 - A concepção do programa....................................................................
76
3.3.1 - O formato.......................................................................................
76
3.3.2 - As pautas.......................................................................................
79
3.3.3 - As fontes........................................................................................
81
3.3.4 - O público-alvo................................................................................
82
3.3.5 - A audiência.....................................................................................
83
3.4 - Análise das características e dos pontos convergentes........................
86
3.4.1 - Análise global dos pontos convergentes........................................
87
3.4.2 - Análise pontual dos programas......................................................
89
I) Adoção no Brasil................................................................................
90
II) Comércio Justo.................................................................................
95
III) Embalagens Longa Vida..................................................................
100
IV) Incentivo à Leitura...........................................................................
105
Conclusão........................................................................................................
111
Referências......................................................................................................
115
INTRODUÇÃO
Um dos ditados mais populares do jornalismo diz que “se um cachorro morde
um homem, não é notícia; mas se um homem morde um cachorro, isso sim é notícia”. A
mensagem serve para ilustrar um dos critérios utilizados pelos jornalistas para valorar
acontecimentos, declarações e informações de todos os gêneros no sentido de
determinar e classificar aquilo que deve ser noticiado. Dessa forma, nem tudo o que
acontece pode ser transformado em notícia e os acontecimentos são selecionados de
acordo com uma escala subjetiva de interesse.
O jornalista — profissional encarregado de apurar, processar e transmitir
informações — no momento em que está diante de um fato ou de uma ocorrência
qualquer deve observar atentamente esses critérios, pois faz parte do exercício de sua
profissão identificar os pontos que ele julgue importantes naquele contexto para a
divulgação da informação. Esses critérios de noticiabilidade são denominados valornotícia.
O valor-notícia não chega a constituir uma regra no jornalismo, mas é
determinado conforme a decisão pessoal dos editores das empresas jornalísticas
baseado nas experiências vividas pelos profissionais e em critérios atinentes ao nível de
importância, ao grau de interesse, ao produto informativo, ao meio de comunicação em
que será veiculado, ao público receptor, dentre outros fatores (ARAÚJO; SOUZA, 2003, p.
56; WIKIPÉDIA, 2009).
Além disso, elementos como o número de pessoas envolvidas, a duração da
ocorrência, o caráter inesperado (se um homem morde um cachorro...), a clareza das
informações, ações que envolvem personalidades famosas e proximidades geográfica e
2
cultural entre outros, também devem ser levados em consideração na hora de decidir
aquilo que deverá se tornar notícia (WIKIPÉDIA, 2009).
Logo na construção da reportagem, o acontecimento é narrado sob a ótica do
jornalista que presenciou o fato. Ao redigir o texto, o jornalista não só descreve o que viu,
mas insere, conforme o encadeamento de outros elementos apurados, a sua percepção
daquele acontecimento. Depois, o texto é submetido a um editor que adiciona, retira ou
modifica trechos da matéria no sentido de tornar o assunto mais palatável ao leitor,
obedecendo sempre aqueles critérios de noticiabilidade.
Com isso, os editores, chamados de gatekeeper (ou selecionadores de
notícias), detêm o poder de decisão sobre o que é noticiado e também sobre o tratamento
e o direcionamento que aquela matéria deve tomar. E é justamente por meio desse poder
que os editores decidem o quê e como o leitor, ouvinte ou telespectador (conforme o meio
escolhido para receber a notícia) deve tomar conhecimento de um determinado fato.
Mas — dito antes — como essas decisões partem de julgamentos pessoais dos
editores dos mais variados veículos de comunicação, conforme a classificação do valornotícia, o leitor irá encontrar “leituras” e enfoques diferentes para um mesmo assunto. O
que não deixa de ser normal, pois cada pessoa tem uma forma diferente de ver as coisas.
No entanto, quando poder e dinheiro estão em jogo, a possibilidade de acontecer
manipulação de informações ou conflito de interesses tende a aumentar e a ser mais
constante.
Um dos aspectos relacionados ao valor-notícia e que mais se observa no
jornalismo é o caráter negativo dos acontecimentos. Eles são noticiados com maior
frequência porque um dos critérios de noticiabilidade determina que as más notícias
vendem mais do que as boas notícias. Isso acontece, em tese, porque as pessoas
precisam saber que existem problemas maiores que aqueles enfrentados por elas no seu
3
dia-a-dia. É uma questão psicológica. Mas, partindo da premissa relativa às causas e
efeitos, a grande quantidade de notícias ruins veiculada corriqueiramente e de forma
massificada tende a gerar sentimentos de revolta, indignação e pessimismo na
população. Claro, que notícias sobre tragédias, calamidades, violência e corrupção, por
exemplo, existem e devem ser transmitidas, mas colocá-las em um plano acima das
outras na escala de importância acaba por prejudicar não só a quem recebe a informação,
pela alta carga de negatividade, como o próprio jornalismo, que fica estigmatizado.
Há também outras implicações que podem levar à manipulação de informação.
A política é um terreno fértil para isso. Apesar de muitas pessoas dizerem que não
gostam de política e se abstenham de assuntos acerca do tema, elas precisam da política
e a praticam para poder viver em sociedade. Além das definições tradicionais que a
tipificam, um dos conceitos mencionados pelo Dicionário Aurélio para dar sentido à
palavra “política”, diz que se trata da “habilidade no trato das relações humanas, com vista
à obtenção dos resultados desejados”. Ele ainda a relaciona com civilidade e cortesia.
Visto dessa forma, um simples ato de desejar “bom dia” a uma pessoa já pode ser
considerado uma ação política.
As empresas jornalísticas, por sua vez, não estão fora desse contexto político.
Embora sugiram isenção e imparcialidade na veiculação de informações e elaborem
manuais de orientação aos jornalistas que determinem condutas morais e éticas, essas
empresas estão inseridas no mundo capitalista e, mesmo que não admitam, se
posicionam politicamente conforme os assuntos abordados e as linhas editoriais
adotadas. E não só isso. Por trás de cada informação, podem estar camuflados interesses
de determinados grupos, classes ou categorias políticas e, até mesmo, de pessoas
influentes.
4
E, por conta de interesses dessa natureza, muitos veículos de informação
cresceram politicamente e economicamente no século XX, transformando-se em grandes
conglomerados de comunicação de massa, não só no Brasil, mas também em outros
países, especialmente os Estados Unidos, berço do capitalismo. Com o passar do tempo,
os interesses de determinados grupos, principalmente econômicos, passaram a
predominar sobre o interesse geral nos noticiários e isso teria provocado uma crise de
identidade no jornalismo, refletindo diretamente na vendagem de jornais.
Alguns jornalistas americanos, contudo, perceberam que o jornalismo estaria se
desvirtuando de seus princípios e não estaria atendendo à coletividade nem à cidadania.
Inconformados com a forma como os trabalhos jornalísticos estavam sendo conduzidos,
eles decidiram lançar um movimento de resgate do jornalismo e o denominaram de
Jornalismo Público. Esse movimento teve por objetivo estabelecer novas regras de
conduta de jornalistas e órgãos de comunicação no sentido de fazer prevalecer a
cidadania na prática jornalística e, dessa forma, envolver os próprios jornalistas e o
público a que se destinam em questões públicas e de interesses comuns à sociedade.
A presente monografia tem por objetivo contextualizar o Jornalismo Público
conceitualmente e historicamente, mapear a adoção das diretrizes fundadas por esse
movimento na mídia americana e brasileira e confrontá-lo com o jornalismo praticado pelo
programa Cidades e Soluções — veiculado pelo canal de TV por assinatura Globo News
e apresentado pelo jornalista André Trigueiro —, avaliando a proposta do programa, o
formato, o conteúdo e o seu potencial de diálogo com a sociedade.
A proposta deste trabalho é apresentar o Jornalismo Público como uma forma
viável de se desenvolver a cidadania e de estimular a sociedade para causas sociais que
necessitam da coletividade. Será feito um panorama em torno deste modelo — utilizando
o programa Cidades e Soluções como objeto de estudo — a fim de diagnosticar os
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benefícios que o JP pode trazer para a sociedade, como proporcionar inclusão social;
gerar participação social e política dos cidadãos; exigir maior comprometimento com os
direitos humanos e sociais; promover o relacionamento pacífico dentro e fora das
comunidades e, consequentemente, assegurar a qualidade de vida da população.
Para isso, foi feita a captação de diversos artigos e trabalhos acadêmicos na
rede mundial de computadores e realizado um amplo levantamento bibliográfico, para
registrar os marcos históricos e geográficos de implementação deste modelo e averiguar
os conceitos fundamentais do Jornalismo Público, a trajetória do movimento e os
desdobramentos nos meios acadêmico e profissional. Para coletar informações sobre o
programa, as páginas referentes ao Cidades e Soluções na web também foram
consultadas. Além disso, foi realizada uma entrevista com André Trigueiro para verificar a
proposta do programa, captar as impressões pessoais do autor e coletar detalhes sobre a
construção do programa, a rotina dos profissionais e as técnicas jornalísticas
empregadas.
Foram observados, durante o processo de pesquisa, o nível de adesão à causa,
as perspectivas futuras do movimento e as polêmicas que o envolvem. Avaliou-se
também a presença do Jornalismo Público no Brasil, com relação à forma como ele foi
disseminado por aqui, as experiências que se aproximam dos conceitos que o movem, o
campo de atuação e a sua relevância para a Comunicação Pública.
Na pesquisa referente ao programa, foram revelados os responsáveis pelo
projeto e descobertas a proposta e as motivações para a realização do Cidades e
Soluções. A sua concepção também foi verificada, no que diz respeito ao formato, às
pautas, às fontes, ao público-alvo e à audiência.
Para a avaliação dos programas, foram destacadas quatro edições, constantes
de uma relação de títulos disponibilizada na página oficial do Cidades e Soluções e na
6
página pessoal do jornalista. André Trigueiro distribui os títulos por categorias,
determinadas por ele, tais como Energia; Consumo consciente; Construção Sustentável;
Reciclagem de materiais orgânicos e inorgânicos; Uso inteligente da água; Educação e
cultura; Mobilidade; Biodiversidade; Planejamento urbano e gestão; e Terceiro setor.
Desse cardápio, optou-se por escolher programas que tivessem temáticas distintas, com
enfoque em relação social, economia, meio ambiente/reciclagem e educação/cultura.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
ARAÚJO, Ellis Regina; SOUZA, Elizete Cristina de. Obras jornalísticas - Uma síntese. Brasília: Editora
Vestcon, 2003. 300 p.
POLÍTICA. In: NOVO Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira,
1996.
WIKIPÉDIA. Valor-notícia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Valor-not%C3%Adcia>. Acesso em
17 jun. 2009.
7
Capítulo 1 – Jornalismo Cívico: o pensamento voltado para o cidadão
1.1 - Antecedentes históricos
No fim dos anos 80, uma onda de desconfiança atingiu os meios de
comunicação norte-americanos. Os primeiros reflexos detectados foram a queda na
leitura de jornais e o baixo índice de confiabilidade nos veículos informativos. Depois,
pesquisas apontaram para um descrédito crescente da população americana em relação
ao que a mídia veiculava e à forma como ela transmitia as notícias para sua audiência. O
público já não identificava nos meios de comunicação a função de servir à sociedade ou
de reportar notícias de interesse coletivo. Havia um descontentamento geral com a
cobertura feita por jornais e emissoras de TV e ficava cada vez mais clara a ideia do
jornalismo como negócio sobrepondo a ideia do jornalismo como uma prestação de
serviço.
Um dos aspectos levantados como causa para a rejeição do público aos
veículos de comunicação relacionava-se com a prática jornalística, consagrada ao longo
do século XX pelos grandes jornais e seus manuais de redação, baseada no
distanciamento do repórter em relação à notícia e na adoção de técnicas redacionais que
privilegiam a objetividade, a imparcialidade, a concisão, a simplicidade e a precisão, entre
outros, e que contribuiu para esse sentimento do receptor da informação de que ele não
faz parte daquele universo noticiado. O público, diante da concepção do distanciamento,
apenas consome a notícia e não se envolve.
Diversos pesquisadores da comunicação passaram a mapear o comportamento
da indústria jornalística e de seus profissionais, por meio de estudos científicos, e
conceberam inúmeras teorias que traduzissem as causas e consequências do jornalismo
8
desenvolvido ao longo do tempo. Uma delas, a Teoria do Espelho, traduz essa relação de
distanciamento quando diz que “o jornalista deveria se comportar como um fotógrafo,
relatando a realidade da forma como ela se apresenta, sem intervenção subjetiva”
(DANTON, 2003). Ainda de acordo com a teoria, “o bom jornalista é um observador
desinteressado, que relata com honestidade e equilíbrio tudo o que vê, cauteloso para
não emitir opiniões pessoais” (DANTON, 2003) e diz também que “escrever a matéria de
forma impessoal e ouvir os dois lados da questão é regra para o bom jornalismo”
(DANTON, 2003).
Aliado a isso, as transformações tecnológicas, que geraram uma dinâmica
maior na transmissão das informações, a espetacularização da notícia, determinante nos
telejornais e cujo fato muitas vezes é repassado na forma de entretenimento, a busca
incessante pelo furo jornalístico, em que a descoberta de um escândalo torna-se o
principal objetivo a ser alcançado, e a superficialidade com que alguns temas eram
tratados também foram ingredientes da prática jornalística apontados como causadores
da insatisfação do público.
Outro componente verificado naquela ocasião foi a cobertura mal-sucedida da
campanha presidencial de 1988, entre George Bush e Michael Dukakis, feita pela
imprensa americana (SHEPARD apud TRAQUINA, 2003, apud QUADROS, 2005, p. 45).
Como o voto nos Estados Unidos é facultativo, detectou-se o afastamento da população
nas eleições daquele ano. Especialistas também perceberam que as matérias veiculadas
privilegiavam a corrida presidencial, com a divulgação constante das pesquisas de
intenção de votos e a posterior repercussão em torno dos números, em detrimento de
notícias que gerassem discussão a respeito de questões mais relevantes para o
eleitorado.
9
E foi esse cenário, portanto, que proporcionou o surgimento do Jornalismo
Público, também chamado pelos precursores desse movimento de Jornalismo Cívico. A
ideia inicial era retomar o princípio jornalístico de servir à sociedade e tinha como meta a
reinserção dos cidadãos na vida política norte-americana.
O primeiro jornalista que verificou a necessidade de se realizar uma mudança
no processo de construção das notícias foi Davis Merritt, então editor do jornal The
Wichita Eagle, do estado do Kansas. Desencantado com o trabalho desenvolvido nas
eleições de 1988, ele escreveu um artigo, datado de 1990, em que pregava o
aprofundamento dos temas abordados nas matérias, oferecendo aos leitores/cidadãos a
oportunidade de compreender, em detalhes, a posição dos candidatos que disputariam as
eleições para o governo do Estado do Kansas em torno dos assuntos de interesse da
comunidade (QUADROS, 2005, p. 45).
Naquele mesmo ano ele lançou dois projetos que colocavam em prática esse
novo processo de produção de notícias. O primeiro, chamado Where they Stand, tinha
como objetivo aumentar a participação do público no processo eleitoral. Foram
estabelecidos 10 temas considerados mais relevantes pela população, escolhidos por
meio de uma pesquisa, que seriam abordados em matérias mais aprofundadas com a
apresentação de todas as questões relativas a cada assunto proposto. A partir do
levantamento feito pelo jornal, abria-se um espaço para o debate, onde os candidatos
expunham suas idéias e expressavam seus pontos de vista acerca de assuntos como
educação, desenvolvimento econômico, meio ambiente, agricultura, serviços sociais,
impostos e violência, entre outros (FERNANDES, ca. 2004, p. 2).
O segundo projeto, denominado The People Project, visava o engajamento dos
moradores da região na busca de soluções para problemas distintos como a deficiência
das escolas, crimes e gangues, falta de consenso na política, além de crises em família.
10
Essa iniciativa do Eagle, que tinha como subtítulo Solving it Ourselves (Resolvendo nós
mesmos), contou com a participação de uma emissora de televisão local e uma estação
de rádio com vistas a trazer o cidadão para partilhar idéias e encontrar recursos para
ações concretas. Estavam fundadas ali as bases para a criação do movimento
denominado Jornalismo Público (QUADROS, 2005, p. 45).
Daí em diante, houve uma proliferação dessa prática jornalística com o
surgimento de novos projetos realizados por outros jornais. Em 1992, o jornal The
Charlotte Observer, da Carolina do Norte, pertencente ao mesmo grupo de comunicação
do Eagle, Knight Ridder newspapers, com a ajuda do Poynter Institute for Media Studies e
a emissora WSOC-TV (afiliada da ABC), desenvolveu um projeto cuja ação era sondar as
questões de importância dos eleitores para formar a agenda dos cidadãos. Outra
experiência ocorreu na Geórgia, em outro jornal da Kight Ridder, o Columbus Ledge
Enquirer, que também encomendou uma pesquisa para identificar os problemas que
atingiam a comunidade local, gerando um relatório denominado Columbus para além de
2000. A partir dele, o jornal passou a pautar suas ações de acordo com o resultado desse
relatório, assumindo o papel de ativista e descartando o papel de mero observador e
relator dos fatos (QUADROS, 2005, p. 45).
Escritores, professores e pesquisadores das teorias de comunicação passaram
a olhar mais de perto esse fenômeno e alguns deles abraçaram a causa. Um dos mais
respeitados teóricos sobre o assunto é Jay Rosen, professor da Universidade de Nova
York e considerado um dos fundadores do movimento. Crítico dos meios de comunicação
e autor de diversos artigos sobre o Jornalismo Público, Rosen desenvolveu alguns
estudos sobre o assunto. Além dele, se destacam entre os que produziram trabalhos de
pesquisa em torno do Jornalismo Público ou Cívico, Theodore L. Glasser, professor de
Comunicação da Communication Affiliated Faculty, Modern Thought & Literature, de
11
Stanford; Stephanie Craft, professora da Faculdade de Jornalismo do Missouri; Edmund
B. Lambeth, professor e pesquisador de processos comunicativos na Universidade de
Missouri, Lewis A. Friedland, jornalista e professor da Faculdade de Jornalismo &
Comunicação de Massa da Universidade de Wisconsin-Madison; e Sandra Nichols,
jornalista e professora do Departamento de Comunicação de Massa e Estudos da
Comunicação da Universidade de Towson – Maryland.
O Jornalismo Público, no entanto, só viria ganhar força com a adesão de
centros de estudos e pesquisa, como o citado Poynter Institute for Media Studies, o Public
Life and the Press, a Kettering Foundation, a Knight Foundation, o American Press
Institute, etc, que passaram a investir em projetos dessa natureza.
Desse grupo destacou-se a fundação Pew Charitable Trusts, da Filadélfia,
fundada em 1948 pelos herdeiros de Joseph Newton Pew, um industrial do petróleo que
tinha como hábito financiar projetos jornalísticos que enaltecessem os valores
democráticos e as práticas comunitárias. Os responsáveis pela fundação perceberam que
os cidadãos norte-americanos estavam se abstendo de votar e, na visão deles, isso
poderia representar a falência da democracia. Além disso, acreditavam que, se isso
estava acontecendo, em parte, seria porque o jornalismo também estaria falindo.
Envolvidos diretamente em ações do gênero, eles resolveram criar, em 1993, o
Pew Center for Civic Journalism, cuja proposta era apoiar e financiar, junto aos veículos
de comunicação e aos jornalistas, projetos que construíssem modelos de notícia que
dessem voz a pessoas comuns, ajudando-os a identificar problemas e a encontrar
soluções, tornando-os participantes ativos em suas comunidades.
A tarefa de dirigir o centro de pesquisa, como Diretora Executiva, coube a
jornalista Jan Schaffer, uma editora de finanças, vencedora da medalha de ouro para o
serviço público do Prêmio Pulitzer, que se tornou autoridade no assunto. Schaffer esteve
12
à frente do Pew Center até 2003, ano em que o diretório fechou as portas. Ao longo de
uma década, o centro investiu o equivalente a 12 milhões de dólares em estudos,
pesquisas, fóruns, treinamentos e capacitação de jornalistas para buscar novas
experiências jornalísticas, que acabaram gerando mais de 120 projetos de Jornalismo
Cívico (SILVA, 2001; SCHAFFER, 2004)
Na segunda metade da década de 1990, o movimento alcançou notoriedade
internacional e pesquisadores de outros países começaram a debater a prática do
Jornalismo Público como o espanhol Carlos Alvarez Teijeiro, doutor em Comunicação
Pública pela Universidade de Navarra, a colombiana Ana Maria Miralles Castellanos,
jornalista e professora titular da faculdade de Comunicação da Universidade Pontifícia
Bolivariana, na Colômbia, e o português Nelson Traquina, coordenador científico da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa.
No Brasil, o primeiro artigo a colocar em pauta a discussão sobre esse
movimento no país foi escrito pelo professor e jornalista Carlos Castilho, publicado no
Boletim nº 15 do Instituto Gutemberg, site que se propõe a fiscalizar a imprensa. Mas foi o
jornalista e professor Luiz Martins da Silva, doutor em Sociologia pela Universidade de
Brasília, quem se dedicou mais intensamente às pesquisas sobre o Jornalismo Público,
coordenando alguns projetos e tentando traduzir para a realidade brasileira os preceitos
do movimento americano. Também se propuseram a contribuir para a discussão do
Jornalismo Público no Brasil, a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Alzira Alves de
Abreu, doutora em Sociologia pela Universidade de Paris, e o jornalista e professor
Márcio Ronaldo Fernandes, mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste, no Paraná.
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NOTAS DE REFERÊNCIA:
DANTON, Gian. A teoria do jornalismo e a seleção de notícias. Macapá: [s.n.], 2003. Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=893>. Acesso em: 28 mar. 2009.
FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construção de um plano de
referência para um Jornalismo Público. [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca.
2004]. Disponível em: <http://200.155.18.61/informacao/-79c2f01_115d80a527a_-7fe1.pdf>. Acesso em: 20
dez. 2008.
SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gênero que no Brasil ainda não emplacou. [S.l.: s.n.,
2001] Disponível em: <http://www.unb.br/fac/sos/artigos/civicjournalism.htm>. Acesso em: 28 ago. 2008.
QUADROS, Claudia Irene de. Jornalismo Público, rádio e internet – Uma combinação possível?
Comunicação e Espaço Público. Brasília: Ano VIII, v. 5, nº 1, 2005. Disponível em:
<http://www.unb.br/fac/posgraduacao/revista2005a/Artigo_3.claudia.barros.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2009.
SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship. 5º Congresso Brasileiro de Jornais,
13 Set. 2004, São Paulo. Disponível em: <http://www.pewcenter.org/doingcj/speeches/s_brazil.html>.
Acesso em: 19 mar. 2009.
14
1.2 - Conceitos
Antes de adentrarmos nos conceitos que serviram de base para a construção
do Jornalismo Público nos Estados Unidos é preciso que vejamos algumas causas que
levaram à mudança de paradigma. Jay Rosen apontou seis fatores — chamados por ele
de “alarmes” — que indicavam o estabelecimento de uma crise no jornalismo norteamericano de então e que serviram de premissas para o movimento (FILHO, 2003, p. 17).
O primeiro deles seria de ordem econômica, com a constante perda de leitores
e a diminuição da circulação dos jornais ao longo dos anos. A segunda seria de ordem
tecnológica, com o aumento da oferta de informação que estaria circulando mais
livremente, sem intermediários, dispensando os filtradores de notícia. A relação tradicional
dos meios de comunicação de massa com o público — onde há um emissor e milhares de
receptores— estaria sendo transformada em uma teia de conexões em que os emissores
se multiplicariam e potencializariam a informação 1. A crise política seria o terceiro fator,
em que ele relaciona a deterioração da política com a atuação da imprensa,
caracterizando uma apatia na cobertura de campanhas eleitorais, cuja preocupação dos
atores envolvidos seria a busca de informações pouco relevantes para a vida das
comunidades.
Com a evidência desses três fatores, outras três situações se apresentaram.
Uma delas relacionada aos próprios jornalistas americanos, que estariam inseguros na
profissão, levando a uma crise de fundo profissional. Nesse aspecto, muitos já se
sentiriam desmotivados e demonstrariam interesse em mudar de área. Além disso, ele
considerou existir uma “crise espiritual” — definido como “uma falta de um sentido ou algo
inspirador em que os jornalistas possam acreditar e trabalhar na sua construção” — e
1
Esse fator, inclusive, gerou alguns desdobramentos mais recentemente, que serão abordados no capítulo
1, tópico 1.6.
15
uma crise intelectual, em que o exame, a análise e a interpretação de questões
importantes não estariam mais se sustentando dentro do contexto das matérias
veiculadas.
Quando Davis Merritt se deparou com aquele cenário de crise no jornalismo e
decidiu mudar a situação no jornal em que trabalhava como editor-chefe, certamente
passaram pela sua cabeça algumas perguntas como “qual é o papel do jornalismo?” Ou
“é isso que queremos passar para o nosso público?” Ou ainda “o que pretendemos com
isso?” e “que caminhos estamos tomando?”. Jornalista experiente, Merritt, certamente,
pôs-se a essas reflexões antes de pensar em retomar os fundamentos do jornalismo.
Fundamentos que são descritos por diversos autores e estudiosos de
comunicação como Victor Gentile (2005, apud SOARES, 2008, p. 4), que diz:
Penso o jornalismo como [...] o instrumento que viabiliza o direito à informação,
onde os jornais desempenham a função de mediadores e os jornalistas,
individualmente, de representantes do leitor, telespectador e ouvinte, como
indivíduos, consumidores e cidadãos.
Ou Rosen (1994, apud TRAQUINA, 2001, apud MARÇAL, 2005, p. 23) que
estabelece que “O jornalismo pode e deve ter um papel no reforço da cidadania,
melhorando o debate e revendo a vida pública” e também André Trigueiro (2009,
informação verbal), que apresenta o conceito de que o jornalismo deve
elencar assuntos que, por mais de um critério, podem ser considerados notícias
ou de interesse público e que não se restrinjam apenas a denunciar problemas ou
revelar o que não funciona ou o que está errado, mas sinalizar rumo e
perspectiva.
Ao se aprofundar nesses fundamentos, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001,
apud FILHO, 2003, p.43) percebeu que o jornalismo precisaria ir além. Para ele, o
jornalismo pode e deve ser uma força fundamental na revitalização da vida pública e vê
como essencial e simbiótica a relação entre democracia e jornalismo. Ana Maria Miralles
16
Castellanos (1999, p. 1) enquadra o Jornalismo Público da seguinte forma: “trata-se de
um sugestivo convite a ultrapassar as fronteiras do jornalismo tradicional e a envolver-se
na esfera da discussão pública ao invés de limitar-se ao registro dos feitos que os outros
produzem” (tradução nossa). Conceito compartilhado por Theodore L. Glasser e
Stephanie Craft (apud FREIRE, 1998) quando dizem que “o propósito da mídia é
promover e implementar a cidadania e não apenas descrevê-la ou criticá-la”. Rosen
(1994, apud TRAQUINA, 2001, apud FILHO, 2003, p. 43) segue a mesma linha ao dizer
que “o jornalismo demanda algo mais do que somente transmitir notícias”.
Complementando a ideia do jornalismo como instrumento da democracia e da
cidadania, Edward M. Fouhy (1996) diz que o objetivo do movimento “é prover pessoas
com as notícias e as informações de que elas precisam para permitir que elas funcionem
como cidadãs, para tomar decisões e fazer uma sociedade democrática” (tradução
nossa). Já Zanei Barcellos e Celina Alvetti (2007), colocam que o Jornalismo Público “tem
como proposta o resgate dos ideais do Jornalismo, independente de interesses
econômicos e políticos, visando a cidadania, na defesa das causas de seus cidadãos”.
Jan Schaffer (2004) acrescenta, no entanto, que o objetivo do Jornalismo
Público não se detém apenas nos problemas encontrados no jornalismo, conforme as
situações de crise relatadas por Rosen, mas também nas possíveis soluções que podem
ser encontradas, como a restauração de bons hábitos jornalísticos, a construção de
conexões com os leitores, a melhoria das histórias e a construção de melhores cidadãos.
Em terras brasileiras Luiz Martins da Silva contribui com a discussão ao explicar que
o que tem caracterizado o jornalismo público é a intenção de não apenas se
servir dos fatos sociais no que eles apresentam de dramático, mas agregar aos
valores/notícia (news values) tradicionais elementos de análise e de orientação
do público quanto a soluções de problemas (2002, p. 8).
17
Com todos os ingredientes analisados, Merritt (1995, apud TRAQUINA, 2001,
apud FILHO, 2003, p. 45) resolveu colocar em prática no Wichita Eagle aqueles
fundamentos e, conforme Nelson Traquina descreve, o jornalista traçou algumas diretrizes
que deveriam ser seguidas dali por diante:
1 – Ir além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de ajudar a
melhorar a vida pública;
2 – Deixar para trás a noção de “observador desprendido” e assumir o papel de
“participante justo”;
3 – Preocupar-se menos com as separações adequadas e mais com as ligações
adequadas; e
4 – conceber o público, não como consumidores, mas como atores na vida
democrática, tornando-se assim prioritário para o jornalismo estabelecer ligações
com os cidadãos.
Começava, dessa forma, uma nova era, com a quebra de conceitos
consolidados e a construção de nova concepção de jornalismo.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidadão, uma proposta brasileira ao jornalismo
cívico. Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
da
Região
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Passo
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2007.
Disponível
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CASTELLANOS, Ana María Miralles. La construcción de lo público desde el periodismo cívico. [S.l.]:
[s.n.], 1999. Disponível em: <www.infoamerica.org/documentos_word/rosen01.doc>. Acesso em: 29 mar.
2009.
FILHO, Paulo Celestino da Costa. Jornalismo Público: Por uma nova relação com os públicos. São
Paulo:
Universidade
de
São
Paulo,
2003.
Disponível
em:
<http://gestcorp.incubadora.fapesp.br/portal/monografias/pdf/46.pdf/>. Acesso em: 20 dez. 2008.
FOUHY, Edward M. Civic Journalism – Rebuilding the Foundations of Democracy. Pew Partnership for
Civic
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1996.
Disponível
em:
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FREIRE, Alexandre. Jornalismo público, "publijornalismo" e cidadania. [S.l.]: Observatório da Imprensa,
1998. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/iq051098b.htm>. Acesso em: 28
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MARÇAL, Juliana. Características do Jornalismo Público no Jornal Futura. Monografia (Graduação).
Curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciência da Comunicação, do Centro Universitário de
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Belo
Horizonte:
[s.n.],
2005.
Disponível
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SCHAFFER, Jay. The Role of Newspapers in Building Citizenship. 5º Congresso Brasileiro de Jornais,
13 Set. 2004, São Paulo. Disponível em: <http://www.pewcenter.org/doingcj/speeches/s_brazil.html>.
Acesso em: 19 mar. 2009.
18
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público –
Três
textos
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Brasília:
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Musas,
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Disponível
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<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
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SOARES, Murilo César, Jornalismo e cidadania, em duas abordagens. Trabalho apresentado no XVII
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São
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2008.
Disponível
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<www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=420>.
Acesso em: 20 dez. 2008.
TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de
Janeiro. 2 jan. 2009.
19
1.3 - Preceitos
Tomando por base as diretrizes traçadas por Davis Merritt para a prática do
Jornalismo Público, podemos refletir alguns pontos. No momento em que ele prega que o
jornalista deve “ir além da missão de dar as notícias para uma missão mais ampla de
ajudar a melhorar a vida pública”, ele está propondo uma mudança de cultura na prática
jornalística desenvolvida ao longo do século XX, e que ainda está em vigor.
Luiz Amaral, citado por Ana Maria Brambilla, descreve a transformação pela
qual a imprensa passou a partir da revolução industrial:
Ao sofrer as influências do progresso industrial, da democratização, do crescente
índice de alfabetização e da expansão da economia de mercado a imprensa
americana do século XIX, até então caracterizada pelo viés panfletário e
politicamente comprometido de seus veículos, vê-se na obrigação de atender a
um público cada vez mais heterogêneo, em busca de um produto jornalístico cuja
comercialização fosse viabilizada por agradar a um número sempre maior de
pessoas e não mais atender tão-somente a grupos políticos identificados com a
tendência ideológica do jornal. Foi na década de 30 do século XIX que
americanos, franceses e ingleses substituíram o Jornalismo politizado por uma
imprensa atenta à imparcialidade das notícias, à isenção na abordagem dos
fatos, à neutralidade e ao distanciamento do jornalista (AMARAL, 1996, apud
BRAMBILLA, 2005, p. 2-3).
A imparcialidade, a isenção, a neutralidade e o distanciamento a que se refere
Amaral, juntamente com a objetividade, são conceitos que formam um conjunto de
critérios estabelecidos como referência para a construção do texto jornalístico. Esse
conjunto não só transformou-se em regra, mas também passou a ser a mola mestra do
jornalismo industrializado, fruto do poder político adquirido pelas empresas de
comunicação.
André Trigueiro (2005, p. 285), jornalista formado sob esses conceitos, não
nega a influência quando diz que “o bom jornalismo é aquele que se preocupa em ouvir
os dois lados da história, oferecendo ao leitor/ouvinte/telespectador/internauta a chance
de formar juízo de valor sobre o assunto em pauta”. É o que pregam os manuais de
20
redação das empresas jornalísticas e é a cultura disseminada nos centros acadêmicos —
embora nem sempre essas regras sejam respeitadas.
Mas o bom jornalismo, não deve se limitar apenas a ouvir os dois lados da
história, mas buscar elementos que ajudem o público receptor a se inserir naquela
história. E “ir além da notícia”, para Merritt, é romper esses limites impostos pela cultura
dominante enraizada nas redações. Jan Schaffer (2001, apud FERNANDES, ca. 2004, p.
9) traduz muito bem esse tópico ao dizer que o JP trata-se de “um jornalismo que ajude
as pessoas a superarem sua sensação de impotência e alienação, desafiando-as a
envolver-se e tomar para si a responsabilidade sobre problemas comunitários”.
Nelson Traquina reforça esse ponto ao comentar:
O jornalismo deve dar aos cidadãos as informações que são úteis, que são
necessárias para que eles possam cumprir os seus papéis de pessoas
interessadas na vida social, na governação do país etc. Um papel que é dado ao
jornalismo é o de fornecer às pessoas as informações necessárias para que elas
possam cumprir seus papéis como cidadãos. Também a teoria democrática
apresenta como outro papel do jornalismo ser watchdog (cão de guarda) da
sociedade, proteger os cidadãos contra os abusos do poder (2003).
Outra diretriz que Merritt prega para a prática do Jornalismo Público é “deixar
para trás a noção de observador desprendido e assumir o papel de participante justo”.
Trigueiro (2005, p. 285), ativista das causas ambientais, compartilha dessa idéia quando
reconhece que respeitar as regras tradicionais “não livra o jornalista de ter sua visão de
mundo, suas convicções, seus ideais”. O profissional de imprensa — que também é
cidadão e que também tem suas convicções — deve utilizar as informações que obtém
para o bem comum, para a coletividade, como sustenta Merritt.
Carlos Álvarez Teijeiro (2006) também partilha dessa opinião ao dizer que
“jornalistas não são meros observadores e que as empresas jornalísticas perseguem o
lucro, mas também precisam se preocupar com as boas causas para terem mais
confiabilidade e credibilidade”.
21
“A concepção do público como atores da vida democrática e não como
consumidores” é outra meta que deve ser perseguida por quem quer fazer Jornalismo
Público, de acordo com Merritt. Traquina detalha bem esse tópico:
O jornalismo cívico é, se quiser, uma chamada aos jornalistas para o fato de que
os seus leitores, ou telespectadores, são em primeiro lugar cidadãos, e só em
segundo lugar consumidores. Portanto, não é um outro tipo de jornalismo, mas
sim criticar o tipo de jornalismo que se está a fazer hoje em dia pelo qual, devido
a diversas razões e fenômenos, cada vez mais o importante passa a ser ter
vendas e audiência. Ou seja, encarar o leitor/telespectador como um consumidor,
esquecendo que ele é cidadão. [...] É uma chamada de atenção a todos os
jornalistas, e talvez possamos incluir os empresários do jornalismo também, os
donos de empresas jornalísticas, para o fato de o jornalismo não ser igual a um
sapato à venda, por exemplo; que existem responsabilidades sociais (idem).
Trigueiro complementa esse conceito com uma crítica severa ao estilo
jornalístico empregado nos últimos tempos:
Quando se discute a função social do jornalista, é importante abrir espaço no
meio acadêmico para o questionamento pontual e contundente do chamado
‘movimento de manada’, alienado e insano, na direção do imediatismo, do lucro
fácil e rápido, do projeto individual em detrimento do coletivo, da globalização
assimétrica (que privatiza o lucro e democratiza o prejuízo) [...] É esse
‘movimento de manada’ que nos projeta na direção do abismo sem que haja
espaço para a reflexão, para o questionamento do modelo, para a revisão dos
conceitos já estabelecidos e que se cristalizam como dogmas de uma fé
tragicamente cega (2005, p. 279).
Portanto, mudar essa cultura cristalizada nas redações não é fácil e colocar em
prática o jornalismo voltado para o cidadão exige que sejam observados certos preceitos,
estipulados por alguns teóricos envolvidos mais ativamente com o movimento, que
justifiquem os conceitos analisados sobre o Jornalismo Público. Para eles, as ações dos
jornalistas na formulação das matérias devem seguir determinadas orientações que
caracterizarão as notícias dentro do formato proposto.
Jan Schaffer, então diretora executiva do Pew Center for Civic Journalism e
hoje cumprindo a mesma função no J-Lab: The Institute for Interactive Journalism at
American University, propõe algumas regras, essenciais para a prática do JP:
22
- Deve produzir notícias de que os cidadãos precisam para se informar sobre os
eventos correntes, tomar decisões cívicas e exercer suas responsabilidades na
democracia;
- Deve criar coberturas que motivem os cidadãos a pensar e agir, não
simplesmente ver ou assistir;
- As coberturas devem disparar ações cívicas, da participação em votações ao
voluntariado;
- Deve construir conhecimentos. Pessoas motivadas pelos projetos de jornalismo
cívico devem ser mensuravelmente mais informadas sobre os eventos que as não
engajadas;
- Deve construir credibilidade e conexões com a comunidade. As pessoas
acreditam mais nos jornais depois de uma campanha cívica;
- Devem criar na comunidade a capacidade de resolver problemas e não esperar
pelas soluções vindas de cima; e
- Devem ser persistentes até atingir objetivos mensuráveis e não serem
engavetados em detrimento de uma novidade ou furo irrelevante (2002, apud
MUARREK, 2006, p. 141).
Outro autor que discrimina as ações para a prática do Jornalismo Público é o
professor Edmund B. Lambeth. Ele aponta as seguintes condições:
- Escutar sistematicamente as histórias e ideias dos cidadãos mantendo, ao
mesmo tempo, a liberdade para escolher em qual dessas histórias prestar
atenção;
- Examinar maneiras alternativas de moldar as histórias a partir dos temas que
resultam importantes para a comunidade;
- Escolher aqueles enfoques, na apresentação dos temas, que ofereçam a melhor
oportunidade, a deliberação cidadã e a compreensão dos temas por parte do
público;
- Tomar a iniciativa na hora de informar sobre os problemas públicos pendentes
de modo que aumente o conhecimento do público sobre as possíveis soluções e
sobre os valores envolvidos nos cursos de ação alternativa; e
- Prestar atenção sistemática, assim a relação comunicativa com o público é
credível e de boa qualidade (1998, apud FERREIRA, 2008, p. 20).
Já Lewis A. Friedland e Sandra Nichols não se preocuparam em relacionar
ações para serem colocadas em prática. O que eles fizeram foi esquematizar os
assuntos, dividindo-os em temas e grupos distintos, como os vistos a seguir:
1º Eleições (Elections), com assuntos relacionados às campanhas eleitorais;
2º Comunidade (Community), que engloba os mais variados gêneros de
assuntos que envolvam a comunidade;
3º Governo (Government), voltado para os temas políticos;
4º Interatividade (Interactive), sobre como as novas tecnologias podem auxiliar
na busca de soluções de questões coletivas; e
5º Miscelânea (Other), principalmente com casos de colunistas da imprensa que
incentivam o Jornalismo Público por meio de seus espaços midiáticos. (2002,
apud FERNANDES, ca. 2004, p. 12-13)
23
Friedland e Nichols ainda fizeram uma subdivisão do item Comunidade em 13
partes:
Diversidade (Diversity), abordando temas como relações étnicas e
desigualdades sociais;
Comunidade (Community), envolvendo pesquisas sobre futuros problemas
coletivos;
Civismo (Civic), com promoção de programas filantrópicos e identificação de
futuros líderes cívicos nas comunidades;
Juventude (Youth), sobre violência escolar, prevenção a entorpecentes, noções
de educação sexual e orientações sobre como os próprios jovens podem buscar
soluções;
Educação (Education), em especial debatendo por quais motivos é crescente o
número de estudantes com baixo rendimento escolar;
Desenvolvimento econômico (Economic development), principalmente para
regiões periféricas das cidades;
Saúde (Health), incluindo prevenção de saúde de grupos minoritários;
Vida familiar (Domestic life), sobre desintegração familiar, abusos contra
crianças, desentendimentos entre parentes, etc;
Criminalidade e segurança (Crime and safety), com debates sobre como parar a
violência, sobre promoção de projetos de segurança e diminuição dos casos de
uso de armas de fogo, entre outros;
Pobreza (Poverty), com a busca de como oferecer mais escolas para
comunidades pobres, além de desenvolvimento de ações de seguridade social e
oferta de moradias para pessoas sem-teto;
Meio ambiente (Environment), para diminuição, por exemplo, dos índices de
poluição;
Indústria (Industry), para incremento das atividades desse setor em
determinadas regiões geográficas; e
Ética/Moralidade (Ethics/Morality), para discutir limites de tolerância na vida
coletiva, por exemplo (idem).
NOTAS DE REFERÊNCIA:
BRAMBILLA, Ana Maria. As possibilidades do perspectivismo nietzscheano no Jornalismo online.
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referência para um Jornalismo Público. [S.l.]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca.
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FERREIRA, Vânia. Impressões sobre Jornalismo Público. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública –
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MUARREK, Ubiratan. Impacto concreto no mundo real. In: COSTA, João Roberto Vieira da. (Org.).
Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed.
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24
TRAQUINA, Nelson. O cidadão antes do consumidor. Entrevista concedida a Antonio Queiroga. Diretório
Acadêmico.
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da
Imprensa.
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TRIGUEIRO, André. Formando jornalistas para um mundo sustentável. In: Mundo sustentável – Abrindo
espaço na mídia para um planeta em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.
25
1.4 - Possibilidades de mudanças nas redações
Para quem trabalha no meio jornalístico, fazer matérias em que sejam
priorizadas práticas encampadas pelo Jornalismo Público pode parecer utópico e, para os
grandes grupos de comunicação, uma afronta ao seu status quo. À primeira vista esse
movimento deixa transparecer que não tem como se sustentar diante de um universo
consolidado, onde as técnicas jornalísticas prevalecem em detrimento da reflexão. Nesse
sentido, levantamos uma questão: É possível mudar essa cultura?
Uma pequena amostra da dificuldade de se mudar um sistema tão arraigado
nas rotinas redacionais pode ser visto no trabalho realizado por Lívia Almeida (2008, p.
38), ao pesquisar a prática do Jornalismo Público nas tevês comerciais de Brasília. Ela
conseguiu detectar matérias que utilizam elementos difundidos pelo movimento, mas
concluiu que “o Jornalismo Público é usado frequentemente para preencher espaço na
grade de programação das emissoras na falta de matérias factuais” e observa que
há necessidade de intensificar ações voltadas para responsabilidade social dos
profissionais de televisão, que enfrentam dificuldades para fazer Jornalismo
Público em emissoras comerciais, decorrentes de interesses econômicos,
baseados na disputa por audiência para atrair patrocinadores (idem).
Diante disso, ela ainda atentou para o pouco comprometimento dos
profissionais em mudar essa situação e alertou:
Os jornalistas devem ingressar no mercado de trabalho conscientes da relevância
da profissão para a construção da cidadania. [...] Só assim, poderão interagir com
a sociedade e atender às demandas do cidadão da melhor forma possível
(ibidem).
Então, como mudar essa estrutura amarrada, a cultura da objetividade, cujos
fundamentos se solidificam de geração em geração nos meios acadêmicos? As
universidades do mundo todo seguem a cartilha dos manuais de redação e funcionam
como reprodutores de jornalistas tecnicistas em escala industrial. O profissional de
26
comunicação já chega ao mercado de trabalho pronto para ser encaixado na engrenagem
do mundo midiático, a indústria da notícia. Trigueiro retrata bem esse cenário quando diz
que
as universidades se assemelham muitas vezes a fábrica de tijolos quando se
preocupam em formar alunos sob medida, por meio de cursos estritamente
comprometidos em suprir as demandas do mercado. Relega-se, nesses casos, o
curso de nível superior a um papel medíocre, nivelador, sem a perspectiva de
discutir a fundo o papel do jornalista num mundo em transformação e com novas
demandas na área de informação (2005, p. 279).
Para ele, existem lacunas a serem preenchidas nas faculdades de comunicação
e para haver mudanças — não só para o bem do jornalismo em si, mas para a melhoria
da vida em comunidade — é necessário o ajustamento dos círculos de estudo:
A formação do jornalista será inevitavelmente incompleta — para não dizer
deficiente — se na grade curricular do curso de nível superior não forem feitos os
devidos ajustes para que se revelem os impactos sem precedentes que pessoas,
empresas, governos e, de uma forma mais ampla, o atual modelo de
desenvolvimento (os meios de produção e de consumo) geram sobre os recursos
naturais, a qualidade de vida e a desigualdade social (idem, p.278).
As discussões em torno dos conceitos dessa prática jornalística nas
universidades, no entanto, têm aumentado e isso pode contribuir para a mudança de
comportamento da indústria como um todo.
Para Teijeiro (2006) “as escolas de jornalismo têm que voltar às Humanidades,
voltar à reflexão sobre o sentido da democracia, da cidadania”. Para isso é preciso
ultrapassar a barreira do mundo contemporâneo onde o consumismo, a busca pela fama
a qualquer preço e o culto às celebridades imperam. Ele traça um perfil do universo em
que estamos inseridos quando diz que
o estudante de comunicação de hoje está imerso em uma sociedade de
consumo, a mesma que, supostamente, o jornalismo queria transformar nas
décadas de 60 e 70. Encontramos em muitos casos um estudante que já faz
parte desse sistema de consumo e que busca fama, notoriedade e êxito
econômico com o jornalismo, já não busca transformar a sociedade (idem).
27
Teijeiro sustenta que
o desenvolvimento das novas técnicas, cada vez mais sofisticadas, não pode
fazê-los deixar de exercitar a leitura, de pensar criticamente, compreender o
mundo em que vivem. Há uma espécie de sedução pela tecnologia, que não faz
pensar (ibidem).
E ele propõe a mudança a partir da matéria prima: “Os estudantes são os
primeiros a quem temos de convencer a mudar, a se engajar” (ibidem).
Mas as discussões para a mudança de postura no jornalismo não estão
restritas aos bancos escolares e nem se pode esperar que fiquem por lá. Resultados
positivos foram colhidos desde que o movimento foi criado na década de 1990.
Schaffer, quando ainda dirigia o Pew Center, ao destacar alguns projetos
implementados no período, demonstrou que a mudança de comportamento é possível
com a prática do Jornalismo Público. Ao responder uma questão sobre a importância do
movimento — “Qual é o lucro do Jornalismo Cívico?” —, ela apontou para dois
beneficiários diretos: a comunidade e o próprio jornalismo, e forneceu elementos para sua
tese.
Para a comunidade observamos que, ao fornecermos aos leitores meios de agir,
eles irão agir; observamos em pesquisas que o jornalismo cívico aumentou de
forma mensurável o conhecimento dos leitores sobre assuntos específicos;
observamos outros grupos comunitários adotarem o modelo de engajamento
cívico (através de círculos de estudo e equipes de ação, por exemplo) que eles
aprenderam através do envolvimento de organizações noticiosas com esforços de
jornalismo cívico. [...] Para o jornalismo, observamos jornalismo de profundidade
com ressonância mais autêntica com a comunidade, em vez de jornalismo que
apenas repete os dois lados de uma questão; observamos jornalistas
redescobrindo suas comunidades e rompendo alguns velhos estereótipos;
observamos todo tipo de inovações nas redações. Novas páginas, novos
empregos, novos critérios, novas declarações de missão [...]; por fim, o jornalismo
cívico produziu um ambiente que permitiu aos editores assumirem novos riscos
(2001, apud FERNANDES, 2002).
Trigueiro vê a possibilidade de mudança no próprio jornalista e exorta uma nova
postura profissional daqui por diante:
28
“Os jornalistas devem ser livres para trabalhar de acordo com sua consciência” é
um dos princípios que considero extremamente importantes, principalmente
quando lidamos com assuntos que desagradam os poderes político e econômico
[...]. Não será possível ganhar todas as batalhas, mas há que se ter inteligência e
estratégia para seguir em frente. A luta é boa. A causa é nobre. A hora é essa”
(ibidem, p.286).
NOTAS DE REFERÊNCIA:
ALMEIDA, Lívia. Jornalismo Público nas tevês abertas em Brasília. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea
Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB,
2008. 105 p.
FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Jornalismo Cívico: um estudo comparado dos modelos
americano e brasileiro. Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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Acesso em: 20 dez. 2008.
TEIJEIRO, Carlos Álvarez. [Sem título]. Entrevista concedida a Aline Fonseca. Secretaria de Comunicação.
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TRIGUEIRO, André. Formando jornalistas para um mundo sustentável. In: Mundo sustentável – Abrindo
espaço na mídia para um planeta em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.
29
1.5 - A corrente contrária
Mesmo que haja uma mudança gradativa de pensamento ou de postura em
relação à prática jornalística e isso represente novos tempos na relação entre a imprensa
e seu público, ainda existem muitas arestas para aparar. Grande parte dos profissionais e
de empresas jornalísticas é contrária aos propósitos ditados pelo Jornalismo Público. Os
principais exemplos são os grandes jornais — tais como The Washington Post, The New
York Times e Los Angeles Times — que alegam não ser função do jornalismo envolver-se
com outras atribuições, como explica Luiz Martins da Silva: Eles baseiam-se
no pressuposto de que a função essencial do jornalismo é a cobertura dos fatos,
o que, em si, já constituiria a sua função pública, não devendo a mesma
extrapolar para atividades relacionadas com políticas públicas, sendo estas
atribuições do Estado ou da sociedade civil, por meio de suas instituições. Ao
repórter, o mesmo modo, caberia tão somente reportar os problemas e não se
imiscuir na busca de suas soluções (2002, p. 27).
O movimento incomodava bastante os editores, a quem Rosen se referia como
o “alto clero do jornalismo”. A disputa política começou a ficar evidente e a “grande mídia”
sentia que seu poder de influência estava ameaçado. Um deles, Michael Gartner, editor e
sócio do Daily Tribune de Ames, Iowa, chamava o jornalismo público de “tolice da moda”
e pregava aos quatro ventos que “os jornais estavam sendo trapaceados por jornalistas
cívicos” (WITT, 2004, p. 49, tradução nossa).
Outro fator de resistência que ocorreu nos Estados Unidos se deu em relação
ao investimento do Pew Charitable Trust no movimento, organismo frequentemente
associado à direita norte-americana e aos ideais conservadores. Um preconceito que não
se justifica se levarmos em consideração a nobreza da causa. Como diz Luiz Martins da
Silva (2001), “o combate ao consumo de drogas e a redução da violência são problemas
de todos, independentemente de ideologias”.
30
No entanto, o dinheiro injetado por estas instituições em projetos de Jornalismo
Público não era bem visto por muitos formadores de opinião e quando o Pew Center
fechou as portas em 2003, alguns deles chegaram a escrever artigos comemorando o
fato. Um exemplo foi o articulista Alan Wolper que, em um artigo de opinião escrito para a
revista Editor & Publisher — tradicional publicação mensal que cobre a indústria de jornais
dos Estados Unidos — intitulado “RIP, Civic Journalism” (Descanse em paz, jornalismo
cívico), anunciou a morte do movimento e não poupou ironias:
É hora de deixarmos o movimento do Jornalismo Cívico partir. Já fez estrago
suficiente – obrigado pelas centenas de milhares de dólares jorrados nas
redações pelo Centro Pew para Jornalismo Cívico. Mas, felizmente, o centro está
fechando seus talões de cheque, e portas, no próximo mês e não capitalizará
mais nenhum daqueles programas “que chegam e tocam alguém” chamados de
bom jornalismo (2003, tradução nossa).
No Brasil, não há propriamente rejeição, mas desconhecimento e indiferença.
Quando Jan Schaffer esteve no país em 2004, no 5º Congresso Brasileiro de Jornais,
realizado em São Paulo, para proferir uma palestra sobre Jornalismo Público, o
movimento mereceu uma crítica por parte do jornalista Luciano Martins Costa, no site do
Observatório da Imprensa. No texto ele mostra descrédito total no movimento ao afirmar
que
o jornalismo cívico permaneceu restrito ao ambiente acadêmico, frequentou
alguns debates da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
de Comunicação), ficou mais conhecido como o espaço do “politicamente correto”
e, na verdade, nunca chegou a ocupar lugar de destaque entre as preocupações
dos gestores de jornais e revistas, emissoras de rádio e TV (2004).
E, em poucas linhas, põe fim às pretensões dos defensores do Jornalismo
Público antes mesmo de se realizarem debates mais aprofundados: “o jornalismo cívico
representa um conjunto de princípios dos quais a imprensa brasileira apenas ouviu falar,
mas dos quais sabe o suficiente para que se possa afirmar que não há hipótese de que
venham a ser adotados por aqui” (Idem, 2004).
31
NOTAS DE REFERÊNCIA:
COSTA, Luciano Martins. Distorções no espelho da mídia. Saídas para a mídia. Observatório da
Imprensa.
[S.l.]:
2004.
Disponível
em:
<http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=295SAI001>. Acesso em: 15 mar. 2009.
SILVA, Luiz Martins da. Civic Journalism: um gênero que no Brasil ainda não emplacou. [S.l.: s.n.,
2001]. Disponível em: <http://www.unb.br/fac/sos/artigos/civicjournalism.htm>. Acesso em: 28 ago. 2008.
______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
p.
Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
ago. 2008.
WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Public’s Journalism? National Civic Review.
Denver, EUA, v. 93, nº 1, p. 49-57, 2004. Disponível em: <http://www.ncl.org/publications/ncr/93-3/Witt.pdf>.
Acesso em: 26 mar. 2009.
WOLPER, Alan. Rip, Civic Journalism. [S.l.]: Editor and Publisher [s.n.], 16 abr. 2003. Disponível em:
<http://www.editorandpublisher.com/eandp/news/article_display.jsp?vnu_content_id=1867356>. Acesso em:
17
abr.
2009.
Comentário
em:
Ciberjornalismo.com.
Disponível
em:
<http://ciberjornalismo.com/arquivo/2003/2003_04_27_arquivo.htm#200229632>. Acesso em: 17 abr. 2009.
32
1.6 - A mutação do Jornalismo Público nos Estados Unidos
No capítulo 1, tópico 1.4, falamos das possibilidades de mudança na cultura das
redações e na conduta dos jornalistas. Mas, independentemente de os jornalistas
mudarem de postura ou não, um outro movimento surgiu paralelamente ao JP e já está
transformando até mesmo a forma de se fazer jornalismo nos grandes jornais.
O fenômeno, detectado por Leonard Witt, outro expoente do Jornalismo
Público, em um artigo escrito em 2004, diz respeito ao “Jornalismo Colaborativo”,
processo em que o cidadão comum municia os veículos de comunicação com fotos,
vídeos e sugestões de pautas, e o “Jornalismo Participativo” — também conhecido como
“Jornalismo Cidadão” —, conceito que parte da premissa de que qualquer cidadão pode
produzir material jornalístico, com críticas e comentários sobre assuntos que estão na
esfera pública e, além disso, redigir, editar e veicular reportagens sem a interferência de
qualquer profissional da área de comunicação ou editor jornalístico.
Na época que o artigo de Witt foi publicado, o Jornalismo Público nos Estados
Unidos passava por um período de indefinições. Segundo Witt, o fechamento do Pew
Center for Civic Journalism, em janeiro de 2003, representou um enfraquecimento do
movimento, pois, junto com o centro também se foram “a capacidade de organização e
milhões de dólares em fundos de apoio para projetos e oficinas de jornalismo público”
(WITT, 2004, p. 49, tradução nossa). Ele descreve aquele momento da seguinte forma: “O
Jornalismo Público parecia, pelo menos para alguns críticos e até para alguns de seus
defensores, estar moribundo”. (Idem).
Witt conta em seu artigo que, apesar do movimento ter sofrido esse golpe, não
houve propriamente uma rendição por parte de seus adeptos, que “ansiavam por mantê-lo
vivo”. Um grupo de 24 jornalistas, entre os quais Rosen, Friedland, Merritt e Schaffer, se
33
reuniu na Universidade Estatal de Kennesaw, próxima de Atlanta, no começo de 2003,
com o propósito de determinar o futuro do jornalismo público. Nesta reunião formaram
uma sociedade profissional de educadores e jornalistas chamada de PJNet - Public
Journalism Network (Rede de Jornalismo Público). Muitas dúvidas e incertezas pairavam
sobre o movimento, visto que, conforme relata Witt, havia “estudos conflituosos sobre o
verdadeiro impacto sofrido pelo público ou pelo jornalismo em virtude do Jornalismo
Público” (Ibidem).
O próprio Witt, no entanto, mostrou otimismo em relação ao futuro do JP ao
comentar:
Na verdade, o jornalismo público está diariamente nas manchetes de jornais
como o Savannah Morning News, em histórias cheias com as vozes de gente real
e boxes dizendo aos leitores como se envolver ou aprender mais sobre os
assuntos discutidos. O Jornalismo Público também sobrevive em projetos
especiais, tais como “Construindo a nova economia de Wisconsin”, no qual o
Wisconsin State Journal e vinte outros jornais menores espalhados por todo o
estado se comprometeram por dois anos a se engajarem nas discussões públicas
sobre o desenvolvimento econômico estadual. Vive, ainda, todas as vezes que
um editor empurra um repórter a buscar maior diversidade de fontes, ou a
pesquisar verdades tanto no meio quanto nos extremos. Vive todas as vezes que
pequenos jornais abrem canais para leitores e espectadores para responder aos
jornalistas, como o The New York Times fez quando anunciou sua intenção de
contratar um ombudsman (Ibidem, p. 50).
Dessa forma, Witt sugere que os preceitos estabelecidos pelo Jornalismo
Público já estavam sendo absorvidos nas rotinas dos grandes jornais e esse fato era
ignorado por seus editores.
Mas, além de atingir a “grande mídia” de forma sutil, a doutrina do JP já
começava a ser encampada por outros movimentos, como o “Jornalismo Colaborativo” e
o “Jornalismo Participativo”, impulsionados pelo surgimento constante de novas
tecnologias. Ao perceber que essa onda já estava se espalhando pelo mundo globalizado,
Leonard Witt argumenta:
Muito do que os jornalistas públicos ou cívicos têm lutado para conseguir por
mais de uma década, na maior parte das vezes, de dentro da mídia impressa,
34
está sendo repentinamente empurrado sobre a mídia, de fora, à velocidade da
luz. Poucos previram isso. [ ] A maior parte dos membros rotativos da Rede de
Jornalismo Público, incluindo eu, estava parcialmente cego para o mar de
alterações que vinha acontecendo, que começava a transformar o jornalismo
público em jornalismo do público (Ibidem, p. 49-50).
De acordo com o articulista, a criação do site de notícias na internet Oh my
news, em 2000, foi o ponto inicial da mutação sofrida pelo Jornalismo Público. A lógica do
site é a de que “todo cidadão é um repórter” e qualquer um tem condições de redigir uma
matéria e partilhá-la com outrem. Ou seja, o cidadão, baseado nesta filosofia, passou a se
apropriar das ferramentas de comunicação, facilitadas pelas tecnologias de informação.
Witt descreve bem esse cenário: “Graças ao aparecimento de uma tecnologia totalmente
nova, o DNA do jornalismo público havia sido literalmente alterado.” (Ibidem, p. 51).
O que se viu na sequência foi a proliferação de novas redes comunicacionais,
com a popularização das Weblogs ou, simplesmente, blogs. Nos Estados Unidos, essas
ferramentas individuais de comunicação on-line começaram a conquistar mais atenção,
em virtude da disponibilização gratuita, da simplicidade na utilização e do alcance global.
De acordo com a tese de Leonard Witt, o Jornalismo Público, ao contrário
desses novos movimentos, padece de algumas limitações:
No antigo jornalismo público, talvez a melhor ferramenta disponível eram as
reuniões virtuais com grupos representativos de cidadãos. Eles eram muitas
vezes parte de “projetos especiais”, onerosos, demorados e esporádicos. Muito
frequentemente esses projetos lidavam com um assunto em particular e
passavam adiante. Jornalistas conduziam a discussão. Eles diziam: “Vamos fazer
um artigo sobre direitos trabalhistas (ou meio ambiente, ou problemas de trânsito,
ou economia)”, e então selecionariam alguns cidadãos e relatariam seus pontos
de vista. Como nem todos os repórteres e editores acreditavam em jornalismo
público e alguns abertamente se opunham a ele, alcançar a turma da redação
não era tarefa fácil (Ibidem).
Ainda assim, Witt considera que o surgimento desses novos ideais jornalísticos,
alimentados pelas modernas tecnologias, fez bem ao Jornalismo Público:
Essa alteração de DNA, de modo simbólico, pareceu mover-se para a alma do
movimento do jornalismo público. Schaffer e Rosen, seu teórico mais visível,
aderiram à tecnologia eletrônica. Schaffer promove experiências interativas entre
35
a mídia e os cidadãos por intermédio do J-Lab (o Instituto para Jornalismo
Interativo da Universidade de Maryland). Rosen escreve e publica o PressThink,
um Weblog voltado à crítica da mídia. De fato, o PressThink, em parte porque
critica a “grande imprensa”, está ajudando jornalistas, cidadãos, educadores e
blogueiros a construir uma estrutura teórica para essa nova era (Ibidem, p. 5152).
Em decorrência disso, o que se tem visto ultimamente é uma associação do
Jornalismo Cívico com o Jornalismo Cidadão em conferências realizadas nos Estados
Unidos cujos temas envolvam Jornalismo Público. Mas a forma como esta simbiose vem
ocorrendo merece uma reflexão mais profunda que não cabe ser discutida neste trabalho.
NOTA DE REFERÊNCIA:
WITT, Leonard. Is Public Journalism morphing into the Public’s Journalism? National Civic Review.
Denver, EUA, v. 93, nº 1, p. 49-57, 2004. Disponível em: <http://www.ncl.org/publications/ncr/93-3/Witt.pdf>.
Acesso em: 26 mar. 2009.
36
1.7 - Terminologia
Outro ponto que gera discussão — mas que não significa um problema
propriamente dito — é a questão da terminologia. Afinal, por que há essa indefinição dos
nomes? Quando o movimento foi criado, alguns jornalistas o chamaram de Jornalismo
Cívico e outros o estabeleceram como Jornalismo Público, e até hoje os dois nomes são
comumente utilizados. Existe uma explicação para isso. Alzira Alves de Abreu — que
denomina o movimento no Brasil de Jornalismo Cidadão — conta que os dois termos no
país norte-americano se referem a movimentos diferentes:
O Jornalismo Público (Public Journalism) foi uma resposta à perda de leitores da
imprensa escrita na concorrência com os canais de televisão, e também uma
maneira de impedir o controle, cada vez maior, das máquinas partidárias sobre o
debate político na mídia. Esse novo jornalismo pretendia impor uma nova agenda
de opinião e se tornar o intérprete dos cidadãos quanto à hierarquia dos
problemas e à escolha das soluções pela comunidade. O Jornalismo Cívico (Civic
Journalism) nasceu na década de 1970 por iniciativa de um industrial de petróleo,
que decidiu financiar projetos de jornalismo tendentes a enaltecer os valores
democráticos. Desenvolveu-se a partir dessa experiência, orientado para
mobilizar, dar a palavra aos cidadãos comuns e aos responsáveis por
associações e comunidades. (ABREU, 2003, p. 6)
O que se pôde perceber na explicação de Abreu é que existiam duas propostas
independentes e que acabaram se fundindo num movimento único. As motivações que as
separavam foram relacionadas entre si, agrupadas e incorporadas em uma mesma causa.
No Brasil, a confusão de nomes é maior e Barcellos e Alvetti — que assim
como Abreu, também o denomina Jornalismo Cidadão — tentam destrinchar os meandros
da conceituação:
Defende-se que, no caos brasileiro, o termo Jornalismo Cidadão é adequado,
porque a palavra ‘cidadania’ remete a iniciativas que tratam da inclusão social, da
busca pelos direitos dos cidadãos e está consagrado na linguagem da própria
imprensa, bem disseminado na sociedade com conotação semelhante ao
emprego de jornalismo cívico em textos portugueses e nas origens em inglês. No
Brasil, a expressão jornalismo cívico sofre o risco de ter conotação militaresca,
resquício da ditadura militar. Da mesma forma, jornalismo público remete a
jornalismo oficial, porta-voz dos órgãos públicos e governos, justamente a
antítese da proposta, assim como jornalismo comunitário ou jornalismo de serviço
37
comunitário dão idéia de jornais alternativos feitos por ou para comunidades
restritas, sem abrangência maior (2007).
Luiz Martins da Silva também vê problema de interpretação relacionado ao
termo Jornalismo Público, mas acredita que haja maiores esclarecimentos sobre o
assunto:
Algumas confusões têm ocorrido, possivelmente em decorrência da própria
comutação que se faz, no Brasil, em torno do “setor público”, em geral associado
com as esferas estatal e governamental. Jornalismo público, então, seria aquele
praticado desde as redações a serviço dos governos Federal e Estadual ou por
emissoras estatais, o que, evidentemente, é uma imprecisão, já que, na
atualidade [...] a sociedade vem repensando o espaço público, cada vez mais
assumindo parcela de subjetividade na elaboração e na execução de políticas
públicas (2002, p. 7).
Silva ainda se refere a outro termo ao pesquisar novos conceitos de jornalismo:
Na provisoriedade do que se poderia chamar de jornalismo público, havíamos
preferido recorrer ao rótulo jornalismo institucional, dada a existência no Brasil de
Organizações Não-Governamentais (ONGs) que se especializaram exatamente
em estratégias de agendamento da mídia, trabalhando intensamente com o
objetivo de obter a publicação de releases ou de pautar coberturas de “fatos
sociais”, mas sobretudo aqueles que representam tecnologias sociais, ou seja, o
sucesso de projetos destinados a operar mudanças na qualidade de vida de
segmentos sociais, especialmente no que diz respeito às populações mais
vulneráveis [em risco], como é o caso da criança e do adolescente (Idem).
Muito embora o nome Jornalismo Público não se configure uma unanimidade, é
dessa forma que o movimento é mais conhecido no Brasil. Até porque a designação
“Jornalismo Cidadão”, apesar de fazer mais sentido a esses preceitos, está vinculada
diretamente ao processo de produção de notícias intitulado “Jornalismo Participativo” —
como vimos no capítulo anterior —, que se caracteriza pela participação direta de
pessoas sem formação ou sem vínculo com a profissão de jornalista na produção de
material jornalístico e que foi popularizado pelo uso constante de ferramentas de edição e
publicação na internet, como os blogs e sites de relacionamento, além da utilização
corriqueira de celulares com câmeras digitais e de outras novas tecnologias de
informação e comunicação, que permitem interatividade.
38
Outro termo que também poderia se enquadrar ao movimento, principalmente
na realidade brasileira, é “Jornalismo Comunitário”. Mas, igualmente ao Jornalismo
Cidadão, esse termo é empregado em outra situação, pois é mais conhecido como o
jornalismo praticado por membros de uma comunidade, cujos temas abordados sejam de
interesse daquele grupo de moradores específico.
Abreu ainda faz referência a outros termos como “jornalismo de utilidade social”
e “jornalismo de utilidade pública” — que serão abordados posteriormente —, mas o
termo Jornalismo Público tem prevalecido sobre os demais.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1.
Disponível
em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/339.pdf#search=%22Jornalismo%20cidad%C3%A3o%22>. Acesso em:
20 dez. 2008.
ALVETTI, Celina e BARCELLOS, Zanei. Jornalismo cidadão, uma proposta brasileira ao jornalismo
cívico. Trabalho apresentado ao GT Jornalismo, do VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
da
Região
Sul.
Passo
Fundo,
2007.
Disponível
em:
<http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2007/resumos/R0791-1.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2008.
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público –
Três
textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
p.
Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
ago. 2008.
39
Capítulo 2 – Jornalismo Público no Brasil
2.1 - A importação de uma ideia
Com a difusão do Jornalismo Público em vários estados norte-americanos e a
sua notoriedade nos meios acadêmicos, em fóruns de discussão e, até mesmo, nos
editoriais dos grandes jornais dos Estados Unidos, o movimento acabou chamando a
atenção de professores de comunicação, pesquisadores, teóricos e jornalistas engajados
de outros países.
Num primeiro momento, o que se pretendia era simplesmente importar a ideia,
o conceito e os preceitos para serem implementados nos mercados locais. Mas, ao serem
transportadas as normas conceituais, empregadas no Jornalismo Público americano, para
outras realidades, viu-se que as diferenças culturais presentes em cada país poderiam
afetar não só o desenvolvimento, mas também o resultado dos projetos incentivados pela
lógica desse movimento.
Ana Maria Castellanos diz que, no início, o modelo de Jornalismo Público —
teoria e prática — adotado nos Estados Unidos foi reproduzido fielmente na Colômbia,
mas que, com o passar do tempo, foi se reenquadrando. “Começamos imitando a ideia
norte-americana de jornalismo público, mas agora definitivamente sinto que temos um
caminho diferente, desde o teórico até o metodológico” (2004, apud FERNANDES, ca.
2004, p. 15).
Vânia Ferreira detectou o mesmo problema ao verificar a introdução do JP no
Brasil:
Os autores brasileiros traduziram as principais características americanas do
jornalismo público e as divulgaram, como premissas para a prática no Brasil, em
suas obras bibliográficas. Esqueceram, no entanto, que as realidades sociais dos
dois países são completamente diferentes (2008, p. 17).
40
Essas diferenças, no entanto, foram detectadas ao longo do tempo pelos
pesquisadores e teóricos da comunicação. Márcio Fernandes aponta o primeiro conflito
existente entre o Jornalismo Público praticado nos Estados Unidos e aquele desenvolvido
no Brasil por meio do conceito de cidadania:
Enquanto que, na língua inglesa, ela [a cidadania] é vista como uma condição
para ser cidadão, no Brasil tem sido encarada como um direito do cidadão. O
civic journalism trabalha com a noção de cidadania como uma condição, quase
uma obrigação, e não apenas para os moradores de uma região ou cidade, mas
para a imprensa também, algo que os veículos de comunicação brasileiros não
compactuam, já que são ainda defensores do mito da isenção (parte da teoria do
espelho), algo que pode ficar comprometido, na visão verde-amarela, quando se
procede do modo que o civic journalism costuma fazer (2008).
De fato, o que acontece na realidade brasileira é que não há o compromisso
das empresas de comunicação nem dos jornalistas de mobilizar o cidadão ou de se criar
um movimento que agrupe todo tipo de classe — incluindo a própria imprensa — em prol
de uma causa. Ainda que possamos buscar alguns exemplos do típico JP em terras
brasileiras, em nenhum momento foram percebidas essas pretensões.
O Jornalismo Público que se vê por aqui acabou adquirindo uma identidade
própria, como explica Luiz Martins da Silva:
No Brasil, o jornalismo público está emergindo com características próprias e, ao
contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, não houve, aqui, intenções e ações
visando especificamente fundar uma categoria jornalística (2002, p.7).
Práticas jornalísticas presentes no jornalismo brasileiro há muitos anos — como
a prestação de serviços, por exemplo — foram incorporadas ao modo de se fazer
Jornalismo Público no Brasil.
Ao assumir essas práticas, o JP, sem abandonar os preceitos originais,
configurou diretrizes específicas, voltadas à realidade brasileira, como as vistas a seguir:
41
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania;
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo;
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de
instrumentos de interatividade;
d) Atentar para a responsabilidade social;
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos.
A semelhança mais latente entre os dois modelos foi a motivação para a
adoção de uma nova forma de se fazer jornalismo. Assim como havia ocorrido no país
norte-americano na década de 1980, uma crise institucional também afetou a imprensa
brasileira, esta dominada por oligopólios de comunicação e influenciada por políticos —
em grande parte proprietários de jornais e concessionários de rádio e TV — e o mercado
publicitário.
Dessa forma, é possível constatar que o que houve no Brasil foi apenas a
importação, por grupos
de
pesquisadores
da
comunicação e
alguns
setores
governamentais, de um ideal de jornalismo que incluísse as questões sociais na pauta
jornalística, seja ela pública, privada ou estatal.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
FERNANDES, Márcio Ronaldo Santos. Civic Journalism no Brasil: a construção de um plano de
referência para um Jornalismo Público. [S.I]: Universidade Federal do Centro-Oeste (Unicentro). [ca.
2004]. Disponível em: <http://200.155.18.61/informacao/-79c2f01_115d80a527a_-7fe1.pdf>. Acesso em: 20
dez. 2008.
______. Civic Journalism: notas históricas sobre os 20 anos de uma corrente de Imprensa engajada.
Trabalho apresentado no 11º Encontro Nacional de Professores de Jornalismo – Fórum Nacional de
Professores
Jornalistas.
São
Paulo,
2008.
Disponível
em:
<http://www.fnpj.org.br/soac/ocs/viewpaper.php?id=212&cf=12>. Acesso em: 26 mar. 2009.
FERREIRA, Vânia. Impressões sobre Jornalismo Público. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea Pública –
Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB, 2008. 105
p.
42
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público –
Três
textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
p.
Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
ago. 2008.
43
2.2 - Tipos de JP no Brasil e suas características
O termo “Jornalismo Público” ainda é pouco reconhecido nas redações
brasileiras. Alguns já ouviram falar e a maioria ignora a sua existência. Não se trata de um
gênero jornalístico como os apresentados por Luiz Beltrão, que os classifica em três
grupos: Jornalismo Informativo; Jornalismo Interpretativo; e Jornalismo Opinativo. E
também não se encaixa nas classificações de José Marques de Melo que, além de
considerar os três gêneros de Beltrão, acrescenta mais dois: Jornalismo Utilitário e
Jornalismo Diversional 2.
Apesar disso, o Jornalismo Público praticado no Brasil poderia se enquadrar
nos gêneros classificados por Marques de Melo, como, por exemplo, o que ele denomina
de Jornalismo Utilitário. De acordo com o teórico, neste gênero estão compreendidos os
itens: indicadores, cotações, roteiros e serviços. Estes quatro elementos também podem
ser considerados Jornalismo Público. Assim como nas classificações de Luiz Beltrão, o
tópico “reportagens em profundidade” — relacionado pelo autor como Jornalismo
Interpretativo — está presente nos preceitos do JP. (BELTRÃO, 1980; MELO, 2003 apud
LEAL; SOUZA, 2007, p. 4)
Luiz Martins da Silva (2002b, p. 6) diz que, “como gênero, o jornalismo público
ainda não adquiriu o status de outras especializações, a exemplo da crônica policial, do
jornalismo esportivo, do jornalismo político, do jornalismo econômico e do jornalismo
científico”. Ele afirma que ainda não se tem uma compreensão do Jornalismo Público “do
que ele representa enquanto função, área de cobertura e campo profissional” (idem), mas
considera que “algumas práticas jornalísticas da chamada ‘grande imprensa’ brasileira
2
Os dois teóricos distribuem e classificam as diversas categorias (Notícia, Reportagem, Entrevista, etc)
nesses grupos primários.
44
começam a assentar as bases para o que, entre nós, poderia vir a se chamar de
jornalismo público” (Ibidem).
Mas é no universo externo das redações que os conceitos do Jornalismo
Público têm se criado. Segundo Luiz Martins da Silva, há
uma verdadeira onda de simpatia para com os projetos de impacto social (a
Bolsa-Escola é um deles) que vem obtendo êxito e para com as organizações e
personalidades que dedicam à vida a grandes causas sociais ou grandes
campanhas, como já aconteceu em relação ao falecido sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho, e sua campanha contra a fome (Ibidem, p. 12).
Ainda conforme Silva, “as campanhas públicas têm um agente principal e
poderoso que é o Estado, mas a principal estratégia tem sido a publicidade e não o
jornalismo” (Ibidem). Apesar disso, o jornalismo praticado no Brasil, em inúmeros casos,
tem sido direcionado para as causas sociais ou de cidadania, ainda que esta prática não
seja reconhecida pelos cânones da imprensa como Jornalismo Público. Martins explica
como esse jornalismo é feito:
Investir no social vem sendo encarado pelo capitalismo moderno como um bom
negócio. [...] Tal como o empresariado de modo geral, as empresas de mídia no
Brasil têm-se mostrado significativamente abertas aos projetos de “cidadania
empresarial” e que, no seu caso, pode não significar, necessariamente, o
dispêndio de recursos financeiros, mas a concessão de espaços às “boas
notícias”, ou seja, a cobertura de ações sociais relacionadas com o voluntariado,
o combate à fome, ao analfabetismo e à proteção da criança (Ibidem, p. 13).
O professor ainda reafirma que “o conceito de jornalismo público no Brasil,
entretanto, não está fixado como tal, sendo mais frequentes retrancas que se referem ao
Terceiro Setor e ao Voluntariado” (Ibidem, p. 14).
A partir disso, Silva estabelece uma classificação em uma “tentativa preliminar
de criação de categorias de jornalismo público no Brasil”, conforme o descrito a seguir:
1)
Jornalismo Público de patrocínio: ocorre quando agências de notícias
específicas, como a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), são
patrocinadas por organismos sociais, como a Unicef e a Unesco entre outros, a
fomentar as redações dos veículos de comunicação com noticiários e reportagens
por meio de pautas-clipping e resumos de matérias sobre a temática em questão.
45
2)
Jornalismo Público de campanhas: é o mais próximo do Jornalismo Público
praticado nos Estados Unidos. É aquele em que um veículo noticia
constantemente matérias a respeito de um determinado assunto — relativo às
questões de cidadania — hierarquizado sob um selo ou logomarca específica que
o remete às campanhas. Martins cita como exemplo as campanhas do jornal
Correio Braziliense que noticia há vários anos sob essa forma, sem financiamento
externo e sem parcerias formais, matérias relacionadas à prevenção de acidentes
de trânsito e ao combate à violência urbana intituladas respectivamente “Paz no
trânsito” e “Eu quero paz”.
3)
Jornalismo Público institucional: Refere-se à participação de alguns
veículos tradicionais da imprensa brasileira em iniciativas de promoção social e
outros com publicações especiais cujas reportagens abrangem às questões de
interesse do cidadão. Nesse quesito, Martins cita alguns exemplos como as
publicações feitas em forma de “guias” produzidas corriqueiramente pelas
revistas Veja (Guia para fazer o bem) e Exame (Guia de boa cidadania
corporativa) e os jornais Folha de S. Paulo (Guia para a solidariedade) e Valor
Econômico (Empresas e comunidades) entre outros. Outro destaque refere-se às
Organizações Globo, que, segundo Martins, com suas centenas de empresas e
rede de afiliadas, financiam milhares de projetos sociais, como as campanhas
“Criança Esperança” e o “Ação Global”, este feito em parceria com o Sesi –
Serviço Social da Indústria, ainda que não sejam diretamente jornalísticas, mas
que resultam em coberturas e repercussões em torno dos assuntos relacionados.
4)
Jornalismo Público promocional: é a categoria em que se enquadram as
promoções e valorizações de matérias de cunho social por meio de prêmios
oferecidos por organizações como a própria Agência de Notícias dos Direitos da
Infância (Andi), o Instituto Ethos, a Rede de Informações para o Terceiro Setor
(Rits) e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) entre
outros. De acordo com Martins, essas instituições “promovem a responsabilidade
social da mídia, com premiações ou suportes permanentes em matéria de pautas
e informações, tanto partindo de ONGs, quanto enviadas diretamente às
redações”. (Ibidem, p. 14-17).
Em outra oportunidade, Silva analisa
a relação entre a imprensa e o poder do cidadão, abordando em sete aspectos as
possibilidades de contradições e avanços institucionais para o desenvolvimento e
o amadurecimento do que, genericamente, pode-se chamar jornalismo público
(2002a)
e que, também, podem ser vistas como categorias a serem observadas no
modo de se fazer JP no Brasil:
1)
A imprensa-fiscal por delegação da sociedade: “A imprensa seria uma
instância fiscalizadora do Poder Público e suas subdivisões: Executivo,
Legislativo e o Judiciário. Origina daí a clássica perífrase de que a imprensa é o
quarto poder. [...] A imprensa exerce, por delegação da sociedade e dos
cidadãos, o poder de fiscalizar os outros poderes, o que significa, por excelência,
a tarefa de dar visibilidade à coisa pública”.
2)
A imprensa mediadora da cidadania: “A imprensa exerce uma mediação
dos fatos a partir do social e para o social”.
3)
O social como mercado: “Formas de atuação da mídia em projetos
sociais, individualmente ou em parcerias: 1) investimentos financeiros (destinação
de parte dos lucros às iniciativas filantrópicas), 2) suporte publicitário gratuito
46
constante a campanhas públicas (contra drogas, violência, etc), 3) coberturas
jornalísticas constantes e identificadas de problemas no campo social”.
4)
A noticiabilidade do social: “O jornalismo é uma atividade essencialmente
e genuinamente pública, tanto quanto a política e a administração pública. A
circulação da informação é uma condição essencial para as ações sociais e para
o funcionamento das instituições e da democracia”.
5)
O social como especialização: Introdução de especializações por áreas
na atuação jornalística, tal como o jornalismo ambiental ou o jornalismo científico.
6)
A imprensa e a visibilidade do consumidor: “A imprensa pode de fato vir
a ser encarada como autêntico espaço público, à medida em que possa refletir na
pauta jornalística a pauta social”.
7)
A imprensa, os telhados de vidro e o seu próprio: Introdução de
Conselhos de Imprensa; dos chamados media watches, ou observadores de
mídia; de observatórios e associações e; Conselhos de Comunicação, que
constituiriam o conjunto dos Meios de Assegurar a Responsabilidade Social na
Mídia (Idem).
Já Alzira Alves de Abreu caracteriza o jornalismo público praticado no Brasil em
duas frentes: A primeira como “jornalismo de utilidade social”, em que
identifica a ação jornalística como tendente a servir os interesses concretos dos
cidadãos e a responder às preocupações dos leitores ou da audiência referentes
a emprego, habitação, educação, segurança, qualidade de vida, etc. [...] A
imprensa assumiria aí o papel de mediadora e de interventora na sociedade
(2003, p. 5-6).
Enquanto que a segunda é denominada de “jornalismo de utilidade pública” a
qual, segundo ela, se manifesta através de várias alternativas, entre elas a de “prestador
de serviços ao público”.
A imprensa escrita abriu espaço para as queixas e reivindicações de seus leitores
através das seções de serviços. Hoje praticamente todos os jornais de grande
circulação [...] mantêm colunas ou seções abertas ao público e procuram dar
soluções a algumas das reclamações recebidas (Idem, p. 6).
Além disso, Abreu destaca, como iniciativas da imprensa referentes à prestação
de serviços, os espaços que atendem a reclamações do cidadão-consumidor, que se
concentram em consumo e serviços; os canais abertos para reivindicações ao poder
público do atendimento às necessidades do cidadão e o acesso à justiça; além do papel
de fiscalizadora do poder público, “voltada para a denúncia de corrupção, para desvendar
negócios ou ações ilícitas” (Ibidem).
47
NOTAS DE REFERÊNCIA
ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1.
Disponível
em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/339.pdf#search=%22Jornalismo%20cidad%C3%A3o%22>. Acesso em:
20 dez. 2008.
LEAL, Ana Regina Barros Rêgo; SOUZA, Maria Isabel Amphilo de. Gêneros Jornalísticos - análise dos
jornais “O Estado de São Paulo” e “Diário de São Paulo”. Pesquisa Acadêmica apresentada no XI
Colóquio Internacional sobre a Escola Latino Americana de Comunicação – Pelotas: [s.n.], 2007. Disponível
em:
<http://encipecom.metodista.br/mediawiki/index.php/G%C3%AAneros_jornal%C3%ADsticos__an%C3%A1lise_dos_jornais_%22O_Estado_de_S%C3%A3o_Paulo%22_e_%22Di%C3%A1rio_de_S%C3
%A3o_Paulo%22>. Acesso em: 22 mar. 2009.
SILVA, Luiz Martins da. Imprensa e cidadania: possibilidades e contradições. 2002a. In: MOTTA, Luiz
Gonzaga (Org). Imprensa e Poder. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2002. Disponível em:
<http://lucajor.vilabol.uol.com.br/impdania.htm>. Acesso em: 15 dez. 2008.
______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002b. In: Jornalismo Público – Três textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
p.
Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
ago. 2008.
48
2.3 - Experiências brasileiras
O primeiro veículo de comunicação do Brasil a assumir os fundamentos do
Jornalismo Público foi a TV Cultura, de São Paulo. No ano de 2000, a emissora adotou o
JP como política editorial para seus telejornais diários e dois deles foram moldados
especialmente para a proposta: o noticiário Matéria Pública, veiculado à tarde, e o Diário
Paulista, transmitido à noite. Para que eles cumprissem esse objetivo foi preciso adaptar
os profissionais envolvidos nos trabalhos aos conceitos e diretrizes do modelo jornalístico
apresentado. Michelle Pires Ferreira explica como eles planejaram as ações:
Para que essa nova prática fosse implantada, jornalistas, apresentadores,
produtores e editores tiveram que aderir à ideia e trabalhar conjuntamente para
que ela prosperasse. Ao longo de seis meses, estes profissionais se reuniram em
grupos para expor seus pontos de vista sobre o jornalismo praticado pela TV
Cultura na época. Em seguida, redigiram relatórios coletivos que foram debatidos
em um seminário, do qual foi gerado um texto-súmula contendo as propostas
mais significantes (2005, p. 28).
De acordo com Paulo Celestino da Costa Filho (2003, p. 72), a emissora, no
entanto, “parece não copiar simplesmente o conceito americano. Ela tem teorizado dentro
da casa o que vem a ser o jornalismo público no entendimento da [própria] TV Cultura”. E
é verdade. A busca por esse ideal de jornalismo não ficou restrito àqueles telejornais
veiculados no início da década. Ao longo dos anos posteriores novas discussões em torno
dos princípios do jornalismo público estiveram em pauta, o que acabou gerando um
manual de procedimentos da emissora intitulado “Jornalismo Público; guia de princípios”,
lançado em 2005 e que passou a normatizar o jornalismo da TV Cultura.
Antes dela, em 2002, a Rede Minas, emissora criada sob os auspícios do
governo de Minas Gerais, já havia lançado o seu Manual de Procedimentos em
Jornalismo Público, cujo objetivo era subsidiar as atividades de seu Departamento de
Jornalismo. De acordo com Michelle Ferreira,
49
a criação desta ferramenta aconteceu durante um período de travessia filosófica
da Rede Minas, que procurava adequar-se às características de uma Televisão
Pública, buscando uma programação própria, alternativa e que não priorizasse a
prática de mercado, mas que assumisse a defesa do interesse público e que
estivesse a serviço da cidadania (Idem, p. 31).
Mas, se levarmos em consideração algumas características apresentadas pelo
Jornalismo Público praticado no Brasil, veremos que esse modelo não é novidade por
aqui. O rádio, antes mesmo da interatividade proporcionada pela internet, já conseguia
envolver o ouvinte-cidadão nas discussões em torno dos problemas da sociedade. Foi o
radialista Haroldo de Andrade, por meio de seu programa matinal na Rádio Globo do Rio
de Janeiro, que criou o quadro Debates Populares, atração em que reunia figuras com
ideologias distintas e profissionais de diversos campos de atuação como médicos,
juristas, artistas, políticos, dentre outros, em torno de uma mesa para debater o noticiário
do dia. O formato foi popularizado por outras emissoras Brasil afora. Além disso, o
programa apresentava quadros de utilidade pública, prestação de serviços, dicas
caseiras, previsão meteorológica e entrevistas. De acordo com a biografia do radialista,
divulgada no site interativo Wikipédia (2009), “seu público majoritário era composto por
donas de casa, aposentados, motoristas de táxi e estudantes”. O artigo biográfico ainda
cita Haroldo de Andrade como “o pioneiro em permitir a participação interativa dos
ouvintes, que podiam ter sua voz e suas opiniões irradiadas ao vivo, sem cortes, através
do telefone, pedindo músicas, inquirindo entrevistados e concorrendo a prêmios”
(WIKIPÉDIA, 2009).
O rádio, aliás, ainda pode ser considerado um grande meio de comunicação
para as práticas do Jornalismo Público, conforme atesta Claudia Irene de Quadros:
A trajetória do rádio, um meio de comunicação mais acessível para a população
de todo o mundo, comprova que muitas de suas características de vinculação
social podem ser resgatadas durante as transformações que exigem a nova era.
Por exemplo, a agilidade na cobertura e a sua fácil portabilidade são pontos
positivos para um cidadão que não têm mais paciência de esperar com tanta
50
informação disponível. O rádio também sai na frente quando a rotina diária desse
cidadão é atribulada. Afinal, pode-se ouví-lo em qualquer lugar, seja on-off ou
online, sem deixar de fazer alguma outra atividade (2005, p. 50).
Alzira Abreu também remete a prática do Jornalismo Público no Brasil a anos
anteriores, verificando algumas daquelas características presentes na imprensa nacional.
Se olharmos para a década de 1950, veremos que o atendimento ao público já
existia em determinados tipos de jornais. Eram praticamente os jornais populares
que mantinham essas seções. [...] Na década de 1990, houve um aumento
considerável do número de jornais que abriram espaço para reivindicações dos
leitores e houve também um aumento do número de usuários das colunas ou
páginas de serviços. Agora, tanto os jornais populares quanto o Extra e O Dia, no
Rio de Janeiro, o Diário Popular, em São Paulo, e os grandes jornais, como O
Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, estão voltados
para o atendimento das reivindicações dos leitores (2003, p. 6-7).
Ainda que não esteja vinculada diretamente a alcunha Jornalismo Público, a
prática de seus princípios tem sido percebida mais intensamente nos noticiários de uma
forma geral. O Canal Futura, por exemplo, emissora privada que se caracteriza por uma
programação voltada para a educação, tem em sua programação um telejornal — o
Jornal Futura — cujo formato e conteúdo atendem às especificações do JP, como
constata Juliana Marçal:
O Jornal Futura é um exemplo de telejornalismo que permite uma reflexão, que
não se preocupa apenas em informar, mas com o reflexo que essa informação vai
trazer na vida do cidadão. O Jornal Futura demonstra que as mensagens
passadas pelo telejornal atuam na vida do telespectador e traz consigo um
contexto histórico, social e cultural (2005, p. 47).
Os telejornais da Rede Globo são outros que também têm se utilizado das
premissas do Jornalismo Público sem que esse nome seja mencionado. Cabe destacar os
telejornais locais, que reservam grande parte do noticiário com informações de utilidade
pública e prestação de serviços, e o vespertino Jornal Hoje, com a veiculação de matérias
que procuram instruir o cidadão em questões como economia, negócios, saúde,
comportamento, trabalho, entre outros. Não raro, especialistas respondem a questões
51
formuladas por telespectadores e a página do jornal na internet é mencionada em
diversas situações como suporte para a procura de maiores informações. A prestação de
serviço é uma constante no telejornal. Até mesmo o Jornalismo Colaborativo e o
Jornalismo Participativo são postos em prática, com a produção de reportagens pautadas
por telespectadores e a veiculação de vídeos, postados na internet, em que o público
emite a sua opinião e deixa o seu recado.
As
Organizações
Globo,
entidade
citada
anteriormente,
também
são
responsáveis, em determinados momentos, pela produção de matérias que estimulam
boas práticas. Como aconteceu no ano passado, quando participou de uma campanha
mundial, promovida por uma ONG, com vistas à Semana Global do Empreendedorismo.
O projeto rendeu diversas matérias — veiculadas em todos os meios de comunicação do
grupo, desde a TV até a internet, passando pelos canais a cabo — que mostravam
experiências de sucesso de indivíduos que decidiram investir em um negócio próprio,
ilustrando a capacidade de autodeterminação das pessoas em conseguir superar os
desafios. O trabalho realizado pelas Organizações Globo acabou premiado pela ONG que
promoveu a campanha.
Outros exemplos de programas que também remetem às boas práticas são o
Ação, da TV Globo, que revela as soluções encontradas por indivíduos ou grupos
comunitários para problemas que afligem as comunidades carentes por meio de matérias
e entrevistas, o Mobilização Brasil, veiculado na TV Brasil, que segue a mesma linha, e o
Via Legal, transmitido pela TV Justiça, além do programa ancorado por André Trigueiro,
Cidades e Soluções, da Globo News, que trataremos em detalhes nos capítulos
posteriores.
Já na mídia impressa, o jornal O Globo publica quinzenalmente um caderno
denominado Razão Social, que veicula matérias a respeito de sustentabilidade, cidadania,
52
empreendedorismo, meio ambiente, entre outros. O curioso é que neste caderno até a
publicidade veiculada obedece aos critérios de estímulo às boas práticas. Outra ação
neste sentido, originário do diário carioca, é o Prêmio Faz Diferença, promovido pelo
jornal todos os anos. Os jornalistas responsáveis pelas editorias — País, Mundo, Rio,
Economia, Esportes, etc — indicam três pessoas ou instituições que se destacaram nas
páginas do jornal, seja pela atuação em suas áreas ou por terem protagonizado fatos
importantes em prol da sociedade. Os nomes são submetidos a um júri composto por
jornalistas e a votação popular pela internet. Os mais votados recebem o prêmio.
Esses exemplos podem parecer casos isolados, mas com a segmentação dos
meios de comunicação — na televisão, no rádio e em jornais e revistas — e a expansão
da internet, o Jornalismo Público tende a ganhar espaço e construir uma cultura diferente
na forma de se fazer jornalismo. Luiz Martins da Silva considera isso possível, embora
seja cauteloso em sua observação:
Pode ser [...] que de fato o jornalismo público venha se consolidar, ou com o
amadurecimento da mídia brasileira ou com a constatação que, nos Estados
Unidos, deu origem ao civic journalism, a de que, se os meios de comunicação de
massa ignorarem os problemas cotidianos da democracia, da justiça social, das
comunidades e do cidadão, acabarão perdendo público. Se isto não acontecer,
porém, as entidades públicas não terão outro caminho senão produzir factóides
para chamar atenção (2002).
NOTAS DE REFERÊNCIA:
ABREU, Alzira Alves de. Jornalismo cidadão. Estudos Históricos, Mídia. Rio de Janeiro, nº 31, 2003/1.
Disponível
em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/339.pdf#search=%22Jornalismo%20cidad%C3%A3o%22>. Acesso em:
20 dez. 2008.
FERREIRA, Michelle Fabiene Pires. TVs Universitárias e a prática do jornalismo público: a TVU da
Universidade Federal de Lavras. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social. Universidade
Federal
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Fora.
Juiz
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Fora,
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Disponível
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FILHO, Paulo Celestino da Costa. Jornalismo Público: Por uma nova relação com os públicos. São
Paulo:
Universidade
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São
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2003.
Disponível
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<http://gestcorp.incubadora.fapesp.br/portal/monografias/pdf/46.pdf/>. Acesso em: 20 dez. 2008.
MARÇAL, Juliana. Características do Jornalismo Público no Jornal Futura. Monografia (Graduação).
Curso de Comunicação Social, do Departamento de Ciência da Comunicação, do Centro Universitário de
53
Belo
Horizonte.
Belo
Horizonte:
[s.n.],
2005.
Disponível
<http://www.convergencia.jor.br/bancomonos/2005/julianamarcal.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2008.
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QUADROS, Claudia Irene de. Jornalismo Público, rádio e internet – Uma combinação possível?
Comunicação e Espaço Público. Brasília: Ano VIII, v. 5, nº 1, 2005. Disponível em:
<http://www.unb.br/fac/posgraduacao/revista2005a/Artigo_3.claudia.barros.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2009.
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público –
Três
textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
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Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
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WIKIPÉDIA. Haroldo de Andrade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Haroldo_de_Andrade>.
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______.
Programa
Haroldo
de
Andrade.
Disponível
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_Haroldo_de_Andrade>. Acesso em: 18 fev. 2009.
em:
54
2.4 - O campo de atuação
Outro aspecto que envolve as discussões em torno do Jornalismo Público no
Brasil refere-se à esfera em que ele melhor se posicionaria: estatal, comercial ou pública?
Ultimamente, a discussão em torno desses campos tem aumentado,
principalmente, depois da criação da Empresa Brasil de Comunicação – EBC pelo
governo federal em 2007 — controladora da TV Brasil —, cujo modelo de gestão fugiria
dos moldes tradicionais no país, com independência em relação ao Estado e ao mercado.
Os meios de comunicação se estabeleceram por aqui com características
comerciais. No cenário midiático brasileiro, o espaço ocupado por veículos regidos pela lei
de mercado é superior àquele reservado aos canais estatais, enquanto que o sistema
público de comunicação é relegado a experiências isoladas. Dessa forma, as informações
obtidas pelo cidadão, na maioria das vezes, acabam sendo tratadas por profissionais
comprometidos com os setores privado e estatal.
Mesmo com o aparecimento da TV Brasil, e considerando as experiências da
TV Cultura e da Rede Minas, as TVs ditas “públicas” ainda não encontraram um caminho
próprio que as distinga completamente do modelo comercial consolidado e as liberte da
influência hegemônica do maior conglomerado de comunicação do Brasil que são as
Organizações Globo.
No Encontro da Associação das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais,
realizada em Belo Horizonte no ano de 20063, Eugênio Bucci (2006a, p.13) disse que “as
emissoras comerciais e as públicas deveriam funcionar como os dois pratos da balança”,
esta considerada por ele como o “espaço público democrático”. De acordo com Bucci,
elas devem exercer funções complementares, cada uma em seu campo, para o
3
Palestra reproduzida no Caderno de Debates que serviu de material de apoio para as discussões sobre TV
Pública no Brasil realizadas no I Fórum Nacional de TVs Públicas, ocorrido em Brasília no ano de 2007.
55
fortalecimento da democracia. Além disso, não devem se igualar, nem perseguir as
mesmas funções. Em seu julgamento as emissoras comerciais “não podem ser as únicas
a definir o conjunto da comunicação social”, enquanto que as públicas “não devem se
atrelar ao mercado” (Idem).
Pois bem. E onde o Jornalismo Público se encaixaria neste universo? Lívia
Almeida (2008, p. 38) constata que “mesmo com enfoques e procedimentos diferentes, as
emissoras de TV comercial praticam Jornalismo Público”. Mas faz uma ressalva: “[elas]
apresentam restrições que incluem limitações de tempo, valorização da imagem,
dramaticidade de fatos sociais e até mesmo interesses particulares de jornalistas”.
Por outro lado, muito do que foi produzido no Brasil por todos esses anos, com
viés público e com vistas ao interesse público e a construção de práticas cidadãs, partiu
das emissoras de televisão educativas, controladas pelo aparato estatal. Mas esses
veículos também seguem uma linha editorial comprometida. Bucci, quando presidiu a
Radiobrás, procurou direcionar a empresa para as questões públicas, capaz de prestar
serviços úteis à cidadania. Segundo ele,
para que esses serviços sejam de fato comprometidos com a cidadania, é
necessária uma gestão comprometida com esses mesmos valores [...] sujeita às
finalidades constitucionais da radiodifusão como função social, serviço público,
que deve observar uma ética própria presidida pelo atendimento ao direito à
informação (2006b, p. 193-195).
De outra forma, conforme a afirmação de Michelle Ferreira (2005, p. 8), o
Jornalismo Público no Brasil “tem sido praticado, declaradamente, pelas redes públicas de
televisão”. Mas, segundo ela, essas emissoras, apesar da proposta de independência,
ainda não tem a isenção pretendida.
A forma de financiamento destas emissoras, dependentes do capital do Estado
para se manterem, muitas vezes compromete a imparcialidade defendida pelo
movimento. O fato de o Jornalismo Público ser praticado apenas nos canais
pertencentes ao governo faz com que sejam produzidas reportagens que, muitas
56
vezes, se confundem com matérias institucionais, onde são mostradas viagens
dos governadores, assinaturas de convênios e inauguração de projetos (Idem).
Em função disso, Ferreira sugere um outro campo para a prática do Jornalismo
Público:
Como alternativa, as TVs Universitárias surgem como emissoras potenciais para
a prática do Jornalismo Público [porque] um dos principais fatores é a forma
autônoma de financiamento, que independe do poder mercadológico e do
governo (Ibidem, p. 9).
Michelle Ferreira sustenta, com isto, que o Jornalismo Público
não se refere às atividades de comunicação procedentes dos órgãos públicos,
estatais. Também não se trata de um jornalismo arraigado às leis do mercado,
que regem as políticas editoriais das empresas jornalísticas. O Jornalismo Público
é uma terceira via entre o jornalismo realizado dentro das TVs comerciais e
estatais, ainda que ele possa, e deva, ser praticado também nesses dois espaços
(Ibidem).
Ainda que o Jornalismo Público se enquadre melhor, por motivos óbvios, à
esfera pública de comunicação, não se pode, evidentemente, posicioná-lo em apenas um
lugar. O Jornalismo Público permeia todas as esferas comunicacionais — seja privada,
estatal ou pública — e, embora não chegue a receber este nome e esteja relegado, em
muitos casos, a segundo plano, circula por todos esses campos de atuação, tornando sua
prática, ainda que tímida, mais frequente no jornalismo contemporâneo.
NOTAS DE REFERÊNCIA
ALMEIDA, Lívia. Jornalismo Público nas tevês abertas em Brasília. In: PRADO, Mônica (Org). Coletânea
Pública – Práticas de comunicação Pública em Brasília. Brasília: Entreposto Acadêmico e DCE-UniCEUB,
2008. 105 p.
BUCCI, Eugênio. A TV Pública não faz, não deveria dizer que faz e, pensando bem, deveria declarar
abertamente que não faz entretenimento. In: I Fórum Nacional de TVs Públicas – Diagnóstico do Campo
Público de Televisão (Caderno de debates). Brasília: Ministério da Cultura, 2006a. 112 p. Disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/upload/livro_TVs_24-11_1164825028.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2008.
______. Caso Radiobrás: o compromisso com a verdade no jornalismo de uma empresa pública.
Brasília, 2006b. In DUARTE, Jorge (Org). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse
Público. São Paulo, Ed. Atlas, 2007. 200 p.
57
FERREIRA, Michelle Fabiene Pires. TVs Universitárias e a prática do jornalismo público: a TVU da
Universidade Federal de Lavras. Monografia (Graduação). Curso de Comunicação Social. Universidade
Federal
de
Juiz
de
Fora.
Juiz
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Fora,
[s.n.],
2005.
Disponível
em:
<http://www.facom.ufjf.br/projetos/2sem_2005/pdf/MFerreira.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2008.
58
2.5 - A Comunicação de Interesse Público
Outra corrente de estudos sobre o Jornalismo Público no Brasil situa a versão
nacional como uma vertente da Comunicação Pública ou, mais especificamente, da
Comunicação de Interesse Público. Nos últimos anos, os círculos e grupos de discussão
de comunicação têm se voltado para os conceitos e atribuições da Comunicação Pública.
Segundo Luiz Martins da Silva (2006, p. 56), “tradicionalmente, associam-se
coisa pública e interesse público às esferas do Estado e do Governo” e que, de uns
tempos pra cá, “há cada vez mais consenso na compreensão do Terceiro Setor (que
capta recursos privados para fins públicos) como uma das esferas do interesse público,
por se tratar de um segmento sem fins lucrativos”.
O Terceiro Setor, conforme atesta Silva, aumentou sua participação nas
discussões e decisões da sociedade e é quem tem pautado a mídia nos assuntos
voltados às responsabilidades sociais.
É de ressaltar que o próprio Terceiro Setor adquiriu uma dimensão econômica,
internacional e nacional, muito significativa, movimentando recursos, atividades,
empregos e participações voluntárias. Todo esse campo, portanto, gera
diariamente uma grande quantidade de notícias (2002, p. 17).
Flamínio Fantini e Ubiratan Muarrek corroboram o pensamento de Martins ao
afirmar que
o segmento passou a representar uma força política bastante relevante, com
poder de pressão em grande parte baseado em ações de Comunicação de
Interesse Público. [...] As ONGs vêm introduzindo novos temas e referências na
agenda do mundo. A preocupação atual com assuntos como o desenvolvimento
sustentável, o aquecimento global ou o controle sobre o uso da energia nuclear
certamente não teria o conhecido grau de profundidade sem a participação
decisiva delas. Nessa agenda, incluem-se ainda assuntos como a igualdade de
oportunidade entre os sexos, o combate ao racismo, a erradicação do trabalho
escravo ou a condenação da pedofilia e da prostituição infantil (2006, p. 82).
Eles dizem, porém, que as ONGs não estão sozinhas neste cenário e que
59
são apenas a ponta-de-lança mais vistosa de grupos que eram até então
“marginalizados” no espaço público da mídia. Sindicatos, associações, grupos de
pressão — uma grande variedade de movimentos “sociais” encontra na
comunicação uma ferramenta importante de atuação (Idem).
Luiz Martins da Silva também visualiza a comunicação pública de uma forma
muito mais ampla e enumera as modalidades em que ela se faz presente no país:
- Comunicação Pública praticada por emissoras públicas (nos moldes da BBC
inglesa e da PBS americana);
- Comunicação Pública praticada pelo Estado (emissoras estatais; TV Cultura;
televisões educativas) e pelos órgãos públicos do Estado (a Voz do Brasil);
- Comunicação Pública praticada pelos Governos (federal, estadual, municipal –
na divulgação de conteúdos legais, de utilidade pública, institucionais e
mercadológicos próprios de uma administração pública);
- Comunicação Pública praticada pelas emissoras privadas (Canal Futura);
- Comunicação Pública praticada pelas organizações sem fins lucrativos
(organizações sociais; organizações civis de interesse público; organizações nãogovernamentais; fundações, etc), em síntese pelo chamado Terceiro Setor, ou
ainda por órgãos relacionados institucionalmente a uma categoria
profissional (TV Sesc);
- Comunicação Pública oriunda dos Canais de Acesso Público (executivos,
legislativos, judiciários, institucionais (Forças Armadas), culturais, comunitários e
universitários);
- Comunicação de caráter público em que qualquer um dos segmentos de
radiodifusão abre espaço, gratuitamente, para a veiculação de campanhas
públicas; e
- Comunicação Pública produzida ou intermediada por órgãos supra-estatais,
como: ONU, OEA, PNUD, Unesco, Unicef, fóruns, comitês etc (2006, p. 57).
João Roberto Vieira da Costa, um publicitário que trabalha com campanhas de
utilidade pública, se propôs a analisar a Comunicação de Interesse Público (CIP) mais a
fundo. Ele entende que “o interesse público é muito maior do que o interesse da
administração pública nas suas diversas necessidades de comunicação, como também é
muito maior do que o interesse privado” (2006b, p. 22) e conceitua a CIP da seguinte
forma:
É toda ação de comunicação que tem como objetivo primordial levar uma
informação à população que traga resultados concretos para se viver e entender
melhor o mundo. [...] Os beneficiários diretos e primordiais da ação sempre serão
a sociedade e o cidadão. Sua missão se traduz num esforço para difundir,
influenciar, criar ou mudar comportamentos individuais ou coletivos em prol do
interesse geral (2006a, p. 20).
60
Percebe-se, neste sentido, que aquilo que o Jornalismo Público prega está
intimamente ligado às questões da Comunicação de Interesse Público. Ou seja, envolver
o cidadão nos assuntos de seu interesse e da comunidade, por meio de uma gama de
informações que levam, por sua vez, aos debates públicos e às decisões conjuntas.
De acordo com Luiz Martins da Silva (2006, p. 49) existem dois segmentos de
campos opostos que tratam a informação de interesse público de forma distinta, que são
o privado e o estatal. O jornalismo proveniente da esfera privada ele denomina de
“Jornalismo investigativo”, “que cumpre especial função, encarregando-se de ir buscar
elementos ocultos ou omissos em torno de fatos que, apesar de afetarem o interesse
coletivo, por algum motivo ou interesse, não vêm à tona”. Já o jornalismo oriundo do
Estado é chamado por ele de “Jornalismo institucional”, cujo papel é “o de ressaltar
aspectos do interesse público nem sempre coincidentes com a lógica dos valores-notícia
que rege o jornalismo e a mídia, de maneira geral”. Mas independentemente de onde
tenha partido a informação, o teórico defende que o interesse público está acima de tudo:
Com relação aos papéis do “jornalista investigativo” e do “jornalista institucional”,
a nossa hipótese é de que o importante é que cada lado cumpra bem a sua
missão e cumpra seus compromissos deontológicos, pois, do ponto de vista do
usuário final da informação, se ela for correta e útil, tanto faz ser um produto do
“jornalismo da boa notícia”, quanto um produto do “jornalismo fiscal” da coisa
pública (SILVA, 2006, p. 54).
Ele acrescenta que “do ponto de vista do cidadão, como unidade do público, o
que importa é se a informação atendeu-lhe em seu DIREITO DE SABER, na sua
NECESSIDADE DE SABER e no seu DESEJO DE SABER” (Idem, p. 52) e distingue o
interesse público em três categorias:
A primeira [direito de saber], relacionada com o Princípio da Publicidade, [...]
corresponde à obrigação legal do Estado de publicar os assuntos de interesse
público (publicidade legal), como também corresponde ao princípio da visibilidade
da coisa pública; [...] a segunda [necessidade de saber], relacionada com o
conjunto de informações de utilidade pública, sendo que não apenas estados e
governos produzem, promovem e divulgam informações nesse plano, mas
também a Economia e a Sociedade; [...] e a terceira [desejo de saber],
61
corresponde à produção, à difusão e ao consumo de informações que [...]
atendem ao público-plateia, que se apraz no visionamento de assuntos banais e
sensacionais (Ibidem).
André Trigueiro também tem um entendimento do que seja de interesse público.
Para ele
é de interesse público que você faça do jornalismo uma ferramenta que revele ou
que denuncie aquilo que não funciona ou que está errado, aquilo que a sociedade
precisa [para] se articular, se mobilizar pra combater, pra enfrentar e [mostrar]
quais são os bons exemplos e as boas atitudes inspiradoras, alvissareiras e que a
gente precisa ter conhecimento para ver como é possível alcançar um objetivo
que melhore a qualidade de vida, que gere benefícios sociais, ambientais,
econômicos, políticos (2009, informação verbal).
Já Eugênio Bucci (2006, p. 197) repercute a ideia do interesse público dizendo
que “a informação só é um direito do cidadão porque, na democracia, todo poder emana
do povo e em seu nome é exercido – e é para delegar o poder que o cidadão tem o direito
de estar bem informado”.
Em resumo, o que podemos constatar é que o Jornalismo Público pode e deve
ser uma ferramenta da Comunicação de Interesse Público e existe para cumprir a função
de envolver o cidadão nos assuntos que determinam a sua vida, individual ou
coletivamente. O Jornalismo Público é um dos bons caminhos a ser trilhado pelo
jornalismo e o cidadão precisa saber disso.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
BUCCI, Eugênio. Caso Radiobrás: o compromisso com a verdade no jornalismo de uma empresa
pública. Brasília, 2006. In DUARTE, Jorge (Org). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e
Interesse Público. São Paulo, Ed. Atlas, 2007. 200 p.
COSTA, João Roberto Vieira da. A Comunicação de Interesse Público (CIP). In: Comunicação de
Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba,
2006a. 160 p.
______. CIP e Comunicação Pública. In: Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas
e fazem um mundo melhor. São Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006b. 160 p.
FANTINI, Flamínio; MUARREK, Ubiratan. A CIP como poder de pressão. In: COSTA, João Roberto Vieira
da. (Org.). Comunicação de Interesse Público – Ideias que movem pessoas e fazem um mundo melhor. São
Paulo: Ed. Jaboticaba, 2006. 160 p.
62
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo e Interesse Público. 2006. In: Jornalismo Público – Três textos
básicos. Brasília: Casa das Musas, 2006, 63 p.
______. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público – Três textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
63
p.
Disponível
em:
<http://www.ucb.br/comsocial/mba/Jornalismo_publico_o_social_como_valor-noticia.pdf>. Acesso em: 28
ago. 2008.
TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de
Janeiro. 2 jan. 2009.
63
Capítulo 3 – Cidades e Soluções como instrumento de Jornalismo Público
3.1 - Os responsáveis pelo programa
Antes de investigarmos a proposta e analisarmos os programas, vamos verificar
o perfil dos idealizadores e dos veículos que transmitem a atração.
O jornalista André Trigueiro, editor-chefe do programa, começou na profissão
pela mídia impressa na década de 1980, ainda como estagiário no jornal Última Hora, do
Rio de Janeiro. Depois transitou pelo rádio, nas emissoras MEC-AM e Rádio JB-AM,
também sediadas naquela cidade. Mais tarde, chegou à TV, por meio da Rede Globo,
como repórter do Jornal da Globo e dos noticiários locais. Ainda nesse período, assumiu a
função de “repórter aéreo”, em que sobrevoava a região metropolitana do Rio fazendo a
cobertura do trânsito para o matutino Bom Dia Rio.
Em 1996, sua carreira deu um salto quando recebeu o convite para ancorar um
telejornal diário, no horário nobre, em um canal de notícias 24 horas. Ele aceitou o desafio
e desde então está à frente do Jornal das Dez, do canal de televisão por assinatura Globo
News.
Mas é justamente no jornalismo pautado pelas questões ambientais que o seu
trabalho vem alcançando maior visibilidade. Sua trajetória neste segmento começou
quando ainda trabalhava na Rádio JB, no ano de 1992. Trigueiro foi escalado para fazer a
cobertura do Fórum Global — movimento paralelo à Rio-92, Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O evento reuniu autoridades de
diversos países — entre os quais chefes de Estado, lideranças sociais e religiosas,
cientistas, empresários, ambientalistas e grandes personalidades — e organismos
internacionais. Naquela oportunidade, sentiu a necessidade de buscar mais informações
64
sobre um assunto que julgava ser exclusivo de ecologistas. Em entrevista ao Jornal O
Globo, Trigueiro relata aquele momento:
Havia ONGs do mundo todo; o Dalai Lama estava lá; vi um canadense de 9 anos
fazer um discurso sobre a água. Aquilo tudo mexeu comigo. Percebi que o
assunto não tinha dono. Vi que não se podia pensar em meio ambiente como
bichinho e floresta. Era preciso discutir um projeto de civilização, um modelo de
desenvolvimento. Terminava o expediente e ficava lá, xeretando. Comecei a
procurar cursos, pessoas e livros (2007).
Diante daquele cenário, ele enxergou novos horizontes e resolveu direcionar o
seu trabalho para as causas ambientais e de sustentabilidade: “Fiquei encantando com
essa perspectiva de você, enquanto cidadão, poder participar desse imenso movimento
de construção de um mundo mais justo, mais igualitário e sustentável” (TRIGUEIRO, ca.
2005).
Desde então, o jornalista dedicou-se às pesquisas sobre os assuntos
relacionados ao desenvolvimento sustentável. Estudou o tema com aprofundamento e
resolveu cursar uma pós-graduação em Gestão Ambiental, desenvolvida pelo Instituto
Coppe/UFRJ. Concluída a especialização, começou a escrever artigos para jornais e sites
especializados, coordenou um trabalho literário chamado Meio Ambiente no Século 21 —
em que convidou 20 personalidades reconhecidas por seus trabalhos e reflexões a
respeito do meio ambiente para redigir sobre temas como educação, cultura e política
relacionando-os ao contexto ambiental —, passou a proferir palestras e criou o primeiro
curso de Jornalismo Ambiental do Brasil, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, onde ministra as aulas.
Na Globo News, produziu séries especiais ligadas à temática socioambiental,
entre os quais, Água: o Desafio do Século 21 (2003), Kioto: o Protocolo da Vida (2005) e
A nova energia do mundo (2005) que receberam diversos prêmios. Além de comandar o
programa Cidades e Soluções na mesma emissora, ele ainda apresenta um boletim ao
65
vivo dedicado ao tema na Rádio CBN, veiculado aos sábados e domingos em rede
nacional, denominado Mundo Sustentável.
Este nome ainda batiza outro livro escrito e organizado por ele, chamado de
Mundo Sustentável: abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação — onde
reúne artigos, entrevistas e comentários dele e de pessoas envolvidas com os temas
abordados, que foram veiculados em diversas mídias: rádio, televisão, internet e jornal —
e a página pessoal do jornalista na internet.
Além de Trigueiro, o Cidades e Soluções tem em sua equipe a jornalista Marina
Saraiva, produtora e editora desde a primeira edição. Ela ingressou na Globo News como
estagiária em 2004, trabalhou na editoria internacional do canal e foi editora de um de
seus telejornais. Assim como o chefe, é pós-graduada em Meio Ambiente pela
Coppe/UFRJ. Marina dividia as funções de produção e edição com o jornalista Alexandre
dos Santos até o início de 2009, quando este passou a chefiar a editoria de outra atração
da emissora, o programa Milênio.
A Globo News, por sua vez, surgiu como uma das experiências das
Organizações Globo em um novo processo no meio televisivo, motivado pela chegada
aos lares brasileiros da televisão por assinatura na década de 19904.O canal de notícias
iniciou suas operações em 1996 com a proposta de levar informação ao telespectador
com mais agilidade — baseado em coberturas ao vivo e a divulgação de fatos recentes —
e profundidade — apoiado em programas de entrevistas. A emissora inaugurou o formato
“hard news” na televisão brasileira e ganhou prestígio ao longo dos anos.
Com uma estrutura mais maleável em relação à emissora-mãe, a Globo News
abre espaços para experimentações, direcionando a criação de programas para públicos
4
A companhia passou a investir também nos canais segmentados e criou a Globosat, empresa que tem a
função de programar e gerar conteúdo para TV por assinatura. No início, apenas quatro canais operavam:
um de filmes, um outro dedicado aos esportes, um terceiro destinado ao público jovem e, mais um, de
variedades, voltado para o entretenimento e a informação.
66
específicos e estimulando novas práticas jornalísticas. Ainda que o carro-chefe do canal
seja o noticiário factual — veiculado a todo instante em blocos de meia-hora denominado
Em cima da hora — o cardápio inclui outros gêneros jornalísticos como o Jornalismo
Opinativo (Entre aspas; Espaço Aberto; Fatos e Versões) com programas de entrevistas e
debates; o Jornalismo analítico ou interpretativo (Conta Corrente), com a análise de
notícias por especialistas; o Jornalismo de Entretenimento (Sarau; Starte), com matérias
relacionadas a assuntos como cultura, turismo, culinária, comportamento etc; e o
Jornalismo Diversional (Arquivo N; Globo News Especial), com histórias de interesse
humano5.
O programa Cidades e Soluções, portanto, foi idealizado por Trigueiro dentro da
perspectiva traçada pela emissora de novas experimentações jornalísticas e produzido
como um programa especial, a exemplo das séries que ele já havia feito. Concebido em
duas partes e veiculado no ano de 2004, o especial se propôs a mostrar exemplos de
sustentabilidade no meio urbano.
Em 2006, quando a Globo News completou dez anos no ar, Trigueiro foi
convidado pela direção da emissora a produzir um dos cinco novos programas que
surgiriam na grade do canal. Àquela altura, o jornalista já usufruía de certo prestígio, fruto
de seu trabalho no Jornal das Dez e de sua trajetória na profissão. O programa
encomendado a ele deveria retomar os assuntos tratados por aquele programa especial
de 2004, mostrando bons exemplos de projetos ou inovações na área da gestão das
cidades no Brasil e no mundo.
O primeiro programa, que foi ao ar em 15 de outubro de 2006, teve como tema
a utilização de coletores solares como alternativa para aquecer a água do banho sem a
utilização de energia elétrica. Nos programas seguintes, abordou-se a urbanização
5
Divisão por gêneros conforme Marques de Melo (2003), apud LEAL; SOUZA, 2007, p. 4, visto no capítulo
2, tópico 2.2.
67
acelerada, como ameaça para a qualidade de vida das pessoas; os biodigestores, como
opção para tratamento do esgoto; as hortas urbanas, em que mostrou exemplos de cultivo
de hortaliças nas cidades; e as compras sustentáveis, no qual apresentou o conceito de
se privilegiar os fornecedores comprometidos com o uso racional e inteligente dos
recursos naturais nas compras públicas governamentais.
A atração pode ser vista em sete faixas de horários diferentes na grade da
Globo News, distribuídas ao longo da semana, sendo que as edições inéditas são
veiculadas nas noites de domingo. O Canal Futura, outra emissora das Organizações
Globo — sintonizado tanto em canal fechado como na TV aberta, pela banda de sintonia
em UHF — também transmite o programa em dois horários. Quem sintoniza a TV Globo
pelas antenas parabólicas pode assistir ao programa no começo da manhã das
segundas-feiras, antes do telejornal Bom Dia Brasil, em um horário reservado aos jornais
locais das afiliadas da emissora carioca. Já o público que mora no exterior pode
acompanhá-lo pela TV Globo Internacional.
Além do meio televisivo, há a possibilidade de se acompanhar o programa pela
internet na página do Cidades e Soluções disponibilizada no portal da Globo News, no
endereço http://globonews.globo.com/Jornalismo/Gnews/0,,7493,00.html. Lá, o internauta
tem a oportunidade de conferir a lista de todos os programas produzidos, com as
respectivas datas em que foram ao ar, e ver (ou rever) quase todas as edições.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
TRIGUEIRO, André. Enxergando além das boas idéias. Entrevista concedida a Lílian Fernandes, Revista
da
TV,
O
Globo.
Rio
de
Janeiro.
2
dez.
2007.
Disponível
em:
<http://www.mundosustentavel.com.br/entrevista_15.asp>. Acesso em: 19 jan 2009.
______. Parte da mudança. Entrevista concedida a Maria Vianna. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. [ca.
2005]. Disponível em: <http://www.mundosustentavel.com.br/entrevista_08.asp>. Acesso em: 19 jan. 2009.
68
3.2 - A proposta do programa
O programa Cidades e Soluções não foi inspirado nos princípios que norteiam o
Jornalismo Público. Ao bem da verdade, o seu idealizador, o jornalista André Trigueiro,
também não tinha conhecimento desse movimento. Tampouco se sente à vontade de
classificá-lo como tal. Na visão dele, independentemente de se abordar meio ambiente,
ciência, política, cultura ou esporte em editorias, tudo é jornalismo. E refuta a ideia de
categorizar o seu trabalho em um segmento apenas. Mas, mesmo assim, suas ações há
muito são pautadas por um jornalismo comprometido com o meio ambiente, com a
sociedade e com a cidadania e que vão ao encontro do que prega o JP da forma como o
conhecemos.
Contudo,
a
linha
seguida
por
Trigueiro
provém
do
conceito
de
“Sustentabilidade” (palavra tão em moda ultimamente) que ganhou forma mais concreta
na Rio-92. A definição de Desenvolvimento Sustentável foi concebida num documento
produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das
Organizações das Nações Unidas em 1987, chamado de “Relatório Brundtland”, em que
estudava a fundo as questões ambientais. O relatório final desses estudos, intitulado
Nosso Futuro Comum, propôs o Desenvolvimento Sustentável como “um conjunto de
processos e atitudes que atende às necessidades presentes sem comprometer a
possibilidade de que as gerações futuras satisfaçam as suas próprias necessidades”
(WIKIPÉDIA, 2009). Conforme esse modelo de desenvolvimento, deve existir uma
harmonia entre o crescimento econômico, a proteção ambiental e a promoção da
igualdade social e da preservação do patrimônio natural, buscando um equilíbrio entre
eles (Idem).
69
Na Conferência das Nações Unidas de 1992, esse conceito serviu como base
para a formulação da Agenda 21, documento aprovado pela comunidade internacional,
que lista uma série de compromissos cujo objetivo é a mudança do padrão de produção e
consumo vigentes, para que predomine o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as
nações (Ibidem).
Conforme a Declaração de Política da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, realizada no ano de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, o conceito é
construído sobre “três pilares interdependentes e mutuamente sustentadores” que são o
desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental. Dentro
desse contexto são discutidas questões delicadas como pobreza, desperdício,
degradação ambiental, decadência urbana, crescimento populacional, igualdade de
gêneros, saúde, conflito e violência aos direitos humanos (Ibidem).
Para que as metas do desenvolvimento sustentável sejam alcançadas, o
Relatório Brundtland (Ibidem) sugeriu a adoção de uma série de medidas por parte dos
governos para que fossem inseridas nas políticas públicas, tais como: limitar o
crescimento populacional; garantir os recursos básicos (água, alimentos, energia) a longo
prazo; preservar a biodiversidade e os ecossistemas; diminuir o consumo de energia e
desenvolver tecnologias que admitem o uso de fontes energéticas renováveis; aumentar a
produção industrial nos países não-industrializados à base de tecnologias ecologicamente
adaptadas; controlar a urbanização desordenada e promover a integração entre campo e
cidades menores; atender as necessidades básicas (saúde, escola, moradia); entre
outras.
Esses conceitos de sustentabilidade não só determinaram a mudança de visão
de mundo do “cidadão” André Trigueiro, mas também influenciaram e passaram a
conduzir os trabalhos do “jornalista” André Trigueiro. Para ele, é importante tentar lembrar
70
às pessoas que “esses problemas existem, que têm um custo social e ambiental grande e
que [...], no médio e longo prazos isso talvez não se sustente” (2009, informação verbal).
Enquanto que o Jornalismo Público, com base em suas diretrizes, tem por
objetivo tornar-se um instrumento dos profissionais de comunicação e do cidadão para a
reflexão em torno dos problemas e, posteriormente, provocar ou estimular mudanças de
atitudes na sociedade para atingir uma meta comum, o conceito de sustentabilidade,
surgido no âmbito governamental, vai além das propostas comunicacionais, sendo
inserido numa escala de ações de abrangência superior. Ele envolve uma série de atores,
instituições e organismos sociais e políticos capazes de determinar a transformação da
ordem mundial.
Dessa forma, o trabalho que Trigueiro desenvolve tende a ser mais autoral
porque antes de ser jornalista ele pensa como um cidadão que pode contribuir para a
disseminação de ideias que efetivem essa transformação. Em depoimento ele diz:
Tento praticar no dia-a-dia aquilo que eu entendo como certo. Estou longe da
perfeição e não me considero um modelo, mas descobri a força daquilo que os
educadores chamam de pedagogia do exemplo: “não importa o que você fala,
importa o que você faz” (TRIGUEIRO, 2008, p.13).
Em outras palavras, se ele não fosse jornalista procuraria, da mesma forma,
pautar o seu trabalho dentro da filosofia de sustentabilidade. Mas, como é um profissional
de comunicação, o papel que desempenha tem uma carga de importância muito maior.
Ele tem a função de “denunciar os interesses contrários à vida e à sustentabilidade”
(Idem). Dentro de sua visão, “a mídia pode estimular o desenvolvimento de políticas
públicas e atitudes cidadãs, dando visibilidade às boas práticas que já fazem a diferença
no Brasil e no mundo” (Ibidem).
E é nesse ponto que há o encontro da doutrina que estabelece a
sustentabilidade com os princípios do Jornalismo Público. A proposta do programa
71
Cidades e Soluções, portanto, é “abrir espaço na televisão para as experiências que dão
certo, que transformam para melhor a vida das pessoas através do uso inteligente e
sustentável dos recursos” (BLOG do programa, 2009). Segundo seu criador, os
problemas, ainda que grandiosos, têm soluções e essas soluções precisam ter
visibilidade. Sendo assim, a ideia é mostrar exemplos de sustentabilidade no meio
urbano, cuja pretensão seja a de que as pessoas tenham não apenas o conhecimento,
mas que elas consigam se aprofundar sobre os temas e possam resolver os problemas
dentro da realidade que lhes cabe, conforme a experiência resolutiva mostrada no
programa.
Ainda que tenha o respaldo da Organização das Nações Unidas, um dos
desafios de Trigueiro, entretanto, é trabalhar o conceito de meio ambiente como um tema
amplo e associado à vida das pessoas em todos os sentidos.
Desde a estreia até o programa exibido em 17 de maio de 2009, o Cidades e
Soluções acumulou 111 edições. Decidimos, então, verificar em que proporção o tema
meio ambiente estaria inserido na “espinha dorsal” do programa. Inicialmente, tomamos
por base uma relação feita por André Trigueiro em que ele distribui os assuntos tratados
conforme as categorias abaixo (2009, informação verbal):
- Energia;
- Consumo consciente;
- Construção Sustentável;
- Reciclagem de materiais orgânicos e inorgânicos;
- Uso inteligente da água;
- Educação e cultura;
- Mobilidade;
- Biodiversidade;
- Planejamento urbano e gestão;
- Terceiro setor.
72
Em seguida, verificamos a sinopse de cada uma das edições listada na
internet6, observamos os conceitos de sustentabilidade, realocamos aquelas categorias
em outras mais abrangentes e, de acordo com a análise do quadro apresentado, as
classificamos
como
“Cidadania/Meio
“Meio
Ambiente”,
Ambiente/Ecologia”,
“Reciclagem”,
“Desenvolvimento
Sustentável”,
“Cidadania/Responsabilidade
Social”,
“Cidadania/Cultura” e “Outros”. Na sequência, separamos essas categorias em dois
conjuntos: o dos programas cujo tema meio ambiente esteve inserido de alguma forma
nos assuntos abordados e outro, dos que não tiveram o meio ambiente como mote
principal e se relacionavam com questões de cidadania de uma forma geral.
Do total analisado, 36,04% dos programas exibidos apresentaram temas que
não tinham o meio ambiente como mote principal e, sim, com temas relacionados às
questões de cidadania de uma forma geral. Sendo assim, a cidadania como
responsabilidade social (adoção de crianças; corrupção nas cidades; turismo controlado;
voluntariado; terapia comunitária; ressocialização de presos; animais abandonados),
esteve presente em 27,03% dos casos. A cidadania com vistas à valorização cultural
respondeu por 7,20% dos episódios (preservação de patrimônio histórico; cinema
brasileiro; incentivo à leitura). Enquanto que outros assuntos ligados a temas como saúde
e ciência (slow food e bactérias do bem) somaram 1,81%.
Por outro lado, a maioria dos programas daquele período analisado teve o tema
“Meio Ambiente” inserido de alguma forma nos assuntos veiculados, totalizando 63,96%
dos programas, distribuídos da seguinte maneira: em 22,53% das situações a questão
ambiental, ligada diretamente à ecologia, foi abordada em temas que versaram sobre
neutralização de emissões de carbono, água de lastro, escassez de água, emissão de
6
A lista completa dos programas com as respectivas sinopses
<http://globonews.globo.com/jornalismo/gnews/0,,7493-p-a-1550241,00.html>
<http://www.mundosustentavel.com.br/globo.asp>.
está
disponível
em
e
73
gás estufa etc. Já em outros 41,43%, o meio ambiente esteve relacionado em temas
acerca do desenvolvimento sustentável (Biodigestores; Consórcios Intermunicipais; Tijolo
Ecológico; Construções Sustentáveis; Moda Sustentável), reciclagem (de entulhos; de
lâmpadas; de pilhas e baterias; de embalagens longa vida) e atitudes ambientalmente
cidadãs (Uso da bicicleta como meio de transporte; Coleta de água de chuva; Educação
ambiental).
A planilha abaixo ilustra o resultado apurado:
Tabela 1:
PROGRAMAS CUJO TEMA MEIO AMBIENTE ESTEVE INSERIDO
DE ALGUMA FORMA NOS ASSUNTOS ABORDADOS
CATEGORIAS
PERCENTUAIS
MEIO AMBIENTE/ECOLOGIA
22,53
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
24,32
RECICLAGEM
9,91
CIDADANIA/MEIO AMBIENTE
7,20
22,53
41,43
63,96
Tabela 2:
PROGRAMAS QUE NÃO TIVERAM O MEIO AMBIENTE COMO MOTE PRINCIPAL E TIVERAM
RELAÇÃO COM QUESTÕES DE CIDADANIA DE UMA FORMA GERAL
CATEGORIAS
PERCENTUAIS
CIDADANIA/RESPONSABILIDADE SOCIAL
27,03
CIDADANIA/CULTURA
7,20
OUTROS (SAÚDE, CIÊNCIA)
1,81
34,23
36,04
1,81
Os dados dessa planilha, portanto, demonstram uma tendência aos assuntos
acerca do tema meio ambiente e, em princípio, nos levam a concluir que o Cidades e
Soluções se trata de um programa com temática determinada. Mas, embora a maioria de
suas edições siga essa vertente, André Trigueiro não gosta de rotular o trabalho que
realiza como “jornalismo ambiental”, pois afirma que tudo o que fazemos está relacionado
à essa área.
74
O meio ambiente alcança indistintamente todas as áreas do saber e do
conhecimento. No jornalismo, seja qual for a editoria em que o profissional esteja
vinculado, a questão ambiental está colocada. Portanto, todo jornalista,
forçosamente, precisa se dar conta de que esse assunto está absolutamente
inserido em seu universo de trabalho. Aliás, cada vez mais inserido (TRIGUEIRO,
2008, p.13).
Segundo ele, “o meio ambiente começa no meio da gente” e diz respeito à
qualidade de vida das pessoas. Sendo assim, o seu grande desafio nesse sentido é
dissociar a palavra “ecologia”— que quer dizer “estudo da casa” — do que se
convencionou chamar de natureza, conforme relata:
O meu exercício diário, desde que eu comecei a estudar sustentabilidade, passou
a ser transpor essas linhas que separam os assuntos. [...] A minha sensibilidade
vai na direção de uma sustentabilidade em que a gente preconiza o uso inteligente
dos recursos para todos os fins, alcançando a dimensão da cultura, alcançando a
dimensão das ferramentas econômicas... Tudo isso está contemplado. (2009,
informação verbal).
E acredita que a comunicação e o jornalismo em si podem contribuir bastante
com a mudança de atitude das pessoas: “Por meio da mídia é possível fomentar novas
atitudes em favor de um mundo melhor e mais justo, um mundo sustentável. Entendo esta
como uma das atribuições do moderno jornalismo no terceiro milênio” (TRIGUEIRO, 2008,
p. 14).
NOTAS DE REFERÊNCIA:
CIDADES
e
Soluções.
Blog
do
programa.
Sobre
o
programa.
<http://especiais.globonews.globo.com/cidadesesolucoes/>. Acesso em: 19 jan. 2009.
Disponível
em:
TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de
Janeiro. 2 jan. 2009.
______. [Sem título]. Entrevista concedida a Paula Craveiro, Revista Filantropia nº 33. [S.l.]: jan-fev, 2008.
Disponível em: <http://www.mundosustentavel.com.br/entrevista_17.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2009.
WIKIPÉDIA. Agenda 21. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Agenda_21>. Acesso em 16 mai. 2009.
______. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Comiss%C3%A3o_Mundial_sobre_Meio_Ambiente_e_Desenvolvimento>.
Acesso em 16 mai. 2009.
______.
Desenvolvimento
Sustentável.
Disponível
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Desenvolvimento_sustentável>. Acesso em 16 mai. 2009.
em:
75
______. Eco-92. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Eco-92>. Acesso em 16 mai. 2009.
______. Relatório Brundtland. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland>.
Acesso em 16 mai. 2009.
76
3.3 - A concepção do programa
3.3.1 - O formato
Quando o telespectador assiste a uma reportagem na televisão não tem ideia
do aparato que precisa ser montado para que a notícia possa chegar até ele. Existe uma
série de procedimentos, técnicas e condutas que o diferenciam de outros meios, como a
imprensa escrita, por exemplo. O jornalismo na TV exige tanto uma estrutura tecnológica
mais eficiente como a mobilização de um grupo maior de profissionais — entre repórteres,
operadores de câmera e iluminadores — que têm a missão, não só de passar a
informação, mas também de torná-la atraente aos olhos de quem vê. A imagem é
primordial, não se pode fugir dela. E se a informação que o jornalista quer transmitir não
vem acompanhada de uma imagem que a sustente pode ser deixada de lado. Para André
Trigueiro, “certos assuntos são mais fáceis de contar em televisão ou têm melhor
rendimento do que outros” (2009, informação verbal). Mas, é preciso saber de antemão o
que está acontecendo e se aquilo se encaixa na linha editorial do noticiário ou do
programa.
A gente já derrubou pauta porque não tinha como contar. Eram histórias difíceis
de contar, ou porque a logística era muito complicada ou, simplesmente, porque a
gente não tinha imagem pra contar a história. Tem assunto que não tem imagem
(Idem).
Dessa forma, pensar no formato de uma notícia ou de um programa de
televisão torna-se tão importante quanto apurar uma informação para ser noticiada.
Preferencialmente, esses dois elementos devem se complementar. Trigueiro sabe das
dificuldades do meio televisivo, mas percebeu, mesmo assim, que os temas relacionados
à sustentabilidade poderiam ter seu espaço na mídia. Com isso, teve a oportunidade de
77
produzir diversos programas com temas específicos — Fogo na Floresta: o País das
Queimadas (1997); Planeta Estufa (2001); Rio+10: o Planeta em Foco (2002) — que,
diferentemente do noticiário factual, apresentavam reportagens mais elaboradas e com
formato fechado — com começo, meio e fim. Com o Cidades e Soluções não foi diferente.
Quando André realizou o piloto em 2004 — veiculado como um programa especial em
duas partes —, esse formato já estava estabelecido. Ao receber o convite para
transformar aquele projeto piloto em um programa semanal, ele viu que a temática estaria
envolvida em uma nova estrutura, mas procurou não alterar a base fundamental do
programa.
Trigueiro conta que
a ideia era de que se fizesse algo parecido com o que foi feito em 2004,
procurando tratar dos assuntos da sustentabilidade dentro de um recorte mais
urbano. Então, a gente começou a pensar numa série de providências. Em linhas
gerais, [a proposta seria] não fazer nada em estúdio. A gente está na rua o tempo
todo: no lixão; na estação de tratamento de esgoto; no meio da poeira e dos
entulhos... A gente está interagindo com o objeto que a gente está mostrando
(Ibidem).
A construção da linguagem do novo programa também foi repensada. Para ele,
era preciso “ter uma linguagem clara e objetiva. Um programa que tivesse uma função
didática, mas que não caísse no didatismo” (Ibidem). Para tanto, Trigueiro revela que é
necessário ter habilidade para tratar desses assuntos:
Esse sentido mais abrangente e plural [das questões ambientais] demanda
alguma disposição para o mergulho num universo que traz armadilhas para o
jornalista. A primeira delas é o jargão ecológico, recheado de expressões do tipo
“manejo sustentável”, “emissão de gases-estufa”, “ecoeficiência” etc. Sendo a
clareza e a objetividade as principais qualidades de um bom texto jornalístico, o
desafio é traduzir, sem prejuízo da informação, as descobertas que emergem dos
meios acadêmicos e científicos, evitando o risco de ser irritantemente didático e
talvez até pedante (2005, p. 289).
Sobre esse aspecto, observa-se que os assuntos são apresentados com certa
dose de leveza, com o propósito de passar a informação de forma simples e que qualquer
78
pessoa possa entender do que se trata. Nas entrevistas, a sensação é a de que as
perguntas não ficam sem respostas, apesar da complexidade da maioria dos temas.
Esteticamente, as reportagens são envolvidas por uma trilha de música
eletrônica que percorre o programa desde a abertura até a sua finalização, e que funciona
como fundo musical ou como vinheta. Esse trabalho é desenvolvido pela produtora
musical Marion Lemonnier, uma francesa radicada no Rio de Janeiro desde 2004,
formada em musicologia pela universidade de Rennes (Bretagne) e em Ethnomusicologia
na universidade de Paris Saint-Denis. Segundo ela, para fazer a trilha do Cidades e
Soluções e ajudar a dar o tom certo a cada abordagem “entram em jogo o assunto, a
estética, o ritmo da edição e, mais do que tudo, o espírito do programa” (BLOG do
programa, 2009).
Estruturalmente, o programa tem a duração média de 22 minutos. Pela
proposta inicial, deveriam ser mostradas, dentro de um mesmo tema, experiências em
diferentes lugares.
A gente parte sempre do princípio de que não existe uma solução homogênea, ou
seja, você tem variantes. [É preciso buscar] em três, quatro lugares diferentes e
mostrar como foi possível aplicar uma ideia que, no seu fundamento, é a mesma,
mas [apresentada] de forma diferente (TRIGUEIRO, 2009, informação verbal).
Não há a preocupação, no entanto, de esmiuçar os problemas, como diz
Trigueiro: “O Cidades e Soluções procura mostrar soluções [grifo nosso]. Então, a gente
reserva dois, três minutos pra dizer: temos um problema” (Idem). A partir daí e até o final
do programa, procura-se mostrar os lugares “onde o enfrentamento desse problema se
revela interessante, inteligente e está dando resultado” (Ibidem).
Geralmente, o comando do programa cabe a André Trigueiro, que atua como
uma espécie de “mestre-de-cerimônias”. É ele quem apresenta o tema, revela o problema
em questão e, em grande parte das vezes, conduz as reportagens e entrevistas. Mas, o
79
programa conta também com a ajuda de diversos profissionais do departamento de
jornalismo da TV Globo e de suas afiliadas espalhadas pelo país. A inserção de matérias
feitas em diversos lugares contribui para situar o tema em realidades distintas e ajuda a
ilustrar o programa.
Embora o Cidades e Soluções se origine na televisão, André amplia o horizonte
do telespectador ao direcioná-lo para outro meio de comunicação — a internet —,
possibilitando a este se aprofundar ainda mais nos temas abordados. O objetivo,
conforme relata Trigueiro, é
usar a internet como sendo uma base de apoio onde, terminado o programa, a
gente sempre referencie que existem conteúdos adicionais disponibilizados na
rede. A gente compartilha as fontes. Aqueles que tiverem interesse no assunto
daquela semana, que possam encontrar na internet os caminhos (Ibidem).
Essa base de apoio a que ele se refere são as páginas mantidas pelo portal G1
— o portal de notícias das Organizações Globo. Além da página oficial — com
informações sobre o programa em si, sinopse das edições, os horários em que ele é
veiculado, além do perfil do apresentador —, vinculado ao site da Globo News7, há
também o blog8, em que Trigueiro e sua equipe postam artigos, comentários e
informações adicionais sobre os temas tratados e que serve como um canal de
interatividade com o público que acompanha o programa ou que tenha afinidade com os
assuntos.
3.3.2 - As pautas
Falar de sustentabilidade em qualquer meio de comunicação não é fácil e em
televisão a tarefa se torna ainda mais difícil. Não só pela exigência da tecnologia citada
7
<http://globonews.globo.com/Jornalismo/Gnews/0,,7493,00.html>.
8
<http://especiais.globonews.globo.com/cidadesesolucoes/>.
80
anteriormente, mas porque o tema trata de mudanças na vida das pessoas, das empresas
e de governos. A sustentabilidade visa a mudança de rotinas, de conceitos, da cadeia
produtiva e da cultura capitalista de um modo geral. Dessa forma, a resistência por parte
dos atores envolvidos é grande. E falar disso incomoda. Trigueiro explica:
Eu digo para os meus alunos da PUC o seguinte: nessa área ambiental, se você
não está incomodando tem algo errado. Um bom termômetro da qualidade do teu
trabalho na área da sustentabilidade é saber se você está incomodando ou não.
Se você não estiver incomodando ninguém, tem algo errado. [...] Nem sempre o
interesse público é o interesse de certos segmentos público ou privado (Ibidem).
Diante disso, quando se escolhe uma pauta sobre esse tema — qualquer que
seja —, os editores devem estar cientes do que podem enfrentar. Trigueiro destaca um
dos pontos que devem ser atacados.
Esse modelo de desenvolvimento que esgota os estoques de matéria-prima e
energia depende da publicidade — e do imenso repertório de sons, imagens,
arquétipos que manipulam os sentidos na direção do consumo compulsivo —
para que a equação da insustentabilidade se resolva. É a publicidade também
que sustenta os veículos de comunicação de massa e paga os salários dos
jornalistas. Daí, porque não é difícil imaginar que, em algumas redações, possa
haver constrangimentos, ou até mesmo impedimentos, quando se questiona o
consumismo. [...] Vencer essa barreira significa emprestar ao jornalismo papel de
extrema relevância na busca de um novo modelo de desenvolvimento, em que o
papel da publicidade possa ser reconfigurado e a mídia não tenha escrúpulos
para denunciar as mazelas do American Way of Life e do consumo desenfreado
(TRIGUEIRO, 2005, p. 295).
André garante que o trabalho que desenvolve na Globo News não sofre
nenhum tipo de interferência e que nunca foi obrigado a retirar da pauta qualquer assunto
ou alterá-la por conta disso. Ele reforça essa afirmação baseado no prestígio que
alcançou na emissora:
Isso não é dado de mão beijada. Desde que cheguei na Globo News há 12 anos
— já vinha da TV Globo, onde trabalhei durante três anos — pleiteava um espaço
pra gente, dentro da grade, para falar desses assuntos alusivos a
sustentabilidade. Quando me confiaram o programa eu já tinha dois livros
lançados, já era comentarista da Rádio CBN de sustentabilidade, já lecionava
jornalismo ambiental na PUC, já tinha uma trajetória... Isso não é de um dia para
o outro. E, de alguma maneira, há uma confiança. O programa que vai ao ar, a
responsabilidade é toda minha pelo que dá certo ou não dá certo. E o programa
81
não é visto antes. É confiança. E essa confiança foi conquistada (TRIGUEIRO,
2009, informação verbal).
Para levantar as pautas que podem virar notícia e, consequentemente, merecer
uma reportagem, Trigueiro se reúne com a equipe todas as segundas-feiras. Na reunião
procuram discutir as pautas que surgem por ideias próprias, mas que também podem
aparecer por sugestões dos internautas que visitam o blog do Cidades e Soluções, em
propostas dos repórteres das afiliadas da TV Globo e até mesmo por indicação de
pessoas envolvidas nos processos. Mas para este grupo, é necessário ter um cuidado
maior. Trigueiro relata que, nesses casos, deve-se escapar dos releases9 que são
dirigidos para a equipe, de pessoas físicas e jurídicas, que querem visibilidade através do
programa. “Porque isso também é um problema. A gente tem que ficar muito esperto pra
não comprar gato por lebre”. (2009, Informação verbal). Além disso, a equipe procura ficar
atenta às reportagens feitas por outras mídias — jornais e revistas, por exemplo —,
garimpando assuntos que se encaixem ao perfil do programa.
3.3.3 - As fontes
De acordo com André Trigueiro, existem pessoas e/ou organizações que
auxiliam a equipe do programa não só com o levantamento de pautas, mas também para
ratificar uma determinada informação. Essas fontes, de acordo com ele, “ajudam, em caso
de dúvida, a descobrir se tal experiência merece credibilidade” (2009, informação verbal).
São “pessoas que a gente gosta de consultar, amigas do programa, dotadas de
conhecimento específico” (Idem). Ele inclui nesse grupo universidades, organizações não9
Texto informativo distribuído à imprensa (escrita, falada ou televisada) por uma instituição privada,
governamental etc, para ser divulgado gratuitamente entre as notícias publicadas pelo veículo. (RABAÇA,
Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação, 4.ed., Rio de Janeiro: Ed.
Elsevier, 2001, p. 635).
82
governamentais
e
empresários.
“A
gente
procura
recorrer
às
pessoas
que,
independentemente de onde estejam, sejam confiáveis. O mundo é muito grande, as
experiências são diversas e nós, nem sempre, conseguimos ter a clareza de como
abordar” (Ibidem).
Trigueiro diz que gestores governamentais também podem servir como fontes.
Mas deixa claro que o programa deve remeter a gestões públicas reconhecidamente
eficientes. “Não temos preconceito com gestor público. A gente mostra, mas com aquele
senso de que, se acertou, não fez mais do que obrigação. Agora, a gente vai dar o
crédito. Se estamos aqui é porque alguma coisa está funcionando” (Ibidem).
3.3.4 - O público-alvo
Ainda que o Cidades e Soluções seja produzido pela Globo News — um canal
que tem o viés da segmentação — não o julgamos como um programa dirigido a públicos
específicos (ecologistas, cientistas, sociólogos), como demonstramos no capítulo 3, tópico
3.2.
No entanto, durante o processo deste trabalho, não tivemos acesso a nenhum
plano de mídia ou a qualquer estudo de público-alvo, que nos indicasse o público a que o
programa se destina. Perguntado sobre a questão, Trigueiro não revelou o planejamento
da equipe neste sentido e demonstrou dificuldades para defini-lo. “Sempre foi difícil definir
público-alvo. Isso é muito extenso. Público-alvo seria aquele que tem afinidade com essa
abordagem diferenciada” (Ibidem). Ainda assim, apontou alguns segmentos trabalhados
de acordo com a lógica do programa:
Professores, estudantes — gente ligada à universidade e escola —,
gestores públicos de diferentes níveis da administração e certos
nichos empresariais, que já descobriram que existem oportunidades
de negócio quando você começa a vasculhar esse universo (Ibidem).
83
Além dos grupos citados, Trigueiro vislumbra um público mais amplo, a partir
da proposta do programa.
A gente está falando de coisas boas. Então, nós queremos pegar não somente
um grupo de telespectadores que talvez esteja muito incomodado de só assistir
em televisão tragédia, catástrofe, notícia ruim alusiva à corrupção, malversação
de recursos públicos... Um programa que traz no nome a palavra ‘solução’ tem
uma responsabilidade enorme porque catalisa expectativas no sentido de
acreditar que ainda há motivo pra sorrir ou para mudar pra melhor alguma coisa
(Ibidem).
Ainda tomando por base a ideia do programa, não se pode direcioná-lo para
segmentos exclusivos, visto que os assuntos tratados dizem respeito ao cidadão de uma
forma geral, não podendo ser discriminados por gêneros, faixas etárias, situações sócioeconômicas, nacionalidades ou etnias.
3.3.5 - A audiência
Com relação à audiência do programa, André Trigueiro também não fornece
detalhes suficientes para que se conclua sobre sua abrangência. Ele explica, porém, que
existe uma aferição de audiência para os padrões de TV a cabo, feita por um instituto de
pesquisa, que realiza um levantamento semanal em algumas cidades brasileiras — a
maioria pertencente ao estado de São Paulo. Segundo informa, o Cidades e Soluções
está entre os programas mais vistos na TV por assinatura.
Ainda de acordo com ele, por conta do tempo de vida da atração (dois anos e
meio), já há a percepção de um público cativo: “A audiência é flutuante — não é rígida,
nem estática. Mas o programa tem uma base. E essa base foi uma conquista. Em certa
medida existe um público que é fiel ao programa” (TRIGUEIRO, 2009, informação verbal).
84
Mas também se constatam surpresas: “Dependendo do assunto ele alcança as crianças,
o que pra nós é surpreendente”. (Idem).
Um dos termômetros utilizados pela equipe para averiguar em que medida o
programa atinge o seu público é o blog. Por meio desse instrumento, é possível fazer a
distinção daquelas pessoas que estão em sintonia com a proposta do programa. Para
ajudar neste trabalho, a equipe mantém uma lista com os endereços eletrônicos dos
interessados nos assuntos abordados e que frequentemente participam do blog com
comentários. Semanalmente, essas pessoas recebem por e-mail informações sobre as
edições seguintes, o que, de uma forma ou de outra, serve para manter a base da
audiência.
Ao discorrer sobre os veículos em que o Cidades e Soluções pode ser
assistido, Trigueiro contesta a afirmação de que a abrangência é limitada e de que não
atinge o público que não tem televisão por assinatura:
Eu não concordo com essa tese de que o programa está restrito, por conta da
Globo News, que o produz. Não está! Ele está na rede. E, nessa área ambiental,
as redes ambientalistas se comunicam muito — fica alguma coisa meio voraz, de
fazer abaixo-assinado eletrônico, coisa e tal. O Cidades e Soluções entrou em
algumas redes. E isso, de alguma forma, demole a falsa premissa de que, para
ver o programa, tem que ser assinante e tem de pagar pra ver. Não é bem assim
(Ibidem).
De acordo com ele, além da TV por assinatura e da internet (meio de
comunicação em que a maior parte do público o assiste, conforme constata Trigueiro), o
fato do programa ser veiculado pelo Canal Futura — que pode ser assistido em UHF e por
quem possui antena parabólica — aumentaria sua abrangência.
Ao se observar, no entanto, a proposta do programa de que a sociedade como
um todo deve se informar sobre os assuntos tratados por ele, Trigueiro reconhece que o
Cidades e Soluções alcançaria seus objetivos mais rapidamente se fosse veiculado na TV
aberta em escala nacional e em horário compatível. Trigueiro conclui sua defesa dizendo
85
que o programa já está pronto para ser veiculado em canal aberto: “Ele tem vocação, ele
tem perfil, ele tem estofo, tem o formato e tem o tempo, inclusive, pra ocupar uma meia
hora de TV aberta, sim. Sem fazer esforço”. (Ibidem).
NOTAS DE REFERÊNCIA:
CIDADES e Soluções. Blog do programa. Conheça a responsável pelas trilhas do Cidades e Soluções.
Postado por Mariana Saraiva. Categoria Cultura. Rio de Janeiro, 27 jan. 2009. Disponível em:
<http://especiais.globonews.globo.com/cidadesesolucoes/category/cultura/>. Acesso em: 27 mai. 2009).
TRIGUEIRO, André. Informação verbal. Entrevista concedida ao pesquisador para esta monografia. Rio de
Janeiro. 2 jan. 2009.
______. Meio ambiente na idade mídia. In: Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta
em transformação. 2.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2005. 302 p.
86
3.4 - Análise das características e dos pontos convergentes
Faremos agora a análise dos programas conforme suas características e com o
intuito de identificar os pontos convergentes entre o Cidades e Soluções e a prática do
Jornalismo Público. Iremos verificar em que situações os conceitos ditados pelo
movimento estão presentes na proposta do programa e nos episódios em si, para, então,
descobrirmos se o nosso objeto de estudo faz ou não Jornalismo Público.
Para mapearmos melhor os pontos a serem analisados, resolvemos fazer o
estudo em duas frentes: primeiro, vamos examinar o programa de uma forma geral
(análise global), a partir da proposta e das ideias estabelecidas pelo jornalista André
Trigueiro em confronto com os conceitos do Jornalismo Público; depois, faremos a análise
em cima dos programas destacados (análise pontual), verificando as características e
fazendo o confronto, desta vez, da práxis do programa com o que determina o movimento
estudado.
Para isso, resgatamos os tópicos levantados pelos pesquisadores do
Jornalismo Público, tais como as diretrizes de Davis Merritt (Capítulo 1, tópico 1.2); as
regras para a prática do JP conforme determina Jan Schaffer (Capítulo 1, tópico 1.3); as
ações para a prática do JP como estabelece Edmund B. Lambeth (Capítulo 1, tópico 1.3);
os temas que o movimento abrange de acordo com Lewis A. Friedland e Sandra Nichols
(Capítulo 1, tópico 1.3); as categorias estabelecidas por Luiz Martins (Capítulo 2, tópico
2.2) e as modalidades de Comunicação Pública também descritas por Martins (Capítulo 2,
tópico 2.5).
No entanto, para fazermos a análise dos pontos convergentes entre o Cidades
e Soluções e o Jornalismo Público utilizaremos como base de avaliação cinco tópicos que
sintetizam os conceitos defendidos por esses pesquisadores e que também foram
87
relacionados anteriormente: a) Promover a formação crítica do telespectador para o
exercício da cidadania; b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo; c)
Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos de
interatividade; d) Atentar para a responsabilidade social e; e) Evidenciar a capacidade
resolutiva da sociedade com exemplos de boas práticas de determinados grupos ou
indivíduos.
Faremos também a análise das características, somente nos programas
destacados, com observações referentes ao conteúdo, para verificar o nível de
aprofundamento dos assuntos, e quanto ao formato, para saber se eles são didáticos,
informativos e ilustrativos.
3.4.1 - Análise global dos pontos convergentes
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania:
Quando André Trigueiro diz que “a mídia pode estimular o desenvolvimento de
políticas públicas e atitudes cidadãs”, que “por meio da mídia é possível fomentar novas
atitudes em favor de um mundo melhor e mais justo”, entende que “esta é uma das
atribuições do moderno jornalismo no terceiro milênio” e lança como proposta “abrir
espaço na televisão para as experiências que dão certo e que transformam para melhor a
vida das pessoas”, ele está buscando algo além de simplesmente informar o seu público.
Ele concebe esse público, não como consumidor, mas sim como cidadão e assume o
papel de mediador e partícipe da cidadania.
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:
88
Trigueiro diz que “a pretensão é a de que as pessoas tenham não apenas o
conhecimento, mas que elas consigam se aprofundar sobre os temas e possam resolver
os problemas dentro da realidade que lhes cabe”. Neste sentido, ele procura produzir
notícias de interesse coletivo, que os cidadãos precisam para se informar, e construir um
conhecimento, oferecendo elementos de forma que as pessoas possam pensar, tomar
decisões, agir e exercer suas responsabilidades na sociedade.
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos
de interatividade:
Além do material audiovisual produzido para o programa, veiculado inicialmente
na televisão, Trigueiro repercute os assuntos na internet por meio dos canais interativos.
Ao final das edições ele convida o telespectador a se inteirar mais na página oficial do
programa sobre os temas tratados e as iniciativas mostradas e a conhecer os bastidores
no blog.
d) Atentar para a responsabilidade social:
Ao declarar que tenta praticar no dia-a-dia aquilo que entende como certo e que
procura adotar a “pedagogia do exemplo” (não importa o que você fala, importa o que
você faz), ele chama a atenção do público que lhe ouve para a responsabilidade social.
Além disso, ao final de cada edição do Cidades e Soluções, André mostra o selo “Carbon
Free” emitido por uma organização não-governamental, denominada “Iniciativa Verde”10,
formada por técnicos que trabalham na busca de soluções para tornar as atividades do
homem menos agressivas ao meio ambiente. O selo é a certificação de que o programa
participa do projeto de plantio de árvores desenvolvido pela organização. Essa
10
<http://www.iniciativaverde.org.br/pt/>.
89
certificação é mostrada em companhia de uma declaração: “As emissões de gases estufa
deste programa foram totalmente neutralizadas com o plantio de árvores”. O
comprometimento de Trigueiro com a causa ambiental, inclusive, é o maior exemplo de
responsabilidade social que pode ser mostrado neste trabalho.
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos.
Quando o programa resolve priorizar as soluções encontradas para diversos
problemas que afligem o mundo moderno, ele está moldando as histórias a partir dos
temas que resultam importantes para a sociedade. Ele enfoca as soluções alcançadas e
estimula as pessoas, a partir da divulgação do programa, a replicarem a ideia. Seu
propósito, portanto, é descobrir as experiências que dão certo e dar visibilidade a essas
boas práticas que já fazem a diferença no Brasil e no mundo.
3.4.2 - Análise pontual dos programas
Para a análise pontual selecionamos quatro programas constantes da relação
exposta no site do Cidades e Soluções. Optou-se por escolher programas que tivessem
temáticas distintas, inseridos em categorias diferentes (conforme a classificação feita no
Capítulo 3.2) e que, ao menos, não fizessem abordagens em áreas semelhantes. Adoção
no Brasil e Comércio Justo estão na categoria que se refere à cidadania no contexto da
responsabilidade social, mas enfocam áreas que não coincidem: o primeiro está
relacionado à área social e o segundo à área econômica. Embalagens Longa Vida está na
categoria enquadrada como reciclagem, enquanto que Incentivo à leitura pertence à
categoria que configura a cidadania no âmbito da educação e cultura.
90
A seguir, a descrição e a análise dos respectivos programas:
I) Adoção no Brasil
Exibido em 13 de julho de 200811, com duração de 21 minutos e 53 segundos.
Descrição:
O episódio aborda o processo de adoção de crianças no país, apresenta os
mecanismos legais existentes para se fazer uma adoção infantil e mostra exemplos de
pessoas que se dispuseram a abrigar crianças desamparadas ou em situações de risco,
por meio de instituições ou por condições próprias.
Ao longo do programa, André Trigueiro entrevista o vice-presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros, Francisco Oliveira Neto, em que explica como é
feito o processo de adoção, comenta o perfil da criança preferida, descreve as condições
legais para abrigá-la, e fala, ainda, dos trâmites burocráticos e das decisões judiciais que
permitem a uma pessoa obter a guarda de um menor.
Intercalando a entrevista com o magistrado, são apresentadas três reportagens
que ilustram as soluções encontradas pela sociedade para amenizar o problema de
crianças carentes no Brasil. A primeira delas — realizada pela repórter Renata Ribeiro, na
cidade de Cajamar, interior de São Paulo — mostra um sítio que foi transformado em
abrigo para crianças e adolescentes, órfãos ou abandonados, gerados por mães
portadoras do vírus HIV. A repórter entrevista o criador da entidade, uma empresária que
adotou uma criança soropositiva e dois menores (com rostos preservados) enquanto
apresenta a instituição. Explica como ela é sustentada e exibe os projetos de capacitação
profissional dessas crianças para quando deixarem a instituição.
11
Disponível
em
<http://video.globo.com/videos/player/noticias/0,,gim854937-7823o+sistema+de+adocoes+no+brasil,00.html>.
91
A segunda reportagem foi realizada pela repórter Fabiana Almeida, em Belo
Horizonte. Ela apresenta o Ministério Programa Criança Feliz, organização responsável
por acolher — por um período não superior a três meses — crianças e adolescentes
abandonados pelos pais, em grande parte vítimas de violência, ou que estejam vagando
pelas ruas, que dispõe de abrigos espalhados pela região metropolitana de Belo
Horizonte, chamados de Centro de Passagem, e de uma república, na qual os
adolescentes são capacitados profissionalmente. Na matéria são entrevistados o
assessor de superintendência do Criança Feliz e dois ex-assistidos pelo projeto que estão
no mercado de trabalho graças ao investimento de empresas nesse programa.
Já a terceira reportagem, feita por Ricardo Von Dorff em Florianópolis, mostra a
implantação pela justiça catarinense de um cadastro único informatizado para adoção de
crianças no estado de Santa Catarina, denominado Cuida, que serviu de inspiração para
a criação, em 2008, do Cadastro Nacional de Adoção, organizado pelo Conselho Nacional
de Justiça, com base nas informações colhidas pelas Varas da Infância e da Juventude
de todo o país. A reportagem explica como funciona o sistema, a forma como as pessoas
podem se inscrever e as vantagens do programa por meio de entrevistas realizadas com
uma técnica judiciária envolvida com a Central de Adoção, com o Promotor da Infância e
da Juventude de Santa Catarina, com uma funcionária pública que vive a expectativa da
adoção e com um casal que conseguiu a guarda de uma menina. Von Dorff também
entrevista a psicóloga de uma das casas-lares relacionadas na Central de Adoção, que
explica o sentimento que move as pessoas a se decidirem pela adoção de crianças e
como isso deveria ser trabalhado pelas famílias.
Além das imagens colhidas durante as reportagens, o programa se utiliza de
algumas imagens de arquivo com crianças em situações de risco e em condições
desfavoráveis. Ao final, o endereço eletrônico da emissora, na internet, é mostrado,
92
remetendo o telespectador ao site. Lá, o telespectador-internauta tem acesso à sinopse e
às páginas virtuais de todas as entidades e organismos que apareceram no programa. No
programa sobre adoção o blog não é citado, levando a crer que esse canal ainda não
havia sido criado.
Análise das características:
Ao se observar o formato do programa em questão percebe-se que ele tem um
viés didático ao fazer, logo na introdução, a seguinte proposição: “Você vai ver o jeito
certo e o errado de se adotar uma criança ou adolescente. O perfil típico de quem adota e
o tipo de criança preferida”. Ele é informativo à medida em que apresenta alguns dados —
“8 mil crianças estão disponíveis para adoção no Brasil. O processo leva em média seis
meses e precisa ser avalizado por um juiz da infância e da juventude” — e na reportagem
sobre o Cadastro de Adoção, quando alguns entrevistados descrevem como funciona o
sistema implantado em Santa Catarina. O programa é ilustrativo ao apresentar exemplos
de pessoas que tiveram iniciativas para amenizar o problema e também ao contar
histórias de pessoas que já conseguiram adotar um menor e de outras que vivem a
expectativa da adoção, entre outros.
Com relação ao conteúdo, o aprofundamento do tema segue a linha do
programa que é apresentar o problema por meio das soluções encontradas pela
sociedade com abordagem menos crítica e mais propositiva. Apesar de serem mostrados
exemplos de pessoas beneficiadas com os respectivos projetos, faltou ao programa
apresentar dados concretos que indiquem que as soluções encontradas estão gerando
resultados satisfatórios. Mas, no geral, ele cumpre o que promete.
93
Análise dos pontos convergentes:
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania:
Logo na introdução do programa, André mostra cenas fortes de um bebê
abandonado pela mãe sendo resgatado com vida de um rio por uma pessoa que passava
pelo local e outras imagens de crianças em situações de risco. Ao narrar essas cenas,
André diz: “[Essas são] situações extremas em que a justiça pode intervir e determinar um
novo destino. Um novo lar para quem precisa ser amado, protegido e educado. Em
qualquer lugar do mundo as adoções são entendidas como uma grande solução”. Apesar
de apelar para o emocional do telespectador, André visa apresentar elementos que o
conduzam para uma reflexão. Esse tópico também foi observado na entrevista do
assessor de superintendência do Criança Feliz, Rosenvaldo Santos, que fala da
importância de as empresas investirem em programas de primeiro emprego e das
vantagens que os menores e as empresas terão com a adoção de programas do gênero.
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:
O programa atende este quesito na entrevista de Francisco Oliveira Neto, vicepresidente da AMB, quando fala sobre o processo de adoção, o perfil da criança preferida,
as condições legais para abrigá-la, os trâmites burocráticos e as decisões judiciais que
permitem a uma pessoa obter a guarda de um menor. Na reportagem sobre o Cadastro
de Adoção também há informações que amparam o telespectador mais engajado.
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos
de interatividade:
94
Ao final, o programa remete o telespectador ao site na internet, disponibilizando
o endereço eletrônico. Mas, neste caso específico, não se pode dizer que o público se
sinta estimulado apenas com a divulgação do endereço. Para aqueles que tomam a
iniciativa de procurar mais informações no site, encontram links com os endereços
eletrônicos das entidades que apareceram no programa e acabam estimulados a, pelo
menos, se inteirar melhor sobre os projetos. Dessa forma, este tópico não é atendido
completamente.
d) Atentar para a responsabilidade social:
De uma forma geral, ao apresentar exemplos de cidadãos que “arregaçaram as
mangas” para ajudar a melhorar a situação em curso, ele atenta para a responsabilidade
social das pessoas em detrimento de apenas cobrar soluções do poder público. No
programa algumas passagens referendam a afirmação, como na entrevista do diretor do
Sítio Agar, Frei Antonius Gerardus, que abriga crianças em Cajamar — “Começou como
entidade que acompanhava a pessoa até a morte. Agora somos uma entidade que
acompanha a criança para o futuro” — e na explicação da criação do projeto Criança Feliz
de Belo Horizonte — “O projeto nasceu da ação de Sarah de Carvalho, uma inglesa que
ficou muito incomodada com a situação dos meninos de rua no Brasil. Ela fez uma
parceria com a prefeitura de Belo Horizonte e abriu-se o Centro de Passagem, um abrigo
para receber as crianças que vivem nas ruas”.
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos:
O programa apresenta algumas passagens que evidenciam a capacidade
resolutiva. Um deles mostra que o sítio Agar não se propõe apenas em abrigar crianças,
95
mas também prepará-las para o futuro com a instituição de uma padaria-escola e de
oficinas de costura. A capacitação de menores também é vista como solução no projeto
de Belo Horizonte. E o Cadastro de Adoção é apresentado como a solução para
simplificar o processo de adoção no país e desburocratizá-lo, haja vista a grande
quantidade de pessoas que aguardam por uma autorização da justiça para efetuar as
adoções.
II) Comércio Justo
Exibido em 31 de agosto de 200812, com duração de 22 minutos e 43 segundos.
Descrição:
A edição que tratou deste tema apresentou o conceito, conhecido como
Fairtrade, que estimula o comércio de produtos gerados por comunidades de baixa renda,
por cooperativas ou por empresas que respeitam as leis ambientais e trabalhistas e que
prega uma remuneração justa. A certificação feita por organizações internacionais é a
garantia de que esses produtos são de qualidade comprovada e de que não são
originários de meios produtivos que se utilizam de mão de obra barata.
André Trigueiro acompanhou o 1º Encontro Internacional de Comércio Justo e
Solidário realizado em 2008 no Rio de Janeiro. No evento, André entrevistou Sérgio
Malta, diretor do Sebrae, que falou sobre a preocupação atual das pessoas com a origem
dos produtos que eles consomem e da potencialidade de produtos dessa natureza no
Brasil. Trigueiro entrevistou também o representante de uma certificadora canadense de
Fairtrade; o diretor executivo de uma distribuidora brasileira de produtos certificados,
durante a negociação de seus produtos com um cliente francês; artesãs que fabricam
12
Disponível
em
fair+trade+comercio+justo,00.html>.
<http://video.globo.com/videos/player/noticias/0,,gim876013-7823-
96
bolsas de cascas de bananeira; o presidente de uma cooperativa de uma região próxima
de Manaus que sobrevive da plantação de guaraná; e Thomas Favennec, diretor da Fair
Planet Brasil, instituição que comercializa roupas feitas com algodão produzido por
produtores de uma cooperativa do Paraná.
Esta entrevista serve de mote para o desenvolvimento de reportagens que
acompanham o processo produtivo de camisas comercializadas pelo Fair Planet Brasil. A
primeira matéria é feita pela repórter Jaqueline Silva, em Petrópolis, estado do Rio de
Janeiro, e mostra a chegada dos rolos de tecido de algodão produzido no Paraná; a
produção dos moldes das camisas em uma oficina caseira, feita por um alfaiate; a pintura
de estampas feita em uma oficina de silk-screen que se utiliza do processo de reciclagem
de materiais; e a confecção das camisas por costureiras, que recebem a ajuda da
Organização Não-Governamental Onda Solidária. Essa Ong é responsável por conferir o
produto, por meio de uma modelista, encaixotá-lo e despachá-lo. Jaqueline entrevista a
administradora da oficina de silk-screen, uma costureira e a gerente de produção da Ong
Onda Solidária.
Depois das roupas embaladas, a Fair Planet Brasil, então, se responsabiliza por
comercializar este produto na França e toda a Europa.
De Paris, a repórter Joana Calmon, passa a acompanhar o trajeto do produto
até a venda nas lojas francesas. Ela entrevistou o empresário que distribui os produtos
para as lojas; a gerente de uma loja que comercializa os produtos brasileiros certificados
pelo Fairtrade; e uma cliente que adquiriu a camisa produzida em Petrópolis.
Assim como no programa sobre adoção, o endereço eletrônico da emissora é
divulgado no final da atração e o blog ainda não é citado. Na internet, a sinopse e as
páginas das organizações que apareceram no programa, disponibilizadas por links, se
97
encarregam de completar as informações que, por ventura, ficaram faltando para o
telespectador.
Análise das características:
Ao contrário do programa sobre adoção, este não se propõe ser didático
embora Trigueiro se apoie nos recursos da didática ao explicar sobre o funcionamento do
Fairtrade e ao mostrar, passo a passo, o caminho percorrido entre a produção do algodão
no Paraná, até a venda das camisas, produzidas com aquela matéria-prima, na França.
Dessa forma, ele ilustra bem o assunto em questão e passa as informações necessárias
ao seu entendimento. As diversas realidades envolvidas no processo de produção das
roupas mostradas ao longo do programa permitem o aprofundamento adequado do tema.
Análise dos pontos convergentes:
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania:
No decorrer do programa Trigueiro fornece elementos que levam o
telespectador a mudar alguns conceitos no momento de realizar uma compra. Algumas
passagens comprovam isso: quando o diretor do Sebrae fala sobre a preocupação atual
das pessoas com a origem dos produtos; quando são informadas as pessoas que vivem
do Comércio Justo; ao mostrar produtos feitos por produtores de comunidades e; ao
colher o depoimento de uma consumidora francesa que revela admiração pela filosofia da
não exploração da mão de obra barata.
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:
98
Esse tópico é observado nas seguintes passagens: quando o presidente da
cooperativa Agrofrut, de Manaus, que realiza a plantação de guaraná, diz que o sistema
remunera melhor o produtor e que os produtos comercializados não contém químicas;
quando a administradora da oficina de silk-screen explica como é feito o descarte dos
produtos químicos no processo de feitura de tinta e como se faz a reciclagem desse
material; e quando a costureira revela que todos os empregados tem garantias
trabalhistas preservadas.
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos
de interatividade:
Nesse episódio em particular, um dos entrevistados, o empresário que distribui
os produtos para as lojas francesas, Jérôme Schatzman, dono da marca “Tudo Bem?”,
oferece ao telespectador o endereço de sua marca na internet para que as pessoas
possam comprovar a origem do material. E, como de costume, o final do programa
registra o endereço eletrônico da emissora, para quem deseja se aprofundar no tema.
Assim como no programa sobre adoção, não se pode afirmar que a simples divulgação
dos endereços eletrônicos represente um estímulo ao telespectador. Não há um
“chamamento oficial” que o mobilize o telespectador a ponto de acessar as páginas
citadas. A divulgação dos endereços tem por objetivo dar “algo mais” a quem assiste ao
programa, mas, insistimos, não chega a gerar um estímulo. Apenas quando o
telespectador-internauta entra no site é que o estímulo se evidencia ao se propor, pelos
links, que ele “saiba mais” sobre os preceitos do comércio justo e ao convidá-lo a
conhecer os projetos mostrados no programa.
d) Atentar para a responsabilidade social:
99
Este tópico pode ser observado logo na introdução do programa, quando André
Trigueiro anuncia: “Preste atenção nesses produtos: eles não são iguais aos outros. Por
trás de cada peça, há comunidade de baixa renda, respeito às leis ambientais e
trabalhistas, remuneração justa e um selo confirmando tudo isso. No programa de hoje
vamos conhecer o Fairtrade (o comércio justo), que vem assegurando rendimentos
crescentes a mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil”. Isso
pode ser observado também na entrevista de Jérôme Schatzman quando afirma que não
espera apenas que a marca cresça no mercado, mas que possa gerar um impacto social
e ambiental no Brasil para as costureiras em Petrópolis e os plantadores de algodão no
Paraná. A informação de que, hoje, os franceses estão dispostos a pagar até 15% a mais
por produtos solidários reforça a ideia de atentar para a responsabilidade social.
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos:
Em, pelo menos, duas passagens do programa este tópico pôde ser observado:
quando apareceram as duas senhoras que fabricam bolsas de cascas de bananeira, em
que afirmam que a vida delas melhorou depois que começaram a desenvolver este
trabalho; e, outra vez, na entrevista de André com o presidente da cooperativa da
Agrofrut, cujo destaque foi a união de forças entre os plantadores de guaraná na região
Amazônica para a formação de uma cooperativa que acabou proporcionando ganhos
mais elevados para a comunidade.
100
III) Embalagens Longa Vida
Exibido em 2 de novembro de 200813, com duração de 20 minutos e 15
segundos.
Descrição:
O programa fala sobre a popularização das embalagens longa vida na cadeia
produtiva de alimentos, dos problemas ocasionados ao meio ambiente, pelo descarte
inadequado desse material, e do trabalho de reciclagem existente no país.
André Trigueiro faz a introdução do programa em cima de uma pilha de
embalagens do gênero, com a apresentação dos dados estatísticos — desde o número
de recipientes produzidos por ano no Brasil até o percentual de caixas que vão parar nos
aterros sanitários — e a descrição da composição dos invólucros.
Ele entrevista Vera Chevalier, pesquisadora e coordenadora do centro de
reciclagem Recicloteca, que condena a embalagem não só pela complexidade do
processo de reciclagem, como também pela dificuldade de se coletar o material
descartado em boas condições de reaproveitamento. André também entrevista Orlando
de Siqueiro, diretor de uma cooperativa, que reclama do preço oferecido por esse tipo de
material, justificando que o valor ofertado não cobre os gastos com a coleta. Em
contraposição, o consultor de resíduos da Recicloteca, Paulo Roberto Ribeiro,
responsável por um entreposto de coleta, cita os valores de remuneração praticados pela
instituição que representa, fala das dificuldades enfrentadas e do trabalho socioeducativo
feito pela entidade junto à população.
Depois, Trigueiro colhe o depoimento de Maria Francisca Ferreira, presidente
de uma cooperativa de catadores da Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio,
13
Disponível
em
<http://video.globo.com/videos/player/noticias/0,,gim905756-7823o+problema+das+embalagens+longa+vida,00.html>.
101
que fala das melhorias conseguidas com a venda de embalagens longa vida ao
entreposto da Recicloteca.
Na sequência, ele entrevista Fernando Von Zuben, diretor de meio ambiente da
Tetrapak, principal produtora dessas embalagens. Ele descreve o ciclo de vida do material
a partir do descarte feito nas residências e conta como e onde ele é tratado e
reaproveitado. Sua declaração remete a uma fábrica recicladora de papel sediada em
Piracicaba, estado de São Paulo. Lá, a repórter Helen Sacconi faz uma reportagem
mostrando todo o processo de reciclagem das embalagens longa vida, contando o
número de funcionários envolvidos, a quantidade de material reciclado pela empresa e o
conjunto das máquinas necessárias, descrevendo cada etapa de separação, tratamento e
processamento dos produtos e revelando a sua destinação.
Na matéria, Helen entrevista o gerente de produção, o supervisor de produção
e o diretor industrial da fábrica de reciclagem, além do proprietário de uma microempresa
que produz telhas e casinhas para animais com plástico e alumínio provenientes da
fábrica de Piracicaba.
Ao contrário dos outros dois programas analisados, André Trigueiro faz um
fechamento estimulando o seu público a pensar sobre a questão. Neste episódio, ele
passa a convidar pessoalmente os telespectadores a acessar a página do programa na
internet e faz menção ao blog. Na internet, como de costume, estão disponíveis a sinopse
do programa e os links das fontes consultadas. No blog, há os comentários da equipe do
programa e de telespectadores-internautas, além de informações sobre os bastidores da
atração.
Análise das características:
102
Nos episódios cuja abordagem é a reciclagem de materiais não se pode abrir
mão da didática. Para que o telespectador entenda o processo é preciso ser o mais
didático possível. André se utiliza desse artifício ao explicar de que componentes a
embalagem longa vida é feita. Já a reportagem de Helen Sacconi na fábrica de Piracicaba
é didática, praticamente, do início ao fim — o que não poderia ser diferente. E, como
estamos falando do meio televisão, as imagens ajudam bastante a ilustrar a explicação da
repórter. As informações estatísticas e as declarações dos entrevistados quanto aos
problemas decorrentes do aumento da produção de embalagens longa vida para a
sociedade também servem de ilustração para o entendimento do assunto.
Ainda que André Trigueiro não tenha se mostrado convencido com a solução
apresentada para a reciclagem das embalagens longa vida — observação feita em
entrevista pessoal —, pode se dizer, sim, que houve um aprofundamento do tema e que
ele procurou deixar o telespectador bem à vontade para tirar suas próprias conclusões a
partir das entrevistas de pessoas que se posicionaram a favor e contra ao processo de
reciclagem das embalagens longa vida.
Análise dos pontos convergentes:
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania:
Ao explicar, na introdução, os malefícios gerados pela produção crescente das
embalagens longa vida e o seu descarte inadequado, André promove a formação crítica:
“No programa de hoje você vai ver o que é possível fazer a partir da reciclagem desse
material”. O mesmo acontece no fechamento do programa quando diz: “Embalagens do
tipo longa vida podem ser problema ou solução, depende do destino que a gente der para
esse tipo de resíduo e para todos os outros que sejam recicláveis”.
103
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:
Essas informações aparecem, principalmente, nos dados estatísticos, em
passagens como: “O Brasil produz 9 bilhões de embalagens como essa todos os anos e a
produção não para de crescer: em média 5% ao ano. O problema é o descarte
inadequado desse tipo de embalagem: 75% de embalagens tipo longa vida são
descartadas em aterros, lixões ou por aí”; e “o Diretor de Meio Ambiente da Tetrapak diz
que apenas 25% das embalagens longa vida são recicladas no Brasil”.
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos
de interatividade:
Esse tópico é observado durante o programa, quando André mostra o endereço
eletrônico de uma página específica na internet cujo objetivo é localizar os pontos de
coleta seletiva para que o cidadão possa fazer o descarte adequado das embalagens
longa vida.
Além disso, ao fazer um fechamento convidando os telespectadores a visitarem
não só a página do programa na internet para que obtenham mais informações, como
também a acessarem o blog, Trigueiro promove o estímulo que faltou nos programas
anteriores. Sua presença no vídeo, naquele momento, se configura em um “convite
personalizado”. E, dessa forma, ele acaba encorajando o seu público a buscar
informações complementares e, indiretamente, a participar do processo. Na sinopse do
programa, postada no site, há uma frase que ajuda a estimular ainda mais a participação
do cidadão: “O Brasil produz 9 bilhões de embalagens do tipo longa vida por ano. E a
produção cresce, em média, 5% ao ano. Mas a reciclagem alcança apenas 1/4 das
104
embalagens. Para mudar esta realidade, é preciso mobilizar a população,
recicladores e empresas [grifo nosso]”.
d) Atentar para a responsabilidade social:
Isso é percebido quando o consultor de resíduos da Recicloteca, Paulo Roberto
Ribeiro, diz que tenta superar a resistência de alguns catadores de lixo, convencendo-os
da importância de se reciclar esse produto, por meio de folhetos explicativos; quando o
mesmo Paulo Roberto conta que propõe parcerias com recicladores, em projetos com
escolas — que juntam as embalagens e as trocam por material escolar — ou igrejas —
que fazem o mesmo em troca de caixas de leite para serem distribuídas nas
comunidades; quando a presidente da cooperativa Vitória, Maria Francisca Ferreira, diz
que as pessoas não têm a consciência necessária para separar as caixas; ou ainda na
entrevista de Fernando Von Zuben, diretor da Tetrapak, que explica que “o processo de
reciclagem começa em casa, quando o consumidor separa o lixo reciclável que vai para a
coleta seletiva e o lixo úmido que vai para o aterro”.
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos:
Os exemplos que evidenciam a capacidade resolutiva da sociedade neste
programa são justamente a apresentação da maior fábrica recicladora de papel do Brasil
e a micro empresa que compra o material reciclado para produzir telhas e casas para
animais.
105
IV) Incentivo à Leitura
Exibido em 9 de novembro de 200814, com duração de 22 minutos e 51
segundos.
Descrição:
A edição se propõe a mostrar experiências inovadoras que estimulam as
pessoas a ler mais. Rodeado por estantes cheias de livros em uma biblioteca, André
apresenta dados sobre o consumo de livros no país em contraposição ao nível de leitura
do brasileiro.
Em depoimento colhido pela TV Globo de Brasília, o ministro da Cultura, Juca
Ferreira, diz que o Brasil está em desvantagem em relação a outros países da América do
Sul, como Colômbia e Argentina, e elogia as iniciativas que surgem em diversos lugares
do país para que o índice de leitura cresça nas comunidades. O ministro diz que é preciso
a aplicação de políticas de motivação de leitura a exemplo de países como a Colômbia,
que utilizam as bibliotecas em programas de combate à violência. Ele afirma também que
é necessário a biblioteca ser atraente o suficiente para motivar as pessoas a buscar o
conhecimento por meio dos livros.
Intercalando a entrevista do ministro, são mostradas as iniciativas que ilustram
o programa em três reportagens. A primeira delas foi realizada em Brasília, pela repórter
Viviane Basile, onde mostra a experiência de um dono de açougue responsável por
montar bibliotecas em paradas de ônibus. Há bastante tempo ele já havia transformado
seu estabelecimento em ponto cultural, com a apresentação de números musicais à noite
e o empréstimo de livros aos clientes — o próprio açougue tem um espaço reservado
para a leitura. A ideia de Luiz Amorim, autor do projeto denominado Parada Cultural, era
14
Disponível
em
<http://video.globo.com/videos/player/noticias/0,,gim908959-7823projetos+de+incentivo+a+leitura+dao+resultado,00.html>.
106
incentivar a leitura. Além do empresário, Viviane entrevistou alguns usuários daquele
serviço escolhendo os títulos nas estantes montadas nas paradas e outros dentro dos
coletivos manuseando os livros. Ela colheu depoimentos também de frequentadores do
açougue-bar de Luiz Amorim.
A segunda reportagem, feita em Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul,
pela repórter Roberta Salinet, revela a cidade com o maior índice de leitores do país,
proporcionado por um trabalho de promoção da leitura. A cada dois anos ocorre na cidade
uma jornada de literatura em que são promovidos debates, apresentações e palestras
com a presença de diversos autores de livros famosos. Além de fomentar o turismo na
região, o evento estimula outros programas de leitura sustentados por instituições da
cidade como a Universidade de Passo Fundo que criou o Mundo da Leitura, uma
biblioteca utilizada por crianças de escolas públicas e particulares. Roberta entrevistou
uma tutora da Apae (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais), cujo grupo foi
flagrado utilizando a biblioteca; o motorista de um ônibus-biblioteca que circula pela
cidade visitando as escolas e elaborando atividades com contadores de estórias; e um
escritor pernambucano que adotou a cidade para morar.
Se em Passo Fundo havia um ônibus-biblioteca, a terceira reportagem, feita no
distrito de Sana, localizado na cidade de Macaé, interior do Rio de Janeiro, pela repórter
Renata Monteiro, apresenta um caminhão-biblioteca que circula pela região. O caminhão
percorre locais de difícil acesso, mas consegue atender a crianças que moram em áreas
mais afastadas, instalando-se nas escolas por um dia inteiro, antes de partir para outros
destinos. O objetivo deste projeto é suprir as carências instrumentais daqueles colégios. A
iniciativa da Biblioteca Volante é de uma Organização não-governamental. Um grupo de
teatro acompanha o caminhão abarrotado de livros para que os alunos sejam
incentivados ainda mais à leitura. Ao final da visita, a Ong empresta alguns livros à escola
107
para serem trabalhados pelos professores até a visita seguinte. No distrito de Sana,
Renata mostra outro projeto que também desenvolve o estímulo à leitura. Denominado Pé
de Livros, o projeto, coordenado pela Casa de Cultura do Sana, tem como proposta expor
diversos títulos em uma árvore ou em um varal para serem “colhidos” pelos estudantes.
Ao longo da matéria, Renata entrevistou o motorista do caminhão-biblioteca; o
coordenador operacional e o diretor da Biblioteca Volante; duas estudantes; o diretor do
Colégio Municipal do Sana; e a coordenadora da Casa de Cultura.
André Trigueiro faz novamente o fechamento do programa — dessa vez
invocando os telespectadores a partilharem experiências bem-sucedidas de incentivo à
leitura de que tenham conhecimento no blog do Cidades e Soluções — mencionando o
endereço eletrônico. No site, encontram-se as informações complementares e os canais
de acesso costumeiros.
Análise das características:
Ao contrário do programa sobre a reciclagem de embalagens longa vida em que
a didática foi bastante utilizada, neste programa — que não teve a pretensão de ser
didático — o assunto em si não se mostra propenso ao didatismo, apesar de falar de
educação. O recurso ilustrativo foi mais usado com a apresentação dos exemplos das
boas práticas desenvolvidas.
Alguns dados apresentados por Trigueiro (entre reportagens e entrevistas) ao
longo do programa garantem o nível de informação necessário para que o público se situe
na discussão do tema, ainda que o assunto tratado não tenha merecido o
aprofundamento devido, posto que, a exemplo do programa sobre adoção, a linha do
108
programa, com abordagem menos crítica e mais propositiva, acaba por limitar a discussão
do problema.
Análise dos pontos convergentes:
a) Promover a formação crítica do telespectador para o exercício da cidadania:
Convencer as pessoas de que a leitura, além de ser um dos meios mais
eficientes para a formação cultural de um indivíduo, é um exercício de cidadania não é
fácil. Mas uma passagem específica do programa faz essa ligação entre leitura e
cidadania. Foi na entrevista concedida por Gustavo Melo, escritor pernambucano radicado
em Passo Fundo, a Roberta Salinet. Ele diz: “Esse é o grande diferencial da Jornada
Nacional de Literatura. Porque ela visa formar o cidadão. Formar leitor para que ele
modifique o meio onde vive”.
b) Disponibilizar informações que sejam de interesse coletivo:
Mais uma vez são os dados estatísticos que servem de suporte de informação
para o telespectador. Isso acontece no momento em que André diz: “Um país onde a
venda de livros vem crescendo mais de 4% ao ano. Mas quando o assunto é leitura, o
brasileiro lê em média menos de 2 livros a cada ano”. Informação esta que é
complementada na entrevista do ministro da Cultura: “Ao contrário, por exemplo, na
Colômbia, [esse número] é mais do que o dobro. A Argentina nem se fala... E os países
centrais têm uma média de 7, 8 ou 9 livros per capita/ano”. Mas há outra passagem que
traz informação relevante, quando o ministro da Cultura cita os países do Chile e,
novamente, da Colômbia como promotores de políticas de motivação da leitura. André
109
Trigueiro ratifica a informação ao comentar que “na Colômbia, as bibliotecas fazem parte
do programa de combate à violência”.
c) Estimular a participação do cidadão nas discussões por meio de instrumentos
de interatividade:
Da mesma forma que no programa sobre as embalagens longa vida, André faz
o fechamento do programa. Naquele momento, em que fala diretamente ao telespectador,
ele estimula a participação do cidadão com o compartilhamento de experiências bemsucedidas de incentivo à leitura e, dessa forma, aumentar o círculo de leitores no país. As
informações do site e do blog também ajudam a envolver o cidadão nesta empreitada.
d) Atentar para a responsabilidade social:
Algumas passagens podem passar despercebidas, mas ilustram bem a questão
da responsabilidade social. Parte delas acontece na reportagem sobre as Paradas
Culturais. Levando-se em consideração que os livros ficam expostos nas estantes sem
qualquer tipo de vigilância ou controle de entrada e saída, a repórter Viviane Basile
apresenta um dado importante colhido pelo Departamento de Ciência da Informação e
Documentação da Universidade de Brasília. A pesquisa apontou que 88% das pessoas
devolvem os livros. A informação é confirmada com uma passageira entrevistada por
Basile, Elenice dos Anjos, que diz que “gosta muito de ler e habitualmente retira um livro,
leva pra casa e, na semana seguinte, o devolve e retira outro”. Na mesma reportagem,
outro exemplo de responsabilidade social é apresentado, quando uma autônoma, Maria
do Coelho, ajuda a arrumar os livros nas estantes para que eles, depois de remexidos,
não fiquem espalhados.
110
e) Evidenciar a capacidade resolutiva da sociedade com exemplos de boas
práticas de determinados grupos ou indivíduos:
A capacidade resolutiva da sociedade é vista nas três reportagens
apresentadas pelo programa. Seja com Luiz Amorim, idealizador do projeto Parada
Cultural, em que diz: “A minha ideia era democratizar a leitura e levar livros pras pessoas.
Havia uma inquietação minha para que as pessoas passassem a ler mais”; seja com a
promoção da leitura por meio de eventos culturais; seja com a criação de bibliotecas
itinerantes; ou ainda com o desenvolvimento de processos pedagógicos adotados pelo
poder público, pelas escolas e pelos professores.
111
CONCLUSÃO
Ao se analisar o programa Cidades e Soluções constatou-se que André
Trigueiro faz Jornalismo Público, ainda que ele tenha tido outras motivações e não
reconheça que seu trabalho siga os princípios desse movimento. Para Trigueiro, o que ele
faz é Jornalismo, independentemente do nome que seja dado. E, nesse ponto, ele está
certo.
Mas o Jornalismo Público não existe por acaso. Quando foi idealizado no final
da década de 1980 por jornalistas americanos, ele tinha o propósito justamente de
resgatar os valores democráticos e os princípios éticos do jornalismo. Em suma, trazer de
volta para o cidadão o bom jornalismo, feito de forma responsável.
E como isso se caracteriza? Tomemos como exemplo a publicidade. Trigueiro
põe na conta do uso que se faz desse meio de comunicação grande parte da culpa pelo
consumismo desenfreado promovido por gerações e gerações. Ele tem razão. Mas a
propaganda é apenas um instrumento de comunicação. Ela pode ser utilizada para o mal,
mas também para o bem. Se, nesse tempo todo, a publicidade foi usada de forma
manipuladora pelos arautos do capitalismo, por que não utilizarmos esse mesmo meio
para desconstruir o ideal do consumismo e do lucro das empresas? Haverá uma medida
de forças, sim, mas não se pode ignorar o apelo publicitário para as coisas boas. Luiz
Martins da Silva (2002, p. 12) detectou que o Estado brasileiro tem como principal
estratégia para a efetivação de políticas públicas as campanhas publicitárias e despende
alguns milhões de reais do orçamento com elas. Portanto, é um instrumento de
comunicação que não deve ser descartado.
A televisão é outro instrumento usado como bode expiatório. Ela é acusada por
muitos como um meio que estimula a violência. Algumas pesquisas até comprovaram
112
isso, associando o aumento da violência na sociedade com a popularização da TV. Mas o
fato é que a televisão, assim como a publicidade, é apenas um meio de comunicação.
Não existem somente programas com a temática da violência. Mas se eles se
sobressaem é sinal de que estão vencendo a batalha, em cima dos valores pacíficos, na
citada medida de forças.
No jornalismo esse contraponto de forças também existe. Encaixados na
engrenagem industrial do século XX, os jornalistas também seguiram a tendência
capitalista, a partir do momento em que as empresas de jornais foram ampliando os
horizontes, com o rádio e a televisão, e se transformaram em grandes conglomerados de
comunicação com investimentos financeiros cada vez maiores. Passaram, então, a
buscar o lucro, tornando-se este o principal objetivo a ser alcançado. Daí, a comunicação
foi massificada, os leitores, ouvintes e telespectadores viraram consumidores e a forma
de se noticiar os fatos perdeu o viés panfletário de outros tempos. A busca pelo “furo” a
qualquer preço, a espetacularização da notícia e o culto às celebridades levaram o
jornalismo a um caminho contrário aos seus ideais e ocasionaram as síndromes do
jornalismo apelativo, do denuncismo e do sensacionalismo.
O Jornalismo Público, portanto, é a forma responsável de se utilizar esse meio
de comunicação. Veicular notícias que estimulem os bons sentimentos das pessoas e,
com isso, gerar a participação social e política, promover o relacionamento pacífico na
sociedade e proporcionar a inclusão social são a essência desse tipo de jornalismo.
Quem adota os conceitos do JP sabe que está puxando a corrente para o outro lado em
confronto com os barões do jornalismo, senhores feudais da informação. E, como bem
disse Trigueiro ao falar de sustentabilidade para seus alunos na PUC, nesse campo “se
você não estiver incomodando ninguém tem alguma coisa errada”.
113
Ainda que, no Brasil, não haja um movimento estruturado para a difusão dos
preceitos do Jornalismo Público, práticas como as de André Trigueiro podem e devem
fazer a diferença para o jornalismo responsável. Como vimos, o JP é uma ferramenta da
Comunicação de Interesse Público e não está restrito aos canais públicos de
comunicação — como a TV Brasil, a TV Cultura ou a Rede Minas — nem aos canais
estatais — como as emissoras legislativas, por exemplo. Ele pode e deve ser praticado
por emissoras privadas, estritamente comerciais, desde que sejam observados os
princípios do interesse público.
Além disso, não existe um meio de comunicação específico para a prática do
Jornalismo Público, que pode ser desenvolvido concorrentemente em veículos de TV,
jornais impressos, revistas, emissoras de rádio e, mais recentemente, na internet. Aliás,
com a democratização da informação proporcionada pelas novas tecnologias, o
Jornalismo Público tende a ganhar espaço não só nas redações, mas também nas redes
sociais de relacionamento que, mesmo sem a devida confiabilidade da informação, abrem
um campo enorme para a discussão e resolução de problemas sociais.
No entanto, mais do que isso, é preciso que a difusão desse tipo de jornalismo
não se limite aos centros urbanos, e se espalhe por comunidades distantes. A prova disso
é o próprio Cidades e Soluções que, mesmo tendo ganhado notoriedade no meio
jornalístico e em diversos setores da sociedade e da política nacional, levaria mais
benefícios à população se fosse veiculado em uma emissora de canal aberto, de
preferência com abrangência nacional, e em horário compatível de audiência. Atualmente,
com transmissão em canais de TV por assinatura e reprodução feita pela internet (meios
mais utilizados nos grandes centros), apenas uma parcela da população brasileira tem
acesso às informações passadas pelo programa. Trigueiro constatou isso quando
participou do programa “Mais Você”, de Ana Maria Braga, na TV Globo, atendendo a um
114
convite da apresentadora, para falar sobre o problema da escassez de água doce e limpa
do mundo. Ao responder às perguntas de internautas num bate-papo após o término do
programa, ele concluiu: “Pela variedade — e quantidade — de questões levantadas
através do chat, pude perceber o quanto este tema mobiliza um segmento da TV aberta
que talvez se ressinta da falta de informações específicas a respeito da água” (BLOG do
programa, 2009).
O trabalho que Trigueiro desenvolve tornou-se referência não só entre os
especialistas em meio ambiente, mas entre os colegas de emissora que, em diversas
ocasiões observadas, produzem reportagens e matérias especiais nos noticiários globais
semelhantes às veiculadas pelo Cidades e Soluções.
Ainda assim, para que o Jornalismo Público seja reconhecido e se sobreponha
ao jornalismo convencional, ainda há um longo caminho a ser percorrido. É necessário
que haja o devido engajamento de jornalistas para que se estabeleçam mudanças
ideológicas, culturais e comportamentais nas redações visando causas mais justas e
comprometidas com a sociedade e a qualidade de vida dos cidadãos. Pois são iniciativas
como as do Cidades e Soluções e o nível de conscientização e profissionalismo de André
Trigueiro que poderão fazer a balança do jornalismo — independentemente do nome a
que esteja vinculado — pender para os bons valores, promovendo atitudes cidadãs e
servindo de suporte para a democracia.
NOTAS DE REFERÊNCIA:
CIDADES e Soluções. Blog do programa. Cidades e Soluções no “Mais Você”. Postado por André Trigueiro.
Categoria Cidadania, Educação, Meio Ambiente. Rio de Janeiro, 20 mar. 2009. Disponível em:
<http://especiais.globonews.globo.com/cidadesesolucoes/category/educacao/>. Acesso em: 16 mai. 2009.
SILVA, Luiz Martins da. Jornalismo Público: o social como valor-notícia. 2002. In: Jornalismo Público –
Três
textos
básicos.
Brasília:
Casa
das
Musas,
2006,
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