EPIDEMIOLOGIA DAS RIQUETSIOSES DO GÊNERO Rickettsia NO

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EPIDEMIOLOGIA DAS RIQUETSIOSES DO GÊNERO Rickettsia NO
XIII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária & I Simpósio Latino-Americano de Ricketisioses, Ouro Preto, MG, 2004.
EPIDEMIOLOGIA DAS RIQUETSIOSES DO GÊNERO Rickettsia NO BRASIL
Luiz Jacintho da Silva1,2 Márcio Antonio Moreira Galvão3,4
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil/ 2Superintendência do Controle de Endemias, São Paulo, SP, Brasil. 3 Universidade
Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil/4 World Health Organization Collaborating Center for Tropical Diseases of University of Texas
Medical Branch, Texas USA.
1
Riquetsioses são doenças causadas por bactérias da família Rickettsiaceae, constituída pelos gêneros Rickettsia, Orientia,
Coxiella, Bartonella (Rochalimaea pela nomenclatura anterior),
Ehrlichia e Anaplasma.
As doenças causadas pelo gênero Rickettsia têm despertado um grande interesse científico e de saúde pública nos últimos
anos. O advento da biologia molecular pôde esclarecer inúmeros
aspectos anteriormente confusos deste grupo de microorganismos. A
sua importância em Saúde Pública vem crescendo, não só pela identificação de várias espécies novas, com seus respectivos quadros clínicos, mas também pelo reconhecimento de que sua incidência e distribuição são maiores do que anteriormente se imaginava.
O gênero Rickettsia é dividido em dois grupos:
•
•
O grupo tifo, que inclui três espécies, R. prowazekii, o agente
do tifo exantemático epidêmico, a R. typhi agente causal do tifo
murino, e a R. canadensis, isolada de carrapatos e sem significado conhecido quanto à patologia humana e,
O grupo das febres maculosas, que inclui, hoje um grande
número de sorotipos. Novas riquétsias desse último grupo, têm
sido isoladas de artrópodes no mundo inteiro, como também de
humanos (R. africae e R. japonica). As espécies que tradicionalmente fazem parte desse grupo são a R. rickettsii, agente da
febre das Montanhas Rochosas e da febre maculosa brasileira, a
R. conorii, agente da febre maculosa do Mediterrâneo ou febre
botonosa, destacando-se as R. sibirica, R. australis e R. slovaca
entre as riquétsias ainda não associadas a quadros clínicos específicos.
No grupo do tifo exantemático, foi proposta a retirada da
R. canadensis desse grupo a fim de compor um novo grupo ancestral
que inclui a R. Bellii12.
As riquetsioses humanas já descritas no Brasil podem ser
agrupadas didaticamente em três grupos:
•
riquetsioses “clássicas”,
•
riquetsioses “atípicas” e,
•
riquetsioses “novas” ou “recém-descritas”.
Riquetsioses “clássicas”
As “riquetsioses clássicas” têm como sintomatologia comum a febre de início súbito e elevada e, freqüentemente, exantema.
Dentre essas algumas são consideradas cosmopolitas como o tifo
exantemático epidêmico e o tifo endêmico ou murino, tendo como
vetores o piolho do corpo e a pulga, respectivamente. O tifo exantemático epidêmico mantém-se em áreas elevadas da América Latina
(do México à América do Sul) e África. De fácil reconhecimento em
surtos, vem sendo referido na literatura médica também sob a forma
de casos isolados de viajantes a zonas endêmicas, que só são reconhecidos quando da ocorrência de casos graves. O tifo murino é
endêmico em várias ilhas e zonas portuárias do mundo. A sua presença na América do Sul está relacionada com a presença do rato
como reservatório, com o homem sendo atingido esporadicamente ao
ser picado pela pulga do rato, Xenopsylla cheopis.
O tifo exantemático epidêmico, a primeira das riquetsioses humanas a ser reconhecida, nunca foi descrito no Brasil. A forma
recorrente do tifo exantemático epidêmico, a doença de Brill-Zinsser
foi identificada em refugiados de guerra do leste europeu no início da
década de 1950. Relatos do final do século 19 e início do século 20
sugerem que quadros clínicos identificados em imigrantes originários
do leste europeu pudessem ser tifo recorrente, porém não há confirmação laboratorial.
No Brasil, temos no grupo do tifo exantemático, apenas o
tifo murino, descrito nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio
de Janeiro.
Entre as riquetsioses do grupo das febres maculosas, a febre maculosa brasileira destaca-se como a mais comum e a mais letal,
tendo como agente etiológico riquétsias do grupo das febres maculosas, e como vetor o carrapato Amblyomma cajennense, espécie antropofílica. A doença é conhecida desde 1929 no Estado de São Paulo10,
além do relato da ocorrência de casos em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Bahia2,3. Apenas os Estados de Minas
Gerais e São Paulo mantêm uma vigilância da doença.
Em Minas Gerais a febre maculosa passou novamente a
ser descrita a partir da década de 80 sob a forma epidêmica e em
“clusters”(ocorrência de vários casos em uma mesma residência),além de também ocorrer sob a forma de casos isolados.Do ponto
de vista epidemiológico levantou-se várias hipóteses como determinantes do retorno da doença,entre elas a invasão de focos naturais e a
disseminação da doença à partir da ação do homem nesses focos
levando à formação de focos modificados5.O final da década de 80 e
o início da década de 90 caracterizaram-se pelo aparecimento de
casos em áreas periurbanas do Vale do Rio doce,como foi o caso de
Caratinga em 19924, o que parece indicar um expansão da doença
devido a um novo reordenamento ecológico, sendo ainda decorrência
do modo de vida dessas populações marginalizadas no contexto
sócio-econômico. No período de 1990 a 1994 o Estado de Minas
Gerais apresentou uma incidência da ordem de 0,35 casos por
100.000 habitantes, uma incidência maior no sexo masculino, na
faixa etária de 5 a 14 anos e no mês de outubro, e uma letalidade de
10%, estes últimos dados todos referentes ao período de 1981 a
1994. De 1995 a 2003, 106 casos foram confirmados com uma letalidade de 18%.
Descrita inicialmente na década de 1920, em São Paulo, o
primeiro foco reconhecido de febre maculosa brasileira foi numa área
de expansão urbana, no que são hoje os bairros paulistanos de Sumaré e Perdizes. Mais tarde, focos na periferia da região metropolitana
da grande São Paulo foram sendo descritos, como os de Mogi das
Cruzes e Santo Amaro, porém, com a expansão urbana esses focos
foram desaparecendo, ou pelo menos se tornando inativos. Atualmente há apenas um foco bem conhecido no Estado de São Paulo, na
região de Campinas (municípios de Campinas, Pedreira, Jaguariúna e
Santo Antonio de Posse), nas bacias dos rios Atibaia e Jaguari, mas
que vem se expandindo recentemente, abrangendo também a bacia
do Rio Piracicaba.
Até época recente, haviam apenas dois casos descritos fora do foco de Campinas: em Botucatu e em Mogi das Cruzes. Nos
últimos anos, casos têm sido descritos no sul da região da Grande
São Paulo, em áreas onde já haviam sido notificados casos na década
de 1950.
Em São Paulo, a notificação compulsória da doença foi
instituída em 1996 na região de Campinas e a nível nacional, no ano
de 2002. De 1985 a 2002, 76 casos da doença foram confirmados,
com o registro de 36 óbitos e uma letalidade de 47,6%.
As “riquetsioses atípicas” apresentam quadro clínico pouco definido. As riquétsias ditas apatogênicas podem induzir quadros
atípicos e passarem despercebidas, sem diagnóstico clinico ou laboratorial. No grupo das febres maculosas, a maior parte das riquétsias
é considerada apatogênica, por não terem sido isoladas ainda de
humanos.
Destas, no Brasil foram detectadas as R. bellii e R. amblyommii por técnicas de biologia molecular e isolamento em carrapatos 6,7. Outros estudos moleculares realizados com carrapatos e espécimes biológicos humanos provenientes de áreas endêmicas permitiram a detecção e caracterização de riquetsias do grupo da febre maculosa8.
A terceira categoria é a das “novas riquetsioses” como a
riquetsiose vesicular (rickettsialpox) e a riquetsiose felis. A riquetsiose vesicular, uma doença benigna que se manifesta cerca de uma
semana após a picada de um ácaro parasita do camundongo Mus
musculus, não foi descrita até o momento no Brasil. No local da
inoculação forma-se uma pápula avermelhada e indolor, que se torna
vesicular. Descreve-se a presença de adenopatia regional e febre
Rev. Bras. Parasitol.Vet., v.13, suplemento 1, 2004
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XIII Congresso Brasileiro de Parasitologia Veterinária & I Simpósio Latino-Americano de Ricketisioses, Ouro Preto, MG, 2004.
súbita com tremores, acompanhadas ou não do exantema vesicular,
semelhante a varicela11. A riquetsiose felis, cujo agente é a R. felis e
o vetor a pulga do gênero Ctenocephalides, foi descrita recentemente
em humanos em Minas Gerais (Brasil) confirmados por métodos
sorológicos e de biologia molecular1,11, com detecção ainda por biologia molecular neste artrópode9. Esta riquetsiose está incluída no
grupo das febres maculosas pela análise filogenética, e ainda não foi
isolada de humanos.
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