1 Introdução

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1 Introdução
SÍNTESE E CARACTERIZAÇÃO DE PÓS NANOESTRUTURADOS DE
HIDROXIAPATITA
Sarah A. de Lima1, Júlio C. P. Souza2, Nelson H. A. Camargo2, Fernando Pupio1,
Rodrigo B. M. Santos2, Enori Gemelli2.
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Dep. de Engenharia Mecânica, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville (SC), Brasil.
Programa de Pós Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais, Universidade do Estado de Santa Catarina,
Joinville (SC), Brasil.
E-mail: [email protected]
Resumo. As cerâmicas nanoestruturadas têm demonstrado bons resultados em aplicações biomédicas,
especialmente os fosfatos de cálcio devido às boas características de biocompatibilidade destes biomateriais.
Dentre eles, pode-se citar a hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2), que possui uma relação Ca/P =1,67, a qual
apresenta uma estrutura mineralógica semelhante a composição do tecido ósseo do esqueleto humano. O
presente trabalho aborda o método de síntese e caracterização da hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2), pelo
método de dispersão de CaO em meio líquido, precipitação e formação de fosfato de cálcio pela adição de ácido
fosfórico (H3PO4). As técnicas de Difração de Raios X (DRX), Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) e
Dilatometria foram empregadas para a caracterização do pó biocerâmico.
Palavras-chave: Biocerâmica, Regeneração óssea, Hidroxiapatita, Nanoestrutura.
1.
INTRODUÇÃO
Os fosfatos de cálcio (Ca/P) pertencem ao grupo das biocerâmicas mais utilizadas em
aplicações biológicas [KUMTA,2005]. Estas biocerâmicas apresentam semelhança química,
mineralógica e cristalográfica com a apatita óssea. Das inúmeras composições existentes,
nem todas são biocompatíveis, porém podem formar equilíbrio estável ou metaestável com a
fase de interesse [SOARES,2006].
Dentre as formas biocompatíveis, pode-se destacar a hidroxiapatita estequiométrica
(Ca10(PO4)6(OH)2), o tri-fosfato de cálcio-α e β, que, de maneira geral, apresentam uma
elevada microporosidade após sinterizados a altas temperaturas. A hidroxiapatita, por ser um
biomaterial osseocondutor, tem sido empregada como um elemento matricial na
reconstituição do tecido ósseo tanto na medicina como na odontologia. Tem demonstrado
ainda um bom desempenho de bioatividade, que é capacidade de formar ligações químicas
com tecidos vizinhos após o implante.
A síntese de materiais nanoestruturados de fosfato de cálcio pode ser vista como uma
promissora geração de biomateriais para aplicações biomédicas, tais como na regeneração e
reconstituição do tecido ósseo e na fixação de próteses [CAMARGO, 2006].
Neste trabalho de pesquisa, será apresentado o método de síntese via úmida, para
obtenção dos pós nanoestruturados, os resultados de caracterização mineralógica, morfológica
e do comportamento térmico dos pós nanoestruturados.
2.
MATERIAIS E MÉTODOS
Para a sintetização do pó biocerâmico nanoestruturado, utilizou-se carbonato de cálcio
(CaCO3) a 98% de pureza e ácido fosfórico (H3PO4) com 85% de pureza. Através da
calcinação do carbonato de cálcio em forno tipo mufla a 9000C por 3 horas, obteve-se o óxido
de cálcio (CaO) na forma de pó. A dispersão do CaO em água destilada mantida sob agitação
mecânica por 2 horas resultou no percussor coloidal. A formação da biocerâmica de fosfato de
cálcio ocorreu através da incorporação da solução de ácido fosfórico gota a gota ao colóide a
uma velocidade de 2ml/min.
A concentração segue a relação Ca/P=1,67 conforme a metodologia empregada por
[GILAPA, 2001]. O pH foi monitorado durante todo o processo de síntese, no qual o colóide
permaneceu sob agitação mecânica por 24 horas. Em seguida, a suspensão foi colocada dentro
de um balão tipo pêra, o qual foi acoplado a um evaporador rotativo a fim de eliminar
umidade.
O pó nanoestruturado obtido da secagem passou por moagem por almofariz/pistilo e
peneiramento na malha 100µm ABNT e na seqüência foi calcinado dentro de um forno tipo
mufla à temperatura de 900oC por 2 horas. O pó obtido da calcinação foi submetido ao
processo de moagem em moinho atritor por 2 horas. A título comparativo, realizou-se um
tratamento térmico a 1200ºC por 2 horas sobre o pó obtido da calcinação e sobre o pó obtido
do processo de moagem em moinho atritor.
Para o estudo de dilatometria, os pós foram compactados com ajuda de uma máquina
universal de ensaios mecânicos (EMIC), utilizando-se uma carga de compressão de 30 MPa.
Os corpos de prova obtidos da compactação se apresentaram na forma de pequenas barras
com dimensões de 25 x 5 x 5mm.
A morfologia dos pós biocerâmicos foi observada pela técnica de microscopia eletrônica
de varredura (ZEISS modelo DSM 940); a composição mineralógica foi analisada pelo
método de difratometria de Raios X (SHIMADZU) com anticatodo de tubo de cobre, num
intervalo de 5° a 80° e varredura de 2º/min em função de 2θ; e por fim, utilizou-se a técnica
de dilatometria para determinação da retração linear das amostras compactadas, a uma
velocidade de aquecimento de 10ºC/min até a temperatura de 1400ºC.
3.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Da análise do pH (Fig. 1), observou-se que a dissolução do CaO em solução aquosa
provocou a elevação do valor do pH durante o processo de síntese passando de ≈ 6,5 para ≈
11. A incorporação da solução de ácido fosfórico promoveu uma brusca diminuição do pH
após 6 horas de agitação mecânica passando este valor de ≈ 11 para ≈ 7,5. A estabilização do
valor do pH ocorreu após 8 horas de agitação mecânica, estabilizando em ≈ 8,5. A
manutenção deste pH básico é fundamental para a posterior formação da hidroxiapatita
[RAYNAUD,2002].
Fig. 1: Ilustrando a curva de medidas do pH da solução coloidal em função do tempo.
A difratometria de Raios X realizada sobre o pó nanoestruturado de fosfato de cálcio,
recuperado do evaporador rotativo, evidenciou a presença da fase fosfato de cálcio hidratado,
na composição (Ca3(PO4)2.H2O), ficha 18-0303 (Fig.2a).
Para o pó de fosfato de cálcio calcinado a 900ºC por 2 horas, constatou-se a presença da
fase hidroxiapatita na composição (Ca10(PO4)6(OH)2) com sistema hexagonal e ficha 74-0565
(Fig 2b). Para o pó que passou pelo processo de moagem em moinho atritor observou-se as
fases hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) (ficha 74-0565) e fosfato de cálcio (Ca3(PO4)2) na
estrutura romboédrica e ficha 09-0169 (Fig. 2c).
A decomposição da hidroxiapatita em fosfato de cálcio durante o processo de
fragmentação mecânica em moinho atritor pode ser explicada pelo fornecimento de energia
mecânica ao sistema, o que veio modificar a morfologia e a cinética superficial das
nanopartículas, favorecendo a formação do fosfato de cálcio; caso já observado por outros
autores [GBURECK, etal., 2003]. Anteriormente, a decomposição da hidroxiapatita em
trifosfato de cálcio era tida como um efeito indesejável, mas recentemente tem crescido o
interesse no desenvolvimento de cerâmicas de fosfato de cálcio bifásicas por serem mais
efetivas em reparação e regeneração de ossos [VISWANATH,2006].
Os resultados obtidos do estudo de difratometria sobre os pós tratados a 1200ºC por 2
horas, demonstraram a presença das fases hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) e fosfato de cálcio
(Ca3(PO4)2), tanto para a amostra apenas calcinada (Fig. 2d) quanto para a amostra submetida
a calcinação e moagem (Fig. 2e).
Fig. 2: Difratogramas de Raios X obtidos sobre os pós nanoestruturados de fosfato de cálcio
(Picos por segundo em função de 2θ).
O estudo de dilatometria veio complementar os resultados obtidos pela técnica de
difratometria de raios X. A curva dilatométrica para o pó nanoestruturado de fosfato de cálcio
calcinado mostra uma leve expansão volumétrica até aproximadamente 930ºC, indicando
perda de água adsorvida e desidroxilação da fase hidroxiapatita. A retração linear máxima da
amostra, ocorreu a partir de aproximadamente 980ºC a até a temperatura 1175ºC, indica a
transformação da fase de fosfato de cálcio-β. A seguir, constatou-se uma reta linear indicando
o processo de densificação do pó biocerâmico (Fig. 3).
Os resultados da dilatometria vieram confirmar, os resultados obtidos da análise por
difratometria de raios X, demonstrando que para os pós, após a calcinação a 900ºC/2h
permanece a fase hidroxiapatita e depois pelo tratamento a 1200ºC, há a decomposição desta
fase em fosfato de cálcio-β.
Fig. 3: Curva de dilatometria obtida sobre o pó nanoestruturado de fosfato de cálcio obtido da
calcinação a 900ºC/2h (Retração linear em função da temperatura).
Os resultados dos estudos de caracterização da morfologia dos pós de fosfato de cálcio
obtidos do evaporador rotativo evidenciaram em suas micrografias uma morfologia formada
por finas partículas aglomeradas de tamanho inferiores a 20nm (d < 20nm) (Fig. 4).
Fig. 4
Fig. 4: Morfologia do pó nanoestruturado de fosfato de cálcio retirado do evaporador.
Para o pó calcinado, observou-se a coalescência dos cristais elementares de fosfato de
cálcio, apresentando uma morfologia formada por finas partículas equi-axiais com tamanho
inferior a 200nm (Fig. 5). Já para os pós nanoestruturados obtidos da moagem em moinho
atritor, constatou-se uma diminuição do tamanho das nanopartículas elementares de
hidroxiapatita e fosfato de cálcio devido ao processo de fragmentação mecânica (Fig. 6).
Fig. 5
Fig. 5: Morfologia do pó nanoestruturado após calcinação a 900ºC/2h.
Fig. 6
Fig. 6: Morfologia do pó nanoestruturado obtido do moinho atritor após 2h.
O tratamento térmico realizado no pó calcinado provocou um significativo crescimento
dos cristalitos elementares da hidroxiapatita atingindo dimensões inferiores a 1µm (d < 1µm).
Constatou-se também haver uma excelente ligação interpartículas, indicando o início da
sinterização do pó biocerâmico (Fig. 7). O pó de fosfato de cálcio que passou pelo processo
de moagem em moinho atritor e tratamento a 1200ºC/2h demonstrou também um crescimento
dos cristalitos elementares, chegando ao tamanho das partículas até 1µm (d < 1µm). Outra
constatação foi uma melhor distribuição do tamanho das partículas e uma microporosidade
mais uniforme (Fig. 8).
Fig. 7
Fig. 7: Morfologia do pó obtido do tratamento térmico 1200ºC/2h.
Fig. 8
Fig 8: Morfologia do pó obtido do moinho atritor após 2h e tratado a 1200ºC/2h.
4.
CONCLUSÃO
Os pós biocerâmicos de hidroxiapatita, obtidos em escala nanométrica, representam uma
possibilidade inovadora em aplicações biomédicas, tanto na ortopedia como na traumatologia
e odontologia para regeneração dos tecidos duros, fixação de próteses metálicas,
reconstituição maxilofacial e preenchimento de defeitos periodônticos.
O método de síntese via-úmida utilizado, permitiu a obtenção do pó biocerâmico
nanoestruturado de fosfato de cálcio hidratado (Ca3(PO4)2.H2O). A calcinação a 9000C por 2
horas favoreceu a coalescência dos cristalitos elementares de hidroxiapatita. A passagem do
pó calcinado pelo moinho atritor durante 2 horas garante uma granulometria mais uniforme,
entretanto, uma porcentagem da fase hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) foi decomposta em
fosfato de cálcio (Ca3(PO4)2).
O tratamento térmico a 1200ºC por 2 horas do pó calcinado provocou crescimento dos
cristalitos elementares de hidroxiapatita, havendo maior coesão entre as partículas a partir das
interfaces interpartículas, demonstrando o inicio da sinterização do pó biocerâmico.
A amostra obtida do moinho atritor e tratada termicamente (1200ºC/2h) apresentou as
fases de hidroxiapatita (Ca10(PO4)6(OH)2) e fosfato de (Ca3(PO4)2) com uma distribuição mais
homogênea de tamanho das partículas e porosidade superior às amostras somente calcinadas e
tratadas a 1200ºC por 2 horas.
Na curva dilatométrica foi observado que o intervalo de temperatura em que ocorreu a
transformação da fase hidroxiapatita para fosfato de cálcio-β foi de 930ºC a 1775ºC
aproximadamente.
REFERÊNCIAS
Camargo, N. H. A., Soares, C. e Gemelli, E. (2006), “Síntese e Caracterização de Biocimentos Nanoestruturados
para Aplicações Cirúrgicas Ortopédicas-odontológicas”, 50º Congresso Brasileiro de Cerâmica, Blumenau,
1-14.
Gbureck, U., Grolms, O., Barralet, J. E., Grover, L. M., Thull, R. (2003), “Mechanical activation and cement
formation of b-tricalcium phosphate”, Biomaterials, vol. 24, 4123-4131.
Gilapa, L. C. M. (2001), “Elaboração e Caracterização de um material biocerâmico à matriz de fosfato de
cálcio produzido a partir de um pó ceramic reciclado”, Dissertação de Mestrado, CCT/UDESC, JoinvilleSC.
Kumta, P.N., Sfeir, C., Lee, D., Olton, D. e Choi, D. (2005), “Nanostructured calcium phosphates for biomedical
applications:novel synthesis and characterization”, Acta Biomatarialia, 1, 65-83.
Raynaud, S., Champion, E., Bernache-Assolant, D., Thomas, P. (2002), “Calcium phosphate apatites with
variable Ca/P atomic ratio I. Synthesis, characterization and thermal stability of powders”, Biomaterials,
vol.23, 1065-1072.
Soares, C. (2006), “Síntese e Caracterização de Biocimentos Nanoestruturados para Aplicações Biomédicas”,
Dissertação de Mestrado, CCT/UDESC, Joinville-SC.
Viswanath, B., Ravishankar, N. (2006), “Interfacial reactions in hydroxyapatite/alumina nanocomposites”,
Scripta Materialia, vol.55, 863-866.
SYNTHESIS AND CHARACTERIZATION OF NANOSTRUCTURED
HYDROXYAPATITE POWDERS
Sarah A. de Lima1, Júlio C. P. Souza2, Nelson H. A. Camargo2, Fernando Pupio1,
Rodrigo B. M. Santos2, Enori Gemelli2.
1
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Dep. de Engenharia Mecânica, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville (SC), Brasil
Programa de Pós Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais, Universidade do Estado de Santa Catarina,
Joinville (SC), Brasil
E-mail: [email protected]
Abstract. The nanostructured ceramics have been demonstrating good results in biomedical
applications, especially the calcium phosphates due to the good characteristics of
biocompatibility of these biomaterials. Among them, the hydroxyapatite (Ca10(PO4)6(OH)2)
can be mentioned because of its relation Ca/P =1,67, which has a mineralogical structure
that is similar to the composition of the bone tissue of the human skeleton. The present work
approaches about the synthesis method and characterization of the hydroxyapatite
(Ca10(PO4)6(OH)2), through the dispersion method of CaO in liquid middle, precipitation and
formation of calcium phosphate by the addition of phosphoric acid (H3PO4). The techniques
of X-Ray Diffraction (XRD), Scanning Electron Microscopy (SEM) and Dilatometry were
used for the characterization of the bioceramic powder.
Keywords: Bioceramic, Bone regeneration, Hydroxyapatite, Nanostructure.