Comportamento como indicador do temperamento de

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Comportamento como indicador do temperamento de
SANT’ANNA, A.C.; PARANHOS DA COSTA, M.J.R. [2010]. Comportamento como
indicador do temperamento de bovinos e aplicações na seleção genética. In: Encontro
Anual de Etologia, 28., 2010, Alfenas. Anais eletrônicos... Alfenas: Sociedade
Brasileira de Etologia, 2010. Disponível online em: <http://www.desenvolvimento
virtual.com/eto/submissoes/S00989.pdf.> Acesso em: 10/12/2010.
Comportamento como indicador do temperamento de bovinos e aplicações na
seleção genética
Aline Cristina Sant’Anna1,2, Mateus J. R. Paranhos da Costa2
1
Pós-Graduação em Genética e Melhoramento Animal, Faculdade de Ciências Agrárias
e Veterinárias/UNESP, Jaboticabal-SP ([email protected]).
2
Grupo ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO),
Departamento de Zootecnia, , 14884-900, Jaboticabal, SP ([email protected]).
O temperamento pode ser definido como a variação individual existente entre os
animais ao reagir a um determinado estímulo (Grignard et al., 2001). Recentemente este
conceito passou a receber atenção na produção animal devido ao reconhecimento de sua
importância na eficiência produtiva (Paranhos da Costa, 2000). Na bovinocultura,
pesquisadores e pecuaristas vêm buscando alternativas para avaliar o temperamento por
meio da análise do comportamento dos bovinos frente a situações rotineiras de manejo,
geralmente assumindo que o temperamento seria definido como o conjunto de
comportamentos dos animais em relação ao homem, geralmente atribuído ao medo
(Fordyce et al., 1982).
Assim, é comum encontrar pesquisas (ou outras abordagens sobre o tema) que
definem o temperamento como a reação dos animais a um determinado manejo,
caracterizando-os como de “bom” temperamento quando apresentam características
desejáveis e de “mal” temperamento quando apresentam características indesejáveis
(Burrow e Dillon, 1997; Burrow, 1997). Por exemplo, entre os animais com “mal”
temperamento são incluídos os indivíduos mais agitados e agressivos e, por outro lado,
entre os animais com “bom” temperamento são incluídos os indivíduos mais calmos e
mansos (Burrow e Dillon, 1997).
Vários tipos de testes e medidas são utilizados para avaliar o temperamento dos
animais, alguns mais úteis na pesquisa cientifica, trazendo informações importantes sob
o ponto de vista da etologia. Outros, além da possibilidade de uso na pesquisa, pela sua
maior praticidade, são utilizados no dia a dia de fazendas, por programas de
melhoramento genético, que têm como objetivo selecionar os animais em função de seu
temperamento.
De modo geral, as avaliações do temperamento podem ser classificadas de
acordo com a situação em que o animal é testado, em testes com ou sem contenção. Os
testes com contenção são aqueles em que há restrição de espaço para o bovino. Um
exemplo é o teste de reatividade na balança aplicado aos animais quando estes se
encontram contidos para pesagem, são atribuídos escores que medem a movimentação,
a respiração audível, coices, tentativas de abaixar-se e deitar-se (Fordyce et al., 1982;
Piovesan, 1998). Este tipo de informação pode também ser obtida de uma forma
objetiva com o uso de um dispositivo eletrônico que mede a intensidade e a freqüência
de movimentação do bovino em um ambiente de contenção móvel (Maffei et al., 2006)
fornecendo um dado em escala numérica, que varia de 1 a 9.999 pontos.
Os testes sem contenção são aqueles em que o animal tem liberdade para se
movimentar durante o teste. O teste de distancia de fuga é uma medida amplamente
utilizada que mede a distância que um observador pode se aproximar do animal até que
este reaja (Fordyce et al., 1982; Burrow, 1997). No caso do teste de docilidade, além de
se aproximar do bovino, o observador tenta levá-lo para um dos cantos da instalação e
mede o tempo que este permanece nesse posicionamento (Le Neindre et al., 1995).
A velocidade de saída é uma medida da velocidade com que o bovino sai do
tronco de contenção ou balança em direção a espaço aberto (geralmente o curral)
(Burrow et al., 1988), assumindo que animais que saem mais lentamente apresentam
melhor temperamento. Sua vantagem é a possibilidade de registro automático, com uso
de um equipamento, conhecido como “fligh speed”.
Assim como outras características fenotípicas, o temperamento é produto da
ação de genes, do ambiente e da interação entre eles. A experiência prévia com manejos
sucessivos, contatos positivos com os humanos e memória das instalações são fatores
ambientais que afetam positivamente a expressão do temperamento. Ao passo que ações
aversivas realizadas durante o manejo (gritos, batidas, uso de bastões de choque) e a
falta de contato prévio com o ser humano são efeitos ambientais que a afetam
negativamente (Paranhos da Costa, 2000).
Várias pesquisas têm mostrado que o temperamento apresenta um componente
genético importante e, desta forma, pode responder à seleção genética (Mourão et al.,
1998; Burrow e Corbet, 2000; Prayaga et al., 2009). As estimativas de herdabilidade
encontradas para bovinos, nestes e em outros trabalhos, geralmente são de baixas a
moderadas, deste modo, é adequado concluir que é possível modificar as populações
pela aplicação de seleção genética para essa característica, no entanto em longo prazo
(Fordyce et al., 1982). Os parâmetros genéticos encontrados para cada população podem
variar também de acordo com o tipo de medida utilizado, que por sua vez podem ser
influenciadas pelo contexto do manejo, pelo tipo de sistema de produção e pela idade e
experiência do animal (Olmos e Turner, 2008). Na tabela 1 são exemplificados valores
de herdabilidade e os respectivos tipos de medida utilizados para a característica.
Tabela 1 – Valores de herdabilidade encontrados na literatura para temperamento.
Referência
Tipo de medida
h2
Fordyce et al. (1982)
Escore de movimentação no tronco
0,25
Mourão et al. (1998)
Teste de contenção no tronco
0,06 – 0,27
Piovesan (1998)
Agitação na balança
0,34
Velocidade de fuga
0,35
Burrow e Corbet (2000) Escore de tronco
0,3
Velocidade de saída
0,35
Escore de velocidade de saída
0,08
Gauly et al. (2001)
Teste de separação
0 – 0,38
Teste de restrição de espaço
0 – 0,61
Silva et al. (2003)
Distância de Fuga
0,128
Figueiredo et al. (2005) Distância de Fuga
0,17
Prayaga et al. (2009)
Velocidade de saída
0,17 – 0,31
É reconhecido que o temperamento é um importante critério a ser incluído nos
programas de seleção genética. Atualmente nos catálogos de empresas com programas
de melhoramento genético animal a característica “Temperamento” é apresentada, com
estimação de herdabilidade e de DEPs para seus touros, no entanto há uma divergência
entre esses catálogos com relação ao tipo de medida realizada (escore de temperamento,
distância de fuga adaptada, medida de movimentação na balança).
Assim, nesta área há desafios que podem ser solucionados com a ajuda da
etologia aplicada. O primeiro deles será identificar quais tipos de expressões do
temperamento (medo, curiosidade, agressividade) cada teste aborda, pois provavelmente
cada uma das medidas atualmente utilizadas aborda mais um ou outro aspecto deste e,
além disso, é impossível encontrar uma medida única que aborde todos os aspectos do
temperamento. Para isso, é essencial o estudo e a comparação de diferentes testes
comportamentais. O segundo ponto será eleger qual medida é mais adequada para
aplicação na seleção genética levando em consideração sua variabilidade genética, o
aspecto do temperamento para o qual se pretende selecionar, a facilidade de mensuração
e o baixo custo de obtenção, para que possam ser aplicadas em grandes populações.
Referencias Bibliográficas
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Animal Production Science, v. 49, p. 413–425, 2009.
Palavras-chave: bovinocultura de corte, etologia aplicada, melhoramento genético, reatividade.
Agencias financiadoras: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),
Proc. 09/53609-7 e 09/53608-0.

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