Deformidades flexurais em eqüinos: revisão bibliográfica

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Deformidades flexurais em eqüinos: revisão bibliográfica
Deformidades flexurais em eqüinos:
revisão bibliográfica
Rodrigo Romero Corrêa
Mestre em cirurgia pelo departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia da Universidade de São Paulo
Professor da Universidade Anhembi Morumbi
e-mail: [email protected]
André Luis do Valle de Zoppa
Doutor em cirurgia pelo departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e
Zootecnia da Universidade de São Paulo
Professor da Universidade de São Paulo
e-mail: [email protected]
Resumo
Abstract
A restrição de uma articulação em posição flexionada
ou a inabilidade de estendê-la completamente é chamada de
deformidade flexural dos membros. As deformidades flexurais
dos eqüinos podem ser classificadas como congênitas ou
adquiridas após o nascimento. Em muitos casos, a única
anormalidade encontrada é a diminuição de mobilidade da
articulação acometida. A palpação dos tendões envolvidos
combinada com a avaliação radiográfica é de grande valia para
a confirmação da suspeita clínica. Os animais podem ser
submetidos à terapia clínica ou cirúrgica, ou ainda tratados
com a associação das duas modalidades, de acordo com cada
caso. A melhor resposta à terapia é observada nos casos onde
o diagnóstico é realizado precocemente. O prognóstico varia
de acordo com o grau de acometimento, tempo de evolução e
tipo de tratamento instituído.
The flexural limb deformities are defined as the restriction
of a joint in the flexion position or the inability to extend it.
Equine flexural deformities are classified as congenital or
acquired after birth. In many cases, the only abnormal finding
is a reduction of the movement of the affected joint. Palpation
of the involved tendons combined with radiographic evaluation
is important in confirming a diagnosis. The affected horses
may be submitted to clinical or surgical therapies, or to a
combination of both, according to the clinical examination and
ancillary methods results. The best response to a treatment is
observed when an early diagnosis is made. Prognosis varies
according to the deformity degree, time of development and
therapy used.
Key-words: equine, locomotor limb, flexural deformity,
tendon.
Palavras-chave: eqüino, membro locomotor, deformidade
flexural, tendão.
Introdução
As deformidades flexurais dos membros
locomotores em eqüinos são consideradas como
inabilidade dos animais em estender os membros
completamente. Geralmente, a hiperflexão resulta em
diferenças do comprimento das unidades
musculotendíneas em relação aos ossos da região
acometida. Diferentes estruturas anatômicas podem estar
envolvidas, incluindo os tendões flexores, o aparelho
suspensor, a cápsula articular, a fáscia da região, ossos
e pele (HUNT, 2003).
O termo deformidade flexural ou tendões
contraídos tem sido utilizado tradicionalmente para
representar várias deformidades flexoras nos membros.
Todavia, o potencial para contração deste tecido é
limitado. O defeito primário não está necessariamente
no tendão (STASHAK, 1994).
Deformidades flexurais congênitas
As deformidades flexurais congênitas geralmente
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são identificadas nas articulações metacarpo-falangeana
ou rádio-cárpica-metacárpica, e menos freqüentemente
nas articulações interfalangeana distal e tíbio-társicametatársica (EMBERTSON, 1994; GREET; CURTIS,
2003).
Etiologia
Trabalhos específicos são necessários para o
entendimento de todas as variáveis que levam às
deformidades. As causas das alterações parecem ser
multifatoriais em sua origem, e freqüentemente são de
difícil explicação. Doenças adquiridas pela égua durante
a prenhez podem causar o desenvolvimento de
deformidades flexurais em potros. Ingestão de agentes
teratogênicos e alterações genéticas têm sido associadas
(AUER; STICK, 2006; WAGNER, 1994). Alterações
neuromusculares, defeitos na formação de elastina e
problemas relacionados à aderência das fibras de
colágeno podem também estar envolvidos com a
patogênese (HUNT, 2003). Existe a hipótese de que a
base etiológica da síndrome seja a instabilidade articular
associada às malformações ósseas que resultam em
contratura muscular compensatória (STASHAK, 1994).
Sinais clínicos
Muitos potros nascem com leve deformidade
flexural metacarpo-falangeana, causando discreta flexão
que se resolve dentro das primeiras horas de vida. Nestes
casos, a deformidade flexural é bilateral, ou acomete os
quatro membros. A alteração que ocorre no tendão flexor
digital superficial resulta em posicionamento vertical das
articulações; se os tendões flexores profundos também
apresentarem alteração, os talões também sofrerão
elevação (WAGNER, 1994).
Potros recém-nascidos apresentando deformidade
em região interfalangeana distal poderão apresentar
apoio do membro somente na região das pinças dos
cascos. As deformidades em região metacarpo ou
metatarso-falangeanas poderão algumas vezes impedir
que o animal se mantenha em estação. A região cárpica
também comumente apresenta este tipo de alteração. O
animal poderá se manter em posição quadrupedal, mas
manterá seu peso deslocado para os membros
posteriores (AUER; STICK, 2006).
Nos casos de deformidades flexurais decorrentes
do comprometimento dos tendões flexores digitais, em
graus que obriguem o potro apoiar involuntariamente a
articulação metacarpo-falangeana e interfalangeana distal
no solo, a lesão cutânea pode aprofundar-se, expondo
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as estruturas componentes da articulação e causar artrite
infecciosa extremamente grave (ADAMS, 1990;
THOMASSIAN, 1996).
Mais raramente poderão estar envolvidos os
tendões flexores carpo-radial e carpo-ulnar, mantendo
a articulação carpiana em permanente posição de flexão.
Secundariamente, poderão estar envolvidos os
ligamentos caudais da articulação rádio-cárpicametacárpica, o que conferirá irreversibilidade ao processo
(THOMASSIAN, 1996).
As anormalidades flexurais congênitas rádiocárpica-metacárpicas variam desde muito brandas até
muito graves. A cápsula articular e os ligamentos
intercarpianos podem ser os elementos constritores. A
avaliação radiográfica da articulação nestes casos é
recomendável antes do início da terapia, para que se
garanta a ausência de anormalidades ósseas (GREET;
CURTIS, 2003; WAGNER, 1994).
Diagnóstico
As características demonstradas por potros com
deformidades flexurais facilitam o diagnóstico em muitos
casos. A região acometida deve ser palpada e manipulada
com o animal sustentando o peso, e com o membro em
flexão. Em muitos casos, a única anormalidade
encontrada é a diminuição de mobilidade da articulação
acometida, ou da região articular. A avaliação radiográfica
tem sido indicada para determinar a existência de
alterações ósseas associadas (AUER; STICK, 2006).
Necroscopicamente os potros com graves
deformidades flexurais, em que o membro não pode ser
estendido, exibem alinhamento anormal do membro,
mesmo quando todos os tendões e músculos são
removidos após a morte. As cápsulas articulares e
ligamentos intra-articulares parecem ser as influências
constritoras (WAGNER, 1994).
Tratamento
As deformidades flexurais congênitas devem ser
tratadas imediatamente após o seu diagnóstico, com a
severidade da deformidade ditando o quão agressivo
será o tratamento. Quanto mais novo for o potro, maior
a resposta ao tratamento, devido ao fato de que os
tecidos se tornam menos responsivos ao tratamento com
o passar do tempo (EMBERTSON, 1994).
Se o potro for capaz de permanecer em estação
sem necessidade de auxílio, as terapias específicas para
as deformidades flexurais são desnecessárias. O potro
deve ser submetido a exercícios controlados, como
permanecer em um pequeno piquete com a égua durante
1 hora por dia (GREET; CURTIS, 2003). O objetivo
do exercício controlado é auxiliar o relaxamento da
musculatura contraída e dar elasticidade aos tecidos
moles palmares ou plantares, enquanto protege o
membro do uso excessivo (ADAMS; SANTSCHI,
1999). Muitos potros com deformidades leves a
moderadas respondem favoravelmente à fisioterapia, por
meio de extensão manual dos membros a cada 4 a 6
horas, em sessões de 15 minutos de duração, ou forçando
o animal a se movimentar (ADAMS, 1990; HUNT,
2003).
O tratamento irá variar de acordo com a
localização anatômica envolvida e com a severidade da
alteração (HUNT, 2003). Alguns potros melhoram
espontaneamente, e esta categoria inclui a maioria dos
potros cuja deformidade está associada com um mal
posicionamento uterino. O restante deste grupo
geralmente responde bem à utilização de talas. O princípio
básico do tratamento é a extensão forçada do membro
para induzir o reflexo miotático inverso e conseqüente
relaxamento dos músculos flexores (STASHAK, 1994).
Quando se faz o uso de talas, o clínico deve tomar
extremo cuidado em relação à indução de feridas por
compressão. As talas devem ser utilizadas por curtos
períodos, sendo programadas para serem mantidas por
4 a 6 horas, e retiradas por mais 4 a 6 horas. Os gessos
são mais efetivos, e desde que adequadamente aplicados,
requerem menores cuidados e resultam em menores
quantidades de feridas por compressão (HUNT, 2003).
Quando se consegue o posicionamento desejado
do membro após a utilização das talas ou gesso, o animal
deverá ser exercitado diariamente, possivelmente com a
associação de fármacos antiinflamatórios, para
manutenção da mobilidade adquirida. Em casos de
deformidades severas, deve-se assegurar que o animal
será mantido em local seguro e com piso macio, para
prevenir lesões de tecidos moles e parede dorsal dos
cascos por impacto contra o solo (AUER; STICK,
2006).
A aplicação de prolongamentos acrílicos ou placas
metálicas em região da pinça do casco do membro com
deformidade flexural tem sido utilizada no tratamento da
afecção (ADAMS, 1990; ADAMS; SANTSCHI,
1999). Além de proteger a região contra o impacto
excessivo e indesejado, este prolongamento induz o
alongamento do tendão flexor digital profundo durante a
movimentação do membro (AUER; STICK, 2006).
Altas doses de oxitetraciclina têm sido usadas com
sucesso para o tratamento de deformidades flexurais. É
recomendada a administração de 2 a 4 gramas deste
fármaco no tratamento das deformidades flexurais
congênitas em eqüinos. O medicamento deve ser
administrado por via intravenosa, lentamente, e não deve
ser utilizada em neonatos que não apresentem valores
normais de creatinina sérica. A oxitetraciclina é utilizada
uma vez ao dia, ou a cada dois dias, perfazendo um total
de três a quatro doses (ADAMS; SANTSCHI, 1999;
HUNT, 2003). Complicações deste tratamento incluem
insuficiência renal, diarréia, e mais comumente,
relaxamento excessivo de outras articulações normais
(EMBERTSON, 1994; HUNT, 2003; KASPER et al.,
1995; LOKAI, 1992).
Tem se postulado que a oxitetraciclina é capaz de
quelar os íons de cálcio livres e prevenir o influxo do
mesmo nas fibras musculares, induzindo o relaxamento
muscular (AUER; STICK, 2006; EMBERTSON,
1994). Isto pode resultar em passivo aumento do
comprimento muscular e concomitante correção da
deformidade em 24 a 48 horas (AUER; STICK, 2006).
Fármacos antiinflamatórios não esteroidais podem
auxiliar na resolução do problema, mas deve-se ter
cuidado com a possibilidade de indução de úlcera gástrica
(ADAMS, 1990). Eles são indicados no combate à dor
induzida pelo alongamento dos tecidos moles contraídos
causados pela sustentação do peso, imobilizações ou
gesso, ou exercícios de alongamento passivo
(EMBERTSON, 1994).
Nas deformidades metacarpo-falangeanas,
acredita-se que o ligamento acessório do flexor digital
superficial exerça um limite funcional para a extensão da
superfície dorsal interfalangeana. A liberação deste
ligamento pode permitir a movimentação do boleto
(BARR; SCHRAMME, 1998). A técnica cirúrgica pode
ainda ser associada às terapias não cirúrgicas (talas,
gesso, fisioterapia, ferrageamento com prolongamento
das pinças) (ADAMS, 1990).
A desmotomia do acessório do flexor digital
profundo pode ser usada como tratamento da
deformidade induzida pela alteração deste músculo, e
foi introduzida por Lysholt e Sonnichsen em 1969. Este
procedimento cirúrgico mostra alta taxa de recuperação
em todas as raças nos casos de deformidades flexurais
interfalangeanas e evita consideravelmente os riscos
associados com a secção do tendão flexor
(SONNICHSEN, 1982).
Não é recomendada a transecção dos tendões
flexores ou do ligamento suspensor do boleto em animais
que futuramente irão desenvolver atividades atléticas
(ADAMS; SANTSCHI, 1999).
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Deformidades flexurais adquiridas
Incidência
As deformidades flexurais adquiridas ocorrem
comumente desde os primeiros dias até o segundo ano
de vida do animal. Envolvem com maior freqüência a
articulação interfalangeana distal, a articulação
metacarpo-falangeana e rádio-cárpica-metacárpica
(HUNT, 2003).
Estes tipos de deformidades são as que
apresentam maior incidência, manifestando-se, em geral,
a partir da desmama e acometendo os dois membros
anteriores dos potros. Raramente a afecção se manifesta
nos membros posteriores, causando quadros de
impotência funcional motora grave (THOMASSIAN,
1996).
Foram relatados cinco casos de deformidades
flexurais adquiridas metacarpo-falangeanas em cavalos
adultos, onde se observou que a idade dos animais
acometidos variou entre 8 e 14 anos (McDIARMID,
1999).
Etiologia
O desenvolvimento destas alterações está muitas
vezes relacionado à dor. Qualquer manifestação de dor
em um membro irá iniciar um reflexo de flexão para a
retirada do membro do solo, o que resulta em contração
dos músculos flexores e posição alterada da articulação.
A dor pode se originar de fisite, osteocondrite dissecante,
artrite séptica, ferimentos nos tecidos moles ou infecções
dos cascos, com ou sem comprometimento da falange
distal (HUNT, 2003; STASHAK, 1994).
Outras causas comuns incluem fatores genéticos
para crescimento rápido e as alterações alimentares
(HUNT, 2003). Tanto a superalimentação quanto as
rações não balanceadas são incriminadas como causas
destas alterações. No entanto, a relação não é
consistente, sendo ainda necessária uma prova definitiva
que o excesso de energia cause deformidades flexurais
nos eqüinos (STASHAK, 1994).
Deformidades flexurais interfalangeanas
Este tipo de deformidade envolve o tendão flexor
digital profundo. Muitas podem ser as causas destas
deformidades, e mais de uma causa pode estar presente
em um mesmo animal (WAGNER, 1994).
Os sinais clínicos iniciais incluem projeção dorsal
da região supra-coronária, aumento da altura dos talões
40
em comparação com o tamanho da pinça e falta de
contato dos talões com o solo após casqueamento.
Eventualmente, os cascos podem se tornar achatados
na região da pinça, e a parede dorsal se tornar plana
(HUNT, 2003).
As deformidades flexurais interfalangeanas podem
ser classificadas da seguinte maneira:
- Grau I: Ocorre discreta elevação do talão com
tensão aumentada no tendão flexor digital
profundo. A muralha do casco tende à
perpendicularização em relação ao eixo
podofalangeano-solo. O ângulo metacarpofalangeano permanece inalterado.
- Grau II: A muralha do casco adquire completa
perpendicularidade em relação ao eixo
podofalangeano-solo, com crescimento anormal
dos talões e tendência ao encastelamento. Ocorre
desgaste da pinça.
- Grau III: Observa-se evidente projeção cranial
da muralha podendo até, nos casos mais graves,
onde o ligamento suspensor do boleto participa
do processo da contratura, ocorrer o apoio da
região cranial das articulações interfalangeanas no
solo. Nesta situação haverá crescimento
exagerado do casco que não sofre desgaste, e
em alguns casos, poderão ser observados
ferimentos profundos da articulação metacarpofalangeana ou metatarso-falangeana
(THOMASSIAN, 1996).
O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica
do processo, no diferencial quanto às estruturas
atingidas, e na ocorrência de fatores etiológicos
predisponentes. Nos graus de deformidades mais graves,
os exames radiográficos e ultrassonográficos permitem
que se avalie o nível de comprometimento de estruturas
articulares que podem interferir nos resultados dos
tratamentos a serem instituídos, assim como a evolução
das alterações que puderem ser diagnosticadas
(THOMASSIAN, 1996).
O tratamento clínico deve ser baseado na
associação de terapias e mudanças de manejo, como
descrito a seguir:
- Correção da dieta: o balanço nutricional é
importante para o normal desenvolvimento do
esqueleto e da ossificação endocondral. Se
necessário, os ajustes devem ser realizados
imediatamente após a identificação do
desequilíbrio.
- Antiinflamatórios não-esteroidais: o alongamento
passivo dos tendões é um processo doloroso.
Deve-se fazer a utilização de baixas doses de
antiinflamatórios visando facilitar a sustentação do
animal em posição quadrupedal e a deambulação.
- Exercício: a combinação da utilização de
analgésicos e a proteção dos cascos, associadas
ao exercício podem permitir o alongamento da
estrutura muscular e corrigir o problema.
- Extensão na pinça dos cascos: a aplicação de
extensões nas ferraduras na região da pinça dos
cascos é uma das formas mais efetivas de
tratamento das deformidades flexurais. O objetivo
deste tratamento é proteger a pinça e evitar o uso
excessivo desta região. Adicionalmente, estas
extensões movem a distribuição do peso do animal
para as porções posteriores do casco, e ainda
atrasam o momento de saída do casco do chão,
gerando maior tensão sobre os tecidos moles
palmares ou plantares da região falangeana.
- Imobilização com gesso: a imobilização do
membro causa relaxamento temporário dos
tendões, e este fato pode ser aplicado ao
tratamento das deformidades flexurais. Devido às
complicações associadas com esta forma de
tratamento, elas são raramente utilizadas (AUER;
STICK, 2006).
A terapia cirúrgica é bem sucedida quando
realizada precocemente, portanto devem-se fazer
avaliações periódicas do progresso do membro
acometido, se a terapia inicialmente escolhida for
conservadora. Caso não se observe nenhuma melhora
substancial em 3 a 4 semanas, a intervenção cirúrgica é
indicada. Nestes casos, geralmente se realiza a
desmotomia do acessório do tendão flexor digital
profundo, associada à utilização de ferraduras corretivas
(WAGNER, 1994; WAGNER et al., 1985b).
Casos severos deste tipo de deformidade flexural,
onde a parede dorsal do casco forma um ângulo de menos
de 90 graus com o solo, têm sido tratados com sucesso
através da tenotomia do flexor digital profundo. A
transecção deste tendão é procedimento radical, e
somente em casos onde há contração secundária da
cápsula articular e dos tecidos moles periarticulares, o
animal não levantará a pinça do casco do chão como
acontece em casos de ruptura traumática deste tendão
(HUNT, 2003; JANSSON; SONNICHSEN, 1995).
O prognóstico para cavalos jovens com
deformidades leves ou moderadas da articulação
interfalangeana distal é bom para o uso atlético do animal.
Animais que necessitam a desmotomia do acessório do
flexor digital profundo têm desenvolvido atividades de
corrida com sucesso. Cavalos que necessitam de
tenotomia do flexor digital profundo para resolução da
deformidade têm sido utilizados somente para trabalhos
leves (ADAMS; SANTSCHI, 1999).
Deformidades flexurais metacarpo / metatarsofalangeanas
Três estruturas sustentam a articulação metacarpofalangeana durante a fase de sustentação do peso do
animal: o tendão flexor digital superficial, o tendão flexor
digital profundo e o ligamento suspensor do boleto. As
deformidades flexurais metacarpo-falangenas podem ser
primariamente causadas por um encurtamento das
unidades musculotendíneas do flexor digital superficial.
Secundariamente, pode ocorrer o encurtamento das
mesmas unidades do flexor digital profundo, que faz com
que esta estrutura limite o retorno da articulação à posição
normal. Raramente, o ligamento suspensor do boleto
pode ser a estrutura limitante (ADAMS; SANTSCHI,
1999).
As deformidades metacarpo-falangeanas podem
ser classificadas em:
- Grau I: Ocorre apenas ligeiro desvio cranial da
articulação metacarpo-falangeana com discreto
aumento de seu ângulo anterior.
- Grau II: Ocorre perpendicularização do eixo
metacarpo-falangeano.
- Grau III: Observa-se evidente projeção cranial
da articulação metacarpo-falangeana. Nestas
condições poderá ocorrer tensão do tendão
extensor digital lateral que fica proeminente na face
crânio-lateral do metacarpo (THOMASSIAN,
1996).
Em função das estruturas acometidas, e do grau
de deformidade, o animal apresentará quadro clínico bem
definido e fácil de ser identificado. Quando apenas o
tendão flexor digital superficial encontra-se envolvido no
processo, o cavalo terá projeção cranial da articulação
metacarpo ou metatarso-falangeana, caracterizando o
que popularmente é denominado de emboletamento. Esta
apresentação estática do animal em termos de aprumos
irá proporcionar sobrecarga na articulação envolvida, e
perda da capacidade da absorção de impacto mecânico,
predispondo a região a graves traumatismos. O animal
apresentará claudicação variável, tendendo a um forte
movimento cranial da articulação, e tem-se a sensação
que ocorrerá, mesmo que momentaneamente, a perda
da capacidade de sustentação do corpo
(THOMASSIAN, 1996).
O tratamento clínico consiste na associação de
mudanças de manejo, utilização de fármacos,
casqueamento e ferrageamento corretivos, e fisioterapia
41
como descrito a seguir:
- Avaliação e correção do manejo e da
alimentação: o principal grupo acometido é dos
potros que são submetidos à superalimentação e
exercícios para serem vendidos precocemente.
- Casqueamento e ferrageamento corretivos: os
prolongamentos da ferradura em região de pinça
podem ser utilizados com sucesso nestes casos.
No momento da mudança de passo do animal, o
casco irá demorar mais tempo para sair do chão,
e maior tensão será exercida sobre os tendões
flexores durante a fase caudal do passo, facilitando
a extensão do membro.
- Antiinflamatórios não esteroidais: podem ser
utilizados com o intuito de obter controle da dor,
facilitando o alongamento dos tendões flexores e
seus ligamentos acessórios.
- Fisioterapia: a manutenção do membro
contralateral em elevação faz com que o animal
distribua maior carga de peso sobre o membro
acometido, forçando a realização do movimento
de extensão. Adicionalmente, o animal deve ser
estimulado a andar desta forma.
- Imobilizações: podem facilitar a resolução das
deformidades, principalmente nos casos
diagnosticados de forma precoce. Deve-se ter
cuidado para prevenir a indução de feridas por
compressão.
- Ferraduras com barras verticais: A utilização de
ferraduras com barras verticais unidas a tubos que
podem ser fixados em região proximal à
articulação do boleto pode ser uma forma efetiva
de tratamento. Com este material, o membro é
forçado a se manter em extensão durante todo o
tempo (AUER; STICK, 2006).
A desmotomia do acessório do flexor digital
profundo é um tratamento efetivo para as deformidades
metacarpo-falangeanas. Devido a este tipo de
deformidade ser associada ao tendão flexor digital
superficial, o papel da desmotomia do acessório do
flexor digital profundo na sua correção é de difícil
explicação. Acredita-se que a deformidade metacarpofalangeana é conseqüência de graus variados de
envolvimento dos tendões flexores superficial e profundo
e ligamento suspensor do boleto (WAGNER et al,
1985b).
Os resultados dos tratamentos cirúrgicos nas
deformidades flexurais da articulação metacarpofalangeana são menos previsíveis que nas deformidades
interfalangeanas distais. Vários tratamentos cirúrgicos
estão à disposição. Se o tendão flexor digital superficial
42
é o mais tenso, tanto a tenotomia do flexor digital
superficial quanto a desmotomia de seu acessório podem
ser realizadas. A desmotomia tem obtido bons resultados,
porém existem citações de falhas na obtenção de melhora
utilizando esta técnica. (STASHAK, 1994).
O prognóstico para cavalos com deformidades
flexurais adquiridas leves da articulação metacarpofalangeana depende da resposta à terapia instituída. Nos
casos de deformidades severas, dificilmente conseguese a correção da lesão (ADAMS; SANTSCHI, 1999).
Deformidades flexurais cárpicas
Deformidades flexurais cárpicas adquiridas são
normalmente resultado de trauma com subseqüente
desuso ou não sustentação do peso sobre o membro
acometido. O carpo é projetado anteriormente, e com
o tempo, se torna restrito à posição flexionada (ADAMS;
SANTSCHI, 1999).
O tratamento para as deformidades flexurais
cárpicas em potros é baseado na eliminação da causa
primária, e se o problema for reconhecido precocemente,
o tratamento conservativo geralmente é efetivo. As
deformidades podem demorar semanas ou até meses
para serem corrigidas. Talas, bandagens ou a utilização
sistêmica de oxitetraciclina podem auxiliar o tratamento
(HUNT, 2003).
Em casos que não respondem à terapia clínica, a
tenotomia do ulnar lateral e do flexor carpo ulnar podem
ser realizadas com bons resultados. A manipulação
passiva da região cárpica pode demonstrar a grande
mobilidade obtida com este procedimento (AUER;
STICK, 2006).
Discussão
A classificação das deformidades flexurais em
animais jovens pode ser difícil de se realizar no momento
do exame clínico, se o animal não é acompanhado desde
o nascimento. Para se classificar as deformidades
adquiridas em potros, torna-se necessária a identificação
da causa primária da deformidade, fato que em alguns
casos pode ser um fator limitante. O envolvimento de
fatores genéticos, como o rápido desenvolvimento, pode
impossibilitar a diferenciação entre deformidade congênita
ou adquirida.
Concordando com Auer e Stick (2006), o
diagnóstico das deformidades flexurais congênitas deve
ser baseado na apresentação clínica do animal. O exame
físico de rotina neste tipo de alteração é baseado no
posicionamento do animal quando em posição
quadrupedal, e na capacidade de extensão e flexão da
articulação envolvida. A palpação dos tendões e
ligamentos regionais deve ser realizada com o membro
em apoio e em elevação. O principal exame auxiliar a
ser realizado é o radiográfico, visando a avaliação da
integridade óssea e articular.
O tratamento para os animais deve ser instituído
imediatamente após o diagnóstico da afecção. A
agressividade do tratamento e a determinação de seus
tipos variam de acordo com a severidade das lesões,
concordando com Embertson (1994). Os procedimentos
cirúrgicos devem ser realizados de acordo com as futuras
necessidades de atividades esportivas do animal.
Conclusão
As deformidades flexurais dos eqüinos, embora
tratadas com sucesso por meio de métodos clínicos ou
cirúrgicos, ainda apresentam falhas no seu completo
entendimento. O tema foi foco de estudos nas décadas
de 80 e 90, e atualmente não recebe a devida
importância. Maiores pesquisas são necessárias para
tornar as deformidades flexurais mais transparentes à
ciência, e ainda, para permitir o uso de novas técnicas
diagnósticas e terapêuticas.
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Recebido em 15 de fevereiro de 2007 e aprovado em
09 de agosto de 2007.
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