Poderá o carvão ser mais limpo?

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Poderá o carvão ser mais limpo?
É o combustível fóssil mais sujo. Queimamos oito mil milhões de toneladas de carvão por ano. O
mundo precisa agora de fazer a seguinte pergunta:
Poderá o carvão ser mais limpo?
Texto de Michelle Nijhuis e fotografias de Robb Kendrick
JULIETTE, GEÓRGIA – Vapor e fumo elevam-se das torres de arrefecimento e das chaminés da central Robert W.
Scherer, a maior emissora de gases com efeito de estufa dos EUA. Queimam-se aqui 12 milhões de toneladas de
carvão por ano.
Parte I – O carvão invisível
Segundo os ambientalistas, o carvão limpo é um mito. É claro que é.
Basta olhar para o estado da Virgínia Ocidental, onde cumes dos Apalaches foram
arrasados e despejados no fundo dos vales para chegar ao carvão subjacente e onde os rios
adquirem tons cor de laranja devido às águas ácidas. Em alternativa, também se pode passear
pela Baixa de Pequim, onde o ar é frequentemente mais espesso do que numa zona reservada a
fumadores de um aeroporto. Na China, a poluição atmosférica, muita da qual causada pela
combustão do carvão, é responsável por mais de um milhão de mortes prematuras por ano.
Até aqui, nada de novo. Em finais do século XVII, quando o carvão extraído no País de
Gales e em Northumberland acendia os primeiros fogos da revolução industrial na Grã-Bretanha,
o escritor inglês John Evelyn já se queixava do “fedor e escuridão” do fumo que envolvia Londres.
Três séculos mais tarde, em Dezembro de 1952, uma espessa camada de nevoeiro carregado de
carvão caiu sobre a cidade e demorou-se durante um longo fim-de-semana, provocando uma
epidemia de doenças respiratórias. Nos meses seguintes, é provável que tenham morrido 12 mil
pessoas. Acontecimentos traumáticos semelhantes registaram-se em muitas outras cidades.
Para aplicar o eufemismo dos economistas, o carvão está eivado de “externalidades” –
os pesados custos com que sobrecarrega a sociedade. É a fonte energética mais mortífera e suja
de que dispomos. No entanto, também é, na maioria dos critérios, a mais barata e nós
dependemos dela. Portanto, a grande pergunta actualmente formulada não é se o carvão poderá
alguma vez tornar-se “limpo”. Não pode. A pergunta é se poderá alguma vez tornar-se
suficientemente limpo de maneira a prevenir catástrofes a nível local e também uma alteração
radical do clima planetário.
Em Junho de 2013, num dia quente e húmido em Washington, DC, o presidente norteamericano Barack Obama proferiu o discurso sobre o clima que as indústrias do carvão e da
electricidade temiam e os ambientalistas aguardavam com expectativa desde a sua tomada de
posse em 2009. Obama anunciou que, em Junho de 2014, a Agência para a Protecção do
Ambiente dos EUA (EPA) apresentaria novos regulamentos destinados a “pôr fim à geração sem
restrições de poluição por carbono feita pelas nossas centrais electroprodutoras”. Os
regulamentos seriam promulgados ao abrigo da Lei do Ar Limpo, inspirada em parte pela
catástrofe acontecida em Donora, na Pensilvânia, em 1948. Essa legislação já foi aplicada para
reduzir as emissões de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e partículas de fuligem originadas
pelas centrais electroprodutoras, mas o dióxido de carbono, causa principal do aquecimento
global, é um problema de magnitude bem diferente.
Em 2012, o planeta emitiu um valor recorde de 34.500 milhões de toneladas de dióxido
de carbono originado por combustíveis fósseis. O carvão foi o maior responsável por estas
emissões. Ultimamente, a disponibilidade de gás natural barato tem feito diminuir a procura de
carvão nos EUA, mas, em todos os outros países, em especial na China, a procura está a aumentar.
Nas próximas duas décadas, várias centenas de milhões de pessoas em todo o mundo terão
acesso à energia eléctrica pela primeira vez e, a manterem-se as tendências actuais, consumirão
na sua maioria electricidade gerada a partir de carvão. Mesmo o mais agressivo apoio às fontes
de energia alternativas e à conservação de energia não seria capaz de substituir o carvão, pelo
menos não de imediato.
A que velocidade irá o Árctico derreter, até que altura irá subir o nível dos mares, quão
quentes irão tornar-se as vagas de calor? Todas estas dúvidas do nosso futuro incerto dependem
do que o planeta fizer com o seu carvão, em particular do que os EUA e a China fizerem. Iremos
continuar a queimar carvão e a libertá-lo na atmosfera sem limites? Ou encontraremos uma
forma de captar o carbono, tal como fazemos com o enxofre e o azoto gerados por combustíveis
fósseis, armazenando-o debaixo do solo?
“Precisamos de desenvolver todos os esforços que pudermos em prol das energias
renováveis, da eficiência energética e da redução das emissões de carbono originadas pelo
carvão,” afirma Sally Benson, investigadora da Universidade de Stanford especializada em
armazenagem do carbono. O problema do carbono é demasiado grande.
A CENTRAL MOUNTAINEER, pertencente à American Electric Power, situada junto ao rio
Ohio, em New Haven, devora mais de 450 mil quilogramas de carvão dos Apalaches por hora.
Acabado de extrair do solo, o carvão é transportado por barcaças ou por uma correia de
transmissão que o traz da mina do outro lado da estrada. No interior da central, os pedaços de
carvão, do tamanho de bolas de golfe, são triturados até formarem uma poeira fina e, de seguida,
soprados para o interior da fornalha de uma das maiores caldeiras do mundo. As três turbinas da
central, alimentadas a vapor, fornecem electricidade 24 horas por dia a 1,3 milhões de clientes
em sete estados. Esses clientes pagam cerca de 7 cêntimos por quilowatt-hora, ou
aproximadamente 85 euros por mês, para alimentar os seus frigoríficos, máquinas de lavar,
máquinas de secar, ecrãs planos e telefones inteligentes, sem contar com a iluminação, de um
agregado familiar médio. E como me disse muitas vezes Charlie Powell, director da central
Mountaineer, até os ambientalistas gostam de ter as luzes sempre acesas.
No entanto, os clientes não pagam um único cêntimo, nem a American Electric Power
(AEP) o faz, pelo privilégio de libertar para a atmosfera seis a sete milhões de toneladas de dióxido
de carbono por ano através da chaminé da Mountaineer. E o problema é esse mesmo. O carbono
é despejado sem limites porque, na maioria dos lugares, não custa nada fazê-lo e porque ainda
não existe nos EUA qualquer lei que o proíba. Em 2009, contudo, tudo apontava para que fosse
aprovada em breve legislação: nesse Verão, a Câmara dos Representantes já aprovara uma lei. A
AEP, numa iniciativa louvável, decidiu antecipar-se.
Em Outubro desse ano, a central Mountaineer dava início a uma experiência pioneira de
captação de carbono, supervisionada por Charlie Powell. Segundo ele, a tarefa era simples: “Nós
queimamos carvão, fabricamos vapor e fazemos funcionar turbinas.” Durante a experiência,
porém, o processo tornou-se mais complexo.
A AEP instalou uma unidade química nas traseiras da sua central electroprodutora, que
refrigerava cerca de 1,5% dos fumos gerados pela Mountaineer, canalizando-os através de uma
solução de carbonato de amónia, para absorver o CO₂. O CO₂ era então purificado, comprimido
e injectado numa formação de arenito porosa, menos de dois quilómetros abaixo das margens
do rio Ohio.
O sistema funcionou. Nos dois anos que se seguiram, a AEP captou e armazenou mais de
37 mil toneladas de dióxido de carbono puro. O CO₂ ainda se encontra debaixo de terra e não na
atmosfera. Tratava-se somente de 0,25% do gás libertado pela chaminé, mas seria um começo.
A AEP planeou aumentar a dimensão do projecto de maneira a captar um quarto das emissões
da central, ou seja, 1,5 milhões de toneladas de CO₂ por ano. A empresa concordara investir 253
milhões de euros e o Ministério Norte-Americano da Energia (DOE) aceitou investir um montante
idêntico. Mas o negócio dependia da capacidade de recuperação do investimento por parte da
AEP. E quando a legislação sobre as alterações climáticas foi chumbada pelo Senado, as entidades
estaduais reguladoras do serviço público informaram a empresa que não podia cobrar aos seus
clientes uma tecnologia ainda não exigida por lei.
No Verão de 2011, a AEP pôs termo ao projecto, desmantelando o equipamento
instalado. Embora de pequena dimensão, o sistema da central Mountaineer fora o primeiro a
nível mundial a captar e a armazenar dióxido de carbono directamente a partir de uma central
electroprodutora alimentada a carvão, atraindo centenas de visitantes curiosos de todo o mundo.
“O processo funcionou e foi pedagógico”, disse Charlie Powell. “Mas, agora, vai ser preciso outro
avanço significativo para torná-lo economicamente viável.” Acima de tudo, esse avanço terá de
ser legislativo, como o prometido por Obama no Verão passado. E, pelo meio, serão necessários
mais avanços técnicos.
ARTE: ÁLVARO VALIÑO | FONTES: HOWARD HERZOG, MIT; AGÊNCIA DE INFORMAÇÃO ENERGÉTICA DOS EUA
A CAPTAÇÃO DE DIÓXIDO DE CARBONO, o
armazenamento ou o “sequestro” debaixo do solo, em
formações rochosas com porosidade, afigura-se, para
aqueles que criticam este sistema, uma solução tecnológica
fantasista. No entanto, nas últimas três décadas, o DOE
despendeu cerca de cinco mil milhões de euros nesta
tecnologia, em investigação e testes. E há mais de quatro
décadas que a indústria petrolífera injecta dióxido de
carbono comprimido no interior de jazidas petrolíferas
esgotadas, utilizando-o para empurrar até à superfície o
petróleo remanescente aí retido. Nas Grandes Planícies do
Canadá, esta prática transformou-se numa das maiores
operações mundiais de armazenagem subterrânea de
carbono.
Desde 2000, mais de vinte milhões de toneladas de dióxido de carbono foram captadas
numa central no Dakota do Norte, que transforma carvão em gás natural sintético, sendo
transportadas por gasoduto para norte até Saskatchewan. Uma vez ali recebidas, a companhia
petrolífera canadiana Cenovus Energy injecta o CO₂ nas profundezas dos campos Weyburn e
Midale, uma extensa área petrolífera quase desactivada. Dois a três barris de petróleo são
extraídos por cada tonelada de CO₂, o qual é depois injectado de novo no reservatório para
armazenagem. E ali fica ele, quase a um quilómetro e meio de profundidade, retido debaixo de
camadas impermeáveis de xisto e sal.
Durante quanto tempo? Alguns depósitos naturais de dióxido de carbono permanecem
incólumes há milhões de anos. O CO₂ existente nalguns deles tem sido extraído e vendido às
companhias petrolíferas, mas a libertação repentina de CO₂ em grandes quantidades pode ser
mortífera para pessoas e animais, em particular quando se acumula e se concentra num espaço
confinado. Até ao momento, nenhuma grande fuga foi documentada em Weyburn, monitorizada
pela Agência Internacional de Energia, nem em nenhum dos outros grandes locais de
armazenagem, dispersos por várias regiões do planeta. Para a comunidade científica, o risco de
uma fuga catastrófica é extremamente baixo.
Na verdade, as pequenas fugas crónicas geram mais preocupação, pois podem minar o
objectivo deste empreendimento. Segundo os geofísicos Mark Zoback e Steven Gorelick, em
lugares onde a rocha seja quebradiça e tenha falhas, a injecção de dióxido de carbono poderá
desencadear pequenos sismos que, apesar de inofensivos em todos os restantes aspectos, talvez
façam estalar o xisto localizado sobre eles, permitindo as fugas de CO₂. Para Mark e Steven, a
armazenagem de carbono é “uma estratégia extremamente dispendiosa e arriscada". Mas até
eles concordam que o carbono poderá ser armazenado com eficácia em alguns lugares – por
exemplo, a jazida de gás Sleipner, no mar do Norte, onde, nos últimos 17 anos, a companhia
petrolífera norueguesa Statoil injectou cerca de um milhão de toneladas de CO₂ por ano, numa
camada de arenito saturado de água salgada um quilómetro abaixo do fundo do mar. É uma
formação tão espaçosa que todo o CO₂ já injectado não gerou aumento da pressão interna. Não
se registaram sinais de sismos ou fugas.
Segundo cálculos de investigadores europeus, o equivalente a um século de emissões
geradas por centrais electroprodutoras poderia ser armazenado debaixo do mar do Norte. De
acordo com o DOE, outros “aquíferos salinos de profundidade” semelhantes sob o solo dos EUA
terão capacidade para guardar o equivalente a mais de mil anos de emissões das centrais
electroprodutoras do país. Outros tipos de rocha também têm potencial como sequestradoras
de carbono. No âmbito de experiências em curso na Islândia e na bacia do rio Colúmbia, no estado
de Washington, pequenas quantidades de dióxido de carbono estão a ser injectadas em basalto
vulcânico. Prevê-se que, uma vez no seu interior, o gás reaja com o cálcio e o magnésio e forme
uma rocha carbonatada, eliminando assim o risco de fugas de gás.
O CO₂ injectado pela Statoil em Sleipner não provém de queima: trata-se de uma impureza
contida no gás natural extraído do fundo do mar pela empresa. Antes de poder fornecer o gás
aos clientes, a Statoil precisa de retirar dele o CO₂, separando-o. Antigamente, limitava-se a
libertá--lo para a atmosfera. Em 1991, porém, a Noruega instituiu uma taxa de carbono (hoje é
de cerca de 49 euros por tonelada). A Statoil despende apenas 13 euros na reinjecção do
CO₂ debaixo do fundo marinho. Em Sleipner, portanto, o armazenamento de carbono é muito
mais barato do que o seu despejo na atmosfera, razão pela qual a Statoil investiu nesta
tecnologia. A sua operação de gás natural continua a ser altamente lucrativa.
NAS CENTRAIS ALIMENTADAS a carvão, a situação é diferente. O CO₂ integra-se num
misto complexo de gases de combustão e as centrais não têm incentivo financeiro para captá-lo.
Como os engenheiros da Mountaineer aprenderam, a captação é a componente mais dispendiosa
de qualquer projecto de armazenamento. Na central Mountaineer, o sistema de absorção de
CO₂ tinha a dimensão de um prédio de apartamentos com dez andares, ocupava 5,6 hectares… e
captava uma fracção minúscula das emissões da central. O absorvente precisava de ser aquecido
para libertar o CO₂, o qual, em seguida, tinha de ser altamente comprimido para armazenagem.
Estas etapas envolvem um elevado consumo de energia e geram aquilo a que os engenheiros
chamam “carga parasítica", que pode chegar a consumir um máximo de 30% da energia total
produzida por uma central a carvão que esteja a captar a totalidade do seu carbono.
Uma forma de reduzir este prejuízo consiste em gaseificar o carvão antes da queima. A
gaseificação pode tornar a produção de electricidade mais eficiente e permite que o dióxido de
carbono seja separado com mais eficiência e de maneira mais barata. A nova central
electroprodutora que está a ser construída no condado Kemper, no Mississípi, projectada tendo
em mente a captação do carbono, gaseificará o seu carvão.
As centrais existentes, geralmente concebidas para queimar carvão pulverizado,
requerem outra abordagem. Uma ideia passa pela realização da combustão do carvão em
oxigénio puro, em vez de ar. Este processo gera um gás de combustão mais simples, do qual é
mais fácil extrair o CO₂.
POCA, VIRGÍNIA OCIDENTAL – A equipa do Liceu de Poca treina perto de uma central alimentada a carvão,
responsável pelo abastecimento de quase dois milhões de lares. Purificadores limpam parcialmente o enxofre e o
mercúrio, mas não o carbono.
NA VIRGÍNIA OCIDENTAL, hoje em dia, há minas de carvão seculares encerradas, à
medida que as centrais electroprodutoras se vão convertendo ao gás natural. Como os preços do
gás atingem mínimos históricos nos EUA, o carvão pode ser visto como o combustível do passado
e o investimento em tecnologias avançadas de carvão pode, no mínimo, ser visto como um passo
mal ponderado. Em Yulin, na China, a perspectiva é diferente.
Yulin localiza-se na extremidade oriental da bacia do Ordos, na Mongólia Interior, a 800
quilómetros de Pequim. As dunas que rodeiam florestas de prédios de apartamentos ainda por
ocupar transbordam sobre os muros de retenção que protegem a auto-estrada e sopram nuvens
de sujidade pelas ruas. Yulin e os seus três milhões de habitantes carecem de chuva e de sombra.
O clima é quente no Verão e frio no Inverno. Mas a região foi abençoada com recursos minerais,
incluindo algumas das mais ricas jazidas de carvão do país. O carvão parece ser o combustível do
progresso.
Os planaltos arenosos em torno de Yulin apresentam-se marcados por chaminés altas de
centrais electroprodutoras alimentadas a carvão. Gigantescas unidades transformadoras de
carvão, com dormitórios para trabalhadores residentes, estendem-se por muitos quilómetros
deserto afora. Nas novas centrais a carvão, trabalha um grande número de jovens vestidos de
fato-macaco. O carvão assegura 80% da energia eléctrica da China, mas não serve só para isso.
Uma vez que é um combustível muito abundante no país, é igualmente utilizado para obter
dezenas de produtos químicos industriais e combustíveis líquidos, papel desempenhado pelo
petróleo na maior parte dos outros países. Aqui, o carvão é um ingrediente essencial no fabrico
de produtos que vão do plástico à fibra têxtil artificial.
Dados relativos à URSS anteriormente a 1992 | FONTES: THOMAS BODEN, CENTRO DE ANÁLISE DE INFORMAÇÃO
SOBRE DIÓXIDO DE CARBONO/LABORATÓRIO NACIONAL DE OAK RIDGE, MINISTÉRIO DA ENERGIA (DOE) DOS EUA; R.
A. HOUGHTON, CENTRO WOODS HOLE PARA A INVESTIGAÇÃO; EPA
O carvão também tornou a China um dos principais países responsáveis pelas emissões
totais de dióxido de carbono, embora os EUA liderem a grande distância as emissões per capita.
A China não vai abandonar o consumo do carvão, mas está cada vez mais consciente dos custos
associados. “Nos últimos dez anos, o ambiente, que antes estava ausente das prioridades
políticas, passou a ocupar a posição cimeira da agenda”, diz Deborah Seligsohn, investigadora em
políticas públicas ambientais da Universidade da Califórnia, com quase duas décadas de
experiência na China. Graças às queixas dos cidadãos relativamente à má qualidade do ar, à
consciência por parte das autoridades dos riscos comportados pelas alterações climáticas e a um
desejo de segurança energética e vantagem tecnológica, a China investiu centenas de milhares
de milhões de euros em energias renováveis. É um dos maiores fabricantes de turbinas eólicas e
de painéis solares: gigantescos parques solares dispersam-se entre as chaminés fabris em redor
de Yulin. Mas o país também promove a geração ultra-eficiente de electricidade a partir do carvão
e uma captação de carbono mais simples e mais barata.
Estes esforços atraem investimentos e imigrantes. Will Latta, fundador da empresa de
engenharia ambiental LP Amina, é um norte-americano residente em Pequim que colabora de
perto com as empresas de serviço público chinesas. “A China diz abertamente: ‘O carvão é barato,
nós temos montanhas de carvão e elas tornam-nos competitivos’”, refere. “Ao mesmo tempo, os
chineses têm consciência de que não é sustentável em termos ambientais. E por isso estão a fazer
grandes investimentos para torná-lo limpo.” Em Tianjin, a cerca de 140 quilómetros de Pequim,
está prevista para 2016 a inauguração da primeira central electroprodutora da China concebida
à partida para realizar a captação do carbono. Denominada GreenGen, acabará por captar 80%
das suas emissões.
NO OUTONO DE 2013, enquanto o consumo mundial de carvão e as emissões mundiais
de carbono se encaminhavam para recordes históricos, o Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC) publicou o seu último relatório. Pela primeira vez, calculou-se um
limiar de emissões para o planeta: a quantidade total de carbono que podemos libertar se
quisermos que a subida das temperaturas não exceda 2ºC, nível considerado por muitos
cientistas como correspondendo a um limiar de prejuízo grave. A contagem começou no século
XIX, quando a revolução industrial se disseminou. O IPCC concluiu que já emitimos mais de
metade do nosso limiar de carbono. A manter-se o rumo, vamos emitir o restante em menos de
trinta anos.
A alteração desse rumo através da captação do carbono implicaria um esforço colossal.
Para captar e armazenar apenas um décimo das emissões actualmente geradas em todo o
planeta, seria necessário bombear para depósitos subterrâneos um volume de
CO₂ aproximadamente idêntico ao volume de petróleo actualmente extraído. Seria preciso
instalar muitas condutas e poços de injecção. Em contrapartida, para obter o mesmo resultado
substituindo o carvão por painéis solares com zero emissões, seria necessário abranger uma área
quatro vezes maior do que o Algarve. A dimensão das soluções é gigantesca porque o problema
é gigantesco. E precisamos delas todas.
“Se estivéssemos a falar de um problema que pudesse ser resolvido reduzindo em 5 ou
10% as emissões de gases com efeito de estufa, não precisaríamos de pensar em captação e
armazenamento de carbono”, diz Edward Rubin, da Universidade Carnegie Mellon. “No entanto,
estamos a falar na redução das emissões globais em aproximadamente 80% nos próximos 30 a
40 anos.” A captação de carbono oferece a possibilidade de concretizar rapidamente grandes
cortes nas emissões: a captação do CO₂ de uma única central electroprodutora de 1000 MW, por
exemplo, seria equivalente a 2,8 milhões de pessoas trocarem as suas carrinhas de caixa aberta
por carros híbridos.
A primeira central electroprodutora projectada nos EUA para captar carbono deverá ser
inaugurada nas próximas semanas. A central de gaseificação de carvão de Kemper County, na
região oriental do estado do Mississípi, captará mais de metade das suas emissões de CO₂ e
canalizá-las-á através de condutas para campos petrolíferos nas redondezas. No entanto, a
tecnologia só poderá difundir-se quando as administrações públicas a exigirem, ora impondo um
preço sobre o carbono, ora regulamentando directamente as emissões. “A captação de carbono
necessita precisamente de regulamentação”, explica o investigador James Dooley, do Laboratório
Nacional do DOE para o Pacífico-Noroeste. A EPA concretizou este ano a promessa de Obama de
regulamentar as emissões de carbono de todas as centrais electroprodutoras, novas e já
existentes, mas falta perceber se essas normas sobrevivem aos processos judiciais. De todo o
modo, há finalmente um impulso há muito desejado para a captação de carbono.
Entretanto, a China deu início a experiências regionais com uma abordagem mais próxima
das condições de mercado, um processo do qual os EUA foram pioneiros na década de 1990,
quando a EPA recorreu à Lei do Ar Limpo para impor um limite máximo ao total de emissões de
dióxido de enxofre geradas pelas centrais electroprodutoras, atribuindo licenças de poluição
transaccionáveis a cada poluidor individual. Nessa época, a indústria da electricidade previu
consequências económicas catastróficas. Em vez disso, a solução deu origem a tecnologias
inovadoras e gradualmente mais baratas, melhorando significativamente a limpeza da atmosfera.
Segundo Edward Rubin, os sistemas de captação de carbono estão numa fase muito semelhante
àquela em que se encontravam os sistemas do dióxido de enxofre na década de 1980. Assim que
os limites às emissões criem um mercado para elas, o seu custo poderá igualmente baixar de
maneira drástica.
Se isso acontecer, o carvão continuará a não ser limpo, mas será muito mais limpo do
que na actualidade. E o planeta será mais fresco do que seria se continuarmos a queimar carvão
com os mesmos métodos sujos de antigamente.
Parte II – Impactes visíveis
O mundo obtém enormes quantidades de energia do carvão e gasta enormes
quantidades de energia a extraí-lo. O carbono libertado para a atmosfera é um mero eco
fantasmagórico de uma indústria com impactes monumentais.
QUEENSLAND, AUSTRÁLIA – Máquinas pesadas carregam carvão em navios que partem para a China e para a Índia. A
Austrália é o segundo maior exportador mundial de carvão, apenas superada pela Indonésia.
China:
A china queima quase metade do carvão mundial para sustentar um aumento de 13 vezes da
produção de electricidade desde 1980. A procura aumenta, tal como os protestos do público
devido à atmosfera suja das cidades chinesas, associada a 1,2 milhões de mortes por ano.
XUOZHOU, CHINA – Perto de uma central na província de Xanxi, no meio dos caules murchos da safra de milho, um
agricultor prepara-se para a Primavera. Esta central, que fornece electricidade a Pequim, cobre de fuligem os
campos, as colheitas e as pessoas da região.
DATONG, CHINA – Num terminal de carvão, operários retiram as pedras do meio de carvão de baixo preço à medida
que este passa numa correia transmissora. Trabalhando frequentemente sem máscaras, ganham 1,5 euros por cada
turno de onze horas.
EUA:
Os EUA extraem mais de mil milhões de toneladas de carvão por ano. Antigamente, ele provinha
de minas subterrâneas no Leste. Hoje, dominam as minas a céu aberto do Oeste. A procura
doméstica diminuiu, mas as exportações para a Europa e para a Ásia aumentaram.
MADISON, VIRGÍNIA OCIDENTAL – Por cada tonelada de carvão extraída da mina Hobet 21, são destruídos 15 metros
cúbicos de montanha, que são depois despejados em vales. Centenas de quilómetros quadrados de cristas dos
Apalaches foram destruídos desta maneira. PANORÂMICA COMPOSTA POR DUAS IMAGENS
NORFOLK, VIRGÍNIA – Neste terminal de carvão, vagões fazem fila para encher os navios em espera. Cerca de vinte
milhões de toneladas de carvão passam por aqui todos os anos, na sua maioria provenientes dos Apalaches.
ÍNDIA:
Tem 300 milhões de habitantes sem electricidade e as quintas maiores reservas de carvão
do mundo. A pressão para produzir está a causar baixas entre os mineiros, muitos dos quais
trabalham em minas ilegais e perigosas.
JHARKHAND, ÍNDIA – Um rapaz transporta um bloco de carvão até ao acampamento onde vive. A família queimará o
carvão para fabricar coque, um combustível mais limpo e que arde a temperatura mais elevada, usado em
aquecimento e alimentação.
JHARKHAND, ÍNDIA – O Nordeste da Índia tem um historial antigo de mineração e os incêndios provocados por
acidentes mineiros há quase um século ainda ardem em combustão lenta em jazidas de profundidade. Neste
acampamento, há fumo no ar de dia e de noite.
MEGHALAYA, ÍNDIA – Um mineiro trabalha numa das muitas centenas de minas de carvão do Leste da Índia não
aprovadas nem regulamentadas pelo Estado. Trabalha deitado sobre as costas em passagens de tecto baixo, não
escoradas, sem vestuário de protecção, utilizando picaretas, pá e uma carreta. O carvão é retirado da mina através
de um poço, duas toneladas de cada vez, e depois transportado de camião até um armazém para triagem.
MEGHALAYA, ÍNDIA – Um mineiro trepa por uma escada instável até ver a luz do dia. Uma mina do século XIX nos
EUA ou na Europa talvez tivesse este aspecto. As minas são mais seguras hoje em dia, mas os custos ambientais do
carvão aumentaram e globalizaram-se.
Notícia adaptada de:
http://nationalgeographic.pt/index.php/artigos-arquivados/arquivo/75-163/292poder%C3%A1-o-carv%C3%A3o-ser-mais-limpo