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ARTIGO CIENTÍFICO
Encarte da Revista Átomo Nº 8 - SINQFAR
A Formação de Sais
no Desenvolvimento
de Fármacos
Aline Luci Glanzner1 e Daniel Mendes da Silva2
Curitiba
2010
1
Aline Luci Glanzner ([email protected]) é farmacêutica pelo Centro Universitário Metodista IPA.
Daniel Mendes da Silva ([email protected]) é farmacêutico e mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É também
professor de graduação do curso de Farmácia do Centro Universitário Metodista IPA e da UNIVATES.
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Encarte da Revista Átomo Nº 8 - SINQFAR
Sumário
1. Introdução
03
2. Propósito de revisão
04
3. Polimorfismo e Higroscopicidade
04
4. Ponto de fusão 06
5. Solubilidade
07
5.1 Perfil de Solubilidade por pH
09
5.2 Efeito íon-comum
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6. Considerações finais
13
7. Referências Bibliográficas 14
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1. Introdução
A exploração de sais a partir de ácidos e bases fracos que possuem efeitos farmacológicos
é uma das maneiras mais utilizadas para se contornar problemas no desenvolvimento de fármacos.
Os sais têm propriedades físicas diferentes de suas formas livres e podem ser usados para alterar
a higroscopicidade, a estabilidade, a solubilidade e a taxa de dissolução de um ingrediente
farmacêutico ativo.
O aumento da solubilidade e da taxa de dissolução pode melhorar a absorção do
fármaco, enquanto a diminuição da higroscopicidade e o aumento da estabilidade podem facilitar
ou até mesmo permitir sua produção comercial (Ando, Radebaugh, 2004). O efeito contrário
também pode ser o desejado: a benzilpenicilina benzatina, utilizado como antimicrobiano, é um sal
da benzilpenicilina muito pouco solúvel em água, e que, por isto, possui grande estabilidade e efeito
prolongado no organismo; a injeção de embonato de cicloguanil (antiparasitário), que manifestou
atividade profilática de até seis meses; embonatos de diidroestreptomicina (antimicrobiano),
fendimetrazina (anfetamina) e imipramina (antidepressivo) também possuem ação prolongada
(Korolkovas, Burckhalter, 1988). Sais também são utilizados para permitir um fármaco mais
adequado à produção e à comercialização: para mascarar o gosto amargo do cloranfenicol e da
clindamicina e torná-los aceitáveis às crianças, ambos foram convertidos às formas de palmitatos,
que são insípidos (Korolkovas, Burckhalter, 1988).
Até o momento nenhuma forma confiável de prever a influência do agente formador
de sal no comportamento do ácido/base foi encontrada; apenas regras práticas qualitativas mas que
servem apenas para algumas substâncias, não sendo totalmente confiáveis. Por isso, a seleção do
contra-ácido/-base apropriado para a produção de um sal com uma combinação de propriedades
desejadas é ainda realizada de forma empírica (O’Connor, Corrigan, 2001a).
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2. Propósito da Revisão
Esta revisão foi realizada como parte de um trabalho de pesquisa sobre a importância
da formação de sais no desenvolvimento de fármacos em geral. Esse assunto é um tanto vago, com
pouca literatura disponível, principalmente em língua portuguesa. A maior parte dos artigos trata
de sais de apenas um determinado medicamento, e não de sais no geral.
O propósito deste trabalho é esclarecer a importância da formação de sais para o
desenvolvimento de fármacos, mostrando as principais características que podem ser alteradas:
higroscopicidade, ponto de fusão e solubilidade. Também serão abordados os principais problemas
que podem decorrer da formação de sais, como o polimorfismo, a criação de solvatos e o efeito íoncomum. Para cada uma dessas características e problemas serão apresentados exemplos reais de sais
pesquisados na literatura revisada, a fim de demonstrar como a formação de sais influencia determinada
característica ou como determinado problema é causado e o que pode ser feito para contorná-lo.
3. Polimorfismo e Higroscopicidade
Um fármaco ideal deve manter suas propriedades físicas por longos períodos de armazenamento
de forma que observações repetidas gerem as mesmas características, como ponto de fusão ou solubilidade.
Entretanto, muitos sais são polimórficos, ou seja, são capazes de existir em duas ou mais formas cristalinas com
diferentes arranjos e/ou conformações de moléculas e, além disso, podem se transformar de uma forma para a
outra no estado sólido (Balbach, Korn, 2004). O polimorfismo é um fenômeno que pode ser observado em
mais da metade das substâncias ativas e pode ser um problema, principalmente se uma forma se transforma em
outra com propriedades físicas diferentes durante a produção do fármaco (Verbeeck, Kanfer, Walker, 2006).
Isso pode gerar substâncias finais com características imprevisíveis. Um exemplo é a suspensão de palmitato
de cloranfenicol (Huang, Tong, 2004). Este sal existe em diferentes formas cristalinas (A e B), sendo que a
forma B gera níveis no sangue muito mais altos que a forma A após a administração oral da suspensão. Uma
formulação da suspensão em particular pode não gerar os efeitos terapêuticos esperados se contiver muito mais
cristas na forma A que na forma B. Para evitar possíveis problemas, a forma mais estável termodinamicamente
do fármaco é preferida, onde “estável” significa que não haverá transformação da forma do cristal em intervalos
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aceitáveis de temperatura e umidade durante o processamento e armazenamento (Stahl, 2003).
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Outro problema é a criação de solvatos, quando moléculas do solvente utilizado na
síntese do sal são incluídas na estrutura cristalina, e em particular os hidratos, quando o solvente é a
água. Materiais anidros, que geralmente possuem maior solubilidade em água, podem se transformar
em hidratos em contato com água ou ar úmido, mudando as características de biodisponibilidade.
O uso de hidratos não é proibido no desenvolvimento de fármacos, contanto que os intervalos de
estabilidade climática sejam bem conhecidos e as condições climáticas sejam mantidas em níveis
que evitem transformações (Stahl, 2003).
Figura 1. Adsorção/dessorção do vapor d’água de três sais de uma base fraca.
Fonte: Giron e Grant (2002)
A tendência a formar hidratos é diretamente proporcional à higroscopicidade do
sal. A higroscopicidade é a capacidade de uma substância sorver moléculas de água do ambiente
onde se encontra, e quando aumentada pode reduzir a estabilidade do fármaco, especialmente se
o mesmo é sujeito à hidrólise (Verbeeck, Kanfer, Walker, 2006). A Figura 1 ilustra os processos
de hidratação e desidratação de três sais de uma base fraca (Giron, Grant, 2002). A base e seu
sal de maleato não são higroscópicos e não adsorvem água. O sal de malonato adsorve umidade
de forma reversível até uma mudança de massa que excede 22%. O sal de cloridrato é menos
higroscópico, mas é possível observar uma forte histerese (quando as curvas de adsorção e
dessorção são distintas) devido à formação de um hidrato estável. O sal de tartarato é ainda menos
higroscópico, exibindo uma discreta histerese. Esse exemplo ilustra como diferentes sais de uma
mesma substância podem ter valores distintos de higroscopicidade, ressaltando a importância
do estudo de polimorfismo e higroscopicidade dos sais candidatos a fármaco (Balbach, Korn,
2004).
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4. Ponto de Fusão
O ponto de fusão é uma das mais importantes propriedades físicas de um candidato
a fármaco. Substâncias com ponto de fusão abaixo de 100 ºC são difíceis de processar e triturar, já
que estas etapas da produção envolvem temperaturas elevadas, podendo ocorrer a sinterização ou a
própria fusão da substância (Stahl, Nakano, 2002). Geralmente, fármacos com baixo ponto de fusão
exibem deformações plásticas que podem resultar na aglomeração de partículas. Essa aglomeração
pode alterar as propriedades de fluxo e as características de compressão, impactando negativamente
na uniformidade da dose, na desintegração e na taxa de dissolução de formulações sólidas. Além
disso, a formação de materiais plásticos pode criar problemas para a redução de tamanho e para o
processamento de comprimidos, já que parte do material plástico pode aderir aos equipamentos de
trituração e compressão (Verbeeck, Kanfer, Walker, 2006).
Uma das principais maneiras de se alterar o ponto de fusão é através da formação de sal. O
aumento do ponto de fusão pode contornar os problemas de deformação plástica, bem como tornar
ácidos e bases fracos com baixo peso molecular em sólidos (Stahl, Nakano, 2002). Para formulações
sólidas o ponto de fusão de uma substância não deve ser inferior a 80 ºC; para candidatos a fármaco
com ponto de fusão abaixo deste valor a formação de sal é altamente recomendada (Balbach, Korn,
2004). Em alguns casos o contrário também acontece, ou seja, abaixar o ponto de fusão para permitir
o desenvolvimento de formulações tópicas ou líquidas (Stahl, Nakano, 2002). O íon conjugado
tem um papel fundamental na determinação do ponto de fusão do sal. Geralmente íons pequenos,
como o cloreto, aumentam o ponto de fusão devido às suas grandes densidades de carga (Giron,
Grant, 2002). A Tabela I mostra os diferentes pontos de fusão encontrados para diferentes sais de
diclofenaco.
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5. Solubilidade
Em geral, sais de ácidos ou bases orgânicas possuem maior solubilidade em água do que
suas correspondentes formas livres e, por isso, a formação de sal é a abordagem mais utilizada para
aumentar a solubilidade de fármacos (Sweetana, Akers, 1996). Um exemplo de como a formação de
sais pode alterar a solubilidade é o diclofenaco. O diclofenaco é um ácido com pKa de 3,8 a 25 ºC e
com baixíssima solubilidade em água (6 x 10-5 M a 25 ºC) (O’Connor, Corrigan, 2001a). É possível
observar na Tabela I que os diferentes sais de diclofenaco possuem valores distintos de solubilidade,
alguns dezenas de vezes maiores que outros. A solubilidade do diclofenaco é um problema desde seu
surgimento (Fini et al., 2007).
Os sais de aminas alifáticas do diclofenaco vêm sendo constantemente estudados nestes
últimos anos (O’Connor, Corrigan, 2001a; O’Connor, Corrigan, 2001b, Fini et al., 1996; Fini
et al., 1999a; Fini et al., 1999b; Fini et al., 2005; Fini et al., 2007), pois as aminas oferecem uma
grande gama de escolha de parâmetros estruturais úteis para se obter diferentes comportamentos
químicos, físicos e tecnológicos do sal gerado. O problema é que a formação de hidratos e a presença
de polimorfismo tende a ser comum com o uso das aminas, necessitando de estudos aprofundados
da estabilidade do sal antes de testes de solubilidade e pré-formulação a fim de estabelecer a forma
mais estável para isto (Fini et al., 2007).
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Hidróxi alquilaminas
Alquilaminas cíclicas
Alquilaminas lineares
Metais alcalinos
Tabela 1. - Comparação entre diferentes sais de diclofenaco.
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Sal
Solubilidade (mg/mL) Peso molecular Ponto de fusão (ºC)
Lítio
8,2
303,07
>300
Sódio
9,6
318,13
283-285
Potássio
4,7
334,23
296-298
Rubídio
7,8
380,60
>300
Césio
6,2
428,04
275-277
Amônia
3,0
313,18
178-180
Metilamina
2,9
327,21
172-174
Dimetilamina
4,1
341,23
178-179
Trimetilamina
0,2
355,26
212-213
Tetrametilamina
10,5
369,29
240-245
Dietilamina
4,1
369,29
157-159
Dipropilamina
3,7
397,33
168-169
Dibutilamina
1,6
425,40
144-147
Pirrolidina
3,5
367,26
110-112
Piperidina
4,7
381,29
184-185
Morfolina
6,2
386,26
170-172
Piperazina
0,6
382,25
204-206
N-metil pirrolidina
3,3
381,29
209-210
N-metil piperidina
13,3
395,32
85-87
N-metil morfolina
2,6
397,26
105-108
N-metil piperazina
7,1
396,25
163-164
Monoetanolamina
4,29
357,22
144-146
Dietanolamina
6,42
491,28
124-127
Trietanolamina
7,57
445,33
132-135
Tris (metilol) aminometano
1,67
417,28
194-196
N-(2-hidroxietil) pirrolidina
18,9
411,32
102-104
N-(2-hidroxietil) piperidina
5,5
425,34
122-124
N-(2-hidroxietil) morfolina
10,7
427,32
90-92
N-(2-hidroxietil) piperazina
6,4
426,33
102-104
Fonte: Fini et al. (1996).
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5.1. Perfil de Solubilidade por pH
O perfil de solubilidade é a relação entre solubilidade e o pH da solução. O perfil de
solubilidade por pH de um ácido fraco é obtido pelo aumento gradual do pH através da adição de
uma base a uma suspensão do ácido e pela determinação da quantidade de ácido dissolvido após o
equilíbrio (Stahl, 2003) , como pode ser visto na Figura 2 para quatro diferentes sais de naproxeno,
um ácido monoprótico. No pHmax ambas as espécies – ácido livre e o respectivo sal – coexistem no
sólido não-dissolvido (Stahl, 2003; Pudipeddi et al., 2002). O valor do pHmax constitui um descritor
adicional do perfil de solubilidade de um sal em particular.
Cada uma das quatro bases conjugadas utilizadas para a formação de sal limita a
solubilidade em níveis diferentes, resultando em valores com até duas ordens de magnitude maiores
(Chowhan, 1978). A base conjugada influi na solubilidade apenas na faixa de pH em que o ácido
fraco esteja ionizado, e, portanto, a formação de sal não consegue melhorar a solubilidade nas regiões
de baixo pH em que o ácido não-ionizado prevalece. A solubilidade do ácido também é limitada
produto de solubilidade Ksp do sal formado: uma vez que a solubilidade do sal é alcançada, o controle
de pH não consegue mais aumentar a solubilidade (Stahl, 2003; Pudipeddi et al., 2002).
Figura 2. Perfil de solubilidade por pH de quatro sais de naproxeno em água a 25 ºC.
Fonte: Chowhan (1978).
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Para uma base fraca monoprótica o perfil de solubilidade por pH é a imagem espelhada
do perfil de um ácido fraco, como ilustrado na Figura 3. Assim como no caso do ácido, existe
uma região (pH > pHmax) com excesso de base não-dissolvida em sua forma livre e uma região
(pH < pHmax) de solubilidade constante, sendo o excesso sal. Cada ácido conjugado produz um sal
com solubilidade diferente: no caso do haloperidol (pKa 8,3), o sal mesilato (do ácido conjugado
metanossulfônico) possui solubilidade maior que o sal cloridrato (do ácido conjugado clorídrico), que
por sua vez possui solubilidade maior que o sal fosfato (ácido conjugado fosfórico) (Li et al., 2005).
Figura 3. Perfil de solubilidade por pH da base fraca haloperidol.
Fonte: Li et al. (2005).
O parâmetro-chave para avaliar a solubilidade por pH é o pKa: no caso dos ácidos, a
solubilidade aumenta exponencialmente quando o pH ultrapassa o valor de seu pKa (Figura 2); caso
o ácido possua mais de um grupo ionizável, a cada pKa ultrapassado a solubilidade aumentará de
forma ainda mais elevada (Stahl, 2003). As bases fracas possuem comportamento análogo, sendo
que cada vez que o pH cai abaixo de um de seus pKa a solubilidade aumenta de forma ainda mais
drástica (Figura 3).
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5.2. O Efeito íon-comum
Os cloridratos e os sais de sódio são os sais mais comuns para bases e ácidos fracos, respectivamente.
A alta ocorrência de cloridratos e sais de sódio não acontece apenas pela sua conveniência, já que são derivados de um
ácido muito forte (ácido clorídrico – HCl) e uma base muito forte (hidróxido de sódio – NaOH) e que facilitam
a formação de sais: os íons cloreto (Cl-) e de sódio (Na+) são os eletrólitos mais abundantes no corpo humano, e
por isso espera-se que não causem alterações fisiológicas no organismo (Stahl, 2003; Engel et al., 2000). Embora
os cloridratos e os sais de sódio possuam baixo peso molecular e baixa toxicidade, eles apresentam diminuição da
solubilidade e da taxa de dissolução em soluções com excesso de íons de mesmo tipo pela lei da ação das massas. Essa
redução da solubilidade é conhecida como “efeito íon-comum” (Stahl, 2003; Engel et al., 2000).
Íons cloreto existem em abundância nos fluidos gástricos e intestinais, prejudicando a
solubilidade dos sais cloridratos. Bogardus e Blackwood (1979) compararam as taxas intrínsecas de
dissolução da doxiciclina em sua forma livre com seu sal cloridrato em uma solução com 0,1 M de HCl.
Embora o cloridrato seja mais solúvel em água, ele dissolveu-se seis vezes mais lentamente que a base
livre, devido ao efeito íon-comum. Íons de sódio existem em abundância no sangue, plasma e fluidos
intercelulares, diminuindo a solubilidade dos sais de sódio nestes meios (Stahl, 2003).
Li et al. (2005) realizaram um estudo para investigar os efeitos da presença de íons cloreto na
solubilidade dos sais cloridrato, fosfato e mesilato de haloperidol, um antipsicótico utilizado no tratamento de
esquizofrenia e transtornos psicóticos. O haloperidol em sua forma livre possui ponto de fusão de 151 ºC e
solubilidade aquosa de 2,5 µg/mL, e a solubilidade de cada um de seus sais já foi apresentada anteriormente na
Figura 3, sendo que entre valores de pH 4 e 5 temos a seguinte ordem decrescente: mesilato >> cloridrato > fosfato.
O estudo foi realizado através da medição da dissolução de discos rotativos contendo 200 mg
de cada um dos sais com 0,5 cm2 de área exposta a 37 ºC. O primeiro teste foi realizado em uma solução de
0,01M de HCl, que possui pH em torno de 2 e é utilizado frequentemente em testes de simulação do fluido
gástrico, que possui pH entre 1 e 3. Os resultados encontrados estão na Figura 4 acima (pg 12).
Os valores encontrados de dissolução foram 2,28 mg/min/cm2 para o sal mesilato, 0,544 mg/
min/cm2 para o sal fosfato e 0,32 mg/min/cm2 para o sal cloridrato. Em comparação com os perfis
de solubilidade dos sais é possível observar que a taxa de dissolução do cloridrato foi menor do que
deveria: por ter solubilidade maior que do fosfato sua taxa de dissolução deveria ser maior, mas é
praticamente a metade (0,32) da taxa do fosfato (0,544) devido ao efeito íon-comum. Contudo,
uma solução de 0,01M HCl não é bioequivalente ao fluido gástrico pois este possui uma maior
concentração de íons cloreto. Por isso, os próximos testes foram realizados adicionando-se cloreto de
sódio (NaCl) em concentrações crescentes (0,05M, 0,1M e 0,15M) para aumentar a concentração de
íons cloreto. Os resultados desses testes estão na Figura 4 abaixo (pg 12).
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É possível observar que todos os sais tiveram decréscimo em suas taxas de dissolução
quando a concentração de íons cloreto aumenta. O decréscimo do cloridrato é explicado pelo
efeito íon-comum; já os decréscimos do fosfato e do mesilato se devem à conversão dos mesmos em
cloridrato na superfície do sólido sendo dissolvido. Essa conversão foi confirmada por espectroscopia
de infravermelho, causando assim o efeito íon-comum na parte convertida a cloridrato e diminuindo
a taxa de dissolução. O mesilato teve uma queda mais acentuada que o fosfato, provavelmente
porque sua maior solubilidade permitiu que maiores quantidades de sal pudessem ser convertidas
a cloridrato.
Figura 4. Dissolução dos sais de haloperidol em 0,01M HCl (acima) e taxa de dissolução x concentração de íons cloreto (abaixo).
Fonte: Li et al. (2005).
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6. Considerações Finais
A formação de sal é um dos métodos mais utilizados para alterar características físico-
químicas de substâncias ácidas ou básicas que possuem efeitos farmacológicos, a fim de facilitar
ou até mesmo viabilizar o desenvolvimento de fármacos a partir destas substâncias. Podem ser
alteradas características como:
• solubilidade e taxa de dissolução, a fim de conseguir uma maior ou menor absorção,
para obtenção de efeitos farmacológicos mais rápidos ou prolongados, respectivamente;
• ponto de fusão, para tornar viável a produção de comprimidos sólidos através de seu
aumento, ou de formulações tópicas ou líquidas através de sua diminuição;
• higroscopicidade, tornando a substância menos higroscópica para maior estabilidade.
Entretanto, devem ser considerados alguns aspectos em relação aos sais formados. A
tendência de sais serem polimórficos e de criarem solvatos demanda que sais candidatos a fármacos
sejam estudados a fim de se determinar qual a formação mais estável e em quê condições esta
ocorre, para não se comprometer a estabilidade. Além disso, sais de sódio e cloridratos, embora
vantajosos nos aspectos de formação e toxicidade, estão sujeitos à redução da taxa de dissolução
devido ao efeito íon-comum.
Diversos estudos investigaram as relações entre o íon conjugado utilizado e o sal
produzido, procurando prever a influência do íon nas modificações das características desejadas. No
entanto, nenhuma forma confiável de prever as características do sal ainda foi descoberta, apenas
regras práticas qualitativas, mas que não funcionam para todos os casos (O’Connor, Corrigan,
2001a). Portanto, o desenvolvimento e a seleção dos sais são realizados de forma empírica.
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