Full no flop e fold no river?

Transcrição

Full no flop e fold no river?
COLUNA
Felipe
Mojave
@FelipeMojave
FULL NO FLOP
E FOLD NO RIVER?
MÃO CURIOSA EM
UM TORNEIO AO VIVO
A
Felipe Mojave é um dos principais
jogadores brasileiros da atualidade. Faz
parte do time de profissionais do Full Tilt.
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lguns dias atrás, eu estava
relendo minhas anotações
e encontrei algo interessante. Era uma situação
de torneio em que eu acreditava
estar apostando pelo valor, mas acabei ganhando a mão com um fold do
adversário no river. O curioso é que, se
ele tivesse dado call, venceria. Diante
da estranheza dessa jogada, resolvi
escrever este artigo e compartilhá-lo
com vocês.
O torneio era o WPT Festa Al Lago
2009, no Bellagio. Estávamos ainda
no Dia 1, com blinds em 200-400.
Um jogador bastante loose, que eu
conhecia apenas de vista, aumentou
do cutoff. Ele tinha mais ou menos
40 mil fichas. Meu stack era de 55 mil
fichas, e eu apliquei uma 3-bet do big
blind com 99.
Aqui, um parêntese: antes no torneio, houve uma mão em que ele disparou uma aposta do tamanho do pote
no river, em um bordo com KQ227. Eu
dei call com par de quatros e ganhei.
Isso fez com que nossa relação de jogo
mudasse radicalmente. Assim, contra
ele, passei a aplicar uma estratégia
diferente.
Voltando à mão do 99, ele deu call
no meu reraise e o pote foi para 6.800
fichas. O flop veio AAJ. Apostei 4.500,
ele deu call. No turn, com 15.800 no
pote, bateu um 9. “Que Sonho!” Dei
check e ele deu check-behind. O river
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trouxe um K e eu pensei muito antes
de pedir mesa de novo. Ele era um
oponente jovem, bastante perigoso, e
apostou 3.500 no river. 1/5 do pote?
Muito estranho. Era hora de pensar
se eu deveria manter meu plano de
dar check-raise no river sabendo que
ele apostaria. Resolvi seguir com essa
linha e disparei 20 mil fichas, um raise
do valor do pote.
Não me lembro de ter visto
alguém se remoer e reclamar tanto
numa mão. O cara se mexia para todos
os lados, falava muito, basicamente
reclamando do river. Depois de uns 10
minutos pensando, alguém na mesa
pediu tempo. (Apesar de ser uma prática pouco comum em torneios nos
EUA, aquele tempo todo de indefinição era realmente um exagero). O
diretor do torneio deu um minuto
para ele pensar. No último segundo
ele não atuou, o que fez com que sua
mão fosse considerada morta. Mesmo
assim, ele mostrou toda sua indignação e jogou as cartas na mesa viradas
para cima: par de valetes.
Ele simplesmente tinha flopado
um full house! Mas, devido à ação até
ali e ao river, chegara à conclusão que
sua não mão era boa o bastante, e
estaria perdendo para um full maior.
Na verdade, não sei dizer se ele chegou
a essa conclusão. Tenho para mim que
ele não definiu nada e acabou dando
fold.
O meu pensamento ali era de que
eu estava com a melhor mão e meu
blefe no flop tinha se tornado uma
jogada pelo valor. Agora, eu precisava
descobrir a melhor maneira de extrair
esse valor, já que eu tinha certeza de
que ele apostaria no river. O próximo
passo era pensar nas mãos das quais
eu conseguiria fichas extras com o
check-raise.
De fato, a situação tinha ficado
bem complicada para ele. Levando
em conta que minha gama de reraise
do big blind não era muito grande,
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resolvi “jogar o jogador”. Abri o range
e o confrontei, mesmo fora de posição,
pois percebi que ele estava desequilibrado e poderia cometer erros tolos. Eu
tinha convicção de estar fazendo uma
aposta pelo valor, e sabia que ele voltaria uma 4-bet com mãos como JJ e AK.
Com a aposta forte no river, realmente não tinha mais espaço para
nada. Se ele segurasse AJ ou mesmo JJ,
nunca iria me voltar a aposta e poderia dar call, claro. A pergunta que ficou
no ar para mim, e a mais crucial antes
de aplicar o check-raise no river, era
“de quais mãos conseguirei extrair
valor?” Meu plano era dar check-raise
all-in no river se uma aposta média
viesse.
Por mais que eu um tivesse um
full house, fatalmente seria o pior da
mesa, já que o bordo tinha AAJ9K.
Mas eu acreditava que ainda estava
passando a imagem de blefe. Afinal,
demonstrei fraqueza com a linha de
“c-bet, check e check”, colocando o pé
no freio depois de ter sido agressivo.
Com isso, eu poderia tomar call de
KQ, KJ, QQ, apesar do rei no river e
do fato de ele se lamentar muito, o
que me levava a crer que era grande
a chance de ele ter mesmo par de
damas. Ainda assim, era um range
específico. Portanto, analisando novamente a mão, a melhor maneira de
extrair valor seria apostando forte no
river, mesmo tendo certeza de que ele
aumentaria essa aposta.
A verdade é que eu esperava uma
aposta muito maior, caso em que eu
poderia até dar check-call. Mas com
uma aposta tão pequena no river, a
mão ganhou uma dimensão totalmen-
te diferente. Se ele fez essa aposta
por thin-value, aquele valor apertado, limítrofe, seu fold deveria ter sido
mais tranquilo. Se apostou pelo valor
mesmo, precisaria ter dado call no
meu check-raise no river. É assim que
vejo a mão sob a ótica dele.
Por mais estranha que tenha sido,
essa mão me ensinou coisas importantes para torneios multitable, principalmente a brutal diferença entre
thin-value e value-bet. Além disso, ela
deixa claro como podemos nos complicar dentro de uma mão na qual
temos dúvidas em todas as streets.
Levando em conta que minha
gama de reraise do big blind
não era muito grande, resolvi ‘jogar
o jogador’.
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O fato é que o nível do torneio era
muito alto, e tanto eu quanto ele tínhamos condição de avançar bem. Eu passei para o Dia 2 e caí numa mesa com
Antonio Esfandiari, Jason Mercier e
Daniel Negreanu. Este último, aliás, foi
meu carrasco numa das minhas piores
jogadas até hoje. Depois eu conto essa.
Espero que vocês consigam
extrair bastantes informações sobre
as várias vertentes da jogada. É uma
mão bem complicada, com certeza,
tanto que vários jogadores tiveram
visões diferentes da situação. Por isso
mesmo ela é tão rica. ♠
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