Teatro e Dança: Repertórios para a Educação

Transcrição

Teatro e Dança: Repertórios para a Educação
Teatro e Dança:
Repertórios para a Educação
VOLUME 1
A HISTÓRIA DO TEATRO E DA DANÇA:
LINHAS DO TEMPO
Governo do Estado de São Paulo
Governador
José Serra
Vice-Governador
Alberto Goldman
Secretário da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário-Adjunto
Guilherme Bueno de Camargo
Chefe de Gabinete
Fernando Padula
Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE
Presidente
Fábio Bonini Simões de Lima
Chefe de Gabinete
Richard Vainberg
Diretora de Projetos Especiais
Claudia Rosenberg Aratangy
Avenida São Luís, 99
01046-001 República São Paulo SP
Telefone: (11) 3158-4000
www.fde.sp.gov.br
Governo do Estado de São Paulo
Fundação para o Desenvolvimento da Educação
Diretoria de Projetos Especiais
Teatro e Dança:
Repertórios para a Educação
VOLUME 1
A HISTÓRIA DO TEATRO E DA DANÇA:
LINHAS DO TEMPO
São Paulo, 2010
Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas
S239t
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação.
Teatro e dança: repertórios para a educação / Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; organização, Devanil Tozzi, Marta Marques Costa; Thiago Honório (colaborador). - São Paulo : FDE, 2010.
3 v. : il.
Conteúdo: v. 1. A história do teatro e da dança: linhas do tempo – v. 2. As
linguagens do teatro e da dança e a sala de aula – v. 3. Teatro e educação: perspectivas.
Parte integrante do Projeto Escola em Cena, que compõe o Programa Cultura é Currículo.
1. Teatro e Educação 2. Dança e Educação 3. Ensino Fundamental 4. Ensino Médio 5. Educação de Jovens e Adultos 6. Prática de Ensino I. Fundação
para o Desenvolvimento da Educação. II. Tozzi, Devanil. III. Costa, Marta
Marques. IV. Honório, Thiago. V. Título.
CDU: 37:792+793.3
Caros Professores,
Esta publicação é parte do projeto Escola em Cena, que compõe o
programa Cultura é Currículo, uma das frentes de atuação da Secretaria da Educação em direção à valorização e apoio ao trabalho da escola pública estadual. Em
estreita sintonia com a Política Educacional do Estado de São Paulo, acorda com
os parâmetros pedagógicos da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas –
Cenp e com os conteúdos programáticos da atual Proposta Curricular do Estado de
São Paulo.
O programa Cultura é Currículo tem como objetivo a aproximação
da escola a equipamentos, bens e produções culturais, no propósito de fortalecer o
ensino e estimular a aprendizagem, ampliando as possibilidades de tratamento dos
conteúdos das disciplinas do currículo. No caso do projeto Escola em Cena, promove
a participação dos alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio das classes regulares e dos cursos de Educação de Jovens e Adultos em espetáculos de teatro e dança,
e oferece este material ao professor, com o qual pretende contribuir para o trabalho de
interação e mediação dessa atividade cultural com o desenvolvimento curricular.
Esperamos assim auxiliar os docentes na consolidação de seu trabalho, estimulando e subsidiando práticas de ensino que assegurem a aprendizagem
dos alunos.
Paulo Renato Souza
Secretário da Educação
Iniciamos o projeto Escola em Cena em 2007, já dentro do programa Cultura é Currículo. Os princípios e objetivos que nortearam este projeto foram
os mesmo que orientaram o projeto Lugares de Aprender: democratização do acesso
à cultura e articulação com o currículo.
Assim, ao mesmo tempo em que estabelecíamos parcerias com a Secretaria da Cultura e com grupos e companhias de teatro e de dança, produzíamos
textos para apoiar o trabalho com essas artes cênicas nas escolas. Esses textos foram
colocados no site da FDE no início de 2008, permitindo que todos os educadores
pudessem utilizá-los.
Em 2009, o Escola em Cena foi ampliado significativamente. Construímos novas parcerias e expandimos o atendimento aos alunos.
Agora, em 2010, o programa Cultura é Currículo completa três
anos e o Escola em Cena ganha novos espaços, pois mantivemos os antigos parceiros
e incluímos novos, de modo que o atendimento aos alunos será ainda mais expressivo.
Com isso, consideramos que era chegada a hora de produzir um material impresso.
Quisemos facilitar ainda mais o acesso de professores e professores coordenadores a
textos que possam apoiar seu trabalho: eles terão em mãos três volumes da publicação
para ler, reler, discutir e, principalmente, transformar em planejamento de ações de
sala de aula – seja na preparação para assistir a um espetáculo, seja para montar uma
produção cênica na escola ou, simplesmente, para saber mais sobre essa linguagem.
Como não poderia deixar de ser, tivemos especial atenção com os
aspectos estéticos. Já que falamos de arte, buscamos apresentar um material que combinasse forma e conteúdo, acrescentando novos elementos que não existiam na versão
eletrônica.
Convidamos todos a ingressar nesse universo como atores principais
e desfrutar dessas publicações antes, durante e depois que as cortinas se abrirem.
Fábio Bonini Simões de Lima
Presidente da FDE
Claudia Rosenberg Aratangy
Diretora de Projetos Especiais da FDE
APRESENTAÇÃO
Prezados Professores
Este material integra o projeto Escola em Cena e pretende contribuir para que a participação das escolas em espetáculos de teatro e dança ocorra
de forma articulada e contextualizada nas atividades curriculares, seja no âmbito de
estudo dessas linguagens na disciplina Arte, seja no das relações que podem ser estabelecidas com os conteúdos de outras áreas e com temas transversais.
Ao associar currículo e cultura o projeto cria oportunidade para que
o trabalho escolar expresse uma concepção de conhecimento como valor de conteúdo
lúdico, de caráter ético e de fruição estética, conforme orientam os princípios da Proposta Curricular do Estado de São Paulo, de tal forma que a participação dos alunos
nessa experiência sensível de apreciação artística seja complementada pela leitura
estética, crítica e contextualizada do espetáculo, com a intervenção do professor.
É esse, então, o sentido desta publicação: reunir textos que tratam do
Teatro e da Dança e da relação dessas artes com a Educação e que contribuam, por
meio de reflexões, informações, análises e sugestões de procedimentos de trabalho,
para que as atividades culturais constituam espaços para o estudo dessas linguagens
e das relações que estabelecem com outros campos do conhecimento e com aspectos
da realidade.
Teatro e Dança: Repertórios para a Educação foi organizada em três
volumes.
O volume 1 – A história do teatro e da dança: linhas do tempo –
contém dois textos que apresentam cronologicamente a história dessas artes, de suas
origens à contemporaneidade:
• “Processos e transversalidades do teatro no Ocidente”, de Alexandre Mate
• “A história da dança”, de Rosana van Langendonck.
O volume 2 – As linguagens do teatro e da dança e a sala de aula – é
formado por três textos que analisam essas linguagens como forma de conhecimento
e sugerem procedimentos para o professor articular os âmbitos da sensibilidade e da
cognição no contexto da experiência de apreciação dos espetáculos:
• “A ida ao teatro”, de Ingrid Dormien Koudela
• “Ler a dança com todos os sentidos”, de Lenira Rengel
• “Teatro, infância e escola”, de Gabriel Guimard
O volume 3 – Teatro e educação: perspectivas – é constituído por
três textos que analisam, com eixos confluentes, as relações entre teatro e educação:
• “Quando teatro e educação ocupam o mesmo lugar no espaço”, de
Flávio Desgranges
• “Teatro: uma experiência criativa”, de Joaquim Gama
• “Teatro e cidadania: a atualidade da arte cênica”, de Aimar Labaki
Neste volume inicial, em “Processos e transversalidades do teatro no
Ocidente”, há um denso e completo estudo sobre a história do teatro. Das origens gregas na antiguidade aos movimentos teatrais da idade contemporânea, o autor mapeia
os gêneros, estruturas e estilos, demonstra o vínculo de suas origens e desenvolvimento
com a produção cultural em outras artes e a situação social e política em cada momento
histórico. Além disso, apresenta conceitos específicos dessa arte, as características dos
gêneros e movimentos, seus pressupostos filosóficos, principais autores e obras, e ainda
inclui excertos de algumas delas, representativas de um gênero ou movimento.
Em “A história da dança” a autora apresenta um panorama da dança
em suas origens: dos rituais primitivos ligados à sobrevivência e às manifestações de
caráter religioso e profano, sua presença em festas palacianas, a chegada aos palcos e o
momento de sua autonomia como arte. Da criação do balé até as produções de dança
contemporânea, discorre sobre os principais coreógrafos, bailarinos, obras, pesquisadores e teóricos, bem como sobre as concepções de escolas e movimentos da dança.
O estudo deste material servirá de estímulo e subsídio ao trabalho
do professor, contribuindo para que sua participação e a de seus alunos nas atividades
culturais proporcionadas pelo projeto seja uma oportuna situação para o ensino e
aprendizagem de conteúdos curriculares e de desenvolvimento de competências para
a leitura crítica do mundo.
SUMÁRIO
15
PROCESSOS E TRANSVERSALIDADES
DO TEATRO NO OCIDENTE
Alexandre Mate
123 HISTÓRIA DA DANÇA
Rosana van Langendonck
A HISTÓRIA DO TEATRO E DA DANÇA:
LINHAS DO TEMPO
Processos e transversalidades
do teatro no Ocidente*
Alexandre Mate**
[ * ] Uma linha de tempo caracteriza-se em recurso didático e sua utilização pode dar início a interessante processo de discussão. Apesar de o recurso apresentar certa tendência mais europeia e de
certas formas hegemônicas, é possível fazer nelas várias inserções dos assuntos que estejam sendo
desenvolvidos. Muitos dos nomes e expressões aqui apresentados não são aprofundados ou “traduzidos” pelo fato de ser bastante tranquilo sua pesquisa na internet. Fundamental, em havendo
possibilidade, contrapor este texto ao: Um olhar sobre a história e o fazer teatral., do mesmo autor e
publicado na revista Ideias 31: Educação com arte.(org.) Devanil Tozzi, Marta Marques Costa e Thiago
Honório. São Paulo: FDE, Diretoria de Projetos Especiais, 2004, p.75-101.
[ ** ] Alexandre Mate. Doutor em História Social pela USP, é pesquisador teatral e professor do Instituto de Artes da Unesp.
Idade Antiga
Idade Média
476
__ 1. Grécia
Produção teatral
patrocinada pelo
Estado e produção
Popular.
__ 3. Teatro Medieval
Produção
apresentada na rua,
dentro das igrejas,
nos feudos.
__ 2. Roma
Produção teatral
patrocinada pelo
Estado e produção
Popular.
OBS.: Com a linha de tempo, e sempre que possível, é preciso apresentar mapas
histórico-geográficos para localizar as civilizações, regiões em que a produção estudada tenha sido desenvolvida. Importante, também, apresentar imagens das
produções ou de outras linguagens artísticas.
Idade Moderna
1453
Idade Contemporânea
1789
__ 4. Renascimento
português,
espanhol, inglês,
italiano
commedia dell’arte
__ 8. Realismo
__ 5. Neoclacissismo
__ 11. Vanguardas europeias
Futurismo
Expressionismo
Cubo-futurismo
Dadaísmo
Surrealismo
__ 6. Barroco
__ 7. Romantismo
__ 9. Naturalismo
__ 10. Simbolismo
__ 12. Teatro épico
__ 13. Teatro do Absurdo
Idade Antiga ou Antiguidade
Início do processo
de colonização
XVI a.C.
1150 a.C.
viii a.C.
XX a.C.
__ Ocupação do arquipélago1 por povos
chamados de Aqueus.
Início da construção de
grandes edificações: supremacia de Micenas2:
período micênico, que
irradia pela Grécia seus
modos de vida. Tirinto
e Pilos lutam entre si.
Criação dos génos, com
divisão equitativa dos
bens, produção coletiva; união de tribos:
origem de organização
social: fratrias. Criação
da ágora como centro
das cidades-estado gregas (XVI a 1150 a.C.).
__ Atividade comercial,
mudanças sociais significativas: organização
da pólis. Sistematização
dos ritos em homenagem aos deuses.
Desenvolvimento de
atividades comerciais.
Homero narra o
período nas epopeias:
Ilíada e Odisseia.3
Decorrente, principalmente, da falta de
alimentos. No século VII
a.C., ocorre a segunda
diáspora.
__ Festivais de teatro Período de Psístrato
(governante): apresentação de tetralogias,
em 538 a.C., compreendendo três tragédias
e um drama satírico.
[ 1 ] Arquipélago composto por aproximadamente 220 ilhas, sendo boa parte delas habitada.
[ 2 ] Micenas – sociedade forte e hierarquizada em torno da família real e da aristocracia. Povo, estimulado à prática da pilhagem, dedicou-se ao comércio. Raio de ação: Troia, Sicília, península itálica
e Oriente.
[ 3 ] Narrativas escritas por Homero. Uma das bases para o surgimento do teatro. Ilíada – narrativa
da guerra que os gregos empreenderam contra Ílion; Odisseia – narra as aventuras vividas por um
herói grego da guerra de Troia, Ulisses, rei de Ítaca.
v a.C.
iv a.C.
ii a.C.
Queda do Império
Romano no Ocidente
476
__ Desenvolvimento dos
rituais em homenagem
aos deuses, principalmente os de Fertilidadade, em homenagem
a Dionísos: deus do teatro. Século de Péricles
(440-404 a.C.). Rituais,
literatura e democracia
confluem para a criação
do teatro. Período chamado de auge das tragédias: obras de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.
Guerra do Peloponeso
(431-404 a.C.).
__ Auge das comédias:
obras de Aristófanes e Menandro. Processo de
decadência: macedônicos dominam a Grécia.
Aristóteles escreve a
Poética.4
[ 4 ] Primeiro tratado estético teatral comparando a epopeia e a tragédia.
__ Romanos invadem e
dominam a Grécia.
Alguns conceitos importantes
Em um mapa, mostrar a extensão da Hélade grega, suas ilhas principais e os processos de ocupação ocorridos durante o período. Mostrar algumas gravuras de templos, estátuas, ler uma ou duas fábulas gregas. Thomas Bulfinch, em O
livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis (Rio de Janeiro: Ediouro, 2003),
apresenta mais de quarenta delas. Como o assunto aqui priorizado é teatro, comentar
acerca de alguns mitos que se transformaram em personagens de textos gregos, como,
por exemplo, Medeia, Antígone e Édipo.
Com relação ao teatro grego, é importante saber:
Origem – Rituais em homenagem aos deuses e, principalmente, a
Dionísio (deus da fertilidade, do vinho e do teatro).
Dos rituais surgem as tragédias, as comédias e os dramas satíricos.
Este último gênero mistura aspectos trágicos e cômicos, mas as estruturas das três
formas eram basicamente semelhantes.
Grandes tragediógrafos, com obras inteiras: Ésquilo (524-456 a.C.),
Sófocles (496-406 a.C.) e Eurípedes (480-406 a.C.). Grandes comediógrafos, com
obras inteiras: Aristófanes (445-386 a.C.) e Menandro (342-292 a.C.).
Tragédia: da palavra grega tragoidía, formada por tragoi (bode) +
odés (ode – canto) = canto do bode, momento em que o bode cantava. O bode consta
da palavra por conta de o animal ser sacrificado em rituais que homenageavam os
deuses gregos.
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Comédia: da palavra grega komoidía, formada por komoi (rural, do
campo, e também perambulação) + odés = canto rural, canto perambulante.
Obs.:
Ambos os gêneros derivam de rituais, sendo que o primeiro desenvolvia-se na cidade e o segundo, em áreas rurais, onde se encontravam os pés de uva. Do
fruto das videiras resultava o vinho em homenagem a Dionísio, para os gregos, e Bacco,
para os romanos. Segundo a documentação, esses rituais eram chamados de falofóricos
(da palavra grega phallos = pênis) por conta de homenagear o deus da fertilidade.
A palavra teatro também tem origem na Grécia e é escrita nessa língua, theatron ou theastai. Trata-se, também, de uma palavra composta por thea (olhar
com interesse) + tron (donde) = lugar de onde se vê. A palavra refere-se a plateia.
Mimo – Nome com o qual a produção popular grega foi conhecida.
A designação mimo nomeava também os artistas improvisadores que se apresentavam nas praças e cujas obras parodiavam a produção erudita. Mesmo sem ter havido
menção aos mimos nos documentos gregos da Antiguidade, a forma teatral foi retomada, gerando novos gêneros de comédia pelos artistas populares romanos.
Personagem – De modo mais esquemático, a palavra deriva do grego: persona (máscara) e agon (que debate, que “fala” por si, que se apresenta). Então,
sendo uma máscara, não é uma pessoa, mas alguém que se coloca no lugar da pessoa
como se fora ela. Nas formas da tragédia, da comédia e do drama satírico, havia o coro,
que era uma personagem coletiva que representava o Estado (o número de homens
variava, dependendo do gênero). Bom lembrar que no teatro erudito, diferentemente
do popular, os atores eram sempre homens.
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Peripécia – Conjunto de ações que a personagem realiza no transcorrer da peça. No caso específico das tragédias da Antiguidade clássica grega, esse
conjunto de ações levaria a personagem da felicidade à infelicidade. Atualmente, o
conceito é usado como um andamento sequencial dos diferentes passos compreendidos pelo texto ou da personagem.
Catarse (kátharsis) – Um dos objetivos da tragédia. Vem de palavra
grega ligada à área da medicina katharos (semelhante a catarro) e significa purgação.
Ao identificar-se com a personagem, o espectador purga (melhora, purifica, expulsa) seus sentimentos ruins. Atualmente, designa-se esse sentimento como empatia
ou identificação.
Logos e pathos – Conceitos que, de modo mais genérico, significam,
respectivamente, razão e emoção. De modo semelhante ao que acontece na vida, as
personagens também se deixavam levar ora por um sentimento ora por outro.
Hypokrités – Hoje significa ator (aquele que finge ser o que não é,
mas que age como se fosse). O autor, ator e diretor italiano Dario Fo, no Manual
mínimo do ator (2. ed., São Paulo: Senac-SP, 1999, p. 267), afirma: “Sólon, ao ouvir no
teatro de Atenas um ator, talvez Tespi – um ator capaz de imitar com extraordinária
habilidade as vozes femininas e masculinas, de adulto e criança –, levantou-se indignado e gritou: ‘Basta! Ele não é um ator (hythopos), mas um hypokrités embrulhão!’
Estranhamente, os dois termos reemergiram no teatro dell’arte para indicar um papel
e uma máscara respectivamente. Devemos lembrar que hythopios significa ‘aquele que
possui capacidade de mudar a moral dos humanos’.”
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Mimeses – Afirma-se, normalmente, que o conceito de mimese
corresponde a cópia. Entretanto, é importante lembrar que o conceito pressupõe
um duplo olhar, por intermédio do qual podem ser estabelecidas as seguintes e interessantes contraposições. Com Platão, o conceito aparece engravidado por certa
conotação pejorativa. Para o filósofo, considerado o mundo das ideias, a mimese é
concebida como cópia, sombra, escravização do homem ao mundo das aparências.
Trata-se, nessa perspectiva, de procedimento (imitação) indigno dos deuses. Então,
em um mundo perfeito, ideal, nada precisa ser imitado, portanto, Platão expulsa o
poeta desse mundo ideal. Em oposição, Aristóteles desenvolve uma conotação positiva do conceito, segundo a qual o poeta não copia apenas, mas recria o movimento
interno das coisas (essência) que se dirigem à perfeição. Para o poeta, a realidade era
concebida como um devir.
Mito – Segundo Marilena Chauí em Convite à filosofia (3. ed., São
Paulo: Ática, 1995), a filosofia grega tem dívidas com a sabedoria dos orientais. Viagens dos gregos os colocaram em contato com as especulações dos egípcios, persas,
assírios, caldeus, babilônicos. Hesíodo e Homero encontraram “tudo” (mitos e religiões) pronto. Os dois historiadores retiraram aspectos apavorantes e monstruosidades
das culturas orientais, micênica e minóica, humanizando-as. Mito é um conceito fundamental para a cultura, vem do grego mythos e significa narrativa sobre a origem de
alguma coisa – genealogia de astros, animais, fogo, água, bem, mal, etc., e cuja etimologia tem a acepção de: designar, conversar, contar, nomear; falar algo para alguém.
Assim, mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes
que recebem como verdadeira a narrativa, posto haver confiança em quem a apresenta
(ou narra). Fundamento: o narrador age como testemunha ou como alguém que teve
acesso a algo vivido por quem testemunhou aquilo que está sendo narrado. No período clássico, o mito era narrado pelo rapsodo (rhapsodós), espécie de cantor ambulante
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de rapsódias (cada uma das partes do livro de Homero; trecho de uma composição
poética; entre os gregos, fragmentos dos poemas épicos). Segundo a tradição, pensavase que o rapsodo era escolhido pelos deuses (daí a confiança), que lhe mostravam os
acontecimentos passados, permitindo-lhe ver a origem de todos os seres e das coisas.
Exemplos de mito: o do fogo usado pelos homens é o mito de Prometeu (uma centelha do fogo aos humanos), que foi condenado à danação eterna. O mito de Pandora
(criada por Marte a pedido de Zeus), para encantar, comover e atormentar a alma do
homem. Mitos sobre a origem do mundo são genealogias ou cosmogonias/teogonias.
Cosmogonia vem da união de cosmo, que significa mundo ordenado e organizado
(em oposição a caos e teo, de theos – coisas divinas, seres divinos, deuses) + gonia, que
quer dizer geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto (é derivada de
duas palavras gregas: o verbo gennao – engendrar, gerar, fazer nascer e crescer – e o
substantivo génos – nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie.
Máscaras – Feitas de couro, pano modelado ou madeira. Os trajes
eram desenhados e feitos de modo que o espectador pudesse identificar as personagens assim que aparecessem. Na evolução da forma, as peças foram escritas de
modo a que o ator pudesse fazer dois papéis (um feminino e outro masculino), o que
demandava virtuosismo. Segundo a documentação, era considerado impróprio o ator
entrar sem máscara no espaço de representação. Se ocorresse qualquer problema com
a máscara, o ator deveria pintar o rosto para não ser identificado e confundido com as
personagens que apresentava (sobretudo quando deuses). Há excelentes livros sobre
o assunto, mas um dos melhores chama-se A máscara de Apolo, de Mary Renault, publicado pela Nova Fronteira (1983). A autora, partindo de documentação, romanceia
suas obras.
26
Espaço teatral, chamado de semiarena
paradós (corredor para
entrada e saída do coro)
paraskénia (aquilo que hoje
se chama coxia, bastidor)
theastai / theatron
(plateia)
orkestai (grande área
para apresentação
das falas e evolução
coreográfica do coro)
proskénion (aquilo que hoje
se chama boca de cena)
episkénion (parede construída
com três entradas separando
o palco da coxia)
skéne (aquilo que hoje
se chama palco)
27
Idade Antiga
X a.C.
509 a.C.
__ Imperialismo: os romanos dominam grande
parte do mundo;
corrupção, transformações do exército, miséria, aparecimento de
novos estratos sociais.
__ Transformações sociais:
a plebe ganha alguns
direitos.
__ Fundação de Roma
Fundação de Roma,
domínio etrusco, proclamação da República.
27 a.C.
iI
395
476
__ Queda do Império
Romano no Ocidente
__ Divisão do Império,
ruralização progressiva,
crise do poder imperial,
crise militar, período de
decadência.
__ Apogeu do Império.
__ Guerra civil entre generais (poder). Otávio
torna-se o primeiro
imperador.
O teatro grego, patrocinado pelo Estado, abrigou exclusivamente
certa produção relacionada principalmente aos seus próprios interesses. O Estado
grego promoveu e patrocinou tragédias, comédias e dramas satíricos, que são formas
teatrais eruditas. De modo contrário, não patrocinou e nem sequer mencionou na
documentação histórica a produção teatral popular. O Estado romano, preocupado
com as guerras de conquista de novos territórios, pouco interferiu na questão cultural.
Por conta disso, e pelo fato de a cultura ter ficado em plano secundário, houve um
surpreendente florescimento das formas populares de cultura.
Durante o longo período histórico que compreendeu a dominação
dos romanos, além das comédias eruditas escritas por Plauto (Titus Maccius Plautus,
290-184 a.C.) e Terêncio (Publius Terontius Afer, 185-159 a.C.), foram desenvolvidos os seguintes gêneros de comédia popular:
fescenino: nome originário da palavra latina fescenium = amuleto,
normalmente fazendo referência ao falo (pênis); ou de Fescennia, cidade etrusca. Esse
gênero cômico teria sido trazido a Roma pelos chamados histeri: de onde teria resultado o nome histrião. Caracterizavam esse gênero as obras organizadas a partir de:
improvisação, canto, dança, recitação e muitas obscenidades;
satura: nome derivado do verbo latino saturare = fartar, encher ou de
laux ou lanx satura, que era uma espécie de prato composto por vários ingredientes:
uvas passas, caldo de cevada e pinhões, embebidos em vinho e mel. Trata-se de um
gênero organizado a partir de improvisação: falada, cantada, dançada; música, recitação, bufonarias (espécie de palhaçada). Era um espetáculo misto, que “tinha de tudo
um pouco”;
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atelana: nome derivado de Atellana, região do sul da Itália – Sicília
ou da região de Nápolis. Trata-se de peça curta, farsesca e que, originalmente, satirizava tipos e costumes da sociedade de modo bastante apimentado. Composta a partir
de improvisação, tipos fixos, dança e música paródica. Passando por transformações,
o gênero substitui a improvisação por roteiros (chamados, no singular, em italiano
de canovaccio) e textos escritos. Os tipos fixos ou máscaras mais conhecidos foram:
Maccus ou Stupidus; Bucco ou Baccus; Pappus; Dossenus; Baudus;
pantomima e mímica: palavras derivadas do grego pantómimos e do
latim pantomimu. Organizados a partir da sátira, os gêneros são derivados das atelanas. Substituíram o texto falado – que ainda aparecia no início de sua constituição –
pelo gestual, e organizavam-se a partir de quiproquós (confusão cômica) e bufonarias.
Desse modo, e tendo em vista o constante processo de andança dos artistas populares,
a linguagem gestual (por seu caráter universal) permitia a qualquer indivíduo entender a obra apresentada.
Importante destacar que, antes de os gêneros acima mencionados
serem desenvolvidos, houve, de acordo com a documentação disponível, um significativo processo de cópia das obras gregas pelos artistas romanos. Chama-se a esse fenômeno de transplantação, que implica em tirar alguma coisa de um lugar e colocá-la
em outro. Assim como quando se transplanta uma árvore de um lugar para o outro
e ela não “vinga”, a cultura exterior pode “matar” aquela dita autóctone. Raras vezes
essa mudança em cultura é uma coisa boa: a cópia normalmente tende a debilitar a
capacidade imaginativa, a consciência histórica, a percepção e assimilação de certos
valores característicos, e outros.
31
Dessa forma, depois de algumas experimentações com a junção de
fragmentos de textos de autores gregos, algumas vezes misturados a outros fragmentos de autores romanos (chamado de contaminaccio), a produção teatral erudita não se
desenvolve. O senador Sêneca, que escreveu obras para serem lidas e não montadas,
é considerado o maior tragediógrafo romano (e único com obras na íntegra). Retomando os mesmos mitos (Grécia e Roma eram sociedades politeístas), as obras de
Sêneca, além de seu valor, serviram de modelo principalmente aos autores ingleses
do teatro elisabetano.
Ao abrir mão de interferir na produção teatral, o Estado romano
investiu na construção das arenas para grandes espetáculos públicos. Dessa ideia surgem as lutas entre gladiadores, as batalhas navais, as corridas de quadrigas, as perseguições de animais aos opositores do regime... Enfim, desse tipo de espetáculo surgiu
e expressão panes et circenses (pão e circo).
32
Idade Média
476
XI
Alta Idade Média – formação e apogeu do feudalismo. Conhecido como
Período das Trevas
__ Queda do Império
Romano do Ocidente
1453
Baixa Idade Média – decadência do feudalismo. Conhecido como Período das Luzes
(florescimento da arte)
__ Gandes Cruzadas – originadas pela chamada
“cavalaria galante”,
foram exércitos formados por “mercenários”,
mantidos pela Igreja e
por senhores feudais
com o objetivo de tomar dos muçulmanos,
invariavelmente por
intermédio de saques,
os lugares santos do
cristianismo.
__ Queda do Império
Romano do Oriente
(conquista de Constantinopla)5
[ 5 ] A divisão do Império deu-se a partir do século IV com a morte do imperador Teodósio. O Império
do Oriente foi conhecido como Império Bizantino (cuja capital era a antiga cidade grega chamada Bizâncio), compreendendo os territórios da península Balcânica, Síria, Egito, Ásia Menor, Líbia e Palestina;
posteriormente, em homenagem ao imperador Constantino, recebeu o nome de Constantinopla.
Do século V ao XI não há documentação acerca da produção teatral
desenvolvida no período. Sabe-se que a atividade teatral existiu, entretanto, pelas condenações aos artistas indicadas nos documentos escritos pelos concílios de bispos.
Durante a chamada Alta Idade Média, a atividade teatral foi absolutamente condenada e perseguida. Dois dos mais importantes motivos de um processo de perseguição sem tréguas devem-se ao fato de o teatro romano ter se desenvolvido dentro de irreverente e debochada perspectiva popular. Além disso, o teatro
popular costumava ser extremamente alegre (numa ordem que pregava a contrição e
a culpa) e, o pior de tudo para os religiosos, tanto os assuntos como as personagens
do teatro popular eram fundamentados no chamado baixo ventre (temas fazendo
alusão aos prazeres sexuais). Outro motivo para perseguição dos artistas populares
(também conhecidos por saltimbancos) era o fato de suas obras terem como alicerce
e tradição uma mentalidade politeísta (muitos deuses), característica das culturas
grega e romana da Antiguidade. Com o domínio da igreja católica e a imposição de
um novo deus, onisciente, onipotente e onipresente, os traços do passado precisariam ser eliminados.
Gêneros teatrais arquetípicos: o teatro, apesar das perseguições dos
religiosos, jamais deixou de ser praticado em alguns feudos ou mesmo nas ruas. O teatro vai ser inserido no culto da missa, a partir do século XI, e, com o objetivo de louvar
os ensinamentos de Deus e o respeito incondicional aos representantes da igreja, são
criados alguns gêneros pelos religiosos. Entre eles, o mais conhecido, e que é utilizado
até hoje, chama-se auto. Esse gênero foi bastante desenvolvido pelo pernambucano
(nascido na Paraíba) Ariano Suassuna e pelo paulistano Luís Alberto de Abreu, que
têm produções muito significativas e conhecidas. A obra de Suassuna está publicada
em livros e mais informações sobre Luís Alberto de Abreu podem ser conseguidas
em www.fraternal.com.br. Em oposição aos autos, o gênero mais popular e também
35
bastante conhecido até hoje chama-se farsa. Ao longo do processo histórico, o auto
e a farsa se mesclaram e, sobretudo nas formas mais populares, certa religiosidade do
auto é absolutamente harmonizada ao caráter mais cômico e libertador da farsa.
Bobos da corte: derivados de uma tradição popular, desde a Antiguidade clássica, em muitos feudos os senhores eram alegrados pelos menestréis ou
trovadores, genericamente chamados de bobos da corte.
Durante toda a Idade Média, principalmente na Alta Idade Média,
a sociedade medieval foi estamental (estruturada em estratos sociais), sem qualquer
mobilidade ou possibilidade de mudança de estamento. Tratava-se de uma sociedade
rígida, como se observa no desenho abaixo, que ilustra uma inflexível hierarquia entre
os três diferentes segmentos.
Deus e seus representantes na terra (orar)
Senhores feudais e familiares (mandar)
Servos (trabalhar e obedecer)
Obs.:
Durante o Renascimento, essa relação muda: no topo da pirâmide
ficam o rei e os nobres, abaixo destes, Deus e seus representantes na terra, e, “sustentando” os anteriores, encontram-se o povo e a burguesia em formação.
36
O conceito de palco simultâneo ou cenas paralelas foi o nome genérico dado ao espaço teatral desenvolvido durante a Idade Média. As primeiras inserções
teatrais começaram no altar-mor e deslocaram-se até a praça principal. Os palcos paralelos consistiam na criação de três grandes palcos colocados na praça, representando o
céu, a terra ou o paraíso e o inferno. Na França, com a grandiosidade do gênero, foram
construídos (por várias confrarias que disputavam entre si a apresentação do melhor
espetáculo), ao longo de uma praça (preferencialmente aquelas em frente às catedrais),
diversos cenários (um ao lado do outro), chamados de mansions (espécies de plataformas e barracas – cada uma destinada a ambientar um determinado episódio diferente),
sendo que nos extremos desses cenários ficavam o paraíso e o inferno. Em tese, tais
apresentações caracterizavam uma fase já semilitúrgica, quando as antigas narrativas
sacras encontravam-se, de certo modo, já saturadas de elementos profanos.
Da praça, depois de “andar” pela igreja, o gênero apresentou desempenhos de processionalidade (de procissão) pela aldeia, vila ou cidade. Atualmente,
muitos grupos de teatro adotam a processionalidade, principalmente aqueles que trabalham com experimentações ditas de vanguarda. O teatro Oficina, por exemplo, “explode” seus espaços internos: há cenas apresentadas em todos os lugares do teatro. O
grupo paulistano Teatro da Vertigem, também é conhecido pela utilização de espaços
inusitados: igreja, presídio, hospital abandonado, rio Tietê. Enfim, no teatro processional o espectador desloca-se pelos diversos espaços de representação e é como se
pudesse escolher o que ver.
Obs.:
Jean Fouquet retratou em uma pintura o Martírio de Santa Apolônia
(aproximadamente 1450), cuja ação se passava em 249 na Alexandria, onde a santa
foi queimada viva depois de ter sido torturada. Em alguns materiais consultados
encontra-se o complexo e sofisticado esquema cênico:
37
público nobre
músicos
público
céu
fenda
público
linha imaginária
espaço central para tortura
e sacrifício da santa
38
inferno
maisons e área de público
Idade Moderna
Queda do Império
Romano no Oriente
1502
década de 1510
1453
__(08/06) Portugal –
Gil Vicente declama a
Dª Maria I (rainha de
Portugal), no sentido de homenageá-la: O auto da visitação ou
Monólogo do vaqueiro.
__Itália, como berço da
cultura humanista (studia humanitatus – estudos humanistas), cria as
primeiras universidades
laicas (derivado de leigo, não eclesiástico). Em
teatro, tomando a comédia como exemplo,
desenvolvem-se duas
tendências: a comédia
escrita, chamada regular (regolare), e a improvisada (all’improviso)
– conhecida pelo nome
de commedia dell’arte.
__Renascimento, cujo
berço é a Itália do século XIII. Insere-se teatralmente no movimento
na década de 1510 pela
publicação de A mandrágora, de Maquiavel,
e o registro em cartório
de uma companhia de
comediantes, a commedia dell’arte.
1558
1608
1624
Revolução
Francesa
1789
__Inglaterra –
Elisabeth I é coroada
rainha (decorrente da
Guerra das Duas Rosas
– York e Lancaster) e,
pelo incentivo da soberana ao teatro, cria-se o
chamado teatro elisabetano (1558 a 1642 – puritanos no Parlamento).
__Espanha –
Com a publicação da
primeira parte de
D. Quixote de La Mancha,
de Miguel de Cervantes
(1608) e até a morte de
Calderón de La Barca
(1681), desenvolveu-se
o chamado Siglo de Oro
(Século de Ouro Espanhol). Produção rica e
híbrida, mesclou em
um só os estilos ibérico
(religioso e característico das manifestações
católicas) e mudejar
(característico da cultura
árabe), resultando em
rica e importante produção, e não apenas em
teatro.
__Luís XIII nomeia o
cardeal Richelieu (15851642) como primeiroministro de Estado. O
ministro organiza o
Estado francês e, do
mesmo modo, a produção cultural francesa.
Período pré-clássico –
de 1630 a 1650: obras
de Alexander Hardy
(1570-1632).
Revolução Francesa
O Renascimento foi um movimento artístico científico que se inspirou nos padrões e modelo de beleza da Antiguidade clássica greco-romana, mas
voltou seus olhos e mentalidade para o desenvolvimento científico. Essa ruptura com
a tradição medieval é muito significativa. Basta imaginar o seguinte: se o corpo humano era concebido como a “morada do Senhor”, entre tantas outras evidências e
experimentações, no período, o corpo foi devassado para o aprendizado da anatomia,
por exemplo. De modo mais genérico, Renascimento significa reabilitação da razão,
da capacidade de pensar por si (autonomia),enfatizando a potência do indivíduo.
Causas da decadência do feudalismo: a Guerra dos Cem Anos, entre Inglaterra e França (1346-1450), a peste negra e as revoltas populares, decorrentes
principalmente da fome.
Características do Renascimento: repúdio aos valores medievais;
criação da filosofia escolástica; busca e construção do humanismo; incentivo ao hedonismo (viver como fonte de prazer e não de sofrimento); crença no naturalismo
(natureza como fonte do conhecimento, em oposição à crença anterior fundamentada na Bíblia como fonte de toda a verdade); defesa do nominalismo (doutrina que
vislumbra uma apologia ao indivíduo universal e abstrato).
42
Espaços de representação característicos do Renascimento:
Itália – cria o espaço que até hoje é hegemônico, chamado palco à
italiana ou palco italiano.
área de representação
fosso de orquestra
área do público
- relação basicamente frontal. Espaço também com balcão, frisa e
foyeur (espaços verticais). Nos cenários são recuperados os estudos de perspectiva do
arquiteto e engenheiro Vitrúvio (Marcos Vitrúvio Polião, que viveu no século I, em
Roma, e que escreveu De architecture, livro em dez volumes).
Inglaterra – cria um teatro octogonal, chamado palco elisabetano.
área de representação
área do público
- espaço também com três galerias verticais
Portugal – fora os espetáculos de rua, o teatro erudito era apresentado em palácios. A área em frente à fachada do palácio é chamada de pátio.
Espanha – a febre pelo teatro durante o Siglo de Oro levou à reapropriação de espaços destinados a outros fins. Antigos galpões foram chamados
de corrales
43
Além desses espaços, transformados ou criados para representações,
os artistas populares perambulavam com seus carroções de lugar em lugar. Em algumas fontes documentais esses carroções, que serviam como meio de transporte, casa
e palco, são chamados de pageants (palavra proveniente do latim cujo significado é
página, referindo-se, em teatro, a episódio). O filme de Ettore Scola, A viagem do
capitão Tornado, apresenta um desses carroções.
Gêneros teatrais: na Itália, berço do Renascimento, foram desenvolvidos: a tragédia, a pastoral (fundamentada no drama satírico grego) e a comédia
erudita. A produção da comédia popular explode com a criação da commedia dell’arte
(síntese das tradições cômico-populares desde a Antiguidade clássica). A commedia
dell’arte fundamenta-se, principalmente, na improvisação e é desenvolvida por intermédio de um roteiro prévio (canovaccio, em italiano) com personagens fixas. Em tese,
as personagens se dividem em três categorias: velhos (vecchi), namorados (innamorati) e criados (zanni). Os vecchi são: Pantaleão (Pantalone), viúvo, pai de um rapaz; e o
doutor (dotore), viúvo, pai de uma moça. Os filhos dos dois formam o casal romântico.
Os vecchi têm criados (conhecidos por zanni, provável corruptela de Gianni - algo
próximo a Zé, de José): Arlequim (Arlecchino), Briguela (Brighella) e uma criada, que
pode ter vários nomes, mas que é conhecida como servetta ou zerbinetta (peralta).
Obs.:
Outras personagens aparecem conforme o gênero se desenvolve. Provavelmente, para parodiar Felipe II, aparece a figura de um capitão (capitano), bastante
bravateiro, mas grande covarde no fundo, que disputa com os zanni o amor da criada.
Bom destacar que o roteiro ou canovaccio apresentava e desenvolvia
a história sempre do ponto de vista dos zanni. As personagens cômicas, e sobretudo
44
os zanni dominavam e conheciam o lazzo (ou os lazzi no plural), que eram tiradas/
situações cômicas. Nos roteiros, as protagonistas apresentavam uma série deles (lazzo
do cumprimento, por exemplo, ir com a mão estendida e desviar; colocar a cadeira
para sentar e puxar para a pessoa cair ao chão...).
Em tese, a estrutura da commedia dell’arte pode ser apresentada a
partir do seguinte esquema:
Doutor ----------------- ?
? --------------- Pantaleão
filha ----------------------------------- filho
Arlequim ----------------------- criada ------------------------ Briguela
categoria
dos vecchi
categoria dos
innamorati
categoria
dos zanni
--- disputam o amor da criada (assim como Pantaleão e o filho) ---
Na Idade Média, os autores basicamente eram anônimos. Usavam de
sua capacidade para escrever principalmente com o objetivo de louvar a Deus. Eram
escritores, mas seus nomes não eram divulgados ou conhecidos. Há textos dramáticos
tanto religiosos quanto populares muito significativos. Entre os textos populares, A
farsa do mestre Pierre Pathelin, de autor anônimo, encontra-se entre as mais montadas
do teatro. De modo diferenciado, tanto por poderem usar seus nomes (surgimento do
conceito de indivíduo) como por suas obras, durante o Renascimento surgem textos
absolutamente significativos. Entre esses textos e autores podem ser lembrados:
45
Gil Vicente (1465?-1536?) e suas surpreendentes obras, entre farsas e
autos. A farsa de Inês Pereira e Auto da Lusitânia, apesar do fervor religioso de Portugal,
adotam um ponto de vista feminino. Importante ler essas obras e montá-las.
O fragmento abaixo, do Auto da Lusitânia, ilustra um deslumbrante
momento da dramaturgia vicentina:
(Entra Todo-o-Mundo, homem rico, mercador, finge andar, como a buscar algo perdido. Depois, entra um homem, vestido como pobre, chamado
Ninguém).
Ninguém
Que andas tu i buscando?
Todo-o-Mundo
Mil cousas ando a buscar;
delas não posso achar,
porém ando perfiando,
por quão bom é perfiar.
Ninguém
Como hás nome, cavaleiro?
Todo-o-Mundo
Eu hei nome Todo-Mundo,
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo.
Ninguém
E eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Berzabu
Esta é boa experiência (...)
Que Ninguém busca consciência,
e Todo-o-Mundo, dinheiro.
Ninguém
E agora que buscas lá?
Todo-o-Mundo
Busco honra muito grande.
Ninguém
Eu, virtude, que Deus mande
que tope co’ela já.
Berzabu
Outra adição nos acude:
Escreve logo i a fundo,
46
Ninguém
Todo-o-Mundo
Ninguém
Berzabu
Ninguém
Todo-o-Mundo
Ninguém
Berzabu
Todo-o-Mundo
Ninguém
Berzabu
Todo-o-Mundo
Ninguém
Berzabu
Berzabu
que busca honra Todo-Mundo,
e Ninguém busca virtude.
Buscas outros mor bem qu’esse?
Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Escreve mais. (...)
Que quer em estremo grado
Todo-o-Mundo ser louvado
e Ninguém ser repreendido.
Buscas mais, amigo meu?
Busco a vida e quem ma dê.
A vida não sei que é,
a morte conheço eu.
Escreva lá outra sorte.
Muito garrida:
Todo-o-Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.
E mais queria o Paraíso,
sem mo ninguém estrovar.
E eu ponho-me a pagar
quanto deve pera isso.
Escreve com muito aviso. (...)
Escreve que Todo-o-Mundo que Paraíso,
e Ninguém paga o que deve.
Folgo muito d’enganar,
e mentir nasceu comigo.
Eu sempre verdade digo,
sem nunca me desviar.
Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso. (...)
Que Todo-o-Mundo é mentiroso,
47
Ninguém
Todo-o-Mundo
Ninguém
Berzabu
e Ninguém diz a verdade.
Que mais buscas?
Lisonjar.
Eu sou todo desengano.
Escreve, ande lá mano. (...)
Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo-o-Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém, desenganado”.6
Nicolau Maquiavel (1469-1527), filósofo famoso por ter escrito O
príncipe, escreveu algumas obras para o teatro. Entre as obras teatrais, A mandrágora
(1518) é uma comédia surpreendente. Nessa obra, uma fidelíssima mulher é convencida, por uma série de circunstâncias, a trair o marido. Nesse processo de traição
aparecem vários traços culturais do período, com uma crítica feroz às instituições.
A Inglaterra dos séculos XVI e XVII apresenta, por uma série de
escritores, um conjunto deslumbrante de obras-primas, e entre esses autores podem
ser citados: William Shakespeare (1564-1616), sempre louvado, com obras montadas
em todo o mundo e pelas mais diversas tendências teatrais. Difícil destacar as melhores dentre as 38 peças escritas, mas encontram-se entre as mais apreciadas: Romeu e
Julieta, Hamlet, Macbeth, A megera domada.
Calderón de La Barca (1600-1681), com mais de duzentas obras
escritas, mostra na belíssima A vida é sonho as incertezas de um príncipe, chama-
[ 6 ] Gil Vicente. Auto da Lusitânia, In: Obras-primas do teatro vicentino. 2. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Difel, 1975, p. 316-318. Para trabalhar com o texto, é fundamental “traduzi-lo” e modernizá-lo.
48
do Segismundo. Pela mãe ter morrido no parto e seus mapas astrais sugerirem um
destino adverso, o pai, rei da Polônia, prende o filho por 18 anos em uma torre. Ao
completar 18 anos, o pai tenta dar-lhe uma nova chance. Acorda no palácio, depois
de tomar alguma coisa para dormir. Tem atitudes violentas que parecem justificar o
destino estabelecido antes de nascer. Nova dose de remédio para dormir. Desperta
na torre. Assim, por não saber se sonhou ou se viveu, ou se o que vive é sonho, afirma
Segismundo:
O que é que vos espanta?
Se o meu mestre foi o sono
e temendo em minha ânsias
estou, de acordar na torre?
E mesmo que assim não seja,
basta sonhá-lo de novo.
Assim cheguei a saber
Que a felicidade humana
Passa sempre como um sonho
e hoje quero aproveitá-la
ainda que dure pouco
pedindo, de nossa faltas
a todos os que me ouvem
perdão, pois em peitos nobres
o perdão é flor de ouro.7
[ 7 ] Pedro Calderón de La Barca. A vida é sonho. Tradução de Renata Pallottini. São Paulo: Scritta,
1992, p. 70.
49
Idade Moderna – Renascimento em:
1453
1502
1558
1562 a 1598
1608
Queda do Império
Romano no Oriente
período de
guerras religiosas –
França
Inglaterra
Portugal
(...) desde o
século XIII –
Itália
Espanha
Renascimento
Itália, Portugal, Inglaterra e Espanha
1624
1637
1774
1774
Revolução
Francesa
__França –
Luís XIII nomeia o
cardeal Richelieu como
primeiro-ministro e este
organiza o Estado e a
produção artística: impõe os padrões gregos
da Antiguidade clássica,
cria o neoclassicismo
ou classicismo francês.
No século XVII, na França, o neoclassicismo e
o barroco representam
as tentativas do Estado
francês de se impor esteticamente ao mundo.
__Publicação de
Discurso sobre o
método, de René
de Descartes
(1596-1650).
__Publicação de Os
sofrimentos do jovem
Werther, de Goethe
(1749-1832). Criação
da primeira fase do
movimento “Sturm und
Drang” (Tempestade
e Ímpeto) – início do
romantismo alemão.
Apontamentos sobre o neoclassicismo e o barroco
O neoclassicismo ou classicismo francês foi um movimento artístico, imposto de certa forma pelo cardeal Richelieu. Retomando os padrões e
regras da produção cultural erudita desenvolvida durante a Antiguidade clássica
greco-romana, o cardeal Richelieu, com relação à produção teatral, adota a Poética,
de Aristóteles, como modelo a ser seguido pelos autores teatrais, que passaram a
escrever tragédias. Os franceses Pierre Corneille (1606-1684) e Jean Racine (16391699) destacaram-se como os dois maiores representantes do movimento neoclássico. “Correndo por fora” e escrevendo comédias, também eruditas, mas bastante
influenciado pela commedia dell’arte, distingue-se Jean-Baptiste Poquelin, conhecido
pelo nome de Molière (1622-1673). Ligado ao movimento barroco, o comediógrafo
escreveu uma série de obras-primas, dentre as quais podem ser destacadas: O tartufo,
As preciosas ridículas e O doente imaginário. Molière, pelo modo como escreveu suas
comédias – juntando o popular e o erudito –, acabou por influenciar muitos artistas
por conta dessa união.
Os movimentos neoclássico e barroco (este último tido pelo primeiro como excessivamente sensual, de mau gosto, irregular), apesar de o primeiro se
dedicar às tragédias e o segundo, às comédias, têm estruturas bastante semelhantes:
são obras clássicas, grandiloquentes, criadas com texto e mentalidade aristocráticos
(aristós, em grego, significa divino, melhor).
Apontamentos sobre o movimento romântico:
O movimento romântico iniciou-se a partir de 1774 pela liderança de Johann Wolfgang Goethe (1749-1832), Gotthold Ephraim Lessing (17291781) e Christoph Friederich Schiller (1759-1805). Os três autores, entre outros,
52
opunham-se à tentativa de imposição do neoclassicismo francês na Alemanha como
modelo estético e postulavam movimentos intensos e violentos da alma, tempestades de paixão e liberdades artísticas. Dessa forma, batizaram um movimento de oposição à estética de Sturm und Drang, título de peça homônima escrita por Friedrich
Maximilian von Klinger (1752-1831), publicada em 1776, que parece ter apresentado – à semelhança de Werther – um retrato da crise espiritual e moral da Alemanha
do período, opondo-se fundamentalmente ao racionalismo, aos preconceitos decorrentes do chamado pátrio poder e à opressão política.
De modo mais esquemático, os românticos, negando a estética francesa, adotam como proposta alternativa às imposições clássicas o retorno à Idade
Média, por corresponder ao período em que as tradições alemãs e o conceito de
germanicidade aparecem e se desenvolvem. Nesse retorno, ocorre uma das características fundamentais do movimento: o anacronismo, cuja procura ancora-se no
folclore (folk = povo, popular + lore = caminho) e na tradição popular (sempre fantasiosa e múltipla) e pesquisa dessas tradições desenvolvidas por Gottfried Herder
(1744-1803). Herder era absolutamente contrário (e mesmo hostil) ao classicismo e
sua ortodoxia (sobretudo a francesa) e favorável às literaturas populares e nacionais.
Escreve duas grandes obras, defendendo a pesquisa e a importância da cultura nacional alemã: Fragmentos sobre a literatura alemã e Vozes dos povos em canções, enfatizando
a necessidade da chamada “cor local”. Preocupado com as tendências racionalistas de
sua época, escreve também duas obras teorizando acerca da evolução humana, que
são: Ideias sobre uma filosofia da história da humanidade e Cartas sobre os progressos da
humanidade. Por meio de suas reflexões, Herder acabará por influenciar muitos artistas de sua geração, como os já citados Goethe, Lessing e Schiller.
Em 1806, com a invasão da Alemanha pelos exércitos napoleônicos,
surge o nome “romantismo”. Em tese, é composto por Roma mais o antigo sufixo
medieval nice (romanice), que corresponde a agir como um romano, ser um soldado
53
das palavras, ou pelo uso das palavras. Com o território ocupado, a maledicência ao
invasor e suas outras características se aprofundam, sempre criticando a sociedade
administrada pelos interesses gerocêntricos (gero = velho): o subjetivismo e o escapismo. Esse sentimento de não pertencer ao mundo, sonhar com uma morte precoce,
mas gloriosa e dedicada aos sentimentos, desemboca e se radicaliza na terceira geração, chamada Jovem Alemanha (Das junge Deutschland), da qual fazem parte Henrich
von Kleist (1777-1811) e Georg Büchner (1813-1837).
O romantismo alemão deixou lastros na quase totalidade dos outros
movimentos que se desenvolveram depois dele, quer para reiterar, quer para refutar
algumas de suas características. Dos dramaturgos alemães, são obras absolutamente
relevantes: Fausto, de Goethe; Natã, o sábio, de Lessing; Mary Stuart, de Schiller;
A bilha quebrada, de Henrich von Kleist (1777-1811); Woyzeck, de Georg Büchner;
Uriel Acosta, de Karl Gutzkow (1811-1878).
O romantismo alemão chega oficialmente à França (Paris) em 1827.
Nessa ocasião, é apresentada na “Cidade Luz” a obra teatral de Victor Hugo Hernani,
cujo “Prefácio” de Cromwell tenta refletir principalmente as oposições entre os conceitos de sublime e de grotesco. Acerca dessa obra, León Moussinac afirma:
Mas Cromwell, de Hugo, com seu prefácio, constitui a primeira manifestação do romantismo francês em 1827. (...) A grande repercussão
do prefácio de Cromwell é bem conhecida. É a altura em que a burguesia adquire
uma posição dominante e leva a bom termo a sua luta contra a aristocracia sobrevivente, o momento em que o seu poderio financeiro e político aumenta graças ao
desenvolvimento das empresas industriais. Daí em diante o romantismo refletirá
cada vez mais as preocupações estéticas desta burguesia que sonha opor a arte e a
literatura pelo seu prestígio à reivindicação sempre viva duma parte da pequena
burguesia, dos artesãos e dos operários privados das vantagens conquistadas na
Revolução. Uma nova luta começa. E não é por acaso que ela coincide com a definição do conceito, também novo, da “arte pela arte”.(...) A arte, tanto do teatro
como as outras, irá esforçar-se “por idealizar a negação da existência burguesa”;
54
os românticos “esforçar-se-ão por exprimir a sua hostilidade acerca da ponderação
e do conformismo burgueses não só nas suas obras de arte, mas também no seu
comportamento”.8
[ 8 ] Léon Moussinac. História do teatro: das vanguardas aos nossos dias. Lisboa: Bertrandt, s/d,
p. 337-8.
55
Idade Contemporânea (século XIX)
1789
1806
1843 (1853)
1852
Revolução
Francesa
__Romantismo –
O exército francês
invade a Alemanha.
O movimento chega
a Paris, em 1827, por
intermédio da peça
Hernani, primeira obra
de Victor Hugo. Nessa
obra aparece o Prefácio
a Cromwell.
__Encenação, em Paris, de
A dama das camélias, de
Alexandre Dumas Filho.
Início do realismo em
teatro.
__(...) desenvolvimento,
sobretudo a partir da
década de 1840, da
Revue de fin d’année.
__Em Paris, para romper
com os subjetivismos
do romantismo, o
ministro do Interior,
León Faucher, lança,
com o apoio do Estado,
inclusive econômico,
um movimento
chamado École du bon
sens (Escola de bons
modos). Bons modos,
nesse caso, referem-se
aos valores morais da
burguesia.
1867
1886
1887
década de 1880
__Belle époque *
__Émile Zola publica
seu romance Thérèse
Raquin, marco do naturalismo. A obra é republicada no ano seguinte
com um manifesto, que
lança as bases do movimento naturalista. Em
1873, é adaptada para o
teatro.
__Fundação, por André
Antoine, do Teatro
Livre (Théâtre Livre),
busca do naturalismo na encenação.
Alemanha, fundação
do Freie Bühne (Palco
Livre), em 1889, por
Otto Brahm.
Em 1897, Constantin
Stanislavski e
Niemirovitch Dantchenco, o Teatro
de Arte de Moscou.
__Em Paris, 1886, Jean Moréas escreve o Manifesto
Simbolista. Inicialmente,
críticos nomeiam o movimento de decadentismo. Charles Baudelaire
aparece como líder do
movimento. Edvard
Munch, em 1893, pinta
O grito. Em 1895 é publicado o livro de Sigmund
Freud, A interpretação
dos sonhos. 1891: fundação do Teatro de Arte
(Théâtre de l’Art) para
montagem de textos do
simbolismo.
[ * ] Período compreendido entre 1886 (término da Guerra Franco-Prussiana) até 1914 (quando eclode a Primeira Grande Guerra Mundial), e assim denominado, de acordo com certas concepções, por
não ter havido guerra que abarcasse toda a Europa. Evidentemente, ao assim conceituar o período,
exclui, por exemplo, a Revolução Russa (de 1905-1917). O historiador inglês Eric Hobsbawm apresenta excelentes reflexões sobre os séculos XIX e XX nas obras A era das revoluções na Europa: 17891848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. A era dos impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
A era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
O século XIX costuma ser apresentado como um período de grandes
mudanças. Alguns historiadores afirmam que se trata de um século de mudanças
de mentalidade, significando modos diferenciados de pensar e de conceber valores,
verdades, relações. Nessa grande “fatia de tempo”, o marxismo rompe com uma tradição filosófica que, de modos mais e menos contundentes, pensa o homem como
imagem/reflexo inferior de diferentes deuses. Rompendo com essa determinação, e
defendendo a tese segundo a qual “o destino do homem é o homem”, Karl Marx não
só elimina os deuses como denuncia o fato de eles servirem para alimentar a alienação humana (bom lembrar que “alien” diz respeito a estrangeiro, de fora). Assim, por
conta de vários embates que ocorriam na vida social, o teatro serviu também como
uma tribuna para a defesa de ideias. Em determinadas fontes de pesquisa pode ser
encontrada uma divisão nas artes, entre aquilo que indevidamente se chamou de arte
social versus arte pela arte. O indevidamente refere-se ao fato de toda arte ser social
e pressupor uma relação entre dois grupos distintos de indivíduos e grupos: artistas e
público. Sem maiores aprofundamentos, pode-se dizer que essa oposição se verificava
entre o realismo/naturalismo (arte social – em inglês, como aparece em muitas fontes:
social art) versus o romantismo e o simbolismo (arte pela arte – em francês, como
aparece em muitas fontes: l’art pour l’art).
Realismo: apontamentos essenciais
Os antecedentes estéticos do realismo podem ser determinados pela
literatura. Com a vitória da burguesia houve um significativo aumento no número de
leitores e interessados na literatura escrita. Alguns autores franceses de sucesso, além
de porta-vozes de sua classe, passam a ser, de alguma forma, os advogados e mestres
da burguesia. Um dos primeiros gêneros literários a fazer sucesso no século XIX,
na França, foi o folhetim. Passou a ser publicado em jornais, dividido em inúmeros
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capítulos. Muito jornal se vendeu mais pelos folhetins do que propriamente pelas
notícias. Entre os folhetinistas mais conhecidos e procurados pelos donos de jornais
podem ser citados Honoré de Balzac e Alexandre Dumas Filho. Esses autores, no
sentido de manter o público “preso” à trama e acompanhar a evolução da narrativa e o
destino de suas personagens, apresentaram em suas obras uma mistura do melodrama
(fusão da tragédia, do drama e da música) e do vaudeville (no século XIX, certo tipo
de comédia de intriga), tão ao gosto da burguesia. Dessa mistura, o “novo gênero”
organizou-se e evoluiu, tendo como características fundamentais a mistura de todo
tipo de exageros e de fortes emoções, audácias, cruezas, excentricidades, suspense,
coincidências, adultérios, traições, violências e crueldades, de modo mais contundente (uma vez que os folhetins não podiam contar com a música, bastante utilizada,
sobretudo no teatro de revista).
Apesar de a totalidade dos críticos burgueses classificarem o gênero
como subproduto e até mesmo subliteratura, o grande mérito do folhetim é que por
meio dele houve uma democratização, sem precedentes, na literatura. Há uma afirmação consensual dos críticos dando conta de que nunca tinha havido uma aceitação
de modo tão irrestrito (quase que unanimidade) por camadas sociais tão distintas e
com sentimentos tão semelhantes.9
Graças ao folhetim a literatura desenvolveu-se extraordinariamente e
acabou por adotar como característica (que depois corresponderia a um das características básicas do próprio movimento realista) uma narrativa pautada na apresentação
[ 9 ] Salvaguardadas todas as restrições de gênero, contextos, veículos... o fenômeno de sucesso
assemelha-se àquele vivido com relação à telenovela brasileira (e às vezes, mexicana). Enfim, as
pessoas criticam, negam, dizem que vão desistir de assistir, que elas (as telenovelas) são sempre a
mesma coisa, mas, diferentemente do discurso verbalizado, sempre buscam dar “uma espiadinha”
nos cento e vinte ou mais capítulos para constatar que tudo continua como sempre foi, reiterando
o falado! Trata-se, parece, de um tipo de obra que “vicia”...
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minuciosa, detalhista e objetiva, tanto dos acontecimentos como dos sentimentos das
personagens. Dessa safra de autores, podem ser destacados, em literatura, como precursores do realismo: (Henri Beyle) conhecido como Stendhal (1783-1842)10 e Honoré de Balzac (1799-1850)11. A esse propósito, Arnold Hauser, em História social da
literatura e das artes, São Paulo: Mestre Jou, s/d, p.906, afirma que a definição social das
personagens ligadas à burguesia passou a caracterizar-se no critério de sua realidade
e verossimilhança (segundo Aristóteles: “[...] ser verossímil não é ser semelhante ao
real e sim possível de ser real pela coerência entre as partes do objeto, o todo e sua representação cênica”). Nessa nova determinação, os problemas sociais das personagens
necessitariam adequar-se ao romance naturalista e à dramaturgia. A nova concepção
de arte – alicerçada, também, nos novos valores e ideários trazidos pela classe hegemônica – assentou-se na convicção de que os elementos mais valiosos da obra de arte
seriam o produto de acidentes felizes e de circunscritos e controlados voos da fantasia
(para os gregos, phantasia era considerado como potência da imaginação), a partir dos
quais os autores deveriam deixar-se levar pela invenção dos pormenores.
Nas artes plásticas, Gustav Courbet (1819-1877) foi considerado um
dos precursores do realismo. O pintor apresenta o quadro O enterro (1849-50), bastante carregado por uma certa crueza muito próxima à realidade dos mais pobres, que
ele mesmo chamaria de ”arte viva”. Na sequência, pinta O ateliê (1854-55), conside[ 10 ] De sua significativa produção literária, podem ser citadas: Racine e Shakespeare, ensaio sobre o
romantismo; Armance; Os passeios em Roma e O vermelho e o negro (obra-prima de 1830).
[ 11 ] Autor de obra literária admirável. A comédia humana, composta por 95 livros, apresenta um
retrato da sociedade francesa de 1810 a 1850, em que o autor descreve minuciosamente a sociedade
francesa do período, particularmente a burguesia. De modo mais esquemático, criou suas personagens a partir de uma arguta observação psicológica, sendo que seus temas mais comuns são a usura,
problemas como o dinheiro, a hipocrisia familiar. De suas obras mais importantes, além da já citada A
comédia humana, destacam-se, ainda: Eugênia Grandet, Ilusões perdidas, A mulher de trinta anos.
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rado sua obra-prima. Estas duas obras desagradaram parte da crítica (e fundamentalmente a “fatia” dela chamada de acadêmica). As duas telas mencionadas foram excluídas pelo conselho curador da Exposição Universal de Paris de 1855, sob a alegação
de que se tratavam de obras “muito realistas”. Descontente com a (des)classificação,
o artista apresentou as obras no jardim onde ocorria a exposição, acrescentando-lhes
um cartaz com a palavra realismo. A palavra-conceito realismo passava, portanto, a
fazer parte da vida cultural francesa. Courbet, simpatizante das ideias socialistas, não
via nenhuma diferença entre o realismo e a rebelião (naturalismo e rebelião representavam expressões diversas de uma mesma atitude), uma vez que a verdade artística
deveria corresponder à verdade social. O pintor continua a pintar, mas envolve-se em
atividades de militância política que acabam por levá-lo à prisão e ao exílio.
Na obra Cortadores de pedras, de Gustave Coubert, e considerando a
tradição das manifestações dominantes em artes plásticas, o protagonismo da tela por
trabalhadores caracteriza-se como enfoque absolutamente não usual, de acordo com
os cânones das chamadas belas-artes. Desse modo, não há que se estranhar as tentativas de impedimento a que obras semelhantes a esta pudessem figurar de exposições
ou catálogos do nascente movimento cultural.
Na França, depois de incentivar com dinheiro e concessão de espaços
públicos as obras e os autores que louvassem os valores da burguesia, como família,
hierarquia, o conceito de propriedade, etc. – por intermédio do movimento chamado
École du bon sens (1843-1853) ou pré-realismo – surge o realismo. Em princípio, o
movimento se propõe, do ponto de vista de conteúdo, a veicular os valores da burguesia; e, do ponto de vista estrutural, a desenvolver a estrutura do drama para identificação emocional do espectador com as protagonistas da obra. Pautado no conceito de
verossimilhança (vero como verdadeiro + semelhante = aquilo que se parecia com o
verdadeiro, com o real sem sê-lo), o teatro reconstitui, de modo ilusionista (como ilusão) a “realidade estética”. O espetáculo restabelece com rigores absolutos a realidade
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social: atores agem, vestem-se, comportam-se como se fossem “reais” (esse mecanismo de colocar-se no “lugar de” chama-se simulacro em português, mas a palavra mais
empregada para isso em nossa cultura tem sido a inglesa cover).
No século XIX, o drama se torna a forma teatral que domina e que
serve também de modelo para qualificar ou desqualificar outras formas teatrais. O
drama burguês, criado nesse período histórico, pressupõe uma narrativa linear (com
começo, meio e fim apreensíveis). a trajetória das personagens se desenvolve considerando principalmente sua subjetividade e suas relações se desdobram a partir de
conflitos. No sentido de fazer o espectador identificar-se emocionalmente com as
personagens, o drama busca reproduzir no palco a realidade “como ela é”, e a personagem fala por ela mesma (pelo diálogo), sem intervenção de um narrador. No palco:
objetos reais, interpretação em que os atores agem como se fossem as personagens:
colocam-se no lugar delas, iluminação e música utilizadas para criar clima emocional.
Na plateia: luz apagada, silêncio quase sempre absoluto. Entre esses dois conjuntos:
uma parede de alvenaria imaginária, chamada quarta parede. Tudo isso com o objetivo de amalgamar (unir) emocionalmente os dois tempos: o da obra e o do espectador,
de modo a haver uma identificação emocional. A narrativa acontece no mesmo aquiagora do espectador, concebido como um voyeur (pessoa que espia a intimidade das
personagens). De outra forma, os valores são adotados – tendo em vista a estrutura e
organização da obra pela emoção, em boa parte das vezes, de maneira inconsciente.
De modo sistematizado e programático, a partir de 1897, no Teatro
de Arte de Moscou, Constantin Stanislavski cria um método de interpretação naturalista. Nos ensinamentos do mestre, o intérprete “coloca-se em situação” e apresenta
a personagem como se fosse ela. Trata-se de um método extremamente importante,
cujos ensinamentos podem ser encontrados em seus livros Minha vida na arte (biografia), A construção da personagem e A criação de um papel.
Pela proximidade entre os diversos movimentos estético-culturais
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desenvolvidos no século XIX, é bastante comum encontrar obras de dramaturgos
significativos do século ora ligados a um movimento ora a outro. O dramaturgo sueco August Strindberg, por exemplo, inicia-se como autor inserido no realismo, passa
pelo naturalismo e escreve seus últimos textos a partir de uma estrutura ligada ao
simbolismo. A primeira obra importante do autor, Mestre Olof (1872), é ligada ao
realismo; Senhorita Júlia (1888), ao naturalismo, e, de 1898 a 1904, Rumo a Damasco,
obra de estrutura radical, liga-se ao simbolismo. Em tese, Rumo a Damasco é uma
obra dividida em cinco atos e tem a seguinte estrutura simétrica:
Primeiro ato
Segundo ato
Terceiro ato
Quarto ato
Quinto ato
Cena 1 – Na esquina (início de peregrinação)
Cena 2 – Na casa do médico (segunda estação)
Cena 1 – Um quarto de hotel (terceira estação)
Cena 2 – À beira-mar (quarta estação)
Cena 3 – Na estrada (quinta estação)
Cena 4 – No desfiladeiro (sexta estação)
Cena 5 – Na cozinha (sétima estação)
Cena 1 – O quarto rosa (oitava estação)
Cena 2 – O asilo – em verdade, hospício (nona estação)
Cena 3 – O quarto rosa (oitava estação)
Cena 4 – A cozinha (sétima estação)
Cena 1 – No desfiladeiro (sexta estação)
Cena 2 – Na estrada (quinta estação)
Cena 3 – À beira-mar (quarta estação)
Cena 4 – O quarto de hotel (terceira estação)
Cena 1 – Na casa do médico (segunda estação)
Cena 2 – A esquina (primeira estação)
flash-back
(lembranças
da personagem
chamada Desconhecido)
cena real
flash-forward
(imaginação
da personagem
antes Desconhecido, agora
César)
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Trata-se, como é possível perceber, de dramaturgia simétrica e de
estrutura bastante complexa. Na obra só há uma cena que se passa no plano da realidade e cujo espaço é um hospício (indicando o estado de loucura da protagonista
– César); as outras, são fruto de lembrança ou de projeção. Por brincar com a estrutura dramatúrgica e por desacreditar na vida, concebendo-a como um grande fardo,
Strindberg foi o criador do chamado monodrama (drama de uma só consciência,
sendo as outras personagens fruto dessa consciência) drama pesadelo (grafado em
inglês na totalidade dos materiais como dream play).
Além de Strindberg, está entre os mais importantes autores do movimento realista o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), considerado o primeiro
grande dramaturgo do movimento. Por uma temática sempre crítica com relação
à burguesia, suas peças acabaram sendo bastante proibidas na Europa. De todas as
suas obras, sem dúvida, a mais polêmica é Casa de bonecas (1897). Oito anos depois
de uma ação ilegal (falsificar a assinatura para solicitação de um empréstimo em uma
promissória) para salvar o marido doente, e de pagar totalmente o empréstimo, à base
de sacrifícios pessoais, Nora – uma dona de casa com três filhos –, por seu marido não
ter entendido o ato que ela havia praticado, despede-se dele. Segue-se o diálogo:
Helmer Você me amou como uma mulher deve amar seu marido. Só que você
não teve discernimento suficiente para julgar os meios que usou. Mas
acha que eu vou querê-la menos só porque você não tem capacidade
para agir por sua conta própria? Não, não, basta apoiar-se em mim,
eu a aconselho e a oriento. Eu não seria homem se essa sua inferioridade feminina não a fizesse duplamente sedutora aos meus olhos. (...)
Isso mesmo. Trate de se acalmar e abrandar suas ideias, meu bichinho assustado. Descanse e fique tranquila. Eu tenho asas largas para
protegê-la. (...)
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Nora
Minha vida tem sido fazer gracinhas para você, Torvald. Mas era isso
que você queria. Você e papai me fizeram um grande mal. Foi por culpa
de vocês que eu desperdicei minha vida. (...) Mas você estava mesmo
com toda a razão. Eu não estou preparada para a tarefa. Existe outra
tarefa de que eu tenho que me desembaraçar primeiro. Eu preciso tentar
educar a mim mesma. E você não é o homem que pode me ajudar nisso.
Eu tenho que fazer isso sozinha. E é por isso que agora eu vou deixá-lo,
vou embora. (...) Mas eu não posso mais me contentar com a opinião da
maioria das pessoas nem com o que está nos livros. Eu tenho que pensar
por mim mesma se quiser compreender as coisas. (...) Eu aprendi também que as leis são muito diferentes do que eu pensava, mas não consigo
convencer-me de que as leis sejam justas. (...)
Helmer Nora, Nora, ainda não! Espere até amanhã.
Nora Não posso passar a noite com um desconhecido.12
Anton Pavlovitch Tchekhov (1860-1904) costuma ser apresentado
pela maior parte dos críticos como o criador de uma dramaturgia estática. Essa classificação se dá por conta de as personagens de Tchekhov serem acometidas por uma
espécie de inércia, possuidoras de uma intensidade dramática fora do comum, o que
as torna patéticas, na medida em que sentem e desejam com profundidade, mas não
agem do mesmo e intenso modo. Assim, não é incomum as personagens causarem
pena e raiva, ao mesmo tempo, dependendo da encenação, podendo levar o espectador às mais diferenciadas reações práticas.
O diálogo tchekhoviano é constituído por intenções não explicitadas,
localizado nas entrelinhas e nos interstícios, estruturando-se, grandemente, em monólogos paralelos, por intermédio dos quais a personagem fala de si para si mesma, sem
necessidade de troca ou interlocução. As personagens carregam dentro de si, expan[ 12 ] H. Ibsen. Casa de bonecas. São Paulo: Abril Cultural, 1976, p. 154-169, Coleção Teatro Vivo.
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dindo cada vez mais, um tédio montado e remontado num lentíssimo fluir de tempo
existencial, negado pela própria supressão do diálogo, isolando-se dentro de si mesmas,
sem necessidade de libertar-se, paralisando fluxos de pensamento e de alma: constantemente marcados por um distante e nostálgico passado, imprimindo a sensação de o
presente ser um fardo insuportável e o futuro, uma distante promessa utópica.
Exatamente pelas particularidades descritas acima Tchekhov está
muito mais próximo do impressionismo do que do naturalismo em que costuma aparecer. Mestre, portanto, da radiografia da alma humana, inaugura-se com Tchekhov
um movimento posterior em que o individualismo psicológico será levado ao paroxismo (ao máximo), principalmente (salvaguardadas todas as diferenças) com Tennessee
Williams, Federico Garcia Lorca e a totalidade de autores inseridos no chamado
gênero do drama psicológico. Do conjunto de suas obras, A gaivota (1896) e As três
irmãs (1901) encontram-se entre as mais significativas.
De A gaivota, obra de tantas incertezas e de tantas gagueiras mentais
(também chamadas de tartamudeios ou “borrões emocionais”), uma fala pode ser
bastante significativa:
Nina Por que disse que beijava o chão onde eu pisava, quando deveria é me matar? Estou tão consumida! Seria tão bom poder descansar... descansar! Sou
uma gaivota... Não! Sou uma atriz. É, sim! (...) Pois é... Não é nada...
Sim... Ele não acreditava no teatro, ria de meus sonhos, de modo que, aos
poucos, eu também fui perdendo a crença e a coragem... Depois, vieram as
aflições do amor, os ciúmes, o eterno temor pelo bebê... Tornei-me mesquinha, insignificante, representava sem convencer. Não sabia o que fazer
com as mãos, como me postar em cena, não dominava a voz. Você não
pode compreender o que é isso, ter consciência de que atua terrivelmente
mal. Sou uma gaivota. Não, não é isso... (...) De que eu falava mesmo?...
Ah, sim, falava de teatro. Agora sou outra pessoa. Agora sou uma atriz
de verdade, trabalho com prazer e paixão. No palco uma embriaguez se
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apodera de mim e me sinto bela. (...) E agora, Kostia, já sei e compreendo
que, em nosso trabalho – tanto faz se atuamos no palco ou escrevemos –, o
importante não é a glória, nem o brilho ou a realização dos sonhos, e sim
saber sofrer. Saber carregar a cruz e ter fé! E não sinto tanta dor e, quando
penso em minha profissão, já não temo a vida”.13
Além desses autores precisam ainda ser destacados, com obras representativas no século XIX:
– o irlandês Bernard Shaw (1856-1950), dono de um humor absolutamente ferino e cáustico, e criador de uma dramaturgia crítica à burguesia, sua classe
de origem. A partir da leitura de O capital, de Karl Marx, em 1882, o dramaturgo
pensa sua vida e sua obra a serviço da libertação do homem. Panfletário algumas
vezes, não derrapou nos discursos apenas ideológicos por conta de sua capacidade
irônica. Entre suas frases de espírito pode-se encontrar:
Em 1933, quando visitava os Estados Unidos, o polêmico
dramaturgo [Shaw] foi abordado por um jornalista que lhe perguntou o que estava fazendo ali. Shaw, muito calmamente, disse-lhe que pretendia estudar de
perto zoologia, pois em nenhum outro continente se viam tantas bestas (...). Com
a bailarina Isadora Duncan, foi ainda mais pedante e sarcástico. Quando ela lhe
falou da maravilha que seria um filho de ambos, com a beleza dela e a inteligência
dele. Shaw imediatamente recusou. Não queria arriscar a ser pai de uma criança
que podia ter a inteligência dela e a beleza dele.14
[ 13 ] Anton Tchekhov. A gaivota. São Paulo: Veredas, 1994.
[ 14 ] Introdução sem autoria à obra de Bernard Shawn A profissão da Senhora Warren. São Paulo:
Abril Cultural, 1976, Coleção Teatro Vivo.
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– o russo Aleksei Maksimovitch Pechkov, mais conhecido como
Máximo Gorki (1868-1936), foi um artista marcado pelos processos revolucionários
desencadeados pela Revolução Russa (1905-1917) e pelos seus desdobramentos com
relação à criação da chamada arte proletária. Em tese, ainda adolescente, pelo fato de
a mãe e ele mesmo serem alvo de constantes maus-tratos de um segundo casamento,
Gorki foge de casa com uma caravana de vagabundos e anda pela Rússia, fazendo
uma série de trabalhos para ganhar a vida. Nessa fase de peregrinação, o autor acaba por ver uma série de injustiças sendo praticadas, sobretudo contra as mulheres
(à semelhança do ocorrido com sua mãe), que eram exploradas e espancadas pelos
homens sem que tal atitude “quase natural” naquele contexto fosse contestada por
outras pessoas. A partir dessa dura constatação, veio-lhe a consciência da necessidade
de lutar contra esse mal, aceito pela quase totalidade das pessoas, posto ser um “valor
social” na Rússia daqueles dias.
Dessa forma, e adquirindo a consciência de que a saída não seria
fugir do mundo, mas enfrentá-lo dentro das limitações, Gorki, de todos os autores de
seu tempo, parece ser o mais próximo às lutas e causas sociais, fundamentalmente por
conta de sua dramaturgia – além de ter respondido ao pedido de Lênin para que os
artistas aderissem, com seu trabalho, à construção de uma sociedade socialista – ter
expressado em todas as suas obras diferentes formas de protestos contra todo tipo de
desumanidades perpetradas contra a humanidade.
Acreditando, portanto, em uma outra missão da literatura e apoiado
em princípios e em atitudes socialistas, afirmam alguns de seus biógrafos que o autor,
pelo seu excesso naturalista e pela sua radicalidade de princípios no âmbito da política, apresentou traços de forte idealismo que o aproximariam, não paradoxalmente,
do romantismo. Ainda que descrevendo de modo cru (sem nenhuma concessão a
esteticismos embelezadores e arquetípicos de um determinado realismo), Gorki teria
louvado e feito apologia a um segmento social absolutamente escorraçado pelo sis-
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tema social russo, antes da Revolução. Assim, pintadas de modo absolutamente idealistas, as personagens gorkianas, muitas vezes deformadas ideologicamente, teriam
transitado acima da história e de particularidades humanas concretas e observáveis na
vida. Apesar dessa particularidade, são dois os seus mais importantes textos: Pequenos
burgueses ou Uma cena na casa dos Bessemonov (1900) e Ralé ou No fundo (1902);
– o alemão Gerhart Hauptmann (1862-1946) foi autor de um conjunto significativo de obras, sendo que a maioria delas pertence (de acordo com a reflexão
mais consensual) ao naturalismo. Pelas temáticas e personagens apresentadas em suas
peças, protagonizadas por representantes de estratos sociais não considerados dramáticos (tendo em vista os paradigmas postos pelo realismo burguês), muitas delas foram
censuradas e promoveram todo tipo de polêmica. Pela qualidade das obras e pelo seu
conjunto, Hauptmann foi bastante premiado, ganhando, inclusive, o prêmio Nobel de
Literatura em 1912. Devido à complexidade e à escolha de suas temáticas, Hauptmann
não pode ser considerado apenas como um naturalista como muitos o apresentam. Suas
obras acompanham, de maneira às vezes muito próxima, as mudanças políticas ocorridas na Alemanha (lembrando que o autor viveu o Império, a República de Weimar e
o Terceiro Reich) e, de um ponto de vista mais geral, apresentam o homem para além
das condicionantes geográficas. Isto é, apesar de suas personagens serem alemãs, o autor
fala da humanidade, não condicionada geograficamente a um país específico.
Sua obra mais importante chama-se Os tecelões e corresponde a um
processo de greve ocorrido com os tecelões da Silésia, em fins do século XVIII (e
da qual seu avô participara). Escrita em 1891 em linguagem dialetal e em 1892 em
linguagem corrente, foi proibida durante muitos anos na Europa. A obra, naturalista, é protagonizada por diferentes tecelões, vitimados pelas circunstâncias sociais do
determinismo fundamentado nas proposições cientificistas do período e nas especulações filosóficas do positivismo de Augusto Comte (1798-1857).
Alicerçado nos conceitos de Émile Zola, o propositor da necessidade
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de o pensamento cientificista ser inserido nos procedimentos artísticos, concebendo
as artes como um sucedâneo das ciências e o artista como cientista (o que exigiria
dele um constante processo de pesquisa, por conta de não conhecer o universo das
classes trabalhadoras), a primeira rubrica da obra de Hauptmann, Os tecelões, no que
diz respeito à descrição do ambiente, é excepcional:
PRIMEIRO ATO
(Um amplo aposento, pintado de cinza, na firma de Dreissiger, em Peterswaldau.
É o compartimento onde os tecelões têm de entregar o tecido pronto. À esquerda
há janelas sem cortinas, na parede do fundo, uma porta de vidro, à direita outra
porta de vidro, idêntica à anterior, pela qual tecelões, tecelãs e crianças entram
e saem continuamente. Ao longo da parede à direita, que, como as demais, está
revestida, na sua maior parte, de prateleiras de madeira para tecidos, estende-se
um banco sobre o qual os tecelões que foram chegando expuseram sua mercadoria.
Adiantaram-se de acordo com a ordem de chegada e submetem sua mercadoria à
inspeção. O almoxarife Pfeider está de pé atrás de uma grande mesa sobre a qual o
tecelão coloca a mercadoria a ser inspecionada. Utiliza-se ele, durante a inspeção,
de um compasso e de uma lente. Quando ele termina, o tecelão coloca o tecido na
balança, onde um auxiliar de escritório confere o peso. A mercadoria recebida é
empurrada pelo mesmo auxiliar para o almoxarifado. A cada vez, a importância
a ser paga é dita pelo almoxarife Pfeider, em voz alta, ao caixa Neumann, que
está sentado a uma pequena mesa. Estamos em fins de maio: o calor é sufocante.
São 12 horas. A maioria dos tecelões, que esperam resignados, semelham pessoas
que se acham diante das barras da Justiça, onde, em torturante expectativa, têm
de aguardar uma decisão de vida ou de morte. Por outro lado, algo de deprimente
domina a todos, algo típico aos mendigos, que, de humilhação em humilhação,
conscientes de que são apenas tolerados, estão acostumados a esconder-se o mais
possível. Acrescente-se a isso um traço rijo em todos os rostos, resultado de infrutífera e cansativa reflexão. Os homens, parecidos uns com os outros, todos mirrados,
meio submissos, são na maioria pessoas pobres, de peito cavado e tossegosas, cujos
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rostos apresentam um colorido pálido-sujo: criaturas do tear, de joelhos dobrados
devido a suas longas horas de trabalho. Suas mulheres, à primeira vista, não
têm tantos traços típicos: têm um ar desanimado, atemorizado, desacorçoado –
enquanto os homens ostentam uma gravidade um tanto forçada – e andrajosas,
quando os homens usam roupas remendadas. As mocinhas, às vezes, têm certos
encantos; neste caso destacam-se por palidez cerácea, formas delgadas, grandes
olhos saltados e melancólicos.15
Apontamentos sobre o movimento simbolista
O movimento simbolista, inicialmente chamado decadentismo pelos críticos, vinha impregnado por um mal-estar provocado pelo chamado fin de
siècle (fim de século). Havia na França, sobretudo por parte de muitos intelectuais
e artistas, uma profunda descrença no Estado francês e no mundo como um todo.
Os artistas simbolistas, além de desconfiarem do Estado, seus políticos e a burguesia (classe à qual pertenciam), contestavam o movimento naturalista, afirmando
o tédio de suas teses racionais e cientificistas que os teria induzido à criação de
um fac-símile (cópia) do mundo pretensamente real. Em caminho inverso, a arte
simbolista – ao recuperar e a ampliar os subjetivismos do último romantismo – induziu seus artistas a uma apologia incondicional ao anímico (estados d’alma), ao
incognoscível (desconhecido) e aos sonhos, através daquilo que eles chamaram de
tentativas de “exprimir os seres absolutos” ou o mundo das ideias: que nada mais
eram do que os signos. Nessa perspectiva, não interessava aos artistas ligados ao
movimento simbolista retratar os objetos tal e qual eles poderiam ser encontrados
na realidade, mas, fundamentalmente, evocá-los por determinados aspectos que
pudessem suscitar os (por ele denominados) estados de alma: fruto do subjetivismo
[ 15 ] Gerhart Hauptmann. Os tecelões. São Paulo: Brasiliense, 1968, p. 3-4. Coleção Brasiliense de Bolso.
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e do subconsciente. Dessa forma, a visão onírica (ligada ao sonho, à capacidade de
sonhar), idealizada e prenhe de simbologia, seria caracterizada na única possibilidade de a arte ser concebida e/ou alcançada apresentando o oculto (pré-lógico), o
transcendente e o inexorável: que corresponderiam aos sentimentos verdadeiros e
ideais. Baudelaire, por exemplo, acatando e repetindo Hegel, considerava que o prazer pelo artificial (ou seja, aquilo produzido pelo homem thesis para os gregos) era
infinitamente superior, posto que a natureza era moralmente inferior. Dessa forma,
em seu entusiasmo pela artificialidade, que representou uma nova abordagem ao
escapismo romântico, Baudelaire afirmava que o mal era espontâneo (natural) e
que, ao contrário disso, o bem seria sempre produto da intenção e do propósito
construído pelo homem-artista. Com relação a símbolo, do grego symbolon, que
guardaria a ideia de sinal de reconhecimento, o conceito pressuporia a conjunção
de chaves ou conhecimento de senhas para facilitar o acesso interpretativo da coisa
representada (a expressão indireta de um significado impossível de dar diretamente,
posto ser indefinível e inesgotável).
A principal diferença entre símbolo e alegoria (do grego a, como
união, + lego, verbo catar, selecionar) no período teria sido apresentada por Mallarmé,
que concebia a alegoria como tradução de uma ideia abstrata em forma de uma imagem concreta. Dessa forma, ao se descobrir a ideia contida pela alegoria, seria possível
lê-la e traduzi-la (posto que a traduzibilidade faria parte de sua constituição). Em
oposição à alegoria, o símbolo16 reuniria a ideia e a imagem em uma unidade indivisível, de modo que a transformação da imagem arrastaria consigo a metamorfose
da “Ideia”, posto que o conteúdo de um símbolo não poderia ser traduzido de outra
forma. Nesse sentido, Baudelaire (antecessor mais notável da poesia simbolista e o
criador da lírica moderna em geral) foi o paradigma e condutor de um grupo de artistas que regressou a alguns dos expedientes do romantismo (metáfora como célula primal e repúdio a toda poesia anterior), conciliando o novo misticismo à velha devoção
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fanática pela arte (de élite), por intermédio da utilização de símbolos. Sua síntese (em
termos de movimento) poderia ser assim apresentada: o simbolismo caracterizou-se
por uma busca, posto que a arte seria sua própria realidade17, não refletindo nada.
Ou como disse Mallarmé em um de seus escritos: “O simbolista não deve retratar o
objeto mas o efeito que este produz”.
Os simbolistas defendem a tese de criação de um teatro da mente, isto é, o texto teatral deveria ser lido e não representado; mais que isso, e para
muitos dos autores inseridos no movimento: o texto teatral funcionaria como um
pretexto para sonhar! Dessa forma, aos artistas do movimento interessava a criação
de atmosferas e de climas, a partir dos quais os espectadores e/ou fruidores teriam a
função de decodificar a obra, cujo caráter preponderante seria o de obra enigmática.
Tal princípio foi defendido por um dos representantes do movimento, Théodore de
[ 16 ] Há vários textos teóricos em que o símbolo (como conceito) é discutido. Dessa forma, entre
o material à disposição, Hegel – em Estética: a arte simbólica. Lisboa: Guimarães Editores, s/d, p.16
e ss. – é um dos primeiros a fazê-lo e afirma: “O símbolo é algo de exterior, um dado direto e que
diretamente se dirige à nossa intuição: todavia, este dado não pode ser considerado e aceito tal
como existe realmente, para si mesmo, mas num sentido muito mais vasto e geral. É, assim, preciso
distinguir no símbolo o sentido e a expressão. Aquele refere-se a uma representação ou um objeto
qualquer que seja o seu conteúdo; esta constitui uma existência sensível ou uma imagem qualquer.
Antes de tudo, o símbolo é um sinal. Mas na sua simples presença, o laço que existe entre o sentido e
a expressão é puramente arbitrário. Esta expressão que aqui temos, esta imagem, esta coisa sensível
representa tão pouco por si mesma que desperta em nós a ideia de um conteúdo que lhe é completamente alheio, com o qual ela não tem, para falar com propriedade, nada de comum. (...) A arte
implica, pelo contrário, uma relação, um parentesco, uma interpenetração concreta de significação
e de forma”.
[ 17 ] Em consonância com as ideias dos impressionistas, pode-se entender que para os simbolistas
a realidade não era um estado, mas um processo, e não podia ser concebida como um ser, mas
como um devir.
73
Banville18, autor da peça O ferreiro (Le forgeron – 1887), que afirmava ser o teatro
para o público e para o solitário uma obra dirigida essencialmente aos movimentos
interiores da alma.
A estética simbolista inicia-se com Mallarmé19, um dos maiores artistas do movimento que sonhava com a criação de um teatro soberbo e (não paradoxalmente) realista, no concernente à capacidade do fantasiar humano, representado
por excelência pelo espaço anímico. Dessa forma, o poeta elogiou um conceito em
voga no período de “espetáculo em uma poltrona”: sentar para sonhar.
Com relação ao cenário, por exemplo, diziam alguns simbolistas que o
espaço não deveria ser vazio, mas evitar todos os detalhes específicos. De acordo com
certa lógica proposta pelos simbolistas, uma simples sombra verde daria uma melhor
impressão do que papelões (telões) pintados imitando florestas. Em tese, a concepção
teatral dessa segunda tendência ou grupo preconizava um idealizado teatro estático, altamente abstrato e semelhante a um transe, transformando-se: “[...] em espaço de jogo
[ 18 ] T. Banville (1823-1891), defensor da arte pela arte, escreve em 1857 Odes funanbulescas, com
a qual tenta demonstrar a tese segundo a qual a criação poética deveria aglutinar e conciliar os
conceitos de poesia e artifício, que acabou por levá-lo a ser chamado de acrobata do verso. Em 1872
escreve Pequeno tratado de versificação francesa.
[ 19 ] Stéphane Mallarmé (1842-1898), um dos mais significativos expoentes do movimento simbolista, foi chamado de “príncipe dos poetas”. Tem uma obra densa, mas reduzida e dividida em
duas fases. Segundo a crítica especializada, o autor criou e recriou sempre tomando como mote
um pequeno conjunto de ideias, sendo que para ele a poesia era a anunciação de todas as imagens
suspensas oscilantes e em constante processo de evanescência. Acreditava e defendia que nomear
um objeto representava destruir três quartos do prazer existente no adivinhar gradual da sua verdadeira natureza. Assim, a evocação da realidade representava a evocação como ideia, e esta seria
sempre um símbolo. Obras poéticas: Parnaso contemporâneo, A tarde de um fauno, Tombeau d’Edgar
Poe – Túmulo de Edgar Poe – e Um lance de dados jamais abolirá o acaso, de 1897. Além desses livros
de poemas, tem suas obras em prosa publicadas no livro Divagações, de 1897.
74
ou de sonho, o cenário simbolista propõe uma nova concepção da cor (...) ela assume
agora uma função simbólica.”.20
Nessa perspectiva, neste teatro nada deveria ter uma função decorativa, posto que todos os elementos deveriam confluir para criar uma visão, diretamente
ligada àquilo que eles qualificavam/denominavam como sendo a alma; sublinhar um
determinado efeito: normalmente de ordem metafísica; evocar, de todos os modos, o
intraduzível, o imprevisível, o onírico.
Anna Balakian afirma que nas histórias do movimento simbolista
pouca atenção é dada ao teatro que dele se originou. Lembra, ainda, haver estudos
interessantes a respeito do diretor teatral francês, ligado ao movimento, Lugné-Poe,
mas uma total ausência de estudos com relação à dramaturgia simbolista ou mais especificamente à sua poética. Dessa forma, por ser o “movimento-mãe” do movimento
de vanguarda, muita atenção é preciso ser prestada à sua poesia – de certa forma
sinestésica – cujo:
(...) interesse principal seria determinar em que extensão ele [o
movimento] conseguiu se desviar da convenção dramática a fim de dirigir o teatro
para novos campos, nos quais o artista dramático da metade do século XX está mais
apto a florescer. (...) As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso
nada são, com efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática (...)
porque na verdade existe um certo anulamento do ator exigido pelo dramaturgopoeta, que está em todas as suas personagens e está procurando um médium em vez
de um intérprete. (...) Aqui está, pois, “o primeiro defeito” do teatro simbolista:
nenhuma caracterização e nenhuma oportunidade de interpretação.21
[ 20 ] Jean-Jacques Roubine. Linguagem da encenação teatral: 1890-1980. Rio de Janeiro: Zahar,
1982, p. 32.
[ 21 ] Anna Balakian. O simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 99.
75
Em 1890, o diretor Paul Fort (1872-1960), opondo-se fortemente
às ideias de André Antoine e à produção desenvolvida no Théâtre Libre, funda o
Théâtre de l’Art, convidando os poetas simbolistas franceses e, especificamente, Aurelian Lugné-Poe (1869-1940) – um dos atores do Teatro Livre – a incorporar-se
ao elenco do novo grupo.
Inicialmente, esses artistas reunidos em torno de Fort – que defendia
a tese de criação de um teatro que funcionasse como tribuna para os simbolistas, era
preciso “[...] purificar o ambiente de mau cheiro que emanava das autênticas peças
de carne no palco do Teatro Livre” – formaram um movimento de arte impressionista, como necessidade de oposição ao Naturalismo, preconizando a necessidade do
retorno do subjetivismo em arte. Muitos desses artistas defendiam a tese de criação
de um teatro do sonho ou de um teatro da alma. O espetáculo de estreia foi Fausto,
de Christopher Marlowe, em 18/11/1890.
Para finalizar, o belga Maurice Maeterlinck (1862-1949), entre os
mais significativos dramaturgos do movimento, em seus cuidados e zelos característicos, sugeria a substituição do ator por figuras de cera esculpidas, marionetes ou sombras. Recomendava, ainda, o uso de máscaras para substituir o rosto do ator vivo. Ao
defender a criação de um tipo de drama estático de ação e reflexão internas, conclui
o autor que a vida interna do ser só poderia ser apresentada através de palavras e não
de ações. Dentre sua obra dramatúrgica podem ser destacados os seguintes textos: A
intrusa (1890), Pelléas e Mélisande (1892), O pássaro azul (1909).
Encenação moderna
Com a produção de obras dramatúrgicas radicais e altamente experimentais, surge, no final do século XIX, o conceito de reteatralização do teatro. Em
tese, esse conceito pressupõe uma crítica contundente aos reprodutivismos ilusionis-
76
tas do naturalismo e o retorno de um “teatro teatral”, ou seja: o teatro como teatro.
O diretor teatral que, normalmente, até aquele momento histórico cumpria as determinações apresentadas pelo autor, “obedecendo às rubricas do texto”, com as radicalizações dramatúrgicas, ganha a condição de coautoria. O diretor traduz os enigmas
propostos pelas obras e, como encenador, sozinho ou democratizando esse processo,
cria uma obra única, original e, algumas vezes, autoral. Dentre esses encenadores22
podem ser destacados: Adolphe Appia (1862-1928), Edward Gordon Craig (18721966), Max (Goldmann) Reinhardt (1873-1943), Vsevolod Emilievitch Meyherhold
(1874-1940/2?).
[ 22 ] Acerca desses encenadores e suas obras mais significativas, consultar Jean-Jacques Roubine,
Linguagem da encenação teatral: 1890-1980, Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
77
Idade Contemporânea (século XX)
1907
1909
1911
1913 1914
1916 1918
__Bertolt Brecht escreve seu
primeiro texto: Baal. 1919:
nacionalização do teatro
soviético; na Alemanha,
são apresentadas as
primeiras experiências do
teatro proletário alemão
por Erwin Piscator.
__Em Zurique, Suíça, surge o
dadaísmo. No Cabaré Voltaire acontece a primeira noitada (soirée) dadaísta.
__ Criação, em Paris, do Teatro do Vieux
Colombier, por Jacques Copeau: reabilitação do realismo burguês.
__Na Rússia, criação do ego-futurismo. V. Maiakovski
adere ao movimento e ajuda na criação do cubo-futurismo. Surge o agit-prop (agitação e propaganda).
__Publicação no jornal francês Le Figaro do manifesto
de lançamento do futurismo, escrito por Filippo
Tommazo Marinetti – o líder do movimento.
__Criação de Assassino, esperança de mulheres, de Oskar
Kokoschka (primeiro drama expressionista); encenação em 1908: expressionismo no teatro.
1924
1931
1939 1941
1943
1945
__Decorrente da guerra
e do lançamento pelos
norte-americanos das
bombas atômicas em
Nagasaki e Hiroshima,
em 1953 Samuel Beckett
escreve Esperando Godot.
__Publicação de O ser e o nada,
de Jean-Paul Sartre. Década
de construção do teatro do
absurdo.
__Os nazistas invadem Paris.
__Na Espanha, Garcia Lorca dirige o grupo
La Barraca. Primeiro manifesto do teatro
da crueldade, de Antonin Artaud.
__Lançamento em Paris do primeiro manifesto
do surrealismo, por André Breton. Nesta década, Bertolt Brecht inicia o teatro épico.
[1914 - 1918] – 1ª Grande Guerra Mundial
[1939 - 1945] – 2ª Grande Guerra Mundial
O movimento enfeixado pelas vanguardas históricas europeias, em
teatro, compreende o desenvolvimento dos seguintes movimentos: expressionismo
(Alemanha), futurismo (Itália), cubo-futurismo (Rússia), dadaísmo (Suíça) e o surrealismo (França). Antes de apresentar as características de cada movimento, é significativo conhecer algumas comuns a todos eles. Correntes derivadas, principalmente do
último romantismo alemão (Büchner e Kleist), segundo ensaio de Gerd Bornheim:
[...] o romantismo não é apenas uma reação contra o classicismo ou contra a cultura que o antecedeu imediatamente. O romantismo é a
crise da própria cultura ocidental – é o primeiro momento de um processo ao qual
continuamos ainda hoje presos. O caráter avassalador dessa crise radica no fato
de que a totalidade dos valores sobre os quais se apoia o mundo ocidental passam
a ser problematizados; são valores que perdem a sua vigência, despidos que são
de sua dimensão de fundamento último e estável. E o que afeta a todos os aspectos
da cultura não poderia deixar de atingir também o teatro. Daí o caráter caótico,
confuso, do teatro contemporâneo: também ele sofre essa avalanche de problematização radical, que incide sobre os seus próprios alicerces – razão pela qual se pode
afirmar que hoje já não se encontra uma forma única para o teatro, mas topa-se
com o informe que busca formas.23
Reiterando alguns desses pontos de vista e aprofundando outros,
Anatol Rosenfeld assim se refere à tendência-necessidade de ruptura com as características determinantes do movimento realista, iniciadas pelos dois dramaturgos
citados do romantismo alemão e construídas desde, principalmente, Strindberg:
O Eu racional evidencia-se como concepção precária, seus limites como que se esfarrapam, se revelam fictícios, ameaçados por poderes exte[ 23 ] Gerd Bornheim. Questões do teatro contemporâneo. In: O sentido e a máscara. São Paulo:
Perspectiva, 1975, p. 26-7.
80
riores e interiores. De um lado o Ego, sua racionalidade, é assediado por forças
irracionais provenientes da própria intimidade psíquica, ampliada pela dimensão do inconsciente; de outro lado, sua autonomia é posta em xeque pela imensa
engrenagem do mundo tecnicizado e administrado. A partir daí se entende a
“crise do diálogo”. (...) É, ademais e em particular, o diálogo – base do teatro
tradicional – que agora se afigura obsoleto e como que desautorizado, quando se
pretende apresentar as forças inconscientes, por definição inacessíveis ao diálogo
racional ou consciente; e que parece ser igualmente desqualificado quando se procura levar à cena a engrenagem anônima do mundo social.
São de fato essas duas tendências – a devassa da intimidade
irracional e do mundo anônimo e coletivo – que impuseram as profundas transformações estilísticas do teatro moderno, já que os problemas envolvidos dificilmente
podem ser reduzidos ao entrechoque de vontades individuais (expresso no diálogo
dramático) e a conflitos situados no nível da moral individual e racional. (...)
Na medida em que o palco, como um todo, reproduz a intimidade ou memória de uma consciência, permitem-se também todas as deformações possíveis para projetar o mundo do ângulo – muitas vezes patológico ou
onírico – dessa consciência; deformações que por si só interpretam os planos mais
profundos da vida psíquica, como geralmente ocorre no expressionismo. O próprio
diálogo passando muitas vezes a monólogo interior ou tornando-se murmúrio
imaginário da memória ou procurando articular coisas nunca expressas no diálogo interindividual empírico, prescinde da verossimilhança exterior para revelar
ou desmascarar realidades mais essenciais, reprimidas pelo Ego consciente.24
Eduardo Subirats, ao analisar os pressupostos filosóficos, no concernente aos aspectos tecnocientíficos e tecnoculturais que teriam dado sustentação ao
desenvolvimento dos movimentos de vanguarda, afirma:
[ 24 ] Anatol Rosenfeld. Aspectos do teatro moderno. In: Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva;
Edusp; Campinas: Ed. Unicamp, 1993, p. 108-10.
81
O conceito de vanguarda teve, até o advento da Segunda
Guerra Mundial, um significado estritamente militar. Designava uma organização e uma técnica ofensiva e defensiva na guerra tradicional de frentes. Todavia, o próprio desenvolvimento tecnológico da indústria da guerra tornou obsoleto
tanto a tática militar das vanguardas como o próprio significado do termo.
Porém, antes que caíssem em desuso no cenário da moderna
guerra total, as vanguardas haviam adquirido uma nova dimensão, dessa vez
social e política. Nas doutrinas revolucionárias do socialismo do século XIX a
palavra vanguarda designava uma elite de intelectuais em sua ação política
como dirigentes sociais, agentes da organização estratégica dos antagonismos da
sociedade industrial e artífices de uma nova organização, racional e científica,
da sociedade e do Estado. (...)
Contudo, nas primeiras décadas do século XX, aquelas mesmas conotações metafísicas e histórico-filosóficas das vanguardas políticas e militares recobram novo ímpeto no coração dos pioneiros da arte moderna. Cubistas
e futuristas, dadaístas e construtivistas recuperaram para o que fazer artístico
aqueles mesmos valores, ao mesmo tempo éticos e estratégicos, de força de choque,
de destruição ou de ruptura das tradições e da memória histórica, e as características de guarda avançada, de poder antecipador e normativo, além de políticoorganizativo, a que haviam aspirado os estrategistas militares das vanguardas e
os dirigentes políticos das revoluções industriais do início da era industrial. Em
alguns casos, como nas vanguardas futuristas, essa síntese do militar, do político e do artístico sob uma só e mesma bandeira das vanguardas adquiriu uma
formulação explícita, em seus manifestos e em sua atuação no cenário político,
artístico e social.25
No lugar de obra pronta e acabada, apropriada para a fruição passiva, algumas das vanguardas investem no conceito de práxis vital: concebido como
experimentação ilimitada e irrefreada da capacidade imaginativa. Dessa forma, por
[ 25 ] Eduardo Subirats. A vanguarda tecno-industrial. In: A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989, p. 50-1.
82
conter e contar com a participação direta do espectador, e à exceção do movimento
expressionista, todas as vanguardas aqui citadas estimulavam, pelos mais variados expedientes, a provocação do espectador, concebido como um ser atuante no processo,
em um jogo de acaso, próximo ao que se convencionou chamar de performance.
A nova espécie de atitude neorromântica, trazida por várias das vanguardas históricas, busca sobretudo o novo (ineditismo) ou mais especificamente a
surpresa – e cujo objetivo seria o de surpreender, chocar pelo inusitado ­– passou
a ser buscado a partir de diferentes estimulações, sendo que o objeto artístico e seu
processo de construção/elaboração passou a ser insistentemente procurado a partir
do conceito de homogêneo intrinsecamente diverso: o homogêneo, quando estabelecido, ocorreria por contraste ou por semelhança entre opostos. Assim, o conceito
de “aparentemente diverso” se constituiria em estratégia, programa de luta e alvo dos
movimentos de vanguarda a partir de diversas combinatórias.
Dessa forma, nessa espécie de “universo paralelo à vida e à existência
concreta” e/ou caleidoscópio estético, a linguagem teatral representou o espaço privilegiado para todo tipo de experimentação mítica, agressiva, ritualística, chocante,
primordial, “pronta para o uso”, fugaz, etc., tendo em vista que os espetáculos resultantes engendrados pelos artistas dos diferentes movimentos, articulados e montados
a partir do conceito de noitadas performáticas: serate ou soirée (de cada movimento
e principalmente do futurismo, do dadaísmo e do surrealismo) organizavam-se para
abrigar, por intermédio das mais diferentes formas de provocação, todo tipo de manifestação, sem tanta organicidade e/ou mesmo “concatenação estética”.
De modos mais e menos presentes, são características dos movimentos de vanguarda (junção das palavras francesas avant: antes, primeiro + garde:
guarda, vigilância = aqueles que vêm/estão à frente, espécie de tropa de elite): o
choque, o grotesco, a metalinguagem, a montagem, o deboche... Originados em
diversos países da Europa e alastrando-se para além de suas fronteiras (às vezes
83
com características análogas, outras de modo oposto, sendo que o exemplo mais
contundente talvez possa ser encontrado entre o Futurismo italiano e o CuboFuturismo russo), esses movimentos de vanguarda, e à guisa de apresentação mais
didática, apresentaram características mais ou menos comuns. Entre elas as mais
significativas são:
Conceito de grotesco
Etimologicamente, a palavra grotesco significa, numa primeira
acepção, gruta ou caverna (do italiano grottesca). Desse modo, Patrice Pavis, citando
Victor Hugo, apresenta as seguintes correlações:
Grotesco é aquilo que é cômico por um efeito caricatural burlesco e estranho. Sente-se o grotesco como uma deformação significativa de uma
forma conhecida ou aceita como norma. (...)
A forma grotesca aparece na época romântica como a forma
capaz de contrabalançar a estética do belo e do sublime, de fazer com que se tome
consciência da relatividade e da dialética no julgamento estético: “O grotesco antigo é tímido e procura sempre se esconder. (...) No pensamento dos modernos, ao
contrário, o grotesco tem imenso papel. Encontramo-lo em toda parte; de um lado,
cria o disforme e o horrível; de outro, o cômico e o bufo. (...) O grotesco é, segundo
nosso ponto de vista, a mais rica fonte que a natureza pode abrir à arte.” (Victor
Hugo, Prefácio a Cromwell, 1827). (...)
(...) a forma de expressão por excelência do grotesco: exagero
premeditado, desfiguração da natureza, insistência sobre o lado sensível e material das formas.26
[ 26 ] Patrice Pavis. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 188-9.
84
À luz dessas observações iniciais, e tomando, fundamentalmente,
o conceito etimológico referindo-se a gruta e/ou caverna, pode-se dizer que tais
“trabalhos” da natureza têm como característica a umidade, a escuridão, a dificuldade de acesso, o mistério, a descoberta, o desvirginamento. Enfim, trata-se de um
“acidente geográfico” que acabou por fazer alusão, pela cultura popular, à genitália
humana: significando prazer e saciedade de desejos biológicos, fundamentalmente
carnais. Numa segunda acepção (e de modo absolutamente redutor), mais diretamente ligada aos estudos e à psicanálise de Freud, a palavra ganhou conotação de
sombra, de pesado tributo carregado pelos seres humanos, por conta de os desejos
sexuais serem permanentemente reprimidos. Como decorrência desse recalque, o
humano tem uma existência psíquica pobre e deformada. Por essa segunda acepção,
o conceito de grotesco – pelo menos na produção artística do século XX, e fundamentalmente na das vanguardas – acabou por adquirir duas faces integradas e interdependentes, numa relação antitética complexa. Isto é, se o homem é prisioneiro
de si mesmo: condenado a carregar suas próprias sombras (consciente ou inconscientemente), sua redenção somente seria possível por meio de atitudes escapistas,
para-além-de ou para-além-do-si-mesmo, ou seja, pela sua potente e infindável
capacidade imaginativa.
À luz dessa sumaríssima exposição, o conceito de grotesco, guardando suas acepções opostas e semelhantes, no âmbito da forma e na do conteúdo
(passando principalmente pela construção de inusitadíssimas personagens) servirá,
também, de modos distintos e contraditoriamente, às vanguardas históricas, tanto
na forma de apologias às situações mais desbaratadas como na condição de aporias
(a guerra, por exemplo, como “única higiene do mundo” para alguns dos futuristas),
como ao uso das drogas (alucinógenos) pelos surrealistas, e a todo tipo de experimentação tanto estética como social.
85
Conceito de metalinguagem e de montagem
Fundamentado em Eisenstein, a montagem em poesia de Georg
Trakl deve ser entendida (ao pé da letra)
[...] como um processo que leva o poeta a constituir o seu
produto na base da junção de imagens descontínuas. Apresenta-se, dessa forma,
como um conjunto de metáforas visuais agrupadas sem necessidade “lógica”, ou
seja, reunidas num sistema semiológico em que uma não decorre necessariamente da outra.27
Com as experimentações desenvolvidas desde o movimento simbolista, pressupondo certa desconexão com os vínculos que uniam o momento ao passado (fosse pela sua negação e/ou pela sua intensificação, e que as vanguardas históricas
levarão ao paroxismo), inicia-se um intensíssimo processo de trabalho defendendo a
ideia segundo a qual a arte seria fundamentalmente forma. A partir desse pressuposto, o vislumbre da obra artística perfeita e acabada foi paulatinamente questionado e
destruído. O percurso trilhado pelos artistas e por suas obras passou a ser mediado por
um intenso trabalho imaginativo e desalinhado dos parâmetros e dos cânones clássicos
de produção e circulação da obra. Acresça-se a isso, ainda, o fato de que para a quase
totalidade dos artistas ligados aos movimentos de vanguarda (à exceção do movimento
expressionista), a obra artística não se caracteriza mais no objeto central do processo/
produção da própria obra. Os participantes do espetáculo sabem e são permanentemente alertados de que se encontram em um tempo e espaço estético, teatral.
Ao colocar em cheque tanto a produção como o próprio sistema artístico, surge o desenvolvimento de uma nova abordagem com relação à própria obra,
[ 27 ] Modesto Carone Netto. Metáfora e montagem. São Paulo: Perspectiva, 1974.
86
que passa a ser percebida por um novo olhar: como produção, circulação e recepção, que se desenvolveria em processo. A construção desse novo conceito, amparado
grandemente na gana do ineditismo-destruidor, usado e formulado na totalidade dos
casos de modo absolutamente equivocado – posto que rigorosamente etnocentrado,
alienado e deformador da própria realidade observada e vivida – aproximava-se àquele denunciado, entre outros, por Walter Benjamin, segundo o qual certos artistas eram
levados e/ou induzidos a cultuar uma cabal presunção quanto à sua autonomia com
relação aos meios com os quais trabalhava, quando, na verdade, eram literalmente
dominados por eles.
Com as vanguardas, de um modo geral, tem início a ideia e a construção do conceito de obra polissêmica (constituída a partir de vários sentidos: portanto,
aberta a muitas interpretações) e construídas a partir de diversas chaves e materiais.
Assim, além de a obra caracterizar-se, em alguns casos, em uma espécie de enigma,
ela se estabelece a partir de uma troca cabal de experiência em decorrência do jogo.
As primeiras, digamos assim, teorizações acerca do conceito de montagem foram desenvolvidas pelo cineasta russo-soviético Sergei Eisenstein (18981948), para quem a montagem representava, também, uma “sintaxe da língua das formas da arte”, que o apresentou como uma junção artística, antecipadamente prevista
pelo roteiro, de sequências de imagens e de cenas individuais em situações espáciotemporais diferentes, que não estariam ligadas por relações objetivas de ação ou pensamento. Vale, nesse particular, ainda, lembrar que, para o cineasta:
Encarada em seu dinamismo a obra de arte é um processo de
formação de imagens na sensibilidade e na inteligência do espectador. É nisso que
consiste o aspecto característico de uma obra de arte verdadeiramente viva, o que
a distingue das obras mortas, onde se leva ao conhecimento do espectador o resultado representado de um processo de criação que terminou o seu curso, em vez de o
envolver no curso desse processo. (*)28
87
Dessa forma, para Eisenstein, a montagem caracterizava-se em uma
fusão ou síntese mental em que pormenores isolados ou fragmentos se uniriam em um
nível mais elevado de pensamento, através de uma forma atípica de raciocinar e de se
emocionar. Em termos cinematográficos: “Montagem é a forma que nasce da colisão
de duas tomadas independentes”29. Nessa perspectiva, a justaposição ensejaria mais o
produto do que a soma dos fragmentos; dessa forma, a justaposição assemelhar-se-ia
“[...] ao produto, e não à soma, porque o resultado da justaposição difere sempre qualitativamente de cada um de seus elementos componentes tomados em separado”.30
Em sua quase totalidade, o teatro das vanguardas históricas, ao provocar os espectadores a um jogo que se desenvolve em processo, exigirá, pela adesão
ou pelo choque, a interferência do espectador. A arte não é mais concebida como
cópia ou reflexo. O evento artístico junta de tudo um pouco para incitar o espectador
a ir para dentro da forma, da forma estética. Poemas; discursos; exposições de objetos
artísticos ou não; pequenas performances, às vezes sem sentido aparente, para provocar
os espectadores; apresentação de esquetes teatrais; leituras de manifestos provocativos; brigas e discussões entre os “espectadores”; projeção de película cinematográfica...
tudo é amalgamado, buscando a criação de um mosaico, para tirar o espectador de
seu torpor contemplativo. O espectador é acintosamente provocado. Segundo Anatol
Rosenfeld, em alguns de seus textos, nesse jogo entre atores e espectadores os seres
perderiam o seu aspecto familiar, ocorrendo, por conta disso, uma completa subversão
da ordem ontológica.
Dessa forma, além da incorporação no espetáculo de todos os expedientes imaginativos e característicos do teatro popular, dos de Max Reinhardt, dos
de Gordon Craig e dos de Adolph Appia e de tantos outros, o conceito tradicional
[ 28 - 30 ] Citações extraídas de Sergei Eisenstein Reflexões de um cineasta. Rio de Janeiro: Zahar, 1969,
e contidas no livro de Modesto Carone Netto. Metáfora e montagem. São Paulo: Perspectiva, 1974.
88
de dramaturgia cai por terra e explode e, em seu lugar, surgem textos compostos e
formados por uma série de elementos inusitados. A nova dramaturgia resultante – na
condição de enigma a ser decifrado, posto que caleidoscópica – destrói o conceito de
gênero, de estrutura e de estilo e, descaradamente, mistura tudo (às vezes a partir de
um determinado ecletismo nervoso), inaugurando uma nova escritura: servil ou diametralmente oposta às ideias e crenças políticas, à confusão, ao deboche, à enervação,
à total quebra de plausibilidade.
Breves apontamentos sobre alguns
movimentos de vanguarda
Futurismo
Inicia-se na Itália, ganhando notoriedade internacional a partir da
publicação, em 1909, de seu primeiro manifesto – Lançamento do Movimento Futurista – no jornal Le Figaro, de Paris. Apresentando uma forte oposição às características
do realismo, e bastante pautado nos ideais positivistas, o movimento alicerçou-se em
um princípio contraditório de destruição do passado e apologia à modernolatria, ao
progresso, ao dinamismo e à velocidade. Seus seguidores, tendo como líder Filippo
Tommazo Marinetti, escreveram mais de trezentos manifestos, paridos durante a
efervescência do movimento (1909-1914). A dramaturgia mais característica do movimento adotou assuntos e procedimentos do teatro de variedades (invariavelmente
esquetes), mas apresentada a partir da junção dos conceitos de síntese e de surpresa.
Nessa conjunção, a síntese significava obras de curta extensão e de redução, por exemplo, de toda a obra de Shakespeare a uma hora; a surpresa significava trabalhar com o
inusitado, com a provocação, com o estupor. Os esquetes teatrais eram apresentados
89
em serate (plural de serata = noitada). Nessas noitadas futuristas, a partir de um roteiro
repleto de lacunas, os espectadores eram provocados dos mais diferentes modos.
O futurismo italiano, de Aurora Fornoni Bernardini (São Paulo: Perspectiva, 1983) e As trombetas de Jericó: teatro das vanguardas históricas, de Silvana
Garcia (São Paulo: Hucitec; Fapesp, 1997), oferecem excelentes pistas e informações
acerca do movimento.
De maneira bastante contundente, o futurismo italiano espalhou-se
pelo mundo de modos opostos, sendo que na Rússia (revolucionária) o movimento
evoluiu das simples e burguesas provocações a proposições sociais da maior relevância
e significado, ganhando dimensões políticas de um teatro de massa e transformador.
Alguns exemplos de textos sintéticos:
Santiago.
Ato negativo, de Corra e Settimelli, com tradução de Rodrigo
Entra um senhor preocupado, atarefado, tira o capote, o chapéu, anda
furibundo dizendo:
Homem – Uma coisa fantástica, incrível! (Vira-se para o
público, fica irritado ao vê-lo, depois vai até o proscênio e diz categórico:)
Eu não tenho nada a dizer aos senhores... Fecha o pano!
Santiago.
90
Para entender o choro, de Giácomo Balla, com tradução de Rodrigo
Senhor vestido de branco (roupa de verão)
Senhor vestido de negro (roupa de mulher enlutada)
Cenário – Telão quadrado, metade vermelho, metade verde.
Os dois personagens falam muito seriamente.
Negro
Branco
Negro
Branco
Negro
Branco
Negro
Branco
Negro
Branco
Negro
Branco
Negro
Branco
Silvana Garcia.
Para entender o choro...
Desbatetitotiti.
Quarenta e oito.
Brancabatarse.
Mil duzentos e quinze mas me...
Ulubusssssssut.
Um, parece que você está rindo.
Esnhacarsapinir.
Cento e onze ponto cento e onze ponto zero vinte e dois te proíbo de rir.
Parplicluplotorplanplint.
Oitocentos e oitenta e oito mas pordeusissssssimo! Não ria!
Iiiiirrrrriririririri.
Doze trezentos e quarenta e quatro. Chega! Para com isso! Pare de rir!
É preciso rir.
Detonação (Detonazione), de Francesco Cangiullo, tradução de
Palco vazio e silencioso. Após um minuto, um estampido de revólver.
Um minuto. Telão.
Flerte, de Volt, tradução de Alexandre Mate.
Uma mulher nua. Um homem jovem de smoking está refestelado
numa poltrona com um jornal na mão.
Ela (timidamente) – Sou uma mulher respeitável. (Ele não se mexe. Ela, com
ostentação) – Sou uma mulher respeitável. (Ele se volta, sem olhá-la, e reinicia a leitura do jornal. Ela, furiosa) Sou um mulher respeitável.
Ele (levanta-se, abre as mãos e os braços, pega um copo na bandeja e com
voz suave) – Minhas condolências. (Ela tem um ataque histérico).
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Cubo-futurismo
E então, que quereis? Vladimir Maiakovski
Fiz ranger as folhas de jornal
Abrindo-lhes as pálpebras piscantes
E logo, de cada fronteira distante
Subiu um cheiro de pólvora
Perseguindo-me até em casa
Nestes últimos vinte anos
Nada de novo há
No rugir das tempestades
Não estamos alegres: é certo
Mas por que razão
Haveríamos de estar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças, as guerras, havemos de atravessá-las
Rompê-las ao meio, cortando-as
Como uma quilha corta as ondas.
Angelo Maria Ripellino, ao analisar a produção dos cubo-futuristas
na Rússia (movimento desenvolvido sobretudo pelo processo desencadeado pela Revolução Russa, desde 1905), afirma que o teatro desses artistas “[...] não deve ser
procurado apenas nos textos dramáticos, mas também nos seus espetáculos semeados
de extravagâncias, de algazarras e bate-bocas com o público.”31
O futurismo russo foi articulado em dois ramos principais. O primeiro deles, chamado de ego-futurismo de Petersburgo, fundado em novembro de
[ 31 ] Angelo Maria Ripellino. Maiakóvski e o teatro de vanguarda. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 22.
92
1911 (em outras fontes, 1909), por Igor Sievierianin (ou Severjànin), foi um movimento que retomou fórmulas decadentistas superadas, cujos poemas eram amaneirados e repletos de expressões estrangeiras; o segundo, chamado de cubo-futurismo
de Moscou, surgiu em abril de 1910 por intermédio da publicação de um almanaque
chamado Sadók Sudiéi (Viveiro de Árbitros), dirigido por Vielimir Khliebnikov, David
e Nicolai Burliuk, Vasseli Kamienski e Elena Guro. Em fins de 1912, no almanaque
Pochchótchina Obchchéstvi Enomu Vkussu (Uma Bofetada no Gosto do Público), os cubofuturistas apresentam um manifesto exortando a repulsão a Puchkin, Dostoievsky e
Tolstoi e a todo o passado, defendendo a tese de ser direito dos poetas aumentarem
o vocabulário existente com novas e arbitrárias palavras e derivadas. Adotando a excentricidade nos espetáculos futuristas, em um artigo chamado I nam miassa! (Carne
também para nós.), Maiakovski (para quem a poesia representava um ofício, afirmou
“Também sou fábrica” – conceito de poeta operário) declarou que o futurismo representava para os jovens poetas a capa vermelha usada pelos toureiros.
Decorrente da transformação da Rússia em União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, era preciso contar com o teatro também como um espaço para
que as ideias socialistas chegassem aos mais distantes e longínquos lugares. O cubofuturismo russo apropriou-se das formas populares de cultura: teatro de feira, teatro
de revista, circo e outros, articulados e orientados a pressupostos panfletários e políticos na busca da criação da cultura proletária. Dessa mescla, surge o agitatsiya propaganda: teatro de agit-prop (agitação e propaganda socialistas). As obras passaram
a ser levadas em qualquer espaço, principalmente em espaços públicos, a partir da
junção: texto curto, problematização política, forma popular.
Obs.:
Não há muito material publicado em português sobre o assunto, mas,
além do livro de Ripellino, já apontado, devem ser consultados:
93
• Boris Schnaiderman. A poética de Maiakovski. São Paulo: Perspectiva, 1971.
• Silvana Garcia. Teatro da militância: a intenção do popular no engajamento político. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. Aleksandr
A. Mikhailov. Maiakovski: o poeta da revolução. Rio de Janeiro:
Record, 2008.
Expressionismo
Movimento decorrente principalmente do aprofundamento do romantismo alemão. Oficialmente, sua eclosão ocorre em teatro com a encenação de
Assassino, esperança de mulheres, de Oskar Kokoschka, em 1908. As obras expressionistas apresentam não o retrato do mundo exterior, mas, como afirmou o dramaturgo
norte-americano Elmer Rice, uma radiografia do real. Em uma sociedade sempre
premida pelo estado de guerra, o expressionismo, em todas as suas manifestações,
tende a apresentar imagens resultantes da vida interior e manifestadas de modo patético, primitivas, animalizadas, tipificadas. As personagens, como Georg Büchner já
afirmava, são espécies de über-marionettes (supermarionetes), portanto, algo próximo
a figuras.
Decorrente do romantismo e das experiências da Freie Bühne (Cena
Livre, que desenvolveu o naturalismo alemão), o movimento pode ser dividido em
duas tendências distintas: o expressionismo messiânico (niilista e individual), do qual
fazem parte, entre outros, Franz Wedekind, Walter Hasenclever e Reinhold Sorge,
e o expressionismo épico (que mergulha na história da Alemanha), do qual fazem
parte, entre outros, Georg Kaiser e Ernst Toller.
O expressionismo alemão aprofunda as experiências radicais pelas
quais o drama vinha passando, principalmente os processos criados por Strindberg
94
(dream play) e cria o chamado drama de estações (stationen drama), que pensa a vida da
personagem como uma espécie de calvário. Nesse tipo de drama, foi bastante comum
as cenas se referirem àquilo que apenas uma personagem, a protagonista, sonha, pensa, idealiza.
O segundo texto de Ernst Toller, Hinkemann, corresponde a uma de
suas experiências dramatúrgicas mais importantes, apresenta a trajetória de retorno
do derrotado Hinkemann da guerra, sem conseguir [re]adequar-se ao mundo do pósguerra. Trata-se, para a personagem, de um pesadelo da expressão de metáfora de
uma Alemanha mutilada, vítima dos próprios mitos que forjou.
Hinkemann (sozinho) – Amanhã, disse ele... Amanhã... Como se pudesse haver
um amanhã... Agora vejo... Oh, os meus olhos, os meus pobres olhos, os meus pobres
olhos... A luz... Como doem meus olhos...
(Desfalece. O que segue deverá desenrolar-se como um pesadelo do seu
espírito conturbado. As personagens o cercam como para oprimi-lo e depois, reabsorvidas pela sombra, se afastam. De todos os lados, avançando
em círculos concêntricos, aparecem inúmeros mutilados de guerra, uns sem
um braço, outros só com uma perna. Todos trazem um realejo a tiracolo,
cantando, indiferentes, uma canção militar:)
Vestiram-lhe um uniforme
e mandaram-no para a guerra,
e deram-lhe por recompensa
só quatro palmos de terra.
(Bruscamente, imobilizam-se. E, de repente, uns após outros, e por fim em
coro, gritam:)
Tocou a reunir!
A reunir!
(Alguns segundos de silêncio. Até que, como se obedecessem a uma ordem,
sentam-se todos no chão, cantando e tocando os realejos. Depois, levantam-se
e põem-se em marcha uns contra os outros, como se se preparassem para tomar de assalto uma barricada, cantando e tocando furiosamente os realejos:)
95
O diabo leve o Kaiser,
leve o diabo o Czar,
o diabo leve Lloyd George,
e me leve a mim também.
(Os realejos entrechocam-se com um ruído violento. O choque obriga-os
a recuar, avançando de novo em seguida uns contra os outros. Entram, correndo, vários agentes da polícia militar, que gritam:)
Ordem! Ordem!
Velhos combatentes!
A pátria precisa de vós!
Meia-volta, volver!
(Silêncio absoluto à voz de comando. Como que impelidos por uma mola,
os mutilados perfilam-se, fazem meia-volta regulamentar e vão saindo em
passo de marcha, conservando entre si as respectivas distâncias, enquanto
cantam acompanhando-se ao realejo:)
A vitória será nossa!
Esmagaremos a França!
Será essa a nossa glória,
a nossa maior esperança!
(A cena é invadida por vendedores de jornais.)
Primeiro Vendedor de Jornais – Edição especial! O grande acontecimento do
dia! Inauguração de um novo cabaré! Mulheres nuas! Jazz-band! Champagne!
Bar americano!
Segundo Vendedor de Jornais – Edição especial! Notícias da última hora!
Massacre de judeus na Galícia! A sinagoga incendiada! Mil pessoas queimadas
vivas!
Uma Voz – Bravo! Morram os judeus!
Terceiro Vendedor de Jornais – Últimas notícias! Tria-Trei, a mais bela de
todas as estrelas de cinema! Protagonista do sensacional filme de aventuras “A
mulher-vampiro”! Um filme brutal que sacode os nervos!
Quarto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! Peste na Finlândia! As mães
afogam os filhos! A população revolta-se! O nosso governo envia tropas para
manter a ordem!
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Quinto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! O emocionante filme religioso “A Paixão de Nosso-Senhor”! O despertar do sentimento moral! Uma superprodução que custou duzentos milhões de marcos! Completa o programa uma
sensacional reportagem do match de boxe entre Dempsey e Carpentier!
Sexto Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A maior descoberta do século
XX! O milagre da técnica! O mais poderosos de todos os gases asfixiantes! Uma
esquadrilha de aviões capaz de destruir uma cidade inteira, com todos os seus habitantes! O inventor foi eleito membro honorário de todas as academias do mundo
e agraciado pelo Papa!
Sétimo Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A queda do dólar! Baixa na
Bolsa de Nova York! Desvalorização da moeda!
Oitavo Vendedor de Jornais – Últimas notícias! A aposta mútua para as classes pobres! Cem por cento de dividendo! A questão social resolvida!
Todos (em coro) – Edição especial! Últimas notícias! Últimas notícias!
(Desaparecem enquanto dois velhos judeus atravessam a cena.)
Primeiro Judeu – É sempre a mesma história. Arrancaram-nos da cama em
plena noite, bateram-nos, levaram-nos as nossas mulheres e as nossas filhas... A
mão do Senhor abateu-se sobre nós!
Segundo Judeu – E chamam-nos de Raça Eleita! Eleita para o sofrimento e
para a desgraça, sim!
(Passam.)
Uma Jovem Prostituta – Ele era tão simpático, tão meigo... E tão novo ainda...
Por isso deixei-me ficar com ele a noite inteira... Pagou-me só quatro marcos – era
todo o dinheiro que trazia.
O Seu Companheiro – Quatro marcos? A próxima vez que tornares a fazerme uma dessas encho-te a cara de bofetadas... Talvez assim te passe a mania do
sentimento...
(Passam.)
Uma Velha Vendedora de Guloseimas – Não diga mal dele, meu senhor! Ele
é o novo Messias, o que nos há de salvar a todos. Para ele vai toda a minha esperança, e já sinto aproximar-se a Terra Prometida.
Um Cliente – E, entretanto, vai roubando as vossa economias!
A Velha – Que importa o dinheiro, meu senhor, o dinheiro, o dinheiro é papel que
97
se amarrota... E uma velha como eu tem porventura alguma coisa a perder? As
desgraças deste mundo já não me afligem. Passei por todas elas e agora a minha
alma anseia por libertar-se. E sei que meu salvador não me abandonará... (...)
Diversas Vozes – Caiu um homem no chão! Teve um ataque! Chamem a polícia! É o homem da feira, aquele que engole ratos vivos! Ah, então não admira que
se tenha sentido mal!
Um Homem com Cassetete – É um vermelho, pela certa... Na Prússia Central
é que sabem tratar-lhes da saúde... Põem-lhes um revólver na mão, e ai deles se
não meterem logo uma bala nos miolos... “Deutschland, Deustschland über alles”... A canalha tem de ser ensinada... Ao chicote se for preciso...
Homem com Lança-chamas – É uma tolice prendê-los... O melhor sistema
ainda é este: dar uma volta com eles num lugar retirado, um pontapé no cu e um
tiro na nuca... E depois participa-se que o prisioneiro foi abatido ao tentar pôr-se
em fuga...
(De todos os lados acodem prostitutas.)
A Primeira – Se ele quiser pode vir dormir comigo. Tragam-no para o meu
quarto. Dar-lhe-ei vinho para o reanimar.
A Segunda – Não, não, levem-no antes para minha casa!
A Terceira – Para a minha! Para a minha!
A Quarta – Isso querias tu, velha bêbada viciosa! Nem sequer tiraste a licença!
Precisavas que eu te denunciasse! Põe-te mas é a sair daqui pra fora!
(A Terceira e a Quarta prostitutas lutam. Burburinho. De repente estalam
os acordes de uma marcha militar numa rua próxima: flauta e tambores,
depois trombones e cornetas.)
As Quatro – Os soldados! Vêm aí os soldados! Hip! Hip! Hurra!
(A cena esvazia-se rapidamente. Hinkemann fica sozinho. As luzes que começaram a baixar com os primeiros acordes da marcha militar extinguemse gradualmente. A música afasta-se. Hinkemann levanta-se lentamente.)
Hinkemann – E por cima de mim a eternidade do céu... a eternidade do céu...
(obscuridade total.)32
[ 32 ] Nesse e como em boa parte de seus textos, Toller “inaugura qualitativamente” a novidade de
misturar situações da realidade e de pesadelo, sendo que é na última delas que aparece a verdade.
98
Dadaísmo
Movimento surgido em 1916, na tranquila capital da Suíça, Zurique.
Tendo por objetivo estupidificar o espectador, o movimento surge a partir de uma
soirée (noitada, em francês) desenvolvida no Cabaré Voltaire, fundado pelo alemão
Hugo Ball. Defendendo a tese de que o dadaísmo era nada, de que a arte era nada, de
que a estética era nada, o movimento radicaliza seus experimentos antiarte, principalmente, ainda em Zurique, com a participação dos romenos Tristan Tzara e Marcel
Janco. Nessa noite foi apresentado o poema (sem qualquer sentido) Gadgi beri bimba
(1916), de Hugo Ball:
Gadgi beri bimba
Gadgi beri bim glandridi laula lonni cadori
Gadjama gramma beriba bimbala glandri galassassa laulitalomini
gadgi beri bin blassa glassala laula lonni cadorsu sassala bim
gadjama tuffum i zimzalla binban gligla wowolimai bin beri ban
o katalominai rhinozerossola hopsamen
bluku terullala blaulala loooo
zimzim urullala zimzim urullala zimzim zanzibar zimzalla zam
elifantolin, brussala bulomen brussala bulomen tromtata
velo da bang bang affalo purzamai affalo purzamai lengado tor
gadjama bimbalo glandridri glassala zingtata pimpalo ögrögööööö
viola laxato vilo
zimbrabim viola ali paluji malooo.
Trata-se daquilo que os arautos do movimento nomearão de poema simultâneo: espécie de poema constituído por versos sem palavras ou poema
sonoro ou poema fonético abstrato que, posteriormente, teria dado origem aos
chamados poemas simultâneos (ou simultaneístas). O nome de “poema auto-
99
mático” (ou poème simultan) foi dado pelos artistas ligados ao movimento surrealista à produção de poemas que saíam, segundo estes, diretamente das entranhas
do poeta e sem nenhum crivo crítico e/ou elaboração intelectual. De modo mais
esquemático, trata-se de um recitativo baseado no contraponto, em que várias vozes falavam, cantavam, assobiavam, faziam ruídos e sons inusitados, deixavam cair
coisas ao mesmo tempo, buscando, por intermédio desse encontro, constituir o que
eles chamavam de uma certa essência elegíaca, bizarra e alegre por meio da qual se
buscava a criação de uma energia ensurdecedora que pudesse sugerir novas formas
de recepção das obras artísticas. Historicamente, o primeiro poema simultâneo foi
escrito por Huelsenbeck, Janco e Tzara, em francês, alemão, inglês e língua inventada, chamado O almirante procura uma casa para alugar, acompanhado pelos declamantes vestindo máscaras criadas por Janco. O paroxismo desse tipo de produção
espontaneísta foi desenvolvido por Tzara que, em determinado momento, recortou
palavras de jornal, juntou-as em um saco e jogou-as no chão. Juntando as palavras
que caíram ao acaso, Tzara compôs uma obra ou antiobra a partir do resultado obtido por intermédio de justaposição casual.
A instância máxima da provocação ocorreu principalmente com os
ready-mades (produtos industrializados, prontos para o uso, refuncionalizados), e cuja
A fonte (um urinol), de Marcel Duchamp, transformou-se em um dos mais significativos exemplos na história das artes daquilo que se poderia chamar (tomando a
expressão de Roberto Schwarz) “ideias fora do lugar”.
Como os artistas ligados ao movimento negavam a arte, não escreveram textos teatrais, tendo em vista que pretendiam desenvolver relações espontaneístas, imediatistas, improvisadas. Apesar disso, a obra O imperador da China (19161919) do francês Ribemont-Dessaignes (1884-1974), caracteriza-se como próxima
às imagens dadaístas (non sense).
Além do livro já citado de Silvana Garcia, que comenta sobre as van-
100
guardas históricas, consultar sobre o movimento: Hans Richter. Dadá: arte e antiarte.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
Além dessas indicações, a Editora Cosac & Naify tem a coleção
“Movimentos da Arte Moderna”, primorosa, sobre as vanguardas.
Surrealismo
“Filhote” do dadaísmo, o movimento francês, liderado por André
Breton (1896-1966), rompe com o original em 1922. Dando sequência a muitas das
ideias e características do movimento dadaísta, o surrealismo nasce oficialmente com
a publicação do Manifesto do Surrealismo, em 1924. Apesar do lastro anterior, o novo
movimento preconiza o trânsito com o inconsciente, com o acaso e com as imagens
maravilhosas: paridas por uma imaginação sem limites. A ideia desenvolvida nesse
manifesto preconiza que o poeta deveria ser um dormidor (tendo em vista que seria
por intermédio do sonho, sem crivos censórios, que faria o maravilhoso surrealista
irromper, contaminando a vida como um todo).
O movimento também apresentou suas obras, ideias e manifestos
nas soirées surrealistas. De modo diferenciado ao que se preconiza e realiza nas soirées
dadaístas, os surrealistas buscavam criar climas e situações oníricas (que provocassem
o sonho, o devaneio, o encantamento). As chamadas “paisagens surrealistas”, tanto
em sua perspectiva abstrata como figurativa, podem ser apreendidas respectivamente
nas obras de Juan Miró e nas obras de Salvador Dali. Mais que interpretar, as obras
querem provocar o desejo de adentramento nessas paisagens.
Em teatro, dois dos maiores nomes do movimento surrealista são
Roger Vitrac (1889-1952), sem dúvida o mais importante dos criadores do surrealismo na área teatral (e que foi expulso do movimento sob alegação, por André
Breton, de interesses econômicos) e que escreveu a inusitadíssima e interessante obra
101
Victor ou as crianças no poder; e Antonin Artaud (1896-1948). Artaud foi aquilo que
se chama “um homem de teatro”, dedicando-se aos mais diferenciados fazeres com
a linguagem. Escreveu dois significativos manifestos: Teatro da crueldade (1932) e
Teatro e seu duplo (1938).
No texto O teatro e seu duplo, Artaud vislumbra o teatro como um
flagelo vitorioso, uma epidemia redentora, e defende a tese segundo a qual o teatro
ocidental havia perdido seu sentido religioso, místico, mágico-ritualístico e coletivo:
sendo necessário, portanto, injetar o vírus do teatro no corpo social para desintegrálo. “Duplo”, portanto, representaria o medo metafísico (já presente no teatro desde
a Antiguidade), em que o espanto e o horror estariam plasmados em uma imagem
(ou um signo). No sentido de recuperar os elementos perdidos pela humanidade, a
proposta estética preconizada por Artaud dava conta de que o teatro (“filho do delírio
e da paixão”) não seria o duplo da realidade socioeconômica, mas da realidade das
forças ocultas que regeriam o mundo. Assim, as proposições artaudianas buscavam a
criação de um teatro cuja linguagem fosse capaz de atingir o homem no mais fundo
de si, revelando o interior humano onde habitariam a selvageria, a peste, os sonhos,
o erotismo e o crime (numa espécie de metafísica agressiva e destruidora). Assim,
Artaud afirmava que sua teoria teria por objetivo: “Drenar um abscesso gigantesco,
que seria a própria vida moderna, prevenir a violência descontrolada que a todo o
momento nela ameaça deflagrar, situando-a no palco, em ação com a intensidade
exasperada de uma epidemia redentora”.
Urgia, portanto, à luz da decadência da sociedade e da arte ocidentais, criar um teatro puro (desintegrador da forma cultural tradicional) e cruel em
que os atores pudessem afigurar-se como vítimas ardendo em uma imensa fogueira,
transmitindo sinais de dentro das chamas com o objetivo de libertar a humanidade
das repressões da civilização ocidental. Tais princípios, fundamentalmente de ordem
metafísica e mística, foram em muito construídos a partir de uma pesquisa desen-
102
volvida por Artaud da cultura oriental e da mitologia primitiva dos povos da América (fundamentalmente da mexicana, onde o artista permaneceu um tempo). Assim,
além das imagens estupidificantes, em seu teatro as palavras não poderiam ser ditadas
pela lógica, mas pelo misticismo mágico e por toda forma de violência (latente nos
indivíduos), buscando refundir “[...] as ligações entre o que é e o que não é entre a
virtualidade do possível e o que já existe na natureza materializada”.
No âmbito do espetáculo, Artaud defendia o princípio de que as ações
deveriam ser desenvolvidas e apresentadas em vários planos e simultaneamente, o que
tornaria mais eficaz o objetivo purificador do teatro através da conquista da compaixão
e do terror. O ator, em seu teatro, por ser um signo vivo, deveria renunciar à sua liberdade de intérprete através de uma grande disciplina e capacidade de entrega. Dessa
forma, ainda, deveria fugir da falsa representação (característica de todos os outros tipos de teatro e especialmente aquele característico do realismo), sem entretanto deixar
de submeter-se a uma gramática de efeitos “metodicamente calculados”.
Obs.:
As obras de Guillaume Apollinaire (1880-1918) foram consideradas
precursoras do movimento realista. O fragmento de As mamas de Tirésias, escrita em
1903, sendo que o prólogo e a última cena do segundo ato foram escritas em 1916, é
apontada como um marco do movimento surrealista.
Cena I
No mesmo lugar, no mesmo dia, ao crepúsculo. O mesmo cenário apresentando
numerosos berços com recém-nascidos. Um berço vazio está perto de enorme vidro
de tinta, um gigantesco pote de cola, uma caneta descomunal, uma respeitável
tesoura.
103
Marido (com uma criança em cada braço. Gritos contínuos de crianças no
palco, nos bastidores e na plateia, durante toda a cena, ad libitum. Indicase somente quando e onde eles aumentam) – Ah que loucura as alegrias da
paternidade
[ele pariu] 40.049 crianças num só dia
Minha felicidade é completa
Silêncio silêncio
(gritos de crianças do lado esquerdo da plateia)
A felicidade em família
Nada de mulher nos braços
(deixa cair as crianças)
Silêncio
(gritos de crianças do lado esquerdo da plateia)
É assombrosa a música moderna
Quase tanto como os cenários dos novos pintores
Que florescem longe dos bárbaros
Em Zanzibar
Não é preciso ir aos balés russos ou ao Vieux Colombier
Silêncio silêncio
(gritos de crianças do lado direito da plateia)
Talvez fosse melhor tratá-las a chineladas
Mas é preferível não se precipitar
Vou comprar-lhes bicicletas
E esses patetas irão dar
Seus concertos noutros lugar
(as crianças vão se calando aos poucos. Ele aplaude)
104
Apontamentos sobre o teatro épico de
Bertolt Brecht
Eugen Friedrich Bertolt Brecht (1898-1956) representa um dos casos mais polêmicos do teatro contemporâneo. Poeta, dramaturgo, ensaísta, diretor
teatral, militante político, exilado (pelas mais diversas contingências e injunções, sobretudo àquelas de ordem política), construiu uma obra complexa, radical, múltipla,
coerente, ortodoxa e dialética.
No poema Caçado com boa razão, Brecht já tinha consciência de que
trairia sua classe de origem:
Cresci como filho de gente rica.
Meus pais deram-me uma gravata e me educaram
Nos hábitos de ser servido.
Ensinaram-me também a arte de mandar.
Mas quando eu cresci e olhei em volta
não gostei da gente de minha classe,
nem de mandar, nem de ser servido.
E deixei minha classe,
indo viver com os deserdados.
Deste modo, criaram um traidor.
Ensinaram-lhe as suas artes e ele passou
para o lado dos inimigos.
Sim. Eu revelo segredos.
Estou no meio do povo e relato como eles o enganam.
Prevejo o que virá, pois estou a par de seus planos.
O latim dos padres venais
traduzo palavra por palavra na linguagem comum.
Assim todos veem os seus disparates. Pego
nas mãos a balança da justiça
mostro os falsos pesos. Os espiões
105
me delatam, revelando que estou
ao lado das vítimas.
quando se dispõe a atacá-las.
Desse modo, com menos de 20 anos de idade, já estava inserido
em importante coletivo teatral: a Freie Volksbühne de Berlim, dirigida por Erwin
Piscator (1893-1966). Com Piscator, sobretudo, aprendeu que o teatro, além de estética, tinha uma função social também. No sentido de montar espetáculos dentro
de associações de trabalhadores, que comentassem seu tempo e o modo como os
homens se relacionavam, Piscator buscava a criação de uma nova forma. Ocorre
que o naturalismo alemão, ao trazer novas personagens para a cena: a classe trabalhadora, e novos assuntos: as lutas sindicais, as greves, etc., não conseguia fazê-lo
bem por conta de adotar a estrutura do drama: que prioriza a intersubjetividade e
os conflitos entre os indivíduos. Piscator, na busca da nova forma, junta a estrutura
do drama à do teatro de revista; experimenta a projeção de filmes durante o espetáculo; cria personagens-coro... essas tentativas de explodir a estrutura hegemônica
é acompanhada por Brecht que, em 1919, escreve seu primeiro texto (ligado ao
movimento expressionista): Baal.
Escrevendo textos e já como assistente de direção de Piscator, Brecht,
no início da década de 1920, principia seus estudos, de modo programático, sobre o
marxismo. Por meio desse processo de estudo, e com consciência de que a linguagem
teatral se constituiria em seu ofício, o dramaturgo empreende verdadeira cruzada no
sentido da construção de um teatro épico (anti-ilusionista); político-militante; poético; tomando como assunto a história e, sobretudo, aquela de seu tempo; assumindo
um lado: o da classe trabalhadora. Tais escolhas, estético-políticas, granjearam ao
autor, ao longo da vida, uma série de inimigos e detratores, tanto aqueles que leram e
conheceram suas obras quanto aqueles que apenas ouviram falar delas, e o condenaram ao limbo dos preconceitos.
106
Na década de 1920, Brecht escreveu uma série de peças, designadas
didáticas, em alemão: Lehrstück, e, em inglês: learning play (peças de aprendizagem).
Didáticas porque o ato didático, do grego, pressupõe um processo de troca, um processo de dupla mão. Por intermédio dessas obras, vislumbrava o dramaturgo construir
textos que pudessem ser reescritos permanentemente, contando com a participação
coletiva daqueles com os quais, ideologicamente, o autor se identificasse. Por conta
da perseguição nazista (Hitler sobe ao poder, pelo voto, em 1933), e um longo processo de perambulação e fuga, da Europa aos Estados Unidos, Brecht abandona esse
processo e não mais o desenvolve até sua morte. Reiterando: tratava-se de um processo de escrita e reescrita permanente, processo em que o texto pudesse de fato ser
construído coletivamente, atendendo à dialética pressuposta pelos diferentes pontos
de vista. Fazem parte dessa fase, entre outras: Aquele que diz sim. Aquele que diz não; A
exceção e a regra; O voo sobre o oceano; A decisão. Ao mesmo tempo em que desenvolve
as peças didáticas, na década de 1920, por influência sobretudo do teatro-cabaré alemão, Brecht escreve algumas óperas memoráveis: Ópera dos três vinténs, 1928; Queda
e ascensão de Mahagonny, 1928-29. Com a escritura das óperas, articulando o teatrocabaré alemão ao teatro naturalista (desenvolvido nas Freie Volksbühne), o teatro de
feira, Brecht incorpora também à música um caráter épico: a música começa a narrar
e a tomar um ponto de partida na obra.
Mesclando os estudos políticos aos estéticos, tanto das formas populares como das eruditas, Brecht inicia uma última fase, que dará nome ao seu teatro
como um todo, chamado de teatro épico (fundamentado na dialética). Opondo-se ao
teatro aristotélico (ilusionista e emocional), que o autor vai chamar também de culinário, o dramaturgo alemão escreve seus textos mais densos e importantes, entre os quais
podem ser citados: Santa Joana dos matadouros (1936), em que reaviva o mito de Joana
d’Arc, reambientado em Chicago, para discutir a crise do sistema capitalista, de 1929; A
vida de Galileu (1938-39), em que tenta discutir as contradições e estratégias de sobre-
107
vivência; A alma boa de Set-Suan (1934-41), em que discute, principalmente, o conceito
abarcado pela bondade; Terror e misérias do Terceiro Reich (1935-38), em que apresenta
um painel do que ocorreu na Alemanha de Hitler; Os fuzis da senhora Carrar (1937), no
qual discute, principalmente, o conceito de neutralidade; Mãe coragem (1939); Senhor
Puntilla e seu criado Matti (1940); A compra do cobre, inacabada, 1937-51.
O conceito pressuposto pela nova forma (épico dialética) parte das
descobertas de Erwin Piscator e se aprofunda com a criação de Brecht, que compreendia: a escritura de obras dramatúrgicas, ensaios teóricos (muitos deles comentando
aspectos desenvolvidos nas obras dramatúrgicas e poemas). Por conta de o teatro ter
para o teatrólogo uma função social, e na condição também de diretor, Brecht criou
o conceito de distanciamento (do alemão verfremdungseffeket), cujo significado, partindo do verbo verfremdes = entender, significa afastar-se para ver/entender melhor.
Pelos achados brechtianos, tratava-se de, por intermédio da dialética, contrapor permanentemente: pontos de vista, fragmentação da narrativa, desenvolvimento de atitudes contraditórias (o autor chama esse processo de “mostração dialética” = mostrar
que se é contraditório e que se está no teatro); de interromper as cenas com cartazes
explicativos (em alemão merkmale); de deixar equipamentos do teatro à vista... Enfim, Brecht empreendeu, pela pesquisa teórica e prática (de diversas formas teatrais,
ocidentais e orientais), a criação de um teatro que emocionasse mas que cumprisse
com sua função pública e social (leia-se política). Desse modo, insiste o autor que a
função do teatro é educar (a pensar de modo dialético, autônomo, social) e divertir
(capacidade de entender e tomar um partido crítico por conta disso).
Em seu último ensaio crítico, de 1948, O pequeno organon para o teatro,
Brecht revisita conceitos, (re)pondera acerca de outros, reitera crenças e pontos de vista. Brecht tem vários comentaristas (a maioria muito bons), entre eles, para conhecer a
vida e a obra do alemão, Fernando Peixoto, autor de Brecht: vida e obra (3. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979), que é uma excelente leitura.
108
Para entender algumas das determinações pressupostas pelo teatro
épico, consultar: Walter Benjamin, O que é teatro épico? (1ª e 2ª versões), no livro
Walter Benjamin (São Paulo: Ática, 1985, Coleção Grandes Cientistas Sociais); as
obras dos grandes germanistas: Anatol Rosenfeld e Gerd Bornheim; organizado por
Fiama Pais Brandão: Estudos sobre Brecht (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005), para
ter acesso, em português, aos mais importantes textos teóricos escritos por Brecht.
Apontamentos sobre o teatro do absurdo ou
da absurdidade33
A influência, direta ou indireta, de Schopenhauer sobre a arte
moderna é incalculável. Na sua essência – a vontade irracional – o homem já não
difere dos animais, nem das plantas e tampouco do queijo e dos pepinos (...). A
ordem é apenas aparente, no fundo reina o caos. Reais, verdadeiros são as ruínas
e os esgares atrozes. Agitamo-nos num mundo de aparências, de máscaras, num
mundo que é “representação”. No fundo – e na tendência de desmascarar o homem, Schopenhauer precede Marx, Freud e Nietzsche –, no fundo somos bonecos,
estrebuchando, com trejeitos grotescos, nas cordas manipuladas pela vontade cega
e inconsciente; palhaços que se equilibram, aos tropeços, no circo do Ser absurdo.
Na falência de todos os sentidos e valores, resta só um sentido: o salto mortal para
o nada. (Anatol Rosenfeld:Texto/contexto)
[ 33 ] A terminologia “absurdidade” refere-se à adoção do conceito de acordo com as formulações
filosóficas apresentadas por Albert Camus na obra O mito de Sísifo (Rio de Janeiro: Guanabara, 1989).
Essa obra, junto à de Jean-Paul Sartre O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica (9. ed.
Petrópolis: Vozes, 2001) são fundamentais para apreender as bases filosóficas do movimento.
109
Inúmeras são as polêmicas acerca da designação dada a certa produção teatral europeia, apresentada em língua francesa, cuja eclosão ocorre durante a
Segunda Grande Guerra Mundial. Em 1943, com a França ocupada pelos nazistas,
Jean-Paul Sartre tem sua obra O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica,
publicada em Paris. Defendendo sobretudo o conceito de no mundo contemporâneo não se negar o ser, mas as razões de ser, amplia-se, de modo significativo, por
intermédio da obra, uma (des)crença e niilismo (do latim nihil = negação) no que
concerne às relações sociais. Desse sentimento-descrença decorre principalmente um
insistente e contundente: Nada a fazer!
Considerado por vários historiadores como um dos primeiros dramaturgos inseridos na tendência da absurdidade, Luigi Pirandello, defende a tese
segundo a qual todos os seres são obrigados a viver em constante estado de representação e de embustes contra os outros e si mesmo. Na Introdução a Seis personagens em
busca de um autor (São Paulo: Abril Cultural, p. 13) afirma:
drama?
Mas o que vem a ser para uma personagem o “seu próprio”
Cada produto da fantasia, cada criação da arte deve, para
existir, levar em si o seu próprio drama, isto é, o drama do qual e pelo qual é personagem. O drama é a razão de ser da personagem. É sua função vital, necessária
para que ela possa existir.
Dessas seis personagens, portanto, aceitei o “ser” e recusei a razão de ser. Delas peguei o organismo, do qual tirei a função existente, emprestando-lhe outra mais complexa, onde a delas entra apenas como um dado de fato
O nada, em quilométricas e intermináveis páginas escritas a respeito, faria parte do âmago das coisas humanas e ditas abstratamente essenciais. Por
meio de infindáveis conceitos elaborados por intelectuais, o conceito, confundido
110
e/ou substituído por inúmeros adjetivos, apresenta-se, principalmente, como tédio,
imobilismo, descrença, rejeição... a partir de um em-si-mesmo, estendido para a humanidade como um todo.
Fernando Peixoto afirma com relação ao “movimento”:
Após a segunda guerra mundial, cresce no pensamento idealista a crise de valores, o homem está sozinho e oprimido por um cotidiano incontrolável. Para os dramaturgos do absurdo o homem não é situado num contexto
histórico. É um indivíduo isolado e angustiado, impotente e sem perspectivas.
[...] Incapazes de uma compreensão materialista e dialética, descrentes no homem
como construtor de seu próprio destino, estes dramaturgos se desesperam, e anunciam que este desespero é de toda a humanidade. Alguns de seus representantes,
antes malditos, hoje são aceitos oficialmente pela cultura burguesa, que não mais
se choca em suas obras. É o caso de Ionesco. Entretanto, mais vigoroso é Samuel
Beckett, autor de Esperando Godot, tragicômica parábola do homem incapaz de
crer, mas também incapaz de perder a esperança: seu negativismo é tão absoluto
que Beckett quase funda uma espécie dilacerada de tragédia moderna. Mas é um
teatro que desmobiliza espectadores, em vez de mobilizá-los para a luta.34
De modo mais esquemático, a incorporação/inserção, por parte da
crítica, dos dramaturgos ligados à tendência da absurdidade (da vida e das relações
humanas, numa perspectiva irracional), deve-se, por um lado, ao fato de seus textos
serem rigorosa, assumida e metafisicamente especulativos (filosóficos) e a um modo
específico de criação de personagens: incrédulas, desesperançadas, sozinhas, angustiadas, tartamudeantes (espécie de gagueira mental), sem vislumbres e despossuídas de
quaisquer possibilidades de redenção e salvação, com relação a si mesmas e ao coletivo:
plantadas em uma espécie de paisagem devastada, e cuja pátria seria a própria língua.
[ 34 ] Fernando Peixoto. O que é teatro? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.103-4.
111
São obras escritas sem a menor pretensão de servirem como balizas, como referência
e paradigma. Algumas dessas obras menos que denúncia apontam alguns quadros da
vida social, desesperançada. Obras circunstanciadas pelo estético. Escritas por uma
necessidade pessoal. Escritas para denunciar a impossibilidade da dialogia. Em certa
ocasião, Samuel Beckett teria afirmado que não tinha nada a dizer, mas apenas ele
saberia como fazê-lo! Nessa mesma perspectiva, encontram-se designações bastante
diversas ao “conjunto individualizado” desses autores como: teatro do absurdo, teatro
niilista, teatro existencialista, teatro (ir)racionalista, teatro filosófico, teatro de situações, teatro metafísico... Enfim, os autores ligados ao chamado teatro da absurdidade
eram mestres da linguagem; assim, não há que lhes contestar tanto os rótulos alheios
(conferido pelos críticos) quanto aqueles a que eles mesmos se deram.
Mesmo correndo todos os riscos, mas amparado na determinação
segundo a qual os procedimentos ordenatórios têm uma função didática, é possível distinguir as obras e seus criadores mais significativos do “movimento” em duas
tendências dentro do teatro do absurdo (ou da absurdidade), que se complementam
e que se negam em diversos aspectos, mas cujo alicerce deriva de certa especulação
filosófica derivada dos irracionalistas:
- a primeira delas, que na ausência de expressão mais apropriada
chamaria de absurdo plasmado por um niilismo existencial explícito, da qual fariam parte, sobretudo: Luigi Pirandello, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Samuel
Beckett;
- a segunda, bastante diferenciada da primeira, sobretudo no âmbito dos assuntos a partir dos quais os textos se estruturaram, chamaria de absurdo
niilismo formal ou comportamentalista, da qual fariam parte, sobretudo: Eugène
Ionesco, Fernando Arrabal, Jean Genet e Arthur Adamov.
Em ambas as tendências, o conceito mais tradicional de gênero teatral não dá conta de apreender a estrutura das obras. Ionesco, por exemplo, enquadrou
112
muitos de seus textos como farsa-trágicas. Nelas, há tentativas mais e menos elaboradas de mostrar a impossibilidade de as pessoas se entenderem. Nessa espécie de lógica ionescana, cada uma fala para si e responde para si, mesmo em situação de aparente
dialogia. Nesse teatro, assim como na última fase do romantismo alemão, sobretudo
com Büchner (e aprofundado pelo expressionismo, também alemão), não existem
personagens, mas figuras. Há indivíduos dramáticos apresentados sem características
apreensíveis: de onde vieram? Por que se encontram em determinado lugar? Quais
suas motivações para viver? A maioria desses indivíduos dramáticos se caracteriza na
condição de um esboço volátil: que não se reconhece, por isso com tênue propensão
a mudar o que está dado.
À guisa de exemplo, os excertos abaixo podem ilustrar algumas das
considerações aqui apresentadas, buscando articulá-las àquelas ligadas ao nada ou
ao “sem-importismo” do viver. O nada parece ser o limite vislumbrado e o marco de
onde se parte, em um eterno vice-versa permanentemente. As ações demandadas
pelo viver não têm importância: tudo está num limiar, mas nada acontece... Mas, se
viessem a acontecer, pouco ou nada mais significariam.
Volta ao lar, de Harold Pinter
SAM (de um jato) – MacGregor comeu Jessie no banco de trás do táxi enquanto
eu dirigia. (Geme e cai. Fica inerte. Todos olham para ele.)
MAX – Mas o que ele está fazendo? Resolveu morrer?
LENNY – É.
MAX – Um cadáver? Um cadáver no meu chão? Botem ele pra fora! Limpem
isso daqui. ( Joey se curva sobre Sam.)
JOEY – Não está morto.
LENNY – Mas deu uma morrida, pelo menos uns trinta segundos.
MAX – Nem de morrer é capaz! (Lenny olha Sam no chão.)
113
LENNY – É sim, ainda respira.
MAX (apontando para Sam) – Sabe o que é que ele tinha?
LENNY – Tem.
MAX – Tem! Uma imaginação doente. (Pausa.)
Prefácio a Seis personagens à procura de um autor, de Luigi Pirandello.
(...) existem outros que não param por aí. São dominados por uma necessidade
espiritual mais profunda, e por isso não aceitam representar figuras, casos e paisagens que não estejam embevecidos, vamos dizer assim, por um sentido particular
da vida, com que tudo assume um valor universal, são escritores cuja natureza é
mais propriamente filosófica.
O DIRETOR – E onde está o texto?...
O PAI – Está em nós, senhor. (Os atores riem.) O drama está em nós; somos nós!
E é grande a nossa impaciência, o nosso desejo de representá-lo, impelidos que
somos pela paixão que ferve dentro de nós e não nos dá trégua!... [...]
O FILHO (sem sair de seu lugar, baixo, frio, irônico) – Sim, fiquem ouvindo
e vão ver, agora mesmo, que rasgos de filosofia! Vai falhar-lhes o Demônio da
Experiência!...
O PAI – Você é um cínico imbecil, e já lhe disse isto mais de cem vezes! (Ao diretor, que já está na plateia.) Escarnece de mim, senhor, por causa dessa frase que
encontrei para desculpar-me.
A cantora careca, de Eugène Ionesco
SRA. SMITH – Mas quem cuidará dos filhos? Você sabe muito bem que eles têm
um menino e uma menina. Como eles se chamam?
SR. SMITH – Bobby e Bobby, como os pais. O tio de Bobby Watson, o velho
Bobby Watson, é rico e gosta do garoto. Ele poderia encarregar-se da educação de
Bobby.
114
SRA. SMITH – Seria natural. E a tia de Bobby Watson, a velha Bobby Watson,
poderia, por sua vez, encarregar-se da educação de Bobby Watson, a filha de Bobby
Watson. Assim, a mãe de Bobby Watson, Bobby, poderia casar-se novamente. Ela
já tem alguém em vista?
SR. SMITH – Sim, um primo de Bobby Watson.
SRA. SMITH – Quem? Bobby Watson
SR. SMITH – De qual Bobby Watson você está falando?
SRA. SMITH – De Bobby Watson, o filho do velho Bobby Watson, o outro tio de
Bobby Watson, o morto.
SR. SMITH – Não, não é este, é outro. É Bobby Watson, o filho da velha Bobby
Watson, a tia de Bobby Watson, o morto.
SRA. SMITH – Você está querendo dizer Bobby Watson, o caixeiro-viajante?
SR. SMITH – Todos os Bobby Watson são caixeiros-viajantes.
SRA. SMITH – Que profissão horrível! No entanto, dá bom dinheiro.
SR. SMITH – Sim, quando não há concorrência.
SRA. SMITH – E quando não há concorrência?
SR. SMITH – Às terças-feiras, às quintas-feiras, às terças-feiras.
SRA. SMITH – Ah, três dias por semana. E o que faz Bobby Watson neste período?
SR. SMITH – Descansa. Dorme.
SRA. SMITH – Mas por que ele não trabalha nesses três dias se não há concorrência?
SR. SMITH – Não posso saber tudo. Não posso responder a todas as suas perguntas idiotas!
Esperando Godot, de Samuel Beckett
ESTRAGON (desistindo de novo) – Nada a fazer.
VLADIMIR (avançando em pequenos passinhos, com as pernas bem separadas) – Estou começando a concordar com essa opinião. Toda a minha vida eu
disse: “Calma, Vladimir, você ainda não tentou tudo”. E recomeçava a luta. (Faz
uma pausa e pensa na luta. A Estragon) Então você está aí de novo?
115
ESTRAGON – Estou?
VLADIMIR – Fico alegre em vê-lo. Pensei que você tivesse ido embora para
sempre.
ESTRAGON – Eu também.
VLADIMIR – Juntos outra vez! Precisamos festejar isso. (Reflete.) Levante-se
que eu lhe dou um abraço.
ESTRAGON – (irritado) – Agora não, agora não.
VLADIMIR – (magoado e frio) – Pode-se perguntar onde Vossa Alteza passou
a noite?
ESTRAGON – Num fosso.
VLADIMIR – (admirado) – Num fosso! Onde?
ESTRAGON – (sem gestos) – Por aí.
VLADIMIR – E eles não lhe bateram?
ESTRAGON – Se me bateram? Claro que me bateram.
VLADIMIR – Os mesmos de sempre?
ESTRAGON – Os mesmos?
(Pausa.)
VLADIMIR – Quando eu penso... em todos estes anos... eu me pergunto o que é
que você seria sem mim. (Decidido) Você seria um feixe de ossos, nesta altura dos
acontecimentos. Sem dúvida.
O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal
IMPERADOR [...] – Imperador... sabe que apostei a existência de Deus no bilhar
elétrico? Se em três partidas eu ganhasse uma, Deus existia. Não tive medo da
dificuldade. Além do mais, manejo os flippers com uma tal facilidade... e era uma
máquina que eu conhecia. Acendi o jogo num fechar de olhos. Jogo na primeira partida: 670 pontos e precisava de mil. (Sai e volta com um espartilho.) Começo a
segunda partida. Primeira bola, erro terrível, ela escorrega mal. Dezesseis pontos.
Um recorde. (Veste o espartilho e o ajusta ao corpo.) Lanço a segunda. Senti
uma inspiração, digamos divina. Os clientes do bar estavam abobados. Eu fazia a
máquina vibrar como um negro dançando com uma branca. A máquina respondia
116
a tudo: 300, 400, 500, 600, 700 pontos. Tudo dava certo, o bônus, o retrovalor,
os pontos, a bola suplementar. Por fim obtive... (Ele se examina. Ajusta mais o
espartilho.) Não fico mal, hein? O que acha do meu espartilho? Ah, se o Arquiteto
estivesse aqui, nós ainda construiríamos Babilônia e seus jardins suspensos. 973
pontos, 973! Quer dizer que se eu tiro 16 pontos da primeira; 957 pontos, o que
tinha feito com uma só bola. Quando obtivesse 1000, aí estaria tudo. Deus existia.
Impacientava-me, Deus estava nas minhas mãos. Tinha a prova irrefutável de
sua existência. Adeus ao grande relojoeiro, o Arquiteto supremo, o grande organizador: Deus existiria e ia demonstrá-lo da maneira mais peremptória, meu nome
apareceria em todos os manuais de teologia, fim dos concílios, das elucubrações dos
bispos e dos doutores, ia descobrir tudo sozinho. Falariam de mim em todos os jornais. (Sai e volta trazendo um par de meias pretas.) Prefiro as pretas, e você?
(Veste as meias com vaidade e prende no porta-liga do espartilho.) [...] Se
minha mãe me visse. Onde é que eu estava? 973 pontos! Por assim dizer, Deus
estava nas minhas mãos e só faltavam 27 pontos para ganhar. Nunca, nem mesmo
nos meus piores dias, faço menos que isso. Lanço a bola artisticamente e ela cai
justamente no triângulo dos bônus. Um ponto cada vez que o tocamos e com meu
estilo... Começo a empurrar a bola que vai e vem à minha vontade. Compreende,
Imperador! Compreende, Majestade? (De repente, grita) Arquiteto! Volte, vou
ter um filho, não me deixe só, sozinho. [...] Todos os clientes do café estavam em
volta de mim e eu mexia na máquina como um diabo. Ela me obedecia, submissa:
988, 989, 990, 991, 992, 993... E era preciso completar só 1000 pontos... E a bola
ainda estava em cima. Não podia mais perder: caindo ela daria automaticamente
dez pontos. Estava louco de alegria. Deus tinha se servido do mais humilde dos
mortais para provar sua existência. [...] Arquiteto! (Grita.) Escute, vou ser mãe,
vou dar à luz uma criança. Venha para perto de mim. (Muda de tom.) Que nojento, com seu barquinho na... O que é que ele sabe da vida? (Desabotoa a roupa
para vesti-la.) É um hábito de freira. (Veste-se.) Escute-me bem, pois não poderá
acreditar! Marcava cada vez mais pontos com a bola e mais e mais: 995, 996,
997, 998, 999 e nesse instante um cafajeste esbarra no bilhar e pá! A máquina
fica travada, a partida tinha terminado e como uma idiota ela indicava 999, 999.
(Olha-se com a roupa de freira.) Que carmelita eu teria sido! Mas descalça não,
nem pensar. (Grita.) 999. Compreende, Imperador? No que devo acreditar? Devo
117
considerar válidos os dez pontos ganhos automaticamente? A terceira partida, é
melhor não falar nisso. Chocante! 999 pontos.
O balcão, de Jean Genet
CARMEN – A verdade: que o senhor está morto, ou melhor, que o senhor não
para de morrer e que sua imagem, como seu nome, repercutem ao infinito.
ROGER – Ele sabe que minha imagem está em toda parte?
CARMEN – Inscrita, gravada, imposta pelo medo, está em toda parte.
ROGER – Nas mãos dos estivadores? Nas brincadeiras das crianças? Nos dentes
dos soldados? Na guerra?
CARMEN – Em toda parte.
O CHEFE DE POLÍCIA (falando para uma personagem ausente) – Então,
consegui?
A RAINHA (enternecida) – Está feliz?
O CHEFE DA POLÍCIA – Você trabalhou bem. Sua casa agora está completa.
ROGER (a Carmem) – Está nas prisões? Está nas rugas dos velhos?
CARMEM – Está.
ROGER – Nas curvas do caminho?
CARMEM – Não se deve querer o impossível.
[...]
ROGER – A vida está perto... ao mesmo tempo longe. Aqui, todas as mulheres são
belas... A sua função é puramente ornamental. Nelas, a gente pode se perder...
CARMEM (seca) – Sim. Na linguagem corrente nós somos chamadas de putas.
Mas é preciso voltar...
ROGER – Para onde? Para o mundo? Retomar, como se diz minhas funções...
CARMEM (um pouco preocupada) – Não sei o que o senhor faz e não tenho o
direito de me informar. Mas o senhor tem de partir. Já passou da hora.
[...]
ROGER – Nesta casa tudo é muito apressado. Por que devo voltar para o lugar
de onde vim?
CARMEM – O senhor não tem mais nada a fazer...
118
ROGER – Lá? Não. Mais nada. E aqui tampouco. E lá fora, no que você chama
de vida, tudo está perdido. Nenhuma verdade era possível...
O mal-entendido, de Albert Camus
MÃE – Não sei, mal olhei para ele. Sei por experiência que é melhor não os olhar.
É mais fácil matar quem não se conhece. (pausa) Alegre-se, já não tenho medo
das palavras.
MARTA – Antes assim. Detesto alusões. O crime é crime, e é preciso saber o que se
quer. E a senhora já sabia porque pensou nele quando respondeu ao viajante.
MÃE – É injusto dizer que pensei nisso. Mas o hábito é uma grande força.
MARTA – O hábito? Foi a senhora quem disse, as ocasiões são raras.
MÃE – É, mas o hábito começa com o segundo crime. O primeiro não começa
nada, termina alguma coisa. E apesar das ocasiões serem raras ele se fortifica de
lembranças. Foi o hábito que me assegurou ser a imagem de uma vítima.
MARTA – Mãe, é necessário matá-lo.
MÃE (mais baixo) – Sem dúvida, é necessário matá-lo.
MARTA – A senhora diz isso de um modo estranho.
MÃE – Se ao menos esse fosse o último... Matar é terrivelmente cansativo. Para
mim é indiferente morrer aqui ou perto do mar. Gostaria apenas que em seguida
partíssemos juntas.
MARTA – Partiremos, e que grande momento. Coragem, mãe. Há pouco a fazer.
Bem sabe que nem sequer é questão de matar. Beberá seu chá, dormirá, e ainda
vivo nós o levaremos ao rio. Muito depois será encontrado junto daqueles que
não tiveram a mesma sorte, que precisaram se atirar na água de olhos abertos. Se
chegarmos a assistir a limpeza do rio, a senhora se convencerá que são os nossos que
sofrem menos, e que a vida é mais cruel que nós. Reaja, a senhora encontrará seu
repouso, e eu verei enfim o que jamais vi.
MÃE – Sossegue. Vou reagir. Às vezes fico satisfeita em saber que os nossos sofrem menos. Talvez seja até justo fazemos esta pequena intervenção em vidas
desconhecidas. Aparentemente a vida é mais cruel que nós. Talvez por isso sinto
dificuldade em me julgar culpada.
119
Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre
O CRIADO – Que interrupção?
GARCIN (arremedando-o) – Que interrupção? (Desconfiado) Olhe bem para
mim! Eu sabia. Aí está o que explica a indiscrição grosseira e insustentável de seu
olhar. De fato, estão atrofiadas.
O CRIADO – De que é que o senhor está falando?
GARCIN – De suas pálpebras. Nós... nós batíamos as pálpebras. Chamava-se a
isso piscar. Um pequeno relâmpago negro, uma cortina que cai e se ergue: deu-se
a interrupção. Os olhos se umedecem, o mundo se aniquila. Não pode imaginar
como era refrescante. Quatro mil repousos por hora. Quatro mil pequenas evasões. Quatro mil, digo eu... Como é? Então vou viver sem pálpebras? Não se faça
de bobo. Sem pálpebras, sem sono, é a mesma coisa. Nunca mais hei de dormir...
Como poderei me tolerar? Trate de compreender, faça um esforço: tenho um caráter implicante, como você vê, e tenho o costume de implicar comigo. Mas... mas
não posso estar implicando sem parar: por lá, havia as noites. Eu dormia. Tinha
o sono leve. Em compensação, sonhava coisas simples. (...) e de dia?
O CRIADO – Como vê, as lâmpadas estão acesas.
GARCIN – De fato! É esse o dia de vocês? E lá fora?
O CRIADO (estupefato) – Lá fora?
GARCIN – Lá fora, do outro lado das paredes.
O CRIADO – Há um corredor.
GARCIN – E no fim do corredor?
O CRIADO – Há outros quartos, outros corredores e escadas.
GARCIN – E que mais?
O CRIADO – Nada mais.
GARCIN – Você, naturalmente, tem um dia de folga. Aonde costuma ir?
O CRIADO – Em casa de meu tio, que é o chefe dos criados, no terceiro andar.
GARCIN – Eu devia ter desconfiado. Onde está o interruptor da luz?
O CRIADO – Não existe.
GARCIN – Como é? Não se pode apagar?
120
O CRIADO – A gerência pode cortar a corrente elétrica. Mas não me lembro se
já aconteceu isso neste andar. Temos eletricidade à vontade.
GARCIN – Muito bem. Quer dizer que a gente tem de viver de olhos, abertos...
O CRIADO (irônico) – Viver...
GARCIN – Não vá me aborrecer agora por uma questão de vocabulário. De
olhos abertos. Para sempre. Será pleno dia nos meus olhos. E na minha cabeça.
(Uma pausa.) E se eu atirasse esse bronze contra a lâmpada elétrica, será que ela
se apagaria?
O CRIADO – É muito pesado.
(Um silêncio.)
O CRIADO – Se não precisa mais de mim, vou retirar-me.
GARCIN (sobressaltado) – Vai-se embora? Até logo. (O CRIADO chega até
a porta.) Espere. (O CRIADO volta-se.) É uma campainha elétrica isso aí?
(O CRIADO faz sinal que sim.) Posso tocar quando quiser, e você tem obrigação de atender?
O CRIADO – Em princípio, sim. Mas a campainha é caprichosa. Há qualquer
coisa errada no seu mecanismo.
GARCIN (Vai até a campainha, aperta o botão. Ouve-se tocar) – Funciona!
O CRIADO (espantado) – Funciona. (Toca também.) Mas não se entusiasme
muito. Isso não dura. Então, às suas ordens.
GARCIN (num gesto para detê-lo) – Eu...
O CRIADO – O que há?
GARCIN – Não, não é nada. (Vai até a lareira e toma a faca de cortar papel)
– Isto o que é?
O CRIADO – Não está vendo? Um corta-papel.
GARCIN – Há livros por aqui?
O CRIADO – Não.
GARCIN – Então, para que isto? (O CRIADO dá de ombros.) Está bem.
Pode retirar-se.
121
HISTÓRIA DA DANÇA
Rosana van Langendonck*
[ * ] Rosana van Langendonck é Doutora em Comunicação e Semiótica – Artes pela PUC/SP, Pesquisadora do Centro de Estudos em Dança da PUC/SP, diplomada em dança pela Escola Municipal de
Bailado de São Paulo. Autora de Merce Cunningham: dança cósmica, A sagração da primavera: dança
e gênese (edições da autora) e Pequena viagem pelo mundo da dança (Ed. Moderna).
DANÇAS PRIMITIVAS
DANÇAS MILENARES
__ 5000 a.C. – Egito
__ 2000 a.C. – Índia
__ Do século VII a.C. ao século III a.C. – Grécia
__ De 476 a 1453 – Idade Média
__ Séculos XI e XII
__ Séculos XIII e XIV
__ Séculos XV e XVI
__ Século XVII
__ Século XVIII
__ Século XIX – Balé romântico
__ Artistas que influenciaram a
dança no século XIX
__ O balé na Rússia
__ Século XX
__ Pesquisadores do corpo que
influenciaram a dança no século XX
__ 9000 e 8000 a.C. – Eras Paleolítica e Mesolítica
__ 6500 a.C. – Período Neolítico
DANÇA MODERNA
DANÇA NEOCLÁSSICA
DANÇA CONTEMPORÂNEA
__ Década de 1960
__ Década de 1970
__ Década de 1980
__ Décadas de 1940 e 1950
__ Década de 1960
__ Transição para a dança contemporânea
__ Os primeiros modernos
__ “Ballets Russes” – Companhia Balés Russos
Pré-história: anterior a 3500 a.C.
Idade Antiga: 3500 a.C. a 476
Idade Média: 476 a 1453
Idade Moderna: 1453 a 1789
Idade Contemporânea: 1789 a atual
DANÇAS PRIMITIVAS
As danças primitivas eram executadas pelos homens das cavernas e
seus movimentos ficaram registrados na arte rupestre, isto é, em desenhos gravados
em rochas e nas paredes das cavernas.
9000 e 8000 a.C. – Eras Paleolítica e Mesolítica
Nessas eras, a dança estava diretamente relacionada à sobrevivência,
no sentido de que os homens, vivendo em tribos isoladas e se alimentando de caça e
pesca e de vegetais e frutos colhidos da natureza, criavam rituais em forma de dança
que impediriam eventos naturais de prejudicar essas atividades.
Em cavernas como as da Serra da Capivara, no Piauí, no Brasil,
Fulton’s Rock, na África do Sul, Altamira, na Espanha e Lascaux, na França podemos conhecer muitos desenhos dessas eras. Eles representam cenas de pessoas em
roda, dançando em volta de animais e vestidas com suas peles; são figuras correndo e
saltando, imitando as posturas e movimentos desses animais.
6500 a.C. – Período Neolítico
Nesse período, o homem deixa de ser nômade e fixa residência em
um lugar determinado. Ele começa a plantar para comer e a criar animais para seu
próprio consumo, surgindo, assim, a agricultura e a pecuária.
Os rituais e oferendas em forma de dança têm o sentido de festejar a
terra e o preparo para o plantio, de celebrar a colheita e a fertilidade dos rebanhos.
A identificação, pela dança, com os movimentos e as forças naturais
127
representa uma forma de o homem se sintonizar com o ritmo da natureza, auxiliando-o na programação de suas ações.
Danças milenares
5000 a.C. – Egito
Nessa época, as danças no Egito tinham um caráter sagrado e eram
executadas em homenagem aos deuses. Os mais homenageados eram a deusa Hathor,
da dança e da música, e o deus Bés, que é considerado o inventor da dança; a ambos
era atribuído um poder sobre a fertilidade.
Hathor é representada por uma vaca que, segundo a lenda, possuía
o sol entre os chifres, e Bés, por um dançarino anão, coberto com pele de leopardo
para se proteger de feitiçarias, que dava cambalhotas desajeitadas e fazia caretas para
assustar os espíritos malfeitores.
O culto a Osíris, deus da luz, a quem era atribuído o ensinamento
da agricultura aos homens, acontecia todos os anos, na época de cheia do rio Nilo.
O ritmo das cheias e vazantes do rio Nilo comandava os trabalhos de semeadura e
colheita, que eram celebrados com danças na primavera.
Muitas outras danças, sempre relacionadas aos deuses egípcios, eram
executadas. Por isso são chamadas de danças divinas ou sagradas. Para o deus Amon
acontecia a procissão da “barca sagrada”, na qual bailarinos acrobatas apresentavam
suas proezas.
As danças apresentadas por ocasião das festas religiosas e dos funerais também eram consideradas sagradas. Nos funerais havia os “mouou”, persona-
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gens que surgiam de repente e vinham ao encontro do enterro, dançando em duplas.
Os egípcios acreditavam que as movimentações desses dançarinos asseguravam ao
morto a ascensão a uma nova vida.
Existiam também as danças profanas, que aconteciam por ocasião
dos banquetes em honra aos vivos ou aos mortos, e também para entregar recompensas a funcionários ou por ocasião de elevação de cargo.
2000 a.C. – Índia
Na Índia as danças têm origem na invocação a Shiva (deus da dança). Com suas danças e músicas, os hindus procuravam uma união com a natureza.
Assim como a egípcia, a dança de Shiva tinha por tema a atividade
cósmica. Ela exprimia os eventos divinos. O ritmo da dança estava associado à criação contínua do mundo, à manutenção desse mundo, à destruição de algumas formas
para o nascimento de outras.
Os vários estilos de dança, sempre relacionados a deuses, tinham
o mesmo princípio, o de que “o corpo inteiro deve dançar”. Por isso, as danças
indianas apresentam movimentos muito elaborados de pescoço, olhos, boca, mãos,
ombros e pés.
Cada gesto tem um significado místico, afetivo e espiritual. Todos os
gestos das mãos, chamados mudras, têm um nome específico e expressam significados diferentes. Trata-se de uma dança que se exprime por símbolos predeterminados,
construídos pelo corpo.
A dança indiana não vê fronteira entre a vida material e a vida espiritual, pois, para os hindus, corpo e alma não estão separados. Suas danças são passadas de
geração a geração. São chamadas de ragas e cada raga tem suas próprias cores, que representam certos poemas e se referem a lendas e a estações do ano ou a horas do dia.
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Na Índia, a dança ainda hoje é ligada ao misticismo e à religião. As
escolas de dança funcionam junto aos santuários.
Do século VII a.C. ao século III a.C. – Grécia
A dança na Grécia, como no Egito e na Índia, sempre integrou rituais religiosos, mesmo antes de fazer parte das manifestações teatrais. Os cidadãos
gregos, que acreditavam no poder das danças mágicas, usavam máscaras e dançavam
para seus inúmeros deuses.
Ums das divindades gregas mais conhecidas é Dionísio, deus da fertilidade e do vinho.
Acredita-se que o início da orquestra grega nasceu com os agricultores, que traziam a uva para uma praça, no centro de Atenas, e as maceravam com
os pés, em movimento coordenado. Os pisadores deslocavam-se em forma de roda e
cantavam para dar ritmo, enquanto pisavam a uva para fazer o vinho. Essa cerimônia
durava dias; quando esses pisadores estavam cansados, eram substituídos por outros,
que ficavam sentados em volta da praça, nos bancos de pedra. Em torno deles, a
população de cidadãos formava fileiras, sentada em degraus. Acredita-se que essa
disposição deu origem ao famoso teatro grego no século V a.C.
A dança era muito valorizada entre os gregos. Para eles, o ideal de
perfeição estava na harmonia entre corpo e espírito, que deveria aparecer em um corpo
bem moldado, adquirido graças ao esporte e à dança. As crianças eram educadas para
a guerra e acreditavam que a dança contribuía para o equilíbrio da mente e aprimoramento do espírito, como também lhes daria a agilidade necessária para a vida militar.
Segundo o filósofo Sócrates (469-399 a.C.), a dança forma um cidadão completo. Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) consideravam a
dança e a ginástica como uma iniciação para a luta e para a educação dos cidadãos.
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Ela era acessível a todos os cidadãos e, somente com o declínio da
cultura grega, a dança passa apenas à esfera do entretenimento.
O gênero teatral comédia originou-se de cortejos populares e bailes
de máscaras, muito apreciados no meio do povo grego. As danças apresentadas nessas
comédias eram leves e ligeiras, com muitos saltos, piruetas e movimentos de rotação
dos quadris. Sua característica sensual foi levada para o Ocidente e, na Idade Média,
foi proibida pelos cristãos, que pretendiam a purificação dos costumes.
De 476 a 1453 – Idade Média
Chamada de “idade das trevas” pelos humanistas do Renascimento,
a Idade Média foi, para a dança, um período contraditório. Nessa época, a Igreja
tornou-se autoridade constituída. Manifestações corporais foram proibidas, uma vez
que a dança foi vinculada ao pecado. Os teatros foram fechados e eram usados apenas
para manifestações e festas religiosas.
A Igreja, porém, não conseguiu interferir nas danças populares dos
camponeses, que continuaram a fazer suas festas nas épocas de semeadura e colheita e
no início da primavera. Para não afrontar a Igreja, essas danças eram camufladas com
a introdução de personagens como anjos e santos. Posteriormente, essas manifestações
foram incorporadas às festas cristãs, com a introdução da dança dentro das igrejas.
Séculos XI e XII
Esse período é marcado pela peste negra e outras doenças epidêmicas que assolaram a Europa, causando muitas mortes. As pessoas, desesperadas,
dançavam freneticamente para espantar a morte. Essa dança ficou conhecida como
dança macabra ou dança da morte.
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O teatro religioso medieval abordava temas baseados no Antigo e no
Novo Testamento, como a vida dos santos, aparições e milagres. Suas peças tinham
um objetivo moralista. A dança macabra participava da história, na maioria das vezes
em frente à “boca do inferno” do cenário, como representação do castigo para remissão do pecado ou do flagelo da peste enviada por Deus.
Séculos XIII e XIV
A arte na pintura e tapeçarias, a arquitetura gótica e a literatura, como
A divina comédia, de Dante Alighieri, apresentam uma forte inspiração religiosa.
A arte dos trovadores, menestréis e jograis, que acontecia nas ruas,
entra nos castelos medievais para alegrar as festas. Esses artistas ensinam à nobreza
uma dança lenta, a basse dance, assim chamada por causa dos trajes pesados usados
pelas castelãs, diferente das roupas usadas pelas camponesas, que lhes possibilitavam
pular, rodopiar e dançar a haute dance.
Entre as danças executadas pela corte na Idade Média está a polonaise, originada das danças de camponeses poloneses que aconteciam na frente das
igrejas e que vai ser, mais tarde, no século XIX, inserida em alguns balés.
Séculos XV e XVI
A partir do século XV, com o intenso movimento de renovação em
muitos âmbitos da vida social e cultural, chamado de Renascimento, as cortes reais
também se transformaram. Pela necessidade de ostentar suas riquezas, passaram a
comemorar, com grandes festas, datas como nascimento, casamento, aniversário.
A dança se desenvolve, particularmente em Florença, na Itália, no
palácio da família Médici, onde, nas festas, eram apresentados espetáculos chamados
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de trionfi – triunfos, que simbolizavam riqueza e poder. Vários artistas eram convidados a colaborar na preparação desses espetáculos, entre eles Leonardo da Vinci.
1459 – Em uma festa de casamento, foi apresentado o primeiro
triunfo considerado balé.
1500 – No carnaval de Veneza, foi encenado um dos triunfos mais
suntuosos, no qual os dançarinos usavam máscaras bordadas com fios de ouro e pedras preciosas, leques de plumas e mantos de seda adamascada.
1548 – Catarina de Médici casa-se com o Duque de Orléans, que se
tornou Henrique II na França, levando a ideia de espetáculo para a corte francesa.
Nessa época, o espetáculo era uma mistura de canto, dança e poesia e
constituía um passatempo para o rei e a corte. Os temas escolhidos eram mitológicos,
em sua maioria. O rei participava interpretando uma divindade, que as pessoas da
corte adoravam.
1581 – O primeiro “balé da corte”, intitulado Le ballet comique de la
reine (O balé cômico da rainha – neste caso, o termo cômico deve ser entendido no
sentido de “dramaturgia de uma comédia”), foi um grande espetáculo, que durou seis
horas, com participação de carros alegóricos e efeitos cênicos.
A dança, nessa época, era quase exclusivamente masculina, mas, nesse balé, começou a haver a participação de algumas damas da corte, formando o
que se pode chamar de primeiro corpo de baile (grupo de bailarinos que realizam
movimentos iguais) da história da dança. Iniciou-se, então, a formação de muitos
desenhos geométricos e direções no espaço na movimentação da dança, lançando-se
os fundamentos de uma nova forma de arte.
Na passagem do século XVI para o XVII, a dança ainda continuava
ligada à situação de festa, porém, na Itália, ela já se desenvolve como forma autônoma
de representação, onde não há mais espaço para poesias, deuses e heróis. Os personagens passam a ser plebeus vivendo paixões humanas, como retrata, por exemplo,
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o famoso trio Pierrô, Arlequim e Colombina. No rastro italiano, a França vai, aos
poucos, retirando do espetáculo as partes recitadas, substituindo-as pelo canto.
Século XVII
1653 – O rei Luís XIV (1638-1715) proporciona um grande desenvolvimento para a dança. Exímio bailarino, criou vários personagens para si próprio, como
deuses e heróis. Sua grande aparição foi como “Rei-Sol”, aos catorze anos de idade, no
balé real A noite. O personagem derrotava as trevas, usando um traje de plumas brancas.
1661 – Luis XIV fundou a Academie Royale de la Danse. A chamada “comédia-balé” veio para substituir o “balé da corte”. A primeira tentativa do
gênero foi Les fâcheux (Os inoportunos). O esquema da comédia era entremeado e
enriquecido com bailados.
1669-1700 – A dança saiu dos salões palacianos e chegou aos palcos
dos teatros, ainda como mera coadjuvante de alguns trechos de óperas.
Jean Baptiste Poquelin, conhecido como Molière, criou temas para
balé, pois incluía cenas de dança em todas as suas comédias. Nessa época, a dança pertencia ao teatro, ainda não era uma arte autônoma, e os intérpretes, que participavam
dos espetáculos, eram ciganos, dançarinos e acrobatas que divertiam a multidão.
Esses espetáculos com dança marcaram o início do seu desenvolvimento e de sua autonomia como arte.
O movimento assinalou a presença de coreógrafos e teóricos de dança, que passaram a ensinar em academias abertas a alunos de todas as classes sociais.
A exigência de uma técnica refinada para um profissional da dança fez com que Pierre Beauchamp (1636-1705), músico e coreógrafo da Academie Royale de la Musique
et de la Danse, criasse as cinco posições básicas de pés para balé, posições de braços e
de cabeça que as acompanham e são conhecidas até hoje.
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Século XVIII
O Balé – Artistas que influenciaram a dança no século XVIII
O balé nasceu da união das acrobacias dos profissionais e da leveza e
graça da dança das festas da aristocracia.
1713 – Luís XIV criou uma companhia de dança, com vinte bailarinos, para a famosa Ópera de Paris.
A vestimenta dos bailarinos também está ligada ao desenvolvimento
da técnica da dança. Os vestidos, compridos e pesados, impediam o virtuosismo de
movimentos verticais. O sonho de voar de Ícaro, Leonardo da Vinci e Santos Dumont também é o sonho dos bailarinos dessa época. Os temas para balé começam a
exigir a ilusão do voo e, para isso, os cenógrafos utilizaram alavancas e roldanas para
erguer os bailarinos.
1726 – Marie-Anne Cupis de Camargo (1710-1770), La Camargo,
grande bailarina da época, foi a primeira a ser erguida por máquinas e enriqueceu a
dança com movimentos verticais. Encurtou a saia na altura dos joelhos para facilitar
sua elevação e os movimentos de bateria dos pés, que antes eram executados somente
pelos homens.
Contemporânea de La Camargo, Marie Sallé (1707-1756) procurou
usar roupas mais leves, como as túnicas gregas, em um bailado chamado Pigmaleão,
mas esse tipo de vestimenta só ganhou popularidade duzentos anos mais tarde, com
a moderna Isadora Duncan.
A rivalidade entre La Camargo e Sallé era marcada por seus estilos
diferentes de dançar. Enquanto Sallé se apresentava com uma dança solene, mais
expressiva e dramática, La Camargo era mais ágil e leve, realizando saltos e passos
rápidos, criando uma forma mais acrobática na dança.
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A luta contra as saias pesadas e a busca de liberdade dos movimentos
continua até depois da Revolução Francesa (1789), quando o costureiro da Ópera de
Paris, Maillot, criou a malha, dando ao bailarino maior liberdade e mobilidade.
1738 – O czar Pedro, o Grande (1672-1725), fundou a Escola Imperial Russa, no Teatro Imperial Mariinski, hoje Kirov, berço de uma tradição que fez
a glória do balé russo.
1760 – Jean-Georges Noverre (1727-1810) publica as famosas
Lettres sur la danse (Cartas sobre a dança), um manifesto válido até hoje, no qual é
defendida uma dança espontânea, com roupas leves e rostos expressivos, buscando exprimir ideias ou paixões. Idealizou uma nova forma de dança, que preconiza
o balé de ação, que se constitui numa obra coreográfica baseada em uma história
dramática. Contribuiu, também, para que a dança fosse definitivamente para os
teatros.
1786 – Foi montado o balé La fille mal gardée (A filha mal vigiada),
seguindo fielmente as ideias de Noverre. Trata-se de um balé-pantomima, que usa
muitos gestos e expressões faciais, com muita dramaticidade.
1789 – Durante a Revolução Francesa, a dança, que era financiada
pela corte francesa, parou de se desenvolver por causa de problemas econômicos. O
centro de interesse passou a ser a Itália, onde o napolitano Salvatore Vigano (17691821) inspirou-se nos princípios de Noverre para criar seus balés.
Século XIX – Balé romântico
1820 – Carlo Blasis (1795-1878), italiano, grande estudioso da escultura e da anatomia, escreveu Treatise on the art of dancing (Tratado sobre a arte da
dança), onde resumiu e codificou o que se conhecia até então sobre dança. Acrescentou à estética de Noverre uma técnica mais elaborada.
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Tanto Noverre quanto Blasis declararam que é de grande importância para um bailarino conhecer a pintura e a escultura a fim de refinar sua percepção
artística, para elaboração dos gestos e passos de dança.
1830 – O balé romântico se desenvolve na França e se estende por
toda a Europa.
As histórias românticas mostravam, em sua maioria, uma heroína
triste, capaz de morrer ou enlouquecer por amor. O balé modificou-se, em busca desse novo mundo de sonhos. Os passos não serviam mais unicamente para a evolução
da ação, mas estavam carregados de um conteúdo emocional profundo.
O balé criava um mundo de ilusão, esboçava o ideal das concepções
românticas. A fada, a feiticeira, o vampiro e outros seres imaginários eram seus
personagens.
O homem, considerado figura principal na dança do século XVIII,
passa a ocupar um lugar subalterno no princípio do século XIX. A mulher foi elevada
a uma esfera sobre-humana e o homem deixou de ser herói e se limitou a elevar a
mulher, quando necessário.
Os ideais da bailarina romântica, sublime, provocaram uma grande
modificação da técnica de dança, introduzindo as sapatilhas de ponta. As roupas
ficaram mais leves, o que permitiu a ilusão do etéreo da figura feminina e facilitou a
fluidez dos movimentos.
Os coreógrafos enriqueceram as evoluções do corpo de baile, no qual
os bailarinos dançavam movimentando-se em diversas direções no palco e não ficavam mais como molduras, que formavam figuras geométricas sem grandes deslocamentos no espaço.
A iluminação da cena, anteriormente apresentada com luz ambiente
ou luz do dia, recebeu um novo tratamento estético e os cenógrafos passaram a utilizar a iluminação a gás para a criação de novos ambientes.
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Artistas que influenciaram a dança no século XIX
1832 – O italiano Felipe Taglioni (1777-1871), grande mestre de
balé, apresentou um balé considerado o carro-chefe do romantismo, La Sylphide. A
sílfide representava um ser sobrenatural, na figura de uma jovem com asas envolta em
névoa. As bailarinas vestiam saias brancas de tule, os chamados “tutu”, dando maior
claridade e leveza à cena. A figura principal foi interpretada pela bailarina Marie
Taglioni (1804-1884), filha de Felipe, primeira a usar sapatilhas de ponta inventadas
por seu pai, incorporando-as naturalmente à sua dança.
A importância de Felipe Taglioni na história da dança deve-se, também, à renovação do vestuário. Popularizou o tutu, o corpete rígido e as meias de malha, exatamente como se pode observar atualmente nas apresentações dos chamados
“balés brancos”.
A segunda estrela da dança romântica foi Fanny Elssler (1810-1884),
que estreou na Ópera de Paris aos 24 anos. Bailarina de grande vivacidade e muito
sensual, contrastava com o estilo leve de Marie Taglioni. A italiana Carlotta Grisi (1819-1899), outra grande bailarina desse
período, fez seus primeiros estudos no Teatro Scala de Milão dirigida por Carlo
Blasis.
1837 – Carlo Blasis fundou a Academia de Dança de Milão.
1841 – O poeta e crítico da Ópera de Paris, Théophile Gautier
(1811-1872), criou, especialmente para Carlotta Grisi, o balé Giselle, obra considerada o grande exemplo de balé romântico. A dança é narrativa e identifica-se com a
ação, o que agradou ao público da época.
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O balé na Rússia
Na Escola Imperial de Dança do Teatro Mariinski, em São Petersburgo, grandes mestres, como o francês Marius Petipa (1818-1910) e o italiano Enrico Cecchetti (1850-1928), encontraram um campo fértil para seus ensinamentos.
A união do estilo nobre francês ao forte virtuosismo italiano deu origem ao método russo, mais vital e adequado ao temperamento e ao físico dos bailarinos
russos.
Na década de 1890, Petipa montou três grandes balés sob a partitura
de Piotr Ilyich Tchaikowsky (1840-1893), que são remontados e apresentados até
hoje: A bela adormecida no bosque (1890); O quebra-nozes (1892) e O lago dos cisnes
(1895).
1900 – O bailarino e coreógrafo Mikhail Fokine (1880-1942) aderiu
às ideias de Noverre, que defendia a fusão harmoniosa das artes: música, pintura e
artes plásticas. Para ele, a dança não deveria se degenerar em pura técnica, pois seu
valor estava na interpretação.
Criou, em 1904, com música de Camille Saint Saens (18351921), o célebre “pas seul” – solo: A morte do cisne, que a bailarina Anna Pavlova
(1881-1931) imortalizou.
Século XX
O século XX se anuncia como o tempo do progresso, das descobertas
científicas, da rapidez, de expansão de fronteiras, da modernidade.
Grandes transformações nas tradições e valores adotados até então
marcam esse momento de início da era industrial. Nasce uma nova sociedade, com
outros anseios e necessidades.
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Configura-se a ideia de modernidade, que comporta a noção de movimento: o automóvel, o avião, as imagens do cinema, os corpos liberados pela moda
e pelo esporte e realçados pela iluminação elétrica.
A dança, por participar dessa dinâmica, vai buscar novas formas, e
podem ser observadas duas grandes tendências: o apego aos códigos clássicos, remanejados de acordo com o gosto da época, no balé neoclássico, e a contestação daquelas
antigas propostas pela dança moderna e contemporânea.
Pesquisadores do corpo que influenciaram a dança no século XX
Três pesquisadores da arte do corpo elaboraram teorias que deram
base à dança moderna. Essas teorias não constituem, propriamente, a forma coreográfica, mas um trabalho de corpo e um estudo do movimento humano.
François Delsarte (1811-1871), cantor francês, abandonou sua profissão quando sua voz começou a falhar. Seu interesse se voltou para os estudos da
relação entre o gesto e a voz. A partir da observação das pessoas nas ruas, nos parques,
nos hospitais, construiu uma teoria codificada das relações entre o gesto e a emoção.
Para ele, as emoções são transmitidas principalmente pelo tronco,
uma das características da dança moderna, diferente da dança clássica, onde o rosto e
as mãos são utilizados para exprimir sentimentos. As pesquisas de Delsarte influenciaram diretamente os trabalhos dos dançarinos modernos, como Isadora Duncan,
Ruth St. Denis e Ted Shawn.
Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950), músico suíço cuja pesquisa parte
de uma reflexão sobre o ensino da música. Como músico, ele constatou que, para se
aprender música, ficaria mais fácil se o corpo se integrasse aos movimentos rítmicos.
Desenvolveu um método pedagógico que consiste em decompor o
ritmo e dar uma interpretação ao movimento, instaurando uma relação estreita de
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dependência entre o movimento e a música. Seu trabalho também contribuiu principalmente para o estabelecimento das fundações da dança moderna alemã.
Rudolf Laban (1879-1958), nascido na Bratislava, no então império austro-húngaro, viveu na França, Suíça e Alemanha e emigrou para a Inglaterra.
Ocupou um lugar fundador na história da dança moderna e sua influência é mais
direta e imediata do que a de Delsarte ou de Dalcroze.
Sua proposta é baseada em princípios básicos da linguagem corporal.
Movimentos considerados simples em nosso cotidiano, que na maioria das vezes
executamos automaticamente, são transportados para a dança moderna de um modo
mais estudado e pensado para que o corpo se movimente de maneira artística.
Dança moderna
Nesse período da história da dança, o que vai separar o clássico do
moderno não é simplesmente a técnica, mas, também, o pensamento que norteou sua
elaboração.
Nos Estados Unidos e na Europa apareceram novos modos de dançar bastante diferentes da tradição clássica em relação aos espaços utilizados, concepção de dança e movimentos do corpo.
O embrião da dança moderna é tradicionalmente associado à estadunidense Isadora Duncan (1878-1927), mas na realidade ela nasce quase que simultaneamente em dois países: Estados Unidos, não somente com Isadora, mas também
com Loïe Fuller (1862-1928) e Ruth St. Denis (1877-1968), e na Alemanha, com
Rudolf Laban (1879-1958) e Mary Wigman (1886-1973).
Duncan e Fuller fizeram sucesso principalmente na Europa. Ruth
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St Denis e seu companheiro Ted Shawn (1891-1972) criam uma escola de dança na qual
se formaram os primeiros grandes mestres da dança moderna nos Estados Unidos.
Mary Wigman representa um movimento coreográfico expressionista que surgiu na Alemanha dos anos 1920.
Muitos modernos mantiveram as estruturas formais estabelecidas
pelo balé clássico, porém alguns foram em direção a uma técnica de dança mais livre,
ou seja, não seguindo uma determinada técnica e conquistando maior liberdade para
a escolha dos movimentos. Eles estavam mais abertos às sugestões de um mundo em
mudança e às descobertas da arte de seu tempo.
Os primeiros modernos
As três dançarinas estadunidenses – Duncan, Fuller e Ruth – nasceram em um país onde a dança clássica não tinha uma tradição como na Europa.
A necessidade dos norte-americanos de afirmar sua própria identidade perante a Europa está nas danças de Duncan e St. Denis, que introduzem uma
atmosfera de misticismo em suas práticas gestuais.
1880 – Löie Fuller (1862-1928) iniciou sua carreira ainda no século
XIX, quando dançava em shows de revista nos Estados Unidos. Sua primeira coreografia foi um espetáculo solo, Serpentine dance (1890), onde apareceu com efeitos de
luzes e com grandes pedaços de seda esvoaçantes, que ela movimentava com bastões
amarrados em seus braços. Descobriu o poder da ilusão cênica com projeções luminosas sobre suas vestimentas em movimento.
Fez sucesso principalmente na Europa. Sua influência marcou a arte
e a moda dessa época, anunciando a modernidade que brotava na dança.
1904 – Isadora Duncan foi à Rússia e provocou grande sensação,
influenciando Mikhail Fokine (1880-1942) em uma nova forma de pensar o balé,
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como veremos mais adiante no tópico “Companhia Balés Russos”.
Usava túnicas soltas, inspiradas nas dos antigos gregos, vestimenta
que Sallé tentou introduzir dois séculos antes. Dançava com os pés descalços, rejeitando as sapatilhas de ponta usadas no balé, símbolo sagrado da dança clássica.
Isadora é considerada uma revolucionária, com grande ousadia. Não
dançava com músicas compostas para balé, mas com músicas que geralmente eram
tocadas em concertos, o que a maioria dos baletômanos (amantes do balé) era incapaz
de compreender/aceitar.
1890 – Ruth St. Denis (1877-1968) iniciou sua carreira com o balé
Rhada, baseado em temas orientais. Suas danças revelavam influência da cultura dos
países do Oriente e elementos sobre o divino e o sagrado, com iluminação e guardaroupa minuciosamente elaborados.
Ruth casou-se com Ted Shawn (1891-1972), que compartilhou com
ela a ideia de dança como religião.
1915 – Ruth e Ted fundaram uma companhia de dança, a Denishawn, onde se formaram muitos dos bailarinos modernos, como Martha Graham
(1894-1991) e Doris Humphrey (1895-1958).
Na Europa, suas ideias não foram bem-aceitas, pois seus espetáculos
eram apresentados com coreografias que cultuavam os príncipes astecas e as deusas
hindus, não afinando com as preferências da geração dessa época.
St. Denis ainda teve de enfrentar a concorrência dos “Balés Russos”
de Diaghlev, que estavam fazendo muito sucesso nos Estados Unidos naquela época.
1927 – Martha Graham, discípula da escola Denishawn, afastou-se
daquela escola para iniciar sua própria carreira, sendo considerada por historiadores a
grande profetisa da dança moderna, pois conquistou um verdadeiro espaço coreográfico para essa modalidade de dança.
Fundou a Martha Graham School of Contemporary Dance, onde
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criou e aperfeiçoou uma técnica que se baseia principalmente em contração e descontração do abdome, técnica de dança que se espalhou por muitos países, sendo
utilizada, ainda, por muitos coreógrafos.
1928 – Doris Humphrey (1895-1958), companheira de escola de
Graham, saiu da Denishawn School e fundou uma companhia de dança nos moldes
do pensamento moderno.
Humphrey teorizou o equilíbrio e o desequilíbrio do corpo humano
com quedas e recuperações. Sua arquitetura coreográfica, ou seja, a construção de suas
coreografias, não era dramática ou narrativa. Ela dizia que a dança tem dois extremos:
em um deles está o completo abandono à lei da gravidade; no outro, a busca do equilíbrio e estabilidade. O drama dos bailarinos está em lutar contra as forças da gravidade
e contra a inércia, correndo sempre o risco de perder o equilíbrio.
1932 – O balé clássico se mescla com a dança expressionista nascente na obra do alemão Kurt Joos (1901-1979) A mesa verde, na qual pretendeu mostrar
a hipocrisia das conferências de paz e os horrores da guerra. Nessa coreografia apresentou alguns trechos de pantomima, que procura refletir a inquietude da época. Essa
obra venceu o concurso de coreografia em Paris, no Théätre de Champs Elysées.
1940 – Martha Graham coreografou a peça Letter to the world (Carta
para o mundo), baseada nos poemas de Emily Dickinson e na observação da diversidade cultural de seu país.
1944 – A coreografia de Graham Appalachian spring (Primavera
apalache), com cenário de Isamu Noguchi e música de Aaron Copland, fez sucesso
com o tema sobre os velhos pioneiros dos Estados Unidos.
1957 – Mary Wigman (1886-1973) produz, na escola de Berlim,
A sagração da primavera. Intérprete de suas próprias coreografias, conseguiu um
grande reconhecimento do público com sua violenta carga expressionista.
Apareceu como uma personagem perturbadora, tanto na Europa
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quanto nas Américas. Especialista em papéis fortes, detinha as qualidades essenciais
de uma atriz de tragédia, desprezando toda e qualquer forma de candura.
“Ballets Russes” – Companhia Balés Russos
1909 – A companhia Balés Russos, criada e dirigida pelo empresário
e mecenas Sergei Diaghilev (1872-1929), chocou os parisienses com suas cores e sons
fortes e “selvagens”.
As novas coreografias de Mikhail Fokine, com cenários e guardaroupa dos grandes pintores, fugiam do academicismo, incorporando passos da técnica
clássica a temas folclóricos e apresentando personagens cheios de energia.
Essa companhia imortalizou Vaslav Nijinski (1890-1950) como
grande bailarino, que se tornou o preferido do público parisiense.
1912 – Nijinski, encorajado por Diaghilev, criou seu primeiro
balé, L’aprés-midi d’un faune (A tarde de um fauno), inspirado em um poema de
Stéphane Mallarmé (1842-1898), com música de Claude Debussy (1862-1918)
e cenografia de Leon Bakst.
Essa obra foi o primeiro grande escândalo de Nijinski. Composta de
movimentos retirados dos afrescos gregos e egípcios, seus personagens foram apresentados de perfil em movimentos sensuais para um público que, acostumado com
ninfas e fadas, ficou desorientado.
1913 – Outra obra polêmica criada por Nijinski foi A sagração da
primavera. A ideia é a representação de um ritual pagão em uma tribo pré-histórica,
culminando com o sacrifício de uma virgem, que dança até morrer. Com música de
Stravinski e com a intenção de provocar o mundo da música e da dança, músico e
coreógrafo trabalharam o tema com um grupo de bailarinos, abandonando a ideia de
corpo de baile e retirando dos movimentos qualquer intenção narrativa. Na coreo-
145
grafia não foram utilizados os códigos do balé clássico, mas propostos movimentos
difíceis para os bailarinos, pois eles tinham treinamento nessa técnica.
A apresentação no Teatro da Ópera de Paris foi tumultuada, chocando o público acostumado com a forma de apresentação coreográfica do balé clássico.
1914 – Eclode a Primeira Guerra Mundial. Os Balés Russos não
viajam mais pelo mundo, porém continuam a produzir novas coreografias.
1917 – É criada Parade, obra com cenários de Pablo Picasso
(1881-1973), música de Erik Satie (1866-1925) e coreografia de Léonide Massine (1896-1979).
1929 – Diaghlev morre em Veneza e com ele o tempo glorioso e
arrojado da companhia dos Balés Russos.
Dança neoclássica: expoentes
1920 – A bailarina e coreógrafa Marie Rambert (1888-1982) fundou em Londres sua própria companhia. Seus bailarinos e coreógrafos alimentaram
o Royal Ballet, criado em 1956 por Ninette de Valois (1898-2001) para a rainha
Elizabeth II.
A grande dama Margot Fonteyn (1919-1991) foi uma das mais importantes figuras do Royal Ballet, como também seu parceiro por muitos anos, o
bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993).
1933 – O coreógrafo russo George Balanchine (1904-1983), que
havia trabalhado com Diaghlev, viaja para os Estados Unidos e funda a Escola de
Bailado Americana, que culminou no New York City Ballet (1948).
Balanchine teve como meta conceber uma identidade estadunidense
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para a dança. Com ele, deu-se o início da dança neoclássica nos Estados Unidos, em
uma tentativa de síntese entre a dança clássica e a moderna, que se desenvolvia paralelamente a outras manifestações neoclássicas.
Balanchine desenvolveu uma estética própria, propondo a dança pela
dança – somente movimentos sem qualquer referência dramática. O biótipo dos bailarinos foi uma das principais características de sua estética: pernas e pescoço longos,
busto imperceptível e cabeça pequena.
1934 – Sua primeira coreografia foi Sérénade, em que apresentou
uma dança liberta da tutela de um tema, em favor da abstração, livre de qualquer
necessidade narrativa.
1948 – Seu trabalho é reconhecido com a criação do New York City
Ballet, companhia oficial subvencionada pela prefeitura dessa cidade, que era alimentado com bailarinos da escola de Balanchine, e, portanto, eram raros os artistas de
fora que se integravam à companhia. O mais conhecido é o russo Mikhaïl Barychnikov (1948), que se aventurou a dançar novas versões dos clássicos: O Quebra-nozes
(1954), Coppélia (1974) e Dom Quixote (1978), danças que requeriam uma interpretação mais instrumental, ou seja, com mais técnica e menos emoção.
Décadas de 1940 e 1950
Na França, Roland Petit (1924) e Maurice Bejart (1927-2007) são
dois grandes coreógrafos dessas décadas. Suas obras pertencem ao neoclássico, tendo
em vista que nenhum deles questiona a linguagem coreográfica herdada da dança
tradicional clássica. Escolhiam o tema e procuravam colaborações de outros artistas
que refletiam sua época, mas jamais renunciaram ao vocabulário clássico que os modernos irão questionar.
Roland Petit destacou-se por seu gosto requintado e por suas preferên-
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cias pelo gestual espalhafatoso do music hall americano – espécie de comédia musicada
da qual participavam cantores, bailarinos, músicos, acrobatas e, também, mágicos.
1946 – Criou, junto com Jean Cocteau (1889-1963), com música de
Bach, uma de suas mais conhecidas coreografias, Le jeune homme et la mort (O jovem
e a morte), um bailado ao mesmo tempo romântico e neoclássico, dançado pelos bailarinos Jean Babilée (1923) e Natalie Philipart (1926).
1949 – O talento de Petit foi mostrado, também, em Carmen, versão do
texto de Prosper Mérimée (1803-1870), com música de Georges Bizet (1838-1875).
1957 – Maurice Bejart reinventou A sagração da primavera, despojando-a das características russas e do significado pagão e de representação de sacrifício, para fazer uma apoteose do amor que salva a vida.
1960 – Sua coreografia para Bolero de Ravel (1960), onde o papel
principal é de uma bailarina, rodeada por homens, foi um grande sucesso. Aparece no
filme Les uns et les autres, de Claude Lelouch (1937), só com homens e com o bailarino Jorge Donn (1947-1992) no papel principal.
Bejart mostrou-se muito interessado em experiências de dança com
música moderna. Trouxe para a cena os problemas da vida cotidiana e o drama do
homem contemporâneo.
Década de 1960
Na Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial, as cidades destruídas
pelos bombardeios começam a reconstruir seus teatros e uma atividade coreográfica se
desenvolve, ao mesmo tempo em que surge o chamado “milagre econômico alemão”.
1961 – Para a modernização do balé na Alemanha são recrutados
coreógrafos de outros países, como o africano radicalizado na Inglaterra John Cranko
(1927-1973), que toma a direção do Balé de Stuttgart.
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Cranko apresentou, com estética neoclássica, coreografias narrativas,
como Eugene Onegin (1965) e Caprichosa (1969). As qualidades de artistas como a
brasileira Márcia Haydée (1937) e o norte-americano Richard Cragun (1944) deram
vida e dinamismo às suas coreografias.
Nessa companhia formaram-se grandes coreógrafos como John
Neumeier, que se tornou diretor do Balé de Hamburgo em 1977; Jiri Kylian, diretor
artístico do Nederlands Dans Theater de 1978 à 1991, e Willian Forsythe, codiretor
do Balé de Stuttgart em 1976 e depois diretor artístico do Frankfurt Ballet.
Transição para a dança contemporânea
Décadas de 1940/50 – Alguns coreógrafos passam a questionar os
modos de se construir a dança, criando uma verdadeira revolução no mundo da
dança moderna.
Na fronteira entre a dança moderna e a contemporânea está o coreógrafo e bailarino Merce Cunningham.
Os pioneiros da dança moderna se dedicaram à construção das fundações de uma nova dança.
Cunningham, chamado pelos críticos de precursor da dança contemporânea, posiciona-se contra a permanência de modelos acadêmicos na dança
moderna. Em sua maioria, tais modelos ainda respeitam uma regra narrativa e temática; isto é, as relações dança e música, apesar de mais abertas, ainda permanecem
na dependência uma da outra, e o espaço cênico continua a respeitar a perspectiva
frontal da cena italiana do século XVII.
Cunningham buscou novas fórmulas e com seus parceiros, o compositor John Cage, uma das mais interessantes figuras do mundo da música contemporânea, e o artista plástico Robert Rauchenberg, um dos expoentes da pop-art, constrói
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uma nova estética para a dança, lançando os princípios da Dança Contemporânea.
Cria uma nova linguagem coreográfica ao introduzir as seguintes
proposições:
• década de 1940 – a independência entre as artes de um espetáculo
de dança, onde coreografia, música e cenografia são construídas independente uma da outra;
• década de 1950 – o método do acaso em suas construções coreográficas, fazendo sorteios e jogando dados no momento de criação
de uma coreografia;
• décadas 1960/70 – a criação de coreografias para vídeos e filmes e
a descoberta da diferença entre o olho da câmera e o olho humano
na visualização do palco;
• década de 1990 – o uso da tecnologia nas construções de suas coreografias, com o software Life Forms e, mais recentemente, na cenografia, com a apresentação de Biped .
Cunningham, inimigo de toda e qualquer teatralidade ou dramatização, pretende a objetividade formal da técnica criada por ele e a absoluta independência da dança em relação a qualquer condicionamento narrativo.
Dança contemporânea
A dança contemporânea não impõe modelos rígidos; os corpos dos
artistas não têm um padrão preestabelecido, bem com os tipos físicos. São gordos,
magros, altos, baixos e de diferentes etnias. A maioria desses trabalhos incorpora
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novos movimentos e não mais os movimentos convencionais do balé ou das técnicas
de dança moderna.
Na segunda metade do século XX, a dança contemporânea ganhou
estabilidade não só nos países de nascimento da dança moderna, como os Estados
Unidos e a Alemanha, mas também na França, na Inglaterra e no Brasil.
Surge um novo estilo, fora dos parâmetros antigos nos quais acontecimentos se sucedem linearmente. Agora, a narrativa é fragmentada. O público é
convidado a colocar os “pedaços” juntos e extrair um significado para o trabalho de
dança apresentado, tecer variados caminhos na construção de sentidos por meio da
fruição dos espetáculos.
Década de 1960
As ideias de Cunningham e de Cage exercem grande influência na
revolução que ocorreu nas artes em geral em Nova Iorque e principalmente na dança,
com o grupo do Judson Dance Theater.
Esse grupo abrigava coreógrafos alegres, irreverentes e idealistas, que
procuravam entender a essência da dança em uma época de grandes mudanças no
clima social e político.
Seus participantes, considerados como a primeira onda de pós-modernistas na dança, são Yvonne Rainer, que defende as ações cotidianas transformadas em dança; Trisha Brown, que trabalha com os problemas de acumulação de
movimentos; Steve Paxton, que explora contato e improvisação; David Gordon, que
joga com a teatralidade; Simone Forti, que toma como base os movimentos dos animais, e vários outros. Essas novas transformações não estavam limitadas à dança, mas
se espalharam também para a música, a pintura e a poesia.
151
Década de 1970
A febre da dança contemporânea foi se alastrando e marcou o começo de um grande intercâmbio entre os bailarinos e coreógrafos franceses e estadunidenses. O teatro da Ópera de Paris, a partir de 1974, iniciou essa troca de informações
com um grupo de pesquisas teatrais e depois de pesquisas coreográficas.
A coreografia contemporânea francesa costuma revelar um interesse
na conexão com a literatura ou o cinema, em particular os surrealistas e os adeptos
da vertente “teatro do absurdo”. É comum, também, o uso de diálogos e textos junto
com os movimentos.
1973 – A bailarina Pina Bausch, nascida na Alemanha e considerada um expoente na dança-teatro contemporânea, torna-se diretora do Balé da
Ópera de Wuppertal.
Seu trabalho chama-se Tanztheater (dança-teatro), movimento que
se origina na época de Rudolf Laban e Kurt Joss, que foi um dos mestres de Pina. A
dança-teatro busca uma intensificação da expressividade e para isso faz um diálogo
entre o movimento, a música e a palavra.
As obras de Pina Bausch mostram, por exemplo, pessoas comuns andando nas ruas, pois o treinamento, repetido à exaustão, faz parecer que os movimentos
são “naturais”. Entretanto, no decorrer da representação de ações cotidianas, ela procura
provocar o público com situações inesperadas, quando os bailarinos costumam cantar,
gritar, falar e rir, colocando a plateia diante de sentimentos perturbadores.
Em 2001, criou Água, repleta de referências ao Brasil, ao mesmo
tempo exaltando e criticando os clichês (estereótipos, padrões, caricaturas) de nosso
país: “as belezas naturais”; “o povo brasileiro”, “o samba”.
1978 – Foi criado, em Angers, na França, o Centre National de Danse Contemporaine (CNDC), importante centro de referência mundial.
152
Década de 1980
1980 – Formou-se um novo grupo de pesquisas coreográficas na
Ópera de Paris, do qual participaram os estrangeiros Karole Armitage, Lucinda Childs, David Gordon e Paul Taylor, e os franceses Dominique Bagouet, Jean-Christophe
Paré, Jaques Garnier e Jean Guizerix.
1980 – A coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker faz uso de
procedimentos minimalistas em suas coreografias: são estruturas coreográficas simples, repetidas várias vezes, em velocidades diferentes.
1981 – A bailarina Maguy Marin cria a coreografia May B, com
diálogos e textos apresentados durante a dança e inspirada em peças do teatrólogo
Samuel Beckett.
1983 – A coreografia Rosas danst Rosas marcou o início da companhia Rosas, dirigida por Keersmaeker, que, em sua composição, além da estrutura
minimalista, utilizou técnicas de espirais, dando maior vigor e velocidade aos movimentos dos bailarinos.
Esse gestual violento e de “choque” é reflexo das imagens contemporâneas expostas na mídia, uma estética nomeada de “nova dança”, que impregnou o
trabalho de vários coreógrafos a partir dos anos 1980 até os dias de hoje.
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FONTEYN, Margot. The magic of dance. Londres: Fontain Productions, 1979.
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LANGENDONCK, Rosana van. A sagração da primavera: dança e gênese. 2. ed. São
Paulo: edição da autora, 2004.
______. Merce Cunningham: dança cósmica: acaso, tempo e espaço. São Paulo: edição
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MICHEL, Marcelle e GINOT, Isabelle. La danse au XXe siècle. Paris: Larousse-Bordas, 1998.
PASI, Mario. A dança e o bailado: guia histórico, das origens a Béjart. Trad. Manuel
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PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
RENGEL, Lenira e LANGENDONCK, Rosana. Pequena viagem pelo mundo da
dança. São Paulo: Moderna, 2006.
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Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE
Diretoria de Projetos Especiais
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Devanil Tozzi
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Impressão e acabamento
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