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LINEAMENTOS ESTRATÉGICOS SOBRE RELAÇÕES DE CONSUMO, COOPERADOS E SOCIEDADES COOPERATIVAS (cooperativas de consumo, habitacionais, de infraestrutura e instituições financeiras cooperativas) Ronaldo Gaudio1 Marisa Gaudio2 Sumário. Introdução; I. Breves premissas conceituais; II. O modo cooperativista de realização dos objetivos constitucionais da defesa do consumidor; III. Contributos interdisciplinares para a compreensão do consumo cooperativo; IV. A fragilização do substrato científico a partir da vulnerabilidade; V. Lineamentos estratégicos para o contorno do problema; V.a. Conhecimento científico e educação cooperativista; V.b. Adequado tratamento e escrituração; V.b. Mediação cooperativa. VI. A guisa de conclusão; Bibliografia “o consumidor deve ser tudo” (Charles Gide)3 Introdução 1 Ronaldo Chaves Gaudio – Advogado. Graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). MBA em “Business Law” pela Fundação Getúlio Vargas. Professor convidado da FGV, da USP-FUNDACE, da UERJ, da UNIFESO, da UCAM e da ESA nas disciplinas relacionadas ao Direito Cooperativo. Membro efetivo e investigador da AIDCMESS – Asociación Iberoamericana de Derecho Cooperativo, Mutual y de la Ecconomía Social y Solidaria. Presidente do IBECOOP – Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo. Presidente da Comissão Especial de Direito Cooperativo da OAB/RJ. Vice-Presidente de Relações Institucionais da AIDC/BR (Delegacia Brasileira da Associação Internacional de Direito Cooperativo). Assessor jurídico do OCB/RJ – Sindicato das Cooperativas do Estado do Rio de Janeiro, do SESCOOP/RJ – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio de Janeiro. Membro do Comitê Jurídico da Organização das Cooperativas do Brasil. 2 Marisa Gaudio - Advogada. Graduada pela PUC/RJ. Pós-graduada em Direto Civil pela ESA/RJ. Pós-graduada em Mediação com ênfase em Família pela UCAM e capacitada pelo Instituto Mediare em Mediação de Conflitos. Professora da ESA da OAB/RJ e da UNIFESO – Centro Universitário Serra dos Órfãos. Diretora da CAARJ Bem Estar; Vice-presidente da Comissão de Práticas Colaborativas da OAB/RJ; Membro da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ; Mediadora da Câmara de Mediação da OAB/RJ. Presidente da Câmara de Mediação do Cooperativismo Fluminense. 3 Charles Gide, considerado o pai da doutrina cooperativista, citado por PINHO, Diva Benevides. O que é cooperativismo?, São Paulo: São Paulo Editora, 1966, p. 31. A defesa do consumidor pelo instrumento do cooperativismo constituiu uma das mais importantes e históricas formas de reação contra as distorções produzidas já nos estertores do Liberalismo – muito antes das primeiras iniciativas do Estado de tentar promover alguma equalização entre os agentes econômicos fornecedores de produtos ou serviços e seus adquirentes. No plano teórico, prepondera a doutrina do reconhecimento de um regime jurídico próprio, diverso daquele irradiado da Lei 8.078/90, para tutela das relações estabelecidas entre sociedade cooperativa e seus sócios, quando estes realizam suas aspirações ou necessidades de consumo - aquisição de bens ou serviços – através daquela, constituída para o exercício de tal objeto (atividade econômica delineada em seu estatuto social), provendo em melhores condições o que o indivíduo somente acessaria direta e individualmente no mercado. Tal relação obrigacional, um negócio jurídico denominado em alguns países como como negócio ou ato cooperativo, tem sua origem no próprio contrato plurilateral da sociedade e é regida pelas normas legais que disciplinam a espécie – tendo norma primária específica o art. 79, da lei 5.764/71, com relevante reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 (art. 174, §2°, “c”). Além, são fontes do regime do negócio cooperativo as normas estatutárias convencionadas pelo quadro social para tanto, posto que o ato constitutivo da sociedade não disciplinará somente as interações com o mercado, mas também, e inevitavelmente, as estabelecidas com seus cooperados. Os diferentes vetores do Direito Cooperativo para essa compreensão, contudo, não têm alicerçado a Jurisprudência paulatinamente erigida no país, com especial destaque para os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com a ressalva das limitações que se impõem ao presente trabalho, pretende-se, ainda que sumariamente, discorrer sobre os mencionados elementos teórico-estruturais das cooperativas, a identificação do fator preponderante para a assimetria entre as fontes doutrinária e jurisprudencial, assim como o alinhamento de estratégias para equalização do dever ser cooperativo e a mitigação dos prejuízos da judicialização da matéria. Para registrar com clareza quando nos reportarmos às pessoas sob tutelada do Código de Defesa do Consumidor, utilizaremos terminologia consumidor de mercado ou, simplesmente, consumidor, enquanto o termo consumidor cooperativo ou cooperador designará o sócio da cooperativa e seu diferenciado regime obrigacional. I. Breves premissas conceituais Assentando algumas breves premissas, as cooperativas se inserem no ordenamento jurídico brasileiro como espécie de sociedade4, posto que possuem por objeto o exercício de uma atividade econômica, mas para atingirem finalidade (objetivo) bastante diversa daqueles que motivam a inserção de sociedades capitalistas no mercado. Seu propósito econômico não é a produção de lucros (especulação e distribuição de excedentes na razão do capital investido), mas prestar serviços diretamente ao quadro social5, sem objetivo de lucro e, ao contrário, produzindo uma partilha de resultados por metodologia própria, mas em perfeita coadunação com o conceito do Código Civil para a espécie de pessoa jurídica sociedade. A partir do Código de 2002, a propósito, aplaca-se qualquer dúvida sobre a natureza das cooperativas como sociedade ou associação, posto que esta espécie de pessoa jurídica, consoante art. 53, CC, não se constituirá para fins não econômicos. Resta iluminado com clareza definitiva que, ao menos ordenamento nacional vigente, o conceito da lei geral das cooperativas, apesar de alguma incongruência precedente na lei geral das cooperativas (art. 3° e 4° da Lei Federal n° 5.764/71), convergindo com os dispositivos da espécie para o perfeito amoldamento ao conceito de sociedade do art. 981, CC e suas poucas regras gerais sobre as cooperativas (art. 1.093 a 1.096). Resta evidenciada a natureza societária6, merecendo reparo a costumeira denominação dos cooperados como associados, posto que sócios é o que são e a imprecisão terminológica, sem mais espaço, cabe ser evitada para a clareza da compreensão. O exercício de atividade econômica por cooperativas é instrumento para prestação de serviços ao quadro social. O exercício da atividade econômica declarada e desenhada operacionalmente a partir do desse objeto social terá por finalidade (objetivo) ser o instrumento através do qual a cooperativa prestará serviços diretamente aos sócios para lhes proporcionar melhores condições econômicas e sociais7. 4 BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo (de acordo com o Código Civil). São Paulo: Dialética, 2002, p. 40/41. 5 FRANK, Walmor. Direito das Sociedades Cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1973, 15/17. 6 Lucro ou finalidade lucrativa não é elemento jurídico do conceito de sociedade, mas diz respeito à uma característica das sociedades de propósito capitalista, havendo atividade econômica das cooperativas, sem tal finalidade. Vide: ALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais (direito de empresa). 20ªed, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 386/387. 7 FRANK, Walmor. Direito das Sociedades Cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1973. Trata-se de uma economia de custos de transação8, cujo capital social possui a função de viabilizar o empreendimento9 e não a finalidade precípua de investimento e sua remuneração. Os excedentes eventualmente produzidos são devolvidos ao quadro de sócios na medida e em razão das transações entre cada sócio e a sociedade10, desvinculando-se participação fração em quotas-partes de cada um no capital. Uma discussão subjacente diz respeito à presença do elemento de empresa nas cooperativas e a impossibilidade de as mesmas, por expressão legal, poderem seguir o regime jurídico das sociedades empresárias. Assim sendo, malgrado o dispositivo do art. 982, CC, sobre elas supletivamente incidem as regras especiais de regência da espécie societária, aplicam-se as normas destinadas às sociedades simples11. As considerações iniciais ganham relevância em razão de indiciarem mui brevemente o perfil econômico e jurídico das cooperativas, o que será fundamental para explicitar as diferenças de essência que desembocam nos principais fundamentos da configuração de uma relação de consumo cooperativo, distinta do consumo de mercado. As características essenciais das cooperativas (característica jurídicas relacionadas ao modelo de operação econômica próprio dessas sociedades) estabelecem uma relação de causalidade estrutural com um regime jurídico próprio, que se manifesta em diferentes planos12 obrigacionais (trabalho, consumo, tributário, etc). A forma de exercer atividade econômica das cooperativas é jungida à premissas intrínsecas, características essenciais donde ressaem suas demais características legais, vocacionadas para instrumentalizar e alçar as operações dessas sociedades à produção de melhores patamares de desenvolvimento socioeconômico que aqueles produzidos pelo sistema econômico dominante. 8 BIALOSKORSKI NETO, Sigismundo. Economia e gestão de organizações cooperativas. 2ª ed, São Paulo: Atlas, 2012, p. 66/74. 9 MENDONÇA, José Xavier Carvalho. Tratado de Direito Comercial. 4ª ed, vol. 4, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952, p. 1469/1470, itens 1451, 1452 e 1469. 10 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 13/14 e 18/19. 11 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19. 12 ”Relembre-se que o Direito, como demonstrei inicialmente, é elemento constitutivo do modo de produção: as relações de produção, quaisquer que sejam elas, não se podem reproduzir sem a ‘forma’ do Direito; o Direito é instância de um todo complexo – a estrutura social global -, instância no entanto dotada de eficácia própria, que se manifesta no bojo de uma relação de causalidade estrutural, resultante de interação dela (instância jurídica) com as demais instâncias desse todo complexo. Assim, mesmo anteriormente ao advento da (sic) Constituições escritas, lá se encontravam, em cada sociedade, no bojo de suas ordens jurídicas, como parcela delas, normas institucionalizadoras das ordens econômicas (mundo do ser) nelas praticadas” em: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2015, p. 70/71. Esse perfil econômico-operacional das cooperativas, indissociável de seus valores fundamentais, éticos e principiologia próprios, manifesta sensível alinhamento com os objetivos do Estado, especialmente no que diz respeito à adequada ideia desenvolvimento (socioeconômico sustentado). Suas características, entretanto, ainda não estão assimiladas ampla ou corretamente pela sociedade e até mesmo não praticadas por um expressivo contingente de cooperativas. O fato de essas características essenciais das cooperativas, em sua maior parte, serem internas e imperceptíveis tanto aos agentes de mercado - que com elas interagem ou competem -, quanto aos setores do poder constituído – sobre quem recai o dever de normatizar, fiscalizar ou julgar questões que se ligam à existência e relações estabelecidas por essas sociedades, conhecendo ou não a matéria -, conjugase com diversos fatores que conduzem a uma prática ainda muito aquém ou muito desviada do potencial do cooperativismo. Para tanto, militam tanto fatores exógenos, tais como as pressões pelo atendimento aos reclames da globalização do Capitalismo e a falta de formação obrigatória nas grades curriculares convencionais – entre outros -, quanto fatores internos ao próprio movimento cooperativista. Finalmente, cabe a fixação que o termo consumidor comporta, além do sentido estrito de parte de uma relação jurídica subsumida ao regime do Código de Defesa do Consumidor, trata-se de um termo que comporta diversas acepções, segundo critérios mais variados, seja do ponto de vista econômico, psicológico, sociológico, entre tantos outros13, incluindo-se sua acepção jurídica noutros ordenamentos, mas que permitem a percepção de consumidor como gênero do qual o consumidor vulnerável, hipossuficiente, de mercado pertence como espécie. A percepção da existência do consumidor cooperativo é, no plano jurídico, decorrência natural de sua diferenciação estrutural no plano econômico, pois são consumidores que, enquanto consócios (coproprietários) da “fornecedora” empresa cooperativa, controlam os bens de produção. Tal configuração se operação pela essencial característica da Dupla Qualidade das cooperativas, que será apreciada com pouco mais de atenção adiante. 13 FILOMENO, José Geral Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 7ª ed, São Paulo: Atlas, 2004, p. 34/35. II. O Modo Cooperativista de Realização dos Objetivos Constitucionais da Defesa do Consumidor No que diz respeito às cooperativas de consumo conviverem com o sistema de proteção ao consumidor vulnerável e de mercado, importante o prévio registro de que as mesmas se erigem a partir de um movimento em que os indivíduos não esperaram mais de um século e meio a iniciativa do Estado de equilibrar as relações de consumo (art. 5°, inc. XXXII, CFRB/88), mas buscaram através uma cooperação econômica, realizarem sua autodefesa, assumindo o lugar do comerciante intermediário e adquirindo suas necessidades finais de consumo através de uma empresa própria e coletiva. Inicia o cooperativismo a sua consolidação no sec. XIX14, no seio da ordem jurídica das Constituições liberais, que não dispunham nem necessitavam de um arsenal mais robusto de normas sobre a ordem econômica, senão apenas declarar os valores fundamentais capitalistas da propriedade privada dos bens de produção e da liberdade contratual15. Considerando, ademais, que “o princípio da liberdade de contratar é instrumental do princípio da propriedade privada”16, o cooperativismo passa, então, a utilizar os próprios elementos fundamentais do capitalismo para dar outra função à propriedade privada (bens e capital), através de outra espécie de contratação entre pessoas com propósitos econômicos em comum (inicialmente, a partir do contrato plurilateral de sociedade – o estatuto social), permeando-os por finalidade própria17, operação 14 Diva Benevides Pinho demonstra sinteticamente o confronto, em 1895 (por ocasião do I Congresso Internacional de Cooperativismo, ocasião de fundação a ACI – Aliança Cooperativista Internacional), entre os dois planos diferentes para a doutrina cooperativista mundial, com profunda formulação teórica, com diferentes leituras das concepções principiológicas inauguradas pela Cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale, de 1844 (Princípios rochdaleanos), tendo preponderado o plano de hegemonia do consumidor. Vide: PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva: 1977, p. 107/113. 15 Esclarece Eros Grau que as Constituições liberais não articulavam em seu próprio texto uma ordem econômica constitucional, bastando para o Estado Liberal, no plano constitucional, em um mundo onde a economia e o mercado não careciam de reparos contra distorções, que estes dois valores do Capitalismo estivessem confirmados. Vide: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2015, p.69/71. 16 Idem, p. 91/92. 17 “O mais alto princípio ao qual se subordina, inalteravelmente, a ação cooperativa, é o de que a cooperativa não existe para explorar serviços no seu próprio interesse; mas para prestá-los desinteressadamente aos seus membros, os cooperados. Essa atitude básica pressupõe um ideário sócio-econômico, a que se tem chamado, com muito acerto, de Solidarismo, entendido como expressão de um comportamento comum em que o interesse da cooperativa se identifique com o do cooperado. É exatamente esse ideário que distingue as cooperativas, por forma inequívoca, de outras orientações econômicas, tais como o individualismo lucrativista e o coletivismo comunista, e, bem assim, do altruísmo econômico”. Hanz-Jürgen Seraphim, citado na obra de FRANK, Walmor. Op. cit., p. 7. econômica específica, valores18, princípios diferenciados19, convertendo-se em um sistema econômico intermediário20, que convive com os sistemas e ordens econômicas dos Estados21. Georges Lasserre reputa o cooperativismo de consumo o mais importante do movimento cooperativo – justamente o modelo adotado pela histórica cooperativa dos pioneiros de Rochdale22 - e de seu modelo derivaria o conteúdo principal da doutrina cooperativista e sua finalidade mais relevante 23: a emancipação do consumidor através da eliminação dos intermediários – considerados “parasitas”24 – entre ele e suas necessidades de consumo, ampliando o poder de compra individual a partir de compras coletivas realizadas através da espécie societária cooperativa 25. Ao adquirirem produtos ou serviços em escala para distribuírem ao quadro social, externamente a atuação da cooperativa em nada parece distinguir-se das operações realizadas no mercado por uma empresa capitalista26, mas a realidade dessa operação econômica e diferencial não se consegue perceber pela mera observância externa. Ao dirigir-se um cooperador ao armazém ou ao supermercado de sua cooperativa e receber um bem, pagando por ele, a externalidade tende a ser a mesma visualizada numa conhecida operação de compra e venda. Contudo, as assimetrias que distinguem esses negócios cooperativos de operações de mercado, de compra e venda ou de contratos de serviços financeiros, entre outros, estão nos objetivos da sociedade cooperativa (finalidade) e da forma intrínseca à operação (cooperação e dupla qualidade) – o que é de difícil visualização, mas cujos fundamentos já estão plasmados na lei, erigida a partir dos caracteres econômicos do atuar cooperativo e que podem ser documentados 18 http://ica.coop/en/whats-co-op/co-operative-identity-values-principles, acessado em 02.06.2015. Idem. 20 PINHO Carlos Marques e PINHO, Diva Benevides. Sistema Econômicos Comparados. São Paulo: Saraiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1984, p. 96/104. 21 Obras interessantes demonstram o funcionamento e desafios do Cooperativismo dentro do Sistema Socialista cubano: MUSA, Orestes Rodríguez. Socialismo, Cooperativismo y Derecho. Dialética necessária para la actualización del modelo económico cubano, artigo em Boletín de la Asociación Internacional de Derecho Cooperativo, n° 46. Bilbao/ES: Publicaciones de la Universidad de Deusto, p. 79/105. E HARNECKER, Camila Piñedo (coord). Cooperativas e socialismo: uma mirada desde Cuba. La Habana: Editorial Caminos, 2012. 22 LASSERRE, Georges. El Cooperativismo. Barcelona: Oikos-tau, 1972., 15. 23 PINHO, Diva Benevides. Que é cooperativismo? São Paulo: São Paulo Editora, 1966, p. 30/42. 24 Essa e outras expressões são atribuídas a Chales Gide, reputado como primeiro a sistematizar a doutrina cooperativista. Vide: Idem, p. 34. 25 Nesse passo, vale comentar a utilização da cooperação em modelos capitalistas, próprio das inovações dos modelos de negócios contemporâneos, onde os grupos de compras coletivas, acessáveis principalmente através da rede mundial de computadores, se valem do mesmo ganho de escala identificado pelos pioneiros de 1844, mas com investidores objetivando lucro na intermediação entre esses consumidores e as compras realizadas. 26 LASSERRE, Georges. Op. cit., p. 16. 19 sobretudo a partir dos estatutos, outros normativos societários, da escrituração contábil, dos negócios e contratos celebrados com os sócios e no mercado, entre outros documentos, como próprio processo de admissão dos sócios. Todo o diferencial estrutural fica patente a partir da análise das características essenciais das cooperativas, extraídas a partir de seu modelo econômico, mas que podem e devem ser constatados, tangibilizados, documentados, demonstrados, escriturados.27 Os objetivos das cooperativas alinham-se aos objetivos do próprio Estado. Em meio ao cenário mundial hegemônico em que a concentração de capital especulativo ainda produz distorções sociais, o cooperativismo ostenta em sua matriz objetivos, princípios e valores que se alinham ao conceito adequado de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Sendo pródiga também a doutrina jurídica a esse respeito28, é válido minimamente registar que o Direito Constitucional Econômico Brasileiro somente reconhece como desenvolvimento efetivo aquele que observe harmoniosamente os princípios da art. 170, CR/88: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego. Ao abordar o sentido das normas coercitivas de direito econômico, Modesto Carvalhosa sustenta que a Livre Iniciativa é um direito constitucional relativo: “Direito oponível erga omnes vê-se reduzido, enquanto instituto, a uma conformação com sua utilidade socioeconômica, com a qual não pode contrastar. Daí as normas imperativas que vedam quaisquer atos que contrariem o princípio da prevalência do social, no exercício da atividade econômica”. 29 Além, os fundamentos da República, todos em mesmo quilate, orientam o mesmo conteúdo de desenvolvimento: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1° e incisos, CF). 27 Dizemos respeito não às características gerais da espécie societária, mas das características nucleares que, ausentes ou violadas, enxecam a regularidade ou o equilíbrio próprio das cooperativas, senão efetivamente as desnaturam. Vide: GAUDIO, Ronaldo Chaves; FARIAS, Eduardo Helfer de. Barreiras da razão indolente ao Cooperativismo: violação e incompreensão das características essenciais das sociedades cooperativas como fatores de prejuízo socioeconômico. Artigo in Anais do 4º Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito. Niterói: Ed. PPGSD-UFF, 2014, publicado em http://sociologiaedireito.com/wp-content/uploads/2015/01/GT7.pdf 28 Recomendamos a leitura do capítulo de GRAU, Eros Roberto. Comentário ao art. 170. In. CANOTILHO, J.J. Gomes, MENDES, Gilmar Ferreira, SARLET, Ingo Wolfgang e STRECK (Coords.). Comentários à Constituição Federal do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1785/1784. 29 CARVALHOSA. Modesto. Direito econômico: obras completas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Os princípios constitucionais e demais exigências corroboram para a exigência de um desenvolvimento econômico sustentável, que procure diluir as desigualdades regionais30. Os objetivos da República, consoante art. 3° da Constituição, são construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Os valores do cooperativismo31 estão divididos entre fundamentais (autoajuda, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade) e éticos (honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação com os outros indivíduos)32 – não se limitando à liberdade contratual e a propriedade privada. Os princípios cooperativistas, plasmados em diferentes dispositivos da legislação federal brasileira, em especial no art. 4° da Lei 5.764/71, originados nas experiências da cooperativa pioneira de 1844 (princípios rochdalianos)33, revisitados pela Aliança Cooperativista Internacional em 199534, são adesão livre e voluntária35, controle democrático pelos sócios, participação econômica dos sócios, autonomia e independência; educação, treinamento e informação; cooperação entre cooperativas, preocupação com a comunidade. Enquanto a atividade econômica das empresas capitalistas fornecedoras de produtos e serviços em mercado é exercida para produzir lucros (finalidade lucrativa), a das cooperativas é com o propósito de prestar serviços aos sócios para lhes incrementar as condições socioeconômicas, sem objetivo de lucro (finalidade cooperativa). Concretamente, é possível asseverar que o modelo econômico das cooperativas procura emancipar o consumidor, enquanto o sistema do Código de Defesa do Consumidor que protegê-lo. Flagrantemente, o cooperativismo quer estabelecer um patamar econômico-social superior ao paradigma consumidor vulnerável de mercado. 30 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17ª ed, São Paulo: Malheiros, 2015, p. 212/217. 31 MIRANDA, José Eduardo de. Op. cit., p. 62/74. 32 http://ica.coop/en/whats-co-op/co-operative-identity-values-principles, acessado em 26.11.2014. 33 LUZ FILHO, Fábio. O direito cooperativo. Rio de Janeiro: Irmaõs Pongetti Editora, 1962, p. 31. 34 MIRANDA, Jose Eduardo de. Op. cit., p. 82 35 http://ica.coop/en/whats-co-op/co-operative-identity-values-principles, acessado em 26.11.2014. O consumidor cooperativo se torna consócio de um empreendimento cooperativo para eliminar “comerciantes intermediários” (empresas intermediárias) e passar a adquirir / receber, diretamente ou através da sua empresa cooperativa, bens de qualquer gênero ou quaisquer serviços (móveis ou imóveis, consumíveis, serviços educacionais, financeiros, de distribuição de energia, etc, conforme ocorre com as farmácias cooperativas, cooperativas habitacionais, supermercados cooperativas, cooperativas de consumo de energia elétrica - também conhecidas como cooperativas de infraestrutura ou de eletrificação -, instituições financeiras cooperativas, entre outros exemplos). Tais iniciativas devem ser limitadas exclusivamente pelo alcance da Livre Iniciativa e da criatividade humana. Um primeiro aspecto sobre o método e sistema cooperativo de proteção (emancipação) do consumidor é que as operações realizadas em regime de cooperação geram mais benefícios para o grupo que coopera do que geraria individualmente para cada um se competisse e proporcionam maior eficiência econômica36, entendida esta, sumariamente, como a maximização na geração e distribuição dos recursos materiais disponíveis em uma dada comunidade. A Teoria dos Jogos37 realiza as demonstrações do fenômeno, comprovando que, em contraposição as operações não cooperativas, o resultado econômico para o todo é superior, obtendo-se maior eficiência econômica. Quando a postura do “ganhar mais que o outro” consegue ser suplantada pelo “ganhar ainda mais com o outro” – já indiciando, sob essa perspectiva inicial, vantagens do Cooperativismo. A adoção de uma operação em cooperação produz melhores resultados para os jogadores como um todo38. No caso do consumo cooperativo, patente que há o ganho de escala em comparação ao consumo individual diretamente no mercado e esse método já pode produzir o efeito de ganho econômico superior. Ainda que a cooperativa faça a entrega ao sócio em valores semelhantes ao de mercado, o sócio da cooperativa poderá, ao final do exercício, participar da divisão dos excedentes das operações. Um segundo ponto diz respeito também ao perfil societário das cooperativas, que, conforme disciplinado pela legislação (art. 4°, XII, Lei 5.764/71), envolve, como regra, 36 Sobre o conceito e ideias em torno de eficiência econômica, recomendamos: PINHEIRO, Armando Castelar; e SADDI, Jairo. Curso de law and economics. Disponível em http://www.iadb.org/res/laresnetwork/files/pr251finaldraft.pdf., acessado em 03.12.2014. 37 MACKAAY, Ejan; Rosseau, Stéphane. Análise econômica do Direito. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 41/86. 38 A guisa de informações básicas, vide: GREMAUD, Amaury Patrick e BRAGA, Mauro Bobik. Teoria dos Jogos: Uma Introdução. In: PINHO, Diva Benevides e VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval de (org.). Manual de Economia. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 243/257. uma área de admissão de sócios limitada à capacidade de reunião dos mesmos, pretendendo tal contorno ser uma das principais formas de assegurar a existência de um quadro social próximo do centro decisório ou em condições de participarem das deliberações sobre o empreendimento. Essa característica estrutural tem por consequência contribuir para o desenvolvimento local onde se instala ou opera a cooperativa, posto que o resultado econômico não é distribuído a sócios meramente investidores, sem vinculação com a localidade e tampouco a cooperativa costuma distribuir excedentes ao capital estrangeiro. A riqueza permanece no país e, em especial, nas localidades onde os sócios operam e vivem. Outra caraterística justificadora do fomento é a democratização da iniciativa privada manifestada pela cooperativa39. A união de consumidores num empreendimento cooperativo permite que os mesmos assumam o papel de donos. Reúne-se, na mesma pessoa, dois papéis que no modelo de mercado capitalista estariam em pólos de interesses opostos. Assim sendo, os consumidores convertem-se em titulares da empresa que, no modelo hegemônico, estaria simplesmente a buscar remunerar o mínimo possível ou vender ao melhor preço possível. Essa dinâmica pretende proporcionar a prática do preço justo40 para o cooperador – a melhor remuneração do trabalho extraível do empreendimento ou o melhor produto ou serviço com o menor custo possível. Nas cooperativas, esses consumidores participam das deliberações independente da fração de seu capital na sociedade, exercendo qualquer deles o mesmo peso de voto, o que, também por isso, implica na democratização da iniciativa privada41. Mais um aspecto diz respeito a forma de distribuição dos excedentes eventualmente produzidos pela operação cooperativa. Sendo superavitário o exercício social, a distribuição do excedente não é feita em remuneração ou na medida do capital social de cada sócio, mas na razão da participação dos mesmos para a formação de tal excedente, devolvendo a cada qual o seu respectivo quinhão. Trata-se da característica do retorno42, que consolida nas cooperativas a justiça distributiva. Valoriza-se a atuação do indivíduo e sua capacidade de compra e não sua capacidade de investir, proporcionando-se distribuição mais eficiente dos excedentes, ao invés de concentração 39 BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo (de acordo com o Código Civil). São Paulo: Dialética, 2002, p. 132/135. 40 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit., p. 21 41 As ideias em obra clássica: WARBASSE, James Peter. Democracia Cooperativa. Buenos Aires: Arengreen, 1975. 42 BULGARELLI, Waldirio. Regime Jurídico das Sociedades Cooperativas. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965. 2000), p. 160/162. de riqueza. Se as compras (operações) dos cooperados com as cooperativas foram suficientes para adquirir os bens necessários, cobrir os custos da empresa e realizar as provisões legais (tal como o fundo destinado a assistência técnica, educação e social), terá direito de optar em assembleia pela restituição dos excedentes. Tal fato decorre da finalidade das cooperativas não se destinar a prestação de serviços ao capital, mas de deverem prestar serviços aos sócios, sem finalidade de produzir lucros e sim incrementar as condições econômicas e sociais de seu quadro – no caso das cooperativas de consumo, criadas para que o sócio receba através delas os produtos ou serviços ao menor custo possível). Muito importante e diferencial, a empresa cooperativa obrigatoriamente deve investir em formação e informação dos consumidores cooperativos (art. 28, inc. II e art. 87, Lei 5.764/71). Trata-se de uma norma legal destinada a consumar, no plano da exigência legal para a espécie societária o reinvestimento no desenvolvimento cultural, moral e intelectual do quadro social, oriundo da percepção da experiência de 1844 de que a educação é fundamental para o desenvolvimento do modelo43 e que foi convertida em um princípio cooperativista até hoje mantido. A citada norma legal decorre do mencionado princípio cooperativista de Educação, Treinamento e Informação. Na condição de dono (sócio) do empreendimento, é suposto esperar que o acesso as informações não se restrinjam às características dos produtos e dos serviços e demais 43 “É necessário advertir que a previdente deliberação de destinar 2 ½% dos lucros líquidos à educação geral, foi que elevou tanto na consideração pública a Sociedade Cooperativa de Rochdale. Foi esta ‘de ouro’ que lhe deu tanto valor, que lhe conquistou a simpatia de tantos amigos e lhe angariou fama universal. Foi esta regra que, tendo contribuído para o progresso intelectual e moral dos cooperadores, preservou a Sociedade do perigo de ver os seus estatutos retocados por pessoas ignorantes ou mal informadas, que não faltariam ali, certamente como em qualquer outra parte, que anulou os esforços para destruir as ideias mais sãs e características da Sociedade de Rochdale, porque os ignorantes estão sempre dispostos a admitir que a inteligência não produz dinheiro, ao passo que sem inteligência não haveria economias e lucros nos armazéns cooperativos nem em outro lugar nenhum.” Em: HOLYOAKE, G.J. Os 28 tecelões de Rochdale. (História dos probos pioneiros de Rochdale). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1933, p. 123. 43 Vide, por exemplo: BENECKE, Dieter W., Op. cit., p. 109/134. 43 BENJAMIIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007, p. 24. 43 BENJAMIIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007, p. 87/98regra de ouro’ que lhe deu tanto valor, que lhe conquistou a simpatia de tantos amigos e lhe angariou fama universal. Foi esta regra que, tendo contribuído para o progresso intelectual e moral dos cooperadores, preservou a Sociedade do perigo de ver os seus estatutos retocados por pessoas ignorantes ou mal informadas, que não faltariam ali, certamente como em qualquer outra parte, que anulou os esforços para destruir as ideias mais sãs e características da Sociedade de Rochdale, porque os ignorantes estão sempre dispostos a admitir que a inteligência não produz dinheiro, ao passo que sem inteligência não haveria economias e lucros nos armazéns cooperativos nem em outro lugar nenhum.” Em: HOLYOAKE, G.J. Os 28 tecelões de Rochdale. (História dos probos pioneiros de Rochdale). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1933, p. 123. informações devidas ao consumidor; mais que isso, o consumidor cooperativo ostenta direito de participar, na forma da lei, do processo de organização, das condições da atividade de consumo e das características desses bens ou serviços – que não encontra paradigma nas relações de consumo vulnerável em mercado. Tais fatores são expostos em linhas bastante essenciais e gerais para o presente trabalho, sendo certo que podem ser desdobrados, conforme se poderá encontrar em minuciosos trabalhos doutrinários nesse sentido.44 Apesar de tudo isso, grandes desafios ao fomento do cooperativismo se apresentam pela cristalização do pensar sob a lógica das premissas preponderantes: capitalista, individualista, competitiva. Esses desafios envolvem o conhecimento das caraterísticas essenciais das cooperativas, pois é justamente a partir dessas características que os diferenciais e vantagens expostos são produzidos. Perturbada alguma desses elementos, seja pelas próprias cooperativas ou por quem lhes deva regulamentar, fiscalizar ou julgar, não terão essas sociedades condições de cumprir sua elevada vocação. Tais elementos, entretanto, ainda que pouco conhecidos, demonstram o alinhamento próprio que o sistema cooperativista se propôs, desde sua concepção, de realizar a proteção do consumidor pelo caminho da autotutela e da autodefesa econômica, concretizando todos os vieses de introdução de direito do consumidor 45 e permitindo o reconhecimento das interseções constitucionais para o diálogo das fontes46, considerado todo arcabouço próprio erigido entre fato e valor e norma no direito cooperativo, ramo autônomo47, reconhecido, como dito, na constituição federal (não só como instrumento de desenvolvimento social a ser fomentado - art. 174, §2° -, mas também como decorrente de direito fundamental de livre associação - art. 5°, XVII e XVIII –, credor de regime jurídico próprio - art. 146, III, “c” - e estruturado na legislação infraconstitucional, incluindo-se o Código Civil – arts. 982 a 983 e arts. 1.093 a 1.096). 44 Vide, por exemplo: BENECKE, Dieter W., Op. cit., p. 109/134. BENJAMIIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007, p. 24. 46 Idem, p. 87/98 47 Acerca da autonomia do Direito Cooperativo, veja-se, por exemplo, as obras: ANDRIGHI, Fátima Nancy. A autonomia do direito cooperativo. In: KRUEGER, Guilherme (coord.) Cooperativismo e o novo código civil. 2ª ed., Belo Horizonte: Mandamentos, 2005; BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo (de acordo com o Código Civil). São Paulo: Dialética, 2002; BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000; BULGARELLI, Waldirio. Elaboração do Direito Cooperativo (um ensaio de autonomia). São Paulo: Atlas, 1967. 45 Tal forma é a forma cooperacionista de realizar o favor debilis48 e de equalização das forças entre consumidor e fornecedor: os consumidores organizam a demanda na estrutura societária especializada para o propósito do consumo coletivo (cooperativo), sem finalidade lucrativa, baseada numa economia de custos. III. Contributos Interdisciplinares para a Compreensão do Consumo Cooperativo Elementos econômicos, como visto, demonstram o diferencial do cooperativismo. Além, o Direito Cooperativo irradia elementos suficientes para demonstrar a não incidência da Lei 8.078/90 entre cooperados e cooperativas; mas mesmo o próprio CDC corrobora com tal compreensão. O modelo econômico do cooperativismo plasma na lei uma estrutura diferenciada para funcionamento da espécie cooperativa, tanto em seus aspectos societários, quanto operacionais (tanto para negócios jurídicos estabelecidos no mercado, quanto para negócios jurídicos estabelecidos com os sócios). Fabio Konder Comparato reconhece que consumidores seriam aqueles “que não dispõem de controle sobre os bens de sobre os bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes. (...) o consumidor é, pois, de modo geral, aqueles que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários”49. Os consumidores cooperativos são justamente os consumidores que se tornam controladores dos bens de produção, através da característica denominada Dupla Qualidade dos cooperados. É possível extrair das cooperativas três características essenciais que permitem perceber estruturalmente o regime jurídico próprio e incidente sobre essas relações jurídicas: a cooperação, finalidade específica das cooperativas e, especialmente, a dupla qualidade.50 48 Idem, p. 30/34. Trecho extraído de FILOMENO, José Geral Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 7ª ed, São Paulo: Atlas, 2004, p. 38. 50 Esclarecemos que a Doutrina costuma elencar algumas características legais das cooperativas como principais – e o são, ao menos no ordenamento brasileiro. Ao tratamos das características essenciais, queremos nos reportar àquelas mais nucleares, que delineiam a raiz da espécie societária, donde as demais características derivam com 49 Tendo nos dedicado brevemente às duas primeiras, vale uma análise do diferencial da Dupla Qualidade, em razão do profundo diferencial sobre o reconhecimento da não incidência imediata do regime jurídico destinado ao consumidor vulnerável. A Dupla Qualidade é reputada por Dieter W. Beneck como o verdadeiro elemento que confere identidade às cooperativas. Também nesse sentido, entre outros, afirma Walmor Frank51. Esse elemento interliga-se inevitavelmente com a cooperação e finalidade específica das cooperativas. A Dupla Qualidade amalgama nos sócios cooperadores as figuras de empresário e do consumidor para que através do modus operandi da cooperação econômica atinja-se a finalidade socioeconômica própria das cooperativas. Na cooperativa, “são idênticos os que possuem a empresa (donos) e os que fazem uso de seus serviços ou de suas instalações (usuários). Esta identidade é intencional, quer dizer, os sócios (donos) da cooperativa põem seu capital à disposição da empresa cooperativa com o objetivo de produzir um serviço que eles, os donos, necessitam assumindo, então, a função de usuários.”52 (grifou-se) A Dupla Qualidade importa na reunião dos interesses jurídicos, econômicos e sociais do indivíduo enquanto trabalhador, consumidor e dono de empreendimento. Ao assumir a condução da atividade econômica, o trabalhador/consumidor faz com que esta funcione em seu interesse e assuma a finalidade de lhe prestar serviços diretos. Assim sendo, o cooperado assume a dupla qualidade de dono (sócio) e usuário (cliente) da sociedade. O capital assume função de viabilidade do negócio, e não especulativa. O beneficiamento do trabalhador ou consumidor torna-se o alvo que justifica a movimentação da estrutura da empresa cooperativa - não mais a produção de lucros. O cooperado é dono da sociedade e parte do negócio jurídico com ela estabelecida (negócio cooperativo – art. 79, Lei 5.764/71). Cria a pessoa jurídica com uma ou outra variação em ordenamentos diferentes. Vide: GAUDIO, Ronaldo Chaves; FARIAS, Eduardo Helfer de. Barreiras da razão indolente ao Cooperativismo: violação e incompreensão das características essenciais das sociedades cooperativas como fatores de prejuízo socioeconômico. Sobre as características essenciais, vide: Artigo in Anais do 4º Seminário Interdisciplinar em Sociologia e Direito. Niterói: Ed. PPGSD-UFF, 2014, publicado em http://sociologiaedireito.com/wp-content/uploads/2015/01/GT7.pdf 51 FRANK, Walmor, Op. cit., p. 15. 52 Idem, p. 83. essa finalidade: para dela receber serviços. Assim, estabelece com ela relações de natureza societária e também operacionais (negociais). Trata-se de uma característica que impõe entre cooperado e cooperativa uma relação jurídica dúplice e incindível 53 – o que constitui profunda diferença de outras relações jurídicas entre pessoas físicas e jurídicas, pois “as empresas capitalistas mantem relações com seus sócios apenas de ordem ‘societária’, vale dizer, imanente e proveniente do seu contrato ou estatuto, relações essas em que não entra, necessariamente, a prática de atividades “operacionais”, mas apenas as referentes às obrigações societárias”54. Segundo Arnold Wald, “As sociedades caracterizando-se, cooperativas ostentam precipuamente, por natureza sua jurídica finalidade, e sui generis, pela nítida configuração de sociedade de pessoas, criando um regime jurídico próprio, ao qual, não se aplicam, necessariamente todas as normas do Direito Societário, pevalecendo sempre as regras societárias e, eventualmente e subsidiariamente as normas de Direito Civil. (…) Verifica-se, assim, que a Cooperativa é, no Brasil, sociedade civil com características próprias, em que assume especial realce o espirito de mutualidade, equivalente à reciprocidade das prestações entre cooperativa e cooperado, em contraposição, ao cunho eminentemente empresarial das demais sociedades.” 55 Nas cooperativas, as relações entre cooperador e cooperativa, tanto as societárias quanto as negociais, devem ser exercidas adequadamente, dentro do perfil correspondente à espécie. As normas para essas duas relações incindíveis entre sócios e sociedade devem ser adequadas, adaptadas ao modelo no que ele é diferente. A preservação dessa característica é essencial para manutenção da identidade da cooperativa. A violação ou o desequilíbrio do caráter de usuário direto dos serviços ou de dono do negócio produz prejuízos sérios à cooperativa e, por consequência, à percepção do adequado acerca do cooperativismo, pois, como se verá na terceira e 53 BECHO, Renato Lopes. Op. cit., p. 148/149. BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 23/24. 55 WALD Arnold. Da natureza e do regime jurídico das Cooperativas e do sócio demitido que se retira da sociedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, v.84, n° 771, p.63/72. 54 última característica essencial, produz externalidades negativas com graves consequências sociais. Através da dupla qualidade, o antagonismo de interesses entre a empresa capitalista (extrair a maior margem de lucro possível de cada unidade produzida ou do serviço prestado) e o consumidor (receber o melhor serviço e produto ao menor preço possível) é mitigada pelo amálgama das figuras que antes interagiam em relação jurídica de mercado. Nessas sociedades, o consumidor deixa de figurar na relação jurídica como mero adquirente do bem ou do serviço, mas também como cooperador com outros proprietários da empresa cooperativa que tem por finalidade56, sem o lucro na equação econômica, a defesa socioeconômica dos consumidores cooperadores. Estão presentes nesse diferencial a cooperação, a dupla qualidade e a finalidade própria das cooperativas, vocacionadas para mitigar a vulnerabilidade. Não estamos dizendo que a cooperativa que não proporciona melhores condições socioeconômicas aos seus sócios esteja necessariamente desviando-se de sua finalidade, posto que sua efetividade social depende, naturalmente, do sucesso do empreendimento: “(...) a experiência demonstra que as cooperativas cumprem sua possível função social somente depois de haverem obtido êxito em sua atividade econômica”57. Ainda sobre a fonte do Direito Cooperativo, esses diferenciais fizeram com que o legislador reconhecesse que o negócio jurídico entre as cooperativas é diferenciado, não sendo uma operação de mercado, nem sofrendo a incidência de regimes jurídicos de outras espécies contratuais ou outros sistemas (mencionada lei geral das sociedades cooperativas): “Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais. Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.” (grifamos) 56 “é o meio pelo qual, no caso singular, a cooperativa procura alcançar o seu fim, ou seja, a defesa e melhoria da situação econômica do cooperado. (...) Nas cooperativas, o fim visado pelo empreendimento se identifica com o da clientela-associada. Diz-se, por isso, que nas cooperativas as relações entre cliente e empreendimento se desenvolvem de conformidade com o princípio da identidade”56 FRANK, Walmor. Direito das Sociedades Cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 16. 57 BENECKE. Op. cit., p. 82. Flagra-se que todo o exposto até o momento serve tão somente para lastrear o que há é dito textualmente de longa data pela lei: que o “ato cooperativo” não segue o regime de figuras contratuais e negócios jurídicos análogos, mas praticados em mercado, posto que ocorre entre sócio e sociedade em razão da consecução dos objetivos da própria cooperativa. Quando a cooperativa vende produtos e serviços em mercado, a não sócios, estre estes e as cooperativas se estabelece efetivamente a relação de consumo, tendo em vista que há pleno amoldamento da relação jurídica aos elementos conceituais do CDC. Entretanto, quando o serviço ou produto é adquirido pelo próprio sócio da cooperativa, tal operação acontece não no mercado58, mas no âmbito da sociedade e na condição de sócio59. O cooperado estaria até, conforme o modelo de operação da cooperativa, adquirindo o bem ou serviços como destinatário final (art. 2°, lei 8.078/90), o que não o afastaria do conceito de consumidor em geral, mas não o configuraria, sem os demais requisitos da relação jurídica do CDC, como parte de uma relação de consumo por ele tutelada (consumo no mercado). O conceito de fornecedor (art. 3°) é que expõe como elemento o fornecimento de bens ou serviços como atividade dirigida ao mercado e não ao quadro social, sendo que o conceito de serviço é assaz explícito no que diz à oferta ser “no mercado de consumo” (§2°). Parece evidente o diálogo existente com tais dispositivos conceituais do Código e a Lei Geral das Sociedades Cooperativas, em especial o mencionado art. 79. Importante o cotejo do elemento conceitual remuneração, previsto no CDC e inexistente em relação à cooperativa, que não é remunerada pelas operações econômicas realizadas em seu nome. Tal fator reforça substancialmente a coerência de que o sistema das cooperativas não se amolda ao sistema de proteção do consumidor de mercado, desafiando regime próprio.60 O ato cooperativo não é oneroso, distinguindose, também assim, das operações de consumo de mercado, que possui a remuneração 58 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 23/24. 59 Interessante reflexão caberia acerca da coerência em se reconhecer a incidência de relação de consumo entre o fornecedor do mercado e os cooperados, entre cooperativa e fornecedor, ou se a relação jurídica entre a empresa cooperativa e fornecedores limitar-se-ia ao plano do direito civil ou comercial, considerando que a cooperativa adquire em mercado para consumo do sócio cooperador e este na condição de destinatário final - ainda que intermediado pela cooperativa – tendo em vista que esta sociedade não adquire para si. Embora contrate em nome próprio, o faz a conta, a ordem e em benefício do cooperado. Tais colocações ligam-se ao conceito e caracteres do Ato Cooperativo, conforme doutrinou PUENTES, Antonio Salinas. Derecho Cooperativo. México: Editorial Cooperativo, 1954, p. 150/158. 60 Idem, p. 153. como elemento caracterizante61. A não onerosidade do ato cooperativo é estrutural, típica e inerente; não se confunde com as gratuidades estratégicas realizadas em mercado de consumo com estratégias de fidelização de consumidores. O interesse da cooperativa é o sócio, atuando, em relação a si, de forma desinteressada: “o princípio da dupla qualidade, que põe às claras o papel desempenhado pela sociedade cooperativa, como empresa de serviços, destinada exclusivamente a atender às necessidades de seus associados”.62 Trata-se de paradigma diverso: “Essa nova e diferente realidade – a cooperação – carece da condigna consideração jurídica que se lhe reconheça apropriadamente as suas características e sua natureza, sem a forçar a encaixar-se em categorias previstas para fenómenos sociais diferentes. Suge assim no campo jurídico a noção de acto cooperativo, não como uma criação caprichosa e arbitrária da teoria jurídica, mas imposta pela necessidade de reconhecimento de uma realidade nova e distinta”.63 Presentes as premissas da relação jurídica própria do negócio (ou ato) cooperativo, não é possível que o intérprete ou aplicador da lei force a incidência do regime jurídico diverso, destinado ao consumidor de mercado. IV. A Fragilização do Substrato Científico a Partir da Vulnerabilidade Os problemas que levam a declarar a incidência da lei 8.078/90 sobre as relações do consumo cooperativo não podem, a toda evidência, decorrer da mera incompreensão e não aceitação do regime próprio do ato cooperativo. A violação de alguma das características essenciais das cooperativas tende a produzir desequilíbrios que tem assediado os tribunais brasileiros a buscar o Código de Defesa do Consumidor para proteger sócios cooperados que têm se encontrado em vulnerabilidade. Com essa nota, entretanto, não deixamos de identificar que várias são 61 BENJAMIIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Op. cit., p. 80/81. BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica. 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 21. 63 CRACOGNA, Dante. O Acto Cooperativo. Artigo em NAMORADO, Rui e OLIVEIRA, Celso Claro de (coord). Pensamento Cooperativo – As Relações entre Cooperativas e Cooperadores, n° 3 – ano 3. Lisboa: Tipografia Peres, 2002, p.177. 62 as decisões pela aplicação do CDC por puro pragmatismo e falta de técnica estimulada pelo quase vácuo acadêmico. Fato é que a proteção do consumidor é o valor constitucional a ser tutelado, inserido no campo das garantias fundamentais, impedindo a ausência de resposta do Estado-juiz. É a ideia de proteção ou defesa do consumidor o elemento que liga os propósitos do cooperativismo e do sistema de defesa do consumidor de mercado e que tem autorizado as respostas mais fundamentadas do Judiciário a desvios ocasionalmente verificados em cooperativas. É o elemento normativo que autoriza o diálogo das fontes, pois ambos os regimes coexistem – o de mercado e o cooperativosocietário. O desvio intencional de finalidade ou o funcionamento desconforme das cooperativas somente é que justificariam a não incidência do regime próprio. E isso não diz respeito às contingências da má gestão, macroeconômicas ou de competição no mercado. O desvio da finalidade não é o mero não atingimento do resultado ideal das cooperativas (pois não se pode deixar de considerar que “a experiência demonstra que as cooperativas cumprem sua possível função social somente depois de haverem obtido êxito em sua atividade econômica”)64, mas a infiltração e a condução da sociedade para interesses individualistas ou assimétricos aos propósitos das cooperativas. A constatação da vulnerabilidade como elemento acionador da garantia de defesa do Estado é explicitada pela doutrina: “Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização mista, principalmente na área dos serviços, provada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso ocorre porque o CDC conhece outras definições de consumidor. O conceito chave aqui é o de vulnerabilidade. A vulnerabilidade, como afirma sempre Antônio Herman Benjamin, é a ‘peça fundamental’ do direito do consumidor, é o ‘ponto de partida’ de toda a sua aplicação, principalmente em matéria de contratos. (...) Vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, 64 BENECKE. Op. cit., p. 82. enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção.”65 (nossos grifos) Quando ocorre o desvio, justamente a vulnerabilidade que constitucionalmente justifica a proteção do Estado se manifesta necessária em relação ao consumidor cooperado, autorizando a tentativa de resposta do Judiciário ao fato social deletério. Sem o fundamento de afastamento do regime próprio, trata-se de error in judicando. As infiltrações de interesse inadequados às cooperativas produzem, através de diferentes estratagemas entregues à pródiga criatividade humana, verdadeira “privatização dos lucros” e “socialização das responsabilidades” nas cooperativas. Puro desvio de finalidade. Quando as cooperativas se distanciam do atendimento aos interesses socioeconômicos dos seus sócios, produzem, correntemente, uma grave externalidade negativa que macula o modelo econômico e a espécie societária em si mesmos, desacreditando-a, posto que a leitura social feita se dá a partir das externalidades. O fato social negativo é tratado pelo Poder Público com pragmatismo e não tecnicamente; criando modelos normativos que, ao invés de tutelar o problema em sua essência, fulminam as cooperativas como quem extermina o doente para acabar com a doença. Tratam o desvio como regra através da forçosa incidência de direito inadequado à essência das relações jurídicas de todo gênero estabelecidas pelas cooperativas. Especialmente as denominadas cooperativas habitacionais, de crédito (ou instituições financeiras cooperativas), de infraestrutura e de consumo propriamente ditas, vem amargando a construção de Jurisprudência que declara incidir o Sistema de Proteção do Consumidor (de mercado) entre elas e seus sócios, mas a própria lei 8.078/90 aporta elementos para o reconhecimento da inaplicabilidade desse regime ao consumidor cooperativo – como visto. V. Lineamentos Estratégicos para o Contorno do Problema Diversos vetores apontam para equalização da assimetria entre o dever ser das cooperativas e a Jurisprudência em formação. Alguns deles, de escopo bastante prático, 65 BENJAMIN, Antônio Herman. Manual de Direito do Consumidor, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 71. tem por objetivo facilitar a percepção do Estado-juiz através do alinhamento entre a teoria cooperativista e a documentação de sua prática regular. Outras iniciativas, de prazo mais dilatado, mostram-se não menos urgentes e estratégicas. V.a. Conhecimento Científico e Educação Cooperativista A ausência de formação sobre a regime jurídico das cooperativas é entrave que somente pode ser remediado pela produção acadêmica e pelo reconhecimento da relevância do Direito Cooperativo. Tal frente de combate ao problema cabe essencialmente à iniciativa e ao empenho dos cooperativistas permear o conhecimento com coerência e rigor científico até que os conteúdos estejam internalizados e sigam seu natural desenvolvimento nas universidades. Por outro lado, quase toda doutrina cooperativista, seja no campo do Direito, da Economia, da Sociologia, etc, destaca o papel essencial da educação, formação e informação, sendo um dos alicerces fundamentais tanto para o êxito dessas sociedades individualmente, quanto para a percepção e evolução do movimento. Esse ponto se liga a questão crucial para as relações de consumo e que vem sendo destacada como uma quarta espécie de vulnerabilidade: a informacional (ao lado da técnica, da jurídica e da fática)66. Esta quarta espécie deve ser suprida pelas ferramentas de educação, formação e informação do quadro social, maciçamente ratificadas pela doutrina internacional do cooperativismo e jamais excluída do rol de Princípios do Cooperativismo reconhecidos pela Aliança Cooperativista Internacional. É estratégico e fundamental eliminar os riscos decorrentes da ausência de conhecimentos adequados e que colocam em risco o equilíbrio e expansão coerente 67 das cooperativas. Não é sem razão que a temática da educação cooperativista é apontada com o maior de todos os vetores de sucesso das cooperativas em geral e das cooperativas de crédito em específico68. Tudo nas cooperativas impõe um comportamento 66 BENJAMIN, Antônio Herman. Op. cit., p. 71/76. Ao tratar da coerência da expansão das cooperativas, estamos fazendo o claro registro da necessidade de não dissociar crescimento e manutenção das características essenciais das cooperativas (identidade), temática tão antiga e que ainda faz tropeçar em crises cíclicas o Cooperativismo. Veja, à guisa de exemplo, o que consigna LASSERRE, Georges. El Cooperativismo. Barcelona: Oikos-tau, 1972, p. 117/118. 68 PINHO, Diva Benevides. Brasil: crédito cooperativo e sistema financeiro. São Paulo: Esetec, 2006, p. 18. 67 adaptado, cuja compreensão é indelevelmente retardada pela ausência de políticas públicas de fomento pela educação, pelas graves lacunas acadêmicas nas universidades e pela ostensiva preponderância da competitividade, do individualismo e demais métodos característicos do modelo de produção e de consumo hegemônicos. A cooperativa “Sobre todo, deberá formar hombres”, posto que, ao contrário do capitalismo, “El cooperativismo es mucho más sensible a la cualidad humana”69. A ausência de tal formação é um dos fatores que permite o aumento de processos judiciais entre cooperadores e sociedade cooperativa reivindicando a incidência do regime do CDC. Se as cooperativas não procuram informar os sócios, formá-lo enquanto cooperativista e informa-lo sobre as operações da sociedade, seus produtos e/ou serviços, tenderá a ter dificuldade de demonstrar , quando necessário, a condição de cooperador e a relação jurídica própria estabelecida com a cooperativa. Apenas a título de mínima ilustração, vale a remissão ao papel crucial desempenhado, nessa temática, no seio da cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale que, com arraigado esforço, superou sucessivas manifestações de desafios análogos aos contemporâneos das instituições financeiras cooperativas, cooperativas habitacionais, de infraestrutura e de consumo em geral. A educação, formação e informação do quadro social são reconhecidas como a raiz primária do sucesso70 e são minimamente acauteladas na lei geral de regência (lei 5.764/71), que exige a formação de reservas específicas para assistência técnica, educacional e social aos sócios (art. 28, inc. II). Se o consumidor de mercado tem direito a receber informações adequadas, não há razão que possa sustentar que o sócio da cooperativa, dono do empreendimento, seja credor de menos informações sobre os serviços ou bens distribuídos pela cooperativa que receberia o consumidor de mercado. 69 Idem, p. 119. Já registrava assim a obra do grande historiador da cooperativa dos probos pioneiros de Rochdale: “É necessário advertir que a previdente deliberação de destinar 2 ½% dos lucros líquidos à educação geral, foi que elevou tanto na consideração pública a Sociedade Cooperativa de Rochdale. Foi esta ‘regra de ouro’ que lhe deu tanto valor, que lhe conquistou a simpatia de tantos amigos e lhe angariou fama universal. Foi esta regra que, tendo contribuído para o progresso intelectual e moral dos cooperadores, preservou a Sociedade do perigo de ver os seus estatutos retocados por pessoas ignorantes ou mal informadas, que não faltariam ali, certamente como em qualquer outra parte, que anulou os esforços para destruir as ideias mais sãs e características da Sociedade de Rochdale, porque os ignorantes estão sempre dispostos a admitir que a inteligência não produz dinheiro, ao passo que sem inteligência não haveria economias e lucros nos armazéns cooperativos nem em outro lugar nenhum” Em: HOLYOAKE, G.J. Os 28 tecelões de Rochdale. (História dos probos pioneiros de Rochdale). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1933, p. 123. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br. 70 Não só a formação cooperativista, mas a manutenção de canais de informação sobre a atividade da cooperativa e até criação de comissões de propósito educacional, cultural, são preconizados como estratégia própria ao bom funcionamento dessas sociedade. A informação em sentido bastante amplo é característica distintiva do cooperativismo muito antes do regime de proteção ao hipossuficiente.71 V.b. Adequado Tratamento e Escrituração Sendo de difícil visualização o diferencial operacional das cooperativas, é estratégico e, em alguns casos, mandatório, evidenciá-lo. No plano contábil, a escrituração das operações deve seguir as normas técnicas de contabilidade - in casu a NBCT n° 10.8. Exigências normativas ou regulatórios, sobretudo dirigidas às cooperativas que se inserem em mercados regulados, muito frequentemente se distanciam da coerência com o perfil próprio dessas operações, impondo regras inadequadas. De todo modo, não se deve olvida a força probatória da escrituração contábil regular (art. 380 do Código de Processo Civil ainda vigente; art. 419, do novo CPC), o que constitui relevante instrumento para as cooperativas demonstrarem diferencial de suas operações quando em juízo. Tudo mencionado sobre informação e formação ao quadro social merece o devido registro, evidenciando não só o tratamento conformem, mas sobretudo a ciência, conhecimento ou, no que couber e como permitido em lei, a anuência ou participação dos cooperadores. Nesse contexto, muitas fragilidades documentais são reveladas por algumas cooperativas, que ostentam uma parca documentação do procedimento de admissão de sócios e que não conseguem demonstrar a ciência dos mesmos com as regras mais essenciais de funcionamento da sociedade. A rigor, não é raro detectar procedimentos que pouco se diferenciam de uma aquisição de mercado, muitas vezes formalmente tratando o sócio como simples cliente, contratante, credenciado, adquirente, etc. É possível que tais incongruências muitas vezes se manifestem por puro descuido ou por uso de modelos pré-formatados de fornecedoras de mercado, mas, ainda que estejam essencialmente funcionando sob uma relação de consumo cooperativista, muitas vezes 71 Por mero exemplo: AGUDO, J. Dias. Cooperativas de Consumo. 2ª ed., Lisboa: Livros Horizonte, 1980, p. 91/97. as cooperativas documentam, sem perceber a relevância disso, atos que mais se assemelham ao consumo em mercado. Muitas cooperativas oferecem publicamente produtos e serviços, aproximando-se muito de uma oferta de mercado. O risco que se apresenta é o da preponderância de ânimo de adquirir em mercado que a intenção de se tornar sócio. É claro que o interesse em se filiar a uma cooperativa é econômico – receber delas os serviços ou bens de consumo e que para as cooperativas o ingresso de novos sócios tende a ser estratégico para ganho de escala nas operações e em benefício do próprio empreendimento dos cooperados. Nesses casos, contudo, inspira-se uma especial atenção para a formação e informação, mitigando os riscos erro na intenção contratual e fortalecendo o caráter mutualístico-societário. Tal fenômeno costuma apresentar semelhanças entre cooperativas de diferentes segmentos e merece cuidadosa e especial atenção. Por vezes, a falta de opção de fornecedores em determinadas regiões, tornando-se a cooperativa a única opção de acesso à determinados serviços ou produtos pode fragilizar a intenção de associar-se a cooperativa – o que requer cuidado e tratamento especial. A demonstração da regular convocação para assembleias, reuniões e outras atividades societárias, assim como o emprenho estratégico na presença dos sócios nas mesmas é capital para desenvolver e poder demonstrar a existência e incorporação da relação societária, não meramente consumerista. Nomenclaturas utilizadas descuidadamente, que não necessariamente afetariam a essência da relação, mas que formalmente documentam equivocadamente a natureza da relação cooperativa merecem ser acauteladas, tais como denominar o cooperado “cliente”, a cooperativa “banco” ou “imobiliária”, o posto de atendimento “agência”, etc. Os próprios estatutos sociais e contratos comumente descrevem operações econômicas idênticas às realizadas em empresas capitalistas, sendo que não muitas as formas de plasmar o diferencial da operação adequadamente ao que de fato se processa nas cooperativas – malfadada a prática de simplesmente copiar os modelos preponderantes de mercado disponíveis inclusive na rede mundial de computadores. São várias as oportunidades de recalibrar toda a estrutura documental das operações e societárias das cooperativas, inspirando-se uma análise ampla e revisão de todos esse arsenal nas cooperativas. V.b. Mediação Cooperativa Certo que a finalidade das cooperativas e a característica da dupla qualidade mitigam a bilateralidade e a oposição de interesses existente originariamente entre fornecedores e consumidores de mercado. Contudo, em qualquer relação jurídica entre partes, possuindo naturalmente existências distintas e obrigações recíprocas, mesmo no negócio cooperativo o conflito invariavelmente se instala. A existência de conflito, no plano filosófico, não depende de sua interação com outrem, é inerente ao ser humano, como bem relata Skakespeare em “Hamlet” na difundida frase “To be or not to be, that’s the question”, podendo ser intrapessoal, interpessoal, intragrupal ou intergrupal72. A sociedade evoluiu e dentre as mudanças conquistadas, foram grandes as diversidades nas relações sociais reconhecidas e regulamentadas, mas que trouxeram a lume e à necessidade de tratamento novo rol conflitos. A pacificação social é um dos escopos do Estado, tendo a Constituição Federal do Brasil (1988) incumbido ao Poder Judiciário, a tutela jurisdicional como meio de garantir aos cidadãos o “acesso à justiça”. O instituto da Mediação de Conflitos implementa esse norteador, pois tem por objetivo facilitar a comunicação entre os mediandos, a fim de que possam negociar soluções de benefício mútuo. “Mediar conflitos é ato milenar e pacificador, escolha primeira de povos orientais na administração de suas divergências. Para Confúcio, o diálogo direto deveria, invariavelmente, conduzir uma discordância à solução”73. Na década de setenta, os americanos instituíram um método de autocomposição que denominaram de Mediação de Conflitos, buscando devolver às pessoas o exercício de sua autoria e capacidade decisória, assim como a responsabilidade pelas decisões construídas em parceria. A mediação pode ser definida como um acompanhamento da busca conjunta das partes pela solução sustentável dos conflitos. Adolfo Braga Neto74, explica: 72 Texto: A Mediação como Instrumento de Acesso à Justiça, Fonte: Jornal Valor Econômico, Autor: Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva, Disponível em: http://www.taspvm.com.br/html/artigos/artigosrecentes_29.htm 73 ALMEIDA, Tania. Particularidades da Mediação Familiar. Disponível em: www.mediare.com.br, em 27/06/13 74 Texto: A Mediação como Instrumento de Acesso à Justiça, Fonte: Jornal Valor Econômico, Autor: Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva, Disponível em: http://www.taspvm.com.br/html/artigos/artigosrecentes_29.htm “Mediação é uma técnica não-adversarial de resolução de conflitos, por intermédio da qual duas ou mais pessoas (físicas, jurídicas, públicas, etc.) recorrem a um especialista neutro, capacitado, que realiza reuniões conjuntas e/ou separadas, com o intuito de estimulá-las a obter uma solução consensual e satisfatória, salvaguardando o bom relacionamento entre elas”. No Brasil, temos diversos projetos sobre mediação e com exceção do PLS166/2010, que tratou da reforma do Código de Processo Civil (CPC), de iniciativa do Senado Federal, todos os demais são de iniciativa da Câmara dos Deputados. Estão em tramitação trinta e quatro projetos, sendo 11 (onze) deles sobre mediação e vinte e três sobre arbitragem75. Aprovado pela Câmara e pelo Senado, na redação do Novo Código de Processo Civil podemos identificar a preocupação com os institutos da conciliação e da mediação. Existe outro projeto aprovado atualmente na Câmara dos Deputados - o Projeto de Lei 7169/14 (Lei da Mediação). Segundo os especialistas, igualmente dará mais legitimidade a esse meio extrajudicial, como foco na construção de consenso. Será, todavia, necessário analisar as reformas do CPC quanto à mediação e comparadas ao que contém o referido projeto, a fim de serem realizadas algumas emendas necessárias para não haverem dispositivos conflitantes, a fim de que a questão não se resolva como um dos primeiros conflitos de superveniência de lei especial do CPC novo. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro, “a Mediação é um método autocompositivo de resolução de conflitos que, por meio do trabalho habilidoso e ético de um terceiro imparcial, chamado de Mediador, facilita o diálogo entre as pessoas em conflito, estimulando-as a encontrarem soluções de benefício e satisfação mútuos, que sejam sustentáveis no tempo” 76. Ressalta-se a necessidade de interesse das partes pela mediação, pois a mediação só será cabível nos casos em que os diretamente interessados na resolução da questão a elejam como instrumento. Na mediação, não há perdas e ganhos, mas o 75 Pesquisa realizada em setembro de 2010: 19 Projetos de lei de incitativa da Câmara, 1 Projeto de Lei Complementar de iniciativa da Câmara, 2 Propostas de Emenda à Constituição de iniciativa da Câmara e 1 Projeto de Lei de iniciativa do Senado. O Brasil desenvolveu uma legislação específica acerca da arbitragem, o que demonstra rumo oposto com relação ao instituto da mediação de conflitos. Porém, apesar da tradição legislativa, que remonta ao século XIX, sua utilização é recente, por obstáculos de ordem cultural, como a estatização das mazelas da sociedade. 76 http://www.oabrj.org.br/cartilhas que se chama comumente de “ganha-ganha”, de vez que as partes assumem postura de protagonistas das soluções de seus problemas e a satisfação será mútua. É patente a afinidade entre o instituto e a cooperação cooperativista77. Entende-se que devolvendo às partes o empoderamento para a solução de seus conflitos, estas estarão engajadas mutuamente em cumprirem o acordo por elas estabelecido, com provável consequência de diminuição de novos conflitos e de novas demandas judiciais. Sobretudo no que diz respeito aos conflitos entre sociedade cooperativa e sócio, cujas relações jurídicas ainda não estão amadurecidas no conhecimento do Estado, parece-nos estratégico e eficiente, a busca pela solução cooperativa da mediação. A mediação, como negociação colaborativa assistida, demonstra-se sempre que se apresentarem questões passíveis de negociação direta entre os envolvidos. Questões familiares, sucessórias, empresarias, comunitárias, ou de vizinhança, dentre outras, podem ser trabalhadas em mediação de conflitos. Inclusive, como método autocompositivo de resolução de conflitos, demonstra ser eficaz e importante nas relações continuadas, tal como ocorre no seio de uma sociedade cooperativa. Diferentemente das questões contenciosas, que chegam ao Judiciário, na mediação busca-se construir consenso entre os mediandos e não convencer o mediador acerca de quem estaria com a razão. Desta forma, torna-se imprescindível pensar em soluções que o outro também possa aceitar como de ganho mútuo. Nas questões que envolvem cooperativas e cooperadores, essencial a existência de diálogo e confiança, em razão da inter-relação econômica e continuada estre eles. Conflitos dentro de uma cooperativa podem comprometer o crescimento e a evolução natural da própria sociedade, resultando inclusive prejuízos para o sucesso do empreendimento de interesse coletivo do consumidor cooperativo. Na grande maioria dos casos, os conflitos internos resultam de um sistema de comunicação ineficiente e impregnado de ruídos, acarretando desmotivação na execução de tarefas, o que agrava sensivelmente, não só a situação conflituosa, mas 77 “Falaremos aqui de cooperação cooperativa, quando um grupo de indivíduos legalmente independentes toma a seu cargo conjuntamente, uma empresa com a intenção de utilizar os serviços econômicos por ela proporcionados. Para este efeito vamos denominá-la empresa cooperativa, e os indivíduos, que são ao mesmo tempo donos e usuários da empresa cooperativa, associados, sócios ou membros cooperadores.” Em: BENECKE. Cooperação e desenvolvimento. O papel das cooperativas no processo de desenvolvimento econômico nos países de Terceiro Mundo. Porto Alegre: Coorjornal, 1980, p. 82. também compromete o desempenho da própria organização e traz uma oneração desnecessária, mas que pode comprometer a sociedade cooperativa. Acerca do desenvolvimento da mediação cooperativa, Jose Eduardo de Miranda78 identifica que “La tendência, que hace unos treinta años fue implanta en la cultura estadounidense, apunta hacia la metamorfoses del sistema apaciguador y a la sepultura del paradigma adversarial, a favor de uma acción mediadora cooperativa”. E complementa: “ Para ello, es fundamental la observación de los valores cooperativos de la democracia, de la equidade, de la solidaridad, de la responsabilidade personal y colectiva”. (grifou-se). O autor destaca que a manutenção da afeição societária não tem sido lograda pelo Estado-juiz, considerando seu papel na solução de conflitos de interesses entre sócios: (...) la experiencia de la labor forense es suficiente para revelar que el litigio solucionado bajo la tutela dele Estado no reaproxima las partes y desencadena emociones personales que afectan los pilares de relación pasada.” A mediação de conflitos nas organizações revela-se como um moderno e eficaz método que pode reverter este quadro e responder aos anseios de dirigentes e funcionários ou sócios, pois privilegia o diálogo cooperativo, não somente entre os envolvidos, mas também entre eles e a própria organização. Através desse método autocompositivo, as empresas podem instituir sistemas próprios que possibilitem a melhoria e até o restabelecimento das relações interpessoais, que permita olhar o conflito de forma mais natural com vistas à sua resolução ou transformação, dentro de parâmetros mais pacíficos e equilibrados. A figura do mediador promove o reenquadramento de questões controversas, facilitando a integração de perspectivas diferenciadas e permitindo a cooperação entre as partes. A busca por opções que possam culminar em soluções cooperativas garantirá maior probabilidade de preservação da afeição societária e da própria cooperativa, de vez que as partes estarão comprometidas nesse resultado. O cumprimento das obrigações assumidas ao longo da mediação e após seu encerramento serão espontâneas. O trabalho do mediador, em outras palavras, pauta-se numa intervenção a fim de coordenar um processo de positivação do conflito. A resolução será fruto da estrutura relacional existente entre as partes ou que existiu no passado, com a responsabilização delas pelo futuro. 78 MIRANDA, José Eduardo, De La Crisis De Identidad Al Rescate De La Gênesis Del Cooperativismo. Madrid: Editorial DYKINSON, 2012, p. 131. O cenário de intensos desafios remete à cada vez mais relevante alternativa de solução de conflitos pela mediação, que a rigor implica em práticas ligadas ao método cooperativista de solução de problemas. Mediação, colaboração e cooperação são práticas com essências comuns. O desconhecimento da matéria e as pressões pelo rápido julgamento são fatores possivelmente remediáveis no ambiente da mediação, onde a colaboração e a compreensão possuem melhores oportunidades que a mera entrega do litígio à sorte do Estado-juiz. VI. A guisa de conclusão É possível concluir pela grande aproximação entre os propósitos do sistema de proteção ao consumidor de mercado e aqueles historicamente desempenhados pela iniciativa cooperativista em relação ao consumidor, sendo preponderante, contudo, que o segundo modelo, representando a autodefesa do consumidor, pretende fortalecer econômico e socialmente o consumidor para além de sua mera proteção. Todo modelo estrutural das cooperativas redunda na consequente incidência de regime jurídico diferenciado, o que é confirmado pelos aspectos econômicos do cooperativismo de consumo (incluindo-se habitacional, financeiro, de infraestrutura e até mesmo educacional, no que se refere às cooperativas de pais e alunos), mas também por toda estrutura legislativa e doutrinária do Direito Cooperativo e do Direito do Consumidor. A par disso, flagra-se o distanciamento entre tais fontes do Direito e a Jurisprudência preponderante – o que se justifica em diferentes planos, mas que comporta variadas ações estratégicas para sua remediação, tais como as arroladas, destacando-se, dentre elas, os aspectos educacionais, informacionais e de formação, a conformação documental e comportamental ao modelo das cooperativas; além da mediação cooperativa. Bibliografia AGUDO, J. Dias. Cooperativas de Consumo. 2ª ed., Lisboa: Livros Horizonte, 1980. ALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais (direito de empresa). 20ªed, São Paulo: Saraiva, 2012. ANDRIGHI, Fátima Nancy. A autonomia do direito cooperativo. In: KRUEGER, Guilherme (coord.) Cooperativismo e o novo código civil. 2ª ed., Belo Horizonte: Mandamentos, 2005. BECHO, Renato Lopes. Elementos de Direito Cooperativo (de acordo com o Código Civil). São Paulo: Dialética, 2002. BENECKE. Cooperação e desenvolvimento. 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