PROCESSO Nº 2007.61.00.018790

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PROCESSO Nº 2007.61.00.018790
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 3ª REGIÃO
PROCESSO Nº 2007.61.00.018790-9
6ª Turma
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 303686
APELANTE:
UNIÃO FEDERAL
APELADA:
PAIC PARTICIPAÇÕES LTDA.
RELATORA:
DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA
PENA DE PERDIMENTO. AERONAVE ESTRANGEIRA. INTERNAÇÃO CLANDESTINA. DESCAMINHO. OMISSÃO NO MOMENTO
DO PEDIDO DE REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA. ARTIFÍCIO DOLOSO PARA REDUZIR
TRIBUTO. LEGITIMIDADE.
COLENDA TURMA
Trata-se de Apelação de sentença proferida em Mandado de Segurança que concedeu a ordem para determinar o cancelamento do Auto de
Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0815500/01727/06 da aeronave
Dassault Falcon Jet 900EX, prefixo PR-GPA.
A União Federal alega que a impetrante introduziu irregularmente no território nacional a aeronave Dassault Facon Jet 900EX, a qual somente foi desembaraçada em 14/12/2001, após quase 7 meses depois do seu ingresso
clandestino, tendo sido omitidos os 77 pousos e decolagens realizados no referido
período objetivando o não pagamento dos tributos devidos, o que configura hipótese
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de aplicação de pena de perdimento, nos termos do artigo 514, incisos X e XI do Regulamento Aduaneiro.
A Apelada argumenta que não pode ser aplicada a pena
de perdimento ao bem, uma vez que o proprietário da aeronave não é o importador da
mesma, a sua internação no País deu-se com o conhecimento das autoridades alfandegárias e o seu valor é muito superior ao dano supostamente causado ao Erário, violando-se assim o direito de propriedade e o princípio da proporcionalidade.
OPINO
A impetrante teve lavrado contra si o Auto de Infração
e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0815500/01727/2006, para aplicação de
pena de perdimento da aeronave Dassault Falcon Jet 900 EX, prefixo PR-GPA,
ano de fabricação 2000, pela prática de dano ao erário, em virtude de ter sido apurado
nos trabalhos fiscais que havia sido introduzida clandestinamente e utilizada durante
quase 7 meses no País e fora dele, antes do desembaraço aduaneiro obtido em
14/12/2001 – fls. 63/86.
Entendeu a autoridade fiscal ter a contribuinte incorrido
nas hipóteses previstas no art. 105, incisos X e XI, do Decreto-lei nº 37/66, reproduzidas no art. 514, incisos X e XI, do Regulamento Aduaneiro - Decreto nº 91.030/85,
sujeitas a pena de perdimento nos termos do artigo 23, inciso IV, e § único, do Decreto-lei nº 1.455/76.
Em virtude da aplicação da pena de perdimento, com
observância do devido processo legal, impetrou a contribuinte o presente writ com o
objetivo de obter o cancelamento do referido Auto de Infração e respectiva cominação da pena - fls. 81/151.
Cabe analisar se tal conduta constitui infração à legislação aduaneira.
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1. Do despacho aduaneiro e da pena de perdimento
O Decreto-lei nº 37/66, recepcionado pela Constituição
Federal de 1.988, determina que toda mercadoria procedente do exterior por qualquer
via, destinada a consumo ou a outro regime, sujeita ou não ao pagamento do imposto,
deverá ser submetida a despacho aduaneiro, que será processado com base em declaração apresentada à repartição aduaneira no prazo e na forma prescritos em regulamento – artigo 45.
No mesmo sentido, o § 5º, do artigo 71, do mencionado
diploma legal estabelece que o despacho de mercadoria sob regime aduaneiro especial obedecerá, no que couber, às disposições contidas nos artigos 44 a 53 do
referido Decreto-lei.
Esse procedimento compreende o conjunto de atos e
formalidades necessários para o desembaraço de mercadoria proveniente do exterior.
Com efeito, é por meio do despacho aduaneiro que se
autoriza a retirada da mercadoria que se encontra na alfândega, após a conclusão da
conferência aduaneira, cujo registro se dá com o desembaraço aduaneiro.
Na hipótese de se apurar exigência fiscal no curso da
conferência aduaneira, a mercadoria poderá ser desembaraçada desde que sejam adotadas as indispensáveis cautelas fiscais - artigo 51.
O Decreto-lei nº 1.455/76 atribui ao Ministro da Fazenda a competência para definir os casos em que poderá ser admitida, mediante as garantias que entender necessárias, a liberação de mercadorias importadas objeto de
litígios fiscais, antes da decisão final – artigo 39.
Ressalte-se que, além do mencionado registro da DI,
algumas mercadorias e operações especiais estão sujeitas a controles especiais, exigindo-se o licenciamento da importação previamente ao embarque da mercadoria
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no exterior.
No caso de importação de aeronaves, há a necessidade
de se obter a Licença de Importação não automática, mediante a anuência da Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil – COTAC.
A concessão da referida licença está a cargo exclusivo
da SECEX, órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
após manifestação de outros órgãos da administração pública, no caso, o COTAC e a
obtenção de tal documento não gera o dever de importar.
A licença de importação de mercadorias sujeitas a controles especiais é imprescindível para o despacho e respectivo desembaraço aduaneiro, mas a sua obtenção não implica na obrigatoriedade de efetivar a operação de importação. Daí porque uma vez decorridos os 90 dias contados do término de sua validade, é automaticamente cancelada, nos termos da Portaria SECEX nº 35/2006.
Dessa forma, somente após o registro da Declaração
de Importação, com o objetivo de dar início ao despacho aduaneiro junto à autoridade alfandegária local, e o respectivo desembaraço aduaneiro, é que se pode liberar os bens importados.
Por seu turno, estabelece o artigo 94 do Decreto-lei nº
37/66 que “Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que
importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter
normativo destinado a completá-los”, cuja responsabilidade independe da intenção
do agente ou do responsável e da efetividade, natureza ou extensão dos efeitos do
ato, salvo disposição expressa em contrário.
As referidas infrações estão sujeitas às seguintes penas,
aplicáveis separada ou cumulativamente: I - perda do veículo transportador; II perda da mercadoria; III – multa; e IV - proibição de transacionar com repartição
pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista –
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artigo 96 do Decreto-lei nº 37/66.
Em consonância com tais disposições normativas, o citado Decreto-Lei nº 37/66, no seu art. 105, arrola as hipóteses de aplicação da pena
de perdimento das mercadorias.
Dentre as hipóteses descritas no mencionado dispositivo legal, destacam-se, no que interessa ao caso concreto, os incisos X e XI, reproduzidos nos incisos X e XI do art. 514, do Regulamento Aduaneiro - Decreto nº
91.030/85, assim redigidos:
“Art. 514. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria: (...)
X- estrangeira exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita a prova de
sua importação regular;
XI- estrangeira já desembaraçada e cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos apenas em parte, mediante artifício doloso”.
Essas infrações, por sua vez, são consideradas dano ao
Erário nos termos do artigo 23, inciso IV e parágrafo único, do Decreto-lei nº
1.455/76, que ratifica a aplicação da pena de perdimento nessas situações.
Cumpre, então, à luz dos dispositivos legais acima indicados, verificar se a conduta da impetrante se subsume às normas que autorizam a
aplicação da pena de perdimento.
2. Da internação da aeronave no País
A impetrante, em 22 de março de 2001, celebrou contrato de arrendamento operacional com fins econômicos da Aeronave Dassault Falcon Jet 900 EX, prefixo PR-GPA, ano de fabricação 2000, com a arrendadora Stanhore Trading Internacional S/A, sediada em Portugal, tendo recebido o bem em
15/05/2001 – fls. 152/170.
Objetivando a introdução do mencionado bem no País,
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em 26 de abril de 2001 efetuou pedido de Reserva de Marcas para a citada aeronave
junto ao extinto Departamento de Aviação Civil e, em 04 de maio de 2001, obteve a
Licença de Importação nº 01/0468255-5, tendo como exportador a arrendatária Stanhore e o país de procedência os Estados Unidos da América, com validade até
14/10/2001, cancelada em 10/10/2001– fls. 225/226.
Embora possuísse licença de importação válida, a aeronave ingressou clandestinamente no País em 26 de maio de 2001, com pouso no
Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, em Manaus/AM – fls. 312, e após 03 dias
foi transferida para São Paulo, passando a realizar viagens nacionais e internacionais,
iniciadas nos aeroportos de São Paulo.
Em 29 de agosto de 2001, três meses após o ingresso
do bem no País, a arrendatária impetrou o Mandado de Segurança nº
2001.61.05.07896-8 com o objetivo de assegurar o desembaraço aduaneiro do mesmo sem o pagamento do IPI, convolado em Medida Cautelar Inominada, tendo sido
concedida medida liminar para suspender a exigibilidade do referido imposto mediante a prestação de fiança no valor em reais equivalente a US$ 3.121.000,00 – fls.
234/248.
No curso da referida ação foi editado o Decreto nº
3.975/2001, fixando a alíquota de 10% para a importação de todas as aeronaves, acabando com a controvérsia suscitada, o que levou a impetrante em 05 de novembro
de 2001 a requerer a extinção do feito sem julgamento do mérito, em face da perda
superveniente do interesse agir.
Em 07 de novembro de 2001, a arrendadora Stanhore
Trading Internacional S/A, sediada em Portugal, firmou novo contrato de arrendamento operacional com fins econômicos do bem sob discussão, agora, figurando como arrendatária a empresa uruguaia Palmanova Sociedad Anonima, que por sua
vez, na mesma data, firmou com a impetrante contrato de subarrendamento da aeronave – fls. 171/193.
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Assim, obteve a autora, em 07 de dezembro de 2001,
nova Licença de Importação, registrada sob nº 01/1268620-3, com validade até
26/01/2002, agora figurando como exportador a Palmanova Sociedad Anonima e
como país de procedência do bem a França – fls. 227/228.
E, em 13 de dezembro daquele ano, finalmente requereu o registro da Declaração de Importação da aeronave sob nº 01/1212834-8, vinculando-a à licença de importação acima identificada, bem como informando que o
avião era novo, de fábrica, e o seu ingresso no Brasil somente teria ocorrido em
30/11/2001, vindo da França e pousando no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – fls. 91.
Com base nessas informações, houve em 14 de dezembro de 2001 o desembaraço aduaneiro da mesma, sob o regime de admissão temporária a que alude o artigo 79 da Lei nº 9.430/96, recolhendo o montante de R$
665.068,00, correspondente ao IPI proporcional à estadia do bem durante 11 meses,
contados a partir daquela data, sob o regime de admissão temporária – fls. 229/233.
Por fim, mediante a comprovação do desembaraço aduaneiro do bem pelo regime de admissão temporária e do pagamento dos tributos devidos a partir daquela data, reiterou em 08 de janeiro de 2002, nos autos da Medida
Cautelar já citada, o pedido de extinção do feito sem a resolução do mérito e a liberação da carta de fiança – fls. 254/256.
Os fatos acima expostos são tidos pela autora como verídicos, ou seja, admite a mesma ter introduzido e utilizado o bem no País antes
do desembaraço aduaneiro efetuado em 14/12/2001, realizando nesse período anterior - de 29/05/2001 até 13/12/2001 os pousos e decolagens indicados no processo
administrativo (sic. item 12 da inicial – fls. 05).
Assim, relativamente à internação da aeronave no território nacional, não há controvérsia entre as partes quanto aos seguintes fatos:
A aeronave foi introduzida no Brasil em 26/05/2001 e
utilizada de 29/05/2001 até 13/12/2001 sem o registro
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da Declaração de Importação e respectivo desembaraço aduaneiro;
Nesse período de quase 7 meses – 29/05/2001 (primeiro sobrevôo) até 13/12/2001, a autora realizou 77
pousos e decolagens entre viagens nacionais e internacionais, sem o pagamento do tributo devido em face dessa estadia, o qual de acordo com a impetrante,
no caso de regime de admissão temporária, atingiria
a monta de R$ 943.719,36, na data da impetração
(sic. fls. 21 dos autos);
A impetrante apenas efetuou o registro da Declaração de Importação nº 01/1212834-8 em 13/12/2001,
pelo regime de admissão temporária, com o pagamento proporcional de tributos para a utilização econômica do bem pelo prazo de 11 meses a partir de
14/12/2001, data do desembaraço aduaneiro.
De forma que, não obstante tenha a impetrante logrado
êxito em obter o desembaraço aduaneiro da aeronave em 14 de dezembro de 2001,
pelo Regime de Admissão Temporária, não há dúvidas de que a sua introdução no
País desde 26 de maio de 2001, sem que houvesse o pagamento dos respectivos tributos, assim como a sua utilização nesse período antes do efetivo desembaraço aduaneiro, configura infração à legislação aduaneira.
Registre-se, por oportuno, que os representantes das 03
empresas envolvidas nos contratos de arrendamento são todos da família Santos Diniz e que no aditamento contratual de fls. 204/207 o Sr. Abílio dos Santos Diniz representa tanto a subarrendadora como a subarrendatária, o que demonstra que houve
a simulação de contratos para burlar o Fisco, conforme apontado no Relatório Fiscal
– fls. 67/80, e no Despacho Decisório nº 19/2007 – fls. 116/151.
Remanesce, porém, a necessidade de verificar se tal
conduta se amolda às hipóteses de pena de perdimento adotadas na fundamentação
do Auto de Infração.
3. Da caracterização do ilícito
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Relativamente ao caso aqui examinado, convém examinar as hipóteses de pena de perdimento descritas no art. 105, incisos X e XI, do
Decreto-lei nº 37/66, reproduzidas no art. 514, incisos X e XI, do Regulamento Aduaneiro - Decreto nº 91.030/85:
“Art. 514. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria: (...)
X- estrangeira exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita a prova de
sua importação regular;
XI- estrangeira já desembaraçada e cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos apenas em parte, mediante artifício doloso”.
No que diz respeito ao inciso X do artigo 514 do Regulamento Aduaneiro, a caracterização do ilícito exige tão somente a introdução clandestina do bem no País, ou seja, não há necessidade de que tal mercadoria seja destinado ao comércio. É dizer, atinge, inclusive, aqueles bens introduzidos irregularmente no território nacional para o uso particular.
Nesse sentido, observa Roosevelt Baldomir Sosa:
“Diferentemente do inciso IX, o inciso X do artigo
514 cuida da mercadoria estrangeira que introduzida
clandestinamente no País, seja encontrada em poder
de alguém, depositada, exposta à venda, ou em circulação comercial. Nesta tipificação há um responsável,
senão pela “introdução clandestina”, pela posse do
produto objeto de descaminho fiscal, o que não ocorria no inciso anterior. De modo que este responsável
será intimado a comprovar a regularidade da posse,
conhecendo-se dois meios hábeis: no caso de importações diretas, pela exibição da 4ª via da Declaração de
Importação; ou nas aquisições de mercado interno,
pela exibição da nota fiscal própria (nota fiscal de
produto estrangeiro adquirido no mercado interno),
consoante o RIPI. No que respeita ao primeiro dos elementos probantes – 4ª via da DI – não há maiores
dificuldades, salvo que se trate de documento falso,
bastando, por cautela, e apenas se as condições do evento o aconselharem, rápida pesquisa nos registros
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da repartição de desembaraço. (in Comentários à Lei
Aduaneira, Editora Aduaneiras Informação sem
Fronteiras, 1995, p. 430)
A jurisprudência, de igual modo, não destoa desse entendimento. Confira-se:
TRIBUTÁRIO. MERCADORIA ESTRANGEIRA.
AQUISIÇÃO IRREGULAR NO MERCADO INTERNO. INEXISTÊNCIA DE NOTA FISCAL.
PENA DE PERDIMENTO.
1. Embora não exposta à venda, depositada ou em
circulação comercial no país, a existência de mercadoria importada no estabelecimento, sem qualquer
nota justificadora da regularidade de sua aquisição,
implica na aplicação da pena de perdimento.
2. Recurso Especial conhecido, porém, improvido.
(REsp 15625/DF – Relator Ministro Hélio Mosimann - Relator p/ Acórdão Ministro Peçanha Martins – 2ª Turma - DJ 15.03.1999 p. 198)
No mesmo sentido:
CONSTITUCIONAL
E
ADMINISTRATIVO.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL.
PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO SEMINOVO IMPORTADO. JULGAMENTO EM INSTÂNCIA ÚNICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À
GARANTIA DA AMPLA DEFESA (CF/88, ART.
5º, LV). AUSÊNCIA DE NOTA FISCAL. BOA-FÉ
NÃO DEMONSTRADA.
1. Segundo já assentado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, o direito ao recurso administrativo
não constitui uma das garantias constitucionais,
nem integra a garantia do contraditório no âmbito
administrativo se, antes do julgamento do auto de
infração, for exercida a defesa prévia.
2. Ainda que o bem não esteja exposto à venda, depositado ou em circulação comercial no país, é de
aplicar-se a pena de perdimento, em caso de sua importação irregular, sem o que se estaria emprestando à norma interpretação que frustra o seu objetivo.
Precedentes.
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3. Não demonstra boa-fé aquele que adquire veículo
importado semi-novo, sem averiguar a existência de
Declaração de Importação, e sem exigir Nota Fiscal
da empresa importadora por intermédio da qual afirma ter adquirido o bem, ainda que esteja o mesmo registrado, sem restrições, no Departamento de
Trânsito.
4. Apelação improvida. (TRF 1ª Região - AMS nº
200034000087106 – 7ª Turma - DJ 17/2/2004 - Relator Desembargador Federal Antônio Ezequiel da
Silva)
In casu, caracterizado pois a introdução irregular da aeronave no solo brasileiro para atender as finalidades sociais da impetrante, ou seja,
com a utilização econômica do bem, não há que se falar em fato atípico, haja vista
que a conduta se subsume à norma abstratamente prevista em lei, a qual comina a
pena de perdimento.
Por outro lado, a aplicação da pena de perdimento também se justifica em face da infração descrita no artigo 105, inciso XI, do Decreto-lei
nº 37/66, que estabelece tal penalidade para a mercadoria estrangeira já desembaraçada e cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos apenas em parte, mediante artifício doloso.
Isso porque no momento do registro da DI sob nº
01/1212834-8, em 13/12/2001, para a obtenção do regime de admissão temporária da
aeronave, a contribuinte vinculou-a à LI nº 01/1268620-3, registrada em 07/12/2001,
oportunidade na qual informou que o avião era novo, de fábrica, e o seu ingresso
no Brasil somente teria ocorrido em 30/11/2001, vindo da França e pousando no
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – fls. 91.
Ora, com tal conduta, não apenas omitiu a anterior internação da aeronave no País com finalidade de utilização econômica, assim como os
77 pousos e decolagens em viagens nacionais e internacionais que realizou antes daquele desembaraço aduaneiro.
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Quanto a esses fatos não há controvérsia nos autos. E,
com tal postura a contribuinte obteve, de forma ilícita, a redução dos tributos, na medida em que, à época, efetuou tão somente o pagamento do IPI devido a partir do desembaraço aduaneiro ocorrido em 14 de dezembro de 2001, deixando de efetuar o
pagamento da exação correspondente aos 7 meses anteriores. A propósito trago à colação ementa de julgado assim redigida:
ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. MERCADORIA IMPORTADA. RECOLHIMENTO À MENOR DE TRIBUTOS MEDIANTE ARTIFÍCIO
DOLOSO. APLICAÇÃO DA PENA DE PEDIMENTO ÀS MERCADORIAS IRREGULARMENTE INTERNADAS. PRECEDENTES.
I. Presente, na espécie, conduta dolosa por parte do
Importador, restando caracterizado o intuito de
proceder ao recolhimento a menor dos tributos devidos mediante introdução clandestina de mercadoria estrangeira em território nacional.
II- Pena administrativa de perdimento (artigo 5º,
XLVI, "b", CF) que se aplica na espécie, recaindo
tão somente sobre as mercadorias irregularmente
importadas, "ex vi" do artigo 514, XI do Regulamento Aduaneiro.
IIIPrecedentes
(TRF3
–
REOMS
nº
1999.61.04.005054-0; Rel. Des. Federal Mairan Maia; j. 10/04/2002;p. DJ 14/06/2002; TRF1; Rel. Juíza
Julieta Lunz; j. 22/04/1998; p. DJ 20/08/1998)
IV- Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF
3ª Região - REOMS nº 202099 – Processo nº
199961040101195 – 4ª Turma – DJ 24/06/2008 Relator Juiz Federal Convocado Silvio Gemaque)
O intuito de pagar, agora, o IPI proporcional relativo
aos 7 meses antes do desembaraço aduaneiro não retira o caráter ilícito do ato. Nesse
sentido:
CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE
DE PAGAMENTO DO TRIBUTO APÓS A APREENSÃO.
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Não se enquadra nos benefícios do disposto no art.
34 da Lei nº 9.249/95, o crime de descaminho. Inexiste direito líquido e certo à liberação de mercadorias apreendidas, ainda que a intenção seja a do pagamento de tributos. Improvimento ao apelo. (TRF
1ª Região - AMS nº 199801000928543 - 4ª Turma DJ 27/10/2000 - Relator Desembargador Federal
Hilton Queiroz).
Por fim, registre-se que os precedentes jurisprudenciais
relativamente à cominação da pena de perdimento, prestigia o princípio da proporcionalidade somente em relação ao valor do veículo utilizado no transporte da mercadoria objeto de descaminho e não a proporcionalidade em relação à própria
mercadoria.
Ante o exposto opino pelo provimento da Apelação.
São Paulo, 1 de outubro de 2008
D a r c y S a n t a n a V i t o b e l l o
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