Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo

Transcrição

Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Universidade Federal de Minas Gerais
Pró-Reitoria de Extensão
Projeto Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil nos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Região
Metropolitana de Belo Horizonte - PAIR Minas
Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República - BRASIL
Diagnóstico situacional do fenômeno da
violência sexual infanto-juvenil e da rede de
proteção à criança e ao adolescente na área
de expansão do PAIR-MINAS na Região
Metropolitana de Minas Gerais
Belo Horizonte
2009
Ficha Técnica
Pró-Reitoria de Extensão - UFMG
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben – Pró-Reitora de Extensão
Paula Cambraia de Mendonça Vianna – Pró-Reitora Adjunta de Extensão
Coordenação Geral do PAIR Minas
Edite da Penha Cunha, MSc. – Pró-Reitoria de Extensão
Coordenação da formulação do Sistema de Monitoramento e Avaliação
do PAIR Minas
Profa. Dra. Magna Inácio – Departamento de Ciência Política/UFMG
Profa. Dra. Marlise Matos – Departamento de Ciência Política/UFMG
Pesquisadores
MSc. Daniela Rezende – Pesquisadora
Estagiários
Matheus Soares Cherem – Assistente de pesquisa
Priscila Jacomini – Assistente de pesquisa
Colaboração
MSc. Marta Mendes da Rocha
Agradecimentos
A elaboração desse diagnóstico foi possível devido à colaboração de diversas instituições,
mediante a gentil cessão de dados e informações sobre o fenômeno da violência sexual,
sobre a rede de atendimento e de enfrentamento presentes nas regiões dos Vales do
Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Agradecemos, em especial, à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais; à Subsecretaria de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República; ao Conselho Estadual de Direitos da Criança e do
Adolescente de Minas Gerais; à Fundação Dom Cabral, executora da Pesquisa realizada
pela Telemig Celular, ao Centro Integrado de Informações da Defesa Social-CINDS, da
Secretaria de Estado da Defesa Social-SEDS.
3
Índice de ilustrações
Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual .... 21
Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na situação de
Abuso Sexual ....................................................................................................................... 22
Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual ................. 45
Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na
situação da Exploração Sexual ............................................................................................ 47
Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos municípios
beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000. ........................................... 55
Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas,
UFMG/SEDESE/AMAS, 2008/2009. ................................................................................. 55
Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR Minas segundo a mesorregião e porte
populacional, 2007. ............................................................................................................. 56
Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR na Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Minas Gerais, 2008. ........................................................................................... 62
Tabela 4: Distribuição dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na
Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o porte populacional, 2007. ................. 63
Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte. ............................................................................................................... 65
Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios urbanos dos
municípios segundo o porte populacional nos municípios beneficiados pela expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000, 2004, 2007. ................... 68
Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo etário e sexo,
2000. .................................................................................................................................... 69
Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o grupo
etário e porte populacional, 2000. ....................................................................................... 71
Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de estudo nos
municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2000. .................................................................................................................. 73
Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17 anos nos
municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2000. .................................................................................................................. 75
4
Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
2000. .................................................................................................................................... 76
Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. .................. 77
Tabela 12: Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios beneficiados
pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. .......... 80
Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. ................................................. 81
Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas
na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000. ............................................................ 83
Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos por
motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006. .................. 83
Gráfico 1: Taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes na RMBH ............................. 85
Mapa 3: Taxa média de crimes violentos por 100 mil habitantes, Minas Gerais, abr-jun
2008. .................................................................................................................................... 86
Mapa 4:Taxa média de crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes, Minas
Gerais, abr-jun 2008. ........................................................................................................... 87
Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança pública nos
municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2004. .................................................................................................................. 88
Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Proteção social às crianças e
adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias oferecido pelo
CREAS em municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de
Belo Horizonte, 2007. .......................................................................................................... 89
Tabela 18: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional
segundo o tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 90
Tabela 19: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo os grupos
etários, 2007. ....................................................................................................................... 92
Tabela 20: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo a cor, 2007.
............................................................................................................................................. 93
Tabela 21: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo sexo, 2007.
............................................................................................................................................. 93
5
Tabela 22: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
escolaridade, 2007. .............................................................................................................. 94
Tabela 23: Renda familiar das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS
na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. . 95
Tabela 24: Caracterização das famílias das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos
pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2007. .................................................................................................................. 96
Tabela 25: Distribuição dos agressores por tipo de vínculo com Crianças e Adolescentes
vitimizados pela violência sexual segundo o porte e município da área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ....................................... 97
Tabela 26: Distribuição percentual dos agressores por sexo e raça/cor segundo o porte e
município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2007. .................................................................................................................. 98
Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ...... 98
Tabela 28: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 99
Tabela 29: Responsabilização dos violadores segundo o porte e município da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. .................. 99
Tabela 30: Existência de contato entre agressores e crianças e adolescentes vitimizados
segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte, 2007. ................................................................................................... 100
Tabela 31: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
acompanhante em atendimento no CREAS, 2007............................................................. 100
Tabela 32: Número de atendimentos prestados às Crianças e Adolescentes vitimizados
atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de
Belo Horizonte, segundo o tipo de atendimento, 2007...................................................... 101
Tabela 33: Número de encaminhamentos realizados pela equipe do CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo tipo de
encaminhamento, 2007. ..................................................................................................... 102
Tabela 34: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de atendimento
de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2007. ................................................................................................................ 103
Tabela 35: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de
origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ............................................... 104
6
Tabela 36: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional
segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão
do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2003 a 2005. .................... 105
Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia Nacional
segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da área de expansão
do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2006 a 11/09/2008. .......... 106
Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados
pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo
Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional,
2006-2008. ......................................................................................................................... 108
Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de Minas
Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de
expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008. ................................. 108
Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes registrados
pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo
Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional e
tipo de violência, 2006-2008. ............................................................................................ 109
Mapa 5: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIR Minas na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ............................................................... 115
Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios da área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ..................................... 115
Mapa 6: Número de CRAS existentes nos municípios da área de expansão do PAIR Minas
na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. .......................................................... 116
Tabela 42: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Básica nos municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
capacidade de atendimento MDS, 2007. ........................................................................... 117
Tabela 43: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Especial nos municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
capacidade de atendimento MDS, 2007. ........................................................................... 118
Tabela 44: Existência e caracterização do Serviço de Proteção social às crianças e
adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, nos municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo nível de
gestão no SUAS, 2007. ...................................................................................................... 119
Mapa 7: Existência do Serviço de Enfrentamentos a ESCCA nos municípios da área de
expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ........................................................................... 120
Mapa 8: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área de
expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007 ............................................................................ 120
7
Tabela 45: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família nos municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, dezembro
de 2008. ............................................................................................................................. 122
Tabela 46: Volume de recursos repassados pelo MDS aos municípios da área de expansão
do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ................................ 123
Tabela 47: Número de escolas existentes nos municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte por nível de ensino, 2007................. 125
Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas pelo PSF
por município e porte populacional nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008. ............................................................... 125
Mapa 9: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. ......................................................... 127
Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual)
atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços
especializados nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007. ........................................................................... 134
8
Índice de abreviaturas e siglas
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CEI/FJP – Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro
CEDCA – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente
CMDCA – Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública
CT – Conselho Tutelar
DATASUS – Banco de dados do Sistema Único de Saúde- SUS
DER – Departamento de Estradas de Rodagem
ECA – Estatuto da Criança e Adolescente
ESCCA – Exploração Sexual e Comercial de Crianças e Adolescentes
FJP – Fundação João Pinheiro
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IES – Índice de Exclusão Social
IML – Instituto Médico Legal
IMRS – Índice Mineiro de Responsabilidade Social
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPEAdata – Banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PAIR Minas – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto–juvenil em Minas Gerais
PIB – Produto Interno Bruto
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Pólos – Programa Pólos de Cidadania
RMBH – Região Metropolitana de Belo Horizonte
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SAGI – Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação
SEDESE / MG – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social – Minas Gerais
SEDH/PR – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
SUAS – Sistema Único da Assistência Social
TLM – Taxa Líquida de Migração
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Sumário
Índice de ilustrações .......................................................................................................... 4
Índice de abreviaturas e siglas ........................................................................................... 9
Introdução ............................................................................................................................ 12
O fenômeno da violência sexual.......................................................................................... 14
O abuso sexual ................................................................................................................. 16
Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil: subsidiando a rede de ações de
enfrentamento à violência sexual em Minas Gerais ........................................................ 49
Metodologia ......................................................................................................................... 54
Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte ............................ 61
Base territorial do PAIR .................................................................................................. 61
Caracterização sócio-demográfica da população ............................................................ 67
Infra-estrutura, economia e segurança de renda .............................................................. 76
Grupo familiar e vulnerabilidades ................................................................................... 80
A violência sexual infanto-juvenil na RMBH ................................................................. 84
Infra-estrutura e rede de serviços................................................................................... 111
Considerações Finais ......................................................................................................... 137
Bibliografia ........................................................................................................................ 142
Introdução
A elaboração do presente diagnóstico constitui uma das metas do projeto “Enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri, do Rio Doce e
Região Metropolitana de Belo Horizonte”, desenvolvido em parceria pela Universidade
Federal de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e
Associação Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte (AMAS). Tendo por
objetivo expandir a área de abrangência do Programa de Ações Integradas e Referenciais
ao Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil (PAIR), o projeto prevê a sua
implantação em 40 (quarenta) municípios do estado de Minas Gerais, além dos 74 (setenta
e quatro) municípios onde o programa foi implantado nos anos de 2006 e 2007.
“O Projeto de Enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil nos
Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo
Horizonte se apresenta como uma estratégia de articulação entre a
UFMG, Prefeituras municipais, Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e do Mucuri e instituições diversas nos municípios da área
de abrangência das regionais da SEDESE de Belo Horizonte, de Teófilo
Otoni e de Araçuaí, com vistas a promover o fortalecimento da rede de
proteção integral à criança e ao adolescente para o enfrentamento à
violência sexual infanto-juvenil, no ano de 2008 e 2009 em Minas
Gerais” (UFMG, 2008).
A área de expansão do PAIR Minas foi definida de acordo com estudos e diagnósticos
prévios que evidenciaram a concentração de ocorrências de exploração sexual infantojuvenil nos Vales do Jequitinhonha, do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte.
Nessas áreas, a proximidade das BRs 116 e 418 foi identificada com um fator de risco à
exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes e foi um dos critérios de
definição da base territorial para a expansão do programa no estado1.
O diagnóstico fornece uma base informacional sobre o fenômeno da violência sexual
infanto-juvenil e sobre a rede de proteção à criança e ao adolescente nas regiões de
expansão do PAIR Minas. O estudo realizado busca contribuir para a construção de uma
1
UFMG - Projeto O Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-juvenil nos Vales do Jequitinhonha,
do Mucuri e região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008.
12
agenda comum de trabalho entre os agentes implicados no projeto e para a definição de
estratégias de implementação da metodologia do PAIR nos municípios beneficiados.
13
O fenômeno da violência sexual
Alguns autores, como Guerra (1998), Faleiros (2000) e Libório (2003), explicam que a
história social da infância em várias épocas e países revela como as crianças sempre foram
vitimizadas por diversas formas de violência. Estas violências estão associadas tanto às
concepções autoritárias e repressoras de uma sociedade paternalista - que pautaram,
durante muito tempo, as posturas educativas em castigos corporais – quanto à ausência de
políticas públicas de proteção e de atendimento de qualidade às crianças e adolescentes em
situação de exclusão social, o que fica claro na realidade brasileira.
A violência intrafamiliar e sexual (entre outros tipos de violência) pode ser pensada como
expressão extrema de uma distribuição completamente desigual e assimétrica de poder
entre homens e mulheres, bem como entre pais e filhos, atravessada complexamente pela
distribuição desigual de renda, pela discriminação racial e étnica, delas desigualdades entre
os gêneros etc. Em relação à violência, observa-se que, no âmbito do senso comum, esta
comumente é vista somente num plano individual (onde frequentemente as/os
vitimizadas/as acabam sendo culpabilizados/as). No entanto, há inúmeras análises, a
exemplo das de Vethencourt (1990) e Vásquez (1990), que ressaltam a sua dimensão
social.
Os diferentes níveis da violência são sistematizados e analisados por Minayo (1990) de
forma bem clara. O primeiro nível – a violência estrutural – caracteriza-se pela existência
de um sistema social desigual, tendo como consequência a fome, o desemprego e os
demais problemas sociais enfrentados pela classe trabalhadora. Já o segundo nível – a
violência revolucionária – relaciona-se à resistência, que se expressa na luta de grupos
oprimidos e discriminados contra a dominação legitimada. Por último, o terceiro nível – a
delinquência – diz respeito às chamadas transgressões sociais, que não podem ser
entendidas, de forma simplista, como um fenômeno natural, uma conduta individual
patológica ou um atributo de grupos marginalizados como pobres e negros. A autora citada
observa que qualquer forma de violência não pode ser compreendida isoladamente, e sim
vista em rede.
14
Na violência intrafamiliar e sexual somam-se, de forma perversa, todos estes níveis, de
modo a se cristalizar em um fenômeno que perpassa todas as classes sociais, os diferentes
gêneros e as diferenças etárias. Por exemplo, citando Brandão (l997) e Saffioti (2004), que
efetuaram trabalhos sistemáticos sobre o tema, nas famílias de classes trabalhadoras
urbanas, a violência física seria predominantemente masculina e o enfrentamento dessa
questão pelas mulheres e crianças, isto é, a tentativa de resolução do conflito presente no
âmbito familiar, quando é possível se dar, é por intermédio de notificação aos órgãos
policiais. Entretanto, somente numa pequena minoria dos casos, mesmo que a intensidade
e a freqüência dos atos violentos sejam gravíssimas, há manifesta concordância com a
possibilidade de punição/prisão do violentador.
As formas de maus tratos contra crianças e adolescentes são variadas: abusos físico,
sexual, psicológico, negligência etc. A violência tem inúmeras repercussões na vida de
crianças e adolescentes: no rendimento escolar, na adaptação social, podendo ocorrer
alterações da saúde física e mental e o desenvolvimento de distúrbios sóciocomportamentais.
Abusos contra crianças e adolescentes tornaram-se objeto de estudo e pesquisa somente
cerca de 50 anos atrás, apesar de serem perpetrados desde a Antiguidade (Krugman e
Leventhal, 2005; Leventhal, 2003; Roche et al., 2005; Labbé, 2005) e atingirem todas as
classes socioeconômicas.
Vários transtornos psiquiátricos têm sido relacionados a eventos traumáticos sofridos na
infância, com níveis de gravidade que variam com o tipo de abuso, sua duração e o grau de
relacionamento com o agressor. Alguns estudos apontam os traumas de infância como
responsáveis por cerca de 50% das psicopatologias diagnosticadas em adultos (Craine et
al., 1988, apud Zavaschi et al., 2002). O comprometimento da saúde mental e a futura
adaptação social das vítimas variarão de indivíduo para indivíduo, de acordo com o
ambiente imediato, com o tipo de violência sofrida e com a capacidade de reação diante de
fatos geradores de estresse.
15
Autores têm considerado fundamental a influência da família e sua (des)estruturação como
preditores de fenômenos relacionados à criminalidade (Gover e MacKenzie, 2003;
Craissati et al., 2002), ao abuso de substâncias e às perturbações da saúde mental. Afirmam
também que crianças expostas a um acúmulo perverso de riscos estruturais e sociais têm
maior probabilidade de manifestar problemas mentais (Arboleda-Flórez e Wade, 2001),
tais como depressão crônica na adolescência (Meyerson et al., 2002).
Um aspecto importante a ser destacado é que a continuidade dos abusos físico e sexual tem
sido relacionada à prática de delitos. Jovens delinquentes mantidos em instituições penais
frequentemente provêm de cenários familiares caracterizados por abuso, negligência e
outras experiências traumatizantes (Gover e MacKenzie, 2003). O abuso sexual na infância
é considerado um fator de risco independente para um comportamento delinquente
(Swanston et al. 2003), com maior prevalência entre os abusadores sexuais reincidentes
(Hanson e Harris, 1998, apud Aylwin et al., 2003).
O abuso sexual
Segundo o Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração
Sexual
Comercial
de
Crianças
e
Adolescentes
na
Tríplice
Fronteira
Argentina/Brasil/Paraguai2, o abuso sexual refere-se a:
“contatos ou interações sexuais entre menino ou menina e pessoa com mais
idade, com mais experiência – adulto ou até outra criança mais velha - pode
ser um desconhecido, mas geralmente são pessoas em quem confiam –
irmãos/ãs maiores, pessoas em posição de autoridade como pais, mães,
padrastos, outros parentes, cuidadores, amigos da família, vizinhos,
professores, médicos, padres etc. A criança é utilizada como objeto de
prazer para outra pessoa satisfazer suas necessidades sexuais. Esses
contactos ou interações podem ocorrer mediante força, promessas, coação,
ameaças, manipulação emocional, enganos ou pressão” (OIT/IPEC, 2009).
Várias abordagens deste fenômeno são possíveis e, mais do que isso, necessárias,
conforme finalidades específicas: sociais, médicas, psicológicas, jurídicas, antropológicas,
etc. Assim, um aspecto relevante a ser considerado na definição de abuso sexual refere-se à
2
Glossário de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (Português), OIT/IPEC,
disponível em http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 15/03/2009.
16
questão da sua evidente relatividade cultural. Embora alguns tipos de contatos físicos mais
íntimos possam ser aceitáveis em grupos com diferentes culturas e concepções acerca da
sexualidade, para outros grupos, no entanto, o mesmo comportamento pode ser percebido
como algo inadequado. Para um avaliador proveniente de diferente contexto social ou
grupo étnico daquela das pessoas envolvidas no caso avaliado, pode ser particularmente
difícil identificar e compreender as interações abusivas (Fontes, 1993)3, pois a percepção
do que seja um comportamento abusivo é algo definido pela sociedade, e varia tanto no
espaço geográfico quanto na dimensão temporal (Friedman, 1990)4.
Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus-tratos de crianças e adolescentes,
com violência física e psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional e, por
isso, praticado, mais freqüentemente, por familiares ou responsáveis pelo(a) jovem
(Chistoffel e cols., 1992; Council on Ethical and Juridical Affairs - AMA, 1992)5. A
origem deste conceito remonta a meados do século passado, com a descoberta da violência
contra crianças e adolescentes nas grandes cidades. Gordon; 1988 e Chistoffel e cols. 1992,
em uma orientação técnica do National Institute of Child Health & Human Development
(USA) para pesquisas de injúrias infantis, incluem o abuso sexual dentro do item violência,
subcategoria de maus-tratos físicos. Dentre 17 meios de injúrias definidos (incluindo desde
lesões causadas por veículos automotivos à síndrome de Munchausen infantil), encontra-se
a agressão sexual.
O abuso sexual pode ser definido, de maneira bastante generalista, como o envolvimento
de crianças e adolescentes — logo, em processo de desenvolvimento — em atividades
sexuais que não compreendem em sua totalidade, para as quais não estão aptos a
concordarem e que violam as regras sociais e familiares de nossa cultura (Glaser, 1991)6.
Esta caracterização inclui basicamente três conjuntos de situações:
3
Ver FONTES, L. A Considering culture and oppression: Steps toward an ecology of sexual child
abuse. Journal of Feminist Family Therapy, 5, 25-54, 1993.
4
Ver FRIEDMANN, S.R. What is child sexual abuse? Journal of Clinical Psychology, 46, 373-375,
1990.
5
Ver CHRISTOFFELL, K.K.; SCHELDT, P.; AGRAN, P.H.; KRAUS, J.F.; McLOUGHLIN, E. &
PAULSON, J. Standart definition for childhood injury research. Washington, NICHD, 1992.
6
Ver GLASER, D. Treatment issues in child sexual abuse. British Journal of Psychiatry, 159:769782, 1991.
17
a) história de agressão sexual com violência física na qual o/a jovem é a vítima;
b) interação ou contato sexual (como toques, relações sexuais, exibicionismo, voyeurismo,
etc.) entre uma criança e outra pessoa de qualquer idade em que a participação tenha sido
obtida por meios desonestos, como ameaças, coerção moral, mentiras, deturpações de
padres morais e táticas similares;
c) contato ou interação sexual entre criança ou adolescente e adulto, mesmo com a
cooperação voluntária, em situações definidas por lei ou costumes como crime, devido à
presunção de imaturidade do/a jovem e de responsabilidade do adulto. (Simrel et al.,1979)7.
Neste grupo estão incluídos os casos de exploração sexual.
Segundo Flores (1998)8 seria possível acrescentar uma quarta situação, um pouco mais
complexa e menos frequente:
d) falsas denúncias, pois no Brasil, como nos EUA, por exemplo, as consequências de uma
investigação de abuso sexual, especialmente aqueles ocorridos no lar, são, para a família,
devastadoras, com perda de emprego, divulgação pública, processos criminais e
conseqüente abandono por parte de amigos e familiares (Tyler e Brassard, 1984)9. Este
fenômeno foi denominado de "trauma secundário induzido pelo sistema".
Ainda segundo o médico geneticista Renato Z. Flores, da UFRGS, “na medida em que o
conhecimento científico sobre maus-tratos na infância aumentou nas duas últimas décadas,
tornou-se claro que tratava-se de mais de um fenômeno sob o mesmo rótulo (Jones &
McCurdy, 1992)10. Progressivamente foram sendo construídas árvores cladísticas cada vez
mais complexas subdividindo os tipos de ocorrências” (p. 27). Cabe-nos, contudo, mais
que definir o que seria abuso sexual, compreender qual é a sua processualidade, a sua
dinâmica. Neste sentido é fundamental a discussão sobre redes, pois o fenômeno em tela
obedece a características distintas dependendo da configuração no qual está inserido.
Segundo a literatura, fatores intervenientes tais como: experiências de violência intensa na
família, alcoolismo, desemprego ou estresse econômico-financeiro, entre outros, podem
7
Ver SIMREL, K.; BERG, R.; THOMAS, J. Crisis management of sexually abused children.
Pediatric Annals, 85:317-325, 1979.
8
Ver FLORES, Renato Zamorra (1998) Definir e Medir o que são os Abusos Sexuais. IN: .IN:
Oficina de Indicadores de Violência Intrafamiliar e Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes. CESE, MJ, CECRIA, Fundo Cristão para a Criança, ps. 24 a 33.
9
Ver TYLER, A.H. & BRASSARD, M.R. Abuse in the investigation and treatment of intrafamilial
child sexual abuse. Child Abuse & Neglect, 8:47-53, l984.
10
Ver JONES, E.D. & MCCURDY, K. The links between types of maltreatment and demographic
characteristics of children. Child Abuse & Neglect, 16:201-215, 1992.
18
predispor as redes familiares à ocorrência da violência sexual contra crianças e
adolescentes.
As redes familiares são redes primárias onde são fabricados os processos básicos e
iniciais de identificação dos seres humanos. É neste âmbito de socialização primária em
que somos nomeados por alguém, em que ganhamos um sobrenome que nos vincula às
relações de família e à própria cultura, inserindo-nos, queiramos ou não, em projetos e
cursos de vida marcados, de antemão, às condições de classes sociais determinadas, de
status social e simbólico que nos vinculam à ausência ou presença de determinadas
oportunidades sociais, políticas e econômicas. Nesse último caso, evidentemente, situamse a educação, a formação, o conhecimento, a capacidade, o capital cultural da família no
qual estaremos definitivamente inseridos e do qual nos nutriremos para posteriormente
seguir um caminho próprio.
Os dados existentes nos revelam que em processos e dinâmicas de violência intrafamiliar,
o abuso sexual é também predominantemente intrafamiliar, se produz, portanto, nas
relações mais próximas da criança ou adolescente. Na grande maioria das situações é
perpetrado pela figura do pai ou por outra substituta a ele (padrasto, namorado, amante etc.
ou ainda, por algum tio, avô ou irmão mais velho). Ele se realiza, predominantemente,
contra crianças na faixa etária de 8 a 13 anos, que são predominantemente do sexo
feminino. Pode acontecer também contra crianças do sexo masculino, mas a frequência é
menor. É extremamente comum os abusadores combinarem, através dessa relação
autoritária e profundamente assimétrica e desigual de poder, sedução com a ameaça/medo.
Ambas características vão gerar um único resultado: impor uma camada de segredo e de
silêncio aos vitimizados e, com alguma frequência também, às outras “testemunhas” que
de alguma forma tenham se envolvido no escopo dessa relação consangüínea e nisto que
culturalmente definimos como relação de proteção dinâmica da “honra” e da subsistência
da família. A família, nesse caso, funciona como um núcleo central, isto é, ela costuma ser
fechada, mas articulada.
19
As pessoas vitimizadas11, por sua vez, são traumatizadas pelo medo, pela dor, pela
vergonha, pelo terror. Elas reprimem as ocorrências e é muito comum que não desejem
sequer falar do assunto, mas os “sintomas” são fenômenos que passam a fazer parte de seus
cotidianos de vida: é frequente que venham a sofrer de depressão (em seus vários níveis,
desde um mero desinteresse pelo mundo até situações mais agravantes de
desvinculamento), descontrole e grande labilidade emocional, anorexia, dificuldades nos
estudos, problemas de concentração, digestivos, fobias, sensação de estar sujo, excesso de
episódios de masturbação. Em alguns casos as crianças vitimizadas podem vir a chegar a
tentativas de suicídio ligadas, de certa forma, ao que foi vivido e posteriormente negado.
Segundo a literatura, em casos de abuso de crianças vitimizadas do sexo masculino, pode
até chegar a acontecer a proibição, pelo abusador, de que o vitimizado use o sobrenome da
família, em função do estigma de homossexual que este passa a carregar após ter sido este
abusado pelo pai e pelo tio. A pessoa vitimizada é frequentemente punida e revitimizada.
Esse processo de revitimização é, muitas vezes, repetido, no próprio processo de
atendimento.
Nessa rede de relações, quando é possível romper a barreira inicial do silêncio
extrafamiliar e a criança/adolescente vitimizada (ou algum parente próximo seu) consegue
chegar a denunciar o ocorrido, vai prevalecer a impunidade do abusador, que é,
frequentemente, “perdoado” pela família e até pela sociedade, por razões culturais e
enraizadas numa cultura de relações de gênero e sexuais profundamente autoritárias. A
Figura 1 abaixo ilustra, de forma sucinta, aquelas dimensões mais fundamentais desta
trama em que estaria implicada na “rede familiar autoritária abusadora”:
11
Os autores têm preferido utilizar a expressão “vitimizado” ao invés de vítima por reconhecerem
nestes sujeitos a existência da capacidade de compreensão, reação e superação do processo de violência, seja
de uma ou de outra forma. Assim, estes seriam mais apropriadamente “sujeitos vitimizados/as” e não
simples ou meros “objetos-vítimas”. Concordamos com esta abordagem e iremos reproduzi-la aqui.
20
Figura 1: Resumo das Dimensões interativas/relacionais na situação de Abuso Sexual
cumplicidade/ contrato de sobrevivência
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.03.
*Vitimizados/as: Frequentemente passam a viver bastante isolados/as de outras redes, pelo poder autoritário do abusador.
Como observamos, tais relações são extremamente complexas e às vezes totalmente
ambíguas: se abrem a interpretações e várias perspectivas analíticas, bem como a
diferentes ênfases de intervenção, a saber: no âmbito da própria dinâmica familiar, no
âmbito da relação autoritária, na própria dinâmica de revelação do problema
ocorrido/vivenciado.
Faleiros (1998) faz questão de destacar que a “revelação” do abuso seria um “tema crucial
que contribui para desestruturar esse arranjo autoritário e perverso, mas também é das
ações mais difíceis pelo segredo em que está envolvida” (p.3). De uma forma bastante
resumida, até aqui, teríamos que o ABUSO SEXUAL seria:
•
Via de regra uma ação realizada no âmbito da rede familiar primária, podendo vir a ser
considerada isolada ou privada por envolver geralmente apenas as pessoas de um
núcleo familiar (um adulto e uma criança ou adolescente e os outros membros da
família que, ou são cúmplices, ou desconhecem o evento);
•
Corresponde, nesta rede familiar primária, a um ato/exercício de poder autoritário,
desigual e assimétrico entre diferentes atores do quadro familiar e geracional;
•
É um fenômeno que, devido ao peso moral de reprovação, costuma ser mantido sob o
máximo sigilo por todos os envolvidos. Mesmo o/a vitimizado/a, na maioria das vezes,
nega ou esconde, pelo menos inicialmente, o ocorrido;
21
•
É um fenômeno de difícil previsão a respeito de quando ou onde irá ocorrer, pois a
única causa comum seria as relações de gênero autoritárias dentro do âmbito familiar;
•
Envolve, com freqüência relações afetivamente marcadas pela ambigüidade:
amor/ódio, prazer/dor, sedução/terror, desejo/aversão, conivência/aceitação/repúdio.
Vamos agora nos ater ao formato da rede secundária que em geral, no formato de
políticas públicas, costuma se ocupar desta temática. Esta também pode ser passível de ser
mapeada, de acordo com os enfoques/relações que os atores centrais do processo de
intervenção mantêm com a problemática. Cabe destacar inicialmente que esta rede
secundária está frequentemente atuando de forma fragmentada, e alguns atores chegando
mesmo a agir de forma totalmente isolada. Cada ator/organismo age por seu lado, visando
(na melhor das hipóteses) cumprir o seu respectivo papel. Por exemplo: o delegado e o
juiz, dentro do aparato judiciário e repressivo, alcançam o abusador (dispositivo repressor);
a assistência social recebe as denúncias e providencia, caso necessário o abrigamento
(dispositivo protetor), os conselhos tutelares evidentemente aconselham e procuram
executar encaminhamentos ao restante da rede (dispositivo receptor, aconselhador e
deliberador).
As ações da saúde, da educação e da assistência, integradas, devem
promover o atendimento/tratamento (dispositivo reparador). É possível uma melhor
visualização destas distintas dimensões no quadro seguinte:
Figura 2: Resumo das Dimensões de Interação da Rede Secundária que atua na
situação de Abuso Sexual
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.04.
22
Nesta outra figura, o autor preferiu destacar a fragilidade e a fragmentação das atuações
através do desenho de linhas pontilhadas, já que estes novos e diferentes atores costumam
intervir “sem definir as áreas em que vai dar ênfase, de forma articulada, com divisão
político-operacional das ações de prevenção, defesa, responsabilização, atendimento
emergencial, acompanhamento da questão como um todo na dinâmica familiar” (p.3).
Concordamos com Faleiros (1998) quando ele afirma que “É preciso um paradigma de
redes para romper com os curtos-circuitos, a fragmentação, construídos de forma
conceitual, estratégica e operacional”. Também estamos de acordo quando o mesmo afirma
que toda esta complexa rede precisaria assumir como seu paradigma fundamental a defesa
dos direitos humanos: (a) numa atitude franca e aberta de valorização da figura da mulher
na cultura e no âmbito familiar, de se sua autonomia e identidade; (b) de mudança cultural
relativa ao machismo e ao autoritarismo no âmbito familiar, no sentido da crítica,
desconstrução e reinterpretação do papel masculino neste e em outros âmbitos; (c) de
reinserção e “cura”/atendimento do vitimizado para que ele/a possa retomar seu curso de
vida e estabelecer escolhas futuras que estimulem seu protagonismo e por esse sejam
definidas; (d) de articulação e atuação conjunta, de fato, com outros atores fundamentais
neste processo como as áreas da saúde e da educação/escola. Ainda segundo Faleiros:
“Hoje, como o demonstra a Declaração de Jovens Sexualmente Explorados, em Victoria,
Canadá, é fundamental o protagonismo dos jovens, inclusive dos que tiveram experiência
de exploração ou abuso, através da escuta de sua fala, de sua participação na discussão do
problema, na cura e reintegração dos(as) vitimizadas(os), na prevenção”(idem).
Desta forma, sabemos também que o abuso sexual na infância é visto como fator de risco
para a vitimização sexual na idade adulta, independentemente da atuação familiar
(Messman-Moore e Brown, 2004), e para o desenvolvimento de psicopatologias futuras
(Molnar et al., 2001). Estudos recentes têm relacionado diversas parafilias ao abuso sexual
continuado na infância; quanto mais frequente e persistente, piores os problemas psíquicos,
comportamentais e de relacionamento. As sequelas levariam as vítimas de abuso a
comportamentos criminosos de transgressão dos costumes (Sharma, 2003).
23
A repetição dos maus-tratos em crianças pode servir de indicador de disfunção familiar.
Serviços que prestam atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual
devem considerar o conjunto dos fatores de risco associados à sua continuidade, a fim de
prevenir ocorrências futuras (Swanston et al., 2002). Os núcleos familiares de mulheres
vítimas de abuso continuado na infância mostraram-se semelhantes, independentemente da
existência ou não de vínculo familiar com o agressor (Gold et al., 2004).
O interesse social e político sobre os direitos da criança e do adolescente, embora
crescente, pode ser considerado paradoxal nos países democráticos ocidentais. Esses
direitos foram estabelecidos internacionalmente a partir de 1924, pela Convenção de
Genebra sobre os direitos da criança, estendida pela Convenção Internacional das Nações
Unidas de 1959 e ratificada em 1990 pelos países signatários (Morales e Schramm, 2002).
A despeito desses avanços, o abuso sexual permanece cercado por uma barreira de silêncio
e se mantém perpetuado pela ignorância (Sharma e Gupta, 2004). Embora seja mais
comum a violência sexual contra o sexo feminino (Queiroz, 2003; Vaz, 2003; Ramírez,
2001), não se deve descartar que essa conclusão é influenciada pela subnotificação das
ocorrências envolvendo o sexo masculino (Biheler, 2002). Esse tipo de abuso altera a
vivência da sexualidade humana, sobretudo quanto atinge crianças e adolescentes, pois
essa vivência é resultado da “integração das dimensões somáticas, emocionais, intelectuais
e sociais do ser humano” (Morales e Schramm, 2002).
O fenômeno é universal, com variações decorrentes dos diferentes padrões culturais
(Korbin, 2002), com igual potencial de dano, independentemente de qual forma (Chen et
al., 2004) ou justificativa o abuso sexual assuma.
A violência, por vezes mal percebida pelas partes envolvidas, pode ser desencadeada por
diversos fatores, manifestando-se de formas diferentes, daí decorrendo o seu grande
potencial de dano. Os tipos de abuso contra crianças mais comuns e de mais fácil detecção
são a violência física e a sexual.
24
O abuso sexual na infância é considerado também como fator de risco para a vitimização
na idade adulta (Messman-Moore e Brown, 2004; Surrat et al., 2004; Polanczyk et al.,
2003). As consequências psíquicas do abuso sexual vão além daquelas causadas pelo fato
em si. Elas também decorrem, direta ou indiretamente, dos efeitos do processo legal e de
seus desdobramentos (Ghetti et al., 2002).
Cabe ressaltar, entretanto, que apesar do
sofrimento causado pelos maus-tratos, algumas crianças passam por essa experiência sem
apresentar o quadro de sequelas descrito pela literatura especializada, conseguindo
encontrar “caminhos de (re)construção de suas próprias vidas” (Junqueira e Deslandes,
2003).
Diante da gravidade do fenômeno em tela, a produção de estimativas de prevalência e
incidência da violência sexual contra crianças e adolescentes e a relação destes fatores com
o seu cotidiano são fundamentais para o desenvolvimento de políticas de prevenção e
abordagem do problema. A produção de estatísticas regulares e confiáveis persiste, no
entanto, como um dos principais entraves ao desenho adequado de políticas públicas de
prevenção às violências contra crianças e adolescentes e à avaliação dos resultados
daquelas em execução.
Os dados disponíveis sobre o abuso sexual no País não enfocam o testemunho ou a
convivência com as vítimas. São fundamentados quase exclusivamente em relatos de
entidades governamentais que não alcançam a real dimensão do problema. Gomes (1998)
destacou a dificuldade encontrada para acompanhar casos selecionados a partir de um
recorte nos dados gerais de pesquisa realizada pelo Centro Latino-Americano de Estudos
sobre Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, de 1994, em visitas às delegacias
policiais, a fim de verificar, após cinco anos, o encaminhamento dado aos registros das
denúncias. Entre os problemas relatados, destacaram-se o arquivamento das fichas em
local de difícil acesso e o fato de algumas delegacias não facilitarem a tarefa. Somente 106
casos de violência doméstica na faixa de zero a 05 anos foram localizados: 80% de casos
relacionados à morbidade e 20% de casos fatais. Desse total, apenas 24 foram
transformados em inquérito; desses, somente 01, por se tratar de homicídio, tornou-se
processo, sendo o pretenso agressor absolvido. Desse total, apenas 31% das vítimas foram
encaminhadas para a realização de exame pericial para fundamentação das denúncias.
25
Fatores, como a não-notificação das ocorrências às autoridades policiais por medo de
represálias ou do estigma social, dificultam o conhecimento do desfecho desses casos
(Polanczyk et al., 2003). O tempo entre o fato e a comunicação às autoridades pode variar,
sendo mais curto nos casos em que o agressor é desconhecido ou não tem relação de
parentesco com a vítima. Nos casos em que o agressor é o próprio pai, ou familiar, a
denúncia pode demorar a ser feita (Sharma e Gupta, 2004), provavelmente até que a
criança perceba que tais práticas são incorretas ou injustas, ou que possa se defender. Em
amostra pesquisada na cidade de Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias), 67% das
denúncias foram feitas pela própria ofendida, e 88% dos perpetradores eram conhecidos
(Suarez Sola e Gonzalez Delgado, 2003b).
Podem ainda ser considerados motivos para a manutenção desse quadro: a
multidimensionalidade dos fatores conducentes a tais violências, a falta de preparo dos
profissionais para a identificação dos casos de maus-tratos, desconhecimento das leis,
descrédito nas possíveis ações do Estado para resolver o problema, banalização dos efeitos
sobre as vítimas pela violência sofrida, além do descrédito no relato da vítima (Paiva,
2000). Adolescentes abusados sexualmente têm dificuldade de relatar as violências aos
membros da família por receio de não serem levados a sério, vergonha ou medo dos
problemas que tal revelação possa provocar no meio familiar (Koshima, 1999). O
desconhecimento da existência e o funcionamento de serviços de assistência social, a
vontade de manter o problema em segredo, a não percepção do abuso e a desconfiança
inspirada por adultos e/ou profissionais dificulta a procura por atendimento especializado.
Outro fator que pode ser considerado é a limitação do amparo que eles podem oferecer às
crianças e adolescentes vitimizados (Crisma et al., 2004).
Profissionais de saúde (física ou mental) têm, por sua vez, dificuldade em identificar os
casos suspeitos de abuso sexual quando solicitados a auxiliar nas decisões judiciais. Eles se
valem para isso de dados obtidos em exames médico-legais, testes psicológicos, revisões e
sumários de pesquisas relevantes na área das ciências sociais. Análise sobre o assunto
concluiu que pelo menos 24% dessas decisões tanto podem resultar em avaliações falsopositivas como falso-negativas (Herman, 2005).
26
Além do baixo número de notificações – estima-se que somente 10% dos casos sejam
notificados (Barros, 2004; Santos, 1998) – o que preocupa é o altíssimo número de casos
de maus-tratos que são diagnosticados e/ou qualificados como outro tipo de crime. O
depoimento de um atendente de uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher,
no estado do Rio de Janeiro, ilustra a dificuldade para conhecer a realidade dos maus-tratos
em geral: o funcionário acha que o exame de corpo de delito, no caso, para comprovação
de violência sexual, “não vai conseguir provar nada que auxilie no andamento das
investigações”, e ainda acrescentou: “É bobeira mandar a vítima pro [sic] IML à toa, é
melhor registrar o crime como tentativa ou ameaça” (Paiva, 2000).
As falhas nos registros podem ser atribuídas também a fatores médicos: dificuldades do
profissional em associar o quadro clínico a uma situação de violência, “razões éticas;
contato estreito com a comunidade; medo de revanchismo contra bens, família ou contra si;
medo de aparecer na imprensa; temor de transtornos legais e acusação de falsa denúncia;
temor de comparecimento ao tribunal com perda de tempo profissional” (Santos, 1998).
É importante destacar que adolescentes vítimas e testemunhas de atos de violência sexual
encontram-se sujeitos à violência comunitária em geral com mais frequência do aqueles
que não foram expostos à violência sexual. A exposição a outros tipos de violência seria
uma consequência do comportamento desorganizado possivelmente associado ao evento
traumático (Polanczyk et al., 2003). Experimentar ou testemunhar atos violentos no
ambiente familiar, durante a infância tem sido associado à delinquência e à violência
juvenis, tanto quanto às várias formas de agressões contra mulheres (White e Smith, 2001).
A escola, por sua vez, tem compromisso ético e legal de notificar às autoridades
competentes os casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, que inclui a violência
sexual. Assim, diante da gravidade que encerra a violência sexual para a criança e para o
adolescente e, considerando que a escola deve ter como objetivo garantir a qualidade de
vida de sua clientela, bem como promover a cidadania, é relevante para a definição de
qualquer estratégia de prevenção e de atendimento por parte das redes de enfrentamento da
violência infanto-juvenil conhecer as concepções dos (as) professores (as), diretores (as) e
27
coordenadores (as) pedagógicos (as) sobre o fenômeno, bem como suas atitudes frente a
uma suspeita ou confirmação de casos de violência sexual envolvendo alunos (as).
No contexto histórico-social da violência contra crianças e adolescentes, no qual se insere a
violência sexual, prevalece uma cultura de dominação e de discriminação social,
econômica, de gênero e de raça. O paradigma de sociedade de direitos rompe com padrões
antigos, mas exige a construção de uma nova cultura de proteção e respeito aos direitos
humanos da criança e do adolescente. Isto “implica em tecer relações de trocas afetivas e
de aprendizagem, coibir abusos, enfrentar ameaças, proteger os vulneráveis e as
testemunhas e responsabilizar os agressores” (Guia Escolar, 2004, p 11). Com relação ao
papel da escola e do professor na prevenção e enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes, Brino e Williams (2003) enfatizam que a escola é o lugar ideal
para prevenção, intervenção e enfrentamento deste fenômeno, pois deve ter como objetivo
a garantia da qualidade de vida de seus alunos e a promoção da cidadania. Nesse contexto,
a centralidade das escolas é respaldada pelo Plano Nacional de Enfrentamento da Violência
Sexual Infanto-Juvenil (2000) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei
8069/90) que definem diretrizes para a implementação de um conjunto de ações articuladas
que permitam a intervenção técnica, política e financeira para o enfrentamento da violência
sexual cometida contra crianças e adolescentes.
Segundo Brino e Willians (2003), em uma pesquisa realizada por estudiosos do assunto,
44% dos casos de abuso sexual são relatados inicialmente para o professor, o que
demonstra sua importância para a denúncia e notificação de ocorrências de abuso sexual,
atuando como um agente facilitador da ruptura do círculo de silêncio que caracteriza essas
situações.
A exploração sexual e a prostituição infanto-juvenil
O Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial Infantil – Declaração e
Agenda de Ação de Estocolmo (1996) produziu a seguinte definição: “A exploração sexual
comercial de crianças e adolescentes é uma violação fundamental dos direitos. Abrange o
abuso sexual por parte do adulto, e remuneração em dinheiro ou em espécie para criança e/
ou adolescente ou para um terceiro ou várias pessoas. A criança ou adolescente é tratada
28
como objeto sexual ou mercadoria. A exploração sexual comercial constitui uma forma de
coerção e violência contra a infância e adolescência, equivale a trabalho forçado e constitui
uma forma contemporânea de escravidão”. A expressão exploração sexual comercial de
crianças e adolescentes (ESCCA) compreende as seguintes modalidades: prostituição
infantil, pornografia infantil e tráfico para comércio sexual e turismo sexual infantil12.
Nos instrumentos internacionais é comum se utilizar a expressão prostituição infantil. No
Protocolo Facultativo da Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de
crianças, à prostituição e à pornografia infantil, há uma definição mais simplificada:
“utilização de crianças em atividades sexuais em troca de remuneração ou de qualquer
retribuição”. Grande parte das organizações que atuam no enfrentamento do problema
prefere utilizar a expressão exploração sexual comercial infantil, por compreender que: a)
o termo abrange todas as modalidades de exploração sexual comercial cometidas contra
meninas/os e adolescentes (à semelhança da prostituição adulta, pornografia, turismo
sexual, tráfico para comércio sexual); b) a utilização do termo prostituição infantil aumenta
a discriminação das vítimas sem enfatizar o papel dos adultos responsáveis pelo delito. Isso
provoca o olhar (de pena ou censura) da sociedade só para as crianças e adolescentes,
como se, por trás delas, não houvesse uma cadeia de exploradores.
Desta forma, pode-se resumir a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes
como um “processo de tirar proveito sexual de pessoas com menos de 18 anos” (...)
mediante “a utilização da criança/adolescente como objeto sexual” (...), onde ocorre uma
“relação de exploração de trabalho (formalizado ou não)” (Kassar, Mônica et alli,
2005:36)13. A violência que está presente na exploração sexual contra crianças e
adolescentes é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal, clandestina e
em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser qualificada.
O mais frequente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes é aquele
denominado estrutural, em função da precária situação socioeconômica das famílias das
quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de Viabilidade –
12
Ver Fonte: Glossário OIT/IPEC - Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual
Comercial de Crianças e Adolescentes na Tríplice Fronteira Argentina/Brasil/Paraguai. Disponível em
http://white.oit.org.pe/ipec/pagina.php?pagina=284. Última consulta em 16/03/2009.
13
Ver KASSAR, Mônica et alli, Aspectos Subjetivos da Percepção da Exploração Sexual Comercial
de Crianças e Adolescentes em Corumbá, 2005.
29
MDS, p.5/6). E esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas faces da violência
que acometem as unidades familiares no Brasil.
A prostituição, de uma forma geral e tradicionalmente, já se constitui objeto das ações do
Estado e em especial da Saúde Pública, principalmente inserida dentro de uma ótica
higienista. Quando se fala de prostituição infanto-juvenil, aponta-se para uma realidade
distinta da prostituição em geral, configurando-se este em outro conjunto de
determinações. Por outro lado, a nossa abordagem desse fenômeno aqui não se reduz à
concepção higienista. Vamos acompanhar aqui a excelente apresentação já realizada por
Gomes (1994) no artigo “Prostituição Infantil: Uma Questão de Saúde Pública”, em que o
autor se incumbe de resumir de forma densa, mas muito didática, os principais elementos
que se articulam nesta temática. As linhas que seguem estão quase todas praticamente
retiradas do artigo mencionado.
Partimos do pressuposto de que a discussão a respeito da prostituição adulta é controversa
e gera polêmicas que ainda não estão resolvidas, nem na vida prática e muito menos nas
abordagens teóricas. Para Scambler et al. (1990)14, por exemplo, esta denominação é
empregada como um trabalho igual a outro qualquer, definindo a prostituição como uma
forma de trabalho sexual, enquanto uma transação de negócios: tem de haver um
comprador e um vendedor, comodidade oferecida e preço fixado. Nesta transação, troca-se
gratificação sexual por uma taxa/preço estabelecida/o, não havendo nenhuma pretensão à
afeição. Essa concepção difere radicalmente do posicionamento de Barry (1991)15, que
concebe a violência sexual e a prostituição como violações da dignidade humana, crimes
contra a mulher e formas de discriminação sexual. No Terceiro Mundo, segundo a autora, a
prostituição, associada à vulnerabilidade econômica, pode assumir configurações brutais,
presentificadas nas ações do tráfico de seres humanos, por exemplo. O argumento de que a
prostituição é uma forma de trabalho é atacado frontalmente por Barry (1991).
Comparando o trabalho de jogadores de beisebol com a prostituição, a autora verifica que
14
Ver SCAMBLER, G.; PESWANI, R.; RENTON, A. & SCAMBLER, A., 1990. Women prostitutes
in the AIDS era. Sociology of Health & Illness, 12: 260-273.
15
Ver BARRY, K., 1991. Prostitución y victimización. La mujer ausente: derechos humanos en el
mundo Ediciones de las Mujeres, 15: 63-78. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 58-66, jan/mar, 1994
65 Prostituição Infantil.
30
o jogador, embora contratado para usar o seu corpo, nunca entrega seu corpo, nem seus
atributos para quem o contrata.
Na prostituição, ao contrário, obtêm-se o direito unilateral ao uso sexual direto do corpo
por parte do comprador. Encarar a prostituição como questão de uma cultura específica
também seria, segundo a mesma autora, uma atitude a ser combatida. Segundo o seu ponto
de vista, o ato da prostituição seria essencialmente o mesmo em diferentes culturas, com
variações produzidas por demandas específicas, idiossincráticas e racistas dos clientes. Por
último, Barry observa que quando se situa a prostituição como uma violação dos direitos
humanos e como um crime contra a mulher, podem surgir objeções de que isso afetaria as
mulheres que optam por ser prostitutas, mesmo tendo outras alternativas e a contrapartida
de criminalizar seus clientes seria “injusta”. Rebatendo o argumento, a autora afirma: “na
África do Sul há negros que participam do apartheid, contribuem e ganham com o
apartheid. Mas isso não justifica o apartheid”. A ida (ou como alguns preferem: a “opção”)
de mulheres para a prostituição é fortemente influenciada pela ideologia machista,
patriarcalista e capitalista reinante. Para Saffioti (1989)16, a moça – quando vítima de
violência sexual, que vai da sedução ao estupro – pode se ver como “indigna” de viver em
sociedade, onde só há lugar para as “virgens” e “casadas”. Não se enquadrando em
nenhuma essas situações, ela encontraria a zona de prostituição como solução. Por outro
lado, para que na sociedade haja “gente de família”, a prostituição passa a ser o perfeito
mal necessário, uma vez que se concilia o incentivado treinamento sexual masculino prématrimonial com o fato de a moça chegar virgem ao casamento.
Ao se abordar a prostituição, independente do tipo de enfoque, não se pode deixar de lado
a idéia de que esta temática insere-se na categoria do que se define comumente por
“estigma”. Em Goffman (1988)17 pode-se encontrar base para uma melhor compreensão
desta categoria. Segundo o autor, as atitudes das pessoas tidas como “normais” em relação
às pessoas com um estigma possuem características peculiares. Em geral, essas atitudes são
perpassadas por vários tipos de discriminação. Elas fundamentam-se, comumente, numa
16
Ver SAFFIOTI, H., 1989. Exploração sexual de crianças In: Crianças Vitimizadas: A Síndrome do
Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 49-95, São Paulo: Iglu.
17
Ver GOFFMAN, E., 1988. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de
Janeiro:Guanabara.
31
teoria de estigma e numa ideologia que serve para racionalizar, entre outros, dois aspectos
centrais: a inferioridade de quem é estigmatizado e o “perigo” que essa pessoa representa.
Alguns aspectos podem nos ajudar na compreensão de como tradicionalmente constituiu-se
o saber sobre a prostituição. Entre os estudos que contribuem para esta compreensão
destacam-se os de Machado et al. (1978)18, Engel (1986, 1989)19 e Soares (1986)20. Esses
trabalhos, no que diz respeito ao saber médico sobre a prostituição, são baseados em
documentos, em geral teses de medicina, do século XIX, produzidos na cidade do Rio de
janeiro. As análises que realizam possuem aspectos comuns e pontos distintos sobre o
assunto. Machado et al. (1978) apontam para o fato de o saber médico da época revelar a
prostituição como um “perigo físico e moral”. Por outro lado, este objeto do saber médico
também era visto, ao mesmo tempo, como um fato natural e social. Enquanto “perigo
físico”, segundo esses autores, a prostituição era identificada como causa de doença; no
caso, havia principal destaque para a sífilis. Do leito da prostituta para o leito da esposa, o
homem poderia passar “o mal que deforma e mata”, que se estende para os seus
descendentes. Além da sífilis, inúmeras e variadas doenças são apontadas pelos médicos da
época como conseqüências da “cópula desenfreada e desregrada”. Insônia, ansiedade,
ardor de entranhas, decadência progressiva de forças, poluções noturnas e sintomas
nervosos são exemplos que figuram na lista dessas doenças. A dimensão física presente no
discurso médico da época, segundo análises de Engel (1986), inseria a prostituição no
espaço da “sexualidade pervertida”, em contraposição ao casamento, visto como espaço da
“sexualidade sadia”. As imagens do cancro e da úlcera são exemplos dos diagnósticos
presentes neste discurso, apontando para a idéia de ser a prostituição uma enfermidade
ameaçadora da saúde e da vida.
Este enfoque denota certa preocupação com o corpo enquanto aspecto físico. Assim, o
corpo da prostituta em si é visto como “uma doença do corpo que corrói o próprio corpo
18
Ver MACHADO, R.; LOURENO, A. L. R. & MURICY, K., 1978. Danação da Norma. Medicina
Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.
19
Ver ENGEL, M. G., 1986. O médico, a prostituta e os significados do corpo In: História e
Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 169-190, Rio de Janeiro: Graal e ENGEL, M. G.,1989.
Meretrizes e Doutores: Saber Médico e Prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense.
20
Ver SOARES, L. C., 1986. Da necessidade do bordel higienizado: tentativas de controle da
prostituição carioca no século XIX. In: História e Sexualidade no Brasil (R. Vainfas, org.), pp. 143-168, Rio
de Janeiro: Graal.
32
(...) E que ameaça outros corpos” (Engel, 1986). Junto às doenças físicas, os médicos
advertiam sobre as consequências morais advindas da prostituição. Essa prática poderia ser
um exemplo pernicioso para as moças: desestimular o trabalho e estimular o vício, entre
outros problemas morais. “A prostituição desenfreada e ‘livre’ é colocada como obstáculo
à transformação da família em um local de produção de indivíduos saudáveis” (Machado et
al., 1978). Como observa Engel (1986), o papel da prostituta – visto como oposto ao da
esposa – relacionava-se ao exercício da paixão – oposto ao exercício do amor. Este papel,
para os médicos da época, vinculava-se ao adultério e à degradação dos costumes,
representando o espaço da sexualidade moralmente doente, e, assim como a doença física,
essa sexualidade doente também possui um caráter contagioso que ameaça os costumes.
Por outro prisma de análise, para Machado et al. (1978), os médicos viam a prática da
prostituição como, simultaneamente, um fato natural e social.
Esta prática, presente em todos os países e nas eras mais primitivas, segundo o saber
médico da época, estava ligada ao organismo humano, permitindo que o instinto sexual se
realizasse e promovendo uma entrega ao “desejo arrebatador”. Neste sentido, para este
saber, era na própria natureza humana que se deveria estudar a patogenia da prostituição.
Por outro lado, a dimensão social da prostituição também é ressaltada nos documentos
médicos do século passado. Entre as causas desta prática enquanto fato social, são
destacáveis o excesso de riqueza e a miséria, que se explicam pela organização da
sociedade. Neste quadro, uns a procuram e outros a ela se entregam como forma de
sobrevivência, onde são articulados diferentes gradientes da miséria do povo e das paixões
dos ricos, conforme assinalam Machado et al. (1978).
Vinculada à ociosidade – em oposição ao trabalho – a prostituição situava-se no campo das
atividades remuneradas ilegítimas. Junto a essa idéia, na visão de Engel (1986), o discurso
médico da época revela preconceitos sobre o trabalho feminino, quando concebe
costureiras, floristas e enfermeiras, entre outras trabalhadoras femininas, como prostitutas
enrustidas. Sob o ponto de vista deste saber médico, a prostituição – produto da indolência,
da ambição e da miséria – é fruto da doença social em dois sentidos: “seja enquanto espaço
de reprodução da miséria, seja enquanto lugar de produção do luxo ilícito” (Engel, 1986).
Essa doença social ameaçaria a própria riqueza da nação, por ser foco de desagregação do
33
trabalho e da propriedade. Engel, em outro texto (1989), destaca que o saber médico da
época (1845-1890) oscilava entre o caráter normativo e a extinção da prostituição. A
primeira vertente deste saber voltava - se mais para o controle médico, enquanto a segunda
era pontuada pela repressão policial.
Seja sob a ótica da higiene, seja pela visão moralista dos abolicionistas, a prostituição foi
incorporada à reflexão médica como uma doença que ameaçava a população e que, como
tal, deveria ser controlada ou combatida. “Para conhecer a prostituição foi preciso deixar
de vê-la apenas como pecado, para convertê-la, antes de tudo, em doenças” (Engel, 1989).
O discurso médico fixou os limites entre a moralidade e a doença no campo da
sexualidade, trazendo implícito um projeto de criar normas higiênicas do corpo, que era
concebido não apenas num sentido físico, mas também num sentido moral e social. A
partir desta perspectiva, o médico construía as categorias básicas de classificação: a
perversão (a doença física), a depravação (a doença moral) e o comércio do corpo (a
doença social). Como não podiam acabar com a prostituição, conforme analisa Soares
(1986), já que era considerada um “grande mal”, mas um “mal necessário”, para a
estabilidade da família e de toda a sociedade, médicos e autoridades policiais lançaram-se à
sua regulamentação. No entanto, para esses mesmos médicos e autoridades, se a
prostituição pública tinha de ser tolerada, a prostituição clandestina, ao contrário, deveria
ser combatida, uma vez que esta escapava à vigilância. Neste cenário do século passado
surge a proposta da criação do bordel higienizado, com vantagens para a sociedade. Esta
proposta, no entanto, praticamente não foi concretizada, uma vez que a mesma necessitava
de uma política – para regulamentar e normatizar o meretrício – que não chegou a ser
implantada.
Soares (1986), com base em Machado et al. (1978), assinala que a comunidade médica, ao
propor o controle da prostituição, não estava na verdade negando ou reprimindo o sexo,
mas, sobretudo, desejava conhecer todas as suas dimensões. Este saber do século XIX,
para Nunes (1988)21, inseria-se na “tematização da saúde no espaço urbano”. Neste
sentido, segundo o referido autor, a análise dos espaços que representavam perigo de
doença e de desordem, como o bordel, completava o conhecimento sobre a cidade e o
21
Ver NUNES, E. D., 1988. A medida social no Brasil: um estudo de sua trajetória. Revista de Saúde
Coletiva, 5: 97-111.
34
esquadrinhamento urbano. No final do século XIX, ainda no entendimento de Nunes
(1988), emerge o movimento sanitarista, juntamente com a posição que situa a saúde como
uma questão social. Essa realidade vai permanecer até as primeiras décadas do século XX.
No âmbito do saber médico que atravessou o fim do século XIX até o início do presente
século, a prostituição associou-se às doenças venéreas, a ponto de, segundo Carrara (s/d)22,
não se poder fazer uma história dessas doenças sem se falar da prostituição. Nesta
associação perpassa a difícil questão de se atuar frente ao estigma. Para este autor, assim
como atualmente vincula-se a AIDS aos homossexuais masculinos, no passado, a sífilis era
vinculada à figura da prostituição. Junto à idéia de que a prostituição é uma doença,
atualmente percebem-se outros enfoques sobre o assunto. Vislumbra-se, por exemplo, um
enfoque que se desloca da idéia de “grupos de risco” para a de “práticas de risco”.
Este posicionamento que surge na era da AIDS, dentro de uma perspectiva de saúde
coletiva, orienta-se para uma nova concentração de doença. Nesta concepção, o foco de
atenção não está sobre alguns indivíduos, segregando-os, mas na sociedade como um todo.
“Mesmo que haja indivíduos ou grupos mais expostos, é toda a sociedade que está
imediatamente implicada no processo” (Carrara, s/d).
As estimativas que se tem sobre a prostituição infanto-juvenil no Brasil revelam um quadro
bastante sério e preocupante. Saffioti (1989) cita a estimativa do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), que levanta a possibilidade de 20% das meninas brasileiras
entre 10 e 15 anos exerceram a prática da prostituição. Em Dimenstein (1992)23 há outra
estimativa, do Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA), que aponta para a
existência de 500 mil meninas brasileiras que vivem na prostituição. Um levantamento
local, mencionado por Vasconcelos (1991)24, aponta para o fato de, num espaço de 40 dias,
ter havido mais de 1.000 meninas e adolescentes do sexo feminino que buscavam
sobrevivência nas ruas e nos bordéis do Recife.
22
Ver CARRARA, S., (s/d). A AIDS e a história das doenças venéreas no Brasil (de finais do século
XIX até os anos vinte). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Mimeo).
23
Ver DIMENSTEIN, G., 1992. Meninas da Noite: A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil.
São Paulo: Ática.
24
Ver VASCONCELOS, A., 1991. A prostituição de meninas e adolescentes no Recife. Tempo e
Presença, 258: 22-23.
35
A prostituição infanto-juvenil, em qualquer cenário em que se configura, desponta como
um fato cruel com muitos e diferentes matizes. Há momentos em que ela se integra ao
tráfico de drogas; há situações em que ela se confunde com a miséria; e há casos em que
seu início ocorre dentro do próprio lar. Em qualquer uma dessas situações, as crianças que
a ela sobrevivem têm uma história comum a contar: a história da violência. As marcas
desta violência são visíveis nos corpos e nas mentes, mesmo para aqueles que fazem força
para não ver. Segundo Luppi (1987)25, a prostituição infantil é um dos problemas mais
cruéis e comuns a que está exposta a infância pobre do Brasil. Para o autor,
paradoxalmente, esta temática é uma das menos pesquisadas dentro do conjunto de estudos
sobre a chamada “questão do menor” (conforme já mencionamos). A precariedade de
dados sobre este assunto também é apontada por Saffioti (1989) e Lamarão et al. (1990)26.
No levantamento preliminar acerca da problemática em questão, em termos de estudos
brasileiros que envolvem trabalho de campo, ressaltam-se apenas quatro investigações. O
primeiro estudo, citado por Vasconcelos (1991), aborda a realidade de meninas que vivem
nas ruas do Recife (Pernambuco), e dentro desta análise há uma reflexão sobre a venda do
corpo como forma de sobrevivência, por parte das meninas. No segundo, de Santos et al.
(1990)27, além de considerações teóricas sobre a temática em questão, há uma breve
análise comparativa sobre a prostituição infantil, a partir de dados presentes em entrevistas
com educadores que trabalham diretamente com meninas de Fortaleza (Ceará). No
terceiro, realizado por Lamarão et al., são examinadas causas e formas de exploração
sexual de meninas de Belém (Pará), a qual se encontra relacionada à pobreza. Por último, o
quarto estudo é um trabalho de jornalismo-pesquisa, de autoria de Dimenstein, que revela,
com todos os seus impactos, a perversidade do tráfico de meninas escravas na Amazônia
legal.
Para Saffioti, praticamente há uma sobreposição da prostituição e da pornografia infantis.
No cenário internacional, o uso de crianças na grande indústria pornográfica já é um fato
25
Ver LUPPI, C. A., 1987. Malditos Frutos do Nosso Ventre. São Paulo: Ícone.
Ver LAMARÃO, M. L. N.; OLIVEIRA, M. B. S. & MARIN, R. E. A., 1990. Cotidiano de Miséria
e Formas de Exploração Sexual de meninas em Belém. Belém: Movimento República do Pequeno Vendedor
– Centro de Defesa do Menor. (Mimeo).
27
Ver SANTOS, C. M. A.; RODRIGUES, J. V.; QUEIROZ, M. O. & PINHEIRO, A. A. A., 1990.
Prostituição infantil: considerações teóricas e observações sobre a realidade da cidade de Fortaleza. Revista
de Psicologia, 7/8: 97-113.
26
36
alarmante. Em Lorenzi (1987)28 há um dado que registra, nos Estados Unidos, para o ano
de 1987, a existência de 250 publicações especializadas nessa área, envolvendo crianças de
3 a 5 anos. No Brasil, como observa Saffioti não se dispõe de cifras sobre a pornografia
infantil. O uso da droga e a prostituição infantil são associados por alguns autores. Este uso
é mencionado por Vasconcelos como uma das formas de as meninas “agüentarem a vida de
rua”. Já Dimenstein (1992) observa que a rede de prostituição se cruza e se confunde com
a rede do tráfico de drogas. Quando se fala em prostituição infantil, pensa-se na
prostituição infantil feminina. Entretanto, há também a masculina, mas sobre esta
praticamente nada se sabe. As obras levantadas sobre a temática praticamente não
apresentam dados sobre esta realidade. Alguns autores apenas a constatam e observam a
ausência de dados sobre a prostituição infantil masculina.
Especialmente sobre a prostituição infantil feminina, Saffioti, em termos conceituais,
observa que há duas abordagens sobre exploração sexual: uma se confunde com o conceito
de exploração econômica, enquanto outra se refere à obtenção de prazer, com prejuízos da
saúde mental de quem está sendo explorado. Nas duas abordagens está implícita a idéia de
dominação, perpassada pelas categorias de sexo/gênero e idade. Isso é mais bem explicado
a partir do fato de a sociedade ocidental ser “androcêntrica” e “adultocêntrica”, nela se
tornando visíveis o poder do homem e o poder do adulto. Esta dupla opressão da qual a
menina-prostituta é vítima também se encontra assinalada em outros autores, como Santos
(1991)29. Saffioti estabelece duas considerações básicas. A primeira refere-se ao fato de a
educação promovida pelo adulto ser fortemente comprometida por uma visão machista. Na
segunda consideração está presente a idéia de que, no âmbito social, o poder associa-se à
violência. Na medida em que o homem detém maior poder, lhe é permitido desenvolver a
violência. Em geral, segundo a autora em questão, a violência sexual desenvolve-se a partir
da dominação do macho.
Como sabemos a violência contra crianças em geral deixa marcas profundas nas suas
vítimas. Vasconcelos (1991) relata que, na Casa da Passagem, no Recife, no período de
1987 a 1989, 3.700 questionários registram violências praticadas contra meninas e
mulheres-adolescentes, destacando-se estupros, incestos, espancamentos e abusos sexuais.
28
29
Ver LORENZI, M., 1987. Prostituição Infantil no Brasil e Outras Infâmias. Porto Alegre: Tché.
Ver SANTOS, H.O., 1991. Crianças Violadas. Brasília: CBIA/CRAMI.
37
As consequências da violência sexual são analisadas por Santos (1991) e Vittielo (1989)30.
Especialmente em relação à menina que se prostitui para sobreviver, observa-se que o seu
corpo, cobiçado e violentado, se converte em “objeto privilegiado das agressões por parte
dos outros; seja comprando-o, seja maltratando-o” (CEAP, 1993).
Num primeiro plano, comumente pode-se ver a violência sexual como protagonista
principal. No entanto, ao se descortinar este plano, logo é percebido na quase totalidade
dos casos de prostituição infantil, fortes indícios de violência estrutural. Este nível de
violência é forjado por um sistema social desigual, em que um enorme número de pessoas
é explorado para garantir privilégios de um pequeno número de outras.
A violência que permeia a prostituição infantil feminina por si só já constitui uma questão
de cunho evidentemente social e também de saúde coletiva. Esta afirmação se insere numa
constatação mais ampla, objeto de análise de Goldenberg et al. (1989)31, que ressalta a
violência contra a mulher na sociedade brasileira. Esta violência estrutura-se a partir da
organização hierárquica das relações de gênero, potencializada por atos violentos,
revelando o papel subalterno das mulheres presente no imaginário social. Segundo
Goldenberg et al., a saúde coletiva deve enfrentar esta questão, que, além das marcas
psíquicas produzidas, ameaça a integridade física da mulher. A saúde da mulher, como
observam Xavier et al. (1989)32, não se restringe à condição corporal, mas estende-se para
outros campos. Entre esses campos podem ser destacadas a sexualidade e a violência.
Além dos autores citados, há outros, como Agudelo (1989)33 e Minayo (1992)34, que vêm
discutindo a violência como uma demanda em saúde. Quase todos os autores tecem
considerações sobre a miséria presente por detrás da prostituição infantil, sem reduzir a
30
Ver VITIELO, N., 1989. Vitimização sexual: Conseqüências orgânicas. In: Crianças Vitimizadas:
A Síndrome do Pequeno Poder (M. A. Azevedo & V. N. A. Guerra, orgs.), pp. 123-141, São Paulo: Iglu.
31
Ver GOLDENBERG, P.; MEDRADO, M. A. & PASTERNOSTRO, M. A. N., 1989. A violência
contra a mulher: Uma questão de saúde. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp.
185-200, Petrópolis: Vozes.
32
Ver XAVIER, D.; ÁVILA, M. B. & CORREA, S., 1989. Questões feministas para a ordem médica:
O feminismo e o conceito de saúde integral. In: Mulher, Saúde e Sociedade no Brasil (M. E. Labra, org.), pp.
203-222, Petrópolis: Vozes.
33
Ver AGUDELO, S. F., 1989. Violência y/o salud: elementos preliminares para pensarlas y actuar. I
Encontro sobre Violência e Saúde, Rio de Janeiro: Claves/Ensp/Fiocruz. (Mimeo.)
34
MINAYO, M.C.S. 1992. Violência e saúde. In: Pesquisa Social em Saúde (A. W. P. Spínola, E. N.
C. Sá,M. F. Wsetphal, R. C. F. Adorno & F. Zioni, coords.), pp. 257-267, São Paulo: Cortez.
38
segunda à primeira. Azevedo (1986)35, por exemplo, além das condições socioeconômicas,
analisa outros fatores, como o desenvolvimento do turismo e a “ideologização” da infância
e das sexualidades feminina e masculina. Segundo a autora, esta ideologização faz com
que, entre outras coisas, haja uma divinização da ninfeta. Sem dúvida, a miséria tem uma
pontuação maior entre os inúmeros fatores mencionados pelos autores. Sobre isso, Santos
et al. observam que, em geral, a trajetória da menina de rua inicia-se na mendicância, passa
pelas pequenas vendas nos sinais e tem como fim a prostituição.
Para Saffioti, as profundas desigualdades socioeconômicas do país propiciam a exploração
de pessoas por pessoas. Neste contexto, a criança facilmente se torna uma mercadoria.
Segundo a autora citada, esta problemática deve ser entendida nos níveis nacional e
internacional. Em Dimenstein (1992) também fica patente a presença da miséria no cenário
da prostituição de meninas escravas no Brasil. Entre suas conclusões sobre esta perversa
realidade, o autor ressalta o fato de a miséria fazer com que as meninas vendam o único
bem que possuem: o corpo. Outra conclusão do autor sobre o tráfico de meninas escravas,
ligado ao tráfico de drogas, diz respeito à idade de ingresso na prostituição, que diminui à
medida que aumenta o número de crianças que vivem na rua. Uma das conseqüências deste
quadro nacional de pobreza é, sem dúvida, o chamado fenômeno de “meninos e meninas
de rua”.
Minayo et al. (1992) consideram que esta problemática refere-se a um fenômeno urbano
gerado pelo modelo econômico social que privilegiou a cidade sobre o campo e que, em
relação à cidade, descuidou-se da criação de equipamentos de políticas sociais e de geração
de renda. Com base em Vásquez (1990)36 e Minayo (1990)37, entre outros autores, percebese que a pobreza e a miséria podem ser situadas como consequências de uma violência
produzida por um sistema social desigual. Neste sentido, o ambiente de pobreza passa a ser
um cenário de violência, onde seus componentes atuam ora como vítimas, ora como
autores dos processos conflitivos.
35
Ver AZEVEDO, M. A., 1986. Prostituição infantil: Uma incursão indignada pelo lado nãorespeitável da sociedade. In: Quando a Criança Não Tem Vez: Violência e Desamor (M.H.F. Steiner, org.),
pp. 109-113, São Paulo: Pioneira. (Série Cadernos de Educação).
36
Ver VAZQUEZ, A. S., 1990. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
37
Ver MINAYO, M. C. S., 1990. A violência na adolescência: um problema de saúde pública.
Cadernos de Saúde Pública, 1: 278-291.
39
Especificamente sobre o processo saúde-doença, no artigo de Santos et al. (1990) há dados
que revelam as doenças mais comuns nas meninas envolvidas com a prostituição infantil
em Fortaleza. Entre essas se ressaltam as de pele; as sexualmente transmissíveis,
principalmente a gonorréia e a sífilis; e, comumente entre as que dormem na rua, as
infecções respiratórias, a exemplo da pneumonia e da bronquite. O artigo ressalta também
que “nem todas as meninas têm condições de manter uma relação sexual completa,
inclusive por falta de maturidade genital”. Ainda sobre este processo, em Dimenstein
podem ser encontrados exemplos do cotidiano de meninas-prostitutas da Amazônia legal.
Entre as 53 entrevistadas, 15% usavam método contraceptivo, 5% utilizavam regularmente
preservativo e 40% haviam feito aborto empregando métodos bem rudimentares, como
chutes na barriga, drogas impróprias, a exemplo da quina (destinada à malária), e agulha de
crochê. A maioria não possuía nenhum conhecimento sobre o funcionamento de seu corpo
nem sobre os perigos da gravidez, e algumas meninas confundiam AIDS com cólera.
Tais atitudes presentes na sociedade devem ser levadas em conta para se compreender
aspectos interiores da prostituição e suas relações com a vida social em geral. Não
considerar isso significa, no mínimo, reforçar o preconceito que impede um melhor
entendimento da temática em questão. A partir da articulação entre a intervenção no campo
da infância e da adolescência, da saúde pública, enquanto campo de conhecimento e de
práticas multidisciplinares, e a prostituição infanto-juvenil, pensada sobretudo enquanto
violação dos direitos humanos, é que se afigura a importância das discussões que
finalizamos aqui.
Entram em cena na dinâmica destes tipos de violência os efeitos perversos de um sistema
capitalista de produção que disponibiliza corpos - em especial aqueles “cobiçados” de
crianças e adolescentes, independentemente de sexo, classe social, raça e etnia - como se
estes fossem meras mercadorias a serem “consumidas” e, desta forma, exploradas.
Segundo o mesmo Relatório de Viabilidade, a exploração sexual e comercial de crianças e
adolescentes seria:
“Um fenômeno complexo e de difícil enfrentamento, inserido num
contexto histórico-social de violência endêmica e com profundas raízes
culturais. Foi apenas na década de 90, com a aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que esses passaram no Brasil a ser
40
juridicamente considerados sujeitos de direitos, e não mais menores
incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão. Essa ruptura
com antigos padrões societários representa um importante avanço
civilizatório – o dos direitos humanos. A construção de novas relações
adultos-jovens, baseada em relações afetivas, de proteção e de
socialização, implica em denúncia e responsabilização dos violadores
desses direitos (...).A realidade tem demonstrado que uma das situações
mais graves e freqüentes de exclusão, vulnerabilidade e risco social, em
que estão envolvidas crianças e adolescentes, é a de abuso e exploração
sexual comercial.(...) Por conta dos fatores sócio-econômicos, étnicos,
intergeracionais e culturais, o abuso e a exploração sexual comercial não
são de fácil percepção e quantificação” (p.7).
O desmonte dessa violência e a tentativa de reconstrução de uma cultura de respeito e amor
às crianças e, sobretudo, que garanta os seus direitos na sociedade implica em denunciar
permanentemente a quebra do respeito e da proteção social, também implica coibir os
abusos, enfrentar as ameaças e revelar os segredos, protegendo neste difícil caminho as
vítimas e as testemunhas. É necessário que seja fortalecida uma cultura extra e
intrafamiliar em que a relação social e a relação sexual não sejam vividas no silêncio mais
ou menos consentido e hipócrita da dominação, da discriminação e da exploração.
As políticas sociais de intervenção neste campo “delicado”, como se percebe, não
deveriam se restringir exclusivamente ao binômio denúncia - repressão. Sabemos que é
fundamental que direitos e prioridades, no sentido dos recursos públicos, estejam
garantidos em lei e em serviços do Estado para proteger as pessoas vitimizadas, punir os
agressores, prevenir os abusos, bem como salientamos também a importância de se discutir
seriamente e de forma mais aberta a sexualidade, assegurando à criança seu direito à
autonomia, à aprendizagem, a desenvolver saudavelmente a apropriação do seu próprio
corpo, numa sociedade e num Estado de direitos consolidados. Isto, obviamente, implica
também num maior acesso das famílias brasileiras a todas as políticas sociais básicas como
educação, saúde, habitação, lazer e renda mínima, inserindo-as na grande rede de proteção
social que se configura no paradigma mais atual de ação nesse campo, como veremos mais
adiante. Criança é cidadão. O Estado deve ainda, assegurar facilidades para a denúncia e a
punição dos agressores. O Estado também deve estar em condições de poder melhor
identificar, numa lógica em que recursos alocativos sejam escassos, aquelas populações de
41
crianças e adolescentes no Brasil que se encontrem mais e especialmente vulneráveis a
sofrerem o dano da exploração sexual e comercial.
“Num processo contraditório, a luta pela implementação do direito, da
proteção às crianças e adolescentes e do incentivo a sua autonomia e
aprendizagem é uma luta ideológica, cultural, simbólica contra esses valores
citados e uma luta pela mudança das condições de vida. Essa luta implica
também a construção da “cultura do castigo e da punição” aos agressores e
o fim da impunidade dos abusadores. A figura de parente, pai, chefe de
família não deve ser motivo para escusas e tolerâncias com o abuso ou a
exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei deve criminalizar as
agressões, os assédios, os abusos, a exploração e criar mecanismos para
que sejam responsabilizados os pais, padrastos e agentes do Estado, no
exercício ou não de suas funções que venham a praticar essas violações. O
poder de pai não anula o outro como poder ser e ser de poder. Ao contrário,
só se legitima ao construí-lo nos limites dos padrões civilizatórios dos
direitos humanos, incluindo a sexualidade responsável.” (Faleiros, 1997, 7)
Desmontar a violência intrafamiliar acarreta, não apenas, em denunciar e contar o número
de vítimas e encaminhar vitimizados, numa circulação “pingue-pongue” de um lugar para
outro, de um profissional para outro.
É preciso que estejamos mais preparados e
qualificados para enfrentar um tipo de violência que hoje extrapola inclusive os limites dos
estados nacionais, conformando-se rápida e instantaneamente em uma estrutura de rede
muito bem articulada e administrada, onde o lucro capitalista é o grande motor. Se as redes
são o formato das organizações violentas e criminosas nas sociedades contemporâneas,
devem ser também aquela forma estrutural que poderá, de forma mais eficiente e eficaz,
tentar articular os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA
no Brasil.
Também em termos da definição desta outra faceta da violência sexual vamos nos deparar
com farta polissemia. Há muitas dúvidas de como são estabelecidas aquelas que
poderíamos determinar como sendo “relações no mercado do sexo”. O que significa o fato
de separar o sexo do amor para poder comercializá-lo? Existe prazer no sexo sem afeição?
Como não se sentir violentado no mercado do sexo? Sexo sem afeto, sem amor, sem
carinho. Relação na qual um não considera o outro como sujeito, mas somente como
objeto? Qual é o prazer que os clientes e as pessoas que trabalham neste mercado de sexo
42
encontram ali? Estas são algumas das muitas dúvidas que nos acorrem quando
necessitamos de uma definição mais estrita do que seja a exploração sexual comercial.
Não resta dúvida de que a exploração sexual de crianças e adolescentes é crime previsto na
Constituição Brasileira, artigo 27, parágrafo 4º, assim como o trabalho infanto-juvenil que
tem suas normas definidas pelo artigo 68 do ECA. Neste sentido, entendemos que crianças
não devem trabalhar em lugar nenhum, pois o trabalho precoce pode vir a prejudicar o seu
desenvolvimento psicossocial e físico. No caso de adolescentes, estes só devem trabalhar
em locais que propiciem a sua efetiva profissionalização, durante o dia, sem correr
quaisquer perigos.
Sabemos, entretanto, que adolescentes podem, segundo uma leitura mais “liberal”, até
viver a sua sexualidade no “mercado do sexo”, mas é fundamental dizer que algumas das
principais características deste “mercado” propiciam grande possibilidade que essas sejam
exploradas. Sabemos que a adolescência é vivida no nosso país como um período de
grandes
turbulências,
onde,
frequentemente,
ocorrem:
desorientações
temporais,
manifestações da evolução sexual, atitudes anti-sociais, acompanhadas (ou não) da vontade
de separação progressiva dos pais, além de muitas outras mudanças oriundas das tentativas
do/a jovem buscar a construção de uma nova identidade para si mesmo/a.
Nesta fase, o “mercado do sexo” pode se afigurar um lugar de possibilidade do exercício
da aventura, da liberdade, da autonomia, da sedução e da conquista. Mas, o que significa
viver a adolescência no “mercado do sexo” numa fase de mudança do corpo, sem
conhecimento sobre o mesmo, cheio de mitos e fantasias? Viver este momento como um
simples objeto, num espaço que, muitas vezes, não se encontra afeição? Como valorizar
este novo corpo na prostituição que, na verdade, o desvaloriza? Ou será que recebe uma
importância que fora dela não encontra? Será que o corpo é o único “instrumento” da
mulher pobre que é visto pelo mercado moderno? É bastante comum encontrarmos casos
em que a figura do adulto, ao invés de funcionar como um referencial/apoio, trabalhar
como um aproveitador deste momento de fragilidade e de busca do/a adolescente. Sabemos
que muitos são os riscos deste “mercado”: a gravidez precoce, abortos, doenças
43
sexualmente transmissíveis, assim como a dupla exclusão social, quando não atendem mais
as exigências do mesmo.
Numa cultura de gênero ainda profundamente tradicional, patriarcal e machista como em
geral é a brasileira, na qual a primeira relação sexual é tão valorizada, a perda da
virgindade desvaloriza a menina. A saída encontrada pode ser se casar com o autor ou ser
vista como perdida (para o casamento). O casamento precoce e a separação em seguida ou
a nova identidade de perdida são alguns dos fatores que influenciam, certamente, na
“entrada” no mercado do sexo. Falta de lazer e opções de sobrevivência, vivência de abuso
sexual na família e repressão sexual também são alguns outros elementos importantes desta
dinâmica.
A exploração sexual, mesmo a de crianças e adolescentes, refere-se ao comércio das
relações sexuais. Aqui entram no palco as figuras do explorador, do rufião, da dona de
boate, do aliciador. Crianças em situação de exploração sexual são duplamente
vitimizadas: violentadas sexualmente pelos “clientes” e exploradas por quem tira proveito
dessas relações, como o dono de boate ou, às vezes, os próprios pais.
Vamos nos ater agora à rede autoritária de exploração sexual de crianças e
adolescentes. Esta outra trama está, como o próprio nome evidencia, centrada no lucro
comercial que se possa obter com o trabalho sobre o corpo da criança ou adolescente, ou
seja, ela atua fundamentalmente condição de transformação e submissão do corpo infantojuvenil em mercadoria humana para benefício sexual do cliente e benefício comercial dos
proprietários do comércio e aliciadores.
Vale dar fundamental destaque ao fato da exploração sexual de crianças e adolescentes se
distinguir da prostituição adulta, principalmente daquela que seria “opcional” (isto se este
tipo efetivamente existir).
A exploração sexual de crianças e adolescentes vai violar o direito humano fundamental ao
desenvolvimento autônomo do ser e do corpo da criança, à dignidade de seu corpo, a sua
44
própria humanidade. Estamos tratando aqui do fato da criança ser mantida à força nessa
situação: seja pela imposição da força física mesmo, seja pela força do amedrontamento,
ou ainda da própria ignorância ou desconhecimento de alternativas de vida. Algumas
poucas pesquisas já realizadas em bordéis ou prostíbulos mostram que são, justamente, as
crianças e adolescentes que não têm, sequer, a liberdade de ir e vir, conformando-se esta
em uma situação de evidente violação de seus direitos civis, políticos, sociais e àqueles
inerentes à sua condição de pessoa em desenvolvimento, previstos em vários tratados
nacionais e internacionais e sobretudo delineados no nosso Estatuto da Criança e do
Adolescente. Segundo Faleiros (1998), a rede de exploração pode ser mapeada da seguinte
forma:
Figura 3: Resumo das Dimensões de Interação da Rede de Exploração Sexual
Fonte: Faleiros, Vicente. (1998) Redes de Exploração e Abuso Sexual e Redes de Proteção. p.05.
*Vitimizada(o): Vivendo completamente isolada/o de outras redes pelo poder do explorador
Como podemos evidenciar, por sua vez, a rede da exploração sexual se articula de acordo
com os termos da economia predominante num determinado território/espaço, e ela
também se articula, pronta e rapidamente, com outras redes tais como as: do turismo
sexual, dos garimpos, da farta e transitória circulação de caminhoneiros, do trânsito livre e
desimpedido entre fronteiras nacionais, da construção e, às vezes, do próprio crescimento
desordenado de novas cidades, ou ainda, de obras que produzam impactos nestas cidades
onde haja a necessidade de ampla contratação de mão de obra masculina temporária; da
livre circulação de pessoas por áreas ribeirinhas empobrecidas e pouco vigiadas; da
presença de populações vulneráveis e de caráter “exótico” tais como as populações
indígenas e as mulheres “mulatas”/negras; entre outras. Estes elementos acabaram por se
configurar nas diretrizes que orientaram a criação dos Centros de Referência do Serviço de
45
Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e adolescentes (já que o abuso sexual
não possui características territoriais - espaciais e geográficas – que o demarquem).
Esta rede também se diversifica de acordo com o mercado de usuários/clientes, podendo
vir a se conformar em redes de alto luxo para cargos de alto escalão de políticos,
executivos e empresários e redes focadas mais para as camadas de média ou baixa renda
(ou ainda para um tipo específico de consumo corporal, a exemplo dos travestis e
transgêneros). Nesse caso estão situados os bares noturnos com quartos anexos onde as
crianças trabalham servindo mesas ou vendendo flores e outras bugigangas e são também
exploradas sexualmente.
Como já salientado, as redes de intervenção pública estão fragmentadas, e neste caso da
exploração sexual ainda mais inoperantes no sentido do enfrentamento e combate dessa
realidade. Destacam-se no âmbito do combate às redes de exploração, as ações de cunho
quase exclusivamente repressivo e de grande impacto e visibilidade na opinião pública e na
mídia tais como as blitzes, com a consequente prisão de alguns agentes e exploradores. A
mesma rede visualizada na figura acima precisaria ser muitíssimo melhor articulada para
enfrentamento da questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Contudo, é
totalmente incomum que os/as vitimizados/as da exploração sexual venham buscar o apoio
público-estatal (já que a dinâmica envolve lucros imensos – nem sempre da criança
explorada, ameaças etc.). Seria a rede de intervenção pública que deveria ter uma atitude
pró-ativa de busca destes casos, o que como veremos, não é o que acontece ainda hoje no
Brasil.
Nesta perspectiva preventiva e de atendimento seria preciso valorizar, sensibilizar,
defender a identidade, a dignidade, a autonomia e a igualdade destas crianças e
adolescentes, sobretudo desconstruir os papéis de gênero, ainda profundamente
tradicionalizados dentro do âmbito familiar e cultural, revendo o lugar ocupado hoje pelas
mulheres e homens nas famílias, no trabalho e na sociedade.
46
Em alguns casos também seria necessário o trabalho de combate a todas as formas de
discriminação étnico-racial presentes na sociedade brasileira, pois estas têm influenciado e
permeado, em função do exotismo de outras representações sociais construídas neste
âmbito relacional, as redes de abuso e exploração sexual.
Nesta sociedade profundamente desigual em que vivemos não é possível mais reforçar a
argumentação de que seria a pobreza a maior ou a única justificativa para qualquer forma
de abuso ou mesmo exploração comercial de crianças e adolescentes, principalmente no
trabalho. O direito igual a uma saudável convivência familiar e a patamares de excelência
na educação são, como todos nós sabemos, basilares para a proteção integral à criança e ao
adolescente. Na figura abaixo é possível identificar um detalhamento dos atores e
respectivos interesses envolvidos no processo de exploração sexual.
Figura 4: Detalhamento dos Elementos/Agentes e Interesses principais envolvidos na
situação da Exploração Sexual
Fonte: Elaboração Própria, Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa Nacional de Combate à
Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006.
47
As pessoas vitimizadas pela exploração sexual, ainda que possam obter em troca algum
dinheiro, acabam por perder sua autonomia, o direito sobre si, a decisão sobre seu próprio
corpo e seu destino, com consequências sérias sobre seu equilíbrio psicossocial, saúde e
educação. Um dos mecanismos é o constante aumento de sua dívida para com o
explorador, o que (re)coloca os/as vitimizados/as um posição e clara opressão e
subalternidade.
De forma sucinta, a exploração sexual de crianças e adolescentes:
•
Não é uma ação isolada; ela geralmente envolve mais do que duas pessoas, senão um
intenso processo de interação (redes de exploração), pelo menos no sentido de mais de
um adulto fará uso do explorado, seja uso físico ou dos recursos advindos do processo;
•
É um fenômeno via de regra mais visível, já que deve ser dado a conhecer àqueles que
farão uso, de alguma forma, dos serviços do/a vitimizado/a;
•
No caso da exploração, a questão econômica pode ser considerada como um
determinante bastante importante, mas não o único;
•
Tem aumentado, não somente no Brasil, mas também no mundo como um todo,
constituindo-se numa preocupação para vários países. Uma das razões desse aumento é
a associação dessa exploração com o crime organizado, não ficando restrito aos limites
das fronteiras de cada país.
Devido a estas especificidades e outras, destes fenômenos sociais, não podemos tratá-los
da mesma forma e nem ter a pretensão de que os instrumentos que se prestam ao seu
enfrentamento ou combate servirão indistintamente e de forma eficaz, para ambos. Abuso
sexual e exploração sexual comercial são fenômenos que podem vir associados, mas
pertencem a dinâmicas sociais de naturezas diferentes.
Conforme já assinalado acima, a real extensão desse tipo de violência é de difícil
dimensionamento em decorrência dos diversos fatores que conferem invisibilidade ao
fenômeno, tais como a subnotificação dos casos de abuso sexual (Biheler, 2002; Lalor,
2004 a; Polanczyk et al., 2003; Suarez-Sola e Gonzalez Delgado, 2003b; Barros, 2004;
Koshima, 1999; Santos, 1998), as diferenças culturais (Korbin, 2002; Lalor, 2004a; Islam e
Islam, 2003) e de legislação, bem como a conduta dos profissionais (peritos-legistas,
48
médicos, assistentes sociais, autoridades policiais e judiciárias) envolvidos, que não raro
resulta em diagnósticos e análises equivocados (Paiva, 2000; Herman, 2005; Santos, 1998).
A escassez e a irregularidade dos serviços de assistência social, o amparo jurídico-legal
limitado oferecido às vítimas (Crisma et al., 2004) e a dificuldade de acompanhamento dos
casos registrados (Gomes, 1998; Polanczyk et al., 2003) concorrem para que o assunto
permaneça pouco conhecido. Chama à atenção a carência de informações existentes sobre
as ocorrências e os atendimentos – aspecto analisado, a seguir, no contexto das regiões de
expansão do PAIR Minas -, especialmente os registros especializados previstos em casos
de violências sexuais infanto-juvenil, tais como os contidos nos laudos de exame médicolegal, nos boletins de ocorrência e relatórios médicos. Outros agravantes dizem respeito à
ausência de uniformidade dos termos empregados para designar o fenômeno e a expressiva
ausência de dados sobre o agressor. O fato alerta para a necessidade de um atendimento
contextualizado, no qual a atenção profissional individualizada deveria ceder espaço à
implantação de uma rede que acolhe, trata, age e pensa de forma integrada.
Por um diagnóstico da violência sexual infanto-juvenil:
subsidiando a rede de ações de enfrentamento à violência
sexual em Minas Gerais
Uma caracterização da violência sexual infanto-juvenil exige grande esforço dos
pesquisadores que a ela se dedicam, uma vez que: a) há escassez de diagnósticos
disponíveis (e mesmo de dados confiáveis) sobre o tema, e b) a já citada ocorrência, em
patamares expressivos, de subnotificação dos registros relacionados a esse tipo específico
de violência. Segundo Moutinho e Sampaio (2005):
“Os principais fatores que costumam ser apontados como aqueles que
contribuem para o sub-registro são: tipo de crime; visão da vítima sobre a
polícia e a sua capacidade de resolver conflitos; experiência anterior da
vítima com a polícia; seleção de tipos e tratamentos que os variados
crimes recebem dos sistemas policial e judiciário; grau e tipo de
relacionamento da vítima com o agressor.” (Moutinho e Sampaio,
2005:15).
49
A violência sexual contra crianças e adolescentes se caracteriza pela proximidade entre
vítima e agressor (especialmente nos casos de abuso sexual)38 e dizem respeito a crimes
que causam constrangimento às vítimas (Aded et al., 2006). Ademais, além da
subnotificação dos registros, as pesquisas relacionadas a esse tema têm de enfrentar a
inexistência de bases de dados informatizadas e a falta de sistematização das informações
disponíveis no âmbito nacional (Moutinho e Sampaio, 2005:23).
Pode-se entender essa forma de violência como um processo de violação de direitos que
engloba tanto as situações de abuso sexual intra e extrafamiliar que se caracterizam como
não possuindo um caráter comercial, como as situações de exploração sexual, nas quais a
dimensão mercantil está nitidamente presente.
Apesar de a sociedade ressaltar a importância da família, historicamente sua organização
não se fez sob os princípios fundamentais de respeito à pessoa humana, configurando-se
como um espaço da hierarquia e da subordinação caracterizado pelo domínio dos homens
sobre as mulheres e de adultos sobre as crianças. A violência interpessoal de caráter sexual
contra crianças e adolescentes, nesse sentido, é uma violação de direitos humanos, sexuais
e dos direitos particulares de pessoa em desenvolvimento. A violência sexual intrafamiliar
constitui uma violação ao direito de uma convivência familiar protetora e uma
ultrapassagem dos limites estabelecidos pelas regras sociais, culturais e familiares.
A violência, que no cotidiano familiar é apresentada como abuso sexual, psicológico ou
mesmo a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, configura-se a partir das
complexidades e sutilezas envolvidas no exercício do poder no contexto intrafamiliar.
Segundo Faleiros (1997),
“Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se
exerce pelo adulto ou mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a
criança e o adolescente num processo de apropriação e dominação não só
do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de sua pessoa
enquanto outro. Esse uso (chamado abuso) do poder da força é, de fato,
uma profunda desestruturação de uma relação de poder legitimado pelo
direito e pelo diálogo, pela autoridade da maiêutica na dinâmica de
38
Nas seções que se seguem serão apresentados dados fornecidos pelo CREAS a respeito da
caracterização das vítimas e dos agressores, a partir dos atendimentos realizados nesse equipamento em
municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas.
50
ensino/ aprendizagem mútua vivida no questionamento comum do
mundo e na construção da autoridade legítima” (Faleiros,1997, 6).
Este tipo de violência, em especial, está enredado por uma trama social onde o que
predomina é uma perversa cultura do silêncio. Algumas das pesquisas39 (Faleiros, 1995,
1997), neste campo ainda pouco investigado, tendem a destacar determinados aspectos que
estão associados ao fenômeno do abuso intrafamiliar. Entre eles:
A) O segredo familiar. O problema da violência intrafamiliar está envolto em relações
complexas da e na família, pois os agressores são quase sempre parentes ou pessoas
muito próximas das vítimas, vinculando sua ação, ao mesmo tempo, à sedução e à
ameaça.
A violência se manifesta pelo envolvimento dos atores na relação
consangüínea, frequentemente para proteção da “honra” do abusador, para
preservação do provedor e tem contado, muitas vezes, com a complacência de
outros membros da família, que nesse caso;
B) As crianças e adolescentes vitimizadas são traumatizadas pelo medo, pela
vergonha e até mesmo pelo terror. É recorrente que as mesmas tendam a reprimir
ou evitar falar do assunto, mas sofrem com freqüência sintomas de depressão,
descontrole emocional, anorexia, dificuldades nos estudos, problemas de
concentração, digestivos, fobias e da sensação de estar sujo. Há, em casos mais
graves, tentativas de suicídio ligadas ao trauma;
C) A reincidência. Os abusadores são quase sempre reincidentes; não se limitam a
episódios únicos ou isolados de violação, seja da família ou fora dela. Exemplo
disso são os pedófilos;
D) A repetição da violência. As pessoas vitimizadas podem desenvolver a tendência a
repetir a violência, desta vez com outras pessoas, da mesma forma como foram
vitimizadas;
E) A presença da violência em todos os segmentos sociais.
Pesquisas revelam
inexistir um perfil específico para as crianças que sofrem este tipo de violência,
sendo mais freqüente a existência de um número maior de denúncias de famílias
pobres. Mas a pobreza não pode ser considerada causa de abuso, e sim uma
situação de vulnerabilidade e de risco maiores ao propiciar a possibilidade da
39
Pryor traz o resumo de 10 estudos recentes sobre o abuso sexual. In PRYOR, Douglas. Unspeakable acts.
Why men sexually abuse children. New York, New York University Press, 1996.
51
experiência da falta de alojamento adequado, de frustrações em relação à miséria,
do desemprego, do analfabetismo, do alcoolismo, da falta de uma cultura do
diálogo com as crianças;
F) As crianças e adolescentes podem ser vitimizados em qualquer idade, mas as
reações e os traumas são diferenciados de acordo com a idade em que o abuso foi
iniciado. É igualmente diferenciada a capacidade da criança ou adolescente de
reagir, contar, resistir e do apoio que venha a receber. Não se pode definir um
padrão único de abuso40;
G) A impunidade do abusador. O abusador é, muitas vezes, “perdoado” pela família e,
em determinados caso, até pela sociedade por razões culturais, patriarcais e
autoritárias;
H) “Fuga da casa”. É freqüente, em depoimentos de meninos e meninas de rua, a
constatação de que a fuga da casa foi motivada por agressões e abusos físicos e/ou
sexuais;
I) A necessidade, em alguns casos, de atendimento terapêutico e quase de
acompanhamento em formato multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista
a complexidade do problema.
A violência que está presente na exploração sexual e comercial contra crianças e
adolescentes, por sua vez é, infelizmente, um problema de escala mundial. “Por ser ilegal,
clandestina e em grande parte doméstica, é uma questão ainda pouco visível e difícil de ser
qualificada. O mais freqüente tipo de violência a que estão sujeitas crianças e adolescentes
é aquele denominado estrutural, em função da precária situação socioeconômica das
famílias das quais grande parte das crianças e adolescentes se originam” (Relatório de
Viabilidade – MDS, 5-6). Mas esta é apenas uma face nem sempre visível das múltiplas
faces da violência que acometem as unidades familiares no Brasil.
Os esforços e as possibilidades de enfrentamento do problema da ESCCA no Brasil
requerem, portanto, novas modalidades de ação pública, destacando-se a configuração de
redes de proteção e enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil, como proposto por
programas como o PAIR.
40
Ver, por exemplo, HAESEVOETS, Yves-Hiram. “Symptomatologie particulière des enfants victimes
d’inceste” in Les Politiques Sociales 55(1&2):51-57, Mons, 1996.
52
Nesse contexto, o presente trabalho caracteriza os municípios da área de expansão do
PAIR Minas no que tange ao quadro de violência e de criminalidade observada, e em
seguida, aborda o fenômeno da violência sexual infanto-juvenil. Além disso, esse trabalho
apresenta um esforço de caracterização da rede de vigilância socioassistencial e dos órgãos
do sistema de garantia de direitos, de modo a fomentar a articulação entre esses,
garantindo, assim, estratégias mais eficazes de enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes.
53
Metodologia
A elaboração do diagnóstico consistiu no levantamento, sistematização e análise de
informações secundárias sobre as características socioeconômicas e demográficas das
populações residentes, sobre a configuração do fenômeno da violência sexual infantojuvenil e da rede de proteção à criança e ao adolescente na área de expansão do PAIR
Minas.
A estrutura do diagnóstico obedece a um recorte regional, adotando-se como marco
referencial as mesorregiões geográficas e o porte populacional dos municípios. Esse
marco possibilita a identificação de especificidades relacionadas à matriz de riscos e
vulnerabilidades sociais, ao fenômeno da violência sexual infanto-juvenil e à rede de
proteção potencial no âmbito municipal, ao mesmo tempo em que permite o
estabelecimento de vínculos com as estruturas de desigualdades socioterritoriais
presentes no espaço regional.
Essa escolha metodológica justifica-se por duas razões principais. Em primeiro lugar, a
regionalização dos riscos e das ocorrências de violência sexual infanto-juvenil foi um
dos aspectos considerados na definição da área de expansão do PAIR Minas, sendo foco
da atenção os riscos e vulnerabilidades sociais configuradas territorialmente. Em
segundo, a regionalização das políticas sociais é hoje uma das estratégias centrais para
ampliar a efetividade das ações e serviços governamentais, incluindo aqueles voltados
para o enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil. Esse aspecto é de especial
importância no contexto do PAIR na medida em as políticas voltadas para a proteção às
crianças e adolescentes vêm adotando modalidades regionalizadas de oferta de serviços,
como é o caso da Assistência Social, da saúde e do Sistema de Garantia de Direitos.
O atual projeto de expansão do PAIR abrange 04 (quatro) mesorregiões e 07 (sete)
microrregiões do estado de Minas Gerais. As variações entre as regiões, relativamente
ao número de municípios e população atingida pela expansão do PAIR, reiteram a
importância de um diagnóstico baseado em um recorte regional, ainda que desagregado
no nível municipal.
Tabela 1: Área total de Minas Gerais e das mesorregiões geográficas dos
municípios beneficiados pelo projeto de expansão do PAIR Minas, 2000.
MESORREGIÃO
GEOGRÁFICA
ÁREA DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA
(Km²)
Jequitinhonha
50.598,9
Vale do Mucuri
19.728,5
Vale do Rio Doce
41.809,1
Metropolitana de Belo Horizonte
39.508,9
526.528,293
Minas Gerais
Fonte: IBGE – SIDRA, Dados de 2000.
A área de expansão do PAIR inclui 40 (municípios) e está territorialmente concentrada,
principalmente, em duas mesorregiões, o Vale do Mucuri e o Vale do Jequitinhonha. Na
primeira, o projeto atingirá 14 municípios, o que representa 60,9% do total e 81,9% da
sua população residente. No Vale do Jequitinhonha, está prevista a expansão do
programa para 15 municípios (29,4%) que abrangem 42,6% da população. A
mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte será beneficiada com a inclusão de
apenas 7,6% de seus municípios, mas a expansão atingirá 32% da população residente,
pois serão incluídos municípios de grande porte41. Na mesorregião Vale do Rio Doce
serão beneficiados 03 (três) municípios, que representam 2% da população residente.
Tabela 2: Municípios e população beneficiada pela expansão do PAIR Minas,
UFMG/SEDESE/AMAS, 2008/2009.
UNIDADES TERRITORIAIS
MESORREGIAO
Vale do Mucuri
MICRORREGIAO
Teófilo Otoni
Nanuque
Vale do Rio Doce
Governador Valadares
Jequitinhonha
Araçuaí
Pedra Azul
Almenara
Metropolitana
de Belo Horizonte
ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA EXPANSÃO
PAIR-MINAS
MUNICÍPIOS
POPULAÇÃO
Beneficiados
Total
Beneficiada
Total
(N)
(%)
(N)
(%)
14
60,9
308.443
81,9
10
76,9
220.461
85,4
04
40,0
87.982
74,2
03
02.9
30.283
1,9
03
12,0
30.283
07,3
15
29,4
296.147
42,6
06
75,0
131.627
85,0
05
100,0
84.313
100,0
04
25,0
80.207
45,6
08
07,6
2.011.070
08
33,3
2.011.070
MINAS GERAIS
40
4,7
2.645.943
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007.
Belo Horizonte
32,1
41,6
13,7
Nas regiões do Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha o número expressivo de
municípios incluídos nessa fase de expansão do PAIR Minas pode atuar como elemento
41
Cabe destacar que o PAIR já está implantado no município de Belo Horizonte, que abrange 50%
da população desta mesorregião.
55
importante para a capilarização do Programa no espaço regional. Cabe destacar, no
entanto, que é importante considerar que o efeito potencial dessa capilaridade para o
enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil depende da capacidade de
organização e oferta de ações e serviços relativos aos seis eixos estratégicos definidos
no Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil42 no âmbito
desses territórios. Nessa direção, um parâmetro importante é o porte dos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas.
A diferenciação dos municípios com base nesse critério é hoje adotada pela política de
Assistência Social como elemento norteador na caracterização do perfil e volume de
demandas por ações socioassistenciais, bem como da capacidade de oferta desses
serviços por parte dos municípios. No contexto da política nacional de Assistência
Social, o porte populacional dos municípios é uma variável crítica tanto para o
mapeamento de matrizes de riscos e vulnerabilidades sociais quanto para a definição de
estratégias de organização e hierarquização dos serviços socioassistenciais43.
Tabela 3: Municípios da área de expansão do PAIR Minas segundo a mesorregião
e porte populacional, 2007.
PORTE POPULACIONAL DO MUNICÍPIO
MESORREGIÃO
Pequeno I
Pequeno II
Médio
Grande
Metrópole
Vale do Mucuri
Vale do Jequitinhonha
Vale do Rio Doce
Metropolitana de Belo Horizonte
11
07
02
20
01
08
01
10
01
01
02
01
07
08
-
Total
14
15
03
08
40
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE – Contagem da População 2007.
42
Esses eixos são: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização,
atendimento, prevenção e protagonismo infanto-juvenil. SEDH,MJ, 2000.
43
A metodologia utilizada pela Política Nacional de Assistência Social distingue o porte
populacional dos municípios em cinco categorias: Municípios pequenos I: população até 20.000
habitantes; municípios pequenos II: população entre 20.001 a 50.000 habitantes; municípios médios:
população entre 50.001 a 100.000 habitantes; municípios grandes: população entre 100.001 a 900.000
habitantes; metrópoles: população superior a 900.000 habitantes. Segundo a PNAS “a referida
classificação tem o propósito de instituir o Sistema Único de Assistência Social, identificando as ações de
proteção básica de atendimento que devem ser prestadas na totalidade dos municípios brasileiros e as
ações de proteção social especial, de média e alta complexidade, que devem ser estruturadas pelos
municípios de médio, grande porte e metrópoles, bem como pela esfera estadual, por prestação direta
como referência regional ou pelo assessoramento técnico e financeiro na constituição de consórcios
intermunicipais. Levar-se-á em conta, para tanto, a realidade local, regional, o porte, a capacidade
gerencial e de arrecadação dos municípios, e o aprimoramento dos instrumentos de gestão” (PNAS, 2004,
40)
56
Conforme apresentado na tabela anterior, os municípios beneficiados com a expansão
do PAIR Minas são, predominantemente, de pequeno porte, sendo que 50% deles têm
uma população de até 20.000 habitantes (Pequeno I) e 25% com até 50.000 habitantes
(Pequeno II). Estes municípios estão distribuídos nas mesorregiões Vale do Mucuri, do
Jequitinhonha e do Rio Doce. Do total de 10 municípios de médio porte e grande, 08
estão localizados na região Metropolitana de Belo Horizonte.
O número expressivo de municípios de pequeno porte (I e II) e a concentração dos
mesmos em determinadas regiões reforçaram a importância de caracterização do espaço
regional em relação ao perfil de demandas e ao potencial de oferta de serviços
socioassistenciais. Esses serviços são estratégicos para o enfrentamento da violência
sexual contra crianças e adolescentes, particularmente para prover atenções
especializadas, incluindo o atendimento psicoassistencial e jurídico às vítimas e suas
famílias em casos de risco ou de violação de direitos. Atualmente, a provisão dessas
atenções é assegurada mediante um modelo de proteção social hierarquizado (básica e
especial), operacionalizado a partir de estratégias de regionalização de serviços44,
notadamente aqueles de média e alta complexidade, incluindo aqueles destinados às
vítimas de violência sexual infanto-juvenil.
A operacionalização dessa escolha metodológica – o recorte regional com foco na
matriz de riscos e vulnerabilidades e na rede de proteção existente – resultou na
organização do diagnóstico em quatro eixos: (1) a base territorial da área de expansão
do PAIR Minas; (2) caracterização sócio-demográfica; (3) violência sexual infantojuvenil e (4) a rede de proteção social e de enfrentamento à violência sexual infantojuvenil.
O primeiro eixo do diagnóstico caracteriza os territórios beneficiados pela expansão do
PAIR Minas, relativamente às especificidades desses espaços no âmbito municipal e
estadual. A caracterização e a territorizalização da matriz de riscos e vulnerabilidades à
exploração sexual infanto-juvenil foi uma das principais estratégias das primeiras
iniciativas de enfrentamento à exploração sexual infanto-juvenil no país. O primeiro
44
A “hierarquização da rede pela complexidade dos serviços e abrangência territorial de sua
capacidade em face da demanda” é um dos parâmetros de organização da rede socioassistencial previstos
pelo Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS, 2005:23).
57
programa de combate à ESCCA implantado em escala nacional, o programa Sentinela,
utilizou como critérios de focalização de suas ações a presença de um conjunto de riscos
e vulnerabilidades vinculados às condições socioterritoriais do município45. Segundo
essa estratégia, as seguintes características dos municípios foram identificadas como
fatores de risco à ESCCA: proximidade às rodovias, presença de garimpos, presença de
aldeias indígenas, localização em regiões ribeirinhas ou portuárias, a realização de obras
de grande impacto, extensão da atividade de turismo, localização em região de fronteira.
Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de
estratégias de enfrentamento da violência infanto-juvenil por não serem temporários ou
transitórios, sendo, ao contrário, aspectos estruturadores dos territórios e da extensão e
complexidade da matriz de riscos ali presente.
A caracterização dos territórios foi realizada de forma a identificar a presença desses
fatores de riscos e associar a sua presença à ocorrência de eventos de violência sexual
infanto-juvenil nas mesorregiões consideradas.
O segundo eixo caracteriza os territórios em relação aos aspectos sociodemográficos,
com foco na presença de população mais vulnerável à violência sexual contra crianças e
adolescentes. Ainda que não pretenda estabelecer relações de causalidade entre os
fenômenos tradados, o diagnóstico fornece um painel relativamente amplo de
informações sobre a infra-estrutura econômica dos municípios, a (in)segurança de renda
dos diferentes segmentos populacionais e as vulnerabilidades sociais passíveis de serem
associadas aos perfis dos grupos familiares.
O eixo seguinte, sobre a violência sexual infanto-juvenil organiza as informações
disponíveis sobre o fenômeno no contexto das ocorrências de criminalidade e das
violências acometidas contra crianças e adolescentes, configuradas em cada território.
Cabe ressaltar, o caráter aproximado do quadro que emerge dos indicadores analisados,
em especial, por se tratar de uma área ainda afetada pela subnotificação dos eventos e,
em conseqüência, um dimensionamento do fenômeno subestimado. O uso, nesse caso,
de estatísticas oficiais e de estudos especiais certamente limita o dimensionamento do
45
Programa iniciado em 2001, atualmente foi reorganizado, no âmbito da rede socioassistencial,
como serviço prestado pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, como serviço de
média complexidade denominado Proteção Social às Crianças e aos Adolescentes Vítimas de Violência,
Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias.
58
fenômeno apresentado pela restrição dos dados e inexistência de séries temporais de
dados sobre essa temática. Essa restrição é reflexo da saliência ainda recente do tema na
agenda pública e as condições limitadas de responsabilização dos violadores de direitos,
associadas à incipiência e fragilidade institucional do sistema de garantia de direitos na
maioria dos municípios.
No último eixo, são abordadas as configurações das redes de proteção social46 e de
enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil existentes nos municípios. A
caracterização da primeira dimensiona a infra-estrutura instalada, em relação a
programas e serviços estratégicos para o enfrentamento dessa violência, de forma a
fornecer à Comissão Operativa Local um quadro dos recursos e insumos disponíveis no
nível municipal e regional, bem como dos agentes cujas ações são relevantes para a
materialização do PAIR Minas. A configuração da rede de enfrentamento é focalizada a
partir da identificação de agentes governamentais e da sociedade civil, atuantes em
diferentes ambientes institucionais e áreas de políticas.
As informações foram coletadas junto a diversas fontes de informação, incluindo órgãos
oficiais de estatísticas, órgãos gestores de políticas públicas, centros de pesquisa e
universidades (conferir Anexos).
Um aspecto importante é que a estrutura do diagnóstico é compatível e complementar
àquela adotada no Sistema de monitoramento e avaliação do Projeto PAIR Minas.
Dados os limites de elaboração do diagnóstico com base em informações secundárias
sobre uma temática cujas estatísticas são ainda recentes e limitadas, as conclusões
apresentadas devem ser complementadas e atualizadas pelas informações produzidas
pela primeira coleta de dados do Sistema, que será a linha de base para avaliação do
programa47. Os indicadores do presente diagnóstico e aqueles incluídos no Sistema de
Monitoramento e avaliação do PAIR Minas são similares e complementares, permitindo
46
“A proteção social de Assistência Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções,
benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e
naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva,
biológica e relacional. A proteção social de Assistência Social, ao ter por direção o desenvolvimento
humano e social e os direitos de cidadania, tem por princípios: a matricialidade sociofamiliar;
territorialização; a proteção pró-ativa; integração à seguridade social; integração às políticas sociais e
econômicas.” (MDS, 2005:19).
47
A linha de base consiste no levantamento e caracterização da área de problema em questão antes
da intervenção do Programa, no caso, o PAIR. Segundo o cronograma do projeto, a construção dessa
linha de base ocorrerá a partir da adesão dos municípios ao PAIR, prevista para abril de 2009.
59
à Comissão local definir estratégias de ação adequadas ao cenário diagnosticado e
acompanhar os impactos das mesmas ao longo do ciclo de implantação do projeto.
60
Expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte
Base territorial do PAIR
O objetivo dessa seção é caracterizar as estruturas socioterritoriais dos municípios
beneficiados com a expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte em relação aos fatores de risco e vulnerabilidade à violência sexual infantojuvenil.
A caracterização desses espaços territoriais constitui-se em etapa importante para se
dimensionar o fenômeno e compreender a sua configuração e dinâmica no espaço
regional e local. Um primeiro aspecto a ser considerado na caracterização
socioterritorial da matriz de riscos e vulnerabilidades de crianças e adolescentes à
violência sexual é o porte populacional dos municípios.
A expansão do PAIR Minas na RMBH atingirá 08 (oito) municípios, o que representa
07,6% do total de municípios nessa mesorregião. Quanto ao porte populacional, os
municípios são, predominantemente, de grande porte, sendo 07 (sete) desse tipo e 01
(um) caracterizado como de médio porte, conforme tabela 4 apresentada abaixo. Com
exceção de Vespasiano que passou de município de médio para de grande porte entre
2000 e 2004, não houve mudança na classificação dos municípios entre 2000 e 2007.
Do ponto de vista da dispersão territorial, esses municípios estão espacialmente
concentrados na microrregião de Belo Horizonte. Ou seja, são localizados no entorno da
capital do estado, Belo Horizonte, configurando um espaço territorialmente contíguo
para a operação do programa.
Essa configuração é de especial importância, pois resulta do processo de
conurbação/metropolização48 que marcou a expansão dessa área nas últimas décadas.
Os municípios localizados em tal área se caracterizam pela integração ao pólo da
RMBH considerada alta (Betim, Sabará e Nova Lima) ou muito alta (Contagem, Ibirité,
Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano). Essa integração é medida de acordo
48
Coalescência de várias cidades e sua fusão numa área metropolitana.
61
com a evolução demográfica, fluxos de deslocamentos, densidade e características
ocupacionais dos municípios. A dinâmica de integração desses municípios a Belo
Horizonte, o pólo, foi marcada nas últimas décadas pela inversão espacial do
crescimento demográfico a partir de uma mudança no comportamento das migrações
intrametropolitanas, ou seja, redução do crescimento demográfico da capital e aumento
nos municípios da RMBH e do colar metropolitano (Soares, Sousa e Brito, 2006). A
participação da capital no total da população da região metropolitana, que concentrava
75% dos habitantes nos anos 60, declina para 51% em 2000.
Mapa 1: Municípios da área de expansão do PAIR na Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Minas Gerais, 2008.
Fonte: Elaboração própria.
Mais importante, no entanto, é que essa redistribuição populacional está associada a um
processo de metropolização da pobreza, ou seja, uma reconfiguração sócio-espacial da
concentração de diferentes segmentos socioeconômicos decorrentes de movimentos
migratórios intrametropolitanos. Como salientam Soares, Sousa e Brito (2006),
verificou-se uma expansão dos municípios localizados nos eixo norte e oeste de Belo
62
Horizonte49, em decorrência da mobilidade dos pobres, e dos municípios do eixo sul,
que ao contrário, atraiu segmentos de alta renda econômica.
Tabela 4: Distribuição dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas
na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o porte populacional, 2007.
REGIÃO METROPOLITANA
DE BELO HORIZONTE
PORTE
MUNICÍPIOS
Grande
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Médio Nova Lima
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do
IBGE, 2007.
O enfrentamento de violências sexuais tem conferido atenção especial às áreas
metropolitanas e às especificidades assumidas pelo fenômeno nesses contextos50. Essas
áreas apresentam, normalmente, uma matriz de riscos mais complexa na medida em que
se observa uma combinação de diferentes fatores de risco e vulnerabilidades sociais à
violência infanto-juvenil e também pelos efeitos de transbordamento desses problemas
para os municípios conurbados. Ademais, a dinâmica centro-periferia verificada nas
metrópoles brasileiras, com a concentração das populações pobres nos municípios
localizados no colar das regiões metropolitanas é um dado central para a identificação
dos territórios mais vulneráveis.
Dentre os fatores de risco, alguns assumem maior centralidade para a definição de
estratégias de ação voltadas para o combate a esse tipo de violência devido ao fato de
não serem temporários, constituindo em elementos estruturadores dos territórios e da
extensão e complexidade da matriz de riscos ali presente. A localização dos municípios
nas proximidades de rodovias, a presença de garimpos e de aldeias indígenas, o fato de
situar-se em áreas litorâneas, ribeirinhas ou em regiões de fronteira são alguns desses
fatores.
49
Dentre os municípios beneficiados pela expansão do PAIR na RMBH localizam-se nos eixos
oeste e norte os seguintes: Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Vespasiano, Betim, Contagem e Ibirité. No
eixo Sul encontra-se o município de Nova Lima.
50
Matriz intersetorial de enfrentamento da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes,
2004.
63
Em avaliação recente do “Programa Sentinela”, Matos et. al. (2007) argumentaram, no
entanto, que esses fatores são preditores importantes da exploração sexual, mas não dos
eventos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Em atenção a esse aspecto, a
discussão que se segue abordará, inicialmente, a presença daqueles fatores de risco e, na
seqüência, tratará de aspectos relacionados à vulnerabilidade social de certos segmentos
sociais e grupos familiares.
Nesse sentido, destaca-se que a metodologia de expansão do PAIR Minas adotou a
proximidade de rodovias como critério de seleção dos municípios a serem beneficiados.
Diagnósticos sobre a violência sexual infanto-juvenil mostram que nos municípios
próximos a rodovias e a entroncamentos rodoviários há uma concentração de pontos
vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes. O Guia para Localização de
Pontos Vulneráveis à Exploração Sexual Infanto-Juvenil ao longo das Rodovias
Federais Brasileiras, publicado em 2007, identifica esses pontos com base na presença
de “estacionamentos de caminhões, balneários, lojas, paradas de ônibus, lanchonetes,
hotéis, borracharias, clubes, postos de caixa eletrônico, povoados, vilarejos, trevos e
rotatórias nas estradas, festas freqüentes, praças, casas particulares, viadutos ou pontos
espalhados ao longo das estradas” (OIT, 2007,14). Estudos demonstram que a
existência de uma infra-estrutura destinada aos viajantes acaba também servindo à
ocorrência do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil já que é, geralmente,
nesses pontos de parada, que esse tipo de violência ocorre. 51
Minas Gerais ocupa posição destacada dentro da malha rodoviária nacional uma vez que
a maioria das rodovias federais corta o território estadual, totalizando 14.158,9
quilômetros de rodovias. Além disso, a “malha rodoviária conta ainda com 13.218,6 km
de rodovias estaduais, 3.427,2 km de rodovias estaduais transitórias e 239.249,4 km de
rodovias municipais, perfazendo um total de 270.053,8 km de rodovia” (OIT, 2007).
Essa extensão da malha rodoviária do estado merece destaque na medida em que Minas
Gerais ocupou o primeiro lugar em número de pontos vulneráveis à exploração sexual
infanto-juvenil no país segundo estudo da Polícia Federal em 2007 (idem, 2007).
51
Diagnósticos realizados pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/UFMG), pelo Programa Pólos de Cidadania
(Pólos/UFMG) e pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
64
Em se tratando dos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 04 (quatro) rodovias federais se destacam enquanto
fator de risco à exploração sexual infanto-juvenil: BRs 040, 262, 381 e 356. Esta última,
entretanto, não exerce influência direta sobre nenhum dos municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas. Entre as outras rodovias, a BR-040 é a que exerce influência
sobre o maior número de municípios beneficiados. Além de atravessar o município de
Contagem, a rodovia se situa próximo aos municípios de Sabará, Betim, Ribeirão das
Neves, Nova Lima, Ibirité e Vespasiano. A BR-262 localiza-se próximo do município
de Sabará e, próximo ao município de Santa Luzia localiza-se a BR-381.
Mapa 2: Malha rodoviária da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte.
Fonte: Elaboração própria
A BR-040 é uma rodovia federal radial, assim denominada por ter uma de suas
extremidades localizada na capital de um estado ou país.
52
Seu ponto inicial fica na
52
Essa nomenclatura é adotada pelo Sistema Viário Nacional na classificação das rodovias
federais e também por alguns estados. Radial é a denominação dada a rodovias que têm uma de suas
extremidades localizada na capital de um estado ou país. O nome é adotado pelo Sistema Viário Nacional
na classificação das rodovias federais e também por alguns estados. Rodovia longitudinal é a
denominação recebida pelas rodovias federais brasileiras que cruzam o país no sentido Norte-Sul. A
quilometragem é medida nesse sentido. Rodovia Transversal é a denominação recebida pelas rodovias
65
cidade de Brasília (DF) e o final, no Rio de Janeiro (RJ). A BR passa pelo Distrito
Federal e pelos Estados de Goiás, Minas Gerais, e Rio de Janeiro. Sua extensão é de
1178,7 quilômetros.
A BR-262 localiza-se próximo do município de Sabará. Trata-se de uma rodovia
transversal (denominação recebida pelas rodovias federais que cruzam o país no sentido
Leste-Oeste) que interliga os estados do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Mato
Grosso do Sul. Começa em Vitória no estado do Espírito Santo, passa por importantes
municípios mineiros como Belo Horizonte, Uberaba e Campo Grande e termina junto à
fronteira com a Bolívia, em Corumbá no estado de Mato Grosso do Sul. A BR-262
percorre 999,8 km no estado de Minas Gerais e possui um fluxo diário de 20 mil
veículos entre Betim e Juatuba, 9 mil veículos/dia entre Juatuba e Pará de Minas e 6 mil
entre Pará de Minas e Nova Serrana.
Finalmente, próximo ao município de Santa Luzia localiza-se a BR-381, também
denominada de Fernão Dias no trecho entre a Grande São Paulo, Grande Belo Horizonte
e a Grande Vitória. Trata-se de uma rodovia diagonal que serve de ligação entre os
estados brasileiros do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. A rodovia atravessa
importantes municípios da Região Sudeste. Ao todo, a BR-381 possui 1.181
quilômetros, dos quais 950 são em Minas Gerais.
Os órgãos responsáveis pela gestão das estradas e do transporte rodoviário não
disponibilizam informações sobre o número de pontos de parada, como hotéis,
restaurantes, postos de gasolina, etc. nas rodovias. Mas, dada a importância das três
BRs, seja para o transporte de passageiros com destino a cidades turísticas, seja para o
escoamento de mercadorias, e o grande fluxo de veículos, é de se esperar que todas elas
representem grande movimento de pessoas e veículos o que, conseqüentemente, amplia
os riscos de ocorrência do fenômeno da exploração sexual infanto-juvenil nos
municípios próximos.
federais que cruzam o país no sentido Leste-Oeste. A quilometragem dessas rodovias é sempre medida
nesse sentido. Rodovia Diagonal é a denominação recebida pelas rodovias federais que cruzam o país em
dois modos de orientação: Noroeste-Sudeste ou Nordeste-Sudoeste. Rodovia de ligação é a denominação
recebida pelas rodovias federais brasileiras que unem duas rodovias federais entre si, ou uma rodovia a
alguma localidade próxima, ou à nossas fronteiras internacionais, ou, ainda, que não possam ser
classificadas em nenhum dos outros tipos.
66
A atividade de mineração realizada nessa região e com concentração principalmente em
Nova Lima é do tipo empresarial, que se caracteriza por forte regulação estatal e
fiscalização por órgãos governamentais, atuação de pessoas jurídicas e relações típicas
da economia formal. Esse arranjo econômico distancia-se, portanto, daqueles mais
comumente associados às violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes,
como as frentes de garimpo.
No tocante ao turismo, 03 (três) dos 08 (oito) municípios que compõem a base territorial
do PAIR na RMBH, se destacam. Betim e Contagem se caracterizam pelo turismo de
festas típicas e de negócios. Sabará destaca-se pelo turismo do tipo religioso e
relacionado ao patrimônio histórico local.
Antes de qualquer avaliação de possíveis impactos desses fatores sobre a configuração
de um contexto favorável à exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes é
necessário analisar a composição e dinâmica populacional desses territórios e possíveis
interações entre esses aspectos.
Caracterização sócio-demográfica da população
Em conjunto, os 08 (oito) municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na
RMBH possuíam, no ano de 2007, uma população de 2.011.070 habitantes, o que
representava 32,1% do total da população da região. Esse número que era de cerca de
1,7 milhões de pessoas em 2000 (1.665,837), passou para 1,9 milhões em 2004
(1.919,694) e, finalmente, ultrapassou a marca de 2 milhões em 2007. Destacam-se os
municípios de Contagem e Betim, cuja população representa, respectivamente, 30,3 e
20,6% do total da população beneficiada pela expansão do PAIR Minas na região.
Os municípios mais populosos são Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Santa Luzia,
nessa ordem. Esses quatro municípios, juntos, são responsáveis por 25,2% da população
da mesorregião e 8% da população do estado. São seguidos por Sabará e Ibirité em
número de habitantes.
Houve uma tendência de crescimento populacional em todos os municípios pesquisados
no período de 2000-2007 com exceção das cidades de Sabará e de Ibirité que tiveram
67
redução da população entre 2004 e 2007. Como dito anteriormente, esse processo
expressa, em boa medida, uma redistribuição espacial da população no espaço
intrametropolitano.
Nessa área de expansão do PAIR Minas observaram-se diferenças importantes quanto à
densidade demográfica dos municípios, que diz respeito à razão entre o número total de
habitantes e a área territorial de cada uma dessas unidades. Os municípios mais
densamente povoados da RMBH eram Contagem, Ibirité e Ribeirão das Neves e os
menos densamente povoados Santa Luzia, Sabará e Nova Lima. Entretanto, mesmo nos
municípios menos densamente povoados, a relação de habitantes por quilômetro
quadrado é expressivamente superior àquela observada no estado de Minas Gerais (30,5
hab./ km2) e no país (22 hab./ km2), no ano de 2005. Embora sejam municípios de
pequena extensão territorial, esse resultado está associado à dinâmica de ocupação
desses territórios nas últimas décadas. Em Contagem, Betim e Vespasiano, o
crescimento da densidade demográfica decorreu das iniciativas deliberadas de
deslocamento e expansão das atividades industriais nessas áreas e dos fluxos
migratórios em direção a essa região resultantes desse processo. Atualmente, o
município de Nova Lima experimenta um processo de expansão populacional,
acentuado pelos investimentos imobiliários na região, sendo o perfil da população
emigrada bastante distinto, uma vez que esse município tem atraído o segmento de
renda econômica mais elevada.
Tabela 5: População total, densidade demográfica e percentual de domicílios
urbanos dos municípios segundo o porte populacional nos municípios beneficiados
pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000,
2004, 2007.
População total¹
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
ano 2000
306674
538208
133044
246846
115352
184903
76423
64387
ano 2004
376318
583386
161208
299687
128492
209057
91009
70537
Densidade demográfica² Domicílios urbanos³
ano 2007
415098
608650
148535
329112
120770
222507
94191
72207
ano 2007
ano 2007
1199,71
3121,28
2034,73
2137,09
397,27
950,88
1345,59
168,71
Mesorregião Região Metropolitana
5.587.808
..
6.259.573
Estadual
Minas Gerais
17.891.494 19.039.000 19.765.000
Nacional
Brasil
169.799.170 182.060.000 189.820.000
Fonte: ¹ Elaboração própria a partir de dados do Sidra – IBGE, anos de referência 2000, 2004 e 2007.
² Formulação própria a partir de dados do IBGE cidades@. 2007
..
..
..
..
..
99,63
..
96,87
..
95,74
97,78
..
..
..
68
Essa área se caracteriza por patamares elevados de urbanização de seus territórios,
sendo que os municípios de Ibirité, Sabará, Vespasiano e Nova Lima possuíam, no ano
de 2007, mais de 95% dos domicílios em área urbana, valor bem superior ao nacional,
84%.
A vinculação entre as características populacionais e a configuração da vulnerabilidade
à violência sexual infanto-juvenil requer a análise da população dos municípios de
acordo com a sua composição por gênero e faixa etária na medida o fenômeno apresenta
índices mais altos de incidência em relação à parcela da população relativa a crianças e
adolescentes do sexo feminino.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, as crianças e adolescentes de 0 a 17 anos
representavam, no ano 2000, 29,8% da população dos municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas, sendo maior em Betim e Contagem. As crianças de 0 a 6
anos representavam 11,8% do total da população dos municípios beneficiados; a
população de 7 a 14 anos representava 13% e os adolescentes de 15 a 17 anos somavam
5% do total da população beneficiada. Em todas essas faixas etárias e municípios
beneficiados na RMBH, observa-se uma divisão equilibrada entre a população de
homens e mulheres. As mulheres representavam 49,3% da população de crianças e
adolescentes com idade entre 0 e 17 anos e os homens 50,7%.
Tabela 6: Distribuição da população infanto-juvenil dos municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo o
grupo etário e sexo, 2000.
0 - 6 anos
PORTE
MUNICÍPIO
Homens
Mulheres
7 - 14 anos
Total
Homens
Mulheres
15 - 17 anos
Total
Homens
Mulheres
Total
Total
Grande
0 - 17 anos
Betim
23961
22587
46548
25567
25108
50675
9636
9906
19542
116765
Contagem
34723
33760
68483
39620
38899
78519
16293
15636
31929
178931
Ibirité
10752
10871
21623
11255
10873
22128
4296
4074
8370
52121
Ribeirão das
Neves
19757
18532
38289
20323
20384
40707
8031
7809
15840
94836
Sabará
8035
7975
16010
9080
8934
18014
3664
3530
7194
41218
Santa Luzia
13844
13235
27079
14926
14510
29436
5724
5658
11382
67897
Vespasiano
6068
5670
11738
6017
6187
12204
2389
2349
4738
28680
Médio
Nova Lima
3788
3870
7658
4663
4384
9047
1820
1844
3664
20369
Região
Mesorregião Metropolitana
..
..
..
..
..
..
..
..
..
..
Estadual
Minas Gerais*
..
..
2.119.942
..
..
2.840.931
..
..
1.105.930
6.066.803
Nacional
Brasil*
..
.. 21.715.233
..
.. 27.629.064
..
.. 10.742.044 60.086.341
Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006
*Sidra IBGE, 2000.
69
A definição de estratégias voltadas para o enfrentamento da violência sexual infantojuvenil requer igualmente a produção de informações transversais sobre esse segmento
de forma a identificar e dimensionar a matriz multidimensional de riscos e
vulnerabilidade a que esse público está sujeito em diferentes ciclos da infância e
adolescência e sob diferentes estruturas de sociabilidade. A atenção integral às crianças
e adolescentes em situação de ameaça ou de violação de direitos demanda o
conhecimento das bases e da dinâmica dessa matriz em diferentes espaços e redes de
interação social. São nesses espaços e sob a influência dessas redes que se definem, para
esse segmento etário, as distintas estruturas de oportunidades e se configuram
capacidades diferenciais de proteção contra os riscos de violência infanto-juvenil,
incluindo a sexual.
Parte importante da configuração dessas capacidades diferenciais de proteção está
relacionada à presença e efetividade das ações desenvolvidas pelas instituições voltadas
para a população infanto-juvenil. Para além da caracterização da demanda, o
dimensionamento da capacidade de oferta de ações e políticas efetivas deve ser
suportado pela análise da capilaridade e da inclusividade das ações executadas por
instituições e organizações, públicas e/ou privadas, voltadas para esse segmento etário.
Um aspecto importante para o desenvolvimento da proteção social integral é a
identificação e coordenação das interdependências das ações executadas por diferentes
setores de políticas. Passo importante para isso é, pois, avaliar como a demanda e a
oferta de políticas e programas configuram-se para esse segmento específico.
Nessa direção, um campo de políticas central é o educacional, seja pelos efeitos
esperados sob a estrutura de oportunidades individuais que a trajetória educacional
promove, seja pela centralidade dessas instituições para a proteção social integral de
crianças e adolescentes. A inclusividade e efetividade da política educacional em
relação ao segmento populacional em foco, crianças e adolescentes, são entendidas,
nesse contexto, como dimensões críticas para a avaliação de capacidades diferenciais de
proteção em relação aos riscos e vulnerabilidades à violência infanto-juvenil.
A persistência do analfabetismo entre a população em idade escolar é um indicador
claro do grau de inclusividade da política educacional. A taxa de analfabetismo
verificada para a população com idade de 07 a 14 anos foi de 12,4% e 6,6%
70
respectivamente para o Brasil e Minas Gerais em 2000 e de 5,40% para a RMBH. Com
exceção de Nova Lima, em todos os municípios beneficiados na região o percentual de
analfabetos situava-se próximo ao da RMBH como um todo. Entretanto, 05 (cinco)
municípios – Contagem, Sabará, Santa Luzia, Vespasiano e Nova Lima – possuíam
valores expressivamente mais baixos dos que o do estado e o do país.
Para pessoas com idade acima dos 15 anos, o percentual de analfabetos variava de
5,27% em Nova Lima a 9,57% em Vespasiano. Apenas nos municípios de Contagem e
Nova Lima observou-se um percentual de analfabetos menor do que o da mesorregião,
de 7,20%. Acima dos 25 anos o percentual de analfabetos era maior, oscilando entre
6,04% em Nova Lima a 12,22% em Ribeirão das Neves. Mais uma vez, apenas nos
municípios de Contagem e Nova Lima o percentual de analfabetos com idade acima dos
25 anos é menor do que o da mesorregião, de 8,80%.
Tabela 7: Percentual de analfabetos na população infanto-juvenil dos municípios
da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte
segundo o grupo etário e porte populacional, 2000.
Analfabetos
%
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
Mesorregião
Região Metropolitana
Estadual
Minas Gerais
Nacional
Brasil
53
Fonte: IPEAdata, 2000. Ver definição dos indicadores.
7 - 14 anos
acima 15 anos
acima 25 anos
6,58
4,32
6,12
6,66
5,82
5,41
4,72
3,63
8,55
5,62
9,26
9,37
8,00
7,80
9,57
5,27
11,20
7,03
12,02
12,22
9,59
9,46
11,85
6,04
5,40
6,60
12,40
7,20
..
..
8,80
14,80
16,00
O papel do sistema educacional como agente de proteção das crianças e adolescentes e
como agente da rede de enfrentamento depende diretamente da sua capacidade de
retenção dos estudantes. De acordo com dados do Censo de 2000, o percentual da
população de 10 a 14 anos em situação de evasão escolar - alunos matriculados que
abandonam a escola - não apresentou variação expressiva entre os municípios
analisados. Os menores percentuais de alunos em situação de evasão nessa faixa etária
53
Analfabetos: Percentual de pessoas que não sabem ler nem escrever um bilhete simples
(IPEAdata).
71
foram encontrados nos municípios de Nova Lima e Vespasiano e os maiores nos
municípios de Ibirité e Santa Luzia. Contagem, Ibirité, Ribeirão das Neves e Santa
Luzia apresentavam percentual de evasão superior ao da RMBH, de 3,02%, na faixa de
10 a 14 anos. Nenhum dos municípios apresentava percentual de evasão nessa faixa
etária superior ao do estado, 4,77%, ou do país, 5,35%.
Na faixa etária de 15 a 17 anos, fase de mudança entre níveis de ensino, do fundamental
para o médio, o percentual de evasão escolar era bem superior, ficando entre 13% e
22%. Mais uma vez, os menores percentuais foram observados nos municípios de Nova
Lima e Vespasiano e um quadro mais grave de evasão escolar nos municípios de Ibirité
e Ribeirão das Neves. Estes dois e o município de Contagem eram os que apresentam
percentual de evasão na faixa de 15 a 17 anos inferior ao da RMBH. No entanto,
nenhum dos municípios apresentava percentual de evasão nessa faixa etária superior ao
do estado de Minas Gerais, de 23,96%, ou do país, de 22,29%.
A permanência de crianças e adolescentes no sistema de ensino formal é compreendida
como fator protetivo contra o problema da violência sexual e da vitimização de modo
geral. Quando fora da escola, aqueles se encontram mais expostos à violação de seus
direitos e a vários tipos de violência e exploração, entre elas o trabalho infantil e a
exploração sexual, evidenciando um quadro de vulnerabilidades sociais cumulativas.
Não superava os 4% nos municípios beneficiados na região o percentual de crianças e
adolescentes com idade entre 10 e 14 que se encontravam, simultaneamente, em
situação de evasão escolar e de trabalho. Nesse sentido os municípios se encontravam
em melhor situação do que o estado e o país, onde esse percentual ficava em torno dos
6%.
O quadro apresenta maior gravidade quando se considera a defasagem escolar, medida
relativa à proporção de crianças e adolescentes no total de estudantes freqüentando
séries anteriores àquelas recomendadas para sua idade54. Observou-se importante
54
Esta era a forma utilizada para calcular a defasagem idade-série apresentada até a Síntese de
Indicadores Sociais 2004. Assim, era considerada defasada a criança que freqüentava as séries não
correspondentes e anteriores à sua idade cronológica. Considerando que este indicador apresentava
algumas diferenças conceituais em relação às recomendações internacionais e ao próprio MEC,
resultando em algumas distorções e que tanto as taxas internacionais quanto a do MEC adotam como
critério de defasagem a criança ter idade superior em no mínimo dois anos à recomendada para cada série,
o IBGE optou por adotar essa nova leitura de defasagem escolar na publicação da Síntese de Indicadores
72
variação no percentual dos alunos em situação de defasagem na faixa de 07 a 14 anos,
que oscilava de 12,8 a 20,8%, no ano 2000. Uma maior proporção de estudantes em
situação de defasagem idade-série foi encontrada nos municípios de Ibirité, Vespasiano
e Nova Lima (superiores aos percentuais da RMBH, de 18,2%, e do estado, de 17,9%) e
menor em Betim, Contagem e Santa Luzia. Chama a atenção o município de Nova Lima
que se encontrava entre aqueles com níveis mais altos de estudantes com defasagem
escolar, diferentemente do que se observou em relação à alfabetização e à evasão
escolar.
A proporção de crianças com idade entre 10 e 14 anos com menos de 4 anos de estudo
oscilava, nos municípios considerados, entre 33,4% e 40,2%. O menor percentual foi
encontrado em Betim e o maior em Nova Lima. Na faixa etária de 15 a 17 anos, esse
percentual oscilava entre 4,5% e 14,2%, sendo os menores percentuais encontrados em
Nova Lima e Betim e o maior em Contagem.
Tabela 8: Evasão, defasagem escolar e população com menos de quatro anos de
estudo nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2000.
Evasão escolar¹
trabalhando
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
Defasagem
escolar¹
fora da escola
Pessoas com menos de quatro
anos de estudo²
10 - 14 anos
10 - 14 anos
15 - 17 anos
7 - 14 anos
10 - 14 anos
15 - 17 anos
%
%
%
%
%
%
2,82
2,42
1,90
3,01
1,35
2,95
2,29
2,08
2,73
3,25
4,11
3,70
2,55
4,54
1,94
1,48
17,18
16,34
21,38
22,12
17,17
18,01
13,93
13,08
12,872
14,131
19,354
16,466
16,754
14,085
20,832
18,884
33,37
38,23
36,85
34,22
35,86
35,46
39,68
40,25
Mesorregião
Região Metropolitana
3,28
3,02
17,03
18,2
Estadual
Minas Gerais
6,54
4,77
23,96
17,9
Nacional
Brasil
6,00
5,35
22,29
25,3
Fonte: ¹IPEAdata, 2000.
²Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA,
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil.
definição dos indicadores. 55
5,72
14,19
8,85
7,19
8,45
7,07
6,58
4,47
..
..
..
..
..
..
Programa
2006. Ver
Sociais no ano de 2008. (Fonte: IBGE - Síntese de indicadores sociais: Uma análise das condições de vida
da população brasileira 2008)
55
Evasão escolar trabalhando: percentual de pessoas de 10 a 14 anos de idade que trabalharam na
última semana de julho (2000). Considera-se o trabalho remunerado ou não (ajuda a membros da família,
aprendiz, estagiário) e também o trabalho na produção para consumo próprio. Evasão escolar fora da
escola: percentual de pessoas de x a y anos de idade que não freqüentam a escola (IPEAdata).
Defasagem escolar: O atraso escolar é obtido pela comparação entre a idade e a série escolar da
criança, através da equação: atraso escolar = [(idade - 7) - número da série completada]. Espera-se,
portanto, que uma criança de oito anos já tenha completado um ano de estudo (IPEAdata). Pessoas com
73
Em consonância com o quadro educacional brasileiro, os municípios beneficiados pela
expansão do PAIR Minas na RMBH também apresentaram percentuais mais elevados
de crianças e adolescentes de 10 a 14 anos freqüentando o Ensino Fundamental (84,1%
a 95,4%.) do que de adolescentes freqüentando o Ensino Médio (29% e 45,7%). Em
apenas 01 (um) município – Betim – o percentual de crianças cursando o Ensino
Fundamental supera os 95%, aproximando-se do valor para o estado. Já quanto aos
adolescentes no Ensino Médio, esse percentual não supera os 50% em nenhum dos
municípios pesquisados, estando muito abaixo do percentual estadual de 79%.
No ano 2000, o patamar mais baixo de universalização do Ensino Fundamental foi
observado em Contagem, 84%. Os percentuais mais expressivos de cobertura
educacional nesse nível de ensino, sem considerar a adequação idade-série, foram
atingidos por Betim, Nova Lima, Ribeirão da Neves, Sabará e Santa Luzia, superando
os 90% e aproximando-se do valor para o estado de 95,9%.
O percentual de adolescentes com idade entre 15 a 17 anos cursando o Ensino Médio no
ano 2000 variava significativamente, oscilando entre 29% e 45,7%, bem abaixo do
percentual do estado que era de 79%. Os menores percentuais foram encontrados em
Contagem e os maiores em Vespasiano, Nova Lima, Santa Luzia e Sabará, em torno de
40%.
Em comparação com os indicadores estaduais, a maioria dos municípios da Região
Metropolitana de Belo Horizonte beneficiados pela expansão do PAIR Minas aparecem
em situação de maior vulnerabilidade no tocante à educação. De modo geral, os
melhores indicadores são encontrados em Nova Lima e Vespasiano e os piores em
Ribeirão das Neves e Ibirité.
Esse quadro educacional pode ser mais bem avaliado a partir do Indicador de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, que busca mensurar a qualidade
educacional mediante a combinação de informações sobre o desempenho dos estudantes
nas etapas finais de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série do ensino
médio) em exames padronizados (prova Brasil ou SAEB) com informações sobre o
menos de quatro anos de estudo: Percentual de pessoas que não completaram a quarta série do
fundamental, ou seja, que podem ser classificados como “analfabetos funcionais” (IPEAdata).
74
rendimento escolar, ou seja, aprovação (INEP, s/d). Esse indicador abarca, portanto,
dois resultados centrais do sistema educacional, a aprendizagem (desempenho nos
exames) e fluxo (aprovação) e a “combinação de ambos tem também o mérito de
equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver seus alunos para obter
resultados de melhor qualidade no SAEB ou Prova Brasil, o fator fluxo será alterado,
indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se, ao contrário, o sistema apressar a
aprovação do aluno sem qualidade, o resultado das avaliações indicará igualmente a
necessidade de melhoria do sistema” (INEP, s/d). O índice varia de um a dez, sendo que
a meta do Brasil é atingir em 2022 a média 6,0, correspondente a um sistema
educacional de qualidade comparável aos dos países desenvolvidos.
Tabela 9: Freqüência escolar da população infanto-juvenil com idade entre 7 e 17
anos nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2000.
Freqüência escolar
7 - 14 anos¹
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
15 - 17 anos²
%
97,22
96,99
95,40
96,41
97,03
95,87
98,12
98,23
38,61
29,08
34,45
37,36
41,18
40,02
43,43
45,69
Mesorregião
Região Metropolitana
97,20
..
Estadual
Minas Gerais
95,90
..
Nacional
Brasil
94,50
..
Fonte: ¹ IPEAdata, 2000.
² Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA, Programa
Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil. 2006. Ver
56
definição dos indicadores. Ver definição dos indicadores.
Tanto em 2005 quanto em 2007, Nova Lima e Contagem foram os municípios que
apresentaram os maiores IDEBs. Em 2005, os menores IDEBs foram verificados em
Santa Luzia e Vespasiano e em 2007, em Ribeirão das Neves e Vespasiano. No mesmo
ano, 05 (cinco) municípios atingiram ou superaram as metas estabelecidas: Vespasiano,
Santa Luzia, Betim, Contagem e Ribeirão das Neves.
56
Freqüência escolar: Percentual de pessoas de 7 a 14 anos de idade que estão freqüentando a
escola, independentemente do grau e série (IPEAdata).
75
Tabela 10: IDEBs observados em 2005, 2007 e Metas para rede Municipal nos
municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte, 2000.
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Betim
Anos
Iniciais
Finais
Contagem
Iniciais
Finais
Ibirité
Iniciais
Finais
Ribeirão das Neves
Iniciais
Finais
Sabará
Iniciais
Finais
Santa Luzia
Iniciais
Finais
Vespasiano
Iniciais
Finais
Médio
Nova Lima
Iniciais
Finais
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IDEB.
IDEB
Observado
2005 2007
4,5
4,5
3,9
4,3
4,7
4,4
3,7
4,3
4,1
3,9
3,8
3,7
4,3
3,8
3,5
3,6
4,3
4,2
3,9
3,9
4,4
4,2
3,8
3,8
4,3
4
3,3
3,7
5,1
4,7
-
2007
4,6
4
4,7
3,7
4,2
3,8
4,3
3,5
4,4
4
4,5
3,8
4,4
3,4
5,2
-
2009
4,9
4,1
5,1
3,9
4,5
3,9
4,7
3,7
4,7
4,1
4,8
4
4,7
3,5
5,5
-
2011
5,3
4,4
5,5
4,1
4,9
4,2
5,1
4
5,1
4,4
5,2
4,3
5,1
3,8
5,9
-
Metas Projetadas
2013 2015 2017
5,6
5,8
6,1
4,8
5,1
5,4
5,7
6
6,2
4,5
4,9
5,2
5,2
5,5
5,7
4,6
5
5,2
5,3
5,6
5,9
4,4
4,7
5
5,4
5,7
5,9
4,8
5,2
5,4
5,5
5,7
6
4,7
5
5,3
5,4
5,6
5,9
4,2
4,6
4,8
6,1
6,4
6,6
-
2019
6,3
5,6
6,5
5,4
6
5,5
6,1
5,2
6,2
5,7
6,2
5,5
6,2
5,1
6,8
-
O quadro apresentado até o momento destacou a presença de fatores de risco
consideráveis no espaço regional e de um segmento de crianças e adolescentes
expressivo no conjunto dos municípios expostos, ainda que com variações importantes
entre os municípios no tocante às vulnerabilidades sociais, como a educacional. O
quadro, no entanto, é menos grave do que aqueles observados nas demais mesorregiões
beneficiadas pela expansão do PAIR no estado. Os patamares de riqueza e a
disponibilidade de equipamentos e serviços públicos nessa mesorregião são, certamente,
fatores decisivos para isso. A seguir, um quadro mais completo dessa matriz de
vulnerabilidades é apresentado com foco nas condições locais que impactam o bemestar e a segurança de renda dessa população.
Infra-estrutura, economia e segurança de renda
Essa seção aborda a infra-estrutura e dinamismo econômico dos municípios inseridos
nas áreas de expansão do PAIR Minas e suas conexões potenciais com a (in)segurança
de renda e bem-estar de suas populações.
Um primeiro aspecto a ser destacado é a posição da mesorregião em foco em relação a
um dos principais indicadores de dinamismo econômico, o Produto Interno Bruto-PIB.
Os municípios beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de
76
2021
6,6
5,9
6,7
5,7
6,3
5,7
6,4
5,5
6,4
5,9
6,5
5,8
6,4
5,4
7
-
Belo Horizonte possuíam, em conjunto, no ano de 2006, um PIB correspondente a
20,22% do PIB de toda a região e a 8,32% do PIB do estado de Minas Gerais. A
RMBH ocupa a primeira posição no ranking de participação no PIB mineiro e se
destaca pelo dinamismo econômico vis-à-vis as demais mesorregiões beneficiadas pela
expansão do PAIR.
Em conjunto, os 08 (oito) municípios em tela possuíam, no ano de 2006, um PIB
correspondente a R$ 15.616.200,99. Os municípios com maior PIB eram Betim e
Contagem e com o menor, Ibirité. Observa-se, entretanto, que, independentemente do
volume de riquezas produzidas por cada município, o setor de serviços era responsável
por mais de 50% do PIB em 05 (cinco) dos 08 (oito) municípios da região – as exceções
eram Betim, Vespasiano e Nova Lima – acompanhando a composição setorial do PIB
mineiro, onde esse setor representava, em 2006, 59,8% do PIB e apresenta um
dinamismo importante no estado nos últimos anos (CEI/FJP, 200857).
Com exceção de Betim, Nova Lima e Vespasiano, o PIB do setor de serviços superava o
do setor industrial nos demais municípios da região. Em nenhum dos municípios o setor
primário desempenhava um papel importante no total do PIB.
Tabela 11: Composição Setorial, valor total e per capita do PIB dos municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
2006.
PORTE
Indústria
Serviços
%
%
%
Valor Adicionado
Total
PIB per capta
R$mil
6.735.772,94
5.396.660,19
335.983,13
551.962,55
442.963,28
677.454,12
492.939,43
982.465,36
R$mil
26.320,76
11.827,66
2.556,20
2.121,55
3.985,29
3.881,83
7.348,32
15.439,41
Mesorregião
Região Metropolitana
0,96
37,26
61,78
77.220.115,00
Estadual
Minas Gerais
8,37
31,85
59,78
187.647.319,00
Nacional
Brasil
..
..
..
..
58
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Informativo CEI – PIB MG 2006. Ver definição dos indicadores.
11.889,25
11.027,75
..
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Agropecuária
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
0,11
0,01
2,00
0,21
0,47
0,35
0,11
0,02
56,17
33,87
26,13
16,85
44,15
39,94
55,17
56,10
43,72
66,12
72,02
82,94
55,38
59,71
44,72
43,88
57
Disponível em http://www.datagerais.mg.gov.br/datagerais/consulta.
Participação de cada setor da economia no Produto Interno Bruto a preços correntes de mercado
(PIB-pm); PIB-pm total; PIB-pm por habitante (Informativo CEI. Disponível em:
www.fjp.gov.br/produtos/cei/PIB2006_Preliminar.pdf).
58
77
O PIB per capita apresentava importante variação entre os municípios no ano de 2006.
Os maiores valores foram encontrados nos municípios de Betim, Nova Lima e
Contagem (municípios nos quais o PIB per capita ultrapassava os R$ 10 mil). Em
Ibirité, Ribeirão das Neves, Sabará e Santa Luzia o PIB per capita não ultrapassava os
R$ 4 mil, sendo que os dois primeiros contavam com os menores valores naquele ano.
No que tange à relação entre esse quadro de infra-estrutura econômica e as condições de
segurança de renda e bem-estar dessas populações, é importante incorporar à análise
indicadores sobre a estrutura de desigualdades operando nesses territórios. Os dados
abaixo abordam o grau de desigualdade social, medido através do índice de GINI e o
grau de desenvolvimento, medido através do Índice de Desenvolvimento Humano –
IDH.
O Índice de GINI é uma medida do grau de concentração de uma distribuição, cujo
valor varia de zero (perfeita igualdade) até um (a desigualdade máxima). O índice é o
coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por
100). A tabela a seguir mostra os índices relativos à distribuição de renda. A
desigualdade de renda era menor nos municípios de Sabará, Ribeirão das Neves e Santa
Luzia que possuíam, no ano 2000, um índice inferior aos do estado e do país,
respectivamente 0,615 e 0,645. Em face do desempenho econômico e dos patamares de
pobreza observados nesses municípios pelos indicadores econômicos, esse resultado
deve ser interpretado como uma distribuição menos discrepante da renda, mas de uma
renda que se situa em patamares consideravelmente baixos.
Betim, Contagem,
Vespasiano e Nova Lima possuíam índices de desigualdade superiores aos dos demais
municípios e aos índices estadual e nacional.
Um indicador importante para avaliar as condições de desenvolvimento humano, para
além do critério renda, é o Índice de Desenvolvimento Humano. Esse índice é uma
ferramenta valiosa na mensuração das condições de bem-estar e proteção em relação
diferentes dimensões da vida humana. Ele varia de zero (nenhum desenvolvimento
humano) até 1 (desenvolvimento humano total), sendo os países classificados como
desenvolvimento baixo quando o IDH está entre 0 e 0,499; médio quando está entre
0,500 e 0,799; e alto quando está entre 0,800 e 1. Para fins desse estudo, utilizou-se o
78
IDH-municipal, apurado para avaliação das oportunidades de desenvolvimento humano
em cada município do país, calculado a partir de informações do ano de 2000.
Entre os municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de
Belo Horizonte, os patamares mais elevados de IDH-M foram observados em Betim,
Vespasiano e Sabará e os menores em Contagem, Ribeirão das Neves e Ibirité. Todos os
08 (oito) municípios beneficiados na região possuem um nível médio de
desenvolvimento segundo os critérios do IDH com índices inferiores aos estadual e
nacional que são, respectivamente, 0,773 e 0,776.
A pobreza é uma das variáveis críticas na avaliação das condições de segurança de
renda presentes nesses territórios e do volume e perfil das demandas pelas proteções
afiançadas pelo Poder Público.
Para maior focalização do público-alvo do PAIR Minas, considera-se a capacidade
econômica de famílias com membros de até 17 anos, de forma a dimensionar a
vulnerabilidade social desse segmento etário, ou seja, as crianças e adolescentes
vivendo com famílias em situação de insegurança de rendimento.
No ano 2000, o percentual de crianças e adolescentes com idade entre de 0 e 14 anos
vivendo em famílias pobres apresentava importante variação nos municípios
beneficiados na RMBH. Em Nova Lima e Contagem esse percentual era inferior aos
30%; nos demais municípios variava de 37,2% em Santa Luzia a 43,7% em Ibirité,
aproximando-se dos percentuais observados na RMBH, 43,04%, no estado, 43,36% e
no país, 45,99%.
Os dados revelam que, no ano 2000, a indigência também era uma realidade nos
municípios da região, atingindo 9,2% da população de Nova Lima e 19,4% da
população de Ibirité. Em Betim, Ibirité e Vespasiano, o percentual de indigentes
também era superior ao da região como um todo, de 16,47%. Em nenhum dos
municípios, esse percentual superava o do estado, de 20,5%, e o do país, de 25,2%.
Nova Lima era o município mais discrepante, com apenas 9% da sua população nessa
condição.
79
Tabela 12: Níveis de renda, desenvolvimento e desigualdade nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2000.
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
Índice de Gini¹
0,67
0,65
..
0,59
0,56
0,57
0,65
0,64
IDH-M²
0,78
0,60
0,62
0,64
0,75
0,66
0,75
0,65
Pessoas
pobres
0 a 14 anos¹
Pessoas indigentes
0 a 14 anos¹
%
%
39,85
28,48
43,74
41,37
39,03
37,27
41,78
24,00
17,01
11,25
19,39
15,90
15,89
14,94
17,13
9,21
Mesorregião
Região Metropolitana
..
..
43,04
16,47
Estadual
Minas Gerais
0,615
0,773
43,36
20,49
Nacional
Brasil
0,645
0,766
45,99
25,18
¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA,
Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD
Brasil. 2006.
² IPEAdata. Ver definição dos indicadores59.
É importante chamar a atenção para possíveis mudanças nesse quadro na última década,
dado que em face do dinamismo econômico e da ampliação da cobertura de programas
de transferência de renda verificou-se uma queda da desigualdade social no país.
Grupo familiar e vulnerabilidades
As políticas públicas no Brasil têm incorporado a matricialidade sociofamiliar como um
dos principais componentes das estratégias de proteção social e de garantia de direitos.
A atenção, portanto, à composição, dinâmica e natureza das dependências que
estruturam o grupo familiar é fundamental para se compreender as condições de
sociabilidade, as estratégias de sobrevivência adotadas e o grau de risco e
vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência sexual no ambiente intra e
extrafamiliar.
59
Percentual de pessoas com idade entre 0 e 14 anos que tem renda domiciliar per capita inferior à
linha de pobreza de R$ 75,50. (IPEAdata).
A indigência é medida através do percentual de pessoas com renda domiciliar per capita inferior
a R$37,75, equivalentes a 1/4 do salário mínimo vigente em agosto de 2000. O universo de indivíduos é
limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. (IPEAdata).
80
A Razão de Dependência possibilita verificar o peso da população considerada inativa
(0 a 14 anos e 65 anos e mais de idade) sobre a população potencialmente ativa (15 a 64
anos de idade), em um determinado espaço geográfico, no ano considerado. A Razão de
Dependência pode ser calculada, separadamente, para as duas faixas etárias
identificadas como população dependente. Para se calcular a razão de dependência das
crianças divide-se a população com idade entre 0 a 14 anos pela população com idade
entre 15 e 64 anos e multiplica-se por 100. O cálculo para os idosos consiste em dividir
a população com idade de 65 anos ou mais pela população com idade entre 15 e 64 anos
e multiplica-se por 100. Os valores elevados indicam que a população em idade
produtiva deve sustentar uma grande proporção de dependentes, o que significa
consideráveis encargos assistenciais para a sociedade (IBGE, ano????).
Considerando um único valor para as duas faixas etárias, a Razão de Dependência, no
ano 2000, era menor nos municípios de Nova Lima e Contagem e maior em Ibirité. Dos
08 (oito) municípios, apenas em 03 (três) – Nova Lima, Sabará e Contagem – a Razão
de Dependência era menor do que a da RMBH, que era de 39,62 e que a do estado, de
39,19.
Tabela 13: Razão de Dependência nos municípios beneficiados pela expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000.
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Razão de dependência
Betim
39,812
Contagem
34,204
Ibirité
41,223
Ribeirão das Neves
40,354
Sabará
38,629
Santa Luzia
39,186
Vespasiano
40,508
Nova Lima
31,403
Mesorregião Região Metropolitana
39,62
Estadual
39,19
Minas Gerais
Nacional
Brasil
Fonte: IPEAdata, 2000.
41,07
Um indicador importante da dinâmica do grupo familiar é a presença de mulheres
responsáveis pela família, principalmente em unidades monoparentais. Tendo em vista
as condições de participação das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, a maior
dependência econômica dos membros em relação ao chefe de família pode se associar a
81
estratégias de sobrevivência que incluam a realização de atividades laborais pelas
crianças e adolescentes.
O percentual médio de mulheres responsáveis pela família, sem cônjuges, e com filhos
menores de 15 anos era, no ano 2000, de 14,27% considerando-se os 08 (oito)
municípios beneficiados pelo PAIR na RMBH. O menor percentual era encontrado em
Ribeirão das Neves (7,76%) e os maiores em Nova Lima (17,78%) e Vespasiano
(18,57%). Em todos os municípios o percentual era superior ao do estado e do país,
respectivamente 5,86 e 5,83%.
Esse quadro é agravado quando se considera a escolaridade das mulheres nessa
condição. Para além do impacto dessa variável sobre as oportunidades no mercado de
trabalho, é conhecida a influência da educação das mães sobre as decisões relativas à
permanência dos filhos na escola. As mulheres chefes de domicílio com 0 a 4 anos de
estudo representavam, em média, 6,65% da população, considerando-se apenas os 08
(oito) municípios beneficiados na RMBH. Verificou-se uma pequena variação entre os
municípios, sendo o menor percentual encontrado em Ribeirão das Neves (5,23%) e o
maior em Contagem (8,38%).
Embora com os dados utilizados não seja possível estabelecer uma relação de
causalidade, é importante explorar possíveis conexões entre a vivência precoce da
sexualidade, gravidez na adolescência e os riscos e vulnerabilidades à exploração e
abuso sexual da população infanto-juvenil feminina nessa mesorregião. Nesse contexto,
serão apenas abordados alguns indicadores dos processos acima que devem ser objetos
de levantamentos mais atuais e exaustivos em cada município.
Um primeiro indicador é o percentual de meninas com idade entre 10 e 14 anos com
filhos, que oscilava de 0,02% em Betim e 0,04% em Nova Lima a 0,74% em Contagem
e 0,98% em Santa Luzia. Em 04 (quatro) municípios – Contagem, Ribeirão das Neves,
Sabará e Santa Luzia – o percentual de mulheres com idade entre 10 e 14 anos com
filhos era superior ao da RMBH e ao do estado, respectivamente, 0,27 e 0,28%. Apenas
em Contagem e Santa Luzia esse percentual era superior ao do país, de 0,43%.
82
Na faixa etária de 15 a 17 anos, o percentual de adolescentes com filhos era
expressivamente superior, variando de 3,4% em Betim e 3,83% em Ibirité a 9,68% em
Contagem. 05 (cinco) municípios apresentavam percentuais superiores ao do estado, de
6,12%, e 01 – Contagem – possuía percentual superior ao do país, que era de 8,45%.
Esse quadro sugere a necessidade de atenção especial da rede de enfrentamento local no
sentido de avaliar a existência ou não de relação entre a maternidade precoce e
violências sexuais.
Tabela 14: Situação Feminina nos municípios beneficiados pela expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2000.
PORTE
MUNICÍPIO
Grande
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
Médio
Mulheres chefes de
família sem cônjuge
e filhos menores de
15 anos²
%
16,95
16,89
16,14
7,76
10,02
10,06
18,57
17,78
Mulheres chefes de
domicílio com 0 a 4
anos de estudo¹
%
Mulheres de 10 a Mulheres de 15 a
14 anos com
17 anos com
filhos²
filhos²
%
%
6,18
8,38
7,71
5,23
6,63
6,17
7,15
5,75
0,02
0,74
0,02
0,33
0,38
0,98
0,17
0,04
3,4
9,68
3,83
6,18
6,34
6,47
4,53
6,61
Mesorregião
Região Metropolitana
..
..
0,27
..
Estadual
Minas Gerais
5,86
..
0,28
6,12
Nacional
Brasil
5,83
..
0,43
8,45
Fonte. ¹ Fonte: Informações extraídas do Banco de Dados da Pesquisa de Avaliação e Monitoramento do Programa SENTINELA,
Programa Nacional de Combate à Exploração e Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes. UFMG-MDS/SAGI-PNUD Brasil.
2006
² IPEAdata.
Tabela 15: Percentual de internações de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos
por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério nos municípios
beneficiados pela expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2006.
Internações por motivos relacionados à gravidez, parto e puerpério (1)
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
10 a 14 anos
15 a 19 anos
(%)
(%)
Betim
5,5
Contagem
4,8
Ibirité
7,6
Ribeirão das
Neves
4,9
Sabará
6,1
Santa Luzia
6,2
Vespasiano
9,8
Médio
Nova Lima
3,6
60
Fonte: DATASUS: Indicadores e Dados Básicos – Brasil. Ver definição dos indicadores
Total
(%)
70,5
60,7
67,2
29,1
23,5
28,1
68,8
61,2
65,8
59,6
71,3
26,8
18,2
26,3
25,1
27,5
60
Distribuição percentual das internações hospitalares pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
por grupo de causas selecionadas na população residente nos municípios, no ano de 2006 (DATASUS).
83
Um indicador importante é que os motivos pelos quais essa população utiliza os
equipamentos de saúde especializados estão fortemente relacionados à gravidez
precoces e fatores relacionados. No ano de 2006, o percentual de internações
hospitalares de crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos no sistema público
de saúde por motivos relacionados a gravidez, parto e puerpério, oscilava de 3,6% em
Nova Lima a 9,8% em Vespasiano. Na faixa etária de 15 a 19 anos, os maiores
percentuais de internação por esses motivos foram encontrados em Betim e Nova Lima
e o menor em Vespasiano.
A análise dos dados relativos aos aspectos territoriais, demográficos e socioeconômicos
dos municípios da área de expansão do PAIR na RMBH chamou a atenção para uma
matriz complexa de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional, sendo mais
acentuada em alguns deles. É importante, destacar, no entanto, que a presença de riscos
e vulnerabilidades não implica, necessariamente, em sua conversão em eventos de
violências sexuais. O dimensionamento e tipificação dessas violências, bem com a
apreensão da microdinâmica do fenômeno em cada município é um passo necessário na
avaliação do potencial de conversão de riscos e vulnerabilidades em eventos.
A violência sexual infanto-juvenil na RMBH
Neste percurso, portanto, é importante caracterizar, inicialmente, o perfil da violência e
da criminalidade observada nos municípios da área de expansão do PAIR Minas
localizados na RMBH.
Assim, um indicador relevante aqui diz respeito à taxa de crimes violentos, categoria
que agrega crimes como homicídios, tentativas de homicídio, estupros, roubo e roubo à
mão armada61.
Dados oficiais indicam que há um movimento de redução da
61
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de informações criminais. Abril a junho de 2008.
32p. Disponível em http://www.seds.mg.gov.br/docs/BIC9_Abril-Jun_2008.pdf. Consulta realizada em
23/11/2008.
84
criminalidade violenta na RMBH, tendência evidenciada desde 2006, com breve
oscilação no primeiro semestre de 2007, como é possível verificar no gráfico abaixo.
Gráfico 1: Taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes na RMBH
Extraído de: FJP Boletim de informações criminais 2008.
Entretanto, quando se compara os dados sobre criminalidade violenta por município,
verifica-se que a RMBH destaca-se pelas altas taxas de criminalidade violenta em
comparação com outras regiões do estado. Cabe considerar que essas taxas variam de
acordo com o porte populacional do município e que a criminalidade associa-se à
concentração de “... riqueza e desenvolvimento, isto é, atingindo com maior intensidade
os maiores municípios de Minas Gerais e seu entorno” (FJP, 2008, 5).
Os municípios da RMBH considerados na expansão do PAIR Minas são, com exceção
de Nova Lima, de grande porte e nesses são encontradas altas taxas de criminalidade,
como pode ser visto no mapa 3 abaixo.
85
Mapa 3: Taxa média de crimes violentos por 100 mil habitantes, Minas Gerais,
abr-jun 2008.
Extraído de: FJP, Boletim de informações criminais 2008.
Entre os municípios incluídos na expansão do PAIR Minas na RMBH, verifica-se que o
município de Contagem é o que se destaca pelos mais altos índices de criminalidade
violenta, com uma taxa de 1.749,31 crimes violentos por 100 mil habitantes para o ano
de 2004. Este percentual é bastante superior à média regional de 834,10 crimes
violentos por 100 mil habitantes. Já o município de Nova Lima apresenta índice
bastante inferior, sendo 450,48 crimes violentos por 100 mil habitantes em 2004.
Com relação à taxa de crimes violentos contra a pessoa - incluindo-se, portanto, as
ocorrências de homicídios, as tentativas de homicídio e os estupros - no ano de 2004,
destacam-se os municípios de Vespasiano (176,52 crimes por 100 mil habitantes) e
Ribeirão das Neves (176,15 crimes por 100 mil habitantes). As taxas mais baixas para
esse tipo específico de crime são registradas novamente no município de Nova Lima
86
com o índice de 64,15 crimes violentos contra a pessoa para o ano de 2004, valor
bastante inferior à média dos demais municípios.
A análise dos dados relativos aos crimes violentos contra a pessoa – que exclui as
ocorrências de roubos e roubos à mão armada - mostra que os municípios da RMBH
ainda se destacam pelos altos índices de criminalidade violenta dessa categoria, quando
comparada às demais regiões do estado, conforme mostra o mapa a seguir.
Mapa 4:Taxa média de crimes violentos contra a pessoa por 100 mil habitantes,
Minas Gerais, abr-jun 2008.
Extraído de: FJP, Boletim de informações criminais, 2008.
Tais aspectos parecem62 se relacionar com o investimento em políticas de Segurança
Pública, pois o município com as menores taxas de criminalidade, Nova Lima, é aquele
que também destina o maior volume de recursos para essa área, em comparação com os
62
Tal relação é apenas aparente, uma vez que sua comprovação depende de análise mais apurada,
que considere outras dimensões não abordadas no escopo desse relatório.
87
demais municípios incluídos na expansão do PAIR Minas nessa região. Tais
informações encontram-se na tabela abaixo:
Tabela 16: Indicadores de criminalidade e gastos públicos na área de segurança
pública nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2004.
PORTE MUNICÍPIO
Taxa de crimes Taxa de crimes violentos
Esforço
orçamentário
Gasto orçamentário per
violentos por 100 mil contra a pessoa por 100
com Segurança Pública
capita com Segurança
hab.
mil hab.
(%)
Grande
Betim
780,02
154,07
8,87
0,71
Contagem
1749,31
151,42
0,00
0,00
Ibirité
614,60
Ribeirão das
Neves
880,73
94,07
1,43
0,32
176,15
1,05
0,39
Sabará
650,16
89,30
0,30
0,07
Santa Luzia
825,91
146,49
4,87
1,06
Vespasiano
721,61
176,52
0,00
0,00
Nova Lima
450,48
64,15
31,29
2,02
Médio
Média*
834,10
131,52
5,98
,57
Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Dados referentes ao ano de 2004. * A média apresentada se refere aos
municípios considerados na expansão do PAIR Minas.
Tais informações fornecem um quadro geral sobre a criminalidade e violência nos
municípios considerados. A relação entre esses patamares expressivos de criminalidade
e a ocorrência de violência sexual nos municípios requer atenção especial pelo fato de
que essas últimas são, sistematicamente, subnotificadas dificultando o dimensionamento
real do fenômeno.
É preciso reconhecer que a violência sexual contra crianças e adolescentes possui, como
já relatado, uma dinâmica complexa própria relacionada a múltiplos fatores, dentre eles
os de risco, tais como existência de áreas de garimpo, turismo, terras indígenas, como
apresentadas na primeira parte desse relatório, e também aspectos relacionados à
vulnerabilidade , que foram abordados quando da caracterização sociodemográfica e
econômica dos municípios e questão e que serão oportunamente retomados. Ademais,
estabelecer qualquer relação entre o quadro da criminalidade e a ocorrência de violência
sexual nos municípios não é tarefa simples dado que essas últimas são,
sistematicamente, subnotificadas, o que dificulta o dimensionamento real do fenômeno.
Uma primeira aproximação do quadro de violência contra crianças e adolescentes
observado nesses municípios pode ser realizada a partir dos registros relativos à entrada
88
e ao fluxo de atendimento das vítimas pelo sistema de proteção social, elementos
relevantes para o dimensionamento do fenômeno, particularmente em relação a um tema
sensível, enquanto problema público, como é a violência sexual infanto-juvenil. As
informações a seguir se referem aos casos e atendimentos relativos à violência em geral
contra crianças e adolescentes registrados pelos CREAS de Minas Gerais e
encaminhados à Diretoria de Proteção e Defesa da Criança e do Adolescente, da
Superintendência de Políticas para a Criança e o Adolescente da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE/MG)63.
Como se vê, há grande variação no número de atendimentos registrados para os
municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas e uma variação
menos expressiva no que se refere ao número de casos.
Tabela 17: Casos e Atendimentos registrados pelo Serviço de Proteção social às
crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas
famílias oferecido pelo CREAS em municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE
Grande
Médio
Casos
Atendimentos
Betim
MUNICÍPIO
78
1.270
Contagem
117
884
Ibirité
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
Sabará
90
1.028
Santa Luzia
91
270
Vespasiano
53
185
Nova Lima
S/I
S/I
429
3.637
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Tal variação deve estar associada não apenas à dimensão do fenômeno da violência
contra crianças e adolescentes, mas também ao nível de gestão do município do Sistema
Único de Assistência Social, uma vez que os recursos relacionados à vigilância
socioassistencial disponíveis para atendimento das vítimas de violência sexual infantojuvenil são disponibilizados de acordo com tal classificação e se relacionam, portanto, à
capacidade de atendimento de cada município.
63
As informações disponibilizadas se referem aos atendimentos realizados pelos CREAS no ano de
2007. Os dados foram coletados pelas equipes do CREAS e encaminhados à Diretoria de Proteção e
Defesa da Criança e do Adolescente que as cedeu gentilmente para a elaboração desse relatório.
89
Entretanto, pode-se afirmar que os dados administrativos de atendimento permitem uma
melhor caracterização da violência contra e crianças e adolescentes nos municípios em
questão64 na medida em que identificam aspectos importantes do perfil vitimadas
crianças e adolescentes vitimizados, de suas famílias e dos agressores. As divergências
entre os dados apresentados acima e aqueles que serão discutidos a seguir deve-se,
sobremaneira, à existência de informações perdidas ou mesmo indisponíveis nos
registros aqui consultados65.
Tabela 18: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia
Nacional segundo o tipo e forma de violência infanto-juvenil ocorridas em
municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 200766.
Tipo de violência
PORTE
Forma da violência
MUNICÍPIO
Abuso sexual Exploração sexual Negligência Psicológica Total Intrafamiliar Extrafamiliar Total
Grande
Médio
Betim
Contagem
75
121
2
5
0
0
0
1
77
127
47
71
30
56
77
127
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves S/I
14
Sabará
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
5
72
1
92
78
14
14
Santa Luzia
15
0
24
21
60
69
22
91
Vespasiano
42
6
3
0
51
31
20
51
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
267
18
99
23
438
296
142
438
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
67
Com relação aos tipos de violência atendidos pelo CREAS , pode-se verificar que o
maior número de registros diz respeito a casos de abuso sexual e de violência
64
Embora os registros de atendimentos a vítimas de violência sexual infanto-juvenil pelos serviços
atenção especializada sejam importantes para um dimensionamento do fenômeno, é importante ressaltar
que as variações observadas acima entre os municípios podem estar relacionadas ainda à capacidade de
oferta de desses serviços pelos municípios habilitados em diferentes níveis de gestão do SUAS. Esse
aspecto será discutido adiante.
65
As informações apresentadas a seguir foram disponibilizadas pela SEDESE/MG e resultam de
levantamento realizado no ano de 2007. Os dados foram referem-se aos atendimentos realizados pelos
CREAS de Betim, Contagem, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano e às vítimas atendidas desses municípios,
incluindo uma vítima de Ouro Verde atendida no CREAS de Betim e nove vítimas de Confins atendidas
no CREAS de Vespasiano. Para os demais municípios da RMBH considerados na expansão do PAIRMINAS (Ibirité, Ribeirão das Neves e Nova Lima) não há dados disponíveis, uma vez que os mesmos não
possuem CREAS instalados.
66
Não havia informações disponíveis para os municípios de Ibirité, Ribeirão das Neves e Nova
Lima referentes ao ano de 2007.
67
Deve-se considerar que esses casos e atendimentos envolvem não apenas ocorrências
relacionadas à violência sexual, mas todos os casos encaminhados ao CREAS, incluindo-se aí aqueles
referidos a violência física e psicológica, por exemplo.
90
intrafamiliar. Os municípios de Contagem e Betim se destacam pelo número de casos
registrados, 127 para o primeiro e 77 para o segundo.
O fato de a maioria dos casos de violência sexual atendidos pelos CREAS localizados
nos municípios citados68 referir-se a abusos sexuais e a violência intrafamiliar é
relevante para as estratégias de prevenção desse tipo de violência.
Para maior
efetividade do Programa, é importante que ações relativas ao enfrentamento dessas
violências priorizem a atenção aos grupos familiares e orientem as iniciativas de
vigilância socioassistencial para esse público-alvo. A identificação de agentes públicos
atuando junto aos grupos familiares e a articulação das ações do PAIR com aquelas
desenvolvidas por esses agentes são movimento relevantes dado nesse contexto.
A identificação do perfil aproximado das vítimas de violência sexual infanto-juvenil nos
municípios considerados é um recurso fundamental para imprimir maior direcionalidade
às ações do PAIR Minas no nível local, ou seja, priorizar o segmento mais vulnerável à
violência sexual. Para isso, será analisado, a seguir, o perfil das vítimas atendidas pelos
CREAS (SEDESE/MG, 2007) por grupo etário, cor, sexo e escolaridade.
Com relação ao perfil etário das vítimas, verificou-se que a maioria das crianças e
adolescentes vitimizados encontrava-se na faixa compreendida entre 7 e 14 anos, com
exceção do município de Sabará, onde foi observada uma concentração de casos no
grupo etário de 15 a 17 anos. Esses dados indicam maior vulnerabilidade, na
mesorregião considerada, das crianças e adolescentes que possuem idade entre 7 e 14
anos, informação esta que deve orientar a expansão do PAIR Minas, bem como as ações
dos demais órgãos e entidades envolvidos no combate à violência sexual infantojuvenil. Chama a atenção o percentual de vítimas com idade entre 0 e 6 anos que, em
Vespasiano e Santa Luzia, superou aquele observado entre os adolescentes. Vitimização
em faixa etária tão reduzida requer uma atenção pública ainda maior já que tanto o
tempo de vitimização quanto a exposição precoce ao trauma sexual podem ter
conseqüências devastadoras para o futuro da criança.
68
A maioria dos casos citados diz respeito a crianças e adolescentes residentes nos municípios em
que o CREAS está instalado. Em Betim, há um caso do município de Ouro Verde e em Vespasiano
percebe-se um padrão de atendimento regionalizado, uma vez que em 17% dos casos atendidos a vítima
era do município de Confins. Tal informação é convergente com a organização da proteção social
especial nesses municípios: apenas o CREAS de Vespasiano é regionalizado; os demais municípios
ofertam serviço de atendimento local.
91
Apesar das informações apresentadas, é preciso igualmente destacar que, como essas
dizem respeito aos registros efetuados pelas instituições do sistema de proteção social,
esse volume expressivo de crianças menores também pode indicar a maior capacidade
de focalização e atendimento desse público por parte desses centros de atendimento
especializado.
Tabela 19: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo os
grupos etários, 2007.
Idade
0-6 anos
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
N
%
N
Total
%
N
%
Betim
-
-
-
-
-
Contagem
23
19,49
73
61,86
22
18,64
118
100
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
1
1,54
31
47,69
33
50,77
65
100
Santa Luzia
12
13,19
68
74,73
11
12,09
91
100
Vespasiano
7
13,21
40
75,47
6
11,32
53
100
Total
Fonte: SEDESE, 2008
%
15-17 anos
-
Nova Lima
N
7-14 anos
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
43
13,15
212
64,83
72
22,02
327
100
No que tange à distribuição das vítimas por grupo de cor, pode-se afirmar que há
predomínio de crianças e adolescentes vitimizados identificadas como de cor “parda”
em Betim, Sabará e Vespasiano, enquanto em Contagem e Santa Luzia observou-se um
maior número entre aquelas de cor “branca”. Em Vespasiano, há predomínio de
vitimização infanto-juvenil em crianças e adolescentes da cor negra (45% do total de
registros nesse município). Esse dado pode reforçar a relação recorrentemente
encontrada em outros estudos entre cor e vulnerabilidade à violência sexual, uma vez
que a maior parte das vitimizações, considerando-se os municípios analisados, é de
crianças e adolescentes da cor “parda” (44,19%).
92
Tabela 20: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo a
cor, 2007.
Raça/cor
PORTE
MUNICÍPIO
Grande
Médio
N
Negra
%
N
Parda
%
N
Branca
%
Total
N
%
Betim
11
14,29
60
77,92
6
7,79
77
100
Contagem
32
25,20
46
36,22
49
38,58
127
100
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
19
21,11
38
42,22
33
36,67
90
100
Santa Luzia
26
31,71
25
30,49
31
37,80
82
100
Vespasiano
9
45
6
30
5
25
20
100
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
97
24,49
175
44,19
124
31,31
396
100
Total
Fonte: SEDESE, 2008
No conjunto das vítimas, verificou-se que 57,08% das crianças e adolescentes
vitimizados são do sexo feminino, dado que explicita uma tendência a existir relação
positiva entre sexo/vulnerabilidade à violência para estes municípios analisados,
demonstrando a existência de um viés de gênero. A despeito disso, essa distribuição por
sexo varia entre os municípios considerados: há prevalência de crianças e adolescentes
vitimizados do sexo feminino em Betim, Contagem e Vespasiano, diferentemente de
Santa Luzia e Sabará onde o número de vitimizados do sexo masculino é maior.
Tabela 21: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
sexo, 2007.
Sexo
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Masculino
N
%
Total
N %
Betim
67
87,01
10
12,99
77 100
Contagem
93
S/I
73,23
S/I
34
S/I
26,77
S/I
127 100
S/I S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I S/I
Sabará
24
26,67
66
73,33
90 100
Santa Luzia
37
40,66
54
59,34
91 100
Vespasiano
29
S/I
54,72
S/I
24
S/I
45,28
S/I
53 100
S/I S/I
250
57,08
188 42,92
438 100
Ibirité
Ribeirão das Neves
Médio
Feminino
N
%
Nova Lima
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
A distribuição das vítimas de violência sexual infanto-juvenil por nível de escolaridade
mostrou que os casos atendidos pelos CREAS são, em sua maioria, de crianças e
93
adolescentes que estavam cursando ou que concluíram o ensino fundamental.
Analisando o total de ocorrências, verificou-se que prevalece o percentual de atendidos
nesse nível de ensino ou daqueles que já o concluíram (91,82%). Considerando o perfil
etário predominante das crianças e adolescentes vitimizados – na faixa da idade
esperada para esse nível de ensino -, os dados sugerem que as vítimas estavam inseridas
no sistema escolar, o que amplia a importância das escolas no enfrentamento desse tipo
de violência69.
Tabela 22: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
escolaridade, 2007.
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Analfabeta
%
Escolaridade
Fundamental
(completo/incompleto)
%
Médio
(completo/incompleto)
%
Betim
0
0,00
72
94,73
4
5,26
Contagem
6
4,72
110
86,61
11
8,66
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
1
5,00
14
70,00
5
25,00
Santa Luzia
0
0,00
70
100
0
0,00
Vespasiano
0
0,00
37
100
0
0,00
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
7
2,12
303
91,82
20
6,06
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Nos dias de hoje, as oportunidades de bem estar variam de acordo com os tipos e
estruturas familiares. As peculiaridades de cada família, tais como sua composição,
condições de vida e a idade de seus componentes indicam vulnerabilidades potenciais.
A instituição familiar sofre impactos de mudanças sociais, culturais e econômicas que
redefinem sua organização. Por despender recursos econômicos com seus membros, as
famílias tendem a possuir menor número de pessoas, de forma a serem capazes de
manter suas necessidades sociais e humanas básicas.
A conexão entre vulnerabilidades sociais dos grupos familiares e violência sexual
infanto-juvenil é um importante aspecto a ser avaliado em cada um dos municípios,
conforme destacado na parte inicial desse diagnóstico. Nesse sentido, serão
apresentadas algumas informações sobre o grupo familiar das crianças e adolescentes
vitimizados pela violência sexual atendidas pelos CREAS em municípios localizados na
69
Uma análise mais detida desse ponto requer informações desagregadas no nível individual,
diferentemente da estrutura dos dados em análise, agregados por municípios.
94
Região Metropolitana de Belo Horizonte, aqueles considerados no projeto de expansão
do PAIR Minas.
Uma das principais dimensões para caracterizar a vulnerabilidade social é a renda,
principalmente aquela apurada levando-se em conta a composição familiar e as
dependências internas ao grupo familiar. Como pode ser verificado na tabela 23, a
maioria das crianças e adolescentes vitimizados pertence a grupos familiares cuja renda
varia entre um e três salários mínimos. Entretanto, tal informação não permite aferir se
os membros de tal grupo estão em situação de pobreza ou indigência, uma vez que esse
dado não leva em consideração o número efetivo de pessoas que depende dessa renda
para sobreviver. Destaca-se ainda o número reduzido de crianças e adolescentes
vitimizados cujas famílias apresentam renda nula. Provavelmente estas famílias têm
dificuldades ainda bem maiores para ter acesso aos serviços da rede socioassistencial, a
exemplo dos CREAS.
Tabela 23: Renda familiar das Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo
CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2007.
PORTE MUNICÍPIO
Grande Betim
Contagem
Médio
Sem renda Menos de 1 SM 1 a 3 SM Mais de 3 SM
2
8
51
0
2
16
39
17
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
5
Sabará
5
8
65
Santa Luzia
0
10
27
4
Vespasiano
0
0
23
0
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
9
42
205
26
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Um elemento importante para a compreensão do fenômeno da violência sexual infantojuvenil, bem como para a definição de estratégias de enfrentamento, é identificar a
extensão em que as vulnerabilidades são (ou não) cumulativas, ou seja, se são
vulnerabilidades que remetem a diferentes dimensões da vida social dessas famílias e,
especialmente, se elas se reforçam mutuamente.
Aspectos relacionados à
vulnerabilidade familiar, tais como a presença anterior de trajetória de rua, histórico de
violência e desemprego serão discutidos a seguir.
95
A caracterização do grupo familiar e a trajetória da violência no interior do mesmo
fornecem elementos importantes para a avaliação das múltiplas vulnerabilidades a que
podem estar sujeitas as vítimas de violência sexual infanto-juvenil. O levantamento dos
atendimentos dos CREASs (SEDESE/MG, 2008) diferenciou a família das vítimas em
cinco categorias: famílias com trajetória de rua, com histórico de violências, sem
histórico de violência relevante, família afetiva ou desempregada.
De acordo com esse levantamento, em Sabará observou-se um predomínio de
atendimentos de crianças e adolescentes vitimizados que possuem histórico prévio de
violência na família, sendo que um número expressivo deles residia com família afetiva.
Em Contagem e Betim verificou-se uma concentração de vítimas membros de famílias
sem histórico de violência relevante, e apenas nesses dois municípios houve registro de
vítimas com trajetória de rua70. De forma importante, os dados revelaram que entre as
vítimas que foram atendidas pelos serviços de assistência social predominam as crianças
e adolescentes inseridas em seus grupos familiares.
Tabela 24: Caracterização das famílias das Crianças e Adolescentes vitimizados
atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Família sem
histórico de
violência relevante
Família
afetiva
Família
desempregada
Betim
4
18
28
0
4
Contagem
6
32
82
7
6
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
-
25
6
57
3
Ibirité
Ribeirão
Neves
Sabará
Médio
Famílias com
histórico de
violências
Família com
trajetória de rua
das
Santa Luzia
0
0
0
0
0
Vespasiano
0
0
0
0
12
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
10
75
116
64
25
Total
Fonte: SEDESE, 2008
70
O que não significa que não tenha havido violência anterior, uma vez que, como dito no início
dessa seção, há uma grande subnotificação no registro de eventos de violência, em especial quando essa é
de natureza sexual, contra crianças e adolescentes e praticada por membros da família. Entretanto, tais
características não permitem uma análise mais aprofundada da configuração familiar das vítimas, uma
vez que as informações se encontram agregadas ou com uma definição pouco clara.
96
Outra dimensão central para a definição de ações efetivas de prevenção e
enfrentamento da violência infanto-juvenil diz respeito ao perfil dos agressores e à
natureza de seu vínculo com a criança/adolescente vitimizado. Em Betim e Contagem as
ocorrências de violências estão fortemente associadas ao grupo familiar predominando
aquelas cometidas por pai/padrasto. No caso de Contagem, observou-se ainda que a
vulnerabilidade a esse tipo de violência está relacionada ao espaço da moradia, com um
número expressivo de agressores que eram vizinhos da vítima. Ainda de acordo com os
registros da SEDESE/MG (2008), em Sabará e Vespasiano observou-se um padrão que
discrepa em relação ao perfil de agressor geralmente encontrado nos casos de violência
sexual71. Por exemplo, o maior número de casos de violência sexual foi cometido por
membro de uma família extensa, que não é o pai ou padrasto, tratando-se de um
membro tal como um tio ou primo, como indicado na tabela seguinte. Importante
salientar que, especialmente com relação aos dados de perfil do agressor, há muita
ausência ou não preenchimento de informações, o que impossibilita o desenho de um
perfil mais próximo à realidade.
Tabela 25: Distribuição dos agressores por tipo de vínculo com Crianças e
Adolescentes vitimizados pela violência sexual segundo o porte e município da área
de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE
Médio
Pair
Padrasto
Membro de
família extensa
Betim
13
13
17
4
Contagem
21
20
19
31
MUNICÍPIO
Vizinho
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
2
-
6
8
Santa Luzia
1
0
0
1
Vespasiano
5
3
8
6
S/I
42
S/I
36
S/I
50
S/I
50
Nova Lima
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Com relação ao sexo do agressor, verificou-se que em 85,71% dos casos esse é do sexo
masculino, sendo que apenas em Sabará observou-se um número expressivo de
agressores do sexo feminino, ou seja, no total de 92 vítimas, 22 sofreram violências
71
“Coincidindo com o que se observa na literatura internacional, os perpetradores são, na maioria
dos casos, familiares, amigos ou vizinhos, pessoas que fazem parte do universo da criança (Lalor, 2004a;
Grossin et al., 2003; Morales e Schramm, 2002)” (Aded et al., 2006:207).
97
cometidas por mulheres. Com relação à cor do agressor, destaca-se o maior número de
registros referentes à cor parda, que representam 40,40% dos casos.
Tabela 26: Distribuição percentual dos agressores por sexo e raça/cor segundo o
porte e município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana
de Belo Horizonte, 2007.
Sexo
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Raça/Cor
Feminino %
Masculino %
Negra %
Parda %
Branca %
Betim
0
0,0
1
100,0
0
0,00
0
0,0
0
0,0
Contagem
4
3,4
113
96,6
7
46,7
8
53,3
0
0,0
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
22
23,9
70
76,1
23
31,1
28
37,8
23
31,1
Santa Luzia
1
50,0
1
50,0
0
0,0
0
0,0
0
0,0
Vespasiano
1
5,0
19
95,0
4
40,0
4
40,0
2
20,0
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Total
28
12,1
204
87,9
34
34,3
40
40,4
25
25,3
Fonte: SEDESE, 2008.
Segundo a tabela 27, entre os agressores para os quais há informações disponíveis, a
maioria não trabalhava, o que representa o percentual de 61,70% considerando-se o total
de registros. Interessante observar que nos municípios de Santa Luzia e Vespasiano a
totalidade dos agressores exerciam atividades de trabalho, enquanto em Sabará 84,8%
dos violadores não possuía vínculo com trabalho.
Tabela 27: Perfil ocupacional do agressor segundo o porte populacional e
município da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, 2007.
PORTE
Grande
Situação ocupacional do violador
Trabalha
Não trabalha
N
%
N
%
MUNICÍPIO
Betim
-
0
-
0
Contagem
16
53,3
14
46,7
Ibirité
S/I
S/I
S/I S/I
Ribeirão das Neves S/I
S/I
S/I S/I
Sabará
12
15,2
67
Santa Luzia
19
100,0 -
0
Vespasiano
4
100,0 -
0
Nova Lima
S/I
S/I
S/I S/I
Total
Fonte: SEDESE, 2008
51
38,6
81
Médio
84,8
61,7
98
Com relação à escolaridade, observou-se predomínio dos agressores que cursaram até o
Ensino Fundamental (76,58%), sendo que apenas em Contagem houve registro de
agressores que cursaram Ensino Superior, mas esses representam apenas 1,80% dos
casos considerados.
Tabela 28: Escolaridade do agressor segundo o porte populacional e município da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
2007.
PORTE
MUNICÍPIO
Grande Betim
Analfabeto
%
Escolaridade
Fundamental
%
Médio
0
%
0,00
Contagem
2
6,67
23
76,66 3
10,00 2
6,67
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
10,29
54
80,89 6
0,00
S/I
S/I
S/I
8,82
0
0,00
0,00
Santa Luzia
0
0,00
3
100
0
0,00
Vespasiano
0
0,00
4
50,00 4
50,00 0
0,00
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Total
Fonte: SEDESE, 2008
11
9,91
85
76,58 13
Médio
0
0,00
Superior
100,00 0
7
0
%
2
S/I
S/I
11,71 2
1,80
Tabela 29: Responsabilização dos violadores segundo o porte e município da área
de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
Situação do violador
Abertura de
Inquérito ou
Processo em
Tem contato com a
andamento
criança/adolescente
PORTE
MUNICÍPIO
Responsabilizado
Não
responsabilizado
Grande
Betim
-
-
-
-
-
Contagem
1
58
46
33
90
Ibirité
S/I
Ribeirão das
Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
1
27
43
6
25
Santa Luzia
-
-
-
-
-
Vespasiano
1
9
1
7
5
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
3
94
90
46
120
Médio
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Não tem contato com
a criança/adolescente
A tabela acima apresenta um quadro grave a respeito da responsabilização dos autores
de crimes contra crianças e adolescentes: há registro de apenas três agressores
responsabilizados, sendo que apenas em Contagem e Sabará foram registrados casos de
abertura de inquérito ou processo em andamento. Por fim, a tabela 29 mostra que apenas
33 agressores (ou cerca de um terço do total) possuem contato com as vítimas.
99
Para a definição das ações do PAIR Minas no nível local e identificação dos agentes
estratégicos da rede de enfrentamento é importante mapear o fluxo da vítima no interior
do sistema de garantia de direitos e do sistema de proteção social, particularmente no
que se refere à “entrada” da vítima nessas instituições. Com relação à procura do
CREAS, os dados reforçam que a maioria das vítimas buscou atendimento na
companhia da mãe, exceto no município de Betim, em que houve predomínio do
acompanhamento das crianças e adolescentes pela figura do responsável. Esse aspecto
ressalta a centralidade do papel da figura materna nas políticas da proteção e promoção
dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente daquelas com direitos violados e
deve se levado em consideração quando do planejamento das ações do PAIR Minas.
Com relação a esse aspecto, ressalte-se a existência de elevado percentual de crianças e
adolescentes vitimizados que procuraram o CREAS sozinhos no município de Sabará.
Tabela 30: Existência de contato entre agressores e crianças e adolescentes
vitimizados segundo o porte e município da área de expansão do PAIR Minas na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Existência de contato agressores e
crianças e adolescentes vitimizados
Sim
Não
Betim
-
-
Contagem
33
90
Ibirité
S/I
S/I
Ribeirão das Neves S/I
S/I
Sabará
6
25
Santa Luzia
-
-
Vespasiano
7
5
Nova Lima
S/I
S/I
Total
Fonte: SEDESE, 2008
46
120
Médio
Tabela 31: Crianças e Adolescentes vitimizados atendidos pelo CREAS na área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo
acompanhante em atendimento no CREAS, 2007.
Acompanhante
PORTE MUNICÍPIO
Grande
Médio
Veio
sozinha %
Mãe %
Pai %
Responsável %
Vizinho %
Total
Betim
0
0,00
19
25,33
2
2,67
54
72,00
0
0,00
75
Contagem
3
4,05
36
48,65
9
12,16
26
35,14
0
0,00
74
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
33
37,08
36
Santa Luzia
1
1,14
Vespasiano
0
0,00
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
40,45 12
13,48
6
6,74
2
2,25
89
47
53,41 15
17,05
24
27,27
1
1,14
88
35
87,50
1
2,50
4
10,00
0
0,00
40
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
100
Total
37
10,11
173
47,27 39
10,66
114
31,15
3
0,82
366
Fonte: SEDESE, 2008
Com relação ao fluxo de atendimento das vítimas pelos CREAS, na maioria dos casos
atendidos foi oferecido o atendimento psicológico combinado ao Serviço Social. Os
atendimentos jurídicos e psicológicos se mostraram menos freqüentes. Interessante
observar que em Contagem a maioria das vítimas foi atendida por todos os tipos de
serviços disponíveis, o que pode indicar uma específica e maior capacidade da equipe
em absorver a demanda, uma específica e maior presença de recursos humanos
disponíveis para tal, apesar desse município ser também o que apresenta o maior
número de casos registrados. Entretanto, não há informações sobre a composição das
equipes de atendimento do CREAS, não permitindo a verificação final dessa hipótese.
Tabela
O fluxo de encaminhamentos das vítimas realizados pela equipe do CREAS é um
elemento relevante para a identificação de agentes públicos e instituições a serem
articuladas pela rede de enfrentamento local da violência sexual infanto-juvenil. Entre
os municípios com informações disponíveis no levantamento realizado pela
SEDESE/MG (2008), observou-se no período em tela um número reduzido de
encaminhamentos especificamente para a rede de saúde, ação existente apenas em dois
dos municípios analisados, a saber: Contagem e Sabará. Quanto aos encaminhamentos à
rede municipal de Assistência Social, esses se apresentaram com maior freqüência e o
mesmo apenas não ocorreu, como indica a tabela abaixo, no município de Santa Luzia.
Por fim, apenas em Contagem houve encaminhamento das vítimas para ONGs. Essas
informações devem ser relacionadas à real configuração e estruturação da rede de
serviços, aspecto que será abordado na próxima seção.
Tabela 32: Número de atendimentos prestados às Crianças e Adolescentes
vitimizados atendidos pelo CREAS na área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, segundo o tipo de atendimento, 2007.
PORTE MUNICÍPIO
Tipo de atendimento
Todos
os
Psicol / Serv Social / Psicológico
Jurídico
serviços
Educacional
serviços social
Grande
0
Betim
1
0
26
e Serviço
Social
24
Psicológico Total
23
74
Contagem
123
0
0
24
68
0
215
Ibirité
Ribeirão
Neves
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
das
101
Sabará
Médio
11
0
0
35
23
0
69
Santa Luzia
0
0
3
34
19
12
68
Vespasiano
17
0
0
13
4
2
36
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
S/I
151
1
3
132
138
37
462
Total
Fonte: SEDESE, 2008
Tabela 33: Número de encaminhamentos realizados pela equipe do CREAS na
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
segundo tipo de encaminhamento, 2007.
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Rede de saúde Rede assistencial ONG Total
Betim
0
49
0
49
Contagem
3
12
6
21
Ibirité
S/I
S/I
S/I
S/I
Ribeirão das Neves S/I
S/I
S/I
S/I
Sabará
1
5
0
6
Santa Luzia
0
0
0
0
Vespasiano
0
3
0
3
Nova Lima
S/I
S/I
S/I
S/I
Total
4
69
6
79
Fonte: SEDESE, 2008
Entretanto, como indicado no início dessa seção, a violência sexual infanto-juvenil
possui especificidades que a diferenciam tanto do quadro de criminalidade violenta,
apresentado na tabela 16, quanto da violência física e psicológica contra crianças e
adolescentes72. Tais especificidades, apontadas na ampla discussão teórica presente na
Introdução desse relatório, indicam que à violência sexual contra crianças e
adolescentes deve ser dada especial atenção. Dessa forma, serão apresentados a seguir
dados relativos a esse tipo de violência oriundos de diversas fontes, constituindo uma
tentativa de dimensionar de forma adequada o fenômeno em questão, contribuindo
assim, para um desenho eficaz da política de enfrentamento.
Uma primeira análise nesse sentido diz respeito ao cruzamento entre o tipo de violência
e à sua forma (se extra ou intrafamiliar). Como dito anteriormente, em todos os
municípios há predomínio de crianças e adolescentes atendidos no CREAS vitimizados
pela violência sexual.
72
Lembrando que essas formas de violência se encontram associadas à violência sexual infanto-
juvenil.
102
Tabela 34: Tipo e forma de violência infanto-juvenil segundo o município de
atendimento de vítimas na área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
Forma de violência
Extrafamiliar Intrafamiliar
MUNICIPIO DE
ATENDIMENTO
Tipo de violência
N
%
N
%
Betim
Abuso Sexual
27
36,0
48
64,0
Exploração Sexual
Total
Contagem
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Outras Violências
Total
Sabará
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Outras Violências
3
100,0
0
0,0
3
30
38,5
48
61,5
78
52
46,8
59
53,2
111
4
80,0
1
20,0
5
0
0,0
1
100,0
1
56
47,9
61
52,1
117
10
62,5
6
37,5
16
5
100,0
0
0,0
5
0
0,0
71
100,0
71
16,3
77
83,7
92
4
26,7
11
73,3
15
18
23,7
58
76,3
76
22
24,2
69
75,8
91
18
41,9
25
58,1
43
Exploração Sexual
6
100,0
0
0,0
6
Outras Violências
0
0,0
3
60,0
5
24
44,4
29
53,7
54
Abuso Sexual
Outras Violências
Total
Vespasiano
75
15
Total
Santa Luzia
Total
Abuso Sexual
Total
Fonte: SEDESE, 2008.
Tais informações implicam na necessidade de adequação das estratégias de
enfrentamento à violência sexual às características específicas que essas assumem
nesses municípios, em uma abordagem que mobilize e informe a população e em
especial as famílias das crianças e adolescentes vitimizados e que combine políticas
públicas nesse enfrentamento, uma vez que, por exemplo, há casos de exploração sexual
intrafamiliar em Contagem e isso pode se relacionar ao recurso à violência como meio
de se obter renda para o sustento da família, o que requer, portanto, que se pense em
programas de geração de renda, qualificação profissional e em políticas de transferência
de renda e combate ao trabalho infantil73. Há ainda registros de abuso sexual
extrafamiliar, o que requer um foco mais amplo de atenção do PAIR Minas, voltado à
informação e mobilização de grupos mais vulneráveis e a investimentos em ações de
73
Na seção seguinte será caracterizada a rede e infra-estrutura de serviços disponíveis nesses
municípios, como forma de orientar e fomentar a interlocução entre diversos órgãos e políticas que
podem e devem ser combinadas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
103
protagonismo juvenil, por exemplo, como estratégia de empoderamento de crianças e
adolescentes.
A inclusão da informação sobre os municípios de origem das crianças e adolescentes
vitimizados permite também dimensionar de forma mais adequada a violência sexual
contra crianças e adolescentes na região, uma vez que permite refinar as informações
sobre os casos atendidos, possibilitando trabalhar de forma mais específica em cada
município.
Tabela 35: Tipo e forma de violência sexual infanto-juvenil segundo o município de
origem de vítimas atendidas por serviços especializados na área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
Forma de violência
Extrafamiliar Intrafamiliar
MUNICIPIO DE
ORIGEM DA VÍTIMA
Tipo de violência
N
%
N
Betim
Abuso Sexual
27
36,5
47
63,5
74
3
100,0
0
0,0
3
Abuso Sexual
4
50,0
4
50,0
8
Outras Violências
0
0,0
1
100,0
1
52
46,8
59
53,2
111
4
80,0
1
20,0
5
0,0
1
100,0
1
0,0
1
100,0
1
Exploração Sexual
Confins
Contagem
Abuso Sexual
Exploração Sexual
Ouro Verde
Sabará
Santa Luzia
Abuso Sexual
% Total
Abuso Sexual
9
64,3
5
35,7
14
Exploração Sexual
5
100,0
0
0,0
5
Abuso Sexual
4
26,7
11
73,3
15
18
23,7
58
76,3
76
0,0
1
100,0
1
0,0
1
Outras Violências
São João Del Rei
Abuso Sexual
São Paulo
Abuso Sexual
1
100,0
Vespasiano
Abuso Sexual
14
40,0
21
60,0
35
6
100,0
0
0,0
6
Exploração Sexual
Fonte: SEDESE, 2008.
104
Uma consideração importante se refere à presença de vítimas oriundas de municípios
não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas na RMBH, mas que buscam
atendimento nos municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do PAIR
Minas, como é o caso de Ouro Verde, São João Del Rei e São Paulo. Resta saber se a
ausência de serviços nos municípios de origem ocasionou a busca de atendimento em
outros municípios ou se há problemas na coleta de dados, e o registro se refere à
naturalidade da criança/adolescente vitimizados e não a seu local de residência.
Outra abordagem interessante diz respeito à comparação entre dados de diversas fontes,
buscando-se construir um quadro mais próximo à realidade dos municípios em questão.
Assim, outra fonte de dados a respeito da violência sexual contra crianças e
adolescentes é o Disque-Denúncia Nacional que mantido pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos. No período considerado - 2003, 2005 e 2006 a 200874 - verificou-se
que o município de Contagem destacou-se, também, pelo maior número de registros em
todas as categorias de violência consideradas, enquanto em Nova Lima foi observado o
menor número de denúncias nas mesmas categorias.
Tabela 36: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia
Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
2003 a 2005.
PORTE
Grande
Médio
MUNICÍPIO
Exploração
Sexual
Abuso
Comercial Sexual Total
Betim
5
1
6
Contagem
6
9
15
Ibirité
0
1
1
Ribeirão das Neves
0
2
2
Sabará
0
0
0
Santa Luzia
4
1
5
Vespasiano
0
0
0
Nova Lima
0
0
0
Total
15
14
29
Fonte: Disque-Denúncia, SEDH. Dados referentes ao período
2003-2005.
74
Até 11/09/2008.
105
Como se vê, para o período 2006-200875 houve um aumento nos registros de casos de
violência sexual encaminhados ao disque-denúncia76, o que pode indicar incremento na
efetividade desse serviço, em comparação com o período 2003-2005. Chama atenção
também o crescimento, no mesmo período, do número de registros de abuso sexual,
relativamente à exploração sexual. Ademais, verifica-se que também entre os anos de
2006 e 2008, os municípios de Contagem, Betim e Santa Luzia se destacaram com os de
maior número de registros enquanto Sabará e Nova Lima apresentaram o menor número
de registros.
Tabela 37: Número de denúncias registradas pelo Serviço Disque-Denúncia
Nacional segundo o tipo de violência infanto-juvenil ocorridas em municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
2006 a 11/09/2008.
PORTE
Grande
Médio
Exploração Sexual
Comercial
com intermediário
MUNICÍPIO
Exploração Sexual
Comercial
sem intermediário
Abuso
Sexual
Tráfico de
Crianças
Pornografia e/ou adolescentes Total
Betim
12
8
35
1
1
57
Contagem
28
13
55
0
1
97
Ibirité
Ribeirão das
Neves
3
3
13
0
0
19
4
5
27
0
0
36
Sabará
2
0
9
0
0
11
Santa Luzia
8
4
24
1
0
37
Vespasiano
1
5
13
0
0
19
Nova Lima
3
1
6
1
0
11
3
2
287
Total
61
39
182
Fonte: Disque-Denúncia, SEDH. Dados referentes ao período 2006-11/09/2008.
Cabe considerar que o número de registros é um indicador potencial de ocorrências do
fenômeno, mas é importante frisar que essas manifestações também repercutem a
saliência do tema para o público, a centralidade do tema na agenda local, dentre outros
fatores, como afirma Faleiros (2005):
“Muitas pessoas têm utilizado com mais freqüência o número
telefônico oferecido pelo Estado destinado às denúncias, porque
a ligação permite – lhes o anonimato. É um canal aberto, mas
precisa estar articulado a uma rede. A denúncia pode trazer
mais visibilidade ao que é contado, contabilizado, mas é ponta
75
Até 11/09/2008.
Lembrando que certamente há subnotificação desses registros. Entretanto, como as fontes de
informação sobre esses eventos são escassos, todo e qualquer dado deve ser considerado como parâmetro
para ação. Acredita-se que com a expansão do PAIR em Minas Gerais e com a implantação do sistema de
monitoramento e avaliação, essa lacuna será suprida.
76
106
de um iceberg e segue as variações das campanhas, aumentando
no momento forte dos apelos e diminuindo em seguida.”
(Faleiros, 2005, 9).
De acordo com os registros de encaminhamentos de vítimas ao Serviço de Proteção
social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas
famílias, oferecido pelo CREAS (antigo programa Sentinela) em 2007 e apresentados
anteriormente, verificou-se que os municípios de Betim, Contagem, Sabará, Santa Luzia
e Vespasiano registraram um número de casos bastante superior àqueles verificados no
Disque-Denúncia Nacional entre 2006 e 2008. Essa discrepância sinaliza para o fato de
há um baixo volume de denúncias realizadas via Disque-Denúncia, explicitando,
portanto, a necessidade de divulgação do número e dos procedimentos a serem
observados em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Os dados referentes aos casos de violência sexual encaminhados ao CREAS e aos
atendimentos realizados permitem constatar a subnotificação dos registros de violência
sexual apresentados pelo Disque-Denúncia. Tal divergência explicita a necessidade de
interlocução entre serviços, projetos e programas relacionados ao combate à violência
sexual contra crianças e adolescentes no país e em Minas Gerais, o que permitiria a
construção de diagnósticos mais fiéis à realidade e, por conseguinte, o desenho de
estratégias mais efetivas e eficazes.
Um quadro mais amplo pode ser observado se no diagnóstico forem incluídos dados
originados das instituições de defesa e responsabilização, que compõem o chamado
Sistema de Justiça, uma vez que essas são responsáveis pela notificação dos casos de
violência, bem como pela investigação e responsabilização dos agressores. Nesse
escopo estão incluídas as Polícias Civil e Militar, o Judiciário, Ministério Público,
Defensoria Pública e Institutos de Medicina Legal.
É de extrema importância que os registros desses órgãos sejam considerados como
orientação para as políticas de enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes porque, apesar da subnotificação citada anteriormente, tais instituições
possuem grande capilaridade e sua atuação é relevante no que se refere à
responsabilização dos agressores que só irá ocorrer se o fluxo for ali iniciado.
107
Assim, um quadro mais completo a respeito da violência contra crianças e adolescentes
pode ser traçado a partir dos registros da Polícia Civil77 relacionados à violência contra
crianças e adolescentes no período de 2006-2008. A tabela abaixo mostra que há
registros de violência contra crianças e adolescentes em todos os municípios da RMBH
incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas.
Tabela 38: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região
Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas
segundo porte populacional, 2006-2008.
2006
PORTE
MUNICÍPIO
Betim
Grande
Contagem
Ibirité
Ribeirão das
Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Fem
Masc
41%
58%
61%
38%
58%
32%
58%
42%
47%
53%
71%
28%
39%
53%
Nova Lima
60% 40%
Médio
Fonte: CINDS, 2009. *SI: sem informação
2007
SI Tot Fem Masc
1
164 40% 59%
%
1
193 66% 34%
%
9
53 46% 48%
%
0
84 55% 45%
%
0
81 61% 39%
%
2
65 63% 37%
%
8
66 45% 55%
%
0
47 45% 55%
%
2008
SI
1
%
0
%
6
%
0
%
0
%
0
%
0
%
0
%
Tot
Fem
Masc
151
51%
49%
234
61%
39%
48
51%
49%
315
59%
41%
99
56%
44%
68
58%
42%
101
55%
45%
80
60%
40%
2006-08
SI
0
%
0
%
0
%
0
%
0
%
0
%
0
%
0
%
Tot
Fem
Masc
320
46%
54%
410
62%
38%
94
52%
44%
288
57%
43%
86
55%
45%
182
62%
38%
103
47%
51%
87
54%
46%
SI
1
%
0
%
4
%
0
%
0
%
0
%
2
%
0
%
Tot
635
837
195
687
266
315
270
214
Outra informação que pode ser extraída dos dados cedidos pela Polícia Civil dizem
respeito ao perfil etário das crianças e adolescentes vitimizados, que pode ser
visualizado na tabela abaixo.
Tabela 39: Perfil etário das crianças e adolescentes registrados pela Polícia Civil de
Minas Gerais nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte incluídos
no projeto de expansão do PAIR Minas segundo porte populacional, 2006-2008.
2006
2007
0 a 12 13 a 17
0 a 12 13 a 17
PORTE
MUNICÍPIO
anos
anos
Total anos
anos
Total
Grande
Betim
14%
86% 164
19%
81% 151
Contagem
9%
91% 193
20%
80% 234
Ibirité
26%
74%
53
13%
88%
48
Ribeirão das Neves
27%
73%
84
27%
73% 315
Sabará
17%
83%
81
26%
74%
99
Santa Luzia
62%
38%
65
29%
71%
68
Vespasiano
18%
82%
66
28%
72% 101
Médio
Nova Lima
30%
70%
47
16%
84%
80
Fonte: CINDS, 2009. *SI: sem informação
2008
0 a 12
anos
26%
18%
21%
23%
15%
21%
22%
3%
13 a 17
0 a 12
anos
Total anos
74% 320
21%
82% 410
16%
79%
94
21%
77% 288
25%
85%
86
20%
79% 182
31%
78% 103
23%
97%
87
14%
2006-08
13 a 17
anos
Total
79% 635
84% 837
79% 195
75% 687
80% 266
69% 315
77% 270
86% 214
77
As informações relativas aos registros da polícia Civil de Minas Gerais foram gentilmente
cedidas pelo Centro de Informações de Defesa Social. Tal ação demonstra o compromisso dessas
instituições com o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
108
A tabela permite verificar que a maioria das crianças e adolescentes vitimizados se
encontrava na faixa etária de 13 a 17 anos, em todos os anos considerados. Tal
informação não pode ser comparada aos registros do CREAS, uma vez que as faixas
etárias não são as mesmas consideradas pela Polícia Civil.
Considerando então os tipos de violência perpetrados contra crianças e adolescentes
pode-se verificar que para todos os municípios em todos os anos considerados há
predominância de ocorrências relativas à violência em geral.
Tabela 40: Número de ocorrências de violência contra crianças e adolescentes
registrados pela Polícia Civil de Minas Gerais nos municípios da Região
Metropolitana de Belo Horizonte incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas
segundo porte populacional e tipo de violência, 2006-2008.
MUNICÍPI
O
Betim
Contagem
Ibirité
Ribeirão
das Neves
Sabará
Santa Luzia
Vespasiano
Nova Lima
Violênci
a em
geral
97%
84%
75%
2006
Atentad
o
violento
ao
Estupr
pudor
o
0%
3%
8%
8%
11%
13%
Tota
l
164
193
53
Violênci
a em
geral
137
195
45
2007
Atentad
o
violento
ao
Estupr
pudor
o
10
4
21
18
1
2
Tota
l
151
234
48
Violênci
a em
geral
88%
89%
93%
2008
Atentad
o
violento
ao
Estupr
pudor
o
6%
6%
8%
4%
3%
4%
Tota
l
320
410
94
Violênci
a em
geral
91%
86%
88%
2006-08
Atentad
o
violento
ao
Estupr
pudor
o
5%
4%
8%
6%
5%
7%
Tota
l
635
837
195
89%
7%
4%
84
266
32
17
315
79%
11%
10%
288
83%
10%
7%
687
95%
38%
97%
89%
1%
6%
2%
4%
4%
55%
2%
6%
81
65
66
47
91
61
94
75
4
3
5
2
4
4
2
3
99
68
101
80
88%
87%
90%
98%
9%
8%
5%
2%
2%
4%
5%
0%
86
182
103
87
92%
78%
93%
94%
5%
7%
4%
3%
3%
15%
3%
3%
266
315
270
214
Fonte: CINDS, 2009.
Chama atenção o pequeno volume de registros de violência sexual em todo o período
considerado. Se se considera apenas o ano de 2007, período de referência dos dados
coletados pelos CREAS, verifica-se que há grande divergência entre as informações
referidas a registros de atendimentos a crianças e adolescentes vitimizados e as
informações da Polícia Civil de Minas Gerais. No município de Contagem, por
exemplo, foram registrados no CREAS 116 casos de violência sexual em 2007,
enquanto nos registros da Polícia Civil constam apenas 30 casos (equivalente a 16% do
total de 193 ocorrências registradas).
A análise das tabelas 38, 39 e 40 permite verificar que o número de casos de violência
sexual atendidos nos CREAS dessa mesorregião é bastante superior, indicando a
necessidade de maior articulação dos órgãos no rastreamento e acompanhamento do
fluxo das vítimas no interior do sistema de garantia de direitos, que envolve tanto o
CREAS (relacionado aos eixos atendimento e mobilização) quanto a Polícia Civil
109
(voltado à responsabilização). Tal informação se relaciona, certamente, ao pequeno
número de agressores responsabilizados, informação apresentada anteriormente (tabela
29) e indica a necessidade de articulação e mobilização não apenas das famílias e
grupos mais vulneráveis, mas dos atores institucionais responsáveis pelo enfrentamento
à violência sexual contra crianças e adolescentes, de forma a evitar a já citada
subnotificação e a aproximar crianças e adolescentes vitimizados dos órgãos
responsáveis pela garantia e proteção de seus direitos78.
Comparando os dados do CREAS, da Polícia Civil e do Disque-Denúncia, que tratam
especificamente da violência sexual, com as informações apresentadas no início dessa
seção, verifica-se que o município de Contagem, se destaca pelo alto índice de crimes
contra o patrimônio também se destaca com relação à violência sexual contra crianças e
adolescentes. Como destacado anteriormente, não há informações para os municípios de
Ribeirão das Neves e Ibirité no levantamento realizado pela SEDESE/MG. Estes
municípios apresentam alto índice de crimes violentos contra a pessoa, entre os quais
está incluído o crime de estupro, mas a comparação entre essas informações foi
prejudicada. Mas é razoável pressupor que se os dados tivessem sido coletados teríamos
igualmente uma situação de gravidade. Ressalta-se que tais municípios são também
aqueles que se destacam com relação aos indicadores de vulnerabilidade e desigualdade,
conforme apresentados na seção anterior. Nesse sentido, a ausência de informações
sobre os atendimentos, mais uma vez, impossibilita que se verifique, ainda que de forma
superficial, a relação entre vulnerabilidade , desigualdade econômica e violência sexual
contra crianças e adolescentes.
Apesar dessas lacunas, a iniciativa por parte dos órgãos considerados de coletar e de
sistematizar tais dados é extremamente relevante e bem vinda, especialmente porque se
sabe que a indisponibilidade de dados sobre o tema é a regra, assim como há ciência do
contexto de transição do Serviço de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes.
Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz
respeito à realização de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o
78
Questões relacionadas à rede de serviços e políticas serão abordadas detidamente na próxima
seção. Entretanto, é preciso ressaltar que um diagnóstico confiável sobre a violência contra crianças e
adolescente, em especial, sobre a violência sexual, requer um olhar atento de todos os atores envolvidos:
família, instituições de atendimento, Conselhos Tutelares, escolas e órgãos do sistema de justiça, como
polícias e Judiciário.
110
monitoramento das ações desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que
permitirá análises mais exaustivas sobre a violência sexual contra crianças e
adolescentes.
Desse modo, as informações disponíveis permitem reconstruir um cenário aproximado
do quadro real da situação de violência sexual infanto-juvenil nos municípios em tela79.
Nesse sentido, uma importante etapa desse projeto de expansão diz respeito à realização
de um diagnóstico local que servirá de linha de base para o monitoramento das ações
desenvolvidas a partir da implantação do PAIR Minas, o que permitirá análises mais
ricas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Ademais, o esforço de construção de um sistema de monitoramento e avaliação das
ações do PAIR Minas, concomitantemente à expansão do Programa nos municípios
selecionados, permitirá um acompanhamento mais sistemático da política de
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Infra-estrutura e rede de serviços
Aspecto importante a ser considerado em diagnóstico que tem como objetivo subsidiar a
expansão do PAIR Minas diz respeito à organização da rede de serviços e equipamentos
públicos disponíveis, passíveis de serem mobilizados e integrados à rede de
enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Na seqüência, será
realizado o dimensionamento da infra-estrutura relativa à assistência social, ou seja, dos
serviços e programas de proteção que compõem a rede de vigilância socioassistencial,
além de outros componentes, relacionados ao sistema de garantia de direitos, como
Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos, em funcionamento nos municípios.
Antes da análise da rede de proteção social é importante abordar a configuração da
política de assistência social a partir da criação do Sistema Único da Assistência Social
(SUAS), que se organiza a partir da diferenciação dos municípios segundo porte
79
Os dados coletados pelas equipes de atendimento dos CREAS se limitam a apenas cinco
municípios dos oito incluídos na expansão do PAIR e que muitas das informações não estão disponíveis
nem mesmo para esses cinco municípios.
111
populacional, vulnerabilidade80 e exclusão81 social e prevê a oferta de serviços e
programas em dois níveis, a saber, a proteção social básica, que tem como foco de
atenção a “família referenciada”, ou seja, a família que se apresenta em situação de
vulnerabilidade, mas sem experimentar ainda a violação de direitos, e a proteção social
especial, que tem como referência situações de risco ou violação de direitos já instalada,
tais como aquelas detalhadas acima (MDS, 2005, 23-4):
“A proteção social de Assistência Social é hierarquizada em
básica e especial e, ainda, tem níveis de complexidade do
processo de proteção, por decorrência do impacto desses riscos
no indivíduo e em sua família. A rede socioassistencial, com
base no território, constitui um dos caminhos para superar a
fragmentação na prática dessa política, o que supõe constituir ou
redirecionar essa rede, na perspectiva de sua diversidade,
complexidade, cobertura, financiamento e do número potencial
de usuários que dela possam necessitar. A proteção social básica
tem como objetivos prevenir situações de risco, por meio do
desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. (...) A
proteção social especial tem por objetivos prover atenções
socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em
situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono,
maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de
substâncias
psicoativas,
cumprimento
de
medidas
socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil,
entre outras” (MDS, 2005, 20. Grifo nosso).
A oferta das ações socioassistenciais se dá por meio da implantação, a partir da criação
do SUAS, de dois equipamentos específicos, a saber: o Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS - e o Centro de Referência Especializado de Assistência
Social – CREAS. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o CRAS
“... é uma unidade pública da política de assistência social, de
base municipal, integrante do SUAS, localizado em áreas com
maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinado à
prestação de serviços e programas socioassistenciais de proteção
social básica às famílias e indivíduos, e à articulação destes
serviços no seu território de abrangência, e uma atuação
80
Segundo o Plano Nacional de Assistência Social (2004:51), as políticas de assistência social,
especialmente, àquelas caracterizadas como “proteção básica” se voltam às populações “em situação de
vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos
serviços públicos, dentre outros)”.
81
“Entende-se por exclusão social o processo que impossibilita parte da população de partilhar dos
bens e recursos oferecidos pela sociedade, conduzindo à privação, ao abandono e à expulsão dessa
população dos espaços sociais” (PNAS, 2004:53).
112
intersetorial na perspectiva de potencializar a proteção social”
(MDS, 2008).
O CREAS oferece serviços especializados de forma contínua, voltadas ao apoio,
orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de risco ou violação
de direitos. Seus principais objetivos dizem respeito ao fortalecimento de redes sociais
que possam apoiar as famílias em situação de ameaça ou de violação de direitos,
garantindo atendimento por equipe multidisciplinar a pessoas sujeitas a violências.
Esses serviços buscam prevenir o abandono e a permanência em situação de
vulnerabilidade de pessoas - crianças e adolescentes, em situação de risco social e/ou
pessoal, e idosos. A articulação com outros serviços e políticas públicas e com o sistema
de garantia de direitos é uma das principais diretrizes de ação do atual sistema82 (MDS,
2008). São considerados como critérios para implantação do CREAS o nível de gestão
no SUAS para o qual o município está habilitado e o seu porte populacional.
Além da diferenciação entre níveis de proteção social, há ainda uma hierarquização dos
municípios com relação ao nível de gestão no SUAS que pode ser caracterizada como:
inicial, básica e plena. A gestão inicial ocorre quando os municípios não se habilitam
para a gestão básica ou plena. Nesse caso, a transferência de recursos ocorre por
intermédio do Fundo Nacional de Assistência Social e o município deve desenvolver
programas de Erradicação do Trabalho Infantil e Combate ao Abuso e à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes.
A gestão básica permite ao município gerir as ações de proteção social básica, conforme
os seguintes critérios territoriais: municípios classificados como Pequeno Porte I –
mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas; municípios classificados
como Pequeno Porte II – mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas;
municípios classificados como Médio Porte – mínimo de 2 CRAS, cada um para até
5.000 famílias referenciadas; municípios classificados como Grande Porte – mínimo de
82
O Sistema de Garantia de Direitos é composto por atores que visam à garantia dos direitos de
crianças e adolescentes, composto por famílias, organizações da sociedade civil, Conselhos de Direitos da
Criança e Adolescentes, Conselhos Tutelares e diferentes instâncias do poder público (Ministério Público,
Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). Suas ações se
organizam em três eixos, a saber, a promoção dos direitos, a través da formulação de políticas públicas, a
defesa dos mesmos, garantindo que os atores acima citados se responsabilizem por eventuais violações e
o controle social, que envolve ações de fiscalização e acompanhamento. Extraído de
www.ceca.ba.gov.br/eca_sistemadireitos.html em 30/11/2008.
113
4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas; Metrópoles – mínimo de 8
CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas (MDS, 2005: 27).
Os municípios classificados no nível de gestão plena, segundo o SUAS, devem
organizar serviços e equipamentos públicos que visem a “prevenir situações de risco,
por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, além de proteger as
situações de violação de direitos” (MDS, 2005). Ou seja, além da proteção social básica,
esses municípios devem oferecer ainda ações relacionadas à proteção social especial.
Com relação a esses serviços, há a possibilidade de que em municípios de pequeno
porte I e II e municípios de médio porte esses serviços sejam oferecidos de forma
regionalizada, havendo para tanto co-financiamento dos mesmos (MDS, 2005: 30).
A configuração organizacional da gestão da política de assistência social no nível
municipal e regional tem conseqüências diretas sobre a dinâmica e desempenho do
PAIR. Cabe destacar que o programa não contempla ações de atendimento e de acolhida
às vítimas de violência sexual infanto-juvenil e requer - para maior efetividade de suas
ações em relação aos casos de direitos violados - a mobilização e articulação das
instituições do setor público e organizações não-governamentais responsáveis ou que
executem tais ações. A existência de infra-estrutura adequada e a capacidade de gestão
da política de assistência social no plano municipal são, portanto, aspectos críticos para
a implementação do PAIR.
Como se vê no mapa abaixo, 06 dos 08 dos municípios contemplados pela expansão do
PAIR Minas na RMBH apresentam configuração da rede de Assistência Social
concentrada na Proteção Social Especial, o que decorre como dito anteriormente, de
critérios territoriais e de caracterização da população. Apenas Santa Luzia e Vespasiano
se encontram habilitados no nível de gestão básica.
114
Mapa 5: Nível de gestão do SUAS dos municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
Fonte: Elaboração própria.
Dadas as competências e responsabilidades de gestão da política de assistência social
assumidas pelos municípios habilitados no nível de gestão plena, os municípios dessa
área de expansão do PAIR Minas apresentam condições diferenciadas de atendimento
das vítimas de violência sexual infanto-juvenil.
Tabela 41: Configuração da Assistência Social nos municípios da área de expansão
do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE MUNICÍPIO
Capacidade de
Número de
Nível gestão SUAS Nº de CRAS atendimento ano famílias
(nº de famílias) referenciadas
Grande
Betim
Gestão Plena
3
3.000
15.000
Contagem
Gestão Plena
6
6.000
30.000
Ibirité
Gestão Plena
3
3.000
15.000
Ribeirão das Neves Gestão Plena
7
7.000
35.000
Sabará
Gestão Plena
1
1.000
5.000
Santa Luzia
Gestão Básica
4
4.000
20.000
Vespasiano
Gestão Básica
1
1.000
5.000
115
Médio
Nova Lima
Gestão Plena
0
Fonte: SUASWEB/Departamento de Proteção Social Básica, 2009.
S/I
S/I
Mapa 6: Número de CRAS existentes nos municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do SUASWEB/Departamento de Proteção Social Básica, 2009.
No atual quadro de reorganização da política de Assistência Social, os programas
sociais cumprem importante papel na atenção integral de famílias e de indivíduos em
situação de risco e vulnerabilidade. Na medida em que esses programas produzem
informações relativas aos grupos familiares, às matrizes de riscos e vulnerabilidades
relevantes em cada contexto, à inserção e fluxo desses grupos no sistema de proteção
social, eles são fontes estratégicas de informações laterais para a definição e execução
das ações do PAIR.
Com relação aos programas da proteção social básica e à capacidade de atendimento
dos mesmos - relativamente às metas de atendimentos por programas co-financiados
recursos do Governo Federal - verificou-se que o PAIF, programa de apoio às famílias
em situação de vulnerabilidade, e os programas de transferência de renda, como
Benefício de Prestação Continuada – BPC correspondem às iniciativas com maior
116
número de beneficiários. A tabela abaixo apresenta de forma mais detalhada a oferta de
serviços de proteção social básica nos municípios analisados para o ano de 2007.
Tabela 42: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Básica nos
municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007.
PORTE MUNICÍPIO
Grande Betim
PBF PAIF83
PBV PAC –
Ação sócio
educacional com
jovens
PBT - PAC e API Idosos, crianças,
famílias
BPC
Idoso84
BPC
Deficiente85
450
15000
450
2850
2014
1485
650
30000
650
1431
2791
2757
75
15000
75
515
491
778
325
35000
325
1751
697
724
Sabará
200
5000
200
220
461
691
Santa Luzia
75
20000
75
585
983
866
Vespasiano
75
5000
75
140
589
608
0
0
0
405
198
327
Contagem
Ibirité
Ribeirão
Neves
Médio
PSB Jovem 15
a 17 anos –
Bolsa Agente
Jovem
das
Nova Lima
Fonte: GEOSUAS, 2008.
O município de Betim apresenta maior capacidade de atendimento relativa aos
programas Bolsa Agente Jovem (PSB Jovem), Ação Socioeducacional com Jovens
(PBV PAC), programas de atendimento a idosos, crianças, adolescentes e famílias em
grupos e centros de convivência e unidades de atendimento (PBT – PAC e API) e
Benefício de Prestação Continuada para idosos e deficientes. Com relação ao PAIF,
serviço continuado de atenção às famílias, a maior capacidade de atendimento está
registrada para o município de Sabará.
83
“O Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) expressa um conjunto de ações relativas à
acolhida, informação e orientação, inserção em serviços da assistência social, tais como socioeducativos e
de convivência, encaminhamentos a outras políticas, promoção de acesso à renda e, especialmente,
acompanhamento sociofamiliar. Esse programa é desenvolvido no Centro de Referência de Assistência
Social
(CRAS).”
Extraído
de:
http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-socialbasica/paif/programa-de-atencao-integral-a-familia-paif/ . Acesso em 15/02/2009, às 14:50.
84
“É um direito garantido pela Constituição Federal de 1988 e consiste no pagamento de 01 (um)
salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade ou mais e a pessoas com deficiência incapacitante
para a vida independente e para o trabalho. Em ambos os casos a renda per capita familiar seja inferior a
¼ do salário mínimo. O BPC também encontra amparo legal na Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, que
institui o Estatuto do Idoso. O benefício é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS), a quem compete sua gestão, acompanhamento e avaliação. Ao Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), compete a sua operacionalização. Os recursos para custeio do BPC provêm do
Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).” Extraído de: http://www.mds.gov.br/programas/redesuas/protecao-social-basica/beneficio-de-prestacao-continuada-bpc. Acesso em 15/02/2009, às 14:53.
85
Idem nota 16.
117
Especificamente com relação aos programas da Proteção Social Básica destinados a
adolescentes, a saber: o Bolsa Agente Jovem e Ação Socioeducacional com Jovens,
ressalte-se que os municípios de Betim e Contagem apresentam maior número de
“potenciais beneficiários” (capacidade de atendimento de 450 e 650 adolescentes em
cada um dos programas, respectivamente) e o município de Nova Lima não prevê
“potenciais beneficiários” para tais programas.
Importante lembrar que o Serviço de proteção social às crianças e adolescentes vítimas
de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias é uma das ações desenvolvidas
pelo CREAS, sendo, portanto, uma ação vinculada à Proteção Social Especial, que
envolve, ainda, importantes programas que têm como público-alvo crianças e
adolescentes, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI. Nesse
sentido, a tabela 43 apresenta informações relativas a tais serviços, importantes no que
diz respeito à capacidade de atendimento ao público potencial das ações do PAIR.
Tabela 43: Oferta de programas e serviços de Proteção Social Especial nos
municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte segundo capacidade de atendimento MDS, 2007.
PORTE MUNICÍPIO
Grande Betim
Médio
PETI Bolsa
Rural86
PETI Bolsa
Urbana87
PETI
Bolsa
Urbana 188
PETI Jornada
Rural89
PETI Jornada
Urbana 190
PETI Jornada
Urbana91
“Sentinela”
PAC
I92
50
600
0
50
0
600
660
0
Contagem
0
1323
0
0
0
1323
80
10
Ibirité
Ribeirão
Neves
0
53
0
0
0
53
0
668
das
0
430
0
0
0
430
0
30
Sabará
90
0
310
90
310
0
180
53
Santa Luzia
0
233
0
0
0
233
50
30
Vespasiano
0
500
0
0
0
500
0
65
0
0
0
0
0
0
40
Nova Lima
0
Fonte: GEOSUAS, 2008.
Como pode ser observado, os municípios de Betim, Contagem e Vespasiano destacamse quanto à capacidade de atendimento dos serviços relacionados à Proteção Social
Especial, especialmente no que se refere ao PETI. Com relação ao Serviço de Proteção
86
Concessão de bolsas a crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio rural.
Concessão de bolsas a crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio urbano.
88
Idem nota 10.
89
Ações socioeducativas para crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio rural.
90
Ações socioeducativas para crianças e adolescentes em situação de trabalho no meio urbano.
91
Idem nota 12.
92
Serviços de Proteção Social Especial à Família, que envolve acolhimento em abrigos, casas-lar,
repúblicas e famílias acolhedoras.
87
118
social às crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas
famílias, antigo “Sentinela”, os municípios de Betim e Sabará apresentam maior
capacidade de atendimento (capacidade para atender 660 crianças e adolescentes no
primeiro e 180 no segundo). Destaca-se que o município de Contagem apresenta a
menor capacidade de atendimento, apesar de apresentar os piores índices no que diz
respeito à violência sexual infanto-juvenil, conforme apresentado na seção anterior.
É preciso explicitar que os municípios que não possuem metas de atendimento na tabela
acima recebem financiamento “fundo a fundo” (do Fundo Nacional de Assistência
Social para os Fundos Municipais de Assistência Social) e não via Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS).
Especificamente com relação ao Serviço de proteção social às crianças e adolescentes
vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, pode-se observar na
tabela abaixo que todos os municípios da RMBH incluídos no projeto de expansão do
PAIR Minas possuem tal serviço, oferecido por CREAS que oferecem atendimento
regionalizado93 ou de forma local.
A configuração da rede de atendimento nos
municípios beneficiados nessa mesorregião é diferenciada, dada a predominância de
serviços locais de proteção social especializado, sendo que apenas em Vespasiano
funciona uma sede de CREAS regionalizado. Essa configuração deve orientar uma
atuação diferenciada da rede de enfrentamento, voltada para uma atuação mais local,
pelo menos no que se refere à articulação dos agentes da rede de atendimento.
Tabela 44: Existência e caracterização do Serviço de Proteção social às crianças e
adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual, nos municípios da
área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte
segundo nível de gestão no SUAS, 2007.
Existência do Serviço de Enfrentamento
à violência, abuso e exploração sexual
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Nível de Gestão SUAS contra crianças e adolescentes e suas famílias Caracterização do Serviço
Betim
Gestão Plena
Sim
local
Contagem
Gestão Plena
Sim
local
Ibirité
Gestão Plena
Sim
local
Ribeirão das Neves
Gestão Plena
Sim
local
Sabará
Gestão Plena
Sim
local
93
Caso apenas de Vespasiano, que atende ao municipio de Confins, não incluído no projeto de
expansão do PAIR Minas.
119
Médio
Santa Luzia
Gestão Básica
Sim
local
Vespasiano
Gestão Básica
Sim
CREAS regional - sede
Nova Lima
Gestão Plena
Sim
local
Fonte: SEDESE, 2008.
Mapa 7: Existência do Serviço de Enfrentamentos a ESCCA nos municípios da
área de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR
Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
Fonte: Elaboração própria.
Mapa 8: Caracterização do acesso aos serviços do CREAS nos municípios da área
de expansão do PAIR Minas nos municípios da área de expansão do PAIR Minas
na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007
120
Fonte: Elaboração própria.
Importante salientar que a existência de programas de transferência de renda destinados
a famílias em situação de vulnerabilidade e com foco em crianças e adolescentes, sejam
esses vinculados à Proteção Social Básica ou Especial, desempenham função relevante
no combate à violência sexual infanto-juvenil, uma vez que possibilitam acesso não só a
uma renda mínima, mas também a equipamentos e serviços públicos, que podem prestar
atendimento assistencial, escolar, médico, entre outros.
Assim, outro dado relevante diz respeito ao número de famílias beneficiadas pelo
Programa Bolsa Família94 nos municípios em questão (tabela 45). Esse programa, além
de garantir o acesso a uma renda mínima possui condicionalidades relacionadas à
educação (como a garantia de freqüência à escola de crianças em idade escolar) e à
saúde (como vacinação e acompanhamento pré e pós-natal) que devem ser cumpridas
pelos beneficiários. Nesse sentido, esse programa constitui um aporte ao qual se pode
94
“O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com
condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$
60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a
Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.”. Extraído de:
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/o-que-e/ . Acesso em 15/02/2009, às
17:08.
121
recorrer no tocante os encaminhamentos a serem realizados com relação às vítimas de
violência sexual e suas famílias.
Tabela 45: Número de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família nos
municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, dezembro de 2008.
PORTE
MUNICÍPIO
Grande Betim
Número de Famílias
atendidas pelo PBF
14.785
Contagem
18.470
Ibirité
7.115
Ribeirão das Neves 11.815
Médio
Sabará
3.865
Santa Luzia
8.084
Vespasiano
4.034
Nova Lima
1.625
Fonte: SIBEC, 2009.
Essa informação permite dimensionar o número de famílias em situação de
vulnerabilidade nos municípios em questão. Além disso, é preciso conjugar, como dito
anteriormente, políticas de transferência de renda com políticas de enfrentamento à
violência sexual, de forma a amenizar a condição de vulnerabilidade das famílias e
evitar que a violência sexual (em especial a exploração sexual) seja encarada como
fonte renda. Outra dimensão importante é que o programa Bolsa Família já prevê a
articulação com áreas importantes para a atenção a crianças e adolescentes vitimizados,
como Saúde e Educação.
Um indicador crítico na avaliação da infra-estrutura e capacidade de gestão da política
de Assistência Social refere-se aos recursos repassados a cada nível de gestão, cujo
volume está condicionado à configuração dos programas vinculados à proteção social
básica e à proteção social especial, conforme apresentado nas tabelas anteriores. Nesse
sentido, a hierarquização dos níveis de gestão no SUAS prevê consequentemente, a
diferenciação no volume de recursos repassados conforme a oferta de ações descritas
acima, variação que pode ser visualizada na tabela 46 abaixo:
122
Tabela 46: Volume de recursos repassados pelo MDS aos municípios da área de
expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
PORTE
Grande
MUNICÍPIO
Nível de Gestão¹ Repasse PSB² Repasse PSE² Repasse BPC²
Betim
Gestão Plena
1.092.878,24
241.225,00
8.758.580,65
Contagem
Gestão Plena
1.234.278,00
680.193,60
13.858.042,74
Ibirité
Gestão Plena
470.750,88
197.217,60
3.235.740,31
Ribeirão das Neves Gestão Plena
1.098.098,60
152.090,00
3.373.404,10
Sabará
Gestão Plena
294.822,48
253.402,00
2.867.442,45
Santa Luzia
Básica
610.100,28
131.507,84
4.559.699,47
Vespasiano
Básica
173.131,48
83.440,00
2.994.965,01
58.399,20
163.512,00
1.326.418,55
Médio
Nova Lima
Gestão Plena
Fonte: * SEDESE, 2008; ** GEOSUAS, 2008.
Com relação aos serviços estaduais, pode-se verificar que diversas ações voltadas às
crianças e adolescentes são desenvolvidas no âmbito da Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Social. Especificamente com relação aos municípios da RMBH
incluídos na expansão do PAIR Minas podem ser citados os seguintes programas:
Travessia, voltado à melhoria da qualidade de vida, redução da pobreza e inclusão
produtiva da população em situação de vulnerabilidade social, oferecido no município
de Ribeirão das Neves; o Programa Poupança Jovem, que tem como público-alvo
estudantes do ensino médio e oferece, além de atividades culturais e profissionalizantes,
contrapartida financeira aos estudantes que concluírem o ensino médio, nos municípios
de Ibirité e Ribeirão das Neves; a campanha de mobilização e divulgação do DisqueDenúncia intitulada “Proteja Nossas Crianças”, realizada em parceria com o CEDCA e
o Servas e o Programa Curumim, que oferece atividades socioeducativas a crianças e
adolescentes em complementação ao turno escolar, nos municípios de Ribeirão das
Neves, Ibirité, Contagem e Vespasiano.
A distribuição desses programas obedece a critérios relacionados à vulnerabilidade
social, considerando-se indicadores como o IDH, o que faz com que a maioria deles se
apresente nos municípios de Ibirité e Ribeirão das Neves, caracterizados como já vimos
como efetivamente muito vulneráveis.
Uma perspectiva de rede adotada pela metodologia do PAIR requer a integração das
ações executadas nas diferentes áreas de políticas públicas, incorporando uma
123
abordagem ampla e transversal de proteção social. Essa abordagem implica no
alinhamento de diferentes políticas setoriais, como saúde, educação, renda e trabalho,
com vistas à atenção integrada de seus beneficiários. Nessa direção, cabe identificar no
espaço do município as bases potenciais de articulação dos agentes públicos e
organizações governamentais e não-governamentais implicados nas diferentes áreas de
políticas.
Em primeiro lugar, considera-se que a rede escolar (estadual e municipal) possui - ou
pode vir a assumir - um papel central como executora de ações transversais de
enfrentamento, particularmente, no campo da prevenção e do desenvolvimento do
protagonismo infanto-juvenil. e como agente facilitador da identificação e notificação
de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Nesse sentido, o
dimensionamento da rede escolar desses municípios será realizado com o objetivo de
identificar bases potenciais de mobilização dos educadores e de suas instituições para
atuação como integrante da rede local de enfrentamento.
Como se vê na tabela 47, os municípios considerados na expansão do PAIR Minas na
RMBH caracterizam-se pela presença de uma extensa rede escolar, com especial
destaque para as escolas de ensino fundamental. Tal dado, somado ao fato de que a
maioria das crianças e adolescentes vitimizados nesses municípios possui escolaridade
relativa ao Ensino Fundamental (concluído ou em curso), aponta para a centralidade das
ações envolvendo essas instituições. Para uma avaliação mais acurada desse potencial
são necessárias informações complementares acerca da presença dessas escolas nas
áreas mais vulneráveis e da acessibilidade das mesmas relativamente às populações em
situação de risco e vulnerabilidade.
No que tange ao desenvolvimento de iniciativas transversais relacionadas à temática do
PAIR, pode-se destacar a execução do Programa de Educação Afetivo Sexual nas
escolas públicas do estado (PEAS Juventude). Esse programa teve como foco inicial a
temática da sexualidade, mas atualmente privilegia o fomento do protagonismo
juvenil95, o que o torna grande parceiro no que se refere ao combate à violência sexual
95
“O PEAS Juventude está presente em 213 municípios mineiros, com atendimento a 400 mil
estudantes do Ensino Médio e 150 mil do Ensino Fundamental. Em 2008, a Secretaria de Estado de
Educação investiu R$2,52 milhões nas 423 escolas estaduais participantes. O programa é considerado um
124
contra crianças e adolescentes. Esse programa está presente nos municípios de Betim,
Contagem, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano.
Tabela 47: Número de escolas existentes nos municípios da área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte por nível de ensino, 2007.
PORTE
Grande
Médio
Escolas
Ensino PréEscolar*
Escolas Ensino
Fundamental*
Contagem
84
137
110
172
32
60
0
1
Ibirité
24
40
10
1
Ribeirão das Neves
43
96
26
0
Sabará
44
49
11
1
Santa Luzia
16
53
19
Não Informado
Vespasiano
17
32
6
1
Nova Lima
26
32
9
2
Total
391
584
173
6
MUNICÍPIO
Betim
Escolas
Ensino
Médio*
Escolas Ensino
Superior**
Fonte: IBGE Cidades * dados referentes a 2007; ** dados referentes a 2005.
A área de saúde assume papel estratégico por serem, potencialmente, instituições
receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao
quadro de saúde associados a esse tipo de violação. Essa condição torna os órgãos de
atendimento da área de saúde de especial importância para o desenvolvimento do PAIR,
particularmente no que tange à identificação de casos de violação, notificação às
autoridades competentes e encaminhamento às instâncias de atendimento especializado.
A partir da tabela 48 pode-se visualizar a abrangência do Programa Saúde da Família e
o número de estabelecimentos de saúde existentes em cada um dos municípios incluídos
no projeto de expansão do PAIR Minas na RMBH:
Tabela 48: Número de estabelecimentos de saúde e número de famílias atendidas
pelo PSF por município e porte populacional nos municípios da área de expansão
do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2008.
PORTE MUNICÍPIO
Número de
Número de famílias
estabelecimentos
acompanhadas pelo PSF**
de saúde*
instrumento de formação dos jovens por estar estruturado a partir de uma visão afirmativa da juventude.
O foco é o jovem como fonte de soluções, de iniciativas, de compromisso e soluções para a sua
comunidade. O objetivo central é a promoção do desenvolvimento pessoal e social do adolescente através
de ações de caráter educativo e participativo. Inicialmente voltado para a temática da sexualidade, hoje o
seu foco é o protagonismo juvenil e é dividido em três importantes áreas temáticas: sexualidade e
afetividade; adolescência e cidadania; mundo do trabalho e perspectiva de vida”. Informações extraídas
de: http://www.educacao.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=360&Itemid=256.
Consulta realizada em 15/02/2008.
125
Grande
Betim
209
580
26.925
63.588
Ibirité
79
36.724
Ribeirão das Neves
190
19.378
Sabará
58
5.374
Santa Luzia
115
37.487
Vespasiano
97
7.847
Nova Lima
120
9.447
Contagem
Médio
Fonte: DATASUS, 2009. * dados referentes a dezembro de 2008; ** dados
referentes a outubro de 2008.
As informações acima permitem dimensionar a abrangência do Programa Saúde da
Família, importante parceiro das ações de enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes, uma vez que atua direta e intensamente com a população. Nesse
sentido, o PAIR Minas deve dar especial atenção à mobilização e capacitação de tais
equipes.
Entretanto, a mobilização e a articulação desses agentes não devem estar limitadas aos
estabelecimentos de saúde, mas deve abranger as equipes de Programas como Saúde da
Família, pautados na inserção das equipes nas comunidades e no estabelecimento de
vínculos com as famílias. Essa capilaridade dos programas da saúde no espaço local é
de especial importância para o mapeamento das áreas e identificação das famílias em
situação de vulnerabilidade à violência sexual. A orientação dos profissionais dessa área
a respeito das especificidades da situação de violência sexual, dos encaminhamentos e
providências necessários, além de questões relacionadas à prevenção e conscientização
das famílias é fundamental para o sucesso das ações de enfrentamento à violência
sexual infanto-juvenil.
Outro aspecto relevante com relação aos parceiros potenciais do PAIR Minas diz
respeito à mobilização dos componentes do Sistema de Garantias de Direitos. Essas
instituições estão diretamente implicadas na execução das ações previstas nos eixos de
defesa dos direitos das crianças e adolescentes e responsabilização dos diversos
envolvidos, de forma a garantir e fiscalizar o cumprimento desses direitos: o Conselho
Tutelar, o Conselho de Direitos, o Ministério Público, a Defensoria e o Poder Judiciário.
Nesse sentido, importante ressaltar que todos os municípios da RMBH incluídos na
expansão do PAIR Minas possuem Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos.
126
Mapa 9: Existência de Conselhos Tutelares nos municípios da área de expansão do
PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Fonte: Elaboração própria.
Levantamento realizado pelo Instituto Telemig Celular em 200196 identificou algumas
características relacionadas ao perfil dos conselheiros ligados aos CMDCAs do estado
de Minas Gerais:
96
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular,
2001. Pesquisa realizada com 178 CMDCAs e 188 CTs no estado de Minas Gerais. Dentre esse total,
foram incluídos na amostra 38 CMDCAs e 46 CTs localizados na RMBH. Foram consideradas na análise
as variáveis porte dos municípios, medido pela população municipal de 0 a 17 anos (critério diferente,
portanto, do porte utilizado na análise desenvolvida no presente relatório), mesorregião e índice de
desenvolvimento infantil, calculado pelo UNICEF e baseado em informações sobre crianças de 0 a 6
anos, tais como vacinação e acesso a pré-escolas. Segundo o relatório da pesquisa, “... são apresentados
apenas alguns cruzamentos efetuados, priorizando-se os casos em que foi encontrada uma associação
digna de nota entre as questões pesquisadas e as variáveis acima descritas” (Instituto Telemig Celular,
2001:11). Dessa forma, far-se-á menção a algumas informações agregadas por indisponibilidade de dados
desagregados (por mesorregião e/ou porte) para determinados temas.
127
1. Há, em geral, predominância da presença de mulheres: elas representam 68% do
total de conselheiros na RMBH;
2. Com relação à idade, a maioria dos conselheiros (42%) dentre o total de
conselheiros pesquisados em Minas Gerais, apresenta-se na faixa dos 36 a 45
anos; no que se refere à escolaridade, há concentração em dois subgrupos:
Ensino Médio completo e Ensino Superior completo, havendo ainda predomínio
dos profissionais da Educação e de servidores públicos entre os Conselheiros;
3. Há ainda uma tendência, em todo o estado, a que municípios maiores
apresentem Conselhos compostos por maior número de membros, bem como há
maior probabilidade de que esses sejam presididos por conselheiro representante
da sociedade civil. Ademais, os dados coletados indicaram que “quanto menor o
município, menor o percentual de conselheiros que trabalham em entidades
ligadas à área da criança e do adolescente” (Instituto Telemig Celular, 2001:20).
Tais aspectos indicam a densidade da rede associativa local – que pode estar
associada ao porte populacional do município - é um fator relevante no que se
refere à organização dos CMDCAs e, portanto, aspecto relevante a ser
considerado na organização das atividades de formação e mobilização previstas
na metodologia do PAIR Minas97;
4. Com relação às instituições da sociedade civil representadas nos CMDCAs, há,
em geral, predomínio das entidades de atendimento, de defesa de direitos e
mobilização, voltadas à criança e ao adolescente;
5.
A seleção dos conselheiros se dá, na maioria dos conselhos pesquisados em
Minas Gerais, por meio de eleições e o principal critério para a seleção dos
membros é a atuação prévia em entidades voltadas à criança e ao adolescente.
Com relação à infra-estrutura, foi verificado que a maioria dos conselhos possui uma
“sede” para atuar, local que é predominantemente mantido pelo poder público municipal
e que grande parte dos conselheiros considera satisfatório. Entretanto, a pesquisa indica
que apenas 41% do total de CMDCAs pesquisados em Minas Gerais possui telefone
fixo. Com relação à equipe de apoio, o levantamento realizado apontou que mais da
metade dos Conselhos no estado dispõe de apoio administrativo, geralmente cedido pelo
97
Em geral, a pesquisa identificou que quanto maior o porte do município, melhores as condições
de funcionamento dos CMDCAs, o que significa que, dentre os municípios considerados no projeto de
expansão do PAIR-MINAS, aqueles localizados na RMBH apresentam melhor situação no tocante a tais
órgãos.
128
poder público. Interessante ressaltar que a infra-estrutura dos CMDCAs é tanto melhor
quanto maiores os municípios, o que traz ao debate, novamente, a questão do porte
populacional.
Com relação ao planejamento e avaliação das ações desenvolvidas, a pesquisa constatou
que
“(...) a maior parte das CMDCAs não dispõe ainda de
ferramentas básicas para a organização e o direcionamento de
suas atividades. (…) apenas 21% deles dispõem de diagnóstico
local sobre a situação das crianças e adolescentes, formalmente
elaborado e fundamentado em indicadores sociais. Da mesma
forma, 21% não dispõem de comissões de estudo e atuação em
áreas temáticas prioritárias. Somente 17% possuem um plano de
trabalho documentado, com metas e estratégias de ação
claramente definidas. Como decorrência natural desta ausência
de planejamento, é menor ainda o número de CMDCAs (13%)
que
possuem
procedimentos
estruturados
para
o
acompanhamento e avaliação dos resultados de suas ações”
(Instituto Telemig Celular, 2001, 24)
A expansão do PAIR Minas pode contribuir para a reversão desse quadro, ainda que
especificamente no que se refere ao tema da violência sexual contra crianças e
adolescentes, pois esse Programa prevê em sua metodologia o permanente
monitoramento das ações planejadas com base no cenário inicial diagnosticado.
Apesar indisponibilidade de estudos sistemáticos e desagregados por município, a
pesquisa realizada pelo Instituto Telemig Celular em 200198 apresenta informações
sobre a percepção dos conselheiros acerca dos principais problemas que atingem
crianças e adolescentes, a saber: pobreza e desestruturação familiar, gravidez na
adolescência, falta de oportunidade qualificação profissional e condições precárias de
moradia. A exploração ou abuso sexual aparece em 13º lugar no ranking dos principais
problemas e as percepções acerca da sua gravidade variam também de acordo com o
porte municipal, sendo considerado mais grave pelos entrevistados nos municípios com
mais de 40 mil habitantes e menos grave nos municípios com menos de 10 mil
habitantes. Em um índice que varia de 0 (não atinge) e 1 (atinge em alto grau), os dados
98
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular,
2001.
129
dos CMDCAs da RMBH indicam que a questão da violência sexual contra crianças e
adolescentes não é tão grave, apresentando valor de 0,55.
Ainda na avaliação dos conselheiros pesquisados em todo o estado, a capacidade das
entidades de atendimento para lidar com os problemas é mediana, sendo a avaliação
positiva no que se refere ao enfrentamento de questões relativas à desnutrição e à
insuficiência de alimentos e negativa quanto ao atendimento dos casos relacionados à
exploração e abuso sexual, informação especialmente relevante no escopo da proposta
de ampliação do PAIR Minas.
Com relação às articulações e parcerias dos CMDCAs, aspecto de grande relevância
para a expansão do PAIR Minas, a pesquisa verificou que há, aparentemente, um bom
relacionamento desses órgãos com instituições que atuam na área da criança e do
adolescente, principalmente com os CTs e atores ligados à área jurídica e ao judiciário.
Com relação às parcerias, essas são mais freqüentes nos municípios maiores e ocorrem
geralmente com “... órgãos de caráter público que, por imperativos legais ou
organizacionais, deveriam naturalmente estabelecer interfaces com a ação dos
conselhos: Executivo Municipal, CT, entidades de atendimento, Ministério Público,
Poder Judiciário” (Instituto Telemig Celular, 2001:27). Tais informações podem
orientar a ação do PAIR Minas no sentido de reforçar ou fomentar tais parcerias,
especificamente no que se refere à questão do enfrentamento à violência sexual infantojuvenil.
Quanto à relação do CMDCAs com as mídias, a pesquisa aponta que há possibilidades
de ampliação e qualificação da relação com os meios de comunicação, o que pode se
traduzir em ações de mobilização e sensibilização mais eficazes:
“(...) parece haver um potencial comunicativo nos conselhos que
poderia ser desenvolvido para uma interação mais ampla com os
meios de comunicação, ou mesmo para oferecer aos órgãos de
imprensa locais subsídios para uma disseminação mais
qualificada e eficaz de informações” (Instituto Telemig Celular,
2001, 30)
Interessante observar que na avaliação dos conselheiros, segundo a pesquisa em tela, as
ações bem-sucedidas são aquelas destinadas à divulgação de problemas que afetam
130
crianças e adolescentes em eventos que, por sua vez, são de caráter contingencial e nãosistemático.
Outro aspecto importante diz respeito às entidades de atendimento cadastradas nos
CMDCAs. O que se nota, em todos os conselhos pesquisados em Minas Gerais, é uma
concentração daquelas entidades voltadas a crianças de 0 a 6 anos, como creches e ao
atendimento a famílias de baixa renda ou em situação de risco. As informações
disponíveis indicam que os conselheiros identificam como problemas na atuação dessas
entidades a falta de metodologia de atendimento sistematizada e problemas relacionados
à gestão.
Por fim, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos conselhos, foi apontada a
necessidade de capacitação para o planejamento de políticas de atendimento à criança e
ao adolescente. Também com relação a tal aspecto, há a possibilidade que a implantação
do PAIR Minas atue no sentido de promover uma ampliação do conhecimento e prática
em planejamento, em decorrência da metodologia utilizada no Programa. Assim, ainda
que esse seja focado em questões relativas à violência sexual infanto-juvenil, a
experiência de sua implementação pode se converter em aprendizagem organizacional
com desdobramento na atuação qualificada dos conselheiros para outras áreas
relacionadas à criança e ao adolescente.
Passando à análise dos dados informados pelos CTs, o padrão identificado para os
CMDCAs com relação ao perfil dos conselheiros se repete, havendo predominância de
mulheres conselheiras e concentração nas faixas etárias intermediárias. Entretanto, com
relação à escolaridade, predominam em Minas Gerais conselheiros que possuem Ensino
Médio completo, havendo predominância de profissionais da área de educação, ainda
que com presença significativa também de servidores públicos.
Segundo as percepções dos entrevistados, a seleção dos conselheiros se dá
principalmente pelos critérios de “tempo, interesse e disponibilidade para atuar na área”,
pertencimento a entidades que atuam na área da criança e do adolescente e aprovação
131
em processo de seleção composto por prova (Instituto Telemig Celular, 2001:5699). A
eleição dos conselheiros é, em 62% do total de casos considerados no estado de Minas
Gerais, aberta a todos os eleitores do município, diferentemente do CMDCAs, em que a
escolha é limitada a instituições ligadas ao atendimento de crianças e adolescentes.
Com relação à infra-estrutura dos CTS, a presença de equipamentos como telefone fixo,
computador e veículo próprio é relatada como insatisfatória, situação que se apresenta
mais adequada nos municípios de maior porte, em todas as mesorregiões do estado.
Tal situação também é inadequada no que se refere à presença de equipe de apoio, fator
que varia, também, com o porte populacional:
“(...) uma parcela minoritária dos CTs conta com pessoal de
assessoria para o exercício de suas atividades de defesa de
direitos de crianças e adolescentes. A assessoria é mais comum
nas áreas de assistência social (43%), jurídica (39%),
psicológica (39%) e administrativa (32%). A análise dos dados
por porte de município mostrou que, tal como no caso dos
CMDCAs, nos maiores municípios é maior o número de CTs
com pessoal de apoio administrativo (60%). Porém, no caso das
outras assessorias, a situação se inverte: apenas 16% dos
maiores municípios contam com assessoria jurídica, contra 36%
dos médios e 50% dos pequenos. Da mesma forma, 19% dos
maiores municípios contam com assessoria na área de
assistência social, contra 42% dos médios e 51% dos pequenos.
Tendência semelhante se verifica quanto a assessoria
pedagógica e psiquiátrica” (Instituto Telemig Celular, 2001, 58).
A maioria (94%) dos conselheiros tutelares em Minas Gerais entrevistados recebe
remuneração; entretanto, em 82% dos municípios essa remuneração não ultrapassava, à
época da pesquisa, o valor de R$500,00, havendo variações deste valor de acordo com o
porte populacional dos municípios.
Quanto ao seu funcionamento, em geral, nos CTs prevalecem as decisões tomadas por
colegiados e em 86% deles há a presença de um regimento interno. Em 46% dos casos a
99
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular,
2001.
132
jornada de trabalho é de 40 horas semanais, havendo aumento da carga horária nos
municípios de maior porte.
No tocante ao relacionamento com atores que também atuam na área da criança e do
adolescente, predominam nos CTs pesquisados as articulações com o Ministério Público
e o Poder Judiciário e com conselhos gestores de outras áreas, sendo que a relação com
o CMDCAs, Executivo Municipal e órgãos de segurança é caracterizada como razoável.
Especificamente com relação ao Comissariado de Menores, a avaliação desse órgão é
tanto melhor quanto menor é o porte do município.
As dificuldades colocadas à atuação dos CTs também foram avaliadas e destacam-se as
percepções relacionadas à insuficiência de entidades para as quais possa haver uma
rotina de encaminhamentos de crianças e adolescentes, a falta de conhecimento da
sociedade sobre o papel do Conselho e a falta de reconhecimento da autoridade desse
órgão. Por outro lado, são citadas como ações bem-sucedidas: a realização de eventos
de formação e o estímulo a parcerias às entidades locais, o que coloca tal órgão em
posição de destaque no que se refere à mobilização de atores e recursos, fator
importante no que se refere à metodologia do PAIR Minas.
Os conselheiros, no que tange às entidades de atendimento, avaliaram que os maiores
problemas nesse aspecto seriam a baixa qualificação das equipes e “a incapacidade em
atender a demanda” (Instituto Telemig Celular, 2001:64100). Quanto aos principais
problemas que afetam as crianças e os adolescentes, os conselheiros indicaram que
esses se referem à pobreza e à desestruturação familiar e à gravidez na adolescência,
ficando a violência sexual infanto-juvenil, mais uma vez, em 13º lugar, assim como nos
CMDCAs.
As ações para se combater tais problemas estão focadas na orientação e no
acompanhamento temporário e encaminhamento aos pais e responsáveis, havendo
pouco recurso à inserção das famílias em “programas de auxílio” (transferência de
renda, desintoxicação devido ao uso de drogas etc.).
100
Conhecendo a realidade: uma pesquisa sobre os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente e os Conselhos Tutelares de Minas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Telemig Celular,
2001.
133
Finalmente, entre as prioridades de ação para fortalecimento dos CTs, destacam-se a
criação de políticas ou programas voltados à criança e ao adolescente, possibilitando
uma atuação menos pontual dos CTS, a necessidade de melhorar o relacionamento com
outros órgãos e a capacitação dos conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura
desses órgãos.
Pode-se afirmar que CMDCAs e CTs são órgãos centrais no que se refere à garantia de
direitos de crianças e adolescentes e que as informações apresentadas podem subsidiar
estratégias de ação do PAIR Minas no que se refere à mobilização, realização do
diagnóstico situacional e no planejamento de ações. Importante observar, ademais, as
variações apresentadas pelos Conselhos Tutelares e Municipais de Direitos quando se
considera o porte populacional dos municípios, variável relevante no que se refere ao
desenho de ações previstas na expansão do programa.
Outra informação importante que se relaciona ao papel dos Conselhos Tutelares como
“porta de entrada” das crianças e adolescentes vitimizados no Sistema de Garantia de
Direitos se refere aos encaminhamentos recebidos pelos CREAS em 2007, segundo
dados disponibilizados pela SEDESE/MG.
Tabela 49: Vítimas de violência sexual infanto-juvenil (abuso e exploração sexual)
atendidas segundo a instituição responsável pelo encaminhamento aos serviços
especializados nos municípios da área de expansão do PAIR Minas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, 2007.
MUNICIPIO DE
ATENDIMENTO Instituição
Betim
Contagem
Conselho Tutelar
30
38,5
Delegacia Regional
26
33,4
Demanda Espontânea
1
1,3
Juizado
1
1,3
Outros
20
25,6
Total
78
100
Conselho Tutelar
90
77,9
Juizado
16
13,8
Outros
10
8,6
Total
116
100
Conselho Tutelar
Sabará
Vítimas
encaminhadas
N
%
12
57,1
Demanda Espontânea
1
4,8
Juizado
1
4,8
Outros
7
33,4
134
Total
Santa Luzia
21
100
Conselho Tutelar
8
53,4
Demanda Espontânea
1
6,7
Outros
6
40
Total
15
100
Conselho Tutelar
30
61,2
3
6,1
Delegacia Regional
Demanda Espontânea
1
2,0
14
28,6
1
2
Vespasiano
Total
49
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da SEDESE
100
Outros
SI
Como pode ser observado, na maioria dos municípios considerados houve
predominância do CT como responsável pelo encaminhamento ao CREAS, fato que
indica que o CT atuou de fato como “porta de entrada” das crianças e adolescentes
vitimizados no sistema de garantia de direitos. Interessante observar que em alguns
municípios houve encaminhamentos ao CREAS realizados pela Delegacia Regional e
mesmo pelo poder Judiciário.
Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos componentes
do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado relativos à
infância e juventude, a situação é menos precária na RMBH que em outras regiões do
estado de Minas Gerais. Segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de
Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude
(2008)101, em Minas Gerais, apenas cinco municípios possuem Vara Especializada,
entre eles Contagem e Belo Horizonte. Com relação à existência de Delegacia
Especializada, a situação se mantém, visto que apenas em Belo Horizonte e Contagem
há esse órgão.
Segundo Faleiros (2005), é de extrema importância a participação dos órgãos do
Sistema de Justiça no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes:
101
O sistema de justiça da infância e da juventude nos 18 anos do Estatuto da Criança e do
Adolescente: desafios na especialização para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Associação
Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude - ABMP:
Brasília, 2008. Disponível em: http://www.abmp.org.br/ABMP_Levantamento_Julho.pdf. Consulta
realizada em 04/12/2008.
135
“O combate à violência intrafamiliar e da exploração sexual de
crianças e adolescentes implica responsabilização legal dos
envolvidos, a denúncia, a declaração formal, a instauração do
devido processo e o julgamento. Os aparelhos policial e
judiciário precisam atuar, pois, na construção de uma cultura
cívica da punição legal em oposição à cultura da impunidade, da
chacota e desmoralização das denunciantes, do descrédito dos
depoimentos de crianças e adolescentes e das pessoas pobres. A
cultura da cidadania precisa se inculcar no aparato policial e
judiciário, segundo a fórmula: lei igual para todos.” (Faleiros,
2005, 13).
Dessa forma, a precariedade apontada, ainda que reduzida, se comparada a outras
regiões de Minas Gerais, introduz a necessidade de estratégias consistentes de
mobilização de seus agentes por parte dos responsáveis pelo PAIR Minas, uma vez que
os órgãos envolvidos não trabalham especificamente com crianças e adolescentes, e
também explicita e reforça a necessidade de processos de formação e capacitação
continuados para os atores responsáveis por esses órgãos, visando à construção de um
entendimento adequado acerca da violência sexual infanto-juvenil, suas causas e
estratégias de combate, prevenção e responsabilização.
136
Considerações Finais
A atual etapa de expansão do PAIR Minas na Região Metropolitana de Belo Horizonte
envolve a inclusão de 08 (oito) municípios, o que representa 33% do total de municípios
e 41% da população dessa mesorregião.
A configuração dessa área de expansão é diferenciada pela predominância de
munícipios de grande porte. O porte populacional é um preditor importante da infraestrutura de equipamentos e serviços públicos, em particular, de serviços especializados.
Os municípios são densamente povoados, particularmente em função da pequena
extensão territorial dessas unidades e o processo acentuado de metropolitização dessa
área.
O fato de que os serviços assistenciais são ofertados localmente assegura aos
implementadores do PAIR condições bastante diferenciadas de atuação. Deve-se
atentar, no entanto, que o perfil da região, com os municípios afetados por acentuada
conurbação, requer atenção desses implementadores com vista ao desenvolvimento de
ações integradas de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil no espaço
regional.
Os municípios beneficiados localizam-se em áreas de influência de importante parte da
malha rodoviária presente no estado de Minas Gerais, incluindo rodovias federais de
grande fluxo e com presença de pontos vulneráveis à ESCCA.
A análise das condições sociodemográficas indicou a presença de um segmento
populacional significativo no grupo etário de referência do PAIR, ou seja, de crianças e
adolescentes. Essa composição etária da população sinaliza para
necessidade de
ampliação e de melhoria da capacidade de vigilância e prevenção em relação às
ameaças e riscos de violências sexuais que possam afetar esse segmento.
Dentre às vulnerabilidades relacionadas pobreza intraurbana presentes nesses
municípios, destacaram-se as vulnerabilidades educacionais que atingem o grupo etário
de referência do Pair. Apesar das variações no desempenho do sistema local, observou137
se resultados inferiores aos observados no estado e no país em relação a várias
dimensões. Cabe registrar em relação às vulnerabilidades educacionais, as dificuldades
de retenção pelo sistema educacional da população em fase de transição entre níveis de
ensino (Fundamental para o Médio). No tocante à educação, variações intraregionais
foram detectadas e, certamente, estão relacionadas à dinâmica de metropolitização da
pobreza no interior da RMBH.
O quadro de insegurança de rendimento observado nos municípios da região em relação
a vários indicadores é relativamente expressivo quando se considera o volume de
crianças e adolescentes vivendo com famílias pobres. A proporção da população
infanto-juvenil nessa condição é significativa, embora a RMBH ocupe a primeira
posição na geração do PIB mineiro.
Além disso, verificou-se uma participação
considerável de mulheres como responsáveis pela sobrevivência de grupos familiares
monoparentais. Ainda que próximo dos patamares estaduais e nacionais, esse quadro
ganha gravidade quando se considera a escolaridade precária das mulheres nessa
condição em alguns dos municípios analisados.
As vulnerabilidades associadas à condição feminina apresentam distinto nessa
mesorregião. O volume observado de internações hospitalares no sistema público de
saúde de crianças e adolescentes com idade 15 a 19 anos por motivos relacionados à
gravidez e puerpério encontra-se abaixo do observado em outras regiões beneficiadas
pela expansão do PAIR.
A presença de indicadores de riscos e vulnerabilidades sociais no espaço regional deve
ser objeto de permanente monitoramento por parte da comissão local, principalmente
através do Sistema de monitoramento e avaliação do Pair. É importante, destacar, no
entanto, que isso não implica, necessariamente, na ocorrência de eventos de violências
sexuais. O dimensionamento e a tipificação dessas violências, bem com a apreensão da
microdinâmica do fenômeno em cada município, devem ser assumidos com uma missão
contínua da rede de enfrentamento constituída.
O confronto de informações sobre eventos de violência sexual infanto-juvenil de
diversas fontes revelou discrepâncias importantes no registro desses eventos por parte
138
das instituições implicadas no enfrentamento desse problema. Os dados de atendimentos
efetuados pelos CREAS apontam que o quadro da violência infanto-juvenil distancia-se
daqueles identificado com base no Disque-Denúncia Nacional entre 2003 e 2008.
Entre os municípios analisados, há uma maior variação entre o número de atendimentos
realizados e uma oscilação menor no número de casos registrados. Os dados sobre
atendimento das vítimas de violência infanto-juvenil por serviços especializados
indicaram a prevalência do abuso sexual em comparação com os outros tipos de
violência. A natureza intrafamiliar da relação entre vítima e agressor é predominante.
O perfil das vítimas de violências em geral indicou uma predominância de casos
envolvendo crianças e adolescentes com idade entre 07 e 14 anos, com exceção de
Sabará onde verificou-se um número considerável de vítimas com idade entre 15 e 17
anos e de Vespasiano e Santa Luzia, com vítimas em idade de 0 a 06 anos.
Predominantemente, as vítimas são mulheres, apenas em Sabará e Santa Luzia detectouse um número maior de vítimas do sexo masculino entre aqueles atendidos pelos
CREASs.
Dentre os casos atendidos, a responsabilização dos agressores ocorreu em patamares
baixíssimos, sendo destacável o número de vítimas que ainda mantinha contato com o
agressor.
A análise da origem das vítimas atendidas pelos CREAS revelou um aspecto importante
da dinamica regional que a comissão local do PAIR deve atentar: presença de vítimas
oriundas de municípios não incluídos no projeto de expansão do PAIR Minas. Há que se
definir, portanto, uma estratégia que possibilite a interlocução não apenas com os
municípios incluídos na expansão, mas que reforce também a interlocução com os
municípios que recorrem aos CREASs, de modo que a expansão não ocorra em
detrimento de ações já existentes.
No que tange à da rede de atendimnto, a configuração da Assistência Social está focada
na Proteção Social Especial, com exceção de Santa Luzia e Vespasiano. A configuração
da rede de atendimento nosmunicípios beneficiados nessa mesorregião é diferenciada,
139
dada a predominância deserviços locais de proteção social especializado, sendo que
apenas em Vespasiano funciona uma sede de CREAS regionalizado. Essa configuração
deve orientar uma atuação diferenciada da rede de enfrentamento, voltada para uma
atuação mais local, pelo menos no que se refere à articulação dos agentes da rede de
atendimento.
Embora as características da rede de serviços aponte para uma maior capilaridade dos
serviços e programas assistenciais, é importante que a rede de proteção oriente-se pela
articulação de suas ações, de forma a assegurar a garantia efetiva de direitos no espaço
regional.
No que tange à articulação das demais instituições implicadas na atenção integral ao
grupo etário de referência do PAIR, a rede escolar (estadual e municipal) apresenta um
potencial importante para o desenvolvimento das ações do programa. Essa rede, seja
pela extensão e capilaridade, seja pela natureza do vínculo com os estudantes e suas
famílias, é central para a proteção das crianças e adolescentes e para a mitigação dos
efeitos de violações de direitos. Os municípios contam com redes escolares expressivas,
que deve ser alvo preferencial das ações de articulação da rede local do PAIR.
As instituições da área de saúde assumem papel estratégico por serem, potencialmente,
receptoras de vítimas de violência sexual infanto-juvenil em decorrência de agravos ao
quadro de saúde associados a esse tipo de violação. A extensão do Programa Saúde da
Família na região é um componente importante, dadas as interfaces de suas ações com
aquelas desenvolvidas pela rede de proteção junto às comunidades.
A configuração da rede de enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil existente
nos municípios é um aspecto decisivo para a definição das estratégias da comissão local
do Pair. Especialmente quanto a esses órgãos do Sistema de Garantia de Direitos
componentes do Sistema de Justiça, ou seja: Ministério Público, Defensoria e Juizado
relativos à infância e juventude, a situação é menos precária na RMBH que em outras
regiões do estado de Minas Gerais.
Nessa mesorregião, todos os municípios incluídos na expansão do PAIR Minas
possuem Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos. Com base em pesquisas sobre as
140
percepções de conselheiros acerca das prioridades de ação para fortalecimento dos
conselhos, foi apontada a necessidade de capacitação para o planejamento de políticas
de atendimento à criança e ao adolescente. entre as prioridades de ação para
fortalecimento dos CTs, destacam-se a criação de políticas ou programas voltados à
criança e ao adolescente, possibilitando uma atuação menos pontual dos CTS, a
necessidade de melhorar o relacionamento com outros órgãos e a capacitação dos
conselheiros, além da melhoria da infra-estrutura desses órgãos.
Os dados relativos ao encaminhamento de vítimas de violências sexuais para os serviços
de atendimento especializada (CREAS) efetuado por CTs, mostram que essa instituição
atuou como principal “porta de entrada” aos serviços de proteção especial. Delegacias
especializadas e Juizado também se destacaram em alguns dos municípios como agentes
no encaminhamento das vítimas para os serviços de atendimento especializado.
O quadro que emerge do presente diagnóstico sinaliza para a importância das seguintes
iniciativas: (a) ações preventivas – em face da participação expressiva do segmento
infanto-juvenil no total da população e parte dele em situação de vulnerabilidade social;
(b) ações para potencializar a rede de atendimento, seja pela articulação de serviços
regionalizados, seja pela melhoria do fluxo de atendimento às vítimas no interior de
uma rede de proteção ampliada, particularmente com o adensamento das relações com
as instituições do sistema de garantia de direitos e (c) ações de articulação dos atores
locais e regionais com vistas à execução de iniciativas voltadas para as especificidades
locais e para as demandas que singularizam a região no âmbito do estado de Minas
Gerais.
A implementação adequada de estratégias orientadas por essas preocupações dependerá,
no entanto, do aperfeiçoamento desse diagnóstico a partir das ferramentas de
monitoramento desenvolvidas pelo PAIR. Essa aproximação possibilitou a identificação
dos componentes principais do fenômeno da violência sexual na mesorregião em tela e
de sua dinâmica no espaço regional. Passo importante, agora, é apropriar da
microdinâmica assumida por esses componentes em cada município e construir metas
de ação e estratégias de trabalho adequadas ao desafio que se impõe.
141
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