Problema do Cliente

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Problema do Cliente
Autora : Vitória Fernandes
FEEL THE FEAR AND DO IT ANYWAY
O medo, nas suas diferentes formas e estilos, é um sentimento transversal à História da
Humanidade. “Fear No More” foi um dos grandes poemas de Shakespeare e a mensagem mais
veiculada por Jesus. Hoje, qual o sentido desta frase nas nossas vidas, no consumidor e nas
marcas que nos rodeiam?
O grande paradoxo actual é que, numa época em que a Humanidade nunca esteve tão saudável
materialmente (com um crescimento económico mundial de 3,2% per capita desde 20001), a
ansiedade e o medo são sentidos mais do que nunca2. Nos EUA, 55% das pessoas receiam ser
vítimas de um acto terrorista. Uma em dez pessoas, ao nível mundial, sofre de depressão clínica e de
severas desordens causadas pela ansiedade3.
Muitas são as pessoas que têm medo de se revelarem, de arriscarem, de cometer erros,
resguardando-se e adoptando atitudes defensivas, mas raras são as que arriscam os extremos. O
medo desmedido e a aversão ao risco matam as ideias, destroem a inovação, os desejos, os sonhos,
o DNA.
Neste ambiente, muitas marcas paralisam, enquanto outras abraçam o medo e o risco como forças
de sucesso. Num mundo de incertezas, onde as fronteiras se diluem e onde as regras ainda estão
por ser escritas, os desafios são grandes, mas novos territórios e oportunidades se abrem.
O desafio para as empresas e marcas será o de ganhar uma melhor compreensão do impacte da
ansiedade no consumidor, bem como nas suas relações com as marcas4. Libertarem-se do medo, do
preconceito, das práticas me-too e descobrirem um propósito significativo, uma causa, será basilar
para o seu sucesso e para as próprias sociedades.
Novos perfis de consumidores
A “era da ansiedade”, como muitos autores caracterizam o mundo actual, tem afectado o
comportamento do consumidor e a forma como se relaciona com as marcas5. Segundo um estudo
mundial desenvolvido pela Corporate Edge6, para o consumidor se adaptar a era da ansiedade
adoptará duas estratégias dominantes: confrontar a questão do medo e agressivamente lutar pela
mudança ou escapar para uma nova forma de vida.
O estudo da Corporate Edge caracteriza quadro mindsets principais que irão dominar o
comportamento do consumidor nos próximos anos7: os Superchoosers, os New Ragers, os Solution
Seekers e os Simplifiers. Ao contrário das segmentações clássicas, cada pessoa terá um mindset
preponderante, dependendo da categoria e das suas opções de escolha.
Os Superchoosers são auto-obsessivos e adaptam-se à era da ansiedade através de um grande
controlo pessoal. São a nova classe de consumidores “super-savvy”, que escolhem as melhores
opções e estão prontos a reclamar e a não elogiar. Já os New Ragers perderam a confiança nos
seus líderes, nas empresas... até na religião. Sabem o que não querem, mas não o que querem. Não
são anti-brand mas procuram outro tipo de marcas, mais próximas. Já os Solution Seekers
questionam crescentemente os níveis de consumo, pelo gasto excessivo de materiais. Fazem uma
profunda auto-examinação e procuram empresas que possam redefinir o capitalismo do séc. XXI. Por
fim, os Simplifiers, consumidores saturados com a proliferação da informação, sentem-se
confortáveis com marcas que já conhecem e que lhes facilitam as tomadas de decisão.
Como refere o filósofo Peter Koestenbaum, tanto os líderes e as marcas como as pessoas precisam
de ser encorajados. A oportunidade reside, pois, em ser capaz de fornecer uma fonte de optimismo
aos diferentes customer mindsets, seja através da responsabilidade (para os Superchoosers), de
causas championing (para os New Ragers), da redescoberta de responsabilidade (para os Solution
Seekers) ou de grande pragmatismo e transparência (para os Simplifiers)8. As pessoas são guiadas
2 pelas emoções, pela esperança, pela necessidade de mudar ou pertencer a algo melhor do que elas
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próprias. Mais do que descobrir produtos, as marcas precisam de descobrir profundos insights, sobre as
necessidades humanas fundamentais - aspirações, sonhos, receios9.
Amor ao medo
Não deixar que o medo controle, apostando na criatividade e inovação – assumindo o risco e
abraçando o medo como filosofia –, foi o que muitas das marcas actualmente mais poderosas
fizeram.
Enfrentaram o medo com arrojadas ideias – Heroic Accomplishment (Nike); Exhilarating Driving
Performance (BMW); Glamorous Romance (Tiffany); A Breed Apart (Machintosh) –, que os seus
concorrentes não tiveram coragem suficiente para capturar.
Quando a Nike lançou a sua memorável tag line "Just Do It", conseguiu expressar um desejo
profundo: ultrapassar o medo e a procrastinação que nos cercam. “Just do It” é a expressão verbal da
realização heróica, é um insight sobre o que os consumidores sentem e desejam. Já a inspiradora
campanha mundial da Adidas, “Impossible is nothing”, incentiva as pessoas a suplantar os seus
limites e a descobrirem novos horizontes, com a ideia de que a impossibilidade é temporária
(“Impossible is a Dare, Impossible is an Opinion”).
Harley Davidson vende liberdade e a couture shoe-maker Jimmy Choo criou um novo
posicionamento, vendendo amor, amor à beleza do craftsmanship. Como Simon Milton refere, as
marcas que comunicam com um sentido ou propósito têm maiores chances de sucesso10. Não foi por
acidente que a Ford se destacou democratizando o carro, que a Boeing se tornou na companhia mais
dominante na indústria da aviação e que a Citicorp é o banco mais representado no Mundo. Durante
os críticos dias da história da sua companhia, William Boeing afirmou: "É necessário que ninguém
desminta qualquer nova criação, com o argumento de que não pode ser feito.”
Claro que os produtos também são centrais, mas a força que nos liga às grandes marcas está na sua
promessa ao nível emocional – seja esta uma ideologia, uma mensagem ou um sonho. A Wal-Mart,
por exemplo, "give ordinary folk the chance to buy the same things as rich people". As marcas que
nascem com um propósito são por natureza responsáveis perante a sociedade; o negócio não
existiria se não fosse para servir os outros11.
O poder social das marcas: veículos de transformação social
Num mundo em que tudo muda, as marcas oferecem a rara qualidade de segurança. Oferecem uma
referência, uma garantia, uma estrutura, como refere Jean-Noel Kapferer. O seu valor provém da sua
capacidade de reduzir o risco e a incerteza.
Apesar das críticas do lobby anti-marcas liderado por Naomi Klein, é inegável a contribuição das
marcas para os consumidores, para a criação de riqueza e bem-estar. PIMS research demonstrou
que as marcas não só ajudam os produtores a criar novos produtos e serviços no mercado, como
também são duas vezes mais inovadoras do que as empresas que comercializam produtos sem
marca12.
As marcas contribuem com cerca de um terço da riqueza mundial13 e, ao contrário do que se pensava
– que os proveitos financeiros não seriam compatíveis com as questões ambientais e sociais –, hoje
é cada vez mais notória essa compatibilidade. Cerca de 70% de consumidores nos EUA e na Europa
já boicotaram produtos de empresas que não respeitam o fair-trade ou outras questões sociais,
provocando quebras de vendas na ordem dos cerca de £1.47bn (2003)14.3
O valor social das marcas é inegável e apresenta duas dimensões vitais: criação da inovação
progressiva nos produtos, serviços e empresas; e veículo de transformação social15. Um dos grandes
benefícios da ubiquidade cultural das marcas é a sua habilidade de amplamente difundir o bem
social. A Coca-Cola tem utilizado a sua marca para criar campanhas de saúde sexual em África para
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combater o vírus da sida, a MacDonalds tem uma ampla tradição de apoio às comunidades locais, a
MTV tem ajudado a mudar comportamentos perante questões como a sida, protecção ambiental e
direitos humanos, os supermercados Asda têm realizado impactantes campanhas contra a violência
doméstica.
Purposeful positioning: taking the brand to a new frontier
Até hoje, as principais causas do corporate social responsability (CRS) têm sido dedicadas aos
problemas mais visíveis, como sida, cancro, malária, pobreza, ambiente, cultura, educação, abuso
sexual, direitos humanos. E os problemas menos mediáticos, como a discriminação social,
subjacente aos programas de literacia? E o medo que assola as nossas sociedades? E o suicídio?
Em cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio algures no Mundo, sendo esta a quarta causa de
morte ao nível mundial entre os 15 e os 44 anos16. Uma das causas do suicídio é a depressão, mas,
subjacente à depressão, estão o medo, a ansiedade, a frieza emocional, a incapacidade de amar, a
insatisfação sexual...
Qualquer negócio deverá ter um profundo propósito para além da sua rentabilidade17. As empresas
deverão mergulhar fundo para descobrirem o que captura os heart and mind dos seus stakeholders, o
que exige imaginação, coragem, convicção, honestidade e senso comum.
Já são muitos os exemplos de marcas que claramente incorporam nos seus produtos os desejos
mais sentidos na sociedade actual, como a energy drink No Fear (da SoBe), o chá verde V&T,
antienvelhecimento (da Nestea), a Energy 69, para aumentar o libido e a nova marca britânica de sorvete
anti-depressiva.
Porém, em termos de CSR, ainda há muito a explorar. Actualmente, algumas marcas denotam um
poder de transformação social superior a muitos Estados, a muitos governos, a muitos médicos.
Note-se que marcas que incorporem filosofias antimedo, antidepressivas, anti-stress, antifrieza
emocional e que criem valores e filosofias pedagógicas mas com impacte social... precisarão também
de equipas de filósofos, antropólogos, psiquiatras, psicólogos, pedagogos, tal como a ciência
económica está actualmente a fazer para descobrir a essência da felicidade.
Abraçar este tipo de CSR implica muitos custos subjacentes, mas os Solution Seekers, por exemplo,
serão persuadidos a pagar um alto preço para assistir a um grande impacto social e comunitário18. De
um modo geral, mais do que o brand marketing, a brand reputation poderá tornar-se numa filosofia
emergente19. Aqui, o desafio é o de fomentar uma verdadeira inovação, novos produtos que resolvam
problemas de uma forma inesperada, sustentados em impactantes filosofias existenciais.
Acreditar em algo substancial, num propósito, e lutar sem medo faz toda a diferença – tanto na vida
das pessoas quanto na das marcas. 4
BIOGRAFIA
1 “Happiness (and how to measure it)”, The Economist, Dec 19th 2006
2 “Fear&Risk: Designing for Brands in Scary Future”, by Jonathan Ford,
STEPMagazine/Article/28658, September 2006
3 “Consumers in an age of anxiety”, Brand Strategy, May 2004
4 Idem
5 “Brands in new contexts”, Brand Strategy, April 2007
6 “Consumers in an age of anxiety”, Brand Strategy, May 2004
7 Idem
8 Idem
9 “Challenging Maslow”, Brand Strategy, December 2003
10 “Purposeful positioning”, Brand Strategy, August 2002
11 Idem
12 “Are brands a force for good”?, Brand Stategy, June 2004
13 Idem
14 An ethical stance, June 2005
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3
15 “Are brands a force for good”?, Brand Stategy, June 2004
16 Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO)
17 “Purposeful positioning”, Brand Strategy, August 2002
18 “Consumers in an age of anxiety”, Brand Strategy, May 2004
19 “Realising reputation and responsibility” Brand Strategy, May 2002
“Brands in new contexts”, Brand Strategy, April 2007
“Behaviour = trust”, MarketingWeek, March 2004
“The corporate trust gap across Europe”, Brand Strategy, May 2003
“Adidas expands Impossible campaign”, mad.co.uk, 24 April 2007
“Economics discovers its feelings”, The Economist, Dec 19th 2006
“Cause-Related Marketing: Why Social Change and Corporate Profits Don’t Mix”, by John Allert
(Interbrand), 07/14/2006, www.pbs.org
www.brandiacentral.com
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