Leia um trecho do livro

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Leia um trecho do livro
RICHARD SALE
S
S
A
CL
— VINCE CANNISTRARO, ex-Chefe da Divisão de Contraterrorismo da CIA.
“As guerras secretas de Clinton examina meticulosamente os primeiros
passos, muitas vezes hesitantes, do Presidente Clinton e de seus assessores,
rumo à formulação de uma política externa coerente numa época em que
os americanos se mostravam avessos a envolvimentos militares... Sale
traz à luz as realizações subestimadas de um presidente americano que
veio a compreender os novos contornos do poder mundial e a articular
persuasivamente o novo papel da América nesse contexto”.
— Philip Stoddard, Departamento de Estado dos EUA (aposentado) e ex-diretor executivo do
Instituto para o Oriente Médio.
— W. Patrick Lang, ex-chefe de Operações para o Oriente Médio, AID.
“As guerras secretas de Clinton é leitura obrigatória para historiadores
diplomáticos, estudiosos da presidência e estudantes curiosos a respeito dos
verdadeiros meandros da política externa... Richard Sale escreve um tour
de force ao descrever as inconsistências da política externa e da vontade
política... É uma história a um tempo arrebatadora e assustadora”.
— Judith S. Yaphe, Pesquisadora Emérita do Instituto de Estudos Estratégicos Nacionais,
Universidade da Defesa Nacional.
ISBN 978–85–98580–79–1
AS GUERRAS SECRETAS DE CLINTON
“Posso dizer inequivocamente que se trata de um trabalho erudito e de visão
aprofundada sobre um aspecto pouco conhecido da presidência de Clinton.
O livro conta com o benefício de excelentes fontes internas e apresenta
relatos claros, na maioria desconhecidos, mas indispensáveis para os
historiadores”.
“A longa experiência de Richard Sale em reportagens sobre Washington,
a CIA, as forças armadas americanas e intrigas no estrangeiro criou um
background perfeito para este relato do crescimento seguro e constante
do Presidente Clinton como mestre no jogo das nações. O estilo elegante
de Sale torna extremamente agradável a leitura do livro, instrumento
indispensável para quem deseja compreender a era de Clinton”.
Editora NOSSA CULTURA LTDA.
Rua Grã Nicco, 113 - 5º andar
81.200-200
Curitiba - Paraná
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Q
D
E
I
IF
Richard Sale
jornalista premiado e finalista do
prêmio Pulitzer, escreve para The
Washington Post e para o San
Francisco Examiner.
Mais recentemente trabalhou durante
cinco anos como correspondente
especial da UPI. É autor de Traitors:
The Worst Acts of Treason in American
History from Benedict Arnold to
Robert Hansen e The Blackstone
Rangers (Traidores: os piores atos
de traição na História Americana de
Benedict Arnold a Robert Hansen e
The Blackston Rangers, em tradução
livre). Atualmente é correspondente
de inteligência do Middle East Times.
Vive em Stamford, Connecticut.
AS GUERRAS SECRETAS DE CLINTON
AS GUERRAS SECRETAS DE
A EVOLUÇÃO DE UM COMANDANTE-EM-CHEFE
UANDO Bill Clinton
concorreu à presidência em
1992, a principal crítica às suas
qualificações para o posto foi a
falta de experiência em política
externa – algo em que seria testado imediatamente após tomar posse. Quase uma década
depois de sua presidência, o registro de Clinton
como líder militar continua a ser foco de
debate. Agora o veterano jornalista Richard
Sale oferece o primeiro livro devotado a nosso
quadragésimo segundo presidente como
comandante-em-chefe.
Nos oito anos finais do século
vinte, os Estados Unidos e os demais países
testemunharam eventos fundamentais para
a definição do mundo. A situação nos Bálcãs,
vítima dos horrores da limpeza étnica, e no
Oriente Médio, onde a ameaça do ditador
iraquiano, Saddam Hussein, se agigantava e
a al Qaeda desenvolvia seus planos sinistros,
constituíram-se
desafios
desanimadores
para o novo presidente. Embora na avaliação
popular, a administração Clinton apareça como
ineficiente na esfera da política externa, Sale
revela uma história muito mais interessante
e complexa: a de um presidente jovem que
aprendeu com seus passos em falso iniciais e
veio a ser um líder mundial rijo como o aço. O
autor desvenda o que está por trás da retórica
partidária e mostra como Clinton, levado
simplesmente pelo ódio a líderes traiçoeiros
e seus regimes brutais, empreendeu ações
clandestinas (sobre as quais nada transpirou na
mídia dominante) que extraditaram criminosos
de guerra, derrubaram Slobodan Milosevic, e
chegaram muito perto de apanhar Osama bin
Laden.
Com base em mais de trezentas horas
de entrevistas com contatos na CIA, no EstadoMaior, nas Forças Especiais, na ASN, e com
pessoas de dentro da administração, Sale nos
força a reavaliar a política externa de Clinton.
As Guerras Secretas de Clinton proporciona
também um olhar inestimável e sem
precedentes sobre um presidente americano
— não no palco muitas vezes fútil do cenário
político, mas na arena mundial.
AS GUERRAS SECRETAS DE CLINTON
TAMBÉM POR RICHARD SALE
Traitors: The Worst Acts of Treason in American History from Benedict Arnold to Robert Hanssen
The Blackstone Rangers
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evolução
de um
COMANdante-em-chefe
RICHARD SALE
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Título Original: Clinton’s Secret Wars
Copyright © 2009 Richard Sale
Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura Ltda, 2010.
Editor-chefe: Paulo Fernando Ferrari Lago
Editores Assistentes: Renata Sklaski e Claudio Kobachuk
Tradutores: Mail Marques de Azevedo e Liliana Negrello
Revisoras: Tania Growoski e Adriana Gallego Mateos
Capa: Silmara Takazaki Egg
Diagramação: Silmara Takazaki Egg
Nota: a edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho
de vários profissionais. Porém podem ocorrer erros de digitação,
impressão ou dúvidas conceituais. Pede-se que seja comunicado à
editora no caso de existir qualquer das hipóteses acima mencionadas,
para maiores esclarecimentos.
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Dados internacionais de catalogação na publicação
Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira
Sale, Richard T., 1939
As guerras secretas de Clinton : a evolução de um
comandante-em-chefe / Richard Sale ; tradutores Mail Marques de
Azevedo e Liliana Negrello. - Curitiba, PR : Nossa Cultura, 2010.
491 p. ; 21 cm.
ISBN 978-85-98580-79-1
Tradução de: Clintons's secret wars.
1. Clinton, Bill, 1946– . 2. Estados Unidos – Política e governo
– 1993-2001. 3. Presidentes – Estados Unidos – Biografia. I. Título.
CDD ( 22ª ed.)
923.1
À MINHA ADORÁVEL ESPOSA,
CAROL,
MINHA COMPANHEIRA
E COLABORADORA
HÁ VINTE E DOIS ANOS
EM UMA VIDA DE AMOR,
CRESCIMENTO, PAIXÃO,
E ALEGRIA ENRIQUECEDORA.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
xi
NOTA SOBRE FONTES
xvii
PRIMEIRA PARTE: O PRESIDENTE TRANSFORMACIONAL
1:
OS DILEMAS DA LIDERANÇA
3
2:
PRESIDENTE PARA TODO O POVO
3:
O AVANÇO DAS TREVAS
4: ESCURIDÃO SEM ESTRELAS
5:
10
16
21
O MAL NO MUNDO DE HOJE
27
6: UMA CAVERNA DE VENTOS ECOANTES
7:
DANÇA MACABRA
8: O PRÍNCIPE DO TENNESSEE
9: O CORTESÃO
37
42
52
59
10: MOLDANDO UMA ESTRATÉGIA SECRETA
11: MARCA DE DESOLAÇÃO
12: FALTA DE SUCESSO
70
76
89
13: O MARTELO NA BIGORNA
99
14: ENFRENTANDO A ADVERSIDADE
15: PARA SER USADO E POSTO DE LADO
16: O RETORNO DO INFERNO
126
107
116
1
SUMÁRIO
viii
17: OS RIVAIS
137
18: “ALIANÇAS SEM ESPADAS NÃO PASSAM DE
PALAVRAS” — THOMAS HOBBES
144
19: “LUTA DE VONTADES, GUERRAS
DE PRECEDÊNCIA” — LUCRÉCIO
154
SEGUNDA PARTE: AVANÇANDO PARA BAGDÁ
167
20: “HUMANO, DEMASIADO HUMANO” — NIETZSCHE
21: DUPLO CONTROLE
173
22: GUERRA CAMUFLADA
183
23: UM VERDADEIRO PASSO À FRENTE
192
24: COMPETINDO COM FANTASMAS
199
25: COMEÇA O GRANDE JOGO
205
26: OPERAÇÃO CESSAR-FOGO
215
27: ESTRELAS QUE BRILHAM E NUNCA CHORAM
28: A QUASE GUERRA
222
229
29: CONTORNOS SINISTROS
240
30: SOB OS OLHOS DO OCIDENTE
249
31: A MIRAGEM DAS ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA
32: VITÓRIA BRILHANTE
259
33: O BEM E O MAL NA HISTÓRIA
271
TERCEIRA PARTE: UM TIPO ESPECIAL DE MAL
AL QAEDA NOS BÁLCÃS
34: UM MUNDO EM MUDANÇA
35: HORA DIFÍCIL
277
279
287
36: MORTE GLORIOSA
298
37: JOGO DE APOSTAS ALTAS
38: CALIFADO
169
303
310
39: ETERNOS ESTRANHOS
318
40: SENHORA SECRETÁRIA
324
41: BUCKEYES E RAZORBACKS
332
42: MATAR, CONFISCAR, DESTRUIR
43: XADREZ DE ALTAS APOSTAS
344
351
44: A VERDADE IMPLACÁVEL DA GUERRA
45: AMPLITUDE DE DESTRUIÇÃO
46: SEMEANDO VENTOS
382
372
362
255
SUMÁRIO
47: CRISE DO DESTINO
48: GANHO QUE ESCURECE
49: GOTOV JE!
392
401
406
50: PARA CURAR UM MAL
EPÍLOGO
427
NOTAS
BIBLIOGRAFIA
ÍNDICE
439
465
459
415
ix
PREFÁCIO
Este livro é uma tentativa de corrigir um erro. A imagem corrente da liderança
de Bill Clinton na política externa é a de um homem lento nas decisões,
vacilante, irresoluto, sempre relutando timidamente em empregar a força,
chefe de uma administração notoriamente incapaz de seguir objetivamente
um foco único ou de agir com determinação. Acredito ser este quadro
altamente injusto e argumento que o desempenho de Clinton merece um
exame mais equilibrado e imparcial, diferente do que tem recebido até aqui.
Este livro aborda algumas ações clandestinas e programas secretos que a
administração Clinton empreendeu em seus dois mandatos, quando em
uma situação de crise extremamente séria Clinton agiu, em grande parte,
secretamente. O sucesso de muitos de seus desígnios dependia diretamente
de serem conduzidos em segredo e, em consequência, um dos presidentes
que mais viveu sob os olhares da população americana foi também um dos
mais reservados e que, além do mais, participou pessoalmente no disfarce
dessas atividades. Mas que ninguém se engane. Está claro que o Presidente
Clinton aprendeu a agir com singularidade de foco e propósito implacável em
situações de crise.
Compreendo que muitos americanos desconfiem instintivamente, ou
por princípio, de tudo o que não é feito às claras. Essa prática burla a lei (ou
não seria clandestina); é intrusiva e traiçoeira, e para tais céticos os ideais
democráticos americanos, o crescimento da liberdade do indivíduo, a aversão
ao poder, a consideração pelos fracos ou desvalidos, se disseminam por meio
do exemplo, não por meio de tramas. Acredito, porém, que planos secretos são
absolutamente necessários em casos como o dos Bálcãs, em razão da inércia
xii
PREFÁCIO
vacilante dos europeus, diante de provas claras das atrocidades cometidas.
Na questão de relações exteriores, Clinton, a meu ver, é o presidente que
mais se aproxima dos presidentes Franklin Roosevelt e Dwight Eisenhower.
Este último, como ex-comandante-em-chefe tinha visceral repugnância em
utilizar o poderio militar, mas não se furtava a se valer de operações secretas
para atingir objetivos vitais dos Estados Unidos. Considerado maleável e fraco,
Clinton, de início, demonstrou incerteza e cometeu alguns sérios tropeços,
mas aprendeu rapidamente a imprimir sua marca às relações exteriores,
“fazendo de sua política não apenas o produto de momentum burocrático”,
nas palavras do assessor Dick Morris. O que parecia ser, a princípio, recuo
dissimulado, indecisão e procrastinação eram, de fato, sintomas de uma mente
capaz de aguardar em meio a um furacão de pressões ou do ridículo, a fim de
sopesar um vasto e complicado arsenal de escolhas difíceis, de consequências
imprevisíveis, mas que possivelmente causariam danos permanentes para seu
governo e seu prestígio como presidente.
Gradativamente, Clinton viria a tornar-se um governante dotado de
resistência interior na tomada de decisões difíceis. Relutância em recorrer à
força não significa negar-se a utilizá-la. Clinton empregou a força no Haiti e
na Somália, e se esta última intervenção redundou em desastre, não foi por
falta de apoio do presidente aos militares; de acordo com o ex-comandante
do CENTCOM, general Anthony Zinni, aconteceu exatamente o contrário.
Como se pretende demonstrar, Clinton era bastante aguerrido. Dias apenas
após o bombardeio do mercado de Markala, em Sarajevo, pelos sérvios,
a 5 de fevereiro de 1994, o presidente deu início a planos preliminares para
uma operação clandestina que derrubaria do poder o tirano valentão sérvio
Slobodan Milosevic, e no ano seguinte à sua posse como presidente, Clinton
já havia colocado as Forças Especiais dos Estados Unidos na Bósnia em
alerta, para resgatar mediadores canadenses retidos em Srebrenica, em uma
operação audaciosa envolvendo helicópteros e aeronaves para supressão de
defesa aérea. Ao final, o estado de alerta foi relaxado, mas Clinton estava
disposto a levar a operação a termo, apesar dos altos riscos e da hostilidade
pública ao envolvimento.
Historicamente, a eleição de Bill Clinton não poderia ter acontecido em
momento pior. Poucos se dão conta de que à semelhança de Harry Truman,
Clinton assumiu o cargo quando os poderes da presidência haviam sido
radicalmente reduzidos. Com o fim da Guerra Fria, vozes na política e no
Congresso se levantaram, como na ocasião precedente, para alertar a América
sobre a necessidade de voltar a atenção para seus problemas domésticos,
ao invés de perder-se nos caminhos da intervenção externa, em busca de
“monstros longínquos” a que destruir, nas palavras de John Quincy Adams. O
próprio Clinton iniciara sua campanha como uma dessas vozes, criticando seu
PREFÁCIO
xiii
predecessor por se concentrar em questões no estrangeiro, em detrimento de
problemas domésticos. Mas as circunstâncias rapidamente forçaram Clinton
a mudar.
“Nenhum outro presidente moderno herdou uma posição internacional
mais forte e segura do que Bill Clinton”, afirmou o comentarista William
Hyland; entretanto, a verdade era justamente o inverso. O grau de unanimidade política imposto pela Guerra Fria fora subestimado. Com o fim do conflito,
ao invés de uma era de maior segurança, em espaços menores, o mundo
que emergiu em 1990 era maior e mais volátil, fragmentado em múltiplos
movimentos nacionalistas, predominantemente agressivos, suspeitosos e
inseguros. Ao invés de estabilidade, surge uma era violenta, caracterizada
pela democratização da luta armada, em que conflitos entre nações foram
substituídos por guerras de extermínio entre grupos étnicos.
Poucos parecem ter reconhecido a mudança. A crença era de que Clinton
temia golpes súbitos e audaciosos quando se tratava de intervir corajosamente
em crises como as da Somália ou da Bósnia. Mas quem não temeria? Os
militares americanos se esquivavam de qualquer envolvimento na Bósnia,
como o diabo foge da cruz. As Nações Unidas se mostraram mais resolutas?
Ou a OTAN? Os europeus declararam descaradamente que a matança na
Iugoslávia era problema deles, mas depois permitiram que um estado de
espírito de desconcerto paralisasse qualquer ação. Tudo redundou em excitação fútil. Estaria Clinton mais relutante em interferir na débâcle da Bósnia do
que o povo americano como um todo? Não creio. Na época dos mais sangrentos
massacres nos Bálcãs, 70% do povo americano era contra a interferência.
Como aponta Arthur Schlesinger, predominava o questionamento: “Por que
arriscar a vida de um filho ou filha, num lugar remoto, onde a vitória nada
significaria para o bem dos Estados Unidos? O povo americano não conseguia
distinguir entre manutenção da paz e combate.
E a posição do Congresso seria melhor? Durante a selvageria em Kosovo,
o Congresso dos Estados Unidos, de maioria republicana, mal cumpriu seu
papel com alguma distinção: o Senado aprovou ataques aéreos para impedir o
assassinato em massa, mas a Casa não se mobilizou antes de um mês. Em 29
de abril de 1999, a Casa votou contra a entrada de forças de terra em Kosovo,
a menos que Clinton obtivesse aprovação explícita e, a seguir, em votação
empatada, indicou desaprovação da campanha aérea em curso.
Clinton é um político. Não se trata apenas de uma afirmativa óbvia. Sem
partido, um estadista não é nada. Se o líder de uma facção política extrapola
os desejos de seus companheiros e aliados, e emancipa-se de seu controle,
pode ser posto para escanteio, ser ignorado, ou simplesmente suprimido. Se
Abraham Lincoln, em alguns momentos, aparentou covardia moral no caso
da escravidão, parecendo fazer tão pouco e mesmo este pouco feito com
relutância e demasiado tarde, foi principalmente pela necessidade de esperar
xiv
PREFÁCIO
que a maioria chegasse a alcançar a visão do presidente. Como Lincoln, Clinton não podia se dar ao luxo de avançar muito à frente do povo americano em
um assunto tão potencialmente explosivo como a guerra na Bósnia. O político
não vive simplesmente em um ambiente político, mas vive por meio dele.
Suas respostas aos desafios nesse contexto devem ser apropriadas e efetivas
ou virá a perecer. Mesmo que devagar ou aos arrancos, Clinton prosseguiu no
caminho escolhido e, ao contrário de seu sucessor, George W. Bush, nunca
tentou suprimir nem abafar as vozes dissidentes. Ao final, como aprendiz
brilhante e arguto, Clinton enfrentou a tirania no Iraque e os assassinatos em
massa nos Bálcãs com excepcional força moral, destreza tática e habilidade
estratégica, tomando decisões arriscadas secretamente. Nos casos em que era
de suma importância agir com firmeza, Clinton demonstrou resistência de
ferro, uma força interior que passou quase despercebida e foi ainda menos
elogiada.
Quando Clinton foi eleito, nenhum país ocidental já se havia dado
conta do poder maléfico representado pela al Qaeda de Osama bin Laden.
(Na ocasião do primeiro ataque à bomba ao World Trade Center, em 1993,
Clinton inicialmente atribuiu a culpa aos sérvios, como o faria mais tarde no
caso das bombas em Oklahoma City, em 1995.) Em suma, ninguém, a essa
altura, tinha conhecimento de um movimento terrorista sem base nacional
em um determinado país, mas que consistia de uma rede de células quase
autônomas frouxamente interligadas, dedicado à expansão do islã – usando
para isso o assassinato em massa de inocentes de qualquer religião, que não
apoiassem a agenda político-religiosa de bin Laden. O Ayatollah Khomeini,
do Irã, se revelara figura-chave para o início do processo. No mundo de 1979,
em que os muçulmanos se mostravam inclinados a seguir modelos seculares
pró-Ocidente, ele reverteu a direção da história. Uma das razões do fracasso
da intervenção do presidente Jimmy Carter no Irã foi justamente a surpresa
mundial diante de um movimento de libertação que não olhava para um
futuro de moderação e secularidade, mas voltava-se para a religião e para o
passado, abraçando uma forma mais primitiva e rígida do islã, ao invés de uma
espécie menos restritiva e mais moderna da religião.
Durante anos, a política externa dos Estados Unidos para o Oriente Médio
chegou às raias da obsessão míope, por recear a expansão iraniana. O fato de
que Clinton teve coragem e audácia para se libertar desse temor e permitir o
envio de armas iranianas aos muçulmanos da Bósnia, seu emprego de agentes
croatas para alterar a balança do poder no território em litígio, combinada
com a tática efetiva de impedir que a al Qaeda penetrasse nos Bálcãs, me
parecem conquistas de primeira grandeza.
Quanto à crise de 1993 na Somália, foi um pesadelo que Clinton não criou.
A falha principal, de acordo com o ex-comandante do CENTCOM, general
Anthony Zinni reside no emaranhado confuso da rede de comando. De
acordo com Zinni, o Pentágono tinha cinco sistemas separados de comando
PREFÁCIO
xv
e controle, o pessoal da Delta e o dos Rangers dispunha de seus sistemas
próprios, nenhum deles trabalhando em coordenação com os demais. Como
demonstrou, quando a CIA obteve informações que poderiam ter evitado o
incidente de Black Hawk Down, os burocratas do Departamento de Defesa
não tomaram medidas imediatas, o que resultou em desastre.
Clinton precisou aprender a superar sua antipatia inicial pela CIA. De
acordo com Tyler Drumheller, ex-funcionário de primeiro escalão da CIA,
encarregado de operações clandestinas, Clinton nutria profunda suspeita
pela agência, mas, apesar disso, parecia decidido a renová-la para a era pós-Guerra Fria, objetivo que partilhávamos com a Europa. O próprio Drumheller
logo aprendeu a apreciar o novo presidente. “Era muito bom trabalhar com
Clinton. Sabia mostrar-se irredutível. Na questão da guerra com a Sérvia, a
preocupação era obter resultados rápidos. Para isso era inevitável a perda de
vidas civis. Tony Lake, Conselheiro de Clinton para a Segurança Nacional
dizia do presidente: “Ele se tornou capaz de tomar decisões duras”.
A operação clandestina que derrubou Milosevic e o mandou para
a prisão em Haia, é até hoje ensinada na CIA como exemplo da eficácia de
golpe relativamente pouco sangrento, que emprega tanto meios abertos
como secretos. Essa operação foi meu primeiro incentivo para escrever este
livro. Para mim, foi um daqueles dois momentos esplêndidos e estimulantes
da história, em que homens e mulheres resolutos e determinados, de
propósitos nobres, superaram o temor e reconquistaram a dignidade de seres
humanos, arriscando tudo por se recusarem tenazmente a viver como simples
instrumentos da vontade de outrem. Na verdade, este livro se destina a atribuir
créditos e a honrar o presidente, seus conselheiros, e homens e mulheres no
campo de litígio ou em postos no exterior, que tornaram possível para o povo
sérvio esse momento de suprema autoafirmação. Também a eles rende-se
merecido tributo.
NOTA SOBRE AS FO N T E S
Este livro se baseia em centenas de horas de entrevistas com mais de cinquenta
ex-membros do primeiro escalão da administração Clinton. Uma vez que a
informação discutida é ainda altamente confidencial, a maioria se realizou na
base de “background”– ou seja, as pessoas concordavam em falar apenas com a
condição de não serem identificadas nominalmente. De fato, em vários casos,
uma fonte concordava em manter “uma conversação que nunca aconteceu”.
Uma vez que várias dessas fontes recentemente se tornaram membros
da administração de Barak Obama, pelo menos três, que haviam concordado
com a identificação, voltaram atrás.
Além de ex-funcionários da Casa Branca, entrevistei membros do
Congresso e seus auxiliares, ex-membros do primeiro escalão da Agência de
Inteligência para a Defesa, além de ex-funcionários do Departamento do
Tesouro e da Agência de Segurança Nacional. Não quiseram que seus nomes
fossem divulgados.
Alguns permaneceram disponíveis. Richard Holbrooke, o arquiteto dos
Acordos de Dayton e negociador-chave com o líder sérvio Slobodan Milosevic
em 1999, não só ajudou com fatos e insights, mas leu partes do rascunho.
O ex-embaixador na Croácia, Peter Galbraith, prestou ajuda
inestimável. Tivemos múltiplas entrevistas detalhadas e trocamos e-mails.
Foi extremamente generoso ao oferecer-se para ler partes do rascunho. Um
agradecimento especial para sua esposa, Tune Bringa, membro das Nações
Unidas na Bósnia, uma das primeiras a descobrir o horror do massacre de
1995, em Srebrenica. Sua leitura da seção correspondente foi inestimável.
xviii
NOTA SOBRE AS FONTES
Com agradecimentos especiais para o general Wesley Clark por ler partes
do rascunho.
Nas seções sobre Israel e o Iraque, o reconhecimento especial vai para os
ex-funcionários do Departamento de Estado, Ned Walker e David Mack.
Desejo também manifestar reconhecimento pela ajuda do ex-dignitário
de Relações Exteriores, Louis Sell, que partilhou seu conhecimento e
respondeu com muita paciência às minhas perguntas.
Não entrevistei o ex-presidente Clinton para evitar qualquer ideia de
autorização e por saber que ele não poderia fazer comentários sobre muitos
dos tópicos no livro.
Como correspondente de inteligência para a UPI de 2001 a 2005, cultivei
mentores e guias inestimáveis, muitos dos quais continuam prestando ajuda
até hoje. Meus mais profundos agradecimentos para:
Andrew Bacevich, Bob Baer, Roger Barnett, Milt Bearden, Stan Bedlington,
J. Rand Beers, Rachel Bronson, Whitley Bruner, Vince Cannestraro, Kurt
Campbell, Sandy Charles, Andrew Cockburn, Angelo Codevilla, Steve Cohen,
Tony Cordesman, Jack Devine, Tyler Drumheller, Fritz Ermarth, Graham
Fuller, Toby Gati, Rohan Gunaratna, o general da reserva Joe Hoar, Charles
Jefferson, Larry Johnson, Kenneth Katz, Mike Kraft, Richard Kerr, Pat Lang,
David Long, David Manners, Warren Marik, Roy Neel, Robert Oakley, Paul
Redmond, Peter Rodman, Ken Pollack, Gary Sick, John Shattuck, Nancy
Soderberg, Dimitri Simes, Phil Stoddard, Greg Thielman, o tenente-general
da reserva Bernard Trainor, Courtney West, Wayne White, Burt Wides, Judith
Yaphe, Warren Zimmermann, o general da reserva Anthony Zinni.
Foram extremamente benéficos o direcionamento e os conselhos de meus
editores na St. Martin, Tom Dunne e Rob Kirkpatrick. Rob, em especial, foi a
mão firme e constante que manteve o barco no curso em meio a tempestades
ocasionais e passageiras. Tom e Rob habilmente transformaram uma vasta
quantidade de material em um livro acabado. Devo a eles e a seu assíduo revisor,
Fred Chase, meus calorosos agradecimentos. Quero agradecer também ao
meu assíduo agente, Joe Vallely, por seus conselhos e encorajamento. Especial
apreço vai para minha esposa, Carol, cujos olhos de lince fizeram um trabalho
de edição de texto extremamente competente. Trabalhou como escrava em
uma mina, sem se queixar.
Arthur Schlesinger disse certa vez que na avaliação da liderança
presidencial, a reputação de um comandante-em-chefe dos Estados Unidos
atinge o ponto mais baixo de dez a quinze anos após sua morte. Os índices
de Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson permaneceram no fundo do poço
por ao menos uma década depois de sua morte. Os índices de FDR (Franklin
Delano Roosevelt) e John Kennedy foram também embaraçosamente ruins.
Clinton, com todos os seus dons e falhas, está ainda muito vivo entre nós, mas
o que nos deveria tornar humildes é que, no presente, escrevemos do “fundo
da onda”, como coloca Schlesinger, com a graça e a destreza de sempre. Cada
NOTA SOBRE AS FONTES
xix
geração julga os presidentes através do prisma de sua própria experiência, com
todos os seus juízos pré-concebidos, preconceitos e idiossincrasias pessoais.
A julgar pela história, a avaliação prematura de Clinton, inclusive a minha,
pode estar muito longe do alvo. Meu propósito aqui foi provocar um reexame
básico. Se isso ocorrer, é quanto basta.
P
E
IRA PAR
E
M
I
T
R
O
PRESIDENTE
TRANSFORMACIONAL
1
OS DILEMAS DA LIDERANÇA
A luz da tarde de verão desmaiava do lado de fora das altas janelas do Quarto
de Lincoln. Estavam presentes elementos importantes do governo, reunidos
não na Ala Oeste, mas na residência, que dispõe de uma porta lateral por onde
os membros do gabinete poderiam entrar, sem ser percebidos pela imprensa.
A atmosfera na sala era de sombrio desânimo¹. O pessoal de serviço da Casa
Branca, que em outras ocasiões estaria formalmente vestido de branco, nessa
noite usava sombrias jaquetas pretas bem ajustadas. Com expressão grave,
moviam-se silenciosamente entre os presentes, parando a cada momento para
curvar-se e oferecer, cortesmente, bandejas de prata com minúsculos canapés,
camarão, e recipientes de molho para coquetel. Poucos, entre o grupo de
convidados sérios e tensos, serviram-se. Havia coquetéis de gim, uísque ou
vodka, mas a maioria limitou-se a tomar coca diet ou soda com gelo. O ar
estava carregado. Não se tratava de um encontro social, mas ultrassecreto, e
sua agenda, soturna.
O Presidente Bill Clinton estava prestes a desencadear seu primeiro ato
maior como comandante-em-chefe do país: lançar ataques aéreos contra o
ditador iraquiano Saddam Hussein, em Bagdá. Seria a primeira operação
militar no governo de Clinton.
Começara com o assessor especial do presidente, Richard Clarke,
homem de energia inesgotável, testa alta, cabelos ruivos esparsos e olhos
intensos e frios. Todos os dias esses olhos caíam sobre centenas de relatórios
de inteligência, mensagens de embaixadas e traduções da mídia estrangeira,
encaminhadas da Sala da Situação da Casa Branca. Foi num domingo de
junho que ele se deparou com um item que lhe gelou o sangue: um jornal em
4
as guerras secretas de clinton
língua árabe, de Londres, noticiava que a polícia do Kuwait tinha frustrado
uma tentativa de assassinato do ex-presidente dos Estados Unidos².
Dois meses antes, em abril, o ex-presidente George H. W. Bush retornara
de uma visita triunfal ao Kuwait, onde há apenas dois anos forças comandadas
pelos Estados Unidos haviam desalojado massas formidáveis de tropas
iraquianas, que fugiram em pânico em direção ao norte. Bush chegara ao
Kuwait para receber uma homenagem da família real, e sua recepção fora
ruidosa, cheia de calor e gratidão. Todos achavam que a viagem transcorrera
sem qualquer incidente.
Clarke ficou perplexo. Não recebera qualquer informação sobre uma
tentativa de assassinato da Agência Central de Inteligência (CIA), do Bureau
Federal de Investigação (FBI), ou mesmo do Departamento de Estado. Clarke
entrou em contato imediatamente, via telefone de segurança máxima, com
o embaixador americano no Kuwait, Ryan Crocker. Perguntou-lhe se havia
lido a notícia. Crocker disse que não e passou a comentar efusivamente a
recepção triunfal de Bush no Kuwait. Subitamente, Crocker deu-se conta do
problema e perguntou se, com toda a certeza, não pretendiam, certamente,
que ele questionasse os kuwaitianos sobre o relato? Clarke estava ciente de
que de acordo com as novas regras, um funcionário do Conselho de Segurança
Nacional não tinha permissão para pedir a um embaixador dos Estados
Unidos para fazer o que quer que fosse, e depois de conversar mais um pouco,
encerraram o telefonema.
Mas Crocker sabia ler nas entrelinhas. Segunda-feira havia um envelope
selado sobre a mesa de Clarke. Tal era sua relevância que não poderia ter
vindo da Sala da Situação, por via eletrônica. Crocker se pronunciava. Não
havia dúvidas – a polícia do Kuwait havia desmantelado um plano do Iraque
para assassinar o ex-presidente. Imediatamente, Clarke telefonou para o
Conselheiro de Segurança Nacional, Tony Lake, homem brilhante, com jeito
de professor universitário, de fala mansa e de óculos. “Saddam tentou matar
Bush”, disse Clarke.
Crocker assustara os kuwaitianos ao dizer-lhes que os Estados Unidos
já sabiam da trama. Assustou-os ainda mais quando exigiu que os Estados
Unidos tivessem acesso aos prisioneiros. Eram dezesseis ao todo, apenas
dois deles iraquianos. O plano de Saddam era frio e selvagem. Os iraquianos
haviam sido recrutados em Basra, recebido um Toyota Land Cruiser, e foram
introduzidos no Iraque graças a uma rede de contrabando de uísque. Uma
bomba fora instalada no carro, que deveria ser levado a um lugar próximo à
universidade da Cidade de Kuwait³. A bomba explodiria quando a carreata
de Bush passasse. Seu poder explosivo era suficiente para destruir quatro
quarteirões da cidade. Provavelmente teria dado certo, se não fosse o acaso. O
nervoso motorista do Land Cruiser se envolvera em um acidente de trânsito, a
polícia descobrira a bomba e começara a fazer prisões.
OS DILEMAS DA LIDERANÇA
5
Logo, equipes do FBI, da CIA e do Serviço Secreto estavam a caminho
do Kuwait. Imediatamente, Clinton exigiu duas investigações paralelas,
uma por organismos encarregados da aplicação da lei, outra pelo serviço de
inteligência dos Estados Unidos. Os membros da equipe dos Estados Unidos
não demonstravam o menor sinal de entusiasmo. Todos estavam cientes de que
Saddam era capaz da pior espécie de crueldades, uma criatura capaz de matar
o homem que o havia humilhado perante o mundo todo, entretanto, em uma
mostra surpreendente de inércia, sentiam estar perdendo tempo, procurando
chifres em cabeça de cavalo. A polícia secreta do Iraque agia furtivamente, de
modo ardiloso. Era muito provável, caçoavam os investigadores americanos,
que um Toyota Land Cruiser abarrotado de explosivos pudesse atravessar
impunemente a fronteira entre o Iraque e o Kuwait, e ainda encontrar vaga
para estacionar em um local próximo à rota da carreata do Presidente Bush. Era
um plano claramente absurdo. Era verdade que os kuwaitianos haviam obtido
confissões dos suspeitos, mas até que ponto seriam confiáveis, principalmente
por serem obtidas sob tortura ou coação?
Mas, à medida que os agentes dos Estados Unidos, conhecidos
como “espectros”, começaram a entrevistar suspeitos, sua atitude mudou
drasticamente. Ficaram atônitos e desconcertados diante do grau de detalhes
técnicos sobre a construção da bomba. Finalmente, depois de horas de
entrevistas minuciosas, os especialistas céticos foram levados para ver a
bomba, que examinaram cuidadosamente, como médicos que examinam um
paciente, até que não lhes restou a menor dúvida. A construção da bomba
trazia a mesma assinatura distintiva de outras bombas assassinas iraquianas
que haviam visto. Como disse o secretário de Estado, Warren Christopher:
“Era a evidência legal correspondente a um teste de DNA”4.
No dia 23 de junho, o Conselheiro para a Segurança Nacional, Lake, cuja
aparência desmente sua energia e percepção arguta, almoçou, como de costume às quartas-feiras, com o secretário da Defesa, Les Aspin, um ex-congressista
loquaz e desorganizado, e com o secretário de Estado, Christopher, lacônico
por temperamento. Lake telefonou para Clarke. Clarke e um elemento do
Departamento de Estado e outro do Departamento de Defesa deveriam
desenvolver um plano, uma lista de alvos de retaliação.
A pergunta crucial era: que curso de ação tomar diante da prova sólida
de uma ligação direta com o Iraque? Cabia a um Clinton alerta, de cenho
franzido, tomar a decisão. Os Estados Unidos deveriam esperar pelo veredito
das cortes kuwaitianas? Além de qualquer consideração, uma mensagem clara
de ameaça tinha de ser enviada para Saddam. A morte dos suspeitos na forca
representaria uma mensagem efetiva de dissuasão para Saddam? Ataques
aéreos certamente o seriam. Mas os Estados Unidos deveriam lançar ataques
unilateralmente ou tentar obter aprovação prévia do Conselho de Segurança
da ONU?
6
as guerras secretas de clinton
O secretário de Estado Christopher veio a desempenhar papel
proeminente no desenlace. Decidiu-se a atacar unilateralmente. Nas palavras
de Christopher: “Um complô para assassinar um ex-presidente era um ataque
à nossa nação”. A partir de uma lista de alvos organizada pela Junta de Chefes
das Forças Armadas e pela CIA, Christopher determinou que, em respeito
a questões legais, o ataque se limitaria a atingir uma instalação, o quartel-general da Mukhabarat, a polícia secreta iraquiana, no distrito de Al Mansur,
em Bagdá – um prédio situado no meio de outros alvos tentadores como o
quartel-general do Partido Baath, ao sul, a Divisão da Mukhabarat para buscas
secretas, M-19, ao norte, o quartel-general da Guarda Especial Republicana, ou
o quartel-general do Comando de Defesa Aérea e outros semelhantes. Aspin,
Lake e o imponente presidente da Junta de Chefes, general Colin Powell, logo
apareceram para informar Clinton. À medida que falavam, Clinton tomava
notas rápidas em um bloco, crivando seus assessores de perguntas: “Temos
certeza de que a evidência obriga à ação? É uma resposta verdadeiramente
proporcional? Como se pode minimizar o bombardeio de civis inocentes?”
Clinton havia pressionado Powell sobre a melhor hora para atacar. Christopher
já lhe havia dito que o ataque seria desfechado em um sábado à noite, para
reduzir as perdas ao mínimo. Finalmente, naquele momento ao final de tarde na
residência, Clinton, como sempre sem muita pressa, entrou no Quarto Lincoln
e abriu a reunião. Todos os pesos pesados estavam ali: Christopher, o vice-presidente Al Gore, sólido, imponente, ágil como um falcão, traços aquilinos,
além de Lake e Powell. Como presidente da Junta de Chefes caberia a Powell
conduzir a reunião secreta. Na época, Powell estava no ápice de seu prestígio
público, uma figura de renome extraordinário. Quer no Congresso, na Casa
Branca ou na imprensa, era visto como talvez o maior jogador de Washington,
sua habilidade política, conhecimento não ostensivo e eficiência, rivalizando
com as qualidades do próprio presidente e, até mesmo, ultrapassando-as.
Era comentário geral que fora principalmente sua firmeza como general
comandante o fator decisivo da assombrosa vitória americana na Guerra do
Golfo, mas, apesar disso, Powell não era homem beligerante. Nunca procurava
por uma luta. Quando se tratava de empregar a força militar, sua posição era
de argúcia plena de cautela, beirando as raias da timidez. O epíteto de “o
guerreiro relutante”, que lhe dera um repórter, agradava-lhe profundamente.
Ele havia servido no Vietnã e experimentado todo o amargor daquela guerra.
O que as vozes mais aguerridas no Pentágono e no Congresso viam como uma
vitória rápida e certa, praticamente um empurrão, Powell encarava como algo
possivelmente muito mais difícil, sangrento e doloroso – uma provação para
o espírito – do que se pensara inicialmente. Assim, nenhuma ação militar
deveria ser desencadeada levianamente. Generais marcham para a glória por
sobre longas fileiras de sepulturas na terra devastada. Era sua crença que, à
semelhança de Frederico, o Grande, em termos de relações exteriores, um
OS DILEMAS DA LIDERANÇA
7
país só deveria pôr-se em marcha após uma avaliação detalhada, trabalhosa e
minuciosa dos possíveis riscos e ganhos.
“Percebi um fio comum que atravessa a carreira de oficiais que não
passaram dos postos inferiores, embora fossem claramente capazes”, dizia.
“Lutaram contra o que achavam tolo ou irrelevante e, em consequência, não
sobreviveram para fazer o que consideravam vital”. Ele nunca se esquecia “de
dar ao rei o seu shilling 5”. Ele conciliava. Ele assentia. Ele avançava.6
Sua fama se baseava, principalmente, em sua Doutrina Powell. Se
uma guerra se tornasse necessária: “As coisas tinham que ser feitas direito”,
costumava dizer. “É preciso ser decisivo. Envolver-se massivamente. Agir
com sabedoria, de modo a ter o menor número possível de perdas humanas”.
Tudo isso parece extremamente sensato, mas é também um meio de apostar
nos dois lados. A doutrina fornece um alçapão de fuga, como observa um
analista. “Quando chega o dia de prestar contas, sempre se pode dizer:
‘Não nos envolvemos massivamente como deveríamos. Perdemos, porque
não entramos para ganhar’.” Powell cometera erros graves na guerra contra
o Iraque, mas que eram conhecidos e lamentados apenas nos corredores do
Pentágono. Poucos sabiam disso fora dali.
Agora, de pé diante dos pesos pesados de Clinton, Powell estava prestes
a “conduzir uma instrução em nível de pós-graduação para um calouro em
segurança nacional”, como viria a dizer mais tarde7. Nenhum dos presentes
jamais fizera serviço militar. Durante a campanha presidencial, viera a
público que Clinton fugira do recrutamento, e era culpado de empregar as
mais grosseiras mentiras para burlar o sistema e escapar ao serviço militar,
como era o caso de outras figuras públicas de destaque, como Dick Cheney, o
congressista de Wyoming, que fora secretário da Defesa durante a Tempestade
no Deserto. Assim, inicialmente, a combinação Powell-Clinton poderia ter-se
revelado constrangedora. Clinton não apenas se esquivara do recrutamento,
mas se opusera violentamente à Guerra no Vietnã. A ideia de que não se
tornara simplesmente o presidente, mas também o comandante-em-chefe
das forças armadas demorava a penetrar. No começo, o novo presidente não
sabia ainda como fazer a saudação militar. Quando chegava o momento, ele
apenas tocava disfarçadamente as pontas dos dedos na cabeça inclinada,
fazendo estremecer quem estivesse por perto. A questão fora discutida entre
os funcionários mais graduados da Casa Branca e finalmente, Tony Lake
foi escolhido para enfrentar o dragão. Lake não fizera o serviço militar, mas
estivera no Vietnã como oficial de Relações Exteriores e fora decidido que a
continência de Clinton deveria ser classificada como “assunto de segurança
nacional”. Depois da conversa particular, nova firmeza e vivacidade passaram
a fazer parte da continência de Clinton, e lá permaneceram.
Agora chegava a vez de Powell. O Pentágono já ruminara sobre alvos
possíveis e finalmente escolhera Bagdá. Quando Powell começou, ele era todo
8
as guerras secretas de clinton
cortesia e todo comando ao conduzir o presidente passo a passo pela proposta
de ataque aéreo contra Bagdá. As armas seriam mísseis cruise. Então, explicou
os possíveis resultados do ataque, o que poderia dar errado, possíveis reações
iraquianas, e as decisões que o presidente teria de tomar em cada estágio.
Clinton havia imposto apenas algumas limitações. Queria que as armas
atingissem Bagdá à meia-noite, para não caírem na sexta-feira, dia sagrado
dos muçulmanos. Evitar tanto quanto possível as perdas de vidas. Ao soar das
16h22min, horário de verão no leste, no dia 26 de junho de 1993, e às 12h22min
do dia 27 de junho, em Bagdá, mísseis cruise foram disparados de um destróier
e de um cruzador dos Estados Unidos, no Mar Vermelho, contra o quartel-general da inteligência de Saddam. Ao se elevarem no ar, deixando sulcos de
fumaça que se espalhavam, Clinton, com o telefone ao ouvido, estava sentado
à antiga escrivaninha feita com a madeira do navio de guerra Britânico HMS
Resolute, um presente da Rainha Victoria. Clinton já havia consultado seus
pares em países árabes vizinhos como Egito, Arábia Saudita e Kuwait, que o
haviam apoiado. Clinton telefonou então para George Bush. “Completamos
nossas investigações”, disse. “Foi claramente dirigido contra você. Ordenei um
ataque com mísseis”. Clinton encerrou o telefonema assegurando a Bush que
tudo fora feito para minimizar a perda de vidas.
“Você será julgado por acertar o alvo ou não”, dissera Warren Christopher
com rudeza típica. Era um homem lacônico de North Dakota que não escolhia
palavras, e ele tinha razão.
Durante o incidente, os olhos escrutinadores de Colin Powell
permaneceram presos a Clinton, avaliando se o novo presidente teria a frieza e
a resistência interior que o ataque demandava, observando o comportamento
do presidente, sua capacidade de concentração e de escolha, avaliando seu
controle sobre as emoções.
Por vezes, Clinton parecera balançar. Quando lhe disseram qual seria o
alvo, seu único comentário fora: “Bem, isso talvez lhe ensine uma lição, mas,
em caso contrário, teremos que fazer mais”.
À medida que a operação avançava e Clinton fazia telefonemas para
notificar líderes congressistas, Clarke entrou para dizer que os mísseis haviam
sido lançados. Ficou mudo quando Clinton perguntou: “Bem, quando é que
teremos as fotografias enviadas dos mísseis?” Clarke respondeu que os mísseis
não estavam equipados com câmeras, mas na manhã seguinte seria possível
conhecer a extensão da destruição, por satélites.
“Por que é que os mísseis não têm câmeras?” Perguntou Clinton um
pouco irritado.
Clarke explicou que se Washington pudesse comunicar-se com os mísseis,
estes poderiam sofrer interferência ou mesmo ser desviados.
Clinton estava atônito. “Não podemos nos comunicar com os mísseis? E
se eu quisesse fazê-los retornar?”8
OS DILEMAS DA LIDERANÇA
9
Clarke gaguejou atrapalhado: “Porque não pode... não há mecanismo
para isso”.
Mas Clinton deveria aparecer na televisão para dizer ao povo americano
que havia mandado explodir o quartel-general da inteligência de Saddam.
Ele precisava de provas. Clarke notificou Lake, que telefonou para o segundo
homem na CIA, Almirante William Studeman. Studeman disse que teriam de
esperar.
Nesse meio tempo, Clinton tinha telefonado para a CNN, por conta
própria. A rede não tinha ninguém em Bagdá, mas o cameraman da rede
no escritório da Jordânia “tinha um primo em Bagdá, que morava perto do
quartel-general da inteligência iraquiana”. Estupefação e horror tomaram
conta da sala, mas Clinton disse que a CNN conseguira entrar em contato com
o homem, e repetiu o que este dissera: “O lugar todo foi pelos ares”. Assim,
Clinton estava suficientemente seguro dos resultados para fazer seu discurso
na televisão.
A CNN confirmou que vinte e três mísseis haviam caído e explodido no
quartel-general da polícia secreta, deserto àquela hora da noite. Infelizmente,
um dos mísseis, fora do curso, causara a morte de Leilah Attar, a maior artista
do Iraque.
Powell ficou impressionado o tempo todo e disse mais tarde que percebera
que Clinton “tinha permanecido frio e resoluto”9.
Poucos ficaram impressionados no Pentágono. Para membros do
Departamento da Defesa o ataque confirmava seus piores pressentimentos
e suspeitas desdenhosas. Disse-me um deles que ataques militares “não
deveriam ser apenas um gesto”. “O poder militar deriva do poder de ferir
em larga escala”. Ataques se destinam a matar e aleijar, destruir e arrasar. O
objetivo era chegar rapidamente até o inimigo a fim de atingi-lo e causar-lhe dor profunda e incapacitante. Clinton, com efeito, respondera, mas o
que fora alcançado com isso? Matar um vigia noturno no quartel-general
da inteligência de Saddam? Para provar o quê? Que Saddam poderia se
transformar em alvo? Após a destruição de praticamente a maior parte de
Bagdá por assaltos aéreos durante mil horas, em 1991, Saddam certamente
sabia que era um alvo vulnerável. “Era como observar uma menina atirar uma
bola”, disse-me um desolado ex-funcionário sênior do Pentágono a respeito da
operação. O fato era que a eleição de Clinton deixara seus críticos militares no
Pentágono genuinamente alarmados. A retaliação de Clinton no Iraque não
fora um começo auspicioso para homens que pertenciam a uma cultura do
“fazer acontecer”, cujo objetivo principal é explodir edifícios e matar pessoas.
Para eles, quando se golpeia um inimigo, a intenção é usar força demolidora.
Mas as lamentações do Pentágono desprezaram um fato de importância
capital: Saddam Hussein nunca mais tentou ataques terroristas contra
qualquer americano, onde quer que fosse.
2
PRESIDENTE PARA TODO O POVO
Ninguém assumiu o cargo de Presidente dos Estados Unidos com potencial
de realizações tão significativo como William Jefferson Clinton. O primeiro
democrata eleito em doze anos, sua vitória sobre o então Presidente George
H.W. Bush foi um abalo avassalador, mesmo para seus partidários mais
fervorosos.
A emergência de Clinton como presidente eleito parecia ter-se
materializado do nada, mas a verdade é que o cerne de sua vida adulta fora
dedicado à política. São raras as pessoas que cedo percebem seu destino.
Clinton é uma delas. Desde cedo, formara uma imagem romântica de si
mesmo e do que viria a ser; já na adolescência se imaginava destinado a coisas
excepcionais. É comum aos jovens acalentar esses sonhos, mas é extraordinário o sonhador que não os deixa expirar. Em 1968, aos vinte e dois anos,
Clinton confidenciou a amigos que desejava vir a ser presidente da república,
e não estava enganado. No final, viria a conquistar a presidência não uma, mas
duas vezes, e ocuparia sozinho o pináculo preeminente que escolhera galgar
muito cedo na vida.
Clinton era o animal político total, armado com um vasto arsenal de
talentos e habilidades. Para Clinton, a política era a expressão última de
suas características pessoais inatas mais persistentes. Tudo o que fazia se
direcionava à política e tinha o objetivo de promover sua carreira. Para ele,
política e políticas estavam intimamente interligadas, pois a política é o único
meio de transformar o idealismo e a filosofia em medidas que ajudam o homem
comum a carregar os fardos da vida. Se for possível dizer que Clinton tinha
Presidente para todo o povo
11
um credo político, seria sua crença inabalável na política como instrumento
primordial para a melhoria do homem.
Em seu adversário político, o então Presidente George H. W. Bush,
Clinton enfrentara um oponente que parecia firmemente entrincheirado e
invulnerável. Afinal, Bush vencera a Guerra do Golfo naquele mesmo ano, o
maior conflito armado desde a Segunda Guerra Mundial, e enfrentara com
firmeza magistral situações de extrema gravidade como a reunificação da
Alemanha, a queda da União Soviética e o redirecionamento para o Ocidente
dos países do chamado “Bloco Oriental”, hoje conhecido apenas como Europa
Central.
Em suma, George Bush era homem que não apenas sabia o que estava
fazendo, mas sabia fazer com que os outros acreditassem nisso. Contra a
figura popular e gigantesca de Bush, poucos apostariam em um jovem joão-ninguém do Arkansas. Entretanto, os céticos haviam subestimado os talentos
do novato.
Talvez, o dom mais importante de Clinton fosse o seu temperamento.
Como o grande Walter Bagehot dizia de Lord Palmerston, Clinton tinha em
si “tudo o que o homem comum tem”, mas algo a mais. Parecia inspirado por
um espírito maior e, como FDR (Franklin Delano Roosevelt), sua habilidade
de ler personalidades era simplesmente fantástica. Um de seus conselheiros,
Leon Panetta, rapidamente percebeu isso. Clinton, dizia ele, “pode entrar
em qualquer grupo, em qualquer lugar, a qualquer momento. E seja qual for
a natureza dessas antenas mágicas, que percebem o que a plateia pretende,
quem são, se conservadores ou liberais, ou isso ou aquilo – ele consegue
valer-se dessa percepção, falar à vontade com as pessoas, e colocar a plateia
no bolso”¹.
Clinton era capaz de fazer do simplesmente cerimonial algo muito
pessoal. Samuel Rosenberg, que escrevia os discursos de FDR (Franklin
Delano Roosevelt), certa vez escreveu a respeito de Roosevelt: “Ele consegue
fazer crer a um visitante eventual que estivera o dia todo à espera de sua
chegada. Somente alguém que realmente ama os seres humanos poderia dar
essa impressão”². Como FDR (Franklin Delano Roosevelt), Clinton sabia por
instinto que o povo quer líderes de pés no chão, capazes de tocar-lhe o coração,
e sua habilidade para encontrar a melhor abordagem, emocionalmente
correta, perceptiva e sincera, era insuperável.
Durante a primeira campanha, estava apertando mãos em uma fila,
quando se deparou com um casal com uma criança deficiente. Como era de
esperar, deu atenção especial primeiro para a criança, mas depois virou-se, e
olhou diretamente para o irmão do menino. “Teus pais têm uma carga pesada,
você sabe disso”, disse. “Mas nunca esqueça que eles te amam com a mesma
intensidade”.
Sua habilidade oral era soberba e decisiva. O espetáculo culminante
desse dom foi posto em exibição quando o Conselho da Liderança Democrata
12
as guerras secretas de clinton
apareceu com um punhado de pretendentes que incluía Jay Rockefeller, Al
Gore e Richard Gephardt. Clinton não tinha nenhum texto preparado, mas
começou a falar sobre os problemas da “esquecida” classe média americana
e perguntou: “Por que é que os democratas não conseguiram tirar vantagem
dessas condições?”
“Vou dizer-lhes o porquê. Porque tantas dessas pessoas que precisam
votar em nós, a mesma classe média sobrecarregada de que estamos falando,
não confiou em nós em eleições nacionais para defender nossos interesses no
estrangeiro, ou para gastar o dinheiro de seus impostos com disciplina”.
E continuou: “O nosso encargo é dar ao povo uma nova escolha, com
raízes em valores tradicionais, uma escolha simples, que ofereça oportunidade,
exija responsabilidade, dê aos cidadãos o direito de manifestar-se, e lhes
proporcione um governo que lhes dê respostas – tudo porque reconhecemos
que formamos uma comunidade”.
“Estamos todos juntos nisso, e vamos subir ou afundar juntos”³. Era algo
que FDR (Franklin Delano Roosevelt) poderia ter dito.
No conjunto, a campanha de 1992 foi curiosa. Clinton detestava
antagonizar, e suas declarações se destinavam a obter o apoio de uma grande
diversidade de pessoas. Em consequência, falou-se muito de aumento de
emprego, proteção de emprego, reforma da previdência, estímulo econômico
e programas de saúde, mas muitos se perguntavam que programa concreto
estava realmente sendo oferecido? Para os oponentes, tratava-se simplesmente de um sortimento de propostas, algumas bem concebidas, outras vagas,
se não completamente inúteis. Clinton se saía melhor em criticar as políticas
de seu predecessor do que em proclamar políticas próprias, novas e concretas.
Mas fazer campanha não é governar. Ganhar a Casa Branca é uma
coisa; reunir um grupo de governo efetivo é outra muito diferente. Bill
Clinton assumiu o cargo com os índices negativos mais elevados de qualquer
presidente nos tempos modernos, e nenhum outro mancharia sua vitória com
tantos tropeços deploráveis nos primeiros meses no governo. A preocupação
do coordenador da vitoriosa campanha de Clinton, Mickey Kantor, advogado
de 53 anos que trabalhara para eleger Clinton desde 1987, era assegurar que o
novo grupo agisse e tomasse decisões importantes dentro dos primeiros cem
dias, a tradicional trégua pós-eleitoral, quando Clinton estaria livre, com sorte,
da maldição da oposição organizada contra seus objetivos. A questão mais
imediata e importante, na esteira do triunfo, era quem estaria no comando da
transição. Para Kantor, importava apenas a rapidez. O período de transição
deveria ser explorado com a maior energia possível e Kantor pressionava
apaixonadamente para que isso acontecesse.
As campanhas de Clinton tinham sido atordoantes como ciclones, e ele
visitara mais cidades do que qualquer dos presidentes anteriores, na corrida
para a Casa Branca. O problema era que despendera energia em excesso e
quando assumiu a presidência estava sem voz e sem um pingo de energia.
Presidente para todo o povo
13
Quando o importuno Kantor continuou a insistir que se tomassem passos
decisivos, a esposa de Clinton, Hillary, rebelou-se abertamente, com rudeza.
Henry Cisneros, o hispânico que seria em breve o novo secretário de Habitação
e Desenvolvimento Urbano, estava na reunião em que, quando Kantor exortava
Bill Clinton a agir com presteza, a expressão da primeira-dama tornou-se dura
e inflexível, e seu olhar fixo e frio. “Não faça isso!”, disse em voz seca. “Você
não vai forçá-lo a nada! Veja como ele está exausto! Nós não seremos forçados!
Portanto afaste-se!”
O tom mortífero do imperioso “nós” gelou o sangue dos presentes. É
sabido que a escolha mais importante no início de um governo é a do chefe
de pessoal da Casa Branca. A Casa Branca é o motor do poder político do
país e, para governar com eficiência, um presidente necessita de uma clara
estrutura de pessoal e de subordinados competentes. Com a saída forçada de
Kantor, Clinton mostrou inclinação, inicialmente, por Warren Christopher,
para assumir o lugar. Aos 67 anos, 21 a mais do que o presidente, advogado
de profissão, Christopher era um cavalo de arado, altamente disciplinado,
exteriormente modesto e quase irritante em sua meticulosidade, mas longe
de ser um condutor preocupado e furioso. De fato, faltava-lhe energia e
quando possível, fugia de confrontos. Leon Panetta, novo membro da equipe
econômica descreve Christopher como “um facilitador, alguém que tenta
trabalhar com você e sentir o que você está pensando para pôr em prática, mas
não é de seu estofo dizer: ‘Olhe aqui, seu filho de uma cadela, faça isso de uma
vez!’”.
Christopher, cujos talentos não ultrapassavam os de um auxiliar, não
era homem de alarmar seu presidente, que então escolheu para o cargo o
candidato mais maleável ao invés do mais capaz.
Assim, embora a expectativa fosse de que a administração estivesse
pronta para enfrentar com energia seus primeiros programas, a Casa Branca
viu-se forçada a trabalhar com a desvantagem de não ter um chefe de pessoal
competente.
Depois de muitas hábeis manobras de última hora, Clinton finalmente
transferiu Christopher de chefe de pessoal (da Casa Civil) para secretário de
Estado, possivelmente o cargo mais importante em seu gabinete, e para chefe
de pessoal o presidente convocou um velho amigo dos tempos de jardim da
infância em Arkansas, Tom “Mac” McLarty, conhecido como “Mac o Gentil”.
McLarty nunca chegou a dominar as complexidades do posto e finalmente foi
substituído pelo enérgico e organizado Leon Panetta. Talvez o aspecto mais
infeliz do episódio de nomeações erradas tenha sido deixar de lado muitos
democratas veteranos e experientes, relegados aos bastidores – homens como
Richard Holbrooke e Tom Donilon, diplomatas altamente experientes.
Para muitos, o próprio estilo de liderança de Clinton era de uma informalidade
exasperante e avoada, que parecia alimentar o caos que reinava na Casa Branca.
14
as guerras secretas de clinton
O jovem presidente não gostava de usar sua autoridade de executivo para
impor decisões, preferindo tentar primeiramente estabelecer uma espécie de
consenso. Havia, na personalidade de Clinton, um traço que se inclinava para
a acomodação e conciliação, resultante, a meu ver, de um ambiente doméstico
dominado por um padrasto violento e alcoólatra, em que a ameaça de castigos
físicos estava sempre rondando por perto. A infância de Clinton fora um
pequeno e horrível inferno particular, de profunda dor não partilhada, o que
o levara à compulsão de evitar conflitos violentos. O principal especialista
sobre a Rússia na administração, Strobe Talbott, observou que sempre que
negociava com um representante estrangeiro, Clinton abria a discussão
dizendo: “Concordo com isso, concordo com isso”, quer de fato concordasse
ou não com a afirmativa do dignitário.
Quaisquer que sejam as causas, o comportamento inicial do gabinete
de Clinton foi desfocado, desorganizado, contraditório e de caráter
vergonhosamente amador. Presente à reunião inicial dos especialistas em
política externa, de onde logo sairia como presidente da Junta de Comandantes,
o general Colin Powell ficou consternado com o estilo de fraternidade
estudantil, informal, descontraído e lento da administração.
Em uma de suas primeiras reuniões na Casa Branca, Powell encontrava-se em uma sala com os elementos da cúpula quando percebeu que nem o vice-presidente Gore e nem o presidente haviam chegado. Powell, à semelhança
dos funcionários internos, estava começando a aprender que o presidente
tinha dificuldade em obedecer a horários planejados e chegava quase sempre
atrasado a todos os lugares. Atraso, naturalmente, é um aborrecimento menor.
O que preocupava Powel era a falta de propósito objetivo ou de qualquer senso
de eficiência do corpo de assistentes ali congregados. Enquanto esperavam por
Clinton, o Conselheiro de Segurança Nacional, Tony Lake, ocupou o assento
do dirigente, mas não assumiu a liderança. O secretário da Defesa, Les Aspin,
também nada propôs, e o idoso Christopher estava habituado a esperar para
ver qual seria o plano de ação, ao invés de tomar a iniciativa de iniciar sua
formulação.
Quando o vice-presidente Gore finalmente apareceu, os participantes
sentados à mesa tiveram de levantar-se e movimentar-se, para fazer lugar e,
no momento em que Clinton entrou, haviam providenciado um lugar para ele.
Entretanto, mesmo depois que Clinton finalmente se sentou, Powell achou o
ambiente desconcertante. Estava acostumado com secretários de Estado como
George Shultz e James Baker que, em tais reuniões, eram exemplos de cortesia,
objetividade e comando. Nas palavras de Powell, entravam como “grandes
chefes” e rapidamente passavam a fatos sólidos e concretos. Em contraste, a
reunião atual parecia uma discussão em um laboratório de ideias, inconclusiva
e sem rumo. Powell diria mais tarde que essas reuniões eram como “grupos
de discussão de estudantes de pós-graduação”. A informalidade estava tão
Presidente para todo o povo
15
arraigada que não havia qualquer senso de hierarquia – auxiliares podiam dar
palpite, com perda de tempo, e Powell ficou positivamente chocado quando
um subordinado de Lake discutiu com o chefe na frente de todos.
Contudo, Powell não estava cego para os talentos de Clinton. O general
apreciava o brilho incandescente, a franqueza repousante, e a profundidade
de conhecimento que Clinton trazia para essas reuniões, porque o presidente
tinha a capacidade de “pôr em perspectiva história, política e planos de ação”.
Mas Clinton não exigia concentração e permitia que a conversa se
desviasse, desarticulada, para onde quisessem. Geralmente, o grupo chegava
ao que lhe parecia um bom plano, virava e desvirava a ideia, decidia transferir
para uma próxima sessão e, daí, pensando melhor, percebia que o plano não
era lá tão bom e começava do zero na sessão seguinte.
A Casa Branca estava à deriva.