O TEMA ORIGEM DA VIDA NO ENSINO MÉDIO
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O TEMA ORIGEM DA VIDA NO ENSINO MÉDIO
O TEMA ORIGEM DA VIDA NO ENSINO MÉDIO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DA CIÊNCIA ATRAVÉS DE CONVITES AO RACIOCÍNIO Carlos Vinícius Carvalho do Nascimento (Professor de Educação Básica/SEE-PB) Marsílvio Gonçalves Pereira (Departamento de Metodologia da Educação/CE/ UFPB; PPGEFHC/UFBA) Introdução Temos assistido, nos últimos anos, a um debate sobre os diversos aspectos que constituem o que se compreende por ciência (PORTOCARRERO, 1994), logo, conhecer suas diversas dimensões, como elas interagem entre si e a influência que têm na evolução do conhecimento científico é essencial para uma compreensão complexa da natureza da ciência (NdC) e uma melhor alfabetização científica (OSBORNE, 2000; GALVÃO; REIS; FREIRE, 2011). Desta forma, a inclusão da História e Filosofia da Ciência no currículo de ciências é considerada fundamental para que os estudantes compreendam os conceitos, processos e contextos da ciência (WANG; MARSH, 2002), tenham concepções adequadas acerca da sua natureza e, consequentemente, atitudes positivas em relação à ela (HÖTTECKE; SILVA, 2011; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012). Abordagens metodológicas estruturadas na forma de “convites ao raciocínio” podem ser utilizadas numa perspectiva histórica, visando melhorar as concepções dos estudantes acerca da NdC. Segundo Krasilchik (2004), “convites ao raciocínio” são unidades didáticas na forma de discussão, com o objetivo de fazer o estudante participar intelectualmente de atividades de investigação, tendo como finalidade mostrar, passo-a-passo, os diferentes tipos de processos que ocorrem na investigação biológica e fazer com que o estudante participe de descobertas científicas numa atividade que exige imaginação e capacidade de raciocínio. Este trabalho trata-se de um relato de experiência do uso de uma abordagem metodológica explícita da NdC, estruturada na forma de “convites ao raciocínio”, sobre o tema Origem da Vida, realizada durante o Estágio Supervisionado de Docência – Prática de Ensino de Biologia na Escola de Ensino Médio. Metodologia O trabalho foi realizado em uma turma de 1º ano médio de uma escola pública de João Pessoa-PB durante o Estágio Supervisionado de Docência – Prática de Ensino de Biologia na Escola de Ensino Médio. A proposta pedagógica baseou-se em “convites ao raciocínio”, para o conteúdo “Origem da vida: abiogênese versus biogênese”, em que os alunos eram estimulados a levantar hipóteses, propor experimentos e chegar a conclusões, ao mesmo tempo em que tinham contato com elementos da NdC, numa abordagem explícita da NdC (ABD-EL-KHALICK; LEDERMAN, 2000). A abordagem teve uma duração de duas aulas, com 12 alunos presentes (faixa etária de 14 a 17 anos), nove do sexo feminino e três do sexo masculino. A unidade didática foi conduzida em 4 etapas: A primeira etapa consistiu no levantamento das concepções prévias dos estudantes acerca da origem da vida, com questionamentos tais como: “Caso deixemos um pedaço de carne exposto, com o tempo vão aparecer moscas. Como elas surgem?” e “Quando o pão começa a ficar velho, aparecem fungos sobre ele. Como surgem estes fungos?”. Na segunda etapa foi apresentada a receita para gerar ratos elaborada por Van Helmont, no século XVII, que dizia: “[...] colocam-se num canto sossegado e pouco iluminado camisas sujas. Sobre elas espalham-se grãos de trigo, e o resultado será que, em 21 dias, surgirão ratos [...]”. Em seguida os estudantes foram estimulados a refletir criticamente sobre a receita, inferir hipóteses e idealizar verbalmente experimentos para testar tais hipóteses. Numa terceira etapa, foi retomada a discussão sobre como surgem moscas na carne em putrefação. Mais uma vez os estudantes foram estimulados a levantar hipóteses e propor experimentos. Foi também apresentado o experimento realizado por Francesco Redi, no século XVII, em que foi colocado pedaços de carne crua dentro de frascos abertos ou tampados com gaze. Os estudantes foram então encorajados a interpretar os resultados de tal experimento. A quarta etapa foi centrada na discussão sobre como bactérias surgem em um caldo nutritivo. Primeiramente foi explicado aos estudantes do que se trata um caldo nutritivo e como o crescimento bacteriano pode ser constatado macroscopicamente. Os estudantes foram incitados a levantar hipóteses e idealizar experimentos. Ao longo desta etapa também foram apresentados os experimentos realizados por John Turberville Needham e Lazzaro Spallanzani (séc. XVIII) e por Louis Pasteur (séc. XIX). À medida que cada um destes experimentos era apresentado, os estudantes eram motivados a refletir criticamente sobre os mesmos, levantar hipóteses e propor experimentos. Resultados No início da unidade, verificou-se que a maioria dos estudantes tinham ideias ligadas à geração espontânea para explicar a origem de seres vivos microscópicos, mas não de seres macroscópicos, tais como moscas e ratos. Quando foi apresentada a receita para gerar ratos de Van Helmont, a maioria dos estudantes expressaram espanto, como no caso da estudante 1, que afirmou: “Mas professor, esse cara era maluco! Dizer que os grãos de trigo vão formar ratos [...]”. Esta afirmação revela uma dificuldade entre os estudantes para entender o contexto em que esta receita foi escrita. Ademais, no momento em que os estudantes foram motivados a idealizar experimentos para testar as hipóteses por eles levantadas, alguns propuseram utilizar câmeras de filmagem para verificar se os ratos viriam de outro local. O estagiário então pediu para que os estudantes se inserissem na época de Van Helmont e propusessem experimentos utilizando a tecnologia que ele tinha no século XVII. Surgiram algumas propostas tais como o uso de caixas ou gaiolas onde seriam colocadas uma camisa suja e grãos de trigo. Na terceira etapa, quando os alunos foram estimulados a idealizar experimentos para testar suas hipóteses sobre a origem das moscas na carne em putrefação, a estudante 8 já havia estudado sobre o experimento de Francesco Redi a respeito deste fenômeno. O estagiário pediu que ela o explicasse para a turma e desenhou um esquema do experimento no quadro. Em seguida, pediu-se para que os estudantes tirassem conclusões a partir dos resultados. No que se refere à quarta etapa, os estudantes foram questionados se os microrganismos se originam a partir da biogênese ou abiogênese, mais uma vez constatou-se que a maioria deles utilizava a segunda teoria para explicar a origem destes seres vivos. Nesta etapa os estudantes tiveram maior dificuldade para idealizar experimentos. Quando o estagiário introduziu o experimento realizado por Needham, em que foi verificado o crescimento bacteriano em frascos contendo caldos nutritivos após aquecimento, e fez alguns questionamentos sobre o mesmo, os estudantes propuseram duas alterações para realização de um novo experimento: 1) fornecer um aquecimento mais prolongado no caldo, trabalhando com a hipótese de que tenha sobrevivido alguma bactéria ao aquecimento no tempo fornecido por Needham; e 2) utilizar uma tampa que vedasse bem os frascos, trabalhando com a hipótese de que tivesse entrado alguma bactéria através do ar. Quando foi apresentado o experimento realizado por Pasteur no século XIX, os alunos não conseguiram interpretar os resultados de tal experimento, entretanto, conseguiram explicá-los após a interpretação pelo estagiário. Considerações Finais A abordagem histórica da ciência baseada em “convites ao raciocínio” relatada neste trabalho pode ser utilizada por professores de biologia no conteúdo origem da vida, o qual é geralmente ministrado como uma mera descrição de fatos históricos. A abordagem aqui utilizada explicita o quão é importante a contextualização do conteúdo curricular de biologia por meio do uso da História da Ciência. A mesma pode contribuir para que o aluno perceba que vários problemas estão na origem do conhecimento científico e que sua construção é um processo histórico. Também é necessário destacar a importância da articulação estágio-pesquisa, que possibilitou autonomia e reflexão crítica do estagiário como sujeito investigador-reflexivo de sua própria prática. Segundo Oliveira e Gonzaga (2012), faz-se necessário repensar o trabalho pedagógico do professor, e uma das oportunidades é problematizar o ensino articulado com a pesquisa em processos de formação de professores. Referências ABD-EL-KHALICK, F.; LEDERMAN, N.G. The influence of history of science courses on students’ views of nature of science. Journal of Research in Science Teaching, v.37, n.10, p.1057-1095, 2000. ADÚRIZ-BRAVO, A. Una introducción a la naturaleza de la ciência: la epistemología en la enseñanza de las ciencias naturales. Buenos Aires: Fondo Cultural Económico, S.A., 2005. FORATO, T.C.M.; MARTINS, R.A.; PIETROCOLA, M. History and nature of science in high school: building up parameters to guide educational materials and strategies. Science and Education, v.21, p.657-682, 2012. GALVÃO, C.; REIS, P.; FREIRE, S. A discussão de controvérsias sociocientíficas na formação de professores. Ciência e Educação, v.17, n.3, p.505-522, 2011. HÖTTECKE, D.; SILVA, C.C. Why implementing history and philosophy in school science education is a challenge: an analysis of obstacles. Science and Education, v.20, p.293-316, 2011. KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. 4.ed. São Paulo: Edusp, 2004. OLIVEIRA, C.B.; GONZAGA, A.M. Professor pesquisador-educação científica: o estágio com pesquisa na formação de professores para os anos iniciais. Ciência e Educação, v.18, n.3, p.689-702, 2012. OSBORNE, J. Science for citizenship. In: MONK, M.; OSBORNE, J. Good practice in science teaching. Buckingham: Open University Press, 2000. p.225-240. PORTOCARRERO, V. Introdução: Panorama do debate acerca das ciências. In: PORTOCARRERO, V. Filosofia, história e sociologia das ciências I: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994. p.17-21. WANG, H.; MARSH, D. Science instruction with a humanistic twist: teacher´s perception and the practice in using the history of science in their classrooms. Science and Education, v.11, p.169-189, 2002.