Sūtra Laṅkâvatāra (Dàshèng rù lèngqié jīng) Sutra Laṅkâvatāra

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Sūtra Laṅkâvatāra (Dàshèng rù lèngqié jīng) Sutra Laṅkâvatāra
T0672_.16.0587b11
Sūtra Laṅkâvatāra (Dàshèng rù lèngqié jīng)
0587b12
No grande reino de Khotan, o Mestre no Tripiṭaka Śikṣānanda respeitosamente traduziu [este
sutra do sânscrito para o chinês] de acordo com o edito imperial.
Capítulo VIII traduzido do chinês clássico para o português pelo Upāsaka Pundarikakarna em novembro de 2015.
(...)
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Sutra Laṅkâvatāra - Fascículo 6
Capítulo VIII – Elimine o hábito de comer carne definitivamente!
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Naquele momento, o Bodhisattva-Mahāsattva1 Grande Sabedoria2 dirigiu-se ao Buda dizendo,
“Honrado do Mundo, gostaria que me fosse explicado sobre os méritos e atributos daquele
que abandona o hábito de comer carne. Gostaria que aqui ficasse registrado para os
bodhisattvas-mahāsattvas do presente e do futuro, a retribuição que segue impregnando tal
hábito de comer a carne de outros seres. Poderia nos falar sobre esse assunto? Pois,
abandonar a busca pelo sabor da carne e buscar o sabor do Dharma em favor de todos os
seres vivos é [o significado do conceito de] Grande Compaixão. Mantendo em mente a ideia de
semelhança e o sentimento de proximidade como se [os outros seres vivos] fossem seu filho
único, o bodhisattva está encaminhado rumo à Iluminação Perfeita e Insuperável. Mesmo
aqueles estabelecidos nos dois veículos3, em dado momento, alcançarão o repouso mental
atingindo a Iluminação Perfeita e Incomparável.
“Honrado do Mundo, mesmo os lokāyatikas4 e tantos outros não-budistas, que sustentam
pontos de vista errôneos sobre a existência, como o eternalismo e o niilismo, acabam tendo
como regra [o ato de] não alimentar-se com carne, quanto mais exemplo então deve dar um
Tathāgata5, digno de honra, perfeitamente iluminado! A prática da Grande Compaixão
relacionada com o hábito de não se comer carne se estende ao mundo inteiro e a todos que
nele habitam. Isso não é excelente? O Honrado do Mundo é dotado da Grande Compaixão e
do sentimento de bondade para com todos na face da terra, contemplando com igualdade aos
seres fenomênicos, como se fossem um filho único. Gostaria que explicasse sobre os malefícios
e o demérito causados pela alimentação com carne de forma que eu e outros bodhisattvas do
futuro, ouvindo, aceitemos tais palavras e possamos ensinar a outros mais.
1
Aspirante a Buda, encaminhado à Iluminação que confia no Grande Veículo (mahāyāna) .
大慧 dàhuì, sct. Mahāmati.
3
Śrāvakas (discípulos) e pratyekabuddhas (praticantes solitários).
4
路迦耶 lùjiāyé, transliteração do termo sânscrito que pode ser interpretado como materialistas ou
hedonistas.
5
Um dos epítetos do Buda.
2
1
O Bodhisattva Grande Sabedoria então reiterou [seu pedido] com versos dizendo,
“O bodhisattva-mahāsattva
Que busca a insuperável Iluminação
Não toma parte no consumo
De carne e bebidas alcóolicas
“Apenas no estúpido se encontra o desejo por carne
Pois é algo estulto e infame.
Qual outra forma pode haver para comê-la
Que não implique em agir como um animal selvagem?
“Aquele que se alimenta de carne cria causas de pesar e remorso,
Mas aquele que não se alimenta de carne cria causas de méritos.
Gostaria então que o Mais Honrado
Me agraciasse com sua explicação.”
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Naquele momento o Buda dirigiu-se ao bodhisattva-mahāsattva Grande Sabedoria e disse,
“Grande Sabedoria, ouça com cuidadosa atenção para que [depois] você possa refletir [sobre o
assunto], pois eu te explicarei em detalhes. Grande Sabedoria, a carne é a origem de
incontáveis causas, por isso o bodhisattva, fazendo surgir a compaixão, não se envolve no ato
de devorar os seres. Mas isso foi apenas uma abordagem simplificada inicial.
“Grande Sabedoria, todos os seres fenomênicos estão em meio a uma roda de nascimentos
que gira desde um tempo sem início e que nunca para. Não existe nesse processo alguém que
se manifeste sem ter um pai e uma mãe, irmãos, irmãs e familiares. [Tal criatura] há de sentir
afeto por outro ser, mesmo que tenha surgido como um pássaro ou qualquer outro animal.
Por que, [sabendo disso], procurá-los por comida? Grande Sabedoria, o bodhisattvamahāsattva observa a todos os seres fenomênicos como se fossem ele próprio. Estando
consciente de que toda carne era de um ser que vivia, por que [sabendo disso,] procurá-los por
comida?
“Grande Sabedoria, muitos rākṣasas6, ao ouvir essa minha explicação, abstêm-se de comer
carne, como deve ser então a conduta daquele homem que diz se deleitar no Dharma7?
Grande Sabedoria, o bodhisattva-mahāsattva mantém em mente a concepção de que todos os
seres fenomênicos são membros de sua família, observando-os como se fossem seu filho único
e assim não se envolve em nenhum nível no ato de devorar carnes. Grande Sabedoria, muitos
homens vendem carne pelas esquinas da cidade. Alguns oferecem carne de cão, outros de
cavalo, outros de boi, dentre tantos outros tipos de carne. Fazem isso pensando apenas nos
lucros [e não pensam no mal que causam]. Sendo [essa ação] permeada de tanta imoralidade,
por que [sabendo disso,] procurá-los por comida?
6
7
Tipo de demônio comedor de carne.
Lit. ensinamento.
2
“Grande Sabedoria, toda carne está contaminada por sêmen [de um pai] e sangue
[proveniente do útero de uma mãe], mas nós buscamos alcançar uma vida de pureza. Por que
[sabendo disso,] procurá-la por comida? Grande Sabedoria, o homem que come carne é
responsável pelo terror ao qual outros seres foram submetidos, mas nós buscamos uma mente
embelezada com a bondade. Por que [sabendo disso,] procurar carne por comida?
“Grande Sabedoria, tome como exemplo um caṇḍāla8 caçador que com redes e armadilhas
captura peixes e pássaros, dentre tantas outras maldades. Os cães o veem e latem assustados,
outros animais fogem em disparada de onde estiverem, pelo ar ou pela água. Todos os seres
veem nele não um ser humano, mas um rākṣasa [e pensam], 'Ele veio aqui para nos matar!
Vamos fugir e salvar nossas vidas!' Por ser assim que ocorre, deve-se abandonar o hábito de
comer carne. Portanto, o bodhisattva que se esforça em cultivar a compaixão não se envolve
no ato de comer carne.
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“Grande Sabedoria, a estultícia e a má reputação do homem que come carne se alastram por
todo lugar [que ele vai]. Sendo o bodhisattva bom, sábio e inteligente, não se envolve no ato
de comer carne. Grande Sabedoria, a alimentação envolvendo carne e sangue é rejeitada por
um grande número de sábios. Sendo assim, o bodhisattva também não se dedica a comer
carne. Grande Sabedoria, um bodhisattva guarda e protege os seres, fazendo surgir neles um
coração capaz de confiar. Compreendendo o ensino de Buda, ele se nega a maltratá-los e
devido a sua compaixão ele não se envolve no ato de comer carne.
“Grande Sabedoria, se meus discípulos comerem carne, eles serão motivo de toda sorte de
piadas entre as pessoas mundanas que dirão, 'É esse o asceta que cultiva práticas da pureza? É
esse o divino renunciante que abandonou o apego à forma e ao sabor dos alimentos? Ele age
feito uma besta selvagem enchendo o estômago de carne, perambula pelo mundo sendo
responsável pelo terror e angústia de tantos seres! Ele apodrece as práticas da pureza, se
desvia do caminho da renúncia, por acaso não sabe ele que o ensino de Buda preza pelo
autocontrole?' O bodhisattva, compassivamente guarda e protege aos seres [também] para
evitar esse tipo de má impressão. Por isso não se envolva no ato de comer carne.
"Grande Sabedoria, se você cozinhar carne humana ou se cozinhar qualquer outro tipo de
carne, o infame odor exalado será exatamente o mesmo. Por que então comê-la? Entendendo
isso, não a coma. A verdadeira alegria nunca estará associada com alimentar-se de carne.
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“Grande Sabedoria, muitos bons homens e mulheres [afastados das preocupações mundanas],
vivendo [retirados] nas proximidades de catacumbas, ou sob as árvores das florestas 9, se
empenham na prática da quietude. Alguns desenvolvem a mente compassiva, outros se
dedicam à técnica dos mantras. Alguns buscam a liberação [através do nirvāṇa], outros guiamse na direção do Grande Veículo. Caso se permitam comer carne, todos eles encontrarão
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旃陀羅 zhāntuóluó, transliteração da palavra sânscrita para um sem casta, uma pessoa inferior.
Locais para onde os monges se retiravam para meditar na época do Buda.
3
muitos obstáculos e todo tipo de impedimentos [nesses objetivos]. Portanto, um bodhisattva,
que anseia completar suas práticas por si mesmo e também pelo bem de outros não se
envolve no ato de comer carne.
“Grande Sabedoria, a pessoa que come carne, iludido por aquela aparência [de alimento
agradável], faz surgir em seu coração um desejo incontrolável de sentir o seu sabor. O
bodhisattva, que sustenta a atenção compassiva, vendo a si mesmo em todos os seres
fenomênicos, como poderia vê-los como comida? Por isso um bodhisattva não se envolve no
ato de comer carne. Grande Sabedoria, a pessoa que come carne afasta de si [a proteção de]
todos os seres celestiais, sua boca emite vapores fétidos, seu sono não é revigorante e
desperta sempre aflito e cansado, porque malignos demônios yakṣas devoram sua vitalidade.
Seu coração alimenta muitos medos e sua alimentação desregrada aumenta o risco de
enfermidades, tumores e doenças de pele, além de sempre sofrer de vermes e ter o paladar
profundamente prejudicado.
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“Grande Sabedoria, eu sempre digo às pessoas que devem considerar qualquer alimento como
se fosse a carne de um filho10, sendo assim, o que levaria um dos meus obedientes discípulos a
comer carne? Grande Sabedoria, não existe uma forma justa de se obter carne, ela é impura,
guia [a mente] a transgressões malignas, destrói inúmeros méritos e muitos sábios e ascetas
rejeitam essa prática. Assim, por que razão eu permitiria essa alimentação aos meus
discípulos, proferindo essa calúnia aos homens?
“Grande Sabedoria, te farei conhecer o puro e bom alimento. Ele é composto de arroz e vários
outros grãos, [além de] trigo, feijões, manteiga, mel silvestre e tantos outros tipos de
alimentos que são permitidos por todos os Budas. Proclamo, eu mesmo, que [tais alimentos]
são sementes de muitas bem aventuranças para homens e mulheres. A mente encontra
refúgio na confiança e serão assim cultivadas as raízes da bondade, que [espontaneamente]
não mais permitirão o surgimento do sentimento de apego, seja relacionado ao corpo, à vida
ou aos bens materiais. Compassivamente observe a todos como se fossem você mesmo, é
assim que deve agir o homem no que diz respeito à alimentação. Não insista em hábitos
danosos, como se você possuísse a natureza de um tigre ou de um lobo, mas sim [a de um ser
humano, com] o coração cheio de benevolência.
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Em outro sutra o Buda explica que o alimento deve ser considerado como uma necessidade para a
manutenção da vida, sem exageros, nem excessos. O texto contém a parábola de um casal que para
atravessar um deserto se encontra obrigado a alimentar-se da carne de seu filho único para continuar
vivo. Fazem isso, mas cheios de tristeza e comiseração e não por prazer. Essa parábola significa que o
alimento deve ser apenas um meio de continuar vivo e forte para praticar o Dharma e não um fim em si.
“’Agora o que vocês pensam, monges? Aquele casal comeria aquela comida por prazer ou por diversão
ou para ganhar peso ou para se embelezar?’
‘Não, senhor.’
‘Eles não comeriam aquela comida simplesmente para conseguir atravessar o deserto?’
‘Sim, senhor.’
‘Da mesma forma, eu lhes digo, o alimento deve ser considerado. Quando o alimento é compreendido, a
cobiça pelos cinco elementos do prazer dos sentidos é compreendida. Quando a cobiça pelos cinco
elementos do prazer dos sentidos é compreendida, não existe grilhão pelo qual um nobre discípulo
haveria de renascer.’” (Samyutta Nikaya XII.63)
4
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“Grande Sabedoria, no passado houve um rei chamado Renascido Leão 11. Seu vício no sabor e
na imagem [de alimento apetitoso] da carne proliferou de tal forma que, não satisfeito,
chegou ao ponto de comer carne humana. [Por causa de seu descontrole,] seus vassalos
deixaram de confiar nele, todos se afastaram e ele perdeu o direito de reger seu país,
afundando num imenso sofrimento.
“Grande Sabedoria, mesmo Śakrodevānām Indrah, que hoje é um rei celestial, no passado
participou das [terríveis] consequências de se comer carne. Tendo então seu corpo
transformado em um gavião, perseguia um pombo [em pleno ar]. Foi quando um rei chamado
Śivi, sentindo piedade do pombo, cortou um pedaço de sua própria carne, oferecendo-a para
poupar a vida [do pobre pássaro]. Grande Sabedoria, se Indra [que é um rei celestial,] gerou no
passado causas de infelicidade entre os seres vivos, o que dizer então [do resultado que trará a
atitude] das pessoas comuns que comem carne de forma inconsequente? Deve-se
compreender que comer carne é um ato que só envolve tristeza, para si mesmo e para o
próximo. Sabendo disso, o bodhisattva não participa do ato de comer carne.
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“Grande Sabedoria, no passado houve um rei que decidiu sair [montado] em seu cavalo. O
cavalo [em dado momento] assustou-se e fugindo, ambos se perderam montanha adentro.
Incapaz de encontrar o caminho de volta à terra dos homens, encontrou-se com uma leoa e
uniu-se a ela naquele local, praticando o desgraçado ato de nela gerar filhos. Devido a essa
situação, esses [filhos] foram chamados de Pés Agrupados12. Aquele rei tinha um clã composto
por sete centenas de milhares de membros. Devido aos hábitos de alimentação carnívoros [da
leoa], [seu clã, que] inicialmente não se alimentava de carne, posteriormente passou a comer
pássaros e outros animais, até que ao fim chegaram ao ponto de comer carne humana. Por
causa disso, todos eles, homens e mulheres, transformaram-se em rākṣasas e em seguida
renasceram como leões, lobos, tigres, aves de rapina e outros animais dessa categoria e, por
mais que quisessem renascer como humanos, eram incapazes de escapar dos nascimentos e
mortes e encaminharem-se rumo ao nirvāṇa.
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“Grande Sabedoria, aquele que come carne acaba sendo causador de incontáveis faltas e
aquele que não se alimenta [dela] acumula grande mérito. O mundano ignorante só pensa no
que vai ganhar ou perder e é por isso que eu te explico dessa maneira. Contudo, [comer] carne
é [uma atitude] medíocre, por isso não se envolva com esse tipo de alimentação em nenhum
nível. Grande Sabedoria, o mundano ignorante toma a vida de tantas criaturas para comer! Se
ele não se alimentasse dessa forma, toda essa matança seria evitada. Sendo assim, comer
carne é a mesma coisa que matar. O desejo pelo sabor da carne dá início a um tipo de apego
11
師子生 shīzǐshēng, sct. Simhasaudasa.
Talvez ‘Pegadas Alinhadas’ ou ‘Pés Esperados’. O sentido aqui é que na descendência se via a
consequência da má ação do rei. Daí o uso das palavras 'pegadas' ou 'pés' como ideia de rastro e
'agrupados', 'alinhados' acompanhando a ideia de algo visível, previsto. A imoralidade,
irresponsabilidade, falta de reflexão sobre os próprios atos com a qual aquele rei se envolveu acabou
tendo seus resultados passados adiante e afetou não apenas a ele, mas a todos que estavam ao redor.
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tão assustador que no mundo inteiro existem pessoas implorando por comê-la, seja de aves ou
qualquer outro animal, não importa qual seja. Desesperados por tal sabor, preparam
armadilhas e espalham redes por todo lugar, seja na água, na terra ou [no alto] para capturar
animais voadores com um único objetivo: matar. [Alguns] fazem isso porque não refletem
sobre as consequências de suas ações.
"Grande Sabedoria, contudo, também existem pessoas cujo coração é totalmente desprovido
de bondade. Eles dedicam-se a tais atos de violência e em nada diferenciam-se de rākṣasas.
Quando [tais pessoas] veem um ser vivo, imediatamente pensam em sua carne e falam de
como poderão comê-la. Grande Sabedoria, não existe carne que não seja resultado de uma
morte, quer você a tenha causado ou quer tenha sido outra pessoa. Não existe outra
possibilidade, nem outra forma de obtê-la, sendo assim, como seria permitido a um śrāvaka13
alimentar-se de carne?
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“Grande Sabedoria, no futuro haverá tolos iludidos que parecerão terem deixado suas casas
[para tornarem-se ascetas], familiarizados com meu ensino, mas que farão discursos
distorcidos, denegrindo as regras de conduta, vilipendiando o Verdadeiro Dharma e tornandoo confuso, afirmando que me ouviram dizer que carne também pode ser comida. Grande
Sabedoria, como eu seria capaz de permitir que os śrāvakas comessem carne? Não haveria
compaixão em meu coração se eu fizesse isso com aqueles que se esforçam na prática da
absorção meditativa e nas austeridades do Grande Veículo. Eu já não disse que os bons
homens e boas mulheres devem manter em mente a ideia de que todo tipo de carne pertencia
a um filho único?
"Grande Sabedoria, isso vale para todas as pessoas, em qualquer lugar das dez direções do
espaço e nos três períodos de tempo, [passado, presente ou futuro,] e agora, neste sutra [essa
restrição se aplica tanto para] uma morte causada por você mesmo ou por algum outro [em
seu lugar]. [O consumo de] todo e qualquer tipo de carne deve cessar completamente. Grande
Sabedoria, eu nunca antes permiti aos meus discípulos que comessem carne e nem o
permitirei agora.
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“Grande Sabedoria, o mundano ignorante se ocupa de comer carne, mas o renunciante, que
abandonou as preocupações da vida comum, considera [alimentar-se assim] como [um ato]
impuro. Grande Sabedoria, pode haver um tolo iludido que diga a calúnia de que eu, o
Tathāgata, permiti que se comesse carne ou que eu mesmo tenha comido. Saiba que aquele
que disser isso está se atando a um karma tão terrível que o assegurará cair eternamente em
lugares de cada vez mais demérito.
“Grande Sabedoria, nenhum dos meus discípulos nem sequer se alimenta da mesma forma
que um homem mundano, quanto menos tomariam por alimento carne e sangue que são
coisas impuras [e inapropriadas] para se comer! Grande Sabedoria, os meus discípulos, os
13
聲聞 shēngwèn. Lit. ouvinte, ou seja, um discípulo.
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praticantes solitários e também os bodhisattvas, todos têm apenas o Dharma por alimento. O
que então alguém pode dizer do [próprio] Tathāgata?
“Grande Sabedoria, o corpo do Tathāgata é o Dharma e [esse corpo] não se contamina com a
ingestão de outros corpos. Grande Sabedoria, eu removi todas as minhas aflições. Eu me
purifiquei de todos os hábitos nocivos. Eu fiz a escolha virtuosa de [desenvolver] uma mente
plena de inteligência e sabedoria. A compreensão [do conceito] da Grande Compaixão nivela
com igualdade e de forma abrangente a todos os seres fenomênicos, considerando [a todos
eles] como se fossem um filho único. Como eu permitiria aos śrāvakas e discípulos que
comessem a carne de seus próprios filhos? Quanto menos ainda eu comeria!”
Tendo explicado sobre como é a ilusão da forma e como distingui-la [da realidade], o Honrado
do Mundo reiterou [sua explicação] através de versos dizendo:
“Todos [os seres] possuem relações de apreço e proximidade [com outros]
E inúmeras imoralidades continuamente serão produzidas
Pelo horror [causado] a tantos seres vivos.
Assim, [entendendo isso,] não se envolva no ato de comê-los.
“Todos os tipos de carne, cebolinha verde,
Ervas de cheiro forte, alho14 e bebidas alcóolicas
São certamente coisas impuras
E o que pratica a renúncia deve se apartar delas.
“Também se afaste do óleo de semente de gergelim15
E não durma próximo a buracos na terra,
Pois pode haver serpentes vivendo ali
E você pode acabar as assustando.
“[Pensar excessivamente em] alimentos e bebidas faz surgir um comportamento negligente.
[Não estar atento] ao comportamento negligente faz surgir uma conduta perversa.
Tal conduta é seguida pelo surgimento do apego.
Portanto, a comida não deve ser uma preocupação.
“A conduta perversa, assim dando surgimento ao apego,
Faz com que a mente permaneça como que intoxicada.
A mente viciada e presa aos desejos
Nunca se libertará dos nascimentos e mortes.
14
Ervas e temperos picantes ou com cheiro forte eram proibidos naquela época, pois se acreditava que
eram sexualmente excitantes. Além disso, provavelmente os monges, num país de clima quente como a
Índia, as evitavam também para que não produzissem mau hálito ou suor com cheiro forte quando
precisassem se apresentar às pessoas.
15
Na Índia antiga as pessoas espalhavam óleo de gergelim pelo corpo como perfume. Assim, seria
considerada uma vaidade, uma distração, já que os monges não usavam adornos.
7
“É através da morte de seres vivos
E [também] através da ganância que se obtém carnes [para comer].
Ambas situações produzem um karma maligno
Que, findando a existência, os fará cair no Inferno dos Gritos.
“Eu não ensinei, nem orientei que se procurasse [algo assim]
Ao nomear os três tipos de permissões16.
Não há nesse mundo uma relação com a carne
Onde eu tenha permitido comê-la sem que haja consequências.
“Aqueles que devoram uns aos outros
Ao findar sua existência renascerão entre bestas malignas,
Que serão ignorantes ou mentalmente perturbadas.
Sendo assim, não se envolva nesse tipo de alimentação.
“Tornam-se caṇḍālas caçadores,
Filhos de rākṣasas que apreciam massacres.
Renascer sempre entre tais [seres inferiores]
É a retribuição que cabe ao que toma carne como alimento.
“Aquele que se alimenta [assim] sem sentir remorso, nem vergonha,
Renascerá continuamente com a mente perturbada.
Todos os Budas e também os bodhisattvas
E śrāvakas desaprovam [tal comportamento].
“Isso está contido no Sutra da Grande Nuvem17,
No Sutra do Nirvana, no Sutra Aṇgulimālya18
E também neste Sutra Laṅkâvatāra
Onde eu digo que todos devem abster-se permanentemente de carne.
“Independentemente do que alguém tenha dito ou escutado antes,
Todo tipo de [consumo de] carne deve ser abandonado.
Pois é um hábito danoso e maléfico
Que apenas os tolos mentem para defender.
16
A exceção para o monge alimentar-se de carne, como consta em alguns textos, eram no caso dele
"não ter visto, nem ouvido, ou nem mesmo suspeitar" de que um animal teria sido morto
exclusivamente para ele. Analisando outras regras, como a de que se ele encontrasse carne em seu
prato deveria separar e se não fosse possível separar, que não deveria comê-la, fica simples entender
que essas três exceções significam meramente que comê-la ou descobrir que a comeu sem perceber
representava um instante imprevisível, uma situação onde por um total acaso, por um descuido, a
pessoa que serviu o alimento ao monge, inadvertidamente ou não tendo alternativa, acabou
misturando, servindo junto a outros alimentos, etc., e ele, sem saber disso, acabou comendo.
17
大雲 Dàyún
18
央掘 Yāngjué
8
“Criando apegos que são obstáculos à liberação19,
A carne e tudo que provém dela,
Quando é comida pelos homens
Os torna incapazes de adentrar ao caminho da sabedoria.
“No futuro haverá seres que,
Sobre a carne, farão a ignorante e iludida afirmação:
'Está purificada, não haverá consequências!
O Buda disse que podemos comer!'
“'É um alimento puro, [é bom para a saúde] como um remédio!'
[Mas eu digo,] mantenha em mente que é a carne de seu filho!
É assim que age o praticante esforçado.
É ponderando assim [como eu digo] que ele sai para pedir seu alimento.
“Comer carne vai na direção oposta à liberação.
Se presta apenas a profanar a imagem do sábio.
Causa o terror aos seres surgidos,
Portanto, não se dedique a comê-la.
“Aquele que habita calmamente num coração compassivo,
Digo que deve definitivamente criar desgosto
Pelo renascimento como leão, tigre ou lobo,
Cessando de uma vez por todas a peregrinação [aos mundos inferiores].
T0672_.16.0624c17
Quer seja carne, bebidas alcóolicas ou o que for,
Não se alimente de nada disso!
Você deve renascer em meio aos sábios e inteligentes,
Opulentos e dotados de conhecimento e cognição superior.
____________________
[Fim do capítulo VIII]
19
Do ciclo de renascimentos.
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