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INTELECTUAIS NEGRAS
HOOKS, Bell. Intelectuais negras. Estudos feministas, Florianópolis, v. 3,
n.2, p. 464-478, ago./dez. 2005.
B
ell Hooks em seu texto Intelectuais Negras, discute sobre a
importância do trabalho do intelectual, sobretudo a respeito daquilo
que desvaloriza as intelectuais negras e os seus dilemas.
A autora inicia o seu texto de forma relevante, afirmando que numa
sociedade fundamentalmente anti-intelectual, é difícil para os intelectuais
comprometidos e preocupados com mudanças sociais radicais afirmar o
impacto significativo dos seus trabalhos. Segundo ela, é esta desvalorização do
trabalho intelectual que torna difícil para indivíduos que vem de grupos
marginalizados considerarem este trabalho uma atividade útil.
Diante de uma infância perseguida, Bell Hooks afirma ter valorizado
o trabalho intelectual porque oferecia recursos para intensificar a
# Estudante de graduação no curso de Licenciatura em Letras, na Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB), campus Jequié, BA. Bolsista do PIBID.
1 Bell Hooks é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, escritora norte-americana nascida em 25 de
setembro de 1952, no Kentucky – EUA. O apelido que ela escolheu para assinar suas obras é uma
homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. O seu texto é assinado com letra minúscula, opção da
própria autora. O artigo aqui resenhado é a tradução de HOOKS, Bell. Black women intellectuals.
In: WATKINS, G.;WEST, C. Breaking bread - Insurgent black intellectual life. Boston: South End
Press, 1991. [Tradução de Marcos Santarrita.].
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sobrevivência e o prazer de viver. A sua opção de se voltar para este exercício
está relacionado ao objetivo de sobreviver a uma infância dolorosa. A mesma
acreditava que era a partir desta opção que ela entenderia a sua realidade e o
mundo em volta. Sendo assim, afirma que nunca pensou a intelectualidade
divorciada do exercício da política do cotidiano.
Ainda sobre a opção de tornar-se intelectual, de forma consciente
Hooks consegue dialogar com a afirmação de Cornel West: “A opção de
tornar-se um intelectual é um ato de auto-imposta marginalidade” afirmando
que embora ele apresente possíveis motivos comuns pelos quais alguns negros
escolheram o trabalho intelectual, podem coexistir com motivações mais
difíceis de indicar, sobretudo no espaço público.
Hooks acredita no trabalho intelectual como uma parte necessária da
luta pela libertação. Porém, compreende que a subordinação sexista na vida
intelectual negra continua a obscurecer e desvalorizar a obra das intelectuais.
Neste sentido, não deixa de criticar a falta de discussão do impacto dos papéis
sexuais e sexismo no ensaio O Dilema do Intelectual Negro – escrito por
Cornel West. Segundo ela, apesar de West não ter feito o enfoque feminista, o
momento histórico (1985) em que foi escrito o ensaio favorecia esta
discussão.
Segundo a teórica Bell Hooks, muito pouco se escreveu sobre
intelectuais negras e quando a maioria dos negros pensa em grandes mentes,
quase sempre vem a imagem de homens. Ela justifica essa invisibilidade
afirmando que é ao mesmo tempo em função do racismo, do sexismo e da
exploração de classe institucionalizados, e um reflexo da realidade, já que um
grande número de negras não escolhe o trabalho intelectual como sua
vocação.
Em seu texto, Hooks se baseia no ensaio Crítica, Ideologia e Ficção
de Terry Eagleton, que apresenta o intelectual não apenas como alguém que
lida somente com ideias, mas, alguém que lida com ideias transgredindo
fronteiras discursivas; alguém que lida com ideias em sua vital relação com
uma cultura política mais ampla.
Hooks é ainda mais incisiva quando pontua que a negação às
mulheres a oportunidade de seguir uma vida intelectual é atuação do
patriarcado capitalista com supremacia branca. Ela, acredita que só através da
resistência efetiva é possível exigir o direito de afirmar uma presença
intelectual.
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A autora também discorre sobre um assunto muito relevante, a
construção dos estereótipos voltados ao corpo feminino negro. Para ela, esta
construção é o que categoriza em termos culturais, como bastante distante da
vida mental. Outro dilema apresentado no texto é sobre a dificuldade de fazer
do trabalho intelectual uma prioridade essencial, segundo a autora, é
responsável por isso a socialização sexista inicial que ensina às negras que o
trabalho mental tem de ser sempre secundário aos afazeres domésticos, ao
cuidado dos filhos, ou a um monte de outras atividades servis.
Hooks pontua também a crítica feita por West em O Dilema do
Intelectual Negro, sobre os modelos burgueses de vida intelectual que a
concebem somente em termos individualistas ou elitistas, e oferece como
alternativa o modelo da “insurgência”, novo “regime de verdade” que atenda
às necessidades da comunidade negra. Ao confessar que grande parte do
trabalho intelectual se realiza em isolamento, logo questiona como podem as
negras enfrentar a escolha do isolamento necessário sem entrar no modelo
burguês? Por isso apresenta a diferença que há entre o isolamento exercido
pelo homem e pela mulher. Assim, ela afirma que para sentir que temos
direito a um tempo solitário, as negras, devem romper com as ideias
sexistas/racistas sobre o papel da mulher e a descolonização da sua mente
parece ser fundamental para se tornar uma intelectual.
Segundo a feminista Bell Hooks a política do patriarcado torna a
situação dos intelectuais negros diferente da das negras, pois embora eles
enfrentem o racismo, não enfrentam os preconceitos de gênero. Hooks ainda
pontua o paradigma oferecido por West que permite uma ênfase em acabar
com o sexismo e a opressão sexista como uma condição prévia para a
insurgência intelectual do negro. Segundo ela, haverá maior estímulo para que
as jovens estudantes escolham caminhos intelectuais quando comunidade
negras diversas enfocarem os problemas de gênero e o trabalho de estudiosas
for lido e discutido mais amplamente nesses lugares.
Hooks acredita que o trabalho intelectual pode nos ligar a um mundo
fora da academia, aprofundar e enriquecer nosso senso de comunidade. E é
essa ideia interessante que ela afirma querer compartilhar com as jovens
negras temerosas de que o trabalho intelectual nos aliene do mundo “real”.
Portanto, conclui, orientando as intelectuais negras comprometidas
com práticas insurgentes a reconhecer o apelo para falar abertamente sobre a
vida intelectual e sobre o trabalho como forma de ativismo. Pois, segundo ela,
quando o trabalho intelectual surge de uma preocupação com a mudança
social e política radical, quando esse trabalho é dirigido para as necessidades
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das pessoas, nos põe numa solidariedade e comunidade maiores e enaltece
fundamentalmente a vida.
A leitura do texto de Bellh Hooks é de suma importância para quem
deseja compreender os dilemas específicos e encarar os desafios do exercício
das intelectuais negras preocupadas com o social e o político.