Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes comerciais

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Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes comerciais
Alim. Nutr.= Braz. J. Food Nutr., Araraquara
2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31
ISSN 0103-4235
e-ISSN 2179-4448
Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes
comerciais de uma universidade da cidade de São Paulo.
Sodium and lipid levels in meals at commercial restaurants
in a food court at a university in the city of São Paulo
Ana Paula da SILVA1
Gisele Cristina DIAS1
Edeli Simioni de ABREU2
Mônica Glória Neumann SPINELLI2
Andrea Carvalheiro Guerra MATIAS2
Resumo
Abstract
Introdução: As gorduras e o sódio têm contribuído
significantemente para o aumento das doenças
crônicas não transmissíveis. Objetivo: avaliar os
teores de lipídeos e sódio de refeições oferecidas em
dois restaurantes comerciais à La carte de uma praça
de alimentação de uma Universidade da cidade de
São Paulo (SP), em 2010. Material e Métodos: Tratase de um estudo transversal, cuja coleta ocorreu em
três dias alternados, durante uma mesma semana.
Cada alimento foi analisado separadamente e em
duplicata, totalizando 36 amostras. Os lipídeos foram
determinados pelo método de Soxhlet e os teores de
sódio por Espectrofotometria de Absorção Atômica.
Resultados: Um dos restaurantes excedeu o limite
recomendável de lipídeos em dois dias enquanto o
outro permaneceu dentro dos parâmetros de tolerância
nos três dias avaliados. Um dos restaurantes apresentou
quantidades expressivas de sódio em apenas um dos
dias, enquanto o segundo restaurante obteve teores
de sódio acima do limite tolerável para uma refeição
em todos os dias avaliados. Conclusão: os valores de
sódio e lipídeos encontrados neste estudo apontam para
uma possibilidade de risco à saúde, principalmente
entre os que fazem uso diário dos restaurantes.
Introduction: Dietary fats and sodium have
contributed significantly to the increased incidence
of noncommunicable diseases. Objective: the aim
of this work was to evaluate the levels of lipids and
sodium in meals offered at two commercial restaurants
located in a university food court in São Paulo, in 2010.
Methods: A cross-sectional study was conducted, and
the sample collection took place on three alternate
days during the same week. Each food was analyzed
separately in duplicate (36 samples total). The lipids
were quantified by the Soxhlet method, and sodium by
atomic absorption spectrophotometry. Results: One
of the restaurants exceeded the recommended limit of
lipids on two days, while the other remained within the
tolerance parameters on the three days tested. One of
the restaurants had excessive amounts of sodium on
only one day, while the second restaurant had sodium
levels above the tolerable limit in a meal on all days
evaluated. Conclusion: It was concluded that sodium
and lipid concentrations at these restaurants pose a risk
to health, particularly, among the customers who come
daily.
Key-words: restaurant; food analysis; sodium; lipid.
Palavras-chave: restaurantes; análise de alimentos;
sódio; lipídeos.
1 Nutricionista graduada pela UPM
2 Profa. Dra. - docente do curso de nutrição Universidade Presbiteriana Mackenzie – CCBS – Curso de Nutrição
Autor correspondente: Mônica Glória Neumann Spinelli. Telefones: (11)99442-1211/ (11)2114-8682. E-mail: [email protected]; [email protected]
Rua Itacolomi 293 ap.81 Higienópolis, São Paulo, SP. CEP: 01239-020
SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31.
Introdução
Na segunda metade do século XX, a sociedade
brasileira passou por um intenso processo de transformação
devido ao desenvolvimento industrial. Entre as mudanças,
destacam-se os novos hábitos sociais e a mudança no padrão
de consumo alimentar gerada pelos longos deslocamentos
e a extensa jornada de trabalho, que impedem que grande
parte das pessoas realize suas refeições regulares em família
(1). Para uma expressiva camada da população, a refeição
fora de casa passa a ser uma das alternativas viáveis (2).
O ato de comer fora tem desempenhado papel decisivo
nas alterações da alimentação da atualidade e sugerese, inclusive, que esse consumo seja uma das principais
mudanças nos hábitos alimentares contemporâneos (3).
Nesse processo, as pessoas buscam cada vez mais por
serviços nos quais possam escolher livremente os alimentos,
o que nem sempre é feito de forma saudável (4).
As possíveis inadequações nutricionais das refeições,
quando consumidas fora de casa, estão relacionadas a
diversos aspectos, desde o tipo de alimento escolhido, a
técnica de preparo utilizada até a combinação de alimentos
feita pelo consumidor na composição de sua refeição (5).
Entre os nutrientes que têm causado preocupação, as
gorduras e o sódio têm contribuído significantemente para
o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (6).
Os lipídeos, em quantidades corretas, são
importantes fornecedores de ácidos graxos essenciais,
servem para poupar a degradação de proteínas com função
energética, adicionar sabor e palatabilidade à dieta e dar
a sensação de saciedade. As gorduras retardam a digestão
e consequentemente a sensação de fome, promovem a
absorção de vitaminas lipossolúveis, fornecem componentes
estruturais das membranas celulares, secreções digestivas
e hormônios, além de isolar e controlar a temperatura
corporal (7), tendo a sua função na nutrição humana e seus
efeitos no organismo, intensamente pesquisados. Apesar
das importantes funções das gorduras é necessário que
se tenha um controle da sua ingestão (8), pois têm sido
quase um consenso entre pesquisadores que a ingestão
excessiva de gordura saturada está relacionada com várias
doenças. De um modo geral, a base fisiopatológica para os
eventos cardiovasculares é a aterosclerose, processo que se
desenvolve lentamente, de maneira insidiosa, aumentando
o risco de doença da artéria coronária e favorecendo a
incidência de diabetes, por reduzir a sensibilidade à insulina
(9). Asmodificações na composição lipídica da dieta podem
promover alterações nos níveis séricos de colesterol,
evidenciando o efeito da dieta nos níveis de colesterol
plasmático. Os ataques cardíacos e a aterosclerose são
raros em populações que apresentam baixos níveis de
colesterol plasmático. Porém, quando essas adotam dieta
tipicamente “ocidental”, apresentam, como consequência,
níveis plasmáticos de colesterol elevados, aumentando a
incidência de doenças isquêmicas cardíacas (10).
Do ponto de vista nutricional, o sal pode
desempenhar um importante papel para a saúde humana,
26
não apenas por ser utilizado de maneira universal no
preparo, na industrialização e conservação dos alimentos,
mas também devido à sua característica de ser ingerido
diariamente, o que o torna fonte principal de sódio e cloro
e um veículo ideal de iodo (11).
Com base nas informações da Pesquisa de
Orçamento Familiar - POF 2002/03 (12), estima-se que o
consumo médio de sal pela população brasileira deva ser
reduzido, pelo menos, à metade para atender ao patamar
máximo de consumo diário, isto é, 5 g de sal/per capita/
dia (6).
Embora estudos apontem que a redução da ingestão
de sódio reduza a pressão sanguínea em indivíduos
sódio-sensíveis (13), Dumas (14) afirma que as refeições
realizadas fora do lar, além de serem preparadas com
produtos processados, ainda podem ser acrescidas de sal
pelo cliente uma vez que estabelecimentos disponibilizam
de saleiros e sachês.
Dumas (14) descreve que a dificuldade da retirada
do excesso de sódio da dieta reside no fato desse mineral
conferir sabor e ressaltar o paladar de outros ingredientes.
As pessoas acostumadas a ingerir habitualmente alimentos
salgados, ao reduzirem a quantidade de sal adicionada
às preparações, declaram sentir uma grande diferença no
paladar, relatando que a comida fica menos saborosa. Isso
acontece pelo fato de as papilas gustativas levam em torno
de até três meses para se adaptarem ao novo paladar (6).
Neste contexto, este trabalho se propõe a avaliar os
teores de lipídeos e sódio de refeições oferecidas em uma
praça de alimentação de uma Universidade privada da
cidade de São Paulo.
Material e Método
Este estudo, do tipo transversal, foi realizado em
dois restaurantes comerciais à La carte de uma praça
de alimentação de uma Universidade da cidade de São
Paulo (SP), no ano de 2010, aqui designados como
“Restaurante 1” e “Restaurante 2”. Estes foram escolhidos
por oferecerem diariamente preparações intituladas “prato
do dia”, caracterizadas por serem uma refeição de preço
único, com cardápio variável conforme o dia da semana.
O “Restaurante 1” serve em média 60 refeições e o
“Restaurante 2” aproximadamente 350 na refeição almoço.
Foram levantados o cardápio semanal, a quantidade de
refeições servidas por dia, a padronização das porções
dos alimentos que compunham os pratos servidos e uso de
fichas técnicas para controle dos ingredientes utilizados nas
preparações.
A coleta das amostras ocorreu no mês de Maio
de 2010, em três dias alternados de uma mesma semana
(segunda, quarta e sexta-feira). Foram coletados cerca de
100 g de cada preparação, doadas pelos estabelecimentos
em estudo. Cada alimento que compunha o prato foi
pesado separadamente em balança digital marca Filizola®
modelo BP3 com capacidade máxima de medição de 3 kg
e sensibilidade para 20 g. Logo após, as amostras foram
SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31.
acondicionadas sob refrigeração nas temperaturas de 4 a
10ºC, em sacos plásticos devidamente identificados.
Em seguida, as amostras foram trituradas em um
liquidificador marca Walita®, modelo RI 7748. Para
obtenção do material dessecado, foram separadas 100 g de
cada amostra e levadas para o forno combinado Rational
Clima Plus Combi® CPC à temperatura de 60 ºC por 24
horas. Posteriormente, as amostras foram passadas por
uma peneira metálica, transferidas para graal onde foi feita
a trituração aos poucos. Na sequência, as amostras foram
tamisadas em um tamis de malha 20 mesh e armazenadas
em potes plásticos transparentes com tampa em um
dessecador, de acordo com a metodologia das Normas
Analíticas do Adolfo Lutz - Métodos Químicos e Físicos
para Análise de Alimentos (15).
Cada uma das 17 preparações culinárias foi analisada
separadamente em duplicata, totalizando-se 34 replicatas.
O teor de umidade foi determinado pelo método
de secagem das amostras até peso constante, utilizandose estufa (marca: Quimis®, modelo: Q317M-32-220V ventilada) à temperatura de 105°C, com circulação ativa
durante 24 horas (15).
Os lipídeos foram determinados pelo método de
Soxlet, utilizando como solvente hexano, em extrator mod.
MA- 487, Marconi®, por um período de 6 horas. Após
a evaporação do solvente, foram dessecadas em estufa
ventilada a uma temperatura de 105°C até que não houvesse
variação do peso após duas pesagens consecutivas (15).
A preparação do resíduo mineral fixo utilizada para
o preparo do material destinado para determinação de
sódio, foi conduzida em forno Mufla, modelo Q318M24
da marca Quimis®, na faixa de temperatura entre 500 a
550 °C, pela incineração até obter um resíduo de coloração
branca (15). A quantificação do teor de sódio foi realizada
por Espectrofotometria de Absorção Atômica, utilizando
equipamento da marca Varian®, modelo AA-1275,
onde foi realizada a leitura das amostras e em seguida a
leitura do padrão, e, assim, determinou-se a concentração
correspondente de sódio (16; 17).
Para verificar a adequação nutricional de cada
preparação, utilizou-se o Guia Alimentar para a População
Brasileira (6), que recomenda a ingestão diária de 2000
Kcal de valor energético total (VET) por dia. As refeições
maiores, no caso o almoço, devem representar de 30 a 40 %
do VET, portanto, para a determinação de lipídeos seguiuse a recomendação da OMS (18) na qual se estabelece
valores entre 15 a 30 % do VET, neste caso 15 a 30 % de
600 a 800 Kcal, ou seja, 10 a 26 g de lipídeos.
A adequação dos teores de cloreto de sódio
usualmente servidos nos restaurantes analisados foi
comparada com a recomendação diária do nutriente
segundo o National Research Council (19) e o Guia
alimentar para a População Brasileira (6) que estabelecem
uma ingestão máxima de 1500 mg a 2000 mg de sódio ao
dia, respectivamente. O limite do mineral por refeição foi
estabelecido segundo as recomendações do VI Diretrizes
de Hipertensão (20)– de 5 g de sal/dia e no máximo 6 g
sal/dia. Como as refeições maiores devem representar de
30 a 40 % das necessidades diárias, o teor de sódio deveria
variar entre 600 e 800 mg no caso de 5 g de sal e 720 a 960
mg para 6 g de sal, com base em uma dieta de 2000 kcal.
Para a organização dos dados e a tabulação das informações
coletadas utilizou-se o programa Microsoft Excel, versão
2007. Realizou-se estatística descritiva.
Embora as análises tenham sido executadas durante
apenas três dias em cada um dos restaurantes, o Quadro 1
apresenta o cardápio oferecido na semana inteira, nos dois
restaurantes, para permitir uma maior compreensão.
O presente trabalho seguiu todos os procedimentos
éticos exigidos para pesquisa com seres humanos e foi
aprovado pelo processo CEP/UPM no 1173/09/2009.
Resultados
Em decorrência dos restaurantes pesquisados
não pertencerem ao mesmo proprietário apresentaram
diferenças relevantes, tanto na quantidade de refeições
servidas quanto na composição dos cardápios. O
“Restaurante 1” não ofereceu feijão e salada em nenhum dia
da semana, e os pratos eram compostos em sua maioria por
três componentes, enquanto que o “Restaurante 2” serviu
feijão em dois dias da semana e salada em todos os dias,
tendo seus pratos compostos sempre por 4 componentes
(Quadro 1, Tabelas 1 e 2).
Na Figura 1 apresenta-se a distribuição das
refeições servidas nos 3 dias de coleta pelos restaurantes (1
e 2) segundo a quantidade de lipídeos (g).
Observa-se que o “Restaurante 1” excedeu o
limite recomendável de lipídeos em dois dias enquanto o
“Restaurante 2” permaneceu dentro dos parâmetros nos
três dias pesquisados.
Modos de preparo diferenciados podem alterar
sensivelmente a quantidade de lipídeos da refeição. Pode
ser observado na Tabela 1, “Restaurante 1”, que a berinjela
à parmegiana apresenta um valor relativamente baixo de
lipídeos para esse tipo de preparação, o que ocorreu pela
forma de preparo, na qual as berinjelas foram pinceladas
com óleo e assadas para depois serem montadas à
parmegiana, ao invés de serem imersas em óleo para fritura.
Na Figura 2 apresenta-se a distribuição das refeições
servidas nos 3 dias de coleta pelos restaurantes (1 e 2)
segundo a quantidade de sódio (mg).
Observa-se, que o teor de sódio apresentou-se
quantitativamente em excesso no “Restaurante 1” em
apenas um dos dias, (70 % da necessidade diária), enquanto
o “Restaurante 2” excedeu o limite tolerável de sódio (720
a 960 mg) para uma refeição durante os três dias avaliados.
Discussão
Os cardápios nos restaurantes pesquisados, nos
dias avaliados, fugiram ao padrão alimentar brasileiro. O
“Restaurante 1” serviu arroz em quatro dos cinco dias e
nenhuma vez feijão e o “Restaurante 2”, apesar de servir
27
SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31.
Figura 1. Quantidade de lipídeos (g) nas refeições servidas
nos Restaurantes 1 e 2 em três diferentes dias. São Paulo,
2010
Figura 2. Quantidade de sódio (mg) nas refeições servidas
nos Restaurantes 1 e 2. São Paulo, 2010.
o arroz todos os dias, serviu feijão em apenas dois. Esse
fenômeno é possivelmente decorrente do cosmopolitismo,
que favorece o desejo de uma alimentação mais variada
e sofisticada, que reproduz costumes alimentares de
diferentes povos (21). A mistura arroz e feijão constitui a
base da dieta da população brasileira. Por seu baixo custo
e sendo acessível a todas as classes sociais contribui para a
segurança alimentar (22).
Pode-se dizer que esta mistura traz benefícios para
a saúde, uma vez que a proteína do arroz é deficiente no
aminoácido lisina, mas compensada pela lisina presente
no feijão. Este por sua vez é deficiente do aminoácido
metionina, que é compensado pela metionina do arroz.
Essa compensação ocorre quando a mistura de arroz com
feijão está na proporção de 3:1 (23).
28
Além de adequação aos hábitos alimentares, mesmo
em coletividades consideradas sadias, é importante que
se adotem critérios nutricionais no planejamento dos
cardápios. São considerados cardápios nutricionalmente
adequados, aqueles cujos nutrientes necessários ao bom
desenvolvimento do organismo estão presentes nas
quantidades recomendadas (5).
No presente estudo, os valores de lipídios no
“Restaurante 2” foram adequados nos dois primeiros dias
(15,2 g e 16,7 g) e baixo no terceiro dia (6,6), no “Restaurante
1” os valores excederam em 115,0 % no primeiro dia e 38,0
% no terceiro (57,0 g e 36,5 g respectivamente).
Estes achados estão em acordo com os de outros
estudos como no de Mondini e Monteiro (24), na região
Sudeste, com um consumo relativo de gorduras acima do
limite máximo das recomendações propostas e o de Salas et
al. (25) com uma média de consumo de 36,6 g de lipídeos
em seis dias analisados, em uma empresa em Suzano - SP.
Foram observados valores de lipídeos nas
preparações arroz e feijão muito superiores aos das tabelas
de composição de alimentos disponíveis, tais como a
Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO
(26) e a Tabela de Composição de Alimentos (27). Esses
resultados podem ser decorrentes da falta de padronização
existente para o preparo desses alimentos. Comparando-se
os valores de lipídeos do arroz no presente estudo com os
das Tabelas TACO (26) verificou-se que no “Restaurante
1” e no “Restaurante 2” os valores aqui analisados foram
15 e 4 vezes maiores, respectivamente. No “Restaurante
2” o arroz apresentou 4 vezes mais lipídeos do que o
valor referenciado na tabela TACO (26) e ficou com valor
próximo e um pouco inferior ao da Tabela de Composição
de Alimentos (27). O feijão do “Restaurante 2” possui
3,2 vezes mais lipídeos do que o referenciado na tabela
TACO (26) e 1 grama a menos do que o valor encontrado
na tabela de Philippi (27). O mesmo pode ser observado
em um estudo feito com 14 restaurantes comerciais em
Mogi das Cruzes, SP, por Cornélio et al. (28) em que todas
as unidades avaliadas apresentaram amostras de arroz
com teor de gordura 1,5 a 11 vezes superior ao valor de
referência adotado. Quanto à análise do feijão, os mesmos
autores relataram teores cerca de 8 a 19 vezes superior ao
padrão adotado.
Essas diferenças poderiam ser minimizadas e as
quantidades de lipídeos serem adequadas somente com o
uso de receituário padrão, uma vez que esses alimentos in
natura apresentam quantidade ínfima de lipídeos e, portanto,
esta situação somente ocorre pela falta de um controle
preciso dos ingredientes utilizados no preparo, neste caso
o óleo vegetal e, eventualmente, adição de bacon, no caso
do feijão.
Entre os micronutrientes o sódio tem representado
um papel importante no desenvolvimento da hipertensão.
Estudos apontam que atualmente, o consumo de sal
excede às recomendações diárias para esse nutriente (29;
12; 30). Observa-se que os restaurantes excederam o
limite máximo recomendado de sódio (Figura 2), sendo
SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31.
Quadro 1- Cardápios de dois restaurantes localizados no campus de uma universidade privada do município de São Paulo.
São Paulo, 2010.
Cardápios
“Restaurante 1”
“Restaurante 2”
Dia 1
Dia 2
Dia 3
Dia 4
Dia 5
Filé de Frango à
Parmegiana
Arroz Branco
Batata Frita
Carne assada ao Molho
Madeira
Purê de batata
Arroz branco
Berinjela à Parmegiana
Arroz branco
Frango recheado
Arroz branco
Batata Frita
Lasanha
Dia 1
Dia 2
Dia 3
Dia 4
Dia 5
Tiras de contra- filé
Arroz branco
Purê de batata
Salada de agrião com
pedaços de laranja
Bife à Milanesa
Arroz Primavera
Ratatouille
Salada de agrião
Contrafilé grelhado
Arroz branco
Feijão
Salada de alface, cenoura
ralada, tomate e cebola
Frango à Milanesa
Arroz branco
Creme de milho
Salada de rúcula
Iscas de frango com
legumes
Arroz branco
Feijão
Salada de agrião
Tabela 1. Distribuição das preparações do cardápio de três dias da semana do Restaurante 1 segundo seu porcionamento,
teor de lipídeo e sódio. São Paulo, 2010.
Preparação
Porção
(g)
Lipídeos
(g/100 g)*
Lipídeos
(g/porção)
Na
(mg/100 g)*
Na
(mg/porção)
Filé de Frango à Parmegiana
170
11,6± 0,9
19,7
479,1±10,5
814,4
Arroz branco
144
2,5±0,6
3,6
147,2±12,3
211,9
Batata frita
97
34,7±1,6
33,7
701,4±21,3
680,3
Berinjela à Parmegiana
169
4,6±0,8
7,8
188,9±11,2
319,2
Arroz branco
137
3,4±0,4
4,7
156,4±9,6
214,3
Lasanha
369
9,9±0,9
36,5
171,3±13,2
632,1
Dia
1
2
3
*média±desvio-padrão
Tabela 2. Distribuição das preparações do cardápio de três dias da semana do Restaurante 2 segundo seu porcionamento,
teor de lipídeo e sódio. São Paulo, 2010.
Preparação
Porção
(g)
Lipídeos
(g/100 g)*
Lipídeos
(g/porção)
Na
(mg/100 g)*
Na
(mg/porção)
Tiras de contrafilé
114
5,3±0,8
6,0
488,3±22,6
556,7
Dia
Arroz branco
170
0,7±0,3
1,2
444,10±19,5
755,0
Purê de batata
160
4,8±1,1
7,7
460,5±29,2
736,8
Salada de agrião com pedaços de
laranja
58
0,5±0,1
0,3
97,9±6,5
56,8
Contrafilé grelhado
124
10,5±2,1
13,0
570,7±35,1
707,7
Arroz branco
153
0,7±0,2
1,1
72,2±s= 13,1
110,5
Feijão
123
2,0±0,6
2,5
514,4±28,8
632,7
Salada de alface, cenoura ralada,
tomate e cebola
13
0,1±0,0
0,0
4,0±0,1
0,5
Iscas de frango com legumes
98
3,3±0,8
3,2
229,7±21,4
225,1
Arroz branco
183
0,9±0,3
1,6
159,6±14,0
292,1
Feijão
151
1,2±0,3
1,8
473,6±26,7
715,1
Salada de agrião
102
0,0±0,0
0,0
56,1±8,8
57,2
1
2
3
*média±desvio-padrão
esse fato presente em maior frequência no “Restaurante
2”. Ressalta-se que todos os alimentos foram analisados
da forma como eram servidos pelos restaurantes, sem
considerar a adição de sal que cada cliente poderia utilizar
no momento da refeição, seja por uso de saleiros ou sachês
com 1g de sal, comumente distribuídos nas mesas ou no
balcão de serviço.
Tratando-se da adequação dos micronutrientes
em cardápios em restaurantes comerciais, pouco se têm
estudado. Níveis altos de sódio foram encontrados por
Salas et al. (200925) em uma empresa do município de
Suzano – SP, que referiram uma média de consumo de sódio
na refeição almoço, sem considerar o sal de adição pelo
cliente, equivalente a 2435 mg, superior à recomendação
diária de 2400 mg, e Fausto et al. (31) que apontaram
teores de 6190 à 8940 mg.
Spinelli et al. (32), estudando 15 restaurantes
comerciais em Mogi das Cruzes – SP, relataram que a
média de sódio presente nas refeições excedeu em 25 %
a quantidade máxima de sódio recomendada, pelo Guia
Alimentar (6), para uma única refeição apenas com os
três alimentos – arroz, feijão e carne.
29
SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31.
Analisando 100 g do alimento arroz branco
(Tabela 1), presente no cardápio de ambos restaurantes
em mais de um dia, observou-se uma grande variação do
teor de sódio no “Restaurante 2” comparativamente ao
“Restaurante 1”. Essa irregularidade pode ser explicada
pelo uso de temperos prontos comumente utilizados
em alguns dias da semana, conforme relatado pelo
proprietário do restaurante. Nesse caso, supõe-se que
seu uso ocorreu na segunda-feira, dia em que o arroz
branco apresentou maiores teores de sódio.
Dos dias analisados, ressalta-se que o “Restaurante
1” relatou fazer uso de tempero pronto apenas na
preparação Filé de Frango à Parmegiana, na segundafeira; o único dia da semana em que o estabelecimento
excedeu às recomendações de sódio (Tabela 1).
As maiores variações de sódio em um mesmo
tipo de preparação ocorreram no “Restaurante 2”
apesar deste estabelecimento ter relatado fazer uso de
Receituário Técnico Padrão (RTP). O “Restaurante 1”
referiu não fazer uso de nenhum tipo de padronização
dos ingredientes utilizados como temperos (sal, ervas,
especiarias, temperos prontos, etc.). Segundo Abreu
et al. (33), o receituário padrão é um dos principais
instrumentos de controle do restaurante pois permite
uma padronização da qualidade.
No estudo de Kawashima et al. (34), em
restaurantes comerciais a média de sódio no arroz foi
321,9 mg/100 g (75 a 487 mg/100 g); no feijão foi de
350,2 mg/100 g (96 a 543 mg/100 g) e no prato proteico
foi de 561,4 mg/100 g (306 a 1114 mg/100 g), valores
ainda maiores e mais variados do que os encontrados no
presente trabalho. Os dados são preocupantes, visto que
ultrapassam as recomendações para esse micronutriente.
Dumas (14) e Martins (35) afirmam que o RTP
é um documento que registra passo a passo o processo
de produção de uma preparação, tendo como função
registrar e padronizar as quantidades de matéria-prima
a ser utilizada. A RTP pode, assim, reduzir os custos e
os desperdícios, além de controlar o valor calórico e
nutrientes fornecidos, influenciando diretamente a saúde
dos clientes. Desse modo a RTP deveria ser utilizada
como ferramenta para manutenção de um controle de
qualidade mais rígido.
Assim sendo, tendo maior controle das
preparações servidas, é possível verificar a quantidade de
sódio que os funcionários adicionam e também verificar
quais as formas de melhorar seu preparo para atender às
recomendações atuais de ingestão de sódio diárias. De
acordo com Abreu et al. (33), para os funcionários, seguir
o RTP facilita a execução das tarefas sem a necessidade
de ordens frequentes, além de propiciar mais segurança
no ambiente de trabalho.
Dessa forma, conhecendo o que se produz, é
possível que a equipe do restaurante possa testar novas
formas de conferir sabor às preparações sem utilizar
somente o sal como tempero. Porém, cabe ao responsável
pelo restaurante supervisionar se os funcionários estão
30
fazendo uso dos RTP, sugestão dada ao responsável
pelo “Restaurante 2”, após devolutiva dos resultados
presentes nesse trabalho.
Uma limitação do presente estudo foi o fato de
não ter sido possível conhecer o valor energético total da
refeição consumida, uma vez que a análise laboratorial
se limitou à determinação da quantidade de lipídeos
totais e para se quantificar o valor energético total.
Assim, recomenda-se a realização de estudos futuros que
possam quantificar os teores de proteínas e carboidratos,
além do teor lipídico para realização de uma abordagem
mais ampla.
Conclusão
Os valores de sódio e lipídeos encontrados nas
refeições dos restaurantes foram elevados o que aponta
para possibilidade de risco à saúde, principalmente entre os
que fazem uso diário dos restaurantes.
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